os percalcos na transferencia na clinica psicanalitica - TCC On-line

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
Eliane Conceição Lima da Luz
OS PERCALÇOS NA TRANSFERÊNCIA NA CLÍNICA
PSICANALÍTICA INFANTIL
Curitiba
2010
ELIANE CONCEIÇÃO LIMA DA LUZ
OS PERCALÇOS NA TRANSFERÊNCIA NA CLÍNICA
PSICANALÍTICA INFANTIL
Monografia apresentada ao curso de Pós
Graduação em Psicologia Clínica – abordagem
psicanalítica - da Universidade Tuiuti do Paraná,
como requisito parcial à obtenção do título de
especialista.
Orientadora: Prof.ª Mestre Maria Otília Bento Holz
Curitiba
2010
TERMO DE APROVAÇÃO
Eliane Conceição Lima da Luz
OS PERCALÇOS NA TRANSFERÊNCIA NA CLÍNICA
PSICANALÍTICA INFANTIL
Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do título de Especialista
em Psicologia Clínica – Abordagem Psicanalítica, no curso de pós-graduação em
Psicologia Clínica da Universidade Tuiuti do Paraná.
_____________________________________________
Profª. Mestre Maria Otilia Bento Holz
Universidade Tuiuti do Paraná - UTP
_______________________________________________
Prof. Dr. Jorge Sesarino
Universidade Tuiuti do Paraná - UTP
Curitiba, março de 2010
As crianças e seus pais que, tão surpreendentemente, me levaram a questionamentos e
experiências tão instigantes na clínica.
AGRADECIMENTOS
- primeiramente a minha Orientadora Mestre Maria Otilia Bento Holz por ter
me guiado neste percurso para construção deste trabalho com toda dedicação e
carinho.
- aos demais professores da pós, em especial os do núcleo da psicanálise,
Dayse Maluceli, Dr. Jorge Sesarino e Ângela Valore, pelo conhecimento transmitido.
- ao meu esposo Samuel, pelo apoio e compreensão, e ao meu filho Pedro
Henrique, pelo carinho.
- finalmente, às amizades construídas nesse período, em especial as da
supervisão clínica, pelo apoio, incentivo e principalmente por terem tornado essa
trajetória mais rica, gratificante e prazerosa.
Todo principiante em psicanálise provavelmente se
sente alarmado, de início, pelas dificuldades que lhe
estão
reservadas
quando
vier
a
interpretar
as
associações do paciente e lidar com a reprodução do
reprimido. Quando chega a ocasião, contudo, logo
aprende
a
encarar
estas
dificuldades
como
insignificantes e, ao invés, fica convencido de que as
únicas dificuldades realmente sérias que tem de
enfrentar residem no manejo da transferência. FREUD
1915 [1914].
RESUMO
O presente trabalho discorre sobre o tema transferência, em especial seu manejo, na clínica
psicanalítica com criança, principalmente no que diz respeito ao lugar que os pais ocupam na relação
transferencial. Para tanto foram utilizados recortes e fragmentos de um caso clínico para examinar o
tema em questão, articulado aos conceitos psicanalíticos, mais especificamente com a teoria de
Sigmund Freud, Jacques Lacan, entres outros autores da atualidade. A transferência é considerada a
mola propulsora da análise, mas aparece também como responsável pelas resistências que
obstaculizam o tratamento. Entretanto, se identificadas e trabalhadas, resultam num bem-sucedido
desfecho, embora haja casos em que os pais resistem na continuidade do trabalho. A família ocupa um
lugar de extrema importância, na verdade do casal parental que se reflete no sintoma da criança.
Portanto, no percurso de uma análise infantil há que se considerar a relação transferencial familiar,
favorável ou não ao tratamento.
Palavras-chave: psicanálise, transferência, criança, pais.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO................................................................................................08
2. Cap. I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA....................................................09
3. Cap. II – HISTÓRICO DO CASO CLÍNICO...............................................24
4. Cap. III – DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO..............................................25
5. Cap. IV – CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................37
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................40
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1. Introdução
A transferência é um fenômeno humano, natural que ocorre em nosso
cotidiano. Assim, a transferência não é criada pela situação analítica, mas evidenciada
por este contexto. Na clínica é condição fundamental para a análise, pois é a
transferência que possibilita que esta se inicie, sendo importante seu manejo.
Na história da psicanálise, o caso clínico “Pequeno Hans” (1909) é a primeira
análise de uma criança. Freud conduziu esta análise indiretamente, por intermédio do
seu aluno, o pai de Hans.
A criança não vem sozinha para a análise, geralmente são seus pais que a
trazem. Além disso, a família ocupa um lugar de extrema importância, na verdade
central na direção do tratamento da criança, pois depende dela a continuidade ou não
da análise.
O tema transferência foi escolhido devido à busca por respostas às questões
que desde o início da clínica me inquietaram. Questões estas que estão relacionadas à
transferência na clínica psicanalítica infantil.
O tema transferência é inesgotável, sem dúvida, e existem muitas obras que se
referem ao fenômeno transferência, mesmo assim é fundamental o estudo deste tema,
especialmente quando se refere à clínica com criança, onde a transferência assume
papel significante na continuidade ou não do trabalho.
Sendo assim, neste estudo de caso discute-se o tema transferência, em especial
seu manejo, na clínica psicanalítica com criança, principalmente no que diz respeito ao
lugar que os pais ocupam na relação transferencial.
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Cap. I – Fundamentação teórica
A psicanálise é uma experiência de saber que se baseia na transferência. Esta
depende da intervenção possível do analista. “É exatamente nos tempos atuais, em que
há um rechaço do saber inconsciente, que o desejo do analista implicado em seu ato se
mostra, cada vez mais, como operador clínico privilegiado”. (GONIN e MAIA, 2006,
p. 49).
Assim como o inconsciente, a transferência não é uma invenção de Freud, mas
recai sobre ele o uso deste fenômeno no contexto da análise. Essa descoberta, afirma
Stryckman (1997), juntamente com outras, fez com que Freud diferenciasse
radicalmente a psicanálise dos métodos de sugestão utilizados durante a hipnose como
a praticava Charcot e do método catártico de Breuer.
No “Dicionário internacional de psicanálise”, encontramos a definição do
termo transferência como sendo:
[...] transposição, o deslocamento para outra pessoa – e principalmente para
o psicanalista – de sentimentos, desejos, modalidades relacionais outrora
organizados ou experimentados em relação a personagens muito investidas
da história do sujeito. O termo alemão Übertragung significa literalmente
„transporte‟, mas sua tradução para „transferência‟ está hoje consagrada pelo
uso. (MIJOLLA, 2005, p. 1894).
De acordo com Kaufmann (1996), o termo „transferência‟ foi utilizado por
Freud, em francês, pela primeira vez em seu artigo sobre histeria, datado de 1888, para
o dicionário médico de Villaret. Entretanto, foi nos „Estudos sobre histeria (1895)‟ que
a transferência assumiu o significado que tem hoje: “a de envolver o analista na
psicanálise de um sujeito” (KAUFMANN, 1996, p. 548).
Miller (2002) busca nos primeiros textos de Freud o conceito de transferência.
Observa que o termo „Übertragung‟ aparece primeiramente em “A ciência dos
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sonhos”, porém numa concepção muito geral. “Nesse sentido, a transferência, a
primeira transferência freudiana, é o processo geral das formações do inconsciente – o
sonho, o lapso, o chiste – é que o desejo mascara e se aferra a significantes esvaziados,
enquanto tais, de significação”. (MILLER, 2002, p. 59).
A partir do caso Dora, afirma Miller (2002), surge a significação precisa da
transferência na teoria freudiana. “A transferência, em sentido psicanalítico, se produz
quando o desejo se aferra a um elemento muito particular que é a pessoa do terapeuta”.
(MILLER, 2002, p. 59).
Isso dá origem à idéia de que a transferência é sobretudo um fenômeno
ilusório, um fenômeno imaginário. [...] Assim, a transferência freudiana é o
momento em que o desejo do paciente se apodera do terapeuta, em que o
psicanalista – não usa sua pessoa – imanta as cargas liberadas pelo recalque.
(MILLER, 2002, p. 60).
No “Dicionário de psicanálise: Freud & Lacan”, Stryckman (1997) enumera
algumas características da transferência:
1. A transferência é um processo que se constitui pela fala (talking-cure)
endereçada ao analista. [...] 2. Isto que nos transfere, é um saber sexual
inconsciente, um saber sobre o objeto. A transferência é um fenômeno
inconsciente. [...] 3. Este saber da transferência é um saber insabido do
sujeito da transferência, mas suposto ao analista, por aquele que o ignora.
Para Freud há um desejo de saber. [...] 4. Este saber inconsciente se endereça
à pessoa do „médico’ e se produz na análise pela rememoração e a repetição.
[...] 5. A transferência faz obstáculo a análise, ela faz resistência, porém do
lado do médico, do analista. (STRYCKMAN, 1997, p. 263-264).
Miller (2002) encontra na teoria freudiana três formas de transferência
diferenciadas pelo autor: a primeira identifica a transferência com a função de
repetição; a segunda, com a resistência; e, por último identifica a transferência com a
sugestão.
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A transferência identificada à função de repetição podemos observar no caso
Dora, aponta Miller (2002); nele Freud se deparou com a compulsão à repetição e
definiu a transferência como sendo uma manifestação da repetição. No entanto, a
transferência não é algo acontecido no passado que permeia o presente, e sim, algo
atual e vivido com a figura do analista, ou seja, não é uma reprodução, é uma
atualização.
As transferências são reedições, reproduções das moções e fantasias que
durante o avanço da análise, soem despertar-se e tornar-se conscientes, mas
com a característica de substituir uma pessoa anterior pela pessoa do médico.
(FREUD, 1905 [1901], vol. VII, p. 111).
Transferência relacionada à repetição já foi objeto de muitos debates desde
Freud, informa Kaufmann (1996). Primeiramente tinha-se a idéia de repetição quase
como sinônimo de reprodução de alguma coisa passada. Freud, contudo, admite que as
repetições possam ser edições revistas e corrigidas e não simplesmente reimpressões
repetidas no agir da transferência.
No texto a “Dinâmica da transferência (1912)”, Freud explica que cada
sujeito, de acordo com sua historia individual, adquire uma maneira singular de
conduzir-se na vida erótica. Essa forma adquirida é constantemente repetida no
decorrer da vida sem que exista uma consciência dessas repetições.
...incluirá o médico em uma das suas „séries‟ psíquicas que o paciente já
formou. Se a „imago paterna‟ [...] foi o fator decisivo no caso, o resultado
concordará com as relações reais do indivíduo com seu médico. Mas a
transferência não se acha presa a este protótipo específico: pode surgir
também semelhante a imago materna ou imago fraterna. As peculiaridades
da transferência para o médico, graças as quais ela excede, em quantidade e
natureza, tudo o que se possa justificar em fundamentos sensatos ou
racionais, tornam-se inteligíveis se tivermos em mente que essa transferência
foi precisamente estabelecida não apenas pelas idéias antecipadas
conscientes, mas também por aquelas que foram retiradas ou que são
inconscientes. (FREUD, 1912, vol. XII, p. 112).
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A transferência é considerada a mola propulsora da análise, mas aparece
também como responsável pelas resistências mais fortes; entretanto, se identificadas e
trabalhadas, resultam num bem-sucedido desfecho. No texto “Dinâmica da
transferência (1912)” Freud se questiona a respeito disso. Aponta que a resistência está
relacionada à repetição disso que presidiu a formação do sintoma.
Assim, a transferência, no tratamento analítico, invariavelmente nos aparece,
desde o início, como a arma mais forte da resistência, e podemos concluir
que a intensidade e persistência da transferência constituem efeito e
expressão de resistência. [...] Logo percebemos que a transferência é, ela
própria, apenas um fragmento da repetição e que a repetição é uma
transferência do passado esquecido, não apenas para a figura do médico, mas
também para todos os outros aspectos da situação atual. (FREUD, 1912, vol.
XII, p. 115-116, 166).
No seminário livro 11 “Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”
(1964), Lacan coloca a transferência a um tempo de fechamento do inconsciente, não a
um tempo de abertura, aponta a ambiguidade da transferência.
Miller (2002) destaca este caráter bifacial na transferência. “A análise se faz,
em certo sentido, graças a transferência e, em outro sentido, apesar da transferência”.
(MILLER, 2002, p. 62). Por meio da transferência é possível ver o funcionamento de
um mecanismo inconsciente na atualidade da sessão. Dessa forma, somente após a
transferência ter se iniciado é que os conteúdos do inconsciente são ativados e assim
passíveis de interpretação. Quando o autor usa a expressão “apesar da transferência” o
faz no sentido de a transferência servir de tampa para as associações inconscientes, na
medida em que as interrompe. Assim, identificam-se dois aspectos da transferência,
um que se relaciona com a repetição e outro com a resistência.
Stryckman (1997), no “Dicionário de psicanálise: Freud & Lacan”, retoma o
conceito de transferência construído por Lacan que a coloca como tendo a ver com a
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experiência dialética. Assim a transferência como resistência toma outro sentido, não
sendo a transferência que faz a resistência, mas sim ali onde resiste à fala, onde o
discurso do paciente resiste revelando-se para o paciente intransponível, o faz sofrer e
produzir sintomas.
Kaufmann (1996) assinala no ensino de Lacan onde:
... o paradoxo que é dizer que a transferência é uma resistência que
interrompe a comunicação do inconsciente (as associações se calam para se
fixar na pessoa do analista) e, ao mesmo tempo, dizer que ela é o momento
em que a interpretação do analista, que visa o inconsciente, pode assumir
todo o seu alcance. É nisso que a transferência é um nó. (KAUFMANN,
1996, p. 552).
Freud em “Recordar, repetir e elaborar” (1914) diz que cabe ao analista
trabalhar com o paciente, no sentido de superar a resistência e tornar consciente o que
está inconsciente.
A terceira forma de transferência identificada por Miller (2002), transferência
identificada à sugestão, diz respeito ao fato de os resultados da psicanálise basearemse sobre a sugestão, ou seja, mediante o fenômeno da transferência o analista influi
sobre a pessoa a respeito do seu caso. “[...] em que lugar o psicanalista se situa na
cura; situa-se no lugar aonde se dirige o sintoma, é o receptor essencial do sintoma e,
por isso, o lugar que deve à transferência lhe permite operar sobre o sintoma”.
(MILLER, 2002, p. 65).
O conceito de transferência sofreu modificações de Freud a Lacan, esclarece
Miller (2002). Explica que Lacan coloca no „fundamento da transferência a função do
sujeito suposto saber‟ (S.s.S.). “O sujeito suposto saber é para nós o pivô no qual se
articula tudo o que se relaciona com a transferência”. (MILLER, 2002, p. 56). Elucida
que “pivô” é uma palavra muito interessante, que em sentido figurado assinala a
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sustentação de algo de uma coisa que gira em torno. “A transferência é,
simultaneamente, o tempo de experiência e a elaboração, o trabalho da experiência
analítica na medida em que tem como pivô, nessa posição, o Outro”. (MILLER, 2002,
p. 75).
O analisante inicia a análise supondo que o analista está de posse de um saber
que lhe pertence, ou seja, o paciente coloca o analista no lugar de detentor de um
saber, de um saber sobre ele, explica Miller (2002). Entretanto, com o passar do tempo
se dá conta que não é bem assim, mas a análise se estabelece com base nessa teoria. O
lugar do sujeito suposto saber não é a pessoa do analista, e sim, um efeito do discurso,
um lugar que o analista é chamado a ocupar.
[...] a transferência não é um milagre diante do qual o psicanalista deva
ajoelhar-se. A teoria do sujeito suposto saber situa a transferência como
consequência imediata da estrutura da situação analítica, quer dizer, como
consequência imediata daquilo que Lacan chamou de discurso analítico; [...].
A estrutura da situação analítica coloca, em primeiro lugar, o analista em
posição de ouvinte, ouvinte do discurso que ele estimula no paciente, posto
que o convida a se entregar a ele sem omitir nada, sem consideração pelas
conveniências [...]. (MILLER, 2002, p. 72).
Em seu Seminário livro 08 “A transferência” Lacan (1960-1961), refere-se ao
texto de Platão „O Banquete‟, relacionando a transferência ao amor. Refere-se também
a uma disparidade subjetiva na relação transferencial, afirmando que não há simetria
entre a posição do analista e a do analisante. Nesta relação o analista atuaria como
objeto e não como sujeito. O analista transfere para o paciente um saber que não é
teórico, mas um saber que vem do discurso do paciente. Um saber insabido. Desse
modo, o analista ocuparia um lugar vazio de significação. Assim, por meio da
transferência o trabalho do paciente é provocado e sustentado.
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Kaufmann (1996), explica que no texto “O Banquete” Lacan trabalha o
conceito de transferência como uma espécie de relato de sessões analíticas,
demonstrando o que deve ser o desejo do analista, e relaciona a transferência com o
amor. “A transferência está na fronteira entre o desejo e o amor”. Isso permite que se
entenda melhor a complexidade do amor de transferência onde está envolvido o sujeito
e o analista, mais precisamente o desejo do analista. Lacan inverteu o sentido da
transferência colocando o desfecho desta na dependência do desejo do analista. “A
transferência é um fenômeno em que estão incluídos, juntos, o sujeito e o
psicanalista”. (LACAN, 1964, p. 219).
Freud reconheceu o caráter perturbador da transferência, o amor que se volta
para o analista. Este se apresenta, por um lado, como revelador do passado e, por
outro, como resistência ao relato deste passado. Diante disso, assinala Kaufmann
(1996), Freud se questiona se este amor de transferência não seria a cópia de um amor
antigo. Chega à conclusão que é próprio de todo enamoramento repetir modelos
infantis.
No seminário livro 11 “Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”
(1964), Lacan refere-se à transferência como sendo um dos quatro conceitos
fundamentais da psicanálise e a define como: “atualização da realidade sexual do
inconsciente”. Vale ressaltar que para Lacan o inconsciente é estruturado como uma
linguagem e este constitui-se dos efeitos da fala sobre o sujeito.
A transferência à medida que vai se instalando, durante o tratamento
psicanalítico, vai assumindo um valor mais preciso. De acordo com Mijolla (2005),
podemos perceber um conjunto de fenômenos que são observáveis no percurso de uma
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análise. Alguns destes fenômenos citados pelo autor são: neurose de transferência,
transferência negativa, transferência positiva.
Sobre transferência positiva e negativa, Freud as explica no texto “Dinâmica
da transferência (1912)”, sendo que a positiva tem base nos aspectos de afeto e
confiança, enquanto a transferência negativa reúne sentimentos hostis. A transferência
positiva se divide em transferência de sentimentos afetuosos ou amistosos, aceitáveis à
consciência e transferência de prolongamentos desses sentimentos no inconsciente.
“Com referência aos últimos, a análise demonstra que invariavelmente remontam a
fontes eróticas”. (FREUD, 1912, vol.XII, p. 116).
Freud na “Dinâmica da transferência (1912)” alerta que:
Não se discute que controlar os fenômenos da transferência representa para o
psicanalista as maiores dificuldades; mas não se deve esquecer que são
precisamente eles que nos prestam o inestimável serviço de tornar imediatos
e manifestos os impulsos eróticos ocultos e esquecidos do paciente.
(FREUD, 1912, vol.XII, p. 119).
Em “Fragmento da análise de um caso de histeria (1905[1901])”, a experiência
de Freud nos revela um belo exemplo de transferência negativa, explica Stryckman
(1997). “[...] Assim, fui surpreendido pela transferência e por causa desse “x” que me
fazia lembrar-lhe o Sr. K., ela se vingou de mim como queria vingar-se dele, e me
abandonou como se acreditara enganada e abandonada por ele”. (FREUD, 1905
[1901], vol. VII, p. 113).
No Seminário livro 11 “Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”
(1964), Lacan explica que a transferência positiva é o amor, porém salienta que o
termo “amor” é um termo aproximativo. Expõe que Freud já havia colocado a
autenticidade desse amor em questão, alertando para uma tendência sustentar que se
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trata de uma espécie de um falso amor. Já a transferência negativa não se a identifica
com o ódio. Utiliza-se o termo ambivalência, porém esse, assim como a primeiro, ou
ainda mais que o primeiro, mascara muitas coisas. “Diremos com mais justeza, que a
transferência positiva é quando aquele de quem se trata, o analista no caso, pois bem, a
gente o tem em boa consideração - negativa, está-se de olho nele”. (LACAN, 1964, p.
120).
A neurose de transferência é um sintoma produzido na análise, pois a
transferência se estrutura pela fala, pela demanda que é atualizada na análise. No texto
“Recordar, repetir e elaborar” (1914), Freud explica que o sujeito transfere, desloca
para o analista suas fantasias, suas lembranças infantis, suas representações
inconscientes. Os conteúdos, ao se tornarem conscientes, devem ser trabalhados para
que possam ser elaborados, isto mediante o manejo da transferência, ou seja, o analista
utilizando-se da posição que a transferência lhe concede, isola a repetição na
transferência, possibilitando que o paciente passe de uma neurose comum para uma
neurose de transferência permitindo a intervenção.
A transferência cria, assim, uma região intermediária entre a doença e a vida
real, através da qual a transição de uma para a outra é efetuada. A nova
condição assumiu todas as características da doença, mas representa uma
doença artificial, que é, em todos os pontos, acessível à nossa intervenção.
(FREUD, 1914, vol. XII, p. 170).
Para falar sobre o imaginário e o simbólico da transferência, Kaufmann (1996)
busca nos Escritos de Lacan uma análise da transferência de Dora em termos de
inversões dialéticas. “A transferência não é nada de real no sujeito, senão a aparição,
num momento de estagnação da dialética analítica, dos modos permanentes segundo
os quais ele constitui seus objetos” (LACAN, 1951, p. 224). [...] a transferência é uma
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relação essencialmente ligada ao tempo e a seu manejo. (Écrits). (KAUFMANN, 1996,
p. 548).
Kaufmann (1996) explica que Lacan em seus seminários deu continuidade ao
estudo da transferência em função dos três registros: real, simbólico e imaginário.
Lacan enfatiza a importância de distinção dos planos imaginários e simbólicos na
direção do tratamento.
Di Ciaccia (1992) retomando Lacan diz que a transferência em seu lado
imaginário é um obstáculo na cura, enquanto no registro simbólico, ao contrário do
imaginário, trata-se de fator de cura. Entretanto, Lacan em seu último ensino, a ênfase
recai sobre o real. A transferência como real é:
... posta em ato da realidade do inconsciente. Aqui a transferência é o amor
que se dirige ao saber e vemos muito bem que não se trata de afetividade.
[...] Neste caso, o analista encarnará um lugar inteiramente específico,
podemos até dizer único, para o analizante. Aí existe o que poderíamos
chamar de os mistérios da transferência: de se oferecer à interpretação, mais
do que oferecer-se a interpretar, o analista encontra-se proscrito a assumir a
função da presença. (DI CIACCIA, 1992, p. 203 - 204).
Em relação à clínica com criança, Bergès e Balbo (1997) explicam que o
trabalho com adulto leva os psicanalistas a formular hipótese sobre a sexualidade
infantil; portanto, trabalhar diretamente com criança, é ouvir diretamente dela, antes
que sejam completamente recalcadas as formações que constroem precocemente os
desejos ainda não totalmente inconscientes.
Nos dias de hoje ninguém mais duvida da capacidade para a transferência por
parte da criança, explica Mijolla (2005). O caso clínico “Pequeno Hans” (1909) é na
história da psicanálise a primeira análise de uma criança. Hans era um menino de
cinco anos que tinha fobia de cavalos. Freud conduziu esta análise indiretamente, por
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intermédio do pai de Hans, seu aluno. Neste caso a transferência de Hans foi para sua
imagem paterna. E é em condição de transferência que o pai de Hans se reporta a
Freud.
De acordo com Golder (2000), quando se trata de família com criança que
vem se consultar há vários momentos sensíveis que envolvem a compreensão da
situação de cada um. No trabalho com crianças a urgência conduz. Porém é necessário
que os pais enlacem uma transferência suficientemente forte para que o trabalho tenha
êxito, caso contrário, este estará comprometido, mesmo que a criança tenha
demonstrado desejo de vir e falar. A interrupção do trabalho com criança se deve,
muitas vezes, ao fato de que os pais terão que se haver com um sintoma que na
realidade é deles.
Jerusalinsky (2004) complementa que os pais pedem: “[...] diagnósticos,
avaliações, indicações educativas, remédios etc., demanda essa que se orienta,
aparentemente, no sentido que lhes seja arrumado o „boneco estragado‟ do seu
narcisismo”. (JERUSALINKY, 2004, p. 92).
O trabalho com criança, explica Golder (2000), levanta questões muito
peculiares. A criança não vem por conta própria, os pais são estimulados por
orientação da escola ou do médico a fazerem alguma coisa. Assim, a criança na
maioria das vezes vem sem nada demandar, porém isso não impede que logo de início
a criança se agarre à oportunidade oferecida e expresse seu mal-viver. É a partir do
expressar da criança que o trabalho poderá se concretizar ou ser interrompido,
dependendo da disposição desses pais em levar adiante, enxergar suas implicações no
sintoma.
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H. Von Hugh-Helmuth (citada por Bergès e Balbo 1997) constata que:
[...] com os pais, o projeto de analisar seu filho não se apresenta sob os
melhores auspícios: mesmo quando eles a formulam por sua própria
iniciativa, sua demanda é feita contra sua vontade plena; os sintomas de seu
filho, o insucesso dos outros métodos de tratamento, a espera de um milagre,
levam-nos em último recurso ao psicanalista, pelo qual nutrem apenas
desconfiança, e do qual duvidam que possa ser bem sucedido, onde tudo o
mais fracassou. (BERGÈS e BALBO, 1997, p. 41).
Eiguer (1985) revela que é muito difícil identificar a transferência, no que
concerne à observação da família, pelo fato dela raramente ser verbalizada. Entretanto,
a elaboração e interpretação da transferência permitem que a família supere a
idealização do analista com sentimentos mais ambivalentes, o que será favorável ao
desapego ulterior. No decorrer e instalação da transferência a família encontrará força
para as mudanças necessárias. “A transferência é frequentemente uma companheira
incômoda, embaraçosa, mas é-nos impossível afastá-la do espaço terapêutico.
Devemos, então, planejar fazê-la trabalhar do nosso lado; ela poderá, assim, tornar-se
uma companheira de uma ajuda inestimável”. (EIGUER, 1985, p. 144).
Desde o “Pequeno Hans” a análise com criança vem sofrendo modificações.
Mijolla (2005) revela que atualmente a dificuldade na análise com criança não é a
ausência de transferência, mas o fato de esta ocorrer com uma intensidade rara, com
componentes arcaicos por vezes tão maciços e violentos que muitas vezes se tornam
difíceis de serem suportados pelo analista.
Em seu livro “A criança sua „doença‟ e os outros”, Maud Mannoni (1987)
identifica diferentes tipos de transferência numa análise de criança: a do analista, a dos
pais, a da criança. Explica que o discurso que sustenta a transferência é um discurso
coletivo, sendo que a experiência da transferência se faz entre o analista, a criança e os
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pais, pois a criança não é uma entidade em si, está atrelada na representação que tem o
adulto a seu respeito.
A família humana é uma instituição de estrutura complexa. Desde o início
existem interdições e leis. Como nos diz Lacan (1992): “... a família estabelece, entre
as gerações, uma continuidade psíquica cuja causalidade é de ordem mental”. Sendo
assim, há que se ressaltar a relação entre o sintoma da criança com o par familiar,
dizendo respeito ao vínculo pai e mãe. Nessa medida, por meio da escuta dos pais
poderemos saber qual foi o lugar reservado à criança, quais os significantes que se
repetem de geração em geração, quais os acontecimentos que não foram simbolizados
e fazem marcas neste sujeito.
Em “Duas notas sobre a criança” (1969), Lacan afirma que o sintoma da
criança diz muito da estrutura familiar, aparece como representante da verdade do par
familiar ou diz respeito à subjetividade da mãe. Na primeira situação, representar a
verdade do par familiar torna-se mais complexo, mas, ao mesmo tempo, mais aberto à
intervenção, pois já está articulado à metáfora paterna, envolvido nas substituições.
Assim as intervenções do analista podem delongar o circuito e fazer com que essas
substituições continuem.
Entretanto, se estiver ligado à subjetividade da mãe, explica Lacan (1969), a
criança é envolvida como correlato de uma fantasia da mãe. Neste caso há uma
distância entre a identificação com o ideal do eu e a parte apreendida do desejo da
mãe. A parte que assegura que isso não aconteça, ou seja, a função paterna não faz a
mediação, assim deixa a criança aberta a todas as capturas fantasmáticas da mãe. Com
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isso a criança transforma-se em „objeto‟ da mãe e sua função é a de revelar a verdade
desse objeto.
[...]a criança normal é a criança que não incomoda, o que quer dizer que ela
é particularmente discreta sobretudo o que concerne à verdade do meio
familiar; não é deste lado que vamos vê-la surgir, é uma criança bem
educada e talvez isso que chamamos „bem educado‟ designe a sabedoria da
criança que sabe que a verdade do meio familiar, do casal genitor, deve ser
tratada com pudor; então acontece que existem crianças que tem sintomas
de tal sorte que a verdade escapa apesar delas e, nesse momento, elas
atrapalham, e são tão mais insuportáveis quanto mais próximas estão da dita
verdade. (MELMAN, 1997, p. 23).
A família ocupa um lugar de extrema importância, na verdade central, na
direção do tratamento da criança, afirmam Bergès e Balbo (1997). Na maioria das
vezes atrapalha e impede seu progresso. O empecilho surge na transferência da família
para com o analista. Portanto, a instauração de uma análise de criança deve ser levada
em consideração o movimento transferencial familiar, antes que este esteja elaborado.
Tanto do lado do analista quanto do analisante esta posição familiar vai interferir no
estabelecimento da transferência. “Quando se considera o que é a análise do eu, como
ignorar que se trata também da análise da família? [...] A família é marcada, de forma
crucial, pelos lugares prescritos na sua estrutura do próprio discurso familiar.”
(BERGÈS e BALBO, 1997, p. 32).
Assim constata-se que a criança nunca vem sozinha para a análise. O sintoma
na criança não deve ser visto como dela, mas como um sinal, um código a ser
decifrado que diz da estrutura desta família, da relação desta família. O sintoma vem
no lugar da palavra que falta. É por meio deste sintoma que aparece na criança, que a
família, os pais podem repensar suas histórias e suas vidas. Portanto, a transferência
com a criança vai além, está enlaçada na transferência com os pais, sendo que a
23
permanência da criança em análise vai depender dessa transferência que se
estabelecerá com os pais.
24
3. Cap. II Histórico do caso clínico.
Paciente identificado pelo nome fictício de Paulo. Seu pai Mauro, sua mãe
Paula e sua irmã Eduarda.
Paulo tem 10 anos de idade e está na quarta série do ensino fundamental. Foi
encaminhado pela escola devido a dificuldades na aprendizagem. Distrai-se com muita
facilidade e não consegue acompanhar os colegas para copiar as tarefas do quadro.
Fica a olhar pela janela imerso em seus pensamentos. Mãe complementa a queixa
revelando que o filho é muito introvertido e está obeso.
Paulo mora com seus pais e uma irmã de cinco anos nos fundos da casa da avó
paterna. A gravidez não foi planejada e, segundo o pai, foi “um peso” quando soube,
foi rejeição de imediato. Com o tempo revela ter superado, inclusive diz dar mais
atenção e amor ao filho do que a sua filha (esta foi planejada e desejada). Entretanto,
Mauro não demonstra ter boas expectativas em relação ao filho no futuro. Revela que
se vê no filho e tem medo do que ele possa ser: “um nada”.
Não gosta de fazer as tarefas domésticas que sua mãe lhe pede. Paulo tem
outros interesses, por exemplo, ficar pensando nos jogos que quer comprar. Há brigas
com a irmã e isso ocasiona castigo. Reclama que seu pai vai logo batendo sem ouvi-lo
antes. Não ouve na escola, assim como não é ouvido pelo pai.
Com essa demanda relacionada ao filho, os pais de Paulo procuraram ajuda.
25
4. Cap. III – Discussão do caso clínico
Os pais de Paulo procuram atendimento para o filho a pedido da pedagoga da
escola onde estuda. A queixa é que Paulo, na escola, fica a olhar pela janela quando
não está distraído com alguma outra coisa. Apresenta dificuldades em matemática, é
muito lento para copiar as tarefas do quadro, não consegue acompanhar os colegas.
Lacan (1972-1973) no seminário livro 20 “Mais, ainda”, citando Freud,
explica que a criança não repete certas ações desagradáveis apenas para chamar a
atenção do professor, mas que isso tem um objetivo, um determinado sentido, pois se
encontra presa em cadeias de gozo das quais não consegue sair. Em “Os quatro
conceitos fundamentais da psicanálise” (1964), Lacan nos ensina que, desde o início
da vida, toda a demanda, além de satisfação de necessidade, constitui-se como
demanda de amor.
Já em casa, as queixas são muitas brigas com a irmã, não ajuda nos afazeres
domésticos, não faz a lição e pega escondido dinheiro dos pais. “Ele chega em casa
joga a mochila, vai jogar videogame. Lembra de pegar a mochila no outro dia quando
vai para a escola. As vezes fica o dia inteiro comendo. Ele está obeso! Já cansei de
falar. Não sabemos mais o que fazer”, diz a mãe.
Bergès e Balbo (1997) explicam que “com os pais, o projeto de analisar seu
filho não se apresenta sob os melhores auspícios: mesmo quando eles formulam a
demanda por sua própria iniciativa. Sua demanda é feita contra sua vontade plena; os
sintomas de seu filho, o insucesso dos outros métodos de tratamento, a espera de um
milagre, levam-nos em último recurso ao psicanalista, pelo qual nutrem apenas
26
desconfiança, e do qual duvidam que possa ser bem sucedido, onde tudo o mais
fracassou”. (p. 41).
Assim como Bergès e Balbo (1997) afirmam em sua teoria, os pais de Paulo
vieram buscar ajuda para o filho não por sua própria iniciativa, mas a pedido da escola.
Não sabem mais o que fazer com o filho.
Os pais de Paulo trouxeram suas preocupações e frustrações com o filho diante
da não aprendizagem e dos seus comportamentos considerados inadequados. Frustramse por este não ser o filho ideal. Revelam não saber mais o que fazer. Estão
desanimados. “Já pensei em desistir, não adianta falar com ele, parece que não ouve.
Estou a ponto de explodir, estou no meu limite, eu não aguento mais”, diz Mauro, o
pai. Mas será que eles ouvem o filho, para saber o que se passa com ele? Os
comportamentos de Paulo, os insucessos fazem com que os pais se deparem com seu
próprio insucesso, como pais. Buscam ajuda quando tudo mais fracassou. Os sintomas
de Paulo se encontram no lugar de responder ao que tem de sintomático na estrutura
familiar.
Em “Duas notas sobre a criança” (1969), Lacan afirma que o sintoma da
criança diz muito da estrutura familiar, aparece como representante da verdade do par
parental ou diz respeito à subjetividade da mãe. Miller (1998) em “A criança entre a
mulher e a mãe” complementa que o sintoma da criança é mais complexo caso esteja
ligado ao par familiar. O sintoma é mais sensível à dialética que a intervenção do
analista pode introduzir no caso. “Quando o sintoma da criança diz respeito à
vinculação do par pai/mãe, ele já está articulado à metáfora paterna, já envolvido nas
substituições e, portanto, as intervenções do analista podem prolongar o circuito e
27
fazer com que essas substituições prossigam”. (p. 08). No caso de Paulo, parece estar
vinculado ao par pai/mãe. Paula, assim como o filho, se coloca de forma passiva
permitindo que Mauro decida sozinho o que acha melhor para a família. Mauro, por
sua vez, age de forma que Paulo continue nesta posição, alheio na escola, alheio às
coisas que o cercam e sem poder se posicionar, dizer o que pensa, pois não é escutado.
Paulo testemunha a verdade da realidade do casal parental. Neste caso o
sintoma infantil é visto como uma confirmação desse fracasso do ideal de seus pais. É
uma forma de não mais encarnar esse “outro imaginário”. Bergès e Balbo (1997)
acrescentam que o sintoma na criança não deve ser visto como dela, mas como um
sinal, um código a ser decifrado que diz da estrutura desta família, da relação desta
família.
A gravidez não foi planejada. “Quando fiquei sabendo foi um peso. Eu não
queria o filho Dra. Rejeitei no início, fiquei perdido, mas depois aceitei e hoje amo e
dou mais atenção a ele do que para a Eduarda. (irmã de Paulo que foi planejada e
desejada). Mauro culpa-se pela rejeição ao filho. Hoje procura fazer além, compensálo, entretanto suas palavras logo adiante o denunciam. [...] Mas veja, Dr.ª eu não tenho
boas expectativas em relação a ele, eu olho para ele e vejo que também vai ser um
“nada”. Eu me vejo nele! Eu era assim também Dra. Ficava olhando pela janela e
sonhando, queria estar lá fora brincando”, revela Mauro. Mauro olha o filho e deparase com suas frustrações, com suas faltas, com suas questões, com o seu “nada”! Assim
como assinala Dolto (1985) no “Seminário de psicanálise de criança”, neste caso “os
pais da realidade praticam uma relação falseada pela repetição de seu passado sobre o
filho”.
28
Lacan (1985) em “Complexos familiares” fala de uma continuidade psíquica,
cuja causalidade é de ordem mental, que se estabelece entre as gerações. Pela da
escuta dos pais pode-se entender o lugar reservado a Paulo, pois Mauro vê no filho a
marca “nada” que é dele. Significante que atribui a Paulo como um “nada” quando
olha para o filho. Segundo Rodulfo (1990, citado por Rosa, 2000, p. 78), o significante
não reconhece a propriedade privada, não é próprio de ninguém; circula, atravessa
gerações, trespassa o individual, o grupal e o social. Assim Paulo vai sendo objeto do
“desejo” do pai. Não consegue aprender, pois aprendendo talvez não tenha nenhum
lugar no desejo de seu pai.
Diante do questionamento do que espera do filho, Mauro começa a falar de si,
de sua história, suas questões e no momento difícil em que se encontra, não
conseguindo falar do filho. Presenciar o crescimento do filho faz Mauro reviver sua
história.
No início Paulo mostrou-se reservado. Respondia somente o que lhe era
perguntado, não ia além, não se permitia escolher sobre o que gostaria de falar ou
mesmo escolher outra atividade ou um objeto na caixa lúdica. Aceitava o que a
analista propunha. No entanto, com o passar do tempo, Paulo começou a se permitir
escolher e bancar suas escolhas. Falava sobre o que queria. Não necessitava mais o uso
de jogos ou outras atividades. Começou a usar o seu espaço para falar de si. Golder
(2000) esclarece que a criança na maioria das vezes vem sem nada demandar, porém
isso não impede que logo de início ela possa expressar seu mal-viver. Paulo aceita a
oferta de trabalho. Encontra um lugar onde é escutado, trazendo para o campo da
palavra suas frustrações.
29
Na clínica a transferência assume condição fundamental de análise, pois é ela
que possibilita que a análise se inicie. É a mola propulsora, sendo fundamental como
ela é manejada e conduzida. Buscando nos ensinos de Freud encontramos transferência
como sendo: “[...] reedições, reproduções das moções e fantasias que durante o avanço
da análise, soem despertar-se e tornar-se conscientes, mas com a característica de
substituir uma pessoa anterior pela pessoa do médico”. (FREUD, 1905 [1901], vol.
VII, p. 111). Assim a transferência não é algo acontecido no passado que permeia o
presente, e sim atual e vivida com a figura do analista, ou seja, não é uma reprodução,
é uma atualização. Lacan (1964) conceitua a transferência como sendo atualização da
realidade sexual do inconsciente.
Numa determinada sessão Paulo entra sorrindo, coloca a mão no bolso retira
um pirulito e oferece à analista dizendo: “Guardei para você”. Assim o vínculo
transferencial com a analista foi aparecendo cada vez mais. Freud explica no texto
“Dinâmica da transferência (1912)”, que a transferência positiva tem base nos aspectos
de afeto e confiança. Lacan (1964) no seminário livro 11 “Os quatro conceitos
fundamentais da psicanálise” ilustra a transferência positiva como sendo “aquele de
quem se trata, o analista no caso, pois bem, a gente o tem em boa consideração...”. (p.
120).
No decorrer do trabalho Paulo apresentou alguns efeitos clínicos bem
significativos. Relata que sua professora elogiou sua melhora nas notas e
comportamento, inclusive está mais participativo, mas se entristece quando não foi
elogiado ao contar para o pai. “A professora disse que melhorei bastante que estou me
esforçando. Acha que vou passar. Meu pai não falou nada”, diz Paulo.
30
As conquistas de Paulo, a melhora em suas notas e comportamentos na escola
não foram valorizados e nem citados pelos pais nas entrevistas com a analista. Seu pai
falava somente que o comportamento do filho estava piorando, não sabia o que fazer.
Dessa forma Mauro diz que o filho não corresponde às expectativas dele, o ideal de
filho, o seu próprio ideal.
Lacan, no texto “O estádio do espelho como formador da função do Eu”
(1949), explica-nos que o „eu Ideal‟ que se constitui no estádio do espelho manifesta
um narcisismo primário, uma dimensão imaginária, idealizada, ligada ao narcisismo
dos pais, e que atribui ao sujeito uma impressão de onipotência. Este “Eu” resultaria
dos investimentos narcísicos dos pais sobre o bebê. Assim o sujeito se identifica com
essa imagem, passando a nela investir também, fazendo com que o sujeito ame a si
mesmo, numa dimensão narcísica. No entanto, os pais não projetam apenas seu
narcisismo sobre o filho, mas também suas exigências, e é a partir delas que se
originará, o „ideal de eu‟, que é o „eu‟ comprometido em ter de ser/fazer/cumprir esse
ideal e só assim poder ser amado e reconhecido.
Mauro marca entrevista com a analista. O filho vem junto e entra na sala com
o pai. “Hoje a professora teve que ser enérgica com ele, estava muito agitado,
atrapalhando os colegas, inclusive mandou bilhete, não dá mais. E em casa pegou
dinheiro escondido. Eu estou muito triste com isso, gostaria que a Drª. conversasse
com ele”.
O que estaria deixando Paulo “agitado”? Mauro não procura saber o que
acontece com o filho. Busca somente uma “correção” sem implicar-se. Jerusalinsky
(2004) salienta que os pais pedem: “[...] diagnósticos, avaliações, indicações
31
educativas, remédios etc., demanda essa que se orienta, aparentemente, no sentido que
lhes seja arrumado o „boneco estragado‟ do seu narcisismo”. (p. 92).
O que esses comportamentos de Paulo estariam realmente denunciando? A
criança rouba quando se sente roubada. Paulo foi privado do recurso à palavra
deparando-se com a impossibilidade de recorrer a ela, pois não é escutado. Ali onde
procura, falar para ser compreendido, depara-se com um grande Outro não barrado.
Assim Paulo rouba. É na transgressão da lei que tenta ser escutado.
Mauro continua. Casamento em crise. Esposa pediu que ele saísse de casa,
quer a separação. Paulo que ouvia em silêncio, coloca o capuz do agasalho na cabeça.
De repente levanta-se vai até a caixa lúdica pega o pote de massinha, senta no tapete e
começa amassar. Paulo ouve em silêncio, e disso nada quer saber. Lacan (1968-1969),
no seminário livro 16 “De um Outro ao outro”, nos ensina que “existe em algum lugar
uma verdade, uma verdade que não se sabe, sendo que ela se articula no nível do
inconsciente. É lá que devemos encontrar a verdade sobre o saber”.
Após Mauro sair da sala, Paulo continuou em silêncio. Analista pergunta se
ele quer falar alguma coisa sobre o que ouviu. Permanece calado. Após um tempo em
silêncio... “Peguei as moedas porque queria comprar um bolinho na escola e ele não
deu quando eu pedi”. Mais silêncio... “Tem briga todo o dia em casa. Quando eles
começam a brigar eu saio para a rua. Não fico senão vai sobrar pra mim. Meu pai bate
e nem pergunta antes o que aconteceu. Sempre sou eu, nunca é a Eduarda. Eu fico
muito triste e também com muita raiva”, confessa Paulo. Relembra uma situação em
que o pai foi lhe bater e a mãe ficou na frente para protegê-lo. Paulo se queixa que
seus pais roubam seu sossego. Di Ciaccia (1992) retoma Lacan quando este explica
32
que a transferência em seu lado imaginário é um obstáculo na cura, enquanto no
registro simbólico, ao contrário do imaginário, trata-se de fator de cura.
Nessa sessão houve a possibilidade de Paulo colocar em palavras seus afetos.
Ao final da sessão Paulo pede para levar um pedaço de massinha para sua casa. Na
sessão seguinte Paulo traz o pedaço de massinha. Devolve ao pote, mostrando que
quando recebe o que pede, devolve, não precisa roubar. Demonstra também estar
levando um “pedaço de atenção”, de um lugar onde se sente acolhido, escutado, como
sujeito, desejante.
Desde então Paulo começou a falar de si, de seus medos, de seus sonhos e de
suas fantasias. “Sabe o que tenho medo que vai acontecer? Vai cair uma pedra bem
grande do céu na terra, mas daí eles vão lá tentar explodir, ou então vai cair no mar e
vai formar uma onda muito grande e vai matar tudo... você sabia que com os
dinossauros foi assim, senão eles estariam aqui até hoje. [...] Sabe o que mais tenho
medo? Que aquela menina igual do filme “Poltergeist”, saia de dentro da televisão.
Assistir filmes de terror me deixa com medo, mas eu assisto igual”. Assim Paulo, por
um breve tempo, teve possibilidade de sair dessa posição de objeto, dessa dependência
e alienação aos pais e buscar suas respostas, construir suas fantasias, formar sua
subjetividade, vivenciar sua neurose infantil.
Algumas sessões se passaram. Paulo traz um sonho. Relata parte deste, pois
não o lembra no todo. Um homem, que não soube identificar quem era, corria atrás
dele. Caiu no chão e o homem se aproximava cada vez mais. Neste exato momento
acorda angustiado e assustado. Paulo não consegue dizer nada sobre seu sonho. Não
sabe o que significa, não consegue associar a alguma coisa. Entretanto, quem será esse
33
homem que o persegue? Sendo o sonho uma realização de desejo, mesmo num
pesadelo, num sonho de angústia há algo dessa ordem, de desejar livrar-se de algo.
Esse sonho demonstra um momento privilegiado do trabalho analítico. O inconsciente
emergindo, como nos diz Freud, “o sonho é o caminho real que conduz ao
inconsciente”. Uma via de acesso ao inconsciente de Paulo, pois o sonho desvela
pensamentos, conteúdos mentais recalcados, reprimidos, que foram afastados da
consciência.
Uma das funções do sonho, segundo Freud (1901), é ser guardião do sono,
entretanto, no caso de sonhos de angústia, contrariando o princípio do prazer,
fracassam na tentativa de realização do desejo inconsciente, provocam o despertar,
interrompendo o sono. Entretanto, trata-se da realização de um desejo, a esse respeito
Freud explica que: “Já não há nada de contraditório para nós na idéia de que o
processo psíquico gerador de angústia possa, ainda assim, constituir a realização de um
desejo”. (FREUD, 1901, vol. V, p. 608).
Freud (1901) nos coloca que no inconsciente nada pode ser encerrado e
esquecido. Algo que foi experimentado há tempo volta com força total assim que entra
em contato com as fontes inconscientes de afeto. Tão logo há o encontro ressurge para
vida e mostra-se catexizada com uma excitação que encontra descarga motora. Isso
também demonstra que a psicanálise trabalha com o atual, não trabalha no passado ou
com o passado, pois os afetos passados são revividos no presente. É justamente nesse
ponto, afirma Freud, que a análise deve intervir, e acrescenta que: “Sua tarefa consiste
em possibilitar aos processos inconscientes serem finalmente abordados e esquecidos.
[...] e a psicoterapia não pode seguir outro caminho senão o de colocar o Ics. sob o
34
domínio do Pcs.”. (FREUD, 1901, p. 606). No entanto, no caso de Paulo, este não
conseguiu interpretar seu sonho e diante dos questionamentos a respeito deste,
silencia.
Durante o trabalho houve muitas faltas, na maioria das vezes não avisadas. Na
sessão seguinte à falta, o pai “justificava”. “Drª. não deu para vir, peguei folga e fomos
viajar”. “Não deu para vir, tive que trabalhar”. “Não tinha dinheiro para lhe pagar, por
isso não trouxe Paulo”. Percebia-se que tudo era motivo para não trazer Paulo. Tudo
era mais importante que a análise do filho. Também era difícil para Mauro efetuar o
pagamento das sessões. Muitas vezes não pagava, atrasava, deixava acumular.
A resistência por parte dos pais de Paulo é visível. Apesar de a transferência
ser considerada a “mola” propulsora da análise, no caso dos pais de Paulo aparece
como responsável pelas resistências. Freud explica que: “... a transferência, no
tratamento analítico, invariavelmente nos aparece, desde o início, como a arma mais
forte da resistência, e podemos concluir que a intensidade e persistência da
transferência constituem efeito e expressão de resistência”. Lacan coloca a
transferência a um tempo de fechamento do inconsciente, não a um tempo de abertura,
ou seja, aponta essa ambiguidade da transferência. “A transferência não é nada de real
no sujeito, senão a aparição, num momento de estagnação da dialética analítica, dos
modos permanentes segundo os quais ele constitui seus objetos” no diz Lacan (1964).
Os pais marcam horário com a analista. Mauro diz que o filho não poderá
continuar. O trabalho será interrompido porque não estão tendo condições de trazê-lo
devido ao seu trabalho e não há ninguém que possa fazê-lo. Os pais fazem muitas
35
críticas e reclamações a respeito do filho. “Nós sabemos que ele tem que continuar
vindo, não melhorou em nada parece que piorou, mas não tem como vir”.
Françoise Dolto (1985) no “Seminário de psicanálise de criança” explica que:
“Com efeito, tendo os pais passado anos, sem se aperceberem, diante do problema que
eles próprios criaram no filho, o desaparecimento dos problemas deste último os
coloca num estranho estado de sofrimento reencontrado, em seus corpos ou em suas
relações”. (p. 32)
Os pais mostram-se em conflito a respeito da análise do filho, se podem ou
não acreditar no trabalho, se podem ou não trazê-lo. Nas entrevistas iniciais, os pais
colocaram que um dos seus desejos era que o filho aprendesse, fosse aprovado.
Entretanto, quando Paulo faz movimento nesse sentido, os pais veem como piora. Os
pais não o aprovam, talvez não adotaram esse novo filho capaz de aprender, pois um
“nada” não melhora. A analista comenta sobre as mudanças de Paulo, os efeitos
clínicos percebidos nos atendimentos e os relatados pela professora. Ressalta a
importância da continuidade do trabalho. Diante das colocações, Paula olha para o
marido e diz: “você que decide”. Mauro decide dar continuidade ao trabalho do filho,
mas Paulo vem somente mais uma sessão. A analista aguarda Paulo. Passaram-se
quatro semanas e Paulo não vem, tampouco os pais ligam avisando. Analista liga.
Mauro informa que Paulo foi aprovado na escola, no entanto não virá mais. Assim o
trabalho com Paulo se encerra.
Mauro interrompe o trabalho do filho, pelo telefone, num momento de
importantes efeitos clínicos, embora os pais não reconhecessem tais efeitos. O pai
prometeu que voltaria, assim que se organizasse, para dar continuidade ao trabalho.
36
Desistiu de fazer o enfrentamento de seu gozo e dar a liberdade ao filho, para que este
pudesse mais que aprender ter outro lugar que não fosse o de “nada”. Ter um lugar no
desejo de seus pais e não como um sintoma do casal parental.
Após ter transcorrido algum tempo da promessa de Mauro que traria Paulo
para dar continuidade ao trabalho, a analista liga. No entanto, a resistência continua,
dizendo que agora está mais difícil, pois Mauro está desempregado.
37
5. Cap. IV – Conclusão e considerações finais.
Nos trabalhos psicanalíticos com criança, a questão do lugar dos pais sempre
esteve presente, de modo objetivo ou subjetivo. O interesse em trazer este estudo de
caso, foi refletir sobre o lugar que os pais ocupam na relação transferencial no trabalho
com a criança, considerando que ela não vem por conta própria.
Os pais de Paulo buscam efeitos imediatos e uma “correção” para o filho. Mas
uma demanda não se aceita e nem se rejeita, trabalha-se. Pedindo por respostas e por
soluções, os pais de Paulo colocam a praticante da psicanálise numa posição de saber,
de quem tem o “saber” para mudar no filho o que eles até então não conseguiram.
Colocam-na num lugar de Sujeito Suposto Saber. Todavia, esse não é o lugar que o
analista deve ocupar, pois o saber está com o paciente, mesmo que insabido. Cabem ao
analista sim, as intervenções, pontuações, a direção do tratamento, sendo essas
decorrentes da fala do paciente, já que o analista trabalha com o que o paciente traz.
A preocupação com o manejo da transferência esteve presente desde o início,
tanto nas entrevistas com os pais como no trabalho com Paulo. Neste percurso, os
percalços foram surgindo. Faltas. Os pais não conseguiam trazer Paulo. Chegavam
atrasados, não pagavam as sessões. Mesmo diante dos visíveis efeitos clínicos
arrumavam sempre uma desculpa para não trazer o filho, sobrepondo outras atividades
no mesmo horário, não dando prioridade ao trabalho. Além da falta de
comprometimento com a análise do filho, não acolhiam o que era falado nas
entrevistas. Não queriam se defrontar com a parte que lhes cabia. Ao mesmo tempo em
que buscavam ajuda para solucionar os problemas, resolvê-los, tinha um preço. O
preço da parcela de cada um, da qual provavelmente Paulo tivesse a menor, ou ainda,
38
nem a tivesse. Assim demarcavam-se a falta de implicação, as fugas, a ausência dos
pais, enfim a resistência.
O manejo da transferência e as demandas dos pais de Paulo constituíram um
ponto nodal. No entanto, estabelecer ou não laços transferenciais com os pais, neste
caso não interferiu para estabelecer laços com Paulo, mas afetou a continuidade da
análise. As demandas, as resistências que foram surgindo, por parte dos pais, foram
sendo trabalhadas na medida do possível. Fazer uso deste lugar, de Suposto Saber, mas
sem mestria, propiciou que os pais aceitassem a análise do filho por um tempo.
Entretanto, não durou muito, pois estes não permitiram a continuidade do trabalho e o
interromperam. Mas, segundo Freud, “O que o paciente viveu sob a forma de
transferência nunca mais esquecerá”.
No decorrer do trabalho procurou-se decifrar o que sinalizava o sintoma de
Paulo, o que tinha a dizer sobre essa família e os efeitos sobre Paulo. No que se refere
a Paulo, este encontrou um espaço onde pode falar e ser escutado. Aceitou a oferta de
trabalho permitindo assim a instalação da transferência. Visíveis efeitos clínicos foram
surgindo e Paulo avançava na direção de poder esburacar esse Outro e vivenciar sua
neurose infantil, construir seu mito. No que cabe ao pai, pode-se perceber que Mauro
diante de questões que são suas decide interromper o trabalho do filho para que este
continue no lugar que lhe é devido na dinâmica familiar. A mãe, por sua vez, não se
posiciona, pois não se autoriza pela continuidade da análise do filho, embora o
quisesse.
Para que a análise de Paulo tivesse sucesso, seria fundamental que seus pais
estivessem dispostos a fazer a parte deles. Que Mauro conseguisse identificar como
39
suas as questões que atualmente enxerga em Paulo. Trabalhar essas questões. Refletir
sobre o lugar do filho no seu desejo, pois é nesse momento que ele tem a possibilidade
de se implicar no sintoma do filho e no seu. Somente assim Paulo poderia sair desse
lugar de “nada” e ocupar o seu lugar, como sujeito de sua história e no desejo do casal
parental.
O atendimento desse paciente resultou em muita reflexão, principalmente
sobre a transferência, análise de controle e estudo teórico. Percebi o quanto a
transferência e a resistência se fazem presentes durante todo o atendimento.
Considerando que a formação é permanente, pretendo continuar buscando, cada vez
mais, condições no manejo da transferência, já que isso me inquieta.
40
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