Para Gostar do Direito

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Esta pequena obra contém m atéria para alim entar
as reflexões do primeiro semestre letivo, em disciplinas
com o "Introdução ao Direito" ou "Instituições de Direito
Público e Privado" ou "Instituições de D ireito".
Segundo minha experiência de professor, o tempo
de um sem estre letivo possibilita a discussão cuidadosa
de 8 unidades didáticas. Com uma carga de 60 horas,
será possível debater os 8 capítulos deste livro, reservar
aulas para revisões e provas e prom over um pequeno
sem inário sobre algum tema considerado digno de um
aprofundam ento especial, tenha sido, ou não, m enciona­
do neste livro.
Suponho também que este texto possa ser indicado
com o leitura acessória, nas hipóteses em que outro livro
seja adotado.
O título escolhido indica o propósito desta pequena
obra. Ela reúne temas de iniciação, que eu pretendo que
ajudem a gostar do Direito.
Hjs Este livro busca atender a algum as linhas que fixei
para o m eu trabalho científico e pedagógico. Terei alcan­
çado m eus objetivos se este texto: a) ajudar os estudan­
tes, nas prim eiras trilhas do curso universitário; b)
contribuir para pensar um Direito inspirado em valores
hum anistas, inform ado por um projeto de transform a­
ção social; c) despertar para o desafio de refletir sobre o
D ireito dentro de uma ótica libertadora.
Espero receber de estudantes, professores e dem ais
leitores críticas e sugestões.
João B ap tista H e r k e n h o ff
Av. Antônio Gil Veloso, 2232 - ap. 1601
Edif. Murano - Praia da Costa
Vila Velha, ES - CEP: 29.101-735.
Fone: (27) 3389-5661
e-mail: [email protected]
Homepage: www.joaobaptista.com
8
Joao Baptista Herkenhoff
Capitul
Por que uma iniciação para gostar
do Direito?
O m óvel da aprendizagem é a m otivação. N inguém
aprende bem alguma coisa se não estiver m otivado para
aprender.
Segundo os psicólogos, a m otivação m ais eficaz não
é a m otivação negativa - aprender por m edo de ficar
reprovado, aprender por medo de ser m alsucedido etc.
A motivação de maior eficiência é a motivação positi­
va - aprender por gosto, aprender prazerosamente etc.
Por esse m otivo, uma cadeira introdutória ao estu­
do do D ireito deve ser, segundo penso, uma iniciação
para gostar do Direito.
E assim que vejo a "Introdução ao D ireito”, m atéria
que abre para os alunos as portas do Curso de Direito.
Seu objetivo principal deve ser o de despertar nos
principiantes o gosto e o entusiasm o pelo D ireito.
*
N os cursos jurídicos, a "Introdução ao D ireito",
com o disciplina do currículo, tem duas características
fundam entais:
a) é introdutória, ou seja, é disciplina de iniciação
aos estudos de Direito;
b) tem finalidade exclusivam ente didática.
Todas as cadeiras de um curso têm função didática,
isto é, todas as cadeiras estão endereçadas à form ação
dos alunos. Assim acontece, por exem plo, com as diver­
sas m atérias do currículo jurídico.
Para gostar do Direito
Quando dizem os que a "Introdução ao D ireito” tem
papel exclusivam ente didático, querem os significar algo
mais.
As outras cadeiras têm função didática, ao lado da
função de m inistrar os conhecim entos correspondentes
a uma disciplina jurídica determ inada, a uma disciplina
jurídica autônom a. Assim acontece com o Direito Civil, v
0 D ireito Constitucional, o D ireito/Previdenciário, o
Direito Penal, o Direito Processual Penal etc. São disci­
plinas jurídicas que têm autonomia científica.
Já no caso da "Introdução ao D ireito", a disciplina
tem apenas função didática, ou seja, função form ativa. A
"Introdução ao Direito" não é uma disciplina jurídica,
não balisa um setor da Ciência do Direito. Enfim , a
"Introdução ao Direito" não tem autonomia científica.
Teria essa autonom ia científica se fosse uma campo
específico do saber jurídico.
A disciplina "Introdução ao D ireito" tem dois obje­
tivos gerais que me parecem básicos:
Prim eiro - m inistrar noções, provenientes de diver­
sos cam pos do conhecim ento, para a com preensão do
fenôm eno jurídico;
Segundo - fornecer instrum entos e inform ações para
a apreensão dos conceitos fundam entais da Ciência do
D ireito.
s
Penso que Antônio Luís Machado Neto foi bastante
preciso quando se referiu ãos temas fundam entais que
devem ser tratados pela "Introdução ao D ireito".1 Enten­
de o saudoso m estre que a disciplina cuidará:
a) de m editar sobre o que seja o Direito;
1 A condensação a que nos propusemos, nesta obra, aconselhou que om itís­
semos o registro das fontes bibliográficas, em notas de rodapé, ao citar
autores e livros. Também em decorrência da pretendida condensação, não
incluímos as referências bibliográficas, no final do volume. Na maioria dos
casos, as informações sobre autores e livros referidos no texto podem ser
encontradas na lista de "Leituras complementares indicadas”, que figura nas
últimas páginas.
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joão Bnptista Herkenhoff
b)
de estabelecer os conceitos essenciais de que se
vale o jurista.
A m editação sobre o que seja o Direito envolve um
conjunto de reflexões para definir o D ireito, discutir
suas diversas concepções, questionar sua natureza, sua
origem , seu papel.
Os conceitos essenciais de que se serve o jurista são
aqueles conceitos básicos, comuns às diversas áreas do
Direito. Esses conceitos não pertencem a nenhum ramo
particular da árvore jurídica. São conceitos utilizados
em todos os ramos do D ireito, como um dado prévio,
conform e observou o já citado m estre A. L. M achado
Neto.
Paulo Nader distingue conceitos gerais e conceitos
específicos.
Ós conceitos gerais são aqueles que se referem ao
conjunto da Ciência do Direito.
São exem plos de conceitos gerais: fato jurídico,
relação jurídica, D ireito, lei, justiça, segurança jurídica.
Os conceitos específicos são aqueles relacionados
com ram os específicos do Direito. Podem os relacionar
vários exem plos de conceitos específicos: crim e doloso
(Direito Penal ou Crim inal), ato de com ércio (Direito
C om ercial), aviso prévio (Direito do Trabalho), cidada­
nia (Direito Constitucional), herança jacente (Direito
C ivil), auxílio-reclusão (Direito Previdenciário), fato ge­
rador (Direito Tributário), licitação (Direito A dm inistra­
tivo), absolvição sum ária (Direito Processual Penal),
julgam ento antecipado da lide (Direito Processual C i­
vil).
Os conceitos gerais devem ser cuidados pela "Intro­
dução ao D ireito”. Os conceitos específicos fogem do
âm bito desta disciplina.
Em bora os conceitos específicos estejam m etodologicam ente fora da seara da "Introdução ao Direito",
ocorre um fato curioso. Aqueles que com eçam a estudar
o D ireito costumam ter uma grande curiosidade por
Para gostar do Direito
11
tudo aquilo que se refere ao assunto. D esvendar o
vocabulário jurídico é um desafio que aguça o espírito
dos estudantes. O professor de "Introdução" é freqüente­
mente o destinatário das dúvidas. Nada im pede, mas
tudo aconselha, segundo minha opinião, que as aulas de
"Introdução" proporcionem oportunidade aos jovens de
descobrir o significado dos term os jurídicos usuais,
m esm o daqueles que não constituem conceitos gerais.
São tem as com plem entares, presentes com fre­
qüência nos cursos de "Introdução ao Direito", os se­
guintes:
a) os da Teoria da Técnica Jurídica (fontes do Direito;
herm enêutica jurídica, isto é, interpretação das leis;
aplicação da lei no tempo e no espaço);
b) os da Enciclopédia Jurídica, ou seja, os temas
destinados ao estudo da árvore do Direito e ao exame
preliminar e panorâmico do conjunto do universo jurídico;
c) os da Filosofia do Direito ou, pelo menos, de uma
Introdução à Filosofia do D ireito;
d) os da Sociologia do Direito e os da H istória do
Direito.
O conteúdo da disciplina "Introdução ao Direito"
não é rigoroso. Isto é uma decorrência de seu caráter
estritam ente didático, do papel que a m atéria desem pe­
nha no currículo. A escolha dos tem as, a abrangência
com que são tratados deriva da percepção de autores e
professores.
E tam bém fator determ inante, na organização dos
program as, a presença autônoma de determ inadas ca­
deiras nos currículos. Se, por exem plo, disciplinas como
Sociologia do Direito (ou Sociologia Jurídica) e H istória
do D ireito integram o curso, como é de todo convenien­
te, deixa de haver razão para que a "Introdução ao
D ireito" preencha as lacunas que decorreriam da om is­
são desses estudos.
A diversidade no dim ensionam ento do conteúdo
da disciplina não representa inconveniente para a apren­
12
João Baptista Herkenhoff
dizagem . M ais im portante - como observa Benjam in de
O liveira Filho - é o espírito com que sejam versados os
elem entos integradores do curso.
Os tem as fundam entais da "Introdução ao Direito"
estão na.área da "Teoria G eral do Direito".
A m issão da "Teoria Geral do D ireito” é estudar o
fenôm eno jurídico, "na sim plicidade da sua evidência e
da sua atualidade", como bem colocou Roberto Piragibe
da Fonseca.
A "Teoria Geral do Direito" é, segundo penso, uma
parte da Filosofia do Direito. Assim sendo, se restringi­
m os a tem ática aos assuntos prim ordiais, a "Introdução
ao D ireito" será, na perspectiva em que nos colocam os,
uma disciplina filosófica.
N as frases anteriores, utilizam os cláusulas condi­
cionais nas afirm ações feitas: "segundo penso", "na pers­
pectiva em que nos colocam os". Isto porque, a pertença
da Teoria Geral do Direito ao saber filosófico não é
questão pacífica. Verem os isto melhor adiante.
O alargam ento do campo tem ático caracterizará a
"Introdução ao Direito" como disciplina enciclopédica.
O correrá esse alargam ento tem ático sem pre que se trou­
xer para o ensino da "Introdução ao D ireito" tem as
filosóficos (Filosofia do D ireito), sociológicos (Sociolo­
gia do D ireito), históricos (História do Direito) ou abran­
gentes de variadas disciplinas do Direito (Enciclopédia
Jurídica).
Não vi sempre da mesm a m aneira os objetivos da
"Introdução ao Direito". Foi o próprio exercício do m a­
gistério que foi clareando, no meu espírito, aqueles
objetivos que vieram a_me parecer adequado perseguir
na cadeira de "Introdução". Para a fixação desses objeti­
vos contei com as próprias percepções e opiniões de
m eus alunos. As expectativas m anifestadas por estes, no
início dos cursos, muito contribuíram para a form ulação
dos objetivos. Afinal ninguém m elhor do que o aluno
pode dizer o que espera de uma cadeira introdutória.
Para gostar do Direito
13
Estabeleci os objetivos a partir das dem andas que os
alunos me colocaram como aquelas que deviam ser
satisfeitas por um curso de "Introdução ao Direito".
Suponho, presentem ente, que os objetivos da "In­
trodução ao D ireito" sejam os seguintes:
a) servir de ponte, junto com outras cadeiras, entre
o curso m édio e o curso superior;
b) perm itir que o estudante situe o Direito dentro
do quadro universal do conhecim ento;
c) levar a perceber a inter-relação entre o D ireito e
os dem ais conhecim entos, entre o Direito e as Ciências
H um anas;
d) estim ular a reflexão sobre as relações entre os
diversos fenôm enos e realidades sociais, vale dizer, a
relação entre o econôm ico, o político, o social, o jurídico;
e) levar o iniciante a com preender o que é o Direito;
f) despertar o gosto pelo estudo do Direito, m ostrar
sua im portância e sua beleza;
g) m inistrar a noção dos conceitos e categorias
fundam entais da Ciência do Direito;
h) proporcionar ao estudante uma visão orgânica e
sistem ática do Direito;
i) construir uma base teórica para o estudo poste­
rior proveitoso das diversas disciplinas jurídicas;
j) introduzir o estudante no conhecim ento da term i­
nologia jurídica, especialm ente da term inologia básica;
k) proporcionar a visão dos lineam entos gerais da
técnica jurídica;
1) dar uma visão, pelo menos geral, da evolução do
D ireito e das causas que determ inam as m udanças;
m) abrir perspectivas para uma visão m ultidisciplinar do Direito e para a identificação de seus diversos
aspectos, enfoques e inter-relações;
n) incentivar a visão crítica do Direito e ajudar na
form ação de um espírito analítico que deveria nos acom ­
panhar sempre;
14
João Baptista Herkenhoff
o) estim ular a reflexão sobre o papel que o Direito
desem penha ou pode desem penhar dentro da estrutura
social; desencadear a discussão sobre a m issão do ju ris­
ta.
Este últim o objetivo conduz a questionam entos da
m aior gravidade:
Seria- o, jurista um sim ples servo da lei, um agente
conservador? Teria o Direito um papel m eram ente ins­
trum ental, a serviço de uma estratégia de m anutenção
das estruturas sociais? Seria o Direito mera tecnologia
de controle, organização e direção da vida social, com o
denunciou José Eduardo Faria?
Ou será o Direito um poderoso instrum ento de
transform ação social, que pode ser colocado a serviço de
opções políticas endereçadas à construção de um outro
tipo de sociedade?
Os objetivos retroindicados não são nada m odestos.
Pelo contrário, são extrem am ente am biciosos. Será tal­
vez im possível atingir plenam ente esses objetivos através
de um sim ples curso de "Introdução". Contudo, se hou­
ver em penho de professor e alunos, as reflexões na
cadeira de "Introdução" podem rem eter a reflexões pos­
teriores. Seria mesmo desejável que uma vez instalada
uma saudável dúvida, na m ente dos alunos, a curiosida­
de em torno de todos esses temas viesse a ser desafio
perm anente, uma busca que não se esgota.
A cadeira de "Introdução" tem, sobretudo, como
dissem os, objetivos didáticos. É dirigida, prim ordial­
m ente, ao principiante dos estudos jurídicos. Tem a
finalidade essencial de abrir para os estudantes as portas
da Ciência, do Direito. Mas a disciplina não term ina aí
seu papel.JU m bom curso de "Introdução" repercutirá
perm anenfem ente no arcabouço m ental do estudante e
do futuro profissional.
A base teórica, obtida através desses estudos, enri­
quecerá a com preensão do fenômeno jurídico, em suas
diversas fa ce ta s. j
Para gostar do Direito
15
A visão orgânica, que a disciplina tem o dever de
proporcionar, perm itirá uma form ação coerente e siste­
m ática.
O espírito crítico, despertado pela disciplina, per­
passará o estudo de todas as áreas do Direito.
O próprio gosto ulterior pelas reflexões teóricas, ou
pelas pugnas práticas, em qualquer campo do Direito,
estará, em grande parte, ligado às m arcas que um curso
de "Introdução" tiver deixado no iniciante.
A am bição globalizante da "Introdução ao D ireito"
é tão grande que, a meu ver, o interesse pela m atéria não
se restringe aos estudantes. Creio que para o jurista já
form ado - seja o advogado m ilitante, seja o m agistrado
em ação, seja o profissional de qualquer outra profissão
jurídica - será útil voltar às reflexões que alim entaram o
prim eiro encontro com o Direito. Recebi com alegria
cartas de advogados e juizes testem unhando o gosto
com que esses profissionais leram este nosso "Para
gostar do D ireito". No mesmo sentido, ouvi depoim en­
tos pessoais. Em alguns casos, curiosam ente, o pai com ­
prou o livro para o filho mas antes quis "d ar uma
olhada" no texto. E nisto que "deu uma olh ad a" no
texto, gostou e chegou à delicadeza de escrever para o
autor.
Cabe discutir se a "Introdução ao D ireito" é uma
disciplina científica. Para ingressar nessa discussão, é
preciso fazer uma distinção prelim inar:
a) restringim os a "Introdução ao Direito" aos temas
essenciais?
b) ou: alargam os o campo tem ático e conferim os à
disciplina um caráter enciclopédico?
Se alargam os o campo tem ático e conferim os à
disciplina um caráter enciclopédico (hipótese "b"), a
"Introdução ao Direito" não será, de forma algum a,
ciência. A largado o campo tem ático, faltará à disciplina
unidade de objeto, ou seja, um campo autônom o e
próprio de pesquisa.
16
]ono fínptista Herkenhoff
Se restringim os a "Introdução ao D ireito" aos tem as
essenciais (hipótese "a"), a disciplina será de natureza
filosófica.
^C om o disciplina filosófica, a "Introdução ao D irei­
to" será ciência se am pliam os o conceito de "ciência"
para incluir nele a Filosofia, com o ciência geral.
Entendendo que o conhecim ento filosófico é distin­
to do conhecim ento científico, a "Introdução ao D ireito",
com o Filosofia, não será Ciência.
Partilho a opinião dos que distinguem o conheci­
m ento filosófico e o conhecim ento científico. É da essên­
cia do conhecim ento científico a particularização, a
especialização, a restrição do labor intelectual a um
cam po específico e preciso de estudo. O conhecim ento
filosófico cam inha em sentido inverso. E da sua essência
a busca do todo, o sentido de globalidade, a tentativa de
com preender as estruturas gerais, o esforço de transpor
o fenôm eno e de descobrir as relações entre as realida­
des parciais reveladas pela pesquisa científica.
D entro desta visão, a Filosofia não integra o quadro
das ciências. Conseqüentem ente, m esm o reduzindo a
"Introdução ao Direito" aos temas essenciais, a disciplina
será filosófica, não será científica.
A "Introdução ao Direito" não se confunde nem
com a Teoria Geral do D ireito, nem com a Filosofia do
D ireito.
A essência da "Introdução ao D ireito" apóia-se em
tem as da Teoria Geral do Direito: a m editação a respeito
do que o Direito é; o estudo dos conceitos essenciais de
que o jurista se utiliza.
A Teoria da Técnica Jurídica, presente na m aioria
dos cursos de "Introdução", é também tema da Teoria
G eral do Direito.
Entretanto, para atender sua finalidade didática, a
"Introdução" deve transpor os temas da Teoria Geral do
Direito. Deve abarcar a Enciclopédia Jurídica. Pode
espraiar-se pela Filosofia do Direito, para além da Teoria
Para gostar do Direito
17
G eral do Direito. Pode, eventualm ente, incursionar pela
Sociologia do D ireito e pela H istória do Direito.
Sem prejuízo da procedência de todas essas obser­
vações, a distinção principal, a meu ver, não se situa na
temática.
A distinção principal está na orientação que deve
ter um curso de "Introdução". Creio que um curso de
"Introdução" deve ser aberto, sem travas m etodológicas
que restrinjam o exame de m atérias. Deve ser endereça­
do à aprendizagem servindo como ferram enta para o
ingresso do espírito no mundo do Direito. Não são essas
as características da Teoria Geral do Direito, uma vez
que seus objetivos têm maior precisão.
A Introdução ao Direito tam bém não se confunde
com a Filosofia do Direito.
A Introdução ao Direito inclui, no seu âm bito,
tem as de Filosofia do Direito:
a) os da Teoria Geral do Direito, como já foi explica­
do;
b) outros temas de Filosofia do Direito, que trans­
põem os da Teoria Geral do Direito.
Tem as de índole filosófica, que transpõem os da
Teoria G eral do Direito, são aqueles relacionados com os
fundam entos e valores gerais do Direito^
As disciplinas, entretanto, não se confundem , por
duas razões:
prim eira razão - a "Introdução" abarca tem as alheios
à Filosofia do D ireito, como já dissem os;
segunda razão - os temas da Filosofia do D ireito são
tratados, na "Introdução", de m aneira elem entar, em
atenção ao objetivo didático, de iniciação, que caracteri­
za esta m atéria.
O ponto em comum entre as duas disciplinas é que
tanto a Filosofia do Direito, quanto a Introdução ao
Direito buscam uma síntese do Direito.
Entretanto, como observa A. Machado Paupério, a
Filosofia do Direito busca uma síntese superior. Esta só
f
18
'
João Baptista Herkenhoff
é possível com o coroam ento dos estudos jurídicos. A
"Introdução" não pode buscar essa síntese superior.
D iferentem ente, seu propósito é alcançar uma síntese
elem entar do Direito.
É ponto polêm ico incluir, ou não, a Teoria Geral do
D ireito no âmbito da Filosofia do Direito.
Luís Recaséns Siches, Miguel Reale e A. L. M achado
Neto pensam que a Teoria Geral do D ireito integra a
Filosofia do Direito.
Luis Recaséns Siches coloca que incum be à Teoria
Geral do Direito tratar do que está aquém do Direito.
M iguel Reale percebe a Teoria G eral do Direito
com o a projeção im ediata da Epistem ologia Jurídica
(uma parte da Filosofia do Direito) no plano em píricopositivo.
O bserva A. L. Machado Neto que a Teoria Geral do
D ireito trata de pressupostos da Ciência do Direito, não
se confundindo com esta. O campo da Teoria Geral do
D ireito é mais genérico que o da Ciência do Direito. A
Teoria G eral do Direito objetiva precisar conceitos ge­
rais, sem os quais os juristas não podem lograr a realiza­
ção do seu mister.
Por ver na Teoria Geral do D ireito uma teoria da
ciência (epistemologia), A. L. Machado Neto situa a Teoria
Geral do D ireito no campo da Filosofia do Direito.
Em posição oposta coloca-se Hans Kelsen. Para
este, a Teoria Geral do Direito é a "Ciência do Direito".
Tam bém na linha de uma Teoria Geral do D ireito, de
natureza científica, m ilitantem ente não-filosófica, colo­
caram -se A. M erkel (na Alem anha), Filom usi Guelfi (na
Itália), Edm ond Picard, Paul Roubier, Jean D abin (na
França).
A inda na França, Jean Louis Bergel distingue a
Teoria G eral do Direito e a Filosofia do D ireito como
conhecim entos absolutam ente independentes.
Bergel pensa que a Teoria Geral do D ireito parte da
observação dos sistemas jurídicos, da pesquisa de seus
Para gostar do Direito
19
elem entos perm anentes, de sua articulação. De tudo isso
procura extrair os conceitos, as técnicas, as principais
construções intelectuais.
Já a Filosofia do Direito tende a despir o D ireito de
sua aparelhagem técnica com o propósito de m elhor
com preender sua essência e descobrir sua significação
mej:ajurídica.
Observa Bergel que tanto a Teoria Geral do Direito
quanto a Filosofia do Direito tentam com preender o que
é o D ireito, a que se dirige, quais são seus objetivos e
fundam entos/A Teoria Geral do Direito faz essas inda­
gações a partir do Direito com o objetivo de dom inar sua
aplicação. Já a Filosofia do Direito faz as m esm as inda­
gações a partir da Filosofia. E mais uma Filosofia sobre o
Direito.
Paulo D ourado de Gusmão vê a Teoria G eral do
D ireito com o a síntese que coroa a Ciência do Direito.
A lessandro Groppali tam bém encontra uma dife­
rença radical entre a Teoria Geral do Direito e a Filosofia
do D ireito. Não obstante, para Groppali a Teoria Geral
do D ireito é o traço de união entre as ciências jurídicas
particulares e a Filosofia do Direito.
Daniel Coelho de Souza e M aria H elena Diniz
entendem que a Teoria Geral do Direito ocupa uma
posição fronteiriça entre a Filosofia do Direito e a C iên­
cia do Direito. Pela sua positividade, é Ciência. Pelos
tem as que considera e pela generalidade com que o faz,
é Filosofia.
Para Benjam in de Oliveira Filho, a Teoria G eral do
D ireito é uma Filosofia do Direito sem Filosofia. Isto
porque buscaria a Teoria Geral do Direito a mesma
generalidade e globalidade da Filosofia do D ireito, po­
rém a partir de dados empíricos.
Acom panho os autores que entendem ser a Teoria
Geral do Direito uma parte da Filosofia do Direito.
Apóio sobretudo as razões apresentadas por A. L. M a­
20
João Baptista Herkenhoff
chado Neto para situar a Teoria Geral do D ireito no
âm bito da Filosofia do D ireito,
A "Introdução ao Direito" ou uma disciplina intro­
dutória de objetivos parecidos sempre fez parte do
currículo dos cursos de Direito.
No Brasil, quando os Cursos Jurídicos foram funda­
dos (11 de agosto de 1827), a cadeira colocada no
currículo, com função iniciatória, foi denom inada "D i­
reito N atural".
O "D ireito Natural" figurou nos currículos até 1891.
N esse ano, a Reform a Benjam in Constant substituiu o
"D ireito N atural" por uma outra cadeira: "Filosofia e
H istória do Direito".
O "D ireito Natural" foi retirado do currículo, em
razão das idéias positivistas adotadas pela República.
A disciplina "Filosofia e H istória do D ireito" deve­
ria ser estudada no I o ano do curso.
Em 1895, a cadeira "Filosofia e H istória do Direito"
foi desdobrada: a Filosofia do D ireito passou a ser
estudada no I o ano, enquanto a H istória do D ireito foi
retirada do currículo.
A "Enciclopédia Jurídica" foi instituída em 1912,
com o cadeira introdutória (Reforma Rivadávia Correia).
Foi suprim ida em 1915 pela Reform a M axim iliano.
A "Filosofia do Direito" continuou a integrar o
currículo, ora no 5o, ora no I o ano.
Em 1931 foi instituída a cadeira de "Introdução à
C iência do Direito". Veio com a organização da U niver­
sidade do Rio de Janeiro. A matéria devia ser estudada
no I o ano. O advento da disciplina "Introdução à Ciência
do D ireito" deslocou a "Filosofia do Direito" para o
Curso de Doutorado.
"Introdução ao Direito" é o nom e que a antiga
"Introdução à Ciência do Direito" passou a ter, a partir
de 1972. Constitui disciplina do currículo m ínim o do
curso de graduação em Direito.
Para gostar do Direito
21
A "Introdução ao Direito" abre o Curso Jurídico
para os estudantes e desencadeia a reflexão teórica sobre
os grandes tem as do Direito. Mas se destina a jovens que
apenas principiam seus estudos.
A meu ver, a Filosofia do Direito deveria ser, no
final do curso, o eixo catalisador, o fecham ento de uma
form ação verdadeiram ente "universitária". U niversida­
de, na sua etim ologia, traz a idéia de "universalidade,
totalidade". O saber universitário é o saber não com partim entado, não fragm entado, mas íntegro, universal.
A Filosofia do Direito, não apenas presente no
currículo, m as estudada com interesse e paixão, pode
contribuir para essa abertura universal do saber ju ríd i­
co.
De longa data, vínham os defendendo, na cátedra,
em artigos, nas edições anteriores deste livro, o restabe­
lecim ento da Filosofia do Direito no currículo, m ais de
60 anos depois que foi dele retirado.
No início de nossa pregação, o m omento histórico
era totalm ente adverso a esse tipo de proposta. Não
agrada às ditaduras qualquer espécie de questionam en­
to sobre a essência das coisas. Aos regimes totalitários
m elhor se adequa o "am ém , am ém ", o simples estudo da
Técnica Jurídica e das leis vigentes, sem qualquer pre­
tensão crítica.
Junto com a Filosofia do Direito parece-m e bem
próprio o estudo da Ética Jurídica, ou seja, a Ética
aplicada às profissões de advogado, juiz, m em bro do
M inistério Público e outras que decorrem dos estudos de
Direito.
22
João Baptista Herkenhoff
Capitul
II
Definições e concepções do Direito.
Disciplinas que estudam o
fenômeno jurídico
A palavra "direito" provém do baixo latim. Originase do adjetivo directus (qualidade do que está conform e
à reta; o que não tem inclinação, desvio ou curvatura). O
adjetivo directus é proveniente do particípio passado do
verbo dirigere, equivalente a "guiar, conduzir, traçar,
alinhar, endireitar, ordenar".
O vocábulo "direito" surgiu aproxim adam ente no
Século IV. Os rom anos usavam a palavra ju s, para
significar o que era lícito. Injuria designava o que era
ilícito.
D esde sua form ação até hoje, o vocábulo "direito"
passou por diversos significados. Prim eiro quis dizer "a
•qualidade do que está conform e à reta". Depois "aquilo
que está conform e à lei". E daí, seguidam ente, veio a
significar "a própria lei"; "o conjunto das leis"; "a ciência
que estuda as leis".
Em diversas línguas ocidentais, o vocábulo "direi­
to" encontra sim ilar: derecho (espanhol), droit (francês),
diritto (italiano), dreptu (romeno), recht (alem ão), ret
(dinam arquês).
Não é possível estabelecer uma única definição
lógica de "direito". Isto porque a palavra "direito" é
em pregada em m ais de um sentido.
Para gostar do Direito
23
No prim eiro sentido que vamos exam inar, direito é o
conjunto de normas ou regras jurídicas.
Esta acepção nos dá a idéia de "direito como norma"
ou "direito em sentido objetivo". Direito, na acepção de
lei ou norm a, foi definido por Clóvis Bevilacqua como
"regra social obrigatória".
O direito, como norma, pode ser em pregado para
significar:
- a norma jurídica reguladora da conduta social do
hom em , considerada genericam ente (quando se
diz, por exem plo, que "as regras de direito são
obrigatórias");
- o conjunto de normas relacionadas a um ramo
determ inado do Direito (Direito Penal, D ireito Ci­
vil);
- o sistem a de normas jurídicas vigentes num deter­
m inado país (direito brasileiro, direito francês).
O direito como norma é tam bém cham ado direito
positivo. A designação "Direito Positivo" é usada princi­
palm ente para contrastar com a expressão "D ireito N a­
tural".
D ireito Positivo é "o Direito institucionalizado pelo
Estado" (Paulo Nader); é "o sistem a norm ativo-jurídico
vigente em determ inada época e lugar" (Luiz Fernando
Coelho).
O direito positivo é o direito escrito, elaborado pelo
poder com petente, ou a norma consuetudinária, não-escrita, resultante dos usos e costumes de cada povo.
Tam bém o direito histórico, não mais vigente, é
direito positivo. O direito histórico tem o caráter de,
direito positivo porque, a seu tem po, foi vigente.
Num segundo sentido, o direito é a autorização que
um sujeito tem para exigir a prestação de um dever por parte
de outro sujeito.
Nesta acepção, o direito é entendido como facu lda­
de. O direito com o faculdade é o direito subjetivo.
24
João Baptista Herkenhoff
André Franco M ontoro definiu o direito subjetivo
como o poder de uma pessoa individual ou coletiva, em
relação a determ inado objeto.
O direito como faculdade apresenta-se de duas
form as diferentes:
x
- com o "interesse", ou seja, quando é instituído em
benefício do próprio titular (exemplo: o direito, que toda
pessoa tem, ao sossego noturno);
- com o "função", isto é, quando sua instituição se
faz em benefício de terceiros, não em benefício do titular
(exem plo: o direito ao exercício livre do m andato parlam en­
tar, instituído, não em favor do próprio parlam entar,
mas em favor do povo, da dem ocracia, da expressão das
diversas correntes de opinião).
N um terceiro sentido, o Direito é a idéia ou o ideal de
Justiça, ou o bem devido por justiça, ou a conform idade com as
exigências de Justiça.
A essa acepção refere-se Santo Tom ás de Aquino
quando diz que "o direito é o qtie é devido a outrem,
segundo uma igualdade".
Quem fixa essa idéia ou ideal de Justiça?
Este é um ponto polêm ico.
D urante muito tempo a tese da existência de uma
idéia ou ideal de Justiça, com força de gerar direitos e
obrigações na ordem jurídica positiva, foi sustentada
exclusivam ente pelos partidários do D ireito Natural.
Cham a-se Jusnaturalism o a corrente de pensam en­
to que reúne todas as teorias, surgidas através do tem po,
defensoras, sob diversos m atizes, do Direito Natural.
O ponto em comum das diversas correntes do
Jusnaturalism o é a afirmação de que, além do D ireito
Positivo, há uma outra ordem, superior àquela, que é a
expressão do direito justo.
A principal divergência na conceituação do Direito
N atural encontra-se no problem a da origem e funda­
m entação desse Direito.
Para gostar do Direito
25
H erm es Lim a tentou definir o Direito Natural
abrangendo as diversas orientações teóricas que dispu­
tam a explicação desta m atéria. Viu o Direito N atural
com o o conjunto de princípios que atribuídos a Deus, à
razão, ou havidos como decorrentes da natureza das
coisas, independem de convenção ou legislação. Este
conjunto de princípios seriam determ inantes, inform ati­
vos ou condicionantes das leis positivas.
A idéia de D ireito Natural está m orta, na atualida­
de?
C arlos H enrique Porto C arreiro pensa que sim. Esse
autor acha que a ressurreição do Direito N atural só
interessa àqueles que pretendem m anter o hom em sub­
m etido ao poder de grupos e classes que o exploram
ideologicam ente.
Em sentido oposto, Artur Machado Paupério acha
que o D ireito N atural está vivo, pois que volta a p olari­
zar as inteligências, num m ovim ento de autêntica flora­
ção renascentista.
R ecaséns Siches põe um dilema. Ou aceitam os o
D ireito N atural como portador da idéia de Justiça, ou
optam os pela ruína dos fundam entos do D ireito, que se
transform a em m ero fenôm eno de força.
Paulo N ader entende que o jusfilósofo será partidá­
rio do D ireito N atural, ou defensor de um m onism o
jurídico que reduz o Direito à ordem jurídica positiva
apenas.
No fogo cruzado do debate, Roberto Lyra Filho
propõe que se recuse a escolha entre a visão positivista e
a visão jusnaturalista do Direito. Para ele, som ente uma
nova teoria realm ente dialética do Direito evita a queda
num a das pontas dessa antítese.
Como em toda superação dialética, - explica R ober­
to Lyra Filho, - im porta conservar os aspectos válidos de
am bas as posições e rejeitar os demais. Os aspectos
positivos serão reenquadrados num a visão superior.
Nessa linha, a positividade do Direito não conduz fatal­
26
João Baptista Herkenhoff
m ente ao positivism o. E a idéia de direito justo não
voará em direção de nuvens m etafísicas. O direito justo
integra a dialética jurídica. Não se desliga das lutas
sociais, no seu desenvolvim ento histórico, entre espolia­
dos e espoliadores, oprim idos e opressores.
Roberto A. R. de Aguiar defende a busca do que ele
cham a de "direito com prom etido". Esse "direito com pro­
m etido" será fruto de um conflito entre o direito posto
(vigente e eficaz) e o direito em potencial, que em erge
das lutas dos dom inados, dos destinatários esm agados
na ordem jurídica posta.
Em nossa opinião, no mundo m oderno, é viável e
indispensável defender uma concepção ética do D ireito.
Será preciso com preender, de início, que vivem os um
tem po de pluralism o cultural. Esse pluralism o cultural
exige respeito recíproco entre as diversas culturas h u ­
manas. Pede a busca de diálogo e enriquecim ento m útuo
na troca de experiências e perspectivas. A concepção
ética do D ireito deve provir do próprio pluralism o, sem
dogm atism o, antropologicam ente.
A ssiste razão a Carl J. Friedrich, quando defende a
necessidade de um padrão válido, fora e além do D irei­
to, para proteger o Direito.
A nosso ver, esse padrão é essencial, qualquer que
seja a form a que assuma. Seja o direito supralegal, a que
se refere Radbruch; seja a referência crítica para a legis­
lação vigente, propugnada por H erm es Lim a; seja a
tentativa de hum anização da Justiça, a que se refere
Flóscolo da N óbrega; sejam os D ireitos H um anos procla­
m ados em foros internacionais, ou trazidos à prática
efetiva, através de convenções e tribunais internacio­
nais.
Q uando falam os em D ireitos Hum anos proclam a­
dos, com o padrão ético para julgar a legitim idade do
direito positivo, não nos referim os apenas à concepção
ocidental de D ireitos Humanos. Verem os que, por trás
da aparência de divergências vocabulares, há m uito em
Para gostar do Direito
27
com um , no nível da identidade espiritual, entre a D ecla­
ração Universal dos Direitos Hum anos, estabelecida
pela ONU, e outras Declarações de Direitos H um anos,
com o a D eclaração Islâmica Universal dos D ireitos do
Homem , a Carta Africana dos D ireitos Hum anos e dos
Povos, a Carta U niversal dos D ireitos dos Povos (Carta
de A rgel), a Carta Americana de D ireitos e D everes do
Homem e a D eclaração Solene dos Povos Indígenas do
M undo.
A única coisa, a nosso ver, intolerável é que, em face
do esm agam ento do ser hum ano, pela força de sistem as
legais opressivos, não possa o jurista dizer, com o o
profeta, ante o opressor:
"m esm o com a lei e a força nas mãos, não te é lícito
fazer isto."
Num quarto sentido, o Direito é o setor do conheci­
mento que investiga o fenôm eno jurídico.
palavra "direito" serve tanto para designar o
ramo do conhecim ento (Ciência do D ireito), quanto o
objeto desse ram o do conhecimento. O D ireito como
ram o do conhecim ento ou ciência é o estudo m etódico
do fenôm eno jurídico e a sistem atização que decorre
desse estudo.
Num quinto e último sentido, o Direito é um fa to
social. O D ireito, independente de ser um conjunto de
significações norm ativas, é também um conjunto de
fenôm enos que se dão na vida social. Visto dessa forma,
o D ireito é objeto da Sociologia do Direito (ou Sociologia
Jurídica). Kõhler adotou essa perspectiva quando con­
ceituou o D ireito como um fenôm eno da cultura.
Além desses cinco sentidos e seus desdobram entos,
que acabam os de exam inar e discutir, ainda podem os
pesquisar outro tema:
Qual é a origem do Direito? Seria uma idéia inata
no ser hum ano? Seria um produto cultural, histórico?
28
João Baptista Herkenhoff
Ou seria expressão jurídica dos interesses da classe
dom inante?
A perspectiva de ver o direito como idéia inata é a de
considerar o sentim ento de Direito e de Justiça como
parte integrante da natureza humana. Nessa visão, o
D ireito transcenderia a experiência.
Típica dessa orientação teórica é a colocação de
G iorgio Del Vecchio. Para Del Vecchio, o D ireito expri­
me sem pre uma verdade não-física, porém m etafísica.
Traduz uma verdade superior à realidade dos fenôm e­
nos. É um m odelo ideal que tende a im por-se à realida­
de. O D ireito carrega um princípio de valoração.
O utra perspectiva entende o D ireito como noção
histórica. Rudolf Von Ihering adota essa orientação. Na
percepção de Ihering, os direitos transform am -se, ã
m edida que se alteram os interesses da vida. Interesses e
direitos são historicam ente paralelos.
No Brasil, Sílvio Romero e Tobias Barreto, dentre
outros, aderiram à corrente histórica, na explicação do
fenôm eno jurídico.
% Sílvio Romero definiu o Direito como com plexo de
condições, criadas pelo espírito das várias épocas. O
Direito serve para lim itar o conflito das liberdades e
tornar possível a coexistência social.
Tobias Barreto viu o Direito como sendo a d iscipli­
na das forças sociais, ou o princípio da seleção legal na
luta pela existência.
Os seguidores da corrente histórica tentaram b u s­
car um substrato histórico para o Direito. Deram m uito
realce ao estudo do fenôm eno jurídico à luz da História.
A terceira orientação, que estam os a exam inar, vê o
D ireito como expressão histórica de uma classe econom ica­
m ente dom inante. Nessa linha, o Direito deriva das rela­
ções m ateriais de produção. As relações de produção
precisam ser regulam entadas, à m edida que surgem.
D evem ser regulam entadas de acordo com o interesse da
classe econom icam ente dominante.
Para gostar do Direito
29
/
Karl M arx disse que as relações jurídicas, bem como
as form as de Estado, não podem ser explicadas por si
m esm as. A cham ada evolução geral do espírito hum ano
tam bém não deslinda a questão. As relações jurídicas
têm suas raízes nas condições m ateriais da existência^
Krylenko e Strogovic, na doutrina estrangeira, C. H.
Porto C arreiro, no Brasil, foram alguns dos escritores
que adotaram a explicação m arxista do fenôm eno
jurídico.
Segundo N. V. Krylenko, o Direito é a expressão
das relações sociais dos homens, que ocorrem sobre a
base das relações de produção de uma determ inada
sociedade. Isto acontece tanto na forma escrita da lei
vigente, quanto na forma não-escrita do direito consuetudinário. O conteúdo do Direito é a disciplina das
relações sociais, no interesse da classe dom inante da
sociedade. Em outras palavras: as relações sociais são
tuteladas pela classe dominante, m ediante força coerciti­
va, com a m ediação do direito.
M. I. Strogovic vê o Direito como um conjunto de
regras de conduta que exprimem a vontade da classe
dom inante. Essas regras são estabelecidas ou sanciona­
das pelo Estado.^A execução e a observância do D ireito
são asseguradas pela força coativa do Estado. O objetivo
do D ireito é tutelar, consolidar e desenvolver as relações
e o ordenam ento sociais, de m aneira favorável e vantajo­
sa para a classe dominante.
C. H. Porto Carreiro diz que o Direito fixa, acim a de
tudo, as relações econôm icas que predom inam em dada
sociedade, em certo momento histórico. O D ireito tem
uma natureza histórica e um caráter de classe. Exprim e o
interesse da classe dom inante, cristalizado na lei. Por
esta razão, o Direito pressupõe o Estado, que é o orga­
nism o capaz de impor o cum prim ento da vontade de
classe.
Parece-m e que a escola histórica deu certa luz ao
problem a, quando percebeu o caráter m utável do D irei­
30
João Baptista Herkenhoff
to. Porém não desvendou a raiz da questão, o que só o
M arxism o fez, quando identificou o m óvel da criação e
da evolução históricas do Direito.
A visão de Direito com o idéia inata é, a nosso ver,
equivocada, quando pretende dar ao D ireito um sentido
estático, anterior e superior à H istória e aos conflitos de
classe. Entretanto, parece-m e haver um substrato de
verdade no pensam ento que inspirou essa corrente. Sem
prejuízo de considerar as transform ações e vicissitudes
do tem po histórico, sem prejuízo de constatar que deter­
m inadas relações de produção plasm am a m aioria dos
institutos jurídicos (sobretudo aqueles que m odelam o
núcleo central dos sistem as legislativos), parece que
alguns princípios de Direito integram o mais profundo
da condição humana. A observação com parada da cultu­
ra jurídica de povos distantes no tem po e no espaço
parece conduzir a uma tal conclusão.
A creditam os que a mais correta perspectiva é a que
procura explicar o Direito como expressão histórica da
classe econom icam ente dominante. As transform ações
históricas que fizeram ruir o bloco socialista não alte­
ram , em nada, essa concepção. O m undo está hoje sob o
im pério de uma tmica nação, que tenta im por o figurino
neoliberal a todos os povos. Mas seria ilusório im aginar
que esse dom ínio m ilitar e econôm ico tenha a força de
esm agar a Utopia que alim enta a alma hum ana.
V ejam os, finalm ente, as diversas disciplinas que
estudam o Direito.
O fenôm eno jurídico pode ser estudado por m ais de
um ângulo. Daniel Coelho de Souza exem plifica muito
bem. Da m esm a forma que o homem, indivisível, pode
ser exam inado quanto a sua anatom ia, m orfologia, fisiologia, psicologia etc., tam bém o conhecim ento jurídico
resolve-se em vários saberes especializados. Ou seja, o
fenôm eno jurídico pode ser analisado por diversos ân­
gulos, correspondentes a disciplinas específicas.
Para gostar do Direito
31
As principais disciplinas que estudam o fenôm eno
jurídico são a Dogm ática Jurídica, a Filosofia do Direito,
a Sociologia do D ireito, a H istória do Direito, a A ntropo­
logia do D ireito e o Direito Comparado.
Também deve ser m encionada a Teoria G eral do
D ireito quando não se considera essa disciplina como
parte da Filosofia do Direito, posição, entretanto, que
não é a nossa, conform e expusem os no início deste livro.
A Dogmática Jurídica estuda o Direito com o um
conjunto sistem ático de normas de conduta que guar­
dam uma lógica interna.
A Filosofia do Direito procura captar a realidade
jurídica por m eio de sua relação com as causas prim eiras
e os princípios fundamentais. Debruça-se sobre o estudo
da natureza do Direito e de sua significação essencial.
A Sociologia do Direito (ou Sociologia Jurídica) vê o
fenôm eno jurídico como fato social.
A circunstância de ser o fenôm eno jurídico um fato
social é que justifica a própria existência da Sociologia
do Direito.
Encarando o Direito como fato social, a Sociologia
do D ireito concentra seu interesse naquilo que o D ireito
é, não naquilo que, hipoteticam ente, devia ser.
Nessa perspectiva, o Direito é visto como causa e
conseqüência de outros fatos sociais.
A Sociologia do Direito procura captar a realidade
jurídica e projetá-la em relação a causas e princípios
verificáveis.
A H istória do Direito procura inserir o fenôm eno
jurídico no seu contexto de espaço e tempo.| Pesquisa e
analisa os institutos jurídicos do passado, ou nos lim ites
de uma ordem jurídica nacional, ou num conjunto de
sistem as jurídicos semelhantes, ou mesmo num a visão
universal.
A H istória do Direito, dentro de uma perspectiva
m oderna, não se lim ita à mera descrição dos fatos, num a
32
Joao Baptista Herkenhoff7
crônica do passado. Deve explicar os acontecim entos,
interpretá-los e relacioná-los de forma causai.
A Antropologia do Direito (ou Etnologia Jurídica, ou
A ntropologia Jurídico-Cultural) estuda o Direito como
uma dim ensão da vida humana. Em face de seu propósi­
to de desvendar o homem , na sua vida m aterial e
espiritual, interessa-se o antropólogo por essa faceta
presente nas mais diversas culturas - o hom em jurídico.
Há estudos de A ntropologia do Direito que versam quer
sobre o hom em das sociedades prim itivas, quer sobre o
hom em das sociedades modernas.
O D ireito Comparado estuda as instituições e siste­
mas jurídicos positivos, pertencentes a épocas e países
distintos. Fixa as diferenças e sem elhanças para, desse
estudo, tirar conclusões sobre a evolução dos sistem as e
instituições, como observou Rubem Rodrigues N o­
gueira.
E tam bém propósito do Direito Com parado buscar
critérios para o aperfeiçoam ento das instituições ju ríd i­
cas e para a uniform ização legislativa, quando cabível e
conveniente..
O D ireito Com parado deve ultrapassar o m ero
estudo com parativo das legislações. Cabe-lhe m ergulhar
nos fatos culturais, políticos e econôm icos para bem
interpretar divergências e convergências, influências e
em préstim os, investigando também as possibilidades de
transposição de institutos jurídicos, tendo em vista o
progresso do Direito.
E extrem am ente im portante o conhecim ento das
diversas disciplinas que estudam o fenôm eno jurídico. A
. incursão do espírito nos diversos saberes jurídicos alar­
ga a com preensão do Direito.
A lguns juristas entendem que cada departam ento
científico estuda o fenôm eno jurídico dentro da respecti­
va m etodologia, mas não deve haver com unicação entre
as respectivas visões. Essa postura reivindica para a
D ogm ática Jurídica a condição de ser a "Ciência" do
Para gostar do Direito
33
Direito. A reflexão dos outros saberes jurídicos sobre o
D ireito não seria científica ou, pelo menos, o tratam ento
m últiplo do fato jurídico seria estranho à tarefa do
jurista.
D iscordam os dessa posição. Não nos parece que o
D ireito, realidade com plexa, possa ser entendido e ap li­
cado corretam ente, se adotada uma concepção unívoca
do fenôm eno jurídico.
C rem os que no estudo, na pesquisa e na prática
diuturna do Direito, cada um dos saberes jurídicos tem
sua contribuição a dar. Isto se querem os apreender com
sabedoria a realidade e se tencionam os fazer do D ireito
um instrum ento de Justiça e progresso social.
34
João Baptista Herkenhoff
Capitul
III
O Direito é ciência?
A aceitação do D ireito como conhecim ento científi­
co divide os doutrinadores. É m atéria extrem am ente
controvertida, com o verem os neste capítulo.
O tema gerou acirradas disputas no passado. Ainda
hoje está longe de ser pacífico, embora a m aioria dos
autores m odernos incline-se pela adm issão da cientificidade do Direito.
As razões da controvérsia são de form a e de fundo,
com o terem os oportunidade de observar adiante.
A reflexão sobre a cientificidade do D ireito não^é
uma questão somente_ m etodológica. Atinge tam bém , na
essência, o entendim ento do que seja o D ireito e do que
seja a substância do trabalho dos operadores do conheci­
m ento jurídico.
O debate deste tema ajuda a aclarar a com preensão
do que é o próprio fenôm eno jurídico. Em outras pala­
vras: este debate tem um fruto reflexo; joga luz sobre o
fenôm eno jurídico, contribui para identificá-lo e com ­
preendê-lo.
Este fruto reflexo torna ainda mais relevante o estudo
deste assunto pelos iniciantes dos estudos do Direito.
A urélio W ander Bastos afirm a que a questão da
cientificidade do Direito é o problem a central dos estu­
dos jurídicos. Conseqüentem ente, segundo esse autor, é
tam bém a questão central do ensino, da pesquisa, da
aplicação e da interpretação jurídica.
Para gostar do Direito
35
D entre algum as vozes que se levantaram contra a
cientificidade do Direito podem ser arroladas as de
Julius H erm ann von Kirchmann, Max Salom on, Félix
Dahn, André W ilhelm Lundstedt, Paul Roubier, Theodor Jaehner, Paul Korschaker, Max Rumpf, Franz W.
Jerusalem , Theodor Viehweg, Ottm ar Ballw eg, Cham berlain, N ussbaum (fora do Brasil); Pedro Lessa, Q uei­
rós Lim a, Paulino Jacques (no Brasil).
Os autores que se filiam ao Positivism o, em geral,
subscrevem a opinião dessa escola. Negam a cientifici­
dade do Direito.
Não exam inarem os a opinião de todos os autores
acim a citados. O estudo de alguns pensam entos será
bastante para com preender as razões que m ilitam contra
a cientificidade do conhecim ento jurídico.
Kirchm ann afirmou que o D ireito, tendo por objeto
o contingente, é também contingente.
Esse jurista alem ão pretendeu retratar a in stabilida­
de do D ireito através de uma frase fulm inante: três
palavras retificadoras do legislador tornam inútil toda
uma biblioteca jurídica.
A instabilidade do D ireito representava, para
Kirchm ann, a mais flagrante im possibilidade de sua
aceitação como ciência.
Fenôm eno histórico, m utável, o Direito não adm ite
generalização. E a form ulação de generalizações é im ­
prescindível ao saber científico.
Kirchm ann observou também que o jurista sem pre
se m ostrava incapaz de apreender a realidade jurídica.
Quando se habilitava para conceituar essa realidade, a
m esm a já estava desfigurada pelas m odificações históri­
cas.
Kirchm ann via o Direito com o incapaz de acom pa­
nhar o progresso. Apontava um atraso considerável do
saber jurídico, em com paração ao desenvolvim ento das
dem ais ciências.
36
João Baptista Herkenhoff
Kirchm ann expôs suá doutrina num pequeno livro
que o tornou célebre: Da falta de valor científico da Ciência
do D ireito. Esse livro foi publicado em 1848, quando seu
autor tinha 46 anos.
A instabilidade da norma jurídica é tam bém a razão
adotada por Max Salom on para negar a cientificidade do
Direito. Esse autor vê a norma jurídica como o objeto do
conhecim ento jurídico. Seu pensam ento foi defendido
num livro publicado em 1925.
A ndré W ilhelm Lundstedt afirm ou que o D ireito
não é ciência, em face da relatividade de suas leis e da
singularidade de-seus princípios gerais. A obra, na qual
Lundstedt negou o caráter científico do D ireito, foi
publicada na década de 1930.
Segundo Paul Koschaker, o D ireito não é ciência
porque não se propõe a descobrir verdades.
N ussbaum entendia que o Direito seria apenas uma
técnica porque estudaria norm as sob o ponto de vista
exclusivam ente formal. O Direito não estudaria norm as
com o fatos determ inados pela vida espiritual da socie­
dade.
^ T a m b é m se nega cientificidade ao D ireito porque
não teria validade universal. É um dos argum entos
invocados, dentre outros, por Paulino Jacques, para
negar caráter científico ao conhecim ento jurídico./*
Três seriam os requisitos fundam entais do saber
científico:
a) conhecim entos adquiridos m etodicam ente;
b) conhecim entos que tenham sido objeto de obser­
vação sistem ática;
c) conhecim entos que contenham validez universal,
pela certeza de seus dados e resultados.
O D ireito não atenderia ao terceiro requisito. O
Direito, com o disse A ristóteles, não é com o o fogo, que
arde do mesmo modo na Pérsia e na Grécia.
Os princípios do Direito variam de país para país,
de sistem a jurídico para sistema jurídico. Nem m esm o
Para gostar do Direito
37
os cham ados princípios gerais do Direito teriam validade
universal.
^ O Positivism o encarou a Ciência do D ireito como
um aspecto da Física Social. Aquilo que, no D ireito, não
pudesse ser reduzido à ciência natural seria m era arte,
sim ples aplicação dos princípios científicos/
N essa linha do Positivism o colocou-se Pedro Lessa.
Para este, as regras do Direito são preceitos artísticos,
norm as para fins práticos. São determ inações que se
im põem à vontade. As regras do Direito não se confun­
dem com as afirm ações científicas. Estas são dirigidas à
inteligência.
Franz W. Jerusalem nega a cientificidade do Direito
porque carece da liberdade de pensam ento inerente a
toda ciência autêntica. O trabalho do jurista não é livre,
segundo Jerusalem , porque está subordinado à autori­
dade da teoria predom inante.
Theodor Viehw eg diz que a cientificidade deve
fundar-se na possibilidade de objetivação e deve pressu­
por uma referência à atividade intencional da subjetivi­
dade. A cientificidade do Direito exigiria uma
neutralidade quanto aos valores (neutralidade axiológica). O m étodo axiológico requer uma relação dialógica
referida a um sujeito. A cientificidade exigiria a elim ina­
ção dessa situação dialógica inerente ao Direito. A cien­
tificidade do Direito pressuporia que fosse expurgado
de toda ideologia.
Em conseqüência dessas lim itações, Viehw eg nega
o caráter científico do Direito.
Paulino J.acques pensa que o Direito é m ais que
Ciência. Estaria mesmo acima da Arte, da Filosofia e da
Religião. Isto porque o Direito é Política, a m ais alta e
com plexa forma do conhecim ento. A Política m obiliza
todas as outras formas de conhecim ento, para servir o
convívio hum ano.
Alguns dos defensores do Direito com o ciência,
dentre m uitos outros, foram: Capograssi, Jacques Novi-
38
João Baptista Herkenhoff
cow , H ans Kelsen, Carlos Cossio, A ngel Latorre, H einrich Rickert, Recaséns Siches, Karl Larenz, A belardo
Torré (autores estrangeiros); A. L. M achado N eto, Paulo
Dourado de Gusm ão, N aylor Salles G ontijo, C. H. Porto
C arreiro, M iguel Reale, Daniel Coelho de Souza, W ilson
de Souza Campos Batalha, Luiz Fernando Coelho, A n­
dré Franco M ontoro, Tércio Sam paio Ferraz Júnior, M a­
ria H elena Diniz (autores brasileiros).
Da m esm a m aneira com o fizem os com relação aos
autores da opinião adversa, não exam inarem os aqui o
pensam ento de todos estes autores. Verem os apenas
algum as posições que resum em o conjunto das visões
afirm ativas da cientificidade do Direito.
A Escola dos Pandectistas foi uma escola jurídica
que surgiu na Alem anha durante o século XIX. Repelia
qualquer noção absoluta ou abstrata da idéia de Direito.
C onsiderava o Direito como um corpo de norm as positi­
vas. Esse corpo de norm as deveria ser estabelecido com
base no sistem a do D ireito Romano. A escola deve sua
denom inação ao fato de que seu fundam ento eram as
Pandectas, uma com pilação das decisões de antigos
jurisconsultos. Tais decisões, agrupadas nas Pandectas,
ou D igesto, foram convertidas em lei pelo Im perador
Justiniano.
A Escola dos Pandectistas pretendeu afirm ar a
cientificidade do Direito através do esforço de dar valor
'geral a certos conceitos, independente da consagração
deles em qualquer sistema jurídico. Tais conceitos se­
riam, dentre outros, o de herança, propriedade, contrato.
Os pandectistas procuraram investigar e descobrir
um sistem a de conceitos jurídicos gerais, que seriam
gerais não obstante derivados do direito positivo.
C apograssi defendeu a cientificidade do Direito,
afirm ando que o objeto da Ciência do D ireito não é a
norm a jurídica, mas a experiência jurídica.
A norm a jurídica é m utável. A experiência jurídica,
ao contrário, é portadora de certa estabilidade.
Para gostar do Direito
39
A experiência jurídica tem a mesma estabilidade
dos dem ais fatos históricos.
A experiência jurídica conserva, como tradição, a
experiência passada. Essa experiência jurídica m antém se viva, não obstante a m utabilidade das normas.
Angel Latorre refutou o argum ento de Kirchm ann
quanto à instabilidade das norm as jurídicas. N otou que
as norm as concretas e as leis particulares m udam , sem
dúvida, com freqüência. Um sistema jurídico, no seu
conjunto, entretanto, não costuma transform ar-se de
m aneira brusca.
-^Hans Kelsen viu o Direito com o uma ciência norm a­
tiva. Segundo seu pensam ento, o objeto da Ciência do
D ireito é o ordenam ento jurídico. Esse ordenam ento está
escalonado sob a forma de pirâm ide, em cujo topo se
encontra a norm a fundam ental hipotética^,/
Carlos Cossio também vê o Direito como ciência
norm ativa. Contudo, seu ângulo de percepção opõe-se
ao de Kelsen. Para Carlos Cossio a Ciência do D ireito é
ciência norm ativa porque conhece seu objeto m ediante
normas. O D ireito não é ciência norm ativa porque m inis­
tre norm as ou conheça normas.
Cossio explicou, nos seus livros, a teoria que desen­
volveu - a Teoria Egológica do Direito. A Teoria Egológica do D ireito contrapõe-se ao racionalism o jurídico. Essa
Teoria afirm a que o objeto a ser conhecido pelo jurista é
a conduta hum ana considerada sob certo ângulo parti­
cular. O objeto a ser conhecido pelo jurista não são as
normas.
Cossio deu um exemplo esclarecedor de seu lum i­
noso pensam ento. Disse ele que acontece com o jurista o
m esm o que acontece com o astrônomo. O objeto do
conhecim ento do astrônomo são os astros, não são as leis
de Kepler e de Newton. Estas leis (diga-se, entre parên­
teses, hoje ultrapassadas) são apenas conceitos com os
quais os astros seriam conhecidos. Assim tam bém , na
Ciência do D ireito o objeto do conhecim ento do jurista
Jono Baptista Herkenhoff
não são as norm as. O objeto do conhecim ento do jurista
é a conduta em sua interferência intersubjetiva. As
norm as jurídicas são apenas conceitos através dos quais
a conduta é conhecida com o conduta.
Foi esta visão da Ciência do D ireito que fundam en­
tou uma sentença que lavram os com o juiz, absolvendo
uma estudante universitária. Ela cham ou de "guardinha" um guarda de trânsito famoso em Vitória por sua
extraordinária delicadeza. Esse exem plar funcionário
era apelidado de G uarda-Sorriso. A m oça não conseguia
tirar seu carro do meio de uma via pública porque o
veículo afogara. Em face disso, seu carro engarrafava o
trânsito. Então o guarda lhe im pôs sucessivas multas.
Por causa da situação em baraçosa e em razão das m ul­
tas, a m oça ficou nervosa e ofendeu o G uarda-Sorriso
cham ando-o, pejorativam ente, de "guardinha".
Adotam os nessa sentença a tese de Carlos Cossio.
A firm am os que o Direito é conduta, e não norma. Em
conseqüência, não se pode conceber uma hermenêutic.i
jurídica (ou seja, uma teoria da interpretação das leis),
senão do objeto jurídico - a conduta. Dentro dessü
postura, o indivíduo julgado é substituído por sua
fatalidade ou contingência.2
O Direito tam bém se enquadra com o Ciência à luz
dos requisitos do saber científico propostos por Carl J.
Friedrich. O D ireito seria ciência porque:
a) está relacionado a um corpo determ inado de
conhecim entos, tem um objeto preciso de estudo;
b) seu propósito de investigação fixa-se num certo
corpo de experiências;
c) possui m étodos específicos.
N aylor Salles Gontijo defende o caráter científico
do D ireito. Segundo esse autor, quatro pontos identili
cam a essência científica do Direito:
2 A íntegra desta sentença pode ser lida no nosso livro "Uma Porta para o
homem no Direito Criminal". Rio de Janeiro, Editora Forense, 1999, 3“ ed.,
pp. 9 e segs.
Para gostar do Direito
41
a) o D ireito está sujeito à observação e descrição
dentro dos diferentes grupos sociais, mesmo que não
assum a a form a de "direito escrito";
b) o Direito oferece campo para a investigação das
experiências jurídicas, resultantes dos diferentes siste­
mas jurídicos (o que se faz através do Direito Comparado);
c) o D ireito é um corpo de conhecim entos suscetí­
veis de estar contido dentro de um determ inism o; esse
determ inism o sem pre dirige o Direito a um ideal de
Justiça; essa direção é, assegurada pelo caráter norm ati­
vo do D ireito;
d) o D ireito não se preocupa exclusivam ente com o
conceito de objetividade; nisto pode fazer-se substituir
pela Técnica Jurídica.
A negação da cientificidade do Direito, a partir da
consideração de ser o objeto desse conhecim ento im pró­
prio para observação e experim entação, advém da estreiteza de reduzir todo o conhecim ento ao ponto de
vista das ciências naturais e físicas.
O argum ento que se contrapõe a esse posiciona­
mento é o de que outros m étodos e outros critérios, não
m enos valiosos que a observação e a experiência, tam ­
bém perm item conhecer a realidade.
O equívoco do Positivism o caminha na linha aqui
refutada. O Positivism o ignora que o conhecim ento
típico das ciências da natureza não é a única forma
possível do conhecim ento científico.
O Direito é pacificamente ciência, quando se concei­
tua como ciência qualquer tipo de conhecimento racional e
sistem ático da realidade natural, social ou cultural.
O D ireito é conhecim ento racional e sistem ático de
uma parcela da realidade cultural.
D efendem os o caráter científico do conhecim ento
jurídico.
O argum ento que pretende negar a cientificidade
do D ireito em virtude de uma pretensa instabilidade
parece-nos equivocado.
42
João Baptista Herkenhoff
No D ireito, há' sempre uma tradição doutrinai que
engloba m étodos, sistem as e conceitos.
A lém disso, a tradição jurídica não tem caráter
exclusivam ente nacional.
O bservam os tam bém que, mesm o nos países onde
houve, no curso da H istória, grandes transform ações
políticas e sociais, nem todos os institutos jurídicos da
velha ordem desapareceram . Só foram desprezados pela
nova ordem aqueles institutos jurídicos de todo incom ­
patíveis com a ordem que se instaurava.
O fato que estam os assinalando ocorreu em países
nos quais aconteceram revoluções socialistas, revoluções
republicanas e outras transform ações profundas.
Supom os tam bém enganosa a afirm ação de que o
D ireito é um conhecim ento que não progride.
Creio que o D ireito só é um conhecim ento que não
progride se considerado dentro de uma específica visão
teórica e de um específico tratam ento do fenôm eno
jurídico.
D entro do raciocínio que estam os aqui desenvol­
vendo, o D ireito só será estático:
a) quando consideram os como objeto do conheci­
m ento jurídico apenas o direito vigente num a época;
b) e, além disso, quando esse conhecim ento é lim i­
tado por uma percepção acrítica da realidade jurídica.
Se entretanto alargam os a vista, é possível com pro­
var o progresso do Direito, quer sob o aspecto form al,
quer sob o aspecto substancial.
Sob o aspecto form al, constata-se o progresso do
Direito:
- na crescente precisão de conceitos antigos;
- na elaboração de conceitos novos;
- no apefeiçoam ento do instrum ental form al de que
se vale o jurista;
- no m aior rigor técnico da linguagem do Direito.
Sob o aspecto substancial parece-m e ainda mais
im portante o progresso que o Direito pode fazer. Sem
Para gostar do Direito
43
dúvida, a possibilidade desse progresso não é reconheci­
da por todas as correntes de pensam ento. M uitos juristas
não aceitarão que o Direito progrida da forma que
vam os assinalar a seguir. A alguns parecerá afoito que o
Direito progrida, rom pendo balisas que tradicionalm en­
te lim itam o cam po de ação do jurista.
Entretanto, a nosso ver, o Direito efetivam ente
progride:
a) quando o jurista, sob a inspiração de um espírito
crítico e construtivo, abandona a postura de servo do
direito vigente;
b) quando o jurista recusa ao Direito o papel de
força conservadora e aceita o desafio de ajudar a colocálo a serviço das forças progressistas;
c) quando o jurista abandona a cômoda posição de
encastelar-se nos gabinetes para descer ao povo. Q uan­
do o jurista se integra ao povo, e participa da prática do
povo, e repensa o Direito com o povo, e recria o D ireito
com o povo, a partir das experiências do povo.
Em bora tenham os nossa opinião nesta m atéria,
com o acabam os de expressar, reconhecem os que o tema
continua polêm ico.
Se fizerm os uma leitura refletida e crítica do que foi
dito antes, podem os identificar as razões profundas da
polêm ica. A questão é polêm ica em razão:
a) do que se entenda como sendo o dom ínio da
ciência;
b) do que se entenda como sendo o lim ite do
D ireito.
Uma visão restrita do que seja o dom ínio científico
expulsará o D ireito para fora dos m uros da ciência.
Da m esm a forma, uma visão estreita do que seja o
labor do jurista esvaziará o conteúdo da pesquisa e das
buscas que o jurista faz ou pode fazer. Em decorrência
desse esvaziam ento, o conhecim ento jurídico não aten­
derá os requisitos do saber científico.
44
João Baptista Herkenhoff
Não obstante a relevância da discussão, a dignida­
de do D ireito e sua im portância independem de ser esse
conhecim ento considerado, ou não, científico. Não é o
carim be ’Lcientífico" aposto ao saber jurídico que vai
definir o papel do Direito na sociedade.
O D ireito tem uma função capital, na vida de um
povo, com o decorrência do peso de sua influência den­
tro da organização social. E mesmo no plano internacio­
nal cresce continuam ente o poder do D ireito, com o
conseqüência da necessidade do estabelecim ento de re­
lações civilizadas em nível mundial. Certam ente, a pre­
valência do Direito sobre a força ainda é apenas um
ideal, quase um sim ples sonho, no cam po das relações
entre os povos. Mas o futuro parece cam inhar na direção
de uma vida internacional sob a égide do Direito.
Nesse quadro em que se desenha a m agnitude do
D ireito, avulta o papel do jurista, cientista e artista,
servidor e arquiteto desse saber.
Para gostar do Direito
45
Capítulo
IV
Os fatores do Direito
'n
!
•
Os fatores quíe influem no D ireito são de duas
ordens:
a) fatores naturais;
b) fatores sociais, culturais ou históricos.
Fatores naturais são os decorrentes do reino da
natureza, os quais exercem um amplo condicionam ento
sobre a vida humana.
~ Fatores sociais, culturais ou históricos \são aqueles
produzidos pelo ser hum ano, inclusive pela ação de
hom ens e m ulheres sobre a natureza.
Os principais fatores sociais que influem no Direito
são: o fator econôm ico, o político e o religioso.
Karl M arx explicou num breve e conciso texto a
relação entre a estrutura econôm ica e a superestrutura
jurídica. Essa relação "estrutura econôm ica - superestru­
tura jurídica" localiza-se dentro de um quadro m aior do
pensam ento m arxista, ou seja, dentro da interpretação
m aterialista da História.
M arx com eça por dizer que, na produção social de
sua existência, os homens contraem entre si relações
determ inadas, necessárias, independentes de sua vonta­
de. Essas relações de produção correspondem a certo
grau de desenvolvim ento das forças produtivas m ate­
riais.
O conjunto das relações de produção constitui a
estrutura econôm ica da sociedade. Essa estrutura econô­
Para gostar do Direito
47
m ica é a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política.
O m odo de produção da vida m aterial condiciona o
processo da vida social, política e intelectual. À estrutu ­
ra econôm ica correspondem determ inadas form as de
consciência social.
Não é a consciência dos homens que lhes determ ina
o ser. Inversam ente, o ser social é que lhes determ ina a
consciência.
A ideologia e a organização social formam a superestrutura social. A técnica de produção constitui a
infra-estrutura econôm ica.
O D ireito integra a superestruturã sociaT,~ém pri m eiro lugar, com o ideologia. G —DiFêftO ê a expressão
ideológica de um momento soeiaV'ewrespend©1Te--aos
interesses da classe dominante.
Em segundo lugar, o Direito integra a superestrutura, como elem ento integrante da organização social.
^s^Marx e Engels entendem que o Direito não pode
preceder a ordem econôm ica e a civilização. O Direito
não pode nunca ser mais elevado que a ordem econôm i­
ca e o grau de civilização que lhe correspondem . ^
Ligar o D ireito, na sua form ação e evolução, à
Econom ia não im plica negar ao sistema jurídico capaci­
dade própria de desenvolvim ento, uma vez constituído.
H erm es Lim a salienta com precisão que a relação
entre Economia, e Direito não se reduz a causalidade
sim ples, m ecânica. M anifesta-se de m aneira dialética. O
Direito não é apenas reflexo da constituição econôm ica.
Entretanto, as forças econôm icas influem , de m aneira
decisiva, na m odelação do núcleo mais im portante de
qualquer sistem a de direito positivo. As relações econôm ico-sociais estão, a cada passo, criando o seu direito. Se
excluím os do estudo dos sistem as jurídicos os fatos
econôm icos - arremata Hermes Lima, - não chegam os a
resultado satisfatório algum.
48
João Baptistn Herkenhoff
D iversa é a posição de Seligm an, que vê uma
relação de causalidade absoluta entre Econom ia e D irei­
to. Para Edw in R. A. Seligm an, a história do Direito é
uma serva da história econôm ica. O fato econôm ico é a
causa; a situação legal é o resultado.
Segundo A chille Loria, as m ais diversas raças e
nações têm de sujeitar-se ao mesmo direito, quando as
relações econôm icas nelas im perantes são iguais. Entre­
tanto, as nações sofrem m udança radical no seu direito
quando essas relações econôm icas se transform am ,
Para Frit/. Berolzheim er, a Econom ia e o Direito
estão.entre si como conteúdo e forma, grão e casca. O
D ireito sem a Econom ia é vazio. A Econom ia sem o
D ireito é sem forma.
H arold J. Laski vê a ordem legal subordinada aos
interesses econôm icos. A ordem legal é a m áscara por
trás da qual um interesse econôm ico dom inante garante
os benefícios da autoridade política. O Estado, da forma
com o funciona, não procura deliberadam ente justiça ou
utilidade geral. O Estado apenas assegura o interesse, no
sentido am plo, da classe dom inante da sociedade.
Para Rudolf Stam m ler, as relações entre o econôm i­
co e o jurídico não podem ser concebidas à m aneira de
influência causai. Para que se pudesse descobrir uma
relação de causa e efeito, entre o econôm ico e o jurídico,
seria necessário que am bos os fatores desfrutassem de
existência independente, como dois objetos distintos.
Isto não ocorre. Pelo contrário, o que o investigador
social observa são dois elem entos, necessariam ente vin­
culados, de um mesmo e só objeto.
C. H. Porto Carreiro vê a ordem jurídica integrando
a organização social. A organização social regulam enta
a sociedade, no sentido de garantir as relações de produ­
ção existentes em dado m om ento histórico.
Pontes de M iranda coloca que o fato econôm ico não
é o único fato social. Se o Direito é form a, não é forma
apenas do fato econôm ico. Prim eiram ente, há uma certa
Para gostar do Direito
49
reciprocidade entre os fatos religioso, m oral, econôm ico,
político etc. Depois, há a possibilidade de preponderar
um, em vez dos outros, e, não raro, em vez do fato
econôm ico. O utros conteúdos pode ter a forma jurídica,
porque é form a de condições da existência. E nem todas
as condições de existência são econôm icas.
Luiz Fernando Coelho, na defesa de uma T e o ria C rítica do D ireito, vê o jurista transform ando o D ireito e
transform ando a sociedade, por meio do Direito. Nessa
perspectiva, o Direito deixa de ser o lugar da m anuten­
ção dos privilégios de uma classe ou estam ento, ou de
outros grupos m icrossociais. Transform a-se em espaço
de luta, o lugar da conquista dos direitos e da dignidade
humana.
Se nos debruçarm os diante da realidade atual do
Brasil, verem os certam ente o Direito transform ando a
realidade, inclusive econôm ica, e sendo transform ado
pela realidade.
A luta jurídica travada pelos m ovim entos sociais
mostra que o Direito, pelo devotam ento de seus opera­
dores, pode influir no avanço da sociedade./.
Inúm eras organizações populares têm utilizado as
trincheiras do com bate jurídico para alargar os direitos
dos em pobrecidos e fazer crescer a consciência de digni­
dade das classes oprimidas.
Advogados têm sido assassinados, ou de algum a
form a perseguidos, por todo este Brasil, com o conse­
qüência da decisão de terem colocado seu anel de
bacharel a serviço das grandes m aiorias m arginalizadas.
Juizes são, às vezes, m arginalizados, ou m esm o
censurados, mas ainda assim insistem em ouvir o clam or
de Justiça dos que sofrem.
Num livro escrito principalm ente para jovens, o
testem unho é obrigatório. A om issão, nesta m atéria,
constituiria uma modéstia ou pudor im próprio. Como
juiz, sem pre procuram os servir aos valores em que
acreditávam os, mesmo sabedores de que estávam os na
50
João Baptista Herkenlioff
contram ão e que a conduta assum ida nos obrigaria a
term inar a carreira da m agistratura com o soldado raso,
ou seja, com o Juiz de Direito. A dvertências recebidas
(escritas ou verbais) e processos disciplinares instaura­
dos, em decorrência de posições ideológicas e de cons­
ciência que assum imos, nunca nos fizeram recuar. Na
nota de rodapé, citam os alguns exem plos de atitudes
assum idas.3
3 A) Já no início da carreira de juiz, rebelamo-nos contra determinação legal
que estabelecia fossem os presos mandados para o Instituto de Readaptação
Social em Vitória. Sempre nos pareceu que este procedimento constituía uma
violência porque estabelecia o rompimento dos laços familiares do preso. Na
Comarca do interior, o preso podia ter contacto com sua família. Na mesma
linha, concedemos direito de trabalho externo ao preso. A experiência de
maior eficácia ocorreu em São José do Calçado, no sul do Espírito Santo,
onde a orientação preconizada obteve amplo apoio da comunidade. Em
quatro anos e meio de judicatura na comarca, a reincidência criminal foi de
zero por cento. Estribamos nossa conduta na Declaração Universal dos
Direitos Humanos que manda preservar, como bem jurídico primário, a
dignidade da pessoa humana. A reverência à dignidade da pessoa humana
impedia tratar o preso como se fosse fera. B) Integramos a Comissão de
Justiça e Paz, da Arquidiocese de Vitória, durante o período da ditadura
militar, e exercemos sua presidência, contra determinação legal expressa. A
lei, em que pretendiam nos enquadrar, nos pareceu inconstitucional e con­
trária à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Eu integrava essa
Comissão, por um imperativo de consciência ética, e aleguei perante o
Tribunal que a consciência é inviolável. Acima de ser um juiz, eu era um
cidadão e uma pessoa humana. Minha defesa foi acolhida e fiquei livre de
punição graças à posição assumida pelo Desembargador Homero Mafra,
hoje falecido, mas nunca esquecido. C) Lutei, irmanado a inúmeros concida­
dãos, pela "anistia ampla, geral e irrestrita" em favor dos brasileiros que
foram proscritos pelo golpe de 1 de abril de 1964. Integramos oficialm ente o
Comitê Brasileiro pela Anistia e discursamos em praça pública e em recintos
fechados, em favor da anistia. Entenderam os superiores hierárquicos que
esse posicionamento era "político", defeso ao magistrado. Respondi que a
"anistia" não era um tema político-partidário. Se assim fosse, estaria proibi­
do ao ju iz imiscuir-se nesse assunto. A "anistia" era uma questão de Justiça,
era a ponte de reencontro dos brasileiros, era o caminho para a redemocratização do Brasil. Do magistrado não se cassara a cidadania e, em nome da
cidadania, eu invocava o direito de lutar pela anistia. D) Através de um
despacho, suspendi a execução de todos os mandados possessórios que
implicassem o despejo coletivo de famílias, em Vila Velha, onde judiquei na
Vara Cível. Fundamentei o provimento judicial no argumento de que o
"direito de m orar", previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
precedia outros eventuais direitos abrigados pelo sistema legal. A repetida
invocação da Declaração Universal dos Direitos Humajnos, num momento
Para gostar do Direito
51
Pensadores do Direito têm procurado interpretar a
dram aticidade da m iséria do povo, em cotejo com as
categorias científicas do saber jurídico.
v _ 0 "M ovim ento do Direito A lternativo", por exem ­
plo, aglutina um conjunto de forças e pensam entos que
lutam por uma nova visão do jurídico, por uma nova
prática do D ireito, por um novo ensino jurídico.,
O que se batizou como "Direito A lternativo” consti­
tui uma som a e uma síntese de diversas vertentes de
pensam ento, diversas práticas de resistência no campo
do D ireito, diversas tentativas de organização e de
m ilitância.
M ilitam nesta seara de em penho transform ador e
de utopia construtora, não apenas aqueles que se consi­
deram "altern ativistas", como m uitos outros que, sem
adotar essa adjetivação, buscam edificar um pensam en­
to e uma prática jurídica que sejam instrum entos de um
"m undo n o v o ", aquele mundo sonhado pelo poeta Geir
Campos:
"M order o fruto amargo e não cuspir
m as avisar aos outros quanto é amargo,
cum prir o trato injusto e não falhar
m as avisar aos outros quanto é injusto,
sofrer o esquem a falso e não ceder
em que o país estava sob a égide do AI-5, era por si só um ato de
insubmissão ao arbítrio reinante, insubmissão que manifestamos, nesta situa­
ção e em muitas outras, sem alarde mas com firmeza. E) Numa fase histórica
em que se proclamava o Brasil Gigante, sem problemas, pus o dedo na
ferida, denunciando numa portaria a dramaticidade de milhares de crianças
fora da escola. (São José do Calçado, 1969). Determinei a matrícula com pul­
sória das crianças. Pretendi exercer pressão não tanto sobre os pais, mas
sobre o Poder Público que deveria providenciar as vagas para as crianças
que estavam sendo matriculadas por ordem do juiz. A portaria aumentou
em 35% a matrícula escolar, na comarca, segundo dados da época.
Não guardo qualquer mágoa desses episódios. Foram frutos de uma época,
felizmente ultrapassada. O que pretendo dizer aos jovens é que sempre vale
a pena seguir a própria consciência, ser fiel aos nossos credos. Erros pode­
mos praticar porque, como diz a sabedoria popular, errar é humano. Mas se
erramos, com retidão de propósito, o erro será apenas fruto de nossa
falibilidade e das contingências que marcam nosso destino.
52
João Baptista Herkenhoff
m as avisar aos outros quanto é falso;
dizer tam bém que são coisas m utáveis ...
E quando em m uitos a noção pulsar
- do am argo e injusto e falso por m udar então confiar à gente exausta o plano
de um m undo novo e muito m ais hu m an o."4
Parece-m e que três traços unem todas essas corren­
tes e todos esses pensam entos:
Prim eiro - a inconform idade com o atual estado do
ensino juríd ico, predom inantem ente reprodutor de m o­
delos m etodológicos e de m atrizes filosóficas de extra­
ção positivista;
Segundo - a resistência à im perm eabilidade de uma
certa C iência do Direito às dem andas sociais e à im ersão
da reflexão jurídica na realidade concreta de uma socie­
dade dividida, com claros antagonism os de interesses;
Terceiro - a tentativa de transform ar a prática ju ríd i­
ca e jud iciária conservadora, que se exercita entre nós.
Essa prática pretende ser politicam ente neutra m as, na
verdade, está a reboque de forças sociais e econôm icas
insensíveis ao apelo de transform ação profunda exigida
pela injusta estrutura social brasileira.
Um a reavaliação crítica na Ciência do D ireito não se
restringe, contem poraneam ente, ao Brasil.
M as o que acontece no Terceiro M undo (ou m undo
dos pobres) e, com muita expressividade, no Brasil de
hoje, supera tudo que se possa im aginar no Prim eiro
Mundo.
É dentro de nossa realidade concreta de país de
Terceiro M undo que se coloca a proposta do M ovim ento
do D ireito A lternativo.
Não podem os ter, no Terceiro M undo (ou m undo
dos países do H em isfério Sul), uma concepção de D irei­
to caudatária de concepções dogm áticas ultrapassadas.
Não se pode admitir um Direito legitimador de exclusões,
4 CAMPOS, Geir. Tarefa. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1981, p. 10.
Para gostar do Direito
53
quando a realidade reclama uma nova visão do jurídico,
uma nova visão de jurista.
A Ciência do Direito coloca-se dentro de um im pe­
rativo ético. Não pode ser uma Ciência do form al,
subordinada ao tecnicism o. A técnica é meio para atingir
um fim , é altam ente apreciável como salvaguarda de
valores jurídicos. Mas a técnica não é um fim , é apenas
cam inho para alcançar a substância do Direito.
O D ireito deve ser instrum ento de convivência e de
Justiça, não aparelho legitim ador de um m undo onde
poucos têm carta de alforria para usufruir de todos os
privilégios, e a m aioria não tem nem m esm o o que
comer.
Qual o papel do Direito num país do Terceiro
M undo?
Qual o papel do Direito em face da própria voz do
Terceiro M undo, em matéria de Justiça nas relações
internacionais?
São questões inquietantes.
Finalm ente a últim a e talvez a m ais com plexa ques­
tão:
Pode o D ireito desem penhar um papel revolucioná­
rio?
Na abordagem tradicional, na abordagem européia
a resposta seria negativa.
Mas com os pés no chão brasileiro e nas suas
circunstâncias, prefiro dizer que não sei. Não sei nem
mesm o se a elocubração m eram ente teórica pode res­
ponder a esta pergunta.
Sei é aquilo que os dados da realidade revelam .
Sei - porque fui testemunha e com panheiro - que
advogados podem com prom eter-se com as causas pop u ­
lares e que, em razão desse com prom isso, podem sofrer
violências.
Sei - porque fui testemunha e com panheiro - que à
luz desse com prom isso advogados fazem uma nova
54
João Baptista Herkenhoff
leitura da lei, a partir do clam or de Justiça dos despossuídos.
Sei - com o operário dessa labuta - que, a partir dos
pleitos dos advogados, os juizes podem construir prece­
dentes que acodem o grito de Direito dos em pobrecidos.
Sei - porque vivi - que nem sem pre se com preende
a opção da toga, quando esta opção rasga a m entira da
neutralidade ideológica e coloca-se a serviço de um
projeto social que pretende suprim ir as desigualdades.
Todo o Direito positivo brasileiro está perpassado
da ideologia capitalista.
Exem plos frisantes dessa presença podem ser en­
contrados, por exem plo, no Código Penal, onde a defesa
da propriedade privada suplanta a defesa da incolum idade (sacralidade) da pessoa hum ana. O latrocínio é
punido com mais severidade do que o estupro seguido
de m orte. C onstranger alguém para obter vantagem
econôm ica é crime gravíssim o (extorsão), m as se a pre­
tensão é legítim a o crim e é leve (exercício arbitrário das
próprias razões).
Não obstante tudo isso, a lei tem contradições. O
jurista qúe se coloca na luta pelo avanço social explorará
as contradições do ordenam ento jurídico.
Nesta linha de reflexão, não me parecem vazios ou
retóricos certos preceitos constitucionais, com o se diz às
vezes que são, por falta de determ inações concretas,
objetivas, palpáveis.
N este caso está o art. 193> qu e abre o título "Da
ordem social", na Constituição brasileira.
Diz o artigo:
"A ordem social tem como base o prim ado do
trabalho, e como objetivos o bem -estar e a justiça
sociais."
Este não é um preceito nulo, é um preceito afirm ati­
vo: o prim ado do trabalho é a base da ordem social; o
Para gostar do Direito
55
bem -estar e a justiça social são o fim dessa m esm a
ordem.
Quem constrói essa ordem são todas as forças
integrantes da sociedade, inclusive os juristas - advoga­
dos, procuradores, juizes.
Cum pre construir o edifício jurídico à luz de princí­
pios com o esse que está expresso no artigo 193.
Para as forças interessadas na m anutenção de seus
privilégios, é bem côm odo dizer que princípios como o
do art. 193. são princípios program áticos. Em outras
palavras: não teriam efeito real.
Ora, nem m esm o à luz de uma sim ples interpreta­
ção baseada na letra da lei poderíam os chegar a uma tal
conclusão.
Com o pode ser princípio program ático um artigo
constitucional que coloca o verbo no presente do indica­
tivo e diz que "a ordem social tem com o base o prim ado
do trabalho"?
O que cabe é interpretar e aplicar as leis com a
ilum inação de princípios como o que estam os exam inan­
do, rico de conseqüências práticas. Se a ordem social tem
com o base o prim ado do trabalho, e como objetivo o
bem -estar e a justiça sociais, todas as leis devem ser
interpretadas e aplicadas sob essa diretriz.
As leis constitviem instrum ento da ordem social. O
instrum ento não pode trair o projeto global. Se o projeto
é a ordem social fundada no prim ado do trabalho e
orientada para o bem -estar e a justiça social, qualquer lei
que traia esse objetivo, que fraude esse projeto é incons­
titucional. ^
A reflexão sobre as relações Econom ia-D ireito, que
estam os a finalizar, conduz à conclusão de que o conhe­
cim ento da Econom ia é im portante para o jurista.
Uma form ação jurídica, que prescinda de conheci­
m entos básicos de Econom ia, ficará profundam ente
com prom etida nos seus fundam entos. Outrossim , essa
form ação deve ter uma orientação bastante específica:
56
João Baptista Herkenhoff
habilitar o jurista para uma interpretação econôm ica do
Direito.
Tam bém o fator religioso tem uma grande influ ên­
cia sobre o Direito.
Na origem do Direito está a norma indiferenciada,
de cunho predom inantem ente m ágico-religioso.
Com o nota A. L. M achado Neto, a proxim idade do
D ireito antigo para com suas fontes religiosas é tão
grande que se torna difícil ou mesmo im possível separar
legislador e profeta, jurista e sacerdote, código e livro
sagrado, crim e e pecado, lei e tabu, pena e purgação de
pecados, processo e ritual, ostracism o e excom unhão,
D ireito e Religião.
Com o processo de secularização, R eligião e D ireito
separam -se gradativam ente.
M odernam ente, a influência das concepções religio­
sas sobre o D ireito parece-m e obedecer a duas tendên­
cias distintas.
De um lado, acentua-se o processo de seculariza­
ção. Exclui-se cada vez m ais do dom ínio legal o que é
apenas religioso. Exem plo dessa tendência é a descrim inalização dos atos que devem ser policiados apenas pela
consciência m oral ou religiosa das pessoas, devido a sua
neutralidade jurídica. A evolução de idéias cam inha
tam bém para descrim inalizar certos atos devido à in con­
veniência prática de sua apreciação pela autoridade
pública. N essas hipóteses, conclui-se que o foro m oral,
individual é mais adequado para guiar a conduta.
De outro lado e em sentido oposto cresce o senti­
m ento de Religião encarnada./A crença deve fornecer
critérios para julgar toda a realidade, inclusive a realida­
de legal. Esse fenôm eno tem sido bastante acentuado na
A m érica Latina. Uma pauta de fé subm ete a exam e as
estruturas econôrhicas, sociais e legais vigentes. Procla­
ma, então, que a ordem reinante é injusta e reclam a sua
radical m udança, como propõe a Teologia da Libertação. <
Para gostar do Direito
57
O utra relação im portante é aquela que se observa
entre o fator político e o Direito.
C. H. Porto Carreiro vê a Política, com o tam bém o
D ireito, com portando-se a serviço das classes econom i­
cam ente poderosas. O fundam ento da Política, diz esse
autor, é conter o desenrolar do conflito entre as classes.
A Política defende as instituições criadas a favor de uma
das classes e por ela m antidas. A Política não deseja uma
ordem jurídica justa. Quer apenas uma ordem jurídica
que seja capaz de proteger os interesses da classe econo­
m icam ente poderosa.
Roberto A. R. de Aguiar diz que o D ireito interm e­
dia conflitos segundo os valores do grupo social que
detém o poder, por deter o controle da vida econômica.
Detendo o controle econômico, esse grupo social controla
a vida política da sociedade. O Direito não é imparcial.
Pelo contrário, traduz a ideologia do poder que faz as leis.
Cid Silveira coloca o medo da insubordinação dos
fracos com o fator de produção do Direito. O D ireito
com eçou a ser instituído justam ente pelos que dom ina­
vam . Estes jam ais im aginaram que os dom inados, os
fracos tivessem qualquer direito. Se reconheceram direi­
tos beneficiando os fracos, foi certam ente ante o medo
da insubordinação deles, já que constituíam a m aioria.
A giram assim para m anter a ordem social que lhes
convinha. Fizeram concessões, e estas, ante os fracos,
desprovidos de direito, podiam assum ir a aparência de
m agnanim idade.
Todas estas observações convencem -nos de que o
D ireito não está ilhado dentro da sociedade. O Direito
não tem tam bém um desenvolvim ento autônom o, da
m esm a form a que não tem um desenvolvim ento au tôno­
mo a Econom ia, a Religião e a Política.
Os fatores econôm ico, religioso, político e jurídico
exercem influência uns sobre os outros.
A consciência dessa realidade é indispensável para
com preender o que é o fenôm eno jurídico.
58
João Baptista Herkenhoff
Capítulo
V
Relações do Direito com outros
ramos do conhecimento
O D ireito mantém ligação com m uitos ram os do
conhecim ento hum ano. Dentre as conexões m ais próxi­
m as, creio poderm os destacar as relações do D ireito com
a Filosofia, a Econom ia, a Sociologia, a H istória, a
A ntropologia, a Ciência Política, a Psicologia, a Crim inologia, a Medicina Legal, a Psiquiatria e a Criminalística.
Com ecem os por exam inar as relações entre D ireito e
Filosofia.
Filosofia significa, etim ologicam ente, am or da sabe­
doria. Seu objeto, com o pretende Lucien G oldm ann, é
entender e explicar aquelas verdades que se inserem nas
relações de um homem com outro hom em e nas relações
dos hom ens com o Universo.
^f-A Filosofia busca a essência das coisas. Só pode
fazê-lo, conform e observa C. H. Porto C arreiro, através
do fenôm eno. Em penha-se a Filosofia para conhecer,
exam inar e abstrair o fenôm eno, na incessante procura
da essência. N esse esforço, a Filosofia, segundo a expres­
são de Porto Carreiro, trata de "desfenom enalizar o
fenôm eno para essencializar a essência".
Para conhecer..verdadeiram ente o D ireito, devere­
mos dispensar seu caráter analógico, para irm os em
direção a suas últim as causas. Esse objetivo só será
alcançado com o auxílio da Filosofia, com o bem pondera
N aylor Salles Gontijo.
Para gostar do Direito
59
Pensar filosoficam ente o D ireito é o objeto da Filo­
sofia do Direito. Esta ocupa-se com a essência do D irei­
to. Pretende "reduzir o Direito a seus últim os
fundam entos", como quer Osw aldo von N ell-Breuning.
Passem os a cuidar agora das relações entre Economia
e Direito.
A, Econom ia, na definição clássica de A lbert L.
M euers, é a ciência cultural que estuda a atividade
hum ana relativa à riqueza, com referência ao "valor de
utilidade". A brange o estudo da produção, da circula­
ção, da repartição e do consumo da riqueza.
No C apítulo 4 deste livro, que tratou dos "Fatores
do D ireito", tivem os oportunidade de refletir sobre as
relações entre o econôm ico e o jurídico.
Seja, ou não, adotado o posicionam ento de conside­
rar o D ireito apenas como integrante da superestrutura
social, será sem pre evidente a relevância do econôm ico
no Direito. Uma tentativa de com preender o fenôm eno
jurídico, abstraindo as condicionantes econôm icas, não
levaria a qualquer conclusão válida.
Tentem os, em seguimento, refletir sobre as relações
entre Sociologia e Direito.
O D ireito é um fato social, resultante de diversos
fatores sociais. Como fato social, é objeto da Sociologia.
Im portante especialização da Sociologia é a Sociolo­
gia do D ireito, que versa sobre uma das facetas do
fenôm eno jurídico.
Caberia destacar talvez, pela atualidade de seu
propósito, a Sociologia Crim inal, com o especialização
da Sociologia dirigida à investigação dos fatores am ­
bientais e sociais da delinqüência. A Sociologia Crim inal
debruça-se sobre a crim inalidade, como fenôm eno so­
cial, no seu grau de constância e extensão num grupo
social. A Sociologia Criminal interessa-se tam bém pelos
efeitos sociais do delito.
Outra relação fundam ental de que querem os tratar
é aquela que existe entre a H istória e o Direito.
60
João Baptista Herkenhoff
G abriel M onod definiu a H istória com o o conjunto
das m anifestações da atividade e do pensam ento hum a­
nos, considerados em sua sucessão, desenvolvim ento,
relações de conexão ou dependência.
\ Im portantíssim a é a História para o conhecim ento
das instituições sociais. Entretanto, como sublinhou C.
H. Porto Carreiro, é fundam ental dar à H istória um
tratam ento dialético. Nessa perspectiva, abandona-se a
sim ples relação cronológica dos fatos. Parte-se, em subs­
tituição a essa mera visão de cronologia, para um exame
infra-estrutural. Essa m etodologia conduzirá à apreen­
são de uma realidade em m ovim ento. \
Savigny dizia que todo jurista deveria ser um histo­
riad o r.------A im portância da H istória, para a com preensão do
Direito, não se lim ita ao campo da H istória do Direito.
Transpõe esse lim ite. Só um mergulho integral na H istó­
ria, nas suas bases, nos seus conflitos, na realidade dos
fatos e não na m istificação das histórias oficiais, pode
oferecer luz para a exata com preensão do D ireito de
ontem e do D ireito de hoje. Só através da H istória,
dialeticam ente considerada, será possível com preender
e interpretar o fenôm eno jurídico.
Só a ilum inada visão histórica pode perm itir que os
excluídos de direito se situem , na sua luta, para com ­
preender e interpretar o fundam ento das exclusões.
C onscientizados pela percepção da H istória, estarão
equipados para buscar a afirmação da dignidade, na
construção de um Direito que não exclua.
Que dizer da relação entre a A ntropologia e o D ireito?
A ntropologia, etim ologicam ente, deriva do grego e
significa "estudo do hom em 1'. E a ciência do hom em
com o ser portador de cultura (aspectos socioeconômico e
ideológico) e do homem como ser físico (aspecto animal).
A A ntropologia divide-se em dois grandes ramos:
- a A ntropologia Física;
- a A ntropologia Cultural ou Etnologia.
Para gostar do Direito
61
A A ntropologia Física trata do estudo da espécie
hum ana, suas origens, evolução e diferenciação em tipos
raciais.
A A ntropologia Cultural ou Etnologia estuda as
criações do espírito humano, que resultam da interação
social, com o notou Emídio W illens. Essas criações des­
dobram -se em conhecim entos, idéias, técnicas, habilida­
des, norm as de com portam ento, hábitos adquiridos na
vida social e por força da vida social. É tam bém objetivo
da Etnologia o estudo descritivo, classificatório e com ­
parativo da cultura m aterial. A cultura m aterial é consti­
tuída dos artefatos encontrados nas diversas sociedades
hum anas.
Ilum inando o conhecim ento do homem , a A ntropo­
logia, especialm ente a A ntropologia Cultural, pode ser
de grande valia para alargar a visão do Direito.
Na lúcida colocação de N aylor Salles G ontijo, a
A ntropologia, por encerrar um sentido de totalidade, é
capaz de transm itir à Ciência do Direito inform ações
com pletas das características biológicas, culturais e so­
ciais do hom em , uma vez que focaliza, de um ponto de
vista com parativo, as semelhanças e diferenças existen­
tes entre os próprios homens.
A inter-relação "A ntropologia-D ireito" vem sendo
sentida, com o necessária, de m aneira veem ente, dentro
da atualidade brasileira, no campo do Direito das Popu­
lações Indígenas.
Na prim eira reunião de antropólogos e juristas,
ocorrida no Brasil, para debater o tema "O índio perante
o D ireito", foram aprovadas algum as proposições de
grande m agnitude. Essa reunião ocorreu em Florianópo­
lis, na U niversidade Federal de Santa Catarina, em 1980.
Estivem os presentes ao evento e, segundo nossa
percepção, m erecem destaque especial as seguintes pro­
postas acolhidas pelo plenário:
a)
sugerindo que se incluam , em nível nacional e
regional, com issões de antropólogos e juristas, para
62
João Baptista Herkenhoff
estudo dos problem as relacionados com os povos in dí­
genas brasileiros;
b) recom endando que, nos cursos jurídicos, seja
estudado, com a relevância que m erece, o D ireito das
Populações Indígenas;
c) solicitando que a OAB assum a, pela nom eação de
advogado, a defesa das causas dos povos indígenas. Esta
conduta teria com o fundam ento a dificuldade do patro­
cínio de interesses indígenas, especialm ente quando se
defrontam com apetites econôm icos.5
A com preensão de que o Brasil, efetivam ente, inclui
diversas nações, caracterizando-se como plurinacional e
m ultiétnico, é aceita ainda de forma restrita pelos seto­
res político-jurídicos da sociedade dom inante, como
notou Sílvio Coelho dos Santos.
A C onstituição de 1988 determ ina, no seu artigo
231, que:
"são reconhecidos aos índios sua organização so­
cial, costum es, línguas, crenças e tradições, e os
direitos originários sobre as terras que tradicional­
m ente ocupam , com petindo à U nião dem arcá-las,
proteger e fazer respeitar todos os seus bens."
Esse dispositivo representa um avanço, em relação
ao D ireito Constitucional anterior, m as ainda não che­
gou a reconhecer o caráter plurinacional e m ultiétnico
da sociedade brasileira.
Só um a visão antropológica do D ireito e uma visão
jurídica da A ntropologia perm itirão que juristas e antro­
pólogos desem penhem o papel histórico, de profundo
sentido hum ano, que a realidade brasileira contem porâ­
nea exige. Esse papel não pode ser outro senão o de
colocar-se, com eficiência, do lado das populações indí5 Tive a oportunidade de ser o portador dessa proposta, bem como de
defendê-la em plenário. Seu autor foi o Dr. Ewerton Montenegro Guimarães,
meu com panheiro na Comissão "Justiça e Paz", intemerato advogado das
populações indígenas no Estado do Espírito Santo.
Para gostar do Direito
63
genas, na luta que os povos indígenas travam para não
serem dizim ados pela fúria dos interesses econôm icos.
Tentem os ver agora que relações há entre o D ireito e a
Ciência Política.
A C iên cia Política tem por objeto a consideração do
fenôm eno político e do funcionam ento do poder, em sua
m áxim a am plitude, seja nas regiões oficiais ou do direito
legislado, seja no âmbito dos grupos de pressão, lid eran­
ças políticas, organizações partidárias, organizações po­
pulares, grupos de ação ostensiva ou grupos de ação
clandestina.
_ A Ciência Política mantém íntim a relação com o
_D ireito. Isto acontece, em prim eiro lugar, porque o
^ D ireito estatal é o que predom ina na atualidade. Em
/ segundo lugar, por ser o Direito Constitucional aquele
— que dá o contorno das instituições do Estado e as balizas
do funcionam ento do poder, nos países onde o poder
^ funcione dentro de quadros constitucionais organiza^~dos. Finalm ente,/a relação Ciência Política-D ireito de~ corre da circunstância de que a Ciência Política oferece
perspectivas que alargam em m uito a com preensão do
- fenôm eno jurídico./
No capítulo anterior deste livro, quando cuidam os
dos "fatores do Direito", tivem os ocasião de discutir a
questão da relação entre o fator político e o Direito.
Se o fator político é essencial na criação do D ireito e
se, reciprocam ente, o fator jurídico é também im portante
nas esferas da conquista, da m anutenção e do exercício
do poder (a tríplice ação da Política), conclui-se da
íntim a relação que existe entre as Ciências que se debru­
çam sobre o fenôm eno jurídico (Direito) e sobre o fenô­
meno político (Ciência Política).
Busquem os, neste ponto de nossa linha de idéias,
pensar sobre a relação entre a Psicologia e o Direito.
A Psicologia é a ciência dos fenôm enos psíquicos e
do com portam ento humano.
64
João Baptista Herkenhoff
O D ireito pode receber uma grande contribuição da
Psicologia:
- na área do D ireito Penal, para uma m elhor com ­
preensão da personalidade do réu, da vítim a, dos
dem ais atores do crim e, bem como dos m otivos e
m otores da conduta crim inosa;
- na área do Direito Processual, quando a contribu i­
ção da Psicologia é relevante para que se investigue
a psicologia do testem unho;
- na área do Direito de Fam ília, do D ireito da
C riança e do Adolescente, do D ireito Penitenciário,
para uma perfeita apreensão das realidades psicológicàs que entrem eiam as pessoas e circunstâncias
presentes nesses ramos do Direito, tão m arcados
pelo traço do humano.
Jacob Pinheiro G oldberg reclam a uma revisão do
entendim ento do hom em , na área legal. Para essa revi­
são, é indispensável a contribuição da Psicologia.
r As especializações da Psicologia, de m ais larga
tradição, endereçadas ao D ireito, são a Psicologia Ju d i­
ciária (a ciência psicológica a serviço do processo ju d i­
cial) e á Psicologia Crim inal (a ciência psicológica
dedicada ao estudo do crim inoso e dos m otivos que o
levaram a delinqüir)./
O utra im portante ciência que m antém grande liga­
ção com. o D ireito é a Criminologia.
A C rim inologia é a ciência que se ocupa do fenôm e­
no crim inal, sua gênese, suas características, suas formaia,.- sua
prevenção,
seu
tratam ento.
Procura
com preender, interpretar e explicar o fenôm eno crim i­
noso.
Ivete Senise Ferreira traça a evolução da C rim inolo­
gia, desde o antropologism o de Lom broso, passando
pela Sociologia Crim inal de Ferri, até nossos dias. O b­
serva, então, que a Crim inologia alargou seu campo,
suscitando novos interesses e respondendo a novas
Para gostar do Direito
65
indagações. M odernam ente, nota essa autora que a Crim inologia não pode prescindir da Sociologia Crim inal.
As pesquisas da Sociologia Crim inal procuram determ i­
nar de que m aneira "a sociedade contribui para m oldar a
m entalidade de um indivíduo que talvez não possua
nenhum a disposição pessoal para o crime".
A C rim inologia mantém íntima relação com o D i­
reito Pénal e com o Direito Penitenciário.
Enquanto o Direito Penal vê o crim e sobretudo
com o fato jurídico, a Crim inologia trata-o como fenôm e­
no hum ano e social.
Quanto ao Direito Penitenciário, que organiza a
vida das prisões, assegura os direitos dos presos e
delim ita as restrições que esses direitos podem ter,
tam bém se relaciona com a Crim inologia, por ser propó­
sito desta últim a ciência a prevenção e o tratam ento do
crime.
O ângulo de análise da Crim inologia m uito poderá
ajudar na com preensão e no dim ensionam ento de toda a
problem ática que envolve o fenôm eno crim inal.
Tam bém m erece exame a relação entre a M edicina
Legal e o Direito.
A M edicina Legal, segundo Perrando, é a parte da
Ciência M édica que trata dos problem as biológicos e
m édico-cirúrgicos, relacionados com as ciências ju ríd i­
cas. Além disso, a M edicina Legal fornece, de forma
sistem ática, noções especiais necessárias à solução das
questões de índole técnica, nos procedim entos ju d iciá­
rios.
A M edicina Legal não constitui uma ciência autôno­
ma; é o conjunto de conhecim entos da M edicina aplica­
dos ao Direito.
A M edicina Legal oferece contribuição valiosa, nos
mais diversos campos do Direito, quer fornecendo dire­
trizes para a elaboração de leis, quer através das perícias
m édico-legais, de que se vale o adm inistrador e o juiz.
66
joão Baptista Herkenhoff
No Direito Civil, por exemplo, a M edicina Legal
está presente em diversas situações. Segundo a lei b rasi­
leira, é a perícia m édico-legal que vai subsidiar a anula­
ção de casam ento, por erro essencial sobre a pessoa do
cônjuge, decorrente de defeito físico irrem ediável. É
tam bém a perícia m édico-legal que possibilita o reco­
nhecim ento da paternidade dem andada por um filho.
No Direito do Trabalhp, determ ina a CLT que a
perícia m édico-legal caracterize e classifique a insalubridade e a periculosidade nas atividades do trabalho.
No Direito Penal, as perícias é que vão tipificar
certos crim es previstos no Código Penal, como hom icí­
dio, lesões corporais, estupro, atentado violento ao p u ­
dor etc.
Estas são apenas algum as exem plificações. A inci­
dência da M edicina Legal, no cotidiano do Direito, é
m uito freqüente.
Para finalizar, vejam os mais duas relações do D irei­
to com Outras ciências: com a Psiquiatria e com a Crim ina­
lística.
A Psiquiatria é a parte da M edicina que trata do
estudo das doenças m entaisfjÒ Direito encontra-se com
a Psiquiatria quando aborda os aspectos psicopatológicos da conduta hum ana, quer no crim e (Direito Penal),
quer no cível (Direito Civil, Direito Com ercial etc.)/
A Crim inalística é a ciência que tem por objetivo a
descoberta dos crim es e a identificação dos respectivos
autores. No cum prim ento de sua função, a C rim inalísti­
ca utiliza provas periciais (médica, antropom étrica, datiloscópica etc.), exam e científico do testem unho e m uitas
outras técnicas.
f A C rim inalística é uma ciência auxiliar do D ireito,
de m uita’im portância no campo da prova.
Um belo livro de Jürgen Phorwald m ostra muito
bem a im portância da Crim inalística. Trata-se da obra
"As m arcas de Cailn", que conta a história e o significado
das im pressões digitais na prova crim inal.
Para gostar do Direito
67
Ca p it u
1
■ VI
i
Fatos jurídicos e relações jurídicas
No capítulo com o qual iniciam os este livro, disse­
m os que há, no D ireito, conceitos gerais, com uns às
diversas áreas do saber jurídico, e conceitos específicos,
relacionados com cada ram o do Direito em particular.
Os conceitos gerais estão na área da "Teoria G eral do
D ireito" e devem integrar, obrigatoriam ente, as preocu­
pações que alim entam a "Introdução ao D ireito".
D ois conceitos gerais da m aior im portância, na
Teoria G eral do Direito, são os de "fato jurídico" e
"relação jurídica".
V am os nos ocupar de um e de outro, neste capítulo.
Fatos jurídicos, em sentido am plo, "são os aconteci­
m entos em virtude dos quais as relações de direito
nascem , transform am -se e term inam ". (Savigny). São os
acontecim entos, naturais ou voluntários, aos quais o
direito positivo atribui significação.
D aniel Coelho de Souza observa, com justeza, que
um fato só é jurídico se a ordem jurídica lhe dá esse
atributo.
Fatos jurídicos, em sentido estrito, são aqueles cuja
ocorrência não depende da vontade hum ana, ou para o
qual a vontade só concorre indiretam ente. São exem plos
de fatos jurídicos em sentido estrito: o nascim ento, a
m orte, a idade da pessoa, o desabam ento de um prédio,
secas, inundações, geadas etc.
Para gostar do Direito
69
Os fatos jurídicos em sentido amplo têm caracterís­
ticas que os definem :
a) referem -se a acontecim entos relevantes, pela óti­
ca do legislador. M uitos acontecim entos do "mundo
fático" não são abarcados pelo "mundo do direito";
b) são produzidos por ato de vontade do hom em ou
por fato da natureza;
c) possuem alteridade, isto é, referem -se a um
vínculo entre pessoas;
d) possuem exterioridade, vale dizer, podem ser
constatados objetivamente.
Os fatos jurídicos em sentido amplo dividem -se em:
- fatos jurídicos em sentido estrito;
- fatos jurídicos humanos ou voluntários.
Os fatos jurídicos em sentido estrito classificam-se em:
- acontecim entos naturais ordinários;
- acontecim entos naturais extraordinários.
A contecim entos naturais ordinários são os fenôm e­
nos norm ais, regulares, previsíveis, com o o nascim ento,
o decurso do tempo etc.
A contecim entos naturais extraordinários são fatos
que não se apresentam com regularidade m as, pelo
contrário, são im previsíveis, como o caso fortuito, a
força m aior e o fato do príncipe.
No D ireito brasileiro, o devedor está exonerado de
responder pelos prejuízos resultantes de caso fortuito,
ou força m aior, se expressam ente não se houver por eles
responsabililizado.
Existe diferença entre caso fortuito e força m aior.
Caso fortuito é aquele que resulta de um fenôm eno
previsível, mas não quanto ao momento, ao lugar ou ao
m odo de sua verificação. Exem plo: uma inundação que
intercepte as com unicações e im peça uma empresa
transportadora de cum prir um contrato de transporte.
Forca m aior é o acontecim ento absolutam ente inu­
sitado, extraordinário e im previsível. Exemplo: a ocor­
70
foão Baptista Herkenhoff
rência de um terrem oto, onde esse fenôm eno não seja
habitual.
O fato do príncipe é o im pedim ento de cum prir as
cláusulas de um contrato, em decorrência de norm as ou
atos em anados do Poder Público.
Fato jurídico hum ano, ou voluntário, é aquele que
depende da vontade, é a ação hum ana propriam ente
dita. Exem plos: uma doação, uma troca, uma locação,
um em préstim o etc.
O fato jurídico hum ano, ou voluntário, é o ato
jurídico em sentido amplo.
Os fatos hum anos ou voluntários (atos jurídicos em
sentido am plo) dividem -se em:
- atos lícitos ou atos jurídicos em sentido estrito;
- atos ilícitos.
A tos lícitos ou atos jurídicos propriam ente ditos
são todos aqueles não vedados pelo Direito, são todos
aqueles que estão na esfera do lícito.
O cam po do lícito abrange:
- o que o Direito perm ite expressam ente;
- o que o Direito não veda;
- o que é indiferente ao D ireito; o que o D ireito não
disciplina, nem vedando nem perm itindo.
Os atos lícitos (atos jurídicos em sentido estrito)
têm por fim im ediato adquirir, resguardar, transferir,
m odificar ou extinguir direitos.
A tos ilícitos são todos aqueles proibidos pelo D irei­
to. São os atos que estão na esfera do ilícito. Ilícito é tudo
aquilo juridicam ente proibido.
Os atos ilícitos classificam -se em:
- atos ilícitos civis (ilícito civil);
- atos ilícitos penais (ilícito penal).
O "ilícito civil" é a ação ou om issão voluntária,
negligente ou im prudente que viola direito de terceiros
ou a estes causa prejuízo.
Para gostar do Direito
71
O ilícito civil traz, como conseqüência, a obrigação
de reparar o dano.
O "ilícito penal" é toda ação ou omissão, consumada
ou tentada, que a lei defina como crime ou contravenção.
O segundo conceito geral de que nos propusem os
cuidar, neste capítulo, é o de "relação juríd ica”.
Ferrara definiu a relação jurídica como a "relação
com plexa total, intercedente entre duas ou m ais pessoas,
m unida de conseqüências jurídicas".
A relação jurídica é integrada por dois elem entos: o
sujeito ativo e o sujeito passivo.
No direito privado, o sujeito ativo da relação ju ríd i­
ca é o titular do direito subjetivo. O sujeito passivo é o
devedor, isto é, aquele que está obrigado por lei a uma
prestação para com o sujeito ativo. Num contrato de
em préstim o de dinheiro, m ediante juros, por exem plo, o
sujeito ativo é o credor. O sujeito passivo é o devedor,
obrigado ao pagam ento dos juros e da dívida principal.
Na relação jurídica de direito público, o sujeito
ativo é o detentor de imperium, com petência, poderes e
funções, ou seja, o Estado. O sujeito passivo é toda
pessoa obrigada a sujeitar-se ao poder do Estado.
O imperium é justam ente o poder estatal. No Estado
de Direito, o poder estatal não é absoluto, porém subor­
dinado à C onstituição e às leis.
Na obrigação tributária, por exem plo, o sujeito
ativo é o ente público titular do direito de exigir o
tributo. O sujeito passivo é a pessoa obrigada a satisfa­
zer a prestação tributária, ou seja, o contribuinte.
O sujeito ativo da obrigação tributária é generica­
m ente donom inado Fisco.
Segundo os diversos critérios pelos quais podem
ser encaradas, as relações jurídicas classificam -se em:
- pessoais e reais;
- form ais ou solenes e inform ais;
- de coordenação e de subordinação.
72
João Baptista Herkenhoff
R elações jurídicas pessoais são aquelas que se ca­
racterizam pela inter-relação de condutas. Na relação
jurídica pessoal, a conduta de uma parte depende da
conduta de outra, ou é m eio para atingir o fim desejado
por outrem . São relações jurídicas, tipicam ente pessoais,
as do direito de família.
Relações jurídicas reais são aquelas nas quais o
sujeito ativo detém poderes e faculdades, que se exer­
cem sobre a coisa, m óvel ou imóvel.
Tam bém nas relações de direito real existe tanto o
sujeito ativo quanto o sujeito passivo. O sujeito ativo é o
titular do direito real. O sujeito passivo são todas as
dem ais pessoas, obrigadas a respeitar o exercício do
direito real, ou seja, a perm itir que o titular do direito
use a coisa ou disponha dela, dentro dos lim ites legais.
R elações jurídicas form ais ou solenes são aquelas
que supõem forma especial, prevista em lei.
R elações jurídicas inform ais são aquelas que decor­
rem de ato, fato ou conduta que, por lei, não exige
qualquer espécie de form alidade ou solenidade.
Relações jurídicas de subordinação são aquelas em
que, de um lado está o Estado, m unido de im perium ,
num a posição de superioridade (nos lim ites da C onsti­
tuição e das leis), e de outro estão as pessoas, de um
m odo geral.
R elações jurídicas de coordenação são aquelas em
que as partes, teoricam ente, estão em situação de igual­
dade.
São relações jurídicas de coordenação:
- as de direito privado. Nestas, m esm o o Estado,
quando delas participa, é despido de imperium-,
- as de direito público, nas hipóteses em que o
Estado com parece como sujeito passivo, com o
dever de respeitar os direitos e franquias indivi­
duais e coletivas, bem como os direitos subjetivos
públicos;
Para gostar do Direito
73
- as de direito público internacional, das quais os
Estados participam , como portadores de soberania.
As relações jurídicas e os direitos subjetivos são
tutelados pelo Direito.
A defesa dos direitos subjetivos, na sociedade p ri­
m itiva, era prom ovida pelo próprio interessado, através
da autodefesa.
Nas sociedades m odernas, a defesa de direitos, nas
relações jurídicas, é feita m ediante a intervenção do
poder público, através, norm alm ente, da ação judicial.
A ação jud icial é o meio assegurado pela lei para a
tutela do direito subjetivo. A todo direito deve corres­
ponder uma ação que o assegure. (
Dentre outras hipóteses, adm ite-se a autotutela nos
casos de legítim a defesa, estado de necessidade, reten­
ção da coisa do devedor enquanto não pago o débito etc.
D iz-se que se entende em legítim a defesa quem ,
usando m oderadam ente dos m eios necessários, repele
injusta agressão, atual ou im inente, a direito seu ou de
outrem.
A legítim a defesa exclui o crime. Exclui tam bém a
ilicitude da ação ou omissão voluntária, negligência, ou
im prudência, que viole direito ou cause prejuízo a ou­
trem.
Considera-se em estado de necessidade quem p rati­
ca o fato para salvar de perigo atual, que não provocou
por sua vontade, nem podia de outro m odo evitar,
direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstân­
cias, não era razoável exigir-se.
O estado de necessidade exclui o crime e exclui a
ilicitude do ato que, em outras circunstâncias, seria
ilícito.
O princípio da ubiqüidade é o que proíbe excluir da
apreciação da Justiça qualquer lesão de direito in divi­
dual. Esse princípio é fundam ental dentro do Estado de
D ireito porque não deixa ao abandono do socorro ju d i­
cial nenhum a pessoa e nenhum direito.
74
João Baptista Herkenhoff
Para que esse princípio seja real será preciso que se
tenha uma Justiça rápida, independente, m erecedora da
confiança do povo, capaz de ouvir o grito de Justiça de
todos, m as sobretudo do pobre, cuja voz é sem pre fraca.
Tam bém será preciso que cresça a consciência de
cidadania e da dignidade de que todos os seres hum anos
são portadores. O caminho para esse avanço é a educa­
ção libertadora, na linha preconizada, com pioneirism o,
por Paulo Freire.
Quando alguém vai à Justiça pedir proteção de um
direito subjetivo, numa relação jurídica, form a-se um
processo. O ato final do juiz, pondo term o ao processo,
cham a-se sentença.
Os autores divergem no estabelecer qual seja a
função, d a sentença: para alguns, teria apenas uma fu n­
ção declaratória do direito preexistente; para outros, a
sentença tam bém cria o direito.
Os que negam à sentença função criadora ponde­
ram que é sem pre dentro do sistem a jurídico que o
aplicador vai buscar a norm a adequada ao caso. M esmo
em situações nas quais existe uma aparência de criação
de Direito.
Creio que a sentença tem função criadora de direi­
to. Isto porque, na generalidade do com ando, term ina a
lei sua função. Por mais que porm enorizadam ente p re­
veja exceções à regra geral, o legislador não esgotará,
explicitam ente, as exceções que devem ser adm itidas.
C aberá ao juiz, como cientista do D ireito, com o
portador de valores que se pressupõe sejam éticos e
hum anistas, fazer a justiça do caso. A í desem penhará
um papel hum anizador, político, social, do qual não
poderá se afastar.
A m eu ver, a função criadora de direito aparecerá
nas seguintes hipóteses:
- quando a lei não é clara, ou é im perfeita, ou é
lacunosa;
Para gostar do Direito
75
- quando o juiz decide por eqüidade, expressam en­
te autorizado pela lei, ou, sem autorização expres­
sa, para salvaguardar valores irrecusáveis de
Justiça;
- quando se busca assegurar a adaptação do Direito
à evolução dos fatos;
- quando se im põe a regulam entação das situações
de crise;
- quando se faz necessário abrigar valores funda­
m entais da ordem jurídica, acima da legalidade
estrita.
76
João Baptista Herkenhoff
Capitulo
VII
Técnica jurídica
O D ireito é fundam entalm ente uma ciência norm a­
tiva ética, uma vez que sua finalidade essencial é dirigir
a conduta hum ana na vida social.
O D ireito, num a segunda perspectiva, é uma ciên­
cia teórico-cultural. As ciências culturais tratam da natu­
reza transform ada pelo homem , diversam ente das
ciências naturais, que cuidam do m undo físico-natural
propriam ente dito. O D ireito é uma ciência cultural
quando adotam os a perspectiva de estudá-lo com o p ro­
duto da cultura.
N um a terceira perspectiva, o D ireito pode ser con­
siderado uma ciência norm ativa técnica.
O D ireito é uma ciência norm ativa técnica enquanto
tem por objeto o estudo ou o conhecim ento das norm as
do fa z er, na prática legislativa ou forense.
Essa técnica do "fazer" é a técnica jurídica.
A Técnica Jurídica é o conjunto dos procedim entos
adequados à explicitação e realização concreta do Direito.
A Técnica Jurídica é requerida em diversas m anifes­
tações práticas do Direito.
Há uma grande divergência entre os autores quan­
do tratam desta matéria.
C reio, entretanto, que podem os visualizar três cam ­
pos nos quais se efetiva a Técnica Jurídica. De acordo
com a proposta que aqui apresentam os, teríam os:
a) a técnica da form ulação legislativa;
Para gostar do Direito
77
b) a técnica da sistem atização do Direito;
c) a técnica da elaboração das sentenças, arrazoados, petições etc., bem como da interpretação jurídica.
Parece-m e de bom aviso lançar uma advertência
prelim inar. A técnica é útil ou mesmo indispensável ao
D ireito. M as o D ireito, a meu ver, não é só técnica e nem
é sobretudo técnica. A técnica é o instrum ento. A realiza­
ção efetiva do D ireito e dos valores da Justiça é o fim
últim o e suprem o. A técnica, como m eio, deve estar a
serviço do fim.
Este ponto não é pacífico na doutrina, com o tam ­
bém não é pacífico na efetiva vida do Direito.
A utores, nos livros que escrevem , profissionais, no
cotidiano do m undo jurídico, colocam às vezes a Técnica
(form a) acim a do Direito (substância). A rgum entam que
a Técnica (form a) salvaguarda o Direito (substância), o
que me parece verdade em termos. O princípio geral é, a
m eu ver, acertado. Entretanto, se ressalvas e distinções
não forem feitas, a forma pode tragar a substância, a
técnica pode anular e inviabilizar o Direito.
Creio que o escritor, m agistrado e professor Paulo
N ader aborda a questão no seu justo termo. Diz Paulo
N ader que a Filosofia do Direito ilum ina na escolha dos
valores essenciais a serem preservados no conjunto do
D ireito. A Ciência do Direito coloca os princípios estru­
turais indispensáveis à organização do sistem a jurídico.
Tudo isso, entretanto, ficará sem qualquer alcance práti­
co "se o homo juridicus não for também um hom o fab er,
isto é, se ao conhecim ento teórico do D ireito não for
associado o prático."
Parece-m e que a opinião de Paulo Nader expressa o
justo term o exatam ente porque não dissocia a técnica
(dom ínio do homo faber) da substância (preocupação do
homo juridicus).
A técnica da form ulação legislativa com preende o
conjunto de conhecim entos e procedim entos adequados:
a) à elaboração legislativa;
78
João Baptista Herkenhoff
b) ao processo legislativo.
A técnica da elaboração legislativa é aquela utiliza­
da na com posição e apresentação do ato legislativo, em
sentido amplo.
Dizem os ato legislativo, em sentido am plo, porque
a técnica da elaboração legislativa está presente na
elaboração, não apenas das leis, em sentido próprio, mas
tam bém na elaboração das demais norm as jurídicas
(desde a Constituição, de hierarquia superior à das leis,
até os decretos e norm as de hierarquia inferior à das
leis).
A técnica da elaboração legislativa com preende
aqueles princípios atinentes à form alização m aterial das
leis. Ou seja: a técnica da elaboração legislativa diz
respeito apenas aos aspectos exteriores e form ais de que
se devem revestir os textos legais.
O
prim eiro princípio de técnica de elaboração legis­
lativa está contido na m aneira de que se revestem os
textos legais. A Constituição, as leis e os decretos são
sem pre vasados em artigos. Não só no Brasil como
tam bém na generalidade dos países. Há apenas peque­
nas diferenças, de país para país, na técnica de num erar
os dispositivos legais.
A dotam -se, com freqüência, algarism os arábicos
para num erar os artigos.
Os prim eiros artigos, até 9, recebem num eração
ordinal: arts. I o a 9o. Assim , no Brasil por exem plo,
abrindo a atual Constituição, veremos:
"Art. 2o. São Poderes da U nião, independentes e
harm ônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário."
A partir do 10, os artigos recebem a num eração
cardinal: arts. 11, 12, 13, 14 e assim por diante.
Nas enum erações que se seguem a um determ inado
artigo, utilizam -se incisos, em algarism os rom anos, para
Para gostar do Direito
79
explicitar as enum erações. Assim, por exem plo, no art.
14 de nossa Constituição:
"Art. 14. A soberania popular será exercida pelo
sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com
valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular."
Os artigos, quando for necessário, devem ser des­
dobrados em parágrafos.
Os parágrafos especificam as disposições contidas
na cabeça do artigo. A cabeça do artigo cham a-se caput
(pronuncia-se com acento na sílaba "ca").
Os parágrafos são num erados ordinalm ente até o
9o. A partir do 10, a num eração é cardinal. Quando
determ inado artigo tem apenas um parágrafo, este é
cham ado de parágrafo único.
O caput do art. 18 de nossa Constituição fala sobre a
organização político-adm inistrativa da República. Ao
artigo seguem -se quatro parágrafos. Vejam os com o está
redigido o caput do art. 18 e o seu § I o.
"Art. 18. A organização político-adm inistrativa da
R epública Federativa do Brasil com preende a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
todos autônomos, nos termos desta Constituição.
§ I o. Brasília é a Capital Federal."
A dotam -se letras para a especificação ainda m ais
porm enorizada dos incisos.
Assim o inciso LXXVI (76) do art. 5o da C onstituição
tem duas letras:
* T A rt. 5o. ...
LXXVI - são gratuitos para os reconhecidam ente
pobres, na forma da lei:
a) o registro civil de nascim ento;
b) a certidão de óbito.%
80
João Baptista Herkenhoff
A técnica do processo legislativo é aquela que
m inistra conhecim entos e procedim entos adequados
para a proposição e andam ento dos projetos de lei, sua
aprovação, sanção, prom ulgação e publicação.
O processo legislativo obedece aos princípios esta­
belecidos na Constituição do país.
Esquem aticam ente, o processo legislativo com põese das seguintes partes:
a) iniciativa da lei;
b) exame pelas comissões técnicas da casa legislativa;
c) discussão e aprovação pelo plenário;
d) revisão pela segunda câmara legislativa, quando
vigora o sistem a bicam eral;
e) sanção;
f) prom ulgação;
g) publicação.
A iniciativa das leis pode partir do Poder Executivo
ou do Poder Legislativo. No caso de iniciativa do Poder
Legislativo, esta pode provir de um m em bro do Poder,
isoladam ente, ou de uma Comissão. Em m atérias especí­
ficas relacionadas com o Poder Judiciário, a iniciativa da
lei pode caber a esse Poder. As leis tam bém podem ser
de iniciativa popular. Nesta hipótese, um determ inado
núm ero de cidadãos propõe o projeto.
O exam e pelas com issões técnicas é o estudo dos
projetos por com issões especializadas form adas por re­
presentantes do Poder Legislativo: Com issão de Justiça,
Com issão de Educação, Com issão de Finanças etc.
Depois que as com issões técnicas estudam , discu­
tem e em endam o projeto, o mesmo é encam inhado para
o plenário, ou seja, para o conjunto dos m em bros do
Poder Legislativo.
O corre a revisão pela segunda câm ara legislativa
quando o país adota o Poder Legislativo bicam eral; isto
é, form ado por duas câmaras.
Para gostar do Direito
81
No caso do Brasil, o Poder Legislativo, no âm bito
federal, é form ado por duas câm aras legislativas: a
Câm ara dos Deputados e o Senado Federal. Nos Estados-m em bros e nos M unicípios, tem -se em nosso país o
sistem a unicam eral: Assembléia Legislativa (nos Esta­
dos) e Câm ara M unicipal (nos M unicípios).
A sanção é o ato através do qual o Chefe de
Governo ou o Chefe de Estado aprova uma lei, votada
pelo Poder Legislativo. O oposto de "sanção" é veto.
A prom ulgação é a com unicação da existência da lei
aos seus destinatários, ou seja, ao conjunto dos cidadãos.
A publicação é a inserção da lei no jornal oficial.
M odernam ente, a prom ulgação só se efetiva pela
publicação da lei. E justam ente a publicação que torna
de conhecim ento público uma determ inada lei.
A técnica do processo legislativo não envolve os
aspectos substanciais do processo legislativo. A técnica
do processo legislativo cuida dos aspectos form ais desse
processo. Como em todo o conjunto da técnica jurídica,
tam bém na técnica do processo legislativo os aspectos
form ais devem servir aos aspectos substanciais que
presidem à elaboração das leis.
A técnica da sistem atização do Direito destina-se a
concentrar, organizar, sistem atizar ou unificar a m atéria
jurídica.
D evido à extensão e à com plexidade das leis, na
época m oderna, é indispensável o trabalho de sistem ati­
zação delas. Essa sistem atização não é feita pelos legisla­
dores, m as pelos juristas.
Tam bém integra a técnica da sistem atização do
Direito a organização e sistem atização da jurisp rud ên­
cia. Este trabalho consiste em reunir, organizar e siste­
m atizar as decisões dos tribunais.
_A técnica da sistem atização do Direito é extrem a­
m ente útil ao trabalho do jurista, mas ainda aqui é
preciso observar que o jurista não fica escravizado a essa
sistem atização. Mesmo tendo nas suas mãos o conjunto
82
João
Baptista Herkenhoff
das leis e decisões dos tribunais devidam ente organiza­
das, sistem atizadas, unificadas, o jurista deve enfrentar
o desafio de cada caso. Se essa atividade individualizadora não fosse exigida do jurista, advogados, prom oto­
res „e juizes poderiam ser substituídos, com vantagem ,
pelos com putadores.
A técnica da interpretação jurídica é a que perm ite
tornar claras as expressões do Direito, revelar o sentido
apropriado dessas expressões do D ireito para a vida
real, com o notou Carlos M axim iliano.
A lé c n k a da aplicação do Direito é a que sucede à
técnica da interpretação. A jn terp retação conduz a bu s­
car o conteúdo d^, lei, sua substância. Revelada a subs­
tância da lei, pela interpretação, o aplicador ajustará
essa substância ao caso concreto.
A técnica da interpretação e da aplicação do Direitõ^com o toda técnica jurídica, é im portante. Mas aqui
tam bém a técnica deve subm eter-se a uma teoria científi­
ca que é a H erm enêutica Jurídica.
A H erm enêutica Jurídica é, segundo penso, a chave
que deve abrir as portas do Direito. Ou dizendo de outra
m aneira: a técnica da interpretação e da aplicação deve
ser ilum inada pela Herm enêutica. D entro dessa visão, a
H erm enêutica vai pesquisar as razões finais da interpre­
tação e da aplicação, guiada por uma Filosofia do D irei­
to e por uma concepção do ser hum ano e da sociedade.
Segundo Abelardo Torré, a técnica jurídica lança
mão de m eios form ais e m eios substanciais.
Os meios formais utilizados pela técnica jurídica são:
- a linguagem ;
- as form as;
- o sistem a de publicidade.
Em todos os campos do conhecim ento e da vida,
vem sendo realçada, m odernam ente, a im portância da
linguagem . Com preender o homem é, antes de mais
nada, com preender a sua linguagem.
Para gostar do Direito
83
No cam po do Direito, ressalta logo que a lei é
linguagem . M as não apenas a lei. Se observarm os bem ,
verem os que é m ais amplo o dom ínio da linguagem , no
m undo do Direito. É linguagem o que diz o acusado, no
interrogatório, o que declara a vítim a de um crim e, o que
depõe a testem unha, a sentença que o juiz profere, a
exortação verbal que o juiz faça.
A linguagem é o sangue que perpassa as artérias do
m undo jurídico.
Paulo N ader disse que o aperfeiçoam ento do D irei­
to positivo é tam bém um problem a de aperfeiçoam ento
de sua estrutura lingüística. Isto devido à dependência
que há entre o D ireito e a linguagem.
Os elem entos que integram a linguagem , na técnica
jurídica, são:
- o vocabulário jurídico;
- as fórm ulas;
- os aforism os;
- o estilo jurídico.
O vocabulário jurídico com põe-se de:
a) palavras do vocabulário com um , usadas no seu
sentido geral (exemplos: solo, superfície, adjacências natu­
rais, árvores, no art. 43, inc. I, do Código Civil brasileiro);
b) palavras do vocabulário com um , usadas com
sentido jurídico específico (exem plos: acessórios do solo,
tradição, repetição, que aparecem , respectivam ente, nos
artigos 61, 520, II e 971, do Código Civil; estado de
necessidade, no art. 19, inc. I, do nosso Código Penal);
c) vocábulos provenientes de outras ciências (exem ­
plos: m oléstia transm issível, defloram ento da m ulher, am bos
constantes do Código Civil, art. 219, incisos III e IV,
respectivam ente; entorpecentes e gestante, am bos presen­
tes na C onstituição da República Federativa do Brasil,
art. 5o, inc. XLIII, e art. 7o, inc. XVIII);
d) vocábulos de sentido estritam ente jurídico
(exem plos: debênture, anticrese, codicilo,fideicom isso, arras,
com odato, evicção, endonorma, perinorm a, w arrant).
84
João Baptista Herkenhoff
O D ireito não deve usar uma linguagem herm ética,
cifrada, incom preensível. O uso do vocabulário técnico e
a precisão <4a "linguagem devem ter com o objetivo a
clareza das leis, das sentenças e dos contratos. Os vocá­
bulos técnicos e a linguagem precisa devem contribuir
para a com preensão do Direito e para a segurança da
com unicação.
O tecnicism o desnecessário, a linguagem em pola­
da, o uso de expressões estrangeiras que têm correspon­
dentes em português, tudo isso deve ser evitado. São
vícios que, a meu ver, aumentam o abism o entre a lei e o
povo, criam uma casta de hom ens da lei.
No Brasil, as expressões em língua estrangeira, que
estavam presentes em algum as leis, vêm sendo substi­
tuídas por expressões vernáculas. Têm sido m antidas
apenas aquelas palavras e expressões absolutam ente
consagradas e que, na verdade, já integram o nosso
vocabulário.
Se, eventualm ente, uma expressão do latim ou de
outra língua é adotada, por força de uma tradição
secular, hum ato de com unicação jurídica, será indispen­
sável que apareça tam bém a tradução ou explicação em
português.
N um a sociedade dem ocrática, o D ireito deve b u s­
car o m áxim o de entendim ento popular. Deve vir do
povo e retornar ao povo, através de m ediadores que o
sim plifiquem .
O vocabulário jurídico é usado nos três setores em
que se desdobra a técnica jurídica, ou seja, na técnica da
form ulação das leis, na técnica de sua sistem atização e
na técnica de interpretação e aplicação do D ireito.
D issem os que as fórm ulas são um outro elem ento
que integra a linguagem , na técnica jurídica.
Fórm ulas são atos, gestos ou palavras, rigidam ente
estabelecidos, para a prática de um determ inado ato
jurídico.
Para gostar do Direito
85
As fórm ulas marcam o Direito antigo, preso, como
observa Fustel de Coulanges, ao aspecto exterior, à letra,
à palavra, ao gesto.
A C onstituição Imperial do Brasil, por exem plo,
adotava fórm ulas para a sanção e o veto das leis.
»A tendência moderna do Direito é a elim inação das
fórm ulas, com a prevalência da verdade substancial
sobre a verdade formal. *
Entretanto, ainda assim, sobrevivem algum as fór­
m ulas, no Direito contem porâneo, como rem iniscência
de costum es ancestrais.
No D ireito brasileiro existem fórm ulas consagradas
e obrigatórias, na técnica de aplicação do Direito.
No Tribunal do Júri, por exem plo, o Juiz-Presidente
faz uma exortação aos jurados, na abertura das sessões
de julgam ento. As palavras da exortação constam ex­
pressam ente do art. 464 do Código de Processo Penal.
Todos de pé, diz o juiz aos jurados:
"Em nome da lei, concito-vos a exam inar com im ­
parcialidade esta causa e a proferir a vossa decisão, de
acordo com a vossa consciência e os ditames da Justiça."
O escrivão pronuncia o nom e dos jurados, um por
um. Cada jurado, ao ouvir seu nom e, estende o braço
direito e responde:
"A ssim o prom eto."
N osso Código Civil também estabelece uma fórm u­
la para a celebração do casamento. Esta fórm ula está
escrita no art. 194. Depois de ouvir dos nubentes a
afirm ação de que persistem no propósito de casar por
livre e espontânea vontade, deve o presidente do ato
dizer:
"De acordo com a vontade que am bos acabais de
afirm ar perante m im, de vos receberdes por m arido e
m ulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados."
Outro elem ento que integra a linguagem , na técnica
jurídica, com o dissem os, são os aforismos.
86
joão Bnptista Herkenhoff
A forism os, adágios ou brocardos são m áxim as ge­
rais e concisas, que resumem uma regra de Direito. São
exem plos de aforism os os seguintes: ninguém pode
transferir m ais direito que possui; nas coisas m óveis, a
posse vale título; na dúvida, decida-se em favor do réu;
ê perm itido o que não for proibido; o excesso de legalism o conduz à injustiça exacerbada; cabe, a quem alega,
provar o alegado.
A lguns desses aforism os são muito conhecidos na
versão original latina. Devido à concisão do latim , certos
aforism os ficam m uito bem nessa língua. Vejam os, por
exem plo: in ãubio por reo (na dúvida, decida-se em favor
do réu); sum mum ju s, summa injuria (o excesso de legalismo conduz à injustiça exacerbada); onus probandi incumbit auctori (cabe, a quem alega, provar o alegado).
Entretanto, como já dissem os, não se deve abusar do
Latim na vida cotidiana do Direito.
O estilo jurídico é o últim o elem ento que integra a
linguagem , na técnica jurídica, de acordo com a nossa
enum eração.
O estilo jurídico é a peculiaridade que ganha a
linguagem verbal, quando colocada a serviço da expres­
são do pensam ento, nas diversas atividades hum anas
ligadas ao Direito.
O estilo jurídico está presente: na pena do legisla­
dor e do doutrinador; nos arrazoados dos advogados e
m em bros do M inistério Público; na oratória forense; na
redação dos contratos; nas sentenças e nos acórdãos.
As notas que distinguem o estilo do legislador são a
clareza e a concisão. O estilo do legislador deve ser
lím pido, transparente. A lei deve fugir da redundância,
da im precisão, da dubiedade. Justam ente devido à gene­
ralidade da lei, sua redação é direta, econôm ica nas
palavras, precisa no uso dos vocábulos. Quanto m ais
bem -redigida a lei, mais fácil será seu entendim ento.
M uitas questões na Justiça têm como causa leis m alredigidas, revela-m e a longa experiência com o juiz.
Para gostar do Direito
87
A peculiaridade do estilo do doutrinador é a clare­
za da exposição, é a exata citação das fontes, é a apresen­
tação honesta das diversas doutrinas e a análise
exaustiva delas. O doutrinador deve distribuir ordena­
dam ente as m atérias que apresenta. O uso do rodapé
para digressões ou esclarecim entos com plem entares fa­
cilita o entendim ento porque perm ite o seguim ento, sem
interrupção forçada, das idéias mais im portantes.
A peculiaridade do estilo dos arrazoados é o orde­
nam ento lógico da argum entação, a clareza da lingua­
gem , a oportuna citação da doutrina e da jurisprudência
pertinentes, a concisão e essa indefinível cham a - esse
lam pejo de alma - que caracteriza as grandes petições.
Nos arrazoados, os argum entos mais relevantes
devem ser destacados. O uso de títulos e subtítulos bem
colocados podem facilitar a com preensão.
A peculiaridade do estilo da oratória forense é a
lógica, a leveza, a graça, o entusiasm o, a paixão - mais
livre no Tribunal do Júri, mais com edida nos tribunais
togados.
Fuja a oratória forense da prolixidade. Depois que o
Prom otor pediu a absolvição do réu, não se dem ore o
A dvogado em considerações interm ináveis, tentando o
Juiz a absolver o réu e condenar o advogado, com o se
diz, a título de troça.
A peculiaridade do estilo dos contratos é a clareza,
a concisão, a sinceridade, a honestidade. Tudo prever,
nada om itir. Contratos celebrados com a assistência de
profissionais com petentes evitam litígios e dissabores.
A peculiaridade do estilo das sentenças é a distri­
buição ordenada da m atéria, a apreciação responsável e
exaustiva da prova, a consideração aos argum entos das
partes, a fundam entação am pla, a citação da doutrina e
da jurisprudência aplicáveis, a clareza, a honestidade
m ental. Falam os em "citação da doutrina e da ju risp ru ­
dência aplicáveis". Isto não significa dizer que o juiz
esteja sem pre subordinado ao entendim ento estabeleci­
88
João Baptista Herkenhoff
do pelas instâncias superiores ou pela doutrina dom i­
nante. Pode o juiz divergir, desde que sua divergência
seja fundam entada. Não são apenas os tribunais que
fazem o D ireito avançar através de decisões sábias, que
vão form ar a jurisprudência. Também os juizes prom o­
vem o progresso do D ireito através de sentenças bem colocadas. O conjunto das decisões dos juizes de
prim eiro grau cham a-se "precedentes".
_As sentenças devem obedecer a certos requisitos
form ais que a lei especifica. Devem conter:
a) o relatório, onde aparece o nom e das partes, o
resum o de suas alegações, o registro das principais
ocorrências havidas no processo;
b) os fundam entos, com a análise das questões de
fato e de direito levantadas;
c) o dispositivo, que é a parte final na qual o juiz
resolve a questão, decide enfim.
Na letra "b" nós nos referim os a questões de fato e
de direito.
Q uestões de fato são as questões relacionadas com
as ocorrências do processo. Quando se discute se o réu
foi verdadeiram ente o autor dè Ttm crim e, tem -se uma
questão de fato. A discussão sobre a autoria de um crim e
é sem pre uma questão de fato.
Q uestões de direito são as questões jurídicas. E
questão de direito, por exem plo, discutir os requisitos e
os lim ites da legítim a defesa.
Freqüentem ente, há questões de fato e de direito
para serem decididas no processo. Entretanto, às vezes o
processo gira apenas em torno de uma questão de fato
ou em torno de uma questão de direito.
É m uito im portante que toda sentença seja bem
fundam entada, para que o perdedor seja convencido das
razões pelas quais perdeu ou, pelo m enos, para que sinta
que o juiz apreciou o caso com responsabilidade e
seriedade. Em algum as hipóteses, a sentença pode ser
extrem am ente curta. E quando não estão presentes os
Para gostar do Direito
89
m otivos que determ inam a análise exaustiva do proces­
so, com o, por exem plo, num caso sim ples em que o
Prom otor de Justiça peça que seja declarada extinta a
punibilidade do acusado, por via da prescrição.
O esquem a legal da sentença não proíbe que ela
tenha alm a, que nela pulse a vida, e valores, e em oção,
conform e o caso. O mesmo pode ser dito com relação a
despachos proferidos pelo juiz.
Q uando eu era juiz em Vila Velha, no Espírito
Santo, certa tarde com pareceu em minha Vara uma
senhora grávida que estava presa há vários m eses por­
que fora encontrada com alguns gram as de m aconha.
Ela estava em adiantado estado de gestação. Vendo
aquela m ulher pobre, grávida, desam parada, presa por
um delito tão pequeno, eu senti uma profunda revolta. E
então, na presença dela, ditei para a Escrivã o despacho
que a libertou.
O despacho a que me refiro foi proferido há alguns
anos. Retiro do texto original a referência a um fato do
dia em que o despacho foi prolatado: a m orte do Papa
Paulo VI. Com essa adaptação, quero facilitar a com ­
preensão hoje. Eis o despacho:
"A acusada é m ultiplicadam ente m arginalizada:
por ser m ulher, num a sociedade m achista; por ser pobre,
cujo latifúndio são os sete palm os de terra dos versos
im ortais do poeta; por ser prostituta, desconsiderada
pelos hom ens mas amada por um Nazareno que certa
vez passou por este mundo; por não ter saúde; por estar
grávida, santificada pelo feto que tem dentro de si,
m ulher diante da qual este Juiz deveria se ajoelhar,
num a hom enagem à m aternidade, porém que, na nossa
estrutura social, em vez de estar recebendo cuidados
pré-natais, espera pelo filho na cadeia.
É uma dupla liberdade a que concedo neste despa­
cho: liberdade para Edna e liberdade para o filho de
Edna que, se do ventre da mãe puder ouvir o som da
palavra hum ana, sinta o calor e o amor da palavra que
90
]ono Baptistn Herkenhoff
lhe dirijo, para que venha a este m undo tão injusto com
forças para lutar, sofrer e sobreviver.
Q uando tanta gente foge da m aternidade, quando
pílulas anticoncepcionais, pagas por instituições estran­
geiras, são distribuídas de graça e sem qualquer critério
ao povo brasileiro; quando m ilhares de brasileiras, m es­
mo jovens e sem discernim ento, são esterilizadas; quan­
do se deve afirm ar ao M undo que os seres têm direito à
vida, que é preciso distribuir m elhor os bens da Terra e
não reduzir os com ensais; quando, por m otivo de con­
forto ou até mesmo por m otivos fúteis, m ulheres se
privam de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum , com
o feto que traz dentro de si.
Este Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos
os seus princípios, trairia a mem ória de sua Mãe, se
perm itisse sair Edna deste Fórum sob prisão.
Saia livre, saia abençoada por Deus, saia com seu
filh o ,. traga seu filho à luz, que cada choro de uma
criança que nasce é a esperança de um m undo novo,
m ais fraterno, m ais puro, algum dia cristão.
Expeça-se incontinenti o alvará de soltura".
Não obstante o choque de correntes que se observa
no cam po doutrinário e jurisprudencial, foi a linha da
relevância social da norm a que inspirou este despacho.
Segundo essa doutrina, a norm a jurídica só tem sentido
em face de sua relevância social.
Q uando uma decisão provém de um tribunal ela
recebe a designação de "acórdão". Só a decisão dos juizes
é que tem o nome de "sentença".
A característica do estilo dos acórdãos é a concisão.
A m atéria decidida no acórdão é resum ida num a peque­
na nota, que se cham a "ementa".
O segundo meio form al de que se utiliza a técnica
jurídícã7cõm o já dissem os, são as form as ou form alida­
des.
Form as ou form alidades são solenidades im postas
pela lei, para a validade ou a prova do ato jurídico.
Para gostar do Direito
91
As provas, como disse Paulo Nader, têm com o
finalidade proteger os interesses dos que participam na
realização dos atos jurídicos. Visam também a m anter
organizados os assentam entos públicos, com o o registro
de pessoas naturais e jurídicas, o registro de im óveis etc.
Há atos que exigem a observância de determ inadas
form as (atos form ais ou solenes). Outros atos podem ser
praticados por qualquer forma não proibida por lei (atos
não-form ais).
As form as, ou form alidades, estão presentes, sobre­
tudo, na técnica da aplicação do D ireito, isto é, na vida
do foro e dos cartórios: na realização das audiências e
júris, na celebração do casamento, na feitura do testa­
mento.
Há uma diferença, segundo Roberto Piragibe da
Fonseca, entre form alism o vocabular e form alism o espi­
ritual. O form alism o vocabular é uma m aneira acanhada
de conceber a form a no Direito. Já o form alism o espiri­
tual, para Roberto Piragibe da Fonseca, dá a chave da
significação autêntica do Direito.
O terceiro m eio formal de que se utiliza a técnica
jurídica é o sistem a de publicidade.
Sistem a de publicidade é o recurso de que se vale a
técnica jurídica para que se tornem públicos aqueles atos
ou fatos da vida jurídica que, direta ou indiretam ente,
afetem o bem com um , ou o interesse de terceiros, sejam
terceiros conhecidos ou não.
O sistem a de publicidade é usado:
- na técnica de aplicação do Direito, quer em atos
jud iciais, quer em atos extrajudiciais. Exem plos:
audiências públicas; atos divulgados na im prensa
oficial; registro público de fatos e atos jurídicos;
franquia da Justiça à im prensa, ao rádio e à televi­
são, salvo se o interesse público ou o respeito à
pessoa hum ana exigirem o sigilo;
- na técnica de form ulação do Direito. Exem plo:
92
João Baptista Herkenhoff
divulgação dos projetos de lei, dos debates parla­
m entares e das leis prom ulgadas, tanto pelos veícu­
los oficiais, quanto pela im prensa em geral.
Tendo acabado de exam inar os m eios form ais de
que se utiliza a técnica jurídica, vejam os agora os m eios
substanciais.
Os m eios substanciais usados pela técnica jurídica
são:
a) as definições;
b) os conceitos;
c) as categorias;
d) as presunções;
e) as ficções.
D efinição, conform e Paulo Dourado de G usm ão, é a
enunciação do gênero próxim o e da diferença específica
de um dado objeto.
No cam po do Direito, a "definição jurídica" tem
com o finalidade precisar o sentido de um vocábulo
jurídico, fornecer a expressão verbal de um elem ento
integrante do D ireito etc.
É exem plo de "definição" a de imprudência: ação não
intencional que, por falta de cautela usual, causa dano
ou prejuízo a outrem. A im prudência gera a obrigação
de reparar o dano e tipifica o crime culposo.
Form ular definições é atribuição da técnica de sistem atização do Direito. Não com pete ao legislador definir,
em bora o legislador m uitas vezes defina.
C onceito, segundo Roberto Piragibe da Fonseca, é a
abstração em grau variável, crescente ou decrescente,
quanto à generalidade. Uma laranjeira, uma árvore fru­
tífera, uma árvore, um vegetal são conceitos progressi­
vam ente m ais genéricos. Dispostos em ordem inversa,
esses conceitos apresentariam , progressivam ente, graus
de m enor generalidade. Em Direito, finaliza Piragibe da
Fonseca, há conceitos sim ples (animal, floresta) e concei­
tos com plexos (responsabilidade, contrato, soberania).
Para gostar do Direito
93
São conceitos jurídicos: culpa, dolo, justa causa,
insolvência, extradição etc.
Rickert distingue definição e conceito dizendo que
a definição dá uma idéia analítica do fenôm eno - juízo
explícito. Já o conceito dá uma idéia sintética do fenôm e­
no - juízo im plícito.
Os conceitos jurídicos, como observa Paulo N ader,
favorecem a sim plificação dos textos legislativos, ao
m esm o tem po que lhes im prim em m aior rigor e precisão
lógica.
G raças aos conceitos, diz Roberto Piragibe da Fon­
seca, o D ireito "capta e subm ete a realidade".
Os conceitos devem ser enunciados pela doutrina.
Estão no cam po da sistem atização do Direito.
Paulo Dourado de Gusmão observa que os concei­
tos, m uitas vezes, tornam difícil ajustar o D ireito aos
casos e situações novas. Por este m otivo, o legislador
não deve abusar deles. Deve deixar à Ciência do D ireito
a tarefa de form ulá-los.
C ategorias jurídicas, na definição de Roberto Pira­
gibe da Fonseca, são os quadros fixos fora dos quais os
fatos não possuem conseqüência jurídica. A ssim , no
D ireito Penal, fora do quadro fixo reina a im punidade.
Isto que dizer: pena alguma pode ser com inada se os
elem entos de um delito, definidos em lei, não se apre­
sentam realizados. No Direito Civil, são direitos reais
apenas aqueles como tais instituídos.
São exem plos de categorias jurídicas: ato jurídico,
direito subjetivo, ilícito etc.
As categorias jurídicas são criações da técnica de
sistem atização do Direito. Uma vez criadas, as catego­
rias jurídicas são usadas, quer na técnica de form ulação
do D ireito, quer na técnica de aplicação.
A presunção, baseada na verossim ilhança, generali­
za o que norm alm ente ocorre em certos casos. Estende as
conseqüências jurídicas de um fato conhecido a um
desconhecido. (Paulo Dourado de Gusm ão). Ou dito de
94
joão Baptista Herkenhoff
outra form a: é a ilação que se tira de um fato conhecido,
para provar a existência de outro, desconhecido. (Clóvis
Beviláqua).
As presunções classificam -se em:
- sim ples ou com uns;
- legais.
Presunções sim ples são aquelas que resultam do
senso comum. O juiz vale-se delas em face de m atérias
de fato. Integram a técnica de aplicação do Direito.
Presunções legais são aquelas estabelecidas por lei.
As presunções legais dividem -se em absolutas e
relativas.
Presunções absolutas são aquelas que não adm item
prova em contrário. São designadas, segundo uma ex­
pressão latina, presunções juris et de jure.
São casos de presunção absoluta, acolhidos pelo
D ireito brasileiro:
- adm itir que a coisa julgada encerra a verdade (res
judicata pro veritate habetur);
- presum ir que todas as pessoas conhetem a lei, de
m odo a im pedir que alguém se escuse alegando
ignorância.
Presunções relativas ou condicionais são aquelas
que adm item prova em contrário. Numa expressão lati­
na m uito conhecida, são designadas como presunções
ju ris tantum.
São exem plos de presunções relativas, acolhidas
pelo Código Civil brasileiro:
- o dom ínio exclusivo e
contrário;
- a paternidade legítim a
constância do casamento;
- a m orte sim ultânea de
m esm a ocasião, sem que
m orreu prim eiro.
Para gostar do Direito
ilim itado, até prova em
dos filhos concebidos na
pessoas, que faleçam na
se possa averiguar quem
95
A ficção jurídica é um instrum ento de técnica legis­
lativa. Visa a transportar o regulam ento jurídico de um
fato para fato diverso que se deseja com parar ao prim ei­
ro, seja por analogia de situações, seja por outras razões,
conform e notou Ferrara.
São exem plos de ficções jurídicas:
- considerar as Em baixadas como se estivessem no
território dos respectivos Estados;
- considerar im óveis os bens m óveis que o proprie­
tário m antiver intencionalm ente em pregados em
sua exploração industrial, aform oseam ento, ou co­
m odidade;
- reputar com o realizada a condição quando o
devedor de obrigação condicional, im pelido por
m á-fé, im pede o advento da condição.
96
João Baptista Herkenhoff
Capitul
VIII
Lei e Direito, Justiça e
Segurança Jurídica
Querem os fechar este livro com uma reflexão sobre
quatro outros conceitos gerais da m aior relevância na
Teoria G eral do Direito: Lei, D ireito, Justiça e Segurança
Jurídica.
Com ecem os por discutir a questão da diferença
entre Lei e Direito e da eventual existência de uma
hierarquia entre esses dois valores.
Juizes, advogados, prom otores de Justiça, assesso­
res jurídicos são servos da lei?
Entendem os que não.
O juiz e os dem ais profissionais do cam po jurídico
são servos do Direito.
A ética do ofício judicial manda que o juiz esteja a
serviço do Direito. Significativam ente, na m agistratura
com um , o cargo de juiz é denom inado "Juiz de Direito".
O advogado peticiona por direitos, luta por direitos
p rivados ou por direitos públicos. Em qualquer hipóte­
se, no entanto, contribui para a construção do m undo do
Direito.
Penso que o novo Estatuto da A dvocacia aborda
m uito bem a m atéria.
No capítulo que cuida da ética da profissão, diz que
o advogado deve considerar-se defensor da Justiça e do
Direito. Tem -se como infração disciplinar advogar con­
tra literal disposição da lei, salvo se a conduta tem
Para gostar do Direito
97
pronunciam ento judicial anterior para escusá-la, ou se o
fundam ento da rebeldia é a inconstitucionalidade ou a
injustiça da lei.
A lei deve servir ao Direito. Porém, nem sem pre
cum pre o papel que a justifica e legitim a.
Homero Freire colocou que a lei revela o Direito; mas
nem sempre o faz bem; padece da imperfeição humana.
Plauto Faraco de Azevedo defende a subordinação
do juiz ao Direito, e não à lei.
Perm anece válida a esplêndida lição do grande
Tristão de Athayde. Quando o juiz deixa de aplicar o
rigor literal da lei, devido às circunstâncias dos fatos,
não está ofendendo a lei. M uito pelo contrário, está
cum prindo a lei em seu espírito e em sua eqüidade.
José A loysio Ribeiro de Souza defende que o juiz
deve ter m eios de solucionar casos subm etidos a ju lg a­
m ento, sem se aprisionar a dispositivo legal iníquo.
Luiz Fernando Coelho coloca com extrem a objetivi­
dade que a ordem jurídica não resulta apenas da preser­
vação da hierarquia das normas de direito (coerência
form al) e da regulação não contraditória dos dados da
vida social (coerência m aterial). A ordem jurídica impõe
ainda a coerência axiológica, isto é, a harm onização de
valorações independentes que im peçam a prevalência
de valorações norm ativas contrárias aos princípios ge­
rais do D ireito. Pontes de M iranda afirm a que a subordi­
nação do juiz é ao Direito, não à lei, por ser possível a lei
contra o Direito.
H elm ut Coing pensa que, na ética do ofício judicial,
o dever de decidir conform e a Justiça tem precedência
sobre os dem ais deveres. Assim, deve o juiz decidir com
Justiça inclusive contra o direito positivo.
Triepel sentencia que a lei não é sagrada. Sagrado,
só o Direito.
Eduardo Couture leciona que, quando a lei e a
Justiça entram em conflito, deve o juiz ficar com a
Justiça.
98
João Baptista Herkenhoff
G audem et diz que se afere o valor da norm a ju ríd i­
ca pela sua aplicação prática, pela possibilidade de
responder às exigências fundam entais de Justiça, au xi­
liando a socorrer os fracos e constrangendo os podero­
sos à obediência.
Theodor Sternberg disse que, no terreno do Direito
científico, uma decisão é Direito porque é justa.
C arnelutti observou que o legislador tem as in síg­
nias da soberania, mas quem tem as chaves é o juiz. E só
o ju iz ,varrem ata Carnelutti, em contato com o homem
vivo - que não é o hom em abstrato do legislador - pode
alcançar a visão suprem a que é a intuição da Justiça.
Finalm ente, Karl Larenz afirma que se o jurista
quiser ser fiel a sua profissão deve entender o D ireito
positivo, no seu conjunto, como uma via, mas não a
única via, de realizar a m aior Justiça possível.
A interpretação e a aplicação do D ireito envolvem
aspecto^ éticos e políticos que o saber jurídico sozinho
não é capaz de enfrentar.
Q uando há um atrito entre a Lei e o D ireito, tem -se
uma questão ética, um choque de valores e não uma
questão m eram ente jurídica e muito m enos uma questão
m eram ente legal. As decisões valorativas não estão no
dom ínio da lei, estão no domínio da Ética. Entre dois
valores, - a Ética nos guia, - devemos decidir pelo valor
de m aior hierarquia. Entre o culto da lei e o culto do
D ireito, o valor de m aior hierarquia é o culto do Direito.
A suprem acia do Direito sobre a lei pura e sim ples
não dispensa o jurista de ser sábio e prudente. M uito
pelo contrário. Essa prudência é im perativa. Busque-se,
sem dúvida, prim eiram ente, exam inar o caso a decidir
sob a luz de uma visão herm enêutica aberta. Faça-se uso
das diversas possibilidades da interpretação - interpre­
tação sociológica, histórica, teleológica etc. Na m aioria
das hipóteses, verificarem os que a lei, interpretada com
sabedoria, pode conduzir à visão suprem a da Justiça a
que se refere Carnelutti. Sobretudo quando se trata de
Para gostar do Direito
99
leis discutidas e elaboradas no Estado de D ireito, em
clim a de debate e participação popular. Se se trata de
leis elaboradas em períodos pretéritos de arbítrio, apli­
cadas agora a um Estado que se torna dem ocrático, será
preciso com preender que é inteiram ente im prestável na
lei velha todo princípio incom patível com o Estado de
Direito.
O bom intérprete busca encontrar cam inhos para
harm onizar a roupagem da lei com o bem com um e as
exigências de Justiça que devem ser seu escudo. Jam ais
chegará à conclusão de que a lei o obriga a ser injusto.
A lei estará sempre subordinada ao Direito. Esta
subm issão da lei ao Direito deve ser a diretriz que
ilum ina a vida jurídica.
O utros dois conceitos gerais, discutidos pela "Teoria
Geral do D ireito", de que queremos tratar, neste capítulo
final, são "Justiça” e "Segurança Jurídica". Refletirem os
não apenas sobre os dois valores em si, mas tam bém da
relação que existe entre eles.
A Justiça e a Segurança Jurídica são dois valores
essenciais a ser preservados na ordem jurídica.
O ideal seria que um sistema jurídico proporcionas­
se o m áxim o de Justiça e o máximo de segurança.
A segurança jurídica é um bem devido aos cidadãos
por im perativo de Justiça. De outro lado, a plenitude de
Justiça exige segurança jurídica.
Na dinâm ica da vida jurídica, pode haver e há com
freqüência um choque entre esses dois valores. A Justiça
para o m aior núm ero pode com prom eter a segurança de
alguns.
A Justiça distributiva pode im por a alguns a restri­
ção à posse e ao uso de determ inados direitos, reduzin­
do o grau de segurança jurídica.
A segurança jurídica é sempre invocada quando se
fala em alargar a m issão criativa do juiz e do jurista em
geral, ou quando se fala num "uso alternativo do D irei­
100
João Bnptistn Herkenhoff
to", para proteger os que sem pre foram órfãos da ordem
jurídica vigente.
A lei traduziria a segurança. Com tanto m ais vigor
quanto m ais literalm ente interpretada.
O afastam ento da lei poria em perigo tal valor.
Uma das funções do Direito é preservar a seguran­
ça. Contudo, a meu ver, a Justiça é um valor superior a
este. Jam ais se deverá, em nome da segurança, consagrar
a injustiça ou justificar decisão adm inistrativa ou ju d i­
ciária contrária ao bem comum.
Não se nega que as relações jurídicas precisam
gozar de um teor de segurança. Sobretudo as relações
com erciais, nas hipóteses em que os contratantes são
portadores de igual poder econôm ico.
Contudo, a segurança não deve ser elevada à cate­
goria de valor suprem o, em prejuízo da Justiça. Esta é o
valor m aior.
Com razão, no ensino bíblico, a segurança não é um
valor autônom o, mas tem uma base axiológica, ou seja, a
segurança é fundam entada num valor que a antecede,
qual seja a eqüidade. Encontram os essa lição no capítulo
32, versículo 17, do Profeta Isaías:
"O produto da Justiça será a paz; o fruto da eqüida­
de, perpétua segurança."
A segurança que a lei mais freqüentem ente assegu­
ra é a segurança das classes que fizeram a lei ou tiveram
papel preponderante na sua elaboração.
Se, num caso de despejo, o juiz atende, solicitam en­
te, o proprietário do im óvel, estará dando segurança aos
que investiram em im óveis, por causa das leis de prote­
ção à propriedade. Mas onde fica a segurança do inquili­
no, a segurança da fam ília despejada?
A fam ília e a propriedade gozam de proteção cons­
titucional. A propriedade goza de proteção, subordina­
da à função social. A família é declarada com o sendo a
base da sociedade. Entre os dois valores (fam ília e
propriedade), a fam ília é, sem dúvida, um valor de
Para gostar do Direito
101
m aior significação. A propriedade só m erece am paro se
referida ao bem comum, ao interesse social. A proprie­
dade não é um direito de exclusão (propriedade para
poucos), mas um direito universal (propriedade dem o­
cratizada daquilo que é essencial à pessoa e à fam ília,
como condição para o florescim ento da personalidade).
Será preciso estar sempre repensando as instituições do
D ireito Civil à luz da hierarquia constitucional e do
quadro de valores que orientam a ordem jurídica.
Segundo Radbruch, o homem de Direito que vive a
Justiça, que tem sua visão de m undo fundada na Justiça,
é idealista e progressista; o que vive a segurança é
positivista e conservador.
Os ideólogos da segurança têm da ordem estabele­
cida uma visão sim étrica: a lei explicita valores inques­
tionáveis - fam ília, propriedade, herança, contrato,
ordem pública, bons costumes. (Fam ília, enquanto sustentáculo da propriedade.)
A lei organiza as divergências, cerceia o egoísm o,
coíbe as condutas criminosas.
Se a lei é, assim , tão sábia, outro papel não têm as
autoridades (os juizes, inclusive) do que fazer prevale­
cer a lei. Cum pre repelir os atos injurídicos dos desobe­
dientes, dos recalcitrantes.
N esta visão de mundo, há uma única tensão - a
ordem e a desordem , a lei e o desrespeito à lei. Prevaleça
a lei e a ordem e o mundo estará salvo.
Quem identifica "Estado-O rdem -Lei-Justiça" não
aceita o acolhim ento de qualquer D ireito, que não seja o
estatal. Não aceita também a absorção, pelo jurista, do
clam or de Justiça do povo, se esse clam or não teve o
acolhim ento expresso (e sempre retardado) do legisla­
dor.
Esta é, a m eu ver, uma percepção míope da realida­
de social. D esconhece a tensão entre o Direito estatal e o
Direito social, entre a ordem im posta e a ordem deseja­
da, entre a força im perante dos poderosos e a fraqueza
102
João Baptistn Herkenhoff
esquecida dos m arginalizados. Ignora o conflito entre o
m undo dos direitos do homem e dos hom ens sem
direitos, oprim idos por opressores. D esconhece a plura­
lidade dos ordenam entos jurídicos, as peculiaridades
regionais, a existência de um Direito não-form al, ao lado
do D ireito form al, fatos que derrubam o m ito da unida­
de do Direito.
A aplicação sociológico-política do Direito, que
consideram os indispensável, pode estabelecer uma
aproxim ação m aior entre o Direito e o fato social. Pode
dim inuir a tensão entre o Direito estatal e o Direito
social. Pode reduzir o abism o entre os sím bolos do
legislador e os do povo. Pode contem plar a m ultiplicida­
de de culturas existentes dentro do Brasil.
Tudo isso contribuirá para a segurança do D ireito,
entendida que essa segurança deve ser em favor de
todos e não apenas em favor dos que já são privilegia­
dos.
Surpreendem os inúm eras contradições dentro do
sistem a jurídico. De um lado, a lei legitim a a opressão;
de outro, proclam a a igualdade de todos, os direitos
hum anos, a justiça social. O mesmo sistem a legal, que
proclam a valores hum anistas, instrum entaliza valores
anti-hum anos.
O papel do jurista, do herm eneuta (intérprete), em
face das contradições da lei, im plica uma opção políti­
ca.
A m eu ver, aí está um grande desafio a ser enfrenta­
do pelos juristas progressistas. Estes devem explorar as
contradições da lei. Devem selecionar os valores hum a­
nistas dispersos nas leis e dar força a esses valores.
Devem exigir que os valores hum anistas, teoricam ente
proclam ados, sejam efetivados e cum pridos. Devem
colocar-se do lado do povo, das grandes m assas, ajudan­
do-as no processo de autoconscientização.
Ao esforço dos juristas, para o uso popular do
Direito, tem -se cham ado "uso alternativo do D ireito". E à
Para gostar do Direito
103
tentativa de ver o Direito, a partir das classes populares,
tem -se cham ado Direito Alternativo.
A expressão "Direito A lternativo" não é a única que
pode expressar essa realidade jurídico-social. Eu m es­
mo, pessoalm ente, preferi, em escritos anteriores, a ex­
pressão "D ireito da Libertação" (por aproxim ação com
Teologia da Libertação). Entretanto, rendo-m e à evidên­
cia de que o term o "Direito A lternativo" é o que tem
ganho m aior preferência na doutrina e nos próprios
m eios de com unicação.
Vejo o cham ado "M ovim ento do Direito A lternati­
vo" como um conjunto de correntes de pensam ento
extrem am ente sadias e úteis ao progresso da prática e do
saber jurídicos em nosso país.
Para as forças conservadoras, as novas idéias de
reavaliação do Direito colocam em risco a segurança
jurídica.
Se entendem os que a segurança jurídica é um direi­
to de todos e que só existe segurança jurídica onde
houver Justiça, não se temerá este debate e suas conse­
qüências.
104
João Baptista Herkenhoff
Leituras complementares indicadas
Para quem deseje, como convém , am pliar inform a­
ções e reflexões sobre os tem as levantados por este livro,
há uma bibliografia ampla.
Em m atéria de com pêndios de "Introdução ao D i­
reito" (com variações de título - Introdução à Ciência de
D ireito, Introdução ao Estudo do D ireito etc.), existem
m uitos livros. Destaco as obras de: A. L. M achado Neto,
D aniel Coelho de Souza, Luiz Fernando Coelho, M aria
H elena D iniz e M iguel Reale (publicadas pela Saraiva);
N aylor Salles G ontijo, A. M achado Paupério, Paulino
Jacques, Paulo D ourado de Gusm ão, Paulo N ader e
W ilson de Souza Campos Batalha (editadas pela Foren­
se); H erm es Lim a e Roberto Piragibe da Fonseca (ambas
com o selo da Freitas Bastos); André Franco M ontoro
(Revista dos Tribunais), Tarso Genro (Sergio Antonio
Fabris Editor), Aurélio W ander Bastos (Liber Juris),
Benjam in de O liveira Filho (José Konfino), C. H. Porto
Carreiro (Editora Rio), Edgar de Godoi da M ata-M achado (Editora UFM G), J. Flóscolo da Nóbrega (Sugestões
Literárias), Rubem Rodrigues N ogueira (José Bushatsky) e Tércio Sam paio Ferraz Júnior (Atlas).
Para uma visão crítica ou renovadora do D ireito,
aconselho alguns autores e livros: todas as obras de
Roberto Lyra Filho, especialm ente "Para um D ireito sem
Dogm as" e "Karl, meu Amigo: Diálogo com M arx sobre
o D ireito" (edições de Sergio Antonio Fabris); Roberto A.
Para gostar do Direito
105
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