A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO ESPAÇOS FÍSICO-NATURAIS, ORGANIZAÇÃO ESPACIAL E TERRITÓRIO. ENSAIANDO OUTRAS PERSPECTIVAS TEÓRICAS PARA ANÁLISE GEOGRÁFICA. JÉMISON MATTOS DOS SANTOS*1 Resumo: Nesse artigo, discute-se além da compreensão do espaço geográfico apoiado na realidade do município de Campo Formoso-Ba, a partir de uma concepção de análise integrada - do complexogeossistêmico -, dialoga-se com perspectivas científicas mais “recentes”, para colocar a necessidade de mais atenção por parte dos geógrafos na busca de outras perspectivas de investigação, para o aprimoramento da análise geográfica. Com um olhar que produza outro sentido de inserção num prisma futuro, ao analisar espaços-territórios, paisagens que apresentam contextos e cenários cada vez mais complexos, caracterizados por uma intrincada associação de desordem (ou variedade) e ordem (ou restrição) e incerteza. Palavras-chave: Espaços físico-naturais, organização espacial, complexidade e território. PHYSICAL-NATURAL SPACES, SPATIAL AND TERRITORY ORGANIZATION: REHEARSING OTHER THEORY PERSPECTIVES FOR GEOGRAPHICAL ANALYSIS. Abstract: In this article, we discuss beyond the comprehension of geographical space supported by the reality of the city of Campo Formoso-Ba, from a conception of integrated analysis - geosystemic complex - if dialogue with scientific perspectives more "recent"to put the need for more attention from geographers in search of other perspectives of research to the improvement of geographical analysis. With a look that produces another way of insertion in a future perspective, to analyze space-territories, landscapes that present contexts and scenarios increasingly complex, characterized by an intricate association disorder (or variety) and order (or restriction) and uncertainty. Key-words: physical-natural spaces, spatial organization, landscape, territory, complexity. Introdução Em geral, é notório que as diversas formas de uso e ocupação das terras no Brasil e no mundo apresentam uma forte ligação com os modelos produtivos de expropriação da natureza, associado ao potencial ambiental de um dado espaço geográfico, em função dos atributos econômicos e formas de apropriação, por exemplo, das atividades - agrícolas, pecuárias, industriais, urbanas, turísticas, dentre outras. E verifica-se que, em locais específicos do território brasileiro, nordestino * Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense/UFF-RJ. Email de contato: [email protected]. 6704 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO atrela-se com essas atividades a implementação de um suporte com base em equipamentos de elevada precisão e tecnologias de ponta (pacotes tecnológicos). Essa dinâmica espacial alicerçada a partir de fluxos determinados entre conexões de agentes locais e globais, insere parte expressiva dos municípios nordestinos no atual contexto capitalista; que é definido essencialmente pelo mercado. Toma-se, como referência para fundamentar esse ensaio o município de Campo Formoso (Estado da Bahia) e entorno (fig.01). Os espaços físico-naturais que configuram o referido município foram definidos por processos longínquos e duradouros correlatos à própria evolução do sistema Terra, que se materializou como um conjunto geológico-geomorfológico (a geologia revela a existência de rochas antigas e metassedimentares da Serra da Jacobina, além de coberturas Terciárias e Quaternárias recentes em planícies aluviais dos rios; seu modelado exibe os pedimentos funcionais ou retocados por drenagem incipiente, planaltos cárstico, pediplano sertanejo, serras e maciços residuais, dentre outros) composto por “paisagens perfeitas”1 que são as formas características do sertão nordestino e, podem ser interpretadas a partir do modelo teórico geossistêmico, ou seja, pelo conjunto de geossistemas. Fig. 01. Carta imagem - Localização do município de Campo Formoso - Bahia. 2013. 6705 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO A partir de uma “criação imperfeita”, Campo Formoso (C.F.) é cobiçado historicamente e adquire valor de troca (séc. XVIII, tem início a exploração mineral o salitre - usado para fabricar pólvora usada na guerra, seguido das fazendas de gado, etc.), onde parte do seu espaço-território definido primordialmente por sua base material – os sistemas geoambientais –, são apropriados e/ou explorados a partir de uma lógica produtiva de mercado que agudiza a problemática socioambiental da eminente “débâcle” dos sistemas de vida, no qual acumula-se capital e desacumula ambiente. As relações de poder, de controle e dominação atrelam-se à exploração do capital, regulando a apropriação dos recursos naturais, no qual de tempos em tempos produzem-se outras territorialidades, a reboque das flutuações no cenário econômico/político mais amplo. A lógica do passado representada por um modo de vida camponês é paulatinamente suplantado pelo mercado de “commoditties”. Entretanto, nesse texto para além da compreensão do espaço geográfico (apoiado na realidade de C.F.) a partir do desenvolvimento de estudos integrados do complexo-geossistêmico, dialoga-se com perspectivas científicas mais “recentes”, para colocar a necessidade de mais atenção por parte dos geógrafos na busca de outras perspectivas de investigação, para o aprimoramento da análise geográfica. Com um olhar que produza outro sentido de inserção num prisma futuro, ao analisar espaços-territórios, paisagens que apresentam contextos e cenários cada vez mais complexos, caracterizados por uma intrincada associação de desordem (ou variedade) e ordem (ou restrição) e incerteza. 1 – Desenvolvimento As atividades socioprodutivas que organizam e/ou desorganizam (produzem, re-ordenam o espaço) C.F. e impelem algumas características particulares que definem a situação ambiental hodierna e sua inserção global na denominada economia de mercado, se dá essencialmente pelas atividades industrial e comercial via mineração, agropecuária (soma-se a produção de sisal). Mas, recentemente o turismo ecológico e científico. 6706 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Em destaque a geologia do município revela um complexo máfico/ultramáfico responsável pelas mineralizações mais importantes de cromo conhecidas no Brasil, as maiores jazidas de cromo estão situadas na Serra de Jacobina que contorna o município em toda a região, além do cromo a existência de rochas graníticas revelam também jazidas de cristais de rocha, esmeralda, ametistas, calcita e calcário. Este é aproveitado em uma unidade industrial de cimento (CISAFRA). O complexo de Campo Formoso possui 11 minas, todas com lavra a céu aberto, com desmonte mecânico e uso de explosivos, localizadas ao lado norte da Serra de Jacobina situadas nas comunidades de Catuaba, Cascabulhos, Camarinha, Campinhos, Pedrinhas, Valérios, Coitezeiro, Limoeiro, Mato Limpo, Gameleira e Vigita (CPT, 2012). Atualmente, a argila utilizada na fábrica de cimento vem junto com o calcário extraído das duas jazidas em funcionamento. Hoje, se encontram em processo de lavra pela CIMPOR duas jazidas de calcário localizadas na Tiquara, município de C. F., com reservas potenciais estimados em 800 milhões de toneladas de calcário” (op. cit) A fração mais significativa da atividade mineral na microrregião do Piemonte da Diamantina é levada para o mercado internacional - ferro exportado, principalmente, para a Coréia do Sul, Londres, China e Japão; o Cromo (Japão) e Esmeralda (Índia). A agricultura na região, bem como em C.F. é a principal fonte de renda das famílias, seguida, respectivamente, das atividades produtivas de criação de cabra, ovelha e a criação de gado, trabalhador rural (diarista), dentre outras. Neste contexto supracitado o arranjo espacial (sistemas de relações) é alicerçado principalmente na mineração e revela o processo de seletividade espacial, que conformou/conforma o município de Campo Formoso. Porém, consubstancialmente deve-se também analisar a relação de seletividade (homemnatureza) das comunidades (p.ex: dos camponeses). Constrói-se assim a ideia da formação espacial como formação geoambiental, toma-se como referência a concepção de ambiente de Tricart – na qual o homem que dá sentido ao ambiente. 6707 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Ruy Moreira entende a seletividade espacial como “processo de eleição do local com que a sociedade inicia a montagem da sua estrutura geográfica" (Moreira 2010). A organização espacial da sociedade começa com a seletividade. Espécie de ponte entre história natural e a história social do meio, a seletividade é o processo de eleição do lugar do(s) respectivo(s) recurso(s) que inicia a montagem a sociedade da estrutura espacial das sociedades (ibidem). Entretanto, a organização espacial, aqui é entendida como um sistema funcional e estruturado espacialmente em rede a partir das relações travadas no interior da sociedade, de uma dada paisagem, de um certo lugar, região, território (p.ex: hierarquia campo-cidade ou cidade-campo; natureza das relações – climarocha, solo-relevo – uso e ocupação das terras; relações de poder). Recoloca-se esse conceito para referir-se ao uso e ocupação das terras em C.F, que dinamizado pelos agentes locais e globais produzem repercussões negativas nos sistemas geoambientais, afetando diretamente os recursos escassos – terra, solo e água – e indiretamente os rios temporários, a flora, a fauna. Além de aumentar a vulnerabilidade social expressa pelos índices, indicadores socioeconômicos (p.ex: IDHM – apoiado nos indicadores de escolaridade, trabalho, renda, percentual de pobres, dentre outros) expressos por índices muito baixos e que vem exibindo uma sensível elevação a partir da última década 2. Essa problemática é revelada e compreendida por uma parte dos acadêmicos como aspectos e impactos ambientais ou degradação dos recursos naturais (considero melhor a expressão degradação dos sistemas de vida) e, ocasiona alterações ou as vezes mudanças ambientais irreversíveis. A seletividade de maneira geral, (e, em Campo formoso), apresenta algumas implicações que é importante também perscrutar: os processos de segregação espacial; antecipação espacial; fragmentação espacial e a marginalização espacial. Os estudos no Piemonte da Diamantina3 – onde se insere C.F. - elaborados pela Comissão Pastoral da Terra, em 2012, afirmam que: o processo de concentração fundiária tende a aumentar. Observa-se (...) ao passo que algumas fazendas vão sendo desapropriadas e que alguns 6708 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Fundos e Fechos de Pastos são regularizados, outros tantos Pequenos Agricultores perdem suas terras para latifundiários e empresas da mineração em razão do endividamento bancário, dos males do minifúndio (pouca terra, terras “fracas” e “cansadas”), da baixa rentabilidade, da falta de água tratada e encanada, de energia, saúde e segurança no campo, e da ausência de políticas públicas adequadas. A microrregião pesquisada não foge a esta regra. Seu índice de Gini médio atingiu um patamar máximo de 0,784 na década de 1980 e se manteve em 0,726 a partir de 1996. Atualmente, as comunidades camponesas (Assentamentos, Fundos de Pastos e Pequenos Agricultores) dominam apenas 4% (quatro por cento) da área total do Piemonte da Diamantina, ou seja, 68.879.648 de um total de 1.727.022 hectares (segundo dados do INCRA). A maior parte das terras e das águas continuam mesmo em poucas mãos, concentrada e dominada por fazendeiros e grupos econômicos da mineração (op.cit). Os dados da Bahia, razão entre a área de Reforma Agrária (RA) e área municipal em 2009 esclarecem mais os fatos. Observa-se que a Área Municipal corresponde a 680.600 (ha) e 13810 (ha) é a Área de Reforma Agrária e apenas 2,03% foi a Área Reforma Agrária no município de C.F. Uma vez que os camponeses não se apropriam da parte significativa da riqueza gerada por seu trabalho, atinge-se diretamente sua sobrevivência e possibilidades socioeconômicas. Inicia-se um ciclo abusivo de desestruturação das comunidades (até atingir o núcleo familiar), atuando como uma forçante incisiva para o abandono do campo (some-se ainda a concentração de renda e da propriedade). Ao analisar as questões anteriormente colocadas, reflete-se que essa estratégia de apropriação quase unilateral e continuada do espaço geográfico, tem repercussões negativas no “padrão de organização” do sistema ambiental de C.F., pois afeta a qualidade e quantidade dos recursos e desequilibra alguns compartimentos geomorfológicos e sua biogeografia (p.ex: o canal fluvial do Salitre), bem como induz a crescente subtração do estado de conservação do complexo geoambiental, definido como - o conjunto dos processos e inter-relações dos 6709 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO elementos e fatores que compõem o ambiente, envolvendo, além dos componentes físicos e bióticos, também os socioeconômicos, políticos, culturais e institucionais -. Diante disso, elucida-se que um dos aspectos principais são a forte pressão exercida historicamente pela: mineração e a agropecuária – suas formas indevidas de manejo das terras (desmatamento, queimadas, depauperação dos solos) e da água (barramentos dos canais fluviais, poluição, contaminação); incorporação de novas áreas para mineração; ausência de políticas públicas voltadas para: proteção, gestão e controle do espaço-território e apoio financeiro aos camponeses. As materialidades/espacialidades4 desses fenômenos e processos induzemnos a delinear um quadro por vezes simplista de indicadores biofísicos de degradação para o entendimento do processo de desertificação! Pesquisas são realizadas em escalas local até estadual e outras mais generalizadas, feitas em âmbito regional e nacional, que necessitam de maior aprofundamento a partir de outras visões de fazer ciência. Explicita-se a assertiva acima ao colocar que a questão central a ser repensada se dá primordialmente a partir da re(visão) de mundo que nos é imposta historicamente, a partir de teorias e ideias ultrapassadas, fundadas numa lógica puramente matematizada, física e economicista da natureza, bem como por inúmeras estratégias de mercado desde os primórdios da acumulação do capital até introduzir mais explicitamente a orientação para uma sociedade de consumo, em detrimento da sobrevivência da própria humanidade. Essas estratégias políticas, econômicas e científicas, a priori, de explicação do mundo nos lograram perdas irreparáveis nas diversas escalas do viver, bem como afetam danosamente a sustentabilidade do semiárido, do Planeta. Recorre-se a Baudrillard em Simulacros e Simulação (1981) para refletir sobre mais um aspecto fundamental, pois o autor coloca que: a ilusão do sistema consiste em oferecer uma explicação perfeita descolada da realidade imperfeita. Sustenta que a sociedade e a economia funcionam porque as pessoas acreditam que existe uma racionalidade intrínseca na economia e na sociedade. 6710 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Por isso, tem-se a falsa impressão que as forças motoras dos desajustes são exclusivamente de ordem natural – p.ex: das secas e das mudanças do clima, etc. – desatrelando e ocultando os aspectos da sociedade de consumo, da economia de mercado e as ingerências no uso do território (p.ex: privatização, apropriação desigual da riqueza produzida socialmente) determinadas pelos diversos agentes produtores do espaço e reguladas pela política em suas múltiplas escalas e contextos: local, regional e internacional. Todavia, destaca-se que também é importante relacionar a tipologia dos usos, intensidade das transformações no complexo geoambiental e a expressão espacial das ações do processo de ocupação das terras (a sinergia entre esses fatores e aqueles ligados a sociedade), que geram tensões no sistema ambiental e, possivelmente, produzem ou induzem a ocorrência dos processos de degradação (desertificação) no semiárido brasileiro, nordestino (p.ex: Campo Formoso-Ba). Entende-se que a leitura do espaço geográfico, a exemplo da realidade de C. F. pode ser iluminada a partir do esforço de integração dos estudos físico-naturais com os aspectos ligados à dinâmica do espaço-território, ou seja, buscar articular os aspectos do geossistema ao território na perspectiva do ordenamento. Com isso ao abordar a paisagem deve-se partir primeiro de uma premissa fundamental bem precisada por Haesbaert (2006) ao considerar que: o espaço geográfico é moldado ao mesmo tempo por forças econômicas, políticas, culturais ou simbólicas e “naturais” que se conjugam de formas profundamente diferenciadas em cada local” E, pode ser revelado pela “dinâmica: econômica, política, social, cultural e natural” (op.cit). Repensando em parte a citação acima descrita; se verifica que cada vez mais o espaço geográfico é conformado a partir do tipo particular de substrato natural que interessa as forças econômicas e políticas, devido sua possibilidade de apropriação em termos do potencial de expropriação de suas riquezas (p.ex: naturais, culturais, etc). Mas, a apropriação dos recursos naturais geralmente está atrelada a ideia de posse, dominação e pressupondo relações de poder (HAESBAERT, 2004; 2006). 6711 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Assim entendido “o poder, classifica e distingue indivíduos aptos e não aptos a usufruir destes recursos (SOUZA, 2006)”. A luz da realidade local, nas atividades da mineração e pecuária está relação de poder também está presente, pois envolve um rol de agentes sociais com interesses variados e as respectivas modalidades de exploração; tem-se como exemplo na região que envolve C. F.: a mineração industrial, a mineração artesanal, a pecuária extensiva e intensiva, dentre outras. Visitando os estudos de Silva (2013), apreende-se que: a estratégia adotada pelo capital para a dominação do território é apropriarse de recursos naturais e controlar os indivíduos pela ideologia. Essa ação do capital condiciona como força política o cotidiano dos sujeitos no seu lugar de construção objetiva e subjetiva. Esse território contém elementos contraditórios expressados na sua territorialidade. A força que domina a vida na comunidade, no âmbito das suas relações internas e externas, gera interesses e conflitos entre as classes sociais, mediatizados pelas relações de poder. As relações de poder, de controle e dominação atrelam-se à exploração do capital, regulando a apropriação dos recursos naturais, no qual de tempos em tempos produzem-se outras territorialidades, a reboque das flutuações no cenário econômico/político mais amplo. A lógica do passado representada por um modo de vida camponês é paulatinamente suplantado pelo mercado de “commoditties”. A partir de um estudo recente sobre a geografia da mineração (...) e o mercado de commodities minerais na Amazônia Brasileira Coelho (et.al, 2012) traz três colocações elucidadoras que apoiam a análise e podem ser facilmente inseridas no contexto de C.F., onde afirma: os processos de (re)organização socioespacial, associados à expansão de atividades industriais que conferem novas funções aos núcleos urbanos diversos, vinculam-se ao deslocamento de populações migrantes atraídas pelas atividades econômicas novas ou “renovadas”; (b) às mudanças na apropriação de terras e recursos naturais”(COELHO, et.al, 2012 apud CLARK, 1999; SANTOS, 1982; COELHO et.al.,2005). 6712 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO as atividades minerais (as extrativas, quer caracterizadas como garimpeiras, agora semi-motorizadas, quer as grandes, as médias e as pequenas empresas mineradoras industriais) foram e ainda são fatores importantes de ocupação/expansão, estruturação, desestruturação/reestruturação de diversas áreas no Brasil, criando ou ampliando fronteiras econômicas e mesmo fronteiras políticas, não sem gerar problemas sociais e ambientais variados. Sem desconsiderar as conexões entre redes internacionais/nacionais (relações internacionais/nacionais desequilibradas e injustas ao mundo periférico em commodities minerais ou agrícolas. Tempo por tempo, espaços por espaços, marcados por abundâncias ou carências de demandas industriais e de governanças estatais e estaduais diversas. “Cada espaço tende a seguir seu manifesto destino (op. cit.) Constatam-se, essas carências e desequilíbrios através da intensificação de tensões sociais em C.F. onde os campesinos são levados aos conflitos por força de um modelo de desenvolvimento que tem a clara intenção de desestruturar as comunidades (de fundo e fechos de pasto, assentamentos, pequenos agricultores, quilombolas, extrativistas, dentre outras). Com isso só lhes resta lutar em defesa dos seus direitos, dos seus modos de vida! Reflete-se também que o Estado é o principal agente de transformação do espaço-território e articulador do capital internacional, onde historicamente beneficia particularmente as elites locais. Além disso, tem orientado as políticas públicas para os setores urbano-industriais, promovendo o ordenamento territorial e ambiental priorizando os setores privados da economia. Deve-se observar também a participação efetiva de outros agentes ligados ao capital industrial e comercial nesse constructo. Inserem-se os autores abaixo citados para iluminar as questões supracitadas, pois afirmam que: Todo o esforço político das últimas décadas foi concentrado na intenção de integrar a produção agrícola ao mercado externo, tanto como consumidora de produtos industriais quanto como fornecedora de matéria-prima para a agroindústria da transformação. A desigualdade foi o traço mais marcante no processo de modernização agrícola. A ocupação do território brasileiro 6713 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO gerou na maior parte do País, um regime de terras de tipo latifundiário que, ainda hoje mantém elevada a concentração de terras, reservando aos latifundiários vantagens competitivas e à imensa maioria dos agricultores, os interstícios econômicos e geográficos” (MORAES, 1994). Em decorrência do processo histórico de ocupação desordenada de terras no território brasileiro e através de uma política agrária discriminatória, a produção familiar, de maneira geral, sempre esteve à margem da estrutura produtiva” (ROMEIRO, 1998). Faz-se referência também a importância da reflexão sobre a territorialidade expressa através de Neto (2011) apoiado a partir de Haesbaert (2004), Assim, sugere-se pensar a territorialidade como uma relação que se estabelece entre a sociedade e o espaço, implicando numa apropriação material e/ou simbólica, nos termos de Haesbaert (2004), assegurando, em consequência, a reprodução da vida material. A formação de territórios seria um componente essencial para realização da vida social; e a territorialização um processo de marcação do espaço pela sociedade. Os territórios são inscrições espaciais da sociedade conformadas no âmbito das relações sociais (NETO, 2011, apud HAESBAERT, 2004). Além da compreensão do espaço geográfico a partir do desenvolvimento de estudos integrados - do complexo-geossistêmico associado ao espaço-território -, coloca-se a demanda de mais atenção por parte dos geógrafos na busca de outras perspectivas teórico-metodológicas para aprimorar sua análise, a saber. 2. ENSAIANDO OUTRAS POSSIBILIDADES PARA A ANÁLISE GEOGRÁFICA. A ciência geográfica em si pode ser considerada como complexa, primordialmente pelo grau de entrelaçamento entre as escalas de tempo geológico e social esboçando quadros diversos e uma dinâmica espacial eivada de 6714 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO intercruzamentos e multidimensionalidades, que certamente demandam parcerias com outros campos de conhecimento para apreender a inteireza do espaço analisado, a partir de uma das suas áreas de investigação científica (p.ex: o ordenamento territorial e ambiental). Entretanto, para aglutinar mais viscosidade aos estudos geográficos cada vez mais se deve estar atento às outras perspectivas de análise, que envolvem hodiernamente os estudos sobre a complexidade e caos. Ressalva-se que a complexidade não é algo novo e sim algo inerente a própria evolução da vida, dos sistemas físicos-naturais, das sociedades. Ao tomar como referência Suertegaray (2004), corrobora-se a discussão sobre geografia e complexidade uma vez que: Tem na ciência geográfica a compleição de um conhecimento multidimensional, que produz a epistemologia da complexidade como princípio e, investiga partindo da física terrestre, a biosfera a até as materializações da sociedade. Traduz-se nessa ciência que reflete sobre a produção do espaço fundada no binômio sociedade-natureza. A geografia vista pelo viés da complexidade é delineada por um conjunto de sistemas circunspetos atrelados aos elementos e fatores dinamicamente. Em geral, esboçam estados, comportamentos imprevisíveis e padrões de organização, que em certa medida podem ser identificados (rede de drenagem fluvial, a rede urbana, etc.) e outros dificilmente podem ser previstos (p.ex: a mudança do clima, mudanças nas questões do desenvolvimento político e econômico - imposição de choques econômicos e imposições tecnológicas, etc). MORIN (2002) assinala que, a organização constituirá a chave e o principal preceito na construção da complexidade, onde o encadeamento de relações entre componentes ou indivíduos produz uma unidade complexa ou sistema dotado de qualidades desconhecidas quanto aos componentes ou indivíduos. A etimologia do termo complexo vem do latim, complexus, que significa entrelaçado ou torcido junto. E podemos analisá-la a partir de 04 modelos básicos 6715 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO de complexidade: determinística; estatística; algorítmica e sistêmica. Essa última é a que mais se alinha a abordagem geográfica. A complexidade sistêmica no seu enfoque busca - estudar os sistemas complexos em suas dimensões estática, dinâmica, funcional, organizacional e comportamental e integrar a teoria dos sistemas à teoria da complexidade visando à modelagem de sistemas do mundo real. Como tal, entendendo o espaço geográfico tão complexo quanto à ciência geográfica evoca-se a necessidade de incorporação das noções de complexidade, a exemplo dos sistemas complexos! Porém o entendimento simplista da noção dos sistemas complexos é que duas ou mais diferentes partes ou componentes que devem estar de algum modo relacionado, formando uma estrutura estável. Todavia, a noção de estabilidade aqui está relacionada particularmente aos estudos de sistemas complexos. No qual se compreende que a estabilidade é relativa, dinâmica e a evolução de um sistema desse tipo traz consigo elementos com diferentes estados – equilíbrio, desequilíbrio e não equilíbrio5. O cerne da discussão é balizado numa visão capaz de suplantar a polarização entre duas abordagens clássicas, reducionismo e holismo, permitindo a análise de sistemas que apresentam simultaneamente as características da distinção e da conexão. Porém, esclarece-se que a dinâmica dos sistemas complexos é caracterizada por uma intrincada associação de desordem (ou variedade) e ordem (ou restrição). Aliada a essa discussão é possível associar os ousados princípios do Caos e AutoOrganização que foge a explicação no escopo deste trabalho. Partilhando a respeito das concepções de uma geógrafa experiente, alinhavase que, não obstante, o espaço geográfico é dinâmico. Sua dinâmica é representada pelo movimento, o girar do círculo. Este giro expressa a ideia: um todo uno, múltiplo e complexo. Esta representação é elaborada no sentido de expressar a concepção de que: o espaço geográfico pode ser lido através do conceito de paisagem e ou território, e ou lugar, e ou ambiente; sem desconhecermos que cada uma dessas dimensões está contida em todas as demais. Paisagens contêm territórios que contêm 6716 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO lugares que contêm ambientes valendo, para cada um, todas as conexões possíveis (SUERTEGARAY, 2000). Esses princípios propugnados no escopo do texto certamente nos permite refletir sobre a possibilidade de tecer outras interpretações e podem apoiar os estudos geográficos principalmente devido à natureza dos fenômenos, processos espaciais em suas múltiplas escalas e os fatores intervenientes na dinâmica geral e particular do binômio sociedade-natureza (espaço-território, paisagem-território, etc.), que esboçam cada vez mais complexidade, ordem e desordem estabilidade e instabilidade em espaços enredados e definidos por intervenções políticas, econômicas, culturais, dentre outras. Além disso, outras expressões passam a ser cada dia mais corriqueiras no contexto científico global – incertezas estruturais, turbulências – entendidas como resultado direto e indireto das transformações tecnológicas aceleradas atreladas ao “boom” da informação e conhecimento. 3. PALCO E CENÁRIO DAS CONSIDERAÇÕES E INQUIETAÇÕES. No atual contexto científico de incertezas e miopias teóricas, algo transparente é que os processos de retroalimentação positiva são paulatinamente perturbados em escala local até que os sistemas físico-naturais/ambientais entrem em colapso e, certamente produzam resultados cada vez mais danosos a sociedade em suas múltiplas escalas de interação até alcançar o global. Por tudo isso, é estratégico considerar que a fórmula da consciência para a construção dessa outra concepção de mundo (companhia, cooperação, união, simultaneidade) é dada pela expressão - COABITAR SEM DESTRUIR A SOCIOECONOMIA DOS DIFERENTES MODOS DE VIDA! Reforça-se a expressão acima através do trabalho de Ab' Saber (2003), importante referência, ao tomar emprestado um retalho de sua obra, na qual o autor afirma – 6 mais do que simples espaços territoriais , os povos herdaram paisagens e ecologias, pelas quais certamente são responsáveis. Desde os mais altos escalões do governo e da administração até o mais simples cidadão, todos têm uma parcela de responsabilidade permanente, no sentido da utilização 6717 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO não predatória dessa herança única que é a paisagem terrestre. Para tanto, há que conhecer melhor as limitações de uso específicas de cada tipo de espaço e de paisagem. Há que procurar obter indicações mais racionais, para preservação do equilíbrio fisiográfico e ecológico. Almeja-se aqui o refinamento de suas ideias, a partir de duas reflexões: a) não é mais possível pensar em considerar os espaços territoriais como simples; b) é impossível conceber a paisagem, o território com algo descolado da base físiconatural e vice-versa. A esteira da discussão nos conduz a conceitualizar o espaço geográfico como uma combinação dinâmica e dialética do simples e complexo onde suas materialidades, suas territorialidades expressam espacialmente o “modus operandi e o modus vivendi” de cada sociedade. Podendo perquiri-los a partir do seus – “temas como os recortes espaciais do lugar, da região, o das redes e das escalas” (SANTOS (1996; 2002). Contudo, é preciso dizer clara e abertamente à sociedade que não existe nenhum sistema econômico, político ou tecnologia que dê conta da crescente escassez de recursos naturais, quando a “regra de ouro” é estruturada por um modelo único de desenvolvimento (predador, agudizador das desigualdades socioeconômicas e promotor da violência). É preciso alertar mais enfaticamente que a taxa de reposição da natureza expressa por um tempo geológico (os serviços ambientais prestados) não tem solução matemática delineada por esse modelo de desenvolvimento baseado no consumo da natureza em sua essência: homens, mulheres e demais seres que habitam e estruturam nosso Planeta Água. Por fim é factível exprimir que esse(s) caminho(s) geográfico(s) possível(eis) de ser pavimentado(s) por um pensamento complexo, nos coloca num movimento também de incertezas metodológicas de abordagem e de procedimentos. Por certo nos encaminha para sermos alquimistas modernos, com intuito de amalgamar construções teóricas-conceituais e de método a partir dos refinamentos possíveis de seus elementos fundantes, para superar a anterior (costumeira) forma de pensar e fazer ciência, dissociando o que compreende-se desde muito tempo - que é algo indissociável (homem, sociedade, natureza) -, pois o objetivo maior que é a 6718 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO integração do conhecimento científico, se reverbera na superação dos desafios contemporâneos da humanidade, da urgência de uma sociedade mais equânime e plural, que somos capazes de construir enquanto cidadãos-geógrafos. 4. Referências bibliográficas AB' SABER. Os Domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. SP: Ateliê editorial. 2003. BAUDRILLARD, J. Simulacres et simulations. Paris: Galilée.1981. COELHO, M.C.N; MONTEIRO, M.A; BARBOSA, E.J da S. 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Maiores informações sobre o IDMH para Campo Formoso-Ba e outros municípios brasileiros visitar site: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_m/campo-formoso_ba#caracterizacao. 3. Ver documento da Comissão Pastoral da Terra, Diocese de Sr. do Bonfim-Ba. Relatório da Mineração X Comunidades Camponesas, 2012. 4. Espacialidade é vista com a “expressão material das relações sociais”, com base em SOJA (1983), as interações entre processos sociais e naturais, bem como da política e os padrões de organização espaciais (p.ex: os latifúndios irrigados X minifúndios de sequeiro que se materializam através da diferenciação espacial). 5. Para aprofundar essa discussão – consultar o estudo de Renwich, W.H. (1992). Equilibrium, disequilibrium, ande noneequilibrium in the landscape. Geomorphology, 5 (3-5): 265-276. 6. O negrito é nosso. 6720