Mário Chagas - Regina Abreu

Propaganda
J
Mário Ch agas
MUSEUS: ANTROPOFAGIA DA MEMÓRIA_
....
o
z
E DO PAI R IMO N I O
~
"'
- Mentiste, que um Tupi não chora nunca,
...
E tu choraste! ... parte; não queremos
com carne vil enfraquecer os fortes .
GONÇALVES DIAS
:I:
Los más grandes de ellos son para su desayuno,
Los medianos para su almuerzo,
Y los más pequenos para la cena.
Dioses y diosas viejos [solo son buenos] para servirle de lena.'
z
o
,.
<
a.
"'
ABERTURA
Um dos trechos de grande dramaticidade e
beleza na obra Prometeu aarilhoado, 2 de Ésquilo, é
o encontro entre a jovem virgem lo e o
protagonista da tragédia - ambos rebeldes e
castigados por Zeus.
Ele - fixado e acorrentado à "rocha abrupta"
e exposto "ao vento, à chuva e ao frio", "só
porque muito amou a humanidade" e lhe
concedeu "o divino fogo", "semente d~ luz"
roubada aos deuses 3 - é a expressão mesma do
espírito humano submetido aos
condicionamentos da matéria, do espaço e da
duração. Ela - levando na testa "dois cornos de
vaca" e aguilhoada permanentemente por "atroz
moscardo", fadada "à longa marcha" pelo "mundo
Prometeu Liberto. Escultura de Jacques
Lipchitz que decora a fachada da
auditório do Paldcio Gustavo Capanema,
Rio de janeiro.
Foto: Eugênio Luiz Kodama, jun. 2005.
cwra
'
Io, 1942, p. 41 -11 8) - e' a
..." (Esqui
expressão da mudança, da volatilidade do
espírito, da mobilidade do eu.
15
R egina A b re u
MJlS E U S
E_I_N__O_G_RÁ_ELCD.S
z
LI!BÁILCA_S_DE COLECIONAMENJO:
ANJROPOFAG IA DOS SENTI DOS
<(
0
PROBLEMA
A especificidade da cultura material com
o
o poder de objetificar, ou seja, de tornar
A trajetória dos museus etnográficos
palpáveis e concretas representações que
confunde-se com a própria história da
primam pelas abstrações nos discursos das
antropologia. Muita coisa mudou no percurso
pesquisas etnográficas, é plena de
que vai do final do século XIX, quando
conseqüências. As co leções formadas por
predominavam os grandes museus
antropólogos a partir de objetos coletados
enciclopédicos guiados por uma vertente
nas pesquisas de campo têm, muitas vezes, o
antropológica evolucionista, à tendência,
poder de cristalizar imagens poderosas sobre
contemporânea de museus étnicos ou tribais
outras culturas. A visualidade destes objetos
o
em que os outros passaram a se auto-
e as narrativas que as coleções configuram
representar, usando a instituição museu como
são responsáveis pela formação de
instrumento de suas lutas por auto-afirmação.
representações muitas vezes unívocas. Por
Este ensaio tem por objetivo focal izar algumas
outro lado, os recentes debates em torno da
passagens importantes dessa história no
auto-representação dos povos antes
contexto brasileiro, enunciando algumas das
esquadrinhados pelos antropólogos trazem
principais práticas de colecionamento.
novas práticas de colecionamento, lançando
Partindo do mapeamento de Mariza
novos olhares e perspectivas.
Peirano com relação à trajetória da
antropologia no Brasil, e tomando algumas
ANTROPOLOGIA NO BRASIL:
reflexões de James Clifford sobre práticas de
FOCOS DE ALTERIDADE
colecionamento nas pesquisas etnognlficas e
nos museus, pretendo trazer alguns
A antropologia é uma área de
apontamentos sobre um campo pouco
co~ecimento
explorado: os museus etnográficos. Ao
alteridade. O olhar sobre o outro, o
apresentar algu ns estudos de caso de práticas
compreender o outro nos seus próprios
de colecionamento de antropólogos, meu
termos, o lançar-se para territórios exóticos e
objetivo é mostrar como os museus têm sido
longínquos, distantes de tudo o que é familiar
decisivos na construção de certas visões
ao sujeito do processo de conhecimento, o
sobre diferentes cul turas ou construções de
interessar-se pelos outros povos, por outras
alteridades.
culturas, outras formas de existência, tudo
devotada à construção da
"
101
.,ô
·;:;
&
isso parece constituir a singularidade desta
brasileiro. Em prin;-eiro lugar, diferentemente
que, para além dos contornos da própria
do que ocorreu com a antropologia de outros
.,o
disciplina, se configura como uma maneira sui
países, no Brasil os antropólogos produziram
o
·;;,
<
~
z
.
seneris de ver o mundo e de se ver no mundo.
essencialmente uma antropologia do Brasil,
o
a.
Mas a especificidade do trabalho do
ou seja, o País tem sido o caso etnográfico
~
antropólogo abarca também o âmbito da
privilegiado. Em vez de estudarem outros
g
construção da subjetividade e poderíamos
povos de outros continentes, como fizeram
~
~
E
<t
."
mesmo dizer que, ao tecer interpretações
antropólogos americanos ou franceses, os
sobre o outro, o antropólogo não pode deixar
antropólogos brasileiros têm-se dedicado a
~
de inventar uma maneira peculiar de espreitar
estudar diferentes culturas em seu próprio
u
a si mesmo, exercitando um incessante
país. Trata-se de uma tradição peculiar do
o
"ü
~
8
.,
.
o
:I:
o
,.
o
<
a.
o
·•
"a.
trabalho comparativo de conhecimento e
nosso modo de tecer o conhecimento
.
autoconhecimento. Como já sinalizaram
sociológico e antropológico, seguindo os
muitos antropólogos, procurar o
passos de grandes ensaístas do século XIX
conhecimento sobre o outro é também
que se devotaram a pensar e a contribuir para
indagar sobre si, debruçando-se sobre
a construção da nação brasileira.
o
u
c:
"o
""
"
;)
,~
::;:
o
Deste modo, independentemente das
""
""'o
Deste modo, a construção de alteridade
linhagens intelectuais e dos referenciais
·~
enquanto aspecto fundante da antropologia
teóricos, Mariza Peirano salienta que, até os
"
"'
102
diferentes formas de construção do humano.
deve ser entendida como um processo
anos 50 do século passado, a tendência teria
complexo e dinâmico que envolve relações
sido a de formular uma a!teridade radical,
entre sujeitos e objetos que se constroem
quando os antropólogos se dedicaram
mutuamente. Esta situação relacional e
essencialmente aos estudos de povos exóticos
processual da antropologia permite perceber
ou radicalmente diferentes da sociedade do
sua longa trajetória, do fmal do século XIX
observador, ou seja, a sociedade ocidental
aos nossos dias, como algo diverso e plural. E
moderna. Desta formulação inicial, a
isso não apenas pelas mudanças de enfoques e
antropologia teria deslizado para um campo
referenciais teóricos que certamente são
de estudos em que a ênfase era a análise de
importantes, mas também porque as
diferentes processos de contato, provocados
construções dos sujeitos e dos objetos
por frentes de expansão e projetas de
diferem em larga escala. Pensar esta trajetória
colonização destes povos exóticos ou
privilegiando as relações e os processos que
radicalmente diferentes de outros grupos
se estabelecem entre sujeitos e objetos
sociais. Surgiram os chamados estudos de
permite falar em antropologias, no plural,
fricção interétnica, que focalizavam o contato
1
como indicou Mariza Peirano, bem como em
entre alteridades. Pesquisas importantes
antropólogos, no plural, que produzem e
foram produzidas nas décadas de 1970 e
constroem alteridades também no plural.
É ainda Mariza Peirano quem sugere
1980, destacando-se temas relativos a
indigenismo e campesinato. No início dos
uma tipologia de alteridades construídas no
anos 70, os antropólogos brasileiros passaram
processo do conhecimento antropológico
a pesquisar em grandes cidades, iniciando
uma tendência de longa duraÇão na
antropo logia, a antropologia urbana. Mariza.
Peirano denomina esta tendência estudos de
alteridade próxima, cujo principal desafio
consiste na compreensão de cüferentes
A
PRÁTICA DE
.,ô
~
COLECIONAMENTO
COMO OBJETIFICAÇÃO
DAS CULTURAS
o
.,ô
<
"õ.o
..'!
.
z
o
0..
g
o
aspectos do ethos nacional. Por fim, desde os
anos 80, os antropólogos brasileiros
~
E
A prática de colecionamento pode ser
dedicaram-se a uma série de estudos sobre as
considerada universal. Em todas as culturas
ciências sociais no País. A antropologia
humanas , os indivíduos formam coleções,
passou a indagar acerca de si m esma, de sua
sejam particulares, sejam coleti vas . O ato de
própria trajetória. Esta tradição de estudos é
colecionar pode ser mesmo pensado como
denominada por Mariza Peirano alteridade
uma operação mental necessária à vida em
~
E
.
<(
o
o
"ü
v
o
mÍnima.
Os quatro tipos iJeais propostos -
.,
.
~
u
:I:
sociedade, expressando modos de
o
organização, hierarquização de valores ,
o
alteridade radical; contato com a alteridade;
estabelecimento de territórios subj etivos e
alteridade próxima; alteridade mínima -
afetivos. Colecionar, neste sentido, significa
servem de ponto de partida para uma
estabelecer ordens, prioridades, inclusões,
reflexão sobre a trajetória dos estudos
exclusões e está intimamente associado à
antropológicos no País. Esta tipologia parece
dinâmica da lembrança e do esquecim ento,
8
sem a qual os indivíduos não podem mover -
categoria alteridade e as múltiplas
se no espaço social.
possibilidades e caminhos de pesqui sa abertos
"'
noção universal da prática de colecionamento
século. Se, nos primeiros anos da disciplina,
com o sentido particular de que o
construir a alteridade consistia em falar de
colecionamento foi investido no Ocidente
um outro literalmente distante e exótico,
moderno, num regime de produção
quando os estudos recaíam principalmente
capitalista, como acumulação deliberada de
sobre o nosso outro por excelência, os povos
bens ou enquanto propriedade de objetos
indígenas, no início do sécul o XXI as
materiais ou imateriais que alguns passam a
fronteiras entre a sociedade do observador e
deter em detrimento de outros.
a sociedade tomada como obj eto vêm se
0..
Como prática universal, o
tornando cada vez menores, a ponto de os
colecionamento pode ser percebido em
povos indígenas incorporare m e tomarem
diferentes sociedades, como o fez Marcel
para si muitos dos discursos e instituições
Mauss, em sociedades tribais da Melanésia,
que apenas faziam sentido entre os modernos
·na famosa análise do Kula trobriandês, onde
ocidentais. A instituição museu representa um
eram colecionados colares e pequenos
destes casos. Se, outro ra, esta era restrita ao
objetos com o obj etivo de trocas rituais. 2
mundo ocidental, hoje, numa antropofagia
Pode ainda haver um tipo de colecionamento
dos sentidos, ela vem sendo devorada e
no qual os objetos selecionados não sirvam
iipropriada por o utras sociedades e culturas.
para ser armazenados, mas sim distribuídos,
~
""o
~
;
~
o
.,
:E
.Q
""'co
-~
""
Deste modo, é preciso não confundir a
pela antropologia, em pouco mais de um
0..
8
<
útil, pois permite perceber a poli fonia da
·•
103
consumidos ou mesmo queimados e
propriedade de bens que devem ser expostos
~
destr uídos . É o caso da instigante análise de
ao o lhar, como se estas coleções pudessem
.
Marcel Mauss sobre o potlatch, fenô meno
fa lar por si sos, representando culturas e
disseminado entre t ribos do noroeste
pensamentos .
o
~
z
o
o
-c
<
~
;;:,
z
A noção particular de colecionam ento
o
americano. Nessas tribos , os par tici pantes
~
:;
dos rituais passam uma parte do tempo
com o pro pri edade e acumulação par ece
8
ar mazenando alim entos, confeccionando
atravessar também outro dom ínio po uco
peças de vestuário e ornamentos, o rganizando·
focalizado, o das nossas pesqui sas e trabalhos
danças, ensaiando cânticos para, num
intelectuais. So mos colecionadores po r
momento seguinte, distribuírem e
excelência das po pulações que configuram
0..
c
..
3
~
~
c
o
.E
.
o
u
-c
consumirem amplamente tudo o que foi
nossos objetos de estudo. A historia da
colecionado. Embora estudado inicialmente em
antropologia é a historia da formação de
sociedades tribais, o potlatch tornou-se
extensas coleções sobre povos exoticos ,
referência para estudos de antropologia em
longínquos e, mais recente mente, proximos e
~
sociedades complexas, podendo ser observado
até mesmo Íntim os. Do colecionamento de
o
~
o
em diferentes rituais, como nas festas
conchas dos melanésios, colares dos tupis,
;:;:
carnavalescas, onde se forma extensa coleção
pirâmides e m úmias dos egípcios, passando
""<
.
de cultura m aterial e imaterial cujo objetivo
po r instrumentos de trabalho de culturas em
o
-~
consiste na exibição em um desfil e de uma
desaparecimento no contexto da sociedade
hora para ser totalmente destruída a seguir.
industrial, chegam os a co lecionar a nos
.
c
r
c..
z
o
8
·•
'-=
~
r
<
0..
~
o
.,
.Q
0:
A noção particular de colecionam ento
104
mesmos - nossas fotografi as em pesquisas de
produzida pela sociedade ocidental moderna
campo e cong ressos, nossos diári os de
é discutida por alguns autores como James
campo, nossas co rrespondências com colegas
Clifford , com base nos estudos de
de trabaLho, etc. A passage m da alteridade
MacPherson , sobre o in dividualismo possessivo
m áxima para a alteridade mínima é também
4
ocid ental. De acordo com esses estudos ,
uma passagem por colecionamentos di ve rsos,
teria surgido no século XVII um eu ideal
cujos sentidos e significados se alter am
com o possuido r: o indi víduo cercado pela
substancialm ente.
propriedade e pelos bens acumulados. "O
De indi víduos possessivos, instados a
m esmo ideal poderia ser aplicado às
fo rmar nossas co leções ind ividuais para nos
co leti vidades à medida que estas fazem e
localizarmos no mundo adulto , fom os
refazem seus eus culturais" - assinala Cliffo rd .
treinados enquanto antropologos para
Inspirado pelos estudos de Mac Pher son,
praticar o colecionam ento do o utro. Não
Richard Handl er escreveu um ensaio
podem os esqu ecer o lugar que ocupamos
impo rtante sobre o tema do patrim ônio,
inseridos no contexto da ciência m oderna
m ostrando , num estudo de caso no Canadá, a
com seu olhar hierarquizador, selecionador,
relevância social para o O cidente de noções
classificador, ordenador. Fomos treinados a
como "ter um patrimônio" ou de "obj et!ficar
fazer boas co leções de nos mesm os e dos
um a cultura". Somos regidos po r uma
o utros , mas não estam os de modo algum
sociedade do colecionamento como
libertos deste equipam ento mental. Com o
assinalou Jam es Clifford, a idéia de que a
oraani zados linearmente, em termos de qualidades
identidade é uma espécie de riqueza (de
formais ou funcionais externamente difinidas, para
obj etos, conhecim ento , m em órias,
transmitir uma mensaaem etnocêntrica do
experiências) atravessa nossos discursos,
aradualismo evolucionista conservador,
como cidadãos e antropólogos. Colecionar
tem sido uma estratégia para a distribuição
de um eu (pessoal o u coleti vo), uma cultura
e uma autenticidade possessivas.
Fazer a história das co leções etnognlficas
no contexto de uma história da antro po logia
me parece, po rtanto , um objetivo
o
:::
&
o
-o
o
~
·;:.,
~
z
nas coleções elaboradas por Boas os o bj etos
o
0..
~
:;
o
eram
B
oraaniz ados contextua /mente, buscando preservar as
...
múltiplasjunções e os sian!ficados prifundos de
o
mensaaem do relativismo libera l.
~
u
:I:
OS MUSEUS
ETNOGRÁFICOS
passemos a ver a etnografia também como
NO BRASIL:
uma forma de "colecionar a cultura" ,
DE ESTUDO ÀS CULTURAS
realçando os modos como os dive rsos fatos e
DA COLEÇÃO
c.
-~
"'
<
a..
o
eram essencialme nte co lecionadores e
trabalhavam nos grandes museus fundados
destas coleções e, conseqüentemente, a
ainda no século XIX": Museu Nacional
história da antropologia, como um
( 18 18); Museu Paraense Emílio Goeldi
diversificado processo de antropofagia dos
( 1866) e Museu Paulista ( 1894) . Lilia
sentidos. Os obj etos colecionados são, a um
Schwarcz relata que nesses museus,
só tempo, ex propriados de seu contexto
inicia lmente, predominava o caráter
original e ressignificados no contexto das
enciclopédico das pesquisas, sob a hegemonia
coleções etnográfi cas e dos museus. Neste
das ciências naturais.6 A antropologia se
processo de co lecio namento , múltiplos
mi sturava com outras disciplinas como a
sentidos podem ser atribuidos aos objetos. O
zoologia, a paleontologia, a botânica, a
antropólogo converte-se também em um
mineralogia, a geologia , a paleontologia. No
devorador de fragmentos de culturas. Nos
maior desses museus, o Museu Nacional, é a
museus, estes fragmentos são comumente
par~r
usados para re presentar a cultura com o um
( 1874- 1893) e de Batista Lacerda ( 1895 -
todo, representação sensivelmente
1" 9 15) que a pesquisa científica se estrutura e
probl emática. Stocking comenta a diferença
se difunde com a publi cação de uma revista
da apresentação dos objetos nas coleções
trimestral - Os Archi vos do Museu Nacional. Os
elaboradas pelo general Pitt Rivers e nas
novos pesqui sadores era m , em grande parte,
coleções elaboradas por Franz Boas.
naturalistas e suas pesquisas implicavam
Enquanto nas prim eiras os objetos eram
necessariam ente a formação de coleções de
das administrações de Ladislau Netto
~
~
~
::E
o
·~
Os primeiros antropólogos brasileiros
m odernista, poderíamos traduzir a história
"bll
o
5v
,
""
""'o
OBJETIFICADAS
originais. Para usar uma linguagem
0..
ou
z
o
expe riências foram selecionados, reunidos e
retirados de suas ocorrências temporais
.
.
-o
5
maneiras de apro priação e leitura das
culturas. James Clifford propõe que
~
=
o
.B
õu
uma determinada fo rma, para transmitir uma
importante para compreender as diferentes
~
E
0::
105
o
c
-c
~
z
o
o
-c
~
:;o
z
o
estudos. A antropologia constituía um ramo
cm finais dos anos 30, a diretora do Museu
das ciências biológicas e naturais. As
Nacional, Heloísa Alberto Torres, se indispôs
pesquisas eram pautadas por questões de
com Mário de Andrade por este haver
antropologia física baseadas, sobretudo, em
formulado a proposta de separar em dois
0..
modelos de craniometria. O primeiro curso
museus a parte etnográfica da parte de
~
;;
de antropologia oferecido no País foi
história natural do Museu Nacional. 9 Esta
~
ministrado em 1877 por João Batista Lacerda
prática de colecionamento articulava-se com
e tinha como programa análise da anatomia
uma visão positivista da ciência, calcada na
humana. Os estudos de antropologia física .
evidência empírica como comprovação das
levaram à prática do colecionamento de ossos
teses formuladas pelos cientistas.
=
~
E
<(
~
=
o
·~
e
~
-c
~
u
·~
:I:
o
"0..
exemplo, comenta em artigo publicado na
o
revista do Museu Nacional sua satisfação em
o
~
"'
"o
~
<
c..
o
humanos, sobretudo de crânios. Lacerda, por
·~
""=
botocudos, uma vez que já conseguira reunir
"
:E"
,
11 crânios de "espécies dessa tribo". 7 Lacerda
.
-<>
""'o
·;;,
.;:
co lecionamcnto nesse período consistiu em
poder levar adiante trabalho sobre os
;;;
~
Outro fator determinante nas práticas de
se inseria no amplo debate evo lucionista que
procurava encontrar em culturas afastadas
exemplos de estágios mais atrasados que
comprovassem uma irifância da civilização. A
prática de colecionar vestígios de outros
povos iniciou-se, portanto, no Brasil como
uma prática ligada à antropologia física, com
a proliferação de coleta de ossos humanos
106
entre os nativos. Nesta primeira fase da
antropologia, o ideal de todo antropólogo
era organizar uma "coleção sistematicamente
e cientificamente classificada", como dizia o
naturalista Emílio Goeldi. 8
A prática de colecionar artefatos
representativos das diferentes culturas
Seqilência de fotos de índio karajá fazendo boneca. Foto: Marcel
intensificou-se particularmente entre
Gautherot. Acervo Arquivo Noronha Santos/Copedoc/lphan
viajantes e naturalistas, num período em que
políticas de museus estrangeiros que
o colecionismo implicava recolher vestígios e
fomentaram grandes expedições científicas
testemunhos da botânica, da biologia e da
ao Brasil para coletar acervos de povos
cultura. Não por acaso os grandes museus
indígenas. Grupioni assinala que, do início do
etnográficos congregavam diferentes
século XX até o final dos anos 60, os grandes
vertentes da ciência, sem distinção.
museus etnográficos da Europa e dos EUA
Grupioni, em estudo pioneiro sobre coleções
estimu lariam expedições científicas a países
e museus etnográficos, observa que, ainda
considerados exóticos, onde ainda era
possível encontrar culturas tradicionais ou
O personagem emblemáti co desse
primitivas, com o objetivo de formar grandes
período é Curt Nimuendajú, que se tornou a
coleções etnográficas. A prática de
maior autoridade no campo da etnologia
colecionamento refl etia também uma visão
indígena durante toda a primeira metade do
o
-c
~
o
o
"O
~
·;;,
~
humanista, no sentido de preservar a cultura
século XX, mantendo r elações com
de povos indígenas que se acreditava que
praticamente todas as instituições e órgãos
:;
fatalm ente se extinguiria. Apreender o
importantes de seu tempo. Sua vida e obra
sc
exótico era, antes de tudo, salvar o que
relacionam-se diretamente com a emergência
irremediavelmente se perderia; daí a
da etnologia como disciplina no Brasil e com
significação de relíquia ou de testemunho,
a institucionalização do indigenismo nacional,
z
o
0..
e
~
~
<
c
o
·~
8
~
"O
expressos pelo recolhimento de artefatos
produzidos por estes povos:
ocorridas no inicio do século, chegando a ser
considerado o "pai da etnologia brasileira".
~
~
"'
I
~E
0..
o
z
<>
"'
8
~
""oc
z
~
o
~
~
,
""
"""oo
·~
"'
107
Nim\}endajú nasceu na Alemanha, com o
As coleções etnogrijicas cumpriam, assim,
papel fundamental: como documentos materiais das
mais diversasformas da atividade humana, eles se
constituíam no registro palpável da diferença e,
antes que essa desaparecesse, era fundamental
aprisioná-la para que ela fosse estudada e
exibida 10
nome de Curt Unkel, em 1883, e emigrou
para o Brasil aos 20 anos de idade, em 1903 .
Seu primeiro conta to com os .índios ocorreu
em 1905 quando, na qualidade de ajudante
de cozinheiro , foi contratado pela Comissão
Geográfica e Geológica de São Paulo,
tomando parte na exploração do rio Aguapeí,
o
"'&
o
-o
~
""o
<
..'!
o
~
z
0..
"
~
~
"
~
~
<(
o
.B"
8
~
-o
~
r
u
"'
-~
~
:I:
O~
8
o
"
r
"
a._
·~
o
""
~
~
~
~
::;:
,
"
-<>
"<
~
·~
"'
108
e entrando em contato com os guaranjs e
xerentes, ticunas, pataxós, camacãs, cariris-
com os caingangues no oeste de São Paulo.
sapuiás, baenãs, maxacalis e botocudos. De
No ano seguinte, passou a conviver com os
acordo com Grupioru, o trabalho em illversos
apapocuvas-guaranis do rio Batalha, sendo
domínios ou especialidades nem sempre se
adotado ritualmente pela tribo e recebendo o
interügava. O colecionamento, particularmente,
nome de Nimuendajú - "o ser que cria ou faz
era uma atividade paral ela às pesquisas
11
o seu próprio lar" . Oesde então até sua
etnográficas e, muitas vezes, realizada com o
morte, em dezembro de 1945, que ocorreu
intujto de sobrevivência, uma vez que não
de forma misteriosa por envenenamento
havia ainda a institucionalização de órgãos de
entre os índios ticunas, em Santa Rita do Weil
fom ento à pesqwsa científica. Nimuendajú
no Amazonas, Nimuendajú participou de
coletava para museus europeus e brasileiros,
dezenas de expedições científicas,
especialmente para museus na Suécia, como
patrocinadas por instituições brasileiras e
o Museu de Gotemburgo e para o Museu
estrangeiras, estudando, coletando artefatos
Nacional c o Museu Goeldi. Grupioni cita,
dos povos indígenas e interferindo em
por exemplo, a venda, em 1937 , de 146
questões relacionadas a estes povos. Seu
artefatos dos xerentes e 22 artefatos dos
trabalho abarcou domíruos do indigenjsmo,
apinaj és para o Museu de Gotemburgo e, no
da lingüistica, da etnografia e do
mesmo ano, a venda para o Museu Nacional
colecionamento. Nimuendajú foi responsável
de 278 obj etos, e para o Museu Goeldi 560
pela reuruão de milhares de peças de gr upos
obj etos dos canelas. Também nos anos 30,
indígenas diversos, entre eles, os canelas,
Nimuendajú colabora com instituições
z
.
u
·•
c..
o
o
"
<
Q.
americanas, realizando pesquisas e
colecionamento não envolveu nenhuma
colecionando artefatos indígenas. Nesse
articulação com a pesquisa etnográfica
mesmo período, precisamente em 1933,
propriamente dita nem uma relação com
formou-se no Brasil o Conselho de
uma auto-representação dos grupos envolvidos.
Fiscalização das Exped ições Artísticas e
Estes vendiam ou trocavam seus artefatos
Científicas que atuou até 1968, inspecionando,
desconhecendo para onde seriam destinados
controlando e fiscalizando todas as expedições
e desconhecendo também que, no mundo
feitas no Brasil por estrangeiros ou por
dos caraíbas, havia uma instituição chamada
iniciativa de particulares. Estudando os
museu voltada para o armazenamento e a
dossiês de etnólogos atuantes no Brasil nesse
guarda de objetos representativos de
período, Grupioni revelou uma quantidade
tradições cultura is.
impressionante de artefatos ind ígenas que
nesses 30 anos saíram do País ou foram
E
coletados para os grandes museus nacionais.
NOS MUSEUS?
A ALTERIDADE PRÓXIMA
Com base em sua extensa pesquisa, pode-se,
sem sombra de dúvida, afirmar que até esta
Até os anos 60, a tônica nos museus
data o Brasil viveu nos museus a era da
etnográficos internacionais e nacionais era a
construção da alteridade radical. Milhares de
prática de colecionamento de grupos exóticos
objetos foram recolhidos, objetificando
e radicalmente diferentes dos ocidentais. Nos
culturas que, acreditava-se, estariam fadadas
museus brasileiros, esta prática só foi
ao desaparecimento.
12
O processo de
levemente alterada pela busca de artefatos dos
109
ô
~
c
~
o
o
""·;;,
estagnação nos estudos de cultura material. 14
excelência, espécie de degrau do primitivismo
Com a introdução de novos paradigmas na
para o mundo civilizado, numa visão evolutiva
pesquisa antropológica, quando a cultura
da cultura. Grupioni relata que, em
passa a ser estudada, prioritariamente, por
o
documento enviado a Curt Nimuendajú em
seus aspectos imateriais e simbólicos, os
~
1938, Heloísa Alberto Torres, então diretora
museus etnográficos ficam em segundo
.c:c
do Museu Nacional, solicitava proceder ao
plano, bem como a formação de coleções
~
colecionamento de peças documentando
etnográficas. O deslocamento das pesquisas
aspectos de vida peculiares à população
dos muse us e dos institutos históricos para as
sertaneja, ao que ela chama "etnografia
universidades faz com que muitos
regional". o interesse pelo colecionamento de
antropólogos passem ao largo do
objetos da população sertaneja foi também
colecionamento, chegando a ponto de não
manifestado por um outro diretor do Museu
freq üentarem museus etnográficos. O caso
Nacional, Roquette Pinto, que chegou a
do Museu Nacional é exemplar: com um
~
formar uma sala dedicada a Euclides da Cunha
curso de Pós-grad uação em Antropologia
,~
com relíquias da Guerra de Canudos e
Social funcionando desde os anos 70, muitos
~
~
z
sertanejos, considerados nossos ancestrais por
e""
~
"'
c
o
]
o
u
~
"C
~
u
-~
:I:
""
0
8
o
<:::
"
"o
-~
Ol)
,
.,
::;:
-<>
"<
~
artefatos dos grupos sertanejos.
13
Exposições que enalteciam a fábula das
·~
três raças tiveram lugar em museus
prédio das exposições ou das reservas
"'
etnográficos, especialmente no Museu
técnicas, freqüentando apenas as salas de auJa
Nacional, e levaram também à coleta de
e as bibliotecas.
objetos dos grupos afro-brasi leiros. Ainda
110
são os relatos de alunos informando que
jamais tiveram a curiosidade de entrar no
Entretanto, começam a surgir no Brasil
durante a primeira metade do século XX,
pequenos museus voltados para a chamada
o etnólogo Édison Carneiro, especialista em
cu ltura popular ou para a arte popular.
estudos afro-brasileiros, chegou a organizar
Oriundos de movimentos de folcl oristas,
vitrinas com os principais orixás do
muito intensos do fina] dos anos 40 a m eados
candomblé, novidade para uma época na qual
dos anos 60, ou da consagração de artistas
apenas se iniciavam os estudos das
populares no campo artístico, esses pequenos
contribuições dos negros no Brasil.
museus foram formados por artistas,
Grupioni entende que os anos 60 do
folcloristas e antropólogos a fim de registrar
século passado coincidem com o fim de uma
aspectos diversos de tradições culturais no
era dos grandes etnólogos-colecionadores,
Brasil. É o caso do Museu de Folclore Édison
cujo personagem emblemático teria sido
Carneiro, criado em 1968, ou de grandes
Curt Nimuendajú. A partir desse período, a
co leções como a Coleção de Arte Popular,
institucionaHzação das ciências sociais nas
formada por Jacques Van de Beuqu e, que está
universidades teria deslocado para segundo
na origem do futuro Museu Casa do Pontal;
plano o papel dos museus e do
ou ainda o Museu do Homem do Nordeste,
colecionamento no campo da antropologia,
inspirado no movimento regionalista liderado
com um ingresso red uzido de novas coleções
por Gilberto Freire. 15 Estas experiências,
etnográficas nos museus brasileiros e uma
ainda pouco estudadas, configuram esforços
no sentido de objetificação da construção de
próximas, predominava a idéia de formar
alteridades próximas, relativas a grupos
mosaicos da nacionalidade que, juntos,
socioculturais diversificados no contexto
seriam capazes de representar um todo
brasileiro.
nacional.
o
<
z
Ha que se notar a influência de estudos
de antropologia urbana nos anos 80,
responsaveis pela formação de pesquisadores
interessados em temas culturalmehtc muito
próximos da area de abrangência dos
o
Do CONTATO COM
ALTERIDADES ÀS
<(
ALTERIDADES MÍNIMAS:
próprios antropólogos. Desta arca
NOVAS PROPOSTAS NOS
despontaram alguns profissionais
MUSEUS
o
ETNOGRÁFICOS
especialmente interessados em praticas de
colecionamento. Vale destacar o papel de
Se é certo que o panorama dos museus
Gilberto Velho e de Lélia Coelho Frota, esta
etnograficos em muito se alterou a partir do
à frente do Museu de Folclore Édison
final dos anos 60, e se também é certo que
Carneiro, por um período decisivo, na
novos temas de pesquisa, sobretudo voltados
o
o
"'
<
primeira metade dos anos 80.
para o estudo das sociedades complexas,
Diferentemente da pratica de
como. a antropologia urbana, cm muito
colecionamento nos grandes museus voltados
contribuiram para estas alterações,
para a construção da alteridade radical, estes
curiosamente foi nos museus das alteridades
museus direcionaram sua ação para a
radicais, ou seja, os museus indígenas, que
construção da altcridade próxima e
surgiram as propostas de maior renovação no
enfatizaram a relação entre a pesquisa
ccnario dos museus etnograficos. Em
etnogrifica e a coleta de artefatos. No caso
primeiro lugar, é preciso falar do papel
do Museu de Folclore Édison Carneiro, que
desempenhado por Darei Ribeiro no
acompanhei mais de perto, os objetos eram
contexto museológico, ao idealizar e fundar
coletados a partir de minuciosa pesquisa
o Museu do Índio, "um museu contra o
voltada, sobretudo, para a contextualização e
preconceito", como ele dizia. Darei, também
a compreensão das relações sociais envolvidas
etnólogo-coletor que trabalhou no Serviço
na sua confecção, utilização c circulação. 16
de Proteção ao Índio e que não se furtou à
Uma pesquisa intensiva era feita, permitindo
pratica do colecionamento, abriu um
não apenas coletar os objetos mas,
caminho com a criação de um museu
sobretudo, compreendê-los no contexto
espedfiç:o para exibir a questão indígena no
cultural de onde eram retirados. Entretanto,
Brasil e refletir sobre ela. O Museu do Índio,
os museus não visavam, em suas praticas de
devido a uma série de peculiaridades da sua
colecionamento, à auto-representação dos
história, cedo se converteu em um espaço
grupos envolvidos. O museu era, sobretudo,
aberto, uma espécie de fórum da questão
um lugar onde antropólogos, museólogos e
indígena no País. Vinculado à Funai, órgão
demais profissionais teciam representações
sucessor do Serviço de Proteção ao Índio, até
sobre o outro. Nesses museus de alteridadcs
hoje mantém cm seu espaço um pequeno
0..
111
alojamento para os índios que ali precisem
governamentais como a Funai.
permanecer. Deste modo, o muse u passou a
Curiosamente, vimos observando a
ser também uma espécie de casa do índio,
incorporação do debate sobre museus em
dialogando intensamente com lideranças que
alguns casos pontuais, mas altamente
por ali passam por diferentes motivos, entre
reveladores de um processo de mudança na
eles, a participação em exposições e eventos
relação do museu com a construção da
e a busca de apoio político para suas
alteridade. Se até os anos 50 os museus
o
-c
·:::
~
o
.,ô
....
~
z"'
~
o
0..
~
."
."
;:
~
E
<
o
"ü
..':!
8
.
o
o
"
u
-~
:I:
o
o
"'
"'
a.
o
0..
.
o
~
"o
reivindicações. Talvez como herança de seu
praticavam o colecionam ento construindo e,
fundador, pode-se dizer que o Museu do
em alguns casos, cristalizando alteridades de
Índio sempre teve um perfil engajado na
povos que não se manifestavam ou não se
causa indígena no País, à qual vem servindo
conectavam com as propostas museológiças
ao longo dos anos.
dos ocidentais, hoj e, algumas experi ências de
Em função do cr escente contato com a
práticas de col ecionam ent~ e de criação de
sociedade urbano-industrial moderna, os
museus tribais gestados pelos próprios índios
povos indígenas vêm-se modificando sob
vêm alterando esse quadro. De retratos de
O{)
c
z
,
,
muitos aspectos. Dos anos 70 para cá, com
alteridades máximas, muse us ou co leções
."",
crescentes movimentos voltados para a causa
sinalizam um deslocamento do olhar: aqueles
indígena, centrados na demarcação de suas
que antes eram olhados agora olham para si
<
·~
terras e em questões de saúde e educação,
mesmos, tecendo seus auto-retratos. Falar de
surgiram lideranças expressivas organizadas
si implica, portanto, a construção de uma
em ONGs ou atuando em ó rgãos
alteridade máxima que se quer invertida: ela
u
::;:
""o
0:
Fachada principal do Museu Nacional da
Quinta da Boa Vista, Rio de janeiro.
Foto: Eugênio Luiz Kodamo
agora é um esforço de construção de
a fundação do Museu Magüta, em Benjamin
alteridade mÍnjma. O curioso é que este
Constant, na Amazôrua, que funcionou ligado
movimento ocorre ao m esmo tempo que os
ao CGTT (Conse lho Geral das Tribos
antropólogos também passaram a falar
Ticunas), principal ONG ticuna, criada no
recorrentemente de si mesmos, numa
bojo da luta pela demarcação de suas terras.
síndrome de reflexões sobre a história da
O segundo concernente ao processo de
antropologia, memórias de pesquisas de
montage m da exposição e colecionamento
campo, hom enagens c mesas- redondas sobre
dos índios wajãpis no Museu do Ínillo, que
o
-o
c
~
..,
ô
z
o
-o
u
.
<
.!
o
z
0..
~
.=
.:c
v
~
<(
c
o
figuras epistolares da disciplina.
teve a participação conjunta dos profissionais
.E
Paradoxalmente, a dinâmica auto-reflexiva
de museu, antropólogos e um grupo de
.,v
deste campo de estudos parece estender -se as
índios wajãpis . Os dois exemplos revelam
o
u
.
.
""
u
~
V>
áreas antes de alteridade máxima. Grupos
uma experi ência nova no campo dos museus
sociais antes representados em monografias,
etnográficos: a participação dos índios no
exposições e coletas de artefatos de
processo de colecionamento e na perspectiva
antropólogos reivindicam um novo lugar: o
de musealização de suas culturas. De outros
de sujeitos de suas narrativas . Com isto, o
do discurso antropológico e museológico,
,v
lugar dos antropólogos també m vem sendo
estes representantes de povos indígenas
:E
alterado, muitos deles transformando-se em
passaram a sujeitos do próprio ruscurso,
m ed iadores das causas dos grupos estudados.
evidenciando um processo de construção de
..,
"""g
As alterações dos lugares de onde falam os
alteridade mínima nos museus. 17
:c
0..
8
o
"
0
museus etnográficos criados com o objetivo
O OUTRO
de produzir sínteses ou painéis de culturas
.
o
·~
"'
MUSEU MAGÜTA: QUANDO
FALA NA
PRIMEIRA PESSOA
diversas . Um bom exemplo é o Museu do
Índio. Tradicionalm ente, este museu
113
Na opinião de José Ribamar Bessa
esforçava-se por prati car o co lecionamento e
Freire, os índios "descobriram o museu" e o
produzir exposições que contemp lassem as
momento desta descoberta pode ser marcado
ruversas etnias do País, no esforço de sintetizar
pela criação, e m 1991, do Museu Magüta
uma representação do índio brasi leiro. Na
pelos índios ticunas, em Benjamim Constant,
última década, vem trabalhando com etruas
cidade de aproximadamente 12 mil
específicas, focalizando em cada uma delas a
habitantes localizada na conflu~ncia dos rios
relação de antropólogos com os grupos
Java.ri e Solimões, na região do alto
estudados, procurando tecer um diálogo
So limões, Amazonas, próximo da fronteira
entre a visão dos antropólogos e a auto-
d.o Brasil com o Peru e a Colômbia. O
representação dos grupos.
pequeno Museu, instalado numa casa de
Dois casos me parecem emble máticos
deste novo momento de inversão da
arquitetura simples, com varandas ao redor,
cinco salas de exposição e uma pequena
alteridade máxima para a alteridade mínima
biblioteca, foi criado no bojo da luta pela
nos museus etnográfi cos. O primeiro relativo
demarcação de terras. Algumas lideranças
OJl
o
;;=
,
antropólogos vêm, por sua vez, provocar
mudanças nas perspectivas dos grandes
~
ticunas perceberam que o direito deles à
de cocos de palmeira, pinturas de painéis
~
terra dependia, em grande parte, de serem
decorativos de entrecasca, fabricação de
o
reconhecidos como índios pela sociedade
colares, cestos, redes e bolsas). Para a
o
c
~
z
o
-c
·;:,
brasileira. Muitas vezes, eles eram
recuperação das antigas tradições de artefatos
..'!
o
0..
identificados como caboclos pela população
ticunas foram consultadas fotografias antigas
~
:;
local. Do ponto de vista das lideranças
e r egistras feitos e m 1929 pelo etnólogo
B
indígenas, era preciso fortalecer a id entidade
Curt Nimuendajú. Em seguida, foram feitas
~
<
z
~
E
c
o
ticuna, muitas vezes escondida pelos próprios
entrevistas com anciãos das aldeias e, com a
índios e negada sempre pela população
colaboração deles, oficinas com os mais
regional. A idéia de criação do Museu surgiu
jovens, que reaprendiam a confeccionar os
como instrumento de luta, num momento
antigos artefatos. Durante três anos, de 1998
0..
crítico de mobilização política, quando os
a 1991, os índios participaram ativamente da
o
ticunas estavam mobilizados na luta pela
organização do acervo, com a assessoria da
defesa de seu território, confrontando-se até
antropóloga Jussara Gomes Gruber. A
mesmo com grupos armados. Em março de
definição dos objetos, o levantamento de
"~
1988, pistoleiros atacaram um grupo de
dados sobre as peças, a seleção dos objetos
,
""
"""o
indios no igarapé do Capacete, matando 14
para a "exposição, o desenho das ilustrações,
deles, entre homens, mulheres e crianças,
tudo isto foi realizado pelos próprios índios
ferindo 23 e deixando dez desaparecidos,
sob a liderança de Constantino Ramos Lopes
massacre que teve ampla repercussão
Cupeatücü, índio ticuna que havia escapado
~
<(
"ij
..!!
o
8
~
-c
o
~
u
·~
~
:I:
o
~
,.
o
-~
~
Oll
o
c
-.;
~
<
0..
::;:"
o
·~
"'
nacional e internacional. 18
A idéia de criação de um museu surgia
114
do massacre do Capacete com um ferimento
a bala e se tornara responsável, depois de
como uma estratégia de organização da
algum treinamento, pela guarda do acervo e
memória e revigoração da identidade étnica .
sua dinamização.
Com o apoio de ONGs, destacadamente do
A experi ência de criação do Museu
CGTT, algumas lideranças indígenas
Magüta estava longe de constituir um evento
converteram-se subitamente em profissionais
cultural pacificado. No entender de Freire,
de museu, aprendendo algumas técnicas de
essa singela instituição nas mãos das
museologia e museografia . Para a formação
lideranças indígenas adquiriu um "potencial
do acervo, essas lideranças mobilizaram 95
explosivo" na luta pela auto-afirmação da
aldeias, com uma população de 28 mil
identidade étnica dos ticunas e no confronto
índios, nos municípios de Benjamin
com os madeireiros, políticos e latifundiários
Constant, Tabatinga, São Paulo de Olivença,
da região. No dia c na hora da inauguração
Amaturá, Santo Antônio do Içá, Tocantins,
do Museu Magüta, o prefeito de Benjamin
Jutaí e Beruri. O principal trabalho constou,
Constant "convocou uma concorrida
de um lado, em recuperar antigas tradições e
manifestação de rua, carregada de
técnicas artesanais em desaparecimento e, de
hostilidade, contra a demarcação das terras
outro, em estimular os artistas indígenas
indígenas, em frente ao muse u", provocando
especializados em diferentes artes (confecção
o cancelamento da solenidade e seu
de máscaras rituais, esculturas de madeira e
adiamento. O Museu só foi inaugurado três
semanas depois, em dezembro de 1991,
força reside muito mais numa prcifunda e
devido à ampla repercussão na imprensa e de
persistente vontade dos índios de se tornarem
protestos de instituições, como a Universidade
visíveis como índios ticunas, de se comunicarem com
.,ô
~
ô
..,
-c
do Amazonas e o Conselho de Reitores das
Universidades Brasileiras (Crub) e à intervenção
os membros de outras sociedades e conquistarem o
.
espaço social e cultural a que têm direito. 20
'-"o
z
0..
g
do Comando Militar da Amazônia. 19
Na época em gue foi fundado, o Museu
Magüta representou grande novidade no
panorama dos museus no País. Se, outrora, os
grupos indígenas eram representados nos
museus etnográficos a partir de práticas de
colecionamento de etnólogoscolecionadores, o Museu Magüta teve, desde
o início, uma proposta de auto-representação
indígena. Tratava-se de um lugar de
construção e de afirmação de uma identidade
étnica na primeira pessoa, ou seja,
implementada pelo próprio grupo
interessado. A participação dos índios no
processo de constituição das coleções e na
montagem da exposição, bem como as
responsabilidades gue eles mesmos
assumiram na administração e na
dinamização do Museu, configuraram um dos
~o
o
valorizados na região e mais conhecidos no
País c até internacionalmente. Em 1995, o
]
e
o
..,v
.
Museu sofreu nova ameaça por parte dos
u
madeireiros gue gueriam incendiá-lo.
·•
I
"-
Entretanto, estes não encontravam mais
o
apoio na população local. Segundo Jussara
o
Gruber,
ô
.
u
<=
c
"
""oo
r
;)
<
;
a.
,~
o trabalho educativo do museu - através de um
:E
programa de interação com as escolas da cidade, que
,
tem por finalidade aproximar as novas gerações da
""...,
o
o
·~
cultura e da história dos ticunas- vem cumprindo
"'
a importante junção social de promover uma maior
harmonia nas relações interétnicas na reg ião,
colaborando para que sejam deifeitas, gradativamente,
as idéias preconceituosas e discriminatÓrias a
respeito das populações indígenas. 21
115
Em julho de 1995, o Museu foi
premiado como Museu-Símbolo pelo
museu,
International Council of Museums - !com,
por ocasião do Encontro realizado em julho,
os objetos escolhidos foram os que têm para os
em Stavanger, Noruega. No mesmo ano,
ticunas maior significação cultural e cifetiva. Essas
obteve o prêmio Rodrigo Melo Franco de
particularidades, portanto,jazem dessa iniciativa
Andrade, concedido pelo Instituto do
um instrumento de autogestão da cultura, opondo-
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-
se às concepções mais tradicionais de museus
Iphan, por sua contribuição à preservação da
etnogrijicos, onde os objetos são coletados e
~emória cultural brasileira.
predominando, muitas vezes, o interesse pessoal ou a
v
<(
envolvida no processo de constituição do
apresentados sob a Ótica da sociedade dominante,
eo
ticunas passaram a ser mais respeitados e
aspectos da singularidade desta experiência.
Segundo Jussara Gruber, antropóloga
~
Com o trabalho do Museu, os índios
Desde o início, o ticuna Constantino
Ramos Lopes Cupeatücü destacou-se nas
curiosidade de um de seus produtores. Por outro
atividades de coordenação e de
lado, é um museu que não se ciflrma em princípios
colecionamento de objetos para o Museu.
de poder e autoridade, de luxo ou consumo. Sua
Guardando as devidas proporções,
Constantino representou para o
que faze r e procurar quem nos ajudasse. No
colecionamento ticuna, no final do século
prinCÍp io, por volta dos anos 1972 e 197 3, os
XX, o mesmo que Curt Nimuendajú no
mais velhos diziam que ha via uma proteção para
o
-c
o
-c
início do século, em termos do objetivo de
os índios, que era o Serviço de Proteção ao Índi o,
z
.!!
o
0..
coleta de artefatos e estudo da cultura
mas não ha via nada de concreto para nós. A luta
o
~c
material. Entretanto, enquanto o primeiro
dos índios ticunas começo u pela demarcação das
~
procurava representar sua própria cultura, o
terras e depois por educação e sa úde. A educação
E
segundo integrava uma visão de antropologia'
na reg ião era pouca e de má qualidade. Mais
e uma prática de colecionamento que retirilva
tarde,foram aparecendo mais pessoas não- índias
os objetos de seus contextos de origem para
interessadas em ajudar. Por vo lta de 1975, a PUC
enviá-los para os grandes museus
do Rio Grande do Sul se insta lou em Benjamin
0..
etnográficos, onde diferentes culturas
Consta nt e fez um curso de extensão direto de
o
deveriam ser exibidas em conjuntos-sínteses
Porto Alegre. A edu cação melhorou um pouquinh o.
da diver sidade cultural da humanidade. O
De 1980 a 1983, eu fiz o curso de extensão com
-.;
Museu ticuna emergiu como uma
o pessoal da PUC. Eles tinham também o curso de
"~
experiência articulada aos próprios índios
fo rma ção para prcifesso res leigos rurais que eu fiz
::;"
que, talvez pela primeira vez na história do
em 1 985 . Qyando vo ltei, um mês depois, comecei
Brasil, realizavam uma experiência
a dar aulas para os meus própri os parentes e
museológica na primeira pessoa .
entrei no curso de agentes de sa úde. Em 1986, os
Diver samente do padrão dos museus
caciques e os prrjessores começaram a discutir a
~
""
<
~
c
o
...
~
c
o
'ü
~
o
8
o
-o
:I:
o
~
,.
o
·~
"o
""c
~
<
o.
o
..,
.
""'o
~
0:
116
etnográficos no País , este se constituiu com o
questão da criação de um museu. Algumas pessoas
um museu engajado , articulado com as lutas
que estavam com a gente como a antropóloga
do grupo ticuna . Convidado a participar do
Ju ssara Gomes Gruber, que chegou como aluna do
Seminário Patrim ônio Cultural: Coleções,
curso de extensão, e após um estág io com os
Narrativas e Me mó ria Social, organizado no
ticunas passou a se dedi ca r ao trabalho de apoio
Programa de Pós- Graduação em Memória
aos índios, estimularam a criação de uma
Social da Unirio , Constantino r elatou sua
organização de caciques e, mais tarde, dos
experiência ao Museu e ao Centro de
prrjessores e agentes de sa úde. Então foram
Documentação e Pesquisa do Alto Solimões.
criadas três organi zações: CGP T (Conselho Geral
A partir desse depoimento, percebe mos a
dos Prrjessores Ticunas), CGTT (Conselh o Geral da
relação estreita de sua prática de
Tribo Ticuna) e depois a OSPTS (Organi zação de
colecionamento com os objetivos das lutas
Saúde do Povo Ti cuna do Alto Solimões). Em
. do grupo ticuna :
1 986,fo i criado o Centro Magüta que gerou a
discussão sobre o M use u. Na época, na reg ião do
Tudo começo u com a luta pela demarcação de
terras e pela conquista dos direitos à educação e à
Alto Solimões, os índios não tinham mais direito
nem mesmo de fa lar a própria língua que era
saúde . Nós morá vamos na terra, mas vivíamos
proibida na escola . A intenção da criação do
como os animais que podem ser mortos a qualquer
Museu era que os índi os não perdessem tudo o que
momento, pois cada pedaço de terra tinha um
tinham, j á que mesmo suas armas como a
patrão. Começamos a nos reunir para discutir o
za rabatana não sabiam maisfa bricar, além de
serem obrigados pelos patrões a plantar mandioca
anos, de 1989 a 1994 [sic]. Consegui coletar do
e fabricar farinha para ser vendida em Benjamin
meu próprio povo 380 peças, dessas foram escolhidas
Constant, Tabatinga e Letícia, na Colômbia. A
as mais bonitas e 1 70 ficaram na exposição.
idéia de criar o Museu foi para preservar a arte e
a língua ticunas, assim como o mito e a histÓria.
ô
-c
o
~
ô
..
o
"C
<
~
~
12
A iniciação de Constantino na linguagem
museológica reflete uma tendência de
Constantino revela seu processo de
z
o
o.
t~
o
aproximação dos povos indígenas aos
entronização da linguagem museo lógica,
costumes e hábitos do Ocidente. É
de como foi se convertendo, pouco a
interessante notar que o Museu chegou para
pouco, num co letor de artefatos de seu
3
~
E
~
"'
o
o
'ü
e"
o
eles ao mesmo tempo que a escola- modelo
próprio grupo:
"
-o
de educação da sociedade ocidental moderna.
Mas a adesão dos índios ao Museu e ao
No final de 198 8, saí da aldeia para
trabalhar como pr?Jessor na cidade de Benjamin
processo de colecionamento indica a eficácia
Constant. Mas, então, a Jussara me chamou para que
desta instituição e seus processos nas
eu assumisse o Museu. Ela me explicou o que eu iria
necessidades de construção e de afirmação de
~
:I:
.
z
o
'-=
u
-~
o.
ôu
-~
"'
""
o
~
~
<
uma identidade étnica . Com a prática do
jazer, o prédio onde eu ia trabalhar e me ensinou
sobre o que era museu. Ela me mostrou uns livros
colecionamento, tornava-se mais fácil
que tinham fotos de exposições. Com a orientação
objetificar para si m esmo e para seu grupo
dela entendi o que era museu e saí para jazer
uma cultura que foi sendo modificada e,
reuniões na aldeia e explicar para eles o que era
1
;
o.
~
o
o
::;:
,
.Q
"'o
"
-~
0:
principalmente, espoliada por madeireiros,
museu, explicar que precisava das zarabatanas, da
latifundiários, políticos. O Museu se inscrevia
igaçaba, da arte em geral, de tudo o que ia ser
numa ação de resistência ou até mesmo de
colocado dentro do museu. Os parentes me
reexistência. Por meio do colecionamento de
perguntavam o porquê disso e eu respondia que era
seus próprios artefatos, mitos e tradições, os
para o museu, que a gente tinha uma casa onde
ticunas inventavam uma nova maneira de
seria colocado tudo o que eu estava pedindo. A
existir, com maior visibilidade, exibindo a si
antropóloga Jussara tinha trabalhado no Museu
mesmos para não desaparecerem como
Nacional, então ela tinha jotogrqfias dos pentes que
cultura singular e para não serem trucidados
os índios jaziam, dos colares de dentes que os antigos
por grupos fortes econôrnica e politicamente.
jaziam, de uma agulha que servia para os antigos
No relato de sua experiência no Museu,
tecerem panos de algodão. Ela me passou essas
Constantino explicita as tensões e ao m esmo
jotogrqfias e eu mostrei para os parentes, procurando
tempo as vitórias advindas no processo. Com
quem fizesse aqueles objetos para colocar no Museu.
o Museu ·aberto para os ticunas, para a
Eu dizia que iria colocar o nome de quem fizesse
população pobre da região e também para
coisas bonitas no Museu, o nome em português e na
hrristas, ficava cada vez mais difícil ocultar ou
língua ticuna, o nome da aldeia e a idade de quem
apagar a existência dos ticunas enquanto
doou. Eles perguntavam: "Por que você quer isso?" E
grupo cultural e socialmente específico. Desse
eu explicava que era para a i '!formação, porque cada
modo, o Museu ticuna voltava-se para o
peça teria o nome da pessoa quejez e o número do
presente e não para as lembranças do passado.
registro - coisas que eu aprendi. Isso durou três
Ao contrário das experiências dos grandes
117
ô
"O
~
.
o
museus etnogd.ficos do século XIX e início do
Nacional e o Imperial, assim como os de ciências. Os
século XX, o Museu Magüta não estava
alunos se aproximaram e a biblioteca foi muito
interessado em fazer a memória do que não
utilizada por eles. Isso durou até 1997.
-o
;;:,
<
.!'!
o
z
0..
~
o
mais existia. Sua intenção era afirmar a
existência dos artefatos, recolocá-los na vida
.
c
cotidiana, usando como instrumento o
3
c
processo museológico. Musealizar para não
~
apagar, para não esquecer. Musealizar para que
~
...
c
o
o
'2
o grupo pudesse ser visto, olhado, estudado:
8
Diferentemente dos objetos depositados nos
.
~
Constantino relata que, em 1997, houve
divergências entre alguns dos não-índios que
apoiavam a causa ticuna e, por esse motivo, a
antropóloga Jussara Gruber e ele deixaram o
museu para se dedicar a outras atividades.
O Museu Magüta foi escolhido como Museu-
"O
u
-o
c
:I:
testemunhos de um mundo fadado ao
Coriferência Mundial na Noruega, que aconteceu
de l o a 7 de julho de 1995. Nosso trabalho foi
Magüta emergia como proposta ativa de vida e
reconhecido e, no.final do ano, recebemos o
~
construção de auto-estima para um grupo
segundo triféu. Hoje nós continuamos mostrando o
o
~
indígena que acreditava poder construir um
trabalho, mas eu não faço mais parte do Museu, eu
~
.,
futuro enquanto grupo com identidade
saí em 1997 após alguns cor!.flitos internos. Hoje,
-<>
própria e peculiar.
eu faço parte de outra organização, a OGPT
8
<>
"
<
o._
Símbolo do Brasil para representar o Brasil na
desaparecimento, a proposta do Museu
0..
o
grandes museus etnográficos, que serviam de
~
01)
o
o
""'~
(Organ ização Geral dos Prifessores Ticunas), onde
·~
"'
A nossa intenção com o museu era mostrar a
arte ticuna, e com a biblioteca queríamos chamar os
alunos para dentro do Museu, aproximar os índios
dos brancos. Isso a gente só conseguiu uns três anos
depois da abertura do Museu . Durante esse tempo
118
tivemos muitos problemas, pois a população tinha
raiva e o próprio prifeito tinha certeza de que a
entidade era uma entidade de denúncia, por isso
queria acabar com ela. A coisa melhorou com a
chegada dos turistas. Fizemos cantata com as
agências de turismo de Letícia e começamos a receber
uma média de 30 a 50 turistas. Como é uma cidade
pequena, a principal avenida é a que dá acesso ao
museu. Então, eles começaram a ver que o Museu
atraía os turistas. Depois começamos a fazer
palestras nos colégios estaduais e municipais. A coisa
foi crescendo e, em 1994, já tínhamos alunos
visitando o Museu, onde dizíamos o que era o
Museu, mesmo assim alguns alunos diziam que
estávamos falando grego pra eles, pois lá as pessoas
não fazem idéia de que existem museus como o
Exposição Tempo e espaço na Amazônia: os wajãpi, 2002.
Foto: acervo do Museu do fndio.
O Museu Magüta constituiu uma
eu sou secretário e coordeno um curso de formação
que foi premiado aqui no Rio de janeiro e pela
experiência nova no panorama dos museus
Fundação Getúlio Vargas. A situação do Museu
etnográficos. A experiência de um museu
Magüta
é muito complexa. Depois que ele foi
sobre índios, criado na confluência de um
escolhido Museu-Símbolo, houve uma divisão entre
diálogo entre índios e antropólogos, merece
alguns assessores dos índios ticunas. Eu acabei
ser registrada como um momento importante
ficando na ONG dos prifessores, continuo
de passagem para um novo estilo de museu
trabalhando com a questão da memÓria junto dos
etnográfico e de prática de colecionamento.
o
"
u
"o
".
<
~
~
z
o
·;;:,
z
o
0..
g
."
3
"
~
prifessores indígenas e dentro das escolas. Não
O falar sobre o outro é substituído por uma
estou mais dentro do Museu, mas dentro das escolas
narrativa que mescla a construção da
ticunas, quem sabe, de repente, criamos de novo um
alteridade com a auto-representação e
outro museu?I
construção de si, que identifico como
~
""
~
'ü
~
o
u
.
~
"
u
-·
c
c..
:I:
alteridade mÍnima.
A relação dos ticunas com seus artefatos
vem sendo estudada por antropólogos, em
8
o
"
~
o
:E"
o
práticas de colecionamento dos próprios
"'""
o
o
·~
ticunas. Neste sentido, é expressivo o
""
trabalho de Priscila Faulhaber, comparando
os dois tipos de acervos e as representações a
respeito deles. 23
EXPOSIÇÃO SOBRE
(E DOS) WAJÃPI NO MUSEU
DO fNDIO: NA CONFLUfNCIA
ENTRE MÚLTIPLOS OLHARES
Ao inaugurar a exposição Tempo e
Espaço na Amazônia - os Wajãpi, no Museu
do Índio, seu diretor, o antropólogo José
Càrlo's Levinho, declarava que a exposição se
inseria
numa política do Museu voltada para quatro
metas principais. Em primeiro lugar, realizar
exposições que focalizem culturas indígenas
Cestaria wajãpi, exposição Tempo e espaço na Amazônia: os wajãpi,
2001. Foto: acerva do Museu do fndio.
particulares, questionando a visão que perdurou
por muito tempo dentro e fora da instituição a
c
;
0..
colecionamento de Curt Nimuendajú com as
A
c
o
;:;
<
experiências que relacionam as práticas de
-·""
119
ê
~
&
ê
respeito da representação de um índio brasileiro
nas áreas de educação e controle territorial
aenérico. Em seaundo luaar, realizar exposições
- o Centro de Trabalho Indigenista.
assinadas por antropóloaos que trabalhem com
Os wajãpis moram no Amapá e vivem
"O
~
'õiJ
<
~
z
o
0..
e
"
~
~
"
arupos indíaenas espec!ftcos, valorizando as
numa terra demarcada, a Terra Indígena
curadorias, ou seja, valorizando a adoção de um
Wajãpi, com 604 mil hectares. Cada gr upo
ponto de vista particular, nomeando o sujeito do
wajãpi mora em uma aldeia separada. Alguns
conhecimento, a perspectiva a partir da qual cada
moram muito longe, outros moram perto. É
~
<C I
~
cultura é construída. Em terceiro luaar, estimular d
um total de 13 aldeias e a população vem
'ü
participação dos próprios arupos cujas culturas ~ão
aumentando sensivelmente. No mesmo ano
representadas no Museu, de modo a Javorec~r o
que começou a demarcação da terra, 1994,
intercâmbio entre estes arupos, os curadores da
os wajãpis criaram uma organização não
exposição e os técnicos do Museu e de modo que as
governamental, o Conselho das Aldeias
exposições apresentem resultados também para os
Wajãpi-Apina. Através dessa ONG, eles vêm
índios. E, em quarto luaar, inserir a exposição num
promovendo projetas de desenvolvimento
-.;"
contexto de modernização da instituição,
sustentáve l ligados ao artesanato e ao
~
utilizando srifisticadas técnicas museoaréificas e
garimpo, com substâncias não poluentes,
visando coriferir a estas culturas particulares o
além de produção e venda de produtos
mesmo status de outras exposições em museus das
agrícolas, como o cupuaçu, a copaíba e a
;
~
8
~
"
o
~
u
" I .-~
0 ..
o
z
~ I
~ I
-""
-~
o
u
~
::1
o
""-.;
o
o
-~
chamadas altas culturas.
24
"'
O processo de idealização e montagem
Este depoimento expressa o anseio de
120
castanha.
da exposição no Museu do Índio envolve u
romper com as visões genéricas e as amplas
várias etapas e foi uma vivência rica,
pretensões a abarcar grande número de
resultado do intercâmbio de experiências,
representações de culturas presentes nos
conhecimentos e tradições cu lturais entre a
grandes museus etnográficos. Além disso,
curadora, os técnicos do Museu e os incüos.
traz uma preocupação absolutamente nova,
Desde o início, todos firmaram o
ou pelo menos rara, para um grande museu
comprom isso de incorporar o ponto de vista
etnográfico: incluir a participação dos índios
dos wajãpis sobre sua própria cu ltura. Este
na montagem de uma exposição.
Para a curadoria da referida exposição, o
procedimento implicava a abertura para
alterações de djversas ordens, inclusive na
diretor do Museu do Índio, José Carlos
abordagem estética da própria museografia
Levinho, convidou a antropóloga Dominique
concebida pelo setor.
Gallois, professora-doutora do
A participação dos índios deu -se em
Departamento de Antropologia e
todos os momentos, tendo início com a
coordenadora do Núcleo de História
confecção dos objetos para a exposição.
Indígena e do Indigenismo da Universidade
Dominique Gallois expHca:
de São Paulo. Dominique Gallois trabalha
com os índios wajãpi há mais de 20 anos,
Os wajãpi se mobilizaram para produzir a
sendo também assessora de uma importante
coleção de mais de 300 objetos e todos os materiais
ONG dedicada a programas de intervenção
necessários para a casa que seria construída no
Rio. Com apoio dos jovens que diriaem o Conselho
.mostra e os músicos que iriam tocar suas flautas na
das Aldeias -A pi na, os produtores comunicavam-se
festa de abertura. 25
o
-o
&
através da radi?Jonia, circulavam listas, preocupados
com os prazos e com a qualidade dos objetos.
No entender da antropóloga,
Sobre a participação dos wajãpis na
mostra, devemos destacar alguns aspectos
importantes. Em primeiro lugar, esta
foi a primeira vez que um arupo indíaena da
participação não ocorreu de forma isolada,
Amazônia participou tão intensamente e, sobretudo,
mas organizada, já que a troca com o Museu
coletivamente, da preparação de uma exposição. Eles
foi mediada pela ONG Apina - criada a
se oraanizaram para que todos os diferentes arupos
partir de trocas de informações entre os
locais da área pudessem colaborar com o evento. Foi
índios, a antropóloga e outros grupos e
assim que eles fizeram a lista dos objetos,
entidades. Cabe lembrar que faz parte do
distribuindo tarifas entre todos. Durante três meses,
processo de luta e de afirmação dos grupos
trabalharam muito em todas as aldeias,
indígenas a criação de entidades próprias
selecionando as melhores peças, transportando tudo
para a defesa de seus interesses. Os índios
.o
-o
o
õo
~
z
o
0..
g
o
:;
g
~
~
<(
o
o
"ij
8"
o
."
·•.
o
.
-o
u
:I:
0..
u
z
o
'-=
,.
""o
~
<
desde luaares muito distantes. Depois, escolheram as
não se co locam mais como objetos da tutela
pessoas que viriam para orientar a montaaem da
de organismos estatais, mas falam em seu
;
Q.
~
~
.,
::;:
~
-<>
"'
""'co
·~
"'
121
lndios tocando djeridu, 200J. Acervo Museu do lndio.
próprio nome de maneira organizada. Este é
fossem contempladas, integrando -as
o
~
c
~
..,
.,o
u
.
<
~
z
o
0..
~
o
<
0..
conflitos internos ao grupo e estimulá-lo a
produzir seus próprios objetos, valorizando os. Todos os objetos foram comprados em
interesses na confecção da exposição. De um ·
duplicata, tendo em vista produzir uma
lado, era importante confeccionar os objet<;>s ·
coleção para o acervo do Museu e uma
~
c
.
para a exposição. Mas, de outro, era
outra para a exposição, visando à
u
importante estimular a participação coletiva
itinerância .
0..
dos índios na reflexão e na apropriação de
-·
Além do processo de confecção dos
diferentes aspectos de sua cultura. Por
objetos,-os índios wajãpis participaram da
exemplo, alguns objetos de cerâmica, antes
montagem da exposição. Foram chamados ao
~
tradicionalmente confeccionados pelos
Museu cm algumas ocasiões, quando
~
wajãpis, não eram mais produzidos, devido a
puderam expressar seus pontos de vista sobre
certas facilidades de aquisição de objetos no
a exposição. Assistiram aos vídeos produzidos
8
:,;
Em segundo lugar, a antropóloga tinha
realizado um trabalho anterior com este
v
-o
z
peças de todas as aldeias, para não gerar
grupo, o que a levou a conjugar múltiplos
·~
<:>
congêneres .
c
8
:I:
preocupação era que o Museu adquirisse
.
o
o
coletivamentc na produção da mostra. Sua
;:
~
<(
um dado novo, importante para ser levado
em consideração por museus e instituições
~~
""o
~
~
.
::;:
o
comércio, como as panelas de alumínio -
pela equipe da mostra e externaram ao
·~
grande sucesso entre as índias. Espingardas
diretor do Museu suas opiniões sobre aquilo
"'
industrializadas já há muito passaram a fazer
a que estavam assistindo . Chamaram a
parte do acervo de objetos wajãpis; pentes de
atenção para o fato de que o Museu não
-<>
""'~
122
material orgânico foram preteridos por
poderia exibir nenhuma imagem de pessoas
pentes de plástico (em geral, vermelhos);
que já tivessem falecido, pois, no entender
suas vestimentas, antes confeccionadas por
deles, isto seria prejudicial aos espíritos dos
eles mesmos, com algodão nativo e tingido
wajãpis .
com sementes, deram lugar à compra de
Ao chegarem a uma sala em que estavam
tecidos industrializados. Aproveitando o
expostas varas compridas, confeccionadas
motivo da exposição, a curadora da mostra e
para a "festa de empurrar o céu", algumas
as lideranças indígenas estimularam, em
índias disseram que seria necessário pintar
oficinas, a produção dos objetos tradicionais.
um circo em vermelho ao redor delas, pois
Em alguns casos, como o da confecção de um
senão não atingiriam o objetivo de "empurrar
vaso de cerâmica, foi preciso consultar índios
e conter o mundo de cima".
mais velhos, pois os mais jovens já haviam
Mas a participação mais ativa deu -se na
perdido o conhecimento da técnica de sua
montagem da casa wajãpi: Matapi, Noé, Mata
confecção. Neste sentido, a exposição
e Emyra foram os índios designados para
provocou outro movimento que foi além dela
virem ao Rio de Janeiro montar a jurá, uma
mesma, e cujos efeitos, provavelmente ainda
casa tradicional dos índios wajãpis . O detalhe
se devem fazer sentir nas aldeias.
importante é que eles nunca tinham vindo
A curadora da mostra também teve o
cuidado para que todas as aldeias wajãpis
ao Rio. O processo da montagem desta casa,
com 5,5 metros de altura, 5 metros de
largura e 9 metros de comprimento, foi
no Rio de Janeiro certamente foi urna
muito rico em termos de relações
experiência muito rica, que afetou todas as
interculturais, no que se refere aos
partes envolvidas: os índios, os funcionários
funcionários do Museu que colaboraram
do Museu, os visitantes e todos os que
ô
-o
·;;;
c
~
ô
z
o
.,
-o
.
~
<
com os wajãpis.
Além disso, o próprio processo de
entraram em contato com esses índios por
O entrecruzarncnto de pontos de vista
tecnologias arquitetônicas. A arquiteta
diferenciados - o da curadora, o da equipe
Catherine Gallois, consultora da mostra,
do Museu c o dos próprios índios - teve
acompanhou o processo. Palhas, troncos e
corno resultado urna exposição em que a
caminhão. Os wajãpis cortaram os troncos
z
O-
~
algum motivo.
confecção da casa mostrou riqueza em
cipós utilizados foram trazidos do Amapá de
.!
o
construção da alteridade wajãpi é também
um processo de construção de identidades e
;;
.
3c
~
""
c
o
"2
.
o
u
-o
o
~
.~
-
-~
I
0 ..
de palmeira ao meio e trançaram -nos para
de subjetividades. Em outras palavras, trata-
o
fazer a parte de cima, onde fica a área Íntima
se de um processo em que os diversos
o
da família, com espaço para o fogo e para as
sujeitos são permanentemente afetados entre
redes. Bem adaptada às condições climáticas
si, transformando-se mutuamente.
e
"
~
<
Q.
;
.
,
..,
DESDOBRANDO O PROBLEMA
'<:
"o
-~
"'
Ao iniciar este ensaio, levantei como
da jurá no Museu foi bem diferente do
questão principal o terna do colecionarnento
mesmo processo na aldeia. Na aldeia, é o
articulado com a história da antropologia.
dono da casa que a constrói sozinho, apenas
Procurei apresentar um panorama de práticas
com a ajuda da família; e mulheres ajudam a
de colccionarnento nos museus etnográficos,
carregar o material. Enquanto na aldeia o
chamando a atenção para a questão central da
wajãpi pode levar até um ano para construir
antropologia, que é a construção da
a jurá - tendo ainda de dividir o tempo entre
alteridade. Tornei corno ponto de partida a
outras atividades, corno a roça, a caça e a
tipologia formulada por Mariza Peirano que
pesca - , no Museu do Índio.a ambientação
descreve a história da antropologia corno um
ficou pronta em urna semana, tanto por causa
processo que vai do terna da alteridade
da dedicação dos quatro índios que vieram
máxima, passa pelos estucl.?s de alteridade
apenas para este fim como devido à
próxima c de fricção interétnica (o conta to
disponibilidade da matéria-prima.
con: altcridades) até desembocar na
Nesse processo, aconteceram algumas
o
5
~
o
arejada.
Ainda assim, o processo de construção
.""
::;:
da floresta arnazônica, a jurá protege contra
as chuvas constantes sem deixar de ser
~
formulaÇão da alteridade mínima, que
situações inusitadas, como índios posando
representaria o movimento auto-reflexivo da
para fotos com funcionários do Museu,
antropologia. Ao apresentar dois estudos de
dando entrevista para a televisão,
casos recentes de práticas de colecionarnento
conversando com estudantes, provando da
em museus etnográficos - o Museu Magüta e
comida da cantina do Museu e passeando
a Exposição Wajãpi, no Museu do Índio-
pela cidade. O que se passou em uma semana
pretendo trazer novos elementos para
123
o
-c
~
.
z
o
o
-c
u
·;;:,
<
~
z
o
intensa a importância da relação entre dois
processos simultâneos na antropologia: a
~
dito de outro modo, a construção simultânea
E
c
do objeto e do sujeito do conhecimento. Este
Bottrel (org.). História representada: o dilema dos
museus. Rio ele Janeiro: MHN / Iphan / Mine, 2003.
~
é um tema implícito nas formulações teóricas
Rocco/Funarte, 1988.
que estão na base deste campo de estudos,
CHAGAS , Mário. A imaainaçõo museal. Tese ele
o
·~
8
.
u
problematizado. Ao que parece, a era dos
CLIFFORD, Jam es.O n co ll ecting art anel
·•
grandes museus etnográficos expressou um
culture.ln: The Predicament
pouco certa arrogância que alguns
Harvard Uni versi ty Prcss, 1988.
FAULHABER, Priscila O etnógrafo e seus "outros":
0..
rf cuhure. Cambridge, Mass:
antropólogos tiveram diante dos outros que
informantes ou detentores ele conhecimento
..,c
observavam, pesquisavam e colecionavam.
especializado? Belém: Museu Goeldi, 2004
o
~
Era como se o conhecimento que produziam
::;
sobre e a partir de povos exóticos e
FREIRE, José R.ibamar Bessa. A descoberta do museu
pelos índios. ln: ABREU, Regina e CHAGAS,
diferentes pudesse ser a tal ponto verdadeiro
Mário(org.). MemÓria e patrimÔnio, Rio ele Janeiro: OPA,
<
o
,o
..0
"<:
~
(Mimeografaclo) .
2003.
·~
e objetivo que podia ser cristalizado em
"'
artefatos retirados da cultura material e
Arte e Cultura, Funarte, n. 2, 1994.
exibido nos museus. Pouco era
GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. Coleções e expedições
problematizado sobre a perspectiva singular
do colecionador, as condições e os
124
Rio de Janeiro , 2003 (Mimeografaclo).
~0/J
o
c..
doutorado apresentada à Universidade do Estado do
Entretanto, nem sempre foi suficientemente
8
,.
_ _ _ . O eniama de Os sertões. Rio de Janeiro:
~
-c
o
museu. Notas sobre a experiência dos índios wajãpi no
Museu do lndio. ln : BITTENCOURT, José Neves,
BENCHETRIT, Sarah Fassa e TOSTES , Vera Lúcia
c
:I:
ABREU, Regina. Entre o universal e o singular, o
construção do outro e a construção de si ou,
~
<(
BIBLIOGRAFIA:
instigantes, pois situam de forma muito
t
0..
o
reflexão. Estas duas experiências me parecem
GRUBER, Jussara. Museu Magüta. Piracema - Revista de
viaiadas. São Paulo: Hucitec, 1998.
JORNAL MUSEU AO VIVO, R.io de Janeiro, Muse u do
lndio, n.20, fev. 200 1/ jan.2002.
pressupostos que orientavam a coleta. Ainda
MASCELANI, Maria Ângela. A Casa elo Pontal e suas
sob forte herança de uma vertente positivista
coleções ele arte popular brasileira. Revista do PatrimÔnio
da ciência, os primeiros antropólogos
coletores acreditavam que fragmentos da
cultura material, subtraídos de outros povos,
eram a prova mais cabal de suas teses. Hoje,
Histórico e Artístico Nacional, Brasília, n. 28, I 999.
MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. ln: MAUSS ,
Marcel. Socioloaia e antropoloaia. São Paulo : Eclusp,
1974. v. I.
MICELI, Sérgio (org.). O que ler na ciência social
brasileira. I. Antropologia. São Paulo : Sumaré, I 999.
sabemos que eram apenas fragmentos de uma
PEIRANO, Mariza G. S. Antropoloaia no Brasil
visão também fragmentária, posto que
(altericlacle contextualizada).ln: MICELI, Sérgio (org.) .
parcial, e sempre incompleta das culturas que
O que ler na ciência social brasileira. I. Antropologia. São
Paulo: Suma ré, I 999.
pesquisavam. O futuro dos museus
SCHWARCZ, Lília Moritz. O espetáculo das raças. São
etnográficos é ainda incerto, mas vem se
Paulo: Companhia das Letras, I 993.
abrindo para novas experiências e muitas
STOKCKING, George. Objects and others. Essay on
museums anel material culture. Lonclon: The University
incertezas, o que pode ser promissor.
ofWisconsin Press, I 985.
WALDECK, Guacira. Exibindo o povo: invenção ou
documento?. Revista do PatrimÔnio Hi stÓrico e Artístico
Nacional, Brasília, n. 28, I 999.
•
NOTAS :
1 Peirano, 1999.
2 Mauss, 1974.
3 Id . ib.
4 CliiTord, 1994.
5 Stocking, 1985.
6 Schwarcz, 199 3.
7 Op. cit., p. 74.
8 Op. cit., p. 87.
9 Grupioni, 1998.
10 Op. cit., p. 250.
11 Op. cit. p. 173- 174.
121d. ib.
20 Gruber, 1994.
21 Gruber, citado por Freire, op. cit.
22 A entrevista de Constantino foi rea lizada em maio
de 200 1 e editada por mim. Agradeço a colaboração de
José Ribamar Bessa Freire e da equipe do Núcleo PróÍndio da UERJ para a viabilização da participação de
Constantino no Seminário e no curso Memória e
Patrim ônio , coordenado por mim e pelo prof. Mário
Chagas, no mestrado em Memória Social da Unirio.
23 Faulhaber, 2004.
24 J ornal Museu ao Vivo, 2002.
251d.
.,o
&
o
-o
o
~
·;;,
<
.!!
o
z
"-
e
o
;;
~
"'
2
<
E
c
o
~
~
·;:;
~
e
o
.,
~
~
u
13 A este respeito ver: Abreu, 1988.
-
·~
:I:
14 Grupioni, 1998, p.249.
"-
ou
15 A respeito dos museus de folclore e arte popular,
<=
o
ver, respectivam ente: Waldeck ( 1999) e Mascelani
"'
(1999). Sobre o Museu do Hom em do Nordeste, ver
Chagas (2003) .
16 Trabalhei no Setor de Pesquisas desta instituição de
1993 a 1998.
-""
-~
<
a.
o
o
~
"
~
::1"
.,
17 A este respeito, ver ainda Abreu (2003); e Freire
.Q
(2003).
18 Oliveira FiU10 c Lima, 1988, citado por Freire, op.
cit. p. 220.
19 Dados citados citado por Freire, op. cit.
"'
"'oo
·~
125
Roda da tempo, exposição Tempo e
espaço na Amazônia: os wajãpi,
Foto: acervo do Museu do fndio .
2001.
Download