Pequenas cidades, grandes problemas para resolver Municípios com até 50 mil habitantes têm os piores índices urbanos, aponta o IBGE. Vocação econômica inexplorada, baixo orçamento, má administração e corrupção explicam o resultado, dizem especialistas Anna Carolina Rodrigues Municípios de até 50 mil hab. possuem as piores condições de infraestrutura urbanística (Cristiano Mariz/EXAME) Os municípios, apesar da enorme responsabilidade em resolver os problemas da população, veem apenas pequena parcela dos impostos arrecadados no país As prefeituras têm de por de lado o comodismo e a dependência de repasses da União e dos estados. Há formas de melhorar a arrecadação e a gestão dos recursos públicos Os municípios que têm até 50 mil habitantes são também os que possuem as piores condições de infraestrutura urbanística básica, segundo dados do Censo 2010 divulgados nesta sexta-feira pelo IBGE. O instituto analisou diversos aspectos no entorno dos domicílios nas cidades, tais como identificação dos logradouros, iluminação pública, pavimentação, etc. Dos dez itens avaliados, os pequenos municípios possuem os piores indicadores em sete (veja o infográfico). Boa parte dos problemas nessas localidades – que com população menor seriam, ao menos teoricamente, mais fáceis de administrar – deve-se a um misto de gestão inadequada, corrupção e baixo orçamento, dentre outros fatores. Falta de verba para realizar investimentos é a primeira explicação dos prefeitos para justificar a situação de penúria em que muitas cidades se encontram. Essa argumentação esconde, contudo, o fato de que o dinheiro falta, muitas vezes, porque há gastos excessivos com folha de pagamento – sem contar os desvios típicos de um país em que a corrupção se alastra sem respeitar as fronteiras da pobreza. Para os analistas ouvidos pelo site de VEJA, contudo, é possível sim fazer uma boa administração ainda que os recursos sejam escassos. É preciso para tanto buscar uma vocação econômica, ter vontade política e contar com a participação da população. A Constituição de 1988 trouxe resoluções que facilitaram a criação de municípios. A nova Carta Magna criou incentivos para o desmembramento das cidades, o que é positivo sob o ponto de vista democrático. O problema é que tais regras foram usadas sem o mínimo planejamento e terminaram por gerar problemas fiscais. Nos últimos vinte anos, foram criados cerca de 1.500 municípios – muitos dos quais sem atividade econômica forte que sustentasse uma arrecadação mínima capaz de arcar com as despesas públicas locais. O resultado é que muitas pequenas cidades passaram a depender de repasses da União e dos estados. “O federalismo brasileiro tem uma grande distorção que é o fato de a grande maioria dos municípios serem inviáveis economicamente”, afirma Rogério Schmitt, cientista político da consultoria Eyes on Future. Leia mais: Urbanização precária compromete a qualidade de vida nas cidades brasileiras Maratona diária para quem usa cadeira de rodas Concentração tributária – Para o especialista, os grandes dilemas do Brasil são o pacto federativo e as distorções gritantes entre os diferentes entes – União, estados e municípios – no que diz respeito às responsabilidades e receitas de cada um. Atualmente, são apenas dois os impostos federais partilhados com as cidades (o Imposto de Renda e o Imposto sobre Produtos Industrializados). Esses tributos, somados ao IPTU cobrado localmente, permitem que elas fiquem com 17% do bolo tributário nacional. Contudo, como lidam diretamente com os dramas da população, são as prefeituras as responsáveis por resolver a maior parte dos problemas locais. “A maioria dos serviços públicos é desempenhada por estados e municípios, mas quem fica com cerca de dois terços do dinheiro arrecadado com impostos é a União. O repasse não é feito necessariamente para o local onde o recurso foi arrecadado e a divisão de responsabilidades não é equivalente”, diz Schmitt. Os dividendos políticos que as grandes cidades geram são um fator a mais a aprofundar a má distribuição dos recursos. No estado de São Paulo, por exemplo, ao observar um raio de 100 quilômetros da capital, é possível perceber o poder de concentração dos conglomerados urbanos. A área compreende cerca de 70% da população e praticamente 80% do PIB paulista. Não à toa, os esforços dos governantes acabam favorecendo essa região. Aos municípios periféricos recaem verbas menores. “É uma questão de escolha política. Temos de pensar em diminuir o investimento em áreas mais populosas e produtivas para realocar recursos para áreas mais distantes que também possuem demandas reais’”, analisa Luís Felipe D’Ávila, cientista político fundador do Centro de Liderança Pública (CLP) – instituto que se dedica ao preparo e desenvolvimento de líderes de governo. Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, no entanto, o montante repassado aos municípios garante orçamento suficiente para que haja investimento. “O dinheiro aumentou comparado ao que era repassado antes da Constituição de 1988. Além disso, os municípios têm acesso a financiamento da Caixa Econômica Federal e, dependendo do tamanho do projeto, têm acesso ao Banco Mundial. O problema está muito mais na capacitação desses governantes. Em muitos casos, há gestão de baixa qualidade, envolvimento em corrupção, etc”. Dívida Social – A situação mais crítica entre os dados levantados pelo IBGE refere-se à presença de bueiros e bocas de lobo nas cidades (veja o infográfico). O menor índice, de 26,4%, é verificado naquelas que possuem entre 20 mil e 50 mil habitantes. O orçamento necessário para que 100% do país possua condições mínimas de saneamento é de 470 bilhões de reais, segundo o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski. “Se quisermos executar isso em 20 anos, seria necessário aplicar 25 bilhões de reais por ano. Quanto nós estamos executando?”, indaga. “Ao observar os dados de investimento nos últimos cinco anos, não atingiremos essa meta de saneamento nem em 50 anos”, acrescenta. Para ele, o governo federal deve prosseguir com suas políticas de conter o elevado fluxo de dólares ao país, garantir o crescimento por meio de desonerações fiscais, combater os juros altos que vigoram no mercado doméstico, etc. Há de se prestar atenção também ao que Ziulkoski chama de ‘dívida social interna do país’ – cujo combate passa pelo reforço da atuação dos municípios. “Há um ufanismo porque somos a sexta economia mundial, mas se olharmos outros indicadores somos um fiasco”, reclama. Boas práticas – Levando em conta que diminuir a quantidade de municípios brasileiros não é viável democraticamente, Schmitt aponta como uma das soluções possíveis para o problema orçamentário das prefeituras a criação de um fundo de participação de estados e municípios. Segundo o especialista, boa parte da receita da União não vem de impostos, mas sim das chamadas contribuições. Na prática, elas são como impostos, mas por terem nomenclatura diferente desembocam em brechas na legislação. Na prática, a União não é obrigada a repassá-la. Um exemplo é a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) que é cobrada na venda de combustíveis. “Visto que o Brasil é uma federação, acho que o mais correto seria incluir a receita das contribuições nessa repartição que a União é obrigada a fazer”, afirma. Para o fundador do CLP, há o agravante do comodismo. Muitos municípios pequenos simplesmente se contentam em viver apenas da mesada dos estados e do governo federal em vez de buscar maior independência. Enquanto uma reforma federativa não acontece para aumentar os repasses de tributos e contribuições às cidades, algumas delas provam que é possível ter êxito em reverter uma situação precária ao gerar receita internamente. D´Ávila argumenta que o primeiro passo é desenvolver a economia local por meio da produção de bens, mercadorias e serviços. O sucesso da gestão depende inicialmente da arrecadação que o dinamismo econômico provém. “É preciso tentar identificar qual a vocação econômica do município. O governo do estado também pode ajudar criando arranjos locais, clusters para agrupar determinados municípios com vocação semelhante”. Um exemplo de sucesso, segundo D´Ávila, é Petrolina, no interior de Pernambuco. A cidade conseguiu desenvolver um importante polo de produção de frutas, que atualmente é exportador. Fazendeiros da região começaram a plantar laranja e pediram ajuda ao governo municipal. Com a pressão pública, houve articulação política para obter recursos para desenvolver a atividade na região. “Houve uma junção de vocação e pressão pública. Se os municípios continuarem apenas a mendigar ajuda do governo federal, a miséria vai continuar”, alerta. Gestão competente – Ter dinheiro, ainda assim, não é garantia de sucesso. Alguns municípios fluminenses e capixabas – para onde jorram recursos do petróleo explorado ao longo da costa – são, infelizmente, um exemplo disso. Cabe à população e ao empresariado de cada cidade pressionar o poder público por finanças transparentes, boa gestão e definição das prioridades locais que precisam ser atendidas. Muitas vezes, um problema grave de um município, como, por exemplo, a falta de pavimentação, pode ser resolvido sem que seja necessário despender uma fortuna. Dentro do amadurecimento institucional por que passa o país, a aposta na gestão competente dos recursos da população precisa ganhar corpo. VEJA. Disponível em:http://veja.abril.com.br/noticia/economia/pequenas-cidades-grandesproblemas-para-resolver#infocidades