J Mário Ch agas MUSEUS: ANTROPOFAGIA DA MEMÓRIA_ .... o z E DO PAI R IMO N I O ~ "' - Mentiste, que um Tupi não chora nunca, ... E tu choraste! ... parte; não queremos com carne vil enfraquecer os fortes . GONÇALVES DIAS :I: Los más grandes de ellos son para su desayuno, Los medianos para su almuerzo, Y los más pequenos para la cena. Dioses y diosas viejos [solo son buenos] para servirle de lena.' z o ,. < a. "' ABERTURA Um dos trechos de grande dramaticidade e beleza na obra Prometeu aarilhoado, 2 de Ésquilo, é o encontro entre a jovem virgem lo e o protagonista da tragédia - ambos rebeldes e castigados por Zeus. Ele - fixado e acorrentado à "rocha abrupta" e exposto "ao vento, à chuva e ao frio", "só porque muito amou a humanidade" e lhe concedeu "o divino fogo", "semente d~ luz" roubada aos deuses 3 - é a expressão mesma do espírito humano submetido aos condicionamentos da matéria, do espaço e da duração. Ela - levando na testa "dois cornos de vaca" e aguilhoada permanentemente por "atroz moscardo", fadada "à longa marcha" pelo "mundo Prometeu Liberto. Escultura de Jacques Lipchitz que decora a fachada da auditório do Paldcio Gustavo Capanema, Rio de janeiro. Foto: Eugênio Luiz Kodama, jun. 2005. cwra ' Io, 1942, p. 41 -11 8) - e' a ..." (Esqui expressão da mudança, da volatilidade do espírito, da mobilidade do eu. 15 R egina A b re u MJlS E U S E_I_N__O_G_RÁ_ELCD.S z LI!BÁILCA_S_DE COLECIONAMENJO: ANJROPOFAG IA DOS SENTI DOS <( 0 PROBLEMA A especificidade da cultura material com o o poder de objetificar, ou seja, de tornar A trajetória dos museus etnográficos palpáveis e concretas representações que confunde-se com a própria história da primam pelas abstrações nos discursos das antropologia. Muita coisa mudou no percurso pesquisas etnográficas, é plena de que vai do final do século XIX, quando conseqüências. As co leções formadas por predominavam os grandes museus antropólogos a partir de objetos coletados enciclopédicos guiados por uma vertente nas pesquisas de campo têm, muitas vezes, o antropológica evolucionista, à tendência, poder de cristalizar imagens poderosas sobre contemporânea de museus étnicos ou tribais outras culturas. A visualidade destes objetos o em que os outros passaram a se auto- e as narrativas que as coleções configuram representar, usando a instituição museu como são responsáveis pela formação de instrumento de suas lutas por auto-afirmação. representações muitas vezes unívocas. Por Este ensaio tem por objetivo focal izar algumas outro lado, os recentes debates em torno da passagens importantes dessa história no auto-representação dos povos antes contexto brasileiro, enunciando algumas das esquadrinhados pelos antropólogos trazem principais práticas de colecionamento. novas práticas de colecionamento, lançando Partindo do mapeamento de Mariza novos olhares e perspectivas. Peirano com relação à trajetória da antropologia no Brasil, e tomando algumas ANTROPOLOGIA NO BRASIL: reflexões de James Clifford sobre práticas de FOCOS DE ALTERIDADE colecionamento nas pesquisas etnognlficas e nos museus, pretendo trazer alguns A antropologia é uma área de apontamentos sobre um campo pouco co~ecimento explorado: os museus etnográficos. Ao alteridade. O olhar sobre o outro, o apresentar algu ns estudos de caso de práticas compreender o outro nos seus próprios de colecionamento de antropólogos, meu termos, o lançar-se para territórios exóticos e objetivo é mostrar como os museus têm sido longínquos, distantes de tudo o que é familiar decisivos na construção de certas visões ao sujeito do processo de conhecimento, o sobre diferentes cul turas ou construções de interessar-se pelos outros povos, por outras alteridades. culturas, outras formas de existência, tudo devotada à construção da " 101 .,ô ·;:; & isso parece constituir a singularidade desta brasileiro. Em prin;-eiro lugar, diferentemente que, para além dos contornos da própria do que ocorreu com a antropologia de outros .,o disciplina, se configura como uma maneira sui países, no Brasil os antropólogos produziram o ·;;, < ~ z . seneris de ver o mundo e de se ver no mundo. essencialmente uma antropologia do Brasil, o a. Mas a especificidade do trabalho do ou seja, o País tem sido o caso etnográfico ~ antropólogo abarca também o âmbito da privilegiado. Em vez de estudarem outros g construção da subjetividade e poderíamos povos de outros continentes, como fizeram ~ ~ E <t ." mesmo dizer que, ao tecer interpretações antropólogos americanos ou franceses, os sobre o outro, o antropólogo não pode deixar antropólogos brasileiros têm-se dedicado a ~ de inventar uma maneira peculiar de espreitar estudar diferentes culturas em seu próprio u a si mesmo, exercitando um incessante país. Trata-se de uma tradição peculiar do o "ü ~ 8 ., . o :I: o ,. o < a. o ·• "a. trabalho comparativo de conhecimento e nosso modo de tecer o conhecimento . autoconhecimento. Como já sinalizaram sociológico e antropológico, seguindo os muitos antropólogos, procurar o passos de grandes ensaístas do século XIX conhecimento sobre o outro é também que se devotaram a pensar e a contribuir para indagar sobre si, debruçando-se sobre a construção da nação brasileira. o u c: "o "" " ;) ,~ ::;: o Deste modo, independentemente das "" ""'o Deste modo, a construção de alteridade linhagens intelectuais e dos referenciais ·~ enquanto aspecto fundante da antropologia teóricos, Mariza Peirano salienta que, até os " "' 102 diferentes formas de construção do humano. deve ser entendida como um processo anos 50 do século passado, a tendência teria complexo e dinâmico que envolve relações sido a de formular uma a!teridade radical, entre sujeitos e objetos que se constroem quando os antropólogos se dedicaram mutuamente. Esta situação relacional e essencialmente aos estudos de povos exóticos processual da antropologia permite perceber ou radicalmente diferentes da sociedade do sua longa trajetória, do fmal do século XIX observador, ou seja, a sociedade ocidental aos nossos dias, como algo diverso e plural. E moderna. Desta formulação inicial, a isso não apenas pelas mudanças de enfoques e antropologia teria deslizado para um campo referenciais teóricos que certamente são de estudos em que a ênfase era a análise de importantes, mas também porque as diferentes processos de contato, provocados construções dos sujeitos e dos objetos por frentes de expansão e projetas de diferem em larga escala. Pensar esta trajetória colonização destes povos exóticos ou privilegiando as relações e os processos que radicalmente diferentes de outros grupos se estabelecem entre sujeitos e objetos sociais. Surgiram os chamados estudos de permite falar em antropologias, no plural, fricção interétnica, que focalizavam o contato 1 como indicou Mariza Peirano, bem como em entre alteridades. Pesquisas importantes antropólogos, no plural, que produzem e foram produzidas nas décadas de 1970 e constroem alteridades também no plural. É ainda Mariza Peirano quem sugere 1980, destacando-se temas relativos a indigenismo e campesinato. No início dos uma tipologia de alteridades construídas no anos 70, os antropólogos brasileiros passaram processo do conhecimento antropológico a pesquisar em grandes cidades, iniciando uma tendência de longa duraÇão na antropo logia, a antropologia urbana. Mariza. Peirano denomina esta tendência estudos de alteridade próxima, cujo principal desafio consiste na compreensão de cüferentes A PRÁTICA DE .,ô ~ COLECIONAMENTO COMO OBJETIFICAÇÃO DAS CULTURAS o .,ô < "õ.o ..'! . z o 0.. g o aspectos do ethos nacional. Por fim, desde os anos 80, os antropólogos brasileiros ~ E A prática de colecionamento pode ser dedicaram-se a uma série de estudos sobre as considerada universal. Em todas as culturas ciências sociais no País. A antropologia humanas , os indivíduos formam coleções, passou a indagar acerca de si m esma, de sua sejam particulares, sejam coleti vas . O ato de própria trajetória. Esta tradição de estudos é colecionar pode ser mesmo pensado como denominada por Mariza Peirano alteridade uma operação mental necessária à vida em ~ E . <( o o "ü v o mÍnima. Os quatro tipos iJeais propostos - ., . ~ u :I: sociedade, expressando modos de o organização, hierarquização de valores , o alteridade radical; contato com a alteridade; estabelecimento de territórios subj etivos e alteridade próxima; alteridade mínima - afetivos. Colecionar, neste sentido, significa servem de ponto de partida para uma estabelecer ordens, prioridades, inclusões, reflexão sobre a trajetória dos estudos exclusões e está intimamente associado à antropológicos no País. Esta tipologia parece dinâmica da lembrança e do esquecim ento, 8 sem a qual os indivíduos não podem mover - categoria alteridade e as múltiplas se no espaço social. possibilidades e caminhos de pesqui sa abertos "' noção universal da prática de colecionamento século. Se, nos primeiros anos da disciplina, com o sentido particular de que o construir a alteridade consistia em falar de colecionamento foi investido no Ocidente um outro literalmente distante e exótico, moderno, num regime de produção quando os estudos recaíam principalmente capitalista, como acumulação deliberada de sobre o nosso outro por excelência, os povos bens ou enquanto propriedade de objetos indígenas, no início do sécul o XXI as materiais ou imateriais que alguns passam a fronteiras entre a sociedade do observador e deter em detrimento de outros. a sociedade tomada como obj eto vêm se 0.. Como prática universal, o tornando cada vez menores, a ponto de os colecionamento pode ser percebido em povos indígenas incorporare m e tomarem diferentes sociedades, como o fez Marcel para si muitos dos discursos e instituições Mauss, em sociedades tribais da Melanésia, que apenas faziam sentido entre os modernos ·na famosa análise do Kula trobriandês, onde ocidentais. A instituição museu representa um eram colecionados colares e pequenos destes casos. Se, outro ra, esta era restrita ao objetos com o obj etivo de trocas rituais. 2 mundo ocidental, hoje, numa antropofagia Pode ainda haver um tipo de colecionamento dos sentidos, ela vem sendo devorada e no qual os objetos selecionados não sirvam iipropriada por o utras sociedades e culturas. para ser armazenados, mas sim distribuídos, ~ ""o ~ ; ~ o ., :E .Q ""'co -~ "" Deste modo, é preciso não confundir a pela antropologia, em pouco mais de um 0.. 8 < útil, pois permite perceber a poli fonia da ·• 103 consumidos ou mesmo queimados e propriedade de bens que devem ser expostos ~ destr uídos . É o caso da instigante análise de ao o lhar, como se estas coleções pudessem . Marcel Mauss sobre o potlatch, fenô meno fa lar por si sos, representando culturas e disseminado entre t ribos do noroeste pensamentos . o ~ z o o -c < ~ ;;:, z A noção particular de colecionam ento o americano. Nessas tribos , os par tici pantes ~ :; dos rituais passam uma parte do tempo com o pro pri edade e acumulação par ece 8 ar mazenando alim entos, confeccionando atravessar também outro dom ínio po uco peças de vestuário e ornamentos, o rganizando· focalizado, o das nossas pesqui sas e trabalhos danças, ensaiando cânticos para, num intelectuais. So mos colecionadores po r momento seguinte, distribuírem e excelência das po pulações que configuram 0.. c .. 3 ~ ~ c o .E . o u -c consumirem amplamente tudo o que foi nossos objetos de estudo. A historia da colecionado. Embora estudado inicialmente em antropologia é a historia da formação de sociedades tribais, o potlatch tornou-se extensas coleções sobre povos exoticos , referência para estudos de antropologia em longínquos e, mais recente mente, proximos e ~ sociedades complexas, podendo ser observado até mesmo Íntim os. Do colecionamento de o ~ o em diferentes rituais, como nas festas conchas dos melanésios, colares dos tupis, ;:;: carnavalescas, onde se forma extensa coleção pirâmides e m úmias dos egípcios, passando ""< . de cultura m aterial e imaterial cujo objetivo po r instrumentos de trabalho de culturas em o -~ consiste na exibição em um desfil e de uma desaparecimento no contexto da sociedade hora para ser totalmente destruída a seguir. industrial, chegam os a co lecionar a nos . c r c.. z o 8 ·• '-= ~ r < 0.. ~ o ., .Q 0: A noção particular de colecionam ento 104 mesmos - nossas fotografi as em pesquisas de produzida pela sociedade ocidental moderna campo e cong ressos, nossos diári os de é discutida por alguns autores como James campo, nossas co rrespondências com colegas Clifford , com base nos estudos de de trabaLho, etc. A passage m da alteridade MacPherson , sobre o in dividualismo possessivo m áxima para a alteridade mínima é também 4 ocid ental. De acordo com esses estudos , uma passagem por colecionamentos di ve rsos, teria surgido no século XVII um eu ideal cujos sentidos e significados se alter am com o possuido r: o indi víduo cercado pela substancialm ente. propriedade e pelos bens acumulados. "O De indi víduos possessivos, instados a m esmo ideal poderia ser aplicado às fo rmar nossas co leções ind ividuais para nos co leti vidades à medida que estas fazem e localizarmos no mundo adulto , fom os refazem seus eus culturais" - assinala Cliffo rd . treinados enquanto antropologos para Inspirado pelos estudos de Mac Pher son, praticar o colecionam ento do o utro. Não Richard Handl er escreveu um ensaio podem os esqu ecer o lugar que ocupamos impo rtante sobre o tema do patrim ônio, inseridos no contexto da ciência m oderna m ostrando , num estudo de caso no Canadá, a com seu olhar hierarquizador, selecionador, relevância social para o O cidente de noções classificador, ordenador. Fomos treinados a como "ter um patrimônio" ou de "obj et!ficar fazer boas co leções de nos mesm os e dos um a cultura". Somos regidos po r uma o utros , mas não estam os de modo algum sociedade do colecionamento como libertos deste equipam ento mental. Com o assinalou Jam es Clifford, a idéia de que a oraani zados linearmente, em termos de qualidades identidade é uma espécie de riqueza (de formais ou funcionais externamente difinidas, para obj etos, conhecim ento , m em órias, transmitir uma mensaaem etnocêntrica do experiências) atravessa nossos discursos, aradualismo evolucionista conservador, como cidadãos e antropólogos. Colecionar tem sido uma estratégia para a distribuição de um eu (pessoal o u coleti vo), uma cultura e uma autenticidade possessivas. Fazer a história das co leções etnognlficas no contexto de uma história da antro po logia me parece, po rtanto , um objetivo o ::: & o -o o ~ ·;:., ~ z nas coleções elaboradas por Boas os o bj etos o 0.. ~ :; o eram B oraaniz ados contextua /mente, buscando preservar as ... múltiplasjunções e os sian!ficados prifundos de o mensaaem do relativismo libera l. ~ u :I: OS MUSEUS ETNOGRÁFICOS passemos a ver a etnografia também como NO BRASIL: uma forma de "colecionar a cultura" , DE ESTUDO ÀS CULTURAS realçando os modos como os dive rsos fatos e DA COLEÇÃO c. -~ "' < a.. o eram essencialme nte co lecionadores e trabalhavam nos grandes museus fundados destas coleções e, conseqüentemente, a ainda no século XIX": Museu Nacional história da antropologia, como um ( 18 18); Museu Paraense Emílio Goeldi diversificado processo de antropofagia dos ( 1866) e Museu Paulista ( 1894) . Lilia sentidos. Os obj etos colecionados são, a um Schwarcz relata que nesses museus, só tempo, ex propriados de seu contexto inicia lmente, predominava o caráter original e ressignificados no contexto das enciclopédico das pesquisas, sob a hegemonia coleções etnográfi cas e dos museus. Neste das ciências naturais.6 A antropologia se processo de co lecio namento , múltiplos mi sturava com outras disciplinas como a sentidos podem ser atribuidos aos objetos. O zoologia, a paleontologia, a botânica, a antropólogo converte-se também em um mineralogia, a geologia , a paleontologia. No devorador de fragmentos de culturas. Nos maior desses museus, o Museu Nacional, é a museus, estes fragmentos são comumente par~r usados para re presentar a cultura com o um ( 1874- 1893) e de Batista Lacerda ( 1895 - todo, representação sensivelmente 1" 9 15) que a pesquisa científica se estrutura e probl emática. Stocking comenta a diferença se difunde com a publi cação de uma revista da apresentação dos objetos nas coleções trimestral - Os Archi vos do Museu Nacional. Os elaboradas pelo general Pitt Rivers e nas novos pesqui sadores era m , em grande parte, coleções elaboradas por Franz Boas. naturalistas e suas pesquisas implicavam Enquanto nas prim eiras os objetos eram necessariam ente a formação de coleções de das administrações de Ladislau Netto ~ ~ ~ ::E o ·~ Os primeiros antropólogos brasileiros m odernista, poderíamos traduzir a história "bll o 5v , "" ""'o OBJETIFICADAS originais. Para usar uma linguagem 0.. ou z o expe riências foram selecionados, reunidos e retirados de suas ocorrências temporais . . -o 5 maneiras de apro priação e leitura das culturas. James Clifford propõe que ~ = o .B õu uma determinada fo rma, para transmitir uma importante para compreender as diferentes ~ E 0:: 105 o c -c ~ z o o -c ~ :;o z o estudos. A antropologia constituía um ramo cm finais dos anos 30, a diretora do Museu das ciências biológicas e naturais. As Nacional, Heloísa Alberto Torres, se indispôs pesquisas eram pautadas por questões de com Mário de Andrade por este haver antropologia física baseadas, sobretudo, em formulado a proposta de separar em dois 0.. modelos de craniometria. O primeiro curso museus a parte etnográfica da parte de ~ ;; de antropologia oferecido no País foi história natural do Museu Nacional. 9 Esta ~ ministrado em 1877 por João Batista Lacerda prática de colecionamento articulava-se com e tinha como programa análise da anatomia uma visão positivista da ciência, calcada na humana. Os estudos de antropologia física . evidência empírica como comprovação das levaram à prática do colecionamento de ossos teses formuladas pelos cientistas. = ~ E <( ~ = o ·~ e ~ -c ~ u ·~ :I: o "0.. exemplo, comenta em artigo publicado na o revista do Museu Nacional sua satisfação em o ~ "' "o ~ < c.. o humanos, sobretudo de crânios. Lacerda, por ·~ ""= botocudos, uma vez que já conseguira reunir " :E" , 11 crânios de "espécies dessa tribo". 7 Lacerda . -<> ""'o ·;;, .;: co lecionamcnto nesse período consistiu em poder levar adiante trabalho sobre os ;;; ~ Outro fator determinante nas práticas de se inseria no amplo debate evo lucionista que procurava encontrar em culturas afastadas exemplos de estágios mais atrasados que comprovassem uma irifância da civilização. A prática de colecionar vestígios de outros povos iniciou-se, portanto, no Brasil como uma prática ligada à antropologia física, com a proliferação de coleta de ossos humanos 106 entre os nativos. Nesta primeira fase da antropologia, o ideal de todo antropólogo era organizar uma "coleção sistematicamente e cientificamente classificada", como dizia o naturalista Emílio Goeldi. 8 A prática de colecionar artefatos representativos das diferentes culturas Seqilência de fotos de índio karajá fazendo boneca. Foto: Marcel intensificou-se particularmente entre Gautherot. Acervo Arquivo Noronha Santos/Copedoc/lphan viajantes e naturalistas, num período em que políticas de museus estrangeiros que o colecionismo implicava recolher vestígios e fomentaram grandes expedições científicas testemunhos da botânica, da biologia e da ao Brasil para coletar acervos de povos cultura. Não por acaso os grandes museus indígenas. Grupioni assinala que, do início do etnográficos congregavam diferentes século XX até o final dos anos 60, os grandes vertentes da ciência, sem distinção. museus etnográficos da Europa e dos EUA Grupioni, em estudo pioneiro sobre coleções estimu lariam expedições científicas a países e museus etnográficos, observa que, ainda considerados exóticos, onde ainda era possível encontrar culturas tradicionais ou O personagem emblemáti co desse primitivas, com o objetivo de formar grandes período é Curt Nimuendajú, que se tornou a coleções etnográficas. A prática de maior autoridade no campo da etnologia colecionamento refl etia também uma visão indígena durante toda a primeira metade do o -c ~ o o "O ~ ·;;, ~ humanista, no sentido de preservar a cultura século XX, mantendo r elações com de povos indígenas que se acreditava que praticamente todas as instituições e órgãos :; fatalm ente se extinguiria. Apreender o importantes de seu tempo. Sua vida e obra sc exótico era, antes de tudo, salvar o que relacionam-se diretamente com a emergência irremediavelmente se perderia; daí a da etnologia como disciplina no Brasil e com significação de relíquia ou de testemunho, a institucionalização do indigenismo nacional, z o 0.. e ~ ~ < c o ·~ 8 ~ "O expressos pelo recolhimento de artefatos produzidos por estes povos: ocorridas no inicio do século, chegando a ser considerado o "pai da etnologia brasileira". ~ ~ "' I ~E 0.. o z <> "' 8 ~ ""oc z ~ o ~ ~ , "" """oo ·~ "' 107 Nim\}endajú nasceu na Alemanha, com o As coleções etnogrijicas cumpriam, assim, papel fundamental: como documentos materiais das mais diversasformas da atividade humana, eles se constituíam no registro palpável da diferença e, antes que essa desaparecesse, era fundamental aprisioná-la para que ela fosse estudada e exibida 10 nome de Curt Unkel, em 1883, e emigrou para o Brasil aos 20 anos de idade, em 1903 . Seu primeiro conta to com os .índios ocorreu em 1905 quando, na qualidade de ajudante de cozinheiro , foi contratado pela Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, tomando parte na exploração do rio Aguapeí, o "'& o -o ~ ""o < ..'! o ~ z 0.. " ~ ~ " ~ ~ <( o .B" 8 ~ -o ~ r u "' -~ ~ :I: O~ 8 o " r " a._ ·~ o "" ~ ~ ~ ~ ::;: , " -<> "< ~ ·~ "' 108 e entrando em contato com os guaranjs e xerentes, ticunas, pataxós, camacãs, cariris- com os caingangues no oeste de São Paulo. sapuiás, baenãs, maxacalis e botocudos. De No ano seguinte, passou a conviver com os acordo com Grupioru, o trabalho em illversos apapocuvas-guaranis do rio Batalha, sendo domínios ou especialidades nem sempre se adotado ritualmente pela tribo e recebendo o interügava. O colecionamento, particularmente, nome de Nimuendajú - "o ser que cria ou faz era uma atividade paral ela às pesquisas 11 o seu próprio lar" . Oesde então até sua etnográficas e, muitas vezes, realizada com o morte, em dezembro de 1945, que ocorreu intujto de sobrevivência, uma vez que não de forma misteriosa por envenenamento havia ainda a institucionalização de órgãos de entre os índios ticunas, em Santa Rita do Weil fom ento à pesqwsa científica. Nimuendajú no Amazonas, Nimuendajú participou de coletava para museus europeus e brasileiros, dezenas de expedições científicas, especialmente para museus na Suécia, como patrocinadas por instituições brasileiras e o Museu de Gotemburgo e para o Museu estrangeiras, estudando, coletando artefatos Nacional c o Museu Goeldi. Grupioni cita, dos povos indígenas e interferindo em por exemplo, a venda, em 1937 , de 146 questões relacionadas a estes povos. Seu artefatos dos xerentes e 22 artefatos dos trabalho abarcou domíruos do indigenjsmo, apinaj és para o Museu de Gotemburgo e, no da lingüistica, da etnografia e do mesmo ano, a venda para o Museu Nacional colecionamento. Nimuendajú foi responsável de 278 obj etos, e para o Museu Goeldi 560 pela reuruão de milhares de peças de gr upos obj etos dos canelas. Também nos anos 30, indígenas diversos, entre eles, os canelas, Nimuendajú colabora com instituições z . u ·• c.. o o " < Q. americanas, realizando pesquisas e colecionamento não envolveu nenhuma colecionando artefatos indígenas. Nesse articulação com a pesquisa etnográfica mesmo período, precisamente em 1933, propriamente dita nem uma relação com formou-se no Brasil o Conselho de uma auto-representação dos grupos envolvidos. Fiscalização das Exped ições Artísticas e Estes vendiam ou trocavam seus artefatos Científicas que atuou até 1968, inspecionando, desconhecendo para onde seriam destinados controlando e fiscalizando todas as expedições e desconhecendo também que, no mundo feitas no Brasil por estrangeiros ou por dos caraíbas, havia uma instituição chamada iniciativa de particulares. Estudando os museu voltada para o armazenamento e a dossiês de etnólogos atuantes no Brasil nesse guarda de objetos representativos de período, Grupioni revelou uma quantidade tradições cultura is. impressionante de artefatos ind ígenas que nesses 30 anos saíram do País ou foram E coletados para os grandes museus nacionais. NOS MUSEUS? A ALTERIDADE PRÓXIMA Com base em sua extensa pesquisa, pode-se, sem sombra de dúvida, afirmar que até esta Até os anos 60, a tônica nos museus data o Brasil viveu nos museus a era da etnográficos internacionais e nacionais era a construção da alteridade radical. Milhares de prática de colecionamento de grupos exóticos objetos foram recolhidos, objetificando e radicalmente diferentes dos ocidentais. Nos culturas que, acreditava-se, estariam fadadas museus brasileiros, esta prática só foi ao desaparecimento. 12 O processo de levemente alterada pela busca de artefatos dos 109 ô ~ c ~ o o ""·;;, estagnação nos estudos de cultura material. 14 excelência, espécie de degrau do primitivismo Com a introdução de novos paradigmas na para o mundo civilizado, numa visão evolutiva pesquisa antropológica, quando a cultura da cultura. Grupioni relata que, em passa a ser estudada, prioritariamente, por o documento enviado a Curt Nimuendajú em seus aspectos imateriais e simbólicos, os ~ 1938, Heloísa Alberto Torres, então diretora museus etnográficos ficam em segundo .c:c do Museu Nacional, solicitava proceder ao plano, bem como a formação de coleções ~ colecionamento de peças documentando etnográficas. O deslocamento das pesquisas aspectos de vida peculiares à população dos muse us e dos institutos históricos para as sertaneja, ao que ela chama "etnografia universidades faz com que muitos regional". o interesse pelo colecionamento de antropólogos passem ao largo do objetos da população sertaneja foi também colecionamento, chegando a ponto de não manifestado por um outro diretor do Museu freq üentarem museus etnográficos. O caso Nacional, Roquette Pinto, que chegou a do Museu Nacional é exemplar: com um ~ formar uma sala dedicada a Euclides da Cunha curso de Pós-grad uação em Antropologia ,~ com relíquias da Guerra de Canudos e Social funcionando desde os anos 70, muitos ~ ~ z sertanejos, considerados nossos ancestrais por e"" ~ "' c o ] o u ~ "C ~ u -~ :I: "" 0 8 o <::: " "o -~ Ol) , ., ::;: -<> "< ~ artefatos dos grupos sertanejos. 13 Exposições que enalteciam a fábula das ·~ três raças tiveram lugar em museus prédio das exposições ou das reservas "' etnográficos, especialmente no Museu técnicas, freqüentando apenas as salas de auJa Nacional, e levaram também à coleta de e as bibliotecas. objetos dos grupos afro-brasi leiros. Ainda 110 são os relatos de alunos informando que jamais tiveram a curiosidade de entrar no Entretanto, começam a surgir no Brasil durante a primeira metade do século XX, pequenos museus voltados para a chamada o etnólogo Édison Carneiro, especialista em cu ltura popular ou para a arte popular. estudos afro-brasileiros, chegou a organizar Oriundos de movimentos de folcl oristas, vitrinas com os principais orixás do muito intensos do fina] dos anos 40 a m eados candomblé, novidade para uma época na qual dos anos 60, ou da consagração de artistas apenas se iniciavam os estudos das populares no campo artístico, esses pequenos contribuições dos negros no Brasil. museus foram formados por artistas, Grupioni entende que os anos 60 do folcloristas e antropólogos a fim de registrar século passado coincidem com o fim de uma aspectos diversos de tradições culturais no era dos grandes etnólogos-colecionadores, Brasil. É o caso do Museu de Folclore Édison cujo personagem emblemático teria sido Carneiro, criado em 1968, ou de grandes Curt Nimuendajú. A partir desse período, a co leções como a Coleção de Arte Popular, institucionaHzação das ciências sociais nas formada por Jacques Van de Beuqu e, que está universidades teria deslocado para segundo na origem do futuro Museu Casa do Pontal; plano o papel dos museus e do ou ainda o Museu do Homem do Nordeste, colecionamento no campo da antropologia, inspirado no movimento regionalista liderado com um ingresso red uzido de novas coleções por Gilberto Freire. 15 Estas experiências, etnográficas nos museus brasileiros e uma ainda pouco estudadas, configuram esforços no sentido de objetificação da construção de próximas, predominava a idéia de formar alteridades próximas, relativas a grupos mosaicos da nacionalidade que, juntos, socioculturais diversificados no contexto seriam capazes de representar um todo brasileiro. nacional. o < z Ha que se notar a influência de estudos de antropologia urbana nos anos 80, responsaveis pela formação de pesquisadores interessados em temas culturalmehtc muito próximos da area de abrangência dos o Do CONTATO COM ALTERIDADES ÀS <( ALTERIDADES MÍNIMAS: próprios antropólogos. Desta arca NOVAS PROPOSTAS NOS despontaram alguns profissionais MUSEUS o ETNOGRÁFICOS especialmente interessados em praticas de colecionamento. Vale destacar o papel de Se é certo que o panorama dos museus Gilberto Velho e de Lélia Coelho Frota, esta etnograficos em muito se alterou a partir do à frente do Museu de Folclore Édison final dos anos 60, e se também é certo que Carneiro, por um período decisivo, na novos temas de pesquisa, sobretudo voltados o o "' < primeira metade dos anos 80. para o estudo das sociedades complexas, Diferentemente da pratica de como. a antropologia urbana, cm muito colecionamento nos grandes museus voltados contribuiram para estas alterações, para a construção da alteridade radical, estes curiosamente foi nos museus das alteridades museus direcionaram sua ação para a radicais, ou seja, os museus indígenas, que construção da altcridade próxima e surgiram as propostas de maior renovação no enfatizaram a relação entre a pesquisa ccnario dos museus etnograficos. Em etnogrifica e a coleta de artefatos. No caso primeiro lugar, é preciso falar do papel do Museu de Folclore Édison Carneiro, que desempenhado por Darei Ribeiro no acompanhei mais de perto, os objetos eram contexto museológico, ao idealizar e fundar coletados a partir de minuciosa pesquisa o Museu do Índio, "um museu contra o voltada, sobretudo, para a contextualização e preconceito", como ele dizia. Darei, também a compreensão das relações sociais envolvidas etnólogo-coletor que trabalhou no Serviço na sua confecção, utilização c circulação. 16 de Proteção ao Índio e que não se furtou à Uma pesquisa intensiva era feita, permitindo pratica do colecionamento, abriu um não apenas coletar os objetos mas, caminho com a criação de um museu sobretudo, compreendê-los no contexto espedfiç:o para exibir a questão indígena no cultural de onde eram retirados. Entretanto, Brasil e refletir sobre ela. O Museu do Índio, os museus não visavam, em suas praticas de devido a uma série de peculiaridades da sua colecionamento, à auto-representação dos história, cedo se converteu em um espaço grupos envolvidos. O museu era, sobretudo, aberto, uma espécie de fórum da questão um lugar onde antropólogos, museólogos e indígena no País. Vinculado à Funai, órgão demais profissionais teciam representações sucessor do Serviço de Proteção ao Índio, até sobre o outro. Nesses museus de alteridadcs hoje mantém cm seu espaço um pequeno 0.. 111 alojamento para os índios que ali precisem governamentais como a Funai. permanecer. Deste modo, o muse u passou a Curiosamente, vimos observando a ser também uma espécie de casa do índio, incorporação do debate sobre museus em dialogando intensamente com lideranças que alguns casos pontuais, mas altamente por ali passam por diferentes motivos, entre reveladores de um processo de mudança na eles, a participação em exposições e eventos relação do museu com a construção da e a busca de apoio político para suas alteridade. Se até os anos 50 os museus o -c ·::: ~ o .,ô .... ~ z"' ~ o 0.. ~ ." ." ;: ~ E < o "ü ..':! 8 . o o " u -~ :I: o o "' "' a. o 0.. . o ~ "o reivindicações. Talvez como herança de seu praticavam o colecionam ento construindo e, fundador, pode-se dizer que o Museu do em alguns casos, cristalizando alteridades de Índio sempre teve um perfil engajado na povos que não se manifestavam ou não se causa indígena no País, à qual vem servindo conectavam com as propostas museológiças ao longo dos anos. dos ocidentais, hoj e, algumas experi ências de Em função do cr escente contato com a práticas de col ecionam ent~ e de criação de sociedade urbano-industrial moderna, os museus tribais gestados pelos próprios índios povos indígenas vêm-se modificando sob vêm alterando esse quadro. De retratos de O{) c z , , muitos aspectos. Dos anos 70 para cá, com alteridades máximas, muse us ou co leções ."", crescentes movimentos voltados para a causa sinalizam um deslocamento do olhar: aqueles indígena, centrados na demarcação de suas que antes eram olhados agora olham para si < ·~ terras e em questões de saúde e educação, mesmos, tecendo seus auto-retratos. Falar de surgiram lideranças expressivas organizadas si implica, portanto, a construção de uma em ONGs ou atuando em ó rgãos alteridade máxima que se quer invertida: ela u ::;: ""o 0: Fachada principal do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, Rio de janeiro. Foto: Eugênio Luiz Kodamo agora é um esforço de construção de a fundação do Museu Magüta, em Benjamin alteridade mÍnjma. O curioso é que este Constant, na Amazôrua, que funcionou ligado movimento ocorre ao m esmo tempo que os ao CGTT (Conse lho Geral das Tribos antropólogos também passaram a falar Ticunas), principal ONG ticuna, criada no recorrentemente de si mesmos, numa bojo da luta pela demarcação de suas terras. síndrome de reflexões sobre a história da O segundo concernente ao processo de antropologia, memórias de pesquisas de montage m da exposição e colecionamento campo, hom enagens c mesas- redondas sobre dos índios wajãpis no Museu do Ínillo, que o -o c ~ .., ô z o -o u . < .! o z 0.. ~ .= .:c v ~ <( c o figuras epistolares da disciplina. teve a participação conjunta dos profissionais .E Paradoxalmente, a dinâmica auto-reflexiva de museu, antropólogos e um grupo de .,v deste campo de estudos parece estender -se as índios wajãpis . Os dois exemplos revelam o u . . "" u ~ V> áreas antes de alteridade máxima. Grupos uma experi ência nova no campo dos museus sociais antes representados em monografias, etnográficos: a participação dos índios no exposições e coletas de artefatos de processo de colecionamento e na perspectiva antropólogos reivindicam um novo lugar: o de musealização de suas culturas. De outros de sujeitos de suas narrativas . Com isto, o do discurso antropológico e museológico, ,v lugar dos antropólogos també m vem sendo estes representantes de povos indígenas :E alterado, muitos deles transformando-se em passaram a sujeitos do próprio ruscurso, m ed iadores das causas dos grupos estudados. evidenciando um processo de construção de .., """g As alterações dos lugares de onde falam os alteridade mínima nos museus. 17 :c 0.. 8 o " 0 museus etnográficos criados com o objetivo O OUTRO de produzir sínteses ou painéis de culturas . o ·~ "' MUSEU MAGÜTA: QUANDO FALA NA PRIMEIRA PESSOA diversas . Um bom exemplo é o Museu do Índio. Tradicionalm ente, este museu 113 Na opinião de José Ribamar Bessa esforçava-se por prati car o co lecionamento e Freire, os índios "descobriram o museu" e o produzir exposições que contemp lassem as momento desta descoberta pode ser marcado ruversas etnias do País, no esforço de sintetizar pela criação, e m 1991, do Museu Magüta uma representação do índio brasi leiro. Na pelos índios ticunas, em Benjamim Constant, última década, vem trabalhando com etruas cidade de aproximadamente 12 mil específicas, focalizando em cada uma delas a habitantes localizada na conflu~ncia dos rios relação de antropólogos com os grupos Java.ri e Solimões, na região do alto estudados, procurando tecer um diálogo So limões, Amazonas, próximo da fronteira entre a visão dos antropólogos e a auto- d.o Brasil com o Peru e a Colômbia. O representação dos grupos. pequeno Museu, instalado numa casa de Dois casos me parecem emble máticos deste novo momento de inversão da arquitetura simples, com varandas ao redor, cinco salas de exposição e uma pequena alteridade máxima para a alteridade mínima biblioteca, foi criado no bojo da luta pela nos museus etnográfi cos. O primeiro relativo demarcação de terras. Algumas lideranças OJl o ;;= , antropólogos vêm, por sua vez, provocar mudanças nas perspectivas dos grandes ~ ticunas perceberam que o direito deles à de cocos de palmeira, pinturas de painéis ~ terra dependia, em grande parte, de serem decorativos de entrecasca, fabricação de o reconhecidos como índios pela sociedade colares, cestos, redes e bolsas). Para a o c ~ z o -c ·;:, brasileira. Muitas vezes, eles eram recuperação das antigas tradições de artefatos ..'! o 0.. identificados como caboclos pela população ticunas foram consultadas fotografias antigas ~ :; local. Do ponto de vista das lideranças e r egistras feitos e m 1929 pelo etnólogo B indígenas, era preciso fortalecer a id entidade Curt Nimuendajú. Em seguida, foram feitas ~ < z ~ E c o ticuna, muitas vezes escondida pelos próprios entrevistas com anciãos das aldeias e, com a índios e negada sempre pela população colaboração deles, oficinas com os mais regional. A idéia de criação do Museu surgiu jovens, que reaprendiam a confeccionar os como instrumento de luta, num momento antigos artefatos. Durante três anos, de 1998 0.. crítico de mobilização política, quando os a 1991, os índios participaram ativamente da o ticunas estavam mobilizados na luta pela organização do acervo, com a assessoria da defesa de seu território, confrontando-se até antropóloga Jussara Gomes Gruber. A mesmo com grupos armados. Em março de definição dos objetos, o levantamento de "~ 1988, pistoleiros atacaram um grupo de dados sobre as peças, a seleção dos objetos , "" """o indios no igarapé do Capacete, matando 14 para a "exposição, o desenho das ilustrações, deles, entre homens, mulheres e crianças, tudo isto foi realizado pelos próprios índios ferindo 23 e deixando dez desaparecidos, sob a liderança de Constantino Ramos Lopes massacre que teve ampla repercussão Cupeatücü, índio ticuna que havia escapado ~ <( "ij ..!! o 8 ~ -c o ~ u ·~ ~ :I: o ~ ,. o -~ ~ Oll o c -.; ~ < 0.. ::;:" o ·~ "' nacional e internacional. 18 A idéia de criação de um museu surgia 114 do massacre do Capacete com um ferimento a bala e se tornara responsável, depois de como uma estratégia de organização da algum treinamento, pela guarda do acervo e memória e revigoração da identidade étnica . sua dinamização. Com o apoio de ONGs, destacadamente do A experi ência de criação do Museu CGTT, algumas lideranças indígenas Magüta estava longe de constituir um evento converteram-se subitamente em profissionais cultural pacificado. No entender de Freire, de museu, aprendendo algumas técnicas de essa singela instituição nas mãos das museologia e museografia . Para a formação lideranças indígenas adquiriu um "potencial do acervo, essas lideranças mobilizaram 95 explosivo" na luta pela auto-afirmação da aldeias, com uma população de 28 mil identidade étnica dos ticunas e no confronto índios, nos municípios de Benjamin com os madeireiros, políticos e latifundiários Constant, Tabatinga, São Paulo de Olivença, da região. No dia c na hora da inauguração Amaturá, Santo Antônio do Içá, Tocantins, do Museu Magüta, o prefeito de Benjamin Jutaí e Beruri. O principal trabalho constou, Constant "convocou uma concorrida de um lado, em recuperar antigas tradições e manifestação de rua, carregada de técnicas artesanais em desaparecimento e, de hostilidade, contra a demarcação das terras outro, em estimular os artistas indígenas indígenas, em frente ao muse u", provocando especializados em diferentes artes (confecção o cancelamento da solenidade e seu de máscaras rituais, esculturas de madeira e adiamento. O Museu só foi inaugurado três semanas depois, em dezembro de 1991, força reside muito mais numa prcifunda e devido à ampla repercussão na imprensa e de persistente vontade dos índios de se tornarem protestos de instituições, como a Universidade visíveis como índios ticunas, de se comunicarem com .,ô ~ ô .., -c do Amazonas e o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub) e à intervenção os membros de outras sociedades e conquistarem o . espaço social e cultural a que têm direito. 20 '-"o z 0.. g do Comando Militar da Amazônia. 19 Na época em gue foi fundado, o Museu Magüta representou grande novidade no panorama dos museus no País. Se, outrora, os grupos indígenas eram representados nos museus etnográficos a partir de práticas de colecionamento de etnólogoscolecionadores, o Museu Magüta teve, desde o início, uma proposta de auto-representação indígena. Tratava-se de um lugar de construção e de afirmação de uma identidade étnica na primeira pessoa, ou seja, implementada pelo próprio grupo interessado. A participação dos índios no processo de constituição das coleções e na montagem da exposição, bem como as responsabilidades gue eles mesmos assumiram na administração e na dinamização do Museu, configuraram um dos ~o o valorizados na região e mais conhecidos no País c até internacionalmente. Em 1995, o ] e o ..,v . Museu sofreu nova ameaça por parte dos u madeireiros gue gueriam incendiá-lo. ·• I "- Entretanto, estes não encontravam mais o apoio na população local. Segundo Jussara o Gruber, ô . u <= c " ""oo r ;) < ; a. ,~ o trabalho educativo do museu - através de um :E programa de interação com as escolas da cidade, que , tem por finalidade aproximar as novas gerações da ""..., o o ·~ cultura e da história dos ticunas- vem cumprindo "' a importante junção social de promover uma maior harmonia nas relações interétnicas na reg ião, colaborando para que sejam deifeitas, gradativamente, as idéias preconceituosas e discriminatÓrias a respeito das populações indígenas. 21 115 Em julho de 1995, o Museu foi premiado como Museu-Símbolo pelo museu, International Council of Museums - !com, por ocasião do Encontro realizado em julho, os objetos escolhidos foram os que têm para os em Stavanger, Noruega. No mesmo ano, ticunas maior significação cultural e cifetiva. Essas obteve o prêmio Rodrigo Melo Franco de particularidades, portanto,jazem dessa iniciativa Andrade, concedido pelo Instituto do um instrumento de autogestão da cultura, opondo- Patrimônio Histórico e Artístico Nacional- se às concepções mais tradicionais de museus Iphan, por sua contribuição à preservação da etnogrijicos, onde os objetos são coletados e ~emória cultural brasileira. predominando, muitas vezes, o interesse pessoal ou a v <( envolvida no processo de constituição do apresentados sob a Ótica da sociedade dominante, eo ticunas passaram a ser mais respeitados e aspectos da singularidade desta experiência. Segundo Jussara Gruber, antropóloga ~ Com o trabalho do Museu, os índios Desde o início, o ticuna Constantino Ramos Lopes Cupeatücü destacou-se nas curiosidade de um de seus produtores. Por outro atividades de coordenação e de lado, é um museu que não se ciflrma em princípios colecionamento de objetos para o Museu. de poder e autoridade, de luxo ou consumo. Sua Guardando as devidas proporções, Constantino representou para o que faze r e procurar quem nos ajudasse. No colecionamento ticuna, no final do século prinCÍp io, por volta dos anos 1972 e 197 3, os XX, o mesmo que Curt Nimuendajú no mais velhos diziam que ha via uma proteção para o -c o -c início do século, em termos do objetivo de os índios, que era o Serviço de Proteção ao Índi o, z .!! o 0.. coleta de artefatos e estudo da cultura mas não ha via nada de concreto para nós. A luta o ~c material. Entretanto, enquanto o primeiro dos índios ticunas começo u pela demarcação das ~ procurava representar sua própria cultura, o terras e depois por educação e sa úde. A educação E segundo integrava uma visão de antropologia' na reg ião era pouca e de má qualidade. Mais e uma prática de colecionamento que retirilva tarde,foram aparecendo mais pessoas não- índias os objetos de seus contextos de origem para interessadas em ajudar. Por vo lta de 1975, a PUC enviá-los para os grandes museus do Rio Grande do Sul se insta lou em Benjamin 0.. etnográficos, onde diferentes culturas Consta nt e fez um curso de extensão direto de o deveriam ser exibidas em conjuntos-sínteses Porto Alegre. A edu cação melhorou um pouquinh o. da diver sidade cultural da humanidade. O De 1980 a 1983, eu fiz o curso de extensão com -.; Museu ticuna emergiu como uma o pessoal da PUC. Eles tinham também o curso de "~ experiência articulada aos próprios índios fo rma ção para prcifesso res leigos rurais que eu fiz ::;" que, talvez pela primeira vez na história do em 1 985 . Qyando vo ltei, um mês depois, comecei Brasil, realizavam uma experiência a dar aulas para os meus própri os parentes e museológica na primeira pessoa . entrei no curso de agentes de sa úde. Em 1986, os Diver samente do padrão dos museus caciques e os prrjessores começaram a discutir a ~ "" < ~ c o ... ~ c o 'ü ~ o 8 o -o :I: o ~ ,. o ·~ "o ""c ~ < o. o .., . ""'o ~ 0: 116 etnográficos no País , este se constituiu com o questão da criação de um museu. Algumas pessoas um museu engajado , articulado com as lutas que estavam com a gente como a antropóloga do grupo ticuna . Convidado a participar do Ju ssara Gomes Gruber, que chegou como aluna do Seminário Patrim ônio Cultural: Coleções, curso de extensão, e após um estág io com os Narrativas e Me mó ria Social, organizado no ticunas passou a se dedi ca r ao trabalho de apoio Programa de Pós- Graduação em Memória aos índios, estimularam a criação de uma Social da Unirio , Constantino r elatou sua organização de caciques e, mais tarde, dos experiência ao Museu e ao Centro de prrjessores e agentes de sa úde. Então foram Documentação e Pesquisa do Alto Solimões. criadas três organi zações: CGP T (Conselho Geral A partir desse depoimento, percebe mos a dos Prrjessores Ticunas), CGTT (Conselh o Geral da relação estreita de sua prática de Tribo Ticuna) e depois a OSPTS (Organi zação de colecionamento com os objetivos das lutas Saúde do Povo Ti cuna do Alto Solimões). Em . do grupo ticuna : 1 986,fo i criado o Centro Magüta que gerou a discussão sobre o M use u. Na época, na reg ião do Tudo começo u com a luta pela demarcação de terras e pela conquista dos direitos à educação e à Alto Solimões, os índios não tinham mais direito nem mesmo de fa lar a própria língua que era saúde . Nós morá vamos na terra, mas vivíamos proibida na escola . A intenção da criação do como os animais que podem ser mortos a qualquer Museu era que os índi os não perdessem tudo o que momento, pois cada pedaço de terra tinha um tinham, j á que mesmo suas armas como a patrão. Começamos a nos reunir para discutir o za rabatana não sabiam maisfa bricar, além de serem obrigados pelos patrões a plantar mandioca anos, de 1989 a 1994 [sic]. Consegui coletar do e fabricar farinha para ser vendida em Benjamin meu próprio povo 380 peças, dessas foram escolhidas Constant, Tabatinga e Letícia, na Colômbia. A as mais bonitas e 1 70 ficaram na exposição. idéia de criar o Museu foi para preservar a arte e a língua ticunas, assim como o mito e a histÓria. ô -c o ~ ô .. o "C < ~ ~ 12 A iniciação de Constantino na linguagem museológica reflete uma tendência de Constantino revela seu processo de z o o. t~ o aproximação dos povos indígenas aos entronização da linguagem museo lógica, costumes e hábitos do Ocidente. É de como foi se convertendo, pouco a interessante notar que o Museu chegou para pouco, num co letor de artefatos de seu 3 ~ E ~ "' o o 'ü e" o eles ao mesmo tempo que a escola- modelo próprio grupo: " -o de educação da sociedade ocidental moderna. Mas a adesão dos índios ao Museu e ao No final de 198 8, saí da aldeia para trabalhar como pr?Jessor na cidade de Benjamin processo de colecionamento indica a eficácia Constant. Mas, então, a Jussara me chamou para que desta instituição e seus processos nas eu assumisse o Museu. Ela me explicou o que eu iria necessidades de construção e de afirmação de ~ :I: . z o '-= u -~ o. ôu -~ "' "" o ~ ~ < uma identidade étnica . Com a prática do jazer, o prédio onde eu ia trabalhar e me ensinou sobre o que era museu. Ela me mostrou uns livros colecionamento, tornava-se mais fácil que tinham fotos de exposições. Com a orientação objetificar para si m esmo e para seu grupo dela entendi o que era museu e saí para jazer uma cultura que foi sendo modificada e, reuniões na aldeia e explicar para eles o que era 1 ; o. ~ o o ::;: , .Q "'o " -~ 0: principalmente, espoliada por madeireiros, museu, explicar que precisava das zarabatanas, da latifundiários, políticos. O Museu se inscrevia igaçaba, da arte em geral, de tudo o que ia ser numa ação de resistência ou até mesmo de colocado dentro do museu. Os parentes me reexistência. Por meio do colecionamento de perguntavam o porquê disso e eu respondia que era seus próprios artefatos, mitos e tradições, os para o museu, que a gente tinha uma casa onde ticunas inventavam uma nova maneira de seria colocado tudo o que eu estava pedindo. A existir, com maior visibilidade, exibindo a si antropóloga Jussara tinha trabalhado no Museu mesmos para não desaparecerem como Nacional, então ela tinha jotogrqfias dos pentes que cultura singular e para não serem trucidados os índios jaziam, dos colares de dentes que os antigos por grupos fortes econôrnica e politicamente. jaziam, de uma agulha que servia para os antigos No relato de sua experiência no Museu, tecerem panos de algodão. Ela me passou essas Constantino explicita as tensões e ao m esmo jotogrqfias e eu mostrei para os parentes, procurando tempo as vitórias advindas no processo. Com quem fizesse aqueles objetos para colocar no Museu. o Museu ·aberto para os ticunas, para a Eu dizia que iria colocar o nome de quem fizesse população pobre da região e também para coisas bonitas no Museu, o nome em português e na hrristas, ficava cada vez mais difícil ocultar ou língua ticuna, o nome da aldeia e a idade de quem apagar a existência dos ticunas enquanto doou. Eles perguntavam: "Por que você quer isso?" E grupo cultural e socialmente específico. Desse eu explicava que era para a i '!formação, porque cada modo, o Museu ticuna voltava-se para o peça teria o nome da pessoa quejez e o número do presente e não para as lembranças do passado. registro - coisas que eu aprendi. Isso durou três Ao contrário das experiências dos grandes 117 ô "O ~ . o museus etnogd.ficos do século XIX e início do Nacional e o Imperial, assim como os de ciências. Os século XX, o Museu Magüta não estava alunos se aproximaram e a biblioteca foi muito interessado em fazer a memória do que não utilizada por eles. Isso durou até 1997. -o ;;:, < .!'! o z 0.. ~ o mais existia. Sua intenção era afirmar a existência dos artefatos, recolocá-los na vida . c cotidiana, usando como instrumento o 3 c processo museológico. Musealizar para não ~ apagar, para não esquecer. Musealizar para que ~ ... c o o '2 o grupo pudesse ser visto, olhado, estudado: 8 Diferentemente dos objetos depositados nos . ~ Constantino relata que, em 1997, houve divergências entre alguns dos não-índios que apoiavam a causa ticuna e, por esse motivo, a antropóloga Jussara Gruber e ele deixaram o museu para se dedicar a outras atividades. O Museu Magüta foi escolhido como Museu- "O u -o c :I: testemunhos de um mundo fadado ao Coriferência Mundial na Noruega, que aconteceu de l o a 7 de julho de 1995. Nosso trabalho foi Magüta emergia como proposta ativa de vida e reconhecido e, no.final do ano, recebemos o ~ construção de auto-estima para um grupo segundo triféu. Hoje nós continuamos mostrando o o ~ indígena que acreditava poder construir um trabalho, mas eu não faço mais parte do Museu, eu ~ ., futuro enquanto grupo com identidade saí em 1997 após alguns cor!.flitos internos. Hoje, -<> própria e peculiar. eu faço parte de outra organização, a OGPT 8 <> " < o._ Símbolo do Brasil para representar o Brasil na desaparecimento, a proposta do Museu 0.. o grandes museus etnográficos, que serviam de ~ 01) o o ""'~ (Organ ização Geral dos Prifessores Ticunas), onde ·~ "' A nossa intenção com o museu era mostrar a arte ticuna, e com a biblioteca queríamos chamar os alunos para dentro do Museu, aproximar os índios dos brancos. Isso a gente só conseguiu uns três anos depois da abertura do Museu . Durante esse tempo 118 tivemos muitos problemas, pois a população tinha raiva e o próprio prifeito tinha certeza de que a entidade era uma entidade de denúncia, por isso queria acabar com ela. A coisa melhorou com a chegada dos turistas. Fizemos cantata com as agências de turismo de Letícia e começamos a receber uma média de 30 a 50 turistas. Como é uma cidade pequena, a principal avenida é a que dá acesso ao museu. Então, eles começaram a ver que o Museu atraía os turistas. Depois começamos a fazer palestras nos colégios estaduais e municipais. A coisa foi crescendo e, em 1994, já tínhamos alunos visitando o Museu, onde dizíamos o que era o Museu, mesmo assim alguns alunos diziam que estávamos falando grego pra eles, pois lá as pessoas não fazem idéia de que existem museus como o Exposição Tempo e espaço na Amazônia: os wajãpi, 2002. Foto: acervo do Museu do fndio. O Museu Magüta constituiu uma eu sou secretário e coordeno um curso de formação que foi premiado aqui no Rio de janeiro e pela experiência nova no panorama dos museus Fundação Getúlio Vargas. A situação do Museu etnográficos. A experiência de um museu Magüta é muito complexa. Depois que ele foi sobre índios, criado na confluência de um escolhido Museu-Símbolo, houve uma divisão entre diálogo entre índios e antropólogos, merece alguns assessores dos índios ticunas. Eu acabei ser registrada como um momento importante ficando na ONG dos prifessores, continuo de passagem para um novo estilo de museu trabalhando com a questão da memÓria junto dos etnográfico e de prática de colecionamento. o " u "o ". < ~ ~ z o ·;;:, z o 0.. g ." 3 " ~ prifessores indígenas e dentro das escolas. Não O falar sobre o outro é substituído por uma estou mais dentro do Museu, mas dentro das escolas narrativa que mescla a construção da ticunas, quem sabe, de repente, criamos de novo um alteridade com a auto-representação e outro museu?I construção de si, que identifico como ~ "" ~ 'ü ~ o u . ~ " u -· c c.. :I: alteridade mÍnima. A relação dos ticunas com seus artefatos vem sendo estudada por antropólogos, em 8 o " ~ o :E" o práticas de colecionamento dos próprios "'"" o o ·~ ticunas. Neste sentido, é expressivo o "" trabalho de Priscila Faulhaber, comparando os dois tipos de acervos e as representações a respeito deles. 23 EXPOSIÇÃO SOBRE (E DOS) WAJÃPI NO MUSEU DO fNDIO: NA CONFLUfNCIA ENTRE MÚLTIPLOS OLHARES Ao inaugurar a exposição Tempo e Espaço na Amazônia - os Wajãpi, no Museu do Índio, seu diretor, o antropólogo José Càrlo's Levinho, declarava que a exposição se inseria numa política do Museu voltada para quatro metas principais. Em primeiro lugar, realizar exposições que focalizem culturas indígenas Cestaria wajãpi, exposição Tempo e espaço na Amazônia: os wajãpi, 2001. Foto: acerva do Museu do fndio. particulares, questionando a visão que perdurou por muito tempo dentro e fora da instituição a c ; 0.. colecionamento de Curt Nimuendajú com as A c o ;:; < experiências que relacionam as práticas de -·"" 119 ê ~ & ê respeito da representação de um índio brasileiro nas áreas de educação e controle territorial aenérico. Em seaundo luaar, realizar exposições - o Centro de Trabalho Indigenista. assinadas por antropóloaos que trabalhem com Os wajãpis moram no Amapá e vivem "O ~ 'õiJ < ~ z o 0.. e " ~ ~ " arupos indíaenas espec!ftcos, valorizando as numa terra demarcada, a Terra Indígena curadorias, ou seja, valorizando a adoção de um Wajãpi, com 604 mil hectares. Cada gr upo ponto de vista particular, nomeando o sujeito do wajãpi mora em uma aldeia separada. Alguns conhecimento, a perspectiva a partir da qual cada moram muito longe, outros moram perto. É ~ <C I ~ cultura é construída. Em terceiro luaar, estimular d um total de 13 aldeias e a população vem 'ü participação dos próprios arupos cujas culturas ~ão aumentando sensivelmente. No mesmo ano representadas no Museu, de modo a Javorec~r o que começou a demarcação da terra, 1994, intercâmbio entre estes arupos, os curadores da os wajãpis criaram uma organização não exposição e os técnicos do Museu e de modo que as governamental, o Conselho das Aldeias exposições apresentem resultados também para os Wajãpi-Apina. Através dessa ONG, eles vêm índios. E, em quarto luaar, inserir a exposição num promovendo projetas de desenvolvimento -.;" contexto de modernização da instituição, sustentáve l ligados ao artesanato e ao ~ utilizando srifisticadas técnicas museoaréificas e garimpo, com substâncias não poluentes, visando coriferir a estas culturas particulares o além de produção e venda de produtos mesmo status de outras exposições em museus das agrícolas, como o cupuaçu, a copaíba e a ; ~ 8 ~ " o ~ u " I .-~ 0 .. o z ~ I ~ I -"" -~ o u ~ ::1 o ""-.; o o -~ chamadas altas culturas. 24 "' O processo de idealização e montagem Este depoimento expressa o anseio de 120 castanha. da exposição no Museu do Índio envolve u romper com as visões genéricas e as amplas várias etapas e foi uma vivência rica, pretensões a abarcar grande número de resultado do intercâmbio de experiências, representações de culturas presentes nos conhecimentos e tradições cu lturais entre a grandes museus etnográficos. Além disso, curadora, os técnicos do Museu e os incüos. traz uma preocupação absolutamente nova, Desde o início, todos firmaram o ou pelo menos rara, para um grande museu comprom isso de incorporar o ponto de vista etnográfico: incluir a participação dos índios dos wajãpis sobre sua própria cu ltura. Este na montagem de uma exposição. Para a curadoria da referida exposição, o procedimento implicava a abertura para alterações de djversas ordens, inclusive na diretor do Museu do Índio, José Carlos abordagem estética da própria museografia Levinho, convidou a antropóloga Dominique concebida pelo setor. Gallois, professora-doutora do A participação dos índios deu -se em Departamento de Antropologia e todos os momentos, tendo início com a coordenadora do Núcleo de História confecção dos objetos para a exposição. Indígena e do Indigenismo da Universidade Dominique Gallois expHca: de São Paulo. Dominique Gallois trabalha com os índios wajãpi há mais de 20 anos, Os wajãpi se mobilizaram para produzir a sendo também assessora de uma importante coleção de mais de 300 objetos e todos os materiais ONG dedicada a programas de intervenção necessários para a casa que seria construída no Rio. Com apoio dos jovens que diriaem o Conselho .mostra e os músicos que iriam tocar suas flautas na das Aldeias -A pi na, os produtores comunicavam-se festa de abertura. 25 o -o & através da radi?Jonia, circulavam listas, preocupados com os prazos e com a qualidade dos objetos. No entender da antropóloga, Sobre a participação dos wajãpis na mostra, devemos destacar alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, esta foi a primeira vez que um arupo indíaena da participação não ocorreu de forma isolada, Amazônia participou tão intensamente e, sobretudo, mas organizada, já que a troca com o Museu coletivamente, da preparação de uma exposição. Eles foi mediada pela ONG Apina - criada a se oraanizaram para que todos os diferentes arupos partir de trocas de informações entre os locais da área pudessem colaborar com o evento. Foi índios, a antropóloga e outros grupos e assim que eles fizeram a lista dos objetos, entidades. Cabe lembrar que faz parte do distribuindo tarifas entre todos. Durante três meses, processo de luta e de afirmação dos grupos trabalharam muito em todas as aldeias, indígenas a criação de entidades próprias selecionando as melhores peças, transportando tudo para a defesa de seus interesses. Os índios .o -o o õo ~ z o 0.. g o :; g ~ ~ <( o o "ij 8" o ." ·•. o . -o u :I: 0.. u z o '-= ,. ""o ~ < desde luaares muito distantes. Depois, escolheram as não se co locam mais como objetos da tutela pessoas que viriam para orientar a montaaem da de organismos estatais, mas falam em seu ; Q. ~ ~ ., ::;: ~ -<> "' ""'co ·~ "' 121 lndios tocando djeridu, 200J. Acervo Museu do lndio. próprio nome de maneira organizada. Este é fossem contempladas, integrando -as o ~ c ~ .., .,o u . < ~ z o 0.. ~ o < 0.. conflitos internos ao grupo e estimulá-lo a produzir seus próprios objetos, valorizando os. Todos os objetos foram comprados em interesses na confecção da exposição. De um · duplicata, tendo em vista produzir uma lado, era importante confeccionar os objet<;>s · coleção para o acervo do Museu e uma ~ c . para a exposição. Mas, de outro, era outra para a exposição, visando à u importante estimular a participação coletiva itinerância . 0.. dos índios na reflexão e na apropriação de -· Além do processo de confecção dos diferentes aspectos de sua cultura. Por objetos,-os índios wajãpis participaram da exemplo, alguns objetos de cerâmica, antes montagem da exposição. Foram chamados ao ~ tradicionalmente confeccionados pelos Museu cm algumas ocasiões, quando ~ wajãpis, não eram mais produzidos, devido a puderam expressar seus pontos de vista sobre certas facilidades de aquisição de objetos no a exposição. Assistiram aos vídeos produzidos 8 :,; Em segundo lugar, a antropóloga tinha realizado um trabalho anterior com este v -o z peças de todas as aldeias, para não gerar grupo, o que a levou a conjugar múltiplos ·~ <:> congêneres . c 8 :I: preocupação era que o Museu adquirisse . o o coletivamentc na produção da mostra. Sua ;: ~ <( um dado novo, importante para ser levado em consideração por museus e instituições ~~ ""o ~ ~ . ::;: o comércio, como as panelas de alumínio - pela equipe da mostra e externaram ao ·~ grande sucesso entre as índias. Espingardas diretor do Museu suas opiniões sobre aquilo "' industrializadas já há muito passaram a fazer a que estavam assistindo . Chamaram a parte do acervo de objetos wajãpis; pentes de atenção para o fato de que o Museu não -<> ""'~ 122 material orgânico foram preteridos por poderia exibir nenhuma imagem de pessoas pentes de plástico (em geral, vermelhos); que já tivessem falecido, pois, no entender suas vestimentas, antes confeccionadas por deles, isto seria prejudicial aos espíritos dos eles mesmos, com algodão nativo e tingido wajãpis . com sementes, deram lugar à compra de Ao chegarem a uma sala em que estavam tecidos industrializados. Aproveitando o expostas varas compridas, confeccionadas motivo da exposição, a curadora da mostra e para a "festa de empurrar o céu", algumas as lideranças indígenas estimularam, em índias disseram que seria necessário pintar oficinas, a produção dos objetos tradicionais. um circo em vermelho ao redor delas, pois Em alguns casos, como o da confecção de um senão não atingiriam o objetivo de "empurrar vaso de cerâmica, foi preciso consultar índios e conter o mundo de cima". mais velhos, pois os mais jovens já haviam Mas a participação mais ativa deu -se na perdido o conhecimento da técnica de sua montagem da casa wajãpi: Matapi, Noé, Mata confecção. Neste sentido, a exposição e Emyra foram os índios designados para provocou outro movimento que foi além dela virem ao Rio de Janeiro montar a jurá, uma mesma, e cujos efeitos, provavelmente ainda casa tradicional dos índios wajãpis . O detalhe se devem fazer sentir nas aldeias. importante é que eles nunca tinham vindo A curadora da mostra também teve o cuidado para que todas as aldeias wajãpis ao Rio. O processo da montagem desta casa, com 5,5 metros de altura, 5 metros de largura e 9 metros de comprimento, foi no Rio de Janeiro certamente foi urna muito rico em termos de relações experiência muito rica, que afetou todas as interculturais, no que se refere aos partes envolvidas: os índios, os funcionários funcionários do Museu que colaboraram do Museu, os visitantes e todos os que ô -o ·;;; c ~ ô z o ., -o . ~ < com os wajãpis. Além disso, o próprio processo de entraram em contato com esses índios por O entrecruzarncnto de pontos de vista tecnologias arquitetônicas. A arquiteta diferenciados - o da curadora, o da equipe Catherine Gallois, consultora da mostra, do Museu c o dos próprios índios - teve acompanhou o processo. Palhas, troncos e corno resultado urna exposição em que a caminhão. Os wajãpis cortaram os troncos z O- ~ algum motivo. confecção da casa mostrou riqueza em cipós utilizados foram trazidos do Amapá de .! o construção da alteridade wajãpi é também um processo de construção de identidades e ;; . 3c ~ "" c o "2 . o u -o o ~ .~ - -~ I 0 .. de palmeira ao meio e trançaram -nos para de subjetividades. Em outras palavras, trata- o fazer a parte de cima, onde fica a área Íntima se de um processo em que os diversos o da família, com espaço para o fogo e para as sujeitos são permanentemente afetados entre redes. Bem adaptada às condições climáticas si, transformando-se mutuamente. e " ~ < Q. ; . , .., DESDOBRANDO O PROBLEMA '<: "o -~ "' Ao iniciar este ensaio, levantei como da jurá no Museu foi bem diferente do questão principal o terna do colecionarnento mesmo processo na aldeia. Na aldeia, é o articulado com a história da antropologia. dono da casa que a constrói sozinho, apenas Procurei apresentar um panorama de práticas com a ajuda da família; e mulheres ajudam a de colccionarnento nos museus etnográficos, carregar o material. Enquanto na aldeia o chamando a atenção para a questão central da wajãpi pode levar até um ano para construir antropologia, que é a construção da a jurá - tendo ainda de dividir o tempo entre alteridade. Tornei corno ponto de partida a outras atividades, corno a roça, a caça e a tipologia formulada por Mariza Peirano que pesca - , no Museu do Índio.a ambientação descreve a história da antropologia corno um ficou pronta em urna semana, tanto por causa processo que vai do terna da alteridade da dedicação dos quatro índios que vieram máxima, passa pelos estucl.?s de alteridade apenas para este fim como devido à próxima c de fricção interétnica (o conta to disponibilidade da matéria-prima. con: altcridades) até desembocar na Nesse processo, aconteceram algumas o 5 ~ o arejada. Ainda assim, o processo de construção ."" ::;: da floresta arnazônica, a jurá protege contra as chuvas constantes sem deixar de ser ~ formulaÇão da alteridade mínima, que situações inusitadas, como índios posando representaria o movimento auto-reflexivo da para fotos com funcionários do Museu, antropologia. Ao apresentar dois estudos de dando entrevista para a televisão, casos recentes de práticas de colecionarnento conversando com estudantes, provando da em museus etnográficos - o Museu Magüta e comida da cantina do Museu e passeando a Exposição Wajãpi, no Museu do Índio- pela cidade. O que se passou em uma semana pretendo trazer novos elementos para 123 o -c ~ . z o o -c u ·;;:, < ~ z o intensa a importância da relação entre dois processos simultâneos na antropologia: a ~ dito de outro modo, a construção simultânea E c do objeto e do sujeito do conhecimento. Este Bottrel (org.). História representada: o dilema dos museus. Rio ele Janeiro: MHN / Iphan / Mine, 2003. ~ é um tema implícito nas formulações teóricas Rocco/Funarte, 1988. que estão na base deste campo de estudos, CHAGAS , Mário. A imaainaçõo museal. Tese ele o ·~ 8 . u problematizado. Ao que parece, a era dos CLIFFORD, Jam es.O n co ll ecting art anel ·• grandes museus etnográficos expressou um culture.ln: The Predicament pouco certa arrogância que alguns Harvard Uni versi ty Prcss, 1988. FAULHABER, Priscila O etnógrafo e seus "outros": 0.. rf cuhure. Cambridge, Mass: antropólogos tiveram diante dos outros que informantes ou detentores ele conhecimento ..,c observavam, pesquisavam e colecionavam. especializado? Belém: Museu Goeldi, 2004 o ~ Era como se o conhecimento que produziam ::; sobre e a partir de povos exóticos e FREIRE, José R.ibamar Bessa. A descoberta do museu pelos índios. ln: ABREU, Regina e CHAGAS, diferentes pudesse ser a tal ponto verdadeiro Mário(org.). MemÓria e patrimÔnio, Rio ele Janeiro: OPA, < o ,o ..0 "<: ~ (Mimeografaclo) . 2003. ·~ e objetivo que podia ser cristalizado em "' artefatos retirados da cultura material e Arte e Cultura, Funarte, n. 2, 1994. exibido nos museus. Pouco era GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. Coleções e expedições problematizado sobre a perspectiva singular do colecionador, as condições e os 124 Rio de Janeiro , 2003 (Mimeografaclo). ~0/J o c.. doutorado apresentada à Universidade do Estado do Entretanto, nem sempre foi suficientemente 8 ,. _ _ _ . O eniama de Os sertões. Rio de Janeiro: ~ -c o museu. Notas sobre a experiência dos índios wajãpi no Museu do lndio. ln : BITTENCOURT, José Neves, BENCHETRIT, Sarah Fassa e TOSTES , Vera Lúcia c :I: ABREU, Regina. Entre o universal e o singular, o construção do outro e a construção de si ou, ~ <( BIBLIOGRAFIA: instigantes, pois situam de forma muito t 0.. o reflexão. Estas duas experiências me parecem GRUBER, Jussara. Museu Magüta. Piracema - Revista de viaiadas. São Paulo: Hucitec, 1998. JORNAL MUSEU AO VIVO, R.io de Janeiro, Muse u do lndio, n.20, fev. 200 1/ jan.2002. pressupostos que orientavam a coleta. Ainda MASCELANI, Maria Ângela. A Casa elo Pontal e suas sob forte herança de uma vertente positivista coleções ele arte popular brasileira. Revista do PatrimÔnio da ciência, os primeiros antropólogos coletores acreditavam que fragmentos da cultura material, subtraídos de outros povos, eram a prova mais cabal de suas teses. Hoje, Histórico e Artístico Nacional, Brasília, n. 28, I 999. MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. ln: MAUSS , Marcel. Socioloaia e antropoloaia. São Paulo : Eclusp, 1974. v. I. MICELI, Sérgio (org.). O que ler na ciência social brasileira. I. Antropologia. São Paulo : Sumaré, I 999. sabemos que eram apenas fragmentos de uma PEIRANO, Mariza G. S. Antropoloaia no Brasil visão também fragmentária, posto que (altericlacle contextualizada).ln: MICELI, Sérgio (org.) . parcial, e sempre incompleta das culturas que O que ler na ciência social brasileira. I. Antropologia. São Paulo: Suma ré, I 999. pesquisavam. O futuro dos museus SCHWARCZ, Lília Moritz. O espetáculo das raças. São etnográficos é ainda incerto, mas vem se Paulo: Companhia das Letras, I 993. abrindo para novas experiências e muitas STOKCKING, George. Objects and others. Essay on museums anel material culture. Lonclon: The University incertezas, o que pode ser promissor. ofWisconsin Press, I 985. WALDECK, Guacira. Exibindo o povo: invenção ou documento?. Revista do PatrimÔnio Hi stÓrico e Artístico Nacional, Brasília, n. 28, I 999. • NOTAS : 1 Peirano, 1999. 2 Mauss, 1974. 3 Id . ib. 4 CliiTord, 1994. 5 Stocking, 1985. 6 Schwarcz, 199 3. 7 Op. cit., p. 74. 8 Op. cit., p. 87. 9 Grupioni, 1998. 10 Op. cit., p. 250. 11 Op. cit. p. 173- 174. 121d. ib. 20 Gruber, 1994. 21 Gruber, citado por Freire, op. cit. 22 A entrevista de Constantino foi rea lizada em maio de 200 1 e editada por mim. Agradeço a colaboração de José Ribamar Bessa Freire e da equipe do Núcleo PróÍndio da UERJ para a viabilização da participação de Constantino no Seminário e no curso Memória e Patrim ônio , coordenado por mim e pelo prof. Mário Chagas, no mestrado em Memória Social da Unirio. 23 Faulhaber, 2004. 24 J ornal Museu ao Vivo, 2002. 251d. .,o & o -o o ~ ·;;, < .!! o z "- e o ;; ~ "' 2 < E c o ~ ~ ·;:; ~ e o ., ~ ~ u 13 A este respeito ver: Abreu, 1988. - ·~ :I: 14 Grupioni, 1998, p.249. "- ou 15 A respeito dos museus de folclore e arte popular, <= o ver, respectivam ente: Waldeck ( 1999) e Mascelani "' (1999). Sobre o Museu do Hom em do Nordeste, ver Chagas (2003) . 16 Trabalhei no Setor de Pesquisas desta instituição de 1993 a 1998. -"" -~ < a. o o ~ " ~ ::1" ., 17 A este respeito, ver ainda Abreu (2003); e Freire .Q (2003). 18 Oliveira FiU10 c Lima, 1988, citado por Freire, op. cit. p. 220. 19 Dados citados citado por Freire, op. cit. "' "'oo ·~ 125 Roda da tempo, exposição Tempo e espaço na Amazônia: os wajãpi, Foto: acervo do Museu do fndio . 2001.