Trabalho Completo (versão em Word)

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ENSINO DA FÍSICA EM CLASSE HOSPITALAR: UM EXEMPLO NO CAMPO DA
MECÂNICA
PHYSICS EDUCATION IN A CLASSROON OF A HOSPITAL: AN EXAMPLE IN THE
FIELD OF MECHANICS
Amália Neide Covic1
Graciella Watanabe2
1
Instituto de Oncologia Pediátrica /Setor de Pedagogia/ UNIFESP, [email protected]
2
Instituto de Física - USP/ [email protected]
RESUMO
Objetivo: Evidenciar as características que devem ter as situações de ensino da Física para
alunos do Ensino Médio que favoreçam o ensino de atividades complexas em ambientes
hospitalares.Fonte de dados: Trabalho de acompanhamento pedagógico hospitalar
desenvolvido pelo Projeto Escola Móvel, no IOP-GRAACC-UNIFESP, entre março de 2000 e
junho de 2005. Entrevista semi-aberta com 115 alunos/pacientes com osteossarcoma.
Relatórios de aula hospitalar.Conclusão: Os indicadores de correlação, a variação na
porcentagem de alunos que não apresentam defasagem escolar após estudar no hospital e a
autonomia dos alunos na resolução de tarefas propostas pelas escolas de origem, apresentados
neste estudo, sugerem que a proposta de incorporar as situações hospitalares vivenciadas
durante o tratamento ao estudo da Física e o contrato didático estabelecido entre
professor/hospitalar e aluno/paciente são estratégias de tomada de decisão pedagógica que
podem acarretar impacto sobre progressos cognitivos posteriores.
Palavras-chave: Ensino de Física, Classe Hospitalar, Contrato Didático, Decisão Pedagógica
ABSTRACT
Objective: To evidence the characteristics that must be present on the education of Physics
for pupils of High School level in hospital environment. Source: Work of hospital
pedagogical accompaniment developed by the “Projeto Escola Móvel (mobile school project),
in the Iop-graacc-unifesp, between March and June of 2005. Half-open interview with 115
students/patients with osteosarcoma. Reports of hospital classes. Conclusion: The
correlation pointers, the variation in the percentage of pupils who do not present pertaining to
school imbalance after studying in the hospital and the autonomy of the pupils in the
resolution of proposed tasks from their original schools, presented in this article, suggest that
the proposal to incorporate the study of Physics on hospital situations during the treatment and
the established didactic contract between teacher/hospital and student/patient are strategies of
taking of pedagogical decision that can cause impact on posterior cognitive progresses.
Keywords: Ensino de Física, Classe Hospitalar, Contrato Didático, Decisão Pedagógica
INTRODUÇÃO
O processo de escolarização para crianças e adolescentes, após diagnóstico de câncer
e durante o período de tratamento multidisciplinar dirigido à doença de base e previsto pelo
diagnóstico, é um problema para famílias, professores e alunos (1). Compreender a
escolarização desse aluno tanto no sentido das dinâmicas da população, do ensino e da
aprendizagem é a intenção de nossa atuação pedagógica no Instituto de Oncologia Pediátrica Grupo de Apoio à Criança e ao Adolescente com Câncer - Universidade Federal de São Paulo
- IOP - GRAACC - UNIFESP no projeto Escola Móvel/Aluno Específico - EMAE. Esse
artigo nasce do estudo, da pesquisa e da prática pedagógica junto ao projeto.
A proposta de acompanhamento pedagógico do EMAE prevê, além dos estudos em
dois núcleos de conhecimentos (Exatas e Humanidades), contato com a escola de origem,
atendimento às escolas, quando solicitado, e orientação/encaminhamento de matrícula escolar.
O grupo de trabalho do Projeto EMAE é formado por:

Professores coordenadores de estudos das Ciências Exatas e
Humanidades (n=2).

Professores estagiários, dos cursos de licenciatura da Universidade São
Paulo e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (n=8).
A escolaridade do grupo estudado (n=798) compõe-se de alunos do ensino
fundamental (n=615), do ensino médio (n= 156) e outros (n=27).
A distribuição das neoplasias dos alunos tem o contorno: Tumores hepáticos (n= 5),
Histiocitose (n=15), Neoplasias germinativas e outras neoplasias gonodais (n=15),
Retinoblastoma (n=15), Tumores do sistema nervoso simpático (n= 19), Tumores de partes
moles (n=39), Tumores renais (n= 45), Linfomas e neoplasias retículo - endoteliais (n=91),
Neoplasias do sistema nervoso central (n=133), Tumores ósseos malignos (n=189), Leucemias
(n= 198), Outras (n=34).
Este trabalho traz um recorte do grupo estudado, e o foco recai sobre os
alunos/pacientes com Osteossarcoma, um câncer ósseo característico da pré-adolescência.
Localiza-se freqüentemente nas extremidades dos ossos, sendo mais incidente na região logo
abaixo do joelho. Se for tratado precocemente, os pacientes têm entre 60% e 70% de cura,
muitas vezes conservando o membro afetado. (2).
Justifica-se a escolha de alunos/pacientes com osteossarcoma pela proximidade da
idade do grupo com as questões do ensino de Ciências e em particular, os de Física sugeridos
neste estudo. O tratamento para a neoplasia eleita prevê sempre quimioterapia e cirurgia, pois
o tumor osteossarcoma não é sensível à radioterapia, excluindo-se assim, dentro de nossas
considerações, os efeitos ao longo do tempo que a radioterapia pode acarretar.
A publicação Common Terminology Criteria for Adverse Events CTCAE V.3 (3 ),
aponta que esses pacientes podem apresentar:
 Dificuldade de adaptação para a vida social, incluindo-se principalmente
a escola.
 Mudança de personalidade, tornando-se muitas vezes agressivos e/ou
depressivos.
 Problemas com a empregabilidade futura, em função das
particularidades físicas, após o tratamento.
O St Jude’s Children’s Research (4), grupo cooperativo de protocolos de cânceres da
infância e da adolescência, do qual o IOP-GRAACC-UNIFESP faz parte, coordena e atualiza
as publicações do CTCAE, com base nas pesquisas dos grupos cooperativos e, nos últimos
cinco anos, vem indicando que uma equipe interdisciplinar atenda, desde o início do
tratamento, aos pacientes das neoplasias da infância e que essa prestação de serviço se
prolongue ao longo da vida, em função do caráter sistêmico do tratamento e da doença. Esses
pacientes sobreviventes de câncer da infância são considerados grupo de risco para adesão ao
álcool e drogas químicas.
Hoje é bastante aceito que a aquisição de conhecimento de ciências altamente
estruturadas, como a Física, onde os diferentes componentes somente podem ser definidos um
em função dos demais, condiciona aos sujeitos, em larga escala, sua posterior capacidade de
novas aquisições sociais e intelectuais (5).
JOSHUA (1989) nos indica que o confronto das várias posições dos alunos, acerca de
um objeto de estudo, pode evoluir para uma limitação dos alunos – caso estes não administrem
o levantamento de novas hipóteses, - como podem gerar significados – quando os alunos,
criam novas hipóteses, comparam com as que já possuem e concluem a respeito delas. Assim,
para o ensino da ciência, as relações sociais estabelecidas entre os alunos é um elemento a se
considerar. De igual forma, a relação do aluno com o objeto de ensino, não é uma relação
privada. É sim, predominantemente social e existem inúmeros trabalhos das ciências da
educação, como também do ensino da Física, que abordam esse tema (6).
No ensino das Ciências, existe uma relação com o experimental e, muitas vezes, esse
processo experimental é um sistema que se fecha em si mesmo. Epistemólogos como
LAKATOS (1976) e CHARLOT (1997), físicos como HULIN (1977) e GARCÍA (2002),
sócio-construtivistas como PERRET-CLERMONT (1979) e MUGNY (1.985), questionam
que existe uma via natural que vai da experimentação à interpretação e que a lógica utilizada
pode ir além da indutiva. Sugerem a hipotética-dedutiva dos trabalhos piagetianos ou a
dialética dos estudos vygotskynianos (7,8,9,10,11,12).
FINN (1985), levanta a questão de que determinadas tarefas, tanto individualmente
como coletivamente, podem provocar coordenações cognitivas semelhantes, para uma
situação estudada. Fala de interações em condições que envolvem o próprio corpo, o ambiente
e os ensinamentos propostos, como em nosso estudo: as questões da doença, do ambiente
hospitalar e as noções de Física, com elementos do próprio ambiente. Em estudo com crianças
de 6ª série, sobre noção de forças, GARNIER (1996), conclui que nas condições colocadas por
FINN, as interações entre colegas são significativas para a construção de uma nova noção,
quando existe uma zona sensível para a elaboração da noção objetivada pelo estudo. Quando
não existe uma zona sensível, é indiferente a comunicação entre elementos do grupo, ou seja,
para se chegar ao objetivo proposto pela atividade, o número de tentativas individuais, ou com
comunicação, é praticamente o mesmo (13,14).
Nosso objetivo, neste estudo, é restrito: buscamos quais características devem ter as
situações de ensino de Física para alunos do Ensino Médio, que favoreçam o ensino de
atividades complexas em ambientes hospitalares?
Situamos os estudos das evidências educativas no rol da aquisição de conhecimentos
predominantemente escolares, ou seja, aqueles pertinentes ao currículo escolar da escola de
origem de nossos alunos/pacientes.
Concebemos a aquisição de conhecimentos escolares pela lógica da associação ou da
construção como duas formas que se complementam, pois vivenciamos um currículo escolar
específico para cada aluno e é o momento educacional do educando que sugere a intervenção
pedagógica (15). As questões de como alunos e professores aprendem em ambiente hospitalar
não são partes deste estudo.
Chamamos de sistemas complexos aos sistemas não-decomponíveis ou
semidecomponíveis, constituídos por vários processos que interagem entre si, de tal maneira
que não podem estudados separadamente. A análise de um depende dos demais e um só fica
definido em função dos demais (10).
Medimos a relevância, dos estudos realizados no GRAACC durante o período de
tratamento, pela adesão dos nossos alunos ao estudar no hospital e pelo retorno/manutenção à
escola de origem e acreditamos que a importância dos nossos estudos esteja no levantamento
das hipóteses que favorecem o ensino das Ciências no ambiente hospitalar.
MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa do tipo retrospectiva, transversal e não paramétrica (16),
ocorrida de março de 2000 até junho de 2005, da qual participaram 115 alunos/pacientes com
Osteossarcoma. Após consentimento livre e informado, o aluno foi entrevistado por um
professor hospitalar. A entrevista foi realizada em um dia de atendimento clínico no IOPGRAACC-UNIFESP e tem um caráter semi-estruturado. Além da entrevista, considera-se
como fonte de dados da pesquisa, as anotações dos alunos realizadas durante a aula hospitalar,
e/ou relato do professor hospitalar em reunião de estudo de casos.
Dinâmica da população no que diz respeito ao período do tratamento:

Vinte e oito pacientes comparecem ao hospital periodicamente para
consulta de controle da doença, em um período pós-quimioterapia. Estes são os
informantes do que denominamos evidências educacionais tardias (17).

Oitenta e sete alunos comparecem ao hospital para tratamento
quimioterápico. Esta é a base das informações sobre as evidências educacionais
imediatas.
A seguir apresentam-se a base de dados e os eixos que compõem a sua análise:

Entrevista semi-aberta com aluno/paciente e acompanhante (n=115
alunos) em que foram pesquisadas respostas para as questões:
o
Identificação do aluno: nome, idade, local de moradia.
o
Identificação da escola: nome, local, série, indicação do ano
escolar que refez - quando for o caso.
o
Identificação da doença: nome da neoplasia, local, ano do
diagnóstico.
o
Relação com a escola: adequação aos estudos em função da
doença em si e/ou tratamento.
A análise das entrevistas tem como eixo a manifestação de evidências imediatas e
tardias no processo de escolarização. O padrão de adequação é aquele da série ideal para a
idade.

Relatório de atendimento pedagógico hospitalar (n=87): aqui o eixo de
análise encontra-se na evolução da aquisição de conhecimentos escolares de Física na
série de origem.
Ficam compostos dois grupos de análise: no grupo G1, os alunos/pacientes passam
por acompanhamento pedagógico hospitalar (n=87) e no G2, não passam (n=28). Têm-se duas
amostras independentes e o ano em que ocorreu o início do tratamento, em escala ordinal, será
a base estatística ordenada do estudo não-paramétrico.
A qualidade da relação foi analisada com a aplicação dos coeficientes de correlação
Pearson. Para a estatística descritiva e inferência, utilizamos o programa Statistical Package
for the Social Sciences (SPSS). Os resultados dos testes foram considerados significativos
para valores inferiores ou iguais a 0,05.
De posse dos indicadores estatísticos e de uma análise dos dados traduzida em
porcentagem, retomaram-se os relatórios de aulas e de entrevistas, para que uma análise
qualitativa fosse construída.
RESULTADOS
A defasagem de ano escolar, do grupo estudado, no ensino médio é de 36,5%
(42/115). Encontramos como justificativa (18).
o
As ausências escolares, em função do tratamento e da doença em
si, impossibilitam a compreensão das atividades escolares acarretando
abandono do ano escolar,
o
Pais ou agentes escolares sugerem primeiro terminar o
tratamento e depois retornar aos estudos,
o
Vínculos, anteriores à doença, comprometidos com a
escolaridade.
É característica desse grupo ausência completa à escola em média por 18 meses. A
justificativa dada, por eles, para as ausências escolares, é que elas não são fruto somente dos
aspectos clínicos (principalmente problemas motores e deformidades cosméticas), mas
também como já colocado anteriormente, a agressividade do meio escolar em função de suas
questões (18).
Após divisão das amostras nos grupos G1 e G2, já descritos acima, temos para os
alunos que realizaram tratamento após a implantação do projeto de estudar no hospital (G1)
uma defasagem de ano escolar de 28,7% (25/87) e para o grupo anterior ao projeto (G2) uma
defasagem de ano escolar de 60,7% (17/28).
Quando aplicado o coeficiente de correlação Pearson, encontramos para o grupo
como um todo, ou seja, para n=115 alunos pesquisados, um coeficiente de correlação de
0,168. Diferentemente para G1 o valor de 0,765 e para G2 a indicação é de 0,967. Os valores
encontrados sugerem uma forte correlação entre as variáveis “defasagem escolar/não
defasagem escolar” em função da situação “estuda/não estuda no hospital”.
Temos ainda que 18,2% dos alunos, que realizaram acompanhamento educacional
hospitalar durante o período de tratamento, abandonam os estudos após um ano de retorno às
atividades escolares.
APRESENTAÇÃO DE UM CASO
TEMA
Uma experiência de classe hospitalar para o ensino do conceito de trajetória.
IDENTIFICAÇÃO DO ALUNO.
Aluno BCO
Idade em janeiro de 2005: 15 anos e 3 meses.
Escolaridade: 1ª ano do Ensino Médio, não apresenta defasagem de ano escolar.
Escola de Origem: Estadual
Estado: São Paulo - Bairro Itaim Paulista.
Início do Tratamento: 19/09/2004.
INDICADORES PARA O PROFESSOR

Previsão de volta ao estudo na escola de origem: Agosto de 2005,
durante três dias por semana. Nos demais dias da semana, comparecerá ao hospital
para fisioterapia, exames e medicação.

No dia em que realiza a atividade exemplo do artigo, compareceu ao
hospital para exames adicionais, pois apresentou febre no dia anterior e existe uma
suspeita de infecção pulmonar.

A escola de origem encaminha os tópicos para que sejam estudados no
hospital e encaminha prova para ser resolvida em casa.

O professor da escola de origem sugere que o aluno aprenda o conceito
de trajetória e as implicações do referencial inercial nesse conceito.
PROTOCOLO DE ATENDIMENTO HOSPITALAR
Em uma abordagem inicial, o professor hospitalar analisa a relação do aluno com o
tema e uma situação problema é lançada.
É proposto ao aluno descrever a trajetória de um carrinho. Ele lança o carrinho sobre
a mesa de estudo e descreve a trajetória como sendo inicialmente reta e curva no final. Ao ser
solicitado sobre a existência ou não de outra forma de descrição, diz que acredita não haver.
Logo em seguida faz uma experiência com o carrinho deslizando sobre um móbile- figura 1 –
novamente descreve como uma seqüência de retas e curvas.
É proposto ao aluno, que desenhe a trajetória observada e descrita. Ele reproduz o
móbile, como pode ser observado na figura-2.
O aluno é instigado, pelo professor, a “brincar” com o móbile em diferentes posições.
O aluno adjetiva melhor suas descoberta:

Trajetória inclinada,

Diferentes tamanhos,

Diferente rapidez conforme a trajetória é curva ou reta.
O móbile é então colocado, pelo aluno, em diferentes posições. Quando o aluno
observa o brinquedo do alto, coloca: “a trajetória agora é como uma linha vertical,
desenhando no espaço com o dedo, e para baixo”.
O professor coloca o móbile em diferentes posições, e solicita que o aluno, mesmo
sem lançar o brinquedo, descreva a trajetória que realizaria.
Sempre que a posição, do móbile, é vertical, conforme figura (1), o aluno descreve a
trajetória adequadamente.
Quando o móbile, inicialmente está na posição horizontal, o aluno não consegue criar
uma proposta de solução.
O professor propõe ao aluno que repita o processo, desde o lançamento do brinquedo
na mesa e descreva suas observações.
Agora com o móbile na posição horizontal, o aluno diz que necessitaria de um
“turbo”, em referência aos carros de quadrinhos animados.
O aluno, sem lançar o brinquedo, e acompanhando-o com a mão, simula um turbo.
Descreve a trajetória, com o móbile na posição horizontal, quando seu olhar é do alto,
mas tem dificuldade em descrever a trajetória, quando seu olhar parte do plano da mesa de
apoio.
Aluno/paciente BCO em 29/03/05. Intervalo de tempo da aula 10:13h – 10:45h.
DISCUSSÃO
Em vários pontos deste estudo, partimos de concepções relativas ao estudo das
ciências de uma forma mais ampla, pois é desta forma que os autores escolhidos apresentam
suas teorias. Entretanto, nossas considerações são restritas ao ensino da Física. Justifica-se a
elegibilidade tanto pela possibilidade de ações experimentais, como indicado na figura I, para
os diferentes temas sugeridos nos parâmetros oficiais de ensino nacional de Física, como pelo
próprio objeto de estudo da Física.
Pesquisadores do ensino das ciências, ao investigarem as condições que favorecem a
evolução do desenvolvimento conceitual adquirido pelos alunos, entendem que as interações
sociais entre os diferentes grupos estabelecidos em sala de aula têm papel de extrema
relevância na construção de conhecimentos conceituais. Assim, as dinâmicas individuais são
concebidas como algo que se fundamenta sobre experiências sociais. Ainda segundo esses
autores, os instrumentos cognitivos que a criança cria são também estruturações das
representações do campo social que ela é levada a elaborar por ocasião das interações sociais
(19,20,21).
Situações de ensino de Física devem privilegiar interações sociais, entretanto
pacientes granulocitopênicos ou submetidos à terapêutica imunossupressora possuem maior
risco de complicação infecciosa; dessa forma, agentes externos ao ambiente habitual do
paciente devem ser evitados (2). Em função dessas questões ligadas ao tratamento e à doença
em si, a aula hospitalar ocorre de forma individual.
No GRAACC, a natureza social da situação apresentada aos alunos é definida pelo
contrato didático que o professor hospitalar estabelece com seu aluno/paciente no momento da
aula hospitalar. A característica da situação de ensino não é o contrato didático em si, mas as
possibilidades de relações mediatizadas pela lógica hipotética-dedutiva, ou a dialética (20).
Se em todos os níveis do pensamento científico, a descoberta de uma nova
possibilidade pode ser longamente bloqueada pelas necessidades intrínsecas dos sujeitos, e
essas necessidades são tão menores quanto menores forem os conhecimentos dos sujeitos, pois
são poucas as possibilidades de combinações que se apresentam e ainda que as resistências
particularmente penosas vivenciadas constituam barreiras para com a construção de novas
possibilidades, até o momento entendemos que o contrato didático tem contribuído
significativamente no sentido de abertura para novas necessidades. É o contrato e a atividade
de ensino que apresentam possibilidade de vincular conteúdos, tarefas, situações e saberes a
uma situação pedagógica específica.
Na dinâmica de classe hospitalar, essa situação, mesmo que fictícia de sala de aula,
em última instância contribui para expressão das potencialidades da interação social,
sistematizada com vistas a favorecer o ensino de conceitos complexos pertinentes ao ensino
médio. Assim, os modelos de experimentos que propomos para o ensino da Física não são
reproduções de uma determinada realidade, são elementos do cotidiano hospitalar do aluno,
brinquedos presentes na brinquedoteca, elementos utilizados no tratamento, tais como
termômetro, seringa de injeção, radiografias, manual de radioterapia, situações vivenciadas
nas consultas de terapia ocupacional após colocação de prótese.
O ensino de atividades complexas pode ser facilitado, se o ambiente hospitalar:
 Proporcionar possibilidade de múltiplas representações de uma mesma
realidade – evitar simplificações de representações, devido à complexidade natural do
mundo.
 Possibilitar a realização de atividades autênticas – que estejam
contextualizadas.
 Fornecer várias opções de contexto, conteúdos, conhecimentos, para que
realidades múltiplas possam ser construídas. .
CONCLUSÕES
Apontamos as possibilidades de incorporar as situações hospitalares e do tratamento
ao estudo da Física e o contrato didático do professor com o aluno/paciente como estratégias
de tomada de decisão pedagógica que favorecem o ensino da Física. Em uma releitura da
Apresentação De Um Caso, a seqüência de ensino favoreceu:
 Tomada de consciência de que existe teoria a ser construída e não descrições da
realidade.
 O professor possibilitou confronto de pontos de vista, através de situações
anômalas que promoveram o aparecimento do conflito.
 O desenvolvimento de atividades, não somente experimentais, que evoluísse
para outros saberes, fica prejudicada no atendimento pedagógico hospitalar, pois, pelas
razões já colocadas, eles são assistemáticos e individuais. Entretanto, o professor deixando
em aberto questões a serem trabalhadas – no caso velocidade, inércia/força e outras –ao
retomar o experimento como sugere FINN, pode oportunizar a construção de novos
conceitos.
Observou-se, ao longo do período desta pesquisa, que a intervenção pedagógica
hospitalar consiste em fornecer algo além do currículo normal. Trata-se de uma série de ações
desenvolvidas no sentido não somente de reduzir o impacto do tratamento e da doença em si
no percurso escolar, como também de criar oportunidades de ensino adequadas ao momento
pedagógico do aluno/paciente. Assim, os indicadores de correlação já apresentados neste
artigo, a variação na porcentagem de alunos que não apresentam defasagem escolar após
estudar no hospital e principalmente a autonomia dos alunos na resolução de tarefas propostas
pelas escolas de origem sugerem que a proposta pode acarretar impacto sobre progressos
cognitivos posteriores.
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Figuras
Figura 1 – atividade experimental (estudo de caso)
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