GLOBO 19abr15 Crise bate mais forte no Rio Região Metropolitana respondeu por quase metade do corte de vagas formais no país A desaceleração da economia e os efeitos da Operação Lava-Jato já afetam o mercado de trabalho do estado. A Região Metropolitana do Rio foi responsável por quase metade do corte de vagas formais no país. O mercado de trabalho no Rio começa a dar sinais de freada brusca. Com as incertezas do setor de petróleo e os efeitos da desaceleração econômica no país, os dados são claros: dos 84.189 postos com carteira assinada eliminados no Brasil nos dois primeiros meses do ano, quase metade (39.722) estava concentrada na Região Metropolitana do Rio. Somente em fevereiro, das 2.415 vagas cortadas no país, 82,5% estavam na cidade do Rio e 61,47%, no estado, de acordo com dados do Ministério do Trabalho, compilados pela Tendências Consultoria. No primeiro bimestre, além da dispensa de temporários do comércio, que cortou 20.072 postos e é típica dessa época do ano, o saldo negativo na região foi influenciado pelo fechamento de 9.231 vagas na construção civil, principalmente por causa das demissões de operários do Comperj. Também pesou o resultado no setor de serviços, que teve saldo negativo de 7.190 vagas no mesmo período. — O quadro é de deterioração do emprego. Além da conjuntura econômica, há indício de que a região esteja sofrendo fatores pontuais por concentrar a indústria do petróleo, o escândalo da Lava-Jato e a interrupção do pagamento de fornecedores — disse Rafael Bacciotti, economista da Tendências. Os dados do mercado metropolitano, medidos pela Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, confirmam a piora. A taxa de desemprego entre janeiro e fevereiro subiu de 3,6% para 4,2%, ainda a menor entre as regiões. A renda do Rio acompanhou a queda em todas as regiões, e recuou 1,4% entre janeiro e fevereiro, o que representa a primeira variação negativa em 28 meses. O quadro fiscal do estado se soma a este cenário. Ele foi o principal fator que levou a agência de classificação de risco Standard & Poor"s a retirar, na semana passada, o grau de investimento do estado, que funciona como um selo de qualidade aos investidores. O aperto do governo estadual — que rescindiu contratos com fornecedores, contingenciou ao menos R$ 4,5 bilhões e congelou salários — tem efeito sobre o emprego, avalia o economista José Márcio Camargo, da Opus Gestão de Recursos. — Na construção civil, as obras de infraestrutura da Petrobras estão paradas, principalmente em Itaboraí. Há risco de atraso em outras obras. Não é um efeito sazonal, ao contrário, fevereiro é uma época de forte geração de emprego, mas foi fraco no Brasil e no município do Rio — disse Camargo. EFEITO SOBRE PRESTADORES DE SERVIÇOS Carro-chefe da economia, o setor de óleo e gás já sente os efeitos da queda dos preços no mercado internacional e dos desdobramentos dos escândalos de corrupção da Petrobras. Os três municípios que mais perderam vagas no ano estão de alguma forma relacionados à cadeia do petróleo, segundo Mauro Osório, da UFRJ. Em primeiro lugar está Itaboraí, afetado pelas demissões nas obras do Comperj, seguido por Niterói, sob influência da indústria naval, e Macaé, muito dependente da extração de óleo e gás. A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) já calculou em R$ 58,9 bilhões os investimentos na área de óleo e gás em risco, em razão de possíveis paralisações de empreendimentos na esteira da Lava-Jato. Para Júlio Bueno, secretário estadual de Fazenda do Rio, a crise é forte, mas passageira. Ele admite que, num primeiro momento, a decisão da S&P pode influenciar investidores, mas crê em mudança a médio e longo prazos. — As dificuldades atuais não são banais, mas são conjunturais, passageiras, provocadas por uma deterioração do cenário econômico muito brusca no segundo semestre do ano passado — afirmou. — O país ainda receberá grandes investimentos no setor de petróleo, e a maior parte desses investimentos será realizada no nosso estado. As baixas afetam não só a indústria extrativa como os serviços prestados na cadeia de petróleo. José de Sá, sócio da consultoria Bain & Company, explica que o impacto é até maior do que sobre a indústria, já que empresas de menor porte costumam ter menos margem de manobra. — Na crise, as empresas de bens e serviços sofrem mais que as operadoras de petróleo, que têm mais alavancas para acionar. Os serviços de exploração, sondas, sísmica, sentem mais o impacto. Osório, da UFRJ, diz que o momento é de incerteza, mas já vê sinais de melhora: — Ainda não dá para ver uma situação particularmente grave para o Estado do Rio. Há uma desaceleração importante e muitas incertezas, mas acho que a Petrobras já está começando a sair da crise. Quem procura emprego, porém, enfrenta dificuldades. Nove anos após chegar ao Brasil para fazer pós-graduação, o colombiano Camilo Aristizábal deve ficar desempregado em breve. A empresa em que trabalha como geólogo, uma norueguesa de pesquisa em exploração de petróleo, deixará o país em razão dos problemas econômicos do setor. — Não é uma particularidade dessa empresa, é uma situação geral — afirmou. Aristizábal já começou a enviar currículos, mas vê poucas oportunidades. Foi o que percebeu o engenheiro de petróleo Raphael Pimenta, que procura uma vaga há dois anos. Diante da falta de oferta, ele já fez pós-graduação em segurança do trabalho: — Não há oportunidades para quem é engenheiro de petróleo recém-formado. Pedem experiência. PROCURA POR EXECUTIVOS CAIU 30% A crise já causou a queda na procura de empresas por executivos no primeiro trimestre, disse André Nolasco, gerente-executivo da Michael Page no Rio. — O mercado de trabalho virou. A procura de empresas de óleo e gás caiu 30%. No mercado de construção, agora aumentou em 40% a disponibilidade de imóveis comerciais — afirmou Nolasco. Nelson Bravo, consultor na área de RH da Mercer, também atesta essa mudança: — Há dois anos, éramos contratados para trazer empregados para as empresas, oferecendo salários maiores e bônus de contratação. Este ano, fomos contratados para organizar bônus de retenção. Nolasco vê, porém, oportunidades em 2016, já que muitos investidores internacionais têm chegado ao país para ocupar o espaço deixado por fornecedores que rescindiram contrato ou quebraram. Na construção civil, Leopoldo Cunha e Herbert dos Santos foram demitidos em fevereiro pela Alumini Engenharia. Eles trabalhavam nas obras do Comperj. Cunha, que saiu do Ceará para trabalhar em Itaboraí, se preocupa, pois precisa ajudar a mãe: — Dei entrada no seguro-desemprego. Devo receber em 40 dias e tenho pedido ajuda a colegas. Para Ana Castelo, pesquisadora da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Rio e o Brasil já veem os efeitos do fim do boom do mercado imobiliário. Na capital fluminense, porém, há esperança de que as obras para as Olimpíadas amenizem o impacto. — No bimestre, o emprego na construção caiu 6,99% no país e 5,38% no Rio. Essa queda menor pode estar relacionada aos Jogos — disse. ----Cidade deve buscar diversificação A crise do petróleo que atinge em cheio o Estado do Rio pode ser um bom momento para estimular uma economia mais diversificada, principalmente na capital fluminense, avaliam especialistas. Hoje, a maior parte dos investimentos previstos para a cidade ainda está relacionada a óleo e gás, mas governo e empresas já começam a explorar outras possibilidades. — Para a capital, pode ser o momento para estimular outros setores, como serviços de ponta, pesquisa e desenvolvimento, tecnologia, informação e comunicação — diz Luísa Azevedo, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Renata La Rovere, do Instituto de Economia da UFRJ, destaca a vocação para a economia criativa, como o setor audiovisual, e de startups da área de tecnologia: — O Rio tem diversas incubadoras. As startups podem ser alternativa. Mas são necessárias políticas coordenadas. Elevar investimentos é essencial para aquecer comércio e serviços, responsáveis pela maior parte dos empregos da cidade. O impacto da crise na capital, no entanto, ainda é moderado. Embora tenha recuado, o rendimento médio na região manteve-se acima da média nacional em fevereiro, a R$ 2.391, sustentando dados positivos do comércio. O quadro fiscal também é mais favorável. No início do mês, a mesma Standard & Poor"s que rebaixou o rating estadual manteve o grau de investimento da cidade, com nota "BBB", pela "sólida gestão financeira". O país tem hoje a nota "BBB-". — O Rio se beneficia do turismo, e o percentual de servidores públicos alivia um pouco a deterioração da crise — diz o economista Rodrigo Leandro de Moura, do Ibre/FGV. Em um sinal de que o comércio ainda é menos afetado, os preços continuam em alta. Na região metropolitana, a inflação ficou em 9,11% em 12 meses, bem acima da média nacional. Para Lúcia Azevedo, da FGV, é questão de tempo: — A tendência é de algum arrefecimento na inflação. (Marcello Corrêa e Clarice Spitz) ----Escândalo da Petrobras já paralisa negócios em Macaé Cidade tem 20 mil demitidos, e arrecadação deve cair até R$ 200 milhões "Aqui em Macaé, tudo gira em torno do petróleo" Antonio Gondim Presidente da Associação Comercial e Industrial de Macaé - MACAÉ- O maior escândalo de corrupção da história da Petrobras já chegou à vida real do município de Macaé, no Norte Fluminense. A cidade, que viveu nos últimos 40 anos o boom de crescimento com a produção de petróleo na Bacia de Campos, a cem quilômetros de seu litoral, agora amarga a forte retração das atividades da estatal e das prestadoras de serviços. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores Offshore do Brasil de Macaé (Sinditob), 20 mil pessoas já foram demitidas na cidade, em vagas na indústria do petróleo, no comércio e na construção civil. O prefeito de Macaé, Aluízio dos Santos Júnior (PMDB-RJ), estima perda de receita entre R$ 180 milhões e R$ 200 milhões, do total previsto de R$ 2,4 bilhões. FOTOS DE FÁBIO ROSSI Passo o ponto. Nas ruas de Macaé, multiplicam-se as placas de "aluga-se" ou "vende-se": a economia da cidade gira em torno da exploração de petróleo Nas ruas da cidade, se multiplicam as placas de "vende-se" e "aluga-se". No calçadão da Avenida Rui Barbosa, que conta com cerca de 500 lojas, muitos imóveis comerciais estão fechados, e comerciantes reclamam da queda no movimento. Em vários bairros, é possível ver prédios em construção com as obras paradas e edifícios industriais fechados. VENDAS TÊM QUEDA DE 30% Segundo Amaro Luiz Alves da Silva, presidente do Sinditob, somente nas prestadoras de serviço de sondas e plataformas foram dispensados 5.600 trabalhadores de setembro a abril. No primeiro bimestre, a prefeitura registrou redução de 2.100 vagas com carteira assinada na cidade. A esperança para contornar a crise é diversificar atividades, com mais turismo e lazer. Ou, como resume, Marco Aurélio Maia, presidente da Macaé Convention Visitors Bureau, reconquistar o título de "princesinha do Atlântico" que a cidade ostentava nos anos 1970, quando era um município pesqueiro e agrícola. Comerciantes falam em queda de vendas de até 30%. Segundo a Associação Comercial e Industrial (Acim) da cidade, a redução é da ordem de 10%. — Aqui, em Macaé, tudo gira em torno do petróleo, porque há grandes empresas que prestam serviços para a Petrobras, médias, pequenas e comércio. Se a coisa começa a andar mal lá para cima, é o efeito cascata. Todo mundo acaba sendo afetado — destacou Antonio Gondim, presidente da Acim. A rede hoteleira da cidade, que atraiu redes de peso para o turismo de negócios, opera com ociosidade média de 45% a 50% em seus dez mil leitos. Com a crise, viver em Macaé ficou mais barato. Várias empresas que trabalhavam para a Petrobras fecharam as portas, e os preços dos aluguéis caem, em média, 35%, segundo corretores da cidade. A recepção do Sinditob de Macaé é pequena para receber as dezenas de trabalhadores que diariamente vão ao local para fazer a rescisão de contrato. Apesar do movimento, impera o silêncio, quebrado apenas pelo som repetitivo da batida dos carimbos. Segundo o Sinditob, são feitas, em média, entre 60 e 90 homologações por dia. Rildo Batista da Silva, de 46 anos, trabalhava embarcado em plataforma há 17 anos na Brasdril, da multinacional Diamond Offshore Drilling, uma das empresas contratadas pela Petrobras para operar plataformas. Ele foi demitido em 1º de abril, num total de 60 funcionários dispensados entre os embarcados, além de 15 empregados da área administrativa. — A classe mais prejudicada é a dos trabalhadores. A empresa tem que cortar custos por causa da crise, do roubo que teve na Petrobras. Tem empresa em Macaé falindo, fechando as portas. Isso afetou todo mundo, toda a economia de Macaé — disse Rildo, que ainda não conseguiu homologar sua demissão. A paralisação de cinco sondas da Schahin Petróleo (do Grupo Schahin, que pediu recuperação judicial) era um dos assuntos mais comentados. O presidente do Sinditob disse que aguardava posição oficial da empresa em relação aos cerca de 500 trabalhadores. Procurada para falar sobre a paralisação das sondas, a empresa não comentou. Segundo Amaro Luiz , está ocorrendo uma redução grande no número de sondas em operação para a Petrobras. De acordo com dados do Sinditob, somente seis empresas tinham, no fim do ano passado, 57 sondas em operação para a Petrobras. Agora, só restam 22. Maria Luiza Cavararo trabalha no comércio de Macaé há 35 anos. Na loja em que é gerente, não há reposição de vagas. O local tem agora 14 funcionários. No mesmo período do ano passado, eram 21. — A situação está muito ruim. É um problema geral, atinge comércio, roupas, móveis, eletrodomésticos e supermercados. Tem tido muito desemprego. Tenho muitos parentes que perderam recentemente o emprego. Márcia Guesse, que há oito anos inaugurou um restaurante a quilo, conta que após a Copa do Mundo, o movimento na cidade começou a cair: — Agora, quem vai sobreviver são os fortes, aqueles que tiverem boa qualidade, uma boa proposta. Tem uma retração no mercado também porque as pessoas estão com medo do que vai acontecer. DE OLHO NO BALANÇO DA ESTATAL Assim como o mercado financeiro, o prefeito está de olho no balanço da Petrobras, que será divulgado na quarta-feira. A esperança é que a empresa anuncie em breve seus investimentos. Para ele, mais do que a queda do petróleo, considerada cíclica, o que preocupa é o efeito dos escândalos de corrupção. — Macaé não tem como não sofrer. Se a Petrobras trabalha muito, Macaé trabalha muito, se a Petrobras trabalha pouco, Macaé trabalha pouco — disse. Em 2006, os royalties representavam 52% da receita do município. Hoje, são 26%. Ao mesmo tempo, a arrecadação de tributos, principalmente do Imposto sobre Serviços (ISS), passou de 16% em 2000 para 28%. — Dizer que alguma atividade pode ocupar o déficit do petróleo por enquanto é impossível. Mas, ao longo do tempo, estamos começando a investir em novas tecnologias, como a eólica. -----