empreendedorismo social deve ir além do

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São Paulo SP
EMPREENDEDORISMO
SOCIAL DEVE IR ALÉM
DO ASSISTENCIALISMO
E PROMOVER
INICIATIVAS EFETIVAS
E SUSTENTÁVEIS DE
TRANSFORMAÇÃO.
Ângela Roman
D
esde 2007 trabalho no terceiro
Além disso, supervalorizar os resultados
setor, e estudo, discuto e reflito
alcançados ao invés de relativizá-los -
sobre ele. Compartilho neste
de modo que representem os avanços
artigo reflexões sobre algumas questões
realmente alcançados e que permitam
que me interessam e perturbam neste
a identificação das dificuldades -, pode
intenso, vivo, mutante e complexo
impossibilitar a busca por ações com
mundo dos projetos sociais.
maior poder de transformação.
Nem todo mundo pode mudar o
mundo
Ainda sobre a participação dos
Muitas vezes o discurso por trás
do empreendedorismo social vem
carregado de entusiasmo e otimismo
exagerados que me parecem fruto de
uma análise simplista dos contextos
(complexos) onde desenvolvemos
nossas iniciativas de transformação.
Achar que bastam boa vontade e
um projeto bem estruturado para
“mudar o mundo” pode denunciar
que o diagnóstico do problema foi
superficial. Esse diagnóstico superficial
e – principalmente – a falta de escuta
beneficiários na elaboração, avaliação
e gestão de um projeto social: já
é sabido que ela é imprescindível
para seu desenvolvimento e alcance
de resultados, no entanto, a tal
“participação” ainda está presente mais
nos discursos do que na prática dos
projetos.
Valarelli1 explica que “Instaurar
processos participativos implica num
esforço para garantir o envolvimento, o
diálogo e a busca do compromisso por
parte de todos aqueles que são afetados
por uma ação, projeto ou serviço.
dos envolvidos na ação faz, muitas
vezes, com que “ideias brilhantes” sejam
impostas desrespeitosamente, sem
conseguir participação, nem resultados.
VALARELLI, Leandro Lamas. Os sentidos da participação no trabalho social das organizações sem fins
lucrativos. In: Subsídios sobre o Terceiro Setor, Programa de desenvolvimento Institucional e Gerencial –
Projeto Águia/ FENAPAE, Brasília, agosto/1999.
1
48
IDEIAS EM GESTÃO | NO 11 | MAR/2013
Principalmente daqueles setores
Em muitos casos, ações assistencialistas
da população para os quais se
(em que os que têm mais ajudam os
dirigem os benefícios da ação, e que
que têm menos), por não estarem
tradicionalmente são excluídos dos
alinhadas a um trabalho pela garantia de
processos de decisão que afetam suas
direitos, podem reforçar o quadro de
vidas. (...) A participação é um processo
dependência e de injustiça social. Paulo
que carrega a possibilidade de devolver
Freire, sábia e lindamente dizia: “E é
a palavra a quem não tinha voz nem
porque amo as pessoas e amo o mundo,
EMPREENDEDORISMO
era ouvido. Que tem o potencial de
que eu brigo para que a justiça social se
desenvolver a capacidade de tomar
implante antes da caridade.”
SOCIAL VEM
decisões de quem muitas vezes foi
transformado num agente passivo de
projetos e políticas, afirmando-os como
sujeitos.”
Ou seja, participação é um exercício
fundamental para a promoção da
cidadania tanto para quem deve escutar,
quanto para quem deve ser escutado.
Caridade X Justiça social
Transformar, pero no mucho
Até que ponto queremos – e
estamos conseguindo - realmente,
“
MUITAS VEZES,
O DISCURSO
POR TRÁS DO
CARREGADO DE
UM OTIMISMO
EXAGERADO
a transformação social? E que
QUE ME PARECE
transformação social é essa que
FRUTO DE UM
buscamos? Se entendermos que
existem pobres porque existem ricos,
DIAGNÓSTICO
e que para não termos mais pobres,
SUPERFICIAL
também não poderemos mais ter (ser)
DO
ricos, continuaremos promovendo
PROBLEMA E DE
Parece-me importante diferenciar
transformações sociais? Buscaremos
ações de caridade, de ações que buscam
novas possibilidades de atuar? Ou
UMA ANÁLISE
uma real transformação no cenário de
nos contentaremos com as ações de
SIMPLISTA DO
desigualdade social em que vivemos.
caridade?
CONTEXTO
os objetivos e, consequentemente, os
Tenho a impressão de que muitas
COMPLEXO ONDE
resultados alcançados são bastante
pessoas desenvolvem ações para
distintos. E é importante que os
“fazer o bem” não só aos que precisam
envolvidos direta e indiretamente
de ajuda, mas também a si mesmos.
nessas ações - executores, parceiros e
Esse impulso de ajudar e de “fazer a
beneficiados - tenham isso claro.
minha parte” para poder dormir com a
Ambas têm sua importância, porém
consciência tranquila acaba dispensando
Ações de caridade e assistencialistas
a reflexão sobre o problema social
(como a distribuição de comida e
em questão, eliminando, portanto, a
agasalhos, por exemplo) buscam lidar
possibilidade de mudança.
DESENVOLVEREMOS
AS INICIATIVAS DE
TRANSFORMAÇÃO.
”
emergencialmente com questões
pontuais (a fome e o frio naquele dia/
inverno). Essas ações não visam lidar
com essas questões em longo prazo
(empoderando seu público atendido
para que acesse serviços públicos de
apoio, por exemplo).
FACULDADE AIEC
49
Esse atuar para “fazer a minha parte”
Em um segundo momento, porém,
não é exclusividade de pessoas
deve ser incorporada às estratégias
físicas, mas também de empresas. O
das empresas e aos seus valores
investimento social privado ainda visa, na
organizacionais, pois é uma das
maioria dos casos, mais do que “fazer a
possibilidades de sobrevivência
sua parte”, mostrar que o faz. A despeito
do capitalismo em sua versão
da atuação de instituições que trabalham
contemporânea.”
para qualificar esses investimentos, a
maioria das recém constituídas áreas de
responsabilidade social das empresas
orientam suas ações mais pelo retorno
de imagem que podem ter, do que pelos
resultados que essas ações podem
alcançar.
Isso pode gerar um círculo vicioso no
qual as organizações sociais se dedicam a
se tornarem interessantes aos olhos das
empresas financiadoras mais do ponto
de vista de imagem do que em relação
à qualidade e relevância do trabalho
desenvolvido.
Ainda sobre a responsabilidade social
das empresas, o “fazer a minha parte”
para diminuir a pobreza está, acima
de tudo, ligado a um movimento de
manutenção do sistema capitalista.
Artur Roman2 resume bem a questão:
“A Responsabilidade Social deve
ser compreendida como parte da
Profissionalização do setor
Dados do IBGE e IPEA3 mostram que em
2010, havia 290,7 mil Fundações Privadas
e Associações sem Fins Lucrativos
(Fasfil) no Brasil. Dessas instituições,
72,2% (210 mil) não possuíam sequer
um empregado formalizado, apoiandose em trabalho voluntário e prestação
de serviços autônomos. Nas demais,
estavam empregadas 2,1 milhões de
pessoas.
Em relação ao nível de escolaridade,
cerca de 33,0% dos assalariados das
Fasfil possuem nível superior; quase
o dobro do observado para o total
das empresas e demais organizações
formais ativas no país (16,6%). Mesmo
assim, a profissionalização do setor
ainda é um grande desafio, notadamente
nos níveis gerenciais, o que demanda
investimentos em capacitação.
articulação das forças econômicas
“
SE
ENTENDERMOS QUE
EXISTEM POBRES
PORQUE EXISTEM
RICOS E QUE, PARA
NÃO TERMOS MAIS
POBRES, TAMBÉM
NÃO PODEREMOS
MAIS TER RICOS,
neoliberais que buscam amenizar os
CONTINUAREMOS
flagelos que elas mesmas criaram.
PROMOVENDO
Responsabilidade Social é, portanto,
em um primeiro momento, alívio para a
TRANSFORMAÇÕES
consciência pesada das empresas.
SOCIAIS? OU NOS
CONTENTAREMOS
COM AS AÇÕES DE
ROMAN, Artur – Responsabilidade social das empresas: um pouco de história e algumas reflexões. Revista
FAE Business, número 9, setembro 2004.
3
Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/fasfil/2010/default.shtm
Acesso em 10/01/2013.
2
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IDEIAS EM GESTÃO | NO 11 | MAR/2013
CARIDADE?
”
Constituição: a agenda do país
Projetos com começo e meio...
mas e o fim?
Os números de organizações e
“
OS CINCO
ARTIGOS DA
profissionais do setor social sinalizam
Muitas organizações não
para a grande quantidade de ações
governamentais já existem há 10, 15
CONSTITUIÇÃO
sendo desenvolvidas no país. Mas será
anos. Esse dado, além de demonstrar
que os avanços são proporcionais à
a seriedade, profissionalismo,
FEDERAL DE 1988
quantidade de ações empreendidas?
legitimidade e capacidade técnica de
(DO 5º AO 9º),
Com ações coordenadas e articuladas,
uma instituição, pode trazer reflexões
não potencializaríamos seus impactos?
interessantes: considerando que
QUE DETERMINAM
Agendas comuns não seria um caminho
um projeto social é criado para lidar
OS DIREITOS
para a articulação das diversas iniciativas
com uma questão social, o fato de ele
pontuais e dispersas?
existir há tanto tempo não sinaliza
E DEVERES
que o trabalho desenvolvido não vem
DOS CIDADÃOS
Agendas de transformação social
obtendo os resultados esperados? A não
– como a Agenda 21, que visa à
“resolução” da questão trabalhada não
E CIDADÃS
construção de sociedades sustentáveis
poderia dar pistas da sua complexidade
BRASILEIRAS,
– são instrumentos de planejamento
e apontar para a necessidade de se
participativo, que definem temas e
repensar as estratégias do projeto?
PRECISAM SE
ações prioritárias, para alcançar uma
CONSTITUIR NA
transformação. Além disso, como
Projetos responsáveis, transparentes,
unificam o discurso, as agendas podem
participativos e consequentes, frutos de
AGENDA MAIOR
se constituir em ferramentas poderosas
escuta atenta e de análises complexas do
DE TODAS AS
de sensibilização, mobilização e
contexto onde se vai atuar, e elaborados
articulação.
e executados por profissionais
INICIATIVAS SOCIAIS
capacitados; articulação com setores
DO PAÍS.
Os cinco artigos da Constituição Federal
público e privado e sociedade civil;
de 1988 (do 5º ao 9º) – que, apesar de
e alinhamento e reforço de políticas
determinarem os direitos e deveres
públicas me parecem caminhos bastante
dos cidadãos e cidadãs brasileiras, são
desafiadores mas necessários para
desconhecidos de grande parte deles -,
a concepção de iniciativas efetivas e
precisam se constituir na agenda maior
sustentáveis de transformação.
”
de todas as iniciativas sociais do país.
Seja por meio de ações pontuais para
sua promoção, seja contribuindo para
que as políticas públicas, implementadas
pelo governo federal para sua garantia,
cheguem efetivamente aos estados e
municípios.
Ângela Roman
Trabalha na área de Gestão de Projetos da
Comunidade Educativa CEDAC. Graduada
em Jornalismo pela UFPR. Mestre em
Comunicação pela Universidade Paris
VIII - França. Pós-graduada em Gestão de
Projetos Sociais pelo Senac - São Paulo.
[email protected]
FACULDADE AIEC
51
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