UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO Renato Saldanha Teixeira Cardiomiopatia Dilatada em Boxer: revisão de literatura PORTO ALEGRE – RS 2009 Renato Saldanha Teixeira Cardiomiopatia Dilatada em Boxer: revisão de literatura Monografia apresentada a Universidade Federal Rural do SemiÁrido – UFERSA, Departamento de Ciências Animais para obtenção do título de especialista em Clínica Médica de Pequenos Animais. Orientador: MV, Folgearini Silveira PORTO ALEGRE-RS 2009 MSc Matheus Ficha catalográfica preparada pelo setor de classificação e catalogação da Biblioteca “Orlando Teixeira” da UFERSA T266c Teixeira, Renato Saldanha. Cardimiopatia dilatada em boxer: revisão de literatura / Renato Saldanha Teixeira. -- Mossoró, 2010. 30f. Monografia (Graduação em Clínica Médica de Pequenos Animais) – Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Orientador: Profº. M.Sc. Matheus Fogearini Silveira. 1.Cão. 2.Cardimiopatia dilatada. 3. Insuficência cardíaca. 4.Boxer. 5.Arritmias. I.Título. CDD: 636.7 Bibliotecária: Keina Cristina Santos Sousa e Silva CRB15/120 AGRADECIMENTO A minha querida e estimada esposa e companheira de trabalho Luciana, quem me proporcionou a chance de concluir mais essa etapa; A meus filhos maravilhosos, Bianca e Pablo, que ficaram sem seu pai por vários momentos importantes; A meu grande amigo e parceiro de trabalho Sandro, quem cobriu minha falta nessas horas em que me dedicava a essa empreitada; Ao misto de colega, amigo e orientador Matheus, que teve uma boa vontade enorme para me ajudar a concluir esse trabalho; A Deus que me deu proteção e saúde por todo esse período. RESUMO Cardiomiopatia dilatada (CMD) é a doença cardíaca onde ocorre a dilatação dos lados direito e esquerdo do coração, acompanhado por uma leve hipertrofia excêntrica. As artérias coronárias permanecem normais, já as válvulas atrioventriculares podem permanecer normais ou com uma leve alteração. Esta alteração causa uma síndrome de “disfunção sistólica” devida à insuficiência do miocárdio, na qual se reduz a fração de ejeção do ventrículo esquerdo. A CMD ocorre após uma alteração presumida no miocárdio, induzida por inflamação, toxinas, falta de nutrientes celulares essenciais ou erros inatos do metabolismo miocárdico. É uma doença mais comum em machos do que em fêmeas, mas não em todas as raças. Os cães da raça Boxer apresentam peculiaridades em relação o desenvolvimento da CMD, sendo diferenciados das demais CMD em virtude da propensão de desenvolvimento de arritmias. Os cães acometidos pela doença podem apresentar intolerância ao exercício, dificuldade respiratória, edema pulmonar fulminante, distensão abdominal, perda de peso, fraqueza e síncope súbitos. Atualmente, as arritmias e sincopes, que eram diagnosticadas como cardiomiopatia dilatada, são chamadas de cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito, pois assemelha-se com uma desordem arrítmica humana que leva esse nome, evidenciandose assim uma possível etiopatogenia dentre a raça Boxer. O diagnóstico da CMD pode ser feito com auxílio da radiografia, eletrocardiografia, exames laboratoriais e principalmente pela ecocardiografia, com a qual se faz o diagnóstico definitivo. O tratamento constitui no uso de drogas inotrópicas positivas, diuréticos, inibidores da enzima conversora da angiotensina/vasodilatadores, restrição de exercícios e diminuição da quantidade de sódio na alimentação. Palavras chave: cardiomiopatia dilatada, insuficiência cardíaca congestiva, boxer, arritmias,canino. ABSTRACT Dilated cardiomyopathy (DCM) is the heart disease where it happens the dilation of the right and left sides of the heart, accompanied with a light eccentric hypertrophic. The coronary arteries stay normal, already the atrioventricular valves can stay normal or with a light alteration. This alteration causes a syndrome of "systolic dysfunction" owed to the inadequacy of the myocardium, in which the fraction of ejection of the left ventricle is reduced. Dilated cardiomyopathy happens after a conceited alteration in the miocardic, induced by inflammation, toxins, it lacks of nutritious cellular essential or innate mistakes of the metabolism myocardium. It is a more common disease in males than in females, but not in all of the breeds. The Boxer dogs have peculiarities about the development of DCM and are differentiated from other DCM because of the propensity to develop arrhythmias. Currently, arrhythmia and syncope, which were diagnosed as dilated cardiomyopath, are called arrhythmogenic right ventricular, because it resembles a human arrhymic disorder that its name, thus indicating a possible pathogenesis among the Boxer The dogs attacked by the disease can present intolerance to the exercise, breathing difficulty, fulminant lung edema, abdominal distension, weight loss, weakness and sudden syncope. The diagnosis of dilated cardiomyopathy can be made with aid of the x-ray, electrocardiography, laboratory tests and mainly for the echocardiography, with which, the definitive diagnosis is made. The treatment constitutes in the use of inotropic positive, diuretic, angiotensin-converting enzyme inhibition /vasodilators drugs restriction of exercises and decrease of the amount of sodium in the feeding. Keywords: dilated cardiomyopathy, congestive heart failure, boxer, arrhythmia, dogs LISTA DE ABREVIATURAS % Percentagem < Menor do que > Maior do que ºC Graus Celsius AC Ausculta Cardíaca ADH Hormônio antidiurético ALT Alanina aminotransferase AP Ausculta Pulmonar AV Atrioventricular BSP Bromosulftaleína BID Duas vezes ao dia CAVD Cardiomiopatia ventrículo direito Cm Centímetro CMD Cardiomiopatia dilatada CVP Complexo ventricular prematuro DAINE Antiinflamatório não esteróide DIVE Dimensão interna ventricular esquerda DHA Docosahexaenóico E Ponto de máxima abertura ECA Enzima conversora de angiotensina ECG Eletrocardiograma EF Encurtamento fracionado EFr Encurtamento fracionado do ventrículo arritmogênica esquerdo FA Fosfatase alcalina FEj Fração de ejeção H Horas IC Insuficiência cardíaca ICC Insuficiência cardíaca congestiva ITS Intervalo de tempo sistólico Kg Quilograma do MG Miligrama mg/kg Miligrama por quilograma µg/kg/min Micrograma por quilograma por minuto mL Mililitro mV Milivolts PCCP Pressão em cunha dos capilares pulmonares PPE Período pré-ejeção S Segundos s/a Sem alteração SID Uma vez ao dia SSPE Separação septal no ponto E TEjVE Tempo de ejeção do ventrículo esquerdo TID Três vezes ao dia TNF Fator de necrose tumoral TPC Tempo de perfusão capilar TR Temperatura retal VE Ventrículo esquerdo VO Via oral SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT LISTAS 1 INTRODUÇÃO………………………………………………………................ 2 REVISÃO DE LITERATURA..................................................................... 2.1 FISIOPATOLOGIA...................................................................................... 1 4 4 2.2 SINAIS CLÍNICOS....................................................................................... 7 2.3 DIAGNÓSTICO............................................................................................ 2.3.1 RADIOGRAFIA TORÁCICA.................................................................... 2.3.2 ECOCARDIOGRAFIA.............................................................................. 2.3.3 ELETROCARDIGRAMA.......................................................................... 2.3.4 MARCADORES CARDÍACOS.................................................................. 9 9 10 12 14 2.4 TRATAMENTO........................................................................................... 2.4.1 DROGAS PARA RETARDAR FREQUÊNCIA CARDÍACA.................... 2.4.2 ARRITMIAS INTERCORRENTES.......................................................... 2.4.3 MEDICAÇÕES INERCORRENTES......................................................... 2.4.4 ASPECTOS NUTRICIONAIS................................................................... 15 22 23 25 27 2.5 PROGNÓSTICO.......................................................................................... 27 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 28 1 1. INTRODUÇÃO Por um longo período, os cães da raça boxer que apresentavam síncope e arritmias receberam diagnóstico de cardiomiopatia dilatada, porque alguns deles desenvolviam dilatação ventricular esquerda e ICC. No entanto, a maioria desses cães sofre primariamente de arritmias ventriculares, como resultado de doença miocárdica do ventrículo direito. Essa condição assemelha-se a uma desordem arrítmica que, em humanos, é denominada cardiomiopatia arritmogênica ventricular direita (CAVD), assim o termo CAVD é atualmente usado para indicar a cardiomiopatia arrítmica do boxer. Em alguns casos, a doença pode progredir e envolver o septo interventricular e a parede livre do ventrículo esquerdo, resultando em dilatação deste e disfunção sistólica. A cardiomiopatia do boxer é uma doença familiar. Ocorre uma disfunção de condução elétrica, que causa arritmias em determinados períodos, síncope ou morte súbita (SCHWANTES ; OLIVEIRA, 2006). Há uma incidência mais alta de cardiomiopatia dilatada nos boxers machos, com idade média de início aproximadamente de 8 a 8,2 anos (HARPSTER apud DUNN, ET AL,2001). Em boxers com CAVD, a verificação de apoptose de cardiomiócitos associada à miocardite foi consistente com a hipótese de que a perda de células miocárdicas do ventrículo direito e a substituição por gordura e fibrose seja resultado de lesão induzida por miocardite e também mediada por células com morte programada. Há ainda evidências de que a miocardite tenha um papel importante na arritmogênese e morte súbita, por ser um achado frequênte em boxers com CAVD que morreram subitamente. Outro fator que pode estar envolvido é a deficiência de carnitina, proposta como o mecanismo biológico intracelular responsável por desencadear alterações histológicas encontradas em boxers (SCHWANTES ; OLIVEIRA, 2006). Cerca de 50% dos casos podem ter sopro devido à insuficiência mitral. As arritmias ventriculares (contrações prematuras ventriculares ou taquicardia ventricular paroxísmica) são comuns. As extrassístoles ventriculares são tipicamente de um tipo de bloqueio do ramo de feixe esquerdo (DUNN et al, 2001). Os sinais clínicos são variáveis e os cães com CAVD podem ser divididos em três categorias conforme sua apresentação (SCHWANTES ; OLIVEIRA, 2006): Assintomáticos (categoria 1): Geralmente o cão é levado ao médico veterinário devido a outro problema ou para realização de check-up, e a presença de 2 arritmias pode ser detectada. Pode ocorrer morte súbita sem evidência dos sinais clínicos. Cães com episódios de colapso (categoria 2): O cão pode ter apresentado um ou mais episódios de fraqueza ou síncope. A queixa mais frequente é de episódios breves (1 a 2 minutos) de colapso, com rápida recuperação. Cães com insuficiência cardíaca congestiva (categoria 3): O cão frequentemente tem histórico de letargia progressiva, fraqueza, redução no apetite, tosse e aumento de volume abdominal (ascite) por um período variável de três a sete dias. Episódios de colapso podem acompanhar esses sinais. Em uma pequena porcentagem (<10%) pode ocorrer dispnéia. Os casos assintomáticos e os cães que apresentam episódios sincopais, mas não estão exibindo sinais de insuficiência cardíaca congestiva, podem demonstrar algumas anormalidades radiográficas significativas. Cardiomegalia e edema pulmonar ocorrem somente na insuficiência cardíaca avançada; os derrames pleurais são incomuns. O prognóstico de sobrevivência a longo prazo é mau, especialmente em cães com insuficiência cardíaca congestiva e/ou arritmias. Muitos cães falham em sobreviver 6 meses, sendo comum a morte súbita (HARPSTER apud DUNN,et al, 2001). Geralmente, o tratamento é direcionado ao uso de antiarrítmicos, visto que a maioria dos cães com CAVD não apresentam disfunção sistólica ou ICC. Ao se prescreverem medicamentos antiarrítmicos, devem ser considerados os seus benefícios, como a capacidade de diminuir o número de CVPs, a gravidade da arritmia e os episódios de síncope. É importante a avaliação com Holter de 24 horas antes a após o início do tratamento, para determinar se houve resposta positiva ou efeito pró-arrítmico com exacerbação da arritmia, associado ao uso de diversos antiarrítmicos. Uma resposta é considerada positiva se houver redução de no mínimo 80% no número de CVPs, bem como redução na complexidade da arritmia. Um aumento superior a 80% no número de CVPs ou exacerbação dos sinais clínicos após o início do tratamento sugere efeito próarrítmico. Recomenda-se considerar taxas superiores a 80% devido à variação diária no número de CVPs de até 83% observada em boxers com CAVD e não tratados (SCHWANTES ; OLIVEIRA, 2006). Em pacientes assintomáticos, ao se detectar arritmia em um exame de rotina, preconiza-se a avaliação por Holter de 24 horas, a fim de avaliar a freqüência e a complexidade da arritmia. É geralmente aceito que o controle farmacológico das arritmias ventriculares deva ser tentado se as extra-sístoles ocorrerem com uma 3 frequência maior que 20 por minuto em algum momento, se houver mais de 1000 CVPs em 24 horas, bem como efeito R sobre T e também se houver arritmias ventriculares com configurações multiformes, em pares, ou taquicardia ventricular, ou se produzirem sinais clínicos de redução de débito cardíaco. Em pacientes pertencentes à categoria 2 da doença, devem ser realizados exames laboratoriais para investigar outras causas de fraqueza ou síncope e, após a avaliação eletrocardiográfica, deve ser instituído o tratamento conforme a arritmia diagnosticada. Pacientes da categoria 3, além dos antiarrítmicos, devem receber também terapia para o controle da ICC (SCHWANTES ; OLIVEIRA, 2006). É importante diferenciar a CAVD de outras moléstias que cursem com sinais clínicos semelhantes, como (SCHWANTES ; OLIVEIRA, 2006): Fraqueza episódica ou síncope: CVPs ( contrações ventriculares prematuras) Morte súbita: 4 2. REVISAÕ DE LITERATURA 2.1 FISIOPATOLOGIA A CMD representa uma síndrome de “disfunção sistólica” devida à insuficiência do miocárdio, na qual se reduz a fração de ejeção do ventrículo esquerdo (VE) (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). Esta deficiência da função sistólica se reflete pela queda na velocidade de desenvolvimento da pressão ventricular, índices reduzidos da fase de ejeção (fração de ejeção, encurtamento fracionado, velocidade de ejeção), e aumento de volume ao final da sístole (SISSON ; THOMAS, 1997). A dilatação progressiva dos átrios e dos ventrículos reduz a contratilidade miocárdica e aumenta a pressão diastólica final. À medida que as câmaras cardíacas se dilatam, também se dilata o ânulo atrioventricular fibroso que sustenta as cúspides valvulares atrioventriculares (DUNN et al, 2001). A dilatação do ânulo valvular AV ou as alterações geométricas dos músculos papilares resultam frequentemente em insuficiência valvular mitral e tricúspide (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). Portanto, pode-se esperar que os animais afetados exibam sinais de insuficiência do débito baixo devido à disfunção miocárdica e também sinais de insuficiência cardíaca congestiva associada com regurgitação sanguínea no interior dos átrios (DUNN et al, 2001). A função ventricular diastólica, refletida pelas medidas da complacência do ventrículo esquerdo, também está anormal em cães com CMD. Estas alterações do miocárdio resultam no aumento das pressões diastólica final, atrial, venosa e finalmente numa insuficiência cardíaca congestiva do lado direito ou esquerdo. O volume de batimento ventricular significativamente reduzido pode também resultar em sinais de insuficiência de baixo débito, que se manifesta por fraqueza, intolerância ao exercício, síncope ou choque cardiogênico (SISSON ; THOMAS, 1997). Outros fatores que contribuem para a disfunção ventricular e para os sinais de insuficiência cardíaca em casos de CMD: insuficiência valvular secundária à dilatação atrial e ventricular, a presença de arritmias cardíacas e uma variedade de respostas compensatórias e alterações sistêmicas despertadas pelo declínio do desempenho do miocárdio. Com base em estudos Doppler de fluxo colorido em laboratórios foram observadas insuficiência tricúspide e mitral na maioria dos cães com CMD, mas a magnitude da regurgitação geralmente é pequena. Ocasionalmente, observa-se regurgitação mitral moderada à grave num cão com concomitante degeneração mixomatosa da válvula mitral. Arritmias cardíacas, como a fibrilação atrial ou a ectopia ventricular, frequentemente são detectadas em cães com CMD. Acredita-se que a 5 frequência e a gravidade da arritmia ventricular sejam determinantes importantes do risco de morte súbita em cães boxers e doberman pinschers com CMD (SISSON ; THOMAS, 1997). O desenvolvimento da fibrilação atrial tem consequências imediatas e crônicas importantes para os cães com CMD. O débito cardíaco declina em até 25% em cães sadios com fibrilação atrial induzida, em decorrência da redução e irregularidade dos tempos de preenchimento diastólico e da perda de sincronização atrial e ventricular. O volume de batimento fica gravemente reduzido em cães com CMD e fibrilação atrial, quando o intervalo R-R é inferior a 0,30segundo. Assim podem ocorrer sinais de insuficiência cardíaca rapidamente descompensada, quando cães com CMD apresentam fibrilação atrial, particularmente se a frequência cardíaca é superior a 200 batimentos por minuto. A fibrilação atrial crônica pode também ser causa contributiva importante de contratilidade do miocárdio em progressiva deterioração. Uma taquicardia contínua induzida por regulação artificial rápida (marcapasso) é método comumente utilizado na criação de insuficiência cardíaca experimental em cães. A cardiomiopatia induzida pela taquicardia, produzida pela regulação artificial, desperta resposta neuro-humorais similares às observadas na insuficiência cardíaca de ocorrência espontânea. Também foi descrito que a regulação rápida causa remodelagem da vasculatura coronária, com redução na fração de volume de capilares e aumento da distância da difusão capilar. Estas alterações estão associadas a redução do fluxo sanguíneo no miocárdio, lesão aos miócitos e função miocárdica prejudicada. Com base em estudos de seres humanos com CMD, a fibrilação atrial também pode ser causa contributiva importante da morte súbita (SISSON ; THOMAS, 1997). ). Em um trabalho realizado em 1999, 31% dos cães da raça Boxer foi diagnosticada fibrilação atrial em animais com miocardiopatia e difunção sistólica. As arritmias são comuns. Frequentemente, na CMD ocorrem duas síndromes simultaneamente. São elas a ICC e as arritmias cardíacas paroxísmicas. A fibrilação atrial e a taquicardia ventricular são as mais importantes, pois essas taquiarritmias deprimem adicionalmente a função ventricular nas maneiras seguintes (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003): A taquicardia reduz o tempo de perfusão coronariano, enquanto aumenta o consumo de oxigênio miocárdico. O tempo de preenchimento capilar fica errático e encurtado. 6 A taquicardia ventricular ativa normalmente o ventrículo, causando batimento menos forçado. Além do mais, o coração fica menos eletricamente estável e batimentos prematuros ventriculares podem progredir subitamente para um ritmo fatal (ou seja, fibrilação ventricular ou parada cardíaca). A redução do débito cardíaco deflagra mecanismos compensatórios renais e neuro-hormonais, contribuindo para a congestão venosa e a insuficiência cardíaca congestiva (ICC) de VE ou biventricular. Arritmias ventriculares agudas e severas podem causar morte súbita antes ou depois do início de uma ICC. 7 2.2 SINAIS CLÍNICOS Os sinais clínicos da CMD são os de uma insuficiência cardíaca congestiva do lado esquerdo e/ou direito. Na maioria dos animais, ocorrem sinais compatíveis tanto com insuficiência com débito baixo quanto com insuficiência cardíaca congestiva (DUNN et al, 2001). A insuficiência cardíaca direita, manifestando-se como distensão abdominal, anorexia, perda de peso e fadiga frequentemente predomina em animais de raças gigantes, enquanto que os sinais de insuficiência cardíaca esquerda ou de síncope são mais comuns em doberman pinschers e boxers. Cães de trabalho frequentemente são apresentados ao veterinário devido à demonstração gradual de intolerância ao exercício, que seu dono vem observando ao longo de vários meses. Cães com CMD “oculta” permanecem saudáveis e são diagnosticados acidentalmente quando se descobre um sopro ou uma arritmia, ou um pedido do cliente resulta na realização de um ecocardiograma (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). A identificação da CMD canina em animais sem evidência de insuficiência cardíaca evidente vem se tornando cada vez mais comum, especialmente desde que o diagnóstico pelo ultra-som se tornou técnica amplamente disponível. Foi colocado que apenas um terço dos cães boxer com cardiopatia idiopática exibem sinais de insuficiência cardíaca; um terço é apresentado devido a episódios de síncope ou à fraqueza episódica em associação às arritmias ventriculares e um terço constitui-se de animais assintomáticos. Quase todos os cães boxers assintomáticos com arritmias ventriculares são considerados como tendo índices contráteis ecocardiográficos normais. Alguns cães assintomáticos com comprovada disfunção do miocárdio terminam por apresentar sinais de insuficiência cardíaca, ou morrem subitamente. Entretanto, desconhece-se o destino final de muitos destes cães (SISSON ; THOMAS, 1997). Os cães sintomáticos são apresentados geralmente devido a sinais referíveis a cardiopatia progressiva, ICC ou arritmia cardíaca, incluindo os seguintes (BONAGURA; LEHMKUHL, 2003): Intolerância a exercícios, letargia, anorexia e cansaço; Problemas respiratórios (tais como taquipnéia, dispnéia, ortopnéia ou tosse); Edema pulmonar fulminante, causando hemoptise (comum em dobermans); 8 A perda de peso é freqüentemente drástica e pode ocorrer rapidamente (duas a quatro semanas). Esse sinal pode representar caquexia cardíaca; Distensão abdominal (decorrente de ascite); Fraqueza ou síncope súbita (decorrente de arritmias). Em alguns casos, podem predominar sinais do lado direito, com evidência de distensão jugular, hepatoesplenomegalia e ascite. As bulhas cardíacas podem ficar abafadas devido à presença de fluido pleural. Pode haver sopro sistólico associado com regurgitação atrioventricular e/ou ritmo de galope decorrente de uma acentuação da terceira bulha cardíaca (B3) (DUNN et al, 2001). 9 2.3 DIAGNÓSTICO Um diagnóstico presuntivo de CMD não é difícil de fazer, pois a maior parte das raças gigantes com ICC apresenta CMD. Muitos cães com CMD são relativamente jovens. O diagnóstico definitivo de CMD deve ser feito por meio de uma ecocardiografia. A fração de encurtamento de VE baixa e ausência de outras lesões cardíacas estruturais são características (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). Para o diagnóstico de CMD poderão ser usados a radiografia, a ecocardiografia, a eletrocardiografia, exames laboratoriais e em fase de testes, os marcadores cardíacos. 2.3.1 RADIOGRAFIA TORÁCICA O aspecto radiográfico do coração frequentemente deixa de refletir a gravidade do problema miocárdico subjacente. Em cães de raça Boxer, geralmente estão presentes dilatações do coração esquerdo (átrio, ventrículo), mas estas alterações podem passar desapercebidas, a menos que estejam acompanhadas por dilatações das veias pulmonares ou de edema pulmonar (SISSON ; THOMAS, 1997). Cheuiche (2000), relata que a traquéia pode estar deslocada dorsalmente e com diâmetro irregular ocorrendo um estreitamento da luz a partir da região cervical até a porção torácica. A CMD avançada se caracteriza por uma cardiomegalia generalizada e sinais radiográficos de ICC (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). Nestas raças, frequentemente há evidência de insuficiência do coração direito ou de insuficiência biventricular, ocorrendo dilatação da veia cava caudal, hepatomegalia, ascite ou grande derrame pleural (SISSON ; THOMAS, 1997). A dilatação de VE e AE fica mais evidente em alguns cães (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). Em algumas raças as radiografias parecem notavelmente normais ou exibem somente sinais de leve aumento de tamanhos atrial e ventricular esquerdo (DUNN et al, 2001). Pode haver evidências de congestão venosa pulmonar junto com um padrão pulmonar intersticial ou intersticial/alveolar misto típico de edema pulmonar que envolva as regiões peri-hilar e dorsocaudal pulmonares (DUNN et al, 2001). O edema pulmonar pode ser severo e difuso e em cães que desenvolvem subitamente fibrilação atrial. Um derrame pleural é comum (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). 10 Segundo Wendt (2007) pode ser feito o monitoramento cardíaco, com relação tanto na resposta clinica à medicações com piora da lesão cardíaca, fundamentalmente pela análise da silhueta cardíaca a partir de radiografias seqüenciais látero-laterais e ventro-dorsais analisadas pelo programa computadorizado AUTOCAD 2002 , nas seguintes etapas: conversão das imagens do formato analógico para o digital com o auxílio de uma câmera digital, registro das imagens radiográficas pelo modelo matemático AFIM GERAL. Este último permite relacionar, parametricamente, coordenadas do espaço-imagem (fotografia digital) e do espaço-objeto (radiografia); realizar processamento digital das imagens, interpretação das imagens, obtenção da informação vetorial, obtenção das áreas e perímetros do coração delineado. O sequenciamento radiográfico e análise pelo programa de computação AUTOCAD 2002 proporciona geração de medidas de área em cm² e perímetro em cm, com o qual por sua vez, pode-se fazer correlação entre estas medidas e após análise estatística e geração de gráficos, sendo que a interpolação destes resultados por intermédio desta análise, fornecem um padrão com a utilização de radiografias, sendo esta abordagem original. 2.3.2 ECOCARDIOGRAMA A ecocardiografia constitui o padrão clínico atual para diagnóstico de CMD (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). Em cães com CMD a ecocardiografia é utilizada na documentação e quantificação da disfunção do miocárdio e na exclusão de outras causas da cardiopatia, como a moléstia valvular ou pericárdica adquirida. A dilatação cameral é facilmente reconhecida e quantificada por mensurações de modo-M ou bidimensional. As dimensões do eixo curto do ventrículo esquerdo (ao final da sístole e ao final da diástole) indexadas para o peso corporal são geralmente muito maiores em cães com CMD do que em cães normais. As paredes do ventrículo esquerdo têm em geral espessura normal ou estão ligeiramente mais delgadas que o normal durante a diástole, mas ocorre diminuição significativa da movimentação para o interior e do espessamento durante a sístole. É observada hipocinesia do ventrículo esquerdo generalizada e simétrica na maioria dos cães com CMD, mas cães com concomitante regurgitação mitral moderada podem exibir contração assimétrica do ventrículo esquerdo, havendo maior movimentação septal do que da parede posterior do VE. 11 Frequentemente estão diminuídas as excursões dos folhetos da válvula mitral e a oclusão desta válvula pode estar retardada. Um aumento na relação átrio esquerdo/aorta resulta principalmente na dilatação do átrio esquerdo em menor grau da redução do diâmetro da aorta em decorrência do volume de batimento reduzido. As dimensões podem estar normais em cães com envolvimento predominante do coração esquerdo especialmente boxers. (SISSON ; THOMAS, 1997). Alterações nos índices da fase de ejeção são frequentemente utilizados na tentativa de demonstrar a eficácia da terapia medicamentosa em grupos de cães ou seres humanos com CMD. Entretanto, é importante compreender as limitações da ecocardiografia e a baixa confiabilidade das alterações observadas dos índices da fase de ejeção para a determinação do prognóstico ou da resposta ao tratamento em um paciente específico. Devido a estas limitações, as decisões terapêuticas raramente se baseiam apenas nas mensurações ecocardiográficas. Ausência de alteração ou alterações ecocardiográficas após o tratamento não significa que não houve resposta terapêutica benéfica; por outro lado, uma melhora nas medidas ecocardiográficas são o pequeno consolo para o paciente que está morrendo de congestão pulmonar ou de insuficiência cardíaca de baixo débito. Os achados ecocardiográficos parecem ser mais úteis para as finalidades prognósticas, pois foi demonstrado que a sobrevivência do paciente correlaciona-se com os índices da fase de ejeção em seres humanos e em cães com CMD. Os intervalos de tempo sistólicos (ITSs), que são o tempo de ejeção do ventrículo esquerdo (TEjVE) e o período pré-ejeção (PPE), também podem ser obtidos não invasivamente por meio da ecocardiografia. Embora raramente utilizados na prática clínica, os ITSs tem sido efetivamente empregados na detecção da disfunção do ventrículo esquerdo em cães e gatos com CMD e na avaliação da resposta à terapia (SISSON & THOMAS, 1997). Segundo DUNN et al (2001), as características ecocardiográficas da CMD incluem: Aumento da dimensão interna ventricular esquerda (DIVE) durante a sístole e a diástole; Redução do encurtamento fracionado (EF) do ventrículo esquerdo durante uma sístole, indicando diminuição na contratilidade miocárdica; Aumento da separação septal do ponto E (SSPE) da válvula mitral; 12 Diminuição da espessura do septo interventricular durante a sístole e a diástole. Evidências de fluido pericárdico indicativas de insuficiência do lado direito (o volume de fluido costuma ser mínimo). O acompanhamento periódico dos índices ecocardiográficos obtidos pelo modoM, especialmente as frações de encurtamento e de ejeção do ventrículo esquerdo, pode ser utilizado no monitoramento e prevenção da cardiotoxidade pela doxorrubicina (CAMACHO ; SILVA, et al., 2005). Segundo estes mesmos autores, verificou-se aumento no diâmetro e volume do ventrículo esquerdo, inicialmente em sístole e, posteriormente, em diástole, hipocinesia do septo interventricular e da parede livre do ventrículo esquerdo, reduções de aproximadamente 65% nas frações de encurtamento e de ejeção. Segundo Cavalcanti (2007), em um trabalho onde o objetivo foi avaliar os padrões ecodopplercardiográficos da função diastólica em cães clinicamente sadios da raça Boxer, com ênfase na padronização da velocidade de propagação mitral (Vp), concluiu-se que a Vp é um índice relativamente independente, reproduzível e importante na avaliação diastólica. Até a década dos anos 90, o principal enfoque do exame ecocardiográfico era a função sistólica. Devido à necessidade de avaliação mais profunda, tem-se percebido que a disfunção diastólica geralmente precede a sistólica, influenciando significantemente na sintomatologia clínica e no prognóstico das cardiopatias. 2.3.3 ELETROCARDIOGRAMA Muitos cães com CMD têm eletrocardiografia anormal, embora as alterações possam ser sutis. Complexos QRS de elevada amplitude ou “alargados”, indicando crescimento do ventrículo esquerdo e ondas P alargadas, indicando o crescimento do átrio esquerdo são ligeiramente observados em cães com insuficiência cardíaca evidente. De maior importância clínica é a elevada prevalência de distúrbios do ritmo cardíaco em cães com CMD. A fibrilação atrial é distúrbio do ritmo comum, presente, segundo foi relatado em trabalho de 1999, em até 31% de cães da raça Boxer com CMD. Outros distúrbios do ritmo comuns são os complexos ventriculares prematuros 13 (CVPs) e a taquicardia ventricular. Os distúrbios do ritmo ventricular são particularmente importantes em cães boxers e doberman pinschers, pois ambos sofrem elevada incidência de morte súbita associada ao desenvolvimento da CMD. A prevalência da taquicardia ventricular e das CVPs em cães boxers é similar ou superior à verificada em doberman. Embora ocorram outras arritmias e distúrbios da condução em cães com CMD, tais complicações são raras (SISSON ; THOMAS, 1997). Os achados eletrocardiográficos são variáveis (DUNN et al 2001). O eletrocardiograma (ECG) fica anormal na maior parte dos cães com CMD. Poderá ocorrer uma taquicardia devida à taquicardia sinusal ou atrial, fibrilação atrial ou taquicardia ventricular (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). A arritmia mais comum associada com a CMD é a fibrilação atrial, que se caracteriza por taquicardia irregular com intervalos R-R variáveis e ausência de ondas P, segundo o descrito por Tilley ritmo rápido e totalmente irregular, ausência de ondas P, as quais são substituídas por oscilações chamadas ondas “F”, complexos QRS geralmente normais ou eventualmente largos com padrão de bloqueio de ramo. Podem-se observar complexos prematuros atriais ou ventriculares isolados. Estes complexos podem constituir o primeiro sinal de CMD detectável em alguns cães assintomáticos. Uma taquicardia ventricular é bastante comum em dobermans e boxers com miocardiopatias (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). Encontram-se frequentemente alterações compatíveis com aumentos de tamanho atrial e ventricular esquerdo (onda P largas e algumas vezes chanfradas, complexos QRS largos, onda R altas e um segmento ST indistinto) (DUNN et al, 2001). As ondas P ficam frequentemente prolongadas (>0,04s), indicando dilatação atrial. Um prolongamento QRS (>0,06s) ou um aumento das voltagens de QRS sugerem dilatação de VE (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). O melhor método pelo qual se avalia a severidade e a terapia de arritmias ventriculares em uma CMD é a monitoração ambulatória (de Holter). A fibrilação atrial constitui a arritmia mais comum associada com ICC nas raças gigantes. Pode ocorrer um bloqueio de ramo esquerdo (mais comum) ou direito. Pode-se deprimir o segmento S-T secundariamente a uma isquemia miocárdica. Voltagens de QRS baixas sugerem derrame pleural, hipotireoidismo intercorrente ou variação racial (por exemplo, muitos boxers apresentam complexos QRS pequenos) (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). 14 2.3.4 MARCADORES CARDIACOS A identificação de animais com doença cardíaca assintomática por testes bioquímicos permite diagnosticar cardiopatas com maior acurácia e em menor tempo. Desse modo, é possível estabelecer um prognóstico e realizar a terapia precocemente (SISSON ; THOMAS, 2002). A utilização dos marcadores cardíacos auxilia o clínico veterinário no diagnóstico de diversas cardiopatias, mas, para uma interpretação adequada dos resultados, são necessários exame físico detalhado e exames complementares, como o eletrocardiograma, a ecocardiografia, radiografia torácica e a mensuração da pressão arterial Os biomarcadores são indicadores de processos biológicos normais, processos patogênicos ou de intervenção farmacológica que fornecem informação considerando a exposição da doença, a extensão da lesão e o prognóstico (OYAMA ; SISSON, 2004). O marcador cardíaco ideal precisa atender a vários critérios, tais como: 1) alta sensibilidade, sendo detectado precocemente mesmo em baixa quantidade em injúria miocárdica leve; 2) alta especificidade, não sendo detectável em outros órgãos ou tecidos; 3) ser facilmente quantificado e a baixo custo; 4) apresentar boa janela diagnóstica, ou seja, aumentar mais precocemente, e o retorno aos níveis basais ser mais demorado (SHINDE et al., 2004; LADENSON, 2007). Atualmente, nenhum dos marcadores cardíacos disponíveis apresenta todos os critérios. Por isso, pesquisas devem ser realizadas em busca do preenchimento dessa lacuna. O diagnóstico de injúria cardíaca em humanos a partir de biomarcadores iniciou-se por volta do ano de 1950. Atualmente, a literatura relacionada à área de marcadores cardíacos é bastante extensa, dificultando uma revisão completa sobre o assunto (LADENSON, 2007). Na medicina veterinária, muitos estudos clínicos sobre validação de testes ainda estão em andamento, e há evidências que sugerem que os benefícios potenciais destes são similares aos dos humanos (SOLTER, 2007). Na medicina, os marcadores cardíacos incluem quatro tipos relacionados às seguintes condições clínicas: 1) lesão ou necrose miocárdica (troponinas cardíacas), 2) função miocárdica (peptídeos natriuréticos), 3) homeostase de lipoproteínas séricas (HDL, LDL), e 4) inflamação do sistema cardiovascular (proteína C reativa). Entretanto, em medicina veterinária, os dois últimos tipos de marcadores não são específicos para doença miocárdica (SOLTER, 2007). 15 2.4. TRATAMENTO Atualmente não há cura para a CMD em cães e nem foi relatada a recuperação espontânea deste distúrbio. A morte resulta mais comumente de insuficiência cardíaca progressiva ou de arritmia maligna. Neste contexto, os objetivos principais da terapia em cães com CMD consistem no alívio dos sinais clínicos da insuficiência cardíaca (melhora da qualidade de vida) e no prolongamento da sobrevida (SISSON ; THOMA, 1997). Os princípios de terapias gerais incluem administrações de drogas inotrópicas positivas, diuréticos e inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA)/vasodilatadores. É muito importante o controle das arritmias cardíacas. Restrição de exercícios e diminuição da quantidade de sódio ingerido, também são apropriadas (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). Estratégias terapêuticas continuam em desenvolvimento na esperança de que estas metas sejam atingidas. Damos preferência à abordagem de forma farmacológica balanceada no tratamento de cães com CMD. O tratamento para insuficiência cardíaca deve ser planejado para cada paciente, porque não existe um único medicamento, ou combinação de medicamentos, que seja efetivo em todos os cães com CMD (SISSON ; THOMAS, 1997). A digoxina está indicada em cães com CMD e com sinais de insuficiência cardíaca. Embora seus efeitos sejam variáveis e de difícil quantificação, foi demonstrado que a digoxina exerce efeito inotrópico positivo em alguns cães com CMD. Digoxina é também moderadamente efetiva para redução da frequência ventricular em cães com fibrilação atrial (SISSON ; THOMAS, 1997). A digoxina aumenta a contratilidade miocárdica e melhora a atividade dos barorreceptores para retardar a frequência cardíaca (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). Em cães que se encontram em fibrilação atrial, pode-se observar uma resposta clínica mais significativa, mas esta não se deve à melhora na contratilidade miocárdica, mas ao efeito cronotrópico negativo dos glicosídios cardíacos. Isso resulta em redução na velocidade de resposta ventricular que, por sua vez, leva à melhora do preenchimento diastólico e aumento no rendimento cardíaco (DUNN et al, 2001). Digoxina reduz a ativação do sistema nervoso simpático e o sistema renina-angiotensina-aldosterona. Em diversos experimentos clínicos de grande porte em seres humanos a terapia com digoxina reduziu os sintomas, 16 melhorou a capacidade de exercícios e diminuiu o risco de deterioração clínica da insuficiência cardíaca (SISSON ; THOMAS, 1997). Inicialmente, poderá utilizar-se uma dose de digoxina de 0,005 a 0,007 mg/kg, VO, a cada 12 horas (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). Pode-se utilizar uma dose com o dobro da dose de manutenção diária nas primeiras 24 horas. A terapia com digoxina, sozinha ou em combinação com um β-bloqueador ou um bloqueador de canal de cálcio, não leva tipicamente a uma conversão para ritmo sinusal normal. No entanto, a terapia de combinação retarda mais efetivamente a resposta da frequência ventricular (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). Os cães grandes podem desenvolver sinais de intoxicação com digitálicos em doses relativamente baixas e, em consequência, torna-se importante calcular a dose de digoxina com base na área de superfície corporal. Deve-se antes avaliar a função renal; a digoxina deve ser excretada intacta pelos rins e a função renal comprometida pode resultar em intoxicação por digitálicos. Prefere-se o uso de digitálicos por via oral lenta ao uso intravenoso rápido. Encontrando-se complexos prematuros ventriculares múltiplos no eletrocardiograma, fica contra indicado o uso de digoxina, pois mesmo níveis terapêuticos de digoxina podem agravar arritmias ventriculares durante a primeira semana de terapia (CALVERT apud DUNN, et al. 2001). Como ela se liga aos músculos esqueléticos, pacientes com redução de massa muscular devem recebê-la em dose menor. A dose é diminuída em 10 % em cães com ascite leve, 20 % na ascite moderada e 30 % na ascite grave. A dose deve ser diminuída também em cães com hipo e hipertireoidismo. Outros fatores que requerem diminuição da dose de digoxina são: presença de hipoglicemia, hipomagnesemia, e administração concomitante de quinidina ou verapamil. Drogas que induzem enzimas microssomais hepáticas podem acelerar o metabolismo da digoxina (MORAIS ; PEREIRA, 2002). Duas outras classes de medicamentos inotrópicos positivos, os agonistas betaadrenérgicos e os inibidores da fosfodiesterase foram utilizados efetivamente no tratamento de cães com CMD. Entretanto nenhum destes medicamentos está especificamente aprovado para uso em cães. Ambos os grupos de medicamentos melhoram a contratilidade do miocárdio ao aumentar a concentração do AMP cíclico intracelular. Os medicamentos beta-adrenérgicos devem ser administrados intravenosamente e seu uso está limitado ao tratamento a curto prazo da insuficiência cardíaca congestiva refratária e grave. Nesta circunstância dobutamina na dose de 2 a 10µg/kg/min, poderá salvar a vida do paciente particularmente quando utilizada em combinação com vasodilatadores. Frequentemente doses mais elevadas resultam em 17 frequências cardíacas inaceitavelmente elevadas ou em arritmias ventriculares. No tratamento com dobutamina geralmente está limitado a poucos dias devido aos custos do tratamento e ao rápido desenvolvimento de tolerância induzida pela subregulação dos receptores beta-adrenérgicos cardíacos (SISSON ; THOMAS, 1997). Experimentos clínicos controlados demonstraram que cães com CMD tratados com diuréticos e digoxina foram beneficiados pelo uso adicional de enalapril, um inibidor da ECA. Conforme foi publicado pelo experimento “Invasive Multicenter Prospective Veterinary Enalapril” (IMPROVE), os efeitos hemodinâmicos do enalapril na dose 0,5mg/kg a cada 12h, em cães com insuficiência cardíaca provocada por CMD ou regurgitação mitral crônica, são pequenas diminuições na frequência cardíaca e na pressão em cunha dos capilares pulmonares. O grupo de estudo “Cooperative Veterinary Enalapril” (COVE) comunicou que o enalapril utilizado em combinação com medicamentos convencionais (digoxina e furosemida) reduziu significativamente os sinais clínicos da insuficiência cardíaca e melhorou a tolerância ao exercício em cães com insuficiência cardíaca congestiva decorrente da CMD ou da regurgitação mitral. Em cães, estes benefícios parecem ser contínuos, com terapia crônica. Os inibidores da ECA são os vasodilatadores mais usados porque apresentam menos efeitos colaterais e prolongam o tempo de sobrevivência do paciente. Bloqueiam a enzima que converte a angiotensina I em angiotensina II e que também participa na degradação da bradicinina. O resultado final é a diminuição da concentração de angiotensina II, um peptídio vasoconstritor, e aumento na concentração de bradicinina, um peptídio vasodilatador. A angiotensina II também causa retenção de sódio e água por promover sede, aumentar a liberação de aldosterona e ADH e é um dos principais responsáveis pela progressão da insuficiência cardíaca ao induzir hipertrofia cardíaca e apoptose celular. A administração de inibidores de ECA aumenta a sobrevivência de cães com insuficiência cardíaca congestiva. Em doses equivalentes, os inibidores de ECA possuem ações similares, embora o captopril cause mais anorexia que as demais drogas deste grupo. Os principais efeitos adversos deste grupo de drogas são a hipotensão, hipercaliemia e insuficiência renal. Como os efeitos hemodinâmicos são graduais e não tão pronunciados quanto com o uso de vasodilatadores arteriais, esses efeitos adversos não são comuns (MORAIS ; PEREIRA, 2002). O uso de vasodilatadores arteriais de ação direta, como a hidralazina, em cães com CMD está limitado por sua capacidade de diminuir as pressões de preenchimento ventricular e (no caso de administração crônica) por sua tendência para a ativação dos 18 reflexos neuro-hormonais. Ao ativar o sistema nervoso simpático e ao estimular a liberação de renina estes agentes provocam retenção de água e sódio e, frequentemente, taquicardia reflexa. Além disto, é mais provável a ocorrência de hipotensão se a insuficiência do miocárdio é grave e se o coração não pode aumentar seu débito de pulsação em resposta à vasodilatação arterial. Contudo, uma terapia combinada com hidralazina e um nitrato é alternativa aceitável para pacientes que não toleram os inibidores da ECA. Hidralazina também pode ser terapia adjuvante útil para cães com sinais persistentes de insuficiência respiratória em seguida ao tratamento com digoxina, furosemida e inibidores da ECA. Outros medicamentos vasodilatadores que não disparam respostas neuro-hormonais adversas, como o flosequinano, foram desenvolvidos para uso em seres humanos, mas não foram ainda avaliados em cães (SISSON ; THOMAS, 1997). A terapia com vasodilatadores inicial contra o edema pulmonar pode incluir pomada de nitroglicerina (que poderá ser interrompida em 24 – 48 horas). Poderá começar-se com um inibidor de ECA (enalapril, benazepril, ou lisinopril), a 0,5 mg, diariamente, VO. Aumentar a dosagem em 1 ou 2 semanas para 0,5 mg/kg, a cada 12 horas. Se um cão com CMD apresentar também regurgitação valvular mitral severa, uma combinação de hidralazina (a 0,5-1mg/kg, VO, cada 12 horas) poderá ser mais efetiva (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). Os inibidores da enzima conversora de angiotensina tais como captopril, enalapril e benazepril, têm demonstrado melhorar significativamente a intolerância a exercícios e os tempos de sobrevivência a curto prazo em cães com cardiomiopatia dilatada (COVE Study Group apud DUNN, et al, 2001). A redução na capacidade de ejeção provoca aumento no débito cardíaco, redução na pressão diastólica final ventricular esquerda aumento na perfusão miocárdica e diminuição na demanda miocárdica de oxigênio. O enalapril tem demonstrado reduzir significativamente a frequência cardíaca, a pressão sanguínea e a pressão em cunha capilar média (PCCM). Nos cães com CMD, a redução na PCCM é refletida clinicamente pela diminuição na formação de edema (IMPROVE Study Group apud DUNN, et al, 2001). Os medicamentos bloqueadores dos canais de cálcio e dos receptores betaadrenérgicos são utilizados em cães com CMD e fibrilação atrial, quando a digoxina não conseguiu controlar adequadamente a frequência cardíaca. Ambos os medicamentos reduzem efetivamente a frequência cardíaca nesta circunstância e não existe evidência objetiva de que um medicamento seja superior ao outro. Antagonistas do cálcio e medicamentos bloqueadores dos receptores beta-adrenérgicos também foram propostos 19 para o tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca em ritmo sinusal. Evidências continuam a acumular-se de que os medicamentos bloqueadores dos receptores betaadrenérgicos melhoram a capacidade de exercício e prolongam a vida de pacientes com insuficiência cardíaca menos grave. Carvedilol é medicamento com efeitos bloqueadores combinados para os receptores alfa e beta-adrenérgicos que pode ser útil no tratamento crônico da insuficiência cardíaca congestiva. Quase todos os medicamentos bloqueadores dos canais de cálcio não geram benefícios sintomáticos a longo prazo e nem melhoram a capacidade de exercício (SISSON ; THOMAS, 1997). A furosemida parenteral ou oral é utilizada objetivando a redução do volume plasmático e controle dos sinais congestivos (edema pulmonar, derrame pleural, ascite) em cães com CMD. A furosemida é o diurético de escolha em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva. Quando administrada intravenosamente no cão, inicia sua ação em 5 minutos, com pico em 30 minutos. A meia vida é de 15 minutos, e a duração do efeito é de 2 horas. É rapidamente absorvida por via oral, iniciando sua ação em 60 minutos, com pico em 1 a 2 horas. A duração do efeito é de aproximadamente 6 horas (MORAIS ; PEREIRA, 2002). A furosemida deverá ser administrada parenteralmente (2 a 4 mg/kg, a cada 8 horas), para mobilizar o edema e a ascite. Depois, inicie uma troca para dosagem oral, titulada até a resposta do paciente (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). Comumente há necessidade do tratamento oral na dose de 1,0 a 2,0 mg/kg a cada 8-12h, para controle prevenção de sinais congestivos nas maiorias dos cães com insuficiência cardíaca crônica. Furosemida é um medicamento seguro e efetivo para tratamento da insuficiência cardíaca, mas o uso agressivo para este tratamento pode trazer efeitos adversos. Os efeitos colaterais mais comuns são: excessiva redução da pré-carga, desidratação, redução do débito cardíaco e azotemia. Distúrbios dos eletrólitos (especialmente hipocalemia), embora não sejam comuns poderão também ocorrer. Muitos destes problemas podem ser minimizados mediante o uso de dose baixa de furosemida em combinação com a restrição dietética de sódio e inibidores da ECA. Em contraste, alguns com CMD apresentam-se com ascite ou derrame pleural refratário a doses elevadas de furosemida oral na ordem de 4 a 8 mg/kg a cada 8h. A absorção de furosemida pode estar reduzida em cães com insuficiência do coração direito. Nesta circunstância a furosemida deve ser administrada por via parenteral ou substituída por diurético de alça de melhor absorção como a bumetanida. Alternativamente, o edema que se mostra refratário apenas a furosemida pode ser efetivamente tratado pela adição 20 de diurético tiazídico, um venodilatador, ou um inibidor de ECA (SISSON ; THOMAS, 1997). Na Medicina Humana, o transplante cardíaco tem sido o principal tratamento cirúrgico proposto a pacientes portadores de insuficiência cardíaca irreversível acompanhada de grave repercussão funcional e hemodinâmica, mudando o prognóstico dessa grave enfermidade. No entanto, o procedimento está relacionado a várias limitações, como o número escasso de doadores de órgãos, contra-indicações médicas ou psicossociais e os efeitos adversos da terapêutica imunossupressora (PONTES et al., 2001; CERECEDA et al., 2001; DOENST et al, 2001). Em Medicina Veterinária o interesse sobre as possíveis correções cirúrgicas que poderiam ser feitas em afecções cardíacas, cresceu a partir da década de 80, pelo fato de os métodos de diagnóstico terem evoluído satisfatoriamente (STOPIGLIA et al., 2001). Outra proposta de tratamento cirúrgico para a insuficiência cardíaca terminal em humanos, foi descrita por Batista et al, 1996, como sendo a ventriculectomia parcial esquerda. Neste procedimento a ressecção de um segmento em elipse na parede ventricular esquerda, determina diminuição do raio deste ventrículo, produzindo adequação na relação volume/massa e dessa forma, interferindo no trabalho cardíaco, por diminuir a tensão parietal e reduzir o consumo de oxigênio do miocárdio. Martins et al, (2009) propôs um protocolo cirúrgico de ventriculectomia parcial, nos ventrículos direito e esquerdo de cães normais e, avaliar a factibilidade deste procedimento, sem circulação extracorpórea, utilizando para tanto a oclusão do influxo venoso cardíaco. Para oclusão do influxo venoso cardíaco foram dissecadas as veias cavas cranial, caudal e veia ázigos, que foram reparadas com fitas umbilicais passadas com auxílio de um gancho metálico, através de um segmento tubular plástico previamente cortado em tamanho apropriado, confeccionando assim, um torniquete de Rommel. O local de ressecção do ventrículo esquerdo foi eleito por visualização direta, na sua parede livre, menos vascularizada, entre os ramos coronarianos principais. Neste local passou-se um ponto de reparo no miocárdio com fio de polipropilenoa n° 0 agulhado, antes da ventriculectomia parcial, a partir do qual, foi posteriormente suturado o miocárdio. Antes do fechamento dos torniquetes, fez-se um período de cinco minutos de ventilação pulmonar (pré-oxigenação), então os torniquetes foram fechados e passou-se a contagem regressiva de quatro minutos durante os quais o retorno venoso do sangue ao coração foi ocluído (inflow occlusion). Fez-se a ressecção de um segmento elíptico do miocárdio de aproximadamente 1 cm de largura por 4,5cm de comprimento na área 21 ventricular, preservando-se a valva atrioventricular esquerda, até próximo do ápice cardíaco. Imediatamente após, a parede do ventrículo foi suturada em um padrão de sutura contínuo simples, com o fio de reparo que havia sido deixado previamente e o ar intraventricular removido antes do fechamento do nó final. Para remoção do ar da câmara ventricular, foram liberados os torniquetes, inicialmente na veia cava cranial, e subseqüentemente nas veias cava caudal e ázigos. Após conferir a hemostasia, o coração foi realocado no saco pericárdico, o qual foi parcialmente suturado e, no seu interior foi injetado 1 ml de heparina diluída (1%) em solução fisiológica com a finalidade de prevenir aderências. A síntese da parede torácica foi feita por planos como de rotina. A pressão negativa intratorácica foi restabelecida com seringa e torneira de três vias adaptadas a um dreno torácico. Os cães foram avaliados no período pré e pós-operatório por eletrocardiograma e radiografia simples de tórax. O eletrocardiograma foi repetido no trans-operatório, 24 horas após a cirurgia, 7, 14, 21, 30 e 60 dias após a cirurgia e a radiografia aos 30 e 60 dias de pós-operatório. O fragmento retirado do ventrículo foi enviado para análise histopatológica e posteriormente foram retirados fragmentos aos 30 e 60 dias de pós-operatório, através de biopsia cardíaca vídeo-assistida (MARTINS et al., 2009). Os resultados de eletrocardiográficos dos animais submetidos à ventriculectomia neste experimento, constatou-se que as alterações foram de forma geral transitórias conforme também relatou TILLEY (1983): taquicardia ventricular; complexo ventricular prematuro, segmento S-T infradesnivelado; extrasístoles atriais e um animal apresentou apenas arritmia sinusal nas 24 horas de pós-operatório, com resolução espontânea. Não foi observado desvio de eixo elétrico do QRS, a onda T apresentou-se ora positiva, ora negativa e a onda R apresentou aumento de amplitude em um animal, porém não superior aos limites fisiológicos máximos. Todas estas alterações ocorreram como resultado da isquemia miocárdica ou infartos provocados pela intervenção cirúrgica, áreas de isquemia provocadas pelo rompimento de vasos durante a ressecção dos fragmentos, mas que ao longo dos dias foram sendo substituídos por uma circulação colateral. Observou-se nas radiografias que seis (75%), dos oito pacientes operados, apresentaram redução da silhueta cardíaca, tanto na altura quanto na largura, aos trinta e sessenta dias de pós-operatório, quando comparada aos exames radiográficos do pré-operatório o que estava dentro do esperado. Com base nos resultados obtidos e confrontados com a literatura vigente pode-se concluir que: a ventriculectomia parcial é um protocolo cirúrgico viável nos ventrículos direito e esquerdo de cães e recomenda-se avaliá-lo como forma de tratamento da cardiomiopatia 22 dilatada canina; a cirurgia cardíaca mediante oclusão do influxo venoso cardíaco é factível, inclusive para procedimentos invasivos como a ventriculectomia parcial, como uma alternativa a circulação extracorpórea, desde que o procedimento não exceda quatro minutos. Orton (1995) propôs um tratamento cirúrgico para as cardiomiopatias terminais dos cães que se constituía nos enxertos musculares esqueléticos pediculados, estimulados em sincronia com o coração, passando dessa forma a auxiliar a contração ventricular, recebendo assim a denominação de cardiomioplastia dinâmica. Andrade (2000) descreveu uma técnica de redução do diâmetro ventricular, em cães normais, por meio da aplicação de uma sutura imbricante na parede livre do ventrículo, que por ser a céu fechado, não necessitava de circulação extracorpórea, tampouco clampeamento dos vasos da base, hipotermia ou cardioplegia. Em 2004, o mesmo autor e colaboradores, estudaram hemodinâmicamente cães submetidos à técnica de plicatura por ele proposta, após a indução de cardiomiopatia dilatada com administração de Doxorrubicina. Seus resultados mostraram melhora no quadro clínico em um período de seis meses de observação após a correção cirúrgica. Quanto ao transplante cardíaco a Medicina Veterinária ainda se apresenta em uma fase que poderia ser reconhecida como inicial de pré-transplantes clínicos, onde o desenvolvimento e aprimoramento de técnicas se tornam imprescindíveis para que a técnica possa ser empregada clinicamente (OLIVEIRA et al., 2006; OLIVEIRA, 2007) e embora já se domine a circulação extracorpórea ela ainda não é utilizada rotineiramente na Medicina Veterinária, devido à alta mortalidade que ocasiona (FREITAS, 2004). 2.4.1 DROGAS PARA RETARDAR A FREQUÊNCIA CARDÍACA Uma terapia de ICC bem sucedida, combinada com digitalização, deve retardar a frequência cardíaca de repouso em um cão com CMD e mecanismo sinusal subjacente. Uma taquicardia sinusal persistente pode indicar hipotensão arterial, dosagens de drogas excessivas (por exemplo, diuréticos, vasodilatadores), ou presença de uma taquicardia atrial ectópica (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). Uma taquicardia associada com fibrilação atrial geralmente não responde a uma terapia com digoxina simples. Neste caso, para reduzir a frequência cardíaca de repouso 23 pode-se acrescentar um bloqueador de canal de cálcio ou um β-bloqueador à terapia após administrar a digoxina por pelo menos 24-36 horas (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). O uso de diltiazem criterioso, começando com 0,5mg/kg, VO, a cada 8 horas, e aumentando a dosagem por 48-72 horas para 1-1,5mg/kg, a cada 8 horas, reduz geralmente a resposta à freqüência ventricular. Alternativamente, poderá ser usado um β-bloqueador, tal como propranolol ou o atenolol, para retardar a resposta à frequência. O diltiazem e os β-bloqueadores são drogas inotrópicas negativas. Estes deverão ser usados com cuidado, somente após a estabilização inicial da ICC. Titule as doses para obter a frequência ventricular de repouso de 120-160 bpm. Ambas as drogas (diltiazem e β-bloqueadores) podem piorar uma ICC. A terapia já mencionada controla meramente a frequência ventricular por meio de uma depressão da condução nodular AV. Geralmente, o diltiazem não converte o ritmo de fibrilação atrial em ritmo sinusal. Uma cardioversão elétrica provavelmente não produz uma conversão permanente em cães com CMD e ICC e não é recomendada (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). 2.4.2 ARRITMIAS INTERCORRENTES O uso de medicamentos antiarrítmicos no tratamento de cães com arritmias ventriculares secundárias a CMD é objeto controverso. Não há evidência de que qualquer medicamento antiarritmico de classe I inclusive a procainamida ou quinidina reduza o risco de morte súbita em cães com insuficiência cardíaca. Em seres humanos, foram relatados efeitos proarrítmicos significativos e maiores percentagens de morte súbita com o uso de alguns medicamentos antiarrítmicos. Ninguém realizou um experimento controlado avaliando a segurança ou eficácia da terapia com medicamento antiarritmico em cães. Segundo estudos preliminares publicados, foram indicados efeitos proarrítmicos de alguns medicamentos antiarrítmicos em cães, mas a prevalência destes efeitos e seu impacto na sobrevida de cães com moléstia cardíaca é desconhecida (HAMLIN apud ETTINGER, 2003). Publicação de dados preliminares sugere que a 24 sobrevida de cães boxer com CMD pode melhorar com o uso da procainamida, geralmente em combinação com o propranolol (HARPSTER apud ETTINGER, 2003). O tratamento de cães com CMD e taquicardia ventricular pode ser tratado com procainamida e devem ter o tratamento monitorado mediante a determinação das concentrações plasmáticas para que fique assegurada a dosagem apropriada. As arritmias refratárias são tratadas pela adição de propranolol ou pela mudança de terapia por outro medicamento como a quinidina, mexiletina ou tocainida (SISSON ; THOMAS, 1997). Quando há taquicardias ventriculares prolongadas ou recorrentes ou CVPs frequentes ou multiformes, poderá ser prescrito procainamida, mexiletina ou sotalol. Uma terapia com drogas antiarrítmicas é monitorada melhor por meio de uma análise de ECG de 24 horas (monitor de Holter), pois as drogas antiarrítmicas podem desenvolver arritmias (levando a fibrilação ventricular), suprindo ritmos de escape durante uma parada cardíaca (pausa ventricular), e deprimir o inotropismo miocárdico. Sinais abruptos de débito baixo e síncope cardíaca em cães com arritmias ventriculares registradas constituem indicações para terapia com antiarrítmicos, contanto que se exclua uma hipotensão induzida por drogas como causa (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). 2.4.3 MEDICAÇÕES INTERCORRENTES L-tiroxina poderá ser administrada em cães com hipotireoidismo medicados com a dose mais baixa possível necessária para evitar sinais de hipotireoidismo. Evitar as doses mais altas usadas comumente contra manifestações dermatológicas para evitar uma sobrecarga do sistema circulatório ou induzir taquicardia ou arritmias atriais. Dosagens de 0,05mg/kg, diariamente, são razoáveis. Quando se inicia uma terapia com hormônios tireoideanos, deve-se aumentar a dose gradualmente a cada 2-3 semanas até que se atinja a dosagem alvo (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). 25 2.4.4 ASPECTOS NUTRICIONAIS A deficiência de L-carnitina do miocárdio tem recebido atenção considerável nos últimos anos, como causa possível de cardiomiopatia em cães. A carnitina desempenha papel essencial no transporte de ácidos graxos livres de cadeia longa pela membrana mitocondrial interna, onde ocorre a beta-oxidação. Teoriza-se que a deficiência de Lcarnitina causa disfunção do miocárdio, como resultado de metabolismo energético alterado e de acúmulo de lipídios intracelulares. Concentrações reduzidas de L-carnitina do miocárdio foram medidas em alguns cães boxer, doberman pinschers e cocker spaniels americanos com CMD. Cães com baixas concentrações de L-carnitina no miocárdio frequentemente apresentam concentrações plasmáticas normais, o que sugere a possibilidade de defeito no transporte de membrana ou extravasamento de L-carnitina dos miócitos. A resposta de cães com CMD a suplementação oral de L-carnitina parece melhorar o estado do animal pelas medidas subjetivas, mas a melhora da função cardíaca, segundo a avaliação ecocardiográfica, ocorre apenas numa pequena percentagem dos cães tratados. As arritmias cardíacas pré-existentes não são abolidas, e a morte súbita não é evitada pela suplementação com L-carnitina. As evidências disponíveis sugerem que a deficiência de L-carnitina não é o defeito primário na maioria dos casos de CMD canina, mas que ocorre secundariamente alguma outra anormalidade genética ou adquirida, como por exemplo, um defeito mitocondrial (SISSON ; THOMAS, 1997). Uma administração oral de L-carnitina (50-100mg/kg, TID) pode ser útil em cães com deficiência de L-carnitina; no entanto, não existe nenhum método facilmente disponível para avaliar a carnitina miocárdica e a suplementação de L-carnitina é bastante cara (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). Deve-se sempre usar L-carnitina, porque o isômero D-carnitina inativa as enzimas que contêm carnitina e os mamíferos são incapazes de transformar D-carnitina em Lcarnitina (MORAIS ; PEREIRA, 2002). Recentemente, tem-se demonstrado que alguns cães com CMD apresentam reduzidos níveis plasmáticos de taurina (KRAMER et al. apud DUNN et al, 2001). A seleção da dieta ideal para cada paciente depende do estágio da doença, dos sinais clínicos, dos parâmetros laboratoriais e do apetite do paciente. Para tal existem formulações caseiras ou dietas comerciais disponíveis no mercado (SCHWANTES ; OLIVEIRA, 2006). 26 Se ocorrer caquexia é necessário instituir uma dieta que forneça suporte nutricional e module a produção de citocinas. A caquexia é um processo multifatorial causado por anorexia, aumento de requerimentos energéticos e aumento na produção de citocinas (fator de necrose tumoral – TNF –, interleucina-l). Um dos métodos para reduzir a produção dos efeitos das citocinas é a suplementação com ácidos graxos poliinsaturados ômega-3 (ácidos eleosapentaenóico EPA- e docosahexaenóico – DHA), que também diminuem a susceptibilidade à ocorrência de arritmias cardíacas. A inclusão de óleo de peixe, rico em ômega-3, na dieta pode melhorar a condição corpórea em cães com ICC e, em alguns cães com anorexia induzida pela ICC, pode melhorar o apetite. A dose diária recomendada é de 30 a 40mg/kg para o EPA e de 20 a 25mg/kg para o DHA. Uma alternativa ao óleo de peixe é a administração de EPA e DHA em cápsulas. Também foi comprovado que a administração de vitaminas antioxidantes como vitamina C (ácido ascórbico) e E (alfa-tocoferol) previnem o aparecimento de lesões oxidativas em células miocárdicas, mas estudos adicionais são necessários para definir quando usá-los e qual a dose adequada para cada caso. A dose recomendada para vitamina E é de 200 a 500UI/cão/dia. Esses produtos podem ser obtidos em farmácias da linha humana, e no Brasil estão disponíveis também nutracêuticos da linha veterinária (SCHWANTES ; OLIVEIRA, 2006). Outro aspecto importante do ponto de vista nutricional é a obesidade. Um animal com peso corporal de mais de 20% acima do peso ideal é considerado obeso. Tem-se realizados poucos estudos a respeito dos efeitos da obesidade em cães com enfermidades cardíacas. No entanto, é provável que sejam nocivos, já que a obesidade tem efeitos adversos sobre consumo cardíaco, a função pulmonar, a ativação neurohumoral, a pressão arterial e a freqüência cardíaca em pessoas e em modelos de experimentações animais (FREEMAN, 2000). 27 2.5. PROGNÓSTICO O prognóstico de uma CMD sintomática com ICC, fibrilação atrial ou taquicardia ventricular recorrente é reservado (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). Atualmente, CMD em cães é quase sempre uma afecção fatal (SISSON ; THOMAS, 1997). A presença de derrame pleural ou edema pulmonar parece ser o pior indicador prognóstico independente (DUNN et al, 2001). Quase todos os cães com sinais de insuficiência cardíaca morrem em decorrência da moléstia dentro de seis meses a dois anos (SISSON; THOMAS, 1997). Alguns cães muito enfermos melhoram consideravelmente com tratamento e vivem uma existência confortável durante muitos meses ou anos. Outros cães não sobrevivem às 48 horas iniciais de hospitalização. Cães com evidência ecocardiográfica de redução da contratilidade do miocárdio, mas sem sinais clínicos de insuficiência cardíaca congestiva podem viver por longos períodos (SISSON ; THOMAS, 1997). Os clientes devem ficar cientes da possibilidade de morte súbita nesses cães. Arritmias ventriculares recorrentes aumentam a possibilidade de morte arrítmica súbita, mesmo quando se controla a ICC. Uma insuficiência cardíaca congestiva intratável, não responsiva à terapia mais agressiva, constitui indicação para eutanásia (BONAGURA ; LEHMKUHL, 2003). 28 REFERÊNCIAS ANDRADE, J.N.B.M. Estudo da técnica do imbricamento da parede livre do ventrículo esquerdo em cães (Canis familiaris Linnaeus, 1758). Scientia Agraria, v.1, n.1-2, p.83-95, 2000. 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