a solidaredade segundo a proposta curricular marista e a

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A SOLIDAREDADE SEGUNDO A PROPOSTA CURRICULAR
MARISTA E A SOLIDARIEDADE DE PAULO FREIRE
Ingrid Roussenq Fortunato Martins1 – UNESC
Janine Moreira2 – UNESC
Grupo de Trabalho – Cultura, Currículo e Saberes
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este trabalho discute em que medida a proposta curricular efetivada no Colégio Marista de
Criciúma possibilita a formação de alunos solidários, à luz da categoria freireana
solidariedade. A investigação deu-se numa abordagem qualitativa, cujos procedimentos
investigativos foram a análise de documentos da referida instituição e a entrevista semiaberta
com professores e gestores, visando compreender qual currículo praticado e as aproximações
e distanciamentos entre os discursos orais e escritos. O trabalho descreve a visão de Paulo
Freire sobre solidariedade e o distanciamento que essa categoria possui do assistencialismo.
Após a análise da categoria solidariedade de Freire ([1987] 1996) ser discutida, foi realizada
uma aproximação ao ideal de aluno proposto por este Colégio, que destaca a formação de
alunos solidários, buscando os pontos de semelhança e de diferença entre o discurso e a
prática, reconhecida pela fala dos professores. É importante salientar também que essa
categoria freireana não é citada nos documentos maristas, mas apresenta-se nos discursos
orais da Instituição. A análise revelou que a proposta curricular possibilita a formação do
ideal de aluno, apresentando, no entanto, não somente similitudes, mas dicotomias entre os
discursos documentais e empíricos. Destacou ainda que a competência solidariedade,
elencada pelo Colégio, distancia-se da categoria de Freire solidariedade. A investigação
proporcionou uma reflexão sobre as possibilidades de a escola optar por este autor como
orientador na formação desse aluno idealizado, precisando, para isso, utilizar o referido autor
nas formações permanentes oferecidas pela escola. Essa reflexão poderia abrir possibilidades
de diálogo, entre alunos, professores e toda a comunidade escolar, pois compreende que a
solidariedade não se faz sem se estar com o outro.
Palavras-chave: Currículo. Solidariedade. Dialogicidade.
1
Pedagoga. Mestre em Educação, pela Universidade do Extremos Sul Catarinense – UNESC. Diretora
Educacional do Colégio Marista de Criciúma. E-mail: [email protected]
2
Psicóloga, Mestre em Sociologia Política, Doutora em Educação. Líder do Grupo de Pesquisa Educação, Saúde
e Meio Ambiente. Docente do Mestrado em Educação e do Curso de Psicologia da Universidade do Extremo Sul
Catarinense – UNESC. E-mail: [email protected]
ISSN 2176-1396
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Introdução
A solidariedade é tema de muitas discussões, sejam acadêmicas ou sociais, mas
quando se cita solidariedade nas diferentes instâncias, elas significam a mesma coisa? Há
similitudes ou divergências?
A demonstração da solidariedade pode ser feita de diversas formas, mas olhar para o
ser humano no sentido de ser mais, como afirma Freire ([1987] 1996, p. 96), é uma dessas
formas. Entretanto o que o autor desejou refletir quando afirmou que nossa humanidade se
constitui no ato de “ser mais”? Pensar sobre essa categoria freireana e aproximá-la de uma
proposta específica de formação de aluno foi o objetivo da pesquisa. Nosso intuito era
entender as aproximações e distanciamentos, buscando compreender o que o autor propunha e
de que forma isso poderia ser analisado dentro de uma escola cujos princípios estão baseados
na dimensão humana e cristã.
Não há, nos documentos da Instituição, uma definição pelo autor e nem por outro
especificamente, mas entendemos que as práticas educativas precisam estar pautadas no
diálogo, oportunizando reflexões sobre aquilo que se é e o que se quer ser. É ir além dos
desejos profissionais e econômicos impostos pela sociedade e buscar um sentido de formação
mais amplo. Para essa análise, é necessário refletir sobre o sentido de formação e libertação
em Paulo Freire, pois para o autor não há como formar o outro, mas ajudá-lo a libertar-se,
pela educação dialógica.
A humanização, no sentido freireano, é o comprometimento que podemos assumir
contra as diferentes formas de não escuta: econômica, política, social e cognitiva. Na escola,
por exemplo, podemos humanizar ou desumanizar, mas a linha que separa as duas formas de
lidar com o outro é muito tênue. Para Freire, temos a vocação para a humanização, já que a
marca da natureza humana é ser mais, por meio da qual os homens estão em constante
procura.
É por estarmos sendo assim que vimos nos vocacionando para a humanização e que
temos na desumanização, fato concreto na história, a distorção da vocação. Jamais,
porém, outra vocação humana. Nem uma nem outra (humanização, ou
desumanização), são destinos certos, dado dado, sina ou fato (FREIRE, 1994b, p.
99).
A própria natureza histórica do homem que o faz querer “ser mais” e a educação
sistematizada podem servir de auxílio nessa humanização. É necessário um posicionamento
da escola diante das possibilidades enfrentadas, pois é uma das instituições mais privilegiadas,
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sendo que promove a convivência, pacífica ou não, de diferentes culturas, cujos saberes são
heterogêneos e ilimitados. As possibilidades de trabalho num contexto assim são infinitas,
visto que a complexidade escolar oportuniza diferentes conflitos que precisam ser resolvidos
enquanto a própria aprendizagem acontece.
As críticas direcionadas à educação escolar não se encontram apenas fora desta
instituição, pois é a escola que, muitas vezes, se pergunta sobre a teorização de suas práticas
educativas. Quando essa instituição investe em cursos e os professores participam
questionando sobre o que anda praticando a escola, contradizem os rumores que dizem
respeito ao desinteresse dos educadores por qualquer processo de mudança.
Os próprios educadores, em seu cotidiano, questionam os objetivos educacionais, seu
alcance e o distanciamento entre teoria e prática. Uma educação bancária (FREIRE [1987],
1996), vista ainda no cotidiano escolar, não se dá por desconhecimento de outras concepções
ou descrédito de uma proposta dialógica. Resta-nos compreender quais fatores levam à
perpetuação dessa prática e se há movimentos de mudança no sentido de problematizar o que
já está posto como verdadeiro.
Nesse sentido, a investigação pautou-se numa abordagem qualitativa, durante seis
meses, cujos procedimentos investigativos foram a análise de documentos, entrevista
semiaberta com 15 educadores, dentre eles professores e gestores, visando compreender qual
currículo praticado e as aproximações e distanciamentos entre os discursos orais e escritos.
Após a análise da categoria solidariedade de Freire ([1987] 1996) ser discutida, foi realizada
uma aproximação ao ideal de aluno proposto por este Colégio, que destaca a formação de
alunos solidários, buscando os pontos de semelhança e de diferença entre o discurso e a
prática, reconhecida pela fala dos professores. É importante salientar também que essa
categoria freireana não é citada nos documentos maristas, mas apresenta-se nos discursos
orais da instituição.
Aproximação: Solidariedade Marista X Solidariedade Freireana
Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é falando aos
outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos os portadores da verdade
a ser transmitida aos demais, que aprendemos a ‘escutar’, mas é ‘escutando’ que
aprendemos a ‘falar com eles’. Somente quem escuta paciente e criticamente o
outro, fala ‘com ele’, mesmo que, em certas condições, precise de falar a ele
(FREIRE [1996] 2001, p. 127-128).
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Para Freire ([1987] 1996), ser solidário não é praticar o assistencialismo, mas exercer
uma atitude radical diante das diferenças sociais no sentido de mover-se para sua
transformação. Nesse sentido, a solidariedade baseada somente na prática assistencialista
transforma a pessoa em objeto passivo, sem possibilidade de participar do processo de sua
própria (re)construção.
Opúnhamos a estas soluções assistencialistas, ao mesmo tempo em que não
aceitávamos as demais, porque guardavam em si um dupla contradição. Em primeiro
lugar, contradiziam a vocação natural da pessoa – a de ser sujeito e não objeto, e o
assistencialismo faz de quem recebe a assistência um objeto passivo, sem
possibilidade de participar do processo de sua própria recuperação. Em segundo
lugar, contradiziam o processo de “democratização fundamental” em que estávamos
situados (FREIRE [1964] 2008, p. 65).
Para o autor, o perigo desse assistencialismo está na violência de seu antidiálogo, que
impõe ao homem mutismo e passividade, não lhe oferecendo oportunidade de possuir
consciência crítica. Ao contrário, a solidariedade implica, todavia, descobrir-se, por vezes,
como opressor:
Descobrir-se na posição de opressor, mesmo que sofra por este fato, não é ainda
solidarizar-se com os oprimidos. Solidarizar-se com estes é algo mais que prestar
assistência à trinta ou a cem, mantendo-os atados, contudo, à mesma posição de
dependência. Solidarizar-se não é ter a consciência de que explora e “racionalizar”
sua culpa paternalisticamente. A solidariedade, exigindo de quem se solidariza que
“assuma” a situação de com quem se solidarizou, é uma atitude radical (FREIRE
[1987] 1996, p. 36).
Para Freire ([1987] 1996), há formas diferentes de solidariedade que são
condicionadas pelo contexto sócio histórico. No caso da estrutura econômica que se formou
sob o domínio do trabalho escravo, as disposições mentais e de relações humanas
desenvolvidas resultaram em formas de solidariedade privadas. As condições culturais não
foram favoráveis para desenvolver uma solidariedade relacionada com uma cultura do
público, política. Ao contrário, a solidariedade foi desenvolvida com submissões e mutismos,
ajustamentos e acomodações hierarquizadas, onde o rico doa algo material ao pobre.
A solidariedade política e social é resultado de uma ação humana na sociedade, uma
ação que pode ser possibilitada por um processo educativo de desenvolvimento de disposições
e exercício prático de participação, de diálogo com responsabilidade. Esse processo educativo
– de cunho libertador – é comprometido com a perene construção de uma sociedade
radicalmente democrática, contribuindo e ampliando a vivência de solidariedade, ao mesmo
tempo em que torna o ambiente propício para o processo educativo democrático e solidário.
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Esse tipo de solidariedade não hierarquiza valores sociais ou políticos, mas promove a doação
recíproca, pois todos têm algo a oferecer.
A verdadeira solidariedade consiste em estar com os oprimidos, lutando na
transformação da realidade objetiva. Ela é identificada no opressor quando seu gesto deixa de
ser individual e passa a ser ato coletivo.
Quando, para ele, os oprimidos deixam de ser uma designação abstrata e passam a
ser os homens concretos, injustiçados e roubados. Roubados na sua palavra, por isso
no seu trabalho comprado, que significa a sua pessoa vendida. Só na plenitude deste
ato de amar, na sua existencialização, na sua práxis, se constitui a solidariedade
verdadeira. Dizer que os homens são pessoas e, como pessoas são livres, e nada
concretamente fazer para que esta afirmação se objetive, é uma farsa (FREIRE
[1987] 1996, p. 36).
Ser solidário, nessa perspectiva, é estar com outros na busca da mudança social. É
perceber-se opressor ou oprimido e, em conjunto, modificar essa realidade, visto que não
pode ser modificada se não reconhecida. O homem se solidariza porque possui uma vocação
para humanização. Assim, quando percebe que seu semelhante está numa condição de
negação ontológica de “ser mais”, necessita fazer algo para modificar essa situação.
O reconhecimento de sua condição necessita estar acompanhado da ação para que se
concretize a realidade imaginária.
Por isso, inserção crítica e ação já são a mesma coisa. Por isto também é que o mero
reconhecimento de uma realidade que não leve a esta inserção crítica (ação já) não
conduz a nenhuma transformação da realidade objetiva, precisamente porque não é
reconhecimento verdadeiro (FREIRE [1987] 1996, p. 38).
A solidariedade pode ser demonstrada por atitudes não pontuais, apenas de ajuda
econômica. Embora essas atitudes também sejam importantes, elas não provocam a
modificação social. Mas ela pode ser demonstrada pela luta na humanização do mundo,
utilizando a esperança como mola propulsora no potencial dos seres humanos em modificar a
si mesmos e a sociedade em que estão.
Em relação a essa solidariedade, segundo Freire, como podemos compreender a
solidariedade presente no ideal de aluno do Colégio Marista de Criciúma? Para tanto, vamos
percorrer os documentos da Escola, os quais foram o PPP, Projeto Curricular em Ação e as
Matrizes Curriculares.
No Projeto Curricular em Ação (2005, p. 6), pode-se perceber a solidariedade no
objetivo geral, que é:
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Formação humana e científica do jovem, com ênfase no aprofundamento, na
ampliação dos estudos e nas competências e virtudes que possibilitem a inserção
ética na sociedade: capacidade de trabalho em equipe, comunicar-se por meio de
múltiplas linguagens, dar sentido ao mundo em transformação, considerando as
condições de posicionamento diante das novas formas de organização de trabalho, o
desenvolvimento de competências cognitivas, sociais, políticas, psicológicas e
culturais, o cultivo do estilo Marista que contempla o zelo pela aprendizagem, a
acolhida solidária, o esforço cooperativo e a simplicidade, para favorecer a
reconstrução sistêmica e crítica do conhecimento e a vivência da justiça e da
solidariedade.
O documento atribui à proposta para o ensino como constituição de uma nova
racionalidade e uma nova dimensão relacional pautada em valores e em princípios éticos, por
meio do exercício da solidariedade, do cuidado com os outros, bem como com o ambiente, e
salienta a necessidade de respeito às diferenças de cada sujeito no alcance da promoção da
espiritualidade Cristã Marista. Propõe-se ainda a desenvolver sujeitos corresponsáveis e
coparticipes dos processos de gestão escolar, que atuem na sociedade contribuindo com o
desenvolvimento dos contextos pessoais e socioculturais nos quais estão inseridos. Este
documento não dá maiores explicações sobre a categoria solidariedade, mas ela é encontrada
no PPP entre os deveres do professor: “[...] desenvolver junto aos alunos uma formação
integral, promovendo a solidariedade, respeitando a orientação católica do Colégio [...]”
(PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2008, p. 91).
O Projeto Político Pedagógico não especifica o que significa ser solidário na visão do
Colégio Marista de Criciúma, apenas coloca-o ao lado dos valores cristãos e católicos, bem
como da questão ética.
A Matriz de Desenvolvimento Acadêmico, Pessoal e Social – DAPS (2008, p. 7)
propõe que o convívio entre as disciplinas contribui para dar significado e sentido aos
processos de formação do aluno Marista, abrindo possibilidades para o aprofundamento e
ampliação de seu ofício, “[...] colaborando, dessa forma, para a formação de um sujeito mais
aberto, flexível, solidário, crítico e que enfrenta os problemas que as demandas atuais
impõem”.
Em relação às disciplinas, na Matriz de Biologia, a solidariedade é explicada como
justificativa para a conquista da melhoria de vida por meio da pesquisa científica. Cita ainda
uma competência elencada no ENEM, que se refere ao reconhecimento dos conhecimentos
desenvolvidos para elaboração de propostas de intervenção solidária na realidade, aliados ao
respeito dos valores humanos, considerando a diversidade de cada cultura. Na perspectiva
deste documento, a formação de um aluno solidário se dá por meio da interpretação dos
fenômenos relacionados à vida, sua diversidade e manifestações nas diferentes leituras
35682
científicas, capacitando esse sujeito na intervenção do processo tecnológico, social e na
preservação do meio ambiente.
A Matriz de Química descreve como intenção dessa disciplina o desenvolvimento de
valores de solidariedade e compromisso social dos educandos, incentivando o posicionamento
de respeito a princípios estéticos, políticos e éticos. A competência do ENEM citada na
Matriz de Biologia é ressaltada nesse documento, bem como na de DAPS, Física, Filosofia,
Geografia, História, Educação Física, Língua Estrangeira e Língua Portuguesa: “[...] Recorrer
aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaboração de propostas de intervenção
solidária na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade
sociocultural [...]”3.
Segundo a matriz que norteia o trabalho de Química, vários dos objetos dessa área são
de fácil contextualização, mas é importante promover o trabalho com temas sociais que
evidenciem e propiciem condições para o desenvolvimento de atitudes de solidariedade e de
tomada de decisões em situações diversas. Para isso, determinam que os temas devem ser
contextualizados e a interdisciplinariedade é considerada como fundamental na estruturação
das dinâmicas e ações didáticas.
De acordo com a Matriz Curricular de Filosofia, o projeto humanitário é assumido
pela instituição e objetiva formar para a autonomia intelectual, social e organizativa,
expressando o comprometimento junto à cultura escolar. A garantia de aprimoramento dos
processos de leitura de mundo e a formulação de propostas de intervenção na sociedade são
metas perseguidas, objetivando a formação de sujeitos solidários e sociáveis que exerçam sua
alteridade sem perder de vista o outro.
Na Matriz Curricular de Educação Física, o eixo Interação Sócio Afetiva propõe-se a
dar oportunidade ao aluno de aprender a ser cidadão do mundo em que vive, considerando o
coletivo sem sobrepujar o individual; descreve que a ganância não deve superar a
solidariedade, nem a indiferença esmagar a compaixão. A disciplina, por meio do documento,
compromete-se em favorecer o desenvolvimento de uma prática regular, contribuindo para
atitudes mais solidárias e posicionamento mais crítico, responsável e construtivo nas
diferentes situações sociais. Cita o diálogo como forma de mediar os conflitos e tomar
decisões coletivas.
A solidariedade proposta nos documentos, bem como sua definição a partir da
pesquisa empírica realizada com os professores e gestores, apresenta uma visão cristã. Os
3
www.inep.gov.br
35683
resultados da empiria seguem esse viés, complementando com a necessidade de ações que
objetivem a transformação social. Para a Entrevistada A:
O aluno solidário é o aluno que vem para a escola, mas pensa na sua vida em
sociedade. Os dias atuais nos apresentam valores distorcidos, apresentando
conflitos sociais e problemas econômicos exatamente porque as pessoas
preocupam-se só consigo mesmas. O solidário utiliza seus conhecimentos para o
bem comum, percebe a ciência como instrumento de transformação social.
Para a Entrevistada B, ser solidário é conseguir ver as necessidades do colega ao lado,
perceber suas dificuldades acadêmicas e auxiliá-lo. É o aluno que, ao ver uma reportagem,
sensibiliza-se com a dor de outros seres humanos e dos animais:
Esse aluno não fica rindo ou fazendo piadinha dos problemas pelos quais passam
outras pessoas, mas consegue refletir sobre as soluções para os problemas
observados. Para nós que trabalhamos com adolescentes é um desafio muito
grande, pois nossa sociedade é bastante individualista e uma formação solidária
não é alcançada sozinha, pois nossos alunos têm outras relações sociais. Ele não
ficará solidário de um dia pro outro. Minha proposta enquanto professora é
auxiliar o aluno a ter condições de trabalhar numa empresa tendo ações solidárias.
Eu que trabalho há anos aqui me sinto gratificada ao perceber que conseguimos
atingir esse ideal com alguns alunos... (ENTREVISTADA B).
De acordo com a Entrevistada C, a solidariedade é manifestada quando os indivíduos
agem em função do outro, de suas necessidades. A Entrevistada D, acrescenta:
A solidariedade não deve ser conquistada apenas nas aulas de Ensino Religioso.
Todas as disciplinas devem desenvolver essa competência. Temos no Colégio a
Pastoral Juvenil Marista que promove reflexões com os jovens sobre sua função
social.
Ser solidário não é só doar algo aos outros, isso todo mundo faz. Procuramos
trabalhar a consciência planetária, a importância de si e do outro e destacamos
para cada segmento conteúdos que sejam adequados para a idade e que garantam,
no final da formação marista, esses alunos solidários.
A Entrevistada F concorda:
O solidário é aquele que consegue elaborar o conhecimento crítico, saindo da
escola com responsabilidade social, sendo protagonista, relacionando-se inter e
intrapessoalmente. Esse indivíduo faz com que seu meio possua um convívio mais
humano.
A Entrevistada E explica que ser solidário é ajudar o outro, seja no âmbito escolar ou
não. Ela destaca que o exercício da solidariedade acontece na escola, quando os alunos se
ajudam mutuamente, auxiliando os colegas em suas atividades. A coragem de posicionar-se
diante do mundo também foi salientada por outro sujeito:
35684
Aquele que expõe e defende sua opinião, toma posição em variados assuntos, é um
aprendiz independente, busca o algo mais, sem esperar pelo professor. Ainda
assim, tem consciência de seu papel em classe bem como na sociedade, auxiliando
os que têm dificuldade e buscando ajuda quando precisa (Entrevistado G).
Um dos entrevistados, que trabalhou numa obra social, destacou a dificuldade que
possuem os alunos dos colégios particulares de colocar-se no lugar dos outros:
Quando eu trabalhava na obra social, eu percebia que os alunos tinham carência
econômica e emocional. No caso dos alunos de nosso Colégio, que possuem uma
vida econômica melhor, percebo a dificuldade que eles têm de colocarem-se no
lugar do outro, fazendo, assim, com que tenham dificuldade de serem solidários.
Nem sempre conseguem ver os problemas sociais, mesmo os que se apresentam bem
próximo deles (Entrevistado L).
O Entrevistado M destaca que a proposta de perfil solidário é característica marista,
pelo fato de ser uma escola de perspectiva cristã. Para o Entrevistado N, ser solidário está
além de propor doações ou ser caridoso:
Ser solidário é mais do que participar de campanhas de doação de agasalhos ou
alimentação, pois dessa forma desempenho um papel paternalista. Solidarizar-se é
ter vivência, pois esse conceito está imbrincado com a fraternidade e ser fraterno é
ajudar a melhorar a sociedade atual. É a pessoa participativa, imbuída de
propósitos e não desviar-se deles porque a campanha acabou, mas fazer de sua vida
uma campanha constante. É participar de movimentos sociais (Entrevistado N).
De acordo com Freire ([1987] 1996), solidarizar-se é estar com os oprimidos, e
considerá-los não como designação abstrata, mas em sua concretude, buscando, junto com os
oprimidos, a sua libertação. A compreensão da dimensão da necessidade social é que
possibilita aos sujeitos a transformação da realidade objetiva.
De acordo com a pesquisa, pode-se perceber que os educadores manifestaram a
necessidade da solidariedade enquanto condição humana de perceber no outro a sua própria
humanidade. Nesse sentido, distancia-se da afirmação freireana, a qual determina que ser
solidário é afirmar a condição ontológica do homem em ser mais. É participar da superação
do sentido de desumanização presente no contexto sócio histórico.
Não foram citadas ações que enfatizam o ato de estar com os oprimidos na busca da
mudança de sua situação de opressão, sendo que essa é uma das características da
solidariedade freireana. O autor reconhece que não é apenas falar aos oprimidos ou
reconhecer-se opressor, mas estar junto deles na construção de metas para modificabilidade
social. Apenas o reconhecimento do outro enquanto ser social, que necessita de emancipação,
não oportuniza que ela aconteça efetivamente.
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Nessa perspectiva, ser solidário é estar junto do outro para modificabilidade social,
buscando ações conjuntas que façam refletir tanto opressores quanto oprimidos. Não é apenas
perceber o que o outro não tem e sensibilizar-se com isso, mas auxiliá-lo na busca de sua
própria humanização. Não apenas no sentido de propor melhoria social, mas comprometer-se
para obtê-la, percebendo-se oprimidos ou opressores e trabalhando para que haja superação
dessa contradição. Mas só a percepção não é suficiente, pois, para Freire ([1987] 1996), para
que haja a superação, é necessária uma ação transformadora que incida sobre a situação
opressora e instaure outra, possibilitando a busca do ser mais.
A pesquisa empírica apresenta semelhança à proposta freireana quando se opõe à
prática de assistencialismo. Freire ([1987] 1996) afirma que a prática assistencialista
transforma os sujeitos em objeto passivo e o que pode auxiliar na mudança social é a
participação ativa dos oprimidos e opressores, descobrindo-se nessa condição por meio do
diálogo.
A solidariedade freireana oportuniza aos sujeitos a superação de uma consciência à
outra, da intransitiva para a transitiva ingênua e, posteriormente, à crítica. Segundo as
entrevistas, os alunos podem ter ações solidárias a partir de sua formação e essas determinarão
a construção de um mundo melhor. Não afirmam a necessidade desses alunos perceberem-se
opressores, apenas consideram a dificuldade que têm de enxergarem os oprimidos. Ou seja, na
condição em que se encontram, é necessário um trabalho de conscientização de todos os
atores escolares, incluindo as famílias, já que este aluno convive muito tempo na escola, mas
não é formado apenas por ela.
Pensar no currículo proposto para o Colégio Marista na formação de alunos solidários
é refletir sobre questões que se estendem além do cunho pedagógico. É lançar-se a
questionamentos sobre quem são os profissionais que atuam com este aluno e como a família
legitima essa formação. É ampliar o olhar para a necessidade local, percebendo quais
expectativas são colocadas diante da escola e ainda refletir sobre as possibilidades e
limitações diante da proposta.
Considerações Finais
A categoria solidariedade proposta por Freire determina que ser solidário é afirmar a
condição ontológica do homem em ser mais, distanciando-se da solidariedade elencada pelo
Colégio. Nos discursos da Instituição, a solidariedade é citada enquanto condição humana de
dar ao outro o que se possui, não apenas no sentido material. Mas apenas essa caracterização
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não determina a semelhança com o autor, já que ele salienta que ser solidário é estar junto do
outro para modificabilidade social, buscando ações conjuntas que façam refletir tanto os
opressores quanto os oprimidos. É ter compromisso com o outro, auxiliando-o em sua própria
humanização.
Mesmo que a proposta vise à emancipação estudantil, não a caracteriza como
necessidade ontológica do homem em ser mais. Freire se opõe à prática do assistencialismo e
afirma que essa prática torna os homens como objetos passivos, impossibilitando-os de
perceberem-se transformadores de seu entorno. Nesse sentido, a pesquisa demonstrou
semelhança entre as duas propostas, já que os professores salientam que práticas pontuais de
doações não são caracterizadas por eles como solidariedade.
É possível encontrarmos diferentes perspectivas curriculares dentro de uma mesma
instituição, já que a prática escolar é complexa e formada por uma diversidade de indivíduos
que possuem necessidades que não podem ser abandonadas, a despeito dos objetivos
educacionais. Entretanto, são necessárias reflexões constantes sobre a prática escolar e a
coerência existente entre os discursos anunciados. Educadores que, inseridos numa
instituição, conseguem olhar criticamente para ela, demonstrando suas limitações e
possibilidades, caminham para a superação de suas práticas narrativas.
A conscientização não acontece abruptamente de forma milagrosa, mas por reflexões,
críticas e autocríticas, de análise da prática e busca coletiva. Ela se dá a partir da
problematização das contradições vivenciadas diariamente dentro da escola, sendo
pedagógicas ou não. É o espaço para o diálogo que oportunizará a coerência educacional de
discurso e prática.
A ingenuidade de dicotomizar prática e teoria se dilui a partir do momento em que se
percebe que elas são indissociadas. Teorizar sobre educação é, em si mesmo, olhar e conceber
de outra maneira as próprias ações educativas que se encontram na escola, manifestadas por
todos os envolvidos. Ainda mais, é a prática que alimenta e subsidia a abertura de novas
formas de refletir sobre ela. A prática não é apenas o lugar da aplicação da teoria, é muito
mais ampla sua função, a de compor a compreensão dos fenômenos educativos.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. [1987] Pedagogia do oprimido. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
___ . Pedagogia da esperança. São Paulo: Paz e Terra, 1994b.
35687
___ . [1996] Pedagogia da autonomia. 19. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
___. [1964] Educação como prática da liberdade. 31. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.
CEMEP – CENTRO MARISTAS DE ESTUDOS E PROJETOS. Projeto Curricular em
Ação. Curitiba, 2005.
______ Matriz Curricular De Desenvolvimento Acadêmico, Pessoal e Social. Curitiba,
2008.
______ Matriz Curricular de Biologia. Curitiba, 2008.
______ Matriz Curricular de Química. Curitiba, 2008.
______ Matriz Curricular de Física. Curitiba, 2008.
______ Matriz Curricular de Filosofia. Curitiba, 2008.
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COLÉGIO MARISTA CRICIÚMA. Projeto Político Pedagógico Marista. Criciúma, 2008.
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