CDJA: um novo campo de estágio em Serviço Social no TJDFT

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CDJA: UM NOVO CAMPO DE ESTÁGIO EM SERVIÇO SOCIAL NO TJDFT
Thaís Botelho Corrêa1
O estágio supervisionado é o momento reservado para o aluno de graduação
experimentar e exercitar a prática profissional para a qual está sendo instrumentalizado para
atuar, sob o acompanhamento direto, sistemático, contínuo e permanente de um profissional já
habilitado para aquela ação e inserido em espaço sócio-ocupacional determinado.
Enquanto processo de aprendizagem, o Serviço Social, profissão regulamentada pela
Lei N. 8662, atribui ao Assistente Social a função privativa de treinamento, avaliação e
supervisão direta de estagiários de Serviço Social, Art. 5º- VI, cabendo às unidades de ensino
credenciar e comunicar aos Conselhos Regionais da jurisdição os campos de estágio de seus
alunos e designar os profissionais responsáveis por sua supervisão – Art. 14.
Para vivenciar este momento tão significativo e importante para sua formação, o aluno
conta com dois importantes atores institucionais: o supervisor acadêmico e o supervisor de
campo. Conforme a Resolução do CFESS N. 533, ao primeiro cabe o papel de orientar o
estagiário e avaliar seu aprendizado, primando pela qualificação deste durante o processo de
formação e aprendizagem das dimensões técnico-operativas, teórico-metodológicas e éticopolíticas da profissão. Já ao segundo, atribui-se o papel de inserir, acompanhar, orientar e
avaliar o estudante no campo de estágio em conformidade com o plano de estágio, traçado
com a anuência de todos os participantes do processo, supervisores e estagiários.
Nesse contexto, a partir de 2011, a Comissão Distrital Judiciária de Adoção, unidade
do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios responsável pela adoção internacional
nesta Comarca, passou a ser também uma possibilidade de campo de estágio para o aluno de
graduação em Serviço Social.
Amparada pelo Art. 1512 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, a prática do
Assistente Social está vinculada à equipe interprofissional destinada a assessorar a Justiça da
Infância e da Juventude.
Nesse sentido, a produção de documentos (relatórios sociais, pareceres e outros) para
subsidiar a ação do magistrado recebe destaque nas diversas frentes de atuação do
1
Servidora do TJDFT, graduada em Serviço Social pela Universidade de Brasília. Especialista em Violência
Doméstica contra Crianças e Adolescentes pela Universidade de São Paulo - USP.
2
Compete à equipe interprofissional dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local,
fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver
trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata
subordinação a autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico.
profissional, uma vez que representa a concretização da prática realizada - o produto final,
seja este intermediado por entrevistas, visitas domiciliares, atendimento em grupo, observação
participativa, pesquisa documental e/ou outros instrumentais, os quais, no seu conjunto,
subsidiam o estudo social3.
É por meio do relatório social que o profissional apresenta ao magistrado o contexto
observado, a realidade social que o usuário está inserido, sua rede familiar e de apoio, bem
como indica os serviços disponíveis para o atendimento das demandas apresentadas pelo
núcleo familiar. Sem, contudo, perder de vista que este sujeito singular está imerso em uma
realidade coletiva e que, portanto, também traz consigo marcas ou características históricas do
seu tempo e condicionantes sociais e econômicos.
Conforme Fávero, temos que o relatório social é:
...a exposição escrita que translada o segmento da realidade social com a
interpretação científica do profissional, contemplando as dimensões temporal e
espacial do estudo e globalizando-as, bem como estabelecendo a correlação entre os
dados coligidos e a observação realizada durante o processo dinâmico de sua
operacionalização. No relatório social deveria aparecer a ponderação dos itens
significativos, de maneira que oferecesse o sentido total da situação que se
constituiria na interpretação diagnóstica, bem como uma apreciação final sintética e
valorativa do caso como um todo, que se expressava em função dos objetivos da
intervenção judiciária. (FÁVERO, 2011, p. 26)
De maneira geral, o estagiário vinculado à Comissão tem a oportunidade de intervir na
realidade social a partir das seguintes atividades, dentre outras:
I. Consulta e conhecimento dos processos judiciais em que estão em pauta crianças e
adolescentes com distintas histórias de vida e possibilidades de encaminhamentos para a
efetivação de seus direitos, sendo o direito à convivência familiar apenas um dos vários
que poderão ser defendidos;
II. Visitas às instituições de acolhimento de crianças e adolescentes situadas no Distrito
Federal, previsão do Art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e conhecimento
das diferentes formas de trabalho, estruturas e peculiaridades das referidas instituições;
III. Participação em reuniões internas da equipe, momento em que são discutidos casos e
eleitas as estratégias de enfrentamento das questões sociais apresentadas;
IV. Acompanhamento do processo de articulação com as outras categorias profissionais,
bem como com outros agentes institucionais (Conselho Tutelar, Ministério Público,
Defensoria Pública, Rede de saúde, Aconchego - Grupo de Apoio à Convivência
Familiar e Comunitária, entre outros);
3
Estudo social, definido por Fávero (2011), é um saber a respeito da população usuária dos serviços judiciários
construído por meio de observações, entrevistas, pesquisas documentais e bibliográficas (p. 28). O conteúdo
do estudo social refere-se às expressões da questão social e/ou à expressão concreta de questões de ordem
psicológia, como perda ou o sofrimento (p. 29).
V. Participação no processo de elaboração de documentos diversos, destacando-se os
relatórios sociais e pareceres4;
VI. Estudo e análise da documentação das famílias estrangeiras pretendentes à adoção para a
efetivação da habilitação, em cumprimento ao Art. 52 do ECA;
VII. Acompanhamento e participação na etapa de preparação5 das crianças e adolescentes
disponibilizados para a adoção internacional e;
VIII. Acompanhamento e participação no estágio de convivência6 entre a família estrangeira e
a criança e/ou adolescente.
Assim, o acesso a diferentes formas da expressão das questões sociais e a riqueza de
dados que são suscitados na prática cotidiana da CDJA tornam o campo um importante
subsídio para a formação profissional do estudante vinculado a este espaço sócio-ocupacional.
Ao se integrar à equipe da CDJA, o aluno/estagiário será convidado a conhecer a
temática da adoção por meio de leitura bibliográfica, da legislação e de documentos
produzidos pela comissão, de forma a iniciar, gradativamente, o processo de absorção de um
conhecimento específico necessário para as futuras demandas que se apresentarão. Espera-se,
assim, o despertar da curiosidade e do espírito questionador, características que favorecem o
domínio do conteúdo requerido para a prática e, conforme a desenvoltura e característica
pessoal de cada estagiário, tarefas lhe serão repassadas, buscando exigir, cada vez mais, a
postura profissional para qual está sendo treinado.
Vale destacar que o estágio curricular obrigatório e/ou o não obrigatório não é uma
oportunidade de crescimento e aprendizagem apenas para o aluno. O próprio supervisor de
campo, quando questionado pelo estudante ou mesmo quando colocado em situação que
requeira uma reflexão mais aprofundada para avaliar as opções para sua ação profissional, é
despertado para a necessidade de avaliar também o seu agir. É preciso explicar para o outro as
4
A partir da Resolução CFESS N. 557/2009, a qual dispõe sobre a emissão de pareceres e outros documentos
conjuntos entre o assistente social e outro profissional, esta Comissão passou a adotar a prática de apresentar
relatórios distintos: social e psicológico. Observa-se, contudo, que as intervenções privilegiam a presença e
atuação de ambos os profissionais, de maneira que os saberes se complementam e integram uma abordagem
mais ampla.
5
Art. 28 §5° do ECA: “A colocação da criança ou adolescente em família substituta será precedida de sua
preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe interprofissional a serviço da
Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da
política municipal de garantia do direito à convivência familiar”.
6
O Art. 46 do ECA determina que a adoção seja precedida de estágio de convivência com a criança ou
adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso. E, no caso da
adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do país, esse período será de, no mínimo, trinta dias
e no território nacional.
motivações/razões e o aparato teórico que fez com que se optasse por este caminho e não por
outro. O cotidiano, o fazer tarefeiro poderá ser revisitado e questionado, de maneira que abrir
um campo de estágio também é colocar em evidência o profissional, sua capacidade técnica
operacional, sua conduta ética e política e seu referencial teórico metodológico, ou seja, é
propiciar condições para a sua não alienação.
Fávero (2011), ao discutir as implicações do fazer profissional, pontua a necessidade
de se repensar o agir profissional constantemente, visto que a prática cotidiana é a esfera da
realidade que mais está propensa à alienação:
A alienação favorece a cristalização de modos de pensar e agir e impossibilita
mudanças. Essa cristalização do pensamento é traduzida em preconceitos, que,
mesmo que não se evidenciem claramente para quem os pratica, é sempre guiado
por uma intencionalidade, tem sempre uma referência à consciência... a imersão num
cotidiano tenso, complexo e, via de regra, autoritário, torna permanente o desafio
dos profissionais no que se refere ao exercício da liberdade e da criatividade; torna
permanente o desafio em fazer com que esse campo de poderes do qual faz parte, se
mantenha direcionado para a garantia de direitos humanos e sociais, para a efetiva
proteção às crianças, adolescente e famílias, e não para o disciplinamento e a
regulação social, de cunho coercitivo e moralizador. (p. 31)
Vale destacar, ainda, que o estágio, enquanto meio de formação e ampliação de
conhecimentos acerca da profissão que se deseja seguir, também poderá ser utilizado como
forma de acessar os serviços/conhecimentos daquela categoria profissional, mas sem o ônus
trabalhista. Isto porque se percebe alguns espaços institucionais com clara defasagem entre a
capacidade de resposta ao usuário e a demanda recebida e que, por tal, acabam contratando
estagiários para garantir maior eficiência ao serviço prestado, sem, entretanto, primar pela
qualidade ou real capacidade do estudante em formação de atender, competentemente, as
demandas surgidas.
Ao tratar sobre a competência, Lewgoy (2000) afirma que por competência entende-se
o domínio do profissional acerca dos conteúdos próprios da sua área específica de
conhecimento e sua capacidade de operacionalizar tais conteúdos, sem, contudo, perder de
vista a finalidade da ação e o compromisso profissional – os quais compõem a dimensão
política.
Assim, para inibir uma prática fundamentada em pilares mercantilistas e percebendo
que a legislação também surge enquanto proteção da concepção de que o estágio é um
momento de formação profissional, novamente cito a Resolução do CFESS N. 533 que, em
seu artigo 3º, determina que o supervisor de campo somente possa estar vinculado a um
estudante para cada dez horas de trabalho semanais, fato que impede a submissão de
estudantes a práticas profissionais que não colaborem, efetivamente, para sua formação.
No mesmo sentido, temos o Código de Ética de 1993, que em seu Artigo 4º impõe que
ao assistente social é vedado compactuar com o exercício ilegal da profissão7, inclusive no
caso de estagiários que exerçam atribuições específicas, em substituição aos profissionais ou,
ainda, permitir ou exercer a supervisão de aluno em instituições que não tenham um
profissional da área que realize o acompanhamento direto (alíneas “d” e “e”). Por fim, se
impõe, também, o fato de que o profissional supervisor deverá estar em pleno gozo de seus
direitos profissionais, ou seja, devidamente inscrito no respectivo Conselho Regional de
Serviço Social (Resolução do CFESS N. 533).
Desta forma, apresentadas estas breves reflexões acerca do estágio supervisionado, das
legislações que o ampara e norteia sua execução pela tríade: supervisor acadêmico –
supervisor de campo – aluno/estagiário, a Comissão Distrital Judiciária de Adoção coloca-se
como mais um espaço sócio ocupacional, situado na organização judiciária do Distrito
Federal, pronto para colaborar com o processo de formação de profissionais do Serviço Social
e, assim, contribuir para a efetivação dos princípios elencados pelo Código de Ética da
profissão, dos quais se destaca o compromisso com a prestação de serviços de qualidade e a
defesa intransigente dos direitos humanos.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Lei 8069, de 13 de julho de 1990, atualizada com a Lei 12.010, de 03 de agosto de
2009. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.
BRASIL. Lei N. 8662, de 07 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de Assistente
Social e dá outras providências.
CFESS. Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais. Aprovado em 15 de março de
1993, com as alterações introduzidas pelas resoluções N. 290/94 e 293/94.
CFESS. RESOLUÇÃO Nº 533, de 29 de setembro de 2008. Regulamenta a supervisão
direta de estágio em Serviço Social.
7
A atividade do estagiário sem a supervisão direta do profissional poderá ser considerada exercício ilegal da
profissão, conforme a Resolução 533, Art. 5º.
CFESS. RESOLUÇÃO Nº 557, de 15 de setembro de 2009. Dispõe sobre a emissão de
pareceres, laudos, opiniões técnicas conjuntos entre o assistente social e outros
profissionais.
FÁVERO, Eunice Teresinha. O Estudo Social: Fundamentos e particularidades de sua
construção na Área Judiciária. In CFESS (org.). O estudo social em perícias, laudos e
pareceres técnicos. Contribuição ao debate no Judiciário, Penitenciário e na Previdência
Social. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2011.
LEWGOY, A. M. B. Estágio Supervisionado, Formação e Exercício Profissional em Serviço
Social: Desafios e estratégias para a defesa e consolidação do projeto ético – político. In
Temporalis. Revista da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social.
ABEPSS. Ano 01, N. 01. Janeiro a junho de 2000. Brasília: ABEPSS, 2000.
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