POSSIBILIDADES PARA PENSAR A EDUCAÇÃO A PARTIR DAS CONSIDERAÇÕES FILOSÓFICAS DE WITTGENSTEIN Denise Moraes Lourenço1 Resumo: Esse texto tem como pretensão realizar um estudo relacionado às questões filosóficas abordadas por Wittgenstein em sua obra “Investigações filosóficas” na tentativa de refletir sobre e na educação, considerando uma outra perspectiva, aquela que encara o trabalho educacional como algo em constante transformação, nem sempre racional, imbuído de aspectos subjetivos, sem resultados verdadeiros e totalizantes, mas que mesmo assim, e talvez até por tudo isso, pode e deve ser sempre pensado e discutido, pois é só dessa forma que poderemos nos distanciar de um ensino instrumentalizado para agirmos na atividade educativa em busca de melhores caminhos para nossa formação. Embora o filósofo Wittgenstein não explore o tema educação em seus escritos, é possível pensarmos e discutirmos alguns aspectos da educação em seu pensamento, já que ele desmestificou o ideal filosófico que permea os vários sistemas em filosofia, com sua análise exaustiva da linguagem, enquanto jogos de linguagem Palavras-chave: Filosofia. Educação. Jogos de Linguagem. Ao realizarmos um estudo voltado ao campo educacional, na tentativa de reconhecer o modelo de educação o qual fazemos parte, estamos inclinados a dizer que o processo educativo, nos dias de hoje, se caracteriza pela cientifização tecnicização e instrumentalização do ensino. Para justificarmos essa afirmação temos a busca desenfreada dos profissionais da educação por técnicas que promovam melhorias no desempenho de seus alunos; o aperfeiçoamento de estratégias que visem ampliar o acúmulo de informações; a utilização de produtos tecnológicos com o intuito de dinamizar o trabalho para vislumbrar um acervo maior de conhecimentos possíveis; as formas de avaliação que privilegiam a quantidade de informações armazenadas; o desinteresse pelas disciplinas de fundamentação teórica, em detrimento da importância dada as disciplinas metodológicas, por parte das instituições; a produção exagerada de livros didáticos, paradidáticos que recorrem a técnicas de ensino, metodologias de trabalho, planos de aula e os professores que, ingenuamente, se utilizam 1 Aluna regularmente matriculada no curso de pós-graduação em Educação, nível de mestrado da Universidade Estadual Paulista (Campus de Marília). Email: denise_lourenç[email protected] 2 massissamente desses materiais, pois acreditam que essas receitas promovem o sucesso na educação. Poderíamos apresentar inúmeros outros exemplos que comprovem o paradigma em que se encontra a nossa educação e mesmo assim os perceberíamos como constituintes de nossa forma de vida atual, pois a caracterização apresentada não é exclusiva do campo educacional. A produção e o consumo desmedidos constituem os âmbitos sociais, políticos, econômicos, éticos, estéticos de nossa vida. Essa nova configuração a que estamos inseridos, no campo educacional, se deve a utilização que fizemos dos estudos em ciências da educação 2. A grosso modo, podemos perceber que a educação, vista num patamar científico, se preocupou com o saber racional e objetivo que o sujeito do conhecimento poderia adquirir. Aliada a uma filosofia moderna do conhecimento ( como a de Descartes, por exemplo), foi possível a educação sistematizar e disciplinarizar o nosso processo de formação, pois com a influência de teorias filosóficas voltadas à racionalidade, objetividade, análise lógica, nos direcionamos a um estudo bem próximo ao pretendido pelas ciências, tanto no que diz respeito as formas de investigação quanto aos objetivos que almejamos alcançar. Essa relação entre filosofia, ciência e educação, provocou inúmeros problemas que, na maioria das vezes, não são observados nem por aqueles que estão inseridos efetivamente na área da educação. A centralização na razão fez com que a educação passasse a ser vista como um campo de produção de conhecimento fixo, com regras previamente estabelecidas, técnicas eficientes e participantes devidamente reconhecidos e expressamente previsíveis. Como conseqüência desse modelo instituído, descaracterizamos por completo a educação enquanto formação registrada nos discursos dos documentos oficiais educacionais que conhecemos. Nas instituições, o ensino se mostrou fragmentado, com prioridade às técnicas, em detrimento das discussões e reflexões. As pessoas foram cada vez mais sendo submetidos aos resultados relacionados ao acúmulo de dados. O trabalho de caráter reflexivo promovido pela escola desapareceu e passamos então, a não mais pensar na nossa vida, no mundo em que vivemos. Sendo assim, esse texto tem como pretensão realizar um estudo relacionado às questões filosóficas abordadas por Wittgenstein em sua obra “Investigações filosóficas” na tentativa de refletir sobre e na educação, considerando uma outra perspectiva, aquela que encara o trabalho educacional como algo em constante transformação, nem sempre racional, imbuído de aspectos subjetivos, sem resultados verdadeiros e totalizantes, mas que mesmo assim, e talvez até por tudo isso, pode e deve ser sempre pensado e discutido, pois é só dessa 2 Não vamos discutir aqui se a aplicação dos estudos em ciências da educação foi apropriada ou não, embora haja várias questões interessantes para serem abordadas nesse sentido. 3 forma que poderemos nos distanciar de um ensino instrumentalizado para agirmos na atividade educativa em busca de melhores caminhos para nossa formação. Wittgenstein nunca se deteve a escolher uma concepção filosófica que pudesse apoiar, ou mesmo construir um sistema filosófico que alcançasse esse conhecimento genuíno pretendido pela filosofia em geral. Pelo contrário, ele resolveu duvidar do pressuposto em que estavam baseadas as filosofias até então. Hacker declara que “No debate sobre a natureza da filosofia, ele (Wittgenstein) pôs em questão o pressuposto de que a filosofia seja uma disciplina cognitiva na qual novos conhecimentos são descobertos, teorias são construídas e na qual o progresso seria caracterizado pelo acréscimo de conhecimentos e de teorias bem confirmadas” (Hacker, 2000, p.11). De forma irônica, Wittgenstein (1993) escreveu que era muito estranho ver que os problemas discutidos no passado eram os mesmos comparados aqueles discutidos no presente, o que nos levava a pensar que, ou Platão era extraordinário a ponto de ter ido tão longe ou os filósofos recentes não haviam avançado um só passo. Mas a razão disso, para ele, é que a nossa linguagem ainda é a mesma e por isso nos remetemos às mesmas questões. Sendo assim, os problemas que acreditamos ser filosóficos são, na verdade, problemas lingüísticos. Acontece que ao realizarmos o uso da linguagem, ignoramos reconhecer seu funcionamento, e isso nos leva a utilizá-la de maneira imprópria, produzindo diversas confusões conceituais. Wittgenstein expressa sua preocupação com o funcionamento da linguagem quando diz, nas Investigações Filosóficas, que “As confusões com as quais nos preocupamos nascem quando a linguagem, por assim dizer, caminha no vazio, não quando trabalha” (1979, p.58), (...) “Os problemas filosóficos nascem quando a linguagem entra em férias” (1979, p.26). Considerando os escritos de Wittgenstein, a tarefa da filosofia não seria a investigação cognitiva acerca da verdade para adquirir acréscimos no conhecimento, não seria uma busca por respostas, mas ao considerar a análise da linguagem, seria uma busca por sentido, na medida em que aprendemos como a nossa linguagem funciona. “A filosofia é uma luta contra o enfeitiçamento do nosso entendimento pelos meios da nossa linguagem” (1979, p.54). Segundo essa visão, os filósofos que se preocuparam em construir seus sistemas filosóficos, não prestarem atenção no uso que fazemos da linguagem e com isso produziram conceitos, expressões, significados, que aparentemente podem ser encarados como verossímeis, mas numa análise mais detalhada, percebemos várias apropriações indevidas. Dessa forma, cabe ao filósofo examinar a utilização da linguagem para que os problemas sejam dissolvidos. Para Wittgenstein, o objetivo da filosofia é “mostrar à mosca a saída do 4 vidro” (1979, p.108). Estamos imersos em concepções filosóficas que obscurecem o nosso entendimento acerca da linguagem, e conseqüentemente das coisas do mundo. Estamos presos a idéias confusas e distorcidas. Para que nos livremos de todos esses mal-entendidos, precisamos trilhar o caminho adequado para a saída da garrafa. Precisamos conhecer todos os aspectos da nossa linguagem e isso só é possível quando consideramos a sua utilização, pois ao tratarmos de seu funcionamento, abordamos não só inúmeras particularidades que não seriam exploradas até então, mas mais do que isso, encaramos a linguagem, e junto com ela a filosofia de forma diferente, não mais com base no caráter de fixidez, de uniformidade, de conhecimento estabilizado. Ao centralizar a discussão no funcionamento da linguagem, Wittgenstein, ao contrário dos outros, não constrói um modelo de filosofia, ele não tenta explicar as coisas a partir do uso da linguagem, sua preocupação está em descrever os vários usos de uma palavra. Segundo Hacker (2000, p.13), para Wittgenstein, “os únicos tipos de explicação da filosofia são explicações por descrição – descrição do uso de palavras.” Ao descrevermos o que se passa com a nossa linguagem não construímos novas teorias, pois não estamos em busca de novas informações. Hacker (2000, p.13) diz que “nos vemos emaranhados nas regras para o uso da linguagem”. O papel da filosofia é tornar esse emaranhamento nítido e não obscurecê-lo. Por isso não há descobertas em filosofia, não há busca pela verdade, pela essência das coisas. Tudo que precisamos saber já faz parte do uso que fazemos das palavras, só precisamos reconhecer e organizar essas informações. “Os conhecimentos são resolvidos não pelo acúmulo de novas experiências, mas pela combinação do que é já há muito tempo conhecido” (1979, p. 54). Na análise da linguagem descrita nas Investigações Filosóficas, onde estão redigidos seus pensamentos mais recentes, Wittgenstein empregou a expressão “jogos de linguagem” para caracterizar a nossa linguagem, considerando suas diversas faces. Sua intenção era desmistificar o conceito de linguagem enquanto algo uniforme, fixo, previamente estabelecido. Para ele, a linguagem em funcionamento se caracteriza por uma multiplicidade de práticas. Na medida em que levamos em conta os usos que fazemos das palavras, concluímos que a linguagem não pode ser entendida como algo completo e autônomo que pode ser investigada sem levarmos em conta outros aspectos, pois ela está entrelaçada aos nossos comportamentos, nossas práticas. Para caracterizar o pensamento tradicional acerca da linguagem, Wittgenstein se utilizou das palavras proferidas por Santo Agostinho que relatou como uma criança aprende nossa língua. Essa concepção era, para Wittgenstein, basicamente sustentada por duas idéias: 5 a de que há uma essência da linguagem e a de que as palavras tem seus significados porque, como rótulos, são colados aos objetos, fatos do mundo que pretendemos mencionar, algo denominado por Wittgenstein como ensino ostensivo, em que indico um objeto e o nomeio. Já no início das investigações, remetendo-se ao texto de Santo Agostinho, Wittgenstein, declara que Nessas palavras, assim me parece, uma determinada imagem da essência da linguagem humana. A saber, esta: as palavras da linguagem denominam objetos – frases são ligações de tais denominações. – Nesta imagem da linguagem encontramos as raízes da idéia: cada palavra tem uma significação. Esta significação é agregada à palavra. É o objeto que a palavra substitui (Wittgenstein, 1979, p.9). Para Wittgenstein, os usos que fazemos das palavras carregam os conteúdos de nossas vivências - nossas práticas no trabalho, nos estudos, na relação com as outras pessoas e com nós mesmos. Todos esses aspectos precisam ser considerados quando fazemos uma análise da linguagem. Wittgenstein diz que “o termo ‘jogo de linguagem’ deve aqui salientar que falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida” (1979, p.18). Na nossa linguagem estão interligadas atividades não lingüísticas, aquelas nas quais realizamos nossas práticas, expressamos nossos hábitos, comportamentos, sensações, sentimentos. Da mesma maneira que existem várias espécies de linguagens, vários jogos de linguagens, há também várias formas de vidas relacionadas a essas linguagens que dão sentido ao que pensamos sobre as coisas do mundo. Usamos a linguagem para caracterizar uma infinidade de atividades que geralmente realizamos. Para exemplificar, Wittgenstein escreve uma lista de muitas de nossas práticas. Imagine a multiplicidade dos jogos de linguagem por meio desses exemplos e outros: Comandar, e agir sob comandos – Descrever um objeto conforme a aparência ou conforme medidas – Produzir um objeto segundo uma descrição (desenho) – Relatar um acontecimento – Conjeturar sobre um acontecimento – Expor uma hipótese e prová-la – Apresentar os resultados de um experimento por meio de tabelas e diagramas – Inventar uma história; ler – Representar teatro – Cantar uma cantiga de roda – Resolver enigmas – Fazer uma anedota; contar – Resolver um exemplo de cálculo aplicado – 6 Traduzir de uma língua para outra – Pedir, agradecer, maldizer, saudar, orar (Wittgenstein,1979, p.19). E ainda assim, quando falamos de descrição, dando apenas um exemplo, podemos apresentar vários tipos que são por nós usados. Quando utilizamos uma palavra, damos a ela um significado, que não pode ser determinado como único, pois sempre podemos usar essa palavra de uma outra maneira, para desempenhar uma função diferente. Ao abordar o termo jogos de linguagem, Wittgenstein coloca em evidência o caráter dinâmico da linguagem mediante a multiplicidade de usos que podem ser apresentados. Pesquisador brasileiro de Wittgenstein, Moreno (2000), exemplifica ao dizer que Qual é, então o significado da palavra ‘água’, por exemplo? Depende do jogo de linguagem no qual ela é empregada; posso usá-la para referir-me ao elemento natural assim denominado que está a minha frente; posso usá-la para ensinar uma criança ou um estrangeiro sua aplicação como nome; posso usá-la sob a forma de pedido, quando estou sedento; posso usá-la como um pedido de rendição a meu adversário; posso usá-la como pedido urgente daquilo que ela denomina, para apagar um incêndio; ou ainda como exclamação, ante minha surpresa com a beleza cristalina da fonte inesperada; e podemos imaginar outros tantos usos possíveis da palavra, isto é, outras tantas situações de nossa vida em que é usada na linguagem como meio de comunicação e expressão (Moreno, 2000, p. 56-57). Quando nos referimos a linguagem com a palavra “linguagem” estamos novamente traçando limites precisos para as nossas atividades lingüísticas. Esses limites nos permitem entender a linguagem baseada numa estrutura clara e muito bem definida, com uma forma geral e fixa e é disso que decorre os problemas filósofos. Ao tratar a linguagem constituída de vários jogos de linguagem, Wittgenstein se desvencilha de uma investigação que prioriza a verdade, a estrutura essencial das coisas. Sua preocupação não está direcionada a uma busca por algo que seja comum a tudo que chamamos de linguagem, mesmo porque, para ele, “não há uma coisa comum a esses fenômenos, em virtude da qual empregamos para todos a mesma palavra” (1979, p.38). O que, de fato há, é um entrecruzamento das várias linguagens que utilizamos. Os jogos de linguagem estariam assim “aparentados uns com os outros de muitos modos diferentes” (1979, p.38). E é devido a esse conjunto de relações entre eles que Wittgenstein não define a linguagem, mas descreve inúmeras linguagens que usamos. Para explicitar melhor o uso da palavra jogo, Wittgenstein sugere que 7 Considere, por exemplo, os processos que chamamos de ‘jogos’. Refiro-me a jogos de tabuleiro, de cartas, de bola, de torneios esportivos, etc. O que é comum a todos eles? Não diga: ‘Algo deve ser comum a eles, senão não se chamariam ‘jogos’’, - mas veja se algo é comum a eles todos. – Pois, se você os contempla, não verá na verdade algo que fosse comum a todos, mas verá semelhanças, parentescos, e até toda uma série deles. Como disse: não pense, mas veja! (Wittgenstein, 1979, p.38). É importante notarmos que Wittgenstein sugere que não pensemos, mas sim olhemos para tudo que está ao nosso redor, pois quando olhamos sem pensar, somos capazes de perceber as várias aplicações que fazemos das palavras, diferentes usos das palavras que estão relacionados às atividades extralingüísticas, inevitavelmente, envolvidas pela nossa linguagem. Vamos olhar, com um pouco mais de atenção para as atividades que denominamos como jogos. Quando comparamos um jogo com outro percebemos que há várias semelhanças entre eles, mas nenhuma pode ser designada como a semelhança comum a todos os jogos. Em comparação com outros jogos as semelhanças percebidas anteriormente podem não mais existir dando lugar a outras. É possível estabelecermos relações entre, por exemplo, jogos de cartas e jogos de tabuleiro e encontrarmos várias semelhanças entre esses tipos de jogos, mas ao relacionarmos esses últimos com os jogos de bola muitas semelhanças já não são as mesmas que da primeira comparação e assim acontecerá se sugerirmos outra comparação entre quaisquer jogos. Essas relações de semelhanças que podemos estabelecer entre as palavras que usamos em nossa linguagem, como vimos com a palavra ‘jogo’ são denominadas por Wittgenstein como ‘semelhanças de família’, pois elas desempenham o mesmo papel que as semelhanças das pessoas de uma mesma família. “Não posso caracterizar melhor essas semelhanças do que com a expressão ‘semelhanças de família’; pois assim se envolvem e se cruzam as diferentes semelhanças que existem entre os membros de uma família: estatura, traços fisionômicos, cor dos olhos, o andar, o temperamento, etc., etc. – E digo: os jogos formam uma família” (Wittgenstein, 1979, p.39). Podemos exemplificar essa relação de parentesco entre os jogos de linguagem com a constituição de uma corda. É no trançar dos fios que produzimos uma corda, é o entrelaçamento deles que garante a firmeza de uma corda e não a característica de que todos os fios vão até o fim dela, mesmo porque há aqueles que se perdem no meio do trançar. 8 É possível estabelecermos limites para o uso dos jogos de linguagem, mas serão limites particulares, pois sempre poderemos usar determinada palavra de uma outra maneira que não aquela. Nossa linguagem não é inteiramente regulamentada, embora utilizemos regras para usar os jogos de linguagens. Essa ausência de uma regulamentação totalizadora não prejudica, afinal sempre que usamos uma palavra, não sabemos, nem pensamos em todos os outros jogos de linguagem em que ela seria possível e mesmo assim nos comunicamos. Wittgenstein diz que “Mas então o emprego da palavra não está regulamentado; o jogo que jogamos com ela não está regulamentado. Ele não está inteiramente limitado por regras; mas também não há nenhuma regra no tênis que prescreva até que altura é permitido lançar a bola nem com quanta força; mas o tênis é um jogo e também tem regras” (Wittgenstein,1979, p.40). Sabemos, que ao descrever a linguagem considerando essa nova perspectiva, Wittgenstein está criticando a definição do significado enquanto algo fixo, completo e único, da mesma forma a filosofia, que durante muito tempo se enveredou pelos caminhos da racionalidade. A pergunta “qual o significado de uma palavra?”, seria uma pergunta mal formulada, pois exige que a resposta seja algo único e definitivo. Segundo ele, não é necessário conhecer a plenitude do significado de uma palavra, qualquer tentativa nesse sentido nos levaria a um entendimento errado dela, pois o significado consiste no conjunto dos usos que fazemos das palavras e conhecer um uso de uma palavra é conhecer uma das faces de seu significado. Também não podemos nos valer da idéia de que conhecer todos os usos de uma palavra, o conjunto dos jogos de linguagem, nos garantiria a plenitude de seu significado, pois se assim agíssemos estaríamos retomando a filosofia fundamentadora que Wittgenstein quer abandonar, dando ao uso as características próprias da razão. Com base nas formulações de Wittgenstein não é possível conhecer todos os jogos de linguagens, pois a todo momento, nós em comunicação com os outros, somos capazes de criar novos jogos de linguagem. Seu interesse em descrever o funcionamento dos jogos de linguagem está ligado a elucidação da linguagem, dissolução dos problemas e não formulação de justificações, explicações. O pensamento filosófico de Wittgenstein nos faz perceber que não temos mais um ponto de apoio firme e sólido, não podemos mais contar com estruturas fixas para organizar nossos pensamentos, pois os conhecimentos que produzimos a partir de bases sólidas e seguras não passaram de mal-entendidos. É uma crítica ao pensamento racionalista que sustentou só ser possível pensar e se comunicar com base em conceitos precisos. Para Wittgenstein só é possível pensar e se comunicar de forma adequada com base em conceitos 9 vagos, pois se almejarmos os conceitos exatos estaremos cometemos um grande erro. A noção de uso não é algo para ser aplicado com base em estrutura fixa, como uma nova concepçãp filosófica a ser seguida, é mais um conceito vago, como os outros enunciados por Wittgenstein (jogos de linguagem, semelhanças de família, formas de vida) que apenas indica os conjuntos de regras presentes nos jogos de linguagem. O trabalho do filósofo, ao analisar o funcionamento da linguagem, é o de descrever os vários usos de uma palavra, nesses casos, explicitar o conjunto de regras presentes nos jogos de linguagem. A idéia de que cada jogo de linguagem é regido por uma quantidade de regras não garante nenhuma explicação, nenhuma verdade totalizante, pois trata-se de regras particulares. Essas regras se assemelham aquilo que entendemos como placas de trânsito. Não são regras de coerção, que exigem que tenhamos determinado comportamento, são regras que nos indicam os caminhos possíveis. Lembremos aqui que nosso trabalho é de descrição e não de prescrição. Temos a tarefa de simplesmente descrever, considerando todas as nuances possíveis dos usos que fazemos dos jogos de linguagem, pois esse olhar atento nos libertará do olhar habitual que acabamos desenvolvendo quando nos restringimos aos usos mais comuns. Moreno apresenta, brevemente, o método de análise pensado por Wittgenstein, quando diz que Procurando apenas descrever o funcionamento da comunicação pela linguagem, a única coisa que podemos afirmar é o resultado de nossa constatação: quando falamos, usando palavras e enunciados, empregamos termos vagos, que não delimitam precisamente, segundo regras fixas, aquilo a que se referem; as regras são aplicadas de maneiras diferentes pelos interlocutores nas diferentes situações, ou, até, diferentemente nas mesmas situações, uma vez que elas não são normativas, mas apenas indicam uma direção geral, fornecem uma orientação – assim como as tabuletas de tráfego, indicativas de direção, e não prescritivas de um trajeto preciso. E é assim de fato, que nos comunicamos: fazemo-nos compreender e compreendemos nossos interlocutores (Moreno, 2000, p.67). O trabalho realizado por Wittgenstein nas “Investigações Filosóficas” teve como pretensão transformar os rumos do pensamento humano, abrir o leque de possiblidades das pessoas, para que sejam capazes de refletir mais e melhor acerca do mundo em que vivem. Nossas práticas, a partir de agora, serão orientadas pelos esclarecimentos que alcançamos com as descrições e não mais regidas por uma determinada filosofia. Muitos acreditam que o que Wittgenstein fez, de maneira brilhante, foi desenvolver uma filosofia enquanto atividade terapêutica, pois ele não edificou um novo sistema, apenas nos sugeriu que olhássemos com 10 mais atenção para a linguagem, para seus usos, para nossas práticas, para aquilo que fazemos em nossa vida. Quando dissolvemos um problema filosófico é como se encontrássemos a cura para uma doença, é como se esclarecêssemos mais um sentido para a vida. Em meio aos diversos jogos de linguagens descritos pelo terapeuta-filósofo todas as semelhanças possíveis são verificadas para que as confusões sejam desfeitas. Segundo Wittgenstein Nossos claros e simples jogos de linguagens não são estudos preparatórios para uma futura regulamentação da linguagem, - como que primeiras aproximações, sem considerar o atrito e a resistência do ar. Os jogos de linguagem figuram muito mais como objetos de comparação, que, através de semelhanças e dissemelhanças, devem lançar luz sobre as relações de nossa linguagem (Wittgenstein, 1979, p.57). Na medida que assumimos as considerações de Wittgenstein, abandonamos aos poucos, a concepção dogmática de que o pensamento humano caminha numa via de mão única, que nos fornece dados que restringem os nossos conhecimentos sobre o mundo, e que ao restringir nos engana, pois as delimitações realizadas inibem e distorcem nossas reflexões. Um trabalho filosófico que pretende se realizar, nos moldes wittgensteinianos, deve privilegiar um estudo de análise descritiva sobre a linguagem, que esclareça os malentendidos do pensamento filosófico ao estabelecer as relações entre os vários usos dos jogos de linguagem que utilizamos quando nos comunicamos. No início desse texto, apontamos o problema da tecnicização, cientifização e instrumentalização da educação, a que estamos submetidos nos dias de hoje e percebemos que o uso desmedido da razão promoveu a estruturação do quadro educacional o qual temos que lidar, seja enquanto alunos e/ou professores. O fortalecimento da racionalidade, da objetividade, construiu um modelo educacional caracterizado pela uniformidade, precisão, fixidez, de todos os seus elementos. É por isso que os professores almejam técnicas eficientes e os alunos exigem conhecimentos precisos. Há por trás disso, uma concepção filosófica que fundamentou o pensamento humano para que agíssemos conforme os preceitos estabelecidos. Na tentativa de romper com esse quadro representativo de educação é importante considerar o trabalho realizado pelo filósofo Wittgenstein, que mesmo não pensando em educação propriamente dita, nos possibilitou um outro modo de pensar, que analisado cuidadosamente, é capaz de promover sérias e significativas modificações no cenário educacional. 11 O intuito de analisar o pensamento de Wittgenstein não foi o de propor considerações para uma novo modelo educacional que possa ser construído mediante as informações obtidas nesse texto, mesmo porque nem era esse o interesse de Wittgenstein em filosofia, o que dirá em educação, dado ao fato de que ele não produziu textos relacionados a esse campo de atuação. A pretensão, nesse caso, é mais modesta. Nosso trabalho mostrou a base teórica na qual se apoia o processo educativo atual e tentou nos desvencilhar dessa necessidade que temos por apoios, fundamentações. Para isso, nos utilizamos do estudo que Wittgenstein fez sobre e na linguagem, porque ao fazer sérias e significativas análises da linguagem comum, ele nos mostrou que essas idéias que temos de totalização, universalidade, uniformidade, essencialidade, fixidez, precisão, no que diz respeito a forma como nos comunicamos, ao significado que damos as palavras, são ilusórias e portanto, não satisfazem os objetivos que lhe são propostos. Isso significa, que em educação, também não podemos nos aprisionar a conteúdos, métodos, técnicas, estratégias que tenham essas características mencionadas acima, pois além de estarmos cometendo erros de linguagem, estaremos também e pior que isso, produzindo uma formação completamente inapropriada, se queremos melhorar nossas vidas enquanto nos formamos. Para que a educação abandone esse modelo científico de transmissão de informação (verdades) com base em métodos eficientes temos que privilegiar algo relacionado a uma mudança de atitude, uma transformação na maneira como encaramos as coisas do mundo, a nossa vida. Precisamos entender que as nossas práticas, nossos comportamentos, os nossos relacionamentos, as maneiras como nos comunicamos, as formas de aprendizagem e de ensino, em meio a semelhanças e dissemelhanças, constituem nossos modos de vida, e se pretendemos entender melhor o mundo, nós mesmos, para que tenhamos, a cada dia, uma vida melhor é necessário que nossos pensamentos abordem todas as faces possíveis das nossas formas de vida. Por mais que reflexões como essas sejam tão subjetivas, imprecisas, múltiplas, instáveis, ao menos estaremos reconhecendo a vida como ela é. Referências bibliográficas DUFFY, Bruce. A Guerra de Wittgenstein. Trad. Domingos Demasi. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. GLOCK, Hans-Johann. 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