NÃO TROPECE NA LÍNGUA nº 062 3ª Edição por Maria Tereza de Queiroz Piacentini * DEIXEM AS CRIANÇAS BRINCAR Deve-se dizer "deixem as crianças brincar" ou "brincarem"? Tanto faz. Vejamos por quê. Na coluna Não Tropece na Língua 49 observamos como funciona o infinitivo pessoal flexionado: com flexão optativa [convidou as crianças para brincar/brincarem no pátio] ou obrigatória [reformou o pátio para as crianças brincarem à vontade]. Um passo além disso é conhecer e aplicar corretamente o infinitivo nas frases elaboradas com os verbos "ver, ouvir, sentir, fazer, mandar, deixar". Se o complemento desses verbos for um substantivo, será optativa a flexão; mas se o complemento for um pronome pessoal oblíquo, a flexão será proibida. Exemplos: Complemento substantivo / Complemento pronome Viu os meninos pular/pularem o muro./ Viu-os pular o muro. Ouvi os gatos arranhar/arranharem a porta. / Ouvi-os arranhar a porta. Não sinto os corações bater/baterem. / Não os sinto bater. Faça os alunos ficar/ficarem quietos. / Faça-os ficar quietos. Vou mandar as meninas entrar/entrarem. / Vou mandá-las entrar. Deixou as duas ficar/ficarem descalças./ Deixou-as ficar descalças. Os verbos ver, ouvir e sentir (e sinônimos) são chamados de sensitivos; fazer, mandar e deixar, de causativos ou factitivos. Qual a melhor opção do redator? 1) Preferentemente, não flexionar quando o infinitivo vem logo depois dos verbos sensitivos e causativos: O papel da imprensa é fazer circular as informações. “Deixai vir a mim as criancinhas.” Francisco Braga demonstrou sua inclinação para a música fabricando instrumentos rústicos de bambu, nos quais imitava trechos que ouvia executar os seus colegas mais velhos. * Diretora do Instituto Euclides da Cunha e autora dos livros “Só Vírgula”, “Só Palavras Compostas” e “Língua Brasil – Crase, Pronomes & Curiosidades” - www.linguabrasil.com.br NÃO TROPECE NA LÍNGUA nº 062 3ª Edição por Maria Tereza de Queiroz Piacentini * 2) Quando o infinitivo é um verbo pronominal (com o pronome se), a preferência é pela flexão: O fato é que pelo país afora vemos esses hospitais se afundarem em dívidas e mostrarem-se incapazes de se equipar. O joalheiro vê multiplicarem-se os pedidos e o faturamento da firma. O cinegrafista ainda conseguiu ver as mãos se soltarem do gradil. Mas devo repetir: em qualquer circunstância, basta haver um pronome oblíquo para que não se possa pluralizar/flexionar o infinitivo: Mande-as entrar, por favor. “Não nos deixeis cair em tentação.” Faça-os calar imediatamente. Nós os ouvimos fechar a porta de mansinho. O cinegrafista as viu se soltar do gradil. Lula sempre nos deixou falar. [Erro gramatical: "nos deixou falarmos"] Nos demais casos, a escolha é pessoal, talvez até uma questão de ouvido: O que faz certas regiões ser/serem mais populosas que outras? O jacaré deixou os patinhos e todo mundo nadar/nadarem na lagoa. Não há advogado que faça esses baderneiros respeitar/respeitarem a lei. Os surtos de dengue e febre amarela fizeram os indicadores de saúde pública brasileira retornar/retornarem ao início do século. Ficava observando, olhando as formigas carregar/carregarem pedaços de folhas de um lado para o outro. * Diretora do Instituto Euclides da Cunha e autora dos livros “Só Vírgula”, “Só Palavras Compostas” e “Língua Brasil – Crase, Pronomes & Curiosidades” - www.linguabrasil.com.br