Universidade Federal do Rio de Janeiro – Instituto de Economia – Curso de pós-Graduação em Economia – Doutorado em Economia. A Criação da CVM e a Regulação do Mercado de Capitais no Brasil – 1976/1986 Paula Marina Sarno 2006 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Instituto de Economia – Curso de pós-Graduação em Economia – Doutorado em Economia A Criação da CVM e a Regulação do Mercado de Capitais no Brasil – 1976/1986 Paula Marina Sarno 2006 Dissertação submetida para obtenção do título de doutor em economia Orientador: Fernando J. Cardim de Carvalho Banca Examinadora: Fernando J. Cardim de Carvalho Fernando Carlos Greenhalgh de Cerqueira Lima Francisco Eduardo Pires de Souza Marco Aurélio Cabral Pinto Rogério Sobreira 27.03.2006 2 Dedico a minha filha, Bia, e ao meu marido, Paulo, pela companhia, compreensão, paciência e, sobretudo, pelo amor que recebo todos os dias; À Euzenir, minha mãe, companheira, nos mais diferentes momentos e das mais variadas formas, durante todo esse processo, mas que, sobretudo, sempre foi um referencial importante para mim de dedicação à pesquisa e à ciência; A meu pai, Geraldo, pelo enorme exemplo de integridade, persistência e amor ao que faz, que sempre me inspirou.. 3 Agradecimentos Primeiramente, agradeço ao Prof. Fernando Cardim, pela ajuda e orientação que foram fundamentais para o desenvolvimento desse estudo. Ter tido duas vezes a oportunidade de tê-lo como orientador em minha trajetória na vida acadêmica, no mestrado e agora no doutorado, foi motivo de grande estímulo e motivação. Ressaltando que, como não poderia deixar de ser, os possíveis erros existentes e as opiniões aqui expressas são de minha exclusiva responsabilidade. Ao Roberto Tadeu, Superintendente Geral da CVM, que sempre esteve disponível para ajudar e elucidar, em vários momentos desta tese, quando precisei recuperar e compreender os fatos ocorridos durante o período investigado. Agradeço à CVM a oportunidade que me foi dada e à Elizabeth Machado, Superintendente de Relações com Empresa, pela possibilidade, no âmbito do programa de capacitação, de dedicar-me integralmente à tese no período final de sua elaboração. Aos amigos da CVM, em particular, Jorge Andrade e Fernando Vieira, pelos cuidadosos comentários e sugestões, e Marcelo Vieira, Andréa Erthal e Maria Inês Duprat Avellar, pela preciosa ajuda no trabalho de revisão. Ao Marcelo Cidade pela possibilidade de contatar profissionais que atuaram no mercado no período investigado e ao Dalton Boechat pelos comentários recebidos. À Marilena Lacerda Tenório e à Nilza Nogueira pela ajuda no levantamento de informações e referências bibliográficas. À Soraia Jorge, Cristina Lara e Leila Vieira por terem me acompanhado bem de perto. 4 SUMÁRIO Página RESUMO ABSTRACT INTRODUÇÃO 7 7 8 1ª Parte - Mercado de capitais e regulação - a Abordagem Teórica Capítulo 1 - Sistemas e Mercados Financeiros 1.1 - Sistemas Financeiros e Crescimento Econômico 1.2 - Mercado de Crédito e Mercado de Capitais 1.2.1 - Operações Intermediadas e Desintermediadas 1.2.2 - Mercado Privados e Mercados Públicos – A Questão Informacional 1.2.3 - Contratos padronizados e contratos idiossincráticos 1.2.4 - Relacionamento de longo prazo e negociação 1.2.5 - Exigências na Forma de Colaterais e Garantias 1.2.6 - Exit e Voice como mecanismos corretivos (disciplinadores) dos Contratos financeiros 1.3 - Conclusão Capítulo 2 - Teorias de Mercado: a leitura crítica à Hipótese dos Mercados Eficientes 2.1 - Introdução 2.2 - A Hipótese de Mercados Eficientes 2.3 - Críticas à Hipótese dos Mercados Eficientes 2.3.a) Comportamento irracional e as operações de arbitragem 2.3.b) Assimetria de informações 2.3.c) Incerteza 2.4 - Conclusão Capítulo 3 - Monitoramento Privado e Regulação dos Mercados 3.1 - Introdução 3.2 - O Monitoramento dos Acionistas sobre as Empresas – Instrumentos e Vulnerabilidades 3.2.1 - O monitoramento dos investidores sobre as empresas 3.2.2 - O papel das instituições intermediárias 3.3 - Governança Corporativa 3.4 - As Operações de Aquisição Hostis e a Governança Externa à Firma 3.5 - Papel da Regulação para o Mercado de Capitais 11 12 12 14 14 16 18 19 21 Capítulo 4 - A Origem do Mercado de Capitais nos Estados Unidos e o Desenvolvimento da Regulação 4.1 - O Papel Inicial dos Bancos de Investimento e da Bolsa de NovaYork 4.2 - Desenvolvimento do Mercado e Proteção ao Acionista – a Questão Legal e Regulatória 4.3 - O Desenvolvimento da Regulação para o Mercado de Capitais nos Estados Unidos 4.3.1 - O fim do laissez faire e os diferentes modelos de sistema financeiro 4.3.2 - O Modelo Inglês de Regulação para o Mercado de Capitais 4.3.3 – O Modelo Americano do Mercado de Capitais 4.3.3.a) - O Sistema de disclosure 4.3.3.b) - O Sistema de auto-regulação: as Bolsas e o Mercado de Balcão 4.3.4 - Os Bancos e a Crise Financeira 4.3.5 - Vulnerabilidades do Modelo Americano de Regulação 4.4 - Conclusão Conclusão 1ª Parte – Breve Sumário das Proposições Teóricas 22 25 28 28 28 30 30 34 37 41 43 43 44 44 47 53 54 55 58 58 64 67 67 68 70 71 73 76 78 80 81 5 2a PARTE: CVM e a regulação sobre as companhias abertas no Brasil - 1976/86 Capítulo 5 - O Ambiente Regulatório pré-reformas dos anos 70 5.1 - Constituição de Mercados de Capitais em Países em Desenvolvimento 5.2 - As Reformas Financeiras dos anos 60 e a Lei do Mercado de Capitais (Lei no 4728/65) 5.2.1 – Antecedentes 5.2.2 - Os princípios da divulgação de informações e da auto-regulação 5.2.3 - Bancos de Investimento 5.2.4 - Conceito de Sociedade Anônima de Capital Aberto (SACAs) 5.2.5 - Os Incentivos fiscais – a regulação dos fundos 157 5.3 - O Mercado de Capitais Brasileiro nos anos 70 Capítulo 6 - A CVM e A Regulação sobre as Companhias Abertas - 1976/1986 6.1 - A Criação da CVM - Princípios, Objetivos, Função e Poderes do Novo Órgão Regulador 6.1.1 - O quadro vigente à época e o papel da CVM 6.1.2 - Objetivos e desafios da análise proposta 6.1.3 - A Lei no 6.385/76 - princípios, função e poderes do novo órgão regulador 6.2 - A Questão da Divulgação de Informação das Companhias e o Papel Normativo da CVM 6.2.1 - O conceito de Companhia Aberta 6.2.2 - O registro das Companhias Abertas e a atividade normativa da CVM 6.2.3 - Insider trading 6.2.4 - O Registro de distribuição de ações mediante subscrição pública 6.2.4.a) A Instrução CVM no 13/80 6.2.4.b) A Instrução no 13 e os limites do princípio de disclosure enquanto proteção ao investidor 6.3 - Proteção ao Acionista Minoritário na Lei das SA (Lei 6.404 de 15.12.76) 6.3.1 - A CVM e a Lei das S.A. 6.3.2 - Objetivos e desafios da Lei das S.A. 6.3.3 - Lei das S.A. e a proteção ao acionista 6.3.3.a) A instituição do dividendo mínimo obrigatório 6.3.3.b) Alteração do limite de participação das ações preferenciais, a figura do controlador na Lei das S.A. 6.3.3.c) Vantagens econômicas das ações preferenciais 6.3.3.d) Ampliação do direito de preferência 6.3.3.e) Incremento nas situações que dão direito de retirada ao acionista 6.3.3.f) A instituição da Oferta Pública no caso de alienação de controle 6.3.3.g) Voto múltiplo 6.3.3.h) A Criação do agente fiduciário e a flexibilização dos contratos 6.3.4 - Como fica o acionista minoritário depois da Lei nº. 6404/76 ? 6.4 - A Segunda Fase das Reformas – O Papel dos Investidores Institucionais Capítulo 7 - O Comportamento do Mercado de Capitais - 1978-86 7.1 - O Comportamento da Inflação e o Nível de Atividade 7.2 - O Mercado Primário 7.2.a) O segmento de debêntures 7.2.b) O segmento de ações 7.3 - Mercado Secundário de Ações 7.4 - As Emissões de Ações e os Demais Ativos da Economia 7.5 - As Emissões de Ações, a FBCF e o PIB da Economia Conclusão Referências Bibliográficas Anexo I – Entrevistas Anexo II – Tabelas 1 a 17 83 84 84 88 88 90 92 93 95 98 101 101 101 103 105 108 108 110 114 118 118 120 121 121 122 123 124 127 130 133 134 136 138 138 140 141 146 146 146 149 155 158 162 163 165 170 179 181 6 Resumo A tese examina o impacto da criação do órgão regulador específico do mercado de capitais - a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Diante da ineficiência dos mercados e da precariedade do monitoramento exercido pelos acionistas sobre as empresas emissoras e as instituições intermediárias, existe um papel importante a ser exercido pelo Estado, estabelecendo regras e monitorando o mercado e seus participantes. A análise do caso brasileiro teve dois objetivos: i) investigar se, no âmbito das reformas dos anos 70, a criação da CVM promoveu um ambiente de maior proteção para o investidor; ii) examinar quais foram os efeitos das medidas implementadas, de 1976 a 1986, pelo novo órgão regulador, sobre o mercado de capitais. Este último item analisa se a experiência brasileira neste período permite comprovar a proposição, sugerida pelos trabalhos da escola legal finance, de que mercados de capitais mais regulados seriam mais desenvolvidos. Verificou-se que a atuação da CVM gerou um ambiente de maior proteção ao acionista, em comparação às condições que vigoravam anteriormente, em especial devido à redução de emissões irregulares de valores mobiliários e a uma maior disponibilização de informações sobre as companhias abertas, além da introdução e ampliação de alguns dispositivos, previstos na Lei das S.A., de proteção ao acionista minoritário. No entanto, constatou-se que essas reformas não lograram promover efeitos positivos significativos sobre o nível de desenvolvimento do mercado de capitais, não sendo possível, então, diante da experiência do mercado de capitais no Brasil no período decorrido de 1976 a 1986, estabelecer uma relação direta positiva entre regulação e desenvolvimento do mercado. Abstract This thesis examines the impact of the creation, in 1976, of the Brazilian Securities and Exchange Commission - the federal agency responsible for regulating the national securities market. In view of gross market inefficiencies and lack of shareholder power to monitor both the publicly held companies and intermediate institutions, it was deemed necessary that the federal government establish standards and pass a series of laws to oversee the conduct of all concerned. In this respect, the objective of the thesis was twofold: 1) to determine whether the investor was, in fact, better protected as a result of the newly-created commission, set of standards, and rules; and 2) to examine the effects of these regulatory measures - gradually implemented between 1976 and 1986 - on the conduct of the securities market as a whole. Item 2 is further analyzed to determine if the Brazilian experience proved the contention, as suggested by the legal finance school, that the most highly regulated stock markets are also the most highly developed. The results showed that the protective measures instituted by the Commission, at least in comparison to the pre-1976 scenario, were able to create a safer environment for the shareholder by requiring that investors receive financial and other relevant information and by significantly reducing the number of irregular public offerings. In addition, the new corporate laws also determined that the minority shareholder be more fully protected. It was found, however, that these reforms did not appear to have had a significant effect on the level of development of the Brazilian securities market from 1976 to 1986. In this context, it was, therefore, not possible to establish a direct relationship between regulation and development of the securities market in Brazil during that period. 7 Introdução A importância do mercado de capitais é, de acordo com a visão mais comumente veiculada, atribuída ao seu papel na formação de poupança para o investimento. Diferentemente, a teoria pós-keynesiana nos oferece uma visão particular sobre esse tema. Keynes, em sua visão do multiplicador da renda, defende que o investimento agregado enquanto gasto autônomo não exigiria poupança agregada prévia. Isto porque, a obtenção por parte das empresas de recursos para seus investimentos sob a forma de financiamentos bancários dependeria da disposição dos bancos de elevar seu grau de alavancagem, e, portanto, seu nível de fragilidade financeira. Mas, o mercado de capitais poderia exercer uma função fundamental, qual seja: se a poupança gerada por esses investimentos, através do processo do multiplicador da renda, pudesse ser direcionada para ativos de longo prazo, emitidos por essas empresas, proveria-se o funding, que permitiria reduzir o risco dos investimentos em capital fixo e garantir a estabilidade do processo de crescimento. Dentre os vários fatores que influem no comportamento dos mercados de capitais, o presente estudo se propõe a investigar qual papel pode ser reservado especificamente ao fator regulação. A tese examina, mais especificamente, os impactos da criação da Comissão de Valores Mobiliários como reguladora do mercado de capitais no Brasil, ao longo do período compreendido entre 1976 e 1986. Tem como objetivo também avaliar, a partir da experiência brasileira, as proposições que ressaltam o fator regulatório e legal como fatores determinantes para o desenvolvimento desses mercados. As regulações desenvolvidas para os sistemas financeiros podem ser subdivididas, grosso modo, em dois tipos. A regulação prudencial, basicamente voltada para instituições bancárias, que consiste em impor restrições em termos de composição de ativos e passivos e em termos de riscos assumidos pelas operações do balanço. Seu objetivo é reduzir o risco de falência dessas instituições e, por conseguinte, afastar o risco sistêmico e promover a estabilidade do sistema financeiro como um todo. Nesse caso, os agentes regulados são as instituições financeiras. Uma segunda linha de regulação é aquela voltada à integridade e à eficiência dos mercados, que é o caso da regulação adotada para o mercado de capitais, será esta, portanto, a linha aqui abordada. 8 Essa regulação consiste em definir regras de atuação para os agentes e instituições participantes, as quais abrangem exigências de disponibilização de informações, regras de especialização e conduta, dispositivos de proteção, proibição do uso de informação privilegiada, de emissões irregulares etc. O objetivo é, fundamentalmente, proteger o investidor e afastar práticas de manipulação, abusos e fraudes. Apesar de que essa regulação atue sobre as instituições financeiras intermediárias (corretoras, bancos de investimento, auditores independentes etc.) seu foco não é no balanço contábil dessas instituições, mas nos produtos e serviços que oferecem. A constituição de mercado de capitais desenvolvido, em particular, em países menos desenvolvidos, tem-se demonstrado tarefa complexa. Para o caso brasileiro, foram vários os momentos em que tal preocupação se fez presente na agenda dos Governos brasileiros na forma da implementação de esforços regulatórios. Foi nos anos 60 que se deram as primeiras iniciativas de mais vulto voltadas para o mercado de capitais no Brasil. Nos anos 70, o Governo brasileiro editou uma nova rodada de iniciativas mais profundas nessa direção. Cumpre ressaltar que essas iniciativas se deram, portanto, bem antes dos processos mais recentes de liberalização e de globalização financeira, que promoveram estímulo para o desenvolvimento de mercados de títulos em vários países. Vários são os motivos que têm sido levantados como empecilhos para a obtenção de resultados mais sólidos nesse campo. Contudo, a finalidade principal desta tese é examinar de que forma o desenvolvimento da regulação e a atividade de monitoramento, realizados pela CVM, puderam contribuir para o mercado de capitais no Brasil. A análise abrange os primeiros dez anos após a constituição do novo órgão regulador, com o intuito de observar quais foram os primeiros impactos de sua atuação. Visando a cumprir o objetivo almejado, serão analisados a regulação implementada e o comportamento do mercado ao longo desse período. A análise do mercado de capitais compreenderá os segmentos de ações e de debêntures. Apesar de que hoje o mercado de capitais contemple gama mais ampla de títulos e valores mobiliários, no período em análise, o mercado brasileiro consistia-se basicamente desses dois segmentos. 9 Nesse sentido, a tese prioriza a análise dos dispositivos legais e regulatórios voltados mais especificamente para a atuação das companhias emissoras de ações e debêntures - as companhias abertas. Dessa forma, serão examinados, fundamentalmente, a regulação que tratou de divulgação de informações das companhias e os dispositivos mais importantes da Lei das S.A., promulgada em 1976, que proveram suporte às atividades da CVM voltadas à proteção do acionista minoritário. Os capítulos estão subdivididos em duas grandes partes. A primeira apresenta a abordagem teórica. O Capítulo 1 analisa as principais características que distinguem crédito e títulos enquanto fonte de recursos para as empresas. O Capítulo 2 apresenta a Hipótese de Mercados Eficientes – HME e as críticas a ela direcionadas por diferentes escolas. O Capítulo 3 discute o monitoramento dos acionistas sobre as companhias emissoras de títulos e o papel que pode ser exercido pelo Estado. O Capítulo 4 estuda a evolução do mercado de capitais nos Estados Unidos, a partir do final do séc. XIX e a implementação de órgão regulador específico e regulação no âmbito federal para esse mercado. A segunda parte trata do caso brasileiro. O Capítulo 5 apresenta o ambiente regulatório para o mercado de capitais resultante das reformas dos anos 60. O Capítulo 6 examina a atuação normativa da CVM sobre as companhias abertas e os dispositivos da Lei das S.A. mais importantes. O Capítulo 7 avalia o comportamento do mercado de capitais no período compreendido entre 1976 e 1986. 10 1ª parte: Mercado de Capitais e Regulação - a Abordagem Teórica 11 Capítulo 1 – Sistemas e Mercados Financeiros 1.1 – Sistemas Financeiros e Crescimento Econômico Em economias com formas de organização mais primitivas, a possibilidade de expansão da capacidade produtiva estaria condicionada à reserva de parte do produto corrente, ou excedente, que, não sendo utilizado para consumo, poderia ser direcionado para a expansão da produção futura. Em economias modernas de mercado, onde a produção é organizada por empresas, a ampliação da capacidade produtiva requer a compra de bens de capital que, por sua vez, exige recursos disponíveis por parte da unidade investidora e, ainda, expectativa positiva acerca do retorno monetário que a receita derivada desses investimentos possa originar. Na literatura econômica, a relação entre desenvolvimento financeiro e desenvolvimento econômico já havia sido ressaltada por Gurley e Shaw1, nos anos 50. Mais recentemente uma literatura empírica tem analisado indicadores de desenvolvimento financeiro para diversos países e confirmado uma relação positiva entre desenvolvimento financeiro e econômico2. A existência de transações financeiras entre os agentes torna possível às unidades que desejem gastar mais do que os recursos próprios que têm disponíveis, a emissão de obrigações financeiras, mediante as quais se obrigam a pagar no futuro um determinado fluxo de recursos, em troca de recursos imediatos para efetuar seus planos de gastos correntes. O ofertante de recursos emprestáveis, por outro lado, troca poder de comando sobre recursos no presente por promessa de recebimento de fluxo futuro, seja porque não possui a capacidade empreendedora para utilizar esses recursos, ou porque o retorno esperado de 1 Gurley J. G. e Shaw, E. S. (1955). “Financial Aspects of Economic Development” in The American Economic Review, Vol. XLV, no 4, September. 2 Ver, por exemplo, Beck, Demirgüç-Kunt, Levine e Maksimovic (2000). “Financial Structure and Economic Development: Firm, Industry and Country Evidence”, mimeo, w.w.w.worldbank.org., agosto. 12 seus próprios projetos é menos promissor do que os resultados prometidos pela unidade que está a demandar recursos, não justificando os riscos que teria que correr. Seria possível, assim, caracterizar unidades superavitárias como aquelas cujos gastos correntes são menores que o poder de compra que elas têm disponível. Essas unidades podem, assim, converter poupança em poupança financeira, mediante a aquisição de ativos financeiros e, desse modo, disponibilizar recursos para as unidades deficitárias. As unidades deficitárias são, então, as demandantes de poupança financeira. Dessa forma, o desenvolvimento e o aprofundamento das relações financeiras viabilizam a separação entre quem possui comando sobre a renda social e quem vai utilizá-la efetivamente (Carvalho et al., 2000). Supondo-se taxas de retorno diferenciadas para os ativos de capital e nível de investimento desejado distinto por parte das unidades econômicas, existiria uma demanda potencial pelas obrigações financeiras a serem emitidas, porque a decisão de investimento de uma determinada unidade observaria, também, o custo de oportunidade de utilizar esses recursos em projetos de outras unidades (Herring & Chaturspitak, 2000). Diante de tais condições, e na medida em que existam instrumentos financeiros que interliguem os diferentes setores, a emissão de obrigações permitiria melhorar a alocação de recursos entre os agentes e promoveria, assim, um aumento do retorno do capital e do volume de investimento e, por conseguinte, do crescimento econômico. As instituições e mercados financeiros conformam os sistemas financeiros, que podem apresentar diferentes níveis de desenvolvimento e sofisticação. São por intermédio das instituições financeiras e dos mercados financeiros que se viabilizam as transações financeiras as quais tomam a forma de obrigações financeiras ou promessas de pagamento. Sistemas financeiros mais sofisticados permitem viabilizar a realização de transações financeiras por meio dos títulos de propriedade, que são, na verdade, expectativas de pagamento. 13 1.2 - Mercado de Crédito e Mercado de Capitais O mercado de crédito e o mercado de capitais se distinguem entre si, fundamentalmente, pelo canal por meio do qual são transferidos os recursos mas, também, por outros aspectos tais como o grau de disponibilização de informações e de padronização dos contratos, as formas de monitoramento, mecanismos de garantia, tipos de relacionamentos estabelecidos, etc, que serão analisados a seguir. 1.2.1 - Operações intermediadas e desintermediadas Uma forma básica de distinção entre as transações financeiras refere-se ao canal por meio do qual é transferido o poder de compra da unidade superavitária para a unidade deficitária. A intermediação financeira consiste no mecanismo pelo qual os recursos captados junto ao público, que serão registrados no passivo das instituições financeiras, são disponibilizados aos agentes deficitários, dando origem aos ativos que serão, também, registrados no balanço dessas instituições. O exemplo mais representativo desse processo é a oferta de crédito realizada pelos bancos comerciais a partir dos recursos captados via depósitos. A outra modalidade de financiamento consiste na colocação de papéis no mercado. Nesta os recursos são obtidos pelos agentes tomadores de forma direta junto ao público sem, portanto, resultar em direitos e obrigações nos balanços das instituições financeiras envolvidas. Nesse caso, essas instituições atuam como agentes colocadores, ou “corretores”. Caso subscrevam esses papéis para posterior colocação no mercado, exercem função adicional, que é a de prover liquidez a esses papéis adiantando recursos ao tomador, que serão, de qualquer forma, obtidos mais a frente junto ao público. Esse é o caso das operações de emissões primárias de títulos de dívida emitidos pelas empresas, de curto ou longo prazo, como notas promissórias e debêntures, e de títulos de propriedade (ações), já há muito disseminadas3. Nessas operações, destacam-se os bancos de investimento, como instituições financeiras que tipicamente atuam como colocadoras e/ou subscritoras desses papéis. 3 As operações de securitização têm, mais recentemente, apresentado novas formas de operacionalização, nominadas de securitização secundária. Estas consistem, em linhas gerais, na atividade de “empacotar” uma coleção de obrigações e colocá-las na forma de títulos - Asset Backed Securities, junto ao tomador final. 14 Os dois grupos de modalidades de financiamento apresentam algumas diferenças importantes no que diz respeito ao tipo de risco assumido pelas instituições financeiras envolvidas. No processo de intermediação financeira, a instituição bancária assume o risco de crédito, ou seja, de não pagamento. Já no caso das operações de securitização, a instituição financeira que atuar como subscritora está submetida ao risco de mercado, ou seja, ao risco de perda de capital, caso o preço dos títulos caiam relativamente ao valor pelo qual foram obtidos, ou mesmo ao risco de liquidez, caso não consiga encontrar tomadores para esses papéis. Esses são riscos, no entanto, assumidos de forma temporária. Evidentemente, ao atuar exclusivamente como organizadoras e colocadoras, ou “corretoras”, essas instituições não se submetem a nenhum desses riscos, e, nesse caso, os riscos estão sendo socializados integralmente entre os tomadores finais. Desse modo, enquanto a colocação de títulos em mercado promove uma dispersão horizontal do risco entre um grande número de investidores, a concessão de crédito pelas instituições bancárias está associada a um modelo de distribuição vertical e intertemporal do risco que se dá no âmbito do balanço dessas instituições (Sarcinelli, 1996). Do ponto de vista do tomador de recursos, a socialização do risco de crédito, viabilizada pela colocação de papéis, seria uma forma de reduzir o custo de captação de recursos relativamente ao custo de obter crédito, somado ao fato de que o desenvolvimento de mercados secundários daria liquidez aos estoques de papéis existentes, sendo mais um atrativo para esses ativos. No entanto, essas vantagens dependeriam do cumprimento de um conjunto de condições adicionais, como veremos adiante. Os mercados primários de títulos consistem naqueles onde os ativos, depois de emitidos pelas empresas, são distribuídos, ou seja, ofertados pela primeira vez, originando, no caso de títulos de dívida, uma obrigação para o agente emissor e um direito para o detentor. Já no caso de títulos de propriedade, as emissões no mercado primário permitem ampliar o capital da empresa. A propriedade do capital torna o detentor do título de propriedade um sócioproprietário, repartindo os riscos do negócio, e a ela associa-se uma expectativa de pagamento na forma de dividendos. 15 Mercados secundários são aqueles nos quais os detentores dos ativos podem transacionar tais direitos entre si. Os mercados de títulos costumam apresentar maior liquidez do que o mercado de crédito. De acordo com Zysman (1993) entre vários outros, a predominância em uma economia de uma das duas modalidades de financiamento acima apresentadas é basicamente o que permitiria classificar o modelo de sistema financeiro adotado nessa economia como um modelo com base no mercado de capitais ou com base no crédito. Desse modo, com base numa abordagem de estoques, o sistema financeiro com base em mercado de capitais apresentaria, dentre os ativos detidos pelos agentes não financeiros, uma participação mais significativa de títulos, enquanto que o sistema financeiro com base em bancos teria uma maior participação de obrigações bancárias na forma de depósitos. 1.2.2 – Mercados privados e mercados públicos – a questão informacional Os diferentes canais de transferência de recursos têm níveis bem distintos de transparência de informações acerca das unidades deficitárias, fator este que diferencia os mercados públicos dos privados. As empresas não financeiras serão o foco da análise no nosso caso. Os mercados privados se distinguem pela existência de um baixo nível de transparência das informações relativas à empresa demandante de recursos. O crédito bancário é um exemplo de um instrumento transacionado em mercado privado. Para autores como Goodhart, na presença de problemas de informação justifica-se a existência de instituições bancárias, sem as quais os mercados financeiros seriam ditos incompletos. Os bancos especializam-se em reunir informações facilitando as atividades de emprestar e tomar emprestado4. Os bancos detêm informações acerca das empresas/clientes seja porque avaliam essas empresas no momento em que decidem conceder o crédito, seja porque recebem informações ao longo da vigência do financiamento. Dessa forma, ao reunir e levantar informações, diz-se que os bancos produzem informações que, no entanto, não disponibilizam e nem negociam, mantendo-as privadas e usando-as internamente. 4 Para Goodhart (1989), o aspecto informacional é determinante para explicar a existência de instituições que intermediam recursos: “With no private information financial intermediation would be irrelevant to economic activity as in the Miller-Modigliani analysis” (Goodhart, 1989). 16 Por outro lado, em decorrência do uso privado de informações, os bancos podem auferir rendas de informação (Gorton, 2002). De acordo com Fischer, isto se dá a partir do momento que o banco detém a informação acerca do nível de risco de crédito da empresa. Fischer propõe, assim, um modelo de dois períodos. No primeiro momento o banco desconhece para que tipo de devedor está concedendo o crédito, mas provê o financiamento na expectativa de que, no segundo momento, quando puder distinguir quais são as firmas com boa qualidade de crédito, poderá obter rendas de informação. Portanto, terá um prejuízo resultante de sua falta de informação, no primeiro momento, quando empresta para empresas boas e ruins, e obterá ganhos num segundo momento, quando poderá distinguir as empresas que são boas devedoras e usufruir disto por ser o único a deter esse conhecimento. Devido às informações privadas que possui sobre essas firmas, relativamente à falta de informações de seus concorrentes, deterá um poder de monopólio, podendo cobrar taxas de juros mais elevadas do que as que seriam compatíveis com o nível de risco das mesmas. Por outro lado, tal possibilidade reduziria o problema de seleção adversa no caso das firmas em questão, que pagariam mais caro, mas não estariam submetidas ao racionamento de crédito5. Com relação a esse aspecto, os bancos universais apresentariam uma vantagem com relação aos bancos especializados, porque a partir da relação multifacetada com as empresas tomadoras, derivada do diferenciado conjunto de serviços que oferece, podem obter uma gama de informações sobre diferentes aspectos financeiros daquelas empresas, usufruindo de economias informacionais de escopo. A regulação, no entanto, pode impedir ou dificultar a ocorrência de economias desse tipo quando estabelece mecanismos do tipo Chinese walls, que visam exatamente evitar a troca de informações não públicas entre diferentes setores de uma instituição financeira. Os mercados públicos caracterizam o espaço de negociação dos instrumentos de financiamento direto, ações e títulos de crédito (de curto e longo prazo). Esses mercados requerem um maior grau de disponibilização de informações acerca dos emissores dos títulos, o que, por sua vez, requer a atuação de um conjunto de agentes e instituições que irão elaborar, auditar, registrar, divulgar, coletar, analisar e interpretar tais informações. Por conseguinte, esta maior transparência requer, por um lado, um sistema financeiro mais 5 Esse modelo é apresentado em Edwards and Fischer (1994) tendo como referência Fischer, K., tese de PH.D não publicada, University of Bonn, 1990. 17 sofisticado no que se refere à diversidade de agentes e instituições atuantes e implicará, por outro, custos para as empresas e para os investidores. Uma maior transparência nos mercados públicos é obtida, em geral, em decorrência de fatores como: demonstrações financeiras auditadas, emissão de títulos negociáveis que estejam continuamente cotados no mercado, registros em instituições reguladoras, o conhecimento público acerca dos contratos que estabelecem com seus fornecedores, consumidores e mão de obra, etc. 1.2.3 – Contratos padronizados e contratos idiossincráticos O crédito bancário resulta do estabelecimento de um acordo particular privado entre o banco e o seu devedor, onde as condições e compromissos constantes do contrato de empréstimo (custo, prazo, cláusulas restritivas, garantias) são desenhados caso a caso, de acordo com as necessidades de financiamento do tomador e as necessidades de segurança do financiador, frente à avaliação de crédito que possui. Estes são, em geral, contratos complexos e estruturados que podem ser desenhados em conformidade com cada tomador. Em suma, são os chamados contratos indiossincráticos ou contratos feitos sob medida, como denominam Herring & Chaturspitak (2000) e são, por isso, transacionados no mercado de balcão. Em decorrência, tais contratos apresentam uma menor substitutibilidade, sendo por tanto menos líquidos. Os títulos, sejam de propriedade ou de crédito, tendem a ser contratos mais padronizados e, diferentemente do crédito bancário, dizem respeito a uma relação da empresa que se dá com vários investidores anônimos simultaneamente. Comparativamente aos contratos de crédito bancário, que tendem a ser mais minuciosos e complexos, os contratos dos títulos corporativos de crédito seriam mais simples e objetivos. Já no caso das ações, como ressalta Williamson (1984), os acionistas possuem com a empresa um contrato em aberto sem proteções específicas. São estabelecidas regras gerais relativas aos direitos e deveres dos acionistas e da companhia, usualmente previstas no estatuto da companhia, e a distribuição de dividendos depende da ocorrência de lucro. 18 1.2.4 - Relacionamento de longo prazo e negociação Uma forma importante de distinguir o mercado de crédito e o mercado de capitais seria o tipo de relacionamento que se constitui nas transações financeiras que se estabelecem. Conforme afirmam Allen e Gale (2000): “Any financial transaction involves time in an essential way, so any financial transaction establishes a relationship of some sort between the parties to the transaction. For example, if a firm sells bonds to investors, the investors become stakeholders in the company. But this is rather loose kind of relationship. There may be a large number of investors and they can sell their bonds at any time, so they have little incentive to monitor the firm and the firm has little incentive to find out about them. On the other hand, if the firm obtains a loan from a bank, a different sort of relationship, and it is more likely to be a long-term relationship. It may be a multifaceted relationship, as the bank may be providing many different services to the firm. We should expect this kind of relationship to provide different information flows and different incentives to monitor, cooperate, and co-insure” (Allen and Gale, 2000, p. 315). No caso do mercado de crédito, o possível estabelecimento de uma relação de confiança entre as partes, propiciada pela relação bilateral existente, entre os demandantes e o banco permitiria acordos implícitos. Nessas condições, menos importante seria o papel do contrato em si, e mais fundamental seria o que está estabelecido entre as partes. Como está relação não estaria, principalmente, regida por regras e instrumentos externos, pode ser considerada como uma relação autogovernável (Rajan e Zingales, 1995). Por outro lado, no caso dos detentores de títulos em circulação no mercado tende a se estabelecer uma relação mais frouxa com os demandantes de recursos, onde não existiriam acordos tácitos, mas somente as obrigações e direitos que estariam acordados explicitamente. A partir dessas considerações é possível considerar a realização de contratos ditos incompletos como uma das conseqüências de relacionamentos de longo prazo no âmbito das transações financeiras que envolvem banco e empresa. Tais contratos diferenciam-se dos contratos completos porque não prevêem integralmente todas as contingências possíveis e 19 permitem processos de renegociação como mecanismo de adaptação às contingências não esperadas6. Os contratos incompletos tornariam os processos de renegociação desejáveis, principalmente, porque não seriam contraditórios com o poder disciplinador do monitoramento7. As atividades de renegociação, como também de monitoramento, são mais facilmente exercidas quando há concentração de recursos no lado do ofertante. Isto se deve, em parte, porque a concentração implica que há poder de decisão, mais difícil de ocorrer no caso dos investidores pulverizados de títulos. Ademais, o rescalonamento ou a renegociação da dívida é uma possibilidade concreta na relação banco/cliente, o que é, de certa forma, facilitado por ser uma relação bilateral, e que envolve também um horizonte mais longo de tempo e outras atividades e produtos, fatores que poderão ser pesados em conjunto. Nas formas de financiamento direto, menores são as facilidades para as atividades de monitoramento e de renegociação, devidas, em grande medida, a um maior grau de pulverização dos ofertantes de recursos e a necessidades mínimas de padronização de ativos negociados em mercado. A existência de um relacionamento de longo prazo entre o banco e empresa traria, também, implicações para a precificação do crédito. O financiador poderia oferecer uma taxa abaixo do mercado no curto prazo e recuperar suas perdas com uma taxa acima do mercado no 6 A hipótese de constituição de contratos incompletos seria justificada para alguns autores devido aos custos de realizar contratos completos: “Because the high transaction costs of writing complete contracts, some potentially Pareto-improving contingencies are left out of contracts and securities” (Allen and Gale, 2000, p.319). Para outros o fator impeditivo não são os custos que decorrem da complexidade desses contratos, sob incerteza seria impossível estabelecer contratos completos porque não seria possível prever todas as situações possíveis (ver discussão Capítulo 2). 7 Para Dewatripont and Naskin (1995) a hipótese de contratos incompletos é entendida como crucial para a discussão do papel da renegociação. Isto porque no caso dos contratos ditos completos, a possibilidade de renegociação traria restrições, e, portanto, custos adicionais, ao tipo de contrato ou acordo que seria viável. Esses seriam derivados de problemas potenciais de inconsistência temporal decorrentes das dificuldades do financiador em manter o compromisso de recusar prover fundos adicionais, em caso de inadimplência do devedor. Isto porque a decisão de suspender o crédito seria uma decisão ótima numa perspectiva ex-ante, mas em termos ex-post poderia ser sub-ótima, caso, os fundos fossem considerados já perdidos e a empresa acenasse com um novo projeto lucrativo. Dessa forma, a possibilidade de renegociação tenderia a limitar o poder disciplinador do monitoramento na forma da ameaça de suspensão do crédito e ambas as partes tenderiam a ter seu bem estar reduzido ex-ante. Nesse caso, monitoramento e renegociação seriam atividades contraditórias. Allen and Gale (2000) duvidam da força empírica desse argumento teórico. Dentre os argumentos levantados por esses autores destaca-se o entendimento de que o efeito disciplinador da suspensão do crédito poderia ser mais limitado do que se supõe, devido à existência de outras fontes de financiamento. 20 longo prazo (subsídios cruzados intertemporais), quando a firma estiver saudável e puder arcar com seus pagamentos. O fator reputação, quando se trata de uma relação que se repete no tempo, estimularia uma atitude de cooperação por parte dos bancos. Entretanto, em contrapartida à cooperação, os bancos procurariam garantir poder de monopólio a fim de auferir rendas de relacionamento ou rendas de reputação. Esse poder visaria garantir o retorno no longo prazo, assegurando que nos momentos em que o banco cobrasse uma taxa mais alta que a do mercado, compensando os períodos em que cobrou a menor, as empresas não pudessem ir à busca de outros credores. Desse modo, os subsídios cruzados parecem pressupor relação exclusiva, ou talvez, ao menos claramente diferenciada, comparativamente aos demais bancos que viessem a prestar serviços à empresa. 1.2.5 – Exigências na forma de colaterais e garantias Na medida em que o cadastro dos clientes é de acesso exclusivo do banco, ou seja, não está disponível a outros intermediários, exceto a um custo (Allen and Galle, 2000) e, ainda que a realização do valor imputado aos ativos correspondentes depende, em grande medida, da habilidade do intermediário em realizá-lo (Rajan e Zingales,1995), resulta que os créditos bancários possuem baixo grau de liquidez. Como ressalta também Llewelllyn (1999): “asymmetric information means that the value of a banks assets´(loans) is based on inside information possessed by the bank (because it manages the borrower´s payments account and has a long term relationship with the customer) that cannot be transferred with credibility in a secondary market or to another institution. Put another way, a banks´ assets (loans) are valued more highly on a going-concern basis than on a liquidation or break-up of the bank” (Llewellllyn, 1999, p.14). Em conseqüência decorre que, no caso de inadimplência dos devedores, os bancos não poderiam recuperar os recursos emprestados facilmente e sem perdas. Em contrapartida os bancos podem exigir colaterais, ou seja, ativos de propriedade dos tomadores de recursos como garantia. Fundamentalmente, as exigências na forma de colaterais facilitam a transação financeira porque, primeiramente, é menor o custo de avaliar o valor dos ativos dados em garantia do 21 que o valor da própria empresa, que depende de cálculo do fluxo de caixa futuro e, em segundo, porque estabelece direitos dos credores sobre esses ativos. No caso dos títulos de dívida as garantias assumem papel menos importante, seja devido ao maior nível de transparência desses contratos, ou à existência de mercados secundários, ou ainda porque suas condições estejam fortemente determinadas pelo rendimento oferecido e pela percepção do mercado acerca do risco da empresa emissora. Em muitos casos esses contratos podem não oferecer garantias ou apenas garantias flutuantes8. No caso das ações, a empresa está compartilhando o risco com seus investidores, de forma que os acionistas não possuem nenhum tipo de garantia, a sua parte no capital da companhia varia com as condições financeiras e econômicas da empresa. 1.2.6 - Exit e Voice como mecanismos corretivos (disciplinadores) dos contratos financeiros De uma maneira geral as transações de compra e venda de produtos e serviços envolvem o risco de que ambas as partes não cumpram o que foi acordado. Tal risco costuma ser contrabalançado com diferentes mecanismos de proteção, em grande parte, de caráter preventivo, corretivo ou compensatório, conforme o caso9. Os contratos de produtos e serviços financeiros não são diferentes. Os contratos financeiros diferenciam-se dos contratos não financeiros por aglutinarem um grande número de características especiais que elevam o risco mencionado, e que estão presentes nesses últimos, porém, de maneira mais dispersa (Llewellyn,1999). Dentre essas características, destaca-se o fato de que, num sentido mais geral, a qualidade dos contratos financeiros não pode ser verificada a não ser com algum custo. 8 As garantias flutuantes asseguram um privilégio geral sobre o ativo da companhia, mas não impedem negociações envolvendo os bens que compõem esse ativo e, por isso, se diz que são flutuantes. 9 O mecanismo de proteção utilizado nos contratos privados vai depender de fatores como a freqüência com que o bem ou serviço são consumidos ou o seu nível de padronização. A falta de experiência do consumidor, ou seja, uma menor freqüência na utilização de um produto ou serviço, pode ser compensada pelo fato de que caso sejam produtos mais padronizados, poderão sofrer processos de classificação, que servirão de referência para o consumidor. 22 Para vários casos o valor do contrato pode não estar sujeito a avaliações objetivas. Isto ocorre, por exemplo, quando o valor de compra deve considerar os resultados de um longo período de tempo ou quando esses resultados somente emergem após um determinado período de tempo após a assinatura do contrato. Observa-se, também, que quando se trata de transações financeiras de longo prazo prever todas as contingências pode ser difícil ou impossível 10. Destacam-se os problemas de informação associados ao fato de que as partes podem possuir níveis de informação distintos - assimetria de informação e, em decorrência, problemas de seleção adversa e de agente-principal. Em geral, atribui-se, dependendo do tipo de contrato financeiro, seja de crédito, ou de título de capital ou de dívida, diferentes mecanismos através dos quais as instituições financeiras, e/ou detentores de títulos, exercerão sua influência sobre as empresas, visando garantir o retorno dos recursos disponibilizados, reduzindo o risco de não cumprimento do contrato. Nesse sentido, Zysman (1983) ressalta os dois mecanismos usualmente destacados como fundamentais: o mecanismo de “saída” (exit) e o mecanismo de “voz” (voice). Tendo inicialmente como referência o mercado de bens, o mecanismo de “saída” estaria associado à decisão do consumidor de mudar para o produto de uma outra firma quando essa declinasse em sua performance, comparativamente às demais. Constitui-se, portanto, num mecanismo de mercado, ou seja, a mudança promovida pelo consumidor colocaria em movimento forças de mercado11. 10 Segundo a escola neo-institucionalista, de acordo com o conceito de racionalidade limitada, estes custos estariam associados ao grau de complexidade que esse exercício encerraria e explicariam, por outro lado, a existência de contratos incompletos. De acordo com a escola pós keynesiana, sob incerteza seria impossível estabelecer contratos completos, dada a precariedade das informações disponíveis não seria possível prever em contrato todas as situações possíveis (ver discussão Capítulo 2). 11 Hirschman (1970) demonstra sua surpresa com o fato de que “...the precise modus operandi of the exit option has not received much attention (…) Most authors are content with general references to its ‘pressures’ and ‘disciplines” (p21). Adicionalmente, o autor ressalta que: “as far as I have been able to ascertain, no study, systematic or casual, theoretical or empirical, has been made of the related topic of competition’s ability to lead firms back to ‘normal’ efficiency, performance, and growth standards after they have lapsed from them” (p.22). Numa análise mais detida desse mecanismo seria possível contrapor, por exemplo, o entendimento geral de que estaria de antemão garantida a eficiência desse mecanismo pelo fato de que se supunha também garantida a rapidez com que seus efeitos deveriam se proliferar. No entanto, no entendimento de Hirshman a eficiência desse mecanismo não repousa, ao contrário do que usualmente se defenderia, na velocidade com que seus efeitos se disseminam: 23 Com relação a esse mecanismo de “saída”, de acordo com Hirshman (1970), podem ser observadas algumas características gerais. É um mecanismo cujas sinalizações podem ser claramente definidas: ou o consumidor sai ou fica. Nesse caso, não há um confronto entre consumidor e firma, o sucesso ou fracasso são observados através dos resultados estatísticos que vão se apresentando. Esse é, então, um mecanismo impessoal. E, além disso, como a esperada recuperação da firma com fraca performance seria um co-produto não intencional da decisão do consumidor de mudar, pressupõe, também, mecanismo de correção indireto. No caso dos títulos é a existência de mercados secundários organizados que permite que o mecanismo de “saída”, em caso de discordância acerca das condições oferecidas pelo ativo financeiro, possa ser largamente utilizado pelos investidores, porque simples, rápido e com baixos custos. É evidente que tal possibilidade dependerá do atributo de liquidez do ativo em questão, ou seja, a sua capacidade de ser trocado por moeda, ou seja, vendido, rapidamente sem perda de valor 12. Um segundo ponto a ser observado refere-se a como tal mecanismo poderia atuar de forma corretiva. O subproduto esperado, porém não intencional, dos movimentos de saída e entrada dos investidores seria: ao afetarem os preços no mercado secundário e, por conseguinte, a procura e a alocação de fundos em favor desses ativos, promoveriam uma pressão sobre as empresas emissoras ao definir quais as condições das colocações desses ativos no mercado primário. Veja-se, então, que para o caso do mercado financeiro, comparativamente ao caso do mercado de bens, agrega-se um fator adicional que faz o subproduto esperado depender de um mecanismo ainda mais indireto, ou seja, dos efeitos da atuação dos investidores de um determinado mercado sobre outro mercado. “For competition (exit) to work as a mechanism of recuperation from performance lapses, it is generally best for a firm to have a mixture of alert and inert customers. The alert customers provide the firm with a feedback mechanism which starts the effort at recuperation while the inert customers provide it with the time and dollar cushion needed for this effort to come to fruition. According to traditional notions, of course, the more alert the customers the better for the functioning of competitive markets. Consideration of competition as a recuperation mechanism reveals that, although exit of some customers is essential from bringing the mechanism into play, it is important that other customers remain unaware of, or unperturbed by, quality decline: if all were assiduous readers of Consumer Reports, or determined comparison shoppers, disastrous instability might result and firms would miss out on chances to recover from their occasional lapses” (Hirschman, 1970, p.25). 12 Para os mercados de títulos, a figura do market maker é essencial para garantir que haja uma permanente oferta e demanda do ativo sem significativas variações de preços. A capacidade deste em prover liquidez estará, por sua vez, condicionada a capacidade de obter recursos, que, em última instância, dependerá da liquidez proporcionada pelo Banco Central. Ver Davidson (1978). 24 Já o mecanismo de “voz”, tendo como referência mais uma vez o mercado de bens, refere-se à tentativa do consumidor de mudar a prática, a política ou os produtos da firma cujos produtos ele consome. Em comparação ao mecanismo de “saída”, o mecanismo de “voz” tende a ter um espectro mais amplo de sinalizações possíveis a serem dadas pelo consumidor, tende a ser mais pessoal e caracteriza-se como um mecanismo corretivo direto. No mercado de crédito destaca-se a utilização do mecanismo de voz (voice), visto que os intermediários financeiros usariam sua posição para opinar e exercer influência sobre os negócios da empresa, ou seja, para monitorar as atividades da empresa credora. Nesse caso, seria mais difícil a utilização de mecanismos de saída. Nesse sentido, Zysman ressalta as especificidades da relação entre bancos e firmas quando do empréstimo de longo prazo, devido aos riscos assumidos pelos bancos. Dessa forma, numa primeira aproximação, dentro de uma lógica mais micro, ficam claros os elementos disciplinadores básicos usualmente citados que sustentariam os dois tipos de transação financeira: o monitoramento, ou “voz”, que predominaria no sistema com base em bancos, e os mercados secundários, ou mecanismo de “saída”, no sistema com base em mercados. 1.3 - Conclusão Da discussão acima apresentada, deriva-se que títulos e crédito possuem características bem distintas no que se refere a um conjunto bem amplo de aspectos. Além disso, tanto do ponto de vista dos agentes deficitários, quanto dos agentes superavitários, estão associados, em geral, custos, sejam monetários e/ou não monetários, às vantagens que cada tipo de transação financeira, em tese, pode oferecer. Dessa forma, o mercado de crédito bancário caracteriza-se por operações intermediadas que são realizadas em mercados privados, podendo, assim, atender a demanda de recursos por parte das companhias que possuam baixo de grau de transparência. Porém, ao possuírem informações privilegiadas sobre as empresas, os bancos podem auferir rendas informacionais. 25 Já o mercado de títulos caracteriza-se por transações financeiras desintermediadas, realizadas no âmbito do mercado público. Mercados mais transparentes seriam, em tese, uma vantagem para o investidor e também para as empresas, que poderiam ter ampliadas sua capacidade de obter recursos. No entanto, maior transparência implica custos para ambos, monetários e não monetários, e um maior grau de sofisticação exigido para o sistema financeiro. Do ponto de vista da empresa, a socialização do risco de crédito, viabilizada pela colocação de papéis, seria uma forma de reduzir o custo de captação de recursos relativamente ao custo de obter crédito. No entanto, isso dependeria da formação de mercados secundários líquidos para esses títulos, que dentre outros requisitos requer uma maior transparência de suas informações. Adicionalmente, as transações entre bancos e empresas tenderiam a gerar relações de mais longo prazo e contratos idiossincráticos que permitiriam arranjos implícitos entre devedor e credor, facilitados por uma maior possibilidade de negociação e de monitoramento. Porém, em troca das vantagens que essa relação poderia oferecer para as empresas, os bancos procurariam auferir rendas de reputação. Comparativamente, nas formas de financiamento direto, devido, em grande medida, a um maior grau de pulverização dos ofertantes de recursos e às necessidades mínimas de padronização dos ativos negociados em mercado, são mais difíceis os arranjos implícitos e as atividades de monitoramento e renegociação. Diferentemente do crédito bancário e dos títulos de dívida, os acionistas possuem com a empresa um contrato em aberto. São estabelecidas regras gerais, usualmente previstas no estatuto da companhia, e a distribuição de dividendos depende da ocorrência de lucro. Os acionistas também não possuem nenhum tipo de garantia - sua parte no capital da companhia varia com as condições financeiras e econômicas da empresa. Usualmente, apontam-se os mercados secundários líquidos, ou mecanismo de “saída”, como o dispositivo de proteção do investidor contra o risco de não cumprimento do contrato para o caso dos títulos. Por outro lado, o monitoramento ou “voz” seria o mecanismo de proteção utilizado pelos bancos. 26 No Capítulo que segue discutiremos como diferentes escolas do pensamento econômico compreendem a eficiência do mecanismo de “saída”. 27 Capítulo 2 – Teorias de Mercado: a leitura crítica à Hipótese dos Mercados Eficientes 2.1 - Introdução A Hipótese dos Mercados Eficientes – HME teve origem no debate sobre teoria das finanças e embasou igualmente os estudos de mercado relacionados à análise do comportamento dos títulos financeiros. Essa hipótese dominou o entendimento do comportamento do mercado de ativos financeiros pelo menos durante a década de 70 13 , após a qual passou a ser desafiada, primeiramente por estudos empíricos e, posteriormente, por desenvolvimentos teóricos. Nessa seção serão discutidos seus preceitos básicos e analisados os argumentos críticos apresentados às fundações teóricas dessa hipótese que foram desenvolvidos por diferentes escolas. A discussão discorre, principalmente, sobre a validade dessa hipótese no mercado de capitais, e não no mercado de crédito, tendo em vista que a tese trata do regulador do mercado de títulos. Nosso objetivo é investigar a eficiência do mecanismo de “saída” no mercado de capitais, no sentido de em que medida consistiria num mecanismo de proteção suficiente aos seus participantes. 2.2 – A Hipótese de Mercados Eficientes O conceito de eficiência de Pareto, utilizado nas análises de equilíbrio geral para o caso do mercado de bens, define que o sistema em equilíbrio apresentará um vetor de preços que equilibrará a oferta e a demanda de bens e maximizará o bem estar social (ou a função utilidade social), de forma que neste ponto não será possível melhorar o bem estar de um indivíduo sem que se reduza o bem estar de outro. O conceito de eficiência para o mercado de ativos requer algumas adaptações, como salienta Hermann: “No mercado de ativo, o recurso escasso que limita o máximo relativo da função-utilidade não são fatores de produção (como no mercado de bens), mas sim a informação a respeito das condições de retorno e risco dos ativos. Neste mercado, portanto, o equivalente da alocação 13 O marco teórico para essa hipótese foi o artigo escrito por Fama publicado em 1970, intitulado “Efficient capital markets: A review of theory and empirical work”, publicado no Journal of Finance, 25:383-417. 28 ótima de recursos que define a eficiência de Pareto no mercado de bens é a utilização ‘plena e correta’ da informação disponível” (Hermann, 2002, p.62) (Grifo do autor). Esta condição estará assegurada se a informação relevante estiver disponível para todos os participantes ao mesmo tempo e se os preços dos ativos refletirem de forma rápida e correta todas as informações relevantes disponíveis. Se assim for, o vetor de preços, ao se mover, equilibra as ofertas de compra e de venda, de forma a encontrar o seu nível justo ou correto, veiculando ou refletindo ele próprio todas as informações e eliminando as possibilidades de ganhos de arbitragem. Conforme descreve Malkiel (1992): “A capital market is said to be efficient if it fully and correctly reflects all relevant information in determining security prices. Formally, the market is said to be efficient with respect to some information set, φ, if security prices would be unaffected by revealing that information to all participants. Moreover, efficient with respect to an information set φ, implies that it is impossible to make economic profits by trading on the basis of φ” ( p. 739, 1992, Malkiel). De acordo com a versão semi-forte da HME14, versão mais veiculada dessa teoria, os preços refletiriam os fundamentos micro e macroeconômicos do mercado em questão, absorvendo, além das informações relativas ao comportamento histórico dos preços dos títulos, todas as informações públicas disponíveis, ou seja, balanços contábeis, notícias e anúncios relevantes a respeito das empresas e dos títulos por elas emitidos. Os investidores são racionais e valoram os títulos racionalmente, ou seja, de forma a refletir seus fundamentos, qual seja, o valor presente líquido do fluxo futuro de caixa descontado, ajustado a características de risco. Os preços incorporam todas as informações disponíveis quase imediatamente, visto que os investidores ajustarão os preços para cima no caso de uma informação boa e para baixo no caso de uma informação ruim, de forma que reflitam o novo valor presente líquido do fluxo de caixa descontado correspondente ao título em questão. Dessa forma a HME seria uma conseqüência do equilíbrio em mercados competitivos com investidores plenamente racionais (Shleifer, 2000). 14 A HME, em sua versão fraca, afirma que os preços correntes refletem completamente as informações contidas nas séries históricas dos preços. Em sua versão forte, a HME afirma que toda a informação sobre as companhias que seja do conhecimento de qualquer participante do mercado se refletirá completamente nos preços. Para uma discussão mais detalhada ver Malkiel (1992). 29 A ausência de racionalidade por parte de alguns indivíduos não constitui, porém, problema a essa hipótese, supondo-se que os negócios dos indivíduos irracionais são aleatórios, ou seja, não correlacionados, anulando-se entre si. Mesmo se supondo que os negócios dos indivíduos irracionais são correlacionados, a defesa da HME ainda seria possível, se também for possível supor que estes indivíduos são encontrados no mercado por arbitradores racionais cuja atuação eliminaria sua influência sobre os preços. Dessa forma, sendo válida a HME, o mercado por si só funcionaria de forma adequada, e o mecanismo de “saída” funcionaria como forma de proteção aos agentes detentores de títulos, por conseguinte, nesse contexto, à regulação não teria nenhum papel relevante a cumprir. 2.3 – Críticas à Hipótese dos Mercados Eficientes À luz das críticas apresentadas pela teoria das finanças comportamentais e pelas escolas neo-keynesiana e pós-keynesiana serão a seguir discutidas cinco das hipóteses que se revelam cruciais a HME: comportamento racional, eficiência das operações de arbitragem, ausência de custo de transação, ausência de custo de informação, ausência de incerteza. 2.3.a) Comportamento irracional e as operações de arbitragem O objeto da teoria das finanças comportamentais – TFC é o estudo da falibilidade humana em mercados competitivos (Shleifer, 2000). Essa escola tem como foco as conseqüências sobre os preços e outras dimensões do mercado de um comportamento humano tendencioso, ignorante e confuso no âmbito de mercados financeiros competitivos, em contraste com o assumido pela HME. O aspecto central para a teoria das finanças comportamentais no que se refere a sua crítica à HME poderia estar representado na formulação da seguinte questão: o que poderia impedir a utilização correta pelos agentes das informações relevantes disponíveis, de forma que os preços não refletissem os chamados fundamentos? A questão que se coloca para essa teoria não é a informação em si, mas o uso que os investidores fazem dela. Comportamento 30 racional e eficiência das operações de arbitragem são as hipóteses da HME que são discutidas por essa escola. Uma primeira resposta a questão apresentada poderia ser: os investidores podem transacionar com base em informações irrelevantes, ou seja, mais com base no ruído do que na informação. Os erros de julgamento derivariam, na teoria das finanças comportamentais, de opiniões e preferências que estariam associadas a influências ou de ordem mais psicológica, quando referindo-se a reações comportamentais e emocionais dos investidores frente a uma determinada situação, ou de ordem mais cognitiva, relativas aos processos de apreensão e percepção de uma dada situação. Em decorrência, os investidores não agiriam de forma racional, e, portanto, sua conduta não estaria em conformidade com um determinado modelo normativo, sendo caracterizados como “unsophisticated” ou “noise traders”. Convém pontuar que a TFC não apresenta um modelo único, mas características de comportamento que procuram dar conta de diferentes aspectos de operação dos mercados. O objetivo dessa seção será apenas apresentar alguns dos aspectos e hipóteses que norteiam alguns desses modelos. Fundamentalmente, a TFC identifica desvios comportamentais, sejam de caráter individual ou coletivo, que podem ser classificados como de ordem cognitiva ou de ordem emocional. No âmbito dos desvios cognitivos de ordem individual ressalta-se, por exemplo, uma “racionalidade limitada” que se origina das dificuldades do indivíduo, quando em situações mais complexas, de observar e encontrar os fatos relevantes, de absorver um excessivo volume de informações ou de mensurar a relação retorno-risco correspondente. Por isso, os investidores teriam em mente pontos de referência que lhes serviriam de guia e poderiam se comportar de forma a: rejeitar novos fatos que pudessem contrariar sua opinião e idéias préconcebidas, se ajustar insuficientemente a novas informações ou reagir exageradamente quando essas informações forem finalmente confirmadas. Dentre alguns dos demais comportamentos destacados, a teoria pontua o excesso de confiança e a tendência à racionalização, que procuraria atribuir uma explicação a um determinado evento mesmo que esse evento seja irracional. Os investidores construiriam 31 opiniões mais baseadas na heurística do que na racionalidade bayesiana: consideram um histórico recente e perguntam que situação mais ampla poderia representar, tendendo assim a extrapolar histórias passadas recentes para um futuro distante. Os investidores poderiam ainda fazer escolhas diferentes dependendo de como um determinado problema se apresente (framing). Em termos dos desvios coletivos de ordem cognitiva ressalta-se uma inclinação para seguir a tendência observada no comportamento dos demais agentes (rational mimetic expectations), e, ainda, os comportamentos que revelam uma obediência ou respeito a autoridades – altos executivos das empresas (os CEOs, Chiefs Executive Officer), Presidentes de Banco Centrais e especialistas, analistas ou jornalistas, que obtenham o status de “gurus”. Do ponto de vista dos desvios individuais e coletivos atribuídos aos aspectos de ordem mais psicológica, a teoria ressalta, por exemplo, a aversão a perdas, que explicaria um comportamento no qual o investidor demonstraria uma relutância em vender ações que perdem valor. A aversão ao risco poderia, então, ser parcial e a aversão a perdas seria maior que a urgência de ampliar oportunidades de ganhos. Do ponto de vista dos desvios coletivos atribuídos aos aspectos de ordem mais psicológica, destacar-se-iam os sentimentos coletivos definidos pela situação na qual num grupo ou multidão os indivíduos tenderiam a perder suas próprias referências, e compartilhariam das emoções coletivas, podendo tomar ações distintas e mesmo extremas que não tomariam isoladamente. Tais desvios referem-se ao instinto de manada, que em sua versão mais branda definiria a tendência de seguir a tendência dominante e em sua versão mais forte justificaria corridas ou bolhas especulativas. A segunda hipótese da HME criticada pela TFC consiste na atuação eficaz de arbitradores racionais, ou seja, aqueles arbitradores que não seriam sujeitos a desvios psicológicos. Tais agentes poderiam atuar na contraparte da demanda não sofisticada e trazer os preços de volta aos fundamentos, o que seria suficiente para sustentar a HME, mesmo considerando a hipótese de desvios comportamentais. A eficiência da arbitragem seria uma condição crucial no entendimento da TFC, porque, de acordo com o seu argumento os erros não seriam aleatórios, e, portanto, não se anulariam entre si. 32 Define-se arbitragem como “the simultaneous purchase and sale of the same, or essentially similar, security in two different markets at advantageously different prices”15. Espera- se, assim, que, na presença de desvios, o arbitrador atue da seguinte forma: na situação em que o preço do título estiver sobrevalorizado constituindo-se, portanto, numa compra prejudicial, o arbitrador venderá a posição que possui desse título e se não o possuir venderá a descoberto, e comprará outro título que seja essencialmente similar a este, e que não esteja sobrevalorizado, hedgeando seu risco. Ao contrário, se o preço estiver abaixo do preço que reflete os fundamentos, constituindo-se numa boa compra, o arbitrador comprará o título subvalorado e venderá a descoberto títulos similares hedgeando seu risco. Espera-se, então, que na presença desse mecanismo, os preços retornarão ao seu valor correto, caindo quando estiverem sobrevalorizados e subindo caso contrário. Contudo, de acordo com a escola de finanças comportamentais, essa descrição não seria suficiente para descrever a realidade das operações de arbitragem, visto que não daria conta de duas características básicas dessas atividades: requerem capital e implicam riscos (Schleifer, 2000). Além disso, nem sempre vendas a descoberto são permitidas pela regulação. Nesse sentido, o primeiro ponto importante seria o fato de que para muitos títulos não existiriam substitutos perfeitos ou quase perfeitos, impedindo que o arbitrador faça hedge de sua posição e limitando, portanto, que atue ilimitadamente como comprador ou vendedor, conforme o caso 16 . Quanto menos perfeito for o título substituto mais exposto estará o arbitrador ao risco de que as notícias acerca do título que esteja vendido sejam boas e as notícias acerca do título que esteja comprado sejam ruins, o que ameaçaria sua estratégia de hedge. Porém, mesmo que existam esses substitutos perfeitos ou quase perfeitos, como os preços não convergem para os valores fundamentais instantaneamente, os arbitradores incorreriam em riscos, em especial de que o preço equivocado torne-se ainda mais distante de seu valor correto antes que o desajuste desapareça. Assim, por exemplo, o arbitrador ao vender o ativo 16 De acordo com Shleifer, “an exact substitute for a given security is another security (or portfolio of security) with identical cash flows in all states of the world. A close substitute is a security (or portfolio) with very similar cash flows in all states of the world” (Shleifer, 2000, p.8). 33 sobrevalorizado e comprar um substituto perfeito desse ativo cujo preço está a menor sofrerá perdas no valor de sua carteira caso o preço do ativo que detém caia ou caso suba ainda mais o preço do ativo sobrevalorizado. Tais perdas temporárias teriam que ser sustentadas até que os preços convergissem. Em suma, para a TFC, o comportamento irracional e a arbitragem limitada implicariam que mercados eficientes seriam um caso especial, pouco provável de se sustentar em condições plausíveis, seja porque os preços poderiam reagir à informação, mas em montante insuficiente, ou porque poderiam reagir à não informação, ou ruído, que se expressaria através de uma demanda desinformada. 2.3.b) Assimetria de informações O aspecto central para a escola neo-keynesiana no que se refere a sua crítica à HME poderia ser resumida na seguinte questão: é possível considerar que todos os agentes teriam acesso pleno às informações relevantes? A questão, então, ressaltada por essa teoria é o grau de acesso às informações e, portanto, a hipótese da HME que é criticada por essa escola é a de ausência de custo de informação. A hipótese de ausência de custos de informação presente na HME permite supor que todas as informações relevantes estarão disponíveis a todos, ou que os agentes estão plenamente informados. Para os autores alinhados à escola neo-keynesiana, a existência de assimetria de informações contraria essa hipótese (Stiglitz e Weiss, 1981,1988; Stiglitz e Greenwald, 2003). A ocorrência de assimetria de informações define-se como a situação na qual um lado da transação detém informações, em geral relativas a si mesmo, que o outro lado desconhece. A partir desse entendimento, não seria possível assegurar que todas as informações relevantes estariam sendo amplamente disseminadas. Além disso, em se tratando de mercado financeiro, para vários casos não há como ter previamente uma avaliação objetiva acerca do valor do contrato. Isto ocorre, por exemplo, quando o valor de compra de um determinado ativo deve considerar os resultados a serem obtidos durante um longo período de tempo ou quando esses resultados somente emergem após um determinado período de tempo após a assinatura do contrato. O não atendimento 34 dos resultados prometidos por esses ativos só seriam percebidos muito tempo depois, quando já poderia ser tarde demais (Llewelllyn, 1999). É possível descrever duas categorias de assimetria que estão associadas aos momentos exante e ex-post do estabelecimento da transação financeira. A primeira decorre da opacidade de informações que seriam relevantes quando do momento de avaliação do ativo financeiro, em especial, para a tipificação do tomador de recursos no que tange ao risco. Daí podem originar-se problemas de seleção adversa devido às dificuldades de discernir o bom do mau tomador 17. A segunda categoria de assimetria estaria associada à dificuldade de obter informações ou sinalizações acerca do comportamento do tomador de recursos ao longo do período de vigência do contrato, que permitissem avaliar o esforço despendido para o cumprimento dos compromissos especificados. Desta categoria originam-se os problemas de agência, ou risco moral. Estes problemas existem quando é necessária a atuação de um “agente” para maximizar a utilização de recursos que são de propriedade de outro, o “principal”, ocorrendo, em decorrência, uma transferência do poder decisório, em alguma extensão, para este primeiro. Assim, o “agente” para o qual foi passado o poder de comando sobre os recursos pode, por exemplo, despender esforços insuficientes, ter uma preferência por assumir riscos ou realizar gastos, ou ainda, ser pouco eficiente na tomada de decisões. Ambas as categorias de assimetria dependem de duas condições importantes: a primeira, derivada diretamente do conceito em questão, é que não seja possível haver uma capacidade uniforme, ou seja, de todos os agentes, de observação de maneira direta das informações ou das ações relevantes. A segunda condição refere-se à existência de algum tipo de conflito de interesse potencial, ou possível oportunismo, relativamente às partes envolvidas, que possa justificar um desinteresse, ou mesmo intenção, de não revelar informações relevantes, e a concomitante desconfiança acerca das informações que estão disponíveis da parte de quem disponibiliza 17 Um exemplo tradicionalmente utilizado é o da empresa de seguro que por não conhecer o risco de seus clientes levará em consideração a média de ocorrências passadas. Ao agir assim afastará os clientes potenciais que tendem a apresentar um menor risco, porque para esse grupo o custo definido em função do custo médio não compensará o benefício do seguro. Ao afastar o grupo de menor risco a empresa acabará elevando o risco médio de seus clientes. 35 os recursos. São estes os casos de relações que se estabelecem entre o banco e o credor, o arrendador e o arrendatário, o administrador de recursos e o investidor, o administrador da empresa e o acionista. Com relação ao mercado de títulos, no que diz respeito à relação entre o investidor potencial e os administradores da empresa emissora do título, haveria pelo menos duas grandes dificuldades que resultam de problemas de assimetria de informações. Primeiro, no que se refere às ofertas de ações no mercado primário, haveria uma dificuldade do investidor avaliar a situação econômica e financeira da companhia de forma a distinguir quais títulos estariam sendo emitidos com um preço sobrevalorizado, o que acarretaria desvantagem para os novos acionistas em relação aos antigos acionistas. Tal problema revelar-se-ia especialmente grave quando a companhia está abrindo seu capital e realiza uma oferta inicial de ações, visto que não haveria títulos transacionados no mercado secundário cujo preço possa servir de parâmetro, e, também, para o caso de ações com baixa liquidez. Em segundo, tem-se o problema de agência, que tem na relação acionista/administrador um caso clássico (Jensen e Mecklin, 1976). O acionista possuiria, em geral, uma menor capacidade de avaliar a situação da empresa do que os administradores da mesma. Igualmente, teria dificuldade de obter informações que lhe permitisse examinar com segurança a atuação desses administradores e averiguar se estariam ou não agindo de maneira prejudicial à empresa e provocando efeitos negativos sobre os seus resultados. Em decorrência dessa assimetria de informações, os investidores tenderiam a exigir um desconto sobre o preço de todos os títulos. Por conseguinte, ocorreria uma seleção adversa, na medida em que as empresas bem intencionadas se veriam desestimuladas a obterem recursos no mercado de capitais (Choi and Fisch, 2003). No que se refere à relação banco/credor, os demandantes de crédito possuiriam uma melhor avaliação acerca da sua possibilidade de honrar seus compromissos do que o credor, o que acarretaria uma assimetria de informação (Stiglitz e Weiss; 1981, 1988.) Supõe-se que os que se dispõem a pagar uma taxa de juros mais elevada devem ser os piores credores com relação ao risco de crédito. Assim, a taxa de juros cobrada pelo banco afetaria o nível de risco da carteira de empréstimo via o efeito de seleção adversa. Uma taxa de juros 36 elevada faria com que o banco selecionasse, na média, os projetos mais arriscados, porque tenderia a atrair devedores do tipo amantes do risco, otimistas ou desonestos18. Ao longo do período do empréstimo, a taxa de juros cobrada afetaria, também, o comportamento dos tomadores de recursos ao aumentar a atratividade relativa de projetos mais arriscados. É como decorrência desse fato que a taxa de juros seria um mecanismo utilizado para seleção/classificação dos tomadores de crédito (screening device). Como o retorno esperado do banco decorrente de um empréstimo é uma função decrescente do nível de risco do empréstimo haveria uma taxa de juros considerada ótima a qual maximizaria o retorno ajustado ao risco do banco, acima da qual ele não emprestaria. O banco determinaria a oferta de crédito em condição de racionamento, definido pelo montante no qual a demanda por empréstimos correspondente a taxa de juros ótima excederia a oferta de fundos, isto porque caso elevasse a taxa de juros acima desse valor ocorreria um decréscimo do retorno do banco por dólar emprestado. 2.3.c) Incerteza O aspecto central para a escola pós-keynesiana no que se refere a sua crítica à HME poderia ser resumida na seguinte questão: as informações disponíveis seriam suficientes para que os preços refletissem os fundamentos? A hipótese da HME criticada por essa escola é a de ausência de incerteza. De acordo com a HME, todos os agentes teriam acesso às informações, como também, as informações passadas e correntes disponíveis seriam informações suficientes para que os agentes tomassem a decisão correta. No âmbito da escola pós-keynesiana, a hipótese de ausência de incerteza sustentada pela HME não refletiria as condições sobre as quais os agentes deveriam tomar suas decisões, conforme analisa Davidson (1994): 18 Esses tipos caracterizam, respectivamente, aqueles devedores que implementam projetos arriscados com baixa probabilidade de sucesso mas com elevadas taxas de retornos se bem sucedidos; os que superestimam a probabilidade de sucesso do projeto e o seu retorno no caso de serem bem sucedidos; e, por último, os que não têm a intenção de pagar, e, portanto, estão indiferentes à taxa de juros acordada (Stiglitz e Weiss, 1988). 37 “The economic system is moving through calendar time from an irrevocable past to an uncertain and statistically unpredictable future. Past and present market data do not necessarily provide correct signals regarding future outcomes. This means, in the language of statisticians, that economic data are not necessarily generated by a stochastic ergodic process. Hicks has stated this condition as ‘People know that they just don’t know’ (Davidson, 1994, p. 17). Sob esse prisma, então, a HME estaria desconsiderando que, em especial quando se trata de promessas de pagamentos futuros, os agentes não disporiam do conjunto de informações relevantes que permitiria definir as condições de realização da transação financeira em questão. A hipótese de incerteza não probabilística diferencia-se, assim, da hipótese de assimetria, porque não corresponde a uma falha no acesso a informação, ou seja, na extensão em que a informação está disponível. A hipótese de incerteza implica que o desconhecimento ocorre não somente para uma das partes, mas para ambos os lados da operação financeira. Em contraste com o enfoque da HME, Keynes argumenta que o mercado de ações encerra um dilema crucial cujos efeitos repercutem sobremaneira sobre o seu nível de eficiência. Keynes considera, como ponto de partida, “a extrema precariedade da base de informações sobre a qual nossas estimativas de retorno prospectivo são realizadas” (Keynes, CW vii. 149). Sendo, assim, a constituição dos mercados de ações reduz o risco do investimento quando permite a transferência dos ativos entre os agentes, dando liquidez aos investimentos já realizados, que caso contrário poderiam ser considerados irrevogáveis, e, portanto, pouco atrativos. Por outro, ao facultar a reavaliação diária do valor dos investimentos realizados, tais mercados permitem com que os preços desses ativos sofram a influência de fatores e mudanças de curto prazo e afastem-se das considerações relativas às perspectivas de retorno de longo prazo do investimento real e, portanto, dos fundamentos. Tais variações criam instabilidade nesses mercados e podem, assim, prejudicar os novos investimentos. Dessa forma, Keynes argumenta, no capítulo 12 da Teoria Geral: “Com a separação entre a propriedade e a gestão que prevalece atualmente e com o desenvolvimento de mercados financeiros organizados, surgiu um novo fator de grande importância que, às vezes, facilita o investimento, mas que, às vezes, contribui sobremaneira par agravar a instabilidade do sistema. Na ausência de Bolsas de valores não há motivo para se procurar, com freqüência, reavaliar os investimentos que fazemos. Mas a Bolsa de valores reavalia, todos os dias, os investimentos e estas reavaliações proporcionam a oportunidade freqüente a cada indivíduo (embora isto não ocorra para a comunidade como um todo) de rever 38 suas aplicações. [...] Todavia, as reavaliações diárias da bolsa de valores, embora se destinem, principalmente, a facilitar a transferência de investimentos já realizados entre indivíduos, exercem, inevitavelmente, uma influência decisiva sobre o montante do investimento corrente. [...] Destarte, certa categorias de investimento são reguladas pela expectativa média dos que negociam na bolsa de valores, tal como se manifesta no preço das ações, em vez de expectativas genuínas do empresário profissional” (Keynes, 1982, p.126). Tendo em vista a base precária de conhecimento de que dispõe os agentes, suas avaliações são guiadas por uma convenção que consiste basicamente em “supor que a situação existente dos negócios continuará por tempo indefinido, a não ser que tenhamos razões concretas para esperar uma mudança” (Keynes, 1982, p.126). Esclarece, ainda, Keynes: “Efetivamente, estamos supondo que a avaliação do mercado existente, seja qual for a maneira que a ela se chegou, é singularmente correta em relação ao nosso conhecimento atual dos fatos que influirão sobre a renda do investimento, e só mudarão na proporção em que variar o dito conhecimento, embora no plano filosófico essa avaliação não possa ser univocamente correta, uma vez que o nosso conhecimento atual não nos fornece as bases suficientes para uma esperança matematicamente calculada. De fato, nas avaliações do mercado intervém toda a espécie de considerações que são de modo algum relevantes para a renda esperada” (Keynes, 1982, p.127). Dessa forma, “... o método convencional de cálculo (...) será compatível como um considerável grau de continuidade e estabilidade em nossos negócios, enquanto pudermos confiar na continuação do raciocínio” (Keynes, 1982, p.127) (Grifo do autor). No entanto, uma convenção assim formulada possui bases reconhecidamente frágeis. Tal fragilidade pode, ainda, agravar-se pela influência sobre os preços de outros fatores como o efeito desproporcional que flutuações de lucros no curto prazo podem ocasionar, ou pelas variações excessivas de opiniões em decorrência das notícias correntes, bem como pela atuação especulativa dos investidores profissionais de mercado que consiste, muitas vezes, em “prever mudanças de curto prazo com certa antecedência em relação ao público em geral” ao invés de “fazer previsões abalizadas a longo prazo sobre a renda provável de um investimento ao longo de sua vida” (Keynes, 1982, p.128). Adicionalmente, em contraposição ao enfoque apresentado pela HME, Glickman (1994) ressalta que as informações divulgadas ao mercado devem ser analisadas e interpretadas pelos agentes detentores de títulos antes de originar algum tipo de resposta: 39 “Efficient markets theorists present an image of information as something that exists objectively and is ready for use. However, in themselves events are just isolated occurrences. They do not come ready packaged as ‘information’. Before they can possibly become such, we must first understand them in some way and register them as relevant to our concerns. We must interpret them” (Glickman, p. 325, 1994) (Grifo do autor). Do fato de que as decisões são tomadas de forma atomizada pelos diferentes participantes de mercado líquidos sob incerteza não-probabilística, resulta que suas interpretações deverão considerar não somente o seu julgamento pessoal, ou seja, como interpretam individualmente uma determinada ocorrência ou evento, mas, também, em que extensão a visão dos demais participantes poderá diferenciar-se da sua. Em decorrência, os eventos divulgados podem estar sujeitos a pelo menos dois níveis de interpretação: como potencialmente relevantes para a compreensão das condições inerentes à realidade e como sugestivos de mudanças futuras no comportamento dos participantes do mercado (Glickman,1994). Tal possibilidade não parece ser considerada pela HME, que estaria, então, supondo que todos os participantes do mercado possuam expectativas homogêneas em relação às implicações da informação disponível (Hendricsen e Vanbreda, 1999). Sob essas condições, a direção na qual um evento ou informação conduzirá o mercado não exigiria dois níveis de interpretação. Dessa natureza dual da informação, destacada por Glickman, decorre que a resposta do mercado a um determinado evento poderia resultar do somatório de reações individuais dos agentes, cada um operando de acordo com seu entendimento de qual foi o significado dado pelo conjunto dos participantes do mercado ao evento em questão. Essa situação não será eficiente do ponto de vista do mercado, no sentido em que define a HME. Isto porque, nesse caso, os preços não refletirão as condições econômicas subjacentes. Considerando o conceito de eficiência de mercado como comportando dois aspectos, o primeiro relativo à velocidade com a qual o mercado reage e o segundo relativo à adequação da reação, deduzse que a falha aqui ocorreria em relação ao último aspecto mencionado. 40 Vê-se que o mercado serve à sua função básica, qual seja, encontrar o preço que equilibra a oferta e a demanda dos ativos, isso, porém, não nos diz nada acerca de quais informações estão refletidas no preço e nem qual será o próximo equilíbrio. Isto porque esse processo será consistente com qualquer trajetória, incluindo aquelas que violem a HME (Findlay e Williams, 2000-2001). Dada a precariedade do conhecimento e a fragilidade das convenções, é possível explicar a sustentação de bolhas ou corridas especulativas a partir da natureza dual da informação ressaltada por Glickman, quando o comportamento de cada indivíduo resume-se a seguir o comportamento da maioria, afastando-se dos prognósticos individuais possíveis que poderia construir. 2.4 - Conclusão De acordo com a HME, a disponibilização das informações e a rapidez com que são absorvidas seriam condições suficientes para assegurar que o movimento de compra e venda levasse os preços para o que seria considerado seu preço justo. Enquanto forma de proteção ao investidor e correção dos valores em mercado, o mecanismo de “saída” estaria sujeito, e ao mesmo tempo reforçaria, a eficiência da sinalização a ser efetuada pelos preços no sentido defendido pela HME. Cumpre salientar que, de acordo com a HME, como não existem corridas especulativas, a “saída” é um evento individual e, por isso, um mecanismo que pode ser assegurado a cada investidor. Contudo, considerando a possibilidade de ocorrência de um processo de “saída” coletivo, tem-se que esse mecanismo não poderá se efetivar para todos. Resulta dos argumentos apresentados pelas três escolas acima analisadas, que não seria possível afirmar que os preços dos ativos transacionados em mercado reflitam e veiculem necessariamente o que seria o valor das empresas subjacentes ou os supostos fundamentos do ativo em questão. Em resumo, as críticas consistem, basicamente, no entendimento de que: os agentes podem agir de maneira irracional, os arbitradores de forma limitada, as informações disponíveis ao 41 mercado podem se revelar assimétricas e, também, incompletas e precárias, sendo suscetíveis a especulações de curto prazo e a um processo de interpretação pelo investidor, que leva em consideração a sua expectativa acerca da avaliação dos demais agentes. Sob essas circunstâncias, a hipótese de mercados eficientes não se sustentaria. Isto porque as informações relevantes não se refletiriam de forma plena nos preços, seja porque as informações estão disponíveis a todos, mas os agentes não as utilizam corretamente, seja porque não estão, na realidade, disponíveis a todos os agentes, ou seja porque são incompletas ou insuficientes, indistintamente. O mecanismo de “saída” requer que os preços reflitam e veiculem as informações relevantes. Diante das condições acima descritas, o mercado por si só seria insuficiente como mecanismo disciplinador das transações financeiras, tanto como mecanismo de proteção ao investidor, quanto como fator corretivo dos preços dos valores emitidos pelas empresas. Dessa forma, é possível justificar teoricamente que as transações financeiras que envolvem os emissores e os detentores de títulos, apesar da existência de mercados secundários líquidos para esses ativos, demandariam, também, monitoramento contínuo. Este será o assunto do próximo capítulo, que analisará o monitoramento sobre as transações financeiras na forma de títulos e as implicações decorrentes. 42 Capítulo 3 – Monitoramento Privado e Regulação dos Mercados 3.1. – Introdução Diante de um enfoque menos simplista do que o apresentado pela HME e, por conseguinte, pela provável ineficiência do mecanismo de “saída”, é possível atribuir espaço considerável a ser exercido pelo mecanismo de “voz”. O monitoramento contínuo sobre os contratos que envolvem títulos com mercados secundários organizados seria uma forma de discipliná-los e reduzir as incertezas neles presentes. De acordo com Stiglitz (1988), os processos de seleção/classificação de risco de crédito e o monitoramento exercido pelas instituições bancárias seriam respostas ao problema de assimetria de informações. Jensen and Meckling (1976), assim como Stiglitz, associam o monitoramento como resposta aos problemas de assimetria no âmbito das relações acionistas/administradores, e definem os custos de agência como se compondo de três elementos: os custos de monitoramento, os custos de prover garantias (bonding costs) e a perda nos resultados da empresa que decorrem do esforço insuficiente promovido pelo administrador. Ressalta Stiglitz que, no caso de ações, a atividade de acompanhamento e verificação do cumprimento do contrato é ainda mais complexa. Isto porque, diferentemente do crédito bancário onde estão determinadas parcelas fixas de pagamento, os pagamentos oriundos dos títulos de capital dependem dos lucros auferidos pela empresa, e estes, por sua vez, podem ser manipulados (Stiglitz, 2003). Cabe enfatizar, ainda, que além da vantagem informacional do administrador com relação aos acionistas, destacada por Stiglitz, adiciona-se a posição de poder do acionista controlador frente aos acionistas minoritários. 43 3.2 – O Monitoramento dos Acionistas sobre as Empresas - Instrumentos e Vulnerabilidades 3.2.1 - O monitoramento dos investidores sobre as empresas O exercício do monitoramento pelos agentes privados sobre os títulos de capital e de dívida emitidos pelas empresas sugere, então, que o mecanismo de “saída” tem seus limites como forma de pressão e defesa dos ofertantes de recursos contra possíveis prejuízos. Dessa forma, poderia ser possível compreender o mecanismo de “voz” como mecanismo adicional de proteção utilizado pelos detentores de ativos com mercados secundários organizados. O monitoramento a ser exercido por parte dos agentes privados, no caso os acionistas, sobre a empresa emissora pode consistir: 1) no monitoramento ativo e contínuo pelos detentores de grandes blocos de ações (na figura de investidores pessoa física possuidores de grandes riquezas, instituições financeiras, investidores institucionais etc); 2) na eleição, delegação e concentração do controle no Conselho de Administração (Board of Directors) que atuariam enquanto representantes dos interesses dos acionistas, e a quem o CEO19 deverá prestar contas; 3) em caso de situações extremas, na concentração do direito de voto por procuração (proxy voting constests) ou nas operações de aquisições hostis (hostile takeover), deslanchadas por raiders da empresa, ambos constituindo-se como mecanismos rápidos e temporários de concentração de voto ou de propriedade, de maneira a resolver situações de crise, substituir administradores ineficientes ou tomar decisões estratégicas. Adicionalmente, observam-se os contratos de compensações aos executivos que visam prover incentivos a fim de reduzir o conflito de interesses e a definição clara dos deveres fiduciários atribuídos ao CEO, juntamente com os processos judiciais20 que visam, 19 CEO = Chief Executive Officer denominação em inglês para o cargo executivo mais importante de uma empresa. 20 Eizirik destaca os fatores que permitem compreender porque que esse tipo de processo revelou-se eficiente nos Estados Unidos: “A prática norte-americana permite a atuação de advogados especializados em mercado de capitais como uma espécie de empresários no negócio de promoverem ações judiciais contra aqueles que violam a lei. Isso é possível principalmente porque as class suits permitem ao advogado propor uma ação em favor não só de seu cliente, mas também de um grande número de clientes na mesma situação, os quais, entretanto, não procuraram advogado. Como os honorários do advogado serão fixados com base no montante de dinheiro que ele conseguir recuperar para todos os acionistas da mesma classe, isto constitui um incentivo bastante grande para a sua atuação” (Eizirik,1977. p.87). 44 respectivamente, bloquear decisões nocivas aos interesses dos acionistas ou buscar compensação para os prejuízos ocasionados por decisões passadas. Os acionistas que detêm parcela expressiva do capital são capazes, em princípio, de eleger membros do conselho de diretores que representarão seus interesses. Se tiverem a maioria dos conselheiros podem demitir ou contratar o administrador, podem impedir a ratificação de decisões que julguem desfavoráveis, etc. No caso dos acionistas controladores da empresa, há especial interesse nos benefícios atribuídos ao direito de controle, dentre eles o poder que exerce de monitoramento sobre os administradores das empresas21. No entanto, esse poder poderá ser exercido a favor da companhia ou em defesa de benefícios pessoais. Exatamente por isso as leis societárias costumam impor limites a esse poder para que não haja abusos. Dessa forma, a concentração do capital em grandes acionistas permite o exercício do monitoramento sobre o administrador, mas trazem duas dificuldades adicionais: a possibilidade de conluio com o administrador, em detrimento do acionista minoritário, e a redução da liquidez no mercado secundário (Becht et all, 2002, p. 6). Num sentido mais geral, o dilema poderia traduzir-se em como exercer um monitoramento efetivo sobre a empresa de maneira a, por um lado, controlar o poder discricionário do administrador, ou seja, dos executivos da empresa (management board), e, por outro, garantir proteção aos direitos do acionista minoritário. A questão crucial reside no fato de que os acionistas minoritários têm dificuldade de exercer a atividade de monitoramento sobre a empresa de forma efetiva. Primeiramente, devido à pulverização acionária, que enfraquece seu poder de controle e decisão. Neste ponto vale mais uma vez fazer um paralelo com a utilização desse mecanismo no âmbito do mercado de bens. Conforme ressalta Hirschman (1970): “Voice is most likely to function as an important mechanism in markets with few buyers or where a few buyers account for an important proportion of total sales, both because it is easier for 21 Uma série de decisões tomadas no interior das firmas como as escolhas de projetos, a contratação de pessoal e decisões de cunho mais operacionais estarão influindo nos resultados da companhia. Em grande parte, esses resultados dependem de quem tem o poder de tomá-las e com que objetivos, se para elevar a eficiência da empresa ou para obter benefícios privados. 45 few buyers than for many to combine for collective action and simply because each one may have much at stake and wield considerable power even in isolation” (1970, p41). Em segundo lugar, existe também o problema do caroneiro (free-rider), que consiste no comportamento no qual o investidor espera que os outros estejam monitorando por ele e que decorre do fato de que os custos incorridos por quem monitora não seriam distribuídos mas os benefícios decorrentes desta atividade sim. O monitoramento, como ressaltam alguns autores, poderia ser entendido como um bem público, de forma que os custos serão assumidos por quem exerceu a atividade, mas os benefícios que produzisse seriam apropriados por todos os investidores, acarretando um desestímulo no monitoramento por parte desses. Com relação ao exercício do direito de voto na assembléia de acionistas, órgão maior de deliberação da empresa, em tese, também existiriam dificuldades dos acionistas expressarem diretamente seus interesses e exercer o controle sobre os executivos das empresas. Isto se deve ao fato de que, devido às assimetrias de informação, o acionista sempre incorreria em algum custo associado ao esforço de obter as informações e analisar a competência dos executivos. Este custo desestimularia o exercício do voto de maneira “inteligente”, porque seria comparado com um retorno relativamente negligível, dado que função da participação do acionista no capital de empresa (Stiglitz, 1985, p.136). Isoladamente, os acionistas poderiam, também, duvidar de sua capacidade de realmente interferir no rumo dos acontecimentos e, por outro lado, iniciativas que visassem promover e organizar ações coletivas, por exemplo, por meio de voto por procuração, tenderiam a apresentar um custo elevado22. Adicionalmente, em decorrência da falta de especialização dos acionistas e da duplicação de esforços presentes na atividade de monitoramento, esta tende a ser excessivamente complexa ou demasiadamente cara para os investidores individuais que detêm uma parcela pouco expressiva do capital. 22 Para um investidor de pequeno porte as contestações que se viabilizam por meio da concentração de votos na assembléia de acionistas obtida mediante a reunião de procurações são um mecanismo pouco utilizado, devido aos custos para operacionalizar tal instrumento (Allen and Gale,2000; Chio and Fisch, 2003). 46 Então, comparativamente, quanto mais pulverizada a estrutura de capital da empresa menor tende ser o monitoramento a ser exercido diretamente pelo acionista e, por conseguinte, maior será o poder discricionário do administrador. Allen and Gale (2000) descrevem os efeitos de diferentes graus de concentração de capital sobre o monitoramento: “In the extreme case, one person or a single family owns the firm, and there are significant incentives to maximize its value. At the other extreme, shares are held by a large number of people, with no single person holding a large stake; in this case nobody has no incentive to monitor the management and ensure they are running the firm in shareholders’ interests. In an intermediate case, one or more shareholders own a large stake, and many small shareholders have a few shares. On this situation, the large shareholder may have an incentive to monitor the firm’s management and ensure they maximize share value” (Allen and Gale, 2000, p. 102). O monitoramento sobre o CEO poderia ser exercido indiretamente, no âmbito interno da empresa, através dos que deveriam atuar enquanto representantes/intermediários dos acionistas - o Conselho de Administração (board of directors), ao exercerem sua função de controlar os executivos (management board). No entanto, a eficácia desse instrumento dependeria, em grande medida, do grau de independência que esses conselheiros possuam frente aos diretores da companhia. A situação ideal seria aquela na qual fosse possível ter um conselho com relativo conhecimento acerca dos negócios da companhia, porém, independente com relação à diretoria. Contudo, nem sempre isso ocorre23. 3.2.2 - O papel das instituições intermediárias Diante das condições acima mencionadas é possível compreender a existência de um aparato institucional complexo e sofisticado no âmbito dos mercados de capitais. Esses mercados contam com uma série de instituições e agentes, chamados por alguns autores de “intermediários”, cujas funções consistem em reduzir o custo de informação, ao “intermediar informações”, e o custo de monitoramento, ao auxiliar os investidores a atuarem de forma mais ativa e mais embasada (Choi and Fisch, 2003). São estes, fundamentalmente: os analistas de investimento, os auditores independentes, os advogados e 23 De acordo, por exemplo, com algumas evidencias encontradas para vários países, verifica-se que: no Japão o CEO tem enorme poder de indicar os conselheiros, na Alemanha cargos executivos participam do Supervisory Board, nos Estados Unidos estudos empíricos demonstrariam certa fraqueza dos conselheiros em disciplinar os diretores. Ver discussão Allen and Gale, 2000, p.93 a 96. 47 instituições que fornecem serviços relacionados à organização de contestações por meio da reunião de procurações ou acompanhamento e consultoria relacionada ao voto nas assembléias etc. Podemos incluir, também, ao considerar sua função informacional, os bancos de investimento24. A atuação dessas instituições e agentes, como será discutida, não está, porém, destituída de vulnerabilidades, e, na verdade, também não está a atividade do regulador. No caso do analista de investimento, sua função é reunir, avaliar e sintetizar as informações e, ao final, prover o resultado de sua pesquisa e as recomendações para o mercado. A atuação do analista permitiria que os investidores utilizassem o mecanismo de saída, na medida em que as informações oferecidas por ele permitiriam ao investidor ajustar o preço pelo qual estaria disposto a transacionar o título. Vale destacar, porém, que a atuação dos analistas que proveriam as informações diretamente ao mercado (sell-side analysts), em oposição àqueles que provêm informações a uma instituição contratante, em geral, investidores institucionais (buy-side analysts), estaria fortemente condicionada pelas dificuldades originadas da qualidade de bem público associada à informação. Essas dificuldades decorrem do problema de apropriação, visto que a informação não se esgota quando utilizada, ou seja, a produção e transferência da informação não eliminam a possibilidade de que seja repassada novamente. Por conseguinte, os investidores não pagantes terão acesso direta ou indiretamente aos resultados da pesquisa realizada pelo analista (o problema do caroneiro - free-riding), e, portanto, os pagantes não se beneficiariam plenamente do uso dessas informações. Dessa forma, o analista não conseguiria vender a outros investidores os resultados de sua pesquisa, sendo obrigado a cobrar um preço mais caro para os primeiros que o utilizem antes que se dissemine. Os analistas tenderiam, por isso, a se focar em ações bem capitalizadas com um grande número de compradores potenciais ou disponibilizariam suas pesquisas apenas a grandes investidores institucionais que estariam dispostos a pagar elevadas comissões e não disseminariam a informação para o público. Tratando-se do bem “informação”, existe, ainda, o problema de fidedignidade, que decorre da dificuldade do comprador se assegurar de que o produto vendido é, de fato, o produto que deseja. 24 Rajan e Zingales (1995) ressaltam o papel das entidades auto-reguladoras (como as bolsas de valores), as agencias de avaliação de risco e os auditores independentes no sentido de reduzir o custo de enforcement. 48 Tais problemas, então, limitariam a atuação de analistas que não estivessem associados a outras instituições financeiras (muitas vezes chamados de analistas independentes). Quando esses agentes se associam a outras instituições financeiras torna-se possível o financiamento de suas pesquisas por intermédio da transferência de recursos, ou subsídios, devido aos efeitos nos negócios dessas instituições promovidos pela atividade do analista25. A esse respeito afirmam Choi and Fisch (2003): “Evidence suggest that financial services firms routinely use analysts coverage as a carrot (or stick) to induce issuers to hire the intermediary for investment banking services” (Choi and Fisch, 2003, p. 288). No caso dos serviços do analista, quem está pagando é a empresa emissora, ou seja, em última instância, são todos os acionistas, o que evita o problema do caroneiro. A dificuldade, porém, reside no fato de que embora os recursos sejam dos acionistas, quem tem o controle dos mesmos são os administradores da empresa, cujos objetivos podem estar em contradição com o objetivo de maximizar a capacidade dos investidores de avaliar a companhia. Há neste caso uma situação potencial de conflito de interesse. A função do analista deveria ser permitir aos acionistas e investidores terem uma avaliação correta acerca da situação da empresa. Porém, o analista é contratado pelos administradores da companhia, cujo interesse pode ser maximizar suas compensações ou sua reputação, por intermédio de elevados níveis de otimismo acerca da empresa. Se assim for, a atuação do analista consistirá mais em uma forma de vender os títulos da empresa do que em prover uma avaliação objetiva acerca da mesma. Já os auditores teriam a função de revisar e certificar as demonstrações financeiras da empresa, de forma a garantir que as informações disponibilizadas sejam fidedignas. As informações de balanço das empresas, que estão dentre o conjunto de informações relevantes disseminadas ao mercado, representam uma estimativa da situação patrimonial e financeira das empresas e enquanto tal pode apresentar falhas importantes. Os procedimentos contábeis que resultam na configuração do balanço podem estar sendo mal utilizados, seja por falhas de legislação, ou por dificuldades que são inerentes ao próprio objeto ou operação a ser contabilizada, ou ainda, por interesse de constituir fraude26. Em 25 Com efeito, antes da desregulamentação financeira em 1975, era comum, nos Estados Unidos, a associação de analistas de investimento com as corretoras, sendo posteriormente mais comum a associação com os bancos de investimento. 26 Relativamente aos três fatores citados que poderiam distorcer as informações disponibilizadas alguns exemplos merecem ser citados. 49 resumo, as informações podem ser em si uma fonte de problemas, muitas vezes de difícil identificação pelo acionista, o que revela a importância da atividade do auditor. Os serviços de auditoria são pagos pela empresa emissora sendo uma forma, portanto, de evitar o problema do caroneiro. Contudo, da mesma forma que no caso do analista, o potencial para o conflito de interesse reside no fato de que os administradores detêm um controle substancial sobre a escolha do auditor, podendo, então, escolher aquele que atuará de uma forma pró-administração. Pode, ainda, se dispor a contratar outros serviços da instituição financeira, de banco de investimento, de consultoria ou de analista de investimento, por exemplo, o que pode servir como um poder de negociação sobre a mesma. No caso em que os auditores contratarem serviços de consultoria com a empresa a ser auditada, ocorre um conflito de interesse potencial, na medida em que estariam auditando operações que foram estruturadas no âmbito de uma mesma instituição financeira, perdendo a necessária independência. Os investidores estariam fracamente posicionados para disciplinarem os auditores. O mecanismo de “saída” seria acionado somente quando os problemas virem à tona, o que poderia demorar muito tempo. Os bancos de investimento também exercem um papel em relação ao aspecto informacional. Isto porque os efeitos dos seus serviços, quando promovem a realização de uma oferta pública no mercado primário, projetam-se além das responsabilidades que têm para com a empresa contratante. Como cabe a eles uma re-análise dos dados que se tornarão públicos, na verdade, estão dando seu aval à operação de colocação, são assim co-responsáveis A utilização de empresas de propósito específico pela Enron, decorrente de uma falha na legislação, permitiu que não fosse revelada ao público a real situação financeira dessa empresa. Como resultante da dificuldade relacionada à incerteza a respeito do fluxo incremental futuro resultante de um novo projeto ou investimento que esteja sendo implementado pela empresa existem diferentes critérios de contabilização possíveis. Num primeiro caso, a legislação pode recomendar a contabilização das despesas iniciais na forma de ativo no balanço (ativo diferido), quando fôr certo a obtenção de resultados positivos futuros, os quais, por sua vez, serão contabilizados enquanto receita nos resultados futuros da empresa. Uma segunda possibilidade, em caso de dúvida acerca dos resultados do novo investimento, seria a contabilização dos gastos com os novos projetos como despesa, como se fossem um gasto a fundo perdido, o que reduziria o resultado da empresa. A dificuldade em saber de antemão qual seria o melhor tratamento contábil reside na dificuldade de saber ao certo qual será o resultado futuro do novo projeto. No que se refere à fraude, destacam-se as falhas possíveis nos controles internos da empresa de forma a garantir a contabilização correta das operações financeiras e econômicas da empresa, o que constituiu uma das preocupações presentes na regulação americana conforme previsto na Lei Sarbanes Oxley. 50 perante o público por garantir que as informações sejam verdadeiras, suficientes e corretas. Atuam, dessa forma, quase como um auditor (Eizirick, 1984). Frente a tais condições, a reputação dessas instituições tende a ser um fator importante para a confiança que os investidores depositam nas informações que são disponibilizadas no decorrer desse processo de colocação, e, portanto, no título que será emitido. Assim como no caso dos analistas e auditores, sua atuação neste campo estará igualmente prejudicada se os serviços de banco de investimento resultar de um comprometimento com uma posição pró-administração da empresa em troca da venda de mais serviços financeiros a mesma. Vê-se que, para o caso dos Bancos de Investimento, a situação de conflito com os interesses dos investidores não ocorre somente no que diz respeito ao aspecto informacional. Quando esses bancos atuam como subscritores, facilitando a colocação desses títulos no mercado primário, a instituição financeira intermediária está se submetendo ao risco de mercado, ou seja, ao risco de perda de capital, caso o preço dos títulos caiam relativamente ao valor pelo qual foram obtidos, ou mesmo ao risco de liquidez, caso não consiga encontrar tomadores para esses papéis. No entanto, verifica-se um processo pelo qual as instituições subscritoras, exatamente com o objetivo de reduzir os riscos provenientes de uma possível queda no preço dos títulos que viria a subscrever, poderiam forçar para baixo o preço de emissão dos ativos, processo denominado em finanças como underpricing. Essas instituições também poderiam atuar vendendo os títulos logo após a emissão, o que acarretaria uma pressão baixista sobre os preços desses ativos. Este comportamento tende a ser mais comum nas emissões primárias iniciais, visto que quando a companhia está abrindo seu capital inexistem padrões concretos para a fixação dos preços de emissão27. Tais fatos demonstram, portanto, a existência de um possível conflito de interesse entre as instituições subscritoras, de um lado, e as empresas emissoras e seus acionistas, do outro, visto que para as últimas o objetivo é justamente obter um preço de emissão tão alto quanto possível, pois assim, estão obtendo mais recursos a um custo menor. Além dos analistas, auditores e bancos de investimento observam-se, também, o desenvolvimento de um conjunto de instituições que visam prover informações e assessoria, auxiliando a atividade de monitoramento por parte dos acionistas, como: recomendações de 27 De acordo a experiência americana há evidências são de que tal procedimento ocorra (Stiglitz, 1985; Eizirik, 1983). 51 voto, posicionamentos acerca das contestações mediante procurações, informações acerca de governança etc 28. Os custos de tais serviços são, no entanto, reconhecidamente elevados. Os investidores institucionais têm menos problemas associados às dificuldades de ações coletivas, conforme ressaltam Choi and Fisch (2003): “an institutional investor with a sizeable stake in a particular issuer should have, in theory, a much greater incentive than dispersed individual shareholders to make expenditures that will increase the total value of the company” (Choi and Fisch, 2003, p.279) Ademais, como agregam recursos, podem prover serviços de informação, empregando seus próprios analistas e possuem um maior potencial de centralizar o exercício de voto pelo acionista. Dessa forma, os investidores institucionais podem exercer o monitoramento sobre as empresas de maneira mais efetiva. Tem-se, ainda, que, para o acionista que detém posições mais significativas do capital da empresa, como é, em geral, o caso dos investidores institucionais, o mecanismo de saída pode não funcionar de forma eficiente, porque a venda de uma posição significativa implicaria em uma desvalorização de suas ações. Logo, o mecanismo de monitoramento pode, assim, assumir maior relevância29. Essas instituições permitem, ao investidor, ainda, deter um portfólio diversificado com um volume reduzido de recursos. Contudo, os investidores institucionais possuem o seu próprio tipo de problema de agência que decorre da atividade daqueles que devem atuar enquanto intermediários/gerenciadores de recursos de terceiros. Os interesses dos administradores dos fundos podem divergir dos interesses do fundo, e, portanto, de seus cotistas. Não obtêm esses administradores todos os benefícios que resultariam de uma boa performance do fundo e são, também, classificados de acordo com sua performance, o que em geral, privilegia os resultados de curto prazo, concorrendo com os demais administradores, e, podem, inclusive, ser demitidos. 28 O ISS – Institutional Shareholder Services é, por exemplo, considerado o mais influente conselheiro independente para os investidores institucionais americanos em assuntos que serão objeto de votação nas asssembléias e de votações por procuração. 29 Com efeito, observou-se um enorme crescimento da participação desse segmento a partir da década de oitenta. Para as maiores empresas americanas de capital aberto 60% do capital em ações estão na mão dos investidores institucionais (Choi and Fisch, 2003). 52 Há, ainda, a possibilidade de conflito de interesse dos administradores dos fundos com a empresa emissora e, portanto, seus acionistas, caso ofereçam serviços diretamente à mesma, na forma, por exemplo, de administração do fundo de pensão da companhia ou oferta de serviços de banco de investimento, pelo qual evitariam desafiar os administradores da empresa, a fim de manter seus contratos de serviços financeiros. 3.3 - Governança Corporativa Mais recentemente, notadamente ao longo das últimas duas décadas, nota-se um fortalecimento dos tópicos relacionados ao monitoramento exercido sobre as empresas pelos acionistas e demais partes interessadas, prática conhecida como governança corporativa. Assim, pode-se definir governança corporativa como: “o conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessada, tais como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital” (Cartilha da CVM, 2002). O exercício de governança pode ser analisado, na verdade, como um mecanismo de “voz” que pode se estender a um espectro amplo de agentes e a um raio também amplo de atuação, visto que define configurações de poder no interior da empresa. Becht et all (2002) ressaltam que há uma analogia explícita entre o voto político e o voto corporativo quando da origem da Lei das S. A. americana: “The term ‘corporate governance’ derives from an analogy between the government of cities, nations or states and the governance of corporations” (Becht et all, 2002, p. 6). Becht et all (2002) atribuem o aumento da importância dos tópicos relacionados à governança corporativa ao longo dos últimos 20 anos a fatores como: a onda de privatizações, a reforma dos fundos de previdência e o crescimento da poupança privada, a onda de takeover ocorrida nos anos 80, a desregulamentação e a integração dos mercados de capitais, a crise asiática ocorrida em 1997/98, que chamou a atenção para as questões de governança corporativa no âmbito dos mercados emergentes. 53 3.4 - As Operações de Aquisição Hostis e a Governança Externa à Firma As operações de aquisição hostis (hostile takeover) consistem na aquisição do controle da empresa por grupo ou bloco de controle diverso (os chamados raiders), que são muitas vezes uma outra empresa, sem a participação, presença e/ou concordância do administrador da empresa alvo. Essas operações seriam consideradas como um mecanismo eficiente de mercado, capaz de oferecer uma alternativa para reduzir o excesso de poder discricionário por parte do administrador. Isto porque elas atuariam como um mecanismo rápido e temporário de concentração de propriedade que seria utilizado em caso de situações extremas, de maneira a resolver situações de crise, substituir administradores ineficientes ou tomar decisões estratégicas30. Verifica-se, porém, que podem existir impedimentos objetivos a essas operações (managers entrenchment). Dentre os fatores impeditivos destacam-se os mecanismos que exercem o papel de dificultar ou impedir, muitas vezes de forma intencional, o desenvolvimento dessas operações. Como exemplos têm-se: a emissão de direitos de subscrição de ações para que os acionistas comprem ações da companhia a um preço insignificante, de maneira a elevar rapidamente o capital da empresa e dificultar a aquisição do controle (poison pills), e a eleição dos conselheiros de forma fracionada de maneira que leve tempo até que o adquirente possa exercer efetivamente o controle (Allen and Galle, 2000). Nos EUA, por exemplo, diferentemente do Reino Unido, o Conselho de Administração, em geral, deve aprovar a mudança de controle31. Para países como Alemanha e Japão, padrões complexos de propriedade do capital vigentes nas companhias controladoras dificultariam essas operações porque impediriam a aquisição do número necessário de ações para a obtenção do controle. Por outro lado, não parece haver uma concordância acerca da funcionalidade dessas operações. Becht et all (2002), Allen and Gale (2000) e Chapman (1999) resenham um 30 Esse mecanismo consistiria, segundo alguns autores, numa governança externa à firma, como contraponto aos mecanismos que seriam relativos à governança interna, e fomariam juntamente com as operações de aquisição amigáveis (tender take over) e as disputas na assembléia de acionistas proporcionada pela concentração do direito de voto por procuração (proxy voting constests), o chamado mercado de controle corporativo. 31 Ver Becht et all, 2002. 54 conjunto de exemplos ou trabalhos empíricos que exemplificam ou estudam as dificuldades para o funcionamento eficaz desse instrumento de governança no âmbito dos sistemas americano e britânico, países onde essas operações ocorrem com mais frequência32. Alguns dos resultados apurados a respeito dos impactos dessas operações sobre a produtividade da empresa adquirida são ambíguos. Nesse ponto, citam-se inclusive as dificuldades que podem se originar do próprio processo de financiamento dessas operações, que muitas vezes são viabilizados com o comprometimento dos resultados financeiros futuros da empresa, em pagamento das dívidas contraídas no processo de aquisição. Por outro lado, os trabalhos que concluem por resultados positivos advindos desse processo também não são conclusivos, seja porque apontam no sentido de que os resultados poderiam decorrer de uma sub-avaliação ex-ante da empresa que foi adquirida, ou porque levantam a possibilidade de uma transferência de valor em prejuízo de outros constituintes da empresa, como os empregados, os fundos de pensão ou demais devedores, através da violação de contratos implícitos anteriormente estabelecidos. Ressalta, assim, Stiglitz: “Takeovers and other market mechanisms provide only a limited discipline for managers and no markets mechanism can protect minority shareholders” (Stiglitz, 1998, p.3) Conclui-se que o monitoramento por parte dos acionistas apresenta vulnerabilidades, ou, em outras palavras, é elevado o custo de transação para os agentes privados no que se refere aos aspectos de monitoramento e verificação dos contratos. 3.5 - Papel da Regulação para o Mercado de Capitais A hipótese da irrelevância dos custos de transação é uma das hipóteses assumidas pela HME, que associam esses custos à viabilização do encontro das pontas vendedoras e compradoras de um determinado mercado (os custos de corretagem, por exemplo, ou emolumentos da Bolsa), e supõe serem, em grande medida, reduzidos pela organização 32 No campo teórico, Stiglitz (1985) e Allen and Gale (2000), sistematizam alguns dos problemas teóricos que envolveriam o próprio funcionamento e a constituição desse mercado: inconsistências que inviabilizariam o equilíbrio derivado do fato de que os acionistas procurariam pegar carona (free-rider) com os raiders (problema de free-rider entre acionistas e raiders) 32 (Grossman and Hart, 1980) , a provável eliminação dos lucros devido a concorrência entre o raider inicial e os raiders potenciais (problema de free rider entre raiders). 55 desses mercados. Contudo, deve-se considerar que custo de transação refere-se a todos os custos incorridos para realização da transação e para sua validação, englobando, então, os custos de pesquisa, de negociação e contratação, de monitoramento, de fazer cumprir, de verificação, e de execução dos mecanismos de compensação, em caso de não cumprimento33. No caso dos contratos financeiros em geral, como já comentado, esses custos não são negligíveis. Em se tratando do mercado de ações, em decorrência dos aspectos anteriormente analisados, são especialmente elevados os custos de verificação e monitoramento desses contratos. As dificuldades verificadas ocorrem tanto para o monitoramento direto a ser exercido pelo acionista ou por seus supostos representantes, o Conselho de Administração, quanto com relação aos intermediários ou auxiliares, que seriam agentes ou instituições externos a empresa, cujo papel seria justamente reduzir as assimetrias de informação e o custo de monitoramento. Especialmente frágil é a posição do investidor individual e, em muitos casos, do acionista minoritário (o acionista não controlador). Para ambos, tende a haver um desestímulo ao monitoramento, devido a fatores como a duplicação de custos, o problema do caroneiro, o problema de ação coletiva, a falta de especialização, existindo, ainda, no caso de utilizarem o serviço do intermediário, as dificuldades de identificar adequadamente as situações que envolvem conflito de interesse. Em particular, os acionistas minoritários, sejam investidores individuais ou não, estarão expostos a situações de abuso de controle por parte do controlador. Diante dessas condições, ao governo pode ser atribuído um papel importante nesses mercados, no sentido de regular, acompanhar e fiscalizar as companhias e proteger o investidor. Para isto, são válidas as definições utilizadas por LLewelyn: regulação como o estabelecimento de regras específicas de comportamento, e monitoração correspondendo ao acompanhamento do cumprimento das regras. Nesse sentido, pode-se destacar como medidas de Governo a serem implementadas com objetivo de proteger o investidor e monitorar as companhias emissoras: 33 Para uma descrição detalha dos custos de transação ver Kreps, D. (1990). A Course in Microeconomics Theory. New York: Harvest Wheasheaf, Capítulo 12. 56 I - formação de órgão regulador especializado que: 1) desenvolva regras de atuação e comportamento para os agentes atuantes nesse mercado,e que, em especial, estabeleça: a) exigências mínimas de disponibilização de informações que permitam aos agentes obter as informações relevantes de forma padronizada, objetivando reduzir as assimetrias; b) instrumentos que permitam coibir a prática do uso de informação privilegiada; c) padrões de atuação e comportamento, quanto à integridade e a honestidade das firmas e de seus empregados, e quanto à competência das instituições ou agentes que ofereçam serviços financeiros, objetivando estabelecer padrões mínimos de atuação e comportamento e reduzindo, assim, os problemas de seleção adversa; 2) realize um monitoramento sobre as empresas e demais agentes atuantes nesse mercado e exerça um poder de enforcement derivado de seu poder de agência reguladora; II) formulação de leis: a) que protejam os acionistas minoritários contra os acionistas controladores; b) que protejam os acionistas contra fraude; c) que determinem uma padronização dos procedimentos contábeis. Cabe destacar, ainda, como vantagens importantes associadas à atuação do órgão regulador, a redução da duplicação de custos ocorrida na atividade de monitoramento realizada por parte do investidor e as vantagens de economias de escala associadas à expertise acumulada e ao desenvolvimento de sistemas próprios de monitoração por este órgão (Llewellyn, 1999). Veja-se que o recurso, por parte dos investidores, a processos judiciais, no caso de sentiremse lesados, muitas vezes não substitui o papel da agência reguladora, já que processos tendem a ter custos elevados, seus resultados são incertos e são usualmente demorados (Llewellyn, 1999). 57 Capítulo 4 - A origem do mercado de capitais nos Estados Unidos e o desenvolvimento da regulação 4.1 – O Papel Inicial dos Bancos de Investimento e da Bolsa de Nova York Relativamente ao processo de formação do mercado de capitais nos EUA, Carosso (1970), Calomiris & Ramirez (1996) e Coffee (2000) analisam o papel exercido pelos bancos de investimento americanos na consolidação de um mercado de capitais líquido naquele país, a partir do séc. XIX, num contexto onde vigorava, claramente, ausência de estruturas e de instrumentos apropriados de regulação. Ao final do séc. XIX, os significativos gastos iniciais necessários à construção de estradas de ferro teriam dado origem às sociedades anônimas. A partir dos primeiros anos do séc. XX, os fatores determinantes para o surgimento dessas sociedades eram: o caráter de utilidade pública da atividade em questão e a quantidade de capital fixo necessário para realização do empreendimento. De acordo com Berle & Means (1932), a dissociação entre propriedade e controle apresentara-se como uma característica fundamental da estrutura de capital das corporações americanas, mais nitidamente a partir do séc. XX. Surgiria a partir daí duas outras características que estariam associadas, de forma inevitável, à empresa de capital aberto norte-americana: por um lado, o seu tamanho significativo, a partir da aglomeração de um grande número de proprietários passivos, e, por outro, o mercado público de ações, que viabilizava a oferta de recursos por parte desses proprietários34. Ressaltam Berle & Means (1932), que somente teria sido possível contar, inicialmente, com a participação significativa, enquanto acionistas, de indivíduos provenientes das classes mais altas35. Nos períodos em que essas classes não puderam atuar enquanto demandantes de ações, as empresas teriam promovido campanhas procurando angariar os clientes e consumidores como seus acionistas. A formação de um mercado de pequenos investidores 34 Conforme citam Berle e Means (1932): “Dessa separação surgiram duas características quase tão típicas da empresa semi-pública quanto a própria separação - o tamanho e o mercado publico de ações’’ (Berle & Means, 1932, p.35). 35 Em 1916, mais de 57% de todos os dividendos das ações teria sido recebido pelos que declararam as 25 mil rendas mais elevadas, pelos dados do Imposto de Renda (Dados citados em Berle & Means, p.79, 1932). 58 teria sido, no entanto, bem mais complexa do que poderia sugerir a análise desses autores. Para compreendê-la é necessário analisar como se deu o desenvolvimento das atividades das instituições financeiras na formação desse mercado. A atividade de banco de investimento teve início com a colocação de grandes emissões de títulos do governo por ocasião da Guerra Civil americana. Após a guerra, o desafio imposto aos bancos num primeiro momento era convencer os investidores estrangeiros e americanos de que valeria a pena investir em títulos de dívida emitidos pelas empresas ferroviárias. A primeira experiência de colocação de bônus para uma dessas empresas, a Northen Pacific, teria sido mal sucedida e causou a falência da Cooke & Co, principal banking house da época, e desencadeou o pânico e a depressão de 1873 em Wall Street. Tal evento teria demonstrado, dentre outras, as dificuldades de atrair o pequeno investidor que, por ocasião da Guerra Civil americana, havia respondido aos apelos patrióticos da campanha de colocação de títulos do governo (Carosso, 1970). Após a falência da Cooke & Co, a liderança das atividades de banco de investimento passa para os banqueiros internacionais cuja força iria residir, exatamente, em sua habilidade de mobilizar grandes somas de recursos estrangeiros e domésticos e direcioná-los para a construção e o aprimoramento das ferrovias americanas. Era necessário, então, redirecionar a atividade de colocação de títulos, antes voltada para a colocação em massa da época da guerra, para colocações que deveriam ser concentradas em emissões no exterior e na seleção de clientela de grandes compradores americanos institucionais e individuais, ou seja, era necessário atrair uma fatia mais sofisticada do mercado. Para isso, um mecanismo importante encontrado, que foi entendido como uma inovação, foi os bancos de investimento tomarem assento nos conselhos de administração das empresas emissoras (Coffee, 2000)36. Dessa forma, os bancos de investimento, além de organizar, 36 Coffee (2000) descreve, assim, a atuação dos bancos de investimento nesse período: “Foreign investors might buy debt and equity securities on the reputational capital of merchant bankers like J.P. Morgan, but this implied in turn that these agents had to develop a governance structure that enabled them to fulfill their representations to their clients that their investments were safe and sound. One means to the end was developed by J. P. Morgan& Co.: namely, placing a partner of the firm on the client’s board. Up until World War I, the American investment banking industry was extremely concentrated, and any flotation of more than $10 million invariably was underwritten by one of six firms, of which the largest was J.P Morgan & Co. Given their market power and the desires of distant investors for a “hands on” representative protecting their interests, it became common in the Unites States (but much less in the UK) for the investment banker to place one or more representatives on the issuer’s board. During the last two decades of the 19th Century, virtually every major US railroad developed close ties with one or more US investment banking firms, 59 precificar e subscrever os títulos, atividades nas quais se utilizavam de sua reputação para convencer os investidores de que possuíam informações seguras e positivas acerca da empresa, também proporcionaram um monitoramento sobre a empresa emissora. A presença desses bancos na administração da empresa teria, desse modo, proporcionado aos investidores garantia acerca do valor futuro desses investimentos. Ressalta-se, também, o fato de que protegeriam o público investidor contra pessoas ou grupos que pudessem usurpar o controle da empresa, então pulverizado, sem o devido pagamento do prêmio de controle 37 . Para os bancos, por outro lado, tal mecanismo proporcionava a possibilidade de defender sua reputação. Igualmente se observou, nesse período, por parte das companhias férreas, a prática de utilizar repetidamente a mesma instituição financeira para colocar seus títulos, fortalecendo a formação de relações estreitas dessa indústria com os bancos. Ao longo desses processos, fortalecera-se o exercício da influencia dessas instituições sobre a política interna das corporações a quem serviam, processo que se denominou de active investment banking. A infra-estrutura financeira utilizada para a construção de ferrovias nos anos de 1870/1880 foi utilizada no início do Séc. XX para as necessidades financeiras de outros setores da economia. Após o pânico de 1873, grandes corporações de outros setores da indústria passaram também a demandar a atividade dos bancos de investimento com o intuito de levantar recursos, muitas das quais empresas familiares que teriam se transformado em empresas de capital aberto38. Em geral, as instituições financeiras líderes que atenderam as corporações industriais promoveram transações que envolviam grande volume de recursos, muitas vezes fusões ou conversão dos Trusts em companhias Holdings, que requeriam a emissão de bônus ou ações preferenciais. 37 and the practice of partners from investment banks and officers of commercial banks going on the railroad’s board became institutionalized” (Coffee, p.30, 2000). Para Coffee (2000), a separação entre controle e propriedade surge quando o mercado pode compensar os proprietários iniciais pela obtenção do controle pagando a eles o prêmio de controle em montante igual ou maior do que qualquer outra parte também interessada no controle pagaria. No caso dos EUA e do Reino Unido essa questão historicamente teria se traduzido numa questão próxima: como o público/mercado pode deter o controle e prevenir-se da usurpação por pessoas que pretendam obter o controle sem pagar o prêmio de controle? Para o papel exercido pelos bancos de investimento americanos nesse campo ver Coffee, 2000, p. 32 a 34. 38 Descreve, assim, Carosso (1970): “Claffin´s success in reorganizing H. B. Claffin & Co. and selling a large part of his holdings led other businessmen to follow his example; during the early 1890´s a number of partnerships were capitalized as corporations, some of the important ones being Procter $ Gamble, P. Lorillard, and Westinghouse Electric” (Carosso, 1970,p.42). 60 Para os bancos de investimento mais conservadores, as ações ordinárias emitidas pela maioria das companhias industriais eram compreendidas como títulos especulativos. Adicionalmente, existia por parte dos clientes certa relutância e falta de costume em deter esses títulos. Em contraposição, as ações preferenciais gozavam de maior popularidade entre emissores e investidores. Por parte dos investidores pesava o fato de que já possuíam maior familiaridade com esses títulos, devidos às emissões das empresas férreas, e adicionalmente proporcionavam uma maior garantia acerca do retorno que proporcionavam. Do ponto de vista do emissor, pesava o fato de que, como, em geral, esses títulos não tinham direito a voto, a emissão dessas ações proporcionava a possibilidade de obter recursos sem a perda do controle. Ao final dos séc. XIX e início do séc XX, os bancos de investimento começaram, então, a participar mais ativamente dos processos de reestruturação das empresas, que antes eram assumidas em maior escala pelos denominados promotores (promoters), corretores e homens detentores de grandes fortunas, os quais formavam sindicatos para a distribuição dos títulos das novas empresas. A participação mais ativa dos bancos de investimento se deu mais nitidamente após a fusão que deu origem a Federal Steel Company, em 1898, organizada por Morgan. Vários bancos comerciais se tornaram também bastante ativos nessas operações, em especial, o National City Bank of New York. A respeito do papel assumido pelas atividades de banco de investimento frente às necessidades de recursos das grandes corporações americanas, ao final do séc. XIX, descreve Carosso (1970): “the country’s leading investment houses, reluctant earlier to underwrite such issues, now were taking over the major responsibility for financing heavy industry and manufacturing, initiating mergers and consolidations, distributing industrial bonds and preferred stocks, accepting representations on the directorates of these corporations, and generally assuming the same responsibilities for these companies that they did for railroad. By the beginning of the twentieth century virtually all the principal railroads in the country and many of the largest industrial corporations looked to the investment banker for their long-term capital requirements” (Carosso, 1970, p.47) (grifo nosso). 61 A distribuição ao público das grandes emissões se dava nos seguintes termos, conforme também analisado por Carosso (1970): “The number of private investment houses and commercial banks capable of meeting the financials needs of these large borrowers was very small, at most no more than a dozen institutions. Their services were eagerly solicited by a rapidly growing number of big businesses dependent upon raising capital from the public (…) The reputation and influence of the leading investment firms, such as J.P. Morgan, Kuhn, Loeb, and The First National Bank of New York, rested upon their ability to distribute large quantities of securities by selling them to their branches or correspondents abroad and to private and commercial banks, brokerage houses, and trust and life insurance companies in the Unites States; such firms then resold the stocks or bonds to the public or held them as investments” (Carosso, 1970, p.47). As instituições envolvidas diretamente nas atividades de colocação de grandes emissões dependiam, portanto, em grande medida, do suporte das demais instituições financeiras. A fim de garantir essa assistência procuraram investir nessas instituições, obter representações em suas diretorias ou adquirir o controle das mesmas. A extensão do papel assumido pelos bancos de investimento até o período anterior aos anos 30 fica evidente na declaração proferida, em 1937, por W. Douglas, presidente da SEC americana durante o período de constituição dessa entidade, para uma audiência que incluía, praticamente, todos os banqueiros dos bancos de investimento mais importantes de Wall Street daquele período: “(T)he banker (should and will) restricted to underwriting or selling. Insofar as management (and) formulation of industrial policies (…)The banker will be superseded. The financial power which he has exercised in the past over such processes will pass into other hands” (W. Douglas, Democracy and Finance 32, 41, 1940). (grifo nosso) A Bolsa de Nova York (New York Securities Exchange – NYSE) teria provido, também, um controle sobre a atuação de seus membros, além de definir critérios restritivos para as empresas que desejavam listar ali as suas ações, exercendo, em certa medida, um monitoramento sobre as empresas emissoras (Coffee, 2000). Estimava-se que para ser listada na NYSE uma companhia deveria ser cinco vezes maior do que o exigido para listagem na Bolsa de Londres (London Securities Exchange - LSE). 62 A atuação da NYSE contrastava com a passividade presente na atuação das demais Bolsas então existentes. Nesse sentido, fatores como a estrutura organizacional e a dinâmica institucional desta Bolsa tiveram grande importância. A NYSE detinha uma estrutura fechada e a admissão de novo membro dependia, portanto, da obtenção do assento de algum membro. Essa Bolsa manteve, então, número constante de participantes entre o período decorrido entre 1870 e 1905. Deste fato decorre a valorização do assento na Bolsa e a caracterização dos membros como grandes firmas que ofereciam uma gama diversificada de serviços financeiros, como a JPMorgan & Co, para as quais o controle sobre as empresas que seriam ali listadas era uma forma de defender suas reputações. O contraste era bem significativo se comparada com sua co-irmã a LSE, cujos membros caracterizavam-se por um grande e crescente número de pequenas corretoras. Adicionalmente, as comissões de corretagem na NYSE eram fixas desestimulando os negócios de menor valor. Com um número pequeno e limitado de membros e elevado custo para operações de menor vulto, a bolsa não era capaz de atender a todas as empresas que teriam o interesse de serem ali listadas. Por conseguinte, teria optado, então, por limitar-se a grandes volumes de negócios de maior qualidade, o que, por outro lado, era também uma forma de limitar o risco de falência de seus membros. A respeito do papel dos bancos de investimento e da NYSE, Coffee (2000), então, conclui: “These twin developments - the development of a monitoring capacity by the NYSE and the bonding mechanism first developed by US underwriters to attract foreign capital - constitute the twin pillars that supported the development of a liquid equity securities market in the United States. Such a public market arose far quicker in the Unites States than in the UK” (Coffee, p.39, 2000). Os mecanismos analisados teriam sido particularmente importantes considerando que não existia regulação e nem órgão regulador no âmbito federal. Na sua ausência era possível se utilizar de arbitragens regulatórias, ou seja, as empresas podiam migrar para uma jurisdição 63 estadual mais permissiva ou forçar emendas na lei que lhes dessem mais liberdade em prejuízo do público investidor e havia, também, o risco de corromperem os juízes39. Para o caso inglês, também alguns mecanismos extra mercado foram especialmente importantes para o desenvolvimento do mercado de capitais na ausência de uma proteção legal adequada ao pequeno acionista, a saber: as relações de confiança estabelecidas entre os administradores das empresas e os investidores, assim como o papel da auto-regulação exercida pela Bolsa de Londres (LSE), por motivos bem diferentes do que se observou com respeito à atuação da NYSE. Nesse campo ressalta-se, em especial, o fato de que a LSE centralizava praticamente todas as operações realizadas com títulos, incluindo mercado primário e títulos públicos, e sempre exerceu sobre elas uma atividade de supervisão que era aceita de forma voluntária pelo mercado e era facilitada pela concentração geográfica significativa de suas atividades. 4.2 – Desenvolvimento do Mercado e Proteção ao Acionista – a Questão Legal e Regulatória No que se refere ao papel da regulação, a história de países desenvolvidos com experiências bem sucedidas de desenvolvimento do mercado de capitais, o caso americano e inglês, demonstra que foi possível o surgimento desses mercados apesar da ausência de estruturas legais e regulatórias apropriadas. Nessa primeira fase, ao menos, para o caso americano, o fator legal/regulatório não foi uma condição necessária, sugerindo que outros mecanismos atuaram de forma a reduzir as incertezas desses contratos e proteger os investidores, conforme acima discutido. 39 A batalha pelo controle da Erie Railroad, que teve seu início em 1860, oferece um exemplo concreto de alguns desses problemas. A luta pelo controle da ferrovia mobilizou dois grupos: Commodore Vanderbilt, de um lado, e Jay Gould e Daniel Drew, de outro. Os últimos, que eram conhecidos como os líderes da manipulação no mercado de ações naquele tempo, impediram o grupo adversário de comprar o controle da empresa ao promoverem uma operação de venda de bonds conversíveis em ações com um significativo desconto a seus aliados. Estes, por sua vez, ao converterem os bonds em ações diluiriam o poder de voto de Vanderbilt. Ambos os grupos utilizaram-se de ordens judiciais para tentarem fazer valer seus interesses. A corrupção teria sido o mecanismo de convencimento utilizado frente ao poder judiciário e ao final teria sido Gould, ao corromper um número suficiente de magistrados, quem teria feito aprovar lei que legitimava a tática utilizada por ele nesse caso (Coffee, 2000, p.28/29). 64 Num sentido diverso, os trabalhos desenvolvidos pela escola legal finance40, a partir da relação positiva encontrada entre o nível de desenvolvimento do mercado de capitais e o nível de proteção dado ao acionista, para uma amostra de países num determinado período, sugerem que uma regulamentação apropriada seria condição determinante para que esses mercados se desenvolvessem. De acordo com esses estudos, a tradição legal do país, se caracterizada como Civil Law ou Common Law41, determina o nível de proteção atribuído ao acionista, e países que oferecem maior proteção legal ao acionista possuem um mercado de capitais mais desenvolvido (maior relação capitalização bursátil/PIB, menor grau de concentração, maior número de empresas de capital aberto, maior número de ofertas públicas iniciais de ações - IPO etc.)42. Cumpre ressaltar, no entanto, que a presença de estruturas legais adequadas como um fator de sustentação dos mercados de capitais bem sucedidos existentes, como afirmariam os indicadores de La Porta, não significa que esse seja um pré-requisito indispensável para a formação desses mercados. A experiência histórica americana, como já anteriormente analisado, sugere que esse não foi um requisito necessário na sua fase inicial de desenvolvimento. Adicionalmente, a evolução do mercado americano analisada na seção 4.1 corroboraria para o entendimento de que o desenvolvimento da estrutura legal muitas vezes ocorreria posteriormente às mudanças econômicas, e não o contrário. Dessa forma, afirma Coffee que: “Viewed in retrospect, this sequence makes obvious political sense: legal reforms are enacted at the behest of a motivated consistency that is protected (or at least perceives itself to be protected) by the reforms. Hence, the constituency (here, dispersed public shareholders) must first arise 40 La Porta, Lopez de Silanes, Shleifer, Vishny (1997)- LLSV; La Porta, Lopez de Silanes e Shleifer (1998) LLS e La Porta (Versão refinada de La Porta et. Al. 1996.) 41 Grosso modo, Common Law refere-se à tradição legal na qual as leis resultam, principalmente, dos precedentes das decisões judiciais, ou a jurisprudência. Essa tradição é fortemente disseminada na Inglaterra e suas coloniais, inclusive nos EUA. No caso da Civil Law, ao contrário, a formulação das leis é fortemente influenciada pelo código legal romano, pelo seu estudo nas universidades européias e sua prática pelos advogados, tendo as decisões judiciais um peso menos relevante. Aponta-se que seguiram essa tradição três famílias de leis, a francesa, a alemã e a Escandinávia. 42 Os países foram classificados de acordo com o índice de proteção ao acionista minoritário baseado no direito a voto, conforme previsto nas Leis das S.A., construído por LLSV(1998). O índice proposto de proteção ao acionista baseado nos direitos a voto soma um ponto para cada um dos cinco critérios: 1) base legal para que acionistas votem em assembléia através de procurações, 2) direito a representação proporcional no conselho de administração, 3) direito de retirar-se da companhia obtendo por suas ações o valor patrimonial quando certas decisões fundamentais (fusão, mudança de estatutos, etc.) são tomadas, 4) direito aos acionistas de subscrever novas emissões proporcionalmente ao capital detido, 5) porcentagem do capital necessário para convocar assembléia extraordinária (soma-se um ponto quando esse percentual é menor que 10 %)42. 65 before they can become an effective lobbying force and an instrument of legal change” (Coffee, 2000, p.8). Já a experiência inglesa demonstraria que o fator legal não se demonstrou fundamental nem mesmo quando esse mercado já se encontrava bem desenvolvido. Conforme defendem Franks, Mayer e Rossi (2005), a partir do cálculo do indicador de proteção ao investidor proposto por LLSV (La Porta, Lopez de Silanes, Shleifer, Vishny, 1997) para a Inglaterra ao longo do séc. XX, aufere-se que o mesmo muda significativamente nesse período, variando de 1 a 5 pontos. Demonstra-se, portanto, um nível de proteção bem fraco no início do século a despeito do elevado grau de desenvolvimento do mercado de capitais apresentado no país ao longo desse período. Ademais, tais fatos contrapõem-se ao argumento de LLSV acerca da importância da tradição legal de um país como determinante do grau de proteção que apresenta. O caso inglês, país onde se originou a tradição do Civil Law, deveria, segundo a tese desses autores, apresentar um elevado nível de proteção ao acionista. Para o caso inglês, de acordo com Franks, Mayer e Rossi (2005), frente à fraca proteção legal, o desenvolvimento do mercado ao longo da primeira metade do séc. XX, que se expressava no alto volume de emissões e pulverização do capital das empresas, teria sido fortemente calcado nas relações informais e de confiança que se estabeleceram entre os acionistas e os membros do conselho de administração das empresas43. A importância das relações de confiança aparece, também, no papel de auto-regulação exercido pelas Bolsas na Inglaterra, já mencionado anteriormente. Cabe ressaltar que os mecanismos extra mercado discutidos são bem específicos e resultam da experiência histórica que se promoveu nesses países no âmbito de seus mercados. Na ausência de mecanismos desse tipo, haverá espaço importante para os instrumentos legais/regulatórios. No entanto, não é possível derivar destas experiências históricas bem sucedidas uma relação positiva direta entre proteção e desenvolvimento desses mercados. 43 Evidencias dessas relações eram encontradas no âmbito das operações de aquisições e fusões, onde as ofertas para a compra de ações eram feitas sem discriminação de preço e com a participação dos conselheiros das empresas que sustentavam a convenção do preço equivalente ao tornar pública sua participação na dita oferta e ao dar recomendações aos acionistas acerca da mesma. Note-se que na ausência de tais relações as companhias, grupos ou investidores que pretendessem adquirir o controle de uma empresa poderiam adquirir a empresa alvo fazendo ofertas discriminatórias para um grupo seleto de acionistas procurando comprar o mínimo requerido para assegurar o controle. 66 4.3 – O Desenvolvimento da Regulação para o Mercado de Capitais nos Estados Unidos 4.3.1 - O fim do laissez faire e os diferentes modelos de sistema financeiro No séc. XX, ao longo das décadas de 30 e 40, diante da instabilidade demonstrada pelos sistemas financeiros dos países desenvolvidos, a partir da Grande Depressão de 1929 e das crises bancárias ocorridas no Japão, em 1927, e na Alemanha, em 1931, torna-se clara a fragilidade dos regimes financeiros, que eram a essa altura em maior ou em menor extensão, regimes de laissez faire. Verifica-se, a partir de então, mudanças promovidas nos objetivos sociais e econômicos dos governos nacionais e soluções regulatórias bastante distintas no âmbito do setor financeiro para os diferentes países. Nesse contexto, o Estado sai de uma atitude mais ou menos laissez faire em direção a implementação de uma regulação financeira e toma medidas ativas para modelar o sistema financeiro. De um lado, os Estados Unidos definem um modelo liberal de intervenção do Estado, com foco no papel exercido pelos contratos privados e com base em regras de sanções que garantissem o fair play nos mercados financeiros. Além disso, esse país adota fortes restrições à participação dos bancos comerciais nesses mercados, de forma a impossibilitar sua atuação enquanto bancos universais e, também, a impedir a expansão geográfica de suas agências. De outro lado, analisa Vitols (2001), a Alemanha e o Japão optam por um modelo não liberal de regulação financeira. A Alemanha opta por um modelo corporativista calcado em forte influência das associações dos bancos na definição da regulação a ser adotada para o setor, reforça a posição dominante dos bancos vis a vis mercados, remove o Estado da alocação de recursos aos setores da indústria, mas mantém os bancos públicos de poupança, com a função de promover o desenvolvimento regional e prover crédito a empresas de pequeno e médio porte. O Japão opta por uma orientação administrativa, utilizando sistemas de licenciamento e reforçando a presença do Estado nas decisões de alocação de crédito. As diferenças mencionadas teriam persistido apesar dos EU, no período pós II GM, tentarem impor o seu sistema liberal na regulação financeira desses dois países. 67 A participação dos Estados nacionais e diferentes objetivos adotados por cada um, a partir do final da primeira metade do séc. XX, teriam tido um papel fundamental na determinação dos modelos de sistema financeiro a serem adotados para esses países a partir de então. Isto porque, essas definições, contrapondo-se ao estado de laissez faire que vigorava no período anterior, deram um caráter nacional às políticas que foram estabelecidas, privilegiaram claramente uma fonte de recursos em detrimento de outras, definiram qual seria a participação direta do estado e, ainda, sobre que regras e emanadas de quem o sistema financeiro deveria operar. Os arranjos originalmente verificados no âmbito das relações entre as instituições financeiras e o setor produtivo quando do processo de industrialização desses países teriam, também, conformado importantes condições para o desenvolvimento de sistemas com base em mercado ou de sistemas com base em bancos. Nesse sentido, ressaltem-se as relações financeiras específicas que se conformaram entre banco e indústria nos distintos países, que no caso americano se deram principalmente no âmbito do mercado de títulos, como já analisado e, no caso alemão, por exemplo, via o fornecimento de crédito44. 4.3.2 - O Modelo Inglês de Regulação para o Mercado de Capitais O desenvolvimento de uma regulação nacional nos Estados Unidos para o mercado de capitais ocorreu no início dos anos trinta, quando não havia regulação nacional que provesse normas e regras para a emissão e negociação de títulos e nem órgão específico responsável pela sua implementação. Tal marco regulatório foi, sem dúvida, decorrente dos efeitos e das inevitáveis preocupações que surgem com e após a Crise de 1929. Desde então o mercado 44 Nesse contexto destaca-se a especificidade das relações que se estabeleceram entre o capital industrial e bancário alemão e sua consolidação através da conformação dos bancos universais, que combinavam as atividades tradicionais de banco comercial com o fornecimento de crédito de longo prazo para investimentos. Gerschenkron explicita: “the German banks, and with them the Austrian and Italian banks, established the closest possible relations with industrial enterprises. A German bank, as the saying went, accompanied an industrial enterprise from the craddle to the grave (...).Through the device of formally short-term but in reality long-term current account credits and trough development of the institution of the supervisory boards to the position of most powerful organs within corporate organizations, the banks acquired a formidable degree of ascendancy over industrial enterprises, which extended far beyond the sphere of financial control into that of entrepreneurial and managerial decisions” ” (Gerschenkron,1962. p.14). 68 de capitais americano é considerado como o mais regulado e tem sido uma referência importante para os demais países. É importante ressaltar, contudo, que existem outros modelos de regulação para o mercado de capitais que se caracterizaram por uma menor presença da atividade reguladora exercida pelo Estado. Nesse sentido, destaca-se, em especial, o modelo de regulação inglês. A Inglaterra é exemplo singular de um país que desenvolve um mercado de títulos já no final do séc. XVII e cujo modelo de regulação do mercado de capitais foi durante um longo período fortemente calcado na força da auto-regulação. Tal possibilidade parece ter sido sustentada em grande medida, além da tradição que foi sendo construída ao longo do tempo nesse mercado, por um conjunto de fatores dentre os quais: concentração e sofisticação do mercado; normas jurídicas válidas nacionalmente; a realização de quase todas as transações com títulos no âmbito das Bolsas, inclusive quase todas as emissões primárias mais importantes, e também transações com os títulos governamentais; proximidade geográfica da indústria que se localiza em sua maioria no setor da cidade denominado City of London; a atividade de supervisão sobre o mercado ter sempre sido exercida pelas entidades auto-reguladoras; e, mais recentemente, a fusão das Bolsas da Grã Bretanha e Irlanda em 1973, originando a Bolsa de Valores de Londres com sete unidades administrativas, e resultando em grande capacidade de centralização da entidade auto-reguladora (Castro e Eizirick, 1974). As entidades auto-reguladoras na Inglaterra exerciam a supervisão e a regulação de seus membros sem possuírem poderes delegados pelo governo, ou seja, as regras definidas pela Bolsa não poderiam ser caracterizadas como normas jurídicas: “No caso das entidades auto-reguladoras na Inglaterra, suas regras não devem ser caracterizadas como normas jurídicas; não estão incluídas dentro de um sistema de normas jurídicas e não apresentam o aspecto de coação. Qualquer penalidade aplicada pela bolsa pode ser ou não aceita pelo membro punido; caso não aceite, a pena não pode ser aplicada à força” (Castro e Eizirick, p.81, 1974). 69 4.3.3 - O Modelo Americano de Regulação do Mercado de Capitais A discussão sobre qual deveria ser o modelo a ser implementado para a regulação americana na década de trinta foi motivo de disputas num ambiente onde as discussões acerca de qual seria a melhor forma de inserção do Estado na economia se proliferavam. A era do New Deal, que foi inaugurada com o governo de Roosevelt em 1933, refletia uma visão na qual se entendia como necessária à atuação do governo num formato de colaboração entre este e o mercado, conforme o objetivo acordado, numa concepção, pode-se dizer, mais cooperativa. Contudo, do ponto de vista da regulação nacional para o mercado financeiro, e, mais especificamente, para o mercado de capitais, coube ao governo, no modelo adotado, o papel de supervisor do mercado e não de agente atuante ou colaborador. Não faltaram propostas dos assessores do governo e de membros do Congresso no sentido de uma presença mais ativa do Governo no sistema financeiro, como por exemplo, a nacionalização dos maiores bancos. Nesse sentido, o modelo vitorioso significou uma derrota da parte dos que se alinhavam mais fortemente com as proposições do New Deal, conforme ressalta Vitols (2001): “the national regulatory regime established for financial markets drew heavily on precedents from the populist and progressive eras. This approach which was established in areas such as antitrust, railroad, and other utility regulation, involved congressional delegation of rule-making authority to independent agencies. These rules are intended to define fair play in markets where some actors are considerably stronger than others or enjoy significant information advantages. Rule making is guided by administrative law and the enforcement of these rules can be triggered by private actors through recourse to the judicial system” (Vitols, 2001, p.190). Para o segmento do mercado de capitais foi adotado, então, o enfoque de formação de agências, no qual o governo exercia um papel de supervisor, ou seja, sua atuação visava corrigir os erros atribuídos ao mercado. Relativamente ao modelo de regulação vitorioso duas características foram consideradas as mais importantes: o sistema de auto-regulação e o sistema de divulgação de informações (disclosure). Esses dois sistemas definiam, como veremos adiante, as características das 70 funções de supervisão e de prover informações para o investidor, que seriam exercidas pelo órgão regulador nesse novo modelo. A partir dos poderes outorgados pelas leis aprovadas pelo congresso, a agência deveria desenvolver um conjunto de regras e práticas que visavam regular o mercado e os agentes que nele atuam. Esta função poderia ser entendida como a atividade onde a agência reguladora teria uma participação menos passiva no novo modelo. Adicionalmente, uma característica importante também merece ser mencionada o fato de que, como ressaltam Castro e Eizirick (1974), a atuação do governo no mercado de capitais deveria visar especificamente esse próprio segmento, e diferentemente da regulação para outros setores da economia, não estava subordinada a um planejamento econômico global. 4.3.3.a) O sistema de disclosure Até o período da Crise de 1929, havia certa passividade por parte do público diante da atuação dos insiders, visto que costumavam atuar no mercado de ações utilizando seus conhecimentos acerca dos negócios internos da companhia. Ademais, não existia uma uniformidade no nível de exigência sobre as empresas emissoras com relação às informações a serem prestadas ao público em geral e aos acionistas em particular, visto que variava de acordo com a Bolsa em que estava sendo transacionado o título. O princípio de divulgação de informações ao público, ou transparência (disclosure), como ressalta Eizirick (1984), teria sido defendido já em 1914 por um Ministro da Suprema Corte dos EU, que sustentava para o mercado de capitais uma legislação semelhante à imposta aos fabricantes de alimentos - a Pure Food Law, a qual havia criado a obrigatoriedade de divulgação dos ingredientes utilizados na confecção dos produtos. A intenção era através dessa divulgação permitir que os consumidores pudessem ter a possibilidade de avaliar a qualidade do produto adquirido. Mediante a promulgação da Lei de Valores Mobiliários de 1933 - Securities Act of 1933, criou-se a agência reguladora do mercado de capitais americano – a Securities and Exchange Comission (SEC) e definiu-se o estatuto de divulgação de informações 71 (disclosure) para as emissões primárias. Este estatuto exige das empresas emissoras que forneçam aos investidores informações acerca dos títulos emitidos. As empresas devem registrar suas emissões junto a SEC, provendo informações como: descrição das propriedades e negócios da companhia; descrição da quantidade de ações oferecidas e sua relação com os demais títulos representativos do capital da empresa; informações sobre a direção da companhia; relatórios financeiros assinados por auditores independentes. A exigência de registro junto à agência reguladora foi compreendida e implementada como um recurso, na verdade, meramente instrumental visto que seu objetivo foi obrigar os emissores a fazer o disclosure. A atuação do regulador aprovando o registro da emissão não visa agregar nenhuma informação adicional à operação, a não ser a de que todas as informações exigidas foram apresentadas. A SEC não assume a responsabilidade por checar a veracidade dessas informações. A SEC também não assegura a qualidade do título emitido. É o investidor, que de posse das informações disponibilizadas, deve avaliar o investimento, assim como, ao analisar os ingredientes que constam na composição dos alimentos, o consumidor avalia a qualidade do produto em mercado45 . Nesse aspecto, observa-se, contudo, o papel atribuído às instituições e profissionais que assegurariam a qualidade, veracidade das informações e dariam suporte aos investidores nas suas decisões. Na seção 11 do Securities Act de 1933, por ocasião da colocação de títulos no mercado primário, no registro da emissão ou nos prospectos de venda, atribuiu-se responsabilidade pela prestação de informações falsas ou omissão de informações sobre fato relevante ao emissor e à instituição financeira intermediária colocadora e subscritora da operação, bem como, também, aos demais profissionais, como os auditores, que tenham se responsabilizado pela preparação das informações disponibilizadas. Por intermédio do Securities Exchange Act de 1934, o Princípio de Disclosure foi estendido também às ações registradas na Bolsa. Tal medida determina a divulgação de informações periódicas acerca da companhia emissora dos títulos. O objetivo é que os acionistas possam exercer seu direito de voto e possam, também, avaliar a oportunidade de vender suas ações 45 No entanto, como ressaltado no Capítulo 1, os contratos financeiros, por aglutinarem um grande número de características especiais, tendem a ser mais complexos que os contratos não financeiros, e, portanto, as condições de proteção do consumidor no âmbito do mercado de bens tendem a ser mais simples do que as exigidas para o mercado de ativos financeiros. 72 no caso de ofertas públicas, assim como, visa impedir a prática do insider trading (Eizirik e Porto, 1974). Dessa forma, para as ações já emitidas requisita-se o registro junto à Bolsa e junto à SEC (Seção 12 da lei), e a atualização de Relatórios anuais e periódicos (Seção 13 da lei). Os Relatórios Anuais devem conter, além do balanço anual auditado, informações acerca da composição de acionistas com direito a voto, nome, profissão e número de ações, remuneração dos diretores, participação de assessor ou diretor em transações importantes da companhia, opções de compra e seu exercício etc. Relativamente ao insider trading especifica-se, na Seção 16 da lei, que os acionistas com participação no capital da companhia acima de 10% deveriam enviar relatórios periódicos à SEC . Em 1942, por intermédio da Regra no 5, com base na Seção 10-b do Securities Exchange Act, foi declarado ilegal a conduta de qualquer pessoa que, ao negociar ações, prestasse declarações falsas ou incorretas sobre um fato material ou omitisse um fato material46. Em 1968 e 1970 o Securities Exchange Act sofreu emendas adicionais que visaram impedir o uso de informações privilegiadas (insider trading) ampliando o princípio de disclosure para qualquer grupo que visasse obter o controle da companhia (tender offers - compra direta) ou para pessoa ou grupo que visassem adquirir mais de 10% das ações da companhia. 4.3.3.b) - O sistema de auto-regulacão: as Bolsas e o mercado de balcão No período anterior a crise de 1929 as Bolsas de ações americanas consistiam em órgãos voluntários, cuja condução e regulação de seu funcionamento interno eram da 46 A primeira vez que tal Regra foi aplicado com todo seu rigor foi, somente em 1959, no caso exemplar envolvendo a companhia Texas Gulf Sulphur Company. A Texas Gulf Sulphur Company era a maior produtora mundial de enxofre. Informações acerca de perfuração que teria permitido a descoberta pela citada companhia de novas reservas de zinco e cobre não teriam sido veiculadas pela empresa ao público. No entanto, enquanto isso diretores e funcionários diretamente envolvidos na descoberta em questão adquiriram ações da empresa no mercado diretamente ou através de seus prepostos. Após divulgação em jornais canadenses a cerca da descoberta, a diretoria teria vindo a público procurando amenizar a dimensão dessas revelações, e após alguns dias, divulgou informação reafirmando a importância das ditas descobertas. A SEC entrou em juízo e a corte de segunda instância reformou a sentença da primeira instância, que teria sido contrária e condenou os insiders que teriam comprado ações após a citada descoberta, visto que seria considerada Material Information, e também condenou a empresa por declaração enganosa. A Corte definiu que entendia como Fato Material, para efeito da Regra 10 B-5, aquela que é levada em conta por investidor médio para a compra, venda ou manutenção de ações, ou que provoca impacto sobre o mercado de ações (ver Eizirick ,1974). 73 responsabilidade exclusiva dos seus membros. Estas instituições gozavam de grande autonomia visto que estavam sujeitas a pouca ou nenhuma regra. Por outro lado, as atividades realizadas no mercado de balcão não possuíam nenhuma forma de autoregulação. Algumas conseqüências dessa situação puderam ser observadas ao longo do período que culminou na crise de 1929. Existia, por exemplo, uma diferenciação entre os níveis de exigência de divulgação de informações das empresas requeridas pela Bolsa de Nova York e os definidos para as demais Bolsas americanas. Devido a isso, foi possível observar, à medida que se elevava o fluxo de operações de caráter especulativo, uma certa migração em favor desse último grupo, como analisou Galbraith (1988): “as transações da Bolsa de Nova York não mais constituíam bom indicador do interesse total na especulação de títulos. Muitas ações novas e empolgantes - da Shenandoah, da Blue Ridge, da Pennroad, da Insul Utilities - não constavam do grande quadro da Bolsa (...) A maioria das empresas que o quisesse podia ter suas ações admitidas à negociação. Algumas delas, porém, achavam prudente, e muitas outras achavam conveniente, não responder às indagações bastante simples que a Bolsa fazia para obter informações. Dessa forma, muitas ações eram transacionadas no mercado secundário, na Bolsa de Boston, ou em outras bolsas. Embora as negociações da Bolsa de Nova York continuassem maiores do que as de todas as outras juntas, sua posição relativa sofrera certo abalo (...) no verão de 1929 as bolsas de Boston e São Francisco, normalmente indolentes e até a de Cincinnati, estavam experimentando um boom. Em vez de apresentar um pálido reflexo do que acontecia em Wall Street, elas possuíam vida e personalidade próprias. Certas ações ali negociadas não eram admitidas em Nova York, algumas de excepcional sabor especulativo” (Galbraith, 1988, p. 60). Adicionalmente, as atividades de manipulação de mercado eram freqüentes no período em questão e, mais importante ainda era o fato de que nelas estavam amplamente envolvidos os profissionais de mercado: “naquele período ferviam as associações e coligações - em resumo, manipulações em grande escala. No decorrer de 1929, mais de cem emissões foram objeto de operações desse gênero na Bolsa de Nova York, de que participaram associadas da Bolsa ou seus prepostos. As operações eram de natureza um pouco variada, mas, basicamente, uma série de operadores reunia seus recursos para forçar alta de determinada ação (...) Essas compras elevavam a cotação da ação e despertavam o interesse das pessoas (...) tudo correndo bem, o público comprava e o papel 74 passava a subir por si mesmo (...). Nesse ponto o gerente se desfazia de tudo, retirava uma porcentagem do lucro e dividia o resto com seus investidores” (Galbraith, 1988, p.71) 47. O sistema de auto-regulação foi instituído mediante o Securities Exchange Act de 1934 que regulou o mercado de títulos e os negócios realizados pelos profissionais de mercado dealers and brokers. Mediante esse instrumento legal foram delegados poderes às entidades auto-reguladoras, ou seja, às Bolsas e, à NASD, após sua constituição, as quais passaram a ter a responsabilidade de desenvolver normas para as negociações e conduta dos seus membros. À SEC coube atuar diretamente sobre o mercado ou por intermédio das entidades auto-reguladoras, exercendo, também, a função de supervisionar as atividades dessas últimas. Dentre alguns dos objetivos a serem perseguidos e atribuições a serem exercidas diretamente pela SEC, sobre as Bolsas e os negócios nelas ocorridos, contidas nesse ato legal, constam: a exigência de registro das corretoras e de Bolsas; a extensão do Princípio de Disclosure a todas as ações listadas em Bolsa, implicando na exigência de apresentação de Relatórios anuais e trimestrais por parte das companhias emissoras que transacionam seus títulos no mercado de balcão ou de Bolsa; a proibição de manipulação de preços ou o uso de esquemas de manipulação na compra ou venda de títulos; a autoridade de suspender as corretoras de suas atividades no mercado de títulos etc. Foi por intermédio do Maloney Act de 1938, constituído enquanto uma emenda a Seção 15 A do Securities Act, que a legislação previu a formação de entidades auto-reguladoras, antes inexistentes, para o mercado de balcão48. Com a promulgação dessa lei foi possível ocorrer um acordo entre a SEC e a indústria em torno da constituição de uma única associação autoreguladora, a NASD - National Association of Securities Dealers, que foi formada e registrada em 1939, e que começou a funcionar em 1940. Diferentemente das Bolsas, nesse mercado não havia uma centralização física das operações, constituiu-se numa rede de informações através da qual as instituições intermediárias espalhadas geograficamente operavam em nome de seus clientes. Desde 1981, essa funcionalidade passou ser exercida de maneira tecnologicamente bem mais avançada por intermédio de seu sistema - NASDAQ - National Association of Securities Dealers Automated Quotations System. 47 Informações obtidas no Stock Exchange Practices, Relatório de 1934. Define-se como mercado de balcão no âmbito das transações efetuadas no mercado de capitais aos negócios efetuados diretamente pelas instituições intermediárias, portanto, fora de bolsa. 48 75 4.3.4 - Os Bancos e a Crise Financeira Para alguns autores, a crise de 29 poderia ser analisada enquanto o começo de uma longa crise financeira que se alastrou por vários anos e culminou na crise bancária de 1933. No que se refere mais especificamente ao colapso da Bolsa, ao longo do ano de 1929, vários foram os momentos que demarcaram uma inter-relação entre os bancos e o mercado de capitais americano no período analisado. Um dos mais significativos foi quando em 24 de outubro, diante do primeiro momento de grande pânico, que teria se instalado a partir da queda abrupta das cotações, os banqueiros resolveram reunir recursos para apoiar o mercado e conter a crise. O anúncio de tal decisão teria sido capaz de acalmar o mercado, muito embora o valor do montante efetivamente disponibilizado não chegou a se saber ao certo49. Um outro momento foi quando se tornaram públicas as operações de manipulação no mercado de títulos, envolvendo banqueiros e dois dos mais importantes bancos de Wall Street: Chase National Bank e o National City Bank 50. Em 1933, foi o arcabouço regulatório voltado às atividades das instituições bancárias que passou por importantes mudanças. Dentre as mudanças que repercutiram mais diretamente sobre o mercado de títulos, destaca-se a provision Glass-Steagall, contida no Banking Act de 1933, que tornou obrigatória a separação da função dos bancos de investimento da função dos bancos comerciais, e proibiu a esses últimos de se filiarem a qualquer corporação engajada em atividades de emissão, subscrição e colocação de ações, títulos, debêntures, notas e outras securities. Restringe-se, assim, fortemente a participação dos bancos comerciais no mercado de títulos, de forma a impedir sua atuação enquanto bancos universais. Foram, também, estabelecidas restrições à expansão de suas agências, atingindo de forma mais significativa os bancos que apresentavam à época uma atuação em escala nacional. Dessa forma, objetivou-se reduzir o poder dos bancos e separar as atividades especulativas do mercado de títulos das atividades de banco comercial, dificultando crises de caráter sistêmico. 49 50 Ver Galbraith, 1988, p. 90/91. Ver Galbraith, 1988, p. 132/138. 76 Em termos gerais, as motivações que ensejaram tais regulamentações teriam sido de ordem basicamente econômica e política, justificadas pelo apelo ao sentimento reconhecidamente disseminado na sociedade americana de desconfiança em relação as grandes instituições financeiras e na necessidade de delimitar seu poder, e, especificamente, na defesa do argumento no qual a Crise de 29 teria tido como causa o excesso de poder dessas instituições. Segundo Roe (1989), a regulação financeira americana nos moldes então implementados teria sido também decisiva para o processo de dissociação entre propriedade e controle observado nas corporações americanas, de forma que, como afirma esse autor: “The BerleMeans corporation is an adaptation, not a necessity” (1989, p.73). Isto porque, tal regulação teria impedido, ou tornado altamente custoso ou delimitado a participação de instituições financeiras (bancos, empresas de seguros, fundos de pensão, fundos de investimento) enquanto detentoras dos títulos de propriedade, justamente os investidores que teriam os recursos para deterem parte substancial do capital, ou mesmo exercerem o controle sobre as grandes corporações. Conforme analisa Roe (1989): “ Influence was direct: prohibitions on banks and bank holding companies - the institutional players with half of the money - from owning and controlling, prohibitions on insurance companies from owning stock for a half-century (and now limiting their ownership), and tax penalties on mutual funds owning control blocks. And influence was indirect: i ) fragmented investors talking to one another must act trough the SEC’s proxy machinery, ii) schedules have to be filled with the SEC, iii) groups that own 10% or more of an industrial company’s stock risk imposition of 16B liability, forcing disgorgement of any short-swing profits, iv) an institution wishing to obtain influence and control will be subjected to many enhanced duties and liabilities (Roe, 1989, p.27). Em suma, o conjunto de medidas implementadas nos anos 30, segundo diferentes autores, teriam tido impactos estruturais diferenciados de grande importância: primeiro, por definir as condições para que o sistema financeiro americano se tornasse um sistema altamente segmentado e especializado; segundo, por constituir as bases para a constituição do modelo com base em mercado nos Estados Unidos, na medida em que teria favorecido o mercado de capitais enquanto forma de financiamento das empresas (Vitols, 2001); e, por último, por estimular uma maior pulverização do capital das empresas, na medida em que teria 77 impedido a participação de instituições financeiras enquanto detentoras e, portanto, controladoras do capital das empresas (Roe, 1989). 4.3.5 - Vulnerabilidades do Modelo Americano de Regulação O sistema de auto-regulação facilitou, em grande medida, o trabalho da agência reguladora norte americana, que tenderia a se tornar bem mais difícil se não pudesse transferir parte de suas atribuições para as entidades auto-reguladoras, em especial no caso do mercado de balcão americano. Contudo, uma desvantagem importante atribuída a esse mecanismo refere-se às dificuldades das Bolsas em assumir adequadamente a função de fiscalizadores dos agentes de mercado que são seus sócios membros. No caso americano, as primeiras dificuldades ficaram evidenciadas durante a crise financeira, ocorrida entre 1967 e 1970, que veio a afetar o sistema de regulação como um todo. A referida crise demonstrou a incapacidade das entidades auto-reguladoras em fazer com que os brokers/dealers cumprissem regras de padrões financeiros mínimos. Frente ao crescimento significativo do volume de negócios com títulos, ocorrido ao longo da década de 60, teria sido possível observar que as corretoras não teriam conseguido se ajustar adequadamente. Diante do crescimento do seu nível de atividade, chegou-se a evidenciar, em alguns casos, falhas no cumprimento do prazo para entrega de ações ao cliente. Com a queda do volume de negócios, observada em 1969/70, e conseqüente queda das cotações das ações, várias instituições não foram capazes de fazer frente à queda abrupta de suas receitas, provocando a falência de enumeras corretoras51. O ocorrido demonstrou a possibilidade de falhas no sistema de auto-regulação: a vigilância sobre a atividade dos brokers era deficiente, o fundo de garantia (Trust Fund) da NYSE não foi eficaz enquanto sistema de proteção aos clientes das firmas membros, os clientes das firmas não-membros estavam sem cobertura às perdas. 51 Para descrição dos efeitos da crise sobre as corretoras ver Porto e Eizirick, 1974. 78 Em decorrência desses acontecimentos foram implementadas, então, novas medidas regulatórias por intermédio do Securities Investor Protection Act (1970). Esta lei criou o SIPC (Securities Investor Protection Corporation), entidade que congregou todos os brokers-dealers (membros e não membros) e que teria a finalidade de cobrir prejuízos em até 50 mil dólares por investidor, nos casos de liquidação de um broker-dealer. Já o segundo braço do modelo de regulação para o mercado de capitais adotado, o sistema de disclosure, veio a partir do final dos anos 60 revelar algumas de suas vulnerabilidades. Dentre os vários casos de irregularidade ocorridos à época, destacou-se o caso do Equity Funding Corporation of America que se constituiu em um exemplo de comportamento fraudulento envolvendo falsificação de apólices de seguros e publicação de informações financeiras fictícias, e também, apresentou falhas no sistema de auto-regulação52 . No caso descrito, a Bolsa teria falhado ao ter aceito o registro da empresa, falharam as instituições que subscreveram seus títulos, que deveriam ter examinado as contas da companhia, e os auditores que aprovaram suas demonstrações financeiras. Tal exemplo, conforme salienta Eizirik e Porto (1974): ''evidenciou ainda a dificuldade de se detectar as práticas fraudulentas por mais sofisticado que seja o processo de disclosure" (Eizirik e Porto, p.74, 1974). Dessa forma, nos anos 60 foi possível constatar que os princípios adotados nos anos 30 para a regulação do mercado de capitais nos EUA não estavam desprovidos de vulnerabilidades, e que a regulação exigia um processo permanente de desenvolvimento e aprimoramento cuja necessidade poderia ser, muitas vezes, percebida somente após períodos de crises e instabilidades. 52 A Equity Funding Corporation of America era uma companhia de seguros de vida e de investimentos, os prêmios do seguro seriam pagos com recursos provenientes da aquisição, por parte do investidor segurado, de cotas de um fundo mútuo de investimentos. A companhia apresentou, no início de 1973, um crescimento fabuloso e seus ativos eram estimados em 750 milhões de dólares. A fraude consistiu na falsificação de apólices de seguros e publicação de informações financeiras fictícias por meio do qual a companhia induziu o público a comprar títulos de sua emissão, tendo se apropriado de forma fraudulenta, no conjunto das operações realizadas no período, de cerca de 400 milhões de dólares do público investidor (Eizirik e Porto, p. 72/73, 1974). 79 Além disso, o ocorrido demonstrava que a regulação sobre esses mercados poderia reduzir as assimetrias de informações existentes, mas dificilmente eliminá-las, ou seja, a atuação do Governo tem seus próprios limites. Conforme ressalta Stiglitz (1998): “The experience of the Unites States shows, however, that even with all legal protections, the informational problems are so severe that equity will still play only a limited role in new finance” (Stiglitz, p.13, 1998). 4.4 – Conclusão A partir da observação da evolução histórica do mercado de ações nos EU, constatou-se que um ambiente regulatório adequado não foi condição de desenvolvimento para o mercado de capitais nos EU, assim como, também, não para o mercado inglês. Evidenciou-se, assim, que essas experiências contrariaram a escola legal finance, cujos trabalhos sugerem o aspecto legal como determinante para o desenvolvimento desses mercados. Verificou-se que, para os casos analisados, mecanismos extra mercado específicos puderam exercer, até um determinado período, um papel importante em reduzir as incertezas nesses mercados. No entanto, para o caso americano, a crise de 29 teria demonstrado que o mercado por si só não seria capaz de prover sistemas de monitoração e informação adequados e, como resposta, criou-se, nos anos 30, um órgão regulador específico e desenvolveu-se uma regulação no âmbito federal voltados para o mercado de capitais. Tal regulação apresentou dois princípios básicos, o da divulgação de informação e o da auto-regulação. A partir do final dos anos 60, diante da crise da Bolsa e de vários casos de fraude, foram introduzidas novas alterações na regulação americana. O ocorrido teria demonstrado que a regulação pode reduzir, mas não eliminar, as ineficiências existentes no mercado de títulos. 80 Conclusão 1ª Parte - Breve Sumário das Proposições Teóricas No Capítulo 1, averiguou-se que títulos e crédito possuem características bem distintas no que se refere a um conjunto bem amplo de aspectos, e que às facilidades ou benefícios que cada tipo de transação financeira pode prover também estão associados, em geral, seus devidos custos, monetários e/ou não monetários. Observou-se que, dentre as diferentes características analisadas para esses contratos, atribui-se, usualmente, também mecanismos distintos de proteção contra o risco de não cumprimento do contrato, monitoramento ou “voz” para os bancos, e mercados secundários ou “saída” para os títulos. No Capítulo 2, examinaram-se as críticas de diferentes escolas de pensamento às hipóteses assumidas pela hipótese dos mercados eficientes (HME) e concluiu-se que, diante de hipóteses menos simplistas do que as assumidas pela HME, os mercados não são eficientes, sendo, portanto, falho o mecanismo de “saída” como dispositivo de defesa do investidor detentor de títulos transacionados em mercados secundários organizados. No Capítulo 3, concluiu-se que, não sendo válida a HME e sendo, portanto, falho o mecanismo de “saída”, existe um papel para o mecanismo de “voz”, ou monitoramento. Verificou-se que os investidores individuais e os minoritários, por várias razões, encontram dificuldades em monitorar de forma adequada as companhias e seus administradores e que, também, existem dificuldades em assegurar que as instituições financeiras intermediárias e auxiliares atuantes nesse mercado exerçam suas atividades de forma adequada. Por conseguinte, existe um papel para o Governo, estabelecendo normas e leis que protejam os investidores e realizando um monitoramento sobre o mercado. No Capítulo 4, constatou-se que as experiências de constituição do mercado de capitais, no caso americano e inglês, contrariaram a escola legal finance, cujos trabalhos sugerem o aspecto legal como determinante para o desenvolvimento desses mercados. Para o caso americano, a crise de 29 teria evidenciado as falhas do mercado em prover sistemas de monitoração e informação adequados e, como resposta, criou-se órgão regulador específico e desenvolveu-se uma regulação no âmbito federal voltados para o mercado de capitais. A partir do final dos anos 60, os princípios básicos adotados, de divulgação de informação e de auto-regulação, demonstraram mais claramente seus pontos de vulnerabilidade. Igualmente, 81 as fraudes e crises ocorridas nesse período corroboraram para o entendimento de que a atuação do Governo, no sentido de reduzir as ineficiências do mercado, também apresenta seus limites. 82 2a PARTE: A CVM e a Regulação sobre as Companhias Abertas no Brasil 1976/86 83 Capítulo 5 – O Ambiente Regulatório pré-reformas dos anos 70 5.1 - Constituição de Mercados de Capitais em Países em Desenvolvimento Mercados de capitais desenvolvidos caracterizar-se-iam, num modelo ideal, pela presença de firmas emissoras de grande porte, mercados secundários bem organizados e o desenvolvimento de sistemas de informação e supervisão. No caso dos países em desenvolvimento como poderiam se constituir mercados de capitais dessa natureza? Em muitos casos, devido às dificuldades encontradas, arranjos em direção a modelos com base em crédito consistiram na solução obtida para os países de industrialização tardia53. Com efeito, é possível constatar que condições impeditivas para o desenvolvimento do mercado de capitais tendem a se auto-reforçar nas economias menos desenvolvidas. Por um lado, a possibilidade de constituir mercados secundários líquidos, em geral, encerra-se num círculo adverso definido pelo dilema: baixo nível de densidade do mercado impede a formação de liquidez e baixa liquidez impede o crescimento do mercado. Necessário pontuar, ainda, os riscos oriundos dos efeitos decorrentes de processos de transformação de mercados de baixa liquidez em mercados mais líquidos. Mercados com pouca profundidade estão expostos a significativas variações de preços e, portanto, estarão mais suscetíveis, ao longo desse processo, a movimentos especulativos. Esse poderá ser um fator de desestímulo à entrada de novos participantes54. Por outro lado, na ausência de sistemas de financiamento apropriados, as empresas tendem a ter uma capacidade de crescimento atrelada aos lucros retidos, o que, nos casos dessas economias, pode significar um limite permanente à sua expansão. As empresas podem, ainda, ter uma estrutura de financiamento com elevado grau de fragilidade financeira, decorrente da necessidade de financiar investimentos de longo prazo por meio de recursos obtidos sob a forma de empréstimos. Ademais, diante desse quadro, como o pagamento das dívidas contraídas depende dos lucros, as empresas estarão fortemente suscetíveis a 53 “Companies tend to turn to bank financing when the growth rates they choose to pursue exceed the capital they can obtain from retained earnings and securities issues. This is why credit-based systems tend to be tied to late and rapid growth; investigation will show that in late-developing countries the state has helped to organize the provision of financial resources” (Zysman, 1983, p.63). 54 Ver em Studart, 1995/96. 84 variações no nível de renda. No caso de redução do nível de atividade e queda de suas vendas, as empresas tenderão a recompor suas margens de lucros por meio de uma elevação dos preços de seus produtos, gerando pressões inflacionárias. A análise desenvolvida em 1932 por Berle & Means teve como referência a experiência americana, e entendeu que o processo de dissociação entre propriedade e controle seria inevitável, afirmando, assim: “Esse sistema promete ser tão abrangente quanto o sistema feudal em sua época. Exige que examinemos tanto suas condições quanto suas tendências, para entendermos a estrutura sob a qual se baseará a ordem econômica do futuro” (1932, p.38)55. No entanto, constatou-se que o processo de separação entre propriedade e controle das empresas não se verificou, por exemplo, nas economias em desenvolvimento. Ademais, no caso de diversos países desenvolvidos, essa dissociação entre a propriedade e o controle das empresas não teria atingido o nível e a extensão ocorridos nos EUA 56. Em decorrência do acima exposto, encontram-se resistências, por parte dos proprietários das empresas em abrir o capital, ou mesmo expandir a base de acionistas, devido ao receio de perderem o controle de suas empresas. Nesses casos, como ressaltam Becth et all (2002) e Roe (2002), permanecem, em larga escala, estruturas onde predominam empresas de propriedade familiar ou sob o controle de grupos específicos, e, por conseguinte, não há pulverização do capital da empresa entre os chamados, por Berle & Means, de proprietários passivos. Ademais, vale lembrar que o processo de abertura do capital implica custos. Dentre os custos incorridos pelas empresas basicamente verifica-se: o custo de underpricing57, as despesas administrativas (taxa de registro, auditorias etc) e a perda de confidencialidade de suas informações. 55 Esse entendimento fica igualmente claro quando afirmam Berle & Means: “Essa organização da atividade econômica se apóia sobre duas vigas mestras, tendo cada uma delas possibilitado a ampliação da área sob controle unificado. O sistema fabril, base da Revolução Industrial, levou um número cada vez maior de trabalhadores a se colocar diretamente sob uma única administração. Depois disso, a sociedade anônima, cujos efeitos são igualmente revolucionários, colocou a riqueza de inúmeras pessoas sob o mesmo controle central” (Berle & Means, 1932, p.34). 56 “with the exception of the US some form of concentration of ownership and/or voting control is the most common corporate governance arrangement in OECD and developing countries” (Becht at all ,p.80, 2002). 57 Ver conceito de underpricing no Capítulo 3. 85 Além de implicar custos monetários e não monetários inevitáveis, a abertura de capital implica benefícios que são incertos, porque estão condicionados à liquidez de suas ações no mercado. Como benefícios usualmente apontados têm-se, principalmente, a redução do custo de capital e a maior facilidade para obtenção de recursos (Barros et al, 2000). Do ponto de vista do acionista, diante de uma estrutura de capital concentrada, a figura do administrador tende a se confundir com a figura do acionista controlador, na medida em que o primeiro estará, na verdade, representando o segundo. O problema de agência e de assimetria de informações, bem como de conflito de interesses, ficaria, nesse caso, mais claramente definido na relação acionista controlador e acionista minoritário, podendo originar situações de abuso de controle. Vale notar, ainda, que os mercados de capitais caracterizam-se por atenderem, principalmente nos seus segmentos mais tradicionais, ou seja, no mercado de ações e debêntures, às demandas de recursos provenientes do segmento de empresas de maior porte. Nesse caso, as necessidades de recursos das pequenas e médias empresas podem ficar desassistidas58. Da mesma forma, o setor bancário, usualmente, apresenta estrutura concentrada e também direcionada ao atendimento das grandes empresas. Em decorrência desse conjunto de fatores, tendo em vista as necessidades de recursos para o financiamento e, principalmente, o desenvolvimento dessas economias, demonstra-se a importância de prover fontes adicionais de recursos, a partir de experiências bem sucedidas. Esta necessidade pode ser exemplificada pela experiência coreana que, além de adotar políticas de estímulo ao desenvolvimento do mercado de capitais, atribuiu importante papel às instituições financeiras públicas voltadas para o desenvolvimento. 58 Nesse ponto as exceções são possíveis, mas tendem a referirem-se a desenhos mais específicos. Destacase nesse sentido o exemplo chileno. Contrariando as características normalmente associadas a esses mercados nas economias mais avançadas, o mercado chileno de debêntures destaca-se pela participação expressiva de empresas emissoras de menor porte. Isto, segundo Glen & Pinto (1994), é decorrência da elevada concorrência dos fundos privados chilenos que faz com que as emissões de pequeno valor encontrem preços competitivos. 86 Dessa forma, são claras as dificuldades estruturais que podem ser encontradas para a consolidação de mercados de capitais em economias em desenvolvimento que possam representar uma fonte importante de recursos para as empresas. No que se refere ao papel da regulação, a história dos países desenvolvidos com experiências bem sucedidas de desenvolvimento do mercado de capitais - os casos americano e inglês - demonstram que foi possível o surgimento desses mercados, apesar da ausência de estruturas regulatórias apropriadas. Nessa primeira fase, ao menos, o fator legal/regulatório não foi uma condição necessária, e, além dos estímulos oriundos dos ganhos esperados com essas operações, foram importantes os mecanismos que atuaram de forma a reduzir as incertezas desses contratos e proteger os investidores, conforme discutido no Capítulo 4. Cabe ressaltar que os mecanismos extra mercado ressaltados são bem específicos e resultam da experiência histórica que se promoveu nesses países no âmbito desses mercados. Na ausência de mecanismos dessa natureza haverá um papel importante para os instrumentos legais/regulatórios, com o intuito de proteger o investidor, como analisado no Capítulo 3. No entanto, não foi possível se depreender da análise dessas experiências históricas bem sucedidas uma relação positiva direta entre proteção e desenvolvimento desses mercados. A esse respeito, situação inteiramente diversa é configurada no caso dos países em desenvolvimento, visto que os processos de abertura dos capitais domésticos a investimentos estrangeiros de portfólio têm imposto um concomitante processo de uniformização dos padrões de informação, harmonização da regulamentação e dos mecanismos de supervisão. Dessa forma, uma questão que se apresenta, para o caso de mercados de capitais ainda incipientes ou pouco desenvolvidos, é se a implementação de uma regulação apropriada pode ser fator de desenvolvimento desse mercado. A história do mercado de ações e, em especial a Crise de 1929, teria revelado as insuficiências e falhas do mercado e a necessidade de regulação. Trata-se de direitos de propriedade que representam expectativas de pagamento transacionados em mercados públicos na presença de um conjunto de instituições de suporte privadas. Nesse caso, as forças de mercado se revelaram insuficientes para promover espontaneamente um sistema de informação eficiente, assim como para reduzir a níveis apropriados o risco de conflito de interesse entre os diferentes agentes que ali atuam. 87 No Brasil, desde meados dos anos 60, realizaram-se esforços no sentido de aprimorar os instrumentos regulatórios voltados para o mercado de capitais. No nosso caso, foi, porém, o estouro da bolha especulativa, ocorrido em 1971, e a posterior fuga dos investidores, o marco a partir do qual o Governo implementou reformas mais profundas, como a promulgação da Lei das S.A. e a criação de órgão regulador especificamente voltado para regular, supervisionar e fiscalizar esse mercado. A 2ª parte desse trabalho pretende analisar o arcabouço legal e regulatório do mercado de capitais no Brasil resultante das reformas implementadas a partir de 1976, destacando-se, em especial, os instrumentos de proteção ao investidor, com enfoque no período relativo aos dez primeiros anos de atuação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM. Nessa parte investigam-se as características principais que nortearam as reformas que se iniciaram com a promulgação da Lei no 6.385 e da Lei no 6.404, ambas em 1976, e que deram seguimento por meio dos atos normativos expedidos pelo novo órgão regulador e com as medidas voltadas para a atuação dos investidores institucionais. Objetiva-se verificar em que medida as mudanças significaram, de fato, um avanço no que diz respeito a proporcionar instrumentos adequados de proteção aos acionistas das companhias abertas. Adicionalmente, analisa-se o comportamento do mercado ao longo desse período, ressaltando as possíveis implicações das mudanças legais e regulatórias promovidas. 5.2 - As Reformas Financeiras dos anos 60 e a Lei do Mercado de Capitais (Lei no 4728/65) 5.2.1 - Antecedentes Em meados de 60, o sistema financeiro em operação no Brasil já demonstrava sua inadequação frente às exigências da economia, em especial diante dos desafios impostos pelo fim do ciclo de crescimento e frente às mudanças estruturais da economia que resultaram do esforço consubstanciado no Plano de Metas (1956/60). Na ausência de fontes privadas que provessem recursos de longo prazo para os investimentos privados, o crescimento consubstanciado nos anos 50 havia sido financiado, 88 primordialmente, por recursos públicos, destacando-se o papel do BNDE e do Banco do Brasil, e, por empréstimos externos. A partir de 1962 ocorreu a reversão do ciclo de crescimento que teria se iniciado no final dos anos 40. O crescimento do PIB cai de 10,3% em 1961, para 5,2% em 1962 e 1,6% em 1963, enquanto a inflação anual de 40% em 1959 chegou a 90% em 1964. Por outro lado, a indústria de bens de consumo duráveis, que liderou o crescimento do setor industrial no período do Plano de Metas, requeria mecanismos de financiamento de médio prazo ao consumo. Considerando o tripé constituído pelas três fontes de financiamento - os recursos públicos, privados nacionais e estrangeiros - a reforma financeira de 1964/65 teve o objetivo de consolidar, no contexto acima destacado, o braço privado e promover, ainda, uma maior abertura da economia ao capital externo, mas dando seguimento ao papel fundamental até então atribuído aos bancos públicos. Constavam como fatores usualmente considerados impeditivos para o desenvolvimento do mercado de ações a inflação, que tendia a concentrar o mercado em torno das ações mais rentáveis, o acesso difícil a informações, a desorganização das Bolsas, o monopólio dos corretores públicos que criavam condições propícias a manipulações, e os excessivos impostos 59. A reforma representada pelas denominadas Lei Bancária (Lei no 4595/64) e Lei do Mercado de Capitais (Lei no 4728/65) tinha, nitidamente, o intuito de constituir um sistema financeiro à semelhança do sistema financeiro americano: competitivo, segmentado e com importante papel do mercado de capitais como fonte de recursos de longo prazo. Do ponto de vista institucional, a reforma reconfigurou completamente o sistema financeiro brasileiro. Dentre as mudanças institucionais implementadas destacam-se a criação do Conselho Monetário Nacional, como órgão disciplinador, e a criação do Banco Central, como órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro e do mercado de capitais. 59 Ver Almeida, J.S.G. (1984). 89 Adicionalmente, a reforma criou os bancos de investimento, as sociedades de investimento e os fundos de investimento. 5.2.2 - Os princípios da divulgação de informações e da auto-regulação A Lei no 4.728/65 foi a primeira disciplina voltada basicamente, ainda que não exclusivamente, para o mercado de capitais. Essa lei continha, a espelho da legislação americana, os dois princípios fundamentais que nortearam a legislação daquele país, introduzidos nos anos trinta por meio do Securities Act de 1933 e do Securities and Exchange de 1934: o princípio de divulgação das informações e o princípio da autoregulação. Com efeito, a divulgação de informações encontrava-se dentre as finalidades e as atribuições do CMN e do Bacen, previstas na Lei no 4.728/65, a saber: facilitar o acesso do público a informações sobre os títulos ou valores mobiliários distribuídos no mercado e sobre as sociedades que os emitirem; proteger os investidores contra emissões ilegais ou fraudulentas; evitar modalidades de fraude ou manipulação; assegurar a observância de práticas comerciais eqüitativas por todos aqueles que exerçam, profissionalmente, funções de intermediação; regular o exercício da atividade corretora de títulos mobiliários e de câmbio. Nesse sentido, era da competência do Banco Central, de acordo com o disposto na Seção I da Lei no 4.728/65, registrar títulos e valores mobiliários para efeito de sua negociação nas Bolsas de Valores e registrar as emissões de títulos ou valores mobiliários a serem distribuídos. Cabia também a esse órgão regulador fiscalizar as sociedades emissoras de títulos ou valores mobiliários negociados na Bolsa relativamente à publicidade de sua situação econômica e financeira, à sua administração e à aplicação dos seus resultados, à proteção dos interesses dos portadores de títulos e à utilização de informações não divulgadas ao público em benefício próprio ou de terceiros, por acionistas ou pessoas que a elas tenham acesso, em virtude dos cargos que exerçam. A Lei no 4.728, conforme previsto nos art. 19 e 20, determina a obrigatoriedade desses registros. Nenhuma emissão de títulos ou valores mobiliários poderia ser lançada, oferecida 90 publicamente, ou ter iniciada a sua distribuição no mercado sem estar registrada no Banco Central, assim como somente poderiam ser negociados nas Bolsas de Valores os títulos ou valores mobiliários de emissão das empresas registradas no mesmo. A obrigatoriedade dos registros visava garantir a disponibilidade dessas informações ao público. No que se refere ao registro das empresas emissoras compete ao CMN expedir normas gerais relativas a informações, documentos, periodicidade, padrões de organização contábil, etc. Por sua vez, relativamente ao pedido de registro dos títulos ou valores mobiliários emitidos pelas companhias, compete ao CMN, de acordo com a Lei no 4.728, estabelecer normas gerais sobre as informações que deviam ser prestadas relativas: à situação econômica e financeira, administração e acionistas que controlam a maioria de seu capital votante, às características e condições dos títulos ou valores mobiliários a serem distribuídos e às pessoas que participarão da distribuição. Previu, ainda, que deviam ser apresentados os prospectos e quaisquer outros documentos a serem publicados, ou distribuídos, para oferta, anúncio ou promoção de lançamento da emissão. Completando os requisitos para o funcionamento do sistema de divulgação de informações, o art. 5º da Lei no 4.728 no seu, caracterizou o sistema de distribuição de títulos ou valores mobiliários como aquele constituído pelas: Bolsas de Valores e sociedades corretoras que sejam seus membros; instituições financeiras autorizadas a operar no mercado de capitais; e sociedades ou empresas que tivessem por objeto a subscrição de títulos para revenda, ou sua distribuição no mercado, e que sejam autorizadas a funcionar pelo Banco Central. Seria por meio desse sistema de distribuição que podiam ser feitas as colocações de títulos ou valores mobiliários (art. 16). E, por último, conforme exemplificado pela referida Lei, a colocação ou distribuição de títulos ou valores mobiliários nos mercados financeiros e de capitais a negociação, oferta ou aceitação de oferta para negociação e aquela que ocorre: a) mediante qualquer modalidade de oferta pública; b) mediante a utilização de serviços públicos de comunicação; 91 c) em lojas, escritórios ou quaisquer outros estabelecimentos acessíveis ao público; d) através de corretores ou intermediários que procurem tomadores para os títulos. Já o sistema de auto-regulação, o segundo princípio assumido pela reforma, se encontrava previsto, no art. 6 da Lei no 4.728, que estabeleceu a autonomia administrativa, financeira e patrimonial das Bolsas de Valores e a supervisão de suas operações pelo Banco Central, de acordo com regulamentação expedida pelo CMN. A função das Bolsas de fiscalizarem seus membros, evidentemente fundamental para a complementação do sistema de auto-regulação, foi disposta mediante Resolução do CMN no 39/69, na medida em que estabelece como objeto social das Bolsas “preservar elevados padrões éticos de negociação e comportamento para seus Membros e para as sociedades emissoras de títulos e valores mobiliários, fiscalizando seu cumprimento e aplicando penalidades aos Membros e às sociedades emissoras que deixarem de corresponder aos referidos padrões” (Grifo nosso). Por meio dessa Resolução, a reforma também promoveu importantes mudanças no funcionamento das Bolsas. A figura do corretor público, cargo hereditário e vitalício nomeado pelo Governo, representava, no entendimento dos reguladores, um desestímulo ao exercício eficiente da profissão. Tal figura foi substituída pela sociedade corretora, sujeita à autorização e fiscalização do BACEN. 5.2.3 - Bancos de Investimento A Reforma Financeira previa, no âmbito do seu objetivo de segmentar e especializar o sistema financeiro brasileiro, instituições com funções definidas e instrumentos próprios de atuação. Bancos comerciais seriam responsáveis pelas operações de curto prazo, tendo como fonte de recursos os depósitos à vista e como ativos, empréstimos e descontos de duplicatas. As financeiras responderiam pelas necessidades de prover crédito de médio prazo, especialmente, para o financiamento de bens de consumo duráveis, tendo como fonte de captação os aceites cambiais. Nesse contexto, destacava-se, a criação dos bancos de investimento instituições que exerceriam papel chave no desenvolvimento do mercado de capitais, a exemplo do ocorrido no mercado americano. No projeto original da reforma, a fonte de captação dessas 92 instituições consistiria em títulos de prazo superior a um ano com correção monetária, colocados no mercado interno e junto a instituições bancárias estrangeiras, e do lado do ativo praticariam operações relacionadas com a concessão de crédito a médio e longo prazos, por conta própria ou de terceiros, subscrição para revenda e distribuição no mercado de títulos e valores mobiliários. Dessa forma, essas instituições responderiam pelo crédito de mais longo prazo e fortaleceriam o processo de capitalização das empresas. No entanto, os acontecimentos não evoluíram conforme o esperado. As dificuldades de colocação de títulos de mais longo prazo no mercado interno teriam acarretado uma pressão por parte dos bancos de investimento e, posterior flexibilização da gestão financeira após as reformas. Dessa forma, essas instituições acabaram passando a realizar operações voltadas ao financiamento de capital de giro de curto e médio prazo, com a conseqüente tendência de encurtamento dos prazos também nas suas operações do lado do ativo. Não se constituíram, portanto, no suporte que se previa ao mercado de capitais. 5.2.4 - Conceito de Sociedade Anônima de Capital Aberto (SACAs) A expressão sociedade anônima de capital aberto havia sido definida em 1964 por lei que visava proporcionar incentivos fiscais às companhias cujas ações estivessem distribuídas entre o público (Lei Fiscal no 4.506, de 30.11.64). Nesse caso era o critério de dispersão das ações, que permitia caracterizar as empresas como de capital aberto. As companhias deveriam ter pelo menos 30% de ações com direito de voto, cotadas em Bolsa de Valores, pertencentes a, no mínimo, 200 acionistas, sendo que nenhum deles poderia ser titular de ações representativas de mais de 3% do capital da companhia. A Lei de Mercado de Capitais (Lei no 4.728/65) eliminou os requisitos definidos pela antiga lei, e concedeu poderes ao CMN para instituir periodicamente as condições necessárias às sociedades anônimas para serem consideradas de capital aberto. As primeiras exigências fixadas definiam uma série de critérios, com um nível elevado de detalhamento, que comprovassem um elevado grau de negociabilidade, ou liquidez, dos títulos emitidos em Bolsas de valores, e também de dispersão da propriedade do capital das empresas (Resoluções do Banco Central no 16 e 26, de 10.02.66 e Circular do Bacen no 32, 93 de 04.66) 60 . Esses critérios eram, no entanto, de difícil operacionalidade e, ainda, não asseguravam uma expansão do grau de pulverização do capital. Posteriormente, mediante a Resolução no 106/68, do CMN, foram abolidas as exigências de liquidez, no caso de registro simples, e mantidas as exigências relativas ao grau de dispersão do capital, sendo novidade a obrigatoriedade de que o capital da companhia estivesse progressivamente ampliando sua dispersão61. Assim, essa Resolução definiu como requisitos para que as empresas continuassem a se beneficiar de incentivos fiscais a comprovação de dois em dois anos de que o número de acionistas minoritários ordinaristas, e sua percentagem, com relação ao capital, haviam aumentado em 10%, comparativamente às ações antes adquiridas, até que o público em geral, detivesse 49% do capital da companhia. A simplificação das exigências teria tornado mais realista o grau de exigência e facilitado sua operacionalidade tendo sido fator de contribuição para a expansão do número de SACAs. Por meio da Resolução do Banco Central no 176, de 1971, foram introduzidas novas modificações. As exigências relativas à expansão da dispersão do capital na forma dos acréscimos das ações em poder do público passaram a poder ser computadas com base no somatório das ações ordinárias e preferenciais, e não unicamente com base nas primeiras, como havia sido anteriormente determinado. Tal alteração teria sido um fator adicional de estímulo para o aumento do número de companhias registradas porque permitia às empresas ampliarem o grau de dispersão do capital, conforme exigido, mediante aumento de capital via subscrição de ações, mas sem o risco de perda de controle, ao emitirem ações preferenciais. 60 Por meio das Resoluções do CMN no 16 e 26, de 10.02.66 e Circular do Bacen no 32, de 04.66, exigia-se : a) com relação ao grau de negociabilidade: a ocorrência de operações de compra e venda pelo menos um vez por semana e cinco vezes ao mês, envolvendo valores de no mínimo CR$ 8 mil semanais e Cr$ 40 mil mensais, sendo que o volume mensal de ações negociadas deveria ser superior a 0,25% do número de ações emitidas; b) com relação ao grau de dispersão da propriedade: 15% do capital deveria estar distribuído a pelo menos 500 pessoas físicas e jurídicas, cada uma possuidora de um mínimo de 100 e no máximo 20 mil ações. Adicionalmente, empresas em fase de lançamento de ações ao público podiam ser consideradas companhias de capital aberto se estivessem se empenhando para obter elevado grau de negociabilidade de suas ações. E, ainda, num prazo de 180 dia após a publicação das Resoluções, empresas seriam declaradas de capital aberto caso tivessem ações efetivamente cotadas nas Bolsas de valores e seu capital com direto a voto pertencesse, pelo menos, em 30%, a mais de 200 acionistas, que não poderiam ter cada um mais de 3% do capital. 61 Para o critério de dispersão, a Resolução do Banco Central no 106/68, estipulou que pelo menos 20% de suas ações ordinárias deveriam estar distribuídas ao público entre um número mínimo de acionistas, de acordo com o Estado em que localizava-se a companhia. 94 A partir de 1968, conforme será analisado mais adiante, cresce o número de companhias registradas. 5.2.5 - Os Incentivos fiscais – a regulação dos fundos 157 O governo militar assumiu em 1964, em uma conjuntura de crescimento da economia praticamente nulo e inflação. Adotou-se à época uma política monetária de cunho mais restritivo, ainda que com um programa gradualista de metas, tendo em vista a preocupação em torno de uma recuperação do crescimento. As metas monetárias nem sempre foram atingidas, mas, em 1966, a política monetária foi especialmente restritiva, o que acoplado com uma política fiscal que já se revelava restritiva desde 1964, resultou em um quadro fortemente recessivo, com impactos especialmente negativos sobre o setor produtivo, que, em decorrência cresceu em média 2,6% ao ano no período decorrido entre 1962 e 1967. Tal cenário resultou em processos de falências e concordatas, fundamentalmente por parte das pequenas e médias empresas, bem como, em um elevado nível de evasão fiscal. Esse processo de reversão do ciclo de crescimento, que se deu a partir de 1962, revelou os limites do sistema de financiamento adotado para o setor privado, que havia vigorado na fase de ascensão. O setor privado que financiara seus investimentos, basicamente, com linhas de crédito de curto prazo junto às instituições privadas, encontrava dificuldades de administrar o descasamento entre as receitas oriundas desses investimentos e o vencimento das obrigações, num contexto, então, de queda de suas vendas, e, concomitante redução de sua capacidade de autofinanciamento. Observou-se, igualmente, um processo de ampliação por parte das empresas de investimento em ativos não-produtivos, basicamente imóveis, uma das formas que teriam encontrado de se defender contra a desvalorização da moeda. Nesse contexto, a implementação dos incentivos fiscais definidos por meio do Decreto-Lei no 157/67 espelhava as preocupações existentes em torno da necessidade de capitalização das empresas. Afirmava-se, assim, em sua exposição de motivos: “Seria, (...) deplorável que o governo concedesse uma dedução de imposto para estimular a compra de ações em Bolsa, contribuindo para sua valorização, sem ter a certeza da imediata conjugação desse 95 movimento com a capitalização das empresas e o declínio da pressão sobre o crédito. A situação da Bolsa é uma conseqüência. A causa está na descapitalização das empresas, cada vez mais corroídas pelos exageros do apelo ao crédito. O essencial e urgente consiste em suprir capital às empresas, por meio de aquisição de ações novas ou debêntures, em prazo longo de vencimento”. O incentivo previsto no Decreto-Lei 157/67 consistia na isenção de uma parte do Imposto de Renda para pessoas físicas e jurídicas e destinação dos recursos assim provenientes às instituições financeiras autorizadas que deveriam, por meio de fundos de investimento - os Fundos de Investimento 157, aplicá-los na compra de ações e debêntures novas, emitidas por empresas. As empresas deveriam, cumulativamente, aplicar os recursos provenientes do aumento de capital em capital de giro, assegurando a proporção entre dívida e capital próprio, sendo, para efeito dessa lei, consideradas como capital próprio às debêntures conversíveis em ações de prazo mínimo de três anos. Esse Decreto procurava também estimular as empresas a reduzirem a participação no seu imobilizado dos ativos não produtivos. Dessa forma, diante do quadro de elevada fragilidade financeira das empresas, a implementação de incentivos fiscais reforçavam os objetivos originais da reforma financeira de 1964/65 consubstanciando uma tentativa de desenvolver o mercado de capitais e capitalizar as empresas. Adicionalmente, essa iniciativa representou um esforço de atrair, estimular e educar os investidores individuais, que se esperava, poderiam, a partir dessa experiência, continuar a investir nesse mercado. Isso se justificaria porque, por exemplo, os incentivos não se deram de forma direta na forma de subsídios ou redução fiscal às empresas emissoras. Ao contrário, o sistema de Fundos-157 representou um esforço institucional razoável, por meio de um sistema de operação de certo engenhoso, no qual contribuintes se transformavam em investidores de fundos. 96 Contudo, foram inúmeras as modificações na legislação que se procederam desde sua implementação em 196762. Dentre elas ressalta-se algumas medidas implementadas em 1972 e 1974 que permitiram que os Fundos 157 pudessem exercer melhor sua função de investidores institucionais ao alargar o tempo de permanência dos recursos no fundo inicialmente, de apenas dois anos - e ao permitir uma significativa elevação dos recursos disponíveis no sistema. Considerando o mercado primário como um todo, esses fundos representaram, em média, no período 1975/78, uma participação em torno de 20% no volume total de colocações registradas (ver Tabela 14 - Anexo). No que se refere ao mercado de Bolsa, os fundo-157 tiveram papel pouco significativo no giro dos negócios, representando, com base numa amostra dos 20 maiores fundos, 4,25 %, em média, do volume total negociado na BVRJ e BOVESPA, no período 1976/78 (ver Tabela 15 - Anexo). Esses fundos tiveram, no entanto, papel importante como supridor constante de recursos líquidos. Os dados disponíveis para o período decorrido entre 1975 e 1977 demonstram entrada líquida de recursos de aplicações em Bolsa por parte dos fundos-157 em comparação a saída líquida de recursos dos fundos mútuos (Ver Tabela 15 - Anexo). E, no que se refere ao valor da carteira consolidada, desde 1974, se confirmaram como o principal investidor institucional brasileiro, superando os fundos mútuos, e perdendo essa posição somente em 1982, para as entidades fechadas de previdência privada. No entanto, apesar das inúmeras modificações observadas, alguns problemas se mantiveram ao longo do tempo. Do ponto de vista do investidor, conforme destaca os diagnósticos elaborados pela CVM à época (CVM, 1978 e 1979), ao menos dois aspectos se revelaram especialmente negativos: i) a não obrigatoriedade legal de distribuição dos rendimentos na forma de dividendos ou juros dos títulos que compunham a carteira dos fundos em favor dos 62 As inúmeras modificações na legislação que se procederam desde sua implementação se referem a um conjunto bem amplo de aspectos a saber: alocação dos investimentos no mercado primário e secundário, critérios das empresas a serem beneficiadas, percentuais de dedução do imposto de renda, tempo de permanência dos recursos no sistema, forma operacional de utilizar o benefício, exigências relativas à atuação das instituições administradoras, critérios de diversificação da carteira dos fundos etc. 97 cotistas dos fundos e ii) as limitadas ou inadequadas informações prestadas pelos fundos aos seus cotistas. Tais fatores poderiam explicar o pouco interesse da parte dos contribuintes/investidores nas aplicações do fundo e nos resultados delas provenientes63. O pouco interesse poderia originar-se, em parte, também, porque o investidor dos fundos poderia já se considerar satisfeito com o ganho inicial relativo ao montante não pago ao fisco, que não lhe requeria nenhum esforço adicional de poupança. Fatores como as constantes mudanças de regras, em especial, o alargamento do período de indisponibilidade das cotas e o resgate parcelado poderiam ter sido fatores de desestímulo, de confusão e desinformação por parte dos contribuintes/investidores. Em decorrência desse conjunto de fatores, observou-se concentração da administração dos fundos em um número restrito de grandes instituições, em geral associadas aos grandes conglomerados financeiros, não tendo o montante aplicado nos fundos 157 uma relação com o retorno proporcionado (ver Tabela 16 - Anexo). Ao que tudo indica, as grandes instituições financeiras teriam assumido uma participação privilegiada nesse mercado devido à sua extensa rede de captação, constituída de um grande número de agências bancárias. Medidas que procuraram enfrentar a algumas das dificuldades acima descritas foram implementadas, somente em 1978, quando a CVM já respondia como órgão regulador do mercado de capitais. Serão, assim, analisadas mais adiante. 5.3 - O Mercado de Capitais Brasileiro nos anos 70 O processo de queda nas taxas de crescimento da economia vivenciado durante o período 1962/67 foi revertido, e uma nova fase expansiva se conforma no período 1967/74 com o chamado “Milagre” econômico, fase na qual o crescimento médio do produto industrial correspondeu a 13%. Tal comportamento foi, basicamente, sustentado, no âmbito externo, 63 Os dados disponíveis indicam, por um lado, um grau de ociosidade na utilização dos incentivos por parte dos contribuintes, demonstrado pela não utilização das cautelas dos CCAs disponibilizadas pela SRF, e, por outro, a permanência de um volume considerável de recursos no sistema dos fundos – 157 mesmo após a data de resgate. 98 pela liquidez vigente no mercado internacional, e, no âmbito interno pelo elevado nível de capacidade ociosa pré-existente e por uma política monetária e fiscal mais folgada. Relativamente à expansão do número de Sociedades Anônimas de Capital Aberto e a atuação dos fundos -157 é possível verificar diferentes fases nesse período. O período de 1966 a 1969, constituiu-se numa primeira fase, denotando crescimento rápido do número de SACAs que atingiu um total de 296, tendo nesse resultado grande participação os fundos157 que atuaram praticamente como única fonte de recursos novos no mercado primário. Em grande medida, a euforia decorrente do período de crescimento econômico acelerado, a elevação dos lucros, aliadas ao sentimento crescente à época, de que o mercado de capitais seria capaz de proporcionar grandes resultados financeiros a quem nele aplicasse seus recursos, trouxeram para o mercado de Bolsa, notadamente a partir de 1970 um grande número de investidores individuais. Tal movimento acabou por acarretar um crescimento desproporcional dos preços das ações e do volume de negócios ao longo do primeiro semestre de 1971, e, com ele a inevitável queda posterior das cotações, a partir do segundo semestre, quando essas expectativas revelaram-se demasiadamente otimistas, conformando, a partir de então, um quadro de crise e de estagnação do volume de negócios. Tal quadro vai se recuperar, de forma mais significativa, somente em 1976, com a expansão do nível de atividade econômica, resultante de um novo ciclo de crescimento, que, no entanto, se revelou bem menos sólido que o ciclo de crescimento anterior. O movimento de expansão do mercado secundário entre 1967/71 parece ter tido, juntamente com a aceleração da atividade econômica, efeitos claros sobre o mercado primário de títulos. Em 1971 ocorreu um volume recorde de emissões. Nesse período, no entanto, a participação dos investidores institucionais foi diminuta, destacando-se a participação dos investidores individuais. Considerando o período 1968/73 como um todo, verificou-se uma expansão extraordinária do número de Sociedades Anônimas de Capital Aberto (SACAS) que cresceram de 289, em 1968, para 400, em 1971, chegando a 610, em 1973, ou seja, dobraram em cinco anos. Tais resultados espelham, em grande medida, os efeitos dos incentivos fiscais atribuídos às companhias abertas, principalmente a simplificação dos critérios para efetuação desse 99 registro, em 1968 e em 1971, conforme destacado anteriormente, e a fase de crescimento econômico, e, em especial, o período de auge das Bolsas. No entanto, o mercado primário sofreu os efeitos dos reveses no mercado secundário, sendo o ano de 1972 o ponto de inflexão na curva de crescimento das SACAS, o que refletiu, também, o processo de desaceleração do crescimento da economia. O processo de abertura de capital foi pouco significativo no período decorrido entre 1974 e 1977 e o total de SACAS, entre as novas empresas que se registraram e as que cancelaram seu registro, chegou a decrescer, a partir de 1974, e atingiu o número de 551 empresas, em 1977, em comparação com 610 empresas em 1973. Nessa fase, é possível que os fundos de investimento – 157 tenham exercido algum papel no sentido de fazer com que esse número não viesse a cair ainda mais. A crise de 1971, que resultou na fuga dos investidores da Bolsa e queda abrupta dos preços e volumes negociados, representou a pá de cal nas esperanças de que o mercado de capitais pudesse vir a representar naquele momento o papel de destaque desejado no processo de financiamento do crescimento econômico no Brasil. O primeiro choque do petróleo em 1972 impôs novos desafios à política econômica e ao desenvolvimento econômico. Apesar da elevação da liquidez internacional, devido à rolagem dos petrodólares, a economia demonstrava desequilíbrios no saldo de transações correntes, que derivavam das pressões sobre as importações oriundas da elevação dos preços do petróleo e do processo acelerado de crescimento das importações em curso. Em tal cenário, a implementação do II PND, em 1974, consistiu num esforço de enfrentar tal situação ampliando a produção nacional de setores considerados fundamentais, que representavam um gargalo e pressionavam nossa pauta de importações. Reedita-se a institucionalidade do financiamento de longo prazo do investimento vivenciada no período do Plano de Metas, com base no investimento público e empréstimos estrangeiros, novamente, portanto, sem o braço privado. 100 Capítulo 6 – A CVM e A Regulação sobre as Companhias Abertas - 1976/1986 6.1 - A Criação da CVM - Princípios, Objetivos, Função e Poderes do Novo Órgão Regulador. 6.1.1 – O quadro vigente à época e o papel da CVM No âmbito dos esforços empreendidos pelo governo à época, destacou-se a criação de órgão regulador específico e especializado para o mercado de títulos e valores mobiliários. Seguiase, assim, o desenho institucional implementado para o regulador do mercado de capitais nos Estados Unidos, como analisado no Capítulo 4 e, também, o caso francês, tendo em vista a criação pelo Governo da França da “Comissão de Operação de Bolsa”, em 1967. Dessa forma, mediante a Lei no 6.385, de 07.12.76, criou-se a Comissão de Valores Mobiliários. Tal medida sugeria que o entendimento à época por parte do Governo brasileiro era de que o Banco Central não estava sendo capaz de abraçar, na dimensão necessária, a tarefa de regulador do mercado de capitais e que, por outro lado, um órgão especializado estaria mais preparado para vencer os desafios que se colocavam. Defendem, assim, Lamy Filho e Pedreira (1992): “A experiência de 1971 convenceu a muitos da necessidade de atribuir-se a um órgão especializado do Governo federal a competência para policiar o mercado, que a Lei no 4.728/65 cometera ao Banco Central. Desde sua criação, o Banco Central ganhara diversas outras atribuições (...) e no conjunto de todas as suas atividades a função de fiscalizar os mercados de capitais ficava necessariamente relegada a um dos seus departamentos, sem os meios nem o status indispensáveis para o exercício eficiente dessa função” (Lamy Filho e Pedreira, 1992, p.138). Por outro lado, os desafios que se colocavam para o novo órgão regulador não eram, de fato, pequenos. A fuga dos investidores do mercado secundário devido ao colapso da Bolsa em 1971, a ocorrência usual de emissões irregulares no mercado primário, o fato de que eram transacionadas na Bolsa tanto ações de companhias de capital aberto como de capital fechado, e que não estavam submetidas a um acompanhamento específico do regulador, 101 tornavam o mercado de capitais um ambiente bastante hostil para o investidor não especializado. Conforme relatam Lamy Filho e Pedreira (1992): “milhares de investidores perderam suas economias, em pouco tempo, na voragem das cotações artificiais e das maquinações de alguns empresários e intermediários inescrupulosos. E tudo sem defesa eficiente do público investidor e sem que nenhuma sanção ocorresse, num processo oposto ao que seria desejado para a criação de um forte mercado de capitais de risco” (Lamy Filho e Pedreira, 1992, p.138). Evidentemente, um ambiente dessa natureza caracterizava-se por disponibilização precária de informações e, portanto, elevado nível de assimetrias, insuficiência do nível de monitoramento exercido pelos investidores e pelo órgão regulador, e inadequação dos instrumentos de proteção, em especial, do investidor individual e dos acionistas minoritários. No que se refere à velocidade da resposta dada pelo Governo brasileiro poder-se-ia avaliá-la como tendo sido um pouco baixa. De fato, a Lei no 6385 e a Lei das S.A. são promulgadas cinco anos depois da crise de 1971. No entanto, considerando o exemplo do ocorrido no mercado americano, que se encontrava a um nível de desenvolvimento bem superior, e cuja resposta à Crise de 29 veio três anos depois, a resposta no caso brasileiro parece não ter sido tão demorada. Deve-se considerar, ainda, o esforço que aqui se procedeu de editar a Lei Societária. No que concerne à adequação das medidas tomadas pelo Governo brasileiro, pode-se dizer que foram, em tese, condizentes com o apontado no capítulo 3, em especial, no que se refere a: 1) formação de uma agência reguladora especializada que desenvolva regras de atuação e comportamento para os agentes atuantes nesse mercado, determine exigências mínimas de disponibilização de informações e realize um monitoramento sobre as empresas e demais agentes atuantes nesse mercado; 2) formulação de leis que protejam os acionistas minoritários contra o os acionistas controladores. 102 6.1.2 – Objetivos e desafios da análise proposta O objetivo principal desse capítulo consiste em examinar o papel que pôde exercer o novo órgão regulador nesse contexto, tendo como limite temporal os dez (10) anos seguintes a sua criação, e analisando mais de perto os pontos 1) e 2) acima destacados, de forma a verificar se, de fato, foram cumpridos os objetivos neles apontados. Contudo, analisar como ficou o mercado de capitais no Brasil no período pós CVM, comparado ao período anterior, apresenta alguns desafios importantes. O mais importante deles é que, num sentido geral, as atividades de regulação, de monitoramento e de supervisão a serem exercidas pela CVM, dadas as circunstâncias, poderiam ter, num primeiro momento, repercussões sobre o mercado mais associadas a aspectos de ordem qualitativa do que quantitativa, como, por exemplo, a ordenação das emissões no mercado primário. Nesse sentido, iremos examinar os esforços regulatórios realizados pela CVM no sentido de organizar o mercado primário e afastar as emissões consideradas irregulares, dentre eles a expedição da Instrução CVM no 13, normativo específico que visou a regulamentar o registro de emissões de ações e debêntures. Igualmente, serão analisadas as várias Instruções expedidas pela CVM voltadas à normatização do registro de companhia aberta, visando a regularizar as informações prestadas por essas empresas ao investidor e ao público em geral. Nesse caso, o papel da CVM seria, através do monitoramento, melhorar a qualidade e a quantidade das informações, ou mesmo, em casos mais extremos, proceder ao cancelamento de ofício do registro de companhia aberta no caso das empresas que de fato não atuavam enquanto tal. Cumpre-se ressaltar, igualmente, as iniciativas da CVM que pudessem prover formas mais eficazes de disseminação ao público das informações que eram prestadas pelas companhias abertas. Isto porque, como afirma Jorge Hilário Gouveia, presidente da CVM de 1979 a 1981, o Banco Central havia atuado como um depositário de informações. Estas ficavam 103 arquivadas no órgão regulador, mas não havia nenhum mecanismo por meio do qual as informações pudessem ser disseminadas no mercado ou para o público em geral64. Estiveram também nitidamente presentes na política adotada pelo novo órgão regulador medidas que objetivavam dar uma maior visibilidade a sua atuação. Procedimentos como a adoção de audiência pública para as propostas de novos atos normativos a serem editados, a edição de Notas Explicativas para os atos normativos expedidos e o julgamento público para os processos administrativos. Esse conjunto de fatores deveria, assim, ter contribuído para que, num sentido geral, a CVM pudesse ter exercido um papel importante de ordenação do mercado, de fortalecimento do mercado oficial e de redução do mercado paralelo. Outro desafio importante encontrado para o desenvolvimento da análise comparativa proposta resulta da descontinuidade das séries estatísticas, cuja análise permitiria avaliar indiretamente, via o comportamento do mercado, a atuação do novo órgão regulador. No caso das emissões primárias, a metodologia que foi utilizada pelo Banco Central não era compatível com a metodologia que passou a ser utilizada pela CVM65. No caso ainda das estatísticas relativas ao número de companhias abertas, também, não faz sentido a comparação entre os períodos pré e pós CVM, porque em lugar do conceito adotado pelo Banco Central de Sociedade de Capital Aberto (SACA), associado a incentivos fiscais, adotou-se, a partir da criação da CVM, conceito distinto, o de companhia aberta66. Por conseguinte, a análise se baseará, principalmente, nas informações disponíveis correspondentes ao próprio período de 1976-86. 64 Conforme esclareceu Jorge Hilário Gouveia, Presidente da CVM no período de dezembro de 1979 a julho de 1981 e membro do primeiro Colegiado da CVM de 1977 a dezembro de 1979, em entrevista concedida em 26.01.06. 65 O Banco Central considerava para efeito do valor registrado das emissões as sobras das emissões. As sobras correspondem ao saldo que vai para o público, e resultam da dedução do total emitido pela companhia do montante correspondente ao exercício de preferência pelos atuais acionistas e do cumprimento do montante subscrito relativo às garantias assumidas em contrato pelas instituições financeiras subscritoras. Diferentemente, a CVM computa como valor das emissões o total emitido pela companhia, considerando, portanto, o montante relativo ao exercício de preferência pelos acionistas da companhia e ao cumprimento das garantias acordadas. Adicionalmente, o Banco Central permitia as companhias cancelarem, posteriormente, a parcela do valor das emissões registradas que não tinha sido absorvida pelo mercado, o que implicava ajustes constantes do valor das emissões, muitas vezes realizadas em anos posteriores ao seu registro. Diferentemente, a CVM expediu parecer no qual expressava entendimento diverso: as emissões uma vez não totalmente absorvidas deveriam ser anuladas, não deveria ser permitido, à princípio, sua homologação parcial. Isto porque, no entendimento da CVM, as justificativas que fundamentaram a emissão, apresentadas pela companhia no momento do registro, serviam de base à decisão do investidor e levavam em consideração o total de recursos a serem captados. 66 O conceito de companhia aberta será analisado mais adiante. 104 Convém observar, por último, que também não seria possível comparar diretamente a atividade de monitoramento e fiscalização sobre as companhias exercida pela CVM com a atuação do Banco Central, devido à dificuldade de estabelecer indicadores adequados para quantificar tais atividades, bem como, para avaliar sua eficácia. Além disso, dados a esse respeito não chegaram a ser disponibilizados pelo Banco Central. Considerando os objetivos e desafios mencionados, a discussão acerca do papel exercido pela CVM, após as reformas de 1976, consistirá em três linhas de análise: i) atividade normativa promovida pela CVM – voltada para divulgação de informações das companhias abertas, ii) os direitos dos acionistas minoritários previstos na Lei das S.A. cujos dispositivos é dever da CVM defender e, quando for o caso, regulamentar, e iii) o comportamento do mercado de ações e debêntures no período 1976-86. Este último ponto será analisado ao longo do Capítulo 7. 6.1.3 – A Lei no 6.385/76 - princípios, função e poderes do novo órgão regulador Os fundamentos e princípios a serem seguidos pela CVM foram estabelecidos por meio do Voto CMN no 426, de 21.12.78. Dentre os fundamentos, destaque especial foi dado ao investidor individual por dois motivos, conforme ressaltado no Voto CMN: i) “Este, em face de seu menor poder econômico e menor capacidade de organização, precisa de proteção, de forma a resguardar seus interesses no relacionamento com intermediários e companhias, dentro da orientação de que seus riscos fiquem limitados apenas ao investimento realizado...”; ii) “Além disso, o investidor individual é o protagonista da maior relevância no processo de dispersão da propriedade e de diversificação dos centros de decisão, o que contribui para aumentar a eficiência do mercado”. Como princípios, o Voto CMN no 426/78 previu: i) auto-regulação e ii) divulgação de informações, reforçando as linhas básicas já presentes na Lei no 4.728/65 e, adicionalmente, iii) qualificação para o exercício de atividades no mercado de valores mobiliários, definindo a obrigatoriedade de registro de intermediários, com o objetivo de assegurar a presença de profissionais honestos, capazes e experientes, e iv) definição de regras de conduta para esses profissionais objetivando dotar o exercício de atividades nesse mercado de padrões éticos. 105 No que se refere ao princípio de divulgação de informações, a CVM esclarece em suas diretrizes que a instituição optará por não emitir juízo de valor acerca das informações recebidas: “Abrem-se duas grandes opções para a ação do órgão regulador, partindo-se do pressuposto de que as forças de mercado e os interesses particulares não são suficientes para assegurar a existência de um sistema de informações eficiente. A primeira é a de este órgão determinar quais as companhias elegíveis para captação de recursos junto ao público, a partir de sua própria análise das informações por elas fornecidas, expondo aos interessados as razões que nortearam sua decisão. A segunda, escolhida pela CVM, é a de não exercer tal julgamento de valor, zelando apenas pelo fornecimento adequado de informações, por parte das companhias, ao público investidor. Este, com base nos elementos colocados à sua disposição, tomará a decisão de adquirir ou não valores mobiliários por ela emitidos” (Voto CMN no 426/78). O princípio de divulgação de informações já havia sido previsto na Lei no 4.728, afirma-se, no entanto, que teria sido adotado basicamente em termos formais, visto que era discutível a qualidade e a fidedignidade das informações prestadas pelas companhias ao Banco Central (Eizirick, 1977). Além disso, não havia formas de acesso por parte do público a essas informações, como acima assinalado, e a regulação voltada para utilização de informação privilegiada também não era adequada, como será analisado adiante. Contudo, valem ressaltar, principalmente, os limites desse princípio quando adotado num mercado de capitais pouco desenvolvido como o brasileiro. O princípio de divulgação de informações supõe que informação é a melhor forma de proteger o investidor, o que, por sua vez, supõe que ele terá acesso a mesma e saberá utilizá-la de forma apropriada. Em termos gerais, as dificuldades de monitoramento para o investidor individual já foram apontadas no capítulo 3. Essas são, no entanto, ainda maiores, em um mercado de pouca tradição e reduzido conhecimento e costume por parte dos agentes acerca do funcionamento e opções de investimento existentes no mercado. Nessas condições, não é possível assegurar que o investidor, em particular o investidor individual, saberá utilizar as informações de maneira correta. Ao contrário era a situação do mercado de capitais americano, já com um nível de desenvolvimento considerável nos anos 20 e 30, quando esse princípio foi então implementado. Esse ponto poderá ser exemplificado mais detalhadamente pela pouca importância dada pelo investidor ao prospecto, que será analisado adiante na seção 6.2.4.b. 106 Ainda que, no caso brasileiro, um maior acesso às informações das empresas emissoras poderia estimular também uma maior especialização por parte dos profissionais de mercado, tendo em vista que a característica mais predominante à época era a de profissionais com um perfil mais comercial, ou seja, de vendas, do que propriamente analistas de mercado67. Diante da falta de conhecimento do investidor individual, o papel a ser exercido pelo órgão regulador torna-se, então, de maior relevância. Cumpre destacar, notadamente, a importância que adquire a atividade da CVM de fiscalizar as companhias abertas priorizando “aquelas que não apresentam lucros em balanço ou as que deixam de pagar o dividendo mínimo obrigatório”, conforme previsto na Lei no 6385/76. A Lei nº. 6.385/76 enumerou como valores mobiliários os seguintes títulos: ações, partes beneficiárias, debêntures, cupons desses títulos, bônus de subscrição e certificados de depósito de valores mobiliários. A lei autorizou que outros títulos criados ou emitidos pelas sociedades por ações fossem considerados valores mobiliários, a critério do CMN. Ficaram, assim, excluídos desse conceito os títulos da dívida pública e os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira 68. Conforme dispõe a Lei no 6.385/76, dentre as competências da CVM estão regulamentar as disposições nela contidas e fiscalizar as companhias abertas, a emissão, distribuição, negociação e intermediação de valores mobiliários no mercado, a organização, funcionamento e operações das Bolsas de valores, a administração de carteiras e custódia de 67 Conforme esclareceu Jorge Hilário Gouveia, Presidente da CVM no período de dezembro de 1979 a julho de 1981 e membro do primeiro Colegiado da CVM de 1977 a dezembro de 1979, em entrevista concedida em 26.01.06. Marco Albino, que atuou como profissional de mercado nos anos 70 e 80, em entrevista concedida em 10.01.2006, ressaltou que eram pobres os instrumentos analíticos utilizados para avaliação das empresas, não era comum, por exemplo, o cálculo do fluxo de caixa. 68 Posteriormente, a Lei nº 10.198/01 ampliou bastante o conceito de valor mobiliário definindo que “constituem valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei nº 6.385/76, quando ofertados publicamente, os títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou remuneração, inclusive resultante da prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço de empreendedor ou de terceiros”. A Lei nº 10.303, também de 2001, ainda ampliou mais esse conceito, considerando como valores mobiliários todos os contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes. Nos anos subseqüentes, uma série de outros títulos, resultado da própria expansão dos instrumentos existentes no mercado, passou a ser considerada como valores mobiliários, ampliando, em grande medida, os limites de atuação da CVM. Foram estes: quotas de fundos de investimento em valores mobiliários; audiovisual, certificados representativos de contratos mercantis de compra e venda à termo de energia elétrica. 107 valores mobiliários69, a auditoria das companhias abertas70 e os serviços de consultor e analista de valores mobiliários71. No que se refere ao poder disciplinador da CVM sobre as instituições e agentes por ela regulados, a Lei no 6.385/76 dispôs que a Comissão teria poderes, no exercício de suas atribuições, para examinar registros contábeis, livros ou documentos, intimar para prestar esclarecimentos, apurar, mediante inquérito administrativo, atos ilegais ou práticas não eqüitativas. No sentido de punir os infratores responsáveis pelas irregularidades apuradas, a CVM poderá aplicar no âmbito do processo administrativo sancionador penalidades previstas na lei como advertência, multa, suspensão do cargo de administrador ou conselheiro fiscal, inabilitação temporária, até vinte anos, para o exercício desses cargos, suspensão de autorização ou registro, cassação de autorização ou registro. 6.2 - A Questão da Divulgação de Informação das Companhias e o Papel Normativo da CVM 6.2.1 – O conceito de Companhia Aberta A Lei no 6.404, de 15.12.76, (art. 4º) e a Lei no 6.385, de 07.12.76 (art.9º, inciso V, e art.8º, Inciso IV) estabelecem que somente os valores mobiliários de companhias registrada na CVM poderiam ser distribuídos no mercado e negociados em Bolsa ou no mercado de balcão72. Definem, igualmente, esses dispositivos legais, que a companhia é aberta ou 69 A atividade de custódia é privativa de instituições financeiras e Bolsas de valores, sendo definida como a atividade que envolve depósito para guarda, e registro e controle de recebimento de dividendos e bonificações, resgate, amortização ou reembolso e exercício de direitos de subscrição. Sendo que o depositário não tem poderes, salvo autorização expressa do depositante em cada caso, para alienar os valores mobiliários depositados ou reaplicar as importâncias recebidas. 70 Aos auditores cabe auditar, com exclusividade, as demonstrações contábeis de companhias abertas e de instituições, sociedades ou empresas que integram o sistema de distribuição e intermediação de valores mobiliários. 71 A CVM é, por conseguinte, responsável por controlar, além dos registros das companhias abertas e da emissão pública de valores mobiliários, os registros das empresas de auditoria contábil ou auditores contábeis independentes, administradores de carteiras de valores mobiliários de outras pessoas; consultor e analista de valores mobiliários; agentes autônomos e sociedades corretoras de valores mobiliários; e a atividade de custódia de valores mobiliários. 72 São realizados no denominado mercado de balcão os negócios com valores mobiliários ocorridos fora da Bolsa, mas que envolvem o concurso de instrumentos e agentes de mercado. Esses negócios se diferenciam das negociações particulares, onde comprador e vendedor em contato direto e sem concurso de qualquer 108 fechada conforme estejam seus valores mobiliários admitidos ou não à negociação no mercado de Bolsa ou de balcão, ou seja, companhia aberta é aquela cujos valores mobiliários são negociados publicamente. Introduziu-se, assim, na legislação o conceito de companhia aberta, e, com ele a exigência deste registro no órgão regulador. Tendo em vista a transferência das responsabilidades do Banco Central para a CVM, determinou-se, por meio da Resolução do Bacen no 436, de 20.06.77, que as sociedades anônimas emissoras de títulos e valores mobiliários negociáveis em Bolsa e nos demais integrantes do sistema de distribuição, já registradas naquele banco segundo o regulamento previsto na Resolução do Bacen no 88, de 30.01.68, e que tivessem seus valores admitidos à negociação nesses mercados estariam automaticamente registradas na CVM, e seriam, conseqüentemente, consideradas companhias abertas. Havia, no entanto, sociedades cujos valores mobiliários negociados em Bolsa não tinham registro no Banco Central. Para esses casos, a lei deu um prazo dentro do qual essas empresas deveriam, então, obter seu registro. Dessa forma, as que tinham seus títulos negociados em Bolsa foram automaticamente registradas na CVM para negociação de seus valores mobiliários nesse mercado, e as que não tinham seus valores mobiliários ali negociados foram consideradas registradas na CVM para negociação de seus valores mobiliários em mercado de balcão. A referida Resolução previa, porém, que os valores mobiliários admitidos à negociação em Bolsa não poderiam ser negociados no mercado de balcão. Adicionalmente, em face da existência das sociedades já registradas no Banco Central na forma de sociedades anônimas de capital aberto (SACA), que respondiam a critérios de dispersão (exigência de elevação gradual de sua dispersão) e faziam jus a incentivos fiscais, decidiu-se por: revogar as Resoluções no 106 e no 176, que definiam os requisitos de dispersão do capital dessas sociedades e unificar os diferentes conceitos, considerando, a partir de então, como sociedades anônimas de capital aberto todas as companhias abertas (Resolução do Banco Central no 457, de 21.12.77). instrumento de mercado buscam concretizar uma operação, não estando, por isso, sujeitos aos mecanismos legais. 109 Como resultado dessas alterações, duplicou-se o número de companhias abertas de 552 para 1086, sendo que as companhias que possuíam o certificado de SACA até janeiro de 1977 poderiam ainda gozar dos benefícios vigentes. 6.2.2 - O registro das Companhias Abertas e a atividade normativa da CVM Em relação às companhias abertas, a Lei 6.385 atribui à CVM competência para expedir, dentre outras normas, sobre a natureza das informações que devam divulgar e periodicidade da divulgação; padrões de contabilidade, relatórios e pareceres de auditores independentes; informações que devem ser prestadas por administradores e acionistas controladores, relativas à compra, permuta ou venda de ações emitidas pela companhia e por sociedades controladas ou controladoras; divulgação de deliberações da assembléia geral e dos órgãos de administração da companhia ou de fatos relevantes etc. A partir de junho de 1978, a CVM assume plenamente suas funções73 e desenvolve esforços no sentido de editar uma série de instruções com o intuito de normatizar o processo de disponibilização das informações pelas companhias, por ocasião de seu registro como companhias abertas e dos registros das emissões de seus títulos. Os desafios que se colocavam para a CVM, como acima salientado, referem-se a problemas relativos à fidedignidade das informações e à viabilização do acesso por parte do mercado e do público a essas informações. Vale frisar, também, que não havia à época do Banco Central procedimentos de registros para as empresas, mas somente para as emissões. Dessa forma, não havia um acompanhamento periódico, mas a renovação de um conjunto de informações a cada nova emissão realizada pela companhia. O registro de SACAS era realizado para controle das empresas que iriam gozar de incentivos fiscais. Dentre o conjunto de publicações ordenadas pela Lei nº 6.404/76 constam as demonstrações financeiras consideradas obrigatórias sendo estas o Balanço Patrimonial (BP), a Demonstração de Lucros ou Prejuízos Acumulados (DLPA), a Demonstração do Resultado do Exercício (DRE) e a Demonstração das Origens e Aplicações de Recursos (DOAR). 73 A Resolução CMN no 435 determinou que a CVM deveria assumir plenamente suas funções a partir de 30.06.78. 110 Define a Lei Societária que essas demonstrações contábeis devem ser complementadas por notas explicativas e outros quadros analíticos ou demonstrações contábeis, necessários para esclarecimento da situação patrimonial e dos resultados do exercício, devem conter o parecer do auditor, e devem ser elaboradas ao fim de cada exercício social e submetidas à aprovação da Assembléia Geral. Importante inovação introduzida pela Lei das S.A. foi a obrigatoriedade de correção monetária do ativo permanente e do patrimônio líquido, visando a eliminar as distorções produzidas pela deterioração do poder de compra da moeda nas demonstrações financeiras. Além das demonstrações financeiras constam da Lei das S. A., por exemplo, outras exigências de publicação, como as relativas às atas das assembléias da companhia e as Reuniões do Conselho de Administração quando produzirem efeitos perante terceiros. A CVM editou a Instrução no 02, de 04.05.78, determinando que as companhias, além de efetuar as publicações ordenadas em lei, as quais devem ser publicadas na localidade em que se situa a sede da companhia, deverão, também, publicar em jornal de grande circulação, editado na localidade em que se situa a Bolsa de Valores na qual a companhia tenha verificado, no último exercício, maior volume negociado de valores de sua emissão e, quando não listada em Bolsa, publicar na capital do estado em que se situa a sede da companhia. Boa parte das informações de que trata o registro da companhia são ordenadas pela própria lei que estabeleceu sua disseminação pela imprensa. Nesses casos, a Instrução CVM no 09 estabelece que devam ser também enviadas à CVM e às Bolsas. Para as informações requeridas para o registro não determinadas como de publicação obrigatória na Lei Societária devem ser apenas enviadas à CVM e às Bolsas, não sendo necessária sua publicação. Tal aspecto revelou o papel previsto para a CVM e para as Bolsas como disseminadoras de informações: “o que está por trás da obrigatoriedade de envio da peça de informação à CVM não é a idéia de informar a CVM, mas, sim, de informar o público investidor” (Nota Explicativa CVM no 15/79). Cabe, assim, ao órgão regulador a função de estabelecer sistemas diretos e indiretos para fazer com que tais informações estejam disponíveis publicamente. 111 Até 1985, o esforço de garantir o acesso do público às informações prestadas pelas empresas foi viabilizado pela CVM através, basicamente, de um sistema de microfilmagem, além de um serviço de envio de informações via Fax. A partir de 1984, a CVM envidou esforços no sentido de construir as condições para ampliar o acesso do público a essas informações, dando os primeiros passos no sentido de constituir um banco de dados com informações das empresas e sua disseminação através da Rede Nacional de Comunicações – terminais de vídeo, telex, microcomputadores cujos primeiros resultados começam a aparecer em 1985. Vários dentre os atos normativos expedidos pela CVM resultaram numa maior padronização das informações prestadas pelas empresas, de forma a permitir posterior informatização, arquivamento e disseminação dos dados ao mercado com vistas à implementação de projeto de divulgação via terminal de computador. No período decorrido entre os anos de 1978 e 1987, a CVM expediu uma série de normativos que dispõem sobre as informações a serem divulgadas pelas companhias para efeito do registro74. Esse conjunto de normas significou uma evolução nos procedimentos relativos ao registro de companhia aberta, permitindo uma maior simplificação e padronização do fornecimento de informações, mediante a determinação de formulários específicos para as Informações Anuais, Informações Trimestrais e Informações sobre Demonstrações Financeiras, a simplificação de procedimentos de atualização e a determinação de multa nos casos de não atualização do registro. Mediante esse esforço normativo, foi possível, também, especificar as informações referentes ao registro de companhia, subdividindo-as em informações periódicas, as quais deveriam ser, portanto, constantemente atualizadas, e as consideradas eventuais. Foram consideradas como informações periódicas: as informações trimestrais, as informações anuais (dentre elas constando o estatuto social), o relatório da administração e cópia das demonstrações financeiras acompanhada do respectivo parecer do auditor independente. Foram consideradas eventuais as informações sobre atos e fatos relevantes ocorridos nos negócios da empresa, que deveriam ser enviadas à CVM concomitantemente à sua 74 São estas: a Instrução no 9, de 11.10.79, a Instrução no 22, de 15.04.82, a Instrução no 32 (que revoga a Instrução no 9), de 16.03.84, a Instrução no 39, de 07.11.84, a Instrução CVM no 41/85 e, por fim, a Instrução no 60, 14.01.87, que consolida os três últimos normativos citados. 112 divulgação ao público, já prevista pela Lei das S. A. (parágrafo 4o do art. 157). A Instrução CVM no 32 exemplificou mais detalhadamente quais seriam as informações eventuais a serem prestadas, complementando os exemplos de ato ou fato relevante constantes na Instrução CVM no 3175. O fechamento do registro de companhia aberta foi previsto por meio de dois normativos. Tendo em vista que o fechamento de capital de uma companhia significa que seus valores mobiliários não serão mais admitidos à negociação no mercado secundário, é importante a definição de regras prévias de forma a defender o interesse dos acionistas. A Instrução CVM no 03, de 17.08.78, determinou os requisitos e procedimentos necessários a serem cumpridos pelas empresas para que a CVM efetuasse o pedido, apresentado pelas mesmas, de cancelamento do registro de companhia aberta. Dispôs esse normativo acerca dos critérios de deliberação pela companhia e de validade do pedido de fechamento, determinando, ainda, como condição necessária, que os acionistas minoritários titulares de 75% das ações em circulação no mercado deveriam aceitar oferta pública de aquisição a ser feita pelo acionista controlador ou, deveriam concordar expressamente com o cancelamento do registro. Essa Instrução visava a garantir que o acionista minoritário, que discordasse do fechamento do capital da companhia, pudesse se desfazer das ações que, a partir de então, não poderiam mais ser negociadas em mercado. A Instrução CVM no 29, de 13.01.84, previu as situações para cancelamento de ofício do registro de companhia aberta. Tal normativo visava permitir a CVM atuar de forma a garantir que o cadastro de empresas abertas, empresas essas que podem demandar recursos do público e ter seus valores negociados publicamente, fosse constituído daquelas que como companhias abertas, de fato, atuassem. Previu, assim, essa Instrução que a CVM efetuaria o cancelamento do registro na hipótese de não colocação efetiva, junto ao público, da totalidade das ações cujo registro de emissão fosse causa eficiente da concessão do registro. Dispôs também esse normativo que a CVM poderia cancelar o registro no caso das empresas que não tivessem adaptado seus estatutos à Lei das S. A., e que não tivessem, até a data da entrada em vigor da Instrução, prestado as informações periódicas exigidas pela regulação. 75 Este ponto será aprofundado na próxima seção. 113 Com efeito, com base nessa Instrução, a CVM promoveu o cancelamento do registro de cerca de 176 empresas que, em 1984, encontravam-se em situação totalmente irregular76. No que se refere ainda aos aspectos relacionados à divulgação de informações, destaca-se um outro conjunto de Instruções também expedidas no período em análise. Relativamente a procedimentos contábeis, destacam-se a Instrução CVM no 1, de 27.04.78 e a Instrução CVM no 15, de 03.11.80, que dispõem a respeito dos ajustes decorrentes de avaliação de investimento relevante de companhia aberta em sociedades coligadas e em sociedades controladas, e acerca das demonstrações financeiras consolidadas de companhia aberta. Foi, também, expedida a Instrução CVM no 38, de 13.09.84, que regulamenta a função do auditor independente no âmbito do mercado de valores mobiliários. Em sua atividade fiscalizadora sobre as companhias, a CVM exerceu seu poder para determinar a republicação, com correções ou aditamentos, de demonstrações financeiras, relatórios ou informações divulgadas, e, especificamente no ano de 1985, determinou a republicação de demonstrações financeiras de cerca de 40 empresas77. Esse conjunto de iniciativas teria repercutido de forma positiva no sentido de regularizar a situação das companhias abertas. Na avaliação da CVM, observou-se uma melhoria no nível informacional mínimo das companhias e uma sensível diminuição no índice de inadimplência quanto aos prazos para encaminhamento das informações78. 6.2.3 - Insider trading A regulação para o mercado de capitais, como já demonstrava sua evolução em outros países79, deve não somente estabelecer determinações acerca de divulgação periódica das informações por parte das companhias, mas também procurar impedir que os agentes de dentro da empresa, os chamados insiders, na posse de informações em caráter privilegiado, usufruíssem dessas informações em seu benefício, antes que essas sejam amplamente 76 Fonte Relatório Anual CVM - 1985. Fonte Relatório Anual CVM – 1985. 78 Relatórios Anuais da CVM - 1984 e 1985. 79 Para a evolução da regulação voltada para insider trading no caso americano e outros ver Eizirick, 1987, capítulo 4. 77 114 divulgadas. Tal prática consiste em negociação com base em informação privilegiada ou insider trading. Não sendo possível impedir, por várias razões, que alguns agentes, os de dentro da empresas ou os que a eles tenham acesso, venham a ter acesso a informações que ainda não sejam de conhecimento do público, a legislação deverá proibir que usem essas informações em benefício próprio. Sob esse aspecto, os instrumentos legais e regulatórios disponíveis antes da Lei no 6.404/76, no caso a Lei no 4.728 (art 3º) e a Resolução no 88, se revelavam ainda insuficientes, primeiro por não definirem com precisão quem seriam os agentes passíveis de punição por essa prática, e, segundo, por não deixar claro, no caso dos administradores das companhias, que não se tratava somente de divulgar as informações relevantes, mas também de não usufruir delas em benefício próprio, antes que fossem divulgadas (Eizirick, 1977). A Lei das S.A., por outro lado, previu claramente o enquadramento dos administradores da companhia pelo uso de informações privilegiadas, mas não proibiu expressamente o controlador, que teria, inclusive, maiores possibilidades de acesso e utilização de tais informações. Muito embora a prática de insider trading pelos controladores pudesse já ser compreendida pela doutrina como modalidade de abuso de poder, e, portanto, já estaria prevista na Lei Societária, entendia-se que, dado a importância do tema, seria importante defini-la de forma expressa. Mesmo porque não estava citada nas modalidades exemplificativas de abuso de poder constantes no art. 117 da Lei das S.A.. Os dispositivos que tratam do uso de informações privilegiadas - insider trading - estão previstos na Lei das S.A., principalmente nas seções relativas ao dever de lealdade e do dever de informar do administrador. Refere-se o art. 155 ao dever do administrador de “seguir com lealdade à companhia e manter reserva sobre seus negócios”, devendo guardar sigilo sobre informações não divulgadas e não obter vantagem da utilização dessa informação nos negócios com títulos emitidos pela companhia, e zelando para que subordinados ou terceiros de sua confiança não o façam. Já o dever de informar, previsto no art. 157, consiste em prevenção contra a prática de insider trading quando se refere às informações que o administrador deverá prover aos 115 acionistas com relação aos seus negócios com valores mobiliários emitidos pela companhia, opções de compra de ações, benefícios ou vantagens que esteja recebendo da companhia e à divulgação de qualquer ato ou fato relevante ao público. A Lei das S.A. prevê a possibilidade de não divulgação das informações caso fira interesses legítimos da companhia, cabendo, no entanto, à CVM, nesses casos, a decisão final. A Lei Societária considerou como insiders, e, portanto, passíveis de punição pela prática de negociação com base em informação privilegiada, os administradores da companhia (ou seja, os diretores, os membros de conselho de administração e do conselho fiscal) e os empregados da companhia. A CVM, por meio da Instrução no 8, de 08.10.79, havia estendido o conceito de insider aos intermediários financeiros e aos demais participantes do mercado ao vedar a eles o uso de prática não eqüitativa. Prática não eqüitativa foi caracterizada na citada Instrução como: “aquela de que resulte, direta ou indiretamente, efetiva ou potencialmente, um tratamento para qualquer das partes, em negociações com valores mobiliários, que a coloque em uma indevida posição de desequilíbrio ou desigualdade em face dos demais participantes da operação”. Havia, porém, uma expectativa de que a CVM expedisse instrumento normativo específico acerca da prática do uso de informação privilegiada, que pudesse complementar a legislação nos pontos referidos. Nesse contexto, revelou-se importante a Instrução CVM no 31, expedida em 1984, que permitiu: i) a regulamentação da figura do insider, e, em especial, a ampliação do seu conceito, ii) a caracterização e exemplificação das modalidades de fato ou ato relevante, assim como, iii) as determinações acerca da divulgação dos mesmos. Como aspecto fundamental desse normativo destaca-se, então, a ampliação significativa da figura do insider, na medida em que estendeu a vedação do uso de informação privilegiada: 1º) aos controladores; 2º) a todos que, em virtude de cargo ou posição dentro da companhia, ou ainda em razão de função profissional, venham a ter conhecimento de informação relativa a ato ou fato relevante não divulgada, e 3º) a qualquer pessoa que, 116 embora não se enquadre nas condições previstas anteriormente, venham a obter informações dessa natureza. Com relação aos demais aspectos ressaltados, para efeito da Instrução CVM no 31/84 (Art. 1º) considerou-se informação relevante, e, portanto, de divulgação obrigatória qualquer deliberação da assembléia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato ocorrido nos seus negócios que possa influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou na decisão dos investidores em negociar com aqueles valores mobiliários; ou, ainda, de exercerem quaisquer direitos associados a esses valores. Dentre as modalidades de ato ou fato relevante exemplificadas na Instrução CVM no 31/84 (Parágrafo único) destacam-se: mudanças no controle da companhia, fechamento de capital da companhia, incorporação, fusão, cisão, transformação ou dissolução da companhia, mudanças significativas na composição do ativo da companhia; alteração nos direitos e vantagens dos valores mobiliários emitidos pela companhia; requerimento de concordata, de falência; celebração ou extinção de um contrato significativo para a companhia, qualquer descoberta, mudança ou desenvolvimento na tecnologia ou nos recursos da companhia que possa vir a alterar significativamente os seus resultados etc. De acordo com o disposto no art. 2º dessa Instrução, o dever de comunicar e de divulgar é dos administradores da companhia aberta, em especial, do diretor de relações com o mercado. É este quem deve comunicar, imediatamente, à CVM e à Bolsa de Valores em que seus valores mobiliários sejam mais negociados, bem como divulgar pela imprensa, ato ou fato relevante ocorrido nos negócios da companhia. Apesar dos atos ou fatos relevantes poderem, excepcionalmente, deixar de ser divulgados se os administradores entenderem que sua revelação porá em risco interesse legítimo da companhia (art. 4º), deverão ser divulgados imediatamente, se a informação escapar ao controle ou a cotação das ações da companhia apresentar oscilações atípicas. Em suma, tendo em vista as falhas da regulação anterior às reformas e as necessidades de complementação à Lei 6.404, a Instrução CVM no 31/84 teria significado uma importante 117 contribuição à regulação sob as companhias abertas no período, particularmente, no aspecto de divulgação de informações. Um aspecto negativo a ser levantado foi o tempo levado pela CVM até que expedisse normativo regulamentando essa matéria. Apesar de que sua necessidade já se fazia sentir desde a Lei no 6.404, precisou-se de oito (8) anos para que a CVM regulamentasse a matéria. 6.2.4 - O Registro de distribuição de ações mediante subscrição pública 6.2.4.a) A Instrução CVM no 13/80 A Lei no 6.385/76 teria consistido em importante avanço ao definir mais claramente o conceito de oferta pública que na Lei no 4.728/65 (ver seção 5.2.2) era citado apenas como uma das modalidades de colocação de títulos. De acordo com a Lei no 6.385/76 e para efeito da Instrução no 13, considera-se pública a subscrição de ações quando ofertadas mediante a utilização de alguma forma de propaganda direcionada ao público, ou quando caracterizando-se pela procura de novos subscritores que não os atuais acionistas, ou, ainda, quando realizada mediante a negociação em local aberto ao público80. Tal definição permite, então, caracterizar as emissões públicas que deverão efetuar registro na CVM e proceder ao cumprimento das exigências cabíveis81 82. A necessidade de registro de distribuição mediante subscrição pública, normatizado por meio da Instrução CVM no 13/80, visa a responder à situação específica na qual existe uma pressão de venda sobre o investidor por parte da companhia. Entendeu, assim, o regulador 80 Para efeito da Instrução no 13, considera-se pública a subscrição de ações quando ofertadas mediante: I – a utilização de listas ou boletins de subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios destinados ao público; II – a procura de novos subscritores não acionistas por meio de empregados, administradores ou através de pessoas físicas ou jurídicas integrantes ou não do sistema de distribuição de valores mobiliários; III – a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público, ou com a utilização dos serviços públicos de comunicação, quando dirigida a não acionista da sociedade emissora. 81 A ocorrência constante de emissões irregulares, ou seja, sem registro, no período analisado será discutida no Capítulo 7. 82 O conceito de oferta pública ensejou algumas discussões. Para alguns este conceito não deveria constituir-se somente dos meios utilizados na colocação de títulos, mas também pela observância dos elementos que qualificariam os ofertados. As críticas residiam no fato de que caso os ofertados constituem-se de investidores qualificados, ou exclusivamente dos empregados ou administradores da companhia, poderiam estes prescindir da proteção que seria conferida pelo registro da emissão. 118 que tal situação se diferencia daquela na qual o investidor, por sua própria iniciativa e na ocasião em que julgar oportuno, se dirige ao mercado para comprar ou vender valores mobiliários83. Além disso, deve-se considerar, também, que a pressão de venda está dirigida a novos investidores em potencial. Com efeito, no caso de subscrição privada, ou seja, em que a colocação é feita somente entre os atuais acionistas, no exercício de sua preferência, não há necessidade de registro da emissão, porque se subentende que os elementos necessários para a sua tomada de decisão já estão disponíveis por meio dos procedimentos de atualização do registro da companhia. Sendo por isso, no caso de subscrição privada, exigido por meio da citada Instrução que a companhia não esteja inadimplente em relação às informações periódicas prestadas pela companhia à CVM. O pedido de registro deverá conter as informações acerca da operação incluindo contrato de distribuição, contrato de garantia, condições de integralização, modelo de boletim de subscrição, declaração de sobras, minuta do prospecto. O prospecto é considerado como documento da maior importância porque condensa todas as informações relevantes sobre a própria emissão e sobre a empresa, de forma a permitir uma avaliação acerca do investimento por parte do investidor. Este documento deverá estar disponível em número suficiente para ser distribuído a todos subscritores no local da distribuição. Além dessas informações, a companhia deverá apresentar estudo de viabilidade econômicofinanceira do empreendimento, obrigatório nos seguintes casos: i) de constituição da companhia por subscrição; ii) emissão de ações em fase pré-operacional, iii) quando a perspectiva de rentabilidade da companhia vier a ser admitida, na justificativa do preço da emissão, como parâmetro prevalecente, dentre os 3 (três) estabelecidos pelo art. 170 da Lei das S.A., e iv) emissão de ações que represente parcela substancial de recurso em relação ao patrimônio líquido da companhia, visando à expansão, diversificação das atividades ou investimentos em coligadas e controladas. 83 Ver Nota Explicativa CVM no 15/97. 119 A responsabilidade sobre as informações prestadas à CVM é dos administradores da companhia, cabendo à instituição líder da distribuição verificar sua suficiência e qualidade. A concessão do registro pela CVM não implica garantia da veracidade das informações prestadas ou do sucesso do empreendimento. Conforme prevê a Instrução no 13 em seu art. 13, o registro poderá ser denegado nas hipóteses de inviabilidade ou temeridade do empreendimento ou inidoneidade dos fundadores ou, ainda, no caso de não cumprimento das exigências previstas. A CVM poderá suspender a distribuição que esteja ocorrendo em condições diversas das exigidas ou quando esta for ilegal ou fraudulenta. 6.2.4.b) A Instrução no 13 e os limites do princípio de disclosure enquanto proteção ao investidor Já haviam sido comentados anteriormente os limites do princípio de divulgação de informações como proteção ao investidor para o caso do mercado brasileiro. O prospecto, como acima analisado, seria a peça chave para a divulgação das informações aos investidores acerca da emissão e da empresa emissora. Contudo, apesar de que o amplo acesso ao prospecto nos locais de distribuição seja uma das determinações mais importantes da Instrução no 13, no que se refere ao aspecto de divulgação de informações ao público, essa determinação não era cumprida em muitos casos. Tal fato demonstra pouco interesse por parte do investidor nesse documento, visto que este poderia ser por ele exigido e sugere que o investidor não sendo capaz de avaliar as empresas, estivesse a seguir a opinião de um intermediário. Outros fatores que caracterizaram as emissões primárias ocorridas nesse período podem também explicar tal desinteresse. Ao longo do período 1980/86, observou-se que a quase totalidade das emissões adotavam o sistema de procedimento diferenciado, que significava que a instituição intermediária organizadora da subscrição teria um poder de colocar a emissão discricionariamente, em oposição ao sistema de garantia de acesso, no qual se 120 garante o acesso a todos os investidores interessados na subscrição. Resulta, então, que muitos investidores ficavam de fora, não podendo participar. Além disso, verificou-se ocorrer uma pressão por parte das instituições intermediárias para que o preço de lançamento das emissões fosse estabelecido abaixo do preço de mercado, a fim de cobrir eventual variação do preço de mercado durante o período em que os acionistas estejam exercendo o seu direito de preferência, até a efetiva distribuição das ações no mercado. Tendo em vista, então, a tendência dos preços de lançamento das emissões estarem fixados abaixo do mercado, ocorre que em momentos de expansão das emissões, os quais estão em geral acompanhados de uma elevação dos preços das ações em Bolsa, como foi o caso do ocorrido no período de 1984/86, os lucros se tornam garantidos. O investidor não estava, assim, preocupado em avaliar a empresa e seu projeto de investimento, mas em conseguir acesso à emissão e obter esse lucro certo (Medeiros, 1987). 6.3 - Proteção ao Acionista Minoritário na Lei das SA (Lei 6.404 de 15.12.76) 6.3.1 - A CVM e a Lei das S.A. A Lei no 6.404/76, embora seja a lei que ordena quaisquer sociedades anônimas, contém dispositivos que regulam especificamente as sociedades que captam recursos do público, as sociedades anônimas abertas ou companhias abertas. Uma vez assim constituídas, as companhias serão objeto de regulação, acompanhamento e fiscalização por parte da CVM. Dessa forma, no exercício de suas atribuições, quando apura as denúncias ou reclamações dos investidores, no exercício de sua atividade de acompanhamento ou de punição das irregularidades, cabe à CVM defender os preceitos da Lei das S.A. e utilizar seus dispositivos, bem como, também cabe regulamentar as matérias que estiverem nela expressamente previstas, assim como, também, na Lei no 6.385/76. Visto que a Lei no 6.404/76 é um dos instrumentos principais da CVM no exercício de suas atividades de normatização, monitoramento e punição das irregularidades cometidas pelos 121 agentes atuantes no mercado de capitais, torna-se fundamental analisar os avanços e retrocessos que a promulgação dessa lei significou no que se refere, em especial, à defesa dos acionistas minoritários. 6.3.2 – Objetivos e desafios da Lei das S.A. Apesar das dificuldades interpostas a partir do colapso da Bolsa em 1971, nota-se persistirem os esforços de desenvolver o mercado de capitais. Já em 1973, preocupações dessa natureza estavam presentes nos pronunciamentos do, então, Presidente Geisel que, antes mesmo de sua posse, enfatizava a necessidade de uma reforma da legislação de sociedade por ações. Essa intenção foi reafirmada, em início de 1974, na primeira reunião ministerial. Pouco depois eram nomeados pelo governo os juristas Alfredo Lamy e José Luis Bulhões Pedreira para elaborarem o projeto de reforma (Andrezo e Lima, 2002). O papel que iria se reservar a tal iniciativa já estava esboçado em trabalho desenvolvido por Alfredo Lamy, anterior ao projeto de lei. Em tal estudo, destacava-se enfoque distinto daquele que vigorava na prática passada das empresas, quando a escolha da forma societária se fazia por motivos variados, mas não com o intuito de dirigir a empresa para o mercado de ações. Dever-se-ia compreender, como ressaltou Lamy no citado estudo: “(...) quando uma sociedade anônima resolve abrir seu capital ela não pratica apenas um mero ato de economia interna de empresa, ela aciona mecanismos de crédito público, por cuja idoneidade e regular funcionamento deve responder o Governo (...)” (Citado em Mattos Filho, 1980, p.48). Na Exposição de Motivos da 14ª reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico, realizada em 1974, ficava explicitado o entendimento dominante, à época, a respeito do papel a ser cumprido pela reforma: “(...) as Sociedades Anônimas Abertas são parte do sistema financeiro, como os bancos comerciais ou de investimento, as Bolsas, as sociedades de crédito e financiamento e, em conseqüência, requerem tratamento orgânico e sistemático” (Exposição de Motivos, CDE no 14, 25.06.74). Na mesma reunião, restou clara a importância dada à reforma societária no âmbito da esfera econômica, e não somente jurídica, quando decidiu-se, motivado por proposta defendida 122 pelo então Ministro da Fazenda Mario Henrique Simonsen, deslocar da competência do Ministério da Justiça para o Ministério da Fazenda a reformulação da lei, que deixa de fazer parte do capítulo do direito das obrigações do Código Civil e passa a ter vida autônoma. O anteprojeto da lei, em sua Exposição de Motivos, frisava qual seria o desafio a ser enfrentado pela nova lei: “A mobilização de poupança popular e o seu encaminhamento voluntário para o setor empresarial exigem, contudo, o estabelecimento de uma sistemática que assegure ao acionista minoritário o respeito a regras definidas e eqüitativas, as quais sem imobilizar o empresário em suas iniciativas oferecem atrativos suficientes de segurança e rentabilidade” (Exposição de Motivos no 196, 24.06.76, Ministério da Fazenda). 6.3.3 – Lei das S.A. e a proteção ao acionista A Lei das S.A. promulgada em 1976 estabeleceu, em seu art. 109, como direitos essenciais do acionista dos quais não poderiam ser privados nem por determinação do estatuto da companhia nem por deliberação da assembléia de acionistas: 1) Participar dos lucros sociais; 2) Participar do acervo da companhia, em caso de liquidação; 3) Fiscalizar a gestão dos negócios sociais de forma direta ou indireta; 4) Ter preferência para subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição, na proporção de ações que possuírem; 5) Retirar-se da sociedade, nos casos previstos na lei. Tais princípios referem-se a aspectos bem distintos, no que diz respeito à discussão apresentada nesse trabalho, dos quais destacamos: os atrativos na forma de rendimentos proporcionados pelos títulos emitidos, as garantias de condições de monitoramento por parte do acionista e do debenturista, que constitui o mecanismo de voz, ou a definição de deveres e obrigações daqueles que deveriam representá-los e, a garantia de mecanismos de saída extra mercado, em condições específicas. 123 À luz dos direitos acima expostos, a discussão dessa seção trata dos dispositivos da lei que foram considerados mais importantes de acordo com os tópicos assinalados a seguir. - Com relação ao direito de todos os acionistas participarem do lucro: a) instituição do dividendo mínimo obrigatório - Com relação aos direitos e vantagens atribuídos ao acionista minoritário: b) aumento da participação das ações preferenciais no capital c) vantagens econômicas das ações preferenciais d) ampliação do direito de preferência e) incremento nas situações que dão direito de retirada ao acionista f) instituição da Oferta Pública no caso de alienação de controle - Com relação ao monitoramento a ser exercido pelo acionista e pelo debenturista g) criação da função do agente fiduciário dos debenturistas h) voto múltiplo para acionistas ordinaristas Tendo como referência os pontos acima destacados, a Lei das Sociedades Anônimas será analisada, ressaltando-se as mudanças que proporcionou em relação aos dispositivos já existentes no Decreto-Lei no 2.627 que, desde 1940, regia o funcionamento das sociedades anônimas no Brasil84. 6.3.3.a) – A instituição do dividendo mínimo obrigatório Considerado como um dos institutos mais importantes introduzidos pela Lei no 6.404/76, que não constava do regime legal anterior, ressalta-se a determinação do dividendo mínimo obrigatório. 84 A Lei das S.A. de 1976 teria representado, em comparação ao Decreto Lei no 2.627/40, uma reorientação da tradição que havia se iniciado com o Código Comercial de 1850, oriundo da legislação portuguesa, o qual teria sido, por sua vez, copiado da legislação francesa. Isto porque, em termos jurídicos, teriam sido visíveis as referências e similaridades das mudanças propostas e efetivadas com o modelo americano. 124 A determinação do dividendo mínimo obrigatório, conforme estabelecido no art. 202 da Lei das S.A., de 1976, visou a impedir a prática, que se verificava como usual das companhias, de capitalizarem indefinidamente seus lucros não os distribuindo aos seus acionistas. Constituindo a companhia lucros estes poderiam ter dois destinos, serem distribuídos aos acionistas na forma de dividendos ou serem destinados às reservas de lucros85. As reservas referem-se a parcelas do patrimônio líquido da empresa referentes a um fim específico. Além das reservas de lucros, tem-se a conta de lucros e prejuízos acumulados, constituída sem fim específico, dos saldos de lucros que não foram distribuídos e nem destinadas às reservas86. O direito aos lucros sociais decorre da própria Lei Societária, mas o exercício desse direito depende evidentemente da existência de lucros acumulados até aquela data, apurados nos termos a Lei das S.A.. No caso do dividendo obrigatório, o limite é o lucro líquido do exercício. Nos demais casos, visando à distribuição de lucros, podem também ser destinados, além do lucro líquido do exercício, os lucros acumulados e as reservas de lucros87. O instituto do dividendo mínimo obrigatório não impõe um percentual obrigatório de dividendos a ser seguido, mas define regras mínimas dentro das quais poderão ser estabelecidos e limites bem restritivos dentro dos quais poderão ser modificados. Dessa forma, o artigo 202 dispõe que a companhia tem liberdade, quando de sua constituição, para adotar qualquer percentual, contanto que definido no estatuto da companhia com precisão e 85 As reservas de lucros constituem-se de cinco contas que correspondem a: reserva legal, única reserva cuja constituição é obrigatória por força da lei, que por sua vez estabelece limites a sua constituição (art. 193), tem como objetivo oferecer uma margem de segurança aos credores; reserva para contingências, destina-se a constituir margem de segurança contra riscos prováveis que a companhia pode vir a sofrer em exercício futuro (ex: ação judicial); reserva estatutária, são previstas em estatuto e independem da decisão assemblear, uma vez constituída assume caráter permanente até que haja uma nova decisão (ex: reserva para resgate de partes beneficiárias), reserva de lucros a realizar, correspondem ao resultado líquido positivo da equivalência patrimonial mais os lucros das operações a prazo a realizar após o término do exercício social seguinte (constituída de resultados que serão realizados a partir do final exercício seguinte); reserva de retenção de lucros, objetiva atender às necessidades previstas em orçamento de capital, que se refere basicamente a projetos de investimento, e sofre revisão anual. Além das reservas de lucros, que se originam do lucro do exercício, existem outras reservas, dentre elas a reserva de capital, constituída por contas como ágio obtido na colocação de ações, prêmios recebidos na colocação de debêntures etc que possuem certa conotação com o capital mas que não o integram. 86 Essa conta foi posteriormente desautorizada. A Lei 10.303/01 vedou a não destinação dos resultados a um fim específico. 87 Existe uma exceção para o caso de ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos cumulativos, se prevista a vantagem em estatuto pode receber seu dividendo prioritário à conta de reserva de capital (art. 201). Ver dividendos das preferenciais a seguir. 125 minúcia, de forma que o acionista tenha o exato conhecimento de seus direitos e que não fique a mercê do exercício do poder de decisão dos controladores e órgãos de administração. O dividendo mínimo obrigatório define-se, nas palavras de Tavares Borba, como “uma espécie de compromisso mínimo, exprimindo a parcela do lucro que não poderá a sociedade deixar de distribuir” (p.468). No entanto, no caso de omissão do estatuto, a lei determina um percentual obrigatório que corresponde a 50% do lucro líquido ajustado (LLA)88. E, ainda no caso de estatuto omisso, quando a assembléia geral resolver introduzir norma sobre a matéria e definir um percentual para o dividendo obrigatório, a Lei determina o limite mínimo de 25% do LLA. Compreende-se que tais regras são válidas, também, para os casos de imprecisão do estatuto, posto que estes, ao não cumprirem as condições exigidas se equiparariam aos casos de omissão89. A lei exige, também, que as decisões relativas à modificação do dividendo mínimo obrigatório devam ser aprovadas em assembléia de acionistas por, no mínimo, metade do capital votante (art. 136, Inciso III). 88 “O chamado lucro líquido ajustado não é senão o lucro líquido do exercício, diminuído das importâncias destinadas à reserva legal, reserva para contingência e reserva de lucros a realizar e, ao mesmo tempo acrescido das parcelas que, anteriormente destinadas a essas duas últimas reservas, tenham sido no exercício considerado objeto de desconstituição, face à superação da contingência ou à realização do lucro” (Tavares Borba, 2003, p. 469) . O lucro líquido ajustado (LLA) é calculado, portanto, antes que seja constituída a reserva estatutária e a reserva de retenção de lucros, não sendo, assim, por elas prejudicado. Já a reserva legal, a reserva para contingência e a reserva de lucros a realizar, como mencionado, reduzem a base de cálculo do dividendo obrigatório. Essa definição sofreu modificações introduzidas pela Lei 10.303/2001. 89 Ainda que não expresso claramente na lei, alguns entendem que, sendo o objetivo desse dispositivo impedir que o percentual estabelecido como dividendo obrigatório se reduza para percentual menor de 25% do LLA, tal regra valeria, igualmente, nos casos de estatuto não omisso, quando a companhia resolver alterar o percentual estabelecido, devendo então respeitar, também, o limite mínimo de 25% do LLA. Na opinião de Tavares Borba (2003): “Maiores razões até estariam a atuar no caso do estatuto expresso, pois, aí, a vontade estatutariamente manifestada é que estaria sendo objeto de modificação” (Tavares Borba, 2003, p.469). 126 6.3.3.b) Alteração do limite de participação das ações preferenciais, a figura do controlador na Lei das S.A. Se o dividendo obrigatório revelou-se como um dos aspectos positivos da reforma mais comumente destacados, a alteração na proporção do capital votante e não votante das companhias parece ter sido um dos pontos mais criticados. Carvalhosa define, assim, ações preferenciais: “Ações preferenciais são aquelas às quais o estatuto outorga determinados privilégios patrimoniais, em relação às ordinárias, podendo, em contrapartida, deixar de conferir-lhes o direito de voto, ou restringi-lo” (Carvalhosa, 1997, p.349). A Lei no 6.404 facultou a ampliação da proporção das ações preferenciais no capital, alterando de 50% para 2/3 o limite de participação dessas ações no capital das empresas. Dessa forma, o legislador deu seguimento ao princípio da vantagem econômica concedida às ações preferenciais, conforme prevalecia até então, contrariando a opinião daqueles que defenderam a extinção das ações sem direito a voto. No argumento oficial presente na Exposição de Motivos da Lei, o aumento do limite para emissões de ações preferenciais era recomendado devido: “(...) a orientação geral do projeto de ampliar a liberdade do empresário privado nacional na organização da estrutura de capitalização de sua empresa (...)” (Exposição de Motivos no 196, 24.06.76, Ministério da Fazenda). Com o novo regime, esperava-se, na verdade, promover um estímulo ao mercado, uma vez que, do lado da demanda de recursos, haveria um estímulo à captação via emissão de ações preferenciais, porque assim os controladores não estariam correndo o risco de perder o controle da empresa. Já do lado dos ofertantes de recursos, a medida poderia permitir que fossem atraídos aqueles investidores que não estariam tão interessados em monitorar as decisões de investimento da companhia, ou que se disporiam a desistir de sua participação em troca de uma vantagem econômica compensatória, em relação às ações ordinárias. 127 Com relação ao novo percentual permitido, a crítica maior reside em suas conseqüências sobre o grau de dispersão do capital votante das empresas. Sendo permitido emitir até dois terços do capital da empresa na forma de ações preferenciais (sem direito a voto ou com voto restrito), tornou-se possível adquirir e manter o controle das empresas com apenas 51% das ações ordinárias, ou seja, 16,6% do capital total da empresa, se emitidas ações preferenciais em um número máximo, ou ainda, com um percentual menor do capital total, no caso de emissão de ações ordinárias ao portador 90. Nessas condições, o acionista não-controlador, a quem denominamos de minoritário, seja ordinarista ou preferencialista, estaria, supostamente, ainda mais exposto a possíveis decisões unilaterais dos acionistas controladores que poderiam implicar o declínio da situação econômico/financeira da empresa, ameaçando o valor do capital investido, como mudança de objeto social91, transferência de débitos da empresa acionista controladora (muitas vezes uma empresa fechada) para a sociedade controlada (muitas vezes uma empresa de capital aberto), fusões que impliquem prejuízo patrimonial e operacional, diversas fórmulas de “fechamento branco de capital” 92 etc. Com a proporção anterior ficavam à margem das decisões os acionistas titulares de ações representativas de 50% do capital social. No novo sistema, ao reduzir o colégio eleitoral, os acionistas com poder de voto na assembléia geral tenderiam a ser, basicamente, os próprios controladores. A Lei das S.A. de 1976, nesse campo, previu alguns dispositivos importantes que procuravam oferecer mecanismos compensatórios capazes de reduzir os riscos potenciais de abusos acima exemplificados. 90 A posse de ações ao portador não dava direito de voto aos seus titulares, conforme o disposto no art. 112 da Lei das S.A., somente os titulares de ações nominativas, endossáveis e escriturais podiam exercer esse direito. A Lei no 8.021, de 1990, aboliu as ações ao portador. 91 O objeto da empresa, que deve estar definido de forma precisa e completa pelo estatuto da companhia (art. 2º, parágrafo 2º), refere-se ao conjunto de atividades econômicas desenvolvido por ela. 92 O fechamento branco de capital pode resultar da realização de ofertas públicas de compra de ações pelas próprias empresas visando a tirar as ações de mercado, expediente que foi utilizado pelas companhias privatizadas porque para essas o edital de privatização proíbe o cancelamento do registro enquanto companhias abertas. Cosern, Cerj e Geração Tietê são exemplos de empresas que adotaram esse procedimento (Sirimarco, H., 2.000). 128 Nesse particular, destaca-se a introdução na Lei Societária da caracterização da figura do controlador, da definição de suas obrigações e da previsão de situações que poderiam vir a caracterizar abuso de controle. De acordo com o disposto na Lei das S.A. de 1976, art.116, controlador é aquele que detém a maioria permanente de votos e usa seu poder para dirigir a companhia. Determina também a lei que deverá usar esse poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e deverá respeitar os direitos e interesses dos acionistas. Mediante esses dispositivos o poder da companhia torna-se, assim, personalizado. Diferentemente, no sistema anterior vigorava, em tese, a soberania efetiva da assembléia, porque fundava-se a antiga lei no sistema majoritário, no qual os que possuíam 50% mais um do capital votante eram aqueles que perante a lei definiriam os rumos da companhia. Ademais, torna-se possível atribuir aos controladores responsabilidade acerca dos atos praticados e decisões tomadas em prejuízo da companhia e de seus acionistas (Eizirik, 1997)93. Conforme o disposto no art. 117, o acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder. Dentre as modalidades exemplificativas do exercício abusivo de poder presentes na Lei Societária destacam-se: orientar a companhia para fim estranho ao objeto social; promover a liquidação da companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia, aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, etc. 93 Conforme analisa Eizirik (1997): “Ao permitir a Lei das S.A. a perfeita identificação do poder de controle e ao atribuir ao acionista controlador determinados deveres (art. 116, parágrafo único), operou a superação da ‘ficção democrática’ na companhia, cuja aplicação, na prática, acarretava a diluição da responsabilidade nas decisões da assembléia geral ou dos órgãos de administração. O art. 117, caput, dispõe que ‘o acionista controlador responde pelos danos causados pelos atos praticados com abuso de poder’. Ou seja, pode o acionista controlador ser civilmente responsabilizado e obrigado a indenizar os prejuízos que causar, decorrentes de ato praticado com abuso de poder” (Eizirik, 1997, p. 98) (grifos nossos). 129 6.3.3.c) Vantagens econômicas das ações preferenciais O Decreto-Lei no 2627/40 já previa vantagens econômicas na forma de dividendos aos titulares de ações preferenciais. Para Lei no 6404/76, considerando a previsão da faculdade de ampliar a participação das preferenciais no capital das empresas, era ainda mais evidente a importância da política de dividendos a ser atribuída a essas ações, em contrapartida da perda do direito de voto. Ademais, veja-se a importância de vantagens econômicas atribuídas às ações preferenciais quando se trata de empresas cujas ações possuam baixa liquidez no mercado. Nesses casos, os acionistas preferencialistas, que já não têm como exercer um monitoramento mais efetivo, também não têm a possibilidade de se retirarem facilmente do investimento, ao se sentirem insatisfeitos com os resultados ou com a administração da companhia. Tais vantagens poderiam ter ampliado a atratividade dessas ações, ao oferecer retornos que não na forma de ganhos de capital, e, ainda, tenderiam a atrair para o mercado o investidor com perfil menos especulativo, cujo interesse estaria voltado aos rendimentos de longo prazo proporcionados pelas empresas. No entanto, segundo a crítica predominante, a Lei no 6.404/76 não garantiu vantagens efetivas a essas ações na forma de dividendos, tendo sido, também, esse aspecto amplamente criticado. As vantagens previstas aos titulares das ações preferenciais na lei foram as seguintes: “Art. 17- As preferenciais ou vantagens podem consistir: I – em prioridade na distribuição de dividendos fixos ou mínimos; II – em prioridade do reembolso do capital, com prêmio ou sem prêmio; III - na acumulação das vantagens acima enumeradas”. O entendimento predominante foi que a formulação da Lei Societária nesse tópico teria sido falha, primeiramente, pelo seu grau de imprecisão. Chegou a prevalecer na doutrina o entendimento de que as vantagens apontadas no mencionado no art. 17 eram condições necessárias a serem atribuídas ás ações preferenciais. No entanto, era possível, dada a redação não impositiva do dito artigo, que diz que “podem consistir”, que fossem as 130 vantagens citadas compreendidas meramente como exemplificativas dos possíveis direitos a serem atribuídos a essas ações94 . Além disso, também devido ao grau de imprecisão, as duas vantagens elencadas (inciso I e II) poderiam ser compreendidas como optativas e não cumulativas, assim haveria a possibilidade de que a vantagem das ações preferências pudesse estar definida somente com base no reembolso do capital (inciso II), situação esta que ocorre somente quando da liquidação da companhia, evento eventual ou aleatório, o que não permite definir uma vantagem precisa a essas ações. Esta seria uma vantagem efetiva somente no caso das empresas com prazo determinado de duração, por exemplo, o caso das sociedades de propósito específico (Carvalhosa, 1997). Nos termos da lei, à distribuição dos dividendos mínimos e fixos seria atribuída prioridade (inciso I) que consiste de privilégio no qual está assegurada primeiramente aos acionistas preferencialistas a distribuição de dividendos, antes que estes sejam distribuídos aos demais acionistas. Assim, conforme define Tavares Borba (2003): “enquanto o acionista preferencial não for contemplado com todo o dividendo que lhe estava estatutariamente destinado, nenhuma atribuição será feita aos titulares de ações ordinárias. Se o dividendo prioritário das ações preferenciais consumir todo o lucro a ser distribuído, as ações ordinárias nada perceberão” (Tavares Borba, 2003, p.231). O dividendo fixo se diferencia do mínimo visto que o acionista não participará dos lucros remanescentes após a distribuição do montante a ele correspondente. No caso do dividendo mínimo, caso o lucro comporte a distribuição de um dividendo superior ao por ele estabelecido, permite ao acionista titular de ações preferenciais participar em igualdade de condições com o acionista ordinarista na distribuição do restante do lucro. Sendo definidas como prioritárias, essas duas categorias de dividendos requerem, então, a definição de regras precisas que permitam sua quantificação prévia, seja, por exemplo, enquanto um percentual do capital social, do patrimônio líquido, ou do valor nominal da ação definido em estatuto, ou, ainda, um valor nominal especificado. 94 Esse foi, por exemplo, o entendimento de Tavares Borba (2003, p.224) 131 No entanto, nos anos posteriores a promulgação da Lei 6.404/76, foi possível verificar nos estatutos das companhias uma ausência de regras claras e precisas para a distribuição dos dividendos prioritários aos acionistas preferencialistas, impedindo a garantia efetiva das vantagens a eles prevista em lei95. Ademais, foi possível observar que com o intuito de inviabilizar a distribuição de dividendos prioritários aos acionistas, as companhias praticaram uma série de abusos, como considerar como vantagem das ações preferenciais a mera prioridade temporal de recebimento de dividendos com relação às ordinárias, ou considerar como dividendo fixo ou mínimo determinado percentual do lucro do exercício - o que, como vimos, impede uma determinação prévia do seu valor (Eizirik, 1997). As brechas deixadas pela lei contribuíram, em grande medida, para que, na prática, os dividendos não viessem a se caracterizar como um atrativo efetivo no mercado de capitais brasileiro. Verificou-se, assim, que os resultados auferidos por esses títulos consistiam-se basicamente dos ganhos de capital, resultantes das operações de compra e venda em mercado, em especial, proporcionado pelos títulos que possuíam liquidez. Somente em 1997, portanto, mais de vinte (20) anos depois, com a promulgação da Lei no 9.457, que a Lei no 6.404 recebeu nova redação nesse tópico, estabelecendo, em adição às vantagens opcionais existentes, uma vantagem compulsória que se aplicava às ações preferenciais que não contassem com dividendo mínimo ou fixo que consistiu: “no direito a dividendos no mínimo 10% (dez por cento) maiores do que os atribuídos às ações ordinárias”. Por meio desse dispositivo, a Lei das S.A. logrou por determinar algum tipo de vantagem econômica das ações preferenciais frente às ordinárias. Tendo sido as vantagens econômicas atribuídas às ações preferenciais uma compensação pela supressão do seu direito de voto, entende a Lei no 6.404, e já o sustentava o Decreto-Lei no 2.627/40, que, no caso de não pagamento dos dividendos a que fazem jus, as ações preferenciais readquirem, temporariamente, o direito que lhes foi suprimido. Dessa forma, dispõe o art. 111, parágrafo primeiro, da Lei das S. A.: 95 Como exemplifica Tavares Borba, isto ocorria, por exemplo, com o Banco do Brasil S.A., cujo estatuto fazia menção a prioridade na distribuição de dividendos as ações preferenciais, mas não definia nenhum tipo de regra por meio da que ele pudesse ser calculado (Tavares Borba, 2003, p.234 ). 132 “As ações preferenciais sem direito a voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso” (Grifo nosso). Veja-se, porém, que, apesar da importância desse dispositivo, é necessário que o estatuto defina com precisão as vantagens das ações preferenciais, visto que somente no caso de essas estarem estabelecidas de forma expressa e precisa, na forma de dividendos mínimos ou fixos, poderão os acionistas gozar dessa prerrogativa. Uma prática encontrada nas companhias, visando a contrariar os objetivos estabelecidos na Lei das S. A., foi o pagamento de dividendos não cumulativos apenas no exercício em que os titulares de tais ações estariam na iminência de adquirir o direito de voto. Adicionalmente, a Lei no 6.404/76 prevê que somente os acionistas titulares das ações preferenciais podem alterar os seus próprios direitos, e as alterações devem ser aprovadas pelos titulares de mais da metade das ações preferenciais ou de uma respectiva classe, se forem as modificações relativas somente a uma classe (arts. 121 e 130). A Lei no 6.404/76 prevê, também, o direito de retirada aos acionistas minoritários que tenham discordado de decisões tomadas pela companhia relativas a alterações nas preferências ou vantagens das ações preferenciais (art. 137). O direito de retirada será objeto de análise mais adiante. 6.3.3.d) Ampliação do direito de preferência O direito de preferência constitui da prerrogativa atribuída aos acionistas da companhia no caso de aumento de capital, de subscreverem prioritariamente as ações da companhia na proporção de sua participação no capital da empresa, de acordo com o tipo ou classe de que 133 são titulares96. O direito de preferência visa a impedir a diluição da participação dos acionistas minoritários mediante aumento do capital da companhia. A Lei das S.A. de 1976 ampliou o direito de preferência, que de acordo com o Decreto –Lei no 2.627/40 era exercido somente no caso de emissão de ações, também para as partes beneficiárias97, as debêntures conversíveis em ações e os bônus de subscrição98. A Lei das S. A. de 1976 ao estender esse direito aos valores emitidos pela companhia acima citados visou a impedir que a emissão desses instrumentos também pudesse ser utilizada como instrumento de diluição da participação dos acionistas. O preço da emissão também pode ser motivo de diluição da participação dos acionistas minoritários. O art. 170 da Lei no 6.404/76 objetivando impedir a diluição injustificada da participação dos antigos acionistas previu como critérios possíveis de fixação do preço de emissão: cotação das ações no mercado, valor de patrimônio líquido e as perspectivas de rentabilidade da companhia. 6.3.3.e) Incremento nas situações que dão direito de retirada ao acionista O direito de retirada, na definição de Eizirik, constitui em: “direito que o acionista tem de, ao discordar de certas deliberações da Assembléia Geral, nos casos previstos em lei, retirar-se da Sociedade mediante o reembolso do valor de suas ações” (Eizirik, 1997, p.61). Nesses casos, é obrigação da companhia pagar aos acionistas dissidentes o valor de suas ações. 96 No caso de subscrição pública, após o ato da companhia no qual se decide aumentar o capital e o registro da emissão no órgão regulador, os acionistas exercem seu direito de preferência. As sobras, ou seja, o montante não absorvido pelos atuais acionistas, poderão ser rateadas entre os próprios acionistas, vendidas em Bolsa, ou direcionadas à subscrição pública por meio das instituições integrantes do sistema de distribuição. 97 Partes beneficiárias são títulos negociáveis, estranhos ao capital social, sem valor nominal e que conferem aos seus titulares o direito de participação nos lucros anuais da companhia até o limite de 10%. Além disso, são conversíveis em ações. 98 Bônus de subscrição representam o direito de subscrever certo número de ações a um determinado preço, durante um determinado período, no caso de aumento de capital da companhia. 134 O Decreto-Lei no 2.627, de 1940, já previa o regime de recesso. Dentre os motivos que ensejavam esse direito, a lei anterior já especificava: criação de ações preferenciais, alterações nas preferências ou vantagens das ações preferenciais, criação de novas classes de preferenciais mais favorecidas, mudança de objeto essencial da sociedade, incorporação da sociedade em outra, ou sua fusão, e cessação do estado de liquidação, mediante a reposição da sociedade em sua vida normal (arts 107 e 150). A novidade apresentada pela Lei no 6.404/76, nesse aspecto, foi estender esse direito a outras alterações que viessem a ser promovidas pela companhia. No regime dessa lei, passaram, então, a possuir também a prerrogativa ao direito de recesso os acionistas dissidentes das empresas que houvessem promovido as seguintes alterações em seus estatutos: aumento de classe existente de ações preferenciais, sem guardar proporção com as anteriores (art. 136); alteração do dividendo obrigatório (art. 202); cisão da companhia (art. 230); dissolução da companhia deliberada em assembléia geral (art. 206); participação da companhia em grupo de sociedades (arts. 265 e 270); desapropriação de ações de controle da companhia (art. 236); aquisição por sociedade aberta do controle de sociedade mercantil, quando a transação importar em investimento relevante (art. 256); e incorporação de todas as ações para sua constituição em subsidiária integral de outra companhia (art. 252). Entende-se que não se pode condenar o acionista a permanecer em uma empresa que não atende mais aos seus interesses e por cujas modificações ou descaracterizações sofridas não se constitua mais, de fato, na empresa que anteriormente havia aderido99. Refere-se, portanto, a um instrumento de proteção aos acionistas não-controladores, conforme esclarece Carvalhosa (1997): “Trata-se, com efeito, de corretivo do princípio majoritário, no sentido de que, à frente de algumas modificações mais importantes do estatuto social, a lei protege o acionista individual que se considere prejudicado por tais modificações. Dá-se lhe o direito de liquidar sua parte no capital social, sem necessidade de, para tanto, encontrar comprador para ceder as respectivas ações” (Carvalhosa, 1997, p.742). 99 O motivo que enseja a atribuição ao direito de recesso em benefício do acionista dissidente pelo legislador pode ser bem exemplificado quando observados os casos de fusão e incorporação. No caso da fusão, que se constitui em operação na qual se unem uma ou mais companhias para formar uma nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações (art. 228), desaparecem as companhias que foram inicialmente envolvidas na operação, cabendo aos seus acionistas direito de recesso. No caso da incorporação que se constitui em operação mediante a qual uma ou mais sociedades são absorvidas por uma outra, que lhe sucede em todos os direitos e obrigações (art. 227), tem-se que a companhia incorporada é extinta, cabendo, então, aos seus acionistas o direito de recesso. 135 O entendimento implícito da atribuição da prerrogativa do recesso parece ser, portanto, de que se tornaria necessário assegurar a possibilidade de saída do investimento quando os acionistas não tivessem como se desfazer dessas ações no mercado. Dessa forma, tais prerrogativas visavam a atender, em especial, os casos dos acionistas titulares de ações com baixa liquidez100. De acordo com a Lei das S.A., o direito de recesso implica, então, o reembolso que se constitui em operação mediante a qual a companhia paga aos acionistas dissidentes o valor das suas ações. Esse valor, de acordo com o disposto no art. 45, não pode ser inferior ao valor de patrimônio líquido das ações. Posteriormente, a Lei no 9.457, de 1997, alterou a Lei no 6.404/76 estabelecendo que o valor do reembolso pode ser inferior ao valor de patrimônio líquido das ações se estipulado com base no valor econômico da companhia (fluxo futuro de caixa), a ser apurado em avaliação. 6.3.3.f) A instituição da Oferta Pública no caso de alienação de controle A Lei das S.A. de 1976 introduziu, conforme disposto nos arts. 254 e 255, a obrigatoriedade de que o adquirente do controle acionário de companhia aberta promovesse oferta pública de aquisição de ações dirigida aos acionistas minoritários, ao mesmo preço pago ao alienante do controle. Além disso, previu que tal operação deveria ser submetida à autorização da CVM. Com base nas determinações da Lei das S.A. a CVM passa, então, a fazer o acompanhamento das operações de alienação de controle das companhias e das ofertas públicas correspondentes, visando a garantir que as companhias sigam o previsto na lei. Ao longo do período 1981-1985 chegaram a ser analisados pela CVM em torno de 64 casos de alienação de controle101. 100 Tal entendimento ficou claramente expresso na Lei Societária quando das modificações introduzidas pela Lei no 9.457, de 1997. Essa Lei negou o direito de recesso, nos caso de fusão, incorporação e formação de grupo, ao titular de ações que: a) integrem índices gerais representativos de carteiras de ações admitidas à negociação em Bolsas de futuros; ou b) sejam emitidas por companhias nas quais mais da metade do total das ações emitidas encontre-se em circulação no mercado, subentendendo que, nesses casos, a liquidez proporcionada por essas ações possibilitaria a saída do acionista via mercado. 101 Ver Relatório Anual CVM – 1982 e 1985. 136 O fundamento desse instrumento foi eliminar os abusos constatados nos processos de transferências de controle de bancos, ocorridas ao final dos anos 60, nos quais o acionista controlador havia sido beneficiado por receber, pela venda do controle, um sobrepreço em muitas vezes superior ao valor de mercado das ações (Eizirick, 1997). O texto da lei teria suscitado controvérsia a respeito do alcance da expressão acionista minoritário, se estavam sendo contemplados todos os acionistas não controladores, os preferencialistas e ordinaristas, ou somente os minoritários titulares de ações ordinárias. Tal controvérsia foi esclarecida pela Resolução no 401, do CMN, de 22.12.76, que dispôs que o instituto em questão referia-se somente às ações com direito a voto. Existia um debate acerca de qual seria a justificativa econômica para estender o sobre preço relativo ao poder de controle aos acionistas minoritários. No entanto, é possível perceber que quanto mais pulverizado o capital da companhia mais evidente é a justificativa para a oferta pública, porque sob essas circunstâncias o controle pode ser adquirido pela compra gradual das ações em mercado, sem, portanto, a garantia do pagamento do prêmio de controle aos acionistas que tenham vendido suas ações. A oferta pública impediria que isso ocorresse ao determinar um preço único e dar condições a todos os acionistas detentores das ações em circulação de participarem. Vale ressaltar que o direito de recesso, ou “tag-along”, foi suprimido pela Lei no 9.457/97, com o objetivo de reduzir o custo das operações de aquisição de controle no contexto do programa de privatização dos anos 90. Esse instituto foi restaurado em 31/10/2001, pela Lei no 10.303, que restabeleceu o direito ao acionista minoritário detentor de ações ordinárias de vender suas ações sempre que ocorrer uma mudança de controle, e, determinou que este preço não devesse ser inferior a 80% do preço pago ao controlador. 137 6.3.3.g) Voto múltiplo Tendo em vista as dificuldades de monitorar por parte dos acionistas minoritários, já anteriormente analisadas, a lei pode prever mecanismos que facilitem e reduzam os custos envolvidos. No que se refere à participação, ou monitoramento, a ser exercido pelo acionista, a Lei das S.A. previu a possibilidade do voto múltiplo na eleição dos conselheiros aos acionistas que representem, no mínimo, um décimo do capital social com direito a voto. Sendo que, existindo ou não previsão no estatuto, esses acionistas podem requerer a adoção do processo de voto múltiplo, atribuindo-se a cada ação tantos votos quantos sejam os membros do Conselho, sendo reconhecido ao acionista o direito de cumular os votos num só candidato ou distribuí-los entre vários. Tal procedimento permite a concentração de votos dos acionistas minoritários em favor de um ou mais candidatos que possam vir a representar seus interesses. Nos caso em que o número de membros do Conselho de Administração seja inferior a cinco, foi facultado aos acionistas que representem 20%, no mínimo, do capital com direito a voto a eleição de um dos membros do Conselho. Ao não prever, nos dispositivos acima citados, a possibilidade de participação também dos acionistas preferencialistas, a Lei das S.A. de 1976 foi bastante restrita. Alterações nesse dispositivo só foram ocorrer em 2001. A Lei no 10.303, aprovada em 31/10/2001, alterou a Lei das Sociedades Anônimas, introduzindo, sob esse aspecto, mudanças na legislação mais avançadas, quais sejam: o direito de participação de um representante no Conselho de Administração das empresas eleitos por portadores de ações preferenciais que representam pelo menos 10% do capital, e de acionistas minoritários (ordinários e preferencialistas) que representem até 15% das ações. 6.3.3.h) A Criação do agente fiduciário e a flexibilização dos contratos Com relação às debêntures ocorrem grandes mudanças. Primeiramente, a Lei Societária cria a função do agente fiduciário dos debenturistas, que torna-se figura obrigatória no caso das emissões realizadas pelas companhias abertas a serem distribuídas ou admitidas à 138 negociação no mercado. A lei reconhece, assim, a necessidade de proteger os debenturistas, cuja capacidade de monitoramento é especialmente frágil, como já analisado na 1ª parte. A CVM, em 23.11.83, emitiu a Instrução no 28, que dispôs acerca do exercício da função de agente fiduciário dos debenturistas. Dentre as funções desse agente, destaca-se o papel de informar os debenturistas acerca da execução das obrigações assumidas pela companhia, dos bens garantidores das debêntures etc. O papel do agente fiduciário pode, no entanto, ir bem além incluindo, por exemplo, manter em custódia bens dados em garantia, efetuar os pagamentos de juros, amortização e resgate, como também, no caso de inadimplência, executar os bens dados em garantia ou requerer a falência da companhia. A Lei das S.A. promulgada em 1976 permitiu, também, uma maior flexibilização nas decisões relativas à emissão de debêntures e nas garantias associadas a esses títulos. Em especial, a lei permitiu que as debêntures pudessem ter garantia móvel ou não ter garantia, além das garantias reais já anteriormente previstas102. No que se refere à assembléia de debenturistas, já era um instituto existente na lei anterior, mas passa a poder ser convocada pelo agente fiduciário, pela companhia emissora, por debenturistas que representem 10%, no mínimo, dos títulos em circulação, e pela CVM. Anteriormente, os debenturistas tinham como proteção apenas a realização eventual de assembléia de debenturistas, o que era ineficaz, pois, em geral, somente ocorria quando a companhia emissora tinha interesse em modificar as condições das debêntures em circulação ou estava inadimplente. 102 As debêntures com garantia real são aquelas asseguradas por hipoteca, penhor etc., podendo ser gravados bens da própria companhia emissora ou de terceiros. As garantias móveis ou flutuantes asseguram um privilégio geral sobre o ativo da companhia, possuem, assim, preferência sobre quaisquer outros títulos de dívida, mas não impedem negociações envolvendo os bens que compõem esse ativo e, por isso, são flutuantes. As debêntures subordinadas são as debêntures resgatáveis (em caso de liquidação) depois de pagos os outros credores, somente possuem preferência sobre o ativo remanescente da companhia em relação aos acionistas da companhia. As debêntures sem preferência ou quirografárias concorrem em igualdade, no caso de liquidação com os créditos desprovidos de qualquer privilégio. 139 6.3.4 – Como fica o acionista minoritário depois da Lei no 6.404/76? Analisando os aspectos discutidos nos itens de “a)” a “h)” pode-se concluir que em se tratando de proteção ao investidor, a Lei das S.A., promulgada em 1976, trouxe como aspectos positivos importantes a introdução do instituto do dividendo obrigatório, a introdução da oferta pública no caso de alienação de controle, a ampliação dos fatores que proporcionam direito de retirada por parte do acionista dissidente, a ampliação do exercício do direito de preferência e, ainda, a introdução do agente fiduciário. Expande-se, dessa forma, o elenco de instrumentos e dispositivos legais que podem ser acionados pelos acionistas e pela CVM em sua atividade de acompanhamento, fiscalização e punição das irregularidades cometidas. Alguns desses dispositivos exigiram do órgão regulador a implementação de novas rotinas de monitoramento, como o acompanhamento das ofertas públicas decorrentes de alienação de controle. Também a Lei Societária exigiu da CVM esforços normativos adicionais que se evidenciaram, por exemplo, na regulamentação das atividades do agente fiduciário. Contudo, a Lei no 6.404/76 não se demonstrou de todo coerente. Os efeitos propiciados pela lei foram fortemente determinados pelo fato de a carta legal ter facultado a ampliação da participação das ações preferenciais no capital das empresas, reforçando o modelo com base no princípio da vantagem econômica concedida aos preferencialistas, como contrapartida a perda do direito de voto. Com relação a esse modelo, vale dizer, primeiramente que, apesar das críticas, ao que tudo indica, ele não chegou a ser realmente implementado, e, por conseguinte, também não foi testado. Isto porque as vantagens econômicas prometidas aos titulares de ações preferenciais não se efetivaram, contribuindo para isso a imprecisão da lei, como já analisado. A garantia de uma vantagem efetiva aos preferencialistas na forma de dividendos, que fossem previamente determinados e prioritariamente distribuídos, poderia ter exercido um papel de estimular a desconcentração dos negócios, normalmente restrito a um grupo reduzido de ações. As vantagens na forma de dividendos permitiria, ainda, atrair para o mercado o investidor com perfil menos especulativo. 140 Dessa forma, limitou-se as possíveis vantagens a serem oferecidas pelo modelo, restando algumas desvantagens. A Lei 6.404/76 facilitou, ao possibilitar o controle da companhia com a posse de uma parcela menor do capital total, a concentração do capital votante e, com isso, deixou os acionistas minoritários mais expostos ao abuso dos controladores. A lei teria, dessa forma, ampliado os desafios a serem enfrentados pela CVM. Não obstante tal exposição tivesse sido contrabalançada na lei, em alguma medida, com a introdução da figura do controlador, a previsão de seus deveres e atribuições, bem como, a exemplificação de abusos que por ele poderiam ser cometidos. No que se refere aos dispositivos previstos na lei que viabilizariam uma maior participação nas decisões por parte dos acionistas minoritários, ficaram limitados aos minoritários ordinaristas, deixando, portanto, de fora os preferencialistas, que, em geral, representam a maior parte dos acionistas minoritários das companhias. É necessário, porém, dizer que a lei refletiu, na verdade, a contradição que encerra o desenvolvimento desses mercados em países onde se constata forte concentração da propriedade do capital. 6.4 - A Segunda Fase das Reformas – O Papel dos Investidores Institucionais As reformas ocorridas no âmbito do mercado de valores mobiliários podem ser subdivididas em duas fases. A primeira fase constituída de aspectos mais estruturais tem como principais alicerces a Lei no 6.385, que determinou a criação da CVM, e, a Lei no 6.404, que consolidou uma nova sistemática de funcionamento das sociedades anônimas, e, em especial, das companhias abertas, como analisamos acima. Em tese, esse esforço teve como objetivo, fundamentalmente, promover instrumentos que permitissem uma maior proteção do acionista, no que se refere aos seus direitos patrimoniais, de monitoramento, de obter informações, de retirada, de exercício de preferência etc. Uma segunda fase da reforma consistira em medidas que visavam a garantir, diretamente, a expansão do mercado de valores mobiliários, atraindo um maior volume de recursos 141 aplicados em valores mobiliários. Destacam-se, nesse sentido, principalmente, as medidas tomadas relativas aos investidores institucionais. Dessa forma, em 1977, a Lei no 6.435 regulamentou a atividade das Entidades Fechadas de Abertas de Previdência Privada (EFPP e EAPP). Concomitantemente, a CVM coordenou grupo de trabalho responsável pela determinação do regime de diversificação das aplicações das reservas técnicas dessas Entidades, que resultou na elaboração da Resolução no 460/78, do CMN. Esta Resolução estabeleceu que deveria ser canalizados para o mercado de valores mobiliários parcela significativa dos recursos que estivessem assim disponíveis. Dado o porte das instituições de previdência fechadas e o crescimento acelerado de suas reservas, já em 1980, primeiro ano que se dispôs de dados consolidados para esse segmento, assumiram a posição de segundo investidor institucional mais importante nesse mercado. Sua carteira de ações e debêntures perdia somente para os fundos – 157. Em 1982, o valor de sua carteira em ações e debêntures ultrapassa a carteira desses fundos, assumindo, então, o primeiro lugar do ranking (ver Tabela I). Além disso, o Decreto-Lei no 79.459, de 30.03.77, criou o Fundo de Participação Social, que consiste numa sub-conta do Fundo de Participação – PIS-PASEP e teve como objetivo proporcionar aos trabalhadores participação nos resultados das empresas. Suas aplicações consistiam, preferencialmente, em ações e debêntures emitidas por companhias abertas controladas por capital nacional, que deveriam representar no mínimo 60% do patrimônio do fundo. Na prática investiram quase a totalidade de sua carteira em ações e debêntures. Já os Fundos Mútuos de Investimento gozaram de vantagens fiscais. Os rendimentos auferidos pelos fundos não sofriam tributação. Ao final de 1982 essa situação foi parcialmente alterada, quando se determinou a incidência de imposto de renda na fonte para os rendimentos dos fundos exceto, porém, para os obtidos no mercado monetário e os provenientes das aplicações em ações e debêntures. O intuito foi, dessa forma, estimular os administradores dos fundos a aplicarem nesses ativos. Em 1984, foram criadas as categorias de Fundos de Ações e Fundos de Renda Fixa permitindo uma maior flexibilidade na composição das carteiras, e por meio do Comunicado CVM/Bacen no 16 possibilitou-se que os fundos mútuos de investimento e as entidades 142 fechadas de previdência privada operassem tanto na compra vendedora quanto compradora no mercado de derivativos, desde que cobertos. No que se refere aos investidores dos fundos-157, ao final da década de 70, como já discutido anteriormente, apontaram-se vários problemas que, do ponto de vista do investidor, haviam persistido desde a implementação do sistema, notadamente, a não obrigatoriedade de distribuir rendimentos aos cotistas, bem como a deficiência das informações que a eles eram prestadas pelos administradores dos fundos. Um outro ponto levantado à época, foi que dentre as empresas que haviam recebido a categoria de empresas abertas várias se constituíam, na verdade, em empresas “pseudoabertas” porque, tendo aberto seu capital com vistas unicamente a usufruir do sistema de incentivos fiscais, não tinham, na verdade, o intuito de atuar enquanto tal. Tal problema agravara-se com o fato de que era significativo o número das empresas que, anteriormente registradas no Banco Central como SACAs, haviam sido transferidas para a jurisdição da CVM, após a sua criação. Procurando responder a essas dificuldades, a Resolução no 470/78, do CMN, dentre outros dispositivos, determinou: - que os fundos deveriam fixar política de distribuição de rendimentos em dinheiro a seus cotistas oriundos dos rendimentos auferidos pelos fundos sob a forma de dividendos ou de bonificações em dinheiro e de juros de debêntures conversíveis em ações e aplicações; - que os fundos deveriam prestar informações semestrais aos cotistas acerca do número e valor de cotas possuídas, rentabilidade, cotas livres para resgate e prazos para resgate, além de relatórios anuais, constando informações acerca da carteira e rentabilidade do fundo, taxa de administração etc; - que os fundos deveriam seguir novos critérios de diversificação que reduzem os percentuais máximos de concentração da carteira em valores de emissão de uma só companhia (de 5% para 4%) e de participação no capital das companhias (de 20% para 10%); 143 - que a absorção de sobras de ofertas públicas de emissões de valores mobiliários por um fundo individualmente ou pelo grupo de fundos participantes deveriam responder a determinados limites103; - a flexibilização das regras especificadas no item anterior para os dois primeiros lançamentos de empresas com pouca liquidez e com mais de 90% das ações em poder do acionista controlador. O aumento das exigências de diversificação, além de visar a reduzir o risco da carteira dos fundos, pretendia estimular os fundos a investirem em valores emitidos por companhias que não tivessem ainda aplicações significativas. Com as novas regras de diversificação e a flexibilização das regras para absorção de sobras, previstas no último item acima citado, o regulador tinha a intenção de estimular as empresas com capital mais concentrado – as pseudo-abertas, a promoverem emissões públicas, tendo os fundos como indutores do processo de pulverização do capital dessas companhias. Não houve, no entanto, tempo hábil para que esse conjunto de mudanças pudesse repercutir significativamente no funcionamento do sistema, e que para novos ajustes necessários pudessem ser feitos. Já a partir de 1980, a regulamentação dos fundos – 157 sofreu, no âmbito de uma política de governo que optou pelo fim dos incentivos fiscais, novas mudanças, primeiramente pela redução nas alíquotas de dedução do imposto de renda, e, portanto, redução do valor disponível para aplicação nos fundos104. Tais efeitos sobre os recursos disponíveis do sistema chegaram a ser abrandados pela legislação, por meio do aumento do prazo de resgate dos recursos aplicados nos fundos. Mas, em 1981, as alíquotas sofreram nova redução, e, posteriormente, determinou-se que abril de 1984 seria o prazo limite para aporte de novos recursos ao sistema. Por fim, a Resolução no 1.023/85, do CMN, 103 Tal medida visava, também, a reduzir a concentração das operações de subscrição de ações e debêntures em um número reduzido de instituições que utilizavam os fundos de investimento 157 por elas administrados, como subscritores das sobras não absorvidas pelo mercado. Disso derivava ao menos três conseqüências. Primeiro, tornava-se desnecessária a realização de esforços de venda e de colocação desses títulos que fossem mais eficazes e agressivos por parte dessas instituições, impedindo uma maior expansão do mercado, e contribuindo para a pequena participação do investidor pessoa física nas emissões primárias (Nota:citar dados). Em segundo lugar, impedia a desconcentração do mercado de underwriting – dominado pelas instituições associadas aos conglomerados financeiros, visto que usufruíam de vantagem sobre as instituições independentes, porque cobravam taxa de garantia e colocação, mas o risco inerente ficava, na verdade, por conta dos fundos que administravam. Por último, as empresas emissoras eram oneradas porque estavam pagando por um serviço efetivamente não prestado pelas instituições contratadas (CVM, 1979). 104 De 1975 a 1979 vigorou para determinação da alíquota de dedução do imposto de renda na forma desses incentivos fiscais o Decreto-Lei no 1.338, que determinava uma alíquota que variava de 10 a 24%, conforme o nível de renda bruta do contribuinte. Em 1980, o Decreto-Lei no 1.841 definiu um intervalo menor de 8% a 18% e, em 1981, o Decreto-Lei no 1.887 definiu uma alíquota mais baixa, variando de 0 a 12%. 144 determinou que os fundos-157 deveriam se transformar em fundos mútuos de investimento, ou serem incorporados a essas instituições. TABELA I - CARTEIRAS DE AÇÕES E DEBÊNTURES DOS INVESTIDORES INSTITUCIONAIS – 1980/84 (Em Cr$ bilhões) TIPOS DE INVESTIDOR VALOR 1980 EM % VALOR 1981 EM % VALOR 1982 EM % VALOR 1983 EM % VALOR 1984* EM % EFPP 37,4 33 91,2 38 238,9 43 1.259,4 45 2.926,5 45 Fundos Fiscais 54,3 48 104,9 44 213,2 38 827,7 29 1.712,7 26 Fundos Mútuos 4,1 3 6,4 3 26,7 5 404,0 14 1.004,5 16 Cias. Seguradoras 12,2 11 22,5 9 44,8 8 130,8 5 324,5 5 FPS 4,4 4 9,6 5 23,6 4 155,6 6 411,3 6 EAPP ND - ND - 4,4 1 27,7 1 54,3 1 Soc. De Investimento 1,3 1 2,4 1 4,0 1 14,2 - 33,9 1 TOTAL 113,7 100 236,9 100 555,6 100 2.819,4 100 6.467,7 100 * Posição em 30.9.84 EFPP - Entidades Fechadas de Previdência Privada EAPP – Entidades Abertas de Previdência Privada FPS - Fundo de Participação Social FONTE: Comissão de Valores Mobiliários- CVM – Relatório Anual - 1984 Apesar das modificações na composição da participação dos diferentes tipos de investidores institucionais, em seu conjunto, não parecem ter atraído um maior volume de recursos para aplicações em valores mobiliários. Ao que tudo indica se efetuou um efeito substituição, no qual o crescimento, que decorreria dos recursos novos provenientes principalmente das aplicações das Entidades Fechadas de Previdência Privada, foi compensado, num primeiro momento, pela redução dos recursos novos provenientes dos incentivos fiscais. Num segundo momento, com a extinção dos fundos 157, o aumento das aplicações das EFPP foi compensado pelo próprio decréscimo da carteira desses fundos (a esta altura já incorporada a carteira dos fundos mútuos) à medida que os investidores efetuavam seus resgates. 145 Capítulo 7 – O Comportamento do Mercado de Capitais - 1978-86 7.1 – O Comportamento da Inflação e o Nível de Atividade Em 1977/80 a economia caracterizou-se por taxas de crescimento positivas, porém, bem mais modestas do que as apresentadas no período do Milagre Econômico (1968/73). A inflação, medida pelo IGP-DI, da FGV, apresentou uma trajetória de crescimento acelerado, tendo dobrado de 1979 a 1980, após o choque do petróleo ao final de 1979. Durante o triênio 1981/83, devido, em grande medida, à política econômica de caráter recessivo, que visava ao controle da inflação e ao ajuste das contas externas, a economia vivenciou um processo recessivo, tendo decrescido 5,6 % em média ao ano. A política ortodoxa logrou obter o equilíbrio da contas externas, mas não conseguiu controlar o processo inflacionário. A inflação manteve-se elevada, ainda que estável, em torno de 100% ao ano em 1980, 1981 e 1982. Contudo, em 1983, retomou uma trajetória de aceleração, atingindo 211 %. O quadro recessivo se reverteu a partir de 1984 quando se delineou uma fase de recuperação do nível de atividade. O produto industrial cresceu 6,1%, em 1984 e 8,3%, em 1985, e atinge aproximadamente 11%, em 1986. A inflação, porém, continuou crescente, apresentando-se em torno de 224% e 235%, nos anos de 1984 e 1985, respectivamente. 7.2 – O Mercado Primário Conforme já mencionado, nos anos 70 era constante a ocorrência de emissões irregulares de valores mobiliários. Assim, a CVM assumiu suas atividades num contexto em que empresas que não possuíam o registro de companhias abertas, e/ou que não procediam ao registro de suas emissões, negociavam publicamente os valores mobiliários por elas emitidos. Ao que tudo indica, tal situação teria sido propiciada por uma atuação insuficiente do Banco Central no combate a essas irregularidades, somada a atuação no mercado de capitais de empresas 146 que teriam se beneficiado dos recursos provenientes dos fundos voltados ao desenvolvimento regional – FINAM e FINOR105, oriundos de incentivos fiscais. Diante desse quadro, a CVM direcionou grande parte de seus esforços no sentido de combater e punir tais atividades, fazendo cumprir o determinado na Instrução no 13/80, já analisada no Capítulo 6. De acordo com a opinião de profissionais que atuavam no mercado naquele período, a atuação da CVM teria sido bem sucedida, permitindo a ordenação desse mercado106. Nessa direção, também ressaltou Scinio (1998): “A CVM funciona, pois, no mercado secundário ou terciário, como agente controlador, tentando evitar a repetição do boom vivido pelas Bolsas de Valores no final de 1970 e princípio de 1971 e no policiamento do mercado primário, impedindo que se repitam os fracassos tantas vezes verificados no passado, quando os incorporadores, os idealizadores das sociedades anônimas, apresentavam projetos faraônicos, de viabilidade apenas aparente, faziam o lançamento de ações, recebiam as entradas e às vezes mais, e não se complementava sequer o processo de criação pela inviabilidade total da implementação do mesmo” (Scinio, 1998, p.29). Com efeito, as estatísticas de inquéritos instaurados pela CVM permitiram constatar, nitidamente, uma redução desses problemas a partir do final dos anos 80. De 1979 a 1986 foram cerca 73 inquéritos administrativos instaurados pela CVM envolvendo a apuração de irregularidades na colocação pública de ações e debêntures 107 . Nos dez anos seguintes de 1986 a 1997, o número de inquéritos instaurados envolvendo esse tipo de irregularidade caiu para 23. 105 FINAM – Fundos de Investimento da Amazônia e FINOR – Fundos de Investimento do Nordeste. Assim, afirmou Marco Albino, que atuou como profissional de mercado nos anos 70 e 80, em entrevista concedida em 10.01.2006 107 De 1980 até junho de 1987, os inquéritos instaurados resultaram no indiciamento de 744 pessoas das quais 679 receberam punições na forma de advertência, multas e inabilitação. Ver Eizirick, 1992, p.22. 106 147 Tabela II - Número de Inquéritos Instaurados e Julgados pela CVM Envolvendo Irregularidades Relacionadas com Emissões Públicas 1970-2005 Número de Inquéritos Instaurados 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Total 1 10 26 14 17 1 3 1 4 5 2 3 2 3 3 1 0 0 2 0 1 0 0 1 4 1 7 112 Número de Inquéritos Julgados 0 2 12 13 13 12 11 0 2 3 3 0 1 0 0 5 3 1 1 1 0 0 1 0 1 1 0 93 Fonte: Coordenação de Controle de Processos – CCP - CVM Obs: a partir de 2002 estão sendo considerados também os Termos de Acusação No que diz respeito ao volume de emissões de ações e debêntures registradas regularmente no órgão regulador, no período compreendido entre 1979 e 1986, foi possível verificar pelo menos três fases: de recuperação de 1979 a 1981, de decréscimo de 1982 a 1983 e de expansão de 1984 a 1986. 148 Os anos de 1979 a 1981 caracterizaram um período mais favorável para o mercado primário, comparativamente ao período pós Boom das Bolsas, ocorrido em 1971. O processo de abertura de capital, que teve desempenho insignificante nos anos de 1978 e 1979, se acelerou a partir de 1980. Foram concedidos 41 novos registros de companhias abertas em 1980, 67 em 1981, e 86 em 1982. O número total de empresas que efetuaram emissões, incluindo as que realizaram sua primeira emissão, também demonstrou uma trajetória de expansão, apresentando um incremento de 74 empresas em 1979 para 338 empresas no ano de 1982 (ver Anexo - Tabela 2). 7.2.a) O segmento de debêntures Ao comparar as variações do valor nominal das emissões de ações e debêntures registradas na CVM em relação ao comportamento do nível de preços no período decorrido entre 1979 e 1981, medido pelo IGP-DI, constatou-se crescimento em termos reais, como podemos observar no Gráfico II a seguir. Gráfico I - Emissões Registradas de Ações e Debêntures e Inflação 500,00 Variações % 400,00 Variação Nominal de Emissões de Ações e Debentures % 300,00 200,00 Inflação IGP-DI (variação Anual %) 100,00 87 86 19 85 19 84 19 83 19 82 19 81 19 19 19 19 79 -100,00 80 0,00 Ano Fonte: Dados de emissões: Relatório Anual da CVM, vários números; inflação: Fundação Getúlio Vargas. Obs: para valores ver Anexo – Tabela 2 149 Contudo, cumpre destacar que o cenário positivo nessa primeira fase foi puxado, basicamente, pelo segmento de debêntures, que cresceu de forma significativa no período 79/81, em especial em 1981, conforme podemos verificar nos Gráficos II e III a seguir. Gráfico II - Emissões de Debêntures e Inflação 1.200,00 Variações % 1.000,00 Variação Nominal de Emissões Registradas de debêntures Inflação IGP-DI (Variação Anual) 800,00 600,00 400,00 200,00 86 87 19 19 85 84 19 19 83 19 82 19 81 19 80 19 19 (200,00) 79 - Ano Fonte: Dados de emissões: Relatório Anual da CVM, vários números; inflação: Fundação Getúlio Vargas. Obs: para valores ver Anexo – Tabela 2 Gráfico III - Emissões de Ações e Inflação 700,00 Variações % 600,00 Variação Nominal de Emissões Registradas de Ações Inflação IGP-DI (Variação Anual) 500,00 400,00 300,00 200,00 100,00 (100,00) 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 Ano Fonte: Dados de emissões: Relatório Anual da CVM, vários números; inflação: Fundação Getúlio Vargas. Obs: para valores ver Anexo – Tabela 2 150 Em decorrência do acima exposto, considerando o valor total das emissões registradas em 1981 na CVM, há um salto da participação do valor registrado relativo às debêntures em comparação à participação dos valores relativos às emissões de ações. As emissões de ações, que eram ao longo da década de 70 majoritárias, reduziram no período em questão, drasticamente, a sua participação. Tal quadro, contudo, como se pode verificar na Tabela III a seguir se reverte totalmente a partir de 1984. TABELA III – PARTICIPAÇÃO DE AÇÕES E DEBÊNTURES NO VALOR DAS EMISSÕES REGISTRADAS (%) % DEBÊNTURES/TOTAL % EMISSÕES AÇÕES/TOTAL EMISSÕES 1980 28 72 1981 86 14 1982 79 21 1983 74 26 1984 36 64 1985 16 84 1986 10 90 ANO Fonte: Relatório Anual da CVM Obs: para valores ver Anexo - Tabela 2 O crescimento absoluto e relativo do segmento de debêntures também pode ser verificado a partir dos números de empresas que participaram das emissões. Dentre as 194 empresas que abriram seu capital no período 1980/82, cerca de 70 %, ou seja, 138 empresas, o fizeram mediante emissão de debêntures. Considerando as 721 empresas que efetuaram registro de emissão na CVM ao longo do período de 1980 a 1982, 444, ou seja, cerca de 62%, efetuaram emissões de debêntures. Em resultado do predomínio das emissões de debêntures, verificou-se que, de 1981 a 1985, a grande maioria dos novos registros de companhia aberta visou à negociação em mercado de balcão, mas o mercado de balcão também foi a opção em alguns casos de empresas que abriram seu capital por meio de emissão de ações. O crescimento do mercado de balcão foi motivo de preocupação por parte do órgão regulador, tendo em vista que as negociações nesse mercado não ofereciam visibilidade e padrões de transparência adequados. Soma-se a isso o fato de que os registros de companhia 151 aptas a negociar no mercado de balcão eram os que, em geral, apresentavam maiores problemas no que se refere à atualização das informações. Visando enfrentar essa situação, a CVM expediu a Instrução no 42, de 28.01.85, determinando às sociedades integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários o arquivamento de informações acerca de cada operação realizada no âmbito do mercado de balcão. Dessa forma, deveriam ficar à disposição da CVM, sendo também obrigatório o envio semanal de informações consolidadas sobre essas operações. A partir daí também foram crescentes os esforços do órgão regulador no sentido de oferecer condições para a formação de um mercado de balcão organizado para esses valores. Como já analisado, a Lei no 6.404/76 trouxe ao segmento de debêntures um número significativo de mudanças, seja nas modalidades possíveis de garantias a serem associadas a esses títulos, seja no aspecto concernente ao monitoramento, determinando a obrigatoriedade da figura do agente fiduciário. No entanto, não parece ser possível atribuir principalmente a essas modificações o crescimento obtido por esse segmento no período. A performance positiva do segmento de debêntures pode ser atribuída, em grande medida, a despeito do quadro recessivo que se delineava na economia, a um conjunto de medidas econômicas e financeiras implementadas nesse período. Tais medidas afetaram a rentabilidade e a liquidez dos investimentos em renda fixa e, em especial, dificultaram ou desestimularam o acesso das empresas a outras fontes de recursos, estimulando o segmento de debêntures. Em agosto de 1979 assumiu o Ministro Delfim Neto e o Governo adotou uma política de controle sobre o processo inflacionário, que vigorou até o final de 1980, com base no reforço do aparato institucional de controle direto sobre os preços, criando a SEAP (Secretaria Especial de Abastecimento e Preços). Com esse mesmo objetivo, o Governo decidiu reduzir o impacto da correção monetária por meio do expurgo do petróleo e derivados do IPCA (índice de preços ao atacado), então a base de cálculo para a correção monetária. Tal medida visava desinflar a circulação financeira indexada, reduzir as pressões sobre o giro da dívida pública - via redução dos rendimentos dos títulos públicos (ORTN e LTN) - e reduzir o efeito transmissor e propagador da correção monetária sobre o comportamento dos preços via taxas de juros nominais. 152 Dentre as medidas implementadas, que influíram sobremaneira no rendimento relativo dos ativos, destacaram-se: o expurgo do IPCA- índice de preços ao atacado, que reduziu a atratividade dos títulos pós-fixados; a elevação do prazo do CDB e o tabelamento das taxas de juros de captação das instituições financeiras, que diminuiu a competitividade dos títulos de renda fixa com correção pré-fixada – CDB e Letras de Câmbio, e a redução dos juros sobre as aplicações na caderneta de poupança. No âmbito do pacote de medidas fiscais adotado para área de transações externas o Governo promoveu uma maxidesvalorização do câmbio (que corrigiu o cruzeiro em 30% em relação ao dólar). O segundo choque do petróleo, a “inflação corretiva” derivada da promoção de reajustes nos preços e tarifas do setor público, somada ao efeito negativo sobre os preços decorrentes da maxidesvalorização e a redução do prazo de reajuste salarial de anual para semestral teriam promovido um efeito adverso sobre o nível de preços. Em 1980, com o objetivo de quebrar as expectativas inflacionárias, o Governo somou ao tabelamento dos juros, a prefixação da correção monetária (45%) e cambial (40%), que se mostrou rapidamente como sendo irrealista e estreitou ainda mais a rentabilidade relativa das aplicações em títulos de renda fixa. Mas, dentre as medidas, destacou-se, em especial, a limitação da expansão do crédito bancário em 45%. Diante do crédito interno limitado e do externo pouco atrativo, em termos de custos e risco, o mercado de debêntures revelou-se para as empresas como uma alternativa interessante. O tabelamento da correção cambial não teria sido suficiente para estimular os empresários a tomar recursos no exterior. Entendia-se que tal medida deveria durar somente por certo período, e novas maxidesvalorizações poderiam ocorrer, o que elevaria em muito o valor das dívidas contraídas em moeda estrangeira, as quais são, em geral, de longo prazo. Para os investidores de uma maneira geral, apesar de que as debêntures seriam corrigidas pela correção monetária pré-fixada, inexistiam alternativas que oferecessem maior rentabilidade. No que se refere aos bancos, limitados em suas outras formas de aplicação, encontraram nas debêntures uma forma de aplicação atrativa, e se revelaram como os investidores mais importantes nesse segmento no período. Já os Fundos de Pensão foram, também, grandes demandantes de debêntures, na medida em que se ajustavam às 153 determinações da Resolução no 460, do CMN. Esse conjunto de fatores explicava o crescimento respeitável do mercado de debêntures em 1979 e em 1980. Ao final de 1980 a inflação salta de 50% para 100% e o Governo decide por tomar medidas econômicas de cunho mais ortodoxo. Dessa forma, ocorre a liberação do tabelamento dos juros, extingue-se a prefixação da correção monetária e da correção cambial. Ainda assim, teve-se no relaxamento do controle exercido sobre os preços da economia uma expansão da margem de lucro das empresas, tornando mais atrativos os títulos por elas emitidos. Além disso, a permanência da limitação do controle sobre o volume de crédito interno, o realismo cambial e as altas taxas de juros praticadas no mercado externo, tornavam ainda mais interessante o lançamento de debêntures como forma de captar recursos. Em 1981 o volume total registrado de emissões de debêntures cresceu 898% em termos nominais, em contrapartida a uma inflação, medida pelo IGP-DI, de aproximadamente 95% no período. A partir de 1982, o mercado de debêntures sofreu os impactos negativos de uma série de medidas, que dificultaram sobremaneira o seu desenvolvimento e abrandaram as taxas de de crescimento do volume de emissões. Primeiro, em 1982, por meio das Resoluções de nos 755 e 756, do CMN, limitaram-se as aplicações dos bancos comerciais em debêntures. Depois, em 1983 por meio da Resolução no 794, do CMN, acabou-se com a compulsoriedade das aplicações em debêntures simples por parte da EFPP, estabelecendo um limite máximo para essas aplicações. Essa Resolução eliminou também o limite máximo para aplicação em ações e debêntures conversíveis em ações, com intuito claro de desestimular os investimentos em debêntures simples. Diante disso, em 1983, as debêntures conversíveis passaram a dominar o segmento de debêntures, consistindo em 75% do valor das emissões registradas no período, entretanto, não chegam a apresentar crescimento em termos reais no período analisado. Ainda no mesmo ano, dentre um conjunto de medidas que visavam aperfeiçoar os mecanismos de arrecadação tributária, o Decreto-Lei no 2.071, de 20.12.83, equiparou os deságios constantes nas operações com títulos aos juros auferidos nas transações financeiras. Passou-se, assim a tributar o deságio e qualquer rendimento pago, tais como os prêmios de repactuação e/ou continuidade, pelas mesmas alíquotas previstas para os juros. Essas últimas medidas tiveram um forte impacto sobre o mercado de debêntures, tendo sido, porém, em 154 parte abrandadas pela sistemática imposta pelo Decreto-Lei no 2.133, de 26.06.84. Por fim, em 1984, foi eliminado o controle quantitativo sobre o crédito. Pode-se concluir, então, que medidas econômicas e financeiras implementadas no período 1979/1980, diante das condições externas vigentes, promoveram um efeito positivo indireto sobre as emissões de debêntures, explicando, em grande medida, o crescimento verificado, enquanto que, posteriormente, medidas que repercutiram direta ou indiretamente sobre esse segmento acarretaram o arrefecimento do processo de crescimento anteriormente observado. As mudanças na legislação societária, já comentadas, podem ter se constituído, como um aspecto favorável, na fase de crescimento, mas, ao que tudo indica, não foram fator determinante. 7.2.b) O segmento de ações O mercado primário de ações acompanhou, em linhas gerais, as fases de recessão e de crescimento da economia. Em 1978 e 1979 as emissões de ações apresentaram um crescimento real inexpressivo, e sofreram, ainda, uma forte queda em 1981, refletindo, provavelmente, o quadro recessivo da economia e a redução da entrada de novos recursos no sistema 157, a partir da redução dos incentivos fiscais. O ano de 1982 demonstrou, apesar do quadro recessivo, recuperação das emissões de ações, mas esse crescimento, em termos reais, foi inexpressivo (ver Gráfico III). Ademais, este comportamento foi, em grande parte, explicado pelo crescimento significativo das emissões realizadas pelas instituições do setor financeiro no período 1982/83, relativamente aos demais tipos de empresa. Em 1981, as instituições bancárias eram responsáveis por cerca de 26% do total das emissões. Essa participação subiu para, aproximadamente, 45% em 1982, sendo ainda elevada em 1983, quando respondeu por cerca de 40%. Em 1994 essa participação cai para cerca de 21%, se aproximando da observada em 1981 (ver Tabela IV). 155 TABELA IV – VALOR DAS EMISSÕES DE AÇÕES POR TIPO DE EMPRESA EMISSORA (VALORES EM Cr$ MILHÕES) ANO Empresas Estrangeiras EMPRESAS NÃO FINANCEIRAS Empresas Estatais Empresas Privadas Intermediários Financeiros TOTAL 1978 Ações 2 Debêntures - Ações 306 Debêntures 450 Ações 4.561 Debêntures - Ações 3.186 Debêntures* - Ações 8.055 Debêntures 450 1979 - 320 971 - 8.103 1.663 6.068 - 15.142 1.983 1980 73 2.065 1.321 502 23.400 12.953 9.487 709 34.281 16.229 1981 - 12.292 6.875 13.845 13.277 105.133 6.956 30.759 27.108 162.029 1982 - 21.108 4.932 11.686 42.187 271.450 37.385 11.873 84.504 316.117 1983 - 16.310 - 15.860 87.057 339.024 57.552 32.825 144.609 404.019 1984 - 42.004 46.559 28.230 720.100 356.528 208.934 125.655 975.593 552.417 * Empresas de leasing FONTE: Relatório Anual – CVM, 1984. Em contraste com os anos de 1982 e 1983, o biênio 1984/85 foi, visivelmente, de recuperação e crescimento do mercado de capitais, sendo que, nessa fase, o crescimento se deveu ao comportamento do segmento de ações (ver Gráfico III). Dessa forma, acompanhando a recuperação do nível de atividade econômica, 1984 foi o primeiro ano, dentro do período analisado, no qual o valor registrado das emissões de ações apresentou crescimento real. Por conseguinte, revertendo a tendência da primeira fase do período, observa-se que as emissões de ações assumiram uma participação maior relativamente às debêntures no valor total de emissões registradas, atingindo 64% em 1984, e chegando a 90 % em 1986. No que tange ao mercado secundário de ações, o controle exercido sobre a liquidez da economia em 1984 teria sido um dos fatores que determinaram uma maior atratividade dos ativos de renda variável comparativamente aos ativos de renda fixa. Medidas como a elevação do prazo mínimo de aplicação em depósito a prazo de 90 para 180 dias, a dilatação do prazo para resgate das cotas dos Fundos de Renda Fixa de 10 para 30 dias e a elevação do IOF sobre operações financeiras com prazos inferiores a 30 dias reduziram a liquidez dessas aplicações, num contexto de incerteza, decorrente do momento de transição política. Assim, apesar da recuperação dos rendimentos das aplicações em renda fixa, devido à elevação dos juros e à instituição da correção monetária plena no segundo semestre do ano, observou-se uma performance positiva no mercado secundário de ações, com elevação do volume de negócios e das cotações. 156 O mercado primário de ações recebeu os estímulos do mercado secundário, visto que o aumento das cotações permitiu que as emissões pudessem ser realizadas a preços condizentes com o valor patrimonial das empresas. Por outro lado, a recuperação do nível de atividade, ao acarretar a expansão dos gastos com investimentos, aumentou a demanda por novos recursos por parte das empresas. Em 1985, porém, apesar do quadro positivo do mercado de Bolsa e do maior crescimento do produto da economia dos últimos anos, as emissões de ações apresentaram um crescimento real pouco expressivo, não tendo correspondido, assim, ao crescimento observado no ano anterior. O ano de 1986 foi um período atípico e semelhante, em vários aspectos, ao boom de 1971. O novo cenário econômico produzido a partir da implementação do Plano Cruzado trazia queda abrupta da inflação, o fim da correção monetária, perspectivas de estabilidade e de crescimento que delineavam um cenário positivo para a economia e estimulavam as aplicações em ações. A expansão das cotações foi, por sua vez, fator de estímulo ao mercado primário de ações. Tal cenário reverteu-se já no segundo semestre, com reflexos mais rápidos sobre o mercado secundário, como seria de se esperar, gerando certo descompasso com o mercado primário que ainda refletia as boas notícias da primeira metade do ano. Para o ano de 1986, verificou-se: crescimento de 70% no número de empresas que abriram seu capital (são 42 empresas comparadas com 25 no ano anterior), 150 empresas emitiram ações, o maior número apresentado no período analisado, e o valor total das emissões cresceu cerca de 360% em termos nominais, com uma inflação no período de 60%. Como tendência mais importante verificada nas emissões de ações no período decorrido entre os anos de 1981 e 1986, vale ressaltar a queda na participação das emissões registradas de ações ordinárias, relativamente às emissões de ações preferenciais. As ações ordinárias, que representavam 57% do valor das emissões de ações registradas em 1982, caíram, em 1986, para 19% (ver Tabela V). Esses números confirmam o interesse que se esperava despertar ao facultar a ampliação da participação das preferenciais no capital das empresas, a partir das modificações introduzidas na Lei Societária. Tal instrumento confirmou-se, assim, ao longo desse período, 157 como o instrumento principal por meio do qual as companhias puderam obter novos recursos no mercado primário de ações, sem promover alteração no controle da companhia. TABELA V - PARTICIPAÇÃO DE AÇÕES ORDINÁRIAS E PREFERENCIAIS NAS EMISSÕES REGISTRADAS – 1981 /1986 (%) ANO % ON %PN 1981 57 43 1982 48 52 1983 37 63 1984 26 74 1985 29 71 1986 19 81 Fonte: Relatório Anual da CVM Obs: para valores ver Anexo – Tabela 4 7.3 - Mercado Secundário de Ações Com relação aos negócios em Bolsa, comparando as variações do valor negociado de ações em termos nominais com o comportamento do nível de preços no período, medido pelo IGPDI, observa-se crescimento real somente a partir do ano de 1983 (ver Gráfico IV e Anexo – Tabela 7). 800,00 700,00 600,00 500,00 400,00 300,00 200,00 100,00 0,00 -100,00 Variação Nominal do Volume de Negociações de Ações Inflação - IGP-DI (Variação Anual) 19 79 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 Variações Anuais (%) Gráfico IV - Volume de Negociação de Ações nas Bolsas Brasileiras ANO Fonte: Dados de Volume de negócios: Relatório Anual da Comissão Nacional das Bolsas de Valores - CNBV, ano de 1989; Dados IGP-DI: FGV. Obs: para valores ver Anexo – Tabela 7 158 Analisando-se a relação entre o volume de negócios com ações e o PIB da economia observa-se queda no biênio 1981/82 e recuperação também somente a partir de 1983 (ver Anexo - Tabela 7). Como reflexo do esvaziamento do mercado secundário de ações, ao longo dos anos 70, observou-se uma trajetória de queda do número de empresas de capital aberto listadas nas Bolsas brasileiras, que de 604, em 1974, cai para 553 em 1977. Essa trajetória de queda reverte-se em 1978/80, provavelmente devido às exigências da CVM de registro em Bolsa para obtenção de registro de companhia aberta, porém, uma tendência clara de crescimento, só vai se dar em 1986 (ver Anexo - Tabela 9). No que se refere ao nível de concentração dos negócios, observou-se um processo de desconcentração ao longo de toda a década de 70. Em contraste, no período 1980/85 verificou-se uma clara reversão dessa trajetória, com uma elevação da participação nos negócios das cinco, dez, cinqüenta e cem ações mais negociadas. As 10 ações mais negociadas que representavam cerca de 39% em 1980 pulam para 61% em 1985, as 50% mais negociadas crescem de 66% em 1980 para 81% em 1985 (ver Anexo - Tabela 8). O nível de concentração chega a apresentar queda em 1986, mas continua a crescer a partir de 1987. Um fator explicativo possível do processo de concentração dos negócios em Bolsa teria sido o retorno, nos anos 80, do investidor individual, que havia se afastado totalmente dos investimentos em Bolsa depois de 1971, e cujo perfil de investimentos, em geral, tende a concentrar-se nas ações mais negociadas. Os dados disponíveis para 1983 e 1984 demonstravam elevada participação do investidor individual relativamente aos investidores institucionais (ver Tabela VI). Não existem dados para a década de 70, mas, segundo depoimento de profissionais de mercado que atuaram nessa época, os investidores individuais eram responsáveis pela imensa maioria dos negócios realizados nesse período. 159 TABELA VI - PARTICIPAÇÃO DOS INVESTIDORES INSTITUCIONAIS (AGREGADOS) NOS NEGÓCIOS DA BVRJ E DA BOVESPA – 1983/84 PERÍODO BVRJ (%) BOVESPA Janeiro/1983 4,13 13,00 Fevereiro 5,42 21,00 Março 4,40 22,00 Abril 5,27 20,00 Maio 5,07 20,00 Junho 4,63 16,00 Julho 4,14 20,00 Agosto 4,81 21,00 Setembro 8,06 17,00 Outubro 7,68 12,00 Novembro 7,42 13,00 Dezembro 7,25 13,00 Janeiro/1984 7,16 16,00 Fevereiro 6,26 17,00 Março 7,85 19,00 Abril 6,17 19,00 Maio 6,41 18,00 Junho 5,60 21,00 Julho 6,00 16,00 Agosto 8,79 14,00 Setembro 6,96 14,00 Outubro 7,00 11,00 Novembro 6,07 10,00 Dezembro 5,90 8,00 FONTE: Bolsas de Valores do Rio de Janeiro e de São Paulo O comportamento das estatísticas de concentração do mercado também poderia ser atribuído, em alguma medida, à atuação dos fundos 157, enquanto principal investidor institucional ao longo dos anos 70 e, a partir do início da década de 80, à redução das aplicações desses fundos. Tendo em vista as exigências, a partir de 1974, de que 80% das aplicações desses fundos deveriam ser em ações e debêntures de empresas privadas nacionais, estavam praticamente de fora de suas aplicações os títulos emitidos pelas grandes empresas estatais108, que dominavam o mercado. Ademais, os fundos 157 deveriam respeitar os critérios de diversificação estabelecidos pela legislação. Dessa forma, os fundos-157 108 Destacavam-se entre as empresas cujas ações eram mais negociadas a Petrobrás, a CVRD e o Banco do Brasil. 160 poderiam ter contribuído, para promover a distribuição dos negócios entre um número maior de empresas. A redução da importância dessas instituições pode ter resultado numa maior concentração, visto que a procura por maiores rendimentos deveria estimular os demais investidores institucionais a concentrarem suas operações nos títulos emitidos pelas empresas com maiores perspectivas de retorno e menores riscos. Contudo, a participação dos Fundos-157 no volume de negócios não era significativa, porque não tendiam a realocar os ativos que já constavam em sua carteira. Sua participação nos negócios de Bolsa era, na verdade, mais ativa no momento em que aplicavam os novos recursos que entravam no sistema -157. A partir do segundo semestre de 1984 cresce a atuação dos investimentos coletivos voluntários na forma de Clubes de Investimento e os dados disponíveis relativos ao número de Clubes constituídos, o número de participantes e o Patrimônio líquido (PL) desses condomínios demonstraram enorme crescimento em 1986 (ver Tabela VII)109. Vale registrar que o PL em junho de 1986 dos clubes de investimento chegou a representar 6,5% do total de ações e debêntures na carteira das EFPP nesse mesmo período 110. O crescimento da atuação desses Clubes foi motivo de atenção por parte do órgão regulador, tendo motivado a edição da Instrução CVM no 40, de 07.11.84. Tal Instrução dispôs sobre a constituição e o funcionamento dos Clubes de Investimento, identificados como os condomínios constituídos de pessoas físicas para aplicação de recursos comuns em títulos e valores mobiliários111. TABELA VII - EVOLUÇÃO DOS CLUBES DE INVESTIMENTO - 1986 (valores em Cr$ milhões) MÊS Nº DE CLUBES Nº DE PARTICIPANTES PATRIMÔNIO LÍQUIDO (CR$ MILHÕES) Janeiro 2.218 67.390 1.411.600,00 Junho 2.860 93.578 4.652.800,00 Setembro 2.900 87.462 3.182.100,00 Fonte: CVM - RA CVM - 1986 109 Ver CVM - Relatório Anual, 1984, p19. Ver RA CVM – 1986. 111 Tais Clubes devem seguir as normas estabelecidas na mencionada Instrução quando vinculados à sociedade corretora, banco de investimento ou sociedade distribuidora As normas editadas na mencionada Instrução dispuseram acerca do estatuto, do registro na Bolsa, do requisito para captação de recursos junto ao público, da remessa de informações aos condôminos, da administração da carteira etc. 110 161 7.4 - As Emissões de Ações e os Demais Ativos da Economia Considerando os demais ativos financeiros da economia, pode-se verificar a partir dos dados disponibilizados pelo Banco Central do Brasil relativos à composição da poupança financeira, na economia brasileira, calculada com base na variação dos saldos no período decorrido entre 1969 e 1978, visível crescimento da participação dos títulos de renda fixa emitidos pelas instituições financeiras e pelo Tesouro Nacional em detrimento dos títulos de renda variável (ver Anexo - Tabelas 10A e 10B e 11). Destacam-se, em particular, os depósitos de poupança e os títulos públicos federais, cuja participação na poupança financeira cresce, respectivamente, de 3% e 9% em 1971 para, aproximadamente, 14% e 15% em 1976, mantendo-se, em aproximadamente, 13% e 14% em 1978. Como resultado verifica-se, no que se refere aos ativos de renda fixa, uma nova composição entre haveres monetários (papel moeda em poder do público e depósitos à vista) e não monetários (depósitos a prazo, depósitos de poupança, títulos públicos etc.) nitidamente em direção a esse último agregado (ver Anexo - Tabelas 12A, 12B e 12C). Já a participação total dos títulos de renda variável na poupança financeira, relativamente aos ativos de renda fixa, na qual estão computadas as ofertas públicas de ações, as ofertas privadas, a capitalização das reservas no âmbito do balanço das empresas e a carteira dos fundos, sobe de 45%, em 1969, para 55%, em 1971, e cai, significativamente, para 24% em 1978. Dessa forma, esses ativos não acompanham o crescimento observado para os ativos de renda fixa no período 1971/76 e perdem sua posição (ver Anexo Tabelas 10A e 10B. Dada a descontinuidade da série, não é possível observar como se comportou a composição dos diferentes ativos na poupança financeira ao longo da década de 80. Com o objetivo de analisar, ainda que indiretamente, como se comportaram as ações relativamente aos demais ativos financeiros, e na falta de outros indicadores possíveis comparáveis para esse período, optou-se por observar, então, a relação entre o valor das emissões públicas de ações e a variação do saldo dos haveres não monetários. Não foram considerados, portanto, os haveres monetários, cujo comportamento está associado basicamente às necessidades de pagamento dos gastos correntes. 162 Comparando os resultados obtidos para esse indicador na década de 70 aos anos disponíveis da década de 80112, é possível verificar que mesmo no período em que o volume de emissões foi mais significativo (1985/86), a proporção entre as emissões públicas de ações e haveres não monetários (variação) não superou a participação verificada nos anos anteriores. Pelo contrário, no ano do boom (1971) a relação emissão de ações/variação dos haveres não monetários chegou a atingir 14,7% e considerando, ainda, os anos que o precederam, ou seja, para o triênio 1969/1971, esse indicador foi em média de cerca de 9% (ver Anexo Tabela 13). Comparativamente, no ano de 1986, no qual o movimento das emissões é muitas vezes entendido como similar ao período do boom de 1971, esta relação foi de, aproximadamente, 1,6%, e na média, de 0,72%, no período de 1984/1986. Assim, os valores observados para a relação mencionada nos anos 1982/1986 estão certamente mais próximos do período pós boom, que foi marcado por uma paralisia do mercado de ações, quando, em média, considerando o período 1972/76, esse indicador foi de 1,3%. Em suma, os dados analisados sugerem que, apesar do crescimento do mercado primário no período de 1984/86, as ações mantiveram uma participação diminuta na poupança financeira, relativamente aos ativos financeiros de renda fixa. 7.5 - As Emissões de Ações, a FBCF e o PIB da Economia. O comportamento do valor das emissões frente ao comportamento do valor dos produtos e serviços da economia pode ser explicado, em grande medida, pelos fatores conjunturais acima analisados. No caso das debêntures, verificou-se que incentivos circunstanciais e indiretos ocorridos nos anos de 1979/81, como anteriormente analisado, promoveram esse segmento, o que explica uma participação crescente das emissões em relação ao PIB e a FBCF num contexto da taxas negativas de crescimento da economia e, por conseguinte, de queda dos investimentos. Com exceção desse período, a participação das emissões totais registradas sobre o PIB e a 112 Foi possível adequar as informações de registro de emissões disponíveis na CVM à metododogia do Banco Central, mas somente para os anos de 1982 a 1986. Ver nota metodológica nas Tabelas 10A e 10B. 163 FBKF pode ser explicada majoritariamente pelo comportamento das emissões de ações (ver Anexo – Tabela 3). Já o valor das emissões de ações em relação à FBCF demonstra forte relação com o comportamento do nível de atividade. A participação das emissões de ações em relação à FBCF foi em média 1,07% para o período de crescimento baixo (1978/80), 0,65% para o período de queda do nível de atividade (1981/83) e 1,76% no período de taxas de crescimento mais significativas (1984/86) (ver Anexo – Tabela 3). A relação emissões de ações/PIB apresenta performance bem similar à relação emissões de ações/FBCF para os diferentes períodos em destaque (ver Anexo – Tabela 3). O comportamento desses indicadores reflete as decisões de investimento por parte das empresas, tendo em vista que as emissões, representando a obtenção de novos recursos no mercado, tendem a se acelerar, relativamente aos bens de investimento e aos produtos e serviços produzidos na economia, quando as empresas dilatam os planos de expansão de sua capacidade produtiva. Contudo, os dados não parecem evidenciar a ocorrência de algum tipo de mudança estrutural significativa em termos das relações observadas. De qualquer forma, a série não é suficientemente longa para derivarmos conclusões a esse respeito. O que se pode evidenciar é que as emissões de ações e debêntures ocorridas mantêm ao longo dos anos observados uma magnitude pouco significativa em relação à economia com um todo. 164 Conclusão Avaliando a contribuição da CVM para o mercado de capitais no Brasil, no período que segue à sua criação, mais especificamente de 1976/86, com base nos elementos examinados ao longo da 2ª parte, é possível depreender algumas conclusões importantes que serão a seguir elencadas. Com relação ao esforço normativo realizado pela CVM, em especial quanto à divulgação de informações, teria sido promovido, de fato, um aperfeiçoamento da regulação. Apesar das dificuldades originadas da transferência do cadastro das SACAs, herança do Banco Central, que era constituído de empresas que não atuavam, realmente, como companhias abertas, os esforços normativos e de monitoramento da CVM foram promovidos no sentido de melhorar a qualidade, reduzir a inadimplência no cumprimento das exigências de prestação de informações, ampliar o acesso do público às informações das empresas, além de ter regulamentado a divulgação de fato relevante e a coibição da prática de negociação com base em informação privilegiada. Muito embora esse esforço seja permanente, não se tendo atingido uma situação ideal, as evidências são de que resultados importantes, comparativamente à situação que vigorava anteriormente, foram obtidos nessa direção. Dessa forma, ao que tudo indica, houve um maior grau de disseminação das informações das companhias – e, supondo também um maior grau de fidedignidade dessas informações - a redução das assimetrias de informações e o aumento da eficiência do mercado dependeriam da utilização de maneira adequada dessas informações por parte dos investidores. Contudo, tal exigência não parece ter sido cumprida, o que se pode demonstrar pela pouca importância dada pelos investidores aos prospectos no caso das emissões primárias, conforme destacado na seção 6.2.4.. Isto pode ser explicado, em grande parte, pela pouca tradição do mercado de capitais no Brasil, somadas às dificuldades gerais de monitorar dos acionistas, já amplamente discutidas no Capítulo 3. 165 Não obstante, os efeitos decorrentes de um maior acesso às informações se fariam sentir mais claramente sobre os investidores institucionais, instituições financeiras etc. que, dado o grau deficiente de abertura de informações para o mercado que vigorava até então, já consistia em um avanço. Vale ressaltar, também, o estímulo que poderia proporcionar no sentido de uma maior especialização dos profissionais de mercado, como já mencionado. Assim, poder-se-ia dizer, que no aspecto relativo à redução das assimetrias de informações, há evidências de que os resultados da atuação da CVM, pelos motivos expostos, foram positivos, tendo ficado, contudo, aquém do esperado. No que se refere aos esforços de normatizar e punir a prática de emissões irregulares, juntamente com o conceito de companhias abertas e o novo registro exigido, constatou-se que a atuação da CVM permitiu proporcionar um quadro mais claro acerca de quais empresas poderiam captar recursos do público e em que condições. Dessa forma, suas iniciativas teriam contribuído para um maior ordenamento do mercado, reduzindo o mercado paralelo e fortalecendo o mercado oficial. Assim, as evidências são de que a CVM tenha contribuído para a conformação de um mercado mais seguro, no sentido de com menor incidência de operações irregulares. A Lei das S.A., de 1976, trouxe, por um lado, uma série de avanços com relação à proteção ao acionista minoritário, que gerava novas tarefas a serem exercidas pelo órgão regulador. Estas, como analisado, foram, de fato, assumidas pela CVM, como o acompanhamento das ofertas públicas decorrentes de alienação de controle. Não obstante, os pontos falhos da lei, já anteriormente analisados, representaram um fator negativo para os resultados que a CVM almejava alcançar. A Lei Societária exigiu também esforços normativos adicionais, que foram realizados pela CVM, a exemplo da regulamentação do agente fiduciário e do auditor independente. Em se tratando das atividades de supervisão, a CVM demonstrou-se atenta aos movimentos do mercado ocorridos no período, como foi observado no Capítulo 7. Nesse sentido, o órgão regulador respondeu com novos atos normativos quando assim se fez necessário, conforme foram os casos das Instruções que regularam a prestação de informações nos negócios ocorridos no âmbito do mercado de balcão e a relativa aos clubes de investimento. 166 Assim, a partir dos pontos acima ressaltados, do ponto de vista do arcabouço institucional regulatório, desenhado pelas reformas dos anos 70, e diante dos desafios que se colocavam no período, as evidências são de que a CVM teria atuado na direção correta e cumprido, em grande medida, um papel importante. Para uma avaliação acerca dos efeitos da criação do novo órgão regulador mais especificamente sobre o desenvolvimento do mercado, cumpre examinar como ficaram os aspectos relativos à estabilidade, liquidez e magnitude desses mercados no período em análise. Em relação ao aspecto liquidez, não há evidências de sua ampliação, nem no mercado primário, nem tampouco no mercado secundário. Os dados de emissões registradas ao longo do período 1976/86 demonstram a permanência de uma elevada descontinuidade das emissões, de um número reduzido de empresas emissoras e de um número bastante tímido de ofertas iniciais de ações. Mesmo comparativamente ao total de empresas registradas como companhias abertas, permaneceu bem restrito o número de empresas que utilizaram esse mercado como fonte de recursos. Para o segmento de ações, no ano de 1986, em que se verificou a maior quantidade de empresas participantes - foram 150 dentre as 1.015 companhias abertas registradas – as empresas emissoras não atingiram sequer 15% do total. No que tange ao segmento de debêntures, por exemplo, o ano de 1982, em que ocorreu a maior participação de empresas emissoras, 256 empresas dentre as 1.135 empresas registradas como companhia abertas realizaram emissões, o que representou 22% do total (ver Anexo – Tabelas 1 e 2). No mercado secundário, o elevado grau e mesmo aumento da concentração dos negócios em torno de um número reduzido de ações, durante o período 1980/85, demonstrou que a liquidez estava restrita a um grupo ainda mais restrito de ações. Ademais a evolução insignificante do número de companhias listadas nas Bolsas, na maior parte do período analisado, não permitia evidenciar qualquer trajetória de expansão desse mercado. Os dados de emissões analisados também não evidenciam uma maior estabilidade por parte desse mercado. Ao contrário, o valor de emissões de ações em termos reais demonstrou, no período, um elevado grau de instabilidade, mostrando-se bastante suscetível a variações conjunturais (ver Gráfico III). Já as emissões de debêntures, exceto pelo crescimento atípico 167 ocorrido em 1980/82, mantiveram um crescimento nominal abaixo da inflação no resto do período (ver Gráfico II). É possível também observar, a partir dos dados analisados, que o mercado de capitais manteve magnitude pouco significativa. As emissões de ações e debêntures mantiveram, mesmo nas fases de crescimento do mercado, reduzida participação em relação aos demais ativos financeiros, e também, com relação à economia como um todo. Inclusive os dados disponíveis para os anos 80 parecem indicar uma perda de importância das emissões de ações relativamente aos ativos de renda fixa, se comparados com os resultados obtidos nos anos 70 (ver Anexo - Tabela 13). Não é possível afirmar se ao longo do período analisado as instituições de mercado se tornaram mais sólidas. Fatores que não foram objeto de análise nesse estudo seriam, certamente, importantes para avaliar esse aspecto, em especial, a regulação voltada às instituições auto-reguladoras e às instituições intermediárias. Do acima exposto, pode-se concluir que a CVM teria contribuído para o ordenamento do mercado e, em menor extensão, para sua maior eficiência. Por outro lado, os dados disponíveis não demonstram que a atuação do novo órgão regulador tenha contribuído para os aspectos relacionados ao desenvolvimento do mercado como liquidez, estabilidade e magnitude. Em suma, ainda que as reformas dos anos 70 tenham definido um novo quadro tanto institucional/regulatório quanto no mercado a partir dos aspectos já ressaltados e, nesse sentido, um ambiente de maior proteção para o investidor, estas não se revelaram suficientes para a consolidação das condições de desenvolvimento sustentável desse segmento. Relembrando a discussão teórica apresentada na 1ª parte da tese, no caso brasileiro, a exemplo das experiências americana e inglesa analisadas, não foi possível evidenciar uma relação direta entre regulação e leis e o desenvolvimento do mercado de capitais. Isto porque, naqueles países se conseguiu atingir certo nível de desenvolvimento sem um ambiente legal e regulatório adequado, e aqui pelo aprimoramento legal e regulatório sem desenvolvimento do mercado. Dessa forma, os resultados obtidos não corroboram em favor das proposições que sustentam que maior proteção ao investidor implica necessariamente 168 em mercados de capitais mais desenvolvidos - a relação entre esses dois fatores parece menos direta e evidente do que pregam seus defensores. 169 Referências Bibliográficas Allen, F. & Gale, D. (2000). Comparing Financial Systems. Cambridge, London, MIT Press. Allen, F. (1993). “Stock Markets and Resource Allocation”, in: Mayer, C., Vives, X. (orgs.), Capital Markets and Financial Intermediation, pp. 81-104, Cambridge University Press. Almeida, J.S.G. (1984). As reformas financeiras de 1964-65. Objetivos, rumos e desvios. Texto de Discussão. IE no 59. Andrezo, A. F. e Lima, I.S. (2002). Mercado Financeiro Aspectos Históricos e Conceituais, Pioneira Thompson Learning, São Paulo. Baliga, S., Polak, Ben. (2003).The Emergence and Persistence of the Anglo-Saxon and German Financial Systems, June, mimeo. Banco Central do Brasil. Relatório Anual, vários números. Barros, J.M., Scheinkman, J.A, Cantidiano, L. L., Goldenstein, L., Dias da Silva, T. M. F., Carvalho, A . G. (2000), “Desafios e Oportunidades para o Mercado de Capitais Brasileiro”, Estudos para o desenvolvimento do Mercado de Capitais”, BOVESPA, Junho. Becht, M., Bolton, P. Roell, A. (2002). “Corporate Governance and Control”, NBER, Working Paper, no 9.371, Cambridge, December. Berger, A. N., Udell G. F. (1998). “The Economics of Small Business Finance: The Roles of Private Equity and Debt Markets” in The Financial Growth Cycle, Journal of Banking and finance, Vol. 22. Berger, A. N., Udell G. F. (1995). “Relationship Lending and Lines of Credit in Small Firm Finance”, Journal of Business 68, pp. 351-382. 170 Berger, A. Demsetz, R and Strahan, P. ( 1999). ‘The Consolidation of the Financial Services Industry: Causes, Consequences, and Implications for the Future”, Journal of Banking and Finance 23:2-4, February, 135-194. Berle, A. A., Means G. C. (1988). A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada, 3. ed., São Paulo, Nova Cultura, (Os Economistas). Borba, J.E.T. (2003). Direito Societário, atualizado de acordo, 8ª ed., Rio de Janeiro, Renovar. Calomiris, C. W., Ramirez, C. D. (1996). ”Financing the American Corporation: the Changing Menu of Financial Relationships”, NBER Historical Paper No. 79, feb. Carosso, Vincent P. (1970). Investment Banking in América – A History, Harvard University Press, Cambridge. Carvalho, FJ C. [et al.] (2000). Economia Monetária e Financeira: Teoria e Política, Rio de Janeiro, Campus. Carvalhosa, M. & Latorraca, N. (1997). Comentários à lei de Sociedades Anônimas, Volumes, I, II e III, Editora Saraiva, São Paulo. Castro, H. O. P. e Eizirick, N. L. (1974). Regulação e Controle de Mercado de Capitais (o papel da SEC na experiência norte-americana), IBMEC, Rio de Janeiro. Chapman, C. (1999). How the Stock Markets Work, Random House Business Books. Choi, S. J. & Jill E. Fisch (2003). “How to fix Wall Street: A Voucher Financing Proposal for Securities Intermediaries”. The Yale Law Journal, Vol. 113:269. Coffee, J. C. (2000). Convergence and Its Critics: What are The Preconditions to the Separation of Ownership and Control?, Mimeo, Columbia University, School of Law, September. 171 CVM/SDM - Comissão de Valores Mobiliários/Superintendência de Desenvolvimento do Mercado de Capitais (1977). Projeto Fundos Fiscais DL no 157/67 (Diagnóstico e Sugestões de Aprimoramento), Dezembro. CVM - Comissão de Valores Mobiliários (1979). Análise da Eficácia do Sistema de Fundos Fiscais DL no 157/67 (Diagnóstico e Sugestões de Aprimoramento), Julho. Comissão de Valores Mobiliários - CVM. Relatório Anual, vários números. Comissão Nacional de Bolsas de Valores - CNBV, Relatório Anual, vários Números. Cysne, R. P. & Faria, L. F. Vieira (1997). “Considerações sobre o Sistema Financeiro Brasileiro”, Julho, texto eletrônico. Davidson, P. (1994). Post Keynesian Macroeconomic Theory, Edward Elgar Publ. Davidson, P. (1978). Why Money Matters: Lesson from a Half Century of Monetary Theory, Journal of Post Keynesian Economics, Fall. Diamond, D. (1984). “Financial Intermediation and Delegated Monitoring”, Review of Economic Studies, 51, pp. 393-414. Dymsky, G. (2000). The Evolution of US Banking Strategy, mimeo, presented at Musashi University, Japan, July. Dymski, G. (2002).The Global Bank Merger Wave: Implications for Developing Countries, mimeo, University of California, USA, April. Edwards, J. and Fischer, K. (1994). Banks, Finance and Investment in Germany, Cambridge University Press. Elsas, R. & Krahnen, P. (1998). “Is Relationship Lending Special? Evidence from CreditFile in Germany”, Journal of Banking and Finance, 222:10-11, pp. 1283-1316, October. 172 Eizirik, N. L. (1974). Regulação e Controle do Mercado de Capitais (o papel da SEC na experiência norte-americana), IBMEC, Rio de Janeiro. Eizirik, N. L. (1977). O Papel do Estado na Regulação do Mercado de Capitais, IBMEC, Rio de Janeiro. Eizirik, N. L. (1993). “Redução dos Custos de Captação no Mercado de Valores Mobiliários”, Revista de Direito Mercantil, no 91, jul/set. Eizirik, N. L. (1992). Aspectos Modernos do Direito Societário, Rio de Janeiro, editora Renovar. Eizirik, N. L. (1982). “Regulação e Auto-regulação do Mercado de Valores Mobiliários”, no 48 out-dez, Revista de Direito Mercantil. Eizirik, N. L. e Wald, A. (1984). Responsabilidade do Underwriter pela Veracidade das Informações em uma Emissão Pública, Revista da CVM, Vol 2, no 5, Mai/Ago. Eizirik, N. L. (1987). Questões de Direito Societário e Mercado de Capitais, Forense, Rio de Janeiro. Eizirik, N. L. (1997). Reforma das S.A. & do Mercado de Capitais, Renovar, Rio de Janeiro. Franks, J., Mayer. C. & e Rossi, S. (2005). “Ownership: Evolution and Regulation”, London Business School, March. Finlay M. C. e Williams E. E. (2000-2001). A Fresh Look at the Efficient Market Hypothesis: How The Intellectual History of Finance Encouraged a Real “Fraud on the Market”, Journal of Post Keynesian Economics, Winter, Vol. 23, no 2. Galbraith, J. K. (1988). 1929 O Colapso da Bolsa, Pioneira, São Paulo. Gerschenkron, A. (1962). Economic Backwardness in Historical Perspective, Harvard University Press. 173 Glickman, M. (1994). “The Concept of information, Intractable Uncertainty, and The Current State of the ‘Efficient Markets Theory: a Post Keynesian View´’, Journal of Post Keynesian Economics, Spring, Vol. 16, no 3. Goodhart, C.A.E. (1989). Money, Information and Uncertainty, 2nd edition, Macmillan, London. Gorton, G., Winton, (2002).A. Financial Intermediation, NBER Working Paper no 8.928, May. Hardiman, J. R. (1992). “The Nasdaq Stock Market: Two decades of Growth” in The NASDAQ Handbook – The Stock Market for the Next 100 Years, editors Parrillo [et all], Probus Publishing Company, Chicago, Cambridge. Harris, M., Raviv, A. (1992). “Financial Contracting Theory” in Advances in Economic Theory, Sixth World Congress, Vol. II, Edited by Jean-Jacques Lafont, Cambridge Unversity Press. Hendriksen, E.S. e Van Breda, M. F. (1999). Teoria da Contabilidade, 5ª edição, Atlas, São Paulo. Hermann, J. (2002). “Financial Structure and Financing Models: The Brazilian, Experience over the 1964-1997 Period”, Journal of Latin American Studies, no 34. Hermann, J. (2002). Liberalização e Crises Financeiras: o Debate Teórico e a Experiência Brasileira nos Anos 1990, Tese de Doutoramento, Instituto de Economia – UFRJ. Herring, R.J. & Chatusripitak, N. (2000). The Case of the Missing Market: The Bond Market and Why It Matters for Financial Development, paper prepared for The Asian Development Bank Institute,Wharton Seminar, Tokyo, May. Hirschman, A. (1970). Exit, Voice and Loyalty, Harvard University Press. 174 Jensen M. C. e Meckling W. H. (1976). “Theory of the Firm: Managerial Behavior Agency Costs and Ownership Structure”. Journal of Financial Economics, V. 3, No. 4, pp. 305-360, October. Phillip, S. e Zecher, J.R. (1982). The SEC and the Public Interest, MIT Press, Cambridge, March. Kaufman, G.G. (1986). The US Financial System, Money, Markets and Institutions, Prentice-Hall. Keynes, J. M. (1982). A Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda, editora Atlas, São Paulo. Lamy Filho e Bulhões Pedreira (1992). A Lei das S.A., editora Renovar, Rio de Janeiro. La Porta, R., Lopez-de Silanes, F., Shleifer, A ., Vishny, R. (1997), “ Legal Determinants of External Finance”, Journal of Finance, 52. La Porta, R., Lopez-de Silanes, F., Shleifer, A., Vishny, R. (1998 ), “Law and Finance”, Journal of Political Economy, 106. Lei de Sociedades Anônimas (1997). Saraiva, São Paulo. Llewellyn, David (1999). The Economic Rationale for Financial Regulation, Occasional Paper, Financial Services Authority - FSA, April. Malkiel, B. G. (1992). “Efficient Market Hypothesis in The New Palgrave, Dictionary Money and Finance, edited by Newman [et al.], Vol 2, The Macmillan Press Limited. Mattos Filho, A.O. (1980). S/A Evolução e Perspectivas, Relatório Anual – Comissão Nacional das Bolsas de Valores - CNBV. 175 Mathias, E. J. (2002). Nasdaq: The Home of Emerging Growth Companies in The NASDAQ Handbook – The Stock Market for the Next 100 Years, editors Parrillo [ et all], Probus Publishing Company, Chicago, Cambridge. Medeiros, P.T (1987). O que é o mercado de ações, Simposium Consultoria Serviços Técnicos, Rio de Janeiro. Musacchio, A. (2005). Law and Finance in Historical Perspective: politics, bankruptcy Law, and Corporate Governance in Brazil, 1850-2002, Tese de Doutoramento, Stanford University. Ness, W.L. e Pereira R.F. Mercado Primário de Ações no Brasil, IBMEC. Parente, F. (2005). O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades Anônimas, Renovar, Rio de Janeiro. Prates, D. M. (1999). “Investimentos de Portfólio no Mercado Financeiro Doméstico” in Abertura do Sistema Financeiro no Brasil nos Anos 90, Prates , M. C. P. (organizadora), Fundap: Fapesp; Brasília:Ipea. Rajan, R., Zingales, L. (1995). Financial Systems, Industrial Structure and Growth, Working Paper, University of Chicago. Rocca, C. A. (2001). Soluções para o Desenvolvimento do Mercado de Capitais Brasileiro, Estudos IBMEC, Rio de Janeiro, José Olympio Editora. Roe, M. J. (1989). A Political Theory of American Corporate Finance, Working Paper no 36, The Center for Law and Economic Studies, Columbia University School of Law, November. Roe, M. J. (2002). Corporate Law’s Limits, Working Paper n. 186 (updated), Columbia University, School of Law, New York, January. Sarcinelli M. (1996). “The Italian Financial System in The Mid 1990s: A Difficult Transition”, Banca Nazionale del Lavoro Quarterly Review, Vol. XLIX, no 196, Março. 176 Schinasi, G.J. & Smith, T. (1998). “Fixed-Income Markets in The United States, Europe and Japan: Some lessons for Emerging markets”, Working Paper, no 173, International Monetary Fund, December. Scisinio, A.E. (1998). A Maioria Acionária e o Abuso do Direito. Editora Forense, Rio de Janeiro. Seligman, J. (1982). The Transformation of Wall Street - A History of The Securities and Exchange Comission and modern Corporate Finance, Houghton Mifflin Company, Boston. Shleifer, A. ,Vishny, R. W. (1997). “A Survey of Corporate Governance”, The Journal of Finance, Vol.52, Issue 2, June. Shleifer, A. (2000). Inneficient Markets, An Introduction to Behavioral Finance. Oxford University Press, New York. Singh, A. (1995). Corporate Financial Patterns in Industrializing Economies – A Comparative International Study, International Finance Corporation, Technical Paper no 2, April. Sirimarco, H., (2000).”Bolsa Brasileira: Globalizar ou ...?”, Revista da CVM, No 32, Comissão de Valores Mobiliários, Setembro. Stiglitz, J, e Weiss, A. (1981). “Credit Rationing in Markets with Imperfect Information”. American Economic Review, 71, June, pp.353-376. Stiglitz, J.E. (1985). Credit Markets and the Control of Capital, Journal of Money, Credit, and Banking, Vol. 17, No 2 (May). Stiglitz, J, e Weiss, A. (1988). “Bank as a Social Accountants and Screening Devices For The Allocation of Credit”, Working Paper no 2710, NBER, September. 177 Stiglitz, J. E. (1993). “The Role of The State in financial Markets”, Proceedings of the World Bank Annual Conference on Development Economics, 1993, Supplement to The World Bank Economic Review and The World Bank Research Observer. Stiglitz, J. E. (1998). The Role of Financial System in Development, presentation at the Fourth Annual Bank Conference on development in Latin America and The Caribbean, San Salvador, June. Stiglitz, J. E., Greenwald, B. (2003).Towards a New Paradigm in Monetary Economics, Cambridge University Press. Studart, R. (1995/96). “The Efficiency of Financial System, Liberalization and The Economic Development”, Journal of Post Keynesian Economics, Winter 18 (2). Studart, R. (1997). “Estado, Mercado e o Financiamento do Desenvolvimento”, Texto para Discussão, no 390, UFRJ/IE, Junho. Studart, R. (2005). Financiamento do Desenvolvimento em Economia brasileira contemporânea, org. Fabio Giambiagi [et al.], Rio de Janeiro: Elsevier. Vitols, S. (2001).The Origins of Bank-Based and Market-Based Financial Systems: Germany, Japan and The United States in The Origins of Non-liberal Capitalism: Germany and Japan in Comparison, ed. Streeck, W, Yamamura , K., Cornell University. Watson. J. T. (2002). Market Makers: The Hallmark of The Nasdaq Market in The NASDAQ Handbook – The Stock Market for the Next 100 Years, editors Parrillo [et all], Probus Publishing Company, Chicago, Cambridge. Williamson O.E. (1984). “Corporate Governance”, Yale Law Journal no 93, 1197-1230. Zysman, J. (1983).Governments, Markets and Growth: financial systems and the politics of industrial growth, Oxford. 178 ANEXO I – ENTREVISTAS 179 Entrevistas: - Sr. Jorge Hilário Gouveia, foi membro do primeiro Colegiado da CVM, de 1977 a dezembro de 1979, e Presidente da CVM no período de dezembro de 1979 a julho de 1981. - Sr. Roberto Tadeu Antunes Fernandes, foi inspetor da CVM desde sua criação, foi Superintendente de Fiscalização (1988/2002), e Superintendente de Acompanhamento de Mercados e Intermediários (2003/2004), e é, atualmente, Superintendente Geral da CVM. - Sr. Suli da Gama Fontaine, analista da CVM desde sua criação, foi Superintendente de Relações com Empresas, Superintendente de Desenvolvimento de Mercado e Superintendente Geral da CVM. - Sr. Carlos Reis atuou na corretora Marcelo Leite Barbosa (1966/72), foi diretor da Corretora Marca (1972/80) e da Prime Corretora a partir de 1980, foi presidente da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro de 1992 a 1994 e de 1998 a 2001, hoje é presidente da Comissão Nacional de Bolsas. - Sr. Nei Carvalho – atuou como profissional de mercado nos anos 70 e 80 e foi membro do primeiro colegiado da CVM. - Sr. Marco Albino atuou como profissional do mercado nos anos 70 e 80, hoje é diretor da da Positiva DTVM. 180 ANEXO II – TABELAS 181 TABELA 1 – NÚMERO DE REGISTROS DE COMPANHIAS ABERTAS – 1978 /1987 ANO NOVOS REGISTROS TOTAL Total Novos Ações Debêntures Bolsa Mercado Balcão REGISTROS CANCELADOS 1978 1058 7 7 0 - - 6 1979 1061 11 10 1 - - 8 1980 1037 41 26 18 - - 65 1981 1070 67 18 49 8 59 34 1982 1135 86 16 71 4 82 21 1983 1153 42 8 34 2 39 24 1984 980 34 18 13 14 20 206 1985 994 39 25 9 19 20 25 1986 1015 51 42 1 45 6 30 1987 999 13 7 2 - - 34 (-) Dado não informado Fonte: Relatórios Anuais da Comissão de Valores Mobiliários - CVM, vários números. Obs 1: Os novos registros, em geral, envolvem emissão com vistas a abertura de capital, a exceção refere-se a empresas que já detenham um nível elevado de dispersão da propriedade de seu capital, sendo, nesse caso, dispensadas desse procedimento. Por isso, o Total de novos pode ser maior que o somatório dos efetuados por meio de emissões de ações e debêntures. Obs 2:Total Novos 1985 está considerando que três empresas foram incorporadas e, após a incorporação,houve simultaneamente o cancelamento dos antigos registros e a concessão da condição da capital aberto para a empresa resultante da incorporação. Obs 3:Total Novos 1986 está considerando que quatro empresas abriram seu capital mediante distribuição secundária de ações. 182 TABELA 2 – VALOR DAS EMISSÕES REGISTRADAS DE AÇÕES E DEBÊNTURES, VARIAÇÃO ANUAL, NÚMERO DE EMPRESAS EMISSORAS E INFLAÇÃO - 1978 /1987 (VALORES EM Cr$ MILHÕES) ANO DEBÊNTURES EMISSÕES AÇÕES EMISSÕES Valor Variação Anual % Nº de Empresas Valor Variação Anual % 1978 450,00 - 2 8.121,20 - 1979 1.983,50 340,78 7 15.142,90 1980 13.662,43 588,80 44 1981 162.029,30 1.085,95 1982 316.117,50 1983 EMISSÕES TOTAIS Nº de Empresas Inflação IGP-DI Valor Variação % (variação Anual %) 73 8.571,20 - - 86,46 72 17.126,40 99,81 77,225 34.281,50 126,39 123 47.943,93 179,94 110,24 144 27.108,30 (20,92) 72 189.137,60 294,50 95,20 95,10 256 84.504,60 211,73 82 400.622,10 111,82 186,72 404.019,50 27,81 118 144.609,00 71,13 67 548.628,50 36,94 210,99 1984 552.417,13 36,73 71 975.593,27 574,64 114 1.528.010,40 178,51 223,81 1985 713.838,70 29,22 37 3.641.596,00 273,27 110 4.355.434,70 185,04 235,10 1986 1.808.020,54 153,28 9 16.295.037,66 347,47 150 18.103.058,20 315,64 65,03 1987 1.069.799,00 (40,83) - 15.300.555,00 (6,10) - 16.370.354,00 -9,57 415,87 Fonte: Dados de emissões: Relatório Anual da CVM, vários números; inflação: Fundação Getúlio Vargas. TABELA 3 - PARTICIPAÇÃO DO TOTAL DAS EMISSÕES E DAS EMISSÕES DE AÇÕES NO PIB E FBKF 1978 /1989 1978 Emissões Totais/FBKF % 1,06 Emissões Totais/PIB % 0,24 Emissões de Ações/FBKF % 0,97 Emissões de Ações/PIB % 0,22 1979 1,23 0,29 1,10 0,25 1980 1,63 0,38 1,14 0,27 1981 3,24 0,79 0,46 0,11 1982 3,58 0,82 0,77 0,17 1983 2,52 0,50 0,72 0,13 1984 2,32 0,44 1,59 0,28 1985 1,85 0,33 1,37 0,28 1986 2,58 0,52 2,32 0,47 1987 0,64 0,15 0,59 0,14 1988 5,05 1,23 0,71 0,17 1989 2,03 0,54 0,69 0,18 ANO Fonte: Dados de emissões: Relatórios Anuais - CVM, vários números; PIB, FBKF e FBK: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE- Contas Nacionais. 183 TABELA 4 - VALOR E QUANTIDADE DE TÍTULOS DAS EMISSÕES DE AÇÕES ORDINÁRIAS E PREFERENCIAIS REGISTRADAS NA CVM – 1982 /1986 (Valores em Cr$ MILHÕES) ANO ORDINÁRIAS Qde. Títulos (milhões) 1982 PREFERENCIAS TOTAL Qde. Títulos (milhões) Valor Qde. Títulos (milhões) Valor 17.091 40.364,00 24.219 44.141,00 41.310 84.505,00 1983 23.502 53.690,00 40.018 90.919,00 63.520 144.609,00 1984 125.741 257.571,00 367.564 718.022,00 493.305 975.593,00 1985 458.379 1.051.381,00 895.835 2.590.216,00 1.354.214 3.641.597,00 1986 883.775 3.040.793,00 3.780.876 13.313.224,00 4.664.651 16.354.017,00 Valor Fonte: Relatório Anual da CVM, anos de 1986 e 1988 TABELA 5 - PARTICIPAÇÃO DE AÇÕES ORDINÁRIAS E PREFERÊNCIAIS NO TOTAL DAS EMISSÕES DE AÇÕES REGISTRADAS - 1982 / 1986 ANO % ON %PN 1982 48% 52% 1983 37% 63% 1984 26% 74% 1985 29% 71% 1986 19% 81% Fonte: Elaborada com base nas informações disponíveis no Relatório Anual da CVM, anos de 1986 e 1988 184 TABELA 6 – EMISSÕES DE AÇÕES REGISTRADAS NA CVM POR TIPO DE EMPRESA – 1982 / 1986 (Valores em Cr$ MILHÕES) ANO EMPRESAS ESTRANGEIRAS EMPRESAS ESTATAIS EM % 1982 - - 5.062,00 5,99 79.443,00 94,01 84.505,00 1983 - - - - 144.609,00 100,00 144.609,00 1984 - - 39.697,00 4,07 935.896,00 95,93 975.593,00 1985 1.500,00 0,04 84.000,00 2,31 3.556.097,00 97,65 3.641.597,00 1986 210.000,00 1,28 1.086.811,00 6,65 15.057.206,00 92,07 16.354.017,00 EM % EMP. PRIVADAS NACIONAIS EM % TOTAIS Fonte: Relatório Anual da CVM, ano de 1986. ( - ) Dado não informado TABELA 7 – VOLUME, VARIAÇÃO NOMINAL E PARTICIPAÇÃO NO PIB DAS NEGOCIAÇÕES DE AÇÕES NAS BOLSAS BRASILEIRAS E INFLAÇÃO - 1979 /1987 (Valores em Cr$ MILHÕES) VALORES VARIAÇÃO NOMINAL % INFLAÇÃO IGP-DI (Variação Anual %) VOLUME NEGOCIADO/PIB % 1979 68.822 50,04 77,25 1,15 1980 147.918 114,93 110,24 1,18 1981 151.422 2,37 95,20 0,63 1982 393.506 159,87 186,72 0,81 1983 1.571.700 299,41 210,99 1,44 1984 10.248.377 552,06 223,81 2,95 1985 79.314.588 673,92 235,10 6,07 1986 259.601.787 227,31 65,03 7,41 1987 252.002.831 -2,93 415,87 2,27 ANO Fonte: Dados de Volume de negócios: Relatório Anual da Comissão Nacional das Bolsas de Valores - CNBV, ano de 1989; Dados IGP-DI: FGV; Dados PIB: IBGE - Contas Nacionais. 185 TABELA 8 - PARTICIPAÇÃO DAS AÇÕES MAIS NEGOCIADAS NAS BOLSAS BRASILEIRAS (%) – 1974 /1989 ANO 5 MAIS 10 MAIS 50 MAIS 100 MAIS 1974 65,1 65,3 87,6 93,6 1975 77,7 80,7 93,2 96,7 1976 70,7 74,5 90,7 95,5 1977 63,7 68,1 88,8 94,9 1978 51,4 55,7 81,6 90,8 1979 26,0 34,5 65,1 80,6 1980 30,9 38,6 66,2 81,1 1981 42,4 51,5 73,6 85,0 1982 49,8 55,9 76,7 85,9 1983 42,3 49,5 73,4 85,3 1984 50,5 57,7 78,5 88,2 1985 54,4 61,2 80,8 89,1 1986 46,8 54,8 73,7 83,6 1987 54 59,1 79,5 88,4 1988 67,4 71,1 84,8 90,9 1989 58,4 64,1 82,6 90,1 Fonte: Relatório Anual da Comissão Nacional das Bolsas de Valores - CNBV, anos de 1980 e 1989 186 TABELA 9 - NÚMERO DE EMPRESAS DE CAPITAL ABERTO REGISTRADAS NAS BOLSAS BRASILEIRAS ANO NÚMERO DE EMPRESAS 1974 604 1975 582 1976 573 1977 553 1978 591 1979 603 1980 614 1981 609 1982 607 1983 593 1984 601 1985 609 1986 654 1987 646 1988 634 Fonte: Relatório Anual do Conselho Nacional das Bolsas de Valores - CNBV vários números. Obs: O Total é o resultado das admissões, deduzidos os cancelamentos e os registros não renovados no Registro Nacional de Títulos e Valores Mobiliários que computava as bolsas dos estados de SP/RJ/MES/RS/BA/PR/RE/ERJ/SC/BR/ST/RN/AL/CE. 187 TABELA 10A - VALORES E PARTICIPAÇÃO DOS TÍTULOS DE RENDA FIXA E RENDA VARIÁVEL NA POUPANÇA FINANCEIRA *– 1969 / 1973 (Variação dos saldos em Cr$ milhões) TOTAL / PERÍODO 1969 1969% 1970 1971 1971% 1972 1973 Haveres Monetários 6.953 0,22 7.200 10.802,00 0,18 17.609 30.006 Haveres não Monetários 5.739 0,18 10.683 20.037,00 0,33 31.017 43.428 Depósitos de Poupança 563 0,02 1.188 1.680,00 0,03 3.952 6.409 Depósito a Prazo Fixo 665 0,02 2.340 5.049,00 0,08 7.571 8.794 Letras de Câmbio 1.614 0,05 2.113 6.833,00 0,11 6.897 14.559 Letras Imobiliárias 551 0,02 812 1.121,00 0,02 1.887 1.502 2.346 0,08 4.230 5.354,00 0,09 10.710 12.164 - - - - - - - 1.228 0,04 1.513 3.012,00 0,05 4.663 10.968 192 0,01 226 85,00 0,00 287 276 14.112 0,45 19.622 33.936,00 0,55 53.576 84.678 16.501 0,53 15.354 24.762,00 0,40 28.607 42.690 612 0,02 6.813 17.053,00 0,28 15.525 21.288 Títulos da Dívida Pública Federal ** Títulos da Dívida Pública Estadual e Municipal Fundos de Poupança Compulsória (FGTS, PIS e PASEP) Reservas Técnicas de Empresas Seguradoras Sub-total Títulos de Renda Fixa Emissões de ações e debêntures*** **** ***** Em dinheiro Por oferta pública registrada no órgão regulador (Bacen) Outras 468 0,02 531 2.946,00 0,05 649 913 5.652 0,18 6.282 14.107,00 0,23 14.876 20.500 Por incorporação de Reservas e outras 10.381 0,33 8.541 7.709,00 0,13 13.082 21.402 Fundos Mútuos de Investimentos 473 0,02 552 2.379,00 0,04 (1.446) (525) Fundos Fiscais de Investimento (DL. 157) 106 0,00 (25) 355,00 0,01 111 692 Sub-total Títulos de Renda Variável 17.080 0,55 15.881 27.496,00 0,45 27.272 42.857 Total - Poupança Financeira Bruta 31.192 - 35.503 61.432,00 - 80.848 127.535 Fonte: Dados até 1979 – Relatório Anual do Banco Central do Brasil vários números. * A partir de 1978 o Bacen não publicou mais os dados relativos a série de poupança financeira. ** Os dados para títulos públicos federais a partir de 1985 não considera os títulos em poder das Autoridades Monetárias *** Pelo menos a partir de 1976 os dados de emissões públicas não incluem as ofertas iniciais, nos anos anteriores não é possível saber ao certo. **** Os dados para emissão pública registrada em 1984 não estão computando os valores para janeiro, por não estarem disponíveis. ***** A partir de 1975 os dados do Bacen para emissões de títulos de renda variável passou a não incluir as debêntures. Obs: As eventuais diferenças existentes entre os valores aqui registrados para emissões públicas até o ano de 19777 e os valores encontrados em outras tabelas se devem, em geral aos cancelamentos que ocorriam posteriormente ao registro da emissão, em muitos casos em anos posteriores ao ano do registro, visto que o Bacen permitia a homologação parcial da emissão. 188 TABELA 10B - VALORES E PARTICIPAÇÃO DOS TÍTULOS DE RENDA FIXA E RENDA VARIÁVEL NA POUPANÇA FINANCEIRA *– 1974 / 1978 (VARIAÇÃO DOS SALDOS EM Cr$ MILHÕES ) TOTAL / PERÍODO 1974 1975 1976 1976% 1977 1978 1978% Haveres Monetários 31.350 54.152 69.000 0,182 93.925 141.051 0,174 Haveres não Monetários 43.664 119.400 150.031 0,395 242.432 382.432 0,470 Depósitos de Poupança 14.803 26.309 52.305 0,138 69.741 104.959 0,129 Depósito a Prazo Fixo 7.660 21.097 18.564. 0,049 59.922 94.395 0,116 Letras de Câmbio 7.788 13.201 12.583 0,033 17.241 48.901 0,060 Letras Imobiliárias 1.770 650 842 0,002 1.030 1.280 0,002 Títulos da Dívida Pública Federal ** 9.458 49.726 56.341 0,148 86.603 117.357 0,144 Títulos da Dívida Pública Estadual e Municipal Fundos de Poupança Compulsória (FGTS, PIS e PASEP) Reservas Técnicas de Empresas Seguradoras 2.185 8.417 9.396 0,025 7.895 15.540 0,019 21.593 30.720 57.658 0,152 94.831 89.688 0,110 545 (1.7445) 1.724 0,005 2.796 4.337 0,005 Sub-total Títulos de Renda Fixa 97.152 202.527 278.413 0,733 433.984 617.508 0,760 Emissões de ações e debêntures*** **** ***** 52.976 81.574 98.164 0,259 134.522 189.426 0,233 Em dinheiro 24.038 36.229 37.705 0,099 49.296 74.788 0,092 Por oferta pública registrada no órgão regulador (Bacen) Outras 538 504 803 0,002 1.343 3.721 0,005 23.500 35.725 36.903 0,097 47.953 71.067 0,087 Por incorporação de Reservas e outras 28.938 45.343 60.459 0,159 85.226 114.638 0,141 (392) (161) (252) (0,001) 281 188 0,000 778 1.911 3.346 0,009 6.711 5.821 0,007 Sub-total Títulos de Renda Variável 53.362 83.324 101.258 0,267 141.514 195.435 0,240 Total - Poupança Financeira Bruta 150.514 285.851 379.671 - 575.498 812.943 1,000 Fundos Mútuos de Investimentos Fundos Fiscais de Investimento (DL. 157) Fonte: Dados até 1979 - Relatório Anual do Banco Central do Brasil vários números. * A partir de 1978 o Bacen não publicou mais os dados relativos a série de poupança financeira. ** Os dados para títulos públicos federais a partir de 1985 não considera os títulos em poder das Autoridades Monetárias *** Pelo menos a partir de 1976 os dados de emissões públicas não incluem as ofertas iniciais, nos anos anteriores não é possível saber ao certo. **** Os dados para emissão pública registrada em 1984 não estão computando os valores para janeiro, por não estarem disponíveis. ***** A partir de 1975 os dados do Bacen para emissões de títulos de renda variável passou a não incluir as debêntures. Obs: As eventuais diferenças existentes entre os valores aqui registrados para emissões públicas até o ano de 19777 e os valores encontrados em outras tabelas se devem, em geral aos cancelamentos que ocorriam posteriormente ao registro da emissão, em muitos casos em anos posteriores ao ano do registro, visto que o Bacen permitia a homologação parcial da emissão. 189 TABELA 11 - PARTICIPAÇÃO DOS TÍTULOS DE RENDA VARIÁVEL E TÍTULOS DE RENDA FIXA NA POUPANÇA FINANCEIRA – 1969-78 (% com base nas variações anuais dos saldos) ANO RENDA FIXA RENDA VARIÁVEL 1969 45,24 54,76 1970 55,27 44,73 1971 55,24 44,76 1972 66,27 33,73 1973 66,4 33,6 1974 64,55 35,45 1975 70,85 29,1 1976 73,33 26,67 1977 75,41 24,59 1978 75,96 24,04 Fonte: Relatório Anual do Banco Central do Brasil, vários números. 190 TABELA 12A - PRINCIPAIS HAVERES FINANCEIROS – 1969/74 (Valores em Cr$ MILHÕES) TOTAL / PERÍODO 1969 1969% 1970 1971 1972 1973 1974 62.358 93.197 141.823 215.203 291.695 Total 44.475 Haveres Monetários 28.234 0,63 35.434 46.236 63.845 93.835 125.185 16.241 0,37 26.924 46.961 77.978 121.368 166.510 893 0,02 2.081 3.761 7.713 14.122 28.925 2.100 0,05 4.440 9.489 17.060 25.811 33.471 - - - - - - - 6.172 0,14 8.295 15.118 22.015 36.574 42.608 1.195 0,03 2.007 3.128 5.015 6.517 8.287 5.881 0,13 10.111 15.465 26.175 38.344 47.802 Haveres não Monetários Depósitos de Poupança Depósito a Prazo Fixo Letras de Imp. e Exp. Do BB Letras Câmbio Letras Imobiliárias Títulos da Dívida Pública Federal Títulos da Dívida Pública Estadual e Municipal 5.417 Fonte: Dados de 1969 - Relatório Anual do Banco Central do Brasil de 1973; dados de 1970/72 - Rel. Bacen de 1974; dados de 1973 - Rel. Bacen de 1975; dados de 1974 - Rel. Bacen de 1976; dados de 1975 - Rel Bacen de 1977; dados de1976 e 1977 no Rel do Bacen de 1978 Rel. Bacen de 1980; dados de 1979 - Rel Bacen de 1981;dados de 1980 1981 – Rel. Bacen de 1982; dados de 1983 Rel. Bacen de 1985; dados de 1984, 1985 e 1986 – Rel. Bacen de 1986. Obs: a partir de 1984 os dados para títulos públicos federais consideram somente os títulos fora das A. M. 191 TABELA 12B - PRINCIPAIS HAVERES FINANCEIROS – 1975/80 (Valores em Cr$ MILHÕES) TOTAL / PERÍODO 1975 1975% 1976 1977 1978 1979 1980 465.275 - 684.306 1.020.663 1.544.619 2.574.688 4.342.002 179.345 0,39 248.345 342.270 483.090 836.090 1.428.234 285.930 0,61 435.961 678.393 1.061.529 1.738.598 2.913.768 55.234 0,12 107.539 177.280 288.689 523.464 984.777 54.568 0,12 73.132 133.054 226.457 409.660 639.227 - - - - - - 55.809 0,12 68.392 85.633 130.968 186.684 274.775 8.937 0,02 9.779 10.809 10.900 12.949 16.062 97.548 0,21 153.889 240.492 357.850 521.528 848.385 Total Haveres Monetários Haveres não Monetários Depósitos de Poupança Depósito a Prazo Fixo Letras de Imp. e Exp. Do BB Letras Câmbio Letras Imobiliárias Títulos da Dívida Pública Federal Títulos da Dívida Pública Estadual e Municipal 13.834 0,03 23.230 31.125 46.665 84.313 150.542 Fonte: Dados de 1969 - Relatório Anual do Banco Central do Brasil de 1973; dados de 1970/72 - Rel. Bacen de 1974; dados de 1973 - Rel. Bacen de 1975; dados de 1974 - Rel. Bacen de 1976; dados de 1975 - Rel Bacen de 1977; dados de1976 e 1977 no Rel do Bacen de 1978 Rel. Bacen de 1980; dados de 1979 - Rel Bacen de 1981; dados de 1980 1981 – Rel. Bacen de 1982; dados de 1983 Rel. Bacen de 1985; dados de 1984, 1985 e 1986 – Rel. Bacen de 1986. Obs: a partir de 1984 os dados para títulos públicos federais consideram somente os títulos fora das A. M. 192 TABELA 12C - PRINCIPAIS HAVERES FINANCEIROS – 1980/1986 (Valores em Cr$ MILHÕES) TOTAL / PERÍODO 1980% 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1986% - 10.569.964 24.179.294 69.354.000 201.003.000 803.700.000 1.599.226.000 - 0,33 2.503.686 4.266.707 8.666.000 27.698.000 111.976.000 452.145.000 0,28 0,67 8.066.278 19.912.587 60.688.000 173.305.000 691.724.000 1.147.081.000 0,72 0,23 2.484.889 5.642.841 18.154.000 62.510.000 217.637.000 329.841.000 0,21 0,15 1.560.197 3.544.095 9.647.000 39.256.000 149.164.000 352.770.000 0,22 - - - - - - - - 0,06 493.607 1.785.280 4.697.000 9.816.000 32.833.000 43.473.000 0,03 Total Haveres Monetários Haveres não Monetários Depósitos de Poupança Depósito a Prazo Fixo Letras de Imp. e Exp. Do BB Letras Câmbio Letras Imobiliárias 0,00 26.563 43.181 79.000 135.000 127.000 372.000 0,00 Títulos da Dívida Pública Federal 0,20 3.087.930 7.863.351 25.436.000 53.081.000 258.489.000 359.219.000 0,22 Títulos da Dívida Pública Estadual e Municipal 0,03 413.092 1.033.839 2.675.000 8.507.000 33.474.000 61.406.000 0,04 Fonte: Dados de 1969 - Relatório Anual do Banco Central do Brasil- Bacen de 1973; dados de 1970/72 - Rel. Bacen de 1974; dados de 1973 Rel. Bacen de 1975; dados de 1974 - Rel. Bacen de 1976; dados de 1975 - Rel Bacen de 1977; dados de1976 e 1977 no Rel do Bacen de 1978 Rel. Bacen de 1980; dados de 1979 - Rel Bacen de 1981; dados de 1980 1981 – Rel. Bacen de 1982; dados de 1983 Rel. Bacen de 1985; dados de 1984, 1985 e 1986 – Rel. Bacen de 1986. Obs: a partir de 1984 os dados para títulos públicos federais consideram somente os títulos fora das A. M. 193 TABELA 13 – VALORES DE EMISSÃO DE AÇÕES (CRITÉRIO DAS SOBRAS) E VARIAÇÃO ANUAL DE HAVERES NÃO MONETÁRIOS E RELAÇÃO EMISÃO DE AÇÕES SOBRE HAVERES NÃO MONETÁRIOS (VARIAÇÃO) (Valores em Cr$ milhões) ANO EMISSÕES DE AÇÕES (CRITÉRIO DAS SOBRAS) 1 HAVERES NÃO MONETÁRIOS 2 3 4 (VARIAÇÃO ANUAL DOS SALDOS) EMISSÃO DE AÇÕES/VARIAÇÃO ANUAL DE HAVERES NÃO MONETÁRIOS 1969 468,00 5.739,00 8,15 % 1970 531,00 10.683,00 4,97 % 1971 2,946,00 20.037,00 14,70 % 1972 648,90 31.017,00 2,09 % 1973 913,00 43.428,00 2,10 % 1974 538,00 43.664,00 1,23 % 1975 504,00 119.400,00 0,42 % 1976 803,00 150.031,00 0,54 % 1977 1.343,00 242.432,00 0,55 % 1978 3.721,00 382.432,00 0,97 % 1979 - 677.069,00 - 1980 - 1.175.170,00 - 1981 - 5.152.510,00 - 1982 32.892,49 11.846.309,00 0,28 % 1983 38.226,87 40.775.413,00 0,09 % 1984 408.580,21 112.617.000,00 0,36 % 1985 1.303.720,71 518.419.000,00 0,25 % 1986 7.038.589,67 455.357.000,00 1,55 % % ( - ) Dados não disponíveis. Fonte: Dados de emissões até 1979: Relatório do Banco Central do Brasil, vários números; dados de emissões de 1982 a 1986: Centro de Consulta-CVM; dados de variação de haveres não monetários: Relatório Banco Central do Brasil, vários números. Nota metodológica: Os dados para emissões públicas de ações nos anos 80 foram estimados a partir do cálculo do valor das sobras para cada emissão registrada na CVM (preço de lançamento multiplicado pela quantidade de títulos correspondentes as sobras) de acordo com registros nos mapas de registro de emissão de ações - Centro de Consulta- CVM, de forma a compatibilizar os dados com a metodologia que era utilizada pelo Banco Central. Obs. 1: Até 1975 os dados do Bacen para emissões de títulos de renda variável incluía debêntures. Obs. 2: Pelo menos a partir de 1976 os dados de emissões públicas não incluem as ofertas iniciais, nos anos anteriores não é possível saber ao certo. Obs. 3: os dados de emissões para 1979 e 1980 disponíveis na CVM não permitem calcular o valor das emissões de acordo com o critério de sobras, que era adotado pelo Bacen. Obs. 4: Os dados para emissão pública registrada em 1984 não estão computando os valores para janeiro, por não estarem disponíveis. Obs. 5: As eventuais diferenças existentes entre os valores aqui registrados para emissões públicas até o ano de 1977 e os valores encontrados em outras tabelas se devem, em geral aos cancelamentos que ocorriam posteriormente ao registro da emissão, em muitos casos em anos posteriores ao ano do registro, visto que o Bacen permitia a homologação parcial da emissão. Optamos por registrar os valores publicados mais recentes. 194 TABELA 14 - A PARTICIPAÇÃO DOS FUNDOS - 157 NO MERCADO PRIMÁRIO (Valores em Cr$ milhões) REGISTROS DE AÇÕES PARA OFERTA PÚBLICA DE REGISTROS DO ANO TOTAL COLOCADO VALOR APLICADO PELO SISTEMA DL 157 NO MERCADO PRIMÁRIO * % DO TOTAL DE REGISTROS DE ANOS ANTERIORES 75 493 182 504 686 69 10.1 76 1.373 461 802 1.263 321 25.4 77 1.905 676 3.343 2.019 657 32.5 78 9.363 2.536 3.721 6.257 975 15.6 ANO COLOCAÇÃO EFETIVA NO MERCADO COLOCADO FONTE: Boletim do Banco Central do Brasil, vários números. Nota metodológica: Deve-se considerar que os valores aplicados pelos fundos estão superdimensionados devido ao fato de que enquanto os dados para as emissões totais não consideram os recursos captados em decorrência do exercício de direitos por parte dos acionistas das companhias, os valores subscritos pelos fundos estão computando as ações que estes subscreveram no exercício do seu direito de preferência. TABELA 15 - A ATUAÇÃO DOS FUNDOS 157 NO MERCADO SECUNDÁRIO (Valores em Cr$ milhões) ATUAÇÃO DO SISTEMA DL 157* Vendas Fluxo Compras Liquido + Vendas 141 371 653 75 MOVIMENTO TOTAL DA BVRJ E DA BOVESPA 26.677 76 28.061 1.669 747 922 2.416 4.3 (549) 77 37.696 2.736 1.471 1.265 4.207 5.6 (384) 78 52.960 3.173 2.649 524 5.822 5.5 (273) 1º Sem/78 28.213 1.555 1.379 176 2.934 5.2 (173) 2º Sem/78 24.747 1.618 1.270 422 2.888 5.8 (100) JAN/78 4.734 288 190 98 478 5.0 (29) JAN/79 3.977 266 252 14 518 6.5 ND ANO Compras 512 % do Movimento Total 1.2 FLUXO LÍQUIDO DOS FUNDOS MÚTUOS EM BVs (689) * Amostra dos 20 maiores Fundos Fiscais FONTE: Boletim do Banco Central do Brasil, vários números 195 TABELA 16 - COMPARAÇÃO ENTRE RENTABILIDADE E CAPTAÇÃO DE UMA AMOSTRA SELECIONADA DE FUNDOS FISCAIS (Valores em Cr$ milhões) RENTABILIDADE (%) 73/78 78 BRADESCO 234.9 26.7 4.277 2.000 ITAÚ 248.3 26.0 2.963 1.200 UNIBANCO 241.1 28.2 1.926 800 REAL 184.8 26.5 1.659 700 NACIONAL 206.9 23.8 943 400 11.768 5.100 FUNDOS FISCAIS PATRIMÔNIO LÍQUIDO SUB-TOTAL * CAPTAÇÃO PREVISTA EM 79 BRASCAN 487.7 33.6 119 200 FINASA 279.1 16.8 625 200 BOZANO 342.6 49.0 178 100 BOSTON 306.2 48.6 51 40 AMÉRICA SUL 285.0 33.0 233 80 1.206 620 SUB-TOTAL * Em 31/12/78. O patrimônio líquido é o resultado de captações efetuadas em anos anteriores e a rentabilidade auferida. FONTE: Bacen, ANBID, BOVESPA e Administradores de Fundos 157. 196 TABELA 17 - TAXAS DE VARIAÇÃO ANUAL DO PIB E DO PRODUTO INDUSTRIAL E PARTICIPAÇÃO DA FBKF NO PIB Ano Produto Interno Bruto Produto Industrial Formação Bruta de Capital Fixo (% PIB) 1970 10,4 11,9 18,8 1971 11,3 11,9 19,6 1972 12,1 14,0 20,2 1973 14,0 16,6 21,4 1974 9,0 7,8 22,8 1975 5,2 3,8 24,4 1976 9,8 12,1 22,5 1977 4,6 2,3 21,4 1978 4,8 6,1 22,2 1979 7,2 6,9 23,0 1980 9,1 9,1 22,5 1981 -3,1 -10,4 21,0 1982 1,1 -0,4 20,4 1983 -2,8 -6,1 16,1 1984 5,7 6,1 15,5 1985 8,4 8,3 16,7 1986 8,0 11,3 18,5 1987 2,9 1,0 19,7 Fonte: IBGE – Contas Nacionais 197