o eletroscópio- resumo prévio - Instituto de Física

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IDENTIFICANDO PRESSUPOSTOS E CONTEXTOS DE
VALIDADE EM EXPERIMENTOS COM ELETROSCÓPIOS
Alexandre Medeiros
(PhD, Professor do PPGEC – UFRPE Av. Dom Manoel de Medeiros S/N. Dois IrmãosRecife-PE <[email protected]>)
Nivaldo Lima Jr.
(Mestrando PPGEC - UFRPE. Professor do CEFET-PE Av. Prof. Luís Freire, 500,
Cidade Universitária -Recife-PE<[email protected]>)
TRABALHO APRESENTADO NO VII Encontro de Pesquisadores em Ensino de Física (EPEF – Florianópolis – 2000)
Resumo
Nesta pesquisa buscou-se investigar a compreensão que os professores de física
têm acerca do funcionamento do eletroscópio, um instrumento de aparência muito
simples, cuja apresentação é frequente nos livros didáticos. Na verdade, o eletroscópio
carrega inúmeras possibilidades de discussões conceituais, não desenvolvidas
costumeiramente. Procurou-se, aqui, investigar o quanto um conjunto de professores de
eletricidade entrevistados conseguiu perceber as sutilezas daquele instrumento. Para tal,
foi desenvolvida uma série de situações, algumas das quais com desenhos
propositadamente modificados, com o objetivo de por em jogo a importância de
determinados conceitos. Procurou-se evidenciar nas análises um certo desencontro entre
as opiniões dos professores entrevistados e as suas dificuldades em interpretarem
corretamente o funcionamento do citado instrumento. Neste estudo, foi feita uma leitura
das respostas coletadas através de entrevistas semi-estruturadas, no intuito de oferecer
alternativas que pudessem possibilitar um ensino mais crítico, atento aos pressupostos e
aos contextos de validade dos assuntos abordados. Deste modo, o eletroscópio,
enquanto um instrumento de investigação, teve desvelada uma complexidade que pode
servir ao propósito de se problematizar a abordagem dos conteúdos. De outro modo, um
outro ponto que pôde ser destacado foi a investigação dos modelos mentais que aqueles
professores revelaram, diante de situações onde processos dinâmicos eram discutidos
em torno de representações visuais estáticas. Foram ainda discutidos os pressupostos
utilizados pelos entrevistados, quando da apresentação de um conjunto de questões
relativas à fenomenologia contida no funcionamento do eletroscópio.
Introdução
Diversas pesquisas têm demonstrado a existência de um grande número de
modelos mentais sobre circuitos elétricos entre os estudantes (Duit, 1993). Steinberg
(1988), atribuiu parte das razões da existência de tais modelos mentais a um estudo não
muito cuidadoso da eletrostática. A passagem do estudo da eletrostática para o da
eletrodinâmica, assim como dos fenômenos magnéticos associados à corrente elétrica,
tem sido encarada por muitos alunos como desprovido de um claro relacionamento com
os conteúdos eletrostáticos estudados no início dos seus cursos de eletricidade (Haertel,
1987; Eylon & Ganiel, 1990; Benshegir & Closset, 1996).
McIntyre (1974), já havia apontado que o estudo dos modelos desenvolvidos
pelos alunos na interpretação dos fenômenos eletrostáticos poderia conduzir à
montagem de um quadro geral que mapeasse a formação dos conceitos naquele campo.
Um exemplo desses modelos mentais é a idéia, compartilhada por vários estudantes, de
que um campo elétrico criado por uma carga puntual inserida numa superfície condutora
fechada não poderia atuar no exterior da mesma (Geller & Bagno, 1994). Recentemente,
tanto Harrington (1999), quanto Furió & Guisasola & Zubimendi (1998) desenvolveram
trabalhos nos quais os sentidos a serem atribuídos a tais modelos estavam baseados em
análises dos modos de pensar subjacentes às expressões verbais utilizadas pelos alunos
na interpretação dos fenômenos da eletrostática.
Outros trabalhos, como os de Gregory (1974) e Siddons (1979), mostraram que a
utilização de abordagens pedagógicas, calcadas na realização de experimentos a respeito
de pontos básicos da eletrostática, poderia vir a se constituir numa maneira de discutir
as bases observacionais dos conceitos relacionados com essas situações. Assim,
conceitos como os de “eletrização por atrito”, “indução eletrostática”, “potencial
elétrico” e “aterramento”, parecem servir de exemplos daquilo que pode ser discutido
em experimentos com um eletroscópio de folhas (Gallai & Stewart, 1998a; Gallai &
Stewart, 1998b; Greenslade Jr, 1982; Mellen, 1989; Layton, 1991). Por outro lado, a
riqueza da complexidade conceitual presente num simples eletroscópio foi destacada
por Engelman (1983), ao apontar a possibilidade da utilização desse instrumento na
discussão das idéias dos estudantes sobre a própria natureza da observação,
considerando-se o relacionamento entre o conhecimento científico e as aplicações
práticas, colocando-se tal relacionamento no seu contexto histórico apropriado.
Unindo-se esses dois grandes ramos das pesquisas relacionadas com o ensino e a
aprendizagem da eletrostática, quais sejam, o da investigação dos modelos mentais dos
estudantes e o da riqueza conceitual presente numa discussão problematizadora dos
experimentos com objetos como o eletroscópio, surgem algumas outras vertentes a
serem exploradas. Uma delas é a investigação dos modelos mentais relacionados
diretamente à utilização daqueles instrumentos, por vezes apontados como verdadeiros
trampolins para um ensino mais eficiente. Até que ponto, aquela riqueza conceitual
presente em tais experimentos é percebida, mesmo pelos professores? Neste sentido,
insere-se o problema da presente pesquisa: investigar aquilo que é compreendido por
professores de física ao lidarem com algumas questões inusitadas relacionadas com o
funcionamento do eletroscópio, diferentes daquelas situações padronizadas, comumente
apresentadas pelos livros textos.
O funcionamento do eletroscópio como referencial teórico das entrevistas
Nas entrevistas realizadas, diversas situações foram postas com respeito à
compreensão do funcionamento, assim como ao emprego do eletroscópio de lâminas,
muitas das quais abordadas anteriormente por Abbott (1963). Inicialmente, explorou-se
as idéias daqueles professores acerca da eletrização por atrito, da sua gênese
eletrodinâmica ou eletroquímica. Em verdade, basta que dois materiais distintos venham
a ser colocados em contato entre si para que possa ocorrer tal processo de eletrização.
Por sua vez, o atrito pode propiciar um incremento da eletrização obtida já no primeiro
contato, através de uma aproximação mais efetiva das duas superfícies. Neste contexto,
a capacidade de ceder ou receber elétrons por parte de um material dependerá da
natureza do outro material atritado, pouco dependendo da elevação de temperatura,
tendo-se em vista a fricção. Desta forma, poder-se-á conceber uma série triboelétrica,
onde um material poderá eletrizar-se positiva ou negativamente, dependendo do outro
material desta série. Qualquer material pode ser eletrizado por este processo, como os
condutores (metálicos ou não), líquidos, vapores ou gases. Entretanto e geralmente, as
séries apontadas nos livros-texto, quando lá aparecem, só contêm alguns poucos
materiais, sendo estes, em geral, sólidos e “isolantes”. Na verdade, para eletrizar-se um
“bastão condutor” dever-se-á tomar algumas precauções para que o objeto não seja
simultaneamente descarregado para a terra.
Do ponto de vista histórico, pode-se registrar que, ao final do século XVIII, eram
utilizados, nas experiências de indução, por exemplo, diversos tipos de eletroscópios e
eletrômetros, dentre os quais o criado pelo reverendo Abraham Bennet, um
aperfeiçoamento do aparelho de Tiberius Cavallo, que viria a tornar-se o mais
conhecido deles (Forbes & Dijksterhuis, 1963; Turner, 1927; Meyer, 1977). Bennet
tornou público tal instrumento, o eletroscópio de folhas de ouro, na Philosophical
Transactions, da Royal Society, de 1787. Aperfeiçoado, logo em seguida, por William
Hasledine Pepys, tornar-se-ia, desde então, o mais sensível detector de eletricidade
disponível à época. O eletroscópio de Bennet pode ser tido como um exemplo do
desenvolvimento da compreensão do papel desempenhado pelos condutores nos
instrumentos de medidas elétricas. A incorporação de folhas de ouro a este instrumento,
não deve ser vista como o resultado de uma tentativa qualquer de substituição do tipo de
material utilizado. O ouro, assim como a prata antes utilizada por Tiberius Cavallo, era,
como ainda o é, um elemento muito valioso para ser incorporado sem maior
compromisso em meros procedimentos de tentativas e erros. Sua utilização é, antes de
tudo, um reconhecimento do seu papel desempenhado como excelente condutor. Em
conexão com o eletroscópio de folhas de ouro, de Bennet, deveria, entretanto, ser
mencionado que, ao final do século XVIII, vários outros eletroscópios e eletrômetros
estavam igualmente em uso ou em desenvolvimento.
Basicamente, o princípio de funcionamento do eletroscópio de lâminas condutoras
pode ser explicado a partir do conceito de indução eletrostática, uma manifestação
descoberta por John Canton em 1753. Para tanto, este instrumento pode ser concebido
de modo que um par de lâminas de ouro seja conectado a um eletrodo superior, normalmente, configurado na forma de uma esfera metálica, através de
uma haste igualmente condutora, transformando o conjunto em um
condutor extenso, conforme pode ser visto na figura ao lado, à
direita. É importante notar, todavia, que a forma esférica não é
obrigatória. Deste modo, ao tomar-se, como exemplo, a
aproximação de um corpo positivamente carregado do
eletroscópio, elétrons concentrar-se-ão na superfície do eletrodo,
migrando de toda a estrutura metálica
a ele conectada. Com a perda de
‘elétrons livres’, as lâminas adquirirão,
consequentemente, um excesso de
carga elétrica positiva. Assim, forças
eletrostáticas de repulsão passarão a contribuir para um
significativo afastamento destas lâminas, conforme ilustrado
na figura à esquerda. O grau de deflexão das lâminas
observado no eletroscópio dependerá da intensidade do
campo elétrico produzido pelo corpo indutor, bem como da sensibilidade inerente a
fatores dimensionais das lâminas utilizadas no mesmo. No caso da aproximação de um
corpo carregado negativamente, o fluxo de ‘elétrons livres’ será oposto ao descrito
anteriormente. Neste caso, as lâminas também se afastarão por estarem carregadas
negativamente. A constituição física do eletroscópio, em geral, contempla um recipiente
de vidro no qual é encerrado o conjunto haste-lâminas. A natureza, bem como a
finalidade, deste recipiente raramente são objeto de maiores comentários.Um invólucro
de material condutor, com uma janela de observação, por vezes, é utilizado e impede
que as lâminas possam ser influenciadas diretamente pelo indutor. Por outro lado, o
eletroscópio pode ser usado como um detector de um desbalanceamento de carga em
um corpo. Caso outros recursos passem a ser utilizados, como uma série triboelétrica,
poder-se-á ainda utilizar este instrumento para descobrir o tipo de carga presente num
corpo eletrizado. Sendo o eletroscópio um instrumento de medida, a variação do ângulo
de deflexão de suas lâminas condutoras pode ser associada à variação espacial do
potencial elétrico em suas proximidades, bem como em sua estrutura interna (entre as
lâminas e a carcaça). Considerando-se ainda a composição das forças que atuam sobre
as lâminas, conforme o esquema abaixo, quais sejam, o peso próprio e a força elétrica
de repulsão, sua deflexão não poderá ser linear. Então, para que o ângulo alfa alcançasse
um valor infinitamente próximo de 90°, ter-se-ia a necessidade de uma força elétrica
infinita.
Tomando-se como simplificação um
eletroscópio
composto
por
dois
pequenos pêndulos eletrizados, o
sistema de forças seria como mostrado
na figura ao lado. O valor da força
elétrica de repulsão, em tal caso, varia
com a posição, assim como o equilíbrio
com a componente do peso. Portanto,
uma postura de atribuir-se qualquer
relação linear entre a deflexão angular e
o campo elétrico entre os pêndulos, inclusive em relação à carga presente nos mesmos,
configurar-se-á em um grande equívoco. No caso do eletroscópio de lâminas, a situação
é semelhante à acima descrita, sendo ainda um pouco mais complexa, pois as cargas,
afastadas pelo indutor, tendem a distribuírem-se não uniformemente em tais lâminas,
concentrando-se nas suas extremidades. Como, no entanto, o centro de massa coincide
com o centro geométrico de tais lâminas, admitindo que as mesmas tenham uma
distribuição uniforme de massa, ter-se-á, no caso real, um encurvamento das lâminas
com o avanço das suas extremidades.
Centrando a discussão no eletroscópio de lâminas, poder-se-á considerar a forma
como este, normalmente, é apresentado em alguns livros-texto. Como ilustrado pela
figura ao lado, à direita, um eletroscópio fora representado
com as lâminas defletidas e um bastão sendo aproximado do
mesmo, sem a representação gráfica de qualquer carga. Neste
ponto, muitos leitores de tais textos passam a interpretar a
situação, tomando como pressupostos alguns parâmetros não
explicitados previamente. Muitas vezes o bastão é tido como
eletrizado e sendo aproximado de um eletroscópio que estava
inicialmente neutro. Poder-se-ia ter o contrário, ao estar neutro
o bastão, enquanto que o eletroscópio estivesse previamente
eletrizado. Por outro lado, nada pode vir a assegurar que o movimento, se houver, seja
de aproximação.
Um outro aspecto pouco contemplado nas abordagens
emprestadas por diversos autores é a natureza do material que vem a
tocar o eletrodo do eletroscópio, como ilustrado na figura à
esquerda. Enquanto que, na indução, este aspecto é pouco relevante,
no caso do contato ele não o é. A transferência de carga entre o
elemento aproximado e o bastão depende da natureza do material,
das suas propriedades elétricas como dielétrico ou condutor. Ao
tentar-se transferir mais cargas de um bastão dielétrico, poder-se-á
eletrizar o eletroscópio por atrito. Assim, esta triboeletrização
poderá, até mesmo, anular a eletrização por contato. Por sua vez, no
caso de utilizar-se uma esfera condutora, pouco é inferido a respeito da influência das
dimensões relativas entre os dois elementos postos em contato. Uma abordagem
centrada na questão do equilíbrio do potencial elétrico passa a ser fundamental.
Note-se ainda, no eletroscópio da figura anterior, a utilização de uma carcaça
metálica, ao invés de um recipiente de vidro. Neste aspecto, poucos são os textos onde
um acessório condutor é disposto nas proximidades das lâminas do eletroscópio, como
indicado por Ference Jr. et al (1968). O emprego de um invólucro metálico, com uma
janela de observação é recomendado por Abbott (1963) e Sengberg (1975). Nas figuras
a seguir, uma conexão elétrica de aterramento foi implementada no eletroscópio, em
pontos variados. Ao mesmo tempo, a aproximação do corpo indutor deixou de ser feita
do modo “tradicional”, passando a se dar também pela lateral do
eletroscópio. Na figura à esquerda, a carcaça do eletroscópio é
aterrada, enquanto um indutor é aproximado por cima do
eletrodo. Assim, com o aterramento, a diferença de potencial
entre as lâminas e a carcaça do eletroscópio será
maior do que sem esta conexão, propiciando
uma maior deflexão angular das lâminas. Na
figura à direita, a aproximação do bastão é feita lateralmente e, como o
eletrodo do eletroscópio ainda será influenciado, as lâminas também
acusarão uma eletrização. Neste caso, as lâminas não estarão sendo
influenciadas diretamente pelo indutor, mas sim, através da haste e do
eletrodo superior. A figura à esquerda mostra um
eletroscópio numa situação parecida com a descrita
anteriormente. Neste caso, ainda poderá ser observada uma deflexão
entre as lâminas de uma magnitude menor do que aquela apontada
quando do aterramento da carcaça. À direita,
temos uma outra figura com o eletrodo superior
aterrado, enquanto um bastão tido como
eletrizado é aproximado de sua lateral. Ao
contrário do que muitos imaginam, ainda será verificada uma
deflexão das lâminas, tendo-se em conta uma diferença de potencial
entre as lâminas e a carcaça (Abbott, 1963).
Numa nova figura, à esquerda, alguns
acessórios foram suprimidos, como a “rolha de borracha”, o que
acarretou uma conexão direta entre o conjunto eletrodo-lâminas e
a carcaça metálica. Neste caso, como numa gaiola de Faraday, as
lâminas estarão livres de qualquer influência elétrica externa e
não se defletirão. Uma outra situação pode ser ilustrada pela
figura abaixo, à direita, onde a haste condutora foi interrompida por
um material dielétrico, como uma borracha. Como não há mais uma
continuidade elétrica entre o eletrodo superior e as lâminas, as
mesmas deixarão de interagir por condução com aquele. Contudo,
para uma grande intensidade do campo elétrico externo, poderá
ocorrer indução nas lâminas através do material dielétrico
interposto, o que acarretaria numa pequena deflexão das lâminas. A
figura à esquerda, também contempla um equivalente da gaiola de
Faraday. Nesta situação, porém, a carcaça não está aterrada. Assim,
mesmo que o corpo do eletroscópio venha a eletrizar-se por contato
com o corpo indutor, as lâminas não indicarão qualquer deflexão,
pois o campo elétrico criado pelas cargas acumuladas no
invólucro do eletroscópio, não atuarão no seu interior.
No lugar de um eletrodo esférico, um condutor alongado pode vir a ser fixado
sobre o eletroscópio. Uma questão proposta por Einstein & Infeld (1962) tem uma
grande semelhança com o exemplo desenvolvido em nossa pesquisa. Numa seqüência
de proposições, este eletrodo extenso pode vir a ser fixado de modo excêntrico, com
relação à haste do eletroscópio. Diferentes possibilidades de aproximação do indutor,
seja por um lado, por outro, ou mesmo pela região central do topo, podem ser
discutidas, considerando-se o tipo de eletrização verificada no eletrodo, se por contato
ou por indução. O aterramento, ou não, da carcaça metálica pode vir a constituir-se em
mais uma variável a ser considerada. Numa extensão deste tipo de problema, o condutor
alongado pode ser afastado do eletroscópio, sendo fixado por uma base isolante. A
conexão elétrica entre o eletroscópio e o condutor alongado pode, então, ser
implementada por um condutor. Estas situações estarão sendo melhor ilustradas e
discutidas a seguir, na análise das entrevistas.
Metodologia
No intuito de proceder-se a uma reflexão em profundidade a respeito das
concepções acima mencionadas, foi adotada a abordagem qualitativa de um estudo de
caso. Em tal estudo de caso, tomou-se as opiniões de seis professores de física de um
Centro Federal de Educação Tecnológica, do CEFET-PE, tendo estes larga experiência
no ensino da eletricidade. A coleta das suas opiniões deu-se por meio de uma entrevista
semi-estruturada, baseada num estudo investigativo histórico-conceitual que se
constituiu, portanto, no seu referencial teórico de suporte. Este referencial, conforme
visto, foi sucintamente exibido na seção teórica apresentada anteriormente e inclui uma
ampla discussão dos pormenores de funcionamento de um tal aparelho. A entrevista foi
meticulosamente planejada para levantar questões que permitissem a problematização
do conteúdo tratado, no sentido de uma busca dos pressupostos teóricos envolvidos nas
explicações fornecidas pelos entrevistados, assim como dos limites de validade das
mesmas. A caracterização de tais entrevistas como semi-estruturadas deve-se ao fato de
que, apesar de estarem rigorosamente baseadas num arcabouço teórico bem definido,
não se limitaram a um simples questionário oral. Dependendo das respostas obtidas,
alguns pontos foram mais aprofundados que outros. As estruturas das entrevistas foram,
basicamente, as mesmas, mas os seus desenvolvimentos seguiram caminhos diferentes
que visaram explorar as visões particulares dos indivíduos entrevistados. Cabe,
entretanto, salientar que uma tal liberdade jamais caminhou no sentido de perder de
vista o referencial teórico, caminhando para uma entrevista completamente aberta. Por
outro lado, os questionamentos foram provocados por situações experimentais
desencadeadoras, “armadilhas conceituais” cuidadosamente preparadas para investigar
a compreensão do funcionamento do instrumento e dos conceitos nele envolvidos.
Análise das entrevistas com professores de física sobre o eletroscópio de lâminas.
A origem da eletrização por atrito está relacionada aos diferentes potenciais de
contato entre substâncias diversas (Anderson, 1936). Deste modo, corpos de substâncias
idênticas não conseguem produzir, por atrito, qualquer eletrização. Este fato não parece
ter sido, no entanto, percebido por um dos professores entrevistados, que se referiu ao
atrito, sem um maior cuidado, como se ele, por si só, pudesse assegurar a obtenção de
um desequilíbrio de cargas entre corpos quaisquer. Neste aspecto, apenas três
professores associaram o tipo de eletrização passível de obtenção à necessidade dos
materiais serem distintos, quando dois destes referiram-se claramente a uma série
triboelétrica. Por outro lado, dois dos entrevistados categorizaram os materiais a serem
atritados como sendo exclusivamente isolantes, sendo que um destes havia referido-se
anteriormente a uma série triboelétrica. Desta forma, tal série estava sendo
particularizada no tocante ao grau de condutibilidade elétrica de seus componentes. Para
estes professores, materiais condutores, como os metais, por exemplo, não poderiam ser
eletrizados por atrito com outro material. É bem verdade que na história da eletrostática
pode-se identificar um episódio aparentemente semelhante, quando materiais que hoje
são tidos como condutores, como os metais, foram considerados como sendo “não
elétricos”. Justamente no estudo das eletrizações por atrito, as amostras destes materiais
foram manuseadas diretamente com uma mão desprotegida e, uma vez descarregados
por este contato direto, não apresentaram qualquer indício de eletrização. Por outro
lado, nos textos onde se pode encontrar alguma alusão a esta série, não é comum a
citação de condutores, como os metais.
O quadro a seguir é composto por um conjunto de dezenove categorias de análise
e foi definido em função da apresentação de trinta questões e subquestões ligadas à
eletrostática e, particularmente, ao eletroscópio, bem como, das respostas apresentadas
pelos professores entrevistados.
Quadro de Categorias de análise
Cat 1
Cat 2
Cat 3
Cat 4
Cat 5
Cat 6
Cat 7
Cat 8
Cat 9
Cat 10
Cat 11
Cat 12
Cat 13
Cat 14
Cat 15
Cat16
Cat 17
Cat 18
Cat 19
Tomada da triboeletricidade como algo que pode ocorrer atritando-se materiais idênticos.
Associação do grau e tipo de eletrização a uma série triboelétrica.
Categorização das substâncias presentes numa série triboelétrica.
Tomada de uma prévia neutralidade como pré-condição para a eletrização por atrito.
Particularização dos materiais empregados num eletroscópio de lâminas.
Associação do comportamento do eletroscópio ao fenômeno da indução eletrostática, bem como
à condução elétrica.
Distorção conceitual quanto à interpretação do significado físico associado ao ângulo de
deflexão das lâminas do eletroscópio.
Distorção quanto à interpretação de imagens que ilustram corpos eletrizados, costumeiramente
utilizadas em livros-texto de física, alusivas ao eletroscópio.
Distorção quanto à interpretação da interação entre um corpo neutro e um eletroscópio
carregado.
Tomada do carregamento do eletroscópio, por contato, como sendo independente da natureza do
material aproximado.
Consideração das dimensões dos componentes de um eletroscópio como sendo relevantes para o
seu desempenho.
Distorção acerca do modelo adotado no tocante à redistribuição de cargas entre corpos
condutores eletrizados e postos em contato entre si.
Omissão quanto à possibilidade de uso do eletroscópio em conjunto com outros dispositivos
eletrostáticos.
Percepção da possibilidade do eletroscópio poder vir a ser utilizado para identificar o tipo de
carga de um corpo aproximado, ou ainda suas características dielétricas.
Distorção conceitual acerca do papel do aterramento da carcaça condutora do eletroscópio.
Distorção quanto às expectativas apresentadas em função de modificações na estrutura do
conjunto haste-lâminas do eletroscópio.
Omissão quanto à manifestação de expectativas quando da proposição de modificações na
estrutura do conjunto haste-lâminas do eletroscópio.
Distorção quanto às expectativas apresentadas em função de modificações na forma e posição
relativa do eletrodo superior do eletroscópio.
Omissão quanto à manifestação de expectativas quando da proposição de modificações na forma
e posição relativa do eletrodo superior do eletroscópio.
Um outro aspecto mostrou-se bastante interessante na análise das entrevistas
realizadas, quando um dos professores entrevistados tomou como algo necessário para a
eletrização dos diferentes materiais a pré-condição da neutralidade dos mesmos. Na
verdade, se este modelo estivesse correto, todos os materiais empregados em
experimentos de eletrização por atrito só poderiam ser utilizados uma única vez. Deste
modo, as máquinas eletrostáticas de atrito não teriam sido desenvolvidas. A tomada do
pressuposto da neutralidade inicial pode revelar uma tendência de simplificação dos
modelos mentais alusivos à triboeletricidade.
Quando do direcionamento da discussão para um instrumento eletrostático em
particular, como o eletroscópio de lâminas, a totalidade dos entrevistados particularizou
os materiais empregados na confecção deste tipo de instrumento. Como um primeiro
exemplo, poder-se-ia citar as lâminas do eletroscópio, tidas como sendo exclusivamente
metálicas. Ainda neste aspecto, o ouro fora apontado como o tipo de metal a ser
empregado, sem que fosse apontada qualquer justificativa para a sua escolha. Neste
sentido, características elétricas e mecânicas deste e de outros materiais foram
desconsideradas. Por outro lado, um segundo exemplo da particularização apontada na
presente análise diz respeito à forma, como também, ao material empregado num
invólucro presente em todas as entrevistas. A utilização de um cilindro de vidro ou
plástico transparente foi contemplada em todas as abordagens emprestadas a este
aspecto construtivo. Apenas dois professores consideraram, alternativamente, a
possibilidade de empregar-se um “cilindro metálico com uma janela de observação”. No
caso destas duas últimas citações, uma espécie de rolha de borracha também foi citada
como algo necessário a um isolamento elétrico entre a carcaça metálica e o conjunto
eletrodo-lâminas. Por sua vez, no que diz respeito a este conjunto, todos os
entrevistados categorizaram os materiais nele utilizados como sendo metálicos. Poderse-ia ainda destacar o tratamento dirigido pelos professores entrevistados à forma, bem
como, às dimensões do eletrodo do eletroscópio. Para estes, o eletrodo geralmente tem a
forma de uma pequena esfera de metal, ou ainda de um outro material recoberto com
uma película metálica. De um modo geral, os modelos mentais apresentados pelos
entrevistados, acerca da estrutura de um eletroscópio, estão em consonância com a
maioria das imagens apresentadas nos livros-texto de física onde o eletroscópio é
apresentado.
Quando do direcionamento das questões levantadas para o modus operandi do
eletroscópio, apenas dois dos entrevistados consideraram uma dupla possibilidade de
interação entre um corpo carregado e este instrumento eletrostático. Assim, tanto por
indução eletrostática, como por condução elétrica, as lâminas do eletroscópio podem vir
a defletirem-se. Pode-se ainda destacar que, nas representações destes dois professores,
o tipo de carga que estaria alocada nas lâminas do eletroscópio seria da mesma natureza
da carga do corpo eletrizado, tanto na indução, como no contato direto. Por outro lado,
outros três professores apontaram apenas a indução eletrostática como elemento causal
da deflexão das lâminas, omitindo, assim, a possibilidade de uma transferência de carga
por contato. Para estes, parece que colocar o corpo em contato com o eletroscópio seria
apenas uma redundância, tendo em vista uma possível finalidade de, tão somente,
perceber se o corpo estaria, ou não, eletrizado. Portanto, se ainda distante, o eletroscópio
indica uma eletrização, por que se deveria tocá-lo? Contudo e ainda, um único professor
considerou em sua análise apenas o fenômeno da condução elétrica por contato entre o
corpo eletrizado e o eletroscópio. Esta sim pode ser considerada uma grave omissão, ou
mesmo uma distorção conceitual, tendo em vista que a condução pode ser evitada, ao
passo que a indução sempre antecederá o toque. Este tipo de distorção também pode ser
encontrado em alguns livros-texto de física. Contudo, uma possível investigação de uma
vinculação entre este tipo de concepção e tais abordagens editoriais não é objetivo deste
trabalho.
Na sequência das questões levantadas, passou-se a investigar os pressupostos
utilizados pelos professores no tocante às suas interpretações acerca do significado
físico do ângulo de abertura das lâminas do eletroscópio. Este é um ponto realmente
complexo do funcionamento do eletroscópio e que tem grande significado histórico. De
fato, o significado a ser atribuído à abertura entre as lâminas do instrumento é algo
relativo ao qual mesmo os livros-texto costumam cometer equívocos. Na presente
pesquisa, a quase totalidade dos professores entrevistados (cinco, num total de seis)
interpretou tal afastamento como uma medida da quantidade de cargas contida no corpo
indutor. Em verdade, a abertura depende do número de cargas excedentes acumuladas
nas lâminas, mas não apenas deste valor. Há igualmente uma dependência, muito
importante, com relação às dimensões do instrumento e, em particular, à forma como as
cargas estão distribuídas entre as lâminas, a haste e o eletrodo superior (geralmente um
condutor esférico). Deste modo, uma tal relação é caracterizada pelo fato de que a
abertura depende do conjunto desses fatores, reunidos no conceito de potencial. A
abertura expressa, deste modo, uma medida do potencial e não simplesmente das cargas
nelas contidas. Nenhum dos entrevistados pareceu, ao menos, vislumbrar claramente
esta dependência. Um deles, por exemplo, afirmou que: “o eletroscópio serve para
indicar se um determinado corpo está, ou não, eletrizado. Seria um elemento que dá a
indicação da carga”, ao passo que um outro referiu-se ao fato de que: “as lâminas
fazem este afastamento que será tanto maior quanto maior for a carga presente nesse
corpo”.
Numa etapa seguinte, os professores foram apresentados à ilustrações gráficas
onde um bastão, sustentado manualmente, estava próximo a um eletroscópio com
lâminas representadas de forma defletida. Nas imagens oferecidas, nenhum símbolo
gráfico foi utilizado para indicar qualquer sinal de carga, se positiva ou negativa,
porventura presente no sistema. Então, questionados quanto ao estado elétrico do
bastão, três dos seis entrevistados afirmaram, sem reservas, que este estava eletrizado e
causava a deflexão das lâminas do eletroscópio. Tome-se como exemplo a seguinte
afirmação: “se o livro mostra a figura já com as lâminas abertas, é sinal que o bastão
aproximado está eletrizado. Se ele não estivesse, não haveria deflexão”. Os demais
professores, por sua vez, identificaram a possibilidade do eletroscópio já estar
previamente eletrizado, estando o bastão eletrizado ou não. Por outro lado, apesar da
imagem analisada não sugerir qualquer idéia de movimento, todos entenderam que o
bastão estaria sendo aproximado do eletroscópio. A possibilidade de estar havendo um
afastamento ou uma condição estacionária não foram, no entanto, contempladas nas
respostas. Cabe observar que, nos livros-texto de física que apresentam o eletroscópio
na discussão de seus conteúdos, na maioria das vezes, uma única imagem é tida como
sugerindo uma tal aproximação de um bastão eletrizado diante de um eletroscópio
previamente neutro. Em outros casos, as cargas são representadas com símbolos ou
sinais, que não são entes visíveis, numa situação mais próxima a um experimento real.
Ao passar-se para a discussão acerca da interação entre corpos eletrizados, ou não,
e um eletroscópio previamente eletrizado por contato, constatou-se que apenas dois, dos
seis professores ouvidos, apontaram para a possibilidade de um corpo neutro vir a
influenciar no comportamento das lâminas do eletroscópio, quando de sua aproximação.
Eles chegaram a prever uma sutil diminuição do ângulo de deflexão das lâminas,
enquanto que, para os demais, um corpo neutro não poderia causar qualquer perturbação
no eletroscópio, estando este carregado ou não. Na verdade, este segundo grupo deixou
de considerar que a indução eletrostática poderia ocorrer a partir do próprio eletroscópio
ora eletrizado, o verdadeiro indutor. O problema parece residir na forma como estes
conteúdos foram trabalhados anteriormente, quando da formação dos conceitos por
parte destes professores. Assim, podem ter ocorrido fixações de modelos mentais
fortemente associadas a uma concepção paradigmática, na qual o corpo indutor sempre
fora apresentado na forma de um bastão.
Dando continuidade às entrevistas e passando-se a focalizar um outro aspecto em
particular, os professores foram ainda questionados sobre o papel desempenhado pelo
tipo de material eletrizado que pudesse vir a ser colocado em contato com o
eletroscópio. Um dos professores preferiu se omitir a este respeito, enquanto que outros
dois afirmaram que tanto faria se o material fosse um isolante ou um condutor. Os
demais professores consideraram que, na eletrização do eletroscópio por contato, a
transferência de carga dar-se-ia de forma mais efetiva no caso do material a ser posto
em contato vir a ser um condutor. Ressaltaram ainda estes últimos entrevistados que, no
exemplo de um bastão isolante eletrizado, a transferência de carga seria muito difícil,
podendo ser melhorada, entretanto, através do contato em um número maior de pontos
do mesmo bastão. Mesmo assim, ao sugerirem um artifício desta ordem, não
consideraram a possibilidade do atrito entre os dois materiais vir a perturbar os
resultados experimentais almejados através de uma triboeletrização secundária.
Mais adiante, passou-se a discutir uma possível influência das dimensões dos
elementos constitutivos do eletroscópio no seu funcionamento. Primeiramente,
comparou-se possíveis performances de eletroscópios semelhantes do ponto de vista
estrutural, diferenciando-se, porém, por suas proporções relativas. Neste sentido, todos
os entrevistados consideraram que, para um mesmo corpo indutor aproximado, no caso
do eletroscópio de maiores dimensões, as lâminas iriam defletir-se menos em função do
aumento do seu peso. Assim, apenas um dos professores optou por aprofundar esta
discussão, sugerindo que, quando da eletrização do eletroscópio por contato, ele teria a
mesma deflexão daquele de maiores dimensões, ao considerar que: “quando ocorresse o
contato, no eletroscópio de maior dimensão, ganharia mais cargas. No eletroscópio de
menor dimensão, por sua vez, ganharia menos carga. Mas, como as lâminas teriam
menos peso, poderia ter o mesmo deslocamento”. A seguir, considerou-se uma situação
onde um eletroscópio era carregado por contato com um corpo condutor eletrizado,
particularizado como sendo uma esfera metálica isolada. Num segundo momento, esta
esfera foi colocada em contato com um segundo eletroscópio neutro e idêntico ao
primeiro. Dentre os professores ouvidos, dois deles afirmaram que, na sequência
experimental proposta acima, haveria uma descarga completa da esfera já no primeiro
contato. Para um outro professor, haveria uma divisão de cargas pela metade no
primeiro e no segundo contato, de modo que, ao final do último evento, a carga no
corpo eletrizado teria sido reduzida para a quarta parte da carga original. Pode-se
perceber aí uma evidente desconsideração acerca do papel desempenhado pelo potencial
elétrico nas relações entre os estados de eletrização inicial e final de cada corpo
envolvido. A idéia de uma simples divisão por igual da carga entre os corpos parece ser
preferida, em detrimento de uma consideração mais pertinente do ponto de vista
eletrostático. De outro modo, ao investigar-se a possibilidade de se poder transferir
integralmente a carga de um corpo para um eletroscópio, apenas um dos entrevistados
sugeriu o uso deste instrumento conjuntamente a um cilindro oco de Faraday. Por outro
lado, a utilização do eletroscópio de modo que possa servir a uma identificação do tipo
de carga presente em um corpo eletrizado, bem como, das características de
condutibilidade elétrica de objetos postos em contato direto com um eletroscópio
carregado, foi bem assimilada pela totalidade dos professores. Contudo, pode-se
ressaltar que esta possibilidade de utilização do eletroscópio só tornou-se evidente para
o grupo entrevistado por meio das próprias questões levantadas.
Em seguida, passou-se a discutir aspectos ligados a uma configuração adicional
do eletroscópio de lâminas, na qual um invólucro de material condutor envolvia as
mesmas, de modo que estas só podiam ser vistas através de uma janela de observação.
Assim, neste modelo construtivo, a haste condutora (a qual serve à interligação elétrica
entre o eletrodo do eletroscópio e as suas lâminas), atravessa tal invólucro, sendo
isolada, eletricamente, deste através de uma espécie de tampão de material dielétrico.
Num primeiro aspecto desta nova etapa da investigação, uma conexão elétrica foi
estabelecida entre a carcaça do eletroscópio e a terra. Para todos os entrevistados, esta
conexão em nada contribuiu para alterar o funcionamento do instrumento. Já numa
outra etapa, tanto o eletrodo do mesmo, quanto a sua carcaça, foram tidos como
aterrados, enquanto um indutor era aproximado do conjunto. Apenas um dos
professores apresentou uma expectativa questionável acerca da deflexão das lâminas em
tal circunstância. Um outro, porém, manifestou dúvida em função do aterramento e da
concepção da carcaça como sendo condutora. Numa questão seguinte, a conexão do
eletrodo do eletroscópio foi desfeita quando o indutor ainda estava próximo ao mesmo.
Perguntados sobre o possível comportamento das lâminas após o afastamento do
indutor, apenas três professores identificaram um carregamento do eletroscópio por
indução, inferindo que, após o afastamento do indutor, as lâminas iriam defletir-se. Os
outros três opinaram de modo equivocado, apostando numa não deflexão das lâminas
após o processo acima descrito. Na sequência de questionamentos, o eletroscópio,
inicialmente neutro e com sua carcaça aterrada, foi submetido a uma aproximação
lateral de um corpo eletrizado. Neste caso, apenas dois dos professores ouvidos
opinaram de forma acertada acerca de uma deflexão das lâminas do eletroscópio. Notese, por exemplo, as seguintes citações: “ela vai defletir, ela não influencia diretamente
as lâminas, mas influencia o eletrodo. E o eletrodo, por sua vez, sofre a polarização
com a haste e com as lâminas. Claro que com uma intensidade menor do que se
aproximasse diretamente do eletrodo, considerando a distância entre o bastão e o
eletrodo”; “o bastão cria um campo que induz, na carcaça, cargas. E essa indução vai
criar uma face com um pólo e outra com outro pólo. Então, eu teria uma estrutura que
iria apresentar no seu interior um campo elétrico. Então, nessa análise não
experimental, haveria um campo atravessando as lâminas que seriam polarizadas”. No
caso desta segunda citação, o professor arremata seu discurso dizendo que “as lâminas
não vão se mexer”. Parece claro que para a maioria dos entrevistados a carcaça
condutora estaria a servir como uma espécie de barreira, uma “blindagem eletrostática”
que impediria a influência do indutor diretamente sobre as lâminas. Mesmo que dois
professores tenham apresentado uma proposição no sentido de uma deflexão “com uma
intensidade menor do que se aproximasse diretamente sobre o eletrodo”, nenhum
destes procurou associar tal deflexão com uma diferença de potencial entre as lâminas e
a carcaça condutora aterrada. Logo após este questionamento, a conexão a terra fora
removida, numa nova proposição. Mais uma vez, apenas dois professores afirmaram
que as lâminas ainda iriam defletir-se. Veja-se, por exemplo, as seguintes passagens:
“as lâminas se defletem e o aterramento não influi”; “estou considerando uma distância
entre o bastão e a esfera. O raio de aproximação entre a esfera e o bastão é o que
importa. Em função da blindagem eletrostática, ao meu ver, a interação não se dá
diretamente sobre as lâminas, sendo feita através da esfera do eletroscópio”; “neste
caso não constitui uma blindagem eletrostática e as folhas vão se mover. Vai haver uma
polarização dentro do eletroscópio”. Nas duas primeiras passagens, as lâminas sofrem
deflexão, sendo que, para o primeiro entrevistado, o aterramento não influi em tal
processo, o que não atende a um modelo de referência onde a diferença de potencial
entre a carcaça e as lâminas seja considerada relevante. No caso da última citação, a
condição da carcaça propiciar, ou não, uma blindagem eletrostática pode ser percebida
como uma consequência desta estar aterrada, ou não. Considerando, ainda, a
aproximação de um corpo eletrizado pela lateral do eletroscópio, mais uma vez
questionou-se a expectativa daqueles professores quanto ao comportamento das lâminas
deste último, estando apenas o eletrodo superior do eletroscópio aterrado. Neste caso,
apenas um dos professores apresentou uma expectativa no sentido da deflexão das
lâminas. Os demais desconsideraram uma possível manifestação de uma diferença de
potencial entre a carcaça e as lâminas, que pudesse justificar tal deflexão, identificando
assim, e mais uma vez, uma “blindagem eletrostática” através de uma “gaiola de
Faraday”.
Ao prosseguir-se com este tipo de argumentação, questionou-se aos entrevistados
o comportamento de um eletroscópio que viesse a ter seccionada a haste condutora,
usualmente empregada para conectar o eletrodo superior às lâminas. Neste caso, um
dielétrico seria empregado de modo a assegurar a sustentação mecânica destas últimas.
Assim, apenas um dos professores entrevistados considerou que ainda seria possível
uma ligeira deflexão daquelas, em função de uma indução através do material dielétrico
utilizado. Por outro lado, uma outra modificação estrutural veio a ser sugerida com a
eliminação do eletrodo superior, bem como do dielétrico utilizado entre a haste e a
carcaça aterrada. Desta forma, todos os professores entrevistados consideraram que se
teria aí uma gaiola de Faraday, o que impediria qualquer influência sobre as lâminas.
Numa configuração posterior, o aterramento foi desfeito. Dois professores, então,
consideraram que as lâminas passariam a defletir-se, em contraposição à posição
mantida pelos quatro restantes.
Numa sequência final da apresentação de questões junto aos professores, foram
sugeridas algumas modificações na forma e posição relativa do eletrodo superior do
eletroscópio. Assim, um condutor cilíndrico, com ambas as extremidades arredondadas,
foi colocado no lugar do eletrodo esférico
tradicional, conforme indicado pelas duas
figuras à direita seguintes, de modo que
pudesse ser observada uma certa simetria em
seu posicionamento. Ao serem questionados
sobre o comportamento deste eletroscópio modificado, quando
da aproximação de um corpo eletrizado por cima e pelas
laterais, os professores apresentaram três tipos de modelos
mentais. Quatro dos professores ouvidos afirmaram que as
deflexões seriam idênticas, considerando uma mesma distância
indutor-eletrodo, bem como uma mesma eletrização do corpo
aproximado, para quaisquer das três alternativas de
aproximação sugeridas (pelos dois extremos e por cima).
Apenas um dos professores defendeu a idéia de que, ao
aproximar-se pelas laterais, não haveria qualquer deflexão,
diferentemente do que esperava que viesse a ocorrer com a
aproximação por cima. Por outro lado, um outro professor,
considerou que as deflexões a serem verificadas, quando de
uma aproximação lateral, seriam de menor intensidade. E é justamente este o modelo
que está sendo adotado como correto neste estudo. Nele, ao aproximar-se o corpo
eletrizado por cima, haverá uma concentração maior de carga nas lâminas, o que
ocasionará uma maior deflexão das mesmas, do que na aproximação do mesmo corpo
pelas laterais do eletrodo.
situação 1
Na questão seguinte, este eletrodo cilíndrico
fora fixado de modo assimétrico sobre a haste
do eletroscópio, como mostram as figuras à
esquerda e a seguir. A nova questão dizia
respeito quanto às expectativas dos professores,
caso um corpo carregado fosse aproximado das
laterais deste eletrodo, considerando-se
afastamentos idênticos.
Cinco dos professores defenderam,
neste caso, que as deflexões seriam
idênticas e, dentre estes dois ainda
assinalaram que as polaridades nas
lâminas seriam invertidas nos casos 1 e
situação 2
2. Apenas um professor vislumbrou
uma deflexão diferenciada para os dois
casos sugeridos, onde na situação 1 ter-se-ia uma maior deflexão. O modelo que está
sendo adotado como correto neste estudo contempla deflexões idênticas nos dois casos,
tendo-se em vista que o ponto de conexão da haste é o mesmo, assim como o
afastamento entre o indutor e este eletrodo. Assim, a única distinção nas duas situações
seria o tipo de eletrização obtido nas lâminas: na situação 2, de mesmo sinal da carga
presente no bastão; na situação 1, a carga alocada nas lâminas seria de sinal oposto à
carga do indutor.
Em seguida, uma nova questão
lhes
foi
apresentada,
sendo
concebida de modo que um condutor
cilíndrico viesse a estar suportado
por uma coluna isolante, conforme
mostra a figura ao lado à esquerda.
Numa sequência de proposição, um
bastão eletrizado foi aproximado da
da lateral do condutor, enquanto um eletroscópio era conectado àquele cilindro, num
determinado ponto. As duas situações propostas contemplavam a utilização, num
primeiro momento, de um fio flexível, de comprimento l e disposto horizontalmente, na
ligação entre o eletroscópio e o cilindro condutor. Numa segunda situação, o fio era
substituído por uma haste vertical de comprimento, seção e material condutor idênticos
aos do fio antes empregado. Perguntados sobre as indicações do eletroscópio em cada
situação, todos os professores afirmaram que a deflexão das lâminas seria a mesma nas
duas situações. Por fim, na última questão que foi apresentada para o grupo, foi
solicitado que comparassem duas situações entre si, já analisadas anteriormente: a
“situação do fio flexível e horizontal, onde um eletroscópio era conectado por este a um
condutor cilíndrico e isolado”, e outra situação, onde “o condutor cilíndrico passou a ser
o próprio eletrodo do eletroscópio”. Para um mesmo ponto de conexão elétrica, no
cilindro condutor, questionou-se aos entrevistados quais seriam as suas expectativas
quanto à deflexão das lâminas. Cinco professores afirmaram que as deflexões seriam
idênticas nos dois casos, enquanto um outro afirmou que a deflexão seria um pouco
maior na primeira situação proposta acima, tendo em vista uma queda do potencial ao
longo do fio utilizado na segunda situação. Neste momento, cabe ressaltar que, nesta
altura da entrevista, três professores apresentaram um modelo explicativo onde, pelo
fato de se ter utilizado um fio de comprimento l, seria necessário um certo intervalo de
tempo para que a deflexão das lâminas fosse estabilizada.. As distorções conceituais,
ora apresentadas, parecem revelar que estes professores ainda imaginam o deslocamento
de cargas, ao longo de um condutor, como o escoar de um fluido elétrico, atribuindo a
este processo uma certa inércia, visto que, para uma distância tão pequena, o tempo de
transmissão de uma perturbação elétrica seria praticamente desprezível e imperceptível.
Conclusões
Uma vez analisadas as respostas coletadas com o instrumento de pesquisa acima
descrito, a questão dos pressupostos adotados por alguns professores de física, diante de
situações onde processos dinâmicos eram discutidos em torno de esquemas estáticos,
assim como, dos modelos mentais apresentados quando da análise dos problemas
propostos, evidenciaram um certo desencontro entre as opiniões destes professores,
acerca da simplicidade do eletroscópio, e as suas dificuldades em interpretarem
corretamente o seu funcionamento. Desta forma, teve-se sempre em mente o intuito de
oferecer alternativas que possibilitassem um ensino mais crítico, atento aos pressupostos
e aos contextos de validade dos assuntos abordados.
Deste modo, o eletroscópio, enquanto um instrumento de investigação, teve
desvelada uma complexidade que pode servir ao propósito, ora defendido, de
problematizar-se a abordagem dos conteúdos. O fato, porém, da apresentação de um tal
instrumento ter sido simplificada, tanto nos livros textos, como em sala de aula, ao
longo dos anos, empobreceu significativamente o desenvolvimento conceitual dos
conteúdos referentes à eletrostática, afetando, assim, a compreensão dos mesmos. Esta
simplificação está em consonância com a tendência de desenvolver a apresentação dos
conteúdos de forma dogmática, reportando-se, inicialmente, apenas à natureza
corpuscular da matéria, como assinalou Scaricabarozzi (1983), como se não houvesse
mais a necessidade de um aprofundamento da abordagem fenomenológica, a nível
macroscópico.
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