CAPÍTULO e9 Perda de Memória ria Bruce L. Miller Indre V. Viskontas MEMÓRIA EPISÓDICA ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Perda de Memória No LTM, a formação hipocampal recebe informações sensoriais processadas das áreas de associação nos lobos frontal, parietal e occipital por meio do córtex paraipocampal. Dadas essas múltiplas conexões neuroanatômicas corticais, o hipocampo encontra-se em posição adequada para criar associações entre estímulos de ocorrência simultânea em nosso mundo sensorial. As estruturas importantes envolvidas na memória episódica consistem no hipocampo, córtex entorrinal, corpos mamilares e tálamo. As alterações da memória MEMÓRIA DE LONGO PRAZO episódica podem ser devastadoras. Memórias episódicas excessivamente intensas ou dolorosas podem resultar em distúrbio de estresse No esforço para explicar por que uma lesão cerebral focal atinge pós-traumático, transtorno incapacitante no qual os pacientes repealguns aspectos da memória, mas não outros, fez-se uma distinção tidamente revivenciam episódios desagradáveis de suas vidas. Em fundamental entre memória declarativa, que se refere à memória contrapartida, a perda das memórias episódicas, como na doença de consciente para fatos e eventos, e memória não declarativa, refeAlzheimer (DA), impedirá que o indivíduo aprenda coisas novas sorente à memória para habilidades, hábitos ou outras manifestações bre o mundo e subsequentemente apagará as memórias antigas que do aprendizado que podem se expressar sem a consciência do que constituem a biografia de uma vida. foi aprendido (Fig. e9.1). Os pacientes com lesão bilateral do lobo Dada a sua localização e arquitetura anatômicas, o hipocampo temporal medial (LTM) apresentam déficits na memória declarativa tem uma capacidade singular de interligar o que aconteceu, quando apesar da memória não declarativa permanecer intacta. Por exemaconteceu e onde aconteceu. A arquitetura do hipocampo inclui uma plo, o paciente pode aprender a tocar piano durante o tempo, sem via circular de neurônios desde o córtex entorrinal até o giro dentease lembrar de uma única sessão de prática ou mesmo reconhecer o do e os neurônios CA3 e CA1 do hipocampo até o subículo e de volprofessor que pacientemente trabalha com ele todos os dias. ta ao córtex entorrinal. Essa via é profundamente lesionada na DA. ■ MEMÓRIA DECLARATIVA Elementos isolados das memórias episódicas são permanentemente armazenados nas mesmas regiões neocorticais envolvidas no procesNo sistema da memória declarativa, distinguem-se a memória episósamento e análise iniciais das informações sensoriais (neocórtex). dica e a semântica. A memória episódica possibilita a lembrança das Cada região cortical diferente contribui de maneira singular para o experiências pessoais exclusivas. Com a memória episódica, a pessoa armazenamento de determinada lembrança, e todas as regiões partirevivencia visões, sons, odores e outros detalhes de um determinacipam juntas da criação de uma representação completa da memória. do evento. Muitas memórias episódicas são mantidas por minutos e A formação hipocampal é, então, encarregada da tarefa de interligar horas, mas logo descartadas. Outras permanecem ao longo de toda estas diferentes contribuições regionais em um engrama coerente. As conexões Memória de longo prazo na formação hipocampal e entre o LTM e as regiões neocorticais são formadas mais rapidamente do que as conexões entre regiões corticais distintas. Por isso, quando Memória não declarativa determinado indício no ambiente ou o estado mental da pessoa ativam células nas regiões corticais, a rede do LTM associada Procedural Memória declarativa (habilidades àquele indício é reativada, e toda a reprePreparação Aprendizado e hábitos) não associativo sentação neocortical é fortalecida. À medida que ocorrem reativações múltiplas, Neocórtex as conexões entre as regiões neocorticais relevantes são lentamente fortalecidas até Semântica Episódica que o engrama não mais dependa da atividade do LTM, mas seja, em vez disso, inCondicionamento teiramente representado no córtex. Trabalhos recentes em seres humanos Vias e roedores mostraram que o hipocampo Estriado reflexas e estruturas corticais associadas estão envolvidos não apenas com a lembrança de Lobo temporal Áreas de associação coisas passadas, mas também com a imagimedial e neocórtex corticais Amígdala nação e/ou previsão do futuro. Exames de ressonância magnética funcional (RNMf) Figura e9.1 Fracionamento da memória de longo prazo. (Adaptada de LR Squire, SM Zola: Proc Natl Acad mostraram que essa região é ativa quando Sci USA, 24:13515, 1996.) CAPÍTULO e9 PERDA DE MEMÓRIA: INTRODUÇÃO Ã A memória nos permite armazenar, conservar e recuperar informações. Estes três processos influenciam e são modificados pelo tipo de informação que tem de ser lembrado, o tempo durante o qual ele precisa ser conservado e a maneira como o cérebro usará as informações no futuro. Os circuitos neurais subjacentes a tais processos são dinâmicos, refletindo a flexibilidade da própria memória. Para delinear o circuito neural subjacente a ela, é útil decompor a memória em componentes mais simples. Contudo, essa categorização não precisa levar à suposição de que a memória não seja um fenômeno unitário. a vida. Esta diferença temporal no armazenamento provavelmente reflete a ação de processos fisiológicos diferentes (ver adiante). Por outro lado, a memória semântica refere-se ao conhecimento sobre o mundo; informações genéricas adquiridas ao longo de diferentes contextos e acessadas sem acompanhamento de detalhes do tempo em que as palavras ou fatos foram lembrados. O vocabulário e o conhecimento que uma pessoa adquire sobre as associações entre conceitos verbais constituem a parte principal da memória semântica. Este fracionamento da memória declarativa é apoiado por evidências de que as memórias episódica e semântica têm substratos anatômicos distintos. 9-1 PARTE II Principais Manifestações e Apresentações das Doenças 9-2 as pessoas imaginam o futuro e os pacientes com lesão do hipocampo lateral são incapazes de conceber eventos futuros. Em ratos, o hipocampo reúne sequências de eventos de predição e evocação mesmo na ausência de um comportamento evidente. Essas sequências de eventos podem então ser recombinadas formando novos eventos como meio de prever o futuro. Curiosamente, o sistema do hipocampo continua ativo durante o sono e o pensamento “livre, sem tarefas”, sugerindo que provavelmente está envolvido na imaginação e pensamento de forma livre. Enquanto o LTM aprende rapidamente e tem capacidade limitada de armazenamento, o neocórtex aprende lentamente e possui enorme capacidade de armazenamento. Em ambas as regiões, o aprendizado ocorre por meio das sinapses de Hebb, pelas quais as células que disparam juntas se conectam juntas. Com ativações repetidas, as memórias se tornam consolidadas no neocórtex e, portanto, independentes do LTM. Este processo, pelo qual a carga de armazenamento a longo prazo (permanente) é gradualmente assumida pelo neocórtex, garante que o sistema do LTM esteja constantemente disponível para a aquisição de novas informações. Contudo, evidências recentes apontam para uma função essencial do hipocampo na recuperação de memórias episódicas detalhadas, seja qual for a idade da memória. Uma lesão em qualquer local ao longo da via septoipocampal pode levar à perda grave da memória episódica. Os pacientes com lesão deste sistema exibirão amnésia anterógrada, uma incapacidade para adicionar novas informações à memória. As memórias estabelecidas antes da lesão (memórias remotas) tendem a ser relativamente preservadas, porém uma amnésia retrógrada, que retrocede por período variável de minutos a anos, em geral é evidente. As lesões maiores causam o déficit retrógrado mais extenso da memória. Além disso, à medida que a lesão cerebral melhora com o tempo, a deficiência retrógrada da memória tende a diminuir, e o gradiente temporal de perda de memória encolhe. A causa mais comum da disfunção entorrinal é a doença de Alzheimer (DA), que começa no córtex entorrinal e estende-se ao hipocampo. Um mecanismo comum de disfunção hipocampal é a lesão traumática porque os hipocampos se localizam adjacentes ao, e são facilmente empurrados contra, o osso na fossa craniana intermédia. O hipocampo, particularmente CA1 e a região subicular, é muito sensível a distúrbios metabólicos, como a hipoxia, hipoglicemia e crises epilépticas prolongadas. Um infarto vascular pode advir da oclusão das ramificações hipocampais das artérias cerebrais posteriores. Infecções, em particular a encefalite herpética, podem acometer seletivamente as regiões temporais mediais, levando a déficits graves e permanentes da memória episódica. Além disso, a perda grave da memória episódica também pode ser causada por disfunção do trato mamilotalâmico da memória. A amnésia da síndrome de Korsakoff advém de hemorragia nos corpos mamilares e núcleos dorsomediais do tálamo. E estudos recentes de pacientes com evidente vascular encefálico (AVE) no núcleo dorsomedial esquerdo do tálamo sugerem que essa lesão isolada precipita amnésia grave. Por fim, tumores podem lesionar o septo, fórnix ou LTM, levando à amnésia. As emoções exercem um papel essencial no aumento da capacidade de recordar episódios pessoais e outras informações codificadas em determinado estado afetivo. Os eventos emocionalmente carregados são mais facilmente lembrados do que os episódios emocionalmente neutros, e as memórias em flashes altamente vívidas frequentemente são depositadas durante eventos traumáticos ou emotivos; algumas vezes durante eventos positivos, mas frequentemente durante eventos negativos. Nos seres humanos, a amígdala modula os processos de memória durante experiências emocionais. Um modo simples de testar a memória episódica é pedir ao paciente que procure recordar eventos recentes, como o que ele fez no último feriado, as manchetes atuais ou que ele comeu no desjejum. Com relação às memórias episódicas pessoais, sempre é necessário alguém para verificar se as lembranças recentes estão corretas (não confabuladas). MEMÓRIA SEMÂNTICA Diferentemente da memória episódica, a recordação da memória semântica não leva à recuperação de detalhes sobre quando ou onde as informações foram adquiridas. Por exemplo, lembramos que um garfo é um utensílio usado para comer sem lembrar quando aprendemos a palavra garfo ou quando descobrimos seu uso. A memória semântica é composta de uma hierarquia complexa de conhecimentos sobre o mundo. Saber que um garfo geralmente é usado para comer depende da compreensão de que, em determinadas situações sociais, comer apenas com as mãos é inadequado e que alguns alimentos são mais facilmente ingeridos com um garfo do que com outro utensílio disponível, como uma colher. Embora um garfo possa ser útil em muitas situações diferentes, nossa hierarquia semântica lembra-nos que sua função principal é facilitar a ingestão de alimentos. Estas ideias são mantidas juntas no sistema de memória semântica, que se estende por meio das áreas de associação do neocórtex. Por isso, se estamos em uma situação que requer o uso de um garfo como ferramenta para um novo hábito, ainda podemos apelar para nosso sistema de memória semântica a fim de nos ajudar na solução do problema. As evidências de que as lembranças semânticas são independentes dos sistemas de memória septoipocampal e mamilotalâmico advêm de seres humanos com lesões nestes sistemas e que mantêm o acesso ao conhecimento semântico apesar dos déficits profundos na memória episódica. Em contrapartida, os pacientes com lesão no lobo temporal primariamente anterior e lateral apresentam memória episódica intacta, mas memória semântica deficiente. O achado de que as crianças nascidas com esclerose hipocampal e deficiências de memória episódica para toda a vida ainda podem ter rendimento escolar razoavelmente bom sugere que as memórias semânticas não dependem totalmente da memória episódica intacta. Na demência semântica, uma síndrome associada a doença neurodegenerativa que começa nos lobos temporais anteriores, tanto o processo simples de designação (denominação) quanto o conhecimento sobre a identidade de pessoas e objetos são perdidos. Os pacientes com demência semântica classificam objetos em categorias cada vez mais abrangentes, perdendo o acesso a exemplares específicos. Assim, um gavião transforma-se em pássaro caçador, depois pássaro, depois animal e depois coisa, à medida que a doença piora. Subsequentemente, todos os objetos são classificados com uma série de frases estereotipadas simples. A disfunção temporal anterior bilateral é o substrato anatômico da demência semântica, um subtipo das degenerações lobares frontotemporais. Afora a demência semântica, os outros distúrbios que produzem esta síndrome consistem na encefalite límbica, associada a processos virais ou paraneoplásicos, e encefalite herpética. A avaliação à beira do leito da memória semântica é difícil, porém os déficits mais graves poderão ser observados se o paciente não for capaz de denominar objetos comuns, como uma caneta ou relógio, ou objetos menos comuns, como o estetoscópio ou a lâmpada fluorescente. ■ MEMÓRIA NÃO DECLARATIVA Memória não declarativa é um termo abrangente para uma coleção heterogênea de capacidades da memória inconsciente que envolve múltiplas regiões neurais distintas, como as amígdalas, os núcleos da base, o cerebelo e o córtex sensorial (Fig. e6.1). A memória procedural é um tipo de memória não declarativa. A diferença entre memória declarativa e memória procedural é a diferença entre saber que e saber como. O aprendizado procedural descreve a formação de habilidades e hábitos. Pelo fato de requerer prática extensa, é um sistema de aprendizado lento e inflexível que depois adquire uma qualidade automática ou reflexiva. Contudo, é prolongada e confiável: mesmo após anos sem usar uma bicicleta, um ciclista não perde a habilidade por completo. A memória procedural envolve processos motores, perceptivos e cognitivos. Por exemplo, virar panquecas no ar é uma habilidade mo- ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. MEMÓRIA DE CURTO PRAZO ■ MEMÓRIA OPERACIONAL Embora o fracionamento da memória em sistemas declarativo e não declarativo tenha fornecido uma estrutura razoável para compreender muitos aspectos dos mecanismos neurológicos da memória, outra divisão importante da memória usou o tempo como característica distintiva. Enquanto algumas informações são retidas por segundos apenas – tempo suficiente para ouvir, lembrar e discar um número de telefone –, outras memórias são aparentemente recordadas durante toda a vida. Esse tipo breve de memória difere da memória de longo prazo não apenas em termos de duração da retenção mas também com relação à sua função e neuroanatomia. A memória operacional armazena itens apenas enquanto a informação se encontra na consciência e está sendo ensaiada (subvocalmente) ou manipulada de alguma outra forma (isto é, girada ou integrada a informações existentes na memória semântica). A capacidade da memória operacional é limitada pela atenção. Os indivíduos normais podem manter cerca de sete (variação de cinco a nove) pedaços de informações na memória operacional, os quais podem ser manipulados e descartados ou associados e transferidos para a memória de longo prazo. A memória operacional é altamente vulnerável a distrações e algumas vezes é até mesmo chamada de atenção operacional a fim de enfatizar os processos conscientes e ativos que a compõem. Na conceitualização mais amplamente aceita da memória operacional, há quatro componentes principais: (1) um executivo central que acompanha e reúne as informações; (2) um sistema visual chamado de rascunho visuoespacial, que retém as representações visuais dos objetos; (3) um sistema fonológico que retém as informações verbais; e (4) uma área de armazenamento temporário (buffer) episódica que é capaz de interligar as informações de diferentes modalidades em um engrama coerente. As lesões que rompem a estrutura ou função das regiões frontal dorsolateral ou parietal posterior destroem parte considerável da memória operacional. Estes déficits na memória operacional têm um efeito profundo no organismo, atrapalhando o processo de aprendizado a jusante da memória operacional, ou afetando as atividades que dependem diretamente de uma memória operacional intacta. Na síndrome amnésica clássica, os pacientes apresentam memória ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Perda de Memória ■ BASES MOLECULAR E NEUROQUÍMICA DA MEMÓRIA DE LONGO PRAZO Supõe-se que a potencialização a longo prazo (PLP), que se refere a um aumento duradouro da transmissão sináptica resultante da estimulação repetitiva de sinapses excitatórias, esteja envolvida na aquisição e no armazenamento da memória episódica. A PLP ocorre no hipocampo e é mediada por receptores de N-metil-d-aspartato (NMDA) assim como pela proteína de ligação ao elemento responsivo ao AMP cíclico (CREB). Experimentos com animais demonstraram que a formação de memórias episódicas novas leva a alterações fisiológicas na sinapse, enquanto a memória a longo prazo requer a síntese de proteínas novas e leva a alterações físicas nas sinapses neuroniais. Trabalhos recentes também começaram a sugerir mecanismos pelos quais as memórias são alocadas em circuitos neurais específicos dentro da rede neural em diferentes escalas de tempo. Por exemplo, a neurogênese no giro denteado pode ser um mecanismo pelo qual memórias são alocadas para células específicas: neurônios jovens são mais excitáveis e suas sinapses são mais plásticas do que os neurônios mais maduros, conferindo a eles uma “vantagem competitiva” durante a codificação e portando criando uma “marca temporal” de quando um determinado evento que tem de ser lembrado ocorreu. Embora a neurogênese possa ser um mecanismo pelo qual as memórias são marcadas temporalmente na escala de dias a semanas, a PLP em uma sinapse específica em um determinado neurônio piramidal CA1 abaixa o limiar para indução de alterações em sinapses próximas dentro de um raio de 10 m por até 10 minutos, sugerindo que os eventos que se aglomeram próximos no tempo na ordem de minutos têm maior probabilidade de ser alocados em neurônios vizinhos em CA1. O sistema colinérgico também exerce um importante papel na memória, e os agentes anticolinérgicos, como a atropina e escopolamina, interferem na memória. Sabe-se que a colina acetiltransferase (enzima que catalisa a formação de acetilcolina) é deficiente no córtex dos pacientes com DA. O cérebro dos pacientes com DA apresenta perda neuronal grave no núcleo basal de Meynert, a principal fonte de impulsos colinérgicos para o córtex cerebral. Esses achados formam a base para o uso de inibidores da colinesterase no tratamento da DA, e acredita-se que os benefícios advêm de níveis aumentados de acetilcolina disponível. O comportamento e humor são modulados por vias noradrenérgicas, serotoninérgicas e dopaminérgicas, demonstrando-se que a norepinefrina fica reduzida no locus ceruleus do tronco encefálico na DA. Além disso, postula-se que as neurotrofinas desempenham um papel na memória, em parte preservando os neurônios colinérgicos. Os agonistas do ácido gama-aminobutírico (GABA), que incluem os benzodiazepínicos, estão associados a episódios reversíveis, mas algumas vezes intensos, de amnésia. A memória operacional (ver adiante) é fortemente modulada pela dopamina. CAPÍTULO e9 tora, a atenção de um progenitor ao choro do filho em um cômodo distante é um aprendizado perceptivo, e o crescente entusiasmo na resolução de um Sudoku com a prática requer habilidades cognitivas. Embora a memória declarativa possa, em alguns casos, aumentar ou acelerar a aquisição de habilidades e hábitos, a percepção consciente do aprendizado é desnecessária; quando se adquire a informação, frequentemente torna-se difícil verbalizar como é aprendida. Os psicólogos cognitivos demonstraram que, em alguns casos, os processos de memória declarativa podem impedir o aprendizado não declarativo, sugerindo que há momentos em que os dois sistemas de memória podem competir pelos recursos cognitivos. As formas de aprendizado perceptivo e motor que podem ocorrer sem recordações conscientes são mediadas em parte pelas contrações e expansões das representações no córtex sensorial e no motor. Um estudo, por exemplo, demonstrou que a representação cortical dos dedos da mão esquerda dos músicos de instrumentos de corda é maior do que naqueles que não são músicos, sugerindo que a representação das diferentes partes do corpo no córtex somatossensorial primário de seres humanos depende do uso e das alterações para adaptação às necessidades e experiências vigentes do indivíduo. Existem regiões corticais distintas nos lobos temporais anteriores nos quais o conhecimento do objeto (como palavras relacionadas com cor, animais, ferramentas ou ação) é organizado como um sistema distribuído. Aqui, os atributos de um objeto são armazenados perto das regiões do córtex que medeiam a percepção desses atributos. Pesquisas recentes apontam para os núcleos da base como essenciais ao aprendizado de habilidades motoras, enquanto o cerebelo está envolvido na associação entre um indício visual e uma ação motora. A doença de Parkinson (DP) lesiona os núcleos da base e está associada a deficiências no aprendizado de hábitos, mas poupa a memória declarativa. Os núcleos da base se projetam para o córtex frontal e dele recebem projeções, tendo este circuito corticostriatal implicado no aprendizado de habilidades e hábitos. Além disso, estudos recentes com RNMf sugerem que os sistemas da memória declarativa baseada no LTM e os da memória procedural corticostriatal operam de maneira independente um do outro e podem, na verdade, competir por recursos cognitivos. Isto é, a atividade dos núcleos da base correlaciona-se negativamente com a do LTM, quando ambos os sistemas estão engajados em determinada tarefa. O exame à beira do leito da memória não declarativa foge ao escopo do clínico geral, mas déficits podem ser relatados pelos pacientes ou suas famílias. 9-3 PARTE II Principais Manifestações e Apresentações das Doenças 9-4 operacional intacta, mas não transferem as informações da memória operacional para armazenamento a longo prazo. Os registros de células únicas desvendaram uma rede de neurônios nos lobos frontal dorsolateral e parietal posterior, cuja atividade é alta apenas durante os períodos em que as informações estão sendo retidas na memória para uso durante alguns segundos. Estes neurônios parecem constituir uma base funcional importante para a memória operacional. De modo semelhante, os estudos de imagem funcionais de seres humanos mostraram que os lobos frontais dorsolaterais, particularmente a área 46 de Brodmann, são essenciais à memória operacional. Uma metanálise recente de estudos sobre a memória operacional em pacientes com doença de Alzheimer sugere que embora a alça fonológica continue íntegra no início da doença, alguns déficits atribuídos à disfunção no sistema executivo central podem apresentar-se até mesmo em estágios pré-clínicos, talvez relacionados com prejuízos do buffer episódico. ■ TESTE DE MEMÓRIA À BEIRA DO LEITO Os testes de memória devem ser realizados em qualquer pessoa cujos déficits de memória constituam uma preocupação, independente de tais problemas terem sido levantados pelo paciente, pela família ou por um profissional de saúde. Se os déficits forem sutis, os testes poderão exigir o parecer completo de um neuropsicólogo, neuropsiquiatra ou neurologista comportamental. Entretanto, os testes de memória podem ser um componente valiosíssimo do exame neurológico e realizados de maneira eficaz à beira do leito. Há uma grande variedade de exames breves padronizados da cognição, porém o exame mais comumente usado é o Miniexame do Estado Mental (Quadro 371.5), um teste de 30 pontos fortemente dependente da memória operacional (soletrar a palavra mundo de trás para a frente) e da memória episódica (orientação e recordação de três palavras). O teste das memórias semântica e procedural em geral foge ao escopo do clínico geral, mas se houver suspeita de déficits nestes sistemas, justifica-se a realização de testes adicionais. De todos os processos de memória, a memória operacional talvez seja a mais fácil de avaliar à beira do leito. O teste da memória operacional mais comum à beira do leito envolve pedir ao paciente que repita uma série de números oralmente, o médico aumentando, gradualmente, a quantidade de números a serem retidos. Há duas maneiras de administrar o teste. Pedir ao paciente que repita os números na mesma ordem em que são falados é chamado de série de dígitos. O médico também pode pedir que o paciente repita os números na ordem inversa, o que se chama série de dígitos invertida. A repetição de dígitos adiante é um teste da atenção, enquanto a série de dígitos invertida é uma prova simples da memória operacional. A capacidade de repetir a série de dígitos adiante é de seis números, enquanto os adultos normais geralmente conseguem repetir cinco dígitos invertidos. BIBLIOGRAFIA Baddeley A: Working memory: Looking back and looking forward. Nat Rev Neurosci 4:829, 2003 Buckner RL: The role of the hippocampus in prediction and imagination. Annu Rev Psych 61:27, 2010 Eichenbaum H et al: The medial temporal lobe and recognition memory. Ann Rev Neurosci 30:123, 2007 Gilboa A et al: Retrieval of autobiographical memory in Alzheimer’s disease: Relation to volumes of medial temporal lobe and other structures. Hippocampus 15:535, 2005 Nadel L, Moscovitch M: Memory consolidation, retrograde amnesia and the hippocampal complex. 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