A busca pelos antepassados Como montar sua árvore genealógica

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Ano 3 / n" 28 R$ 8,90
fevereiro 2006
A busca pelos antepassados
Como montar sua árvore genealógica
A ideologia em brasões e sobrenomes
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v
1&(
2006
•
40
Fabrício Rodrigues dos Santos
USamos codos iguais, o que muda é a nossa História:'
National Geographic
Society
Organização
sem fins
lucrativos. que financia
pesquisas e explorações
científicas e.
posteriormente.
as
publica na revista
National Geographic.
IBM
lnternational
Business
Machines Corporation
é
uma gigantesca empresa
americana que atua no
setor de inforrnática em
cerca de 170 países.
uestões que tratam da formação
do povo brasileiro,
sobre as quais há
...•••••••
_~
muito se debruçam especialistas de diversas áreas,
estão muito perto de uma solução.
Ou talvez, e mais precisamente,
muito próximas de algumas respostas possíveis. Estudos sobre genética,
desenvolvidos por pesquisadores da
Universidade Federal de Minas Gerais, entre eles o professor do Departamento de Biologia Geral Fabrício
Rodrigues dos Santos, revelam os
avanços no diálogo entre geneticistas, de um lado, e antropólogos, sociólogos e historiadores, de outro. O
professor Fabrício atualmente coordena o Projeto Genográfico na América do Sul - patrocinado pela National Geographic (www.nationalgeographic.com/genographic),
IBM
e Waitt Family Foundation -, lançado em abril de 2005, que deverá obter várias informações valiosas nos
próximos cinco anos, como um mapeamento da origem dos antepassados de brasileiros, permitindo assim
a comparação desses dados com registros de cartórios, crônicas, relatos
e documentos. Co-autor de uma pesquisa, publicada em 2000, que apresenta os contornos do retrato molecular do brasileiro, Fabrício faz parte
da equipe de pesquisadores que descobriu, por exemplo, que o estudo genético com DNA de brasileiros brancos revela que 60% das linhas maternas são ameríndias ou africanas.
Na esteira dessa descoberta, muitos
outros mitos ruirão. O professor Fabrício Rodrigues dos Santos concordou gentilmente em interromper
seu complexo trabalho na Universidade Federal de Minas Gerais para conversar com Nossa História
sobre as muitas interseções entre a
sua atividade e as Ciências Sociais.
FRS- Em 1964, a partir das pesquisas de L.L. Cavalli-Sforza e A.W.F.
Edwards, se deu o primeiro uso da
genética para tentar reconstruir
parte da história humana. A genética é utilizada não apenas para
contar a história do homem moderno - que deve ter uns 100 mil
anos -, mas também para recontar
toda a história da vida em nosso
planeta, animais, plantas e microrganismos, com uma metodologia
idêntica. Evolução biológica nada
mais é do que a história da origem
das espécies, incluindo a humana.
Nossa História - Quais usos a
História pode fazer da genealogia genética?
Fabrício Rodrigues dos Santos - A
genética é mais uma ferramenta
que tenta resgatar a História. Um
esforço muito parecido ao que é
feito pela arqueologia, mas com
uma diferença: a arqueologia pode
revelar o passado de povos que não
existem mais, e a genética, geralmente, só conta a história de povos
que deixaram descendentes hoje.
ós já nos consideramos historiadores como os arqueólogos, pois
recuperamos dados escondidos no
O A das populações humanas.
NH - Desde quando esse diálogo
vem acontecendo?
NH - De que maneira os
historiadores poderiam ter
acesso a essas ferramentas?
FRS- Os pesquisadores de História devem colaborar mais com os
geneticistas históricos. Isto já é
uma realidade em outros países.
No laboratório onde trabalhei em
Oxford, um historiador americano
queria demonstrar que Thomas
Jefferson teria tido um filho com
uma escrava, Sally Hemings. Procurou o laboratório de genética
que fez a análise de todos os possíveis descendentes de Iefferson, no
qual foi demonstrado que, sim, ele
teve um filho com Sally Heming .
Atualmente estão tentando demonstrar qual dos esqueletos atri-
41 .. v
buidos a Cristóvão Colombo (um
NH - Mas, sob o ponto de vista
na Espanha e outro na República
das ciências humanas, por que é
Dominicana) seria o verdadeiro.
importante um cientista provar
Isto só pode ser feito pela genétique um presidente dos EUA teve
ca. Fora do Brasil já existem vários
filho com uma escrava?
bancos de dados comparando a
FRS - Existem inúmeros relatos
história descrita por outros cientishistóricos sobre as relações extratas (historiadores, arqueólogos, anconjugais do presidente Thomas
tropólogos, lingüistas etc.). Nosso
Iefferson, um símbolo da república
Projeto Genográfinos EUA. Quanto
co faz isto também.
mais detalhes pu"Nós também nos
derem ser adicioconsideramos
NH - É verdade
nados a este estudo
historiadores, só que
que não teria sido
histórico, melhor.
utilizamos a genética
possível colher
Neste caso, foi decomo ferramenta"
amostras de DNA
monstrado,
sem
nos esqueletos
dúvidas, que os daatribuídos a
dos históricos inColombo?
dicando a existênFRS - Sim. Nos excia desse filho com
perimentos feitos até o momento
sua escrava estão em concordância
em pelo menos um dos esquelecom os testes genealógicos. Vários
tos, os pesquisadores da Espanha
outros historiadores contestavam
não conseguiram extrair D A de
esta versão nos EUA, mas o teste
qualidade suficiente para as análigenealógico trouxe um novo suses. Isto acontece em alguns restos
porte a esta hipótese histórica.
antigos, por causa da decomposição que degrada com o tempo
NH - No Brasil teríamos algum
também o DNA. Depende muito
exemplo de questão histórica
que foi ou poderá ser esclareci da
do local e da temperatura onde se
encontra o material biológico
pela genealogia genética?
(ossos, dentes etc.). Apesar de os
FRS - Existem alguns grupos de
restos de homens de Neanderthal
pessoas das cidades de Ouro Preto
serem muito mais antigos, por
e São João Del Rei que reivindicam
volta de 30 mil anos, foi possível
reconhecimento como comunidaextrair DNA para análises do esdes judaicas. Talvez seja possível,
queleto de três desses indivíduos,
através de estudos genéticos, deporque foram encontrados em
monstrar que são descendentes de
regiões frias da Europa, em bom
"cristãos-novos" (judeus convertiestado de conservação; o que não
dos forçadamente ao cristianismo
aconteceu com o esqueleto do supelos portugueses) e dar suporte
histórico à reivindicação deles. Seposto Colombo nestes últimos
quinhentos anos.
ria também interessante averiguar,
por exemplo, a possível origem de
Tiradentes, cujos restos estão depositados em diferentes lugare ,
bem como descobrir se todos o
restos pertencem à mesma pes oa.
Outros detalhes sobre o povoamento do Brasil poderão ser mais
esclarecidos posteriormente, a partir dos dados a serem gerados no
Projeto Genográfico. Poderemos,
no final, deduzir com mais detalhes as rotas de migrações pré-históricas/históricas na Europa, Ásia,
África e América. Baseado nisto,
será possível avaliar novamente os
mesmos indivíduos que estudamos na publicação, em 2000, do
retrato molecular do brasileiro, só
que utilizando uma resolução
mais refinada. O que permitirá
mapear a origem de ancestrais de
brasileiros em países ou regiões específicas em cada continente e
comparar, por exemplo, esses dados com registros de crônicas, cartórios, relatos de historiadores ete.
NH - Como a pesquisa genética
que compara informações de
outros cientistas tem sido feita
em nosso país?
FRS - Boa parte da pesquisa dos
geneticistas históricos tem sido feita com auxílio da pesquisa bibliográfica da obra de historiadores como Darcy Ribeiro, Gilberto Freyre,
Sérgio Buarque de Holanda, e também de pesquisadores atuais da
área arqueológica, como o professor Walter eves, da USP. No entanto, o contato de pesquisadores
da genética com os de outras áreas
tem sido limitado - ou por não
a erao
200
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2006
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Darcy Ribeiro
1922-1997)
educador.
Antropólogo,
ensaísra, escritor; político
e pensador mineiro, de
Mon[es Claros, autor de
vasta obra sobre
emologia, educação e
cultura brasileiras.
Walter Neves
Biólogo, antropólogo
fisico, professor e
pesquisador
do
compreenderem nossa ferramenta
de estudo ou até mesmo por falta
de tempo para colaborar conosco.
Um exemplo é o Projeto Genográfico, para o qual convidei três pesquisadores brasileiros da área antropológica, mas nenhum se prontificou imediatamente a participar. A interdisciplinaridade é muito importante e, é bom ressaltar,
se dá em maior escala fora do nosso país. É necessário que comece a
ser implementada aqui também.
cional do Índio). Este projeto é
muito importante porque a partir
dessa base poderemos reconstruir
as migrações pré-históricas .que
moldaram as distintas culturas da
Terra, antes de 1500. E a minha
própria experiência pode servir
como um exemplo dessa importância: somente porque no passado foram estudados povos nativos da Europa, do Oriente Médio
e da África, hoje eu sei de detalhes
dos caminhos de meus ancestrais.
NH - Por que essa resistência
NH - A possibilidade de fazer
ainda acontece?
FRS - Creio que há ainda bastante desconhecimento e desconfiança sobre a aplicação da genética
na pesquisa histórica. Um teste de
paternidade por DNA, que todos
reconhecem seu potencial e aplicação, nada mais é do que uma
pesquisa histórica recente envolvendo duas gerações. Nós utilizamos metodologias e análises parecidas com o D A para inferir
genealogias nas últimas 5 mil gerações - cerca de 100 mil anos da história da humanidade.
um retrato molecular a partir da
genealogia genética é muito
interessante. Quem somos nós?
FRS ão existe um brasileiro típico e, como é de se esperar, somos muitos. Resultamos da mistura de povos de distintas origens
geográficas que se encontraram
aqui no Brasil. Hoje, já temos
condições de fazer um estudo como o publicado em 2000:adicionando muito mais detalhes. E
com o Projeto Genográfico pretendemos estudar todas as rotas
migratórias pré-históricas ao redor do mundo. Para is o, estudaremos o DNA de pessoas de grupos nativos, como os indígenas
das Américas, os aborígenes da
Austrália, os alemães e portugueses da Europa, chineses e japoneses da Ásia etc. Teremos assim
muito mais detalhes sobre essa
pré-história, o que é necessário
compreender para estudarmos,
por exemplo, a origem da população brasileira.
taboracórío de Estudos
Evolutivos Humanos do
lnstituto
de Biociências
da USP. que batizou o
crânio com mais de 11
mil anos encontrado
em Minas Gerais de
Luzia e mudou as
teorias existentes sobre
a pré-hisrória
do Brasil
(ver NH n. 22. p. 16).
NH - E o que é exatamente
o
Projeto Genográfico?
FRS - O projeto de pesquisa é feito aqui na Universidade Federal
de Minas Gerais. A parte educativa do Projeto Genográfico, que
inclui os testes de genealogia para
trazer informações ao público comum e a parte de fomento de projetos de educação e preservação
cultural, estarão a cargo da National Geographic Society, que também conta com o apoio do canal
de TV e da revista. O projeto de
pesquisa sobre povos indígenas da
América do Sul e de parte da
América Central será executado
em Belo Horizonte, na UFMG, e
deveremos montar uma equipe de
colaboradores assim que for aprovado pela Funai (Fundação Na-
NH - No caso brasileiro, haveria
uma genealogia do branco
europeu, outra do ameríndio e
ainda uma terceira do africano?
Ou o tronco é comum?
FRS - É muito difícil encontrar
um brasileiro, independentemente da "cor", que não tenha ancestralidade tripla: ameríndia, euro-
péia e africana. Estudos anteriores de nosso grupo também revelaram que não existe uma perfeita correlação entre a origem e a
cor. É fácil ver isso em algumas famílias onde irmãos podem ter
"cores" bem distintas, apesar de
terem a mesma ancestralidade.
NH - Qual a metodologia empre-
gada pela genealogia genética?
FRS - Nós estudamos variações
que existem no DNA dos cromossomos das células de cada pessoa.
Por exemplo, um indivíduo pode
ter um pedaço específico do
DNA com uma seqüência de letrinhas ACCGT, e outra pessoa,
neste mesmo pedaço, a seqüência
é um pouco diferente: ATCGT.
ós analisamos inúmeros pedaços de DNA com estas diferenças.
É a técnica de estudo de populações usando "polimorfisrnos" de
DNA. Polimorfismos de DNA são
as variações. A genética de populações leva em conta as variações
presentes em cada população e
como estas se relacionam umas
com as outras, através de fatores
evolutivos e históricos como ancestralidade comum, migrações,
expansão demográfica ete.
NH - No caso específico da
migração africana, por exemplo, é
muito difícil determinar com
100% de certeza a origem étnica
de determinado grupo, Isso porque temos como ferramenta para
a elaboração da identidade os
nomes da tribo, os portos de
embarque ... A genealogia genética
pode nos ajudar a desatar esse nó?
FRS - Sim, a genética já tenta fazer isto, apesar das limitações.
Para isso será necessário estudar
geneticamente, em detalhe, os vários povos da África, não só os de
onde vieram "escravos" ao nosso
país. Com o Projeto Genográfico
pretendemos fazer isso não só
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para África, mas todos os continentes. Assim, poderemos identificar cada tribo da África por sua
constituição genética e fazer uma
inferência do quanto cada uma
contribuiu para a constituição da
população brasileira.
NH - E quanto tempo os histo-
riadores terão que aguardar para
obter essas informações?
FRS- Nós também nos consideramos historiadores, só que utilizamos a genética como ferramenta.
Estamos fazendo nossa pesquisa ao
longo dos próximos cinco anos e
todo o seu desenvolvimento poderá ser acompanhado na página do
projeto na internet: www.nationalgeographic.com/genographic
NH - No caso da genealogia como
estudo de parentesco, prevalece o
esforço de buscar um ancestral
com algum traço distintivo. Isso
ainda é possível ou, com a genealogia genética, vamos descobrir
que somos todos iguais?
FRS- Não só é possível como já é
feito há muito tempo. Há laboratórios especializados em serviços
de genealogia que comparam vários traços, incluindo sobrenome. Por exemplo, o www.familytreedna.com nos EUA. o Brasil,
isso pode ser feito em alguns laboratórios especializados, como
o do professor Sérgio D. J. Pena
(co-autor de nossa pesquisa), o
GENE (www.gene.com.br).
NH - Então, tem gente que paga
para saber, por exemplo, se
descende da família real russa?
FRS- Exatamente, mas esse tipo
de teste é muito mais complicado
porque se terá que pedir permissão para exumar cadáveres etc. A
maioria dos testes é feita para
descobrir algum parentesco com
famílias, do mesmo ou de outros
países, e para tentar reconstruir
de alguma forma o passado de
nossos ancestrais. Juntamente
com os testes genealógicos genéticos, são feitas também análises
dos sobrenomes e registros destes
na imigração dos países, como
qualquer outro historiador interessado em genealogia.
NH - E o que é aparência e o que
é real, quando se trata de genealogia genética humana?
FRS- Aparência é o que enxergamos em um indivíduo à primeira
vista, sem uma análise criteriosa,
científica. A genealogia genética
atual trabalha apenas com diferenças no DNA, que não podem
NH - Mas, no fim das contas,
ser percebidas pela visão, que é o
somos todos iguais?
sentido que nos permite detectar
FRS - Os estudos genéticos feitos
as aparências. Além disto, não só
até agora têm dea genética, mas a
monstrado
que,
morfologia (que
"Um teste de
apesar de existiestuda os fenótipaternidade por DNA
rem diferenças enpos da forma do
nada mais é do que
tre nós, elas são recorpo ou célula)
uma pesquisa histórica
lativamente muito
também trabalha
recente
envolvendo
pequenas. Somos
com
diferenças
muito mais pareduas gerações"
reais entre indivícidos entre nós, na
duos que podem
espécie humana,
ser detectadas pela nossa visão, às
do que, por exemplo, dois chimvezes com uso do
panzés ou dois
microscópio.
As
gorilas. A geneaciências genética
e morfologia tralogia genética já
demonstrou
de
balham com as
diferenças reais,
várias formas que
quer dizer, ignoram os estereótitodos os povos do planeta apareceram apenas nos últimos 100 pos associados à nossa subjetividade, preconceitos etc.
mil anos - um tempo evolutivo
muito pequeno. Os chimpanzés, à
NH - Qual o impacto disso nas
primeira vista muito "parecidos",
ciências sociais?
na verdade são muito diferentes
FRS - Até recentemente, várias
entre si. Sua espécie tem muito
pessoas consideravam os povos
mais do que 1 milhão de anos.
humanos muito diferentes de um
Não há raça entre nós, somos tocontinente para outro por causa
dos uma única espécie, Homo sada aparência superficial. Desde a
piens. O conceito biológico de raprimeira publicação, em 1972, em
ça não pode ser usado na nossa
que se falou que não haveria raças
espécie, pois as diferenças biolóna nossa espécie - The Appartiangicas entre povos de distintos
ment af Human Diversity, de R.C.
continentes são insignificantes.
Lewontin
-, levou certo tempo até
Diferentemente dos chimpanzés,
que, na década de 1990, foi munque se dividem entre duas espédialmente divulgada esta conclucies e quatro raças. Embora para
são da biologia através de vários
nós eles sejam tão "parecidos", são
outros estudos. Então, não é correbiologicamente muito diferentes.
to falar que existem raças por cauA ciência separa bem o que é
sa de diferenças biológicas, pois a
"aparência", que é subjetivo, do
biologia mostra o contrário. CJ
que é "real" ou objetivo.
Obras citadas
Cavalli-Sforza, l.l. e
Edwards, A.w.F. (1964)
Ana/ysis of Human
Evolutton. Proc. 11(h 1m.
Congr. Genet, 2: 923·933.
Lewomin, R.C. (1972)
The Apportionment of
Human Diversity.
Evolurionary Biology
6:381·398.
Fenótipos
Coruunto de
caracrerísticas
observáveis, aparentes,
de um indivíduo, de
um organismo, devidas
a fatores hereditános
(genónpo) e às
modificações trazidas
pelo meio ambiente,
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