UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS CURSO DE HISTÓRIA ZÍNGARA MERICE DE CASTRO PAVÃO ANTONIO VIEIRA: ARTE E EXPRESSÃO DA MÚSICA MARANHENSE São Luís 2005 ZÍNGARA MERICE DE CASTRO PAVÃO 12 ANTONIO VIEIRA: ARTE E EXPRESSÃO DA MÚSICA MARANHENSE Monografia apresentada ao Curso de História como requisito para obtenção do grau de Licenciada em História. Orientador: Prof. Fábio Henrique Monteiro São Luís 2005 13 Pavão, Zíngara Merice de Castro Antonio Vieira: arte e expressão da música maranhense / Zíngara Merice de Castro Pavão. - São Luís , 2005. 88 fls. Monografia (Graduação em Estadual do Maranhão, 2005. História) - Universidade 1. Música - Maranhão 2. Antonio Vieira 3. Arte Expressão I. Titulo CDU 929:781.5 (812.1) 14 ZÍNGARA MERICE DE CASTRO PAVÃO ANTONIO VIEIRA: ARTE E EXPRESSÃO DA MÚSICA MARANHENSE Monografia apresentada ao Curso de História como requisito para obtenção do grau de Licenciada em História. Aprovada em: / / BANCA EXAMINADORA __________________________________________ Prof. Fábio Henrique Monteiro (Orientador) __________________________________________ 2° EXAMINADOR __________________________________________ 3° EXAMINADOR 15 A Deus. Aos meus filhos. 16 Esperei com paciência no Senhor, e ele se inclinou para mim, e ouviu o meu clamor. Tirou-me dum lago horrível, dum charco de lodo, pôs os meus pés sobre uma rocha, firmou os meus passos. Salmo 40, 1-2. Oh! Homem, Eu estou sempre contigo, Porque quando ouvires a tua consciência, É a minha voz; Quando a natureza ficar zangada, Sou eu te avisando; Quando os pingos da chuva Caírem sobre tua cabeça, São as minhas lágrimas; Quando ouvires a corrente dos rios, É o meu murmúrio; Quando olhares as estrelas piscando, Sou eu te chamando; Quando ouvires os pássaros cantando, É o meu hino; Quando a brisa soprar o teu rosto, É o meu beijo; Quando o crepúsculo for caindo, É a minha tristeza; Quando a manhã for nascendo, É a minha alegria; Portanto, mesmo que me esqueças, Eu estou junto de ti. Antonio Vieira, “Prece de Deus” 17 18 AGRADECIMENTOS A Deus, pai do Senhor Jesus Cristo, filho da Virgem Maria, concebida pelo Espírito Santo. Amém! Ao meu pai, José Anselmo de Castro – in memoriam A minha mãe, Merice Francisca Ferreira de Castro Em especial aos meus filhos, os meus melhores amigos: Manoel N. de Castro Pavão, Manuela S. de Castro Pavão, Marcela S. de Castro Pavão e Monique S. de Castro Pavão Ao meu professor e orientador Fábio Henrique Monteiro As pessoas que direta e indiretamente colaboraram para a construção deste trabalho monográfico A amiga Elizabeth por toda sua atenção e dedicação Ao mestre Antonio Vieira, que humildemente concedeu-me a honra deste trabalho, dando-me liberdade de expressão. Obrigada Mestre Antonio Vieira! 19 RESUMO No ensaio que segue será mostrado um perfil biográfico do poeta e compositor maranhense Antonio Vieira como arte e expressão da música do Maranhão. Será feita uma abordagem de toda a sua trajetória de vida, desde o seu nascimento até os dias atuais, enfatizando as suas características peculiares de artista, em que se destacam o seu percurso artístico-musical, seus grandes parceiros e sucessos. Com fundamentação em pesquisas e entrevistas, desvelaremos a magnitude e a singularidade da poesia contida na obra poético-musical deste ilustre maranhense. Palavras-chave: Música - Maranhão. Antonio Vieira. Arte - Expressão 20 ABSTRACT In this essay will be showed a biographical profile of the poet and composer of the Maranhão Antonio Vieira like art and expression of the Maranhão music. Will have a study of all his life trajectory, since his birty until our days, emphasizing his peculiar characteristics of artist, his artistic-musical course, his great partness and successes. Based in researches and interviews, will explain the magnitude and the singularity of the poetry in the poetic-musical work of this illustrious man of the Maranhão. Keywords: Music – Maranhão. Antonio Vieira. Art - Expression 21 LISTA DE FIGURAS p. FIGURA 1: ANTONIO VIEIRA COM O SEU FIEL AMIGO CAÍQUE................ 15 FIGURA 2: ANTONIO VIEIRA COM SUA IRMÃ ISABEL E SUA SOBRINHA RAIMUNDA HELENA ............................................... 16 FIGURA 3: ANTONIO VIEIRA EM SEU ATUAL TRABALHO - AMARTE........ 26 FIGURA 4: ANTONIO VIEIRA EM UMA DE SUAS APRESENTAÇÕES ........ 27 FIGURA 5: ANTONIO VIEIRA NO TEATRO ARTHUR AZEVEDO ................. 35 FIGURA 6: ANTONIO VIEIRA E A CANTORA RITA RIBEIRO ....................... 38 FIGURA 7: ANTONIO VIEIRA COM A CANTORA ELZA SOARES ................ 41 FIGURA 8: ANTONIO VIEIRA COM O CANTOR ZECA BALEIRO ................. 42 FIGURA 9: ANTONIO VIEIRA NA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE ......... 48 FIGURA 10: ANTONIO VIEIRA E A SECRETÁRIA DA AMARTE, MÁRCIA, AO LADO DO PROJETO DOCUMENTAÇÃO E REGISTRO FONOGRÁFICO DA OBRA MUSICAL DE ANTONIO VIEIRA...... 49 FIGURA 11: ANTONIO VIEIRA SENDO ENTREVISTADO PELA FORMANDA ZÍNGARA PAVÃO.................................................... 63 FIGURA 12: ANTONIO VIEIRA E A FORMANDA ZÍNGARA PAVÃO AO LADO DO ACERVO DO PROJETO DOCUMENTAÇÃO E REGISTRO FONOGRÁFICO DA OBRA MUSICAL DE ANTONIO VIEIRA ......................................................................... 65 22 LISTA DE ANEXOS p. ANEXO A: CANÇÕES DO MESTRE VIEIRA................................................. 74 ANEXO B: SAMBA ENREDO DA ESCOLA DE SAMBA “FLOR DO SAMBA”, CARNAVAL DE 2003................................................... ANEXO C: 51 DEPOIMENTO DE ANTÔNIO VIEIRA SOBRE A MORTE DE LOPES BÓGEA, SEU PARCEIRO NO PROJETO “PREGOEIROS”........................................................................... ANEXO D: ANTÔNIO VIEIRA EM COMEMORAÇÃO AOS 393 ANOS DE SÃO LUÍS..................................................................................... ANEXO E: 82 83 REGISTRO FONOGRÁFICO DA OBRA DE ANTÔNIO VIEIRA PELA CVRD................................................................................. 84 ANEXO F: “ANTONIOLOGIA” VIEIRA........................................................... 85 ANEXO G: PARTITURA DE O CARVOEIRO................................................. 86 ANEXO H: ARTIGO DE JORNAL SOBRE A INAUGURAÇÃO DA EDITORA “AFLUENTE”............................................................... ANEXO I: 87 ARTIGO DE JORNAL PUBLICADO EM 23 DE AGOSTO DE 1953 SOBRE OS COMPOSITORES MARANHENSES, COM DESTAQUE PARA ANTONIO VIEIRA......................................... 88 23 SUMÁRIO p. LISTA DE FIGURAS ................................................................................ 8 LISTA DE ANEXOS ................................................................................. 9 1 INTRODUÇÃO....................................................................................... 11 2 A LUZ .................................................................................................... 13 2.1 O Nascimento....................................................................................... 13 2.2 A Família ............................................................................................... 13 2.3 A Infância e a Adolescência................................................................ 16 2.4 A Escolarização ................................................................................... 19 2.5 A formação de uma personalidade generosa e simples .................. 20 3 O ENCONTRO COM O TRABALHO – O COMERCIÁRIO DA PRAIA GRANDE ............................................................................................... 22 4 O ARTISTA............................................................................................ 26 4.1 O poeta do simples: a música, seu mundo predileto ....................... 27 4.1.1 A Trajetória Artístico-Musical e Os Grandes Parceiros.......................... 30 4.2 O grande sucesso................................................................................ 35 4.2.1 Sete Décadas na Música Popular Maranhense ..................................... 36 4.2.2 O Primeiro CD Solo ............................................................................... 40 4.2.3 O Sucesso Nacional .............................................................................. 42 4.2.4 Prêmios e homenagens ......................................................................... 46 5 VIDA ...................................................................................................... 51 5.1 Lembranças.......................................................................................... 52 6 SÃO LUÍS E O POETA ANTONIO VIEIRA ........................................... 57 7 DEPOIMENTOS .................................................................................... 59 8 ASSIM FALOU O POETA, MÚSICO E CANTOR ................................. 63 9 CONCLUSÃO........................................................................................ 70 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 71 ANEXOS................................................................................................ 73 24 1 INTRODUÇÃO A música está presente em todas as culturas e nas mais diversas situações, em festas, comemorações, rituais religiosos, manifestações cívicas, políticas e históricas. É uma linguagem que se traduz em formas sonoras capazes de expressar e comunicar sensações, sentimentos e pensamentos. E é através desse caráter plurissignificativo de interação social, cultural e histórico da linguagem musical que o mestre Antonio Vieira externiza todo o seu lado poético, de forma genuinamente simples e grandiosa. Com o olhar voltado para a vida e obra desse octogenário poeta, compositor, músico e cantor, que após uma longa e vitoriosa trajetória tem o reconhecimento nacional, entraremos no seu universo artístico-musical, verdadeiro acervo da cultura e da história maranhense, que, assim como o mestre Antonio Vieira, é autêntica e expressa toda a riqueza da arte musical deste Estado. Antonio Vieira é dono de um conjunto de sotaques, gingados e ritmos. Sua obra caminha por todos os espaços desse torrão, enveredando no imaginário poético popular, onde encontra deleite para expressar de forma simples e original o seu espírito crítico e social. Ele recria o mundo com sua simplicidade, e retrata, de forma criativa e generosa o cotidiano do homem comum. As composições do mestre Vieira são verdadeiras ferramentas, que expressam de maneira pura e profunda os sentimentos humanos. A poesia de sua obra desperta a imaginação e sensibilidade, exteriorizando o belo artístico musical com uma linguagem peculiar, marcada por recortes estéticos que se molda com a simplicidade e espontaneísmo desse compositor tão bem espelhado na sua música, afirmando que: “A música é sempre como eu sou. Eu sou um homem simples, por isso minha música é simples”. E é com essa mesma singeleza que nos propomos a traçar o perfil biográfico dessa pérola da cultura maranhense. Considerando a grandiosidade da obra desse artista e sua majestosa trajetória musical, não conseguiremos abarcar todos os 25 pormenores, contudo, com base em entrevistas, depoimentos, artigos jornalísticos e, claro, nas próprias narrativas do mestre Antonio Vieira, tentaremos ser o mais abrangente possível, uma vez que não queremos restringir, mas, ao contrário, buscamos imprimir a devida importância e todos os méritos a esse legítimo cancioneiro contemporâneo, que vela em sua obra a mais nítida postura social, política, artística, histórica e cultural, que resguarda em si um comprometimento com o seu povo, desvelando em seu imaginário poético o mais profundo sentimentalismo e orgulho por ser maranhense. Portanto, achou-se conveniente que a biografia aqui traçada fosse dividida, afim de que pudesse ser mais bem entendida e compreendida. Sendo a primeira delas a introdução, a segunda discorrerá sobre o nascimento, a família, sua infância e adolescência, sua escolarização e formação dessa personalidade generosa e simples. Em seguida, abordaremos o encontro do mestre Vieira com o trabalho. A quarta seção fará uma breve explanação sobre o artista Antonio Vieira, o poeta do simples, com sua trajetória artístico-musical e os seus grandes parceiros, além de discorrer sobre o grande sucesso do mestre Vieira, desde o lançamento do seu primeiro CD solo até o resplandecer do reconhecimento nacional. Em seguida será feito alguns comentários acerca da vida, das lembranças e dos momentos e marcas que foram inesquecíveis no trajeto desse grande artista popular. A sexta parte dessa biografia falará sobre São Luís e o poeta Antonio Vieira. Depois serão registrados alguns depoimentos de músicos, amigos, jornalistas e outros especialistas sobre a obra, a vida e ser humano Antonio Vieira. Em seguida será destinado um capítulo para o biografado, que, por de uma entrevista relata vários fatos de sua vida e de sua trajetória artístico-musical. E, por último, serão feitas algumas considerações, sem, contudo constituírem as palavras finais a respeito do artista e mestre Antonio Vieira, que, como poderemos observar ao longo dessa monografia tem muito para mostrar e ensinar não só para os maranhenses, mas para todos os brasileiros. 26 2 A LUZ 2.1 O Nascimento A tradicional Fonte das Pedras amanhecia mais um de seus dias por demais histórico, assim parecia sorrir à-toa, mas não era para menos, era exatamente nove de maio de 1920, quando veio ao mundo o bebê Antonio Vieira. Nasceu em uma casa meia morada na antiga Rua de São João, muito próximo da referida e histórica fonte mencionada. O seu nome foi uma homenagem ao grande padre jesuíta, seu homônimo que marcou época quando de suas passagens pela província maranhense. Seus pais biológicos foram Wilson Vieira e Itamar Farias. Nasceu mais uma pérola intocável da Música Popular Maranhense, um dos símbolos culturais desta gleba de imensuráveis vultos da História e da Cultura Nacional. 2.2 A Família Não fugindo de suas verdadeiras origens, Antonio Vieira, afirma: “fui um menino pobre criado por família de posse”. Quando estava com um ano de idade, a pedido de seus padrinhos João Batista Alves Lomba e sua filha Odila Alves Lomba, os seus pais lhe entregaram para o padrinho e a madrinha, os quais foram os principais responsáveis por sua educação e criação. Não lhes faltaram cuidados e carinho, bem como conforto, que lhe era proporcionado via os fortes recursos da família dos padrinhos, de procedência portuguesa. O seu 27 pai adotivo foi por longos anos o Chefe da Tipografia da estrada de Ferro São Luís - Teresina, cujo cargo lhe proporcionava um dos maiores salários da cidade à época. Vieira não possui mais ninguém com laços de parentescos da sua família adotiva aqui no Maranhão. Mas tem ainda um irmão de criação, Durval Alves Duarte Lomba, psicólogo que reside já há muito tempo no Paraná, o qual após longos anos sem mandar notícias, se manifestou em 2003, por ocasião do documentário elaborado sobre a vida e a obra do Mestre Antonio Vieira produzido pela AMARTE – Associação de Apoio a Música e a Arte do Maranhão – e patrocinado pela Companhia Vale do Rio Doce, oportunidade em que o referido irmão deu o seguinte depoimento: Inicialmente, devo dizer-lhes que não consigo fazer referências ao compositor Antonio Vieira sem inserir a nossa infância e adolescência, no contexto saudoso e inesquecível de nossos lares, na Rua São Pantaleão e no bairro da Estação. Eram verdadeiros lares, onde predominavam a harmonia, a compreensão e nossa amizade, também com Isabel e Itamar, suas irmãs. A consciência de minha própria existência deu-se por volta dos quatro anos de idade; antes, eu me olhava no espelho, depois me via. Mais tarde, minha percepção ficando mais clara e discriminada, sentiu que nesses lares moravam meus pais – o Mundico, minha mãe – Mocinha, meus avós – João e Candinha, minhas tias – Odila e Odete e finalmente meus amigos Antonio, Isabel e Itamar. Lá, de vez em quando, aparecia op Sr. Wilson, pai de Antonio; quanto à sua mãe, tenho poucas lembranças, mas quando visitava meus avós maternos, ela como que trazia a imagem de onde morava, pero da fábrica, de uma árvore e da “preguiça” que nela se dependurava. Ressalto como de valor em nossa convivência, a nossa avó “Biluca”, avó paterna de Antonio e suas irmãs. Valor porque a sua presença continuava o nosso lar, com a sua serenidade, mistério, bondade e uma algo indefinível. Quando ela chegava, gritávamos: “Chegou vó Biluca...”; sentia que tudo mudava, pois trazia mais alegria. E sempre dentro de uma cestinha, trazia também frutas – jambo, beiju, etc. Era uma senhora que sabia viver, porque nos trazia a simplicidade e a esperança. Ficávamos sempre perto dela, por gostoso que era. Nossa tia Odila tinha Antonio como se seu filho fosse. Era solteira e, casando-se bem tarde, por força desse fato, afastou-se, mudando-se primeiro para a Rua Cândido Ribeiro e depois para a Rua Herculano Parga, onde existia um batalhão de polícia. O Antonio me era muito querido. De fato, era querido por todos, pelo seu comportamento, respeito próprio e personalidade. (Durval Alves Duarte Lomba apud CARACAS, 2003: 22). 28 Antonio Vieira possui ainda duas irmãs consangüíneas, Itamar Vieira e Isabel Vieira Parada e uma sobrinha, Raimunda Helena Vieira Parada. Teve um único irmão, já falecido – Ubirajara Vieira. Atualmente a família de Antonio Vieira está resumida às duas irmãs e a sobrinha. Reside na Rua Teófilo Dias, 188 – bairro do Monte Castelo, onde divide a morada com a irmã Isabel, a sobrinha Raimunda Helena, Caíque – seu cão de estimação – e com o seu inseparável companheiro de todas as horas – o violão. FIGURA 1: ANTONIO VIEIRA COM O SEU FIEL AMIGO CAÍQUE O mestre Vieira é muito dedicado a família e aos amigos, sendo, portanto muito estimado por eles, principalmente por suas irmãs, que o consideram um verdadeiro amigo, como revela Isabel Vieira no seguinte agradecimento: 29 [...] Agradeço a Deus pela família que tenho, principalmente pelo meu irmão primogênito, Antonio Vieira, por ser amigo, compreensível, sempre disposto a nos ouvir. É um raio de luz em nossas vidas, com muita experiência adquirida na batalha diária. Com grande capacidade de comunicação, linguagens claras, cultas e simples, cada composição sua é um poema, onde se sente a sensibilidade do compositor Antonio Vieira, em um trabalho desenvolvido com talento e amor. (Isabel Vieira Parada apud CARACAS, 2003: 24). FIGURA 2: ANTONIO VIEIRA COM SUA IRMÃ ISABEL E SUA SOBRINHA RAIMUNDA HELENA 2.3 A Infância e a Adolescência O menino Antonio Vieira cresceu brincando nas Ruas de São Pantaleão e artérias periféricas. Já adolescente residiu na Rua dos Remédios, hoje denominada de Rua Rio Branco. Uma de suas valiosas características é a humildade, pois mesmo com todo o carinho e o conforto que lhe eram dados por sua família adotiva, jamais esqueceu as suas origens e raízes. Era sagrada a sua visita aos domingos à sua família consangüínea. 30 A união de Antonio Vieira com os seus irmãos de criação era de uma admirável atenção. Todos os conhecidos e amigos da família observavam a presença constante dos irmãos nas brincadeiras, solenidades, eventos familiares e/ou de amigos. Eles eram três companheiros inseparáveis: Antonio Vieira, Lourival e Durval Alves Duarte Lomba, esses dois últimos eram netos do padrinho do Mestre Vieira. Sua infância e adolescência foram saudáveis e memoráveis. Foi uma época que deixou enorme saudade das brincadeiras nas ruas, sem o mínimo de medo disso ou daquilo, era uma época da São Luís provinciana, pacata e fraternal. Assim, jogou bola nos paralelepípedos, nos largos, nas praças, nas fontes e nas coroas das marés em vazante; brincou de peteca, papagaio e foram inúmeras vezes que fabricou os barquinhos de papel. Desta maneira, não foi o moderno que lhe incentivou para compor “Papagaio de Papel” e “Barquinho de Papel”, essas composições vêm de suas mais legitimas raízes, como podemos observar nos seguintes trechos: VOU FAZER MEU BARQUINHO DE PAPEL POIS O CÉU ESTÁ ESCURO E VAI CHOVER (...) SAUDADE, AMIGA INFINDA E TÃO FIEL DA MINHA INFÂNCIA E DO BARQUINHO DE PAPEL. (...) O VENTO SOPRA E O PAPAGAIO EMPINA VOU LANCEAR REPARA RIBINHA QUE EU VOU LANCEAR 31 EU ENTRO POR CIMA O MEU CEROL É BOM É DE VIDRO FINO MATOU, CORTOU E FOI ASSIM MAIS UM PAPAGAIO QUE ESTICOU (...) Nas suas lembranças são bastante nítidas as rigidezes de sua educação, baseada em uma disciplina por demais eficiente, com horários rigorosos para os deveres da escola. Naquele tempo quem não tivesse aproveitamento satisfatório no colégio estava automaticamente excluído do lazer e das brincadeiras prediletas, nada excedia as normas da família, do lar e da escola, como explica o mestre Antonio Vieira: “Tínhamos horário para acordar, estudar, brincar e dormir. Não se tinha a liberdade que se tem hoje”. Esse cenário permanece na memória e foi um aspecto concludente na sua formação. Mesmo com muitas opções a sua disposição, o jovem Antonio Viera era bastante comedido nas suas diversões, dava prioridade à praia e as seções cinematográficas. Desportista, chegou a ser jogador da equipe tradicional daquela época, o “Automóvel Futebol Clube”, onde se destacou por sua boa qualidade de goleiro e lateral esquerdo. Teve passagem marcante pelo atletismo, como lançador de pesos, de dardos e de discos. Iniciou na natação como aprendiz, mas logo alcançou o status de professor. Atualmente pratica exercícios físicos leves, com ginásticas moderadas. No lazer, uniu o útil ao agradável e por muito tempo teve criação de pombos, no que aproveitava para 32 aumentar a sua renda, revendendo-os. E é sobre esse tempo memorável que o seu irmão Durval saudosamente relata: [...] Ele vivia cultivando o esporte, como nadar num cercado, em funções dos tubarões. Esse cercado ficava no final da Rua dos Remédios, logo depois da saudosa e bela Praça Gonçalves Dias, cheia de palmeira. Certa vez vi Antonio nadando sem sair do lugar, com borrachas atadas aos ombros e presas ao cercado. Não entendi bem o que ele fazia. Em resposta, disse-me que queria desenvolver a musculatura. Eu desenvolvia a musculatura das pernas na bicicleta “Sierge & Ópio”, tendo sido campeão por três anos, competindo com Mauro Ribeiro, dentre outros. Já bem desenvolvido Antonio oferecia segurança nas brigas que meu grupinho – José Morais, Raimundo Vieira da Silva, Silvio Wanik e outros – arrumava. Qualquer coisa eu pensava ou dizia; “Vou chamar o Antonio...”. Empinávamos papagaios e passávamos cerol na linha zero com grude e vidro socado. Tudo era carregado de emoções alegres, especialmente quando trazíamos um papagaio pelo rabo de algodão, preso em nossa linha. Aos quinze anos, no inicio de uma partida de futebol da 1ª Divisão, tive grande surpresa ao ver Antonio goleiro; não me lembro bem se do Automóvel Futebol Clube. Mas Antonio, reservado, não contara a ninguém que iria jogar. Algumas vezes íamos roubar frutas da “Quinta do Barão”, na Rua do Outeiro. Os vigias nos davam tiros com sal enquanto Antonio gritava: “Corre, corre, Durval”. Momentos que não voltam mais, aventuras perigosas, mas cheias de prazer. E a única vez que vi o Antonio ser castigado, foi pelo meu avô. Antonio subiu num abacateiro e de lá não descia, nem meu avô o alcançava com a vara. Íamos também à lixeira junto com a minha prima Jucileide, catar qualquer que julgássemos agradável. Matar passarinho com baladeira, também era nossa diversão... (Durval Alves Duarte Lomba apud CARACAS: 23). 2.4 A Escolarização A sua formação intelectual em nenhum momento foi esquecida por sua família, a qual lhe proporcionou os melhores meios possíveis para uma sólida estruturação cultural e moral. Cursou o primário com uma tradicional professora de uma minúscula escola particular. No primeiro exame de admissão ao ginásio conseguiu aprovação com destaque no histórico Centro Caixeiral, onde concluiu o ginásio e o científico, bem como a sua formação de nível médio em Técnico de Contabilidade. 33 Pelo que se observou nos diversos depoimentos sobre Antonio Vieira, ele sempre fora muito bom aluno, possuidor de uma inteligência privilegiada, sua performance era sempre ganhar, não por ser exímio estudioso, porque não o era, mas sim pela força de sua inteligência que lhe facultava poucas horas de estudo, porém com um poder de assimilação acima dos padrões normais. Sobre esse período de escolarização, o mestre Antonio Vieira esclarece que: Naqueles tempos, o individuo tinha de ser aplicado de qualquer maneira, porque quem não dava conta da lição recebia uns bolinhos (de palmatória). A professora fazia uma pergunta e se ao aluno não sabia responder ela dizia: “adiante”. E aquele que tinha a resposta certa dava o bolo no que não tinha acertado. 2.5 A formação de uma personalidade generosa e simples Simples em tudo que fez e faz, o Mestre Antonio Vieira deixar florir de dentro do seu âmago de homem e de artista, o seu natural e o seu maior sentido de grandeza, fraternidade e igualdade, que é a sua simplicidade. Quem o conhece, mesmo com o mais ínfimo período de tempo dar para conceber a sua marcante personalidade. De uma excelente formação humana, educação refinada e autenticidade, é completamente desprendido dos valores materiais. Transmite uma enorme paz, devido o seu semblante calmo, ponderado e deveras elegante, enfim um homem de muita boa fé. Para o mestre Antonio Vieira as longas conversas são dispensáveis, pois é objetivo e consciente de que o seu discurso é empregado 34 na prática. Ele mostra de cara talento e uma sensibilidade inigualável, demonstrando o seu envolvimento com a necessidade de mudanças no quadro social de seus conterrâneos maranhenses. É guerreiro entusiasta em prol da defesa das coisas e da gente de seu torrão. Desta forma, o resgate das raízes da cultura maranhense está dentro de suas mais exigentes prioridades de artista e de maranhense. Essa personalidade forte e, ao mesmo tempo simples, é enfatizada por Fátima Caracas: Embora sensível ao reconhecimento do seu trabalho, apreciando e se sentindo gratificado pelas conquistas e homenagens recebidas, não é homem afeito à demonstração de suas emoções. Encara com serenidade e naturalidade os fatos da vida, com seus altos e baixos, suas contradições e vicissitudes. Apesar de ser músico e, como tal, conviver com músicos, freqüentar a noite, apresentar-se em locais onde predominam os notívagos e os boêmios, não tem nenhum tipo de vício. Não bebe e nem fuma. Aprecia muito o “Guaraná Jesus”, refrigerante regional só encontrado no Maranhão, cujo primeiro jingle, há dezenas de anos atrás, foi sua autoria. É um grande contador de histórias, verdadeiros “causos” que, com certeza, dariam um belo, interessante e divertido livro. Para cada composição, ele tem uma história, o porquê, para quem, em que circunstância aconteceu, bem como as recordações dos parceiros. Como se não bastasse, sua sábia experiência, acumulada ao longo de 83 anos bem vividos, com energia, lucidez e alegria invejáveis, transformou-o em um “frasista insuperável”, como disse Zeca Baleiro, ao prefaciar o CD “O Samba é Bom”. Verdadeiras pérolas de sabedoria, que refletem o seu conhecimento, a sua visão do mundo e das pessoas. (CARACAS: 22). Mestre Antonio Vieira é um homem que acredita em um ser superior – Deus -, porém não é praticante de nenhuma religião. Possui definições primas de sua filosofia de vida, não se casou, estando solteiro até os dias atuais em virtude de que, no seu entender, não ter tido em momento algum a condição mínima necessária de formar e sustentar uma família. Todo o seu labor é voltado para dar conforto ao seu lar, antiga moradia do seu pai biológico. 35 É um aposentado que gosta muito de trabalhar, quando não estar compondo, dedilhando seu inseparável violão, costumeiramente sai de casa para dar uns passeios, conversar com amigos e conhecidos. Existem pontos certíssimos para se encontrar o Mestre Vieira, um deles é a Banca de Revistas de seu amigo Dácio Melo, localizada na Praia Grande ao lado do Viva Cidadão. Ali se encontra com amigos, recebe recados, quando chega o ambiente vira um autêntico Senado Cultural. 3 O ENCONTRO COM O TRABALHO – O COMERCIÁRIO DA PRAIA GRANDE A necessidade se juntou à vontade prematura de abraçar o trabalho logo muito cedo. Tudo andava no mais perfeito entendimento quando o jovem Antonio Vieira tinha seus exatos dezesseis anos, mas nem tudo no seu jardim dos primeiros passos foram flores e o seu pai de criação veio a falecer nessa época, e, para completar a mudança radical que se daria em sua vida dali em diante, a sua madrinha, Odila, que era filha do padrinho e mãe de criação, casou-se. E foi assim, dentro desse cenário familiar que o jovem Vieira voltou a morar com seus pais biológicos. Deixou um sobrado confortável situado à Rua dos remédios para morar em um barraco de paredes de taipa, coberto de palha, com localização na periferia da cidade, em uma área nos fundos da antiga estação de bondes, local que intermediava os bairros do Canto da Fabril e o Monte Castelo. Diante desses acontecimentos não havia alternativa, teria 36 que trabalhar, e o fez com prazer, pois como ele mesmo afirma: “Trabalho faz bem. Se trabalho maltratasse, burro se arrebentava cedo”. Assim lhe foi arrumado uma atividade após o seu horário da escola num dos armazéns do Pólo Comercial da Praia Grande, localizado na Rua da Estrela, prédio onde hoje funciona o Museu de Artes Visuais da Secretaria de Estado da Cultura, em cuja loja negociavam gêneros alimentícios. Após um bom tempo de serviço naquele armazém teve oportunidade de efetuar um estágio no setor de enfermagem do então Hospital Tarquínio Lopes Filho. Da área de saúde passou para o ramo automobilístico, mais precisamente para a venda de acessórios. O seu segundo emprego foi na Casa Antero Matos, a mesma funcionava no Largo do Carmo ou Praça João Lisboa. Não deu nem para sentir maiores gostos pelas peças automobilísticas, em virtude de ter explodido a Segunda Grande Guerra Mundial. Desta maneira foi convocado e teve de servir o Exército Nacional Brasileiro, galgando a divisa de Sargento de Saúde, onde permaneceria mais de três anos. Terminada a guerra, o Mestre Antonio Vieira voltou às suas atividades e de imediato arrumou trabalho na Companhia Telefônica do Maranhão como auxiliar de escritório, local em que construiu uma grande amizade com o tão saudoso Haroldo José Rocha de Moraes Rego, que era filho do Diretor Presidente desta empresa, o Sr. José Rego. No período de 1975-78, na administração do Governador Osvaldo da Costa Nunes Freire, exerceu com muita propriedade a função de Diretor Administrativo do Hospital Carlos Macieira – Hospital do IPEM -, função que teve através do convite do seu particular amigo Dr. Domingos Silva Costa, médico cirurgião, que na época era o Diretor Geral do referido Hospital. 37 Paralelo a essa Função Gratificada, à noite desempenhava, na Televisão Difusora - Canal 4, a chefia do setor de Projeção de Slides. A respeito da função exercida por Antonio Vieira como diretor administrativo do Hospital do IPEM, seu amigo Dr. Domingos Silva Costa corrobora, dizendo: A minha amizade com Antonio Vieira é muito antiga. Há mais de 40 anos mantemos essa amizade, que se iniciou por intermédio de um amigo comum, o saudoso Dr. Heider Freitas. Durante muitos anos ambos foram grandes amigos e praticaram muitos esportes juntos, principalmente no campo do atletismo e da natação. Antonio Vieira é um excelente nadador e foi um ginasta da melhor qualidade. Também foi professor de natação. Quando fui nomeado Diretor do Hospital Geral e do Hospital Carlos Macieira do IPEM, que funcionavam conjugados, em 1975, pelo saudoso e ilustre Governador Nunes Freire, tive a feliz idéia, inspirado pelo nosso amigo Dr. Heider Freitas, de convidar Antonio Vieira para nos ajudar na parte administrativa do hospital. Em alguns anos na direção daqueles hospitais, juntamente com Antonio Vieira, procedemos a uma grande organização administrativa do almoxarifado do hospital, com controle severo dos estoques de todo o consumo do hospital. Antonio Vieira montou o sistema de fichas, com controle rígido de entrada e saída, bem como dos estoques em todos os setores, da farmácia à cozinha, lavanderia, etc., com a mais absoluta seriedade. Esta é uma faceta do músico, poeta e cantor Antonio de quem eu me orgulho de ser amigo. (Domingos Silva Costa apud CARACAS, 2003: 28). Antes de se aposentar Antonio Vieira exerceu na Rádio Oficial do estado do Maranhão, a Rádio Timbira, a função de chefe do Setor de Patrimônio, exercendo tal função por oito longos anos, onde teve convívio com os destacados radialistas e homens da cultura e comunicação do Maranhão, dentre eles o radialista Rui Dourado, que em seu depoimento relata: Antonio Vieira, na oportunidade que tive em trabalhar com ele, mostrou-se um profissional competente e muito responsável, sendo um homem prestativo e amigo. Enquanto trabalhou na Rádio Timbira do Maranhão, cativou a amizade, o carinho e o respeito dos que com ele tiveram o prazer de conviver. (Rui Dourado apud CARACAS: 29). Após prestar relevantes serviços a Rádio Oficial do Estado, completou o tempo de serviço que lhe deu direito a se aposentar. Aposentadoria essa que somente foi conquistada em virtude de seu 38 recolhimento como músico profissional para a previdência, com fundamentado na sua Carteira de Músico Profissional expedida pela Ordem dos Músicos do Maranhão - OMB-MA desde 1966. Nas suas mais diversas atividade de trabalhador exerceu inúmeras atividades por conta de sua criatividade e inteligência privilegiada. Recorda-se de seu desempenho na empresa do Senhor Ovídio Victor da Silva, especializada em venda de peças de reposição para veículos novos e usados, bem como a prestadora de serviços mecânicos, aonde acabou aprendendo o oficio de mecânico de automóveis. Como a vida sempre prega lições maravilhosas, o Mestre Vieira, após algum tempo, tornou-se mestre de natação e de ciências contábeis ao hoje Dr. Manoel Rubim da Silva, filho do seu antigo patrão. Exerceu, ainda, as atividades de motorista e treinador de natação. Comprovando mais uma vez a sua versatilidade e enorme senso de criação, inventou para a natação um método inovador com aprendizagem em 45 dias, através de um aparelho flutuador, também de sua autoria, e cuja patente ainda está sendo providenciando o registro. Atualmente o mestre Antonio Vieira, aposentado há mais de quinze anos, continua trabalhando, principalmente na música, pois não pára de compor e cantar, além de exercer funções de representativa da classe dos músicos, onde ocupa a Diretoria do Conselho Regional da Ordem dos Músicos do Brasil no Maranhão, na função honorífica de Tesoureiro. 39 FIGURA 3: ANTONIO VIEIRA EM SEU ATUAL TRABALHO - AMARTE 4 O ARTISTA O artista Antonio Vieira é um cantor e compositor de gêneros diversos. Ele não se prende apenas a um estilo musical e quando escreve as suas músicas elas já estão definidas. Dessa forma pode surgir qualquer ritmo, como uma bossa, um samba, uma valsa e assim sucessivamente. O que define Antonio Vieira é o conteúdo, aquilo que ele diz em suas composições. Todas elas possuem características peculiares e sempre se identificam com alguém, com alguma coisa ou algo que está acontecendo naquele momento ou até mesmo que já aconteceu. Aliás, a inspiração do mestre Vieira surge em momentos comuns, em acontecimentos do dia-a-dia, nas pessoas simples e na natureza que o cerca: “Então, como eu sou filho do povo, de origem negra, sabe como é! Tudo do que eu ouço, às vezes uma frase, um dito simples pela rua, é fonte de inspiração e assim tenho sido feliz nas minhas composições e na minha vida...” (VIEIRA apud ALMEIDA, 2001:3). Antonio Vieira busca nas fontes mais puras da alma popular os tesouros da poesia humana. A música aparece na vida desse artista de maneira organizada, como forma de transformação e experiência vivida. Em seu conteúdo musical a expressividade não tem limitações. 40 Esse grande artista, que felizmente obteve o seu merecido reconhecimento em vida, pode desfrutar dessa glória que todo homem almeja e assim transforma-se em um patrimônio nacional da música popular maranhense. FIGURA 4: ANTONIO VIEIRA EM UMA DE SUAS APRESENTAÇÕES 4.1 O poeta do simples: a música, seu mundo predileto A junção do poeta mestre Vieira com a poesia, e, principalmente com a música, é de longas e eternas datas, vem desde a sua infância quando se refere na memória saudosa daquela época em que ouvia grandes clássicos da música internacional, como Bach, Bizet e muitos outros, na tradicional vitrola 41 tocada a corda, Suas admirações de jovem caíram nos maiores artistas da época que a arte internacional resplandecia, especialmente Charles Chaplin, a quem classifica como o maior compositor de todos os tempos. As canções de Chaplin são inesquecíveis para o mestre Vieira, canções como Luzes da Ribalta e Smile (que em português quer dizer Sorrir) permanecem até hoje em sua memória, principalmente essa última, fonte de inspiração para a composição Chorar, homenagem do mestre Antonio Vieira a seu ídolo, como se fosse uma resposta a Smile. A paixão de Antonio Vieira pela música não deixa de ser algo de herança do seu pai biológico, o qual se destacou como um dos bons cantores nas românticas serenatas das rodas boêmias, em que muitas vezes era acompanhado por grandes expoentes da música maranhense, como o contrabaixista Roque, que mais tarde afirmou para o próprio mestre Vieira que o seu pai era possuidor de uma afinada e bonita voz. Crescendo nessa ambiência de musicalidade, o seu talento foi brotando paulatinamente e o seu envolvimento com a música já era irreversível. Assim, com apenas 16 anos de idade, sem ainda saber tocar nenhum instrumento, compôs a sua primeira música - Mulata Bonita - um samba muito bonito, que reverencia a beleza e a faceirice da mulata Maranhense, digna representante da mulher do Maranhão e do Brasil, como podemos observar nos trechos abaixo: MULATA BONITA COM LAÇO DE FITA E O CORPO GINGANDO E SABE SAMBAR CHINELAS SEM MEIA 42 ELA SAPATEIA NA RODA DE SAMBA ELA VAI CANTAR MACHUCANDO A GENTE COM SUA VOZ DOLENTE COM ESSES ENCANTOS ELA ME CONQUISTOU A musicalidade de Antonio é rica em diversidade de ritmos, indo desde o romântico tradicional até transbordar de alegria. Suas composições são repletas de gingas e balanços, provocando qualquer um a dançar, suas letras são cheias de poesia, levantando temas sociais, políticos, históricos e culturais, todas diretamente ligadas a seu Maranhão, do qual é um embaixador nato e deveras competente. Assim, compôs sobre os sentimentos, abordando amor, ciúme, saudade, tristeza, solidão, alegria, esperança; as crianças e suas brincadeiras; as mulatas e os negros; as mazelas da natureza, envolvendo o vento, o mar, os passarinhos, a areia, as dunas, a seca, os rios, o céu, as flores, o luar; as festas de Natal, suas alegrias e contradições; as lendas, crendices do Maranhão; as danças, brincadeiras e ritmos maranhenses nas festas juninas, bumba-meu-boi, tambor-de-mina, antigos carnavais, baralho, blocos tradicionais; os personagens que povoam a nossa história, com seus pregões: o amolador, a doceira, o verdureiro, o garrafeiro, o vassoureiro, o sorveteiro, o carvoeiro; os locais e fatos históricos do Maranhão, a Balaiada, Bequimão, o Boqueirão, Ana Jansen e muitos outros temas que foram evidenciados no seu conjunto de mais de 337 músicas, sendo a maioria delas inéditas. 43 4.1.1 A Trajetória Artístico-Musical e Os Grandes Parceiros Não somente pelos cenários conjunturais, mais ainda, por características históricas institucionais, o Mestre Antonio Vieira é uma exceção em comparação com o universo de poeta e compositores que despontam neste Brasil-Maranhão ou em quaisquer outros “brasis”. Devido que no Brasil, principalmente, nos estados semelhantes ao Maranhão, que são distantes dos centros de maior efervescência cultural, o universo de músicos na sua grande parte, a despeito do talento que possuem, não conseguem atingir destaque, exatamente por falta de chance, apoio e outros tantos fatores. Por isso acabam ficando no nascedouro ou se tornando apenas um ensaio de carreira. Os cenários não foram diferentes para o Mestre Antonio Vieira, apesar de sinais de destaques em épocas esparsas e do respeito e admiração que sempre teve dentro de sua comunidade musical, foi necessário se passarem sete décadas para o seu trabalho ter o reconhecimento merecido e valorizado. Sua construção musical vem de longas datas, dos idos de 1942, que o poeta-compositor começa a ter uma atuação mais profissional via o inicio de sua participação na radiofonia maranhense, tempo em que a Rádio Timbira tinha até orquestra sinfônica sob o comando do Maestro Adelman Brasil Correia. Na época Vieira se submeteu a um teste para fazer parte do Quinteto Anjos do Samba, grupo musical do bairro da Camboa do Mato, e foi aprovado com louvores. Assim cantou a primeira vez em público, fazendo a primeira voz do referido Quinteto. Décadas se passaram e paulatinamente a timidez deixouo e atualmente ele brinca no palco, expressando os mais nobres sentimentos com a sua voz, meiga em tal momento e grave em outros, por essa 44 característica recebeu dos amigos e fãs o apelido carinhoso de “o cantor que faz chorar”. Pelos idos de 1945, o Quinteto Anjos do Samba se dissolveu e alguns de seus parceiros do antigo grupo musical fizeram surgir os Boêmios da Lua, porém Antonio Vieira resolveu deixar o grupo e se dedicar às suas belas composições. A participação no Quinteto, somado a sua participação pela rádio naquela década de 40, fez com que as suas produções musicais fossem bastante divulgadas. Na década de 60 elas tomam mais força na mídia, principalmente através do programa de Televisão que era comandado ao vivo pelo cantor “Escurinho do Samba” na TV Difusora. Nesse mesmo período Antonio Vieira é destaque em festivais que o evidenciam ainda mais no cenário musical local. Em 1968, conquistou os 1º e 2º lugares no Festival da Música Nova para o Maranhão Novo, realizado em São Luís, com as músicas Papagaio de Papel e Menino Travesso – parcerias com Pedro Giusti –. No Festival A Voz de Ouro do ABC, em São Paulo, venceu o 4º lugar, com a música Nordeste Seco, feita em parceria com Sidney Maciel. Na década de 70 o Mestre Antonio Vieira descobre a histórica dupla Ponto e Vírgula, composta por Othon Santos e Jorge Barros. Tinham tal denominação por ser o primeiro mais forte, que representava o Ponto, e o segundo mais franzino, sendo, portanto, a vírgula. Dessa recente amizade surge o convite da dupla a Antonio Vieira, para que este fizesse parte do grupo, que já estava há dezoito anos no mundo artístico. Desta maneira, ele passou a ser o mais novo integrante do grupo, agora denominado de JB TRIO, nome retirado das iniciais de Jorge Barros, o qual era o responsável pela abertura das apresentações sempre com a música Irmãos Coragem de autoria do cantor 45 e compositor maranhense Nonato Buzar, tema inclusive da novela do mesmo nome. Ainda nos anos 70, mestre Vieira brilha como percussionista e, em 1978 teve forte participação em shows e na gravação do LP de Chico Maranhão, intitulado Lances de Agora, disco esse produzido por Marcos Pereira que teve a direção musical de Marcus Vinícius de Andrade, sendo gravado no átrio da Igreja do Desterro, um dos templos religiosos mais antigos do Estado do Maranhão. Nessa oportunidade ele encontra-se com outros valorosos músicos e compositores a exemplo de Ubiratan Sousa, Chico Saldanha, Hamilton Rayol, Paulo Trabulsi, Fernando Vieira e Adelino Valente, desta maneira acaba surgindo o Grupo Tira Teima, com especialidade em chorinhos, abrilhantou por inúmeras vezes platéias memoráveis de 1977 a 1986, ano em que se dissolveu. Assim, no início de 1980, em parceria de Lopes Bogéa, após um gigantesco trabalho de pesquisa lança uma obra inédita no ramo dos costumes e tradições populares maranhenses, o livro Pregões de São Luís, enriquecido com belas ilustrações do artista José de Ribamar Elvas Ribeiro - o Parafuso. O trabalho foi um real sucesso na reconstrução da memória são-luisense, transformando em letras e belas músicas a poética dos pregoeiros ludovicenses, que até pouco tempo enchiam de alegria as ruas da capital maranhense com seu cantar. Sobre esse trabalho realizado por Antonio Vieira e Lopes Bogéa como forma de homenagear e eternizar os pregoeiros é que o cantor e compositor Ubiratan Sousa expõe: Nos meses de agosto e setembro de 1988, em São Paulo, eu entrei nos Estúdios El Dourado, cheio de alegria e orgulho, para produzir um LP de dois grandes compositores e interpretes maranhenses, Antonio Vieira e Lopes Bogéa, mestres da sua geração, que precedeu à nossa. Justifico a alegria, por esses compositores, meus amigos, 46 estarem me dando a oportunidade de participar de um projeto significativo, o de registrar para a história cultural de nossa cidade, os seus pregões “Pregões de São Luís”; e o orgulho, por ser, como eles, um maranhense, filho de uma terra cultural ímpar! Registre-se aqui o empenho da Poeta Laura Amélia Damous, então Secretária de Cultura do Maranhão, que, através da Lei Sarney, com o patrocínio do Banco do Nordeste, viabilizou os custos para a realização do projeto. A importância deste projeto é o resgatar e perpetuar na memória de todos os cantos utilizados pelos Pregoeiros, pelos vendedores ambulantes de São Luís, tais como o vendedor de pamonha, sorvete, carvão, etc, uma linguagem de uma determinada época que não volta mais... Vieira, este grande compositor e interprete, dá um banho de ritmos e melodias doces, como na música “A Doceira”, e Bogéa mostra toda a sua versatibilidade de aprendizado na sua “Rolete de Cana”, por exemplo. Agradeço a todos feito este trabalho que depois foi transformado em CD, na gestão do Gerente de Cultura, o grande poeta compositor Luís Bulcão. Desejo que a geração vindoura conheça, sinta e desfrute deste trabalho, percebendo a importância da existência destes dois grandes artistas maranhenses. (Ubiratan Sousa apud CARACAS: 29) Foi ainda nos anos 80 que, por necessidade de sua profissão de compositor, o Mestre Antonio Vieira, destemido como sempre, com mais de 60 anos de idade, utiliza o método autodidata e aprende a tocar violão. Por isso, atualmente ele mesmo faz os seus acompanhamentos e o violão tornou-se o seu inseparável parceiro. Em 1982, o cantor e compositor Chico Maranhão realizou uma temporada nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, com apresentações no Teatro Carlos Gomes, Projeto seis e meia da Funarte. Naquela oportunidade Vieira era integrante do grupo que acompanhava Chico Maranhão como percussionista. Outros cantores também faziam parte da referida comitiva de artistas maranhenses, dentre eles estavam Arlindo Carvalho, Beto Pereira, Roberto Brandão, Cláudio Pinheiro e Célia Leite, em todas as apresentações o Mestre Antonio fez sucesso cantando Cocada e Na Cabecinha da Dora. Mas foi somente em 1986, com 66 anos de idade que o Mestre Vieira conseguiu fazer a sua primeira gravação e o seu samba Na Cabecinha 47 da Dora, feito em parceria com outro compositor maranhense de saudosa memória Pedro Giusti, foi incluído como uma das faixas do compacto duplo que teve o titulo de Velhos Moleques – Crônicas da Vida de São Luís, trabalho produzido pela Sotaque Produções, com o selo MUS, que representavam as iniciais de Giordano Mochel, Ubiratan Sousa e Francisco Saldanha, personagens do maior valor da Música Popular Maranhense. O mencionado compacto ainda teve a gravação de mais três músicas: Camelô de Umbanda de autoria de Agostinho Reis, Araçagi, do compositor Cristóvão Alô Brasil e Encruzado, do poeta-compositor e saudoso parceiro de Vieira, Lopes Bogéa. E é do amigo Saldanha, cantor e compositor maranhense, esse breve depoimento sobre essa trajetória de Antonio Vieira até a sua primeira gravação: Quando era criança, assisti a um programa de auditório na velha Rádio Timbira, levado por minha tia Sinhazinha Carvalho, então pianista oficial da emissora, e de lá ouvi um samba chamado “Na Cabecinha da Dora”, cantado por Escurinho do Samba. Fiquei fascinado com aquela música. Soube muito tempo depois que era de Antonio Vieira. Depois conheci “Papagaio de Papel”, “Menino Travesso”, “Cocada” e outras mais. O compositor, que me encantara com suas melodias, passava todos os dias em frente à minha casa, na São Pantaleão, indo para o seu trabalho no Hospital Geral, e eu só olhava, timidamente, sem coragem de puxar conversa. Só no final dos anos 70, quando participei do Regional Tira-Teima, pude realmente conhecer mais de perto essa figura humana extraordinária éter acesso em definitivo à sua grande obra musical contida em vários cadernos. É agradável hoje, olhar para o passado e rever a decisão que tomei juntamente com os amigos Giordano Mochel e Ubiratan Souza, de produzir em 1985, em São Paulo, o antológico compacto “Velhos Moleques”, reunindo Antonio Vieira, Lopes Bogéa, Cristóvão Alô Brasil e Agostinho Reis. Durante as gravações em São Paulo, “Seu Antonio”, como gosto de chamá-lo, esbanjou talento e vitalidade, desafiou o frio e, de quebra, após uma torturante sessão de estúdio dirigida pelo Maestro Ubiratan, resolveu cantar “Poema para o Azul”, no hall da Sala FUNARTE, completamente lotado, com o público aguardando a chuva passar. A chuva passou, o público não arredou pé, enquanto uma moça lindíssima chorava emocionada, com a canção do “velho moleque”. Ao lado, o irreverente Lopes Bogéa emendava: “a partir de hoje ‘tieu’ nome é Antonio faz chorar”. (Francisco Saldanha apud CARACAS: 44). 48 4.2 O grande sucesso FIGURA 5: ANTONIO VIEIRA NO TEATRO ARTHUR AZEVEDO O mestre Antonio Vieira sempre foi aregado de sucesso, porém nunca se envaideceu com isso, pois sempre soube lidar com as luzes do palco: “Talvez a minha vaidade é ser simples”, salienta Vieira. Hoje, falar desse grande compositor é também reviver os seus grandes sucessos nas vozes de vários intérpretes como Rita Ribeiro, que gravou as músicas Cocada e Tem quem queira. Em relação a esta última, conta o mestre Vieira que a inspiração que teve para compô-la foi as brigas que a sua madrinha e mãe de criação Odila Alves Lomba tinha com ele todas às vezes na hora do almoço quando ele não comia tudo e esta sempre lhe dizia: “Antonio, come tudo. Se tu não quer tem quem queira” e colocava a comida quase toda para o cachorro. E foi dessa maneira que surgiu a música Tem quem queira, que se tornou um grande sucesso nacional, sendo, inclusive tema da novela Da cor do pecado da rede Globo de televisão, no ano de 2004. 49 4.2.1 Sete Décadas na Música Popular Maranhense A produção musical do CD “Memória – Música no Maranhão”, feita a convite da Comissão Maranhense de Folclore, foi o primeiro trabalho no gênero em São Luís, após uma longa série de produções feitas para a Kuarup Discos e para artistas independentes, tais como Miguel Proença, Turíbio Santos, Arthur Moreira Lima e o Quarteto BesslerReis, tendo acumulado cinco prêmios Sharp como melhor produtor musical. No CD “Memória”, dentre as várias colaborações recebidas, destaca-se a de Antonio Vieira, como compositor e auxiliar precioso, desde a pré-produção, em que atuou como cantor, colocando vozguia em várias das músicas arranjadas, até a fase de conclusão, sempre presente com a sua modéstia e sabedoria, acrescentando qualidade ao disco que, sem ele, não teria alcançado os mesmos resultados. (João Pedro Borges apud CARACAS: 46) Como se observa no depoimento do violonista João Pedro Borges, Antonio Vieira foi de grande importância na produção musical do CD Memória – Música no Maranhão, mas não era pra menos, pois o mestre Vieira sempre esbanja sabedoria, talento e simplicidade por onde passa. E foi assim, com esse jeito de menino faceiro que sabe o que faz que, por volta de 1997 sua estrela começa a brilhar mais forte e mais alto, despontando para grandes sucessos, como a sua parceria com o compositor maranhense José Passos, hoje já falecido, que também era conhecido como Chaminé. A música românica na letra do bolero Ciúme, gravada no CD Memória – Música no Maranhão, lançado através da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão, juntamente com a Comissão Maranhense de Folclore e o Centro de Estudos Unificados do Maranhão – CEUMA, cujo trabalho teve a direção musical do violonista João Pedro Borges, vulgo Sinhô. Também tiveram créditos na ficha de produção Celson Mendes, Michol Carvalho e Augusto Pellegrini Filho. Todas as músicas são cantadas no referido CD pela voz da inesquecível cantora Célia Maria. Outra enorme marca do seu sucesso, ainda, em 1997, foi o estouro com a gravação das músicas Cocada e Tem quem queira a nível nacional, 50 colocando o mestre Antonio Vieira nos primeiros lugares das paradas de sucesso em todo o Brasil. Não tardou para serem confirmadas tais colocações, pois em 1998 a música Cocada cantada por Rita Ribeiro galgou o 2º lugar no Prêmio Sharp 98, evento considerado um dos maiores realizadas na área musical em todo país, na categoria de melhor canção. Na mesma premiação, a música colocada em primeiro lugar também teve a participação de Vieira, que fez com Zeca Baleiro um dueto cantando a música Bandeira, de autoria do próprio Zeca. Era o resplandecer para a música nacional, em virtude de que o mestre Vieira até então tinha somente uma única música ao nível de Brasil, que era a sua canção Balaio de Guarimã em parceria com Lopes Bogéa, interpretada por Ary Lobo. Rita Ribeiro, no seu segundo CD Pérolas ao Povo gravou novamente uma música de Vieira, Banho Cheiroso, cuja boa aceitação do público incrementou ainda mais a projeção nacional desse compositor maranhense, artista que Rita admira e sente muito orgulho: Conheci Antonio Vieira através de suas canções “Cocada” e “Tem quem queira”, que gravei em meu primeiro CD, lançado em 1997. Foi amor à primeira audição. Fiquei fascinada com o jeito simples e sincero de Seu Vieira ver a vida e como esta força está impregnada em sua obra, tão extensa e vigorosa quanto os seus 83 anos vividos no Maranhão, terra onde nasceu e cresceu, ouvindo os pregoeiros entoarem seus pregões, onde empinou seus papagaios de papel e onde se encantou pela primeira vez com a beleza do azul do céu. Passei tardes maravilhosas em sua companhia, ouvindo suas histórias e canções, sempre acompanhado de seu violão e do parceiro Lopes Bogéa. Chorei e dei risadas ao ouvir canções tão belas como: “Para que recordar”, “Banho Cheiroso” (que também gravei em meu segundo disco), “Mulata Bonita” e tantas outras que fui gravando e registrando no decorrer de nossos encontros. O universo de Seu Antonio é extremamente rico e forte como a sua personalidade. Desde sempre foi artista, é um homem apaixonado pela vida, pela música e pela cultura de seu povo. É a completa tradução do Maranhão. Para mim tem sido um prazer conhecer e conviver com Antonio Vieira. Fico feliz de tê-lo revelado para o seu povo e de ver suas lindas canções em cantarem os quatro cantos do mundo. Um grande artista tem como maior e melhor parceiro o tempo. Com ele Seu Vieira soube semear e hoje colhe os frutos que plantou. Como pregoeiro, distribui suas emoções pela vida. (Rita Ribeiro apud CARACAS: 53) 51 FIGURA 6: ANTONIO VIEIRA E A CANTORA RITA RIBEIRO Em 1999, as músicas do LP Pregões de São Luís tomaram a forma de CD com o título de Os Pregoeiros, segundo volume da Série Sabiá da extinta Fundação Cultural do Maranhão. Somaram-se a esse CD, além da remasterização das vinte e duas composições do disco original, de autoria de Antonio Vieira e Lopes Bogéa, outras onze músicas baseadas nas brincadeiras de crianças, somando assim trinta e três composições sob a direção musical do cantor e compositor Wellington Reis. A referida Fundação aproveitou a oportunidade e lançou também a 2ª edição do livro sobre o mesmo tema. Wellington Reis, compositor e produtor cultural, esclarece alguns desentendimentos ocorridos em ocasião da gravação desse CD, no seguinte depoimento: [...] “Poeta” ficou chateado e não escondia de ninguém a sua mágoa – como ele próprio dizia – com o pessoal da SECMA – Secretaria de Estado da Cultura (extinta), por não ter selecionado “Brinquedo de Criança”, em 1988, no Concurso Domingos Vieira Filho, na categoria Prêmio Pesquisa, sobre cultura popular. Sendo amigo do poeta, 52 situação incômoda e chata a minha, na época, como organizador do Concurso! Cheguei a conversar com os membros da Comissão de Análise, acerca da situação, mas... sem êxito; uma vez que se encontravam no mesmo barco o saudoso Sr. Lauro Viana, que havia escrito um trabalho sobre “Tambor de Tabocas” e um concorrente do Estado de Alagoas que, respectivamente, apresentaram seus trabalhos, infringindo algumas normas do regulamento. Lembro-me de ter levado, especificamente, aquele envelope pardo, contendo uma fita cassete e as letras manuscritas de: Papagaio de Papel, Moleques de Judas, A Peteca, dentre outras, com o seu fiel parceiro Lopes Bogéa. Em casa, ouvindo essas músicas em voz e violão, com o “poetinha” injustiçado, revivi a minha infância na Vila Passos e, confesso, chorei! As nossas conversas, quase que diárias, no horário matutino de expediente, ficaram cada vez mais raras. Muitas luas se passaram. Até que um dia, como outro qualquer, durmo assistente e acordo Diretor de Difusão Cultural do mesmo órgão. Cria-se o sela Sabiá! Cristóvão “Alô Brasil” é a bola da vez. Logo após, com recursos do MINC – Ministério da Cultura vem à remissão do pecado: como o livro “Pregões de São Luís” já havia sido editado pela escritora Arlete Machado e a imortal Laura Amélia imortalizou “Pregões” em registro fonográfico, o poetinha Luís Bulcão uniu o útil ao agradável: numa alquimia do competente bruxo Ubiratan Sousa, surge “Pregoeiros” – “Brinquedos de Criança” e “Pregões” – O livro é reeditado e... Desculpa “Sêo” Vieira, meu poeta e amigo. Para pregoeiros da música popular, como você, não deveriam existir regulamentos. (Wellington Reis apud CARACAS: 41). O ano de 1999 tornava-se mais fértil em termos de realizações musicais para o Mestre Vieira. Em 23 de abril de 1999, o Laborarte realiza o show titulado de Múmias que Cantam, onde estavam Antonio Vieira e seu parceiro Lopes Bogéa, que nessa apresentação deram uma demonstração de enorme talento e vitalidade, com os aplausos de todo o público presente sem qualquer distinção disso ou daquilo. O espetáculo profissionalmente conduzido somente veio surgir para o poeta-compositor Antonio Vieira no ano de 2000, época em que já contava com oitenta anos de idade, mas ainda com enorme disposição e com uma paixão redobrada pela música. Foi o show Papel de Seda que reuniu Antonio Vieira e César Teixeira, dois grandes nomes da música popular maranhense, que, mesmo com características marcantes, são duas gerações distintas dessa área cultural. O show aconteceu em três de março de 2000 no Circo da Cidade. 53 Em seu depoimento, o cantor e compositor César Teixeira fala a respeito desse show: O espetáculo Papel de Seda, realizado em março de 2000, no Circo da Cidade, não é só uma boa lembrança. Mais do que isso representou para mim uma espécie de cumplicidade com a história da música popular maranhense, pois ali do meu lado estava uma pessoa que mais me impressionou pela sua simplicidade e pela originalidade de suas músicas: Antonio Vieira, um compositor a quem devemos tirar o chapéu e pedir uma esmola de poesia. Foi um exercício de cidadania em cima do palco. Ali se plantou o que realmente poderia interessar a uma platéia faminta, cujos ouvidos puderam entender seu próprio coração, esculpido pela música de Mestre Antonio. Terminado o espetáculo, muitos correram para disputar os quase cem papagaios espalhados pelo circo, como se tentassem colher a alma do artista, que, não resta dúvida, é feita de papel de seda. (César Teixeira – JORNAL PEQUENO, mar. 2002) 4.2.2 O Primeiro CD Solo Finalmente, após quase sete longas décadas de composição do mestre Vieira, seu grande admirador, o cantor e compositor Zeca Baleiro, produz o show O Samba é Bom, realizado no Teatro Arthur Azevedo nos dias 19 e 20 de janeiro de 2001, cujas noites foram repletas e memoráveis para o histórico e belo teatro maranhense, oportunidade em que o mestre Vieira também gravou o seu primeiríssimo CD solo de mesmo título. A direção musical desse show foi de responsabilidade do músico e arranjador Arlindo Pipiu, e contou ainda com a participação especial dos renomados cantores a nível nacional Sivuca e Elza Soares e dos maranhenses Rita Ribeiro, Zeca Baleiro, Célia Maria e João Pedro Borges – Sinhô. 54 FIGURA 7: ANTONIO VIEIRA COM A CANTORA ELZA SOARES Foi sem sombra de dúvidas mais um dia de glória para o Mestre Antonio Vieira, que, aos 81 anos cantou e encantou a imensa platéia presente nos dois dias, com interpretações deveras emocionantes e uma disposição invejável. Deixou rolar um repertório bastante seleto onde não faltaram sambas, boleros, canções, chorados e baiões. Daí em diante o CD que foi gravado ao vivo, foi lançado a nível nacional pela Elo Music, de Milliet e Paulo Lepetit, logo no inÍcio de 2002. Zeca Baleiro, produtor desse primeiro CD solo do mestre Antonio Vieira, relata com orgulho como foi o amadurecimento e a finalização desse projeto: Desde que conheço Seu Vieira, que penso em fazer um disco dele, só dele, que revisse toda a sua obra, desde as primeiras canções até as mais recentes. Sempre que falava no assunto com ele, sentia que ele não levava muita fé no projeto. Até que um dia se deu. Quando vi, já estávamos todos, músicos, produtores e entusiastas do seu trabalho, todos envolvidos até o pescoço com a idéia (irrealizável para alguns!) de fazer um CD ao vivo, com participações de outros grandes artistas, gente que tinha alguma importância na vida e na carreira de Vieira. Obviamente não poderia faltar Rita Ribeiro, que havia gravado “Cocada” e “Tem quem queira” no seu primeiro disco; nem Célia 55 Maria, cantora que sempre teve Vieira em seu repertório. Então me lembrei de uma história contada pelo próprio, do encontro dele com Sivuca nos 40 e 50 pelos bares de São Luís, e resolvi também chamar o mestre da sanfona, bem como a Elza Soares, cantora por quem Vieira sempre mostrou ter grande admiração. Ter passado aqueles dias acompanhando Vieira, vendo a disciplina, o rigor e a paixão com que ele vive sua música foi uma experiência fantástica, transformadora. Antônio Vieira é um artista enorme, altivo, orgulhoso da obra que criou, das suas invenções e “mugangas”, e tem a sabedoria dos simples. Posso afirmar, sem medo do exagero, que, de todos os trabalhos que já fiz, incluindo aí os meus próprios discos, o CD “O Samba é Bom” foi o projeto que mais me deu prazer e orgulho. Saravá, Mestre Vieira! Que mais me deu prazer e orgulho. Saravá, Mestre Vieira” (Zeca Baleiro – JONAL O ESTADO DO MARANHÃO, jan. 2001: 8). FIGURA 8: ANTONIO VIEIRA COM O CANTOR ZECA BALEIRO 4.2.3 O Sucesso Nacional Em 2001 o competente músico e arranjador Adelino Valente, conhecido do Mestre Vieira desde a época do grupo musical Tira Teima, onde foram parceiros por volta de 1977, conseguiu reunir recursos necessários e assim produziu o CD Antologia Vieira, com um repertório ímpar e escolhido a dedo. Depois selecionou dezesseis interpretes do mais alto nível da Música 56 Popular Maranhense para fazer parte desse novo trabalho, que foram: Célia Maria, Luiz Mochel, Léo Capiba, Cláudio Lima, Anna Cláudia, Zeca do Cavaco – Buiú -, Zé Carlos, Cardoso, Tutuca, Rogéryo du Maranhão, Beto Pereira, Zeca Baleiro, Lúcia Faia, Letice Valente, Josias Sobrinho e Chico Saldanha. Foi sem dúvida alguma a melhor maneira de homenagear o mestre Antonio Vieira, como bem relata o próprio arranjador e idealizador desse projeto, Adelino Valente: Conheci Antonio Vieira, mais ou menos em outubro de 1977, quando fomos integrantes da formação inicial do Grupo Musical Titã Teima, onde eu era o bandolinista e Antonio Vieira o percussionista. O nosso repertório era basicamente chorinhos tradicionais de Jacob do Bandolim, Pixinguinha, Waldir Azevedo, Ernesto Nazareth, Ubiratan Souza (também integrante do grupo), entre outros compositores brasileiros. Após algum tempo (aproximadamente dois anos) de trabalho com o grupo, Vieira, sem nenhuma pretensão, começou a nos mostrar diversas composições musicais de sua autoria, sempre com uma explicação sobre o porquê de cada uma delas. A partir daí, então comecei a conhecer, na realidade, um grande compositor que também seria o nosso percussionista... Começamos a incluir algumas delas no repertório do Tira Teima, na interpretação da bonita voz do nosso saudoso amigo Hamilton Rayol. Ainda no Tira Teima várias vezes eu disse ao Sr. Vieira, mas sem nenhum compromisso, que no futuro poderíamos gravar um disco com algumas de suas músicas, pelo menos para registro de patê de sua obra. Mesmo com o término do Tira Teima, continuamos muito amigos com visitas mútuas e encontros musicais freqüentes, onde passei, daí por diante, a acompanhá-lo no piano em algumas de suas apresentações como cantor e compositor. Em 2001, realizamos um projeto fonográfico para homenagear Antonio Vieira, patrocinado pela ALUMAR e Prefeitura de São Luís, que consistiu na gravação de um CD denominado Antologia Vieira, composto por 16 músicas bem representativas do universo de suas mais de 300 composições, sendo que cada uma das faixas que compõem o disco foi interpretada por um cantor ou cantora maranhense. Para mim, foi muito importante e prazeroso fazer a produção geral, elaborar os arranjos e dirigir musicalmente este trabalho, até por ter sido o 1º CD gravado no Maranhão nestas condições. O lançamento desse CD ocorreu através de um grandioso show, que contou com a participação de quase todos interpretes da gravação e com uma direção de palco muito bem planejada, evento em que mais uma vez, com muita honra, assumi a direção geral. (Adelino Valente apud CARACAS: 55) Em maio de 2002, o Mestre Antonio Vieira foi convidado especialmente pelo seu parceiro Zeca Baleiro para realizarem uma turnê de lançamento do CD O Samba é Bom no eixo do Rio - São Paulo. Desta maneira 57 o mestre Vieira se apresentou no Teatro Sesc Pompéia, na cidade de São Paulo, bem como, posteriormente no Teatro Sesc Tijuca, no Rio de Janeiro, com participações especiais de Zeca Baleiro. O sucesso foi imensurável e inúmeras matérias foram publicadas nos mais diversos jornais a seu respeito, porém o ponto mais alto foi a entrevista feita por Marilia Gabriela no programa De frente com Gabi, em que o mestre Vieira, com sua simplicidade falou de suas composições e do seu amor pelas coisas de sua terra. Antes de retornar para o Maranhão, mestre Vieira ainda faz uma parada na capital federal – Brasília – onde se apresentou no dia 29 de maio de 2002 na Sala Funarte. Ainda em 2002, Mestre Vieira produziu a abertura do show do conhecidíssimo compositor Jads Macalé, em São Luís no Circo da Cidade. Em setembro do mesmo ano, mais reconhecimentos e aplausos, pois coube ao Poeta Antonio Vieira comandar vários shows no Festival Internacional de Música de São Luís, promoção da Prefeitura Municipal de São Luís, via a Fundação Municipal de Cultura. Assim destacou-se em meio a artistas renomados nacional e internacionalmente. Para Vieira 2002 foi um ano excelente, em que colheu os merecidos frutos de seu trabalho, dentre eles vários títulos e troféus, como por exemplo, o Prêmio Universidade 2002 nos seguintes quesitos: 1) Melhor CD: O Samba é Bom; 2) Melhor Samba: Mulata Bonita; 3) Destaque como cantor 4) Destaque como compositor da música Poema para o Azul. Mestre Antonio Vieira, sem sombra de dúvidas alcançou muitos méritos no cenário musical nacional e uma das provas mais recentes desta afirmação está no Jornal O Estado do Maranhão na edição de seis de março de 2005, no seu Caderno Alternativo, em matéria assinada pelo jornalista 58 Antônio Júnior – Oportunidade para as artes nacionais -, onde descreve a apresentação de Antonio Vieira no Projeto Rumos Itaú Cultural em São Paulo. Parte da matéria cita-se: São Paulo – O projeto Rumos Itaú Cultural abrirá o processo de seleção anual para as novas edições do programa em 2005/2006. Nesta edição serão contempladas as áreas de artes visuais e educação, esta pela primeira vez no projeto. As inscrições poderão ser feitas a partir de segunda-feira, quando os editais serão oficialmente lançados... Este ano, o programa Rumos realiza ações de difusão das categorias mapeadas no ano passado: Música, Literatura-Audioficções e Jornalismo Cultural... O mestre Antonio Vieira se apresentou ontem ao lado do músico gaúcho Maurício Marques. Nesta segunda-feira, o autor de Na Cabecinha da Dora fará outro show, desta vez no evento de lançamento do projeto para o biênio 2005/2006. O compositor maranhense deverá repetir o repertório, composto somente por músicas de sua autoria... (ANTÔNIO JÚNIOR – JORNAL O ESTADO DO MARANHÃO, 2005: 6). Um dos maiores acervos da Música Popular Brasileira pertence ao Mestre Antonio Vieira. São mais de trezentas músicas compostas com temáticas genuinamente maranhenses e que atualmente conquistam o Brasil inteiro. São ritmos genuinamente maranhenses. Seu labor intenso permaneceu praticamente desconhecido do grande público brasileiro, a exemplo de tantos outros mestres da arte brasileira, principalmente da música, como Cartola, Nelson Cavaquinho, Nelson Sargento, Clementina de Jesus e Batatinha, os quais somente tiveram suas obras reconhecidas tardiamente, e hoje são capítulos memoráveis da história da música brasileira. 59 4.2.4 Prêmios e homenagens Mesmo sendo reconhecido tardiamente pela crítica, Antonio Vieira recebeu e tem recebido muitos prêmios e homenagens ao longo de sua trajetória, porém serão citadas apenas algumas das várias condecorações que já teve. Primeiramente o mérito que lhe foi concedido por Deus – a vida. Esses oitenta e cinco anos sabiamente vividos com o seu enorme amor pela música, o seu talento, sensibilidade e humanidade. Foi o primeiro músico a compor, com muita honra um gingle para o guaraná Jesus, que assim como o mestre Vieira, é também genuinamente maranhense: COM O TEMPO QUENTE OU FRIO TEM BEBIDA QUE FAZ BEM PARA O ADULTO OU PARA A CRIANÇA ELA SEMPRE TE CONVÉM ESTÃO OUÇA O MEU CONSELHO QUE SÓ BONDADE TRADUZ SEMPRE BEBA E OFEREÇA COLA GUARANÁ JESUS! Mestre Vieira também recebeu várias placas em sua homenagem. Uma delas lhe foi concedida pelo CEUMA, em reconhecimento à autoria do hino desta instituição, em dezembro de 1997. Possui ainda uma placa afixada no Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, uma que lhe foi oferecida pelo grupo de pagode Força Maior, como forma de agradecimento e uma outra 60 que lhe foi concedida pela Câmara Municipal de São Luís por sua contribuição para o engrandecimento das artes e da cultura maranhense. Dentre os prêmios recebidos por Antonio Vieira, destaca-se o troféu Cidade Viva, um agradecimento por sua contribuição na construção de uma cidade viva - São Luís; os troféus Prêmio Universidade FM 1998 e Prêmio Universidade FM 1999 na categoria Melhor compositor; o troféu que foi oferecido a toda a classe musical maranhense na pessoa do mestre Vieira pela Prefeitura de São Luís, em decorrência do Festival Internacional de Música de São Luís em 2002. Antonio Vieira possui em seu bojo algumas medalhas e muitas homenagens. Porém existe uma que merece destaque: O Projeto Documentação e Registro Fonográfico da vida e obra musical de Antonio Vieira, produzido pela AMARTE e patrocinado pela Companhia Vale do Rio Doce, que, com esse projeto, foi premiada em oito categorias e recebeu o Prêmio Aberje - Região Nordeste: Comunicação Integrada (Antonio Vieira); Jornal Mural (Jornal Mural); Publicação Especial (Sabor de Viver); Relacionamento com a Comunidade (Antonio Vieira); Relacionamento com a Imprensa (Antonio Vieira); Relacionamento com o Público Interno (CVRD é tema de Escola de Samba); Personalidade do Ano em Comunicação Empresarial Nordeste (Gerente de Comunicação Regional Maranhão) e Empresa do Ano em Comunicação Empresarial (Companhia Vale do Rio Doce). Foi a partir desse projeto que o cantor, compositor e poeta Antonio Vieira teve a sua obra divulgada e reconhecida, pois a AMARTE se encarregou de distribuir os registros, que foram feitos em dois livros acompanhados por uma fita de VHS, em bibliotecas e órgãos públicos municipais e federais, além 61 de universidades, para que sirvam como material de pesquisa da história da música maranhense. FIGURA 9: ANTONIO VIEIRA NA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE Mestre Vieira relata no final do referido documentário toda a sua satisfação e realização ao ter a sua obra registrada e reconhecida: Foi com muita emoção que tomei conhecimento, em agosto de 2002, da iniciativa da AMARTE de documentar e registrar toda a minha obra, através do “Projeto Documentação e Registro Fonográfico da Obra Musical de Antonio Vieira”. Pensei comigo mesmo que não haveria glória maior para um compositor. Principalmente sendo eu um homem simples, do povo, sem grandes ambições. Mas até então era apenas um sonho, um desejo, uma intenção. Aos poucos, fui assistindo, acompanhando e participando da transformação desse sonho em realidade. No começo, de forma mais lenta, dentro das condições possíveis, ditando as letras as letras das composições e gravando as músicas nas horas disponíveis dos estúdios da PHOCUS, eu e o meu violão. Depois pude ver o projeto crescendo, desenvolvendo-se a passos mais rápidos, porque a Companhia Vale do Rio Doce acreditou na proposta da AMARTE e no valor da minha obra e resolveu patrocinar integralmente o projeto, investindo, mais uma vez, na nossa cultura, como já vem fazendo há muito tempo no Maranhão. Hoje estou tendo a felicidade de ver tudo concluído, de olhar para a minha obra e registrada pelos meios gráfico e sonoro, 62 tendo a certeza de que ela vai ficar para a posteridade. Essa é a maior herança que poderia legar para a minha família, para os meus amigos e companheiros de luta e, principalmente, para a minha terra natal, para o meu país e para o mundo... Chegar aos 83 anos, com saúde, disposição e energia para fazer o que mais gosto – compor e cantar – é um presente de Deus. Maior dádiva é ter conseguido construí, ao logo de minha vida, amizades verdadeiras e uma carreira profissional e artística das quais posso me orgulhar. Melhor ainda é ter tido a oportunidade de ver o meu trabalho, esforço e dedicação reconhecido. (Antonio Vieira apud CARACAS: 74) FIGURA 10: ANTONIO VIEIRA E A SECRETÁRIA DA AMARTE, MÁRCIA, AO LADO DO PROJETO DOCUMENTAÇÃO E REGISTRO FONOGRÁFICO DA OBRA MUSICAL DE ANTONIO VIEIRA O pesquisador e arquiteto Ronald Almeida elaborou um perfil desse ilustre poeta e compositor como parte das ferramentas de divulgação para o Show Antonio Vieira, em forma de folder. No último trecho de sua Antoniologia Vieira, Ronald sintetiza: Após tanto tempo e uma longa carreira, não será tarde demais para que os brasileiros reconheçam que a obra de Vieira merece destaque na ala dos grandes compositores brasileiros. Agora todos poderão dizer: O Samba é Bom! Melhor é Vieira. Nesses últimos anos, o mestre Vieira tornou-se muito conhecido e admirado, vindo a tornar-se fonte de pesquisa para trabalhos monográficos. Livínia Rayol, da Universidade Federal do Maranhão, abriu caminho 63 tematizando sobre Os pregoeiros de São Luís. Em seguida, Nívea Salazar e Valeska Lopes Cardoso, ambas da UFMA, argumentaram, respectivamente sobre Os Fuzileiros da Fuzarca e Brinquedos de criança de Antonio Vieira. Mais tarde, a formanda Elizabeth Freire Pinto, da Universidade Estadual do Maranhão, trabalhou a Estilística em algumas composições do mestre Vieira. E, por último, esta singela biografia que ora faço intitulada Antonio Vieira: Arte e expressão da música maranhense. Mas não foram apenas os universitários que se renderam a abrangência da obra do mestre Vieira. Felipe Gonçalves Diniz com um grupo de colegas do Colégio João Alberto do bairro do Anjo da Guarda, realizou em 2001 uma pesquisa escolar intitulada Vida de Antonio Vieira, desenvolvida através de entrevistas e pesquisas. Na época Felipe tinha apenas oito anos e cursava a terceira série do ensino fundamental. Hoje, quando alguém pergunta sobre o mestre Vieira, Felipe, com a clareza de quem sabe o que diz, afirma: “Ele é genial, muito inteligente, muito calmo, de fala mansa... Me chamou atenção a sua idade. Parecia a minha!” A mais recente homenagem ao mestre Vieira aconteceu no dia cinco de setembro do corrente ano, em que, além dele, outros imortais da música popular maranhense foram lembrados pelas escolas municipais neste dia da raça. A homenagem teve por tema São Luís, minha cidade sonora e foi idealizado pela professora Lêda Nascimento. 64 5 VIDA Antonio Vieira sempre foi um cultivador do exercício prático da demanda efetiva da realização da virtude de um comportamento moral exemplar. Não foi um consumidor do fumo ou da bebida alcoólica. Sempre teve uma vida saudável, desde a sua infância e mantém até os dias atuais. Tem o hábito de dormir cedo e gosta de roupas leves e claras, não muito formal. E sobre esse hábito ele afirma: “Não gosto de andar apertado. Sem dinheiro sim, apertado não. A vida é leve. A gente é que aperta ela”. Raramente usa sapatos, pois gosta mesmo é de sandálias, assim sente-se mais pé no chão. Quando era mais jovem, comia de tudo, principalmente sarapatel, também conhecido como sarrabulho e feijão: “Gosto mesmo é de feijão que dá sustento para tudo”, declara o mestre. Porém atualmente a comida mais consumida por ele é cozido de peixe por ser mais saudável e aconselhável para a sua idade. Sempre foi um amante nato do esporte. Foi atleta de natação, tentou ser goleiro de futebol de campo. É tão bom desportista que até hoje pratica exercícios físicos. O seu horário para se exercitar é sagrado, das nove às dez da manhã. Aí está o grande segredo de sua jovialidade e disposição. A vida pessoal do mestre Vieira sempre foi regada por alegrias e altas doses de sabedoria em que a principal delas é a dose musical. Ambos se relacionam como se fosse o cordão umbilical que liga a mãe ao bebê que está em seu ventre. Assim é Antonio Vieira com a música. 65 5.1 Lembranças São muitas as recordações do Mestre Vieira, Como ele mesmo afirma: “Lembro de tudo o que se passou na minha vida. São tantas lembranças inesquecíveis...”. Embora criado por família rica e de descendência bastante humilde, na sua infância brincou e se alegrou com as demais crianças de sua época nas tradicionais ruas são-luisense, de onde retira até hoje, devido ao enorme rosário de passagens que ficaram guardadas em sua mente, lindas canções, como A doceira, música que retrata a negra velha da esquina que vendia os deliciosos doces que até hoje o mestre Vieira lembra com saudade: TODO DIA EU ESPERAVA PELA DOCEIRA DA ESQUINA PRETA VELHA PEQUENINA PRESENÇA DE FADA BOA (...) Ô DOCEIRA ÉS TÃO ETERNA (...) Porém não esconde que é na sua singela carreira musical que se concentram suas maiores lembranças. Recorda-se sempre emocionado de sua primeira composição – Mulata Bonita -, feita quando tinha dezesseis anos de idade e de quando cantou em público pela primeira vez num show do quinteto Anjos do Samba por volta de 1942. Até então não aceitava que também sabia cantar, assim como chegou a pensar que talvez não aprendesse a tocar violão 66 aos sessenta anos, porém quando começou a tocar nunca mais parou. Aliás, quem duvida que o violão seja o seu companheiro inseparável? Mesmo com o talento precoce, Antonio Vieira, como já fora dito antes, nunca teve o seu sustento através da música. Desta Maneira, são enormes as recordações de seu tempo de inventariante de imóveis, comerciário, funcionário público, diretor administrativo de hospital, vendedor de telefones e outras tantas atividades que exerceu, até mesmo de sargento do Exército Nacional Brasileiro. Nunca esqueceu de sua boa época, em que se dedicava a compor e a ouvi seus grandes ídolos na rádio Timbira e na Rádio Nacional: “No tempo de Francisco Alves e Orlando Silva não era qualquer um que cantava, precisava ter coragem”. As suas vitórias nos festivais já citados em outros itens deste texto são como pedras preciosas em seu baú de experiências, bem como os parceiros inesquecíveis como Jorge Barros e Othon Bastos – Dupla Ponto e Vírgula -, Lopes Bogéa, falecido em 14 de dezembro de 2004, e tantas outras pérolas com quem teve o prazer de conviver e aprender. Antonio Vieira considera o livro Pregões de São Luís, obra dele e de Lopes Bogéa, um importante marco em sua vida, pois lhe ajudou não só como artista, mas como pessoa, uma vez que ao falar e cantar as coisas de pessoas simples como os pregoeiros, ele via aguçar ainda mais a sua sensibilidade como ser humano, principalmente por ter feito esse trabalho com um amigo que ele sempre admirou e admira. É nesse rol de sentimentos que o mestre Antonio Vieira fala sobre o passamento desse seu amigo e companheiro em um depoimento dado a jornalista Carla Melo, publicado no Caderno Alternativo 67 do Jornal O Estado do Maranhão, na edição de 15 de dezembro de 2004 intitulado Adeus ao mestre Lopes Bogéa: Conheci o Lopes Bogéa quando era do conjunto Anjos do Samba e ele ia assistir aos shows, lembra Mestre Vieira, para quem a principal obra de Lopes Bogéa era a composição Canção do Palafitado. Esta música fala de um ciclo, sobre como foi toda a obra dele. Ele sabia das coisas; sabia não, sabe, pois leva para a outra dimensão todo seu conhecimento, disse conformado Antonio Vieira. (Apud MELO: 2). As reminiscências de Antonio Vieira não param por ai. Ele guarda em um espaço especial de sua memória a sua participação no grupo musical Tira Teima, o qual marcou a vida musical de São Luís por mais de uma década, mais precisamente entre 1977 a 1986. Do referido grupo, além de Vieira, tinha como componentes os músicos e compositores Ubiratan Sousa, Chico Saldanha, Hamilton Rayol, Paulo Trabulsi e Adelino Valente, bem se acrescenta que esta trupe já admirava o riquíssimo trabalho de Antonio Vieira bem antes do seu reconhecimento nacional. Sua primeira gravação em 1986, constantemente é lembrada, que foi a música Na Cabecinha da Dora, que fez em parceria com o já falecido Pedro Guesta. Foi uma das quatro canções a integrar o compacto duplo titulado Velhos Moleques, produzido pelos compositores maranhenses então radicados em São Paulo: Chico Saldanha, Ubiratan Sousa e Giordano Mochel, assim como a sua saudosa parceria com Chaminé, grande expoente da música maranhense de quem foi parceiro na composição Ciúme, que faz parte do CD Memória – Música Maranhense, interpretada pela cantora Célia Maria. Na década de 60 quando o cantor e compositor Ary Lobo gravou a música Balaio de Guarimã, composição feita em parceria com Lopes Bogéa. Em 1997, que considera o esplandecer para o cenário nacional com a 68 gravação pela cantora maranhense Rita Ribeiro, de sua música Cocada. São inúmeros shows que lhe marcaram muito, como o Múmias que Cantam! realizado em 99, na companhia de Lopes Bogéa. O ano de 2000 marcou com o show Papel de Seda, em que dividiu o palco com César Teixeira. Com 81 anos de idade, em janeiro de 2001, Vieira realizou um dos maiores shows de sua vida, com o Teatro Artur Azevedo lotadíssimo por dois dias, cujo show foi titulado de “Antonio Vieira”, foi acompanhado na ocasião pelo regional “Surra Curuba” e teve como convidados especiais os cantores Elza Soares, Sivuca, Rita Ribeiro, Célia Maria, João Pedro Borges – Sinhô – e Zeca Baleiro, idealizador do projeto, acabando esse espetáculo musical originando o CD O Samba é Bom. Marcas de Vieira são claramente narradas pelo jornalista, também, poeta e compositor César Teixeira, na sua crônica Antonio Vieira Um Artista Todo Raiz, publicada no Suplemento Cultural e Literário Guesa Errante do Jornal Pequeno, edição de 22 de março de 2002: As líricas raízes do compositor maranhense Antonio Vieira, que meteu os pés na Terra há 81 anos, não param de crescer, preocupando a Defesa Civil e os anjos. Possui mais de trezentas composições inspiradas no cotidiano e temas regionais, a maioria guardada em um balaio de guarimã, viando história. Para quem não fez sermão aos peixes – fisga-lhes com versos -, Antonio Vieira parece estar sempre em dia de esteia. Reinventa a lavoura da música popular, depois de ter metido os pés pelas mãos e criado raízes no chão, distribuindo o que colheu sozinho, como fazem os pregoeiros de verdade. Artista híbrido (mistura de gente e árvore), os contratempos da vida adoçam os frutos da música, por isso compôs mais de trezentas, almejando multiplicar a “saudade da saudade”, que costuma brotar-lhe sincopadamente dos olhos em interminável Da Capo. NO TEMPO DO RÁDIO. Vieira aprendeu a tocar violão “pescando” dos músicos da época. Fez parte de vários grupos entre os quais Anjos do Samba e J.B. Trio, ao lado de Jorge Barros e Othon Santos, apresentando-se em programas de rádio. Depois viriam Tira-Teima e Bambauê. Referência obrigatória às novas gerações, a obra de Vieira é de extrema relevância para o cancioneiro maranhense. Algumas de suas músicas têm parcerias de Pedro Giusti, Lago Burnett, Othon Santos (já falecidos), Nascimento Moais Filho e Lopes Bogéa. Depois da passagem pelo rádio a partir da década de 40, suas músicas foram divulgadas também na televisão por Escurinho do Samba, que tinha um programa ao vivo na TV-Difusora nos anos 60. Balaio de Guarimã 69 (parceria com Lopes Bogéa) já era conhecida na voz de Ari Lobo. Vieira retorna ao rádio, mas como homenageado de Janela Cultual, da Rádio Universidade. Músicas, poesias e entrevistas girando em torno do artista. DO VINIL AO CD. Em 1986, Na Cabecinha da Dora foi registrada no compacto “Velhos Moleques”, do qual participaram Cristóvão Colombo, Agostinho Reis e Lopes Bogéa. Com este último desenvolveu a pesquisa “Pregões de São Luís” que resultou em livro e vinil, reeditado em CD pelo Governo do Estado, em 1999. O reconhecimento veio num festival, em 1968, quando ganhou os 1º e 2º lugares com as músicas Papagaios de Papel e Menino Travesso. A ruidosa Cocada, gravada por Rita Ribeiro, foi agraciada com 2º lugar no Prêmio Sharp 98. Aliás, Vieira é jóia nos CDs de Rita. Em 2001, foi a vez do CD Antologia Vieira. Depois, O Samba é Bom, gravado ao vivo no Teatro Arthur Azevedo, produção de Zeca Baleiro, com participação de Elza Soares, Rita Ribeiro e Sivuca, lançado em janeiro deste ano. O súbito resgate da sua obra é, na verdade, objeto da necessidade que as atuais gerações têm de encontrar a sua identidade cultual, tão massacrada pó uma mídia estelionatária que vende lixo como se fosse música, neste estranho país de miseráveis estatísticas. Vieira é um arquivo vivo de suas músicas, mais de trezentas composições dos mais diferentes gêneros musicais, porém sempre louvando e enaltecendo as coisas e o povo maranhense. Descrever mais as suas lindas lembranças de uma carreira vitoriosa e de uma vida feliz e de paz em todos os sentidos, seria repetir muito o que já se narraram nos demais itens do texto deste trabalho. Ainda bem que a vida do mestre Antonio Viera está sendo registrada nos distintos segmentos da história maranhense, para que assim as suas lembranças não venham a ser unicamente suas, mas do Maranhão e dos maranhenses, seu Estado e seus conterrâneos descritos com amor e convicção em todas as suas canções. 70 6 SÃO LUÍS E O POETA ANTONIO VIEIRA De tudo o que foi dito até agora sobre o artista Antonio Vieira, entendeu-se que, a grande musa de suas composições e poesias é a sua cidade de São Luís, ou melhor, como ele mesmo denomina em muitos de seus depoimentos, o Maranhão, como pode ser comprovado nas afirmativas do próprio mestre Vieira: [...] Minha obra é toda em cima do que vejo, do que ouço, do que sinto. Eu não componho nada à toa. Uma folha se estiver caindo, aquela folha de outono, com princípio de poesia na queda dela, eu componho em cima daquilo... A influência do Maranhão sobre a minha obra é muito grande. O Maranhão tem um grande artista chamado Ubiratan Sousa. Ele é um estudioso e um grande compósito. Então ele disse que no Maranhão tem 45 ritmos. Eu, pó exemplo, não tive tempo de estudar a música do Maranhão. Mas ele passou a vida dele estudando, olhando os ritmos, arranjando os ritmos. A música do Maranhão é muito rica. Só quem pode saber disso é quem vem aqui... Então, como eu sou filho do povo, de origem negra, sabe como é! Tudo do que eu ouço, às vezes uma frase, um dito simples pela rua, é fonte de inspiração e assim tenho sido feliz nas minhas composições e na minha vida... Existe algo de encantador entre o poeta e a sua cidade. Ela o encanta e ele canta toda a sua beleza e magnitude, exaltando-a. O romantismo da cidade denominada Ilha do amor, de arquitetura colonial e diversidade cultural, herdada de uma grande mistura de povos vislumbra o artista Antonio Vieira, que traduz todo esse universo de conhecimentos, ritmos, crenças e lendas em suas composições, enobrecendo ainda mais a terra que tanto se orgulha de fazer parte. Como um bom exemplo dessa grandeza traduzida pelo poeta, temos a lenda do índio Tury-Tury traduzida em canção. Eis alguns trechos: 71 VOU CONTAR PRA VOCÊS UMA LENDA QUE É TUPY DUM ÍNDIO QUE TINHA UM FILHO CHAMADO TURY-TURY (...) MAS UM DIA UM CAIPORA SÓ DE INVEJA LHE LEVOU E O PAI DO BOM MENINO NA LOUCURA MERGULHOU (...) São Luís é uma cidade de heróis e bravos guerreiros Tupiniquins, dos pregões que ao longe podemos ouvir anunciando as suas mercadorias pelas ruas e becos. O poeta Antonio Vieira canta e retrata essas belezas, mas não esquece das mazelas de sua terra. No samba intitulado Zé do lixo ele mostra um pouco dessa triste realidade: (...) ZÉ DO LIXO CHEIRA A FEDENTINA DOS SACOS DE LIXO QUE NÃO É BRINCADEIRA ZÉ DO LIXO É UM POBRE COITADO QUE GANHA MISÉRIA PRA COMER BESTEIRA (...) ZÉ DO LIXO MORA NUM BARRACO E ÀS VEZES ATÉ VIVE AO LÉU ZÉ DO LIXO É ATÉ CONFORMADO TALVEZ SOFRA NA TERRA PRA SORRIR NO CÉU (...) 72 Todas as canções do mestre Antonio Vieira possuem temáticas relacionadas com as coisas e a gente de sua terra natal. Os ritmos são diversos, mas a sua marca é inconfundível na musicalidade e nas raízes mais legítimas do Maranhão, onde São Luís é berço maior do poeta-compositor e do cidadão Antonio Vieira. 7 DEPOIMENTOS São inúmeros depoimentos dos mais diversos músicos, artistas, poetas, escritores, jornalistas e os mais representativos intelectuais a nível local, estadual e nacional sobre o Mestre Antonio Vieira, inclusive, muitos deles enriquecem já o computo desta monografia, mas optou-se por citar outros com a finalidade de evidenciar mais ainda o valor histórico do biografado para os Anais do estado do Maranhão. Conheço Antonio Vieira há muito tempo, aliás, nos conhecemos há bastante tempo. Para mim é um dos maiores compositores do Brasil e o que achei legal na história dele porque foi reconhecido, inclusive em novelas da Rede Globo de Televisão, através de grandes sucessos, assim a gente ficou muito feliz, aqui, em São Luís, devido que Antonio Vieira tem uma música que é a cara do Maranhão, cara de São Luís. São Luís que é bacana e muito importante para ele. Acho a produção artística de Antonio Vieira fantástica, tanto que eu já conhecia a sua produção há muito tempo, inclusive, já cantava a exemplo de Cabecinha da Dora, Banho Cheiroso... a gente já conhecia estas músicas há bastante tempo, até porque nos encontrávamos muito em algumas festas e eventos musicais. Ele possui músicas de todos os estilos, inclusive, tem uma música que Antonio Vieira fez, acho que foi com o surgimento da Bossa Nova, achei legal, que ele tenha feito uma Bossa Nova, na época em que a Bossa Nova estava nascendo, Desta maneira ele, também, foi um dos criadores da Bossa Nova, que muita gente não sabe, mas ele em 1957-58 já tinha este tipo de música, já fazia uma música bem Bossa Nova... (TUTUCA – ENTREVISTA, 12 de mar de 2005). 73 Antonio Vieira é o nosso “Cartola” maranhense. A primeira vez que o vi cantando foi num show “As múmias que cantam”, ele e seu fiel parceiro Lopes Bogéa. Antonio Vieira é um cara autêntico, sempre foi consciente de seu talento. Não se deixou levar pelas barganhas estatais da cultura que rolam por aqui, que transformam os elementos da cultura local em mercadoria para turista ver, sem ter a preocupação da própria identidade e tradição. Salve Baleiro, menino travesso, que mostra ao eixo sudeste, uma das nossas jóias raras, que não precisa nem ser lapidada. O samba é bom, mesmo cru! (VANESSA SERRA – PESQUISA NA INTERNET, 2002). [...] Para Vieira, o artista maranhense não acredita em seu talento. “É preciso acreditamos mais em nós. Aqui no Maranhão, se faz uma das melhores músicas desse país. Temos que levar nossa música para o resto do Brasil”. Para justificar o que diz, Vieira criou uma máxima em que diz “o sujeito vale o que vale o seu trabalho, o seu trabalho vale o que ele lhe der de si mesmo”.E vai adiante: “O Maranhão precisa aprender a valorizar sua gente, a reconhecer o talento de seus artistas. Olha só o que fazem a Bahia e Pernambuco!”. Irreverente e afiado, Antonio Vieira acha que a nova geração de compositores e cantores do Estado está sem referencial. Eles querem música internacional. “Outro dia um desses garotos me perguntou se eu fazia música internacional. Respondi que só fazia música provinciana. Ô, meu Deus! Música Internacional está é longe”, brinca. Ele fala com autoridade de quem acredita ser Chalés Chaplin, o maior compositor do mundo. A admiração por Chaplin é tanta que fez, em resposta a música Sorrir, a sua Chorar. Sem esquece de incluir Ari Barroso e Chico Buarque de Holanda na sua lista de preferidos. Ente os maranhenses, fez uma seleção com os craques da música de todos os tempos... Nhozinho Santos, Chico Maranhão, Chaminé, Ubiratan Sousa, Giordano Mochel, Lopes Bogéa, Chico Saldanha, Ricardo Bogéa, Messias, Sérgio Habibe, César Teixeira, Josias Sobrinho, Zeca Baleiro... (ITEVALDO JÚNIOR – JORNAL DO MARANHÃO, Caderno Alternativo, ago. 1999: 6). O dinossauro mostrou definitivamente de que é feita sua ancestralidade: fino lirismo, humor requintado, delicada sensibilidade para a cultura de seu povo e amor nativo pelo que faz. Vieira soma com o Maranhão eterno, faz parte dessa família magnífica que solidificou nosso nome na história cultural brasileira, elo de ligação entre os que construíram a base de nossa sólida cultura, Sousândrade, Gonçalves Dias, os irmãos Arthur e Aluízio Azevedo, Graça Aranha, Franklin de Oliveira e os que mantêm essa tradição de talento como Ferreira Gullar, Josué Montello, José Sarney, Zeca Baleiro, Rita Ribeiro, Anna Torres: sem nunca ter precisado sair da terra para fazer o bom entre os melhores. Mestre Vieira... Que, diferente da história da Carochinha onde o menino sem malícia gritou que o rei estava nu, precisou apenas que esse talentoso Baleiro, bom moço carregado de belas intenções e coração despido de maldade, para que toda a tribo se sentasse em sua volta para aplaudi-lo em delírio. Vieira, que sozinho seria sua própria atração, convidado a debutar ao lado de estrelas de primeiríssima grandeza que vieram apenas para abrilhantar e enriquecer sua festa, e o fizeram com dignidade peculiar da majestade de cada um. Paguei para ver e fiquei tenso o espetáculo inteiro, deslumbrado, mesmo sabendo de seu talento desde prisca eras... (TEIXEIRA – O ESTADO DO MARANHÃO. Caderno Alternativo, Jan. 2001: 8). 74 Seja na música, na marcação das danças ou nas brincadeiras, o instrumento que mais se destaca, que mais caracteriza a Cultura Maranhense é a percussão. O que não significa a inexistência de uma tradição, de um legado vindo de um cancioneiro violado. O violão que acompanha as cantorias pelas ruas, travessas e becos da cidade chegou com as modinhas e serestas, acompanhando menestréis e poetas. Só depois foi assimilado pelos boêmios e pelo adio, quando a música se tornou popular e grupos musicais se apresentavam profissionalmente nos programas das rádios Gurupi e Timbira. Chega mesmo a ser ironia para os tempos de hoje: tanta tecnologia e tão pouca criatividade, tão pouco pioneirismo. Não é a toa, seu Antonio Vieira nasceu justamente em 1920, ano em que, nos Estados Unidos, um engenheiro da Westinghouse, cria, a partir da ampliação dos recursos do bocal do telefone, o microfone. Ao surgir, o microfone mudou tudo, provocou evoluções e deu início à Era do Rádio. Aos 81 anos, Seu Vieira é o tipo de pessoa múltipla, daquelas que já fez de tudo um pouco na vida... Hoje aposentado, tem mais tempo pra fazer o que gosta: observar o mundo, aprender com os pequenos eventos da natureza e a parti daí compor suas canções que, de tão simples, comovem, ficam gravadas em nossos corações, na alma da Cultua Popular Maranhense... (BAVARESCO VIANA – JORNAL O ESTADO DO MARANHÃO – Caderno Alternativo, set. 2001: 2). Cartola, Clementina de Jesus, Nelson Sargento, Batatinha e agora Antonio Vieira. Parece que existe uma triste tradição em nossa MPB em demorar a reconhecer a marca do gênio, deixando-os trabalhar por décadas, conhecidos de poucos. Os primeiros discos destes artistas, quando foram lançados, abriam um universo novo de canções e criações que mostram que há uma corrente contínua de força que espera, sem pressa, a hora de ganhar luz. No caso de Antonio Vieira, além da demora, há o fato de que ele produz sua arte no Maranhão, fora do famigerado “eixo”, mas sempre com uma ligação direta com o mais importante veio de nossa música, o samba. E samba, como ensinou o poeta, não se aprende no colégio e nasce do coração. O coração maranhense de Antonio Vieira bate forte no primeiro disco do compositor, o Samba é Bom, produzido pelos músicos Zeca Baleio, Vange Leonel e Paulo Lepetit, que traz 18 composições gravadas ao vivo... (PAULO, 2002. P.6). Faz ele próprio a depuração necessária em seus versos, impedindo a inclusão involuntária de elementos exóticos. Dessa forma, as composições de Vieira têm esse sabor claro e lúcido de naturalidade sem afetação e sem esnobismo. (BURNETT, Lago. JORNAL DO POVO, 1952) Falar de Antonio Vieira é uma coisa simples como ele sempre foi. A primeira vez que o vi foi no Governo do Dr. Paulo Martins de Sousa Ramos, Interventor Federal do Estado do Maranhão, em 1940. Quando da inauguração da rádio, situada na Rua 13 de Maio, esquina com a Rua da Misericórdia, na Praça do Mercado Central, onde funcionava a imprensa oficial do Estado, eu era um “macaco de auditório”. Assim eram chamadas as pessoas que freqüentavam a emissora. Assistindo à programação, encontrei Antonio Vieira, que fazia parte do conjunto musical intitulado “Anjos do samba”, por sinal um dos melhores conjuntos musicais da época. Depois em outra oportunidade, encontrei-o na Praça João Lisboa, conversando com 75 Pedro Giusti (compositor), isto em 1944, e fiquei observando o diálogo deles sobre música. Devo dizer que a Praça João Lisboa, chamada de Largo do Carmo, era um ponto de referência. Tornou-se hábito da dupla Pedro Giusti e Antonio Vieira lá se encontrar. Aqui cabe uma ressalva: eu não tinha aproximação para falar com eles, somente em saudação. Depois Vieira passou a trabalhar na Casa Antero Matos, revendedora de peças, situada em frente ao Convento do Carmo. Lá comecei o primeiro contato com ele. Conversando sempre por ali, surgiu uma amizade. Até então falávamos sobre variados assuntos. Algum tempo depois, comecei a escrever sobre os pregões de São Luís, porque São Luís era uma cidade muito alegre e musicada, em cada esquina se escutava a melodia dos vendedores de mercadorias. Isto me chamou muita atenção, ninguém até então havia despertado para o fato, por ser tão habitual. Trabalhando em cima de pesquisas populares relacionadas aos pregões e personalidades da época, surgiu a obra “Pregões de São Luís”. Todas as noites os rapazes desciam aruá da Palma, zona do baixo meretriz, onde funcionava a oficina de João Carlos Leite, mais conhecido como Zé e João sapateiro, que costumava reunir os amigos para tocar violão. Numa dessas noites resolvi ouvir violão, José Sapateiro também tocando e Antonio Vieira, que cantava. Para o meu espanto ele interpretava uma música de sua autoria intitulada “Garrafeiro”, um dos pregões já por mim catalogados. Fiquei a escutar e Vieira cantou outra música que me chamou a atenção – “Verdureiro”. Daí então, por achar bonitas as composições, chamei-o para participar do meu trabalho, apesar de já estar quase todo pronto. Ele ficou muito animado, então solicitei que escrevesse mais nove composições, para os textos que havia escrito. Através desse trabalho, solidificou-se a amizade na década de 70. A convite de um cantor e intérprete, Ary Lobo, não podendo gravar, por pertencer a uma gravadora, apresentou-me a um conjunto denominado “Os Cobras do Norte”, no selo da Araribóia. Este conjunto gravou um compacto duplo, por título “A Pesca do Sururu”. Ao sair daqui de São Luís, as pessoas invejosas disseram a Vieira que eu iria gravar coisa nenhuma e que seria mais um cachaceiro para desonrar o nome do Maranhão. Ironia do destino realmente a cachaça pegou, não da forma que gostariam que fosse, mais sim com sucesso. No Governo de João Castelo, Francisco Leitão assumiu o cargo de Diretor Geral da Rádio Timbira e na emissora existia um departamento que estava muito desarrumado (o almoxarifado). Então indiquei o nome de Vieira para trabalhar neste setor, o qual desempenhou a função à altura. A amizade cresceu, alguns quiseram destruí-la, porém aumentou mais ainda. Surgiram novas composições, no caso de Balaio de Guarimã, já gravada por Ary Lobo, e os brinquedos de crianças. Com o passar dos anos, a idade chegou e três amigos que conheciam o nosso trabalho, como também de outros dois compositores, Cristóvão Colombo “Alô Brasil” e Agostinho Reis, reuniram nossos trabalhos e lançaram um compacto duplo com interpretação de cada um cantando suas músicas. Desta surpresa originou-se “Os Velhos Moleques”, produzido em São Paulo por Francisco Saldanha, Ubiratan Sousa e Giordano Mochel. Nossos amigos velhos moleques partiram e surgiu o show “As Múmias que Cantam”, como forma de gozar um cidadão que detratou nosso trabalho como ultrapassado. Fizemos o show e fomos aplaudidos pelos jovens. A prova está sendo maior com o desempenho do meu amigo e irmão Antonio Vieira, que explodiu até mesmo fora do país. Nesses longos caminhos percorridos continuamos de pé e unidos, até o fim das nossas existências. Amém! (LOPES BOGÉA apud CARACAS: 38) 76 8 ASSIM FALOU O POETA, MÚSICO E CANTOR FIGURA 11: ANTONIO VIEIRA SENDO ENTREVISTADO PELA FORMANDA ZÍNGARA PAVÃO Na série de entrevistas realizadas com o biografado, aqui, neste trabalho, selecionou-se trechos que se supõem da maior valia para o Mestre Antonio Vieira com referência a sua vida e a sua obra. Com relação a sua infância e adolescência, todas as vezes que se reportou demonstrou uma enorme emoção e grande reconhecimento a todos aqueles que participaram dos seus primeiros passos na vida, como podemos observar na seguinte citação: Nasci, aqui, em São Luís do Maranhão em nove de maio de 1920, na Rua de São João, perto do Mercado Central e da Fonte das Pedras, meus pais foram Wilson Vieira e Itamar Faias, porém fui criado pela família dos meus padrinhos João Batista Alves Lomba e sua filha Odila Alves Lomba, residente na Rua do Passeio. Nesta família eu tinha tudo que queria, eles me educaram, colocaram para estudar nos melhores colégios da cidade... Mesmo com dificuldades, trabalhando conseguir chegar até ao curso superior, sou formado em Ciências Contábeis. Esta família que me criou era portuguesa... Entre 10 a 16 anos já tinha inspiração pra música, foi quando fiz a minha primeira composição Mulata Bonita... 77 Eis a própria afirmação de Antonio Vieira, que teve seu início na música muito cedo. Desde quando fez a música Mulata Bonita, aos dezesseis anos, nunca mais parou de compor. A simpatia do Mestre Vieira é tão contagiante que a entrevista se prolongou, tomando rumos de uma conversa descontraída, em que se comentou sobre o seu reconhecimento talvez um pouco tardio. Mas ele, sempre otimista afirma: [...] a sensação é a satisfação do individuo em deixar uma obra, a qual a gente levou tanto tempo pra fazer. E isso dá alegria. Assim como eu, dezenas de outros compositores dessa terra deixaram uma obra tremenda. Nós tivemos aqui um compositor fabuloso de saudosa lembrança, chamado Agostinho Reis, que era primo daquele grande compositor que morava no Rio de Janeiro chamado Luís Reis, autor de “Cara de Palhaço”, “Luminosa Manhã”, etc. Todos nasceram aqui no Maranhão. Mas o Luís Reis foi para o Rio e conseguiu mostrar sua obra até falecer. O Agostinho Reis faleceu aqui e não deixou nada gravado. E ele extraordinário. Mas é assim mesmo!... Observou-se que o mestre Vieira tem opinião de que se estivesse em outro meio, há muito que seu trabalho já era conhecido nacionalmente, como revela no seguinte segmento: Caso estivesse em outro meio musical penso que seria reconhecido o meu trabalho com mais rapidez pelo grande público brasileiro. Uma vez estive no Rio de Janeiro e fiz um teste na Rede Globo. O maestro Roberto Nascimento perguntou se eu iria morar no Rio. E ele me disse: “venha aqui para o Rio que eu quero se o seu padrinho. Sua obra tem muita coisa bonita!”. Eu disse que não, não tinha condição, eu era funcionário, tinha que completar meu tempo para me aposentar. Mas eu fiz Rolando Boldin, no tempo daquele “Som Brasil”. Eu fiz quatro vezes. Ele mandava me buscar, eu fazia o número lá e ia-me embora. Quer dizer, é porque devia ter alguma coisa que valesse, não é? Falou-se demoradamente sobre o Prêmio Sharp na categoria “melhor canção” de 1997, conquistado pela sua música Cocada gravada por Rita Ribeiro, cuja premiação despertou o Brasil para existência do Mestre Antonio Vieira do Maranhão: 78 Não pensei que fosse chegar a esse grau não. Mas acredito no meu trabalho e tenho outras tantas cocadas aqui... Quem ouve meu disco solo, que já falamos sobre o mesmo, o nome dele é “O Samba é Bom”, ouve algumas jóias que eu tenho, cantadas por mim e por outros cantores como a Célia Maia, uma grande cantora que a gente tem; a Rita Ribeiro, que você conhece; o Zeca Baleiro, que o Brasil conhece; o Sivuca, que esteve aqui acompanhando e a Elza Soares. Ela esteve aqui e cantou três músicas minhas... Um dos assuntos que tomou boa parte da conversação foi a precocidade musical e o tardio aprendizado do violão, atualmente companheiro inseparável do poeta-compositor. [...] É, eu levava as músicas para o pessoal me acompanhar, uns de má vontade porque não queriam, outros cobravam dinheiro, e era uma luta. Então eu decidi aprender a tocar violão. Muito embora dissesse que cavalo velho não aprende a marchar. Nós temos esse ditado, aqui, no Maranhão. Mas comigo não teve esse problema não. Eu sempre lutei, acreditei em mim, e tudo o que quis fazer eu fiz... Porque tinha pouco tempo para aprendizagem. Em função de muitas horas do dia trabalhando, às vezes trabalhando até de noite. E mesmo nesse tempo que eu era moço, não existia escola de música no Maranhão. Tinha no interior, mas aqui na capital não tinha. Quando me aposentei é que comecei a me dedicar. Não toco um violão bonito, não sou um solista, não sou um acompanhador. Mas eu faço. Muita gente diz que meu violão é simples igual a minha música e que eu devia fazer um show solo, só eu e o violão. Mas ainda não tive coragem de fazer porque acho o meu violão muito simples. Então, eu toco para passar o que sei fazer para os músicos de nível melhor do que eu. No show, por exemplo, o Zeca Baleiro queria que eu fizesse dois ou três números sozinhos ao violão, mas dado a ser gravado ao vivo, eu disse não... Após as justificativas de Vieira sobre a sua aprendizagem de violonista, surgiu então a curiosidade em saber como o poeta fazia para produzi suas composições musicais sem nenhum instrumento. Qual era a forma? Ele calmamente e de uma maneira toda simplista, acrescentou: Aquilo vem a inspiração na minha mente. Peguei a inspiração musical e tenho facilidade poética. Aí fazia os versos e ia guardando. Até hoje, posso estar sem o instrumento na mão, eu olho uma letra minha e canto. Aquilo ficou gravado na minha mente. Apesar de ter uma idade avançadíssima, mas ainda estou lúcido para essas coisas. 79 O ritmo da grande maioria de suas composições é um considerável conjunto de excelentes sambas, mas se verificou algo bastante interessante, o Mestre Vieira não se intitula um sambista, eis a sua argumentação a respeito: Porque o meu forte não é o samba. A questão é que tudo o que faço agrada. O que eu faço são canções, que tenho muitas canções bonitas. Esse “Poema para o Azul” é uma canção. Essa canção é tão bonita que uma vez passou por aqui um flautista, o Copinha, hoje falecido, e ele chegou e me elogiou o trabalho. Ele disse: “olha você já é um grande compósito dessa terra”. Ele ficou maravilhado. A música é simples: O mar é verde azul / o céu é mais azul / O céu é irmão do mar / E o azul é que os foi ligar // Eu que amo o céu / eu que gosto do mar / Não sou pelo menos azul / Pra com eles me identificar. Eu não complico nada. Nem a minha vida. Minha vida é uma vida muito simples. Entrevistar Antonio Vieira e não falar sobre uma de suas grandes paixões, que é Charles Chaplin, é deixar uma enorme lacuna na conversação, pois sempre que comenta sobre sua obra, cita Chaplin como sendo o maior compositor de música popular do mundo: [...] é o mais sentimental. As canções do Chaplin são uma coisa extraordinária. Quem não conhece “Luzes da Ribalta”? Quem não conhece “Sorri”? É extraordinário. Eu tomei uma atitude meio audaciosa. Ele fez “Sorrir” e eu fiz uma resposta para a música dele chamada “Chorar”. Se ele estivesse vivo, eu ia gravar, mandar traduzir para o inglês e mandar para ele. Mas ele já faleceu. A música de Chaplin para mim é uma coisa extraordinária! A música que eu considerei resposta para música dele é mais ou menos assim: Chora / se a alegria está contigo / e o orgulho é teu amigo / em teus joviais momentos // Chora / se estiveres animado / até entusiasmado / porque a vida é sofrimento // Chora, quando a manhã for nascendo / Pois em qualquer dia sempre / tem alguém também morrendo // Chora, mas chora com o sorriso no teu rosto / para que ninguém tenha o desgosto / de te ver sofrendo // Chorara é o que devemos fazer / porque tudo o que hoje nasce amanhã vai morrer // Chora, porque a vida é uma ilusão / E o sorriso que se dá / Não contém a compaixão. Vai por ai... O carisma e, principalmente, a simplicidade que é peculiar a Antonio Vieira, somente poderiam essas duas características básicas de sua vida e obra o colocar entre os seus companheiros, parceiros e irmãos da música 80 maranhense dessa geração bem mais nova. Ganhou e desfruta perante os novos valores musicais do Maranhão um enorme respeito e muitas amizades, como relata: Eles me querem muito bem. O Ubiratan me deu até um apelido. Ele me chama de “o cantor que faz chorar”. O cantor que tem tanto sentimento na voz que as pessoas choram. Tem um outro admirador que diz que eu sou o cantor que sabe fazer o que quer. Não acho que seja tanto. Eu passo o que vejo, porque não componho só por vontade de compor. Espero o momento de compor. Por exemplo, tenho uma canção chamada “Dunas”. Eu fui a uma praia e estava lá tomando banho de sol e de repente verifiquei que a areia estava beliscando a minha perna, a força do vento com a areia fazia aquela cosca na perna. Aí, a fumaça de areia ia lá mais longe e formava as dunas. Aqui no Maranhão tem muito. Pois bem, aí fiz a canção “Dunas”, do fato de ter assistido à natureza fazer aquilo. Então, eu componho em cima disso. Está todo mundo se preocupando de falar em mulher, mulher me abandonou, a mulher me deixou, estou apaixonado, isso e aquilo. E acham que é só isso. Eu não ando nesse caminho. Para chegar perto de Lupicínio Rodrigues é preciso ser melhor do que ele. Eu respeito muito o Lupicínio, que, aliás, considero como o maior compositor de dor de cotovelo. O Lupicínio é um sujeito muito bom nesse ramo. Então, o que é que eu vou fazer atrás do Lupicínio? Baixar a freqüência? Eu não. Eu procuro meu caminho. Conversou-se sem cronologia fixa, hora ia-se buscar o passado rapidamente, depois se voltava ao presente e, paulatinamente, Antonio Vieira marcava peças importantíssimas de sua trajetória artística. Amante da música, sua velha e inarredável companheira, declara: “Nunca vivi dela, não. Sempre tive outras funções. Aqui na nossa região ninguém pode viver somente da música porque os bolsões de pobrezas imperam”. E Sobre a sua entrada e participação na radiofonia maranhense comentou: Esse período foi uma época de ouro dos cantores brasileiros, quando imperavam Francisco Alves e Orlando Silva. Um tempo em que eu não tinha a audácia de cantar, como hoje canto. O nível era muito alto. Hoje qualquer pessoa canta. Tem os recursos eletrônicos com os quais se corrigem os defeitos. Naquele tempo, não. O individuo tinha que ser bom mesmo... Atualmente é uma época diferente. Você sabe, a evolução nunca é tão ruim como a gente pode pensar. E dá saudades, porque a gente percebe que naquela época tinham mais valores do que hoje. Essa é a verdade. Tem mais quantidade e menos qualidade. 81 A sua música Cocada lhe abriu muitas portas, antes mesmo do sucesso e explosão nacional quando foi gravada por Rita Ribeiro. Na administração do Governador de São Paulo, Pedro Maluf, foi realizada uma festa da mocidade brasileira e foram convidados valores de todos os estados brasileiros, e o Mestre Antonio Vieira era um dos componentes do grupo que representou o Maranhão e se deu muito bem, como se observa na declaração do próprio Vieira: [...] uns quatro programas do Rolando Boldrin em São Paulo, que era um programa muito bom. Depois disso eu comecei a ser mais procurado. Fui umas quatro vezes a São Paulo. Um número que agradou bastante foi justamente a música Cocada... Quando o governador era Paulo Maluf e ele fez uma festa da mocidade, onde de cada estado foi um grupo de valores. Mas eu fui para São Paulo não como cantor e compositor, fui como percussionista. Colocaram-me para cantar um número e eu fiz a música Cocada, que agradou muito o público. Foi assim: Tinha um canto chamado Dércio Marques, um mineiro radicado na Bahia, que quando virou uma fita minha ficou impressionado com a letra da música. Fui apresentado a ele nessa época e ele que me levou ao Rolando Boldrin. Foi por isso que comecei a fazer o programa dele. Nessa época conheci o Tom Zé, conheci de perto também o Gonzagão, Quinteto Violado, Demônios da Garoa e Paulinho da Viola. Esse pessoal todo fazia o Som Brasil e num aniversário do programa eu também participei e fui eu quem encerrou o programa em alto astral... Antonio Vieira fala pela primeira vez de seu novo projeto, que é uma coletânea de contos baseados nas histórias de fantasmas que ouviu durante toda a sua vida, cujo título será Contos fantasmagóricos. Esse projeto, segundo o mestre Vieira terá o endosso de uma teatróloga maranhense, bem como de um cartunista. Ambos transformarão seus contos em peças teatrais de bonecos e em revistas em quadrinhos. Dessa forma, os fantasmas e todo o universo imaginário terão vida e forma própria. Nas palavras do mestre Vieira: Desde menino eu sempre ouvi histórias de fantasmas e de coisas sobrenaturais. Fui anotando e, agora, fiz uma compilação de 30 contos de fantasmas. Mandei fazer em histórias de quadrinhos. Como a Vale me beneficiou nas composições musicais, espero que ela me ajude também na edição desse livro. Aí, você vai notar que, Antonio Vieira, além de ser compositor de música popular, agora vai ser contista! 82 Foram momentos agradabilíssimos que se teve oportunidade de conviver com o mestre Vieira, que dentro de tudo aquilo que fora narrado, somado a sua simplicidade e enorme valor artístico-musical, pode-se afirmar que, além de ser um dos maiores compositores da música popular maranhense, Antonio Vieira é também um exímio poeta, que ver no “simples” a sua maior fonte de inspiração, que transforma um caso banal em poesia e que, além de ser um apaixonado pelas coisas de sua terra, se orgulha em ser o que é: Eu não copio ninguém... Eu procuro ser eu mesmo. Eu sou Antonio Vieira, minha obra é de Antônio Vieira. Assim cabe nesta conclusão reafirmar juntamente com todos os doutrinadores, músicos, compositores, poetas, jornalistas e intelectuais que Antonio Vieira é um dos maiores e dignos representantes da Arte e Expressão da Música Maranhense. FIGURA 12: ANTONIO VIEIRA E A FORMANDA ZÍNGARA PAVÃO AO LADO DO ACERVO DO PROJETO DOCUMENTAÇÃO E REGISTRO FONOGRÁFICO DA OBRA MUSICAL DE ANTONIO VIEIRA 83 9 CONCLUSÃO Como se observou durante todo este trabalho, Antonio Vieira tornou-se um ícone na história da música popular maranhense. De tudo o que fora dito, muito mais se poderia dizer ainda sobre a vida, a geniosidade de suas composições musicais, e, sobretudo, sobre a autêntica veia poética do mestre Antonio Vieira, que não se cansa de exaltar, como legítimo maranhense, as coisas de sua terra. O mestre Antonio Vieira é de uma singularidade invejável, pois mesmo tendo pisado em palcos iluminados e tendo estado em companhia de “sucessos” e do sucesso, não deixa de ser um homem simples como a sua música. É alguém que sabe o que faz e porque faz, que tem revelado muito sobre “as coisas do Maranhão”, sobre aquilo que existe de melhor nesta terra majestosa: sua gente e sua cultura. O perfil biográfico aqui abordado não constitui as palavras finais, e tampouco esgotam a riquíssima fonte que é essa plausível figura humana, que gosta da vida e de viver, e que sabe como eternizar com suas simples melodias as pequenas coisas do dia a dia. Assim, assinalou-se aqui que a simplicidade desse grande artista, tanto na vida quanto na arte de compor e de cantar, é sua maior marca, porém não diminui, pelo contrário, só o eleva a um nível superior de artista do povo, com características peculiares que fazem com que toda a sua plenitude se desvele como verdadeira voz dessa gente, tantas vezes esquecida e oprimida. 84 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Ronald. Antoniologia Vieira. São Luís, out. 2001. Folheto de divulgação do show em homenagem ao poeta-compositor Antonio Vieira. ANTÔNIO JÚNIOR. Oportunidade para as artes nacionais. Jornal O estado do Maranhão. São Luís, 6 mar. 2005. Caderno Alternativo, p.6. BAVARESCO, Rafael. VIANA, Cassiano. Voz e violão do Maranhão. Jornal O Estado do Maranhão. São Luís, 16 set. 2001. BOGÉA, Lopes e VIEIRA, Antonio. Pregões de São Luís. São Luís: Edições FUNC. 1980. 112p. BOGES, Robinson. Aos 82 anos, Antonio Vieira lança seu primeiro CD. Valor Econômico. São Paulo, 16 maio 2002. Eu & Cultura p. D 6. CARA, Sal ete de Almeida. A poesia lírica. 3ª ed. São Paulo: Editora Ática S.A. 1989. CARACAS, Maria de Fátima Reis. Projeto documentação e registro fonográfico da obra musical de Antonio Vieira: vida e obra do autor. Coordenação Rodrigo José Bugarin Caracas e Maria de Fátima Reis Caracas. São Luís: AMARTE, 2003. 114p. GÊNIO, maranhense. Diário do Nordeste. Fortaleza, 2 abr. 2002. Caderno 3, p. 1 e 5. JÚNIOR, Itevaldo. Pérola rara da música. Jornal O Estado do Maranhão. São Luís, 8 ago. 1999. Caderno Alternativo, p.6. MELO, Carla. Adeus ao mestre Lopes Bogéa. Jornal O Estado do Maranhão. São Luís, 15 dez. 2004. Caderno Alternativo, p.2. 85 MÚSICA DO BRASIL EM AMOSTRA. Jornal O Estado do Maranhão. São Luís, 20 fev. 2005. Caderno Alternativo, p.3. SANCHES, Pedro Alexandre. Antonio Vieira faz reviver a fina tradição maranhense. Folha de São Paulo, São Paulo, 1 mar. 2002. p. E 14. TEIXEIRA, César. Antonio Vieira: um artista todo raiz. Jornal Pequeno, São Luís, 222 mar. 2002. n.4, p.2. Suplemento Cultural e Literário Guesa Errante. TEIXEIRA, Ubiratan. Seu Vieira: nosso lírico Dino. Jornal O Estado do Maranhão. São Luís, 26 jan. 2001. Caderno Alternativo, p.8. TUTUCA (cantor e compositor). Entrevista sobre a obra musical do poeta e compositor Antonio Vieira. São Luís, 12 mar. 2005. VIEIRA, Antonio (poeta-compositor). Entrevista sobre sua vida e sua obra. São Luís, 14 mar. 2005. 86 ANEXOS 87 ANEXO A: CANÇÕES DO MESTRE VIEIRA ZÉ DO LIXO ZÉ DO LIXO QUE CHAMAM GOLEIRO TRABALHA SOFRENDO APANHANDO SUJEIRA ÀS VEZES TREPADO NO CARRO DE LIXO ÀS VEZES ATRÁS DELE E SÓ DE CARREIRA ZÉ DO LIXO CHEIRA A FEDENTINA DOS SACOS DE LIXO QUE NÃO É BRINCADEIRA ZÉ DO LIXO É UM POBRE COITADO QUE GANHA MISÉRIA PRA COMER BESTEIRA ZÉ DO LIXO É UM HERÓI DO TRABALHO DESSE POVO QUE SOFRE SORRINDO NINGUÉM SABE DE ONDE ELE VEIO NINGUÉM SABE PRA ONDE VAI INDO ZÉ DO LIXO MORA NUM BARRACO E ÀS VEZES ATÉ VIVE AO LÉU ZÉ DO LIXO É ATÉ CONFORMADO TALVEZ SOFRA NA TERRA PRA SORRIR NO CÉU ZÉ DO LIXO VOCÊ SOFRE COMO QUE LIMPANDO A CIDADE NINGUÉM LIGA PRA VOCÊ BALAIO DE GUARIMÃ MEU BALAIO, MEU BALAIO MEU BALAIO DE GUARIMÃ MEU BALAIO, MEU BALAIO MEU BALAIO DE GUARIMÃ ELA PEDIU MEU BALAIO EMPRESTADO ATÉ AMANHÃ Ô QUE FALTA ME FAZ MEU BALAIO DE GUARIMÃ NELE EU BOTO OS TERÉM PRA VIAGEM DE MANHÃ NELE EU ENCOSTO A CABEÇA LÁ NAS SOMBRAS DA CUNHÃS É COISA QUE NÃO SE EMPRESTA VOU BUSCÁ-LO AMANHÃ, VOU VOU BUSCAR MEU BALAIO MEU BALAIO DE GUARIMÃ A DOCEIRA TODO DIA EU ESPERAVA PELA DOCEIRA DA ESQUINA PRETA VELHA PEQUENINA PRESENÇA BOA DE FADA QUE MERCAVA E QUE MARCAVA NÓS DOIS A VIDA A DISTÂNCIA NA MANHÃ DA MINHA INFÂNCIA TÃO ALEGRE E DESCUIDADE NA MANHÃ DA MINHA INFÂNCIA TÃO ALEGRE E DESCUIDADE 88 BEIJO DE MOÇA, DOCE DE COCO OLHO-DE-SOGRA E REBUÇADOS E OUTROS DOCES QUE ELA FAZIA COM O FEITIO DO CORAÇÃO E NÃO-ME-TOQUES E AS PASTILHAS QUE OFERECIA QUANDO EU NÃO TINHA TOSTÃO EU NÃO SABIA QUE ERA MAIS DOCE SE OS SEUS DOCES OU O SEU CORAÇÃO Ô DOCEIRA ÉS TÃO ETERNA QUEM DERA QUE FOSSES NESSE DOCE PARAÍSO DE MÃE BENTAS E QUINDINS SE ME DESSE DESSES DOCES POIS AGORA É QUE EU PRECISO DEPOIS QUE A VIDA TORNOU-SE TÃO AMARGA PARA MIM CHORAR CHORA, SE ALEGRIA ESTÁ CONTIGO E O ORGULHO É TEU AMIGO EM TEUS JOVIAIS MOMENTOS CHORA, SE TIVERES ANIMADO ATÉ ENTUSIASMADO PORQUE A VIDA É SOFRIMENTO CHORA, QUANDO A MANHÃ FOR NASCENDO POIS EM QUALQUER DIA SEMPRE TEM ALGUÉM TAMBÉM MORRENDO CHORA, COM O SORRISO NO TEU ROSTO PRA QUE NINGUÉM TENHA O DESGOSTO DE TE VER SOFRENDO CHORAR É O QUE DEVEMOS FAZER PORQUE TUDO O QUE HOJE NASCE AMANHÃ IRÁ MORRER CHORAR PORQUE A VIDA É UMA ILUSÃO E O RISO QUE SE DÁ NÃO CONTÉM A COMPAIXÃO A BALSA O CABOCLO FAZ A BALSA DO TALO DO BURITI PALMEIRA DO NORTE E NORDESTE ONDE CANTA A JURITI A BALSA PRONTA NO RIO VAI SUA CARGA TRANSPORTAR ELE MESMO É O VAREIRO QUE VAI A BALSA EMPURRAR A BALSA DESCE A CORRENTE COM O SEU DONO A CANTAR VAI EM DIREÇÃO DA VILA QUE ELE VAI NEGOCIAR NO CAMINHO TEM PERIGOS TÃO GRANDES QUE NEM NO MAR TEM RECIFES, TEM PIRANHAS SUCURI QUE É DE ASSOMBRAR O CABOCLO CHEGA A VILA PRA VENDER, NEGOCIAR E VENDENDO O QUE TROUXE 89 ESTÁ PRONTO A RETORNAR ENTÃO CHEGA A HORA TRISTE DE SUA BALSA DEIXAR POIS A SUA MONTARIA NÃO TEM VELAS PRA VOLTAR MESMO QUE VELAS TIVESSE NADA PODIA FAZER POIS O RIO CORRE MUITO NINGUÉM PODE LHE VENCER E O CABOCLO ENTRISTECIDO VENDE A BALSA A QUEM COMPRAR E SEUS TALOS SEMPRE, SEMPRE MAIS UM QUINTAL VAI CERCAR BARQUINHO DE PAPEL VOU FAZER MEU BARQUINHO DE PAPEL POIS O CÉU ESTÁ ESCURO E VAI CHOVER QUANDO CHOVE É O CÉU QUE ESTÁ CHORANDO PARA MIM QUE ESTOU NO FIM DE MEU VIVER ESTOU VELHO E A SAUDADE DA INFÂNCIA VAI CHEGANDO E EU FICO A RECORDAR QUE SOLTAVA O MEU BARQUINHO NA TORRENTE E ELE ÍA PRA NUNCA MAIS VOLTAR HOJE A VIDA PARA MIM É UM BARQUINHO QUE O ENCHORRO VAI AO LONGE ACABAR EU TAMBÉM JÁ ESTOU NO FIM DO MEU CAMINHO E A VELHICE EU NÃO SENTI CHEGAR E A VIDA SÓ ME TROUXE DESENGANOS E ASSIM EU FUI VIVENDO SEMPRE AO LÉU E SÓ RESTOU PARA MIM ESTA SAUDADE DA MINHA INFÂNCIA E DO MEU BARQUINHO DE PAPEL SAUDADE, AMIGA INFINDA E TÃO FIEL DA MINHA INFÂNCIA E DO BARQUINHO DE PAPEL COCADA OH! DEUS SE EU PUDESSE ABRIA UM BURACO METIA OS PÉS DENTRO CRIAVA RAÍZES VIRAVA COQUEIRO TREPAVA EM MIM MESMO COLHIA MEUS COCOS MEUS FRUTOS FELIZES RALAVA ELES TODOS COM CRAVO E AÇÚCAR E PUNHA NUM TACHO PRA FAZER COCADA AÍ CONVIDAVA MULATAS E LOIRAS MORENAS E NEGRAS PRA DÁ UM PROVADA DEPOIS SATISFEITO DE TANTA DENTADA NA BOCA DE TODAS EU ME DERRETIA AÍ NOVAMENTE EU ABRIA UM BORACO METIA OS PÉS DENTRO COM TODA ALEGRIA 90 VIRAVA COQUEIRO COLHIA MEUS COCOS RALAVA ELES TODOS FAZIA TACHADA COM CRAVO E AÇÚCAR E FICAVA ROXINHO FICAVA DOIDINHO PRA SER MAIS COCADA OH! SE EU PUDESSE VIRAVA COCADA POEMA PARA O AZUL OH! O MAR É VERDE-AZUL O CÉU É MAIS AZUL O CÉU É IRMÃO DO MAR E O AZUL É QUE OS FOI LIGAR EU QUE AMO O CÉU EU QUE GOSTO DO MAR NÃO SOU PELO MENOS AZUL PRA COM ELES ME IDENTIFICAR MARANHENSIDADE QUEM NASCEU NO MARANHÃO TEM NA POESIA O DESTINO POIS OUVE DESDE A INFÂNCIA A BATIDA DO DIVINO O REPENICADO DA MINA E OS SOTAQUES DE BUMBA BOI E O TAMBOR DE CRIOULA E O CHORADO QUE SE FOI POR ISSO É QUE TUDO NOSSO É UM POUCO DIFERENTE DIFERENTE A NOSSA MÚSICA DIFERENTE A NOSSA GENTE ABRIMOS NOSSO CAMINHO COM GARRA E ZELO TAMBÉM CRIAMOS A NOSSA CULTURA SEM SER CÓPIA DE NINGUÉM ISSO É A VERDADE ISSO É A VERDADE ISSO É MARANHENSIDADE MULATA BONITA MULATA BONITA COM LAÇO DE FITA E O CORPO GINGANDO E SABE SAMBAR CHINELAS SEM MEIA ELA SAPATEIA NA RODA DE SAMBA ELA VAI CANTAR MACHUCANDO A GENTE COM SUA VOZ DOLENTE COM ESSES ENCANTOS ELA ME CONQUISTOU MULATA BONITA 91 BONITA MULATA VOCÊ É UM AMOR HOJE EU ESTOU LONGE DELA SOZINHO A ME LASTIMAR PEDINDO PRO MEU SÃO JOSÉ PRO MARANHÃO EU VOLTAR EU QUERO A MINHA MULATA QUE EM SÃO LUÍS EU DEIXEI SE EU NÃO VOLTAR PARA ELA DE TRISTEZA MORREREI NA CABECINHA DA DORA NA CABECINHA DA DORA MEU PENSAMENTO CONCENTRO TEM MUITO ROLO POR FORA E POUCO MIOLO POR DENTRO NA CABECINHA DA DORA MEU PENSAMENTO CONCENTRO TEM MUITO ROLO POR FORA E POUCO MIOLO POR DENTRO A CRIOULA TEM UM ZELO PARA AGRADAR O CRIOULO ELA MANDA ESTICAR O CABELO DEPOIS METE O CABELO NO ROLO E CAI NA BOCA DO POVO QUE NÃO PARA DE FALAR SE É PRA ENROLAR DE NOVO PORQUE QUE TU MANDA ESTICAR? PAPAGAIO DE PAPEL QUANTA LEMBRANÇA DO MEU TEMPO DE CRIANÇA QUANDO VEJO PAPAGAIOS PAPAGAIOS DE PAPEL DANDO GUINADA NA MANHÃ ENSOLARADA ALEGRANDO A GAROTADA E COLORINDO O CÉU ARRIBA RIBINHA QUE EU PUXO A LINHA O VENTO SOPRA E O PAPAGAIO EMPINA VOU LANCEAR REPARA RIBINHA QUE EU VOU LANCEAR EU ENTRO POR CIMA MEU CEROL É BOM É DE VIDRO FINO MATOU, CORTOU E FOI ASSIM MAIS UM PAPAGAIO QUE ESTICOU SÓ RESTA AGORA NA AMPLIDÃO DESTA LEMBRANÇA UM COLORIDO PAPAGAIO PAPAGAIO DE ILUSÃO DANDO GUINADA NA MANHÃ ENSOLARADA 92 ALEGRANDO ESSA CRIANÇA QUE É O MEU CORAÇÃO O SAMBA É BOM O SAMBA É BOM MELHOR SOU EU QUE GOSTO DELE O SAMBA É BOM MELHOR SOU EU O SAMBA É BOM MELHOR SOU EU QUE GOSTO DELE O SAMBA É BOM MELHOR SOU EU O SAMBA É BOM COM CAVAQUINHO E VIOLÃO E TAMBÉM PRA SE FAZER A MARCAÇÃO O SAMBA É BOM MELHOR SOU EU QUE GOSTO DELE O SAMBA É BOM MELHOR SOU EU O SAMBA É BOM SE TEM CABROCHA PRA BAILAR SE O SAMBA É BOM NÃO SE TEM HORA PRA ACABAR TURY-TURY VOU CONTAR PARA VOCÊS UMA LENDA QUE É TUPI DO INDIO QUE TINHA UM FILHO CHAMADO TURY-TURY UM CURUMIM TÃO BONITO QUE IGUAL, NÃO TINHA ALI TODA A TRIBO ADMIRAVA A BELEZA DE TURY E O MENINO SÓ GOSTAVA DE NA MATA IR BRINCAR SEM SABER QUE HAVIA UM SER QUE QUERIA LHE ROUBAR O SEU PAI SEMPRE DIZIA NÃO VÁ NELA SE METER NESSA MATA TEM MISTÉRIOS QUE NINGUÉM PODE ENTENDER MAS UM DIA UM CAIPORA SÓ DE INVEJA LHE LEVOU E O PAI DO BOM MENINO NA LOUCURA MERGULHOU SE EMBRENHANDO PELA MATA NUNCA MAIS FOI VISTO ALI MAS ÀS VEZES SE OUVE UM GRITO Ô TURY, TURY, TURY TEM QUEM QUEIRA AMIGO SE ANDAS TRISTE VAI PARA UMA BRINCADEIRA SE TU NÃO QUER TEM QUEM QUEIRA SE TU NÃO QUER TEM QUEM QUEIRA SE É POR CAUSA DE DINHEIRO 93 TE DOU TRABALHO NA FEIRA SE TU NÃO QUER TEM QUEM QUEIRA SE TU NÃO QUER TEM QUEM QUEIRA SE TEU CASO É MULHER TEM A MARIA MOREIRA SE TU NÃO QUER TEM QUEM QUEIRA SE TU NÃO QUER TEM QUEM QUEIRA ELA GOSTA É DE TI E É UMA MULATA FACEIRA SE TU NÃO QUER TEM QUEM QUEIRA SE TU NÃO QUER TEM QUEM QUEIRA SE TE DOU ESSE CONSELHO É PRA TU SAIR DESSA ASNEIRA SE TU NÃO QUER TEM QUEM QUEIRA SE TU NÃO QUER TEM QUEM QUEIRA O AMOR É MUITO BONITO E ELE NÃO TEM PASMACEIRA SE TU NÃO QUER TEM QUEM QUEIRA SE TU NÃO QUER TEM QUEM QUEIRA PORTANTO NÃO BOTA FORA A TUA ALEGRIA BREJEIRA SE TU NÃO QUER TEM QUEM QUEIRA SE TU NÃO QUER TEM QUEM QUEIRA VAI GOZAR A TUA VIDA QUE ELA É BREVE E PASSAGEIRA SE TU NÃO QUER TEM QUEM QUEIRA SE TU NÃO QUER TEM QUEM QUEIRA 94 ANEXO B: SAMBA ENREDO DA ESCOLA DE SAMBA “FLOR DO SAMBA”, CARNAVAL DE 2003 ANTONIO... DE OUTROS SERMÕES VIEIRA (Uma opereta de rua): HOJE...UMA ESTRELA VAI BRILHAR O GRANDE SHOW VAI COMEÇAR A POESIA ESTÁ NO AR... A BRISA ESPALHA OS ACORDES DA CANÇÃO RELUZ NO PALCO DA ILUSÃO O ORFEU NEGRO, ESCULPIDO EM ALEGRIA VAI ENTOANDO UM NOVO SERMÃO COM SEU “POEMA PARA O AZUL” ANTONIO PREGOEIRO VAI SUBIR UM “PAPAGAIO DE PAPEL” COM RECADO PROS AMIGOS, QUE SAUDADE, LÁ DO CÉU. CANTA DESTERRO A MINHA FLOR DORA E SEUS CABELOS ENROLADOS – BIS OU QUEM SABE ESTICADOS “MULATA BONITA” FACEIRA MUSA DO MESTRE VIEIRA PRA ESTE HOMEM SONHADOR O AZUL DO CÉU PINTOU O MAR O CÉU É IRMÃO DO MAR OH! QUANTA LEMBRANÇA... DA BOEMIA COM OS AMIGOS AO LUAR AS SERENATAS DOS MENINOS TRAVESSOS EM MEIO À NOITE, SOBRE A LUZ DOS LAMPIÕES. VOU ME EMBALAR NA MELODIA O DEVANEIO DO ARTISTA POPULAR A LIRA TROUXE A INSPIRAÇÃO – BIS E O “VELHO MOLEQUE”, LEVADO DA BRECA VIROU “COCADA NO CALOR DA EMOÇÃO. 95 ANEXO C: NOTICIÁRIO DA MORTE DE LOPES BÓGEA, PARCEIRO DE ANTÔNIO VIEIRA NO PROJETO “PREGOEIROS” 96 ANEXO D: ANTÔNIO VIEIRA EM COMEMORAÇÃO AOS 393 ANOS DE SÃO LUÍS 97 ANEXO E: REGISTRO FONOGRÁFICO DA OBRA DE ANTÔNIO VIEIRA PELA CVRD 98 ANEXO F: “ANTONIOLOGIA” VIEIRA 99 ANEXO G: PARTITURA DE O CARVOEIRO 100 ANEXO H: ARTIGO DE JORNAL SOBRE A INAUGURAÇÃO DA EDITORA “AFLUENTE” 101 ANEXO I: ARTIGO DE JORNAL PUBLICADO EM 28 DE AGOSTO DE 1953 SOBRE OS COMPOSITORES MARANHENSES, COM DESTAQUE PARA ANTONIO VIEIRA