UNIVERSIDADE LUSÍADA DO PORTO Faculdade de Arquitectura e Artes Dissertação para obtenção de Grau de Mestre em Arquitectura MATERIALIDADE E SUSTENTABILIDADE CONSTRUTIVA EM ARQUITECTURA Ana Catarina Cardoso Vargas Pecegueiro Orientador: Professor Doutor Francisco Peixoto Alves Porto, 2016 “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” Lavoisier III Dedicatórias Dedico o meu trabalho de pesquisa à minha mãe e ao meu irmão que sempre me apoiaram nesta jornada e me deram força para terminar mais uma etapa da minha vida. Ao meu pai, à minha tia Rosa, ao meu tio Heli e ao meu primo Luís por todas as horas de trabalho, pelo apoio, pelos conselhos que me deram ao longo do trabalho e pelo conhecimento que me transmitiram. Ao Pedro pelo apoio, dedicação, amor e paciência que teve durante todo este processo e por me ter dado força para concluir o trabalho. Aos meus amigos, principalmente à Ana Luísa, ao João Diogo, Joel, Diogo Fula e ao André pelos conselhos, pela compreensão, apoio moral e paciência durante esta fase da minha vida. Por último, mas não menos importante, dedico à minha avó, que sempre acreditou em mim e me fez crescer ao longo da minha vida. V Agradecimentos Agradeço ao Professor Doutor Francisco Peixoto Alves pela forma como orientou o meu trabalho, pela sua disponibilidade, paciência e por todo o conhecimento que me transmitiu, não só no trabalho de pesquisa mas também ao longo do meu percurso. Um sincero agradecimento a todos os docentes que contribuíram para o meu sucesso durante o meu curso. VII Índice Dedicatórias V Agradecimentos VII Índice IX Índice de figuras XI Índice de tabelas XVII Resumo XIX Palavras chave XXI Abstract XXIII keywords XXV Introdução 27 Capitulo I – Da sustentabilidade à reciclagem 33 1.1 Enquadramento histórico do fenómeno da sustentabilidade 35 1.2 Sustentabilidade construtiva em arquitectura 41 1.2.1 Prioridades e vantagens na construção sustentável 1.3 Reciclagem como opção para a materialidade sustentável na 51 61 arquitectura 1.3.1 Origem da reciclagem em arquitectura 65 1.3.2 Processo de obtenção dos RCD (Resíduos de construção 69 e demolição) 1.3.2.1 Gestão dos RCD 69 1.3.2.2 Hierarquia dos RCD no sector da construção 81 1.3.2.3 Demolição seletiva como processo de obtenção 85 de resíduos Capitulo II - Casos de estudo 89 2.1 Palácio do Freixo-Pousada do Porto, Fernando Távora 91 2.2 Casa em Santa Mónica, Frank Gehry 99 Conclusões 105 Bibliografia 109 Fontes eletrónicas 111 Outras fontes bibliográficas 112 IX Índice de figuras Capitulo I Figura 1. Crescimento demográfico e urbano 34 Fonte: S.a; [acedido em 1 Março de 2015] Disponível em <http://www.makindesh.com/images/2_rua2.jpg> Figura 2. Consumismo 34 Fonte: Paradigmatrix; [acedido em 16 de Dezembro de 2015] Disponível em <http://paradigmatrix.net/wp-content/uploads/2015/06/ consumismo.jpg> Figura 3. Poster “Earth day”, Robert Leydenfrost (1970) 36 Fonte: Robert Leydenfrost; [acedido em 1 de Março de 2015] Disponível em <http://media.vam.ac.uk/media/thira/collection_images/ 2007BR/2007BR3412.jpg> Figura 4. Emissão de gases poluentes 38 Fonte: Dan Riedlhuber; [acedido em 5 de Janeiro de 2016] Disponível em <https://news-images.vice.com/images/articles/meta/2015/05/16/ canadas-pledge-to-curb-its-carbon-emissions-is-the-weakest-among-leading-economies1431794225.jpg?crop=0.6647173489278753xw:1xh;0.16764132553606237xw,0xh> Figura 5. Arquitecto Ernesto Nathan Rogers 40 Fonte: S.a; [acedido em 5 de Janeiro de 2016] Disponível em <http://revistadiagonal.com/v2/wp-content/uploads/2011/ 03/rogers.jpg> Figura 6. “Farnsworth House”, Arquitecto Mies Van der Rohe 40 Fonte: Hedrich Blessing Photographers; [acedido em 5 de Janeiro de 2016] Disponível em <http://www.farnsworthhouse.org/wp-content/uploads/2011 /03/hb-entire-exterior-19841.jpg> Figura 7. Cidades com metabolismo linear (Rogers, 2001) 42 Fonte: Herbert Girardet, em Rogers (2001, 31)); [acedido em 5 de Abril de 2015] Disponível em <http://revistas.urosario.edu.co/index.php/territorios/article/ viewFile/2997/2421> Figura 8. Cidades com metabolismo circular (Rogers, 2001) 42 Fonte: Herbert Girardet, em Rogers (2001); [acedido em 5 de Abril de 2015] Disponível em <http://revistas.urosario.edu.co/index.php/territorios/article/ viewFile/2997/2421> XI Figura 9. Coberturas verdes, Estugarda, Alemanha 44 Fonte: S.a; [acedido em 1 de Junho de 2015] Disponível em <http://hojesaopaulo.com.br/imagem/0/3698/muito-comum -no-japao-telhado-verde-comeca-a-ser-implantado-em-edificios-no-brasil.jpg Figura 10. Cidade de Nova York, centro de produção e consumo 44 Fonte: Sebrae mercados; [acedido em 1 de Dezembro de 2015] Disponível em <http://projetos.nuclearmidia.com/sebrae/blogs/mercado /wp-content/uploads/2011/05/new_york.jpg> Figura 11. Filme “Monsters SA” 46 Fonte: S.a; [acedido em 1 Dezembro 2015] Disponível em <http://www.movieforkids.it/wp-content/uploads/2013/06/ waternoose.jpg> Figura 12. Filme “Wall-e” 46 Fonte: S.a; [acedido em 1 Dezembro 2015] Disponível em <http://static3.businessinsider.com/image/56688a26dd0 895106a8b478a-1762-736/wall-e1.jpg> Figura 13. Relação homem/ambiente 48 Fonte: Ibase; [acedido em 1 de Setembro de 2015] Disponível em <http://ibase.br/pt/wp-content/uploads/2015/06/meioambiente1.jpg> Figura 14. “Academia de Ciências da Califórnia”, Arquitecto Renzo Piano 52 Fonte: S.a; [acedido em 20 Dezembro 2015] Disponível em <https://blogarq.files.wordpress.com/2013/01/academiacalifornia.jpg> Figura 15. Cobertura da “Academia de Ciências da Califórnia” 52 Fonte: S.a; [acedido em 20 Dezembro 2015] Disponível em <http://domtotal.com/img/noticiaMarcos/239_4714.jpg> Figura 16. Pavilhão de Espanha, Expo Shangai 2010 54 Fonte: S.a; [acedido em 20 de Dezembro 2015] Disponível em <http://ambientesdigital.com/wp-content/uploads/2015/ 09/PABELLON-.jpg> Figura 17. Pavilhão de Espanha, Expo Shangai 2010 54 Fonte: Ecoeficientes; [acedido em 20 Dezembro 2015] Disponível em <http://www.ecoeficientes.com.br/new/wp-content/uploads /2014/08/fachada.jpg/> XII Figura 18. Painéis de fibra vegetal 54 Fonte: Ecoeficientes; [acedido em 20 Dezembro 2015] Disponível em <http://www.ecoeficientes.com.br/pavilhao-revestido-defibras-naturais/> Figura 19. Reduzir, Reutilizar e Reciclar 58 Fonte: Zazzle; [acedido em 20 Dezembro 2015] Disponível em <http://rlv.zcache.com.br/reduzir_reutilizar_reciclar_t_shirt -rcf5c7baf9c5c4ab7b737410f7ed2c329_ilkw2_1024.jpg> Figura 20. Evolução das preocupações na construção 59 Fonte: Ambiente e construção sustentável; [acedido em 20 Dezembro 2015] Disponível em “Ambiente e construção sustentável”, Manuel Pinheiro Figura 21. Local de implantação da nova biblioteca 60 Fonte: Publicspace; [acedido em 5 Janeiro 2016] Disponível em <http://www.publicspace.org/en/works/f084-open-air-library /prize:2010> Figura 22. Protótipo 60 Fonte: Lesezeichen-salbke; [acedido em 5 Janeiro 2016] Disponível em <http://www.lesezeichen-salbke.de/wp-content/uploads/ screenshot_011.jpg> Figura 23. Espaços de relaxamento 62 Fonte: S.a; [acedido em 5 Janeiro 2106] Disponível em <https://www.google.pt/imgres?imgurl=http://farm6.static.flickr.com /5214/5387754586_3ce9f78fd0_o.jpg&imgrefurl=http://nomadaq.blogspot.com/2011 /02/karo-architektenopen-air-library.html&h=1076&w=1600&tbnid=BixjDyDgOTd99M:& docid=qKdhFK6OY6YFmM&ei=g0mmVtO6J4ena43xv7AE&tbm=isch&ved=0ahUKEwi TiPS5rcXKAhWH0xoKHY34D0YQMwgpKAwwDA> Figura 24. “Open air library”, atelier Karo architekten 62 Fonte: Nadezhda Nikolova; [acedido em 5 Janeiro 2016] Disponível em <https://www.google.pt/imgres?imgurl=http://c1038.r38.cf3.rackcdn .com/group5/building44727/media/as1361_16.jpg&imgrefurl=http://openbuildings. com/buildings/open-air-library-profile-44727&h=868&w=1300&tbnid=h6F7nepGyfXej M:&docid=Zghcc3-bK3FvkM&ei=g0mmVtO6J4ena43xv7AE&tbm=isch&ved=0ahUKE wiTiPS5rcXKAhWH0xoKHY34D0YQMwgeKAEwAQ> Figura 25. Peças pré-fabricadas e recicladas 63 Fonte: Publicspace; [acedido em 5 Janeiro 2016] Disponível em <http://www.publicspace.org/en/works/f084-open-air-library/ prize:2010> XIII Figura 26. Agenda 21 64 Fonte: Amazon; [acedido em 5 Janeiro 2016] Disponível em <http://ecx.images-amazon.com/images/I/817fjWsBC6L.jpg> Figura 27. Variáveis da reciclagem 67 Fonte: Adaptado de Paulo Paiva; [acedido em 5 Janeiro 2016] Disponível em <http://periodicos.unifacef.com.br/index.php/rea/article/view/185> Figura 28. Gestão de resíduos de construção e demolição 68 Fonte: Hoffice; [acedido em 1 de Abril de 2015] Disponível em <https://hoffice.files.wordpress.com/2011/12/trash-killer.jpg> Figura 29. “Ecocubo”, Arquitecto António Fernandes 70 Fonte: Miguel Marote Henriques; [acedido em 5 Janeiro 2016] Disponível em <http://excelenciapt.com/site/wp-content/uploads/2015/04/ eco1.jpg> Figura 30. “Nave Tierra”, Arquitecto Michael Reynolds 70 Fonte: Archidaily; [acedido em 5 Janeiro 2016] Disponível em <http://www.archdaily.com.br/br/01-177963/nave-tierra-a-casaautossustentavel-de-michael-reynolds-na-argentina/52effd82e8e44eeed500002c> Figura 31. Esquema pirâmide da hierarquia dos RCD 81 Produção de autor Figura 32. Demolição seletiva 84 Fonte: Pragosa; [acedido em 1 Outubro 2015] Disponível em <http://www.pragosa.pt/negocio-ambiente/residuos/> Figura 33. Demolição seletiva 84 Fonte: Pragosa; [acedido em 1 Outubro 2015] Disponível em <http://www.pragosa.pt/negocio-ambiente/residuos/> Capitulo II Figura 34. Palácio do Freixo, Fernando Távora e José Bernardo Távora, Porto 91 Fonte: António Amen; [acedido em 1 Outubro 2015] Disponível em <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/ 0/03/Pousada_do_Pal%C3%A1cio_do_Freixo_-_Porto_(3).jpg/1280px-Pousada _do_Pal%C3%A1cio_do_Freixo_-_Porto_(3).jpg> Figura 35. Palácio do Freixo, Fernando Távora e José Bernardo Távora, Porto 91 Fonte: Ruralea; [acedido em 1 Outubro 2015] Disponível em <http://www.ruralea.com/wp-content/uploads/2015/09/freixo 3-1.jpg> XIV Figura 36. Palácio do Freixo, 1966 92 Fonte: Portoarc; [acedido em 1 Novembro 2015] Disponível em <http://portoarc.blogspot.pt/2013/05/quintas-do-porto-earredores-v.html> Figura 37. Palácio do Freixo e Fábrica das moagens Harmonia, 2000 92 Fonte: S.a; [acedido em 1 Novembro 2015] Disponível em <https://www.publico.pt/local/noticia/acervo-do-museuda-ciencia-e-industria-do-porto-nas-mao-do-proximo-executivo-autarquico1594820> Figura 38. Requalificação Palácio do Freixo 94 Fonte: Luís Ferreira Alves; [acedido em 1 Novembro 2015] Disponível em <https://www.facebook.com/luisferreiraalves/photos/a.1097 37662440274.19011.103320009748706/109738059106901/?type=3&theater> Figura 39. Quantidades de materiais resultantes da demolição seletiva 95 Produção de autor Figura 40. Palácio do Freio, Porto 96 Fonte: Pestana; [acedido em 10 Janeiro 2016] Disponível em <http://images.pestana.com/azure/imgs/hotel%20banner% 20images/pestana-palacio-freixo-sala-635720679367611073.jpg?scale=do wnscaleonly&width=1440&height=850&mode=crop&quality=75&encoder= freeimage&progressive=true> Figura 41. Palácio do Freio, Porto 96 Fonte: Pestana; [acedido em 10 Janeiro 2016] Disponível em <http://images.pestana.com/azure/imgs/hotel%20banner% 20images/pestana-palacio-freixo-quarto-635720678994895565.jpg?scale= downscaleonly&width=1440&height=850&mode=crop&quality=75&encoder =freeimage&progressive=true> Figura 42. Palácio do Freio, Porto 96 Fonte: Pestana; [acedido em 10 Janeiro 2016] Disponível em <http://images.pestana.com/azure/imgs/hotel%20banner% 20images/pestana-palacio-freixo-piscina-635720678796863968.jpg?scale= downscaleonly&width=1440&height=850&mode=crop&quality=75&encoder =freeimage&progressive=true XV Figura 43. Casa em Santa Mónica; Arquitecto Frank Gehry 99 Fonte: Grant Mudford; [acedido em 10 Janeiro 2015] Disponível em <http://www.ncmodernist.org/gehry-gehry-3.jpg> Figura 44. Casa em Santa Mónica; Arquitecto Frank Gehry 99 Fonte: S.a; [acedido em 10 Janeiro 2015] Disponível em <http://3.bp.blogspot.com/-lA-0E0C9bHo/TydN89sUI3I/A AAAAAAABw8/hy1jT3190EU/s1600/Gehry%2527s+house7.jpg> Figura 45. Interior da habitação 100 Fonte: S.a; [acedido em 10 Janeiro 2015] Disponível em <http://4.bp.blogspot.com/-BTRxMHM3VEU/Uwbp0sZeI2I/ AAAAAAAAlFw/Nj0ogcSzy8Y/s1600/gehry+house3.jpg> Figura 46. Planta do piso térreo 101 Fonte: Great buildings; [acedido em 10 Janeiro 2016] Disponível em <http://www.archdaily.com.br/br/01-75579/classicos-daarquitetura-casa-gehry-frank-gehry/1278334192-gehry-house-floor-1> Figura 47. Planta do 1º piso 101 Fonte: Great buildings; [acedido em 10 Janeiro 2016] Disponível em <http://www.archdaily.com.br/br/01-75579/classicos-daarquitetura-casa-gehry-frank-gehry/75579_75584> Figura 48. Pormenor de abertura 102 Fonte: Ken McCown; [acedido em 20 Janeiro 2016] Disponivel em <http://www.archdaily.com.br/br/01-75579/classicos-daarquitetura-casa-gehry-frank-gehry/1278334259-kenmccown3> XVI Índice de tabelas Tabela 1. Tipo, descrição, aplicação, reciclagem, custos e vantagens do betão 75 Fonte: Ecomateriais; [acedido em 1 de Março de 2015] Disponível em “Ecomateriais: Estratégias para a melhoria ambiental da construção. Concreta, ed.” Tabela 2. Tipo, descrição, aplicação, reutilização, reciclagem, custos e 76 vantagens do metal Fonte: Ecomateriais; [acedido em 1 de Março de 2015] Disponível em “Ecomateriais: Estratégias para a melhoria ambiental da construção. Concreta, ed.” Tabela 3. Tipo, aplicação, reutilização, reciclagem, custos e vantagens 77 da madeira Fonte: Ecomateriais; [acedido em 1 de Março de 2015] Disponível em “Ecomateriais: Estratégias para a melhoria ambiental da construção. Concreta, ed.” Tabela 4. Tipo, descrição, aplicação, reutilização, custos e vantagens 77 da alvenaria Fonte: Ecomateriais; [acedido em 1 de Março de 2015] Disponível em “Ecomateriais: Estratégias para a melhoria ambiental da construção. Concreta, ed.” Tabela 5. Tipo, descrição, aplicação, reutilização, custos e vantagens 78 do isolamento Fonte: Ecomateriais; [acedido em 1 de Março de 2015] Disponível em “Ecomateriais: Estratégias para a melhoria ambiental da construção. Concreta, ed.” Tabela 6. Tipo, descrição, aplicação, reutilização, custos e vantagens do gesso 78 Fonte: Ecomateriais; [acedido em 1 de Março de 2015] Disponível em “Ecomateriais: Estratégias para a melhoria ambiental da construção. Concreta, ed.” Tabela 7. Tipo, descrição, aplicação, reciclagem, custos e vantagens do vidro 79 Fonte: Ecomateriais; [acedido em 1 de Março de 2015] Disponível em “Ecomateriais: Estratégias para a melhoria ambiental da construção. Concreta, ed.” XVII Resumo O tema desenvolvido nesta dissertação parte de uma reflexão sobre a sustentabilidade construtiva na arquitectura e a reciclagem de materiais como opção para a materialidade. Abordamos a problemática dos resíduos de demolição e construção, que normalmente são classificados como lixo e encaminhados para aterros Partimos de uma investigação sobre o surgimento pela primeira vez de temas relacionados com a sustentabilidade, e de como os impactos ambientais causados pelo homem afetaram o meio ambiente. Abordamos nesta dissertação as prioridades e as vantagens de uma arquitectura sustentável, concluindo que é uma mais-valia para o ambiente. A reciclagem é pensada como estratégia para a diminuição dos impactos ambientais até então causados pelo homem e como opção para a materialidade. Abordamos a origem da reciclagem assim como o processo de obtenção dos resíduos de construção e demolição, que começa por uma correta separação dos mesmos, seguido de um agrupamento de acordo com as suas características de forma a permitir a reutilização, reciclagem, valorização ou eliminação em aterro. Paralelamente à reciclagem, compreendemos que a demolição seletiva é um procedimento que contribui para uma gestão dos resíduos de construção e demolição. Como resolução da problemática, entendemos que existem inúmeros fatores e preocupações a ter na conceção de um projeto sustentável. Compreendemos que a reciclagem ajuda para a redução de áreas para aterros e redução da poluição e contribui para a qualidade ambiental. Percebemos que é da responsabilidade do arquitecto reconhecer, classificar e hierarquizar as dificuldades do projeto e fazer escolhas para um ambiente sustentável. XIX Palavras-chave Sustentabilidade | Sustentabilidade construtiva | Reciclagem Demolição seletiva XXI Abstract The subject developed in this thesis came from a reflection about the sustainable construction in the architecture and the recycling of materials as an option for materiality. We approach the problem of demolition and construction waste, which are usually classified as waste and sent to landfills. We set off from an investigation about the appearance for the first time of themes regarding the sustainability and the way the environmental impacts caused by humans affect the environment. We approach in this thesis the priorities and benefits of a sustainable architecture, concluding that it is an added value to the environment. Recycling is thought as a strategy to fight the environmental impacts caused by the humans and as an option to materiality. We approach the origin of recycling as well as the process of obtaining the construction and demolition waste, which starts by a correct separation of them followed by a grouping process according to their characteristics, in order to allow the reutilization, recycling, valorization or elimination in landfills. Alongside with recycling we realize that the selective demolition is a procedure that helps managing the waste from construction and demolition. As the problem resolution, we understand that there are numerous factors and concerns hold in designing a sustainable project. We realize that recycling helps to reduce the areas for landfill and pollution and contribute to the environmental quality. We realize that it is the responsibility of the architect to recognize, classify and rank the difficulties of the project and make choices for a sustainable environmental. XXIII Keywords Sustainability | Sustainability constructive | Recycling Selective demolition XXV Introdução A presente dissertação pretende desenvolver a problemática que se prende com os resíduos que são gerados pelas demolições e construções, que normalmente são classificados como lixo e encaminhados para aterros. Assim, pretende-se proporcionar soluções que contribuam para o desenvolvimento do conceito da reciclagem como opção para a materialidade e para uma arquitectura sustentável. Existe, numa primeira fase da construção em arquitectura, uma vasta variedade de materiais que se apresentam em diversos tipos, tais como: pétreos naturais e artificiais, madeiras, têxteis, metais, plásticos, e muitos outros. A produção excessiva destes materiais causa elevado impacto ambiental, levando a longo prazo à escassez e à destruição dos recursos naturais do planeta. Os processos envolvidos em todo o percurso de transformação dos materiais referidos geram uma grande quantidade de resíduos bem como matéria inútil. A dissipação desses resíduos conduz a alterações no meio ambiente e consequentemente à diminuição da capacidade de regeneração da biosfera. A palavra “resíduos” está habitualmente associada a algo negativo e prejudicial, com grande impacto no meio ambiente. Este preconceito pode ser alterado desde que o processo de tratamento de resíduos obedeça a uma estratégia que evite a deterioração do meio ambiente bem como das reservas de matérias-primas disponíveis para o futuro. Este trabalho tem como objetivo compreender de que forma o arquitecto pode contribuir para a diminuição dos impactos ambientais, cada vez mais visíveis e inquietantes, causados, posteriormente e principalmente, pela industrialização e pelo rápido crescimento demográfico e urbano. 27 Pretende-se, ainda, procurar estratégias ambientais direcionadas para uma arquitectura mais sustentável e adaptada ao meio ambiente de forma a contribuírem para a diminuição dos impactos ambientais e sugerir um modelo produtivo sustentável, baseado na reciclagem, que assegure a preservação do meio ambiente e garanta a possibilidade das gerações futuras progredirem e evoluírem. A presente dissertação, constituída por dois capítulos, resulta de uma investigação científica centrada numa pesquisa a partir de várias fontes de estudo, nomeadamente: livros, revistas, artigos online e dissertações. A análise de dados foi realizada a partir de uma estratégia de triangulação metodológica de investigadores e teorias. Esta estratégia ajudou a contrapor ideias e obter visões complementares. Foram comparadas, igualmente, diferentes perspetivas teóricas e casos de estudo, de forma a alcançar a veracidade de toda a informação escrita. Deste modo, foi possível obter perspetivas diferentes, tendo encontrando a concordância desejada para responder à problemática em questão. Tal só foi possível pois foi assumida uma postura crítica que ajudou na seleção de informação, a contrapor linhas de pensamento e a descartar as que não seriam relevantes para a investigação. O processo de triangulação foi essencial para a formação de conclusões que sustentam e solidificam esta investigação científica. O primeiro capítulo trata da abordagem do pensamento para a sustentabilidade construtiva em arquitetura a partir de um enquadramento histórico, iniciado na época da revolução industrial. Refere também as prioridades e vantagens da construção sustentável. Foca ainda a reciclagem como opção para a materialidade sustentável na arquitectura, começando por definir a origem da reciclagem, passando pelo processo de obtenção dos resíduos de construção e demolição, a sua gestão e hierarquia, terminando com a demolição seletiva como processo de obtenção de resíduos. 29 O segundo capítulo remete-nos para os casos de estudo do Palácio do Freixo na cidade do Porto, da autoria do Arquitecto Fernando Távora e da Casa em Santa Mónica do Arquitecto Frank Gehry. O primeiro projeto foca-se na utilização da demolição seletiva, como processo de reciclagem e reutilização dos materiais. No segundo projeto traduz-se na reciclagem de materiais provenientes de fontes diversas, como opção para a materialidade do edifício. Pretende-se compreender com estes dois casos que a arquitectura sustentável e a prática do uso da reciclagem traduzem-se em vantagens tanto para a arquitectura como para o meio ambiente. 31 CAPÍTULO I 33 Figura 1. Crescimento demográfico e urbano Figura 2. Consumismo |34 1.1 Enquadramento histórico O conceito de desenvolvimento sustentável surgiu como uma urgência no pós-guerra, na primeira metade do século XX. Foi por esta data que ao recuperarem a história e arquitectura das cidades, os poderes institucionais ganharam consciência dos problemas ambientais e da relação do homem com o ambiente. São publicados estudos ambientais, incentivados pelos impactos ambientais. Os impactos ambientais surgiram devido à rápida e acelerada industrialização e ao elevado crescimento demográfico e urbano (fig. 1). As cidades desenvolvidas cresceram velozmente atraindo um grande número de população e obrigando, assim, à sua expansão, não olhando às consequências a longo prazo e à crescente pobreza do mundo subdesenvolvido. Estes desenvolvimentos conduziram a uma diminuição da biodiversidade do planeta a um ritmo de 50 mil espécies por ano, forçando-o aos limites dos recursos naturais. Segundo Mateus e Bragança (2006), os recursos inorgânicos são limitados, sendo que era impossível continuarmos a manter uma política em que nos baseávamos em sistemas energéticos de fontes não renováveis. O crescimento industrial e econômico gerou um ciclo vicioso que se baseava no consumismo (fig. 2). Este consumo foi gerado pelo estilo de vida agitado das cidades e pelo seu poder de marketing, transportando, por consequência, uma maior produção industrial e levando a uma lapidação dos recursos naturais que eram considerados, até então, como ilimitados. O mundo acorda para os problemas do meio ambiente e começa a enfrentar o dilema de que as suas fontes energéticas são poluidoras, dispendiosas e limitadas. 35 Figura 3. Poster “Earth day”, Robert Leydenfrost |36 Em 1987 surge pela primeira vez no Relatório Brundtland, com o título “O Nosso Futuro Comum”, a definição de sustentabilidade, entendida como o “desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades”.1 Este conceito ganhou evidência e uma nova perspetiva nas décadas de 60, inícios de 70, tendo os seguintes fenómenos contribuído para tal: o movimento hippie que preconizava a integração do homem com o meio ambiente; e a crise do petróleo, que veio demonstrar que a natureza não possui de uma fonte inesgotável de energia. Estes acontecimentos levaram pensadores, ecologistas e cientistas a discutir a questão ambiental (fig. 3). Mais tarde, o conceito de construção sustentável destacou-se na conferência das Nações Unidas para o “Meio Ambiente e Desenvolvimento” realizada no Rio de Janeiro em 1992. Este conceito visava “o aumento de oportunidades às gerações futuras, através de uma nova estratégia ambiental direcionada à produção de construções melhor adaptadas ao meio ambiente e à exigência dos seus utilizadores” (Ricardo Mateus, 2009). Nesta conferência foram criados protocolos internacionais e mecanismos para o desenvolvimento sustentável. Em 1994, Charles Kibert define, pela primeira vez, o conceito de construção sustentável como “a criação e a gestão responsável de um ambiente construído saudável baseada na otimização dos recursos naturais disponíveis e em princípios ecológicos” 2 “Sustainable development is development that meets the needs of the present without compromising the ability of future generations to meet their own needs”, in Brundtland Report, 1987; 54 2 “The creation and responsible management of a healthy built environment based on resource efficient and ecological principles”, Charles Kibert, 1994 1 37 Figura 4. Emissão de gases poluentes|38 Em 2005 entra em vigor o protocolo de Quioto, que já tinha sido discutido na Convenção das Nações Unidas sobre a “Mudança Climática” em 1997 no Japão. De acordo com o protocolo, os países desenvolvidos eram obrigados a reduzir as emissões de gases que provocavam o efeito de estufa e os países em desenvolvimento tinham que estabelecer o mecanismo de desenvolvimento limpo (fig. 4). Este último tinha como principal objetivo incentivar a redução de emissões de gases nos países em vias de desenvolvimento e a transferência de tecnologias entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. O enfoque na sustentabilidade torna-se algo imprescindível na conceção de projetos na arquitectura atual de forma a causar um menor impacto ambiental possível, adotando uma correta eficiência energética, um uso de recursos adequados à construção, nomeadamente ao nível da materialidade. 39 Figura 5. Arquitecto Ernesto Nathan Rogers Figura 6. Farnsworth House, Mies Van der Rohe |40 1.2 Sustentabilidade construtiva em Arquitectura Aquando do processo da reconstrução das cidades no pós-guerra na Europa, em especial em Itália, o Arquitecto Italiano Ernesto Nathan Rogers (fig. 5) apresentou uma nova visão sobre a arquitectura moderna, considerando-a numa perspetiva de desenvolvimento sustentável. Rogers defendia uma regeneração na arquitectura moderna em que o ambiente, natural ou cultural, “é o lugar para onde confluem todas as préexistências” (Rogers, 1965; 133). Por outras palavras, é o local para onde convergem todas as referências arquitectónicas necessárias ligadas à cidade. Tanto a natureza como tudo o que está ligado a ela, deve ser considerado na arquitectura moderna. Rogers também entendia que um verdadeiro Arquitecto deve abster-se do seu ambiente físico e cultural para assim poder idealizar edificações ou espaços que se afastem da “abstração formal e da descontinuidade histórica com a cidade” (in Fabiano Vieira Dias, 2014), podendo assim, conectar-se mais com o meio ambiente, pois nele reside o melhor material e a melhor energia que podemos utilizar a nosso favor (fig. 6). O desenvolvimento sustentável caracteriza-se hoje por uma exigência social muito mais elevada do que há uns anos atrás e a sociedade encara uma necessidade de dar respostas a essa exigência, a qual tem grande ligação ao nosso sistema produtivo e, em geral, ao sector dos materiais de construção. Segundo Ernesto Roger, “A sociedade revela uma noção da decomposição dos sistemas naturais e apresenta conhecimento dos riscos para a sua própria sobrevivência, essa noção está a colocar em pré-aviso a cidadania em relação aos benefícios do desenvolvimento técnico.” 41 Figura 7. Cidades com metabolismo linear (Rogers, 2001) Figura 8. Cidades com metabolismo circular (Rogers, 2001) 42 Na mesma linha de pensamento de Rogers, Herbet Girardet (2007) sustenta a ideia da natureza como um ser completo que se rege por três características fundamentais, sendo a arquitectura parte integrante do meio ambiente. A primeira característica baseia-se em tudo o que se precisa é produzido pela natureza (pedra, barro, madeira, água), e esse material, de extrema importância, que é produzido pela própria natureza encontra-se inserido num ciclo fechado de produção > reaproveitamento > produção, onde “tudo é permanentemente reciclado e tudo o que sobra se torna alimento para outros seres vivos” (Mcdonough in NESBITT, 2006; 431). A segunda foca-se na realização da reciclagem por parte da natureza utilizando somente a energia solar, sem qualquer consumo excessivo, consumindo apenas o necessário e disponível. Por fim, o principal pilar que mantém todo este sistema a funcionar é a biodiversidade. “Se compreendermos que o projeto leva à manifestação da vontade humana, e se o que fazemos com as nossas mãos deve ser sagrado e honrar a terra que nos dá vida, então as coisas que fazemos não devem apenas erguer-se do chão, mas retornar a ele, o solo voltar ao solo, a água voltar à água, de modo que todo o que é recebido da terra possa ser livremente restituído sem causar dano a qualquer sistema vivo. Isso é ecologia. Isso é um bom projeto”3 (Mcdonough in NESBITT, 2006; 429) Para se atingir o objetivo do fecho do ciclo dos materiais, devem-se desenvolver novas estratégias, criar novos processos e produtos e implementar novos modelos de gestão. Segundo Rogers, a indústria deve igualmente alterar o seu processo produtivo, de um “metabolismo linear”, para um “metabolismo circular”. Os dois esquemas representados nas figuras 7 e 8 ilustram o metabolismo linear, que não deve ser seguido, e o circular, que garante melhor eficiência através da redução do consumo de energias não renováveis e do aumento da reciclagem. “If we understand that design leads to the manifestation of human intention and if what we make with our hands is to be sacred and honor the earth that gives us life, then the things we make must not only rise from the ground but return to it, soil to soil, water to water, so everything that is received from the earth can be freely given back without causing harm to any living system. This is ecology. This is good design.” Mcdonough in NESBITT, 2006; 429 3 43 Figura 9. Coberturas verdes, Estugarda, Alemanha Figura 10. Cidade de Nova York, centro de produção e consumo |44 44 Para as cidades se tornarem sustentáveis, devemos ainda ter em atenção os três pilares fundamentais da sustentabilidade: ambiente, economia e sociedade, sendo estes referidos pelos autores Nathan Rogers (2001) e Carlos Alberto de Augusto (2011). Estes pilares devem ser aplicados no planeamento urbano das cidades. As cidades de Mäder, na Áustria, e de Estugarda, na Alemanha, exemplificam este metabolismo circular defendido por Rogers. Na primeira, foram plantadas 80.000 árvores e arbustos no âmbito de um programa de regeneração e 10 anos após a implementação deste programa, é possível, através da madeira da poda das árvores, produzir energia numa central de biomassa, reduzindo desta forma, as emissões de CO2 bem como os resíduos orgânicos e inorgânicos. Na segunda foram implementadas medidas que visavam o aproveitamento da energia solar e da luz natural em edifícios que tenham mais de 25% de insulação e atribuindo subsídios para poupar energia quer nos edifícios novos quer nos existentes. Uma outra medida defendia a obrigatoriedade de reaproveitar a cobertura dos edifícios para zonas verdes (fig.9). Criar cidades sustentáveis torna-se um dos maiores desafios até então. As cidades são consideradas os centros de produção e consumo da nossa sociedade (fig. 10), é nelas que se gera a maior quantidade de resíduos. O alastramento urbano e a pegada ecológica das cidades modernas são impactos prejudiciais da urbanização que afetam os habitats naturais de todo o mundo, e por isso devem ser contrariados. O desenvolvimento urbano está ligado ao crescente consumo de recursos por parte dos habitantes citadinos dos países em desenvolvimento, que utilizam a maior parte dos recursos naturais, tais como: combustíveis fosseis, metais, madeira e produtos manufaturados, comparativamente com os habitantes rurais. Segundo Herbert Girardet (2007), “A mega urbanização está estreitamente relacionada com o crescimento industrial baseado em combustíveis fosseis baratos (...)” 45 Figura 11. Filme Monsters SA Figura 12. Filme Wall-e |46 46 É nas cidades modernas, centros de mobilização, que se constata o maior impacto ambiental. No entanto, esse impacto pode ser reduzido ou até invertido ao aplicarmos medidas inovadoras no sentido da drástica redução do consumo dos recursos naturais e da energia. É neste contexto que a reciclagem de resíduos leva a uma diminuição da procura dos mesmos recursos. O desempenho ambiental dos edifícios urbanos pode ser melhorado através da aplicação dos materiais reciclados conduzindo a uma nova forma de projetar. Para um desenvolvimento sustentável bem-sucedido, deve-se incluir o envolvimento direto dos cidadãos, dando-lhes um sentimento de posse e de poder participativo, construindo uma cultura urbana sustentável que seja transmitida de geração em geração. A consciencialização ambiental deve começar desde cedo na escola e nos tempos livres, através de atividades lúdicas, como jogos, leitura e cinema. O cinema como meio privilegiado de transmissão de conceitos e ideias pode e deve ter uma importante componente didática na educação ambiental. Como exemplo, o filme “Monstros SA” (fig. 11) produzido pelos estúdios da Pixar, recria um mundo arquitectónico imaginário expondo a realidade dos problemas ambientais, remetendo o espectador para mudanças de hábitos e para a adoção de um pensamento sustentável. No filme, os gritos das crianças, quando assustadas, são recolhidos por monstros profissionais numa cápsula, que os transforma em energia para alimentar a cidade. Perante a crescente necessidade de energia, alguns monstros usam processos desumanos no sentido de assustar cada vez mais as crianças. A personagem principal descobre um método eficaz que gera mais energia: o riso das crianças. Pode fazer-se uma analogia deste filme com o uso excessivo dos combustíveis fósseis e consequente efeito prejudicial no meio ambiente em contraste com os métodos de produção de energias sustentáveis não prejudiciais, como a eólica e a solar. 47 Figura 13. Relação homem/ambiente |48 48 O filme “Wall-e” (fig.12), também produzido pelos estúdios da Pixar, é outra analogia sobre os impactos ambientais. O planeta terra destruído pelo consumismo obrigou os seres humanos a viajar para o espaço, dando início a uma nova vida numa nave protegida e de mobilidade limitada assistida pela tecnologia. Este filme induz-nos a uma reflexão aprofundada sobre a responsabilidade dos arquitectos na adoção da sustentabilidade e da tecnologia nos projetos arquitectónicos, tendo como preocupação a biodegradabilidade dos materiais, com a finalidade de reduzir os impactos ambientais. O cinema de temática ambiental é assim um importante veículo no processo educativo, não só na escola mas também nos tempos livres, garantindo “uma atitude responsável em direção a um desenvolvimento sustentável do Planeta Terra”4 (in Derek Bell, 2004; 37). É importante compreender que os estilos de vida praticados hoje afetam as oportunidades de as gerações futuras progredirem e evoluírem com sucesso É nossa responsabilidade proteger os ecossistemas e cuidar da natureza, procurando integrar a sustentabilidade no planeamento urbano e na utilização de recursos. Segundo Herber Girardet (2007), “Uma cidade sustentável é organizada de modo a tornar todos os seus cidadãos capazes de satisfazerem as suas necessidades e de melhorarem o seu bem-estar sem prejudicarem o mundo natural ou porem em perigo as condições de vida de outras pessoas, agora ou no futuro” (fig. 13). “(…) formulate a responsible attitude towards the sustainable development of Planet Earth (…)” in Derek Bell, 2004; 37 4 49 1.2.1 Prioridades e vantagens na construção sustentável “A sustentabilidade consiste em construir pensando no futuro, não somente tendo em conta a resistência física de um edifício, senão pensando também na sua resistência estilística, nos usos do futuro e na resistência do próprio planeta e dos seus recursos energéticos.”5 (Renzo Piano, 1999; 60). Ao projetar de uma forma sustentável na arquitectura devemos ter em consideração algumas preocupações, nomeadamente, a escolha consciente dos processos a serem implementados, o percurso da fabricação dos materiais e o seu transporte. Devemos igualmente considerar o consumo de energia, a interação construtiva e a manutenção dos materiais. Alguns fatores importantes em ter em conta na conceção de um projeto sustentável: Orientação solar; Forma arquitectónica; Usos internos do edifício; Geometria dos espaços internos; Condicionantes ambientais (vegetação, ruído, geologia do solo); Materialidade; Cores a aplicar no edifício; Tratamento das fachadas e coberturas; Aberturas (envidraçados) Estes fatores originam um impacto no desempenho do edifício, determinando estratégias de ventilação natural, reflexão da radiação solar, sombreamento e isolamento térmico. Estas estratégias vão ser determinadas pelas condições climáticas e exigências de utilização do espaço interior e exterior. “La sostenibilidad consiste en construer pensando en el future, no sólo teniendo en cuenta la resistência física de un edifício, sino pensando también en su resistência estilística, en los usos del futuro y en la resistência del próprio planeta y de sus recursos energéticos”, Renzo Piano, 1999; 60 5 51 Figura 14. “Academia de Ciências da Califórnia”, Renzo Piano Figura 15. Cobertura da “Academia de Ciências da Califórnia”, Renzo Piano |52 Podemos, ainda, mencionar o aproveitamento da luz natural que esta ligada à forma como pensamos a orientação solar, a geometria dos espaços, as cores e as aberturas no edificado. “Academia de Ciências da Califórnia” do Arquitecto Renzo Piano (fig. 14) é um dos dez projetos “Green bulding” do Departamento do Meio Ambiente de San Francisco. Alberga um planetário, um habitat de floresta tropical, um aquário e vários espaços de exposições. Este projeto baseia-se na recuperação de dois edifícios pré-existentes de 1934 e na inclusão de uma nova e inovadora estrutura. A cobertura verde do planetário e do habitat de floresta tropical são duas esferas que se integram na paisagem e no conceito do edifício. Não precisa de manutenção e funciona como atração para espécies locais (fig. 15). Pode-se referir alguns dos principais fatores que torna este edifício sustentável: Os sistemas de recuperação de calor capturam e utilizam o calor gerado por equipamentos de climatização, reduzindo, assim, o consumo de energia de aquecimento ou refrigeração; A cobertura verde atua como isolante térmico, reduzindo as necessidades de energia elétrica; Os vidros por todo o edifício são de alto-desempenho; As claraboias da cobertura abrem e fecham automaticamente para expulsar o ar quente; A água salgada para o aquário é canalizada a partir do Oceano Pacífico, minimizando o uso de água potável para os sistemas do aquário; Mais de 90% dos resíduos da demolição do edifício anterior foram reciclados; Foi utilizado aço reciclado na estrutura do edifício; O isolamento das paredes do edifício é feito a partir de calças de ganga recicladas; O betão é composto por 30% de cinzas. 53 Figura 16. Pavilhão de Espanha, Expo 2010, Shangai Figura 17. Painéis de fibra vegetal Figura 18. Armazenamento da água em tanques |54 Para além dos fatores a ter em conta na elaboração de uma construção sustentável há também outras preocupações a atender como prioritários, nomeadamente: Gestão dos custos de ciclo de vida dos materiais; Utilização de materiais ecoeficientes; Economia do consumo de energia e água; Redução da produção de resíduos; Salubridade dos edifícios; Planeamento da conservação e reabilitação A gestão de custos de ciclo de vida de um material consiste na análise dos custos associados à produção e requalificação ao longo da sua vida. Podem estar incluídos os custos de projeto, construção, operação, manutenção e demolição. Os materiais ecoeficientes apresentam um menor impacto ambiental e caracterizam-se pelo “desenvolvimento de produtos e serviços, com preços competitivos que satisfazem as necessidades da espécie humana com qualidade de vida, enquanto progressivamente reduzem o seu impacto ecológico e o consumo de matérias-primas ao longo do seu ciclo de vida, até um nível compatível com a capacidade do Planeta” 6 (World Business Council for Sustainable Development, 1991). O pavilhão de Espanha da Expo 2010 em Shangai (fig. 16 e 17) é um exemplo de aplicação de técnicas ecoeficientes de iluminação natural e uso de material natural, painéis de fibra vegetal entrançados manualmente (fig. 18). A redução do consumo da água pode ser feita a partir do uso de dispositivos economizadores, tais como, equipamentos hidráulicos ecológicos, e do aproveitamento das águas de chuva, podendo estas últimas serem coletadas e armazenadas em tanques, para diversas utilidades. “Development of competitively-priced goods and services that satisfy human needs and bring quality of life, while progressively reducing ecological impacts and resource intensity throughout the life-cycle to a level at least in line with the earth s estimated carrying capacity”, World Business Council for Sustainable Development, 1991 6 55 Pode-se minimizar o consumo de energia usando a iluminação natural a partir de pés direitos elevados e janelas e a partir da ventilação natural, dispensando, assim, sistemas elétricos. A Redução da produção de resíduos pode ser conseguida através da reutilização dos materiais ou da sua reciclagem. A salubridade dos edifícios está ligada à qualidade do ar interior, à luz natural, aos materiais de construção e ao ruído. As más condições de um edifício além de gerarem desconforto, afetam a saúde dos seus habitantes. O planeamento da conservação e reabilitação de um edifício deve começar no projeto em papel, prevendo a reutilização dos materiais, a sua reciclagem ou conservação. A madeira é um bom exemplo de material renovável, que pode ser facilmente reutilizado ou reciclado. Ao longo dos anos têm vindo a ser adotadas medidas sustentáveis por todo o mundo, e se por vezes o custo da construção sustentável é mais elevado que o da construção tradicional, o valor investido compensa pela diminuição dos recursos gastos no presente e no futuro, como por exemplo na água e na energia. Segundo Kibert (1994), enquanto numa construção tradicional há uma maior preocupação com o custo, o tempo e a qualidade, numa construção sustentável além de se manterem esses critérios, são adicionados outros, tais como, minimização do gasto de recursos escassos e da degradação ambiental e a criação de um ambiente mais saudável e com maior conforto. 57 Figura 19. Reduzir, Reutilizar e Reciclar |58 Na figura abaixo (fig. 20), podemos ver a evolução das preocupações ao nível de uma construção sustentável, no sector da construção civil. Figura 20. Evolução das preocupações na construção (Manuel Pinheiro, 2006) Pode, assim, dizer-se que uma construção sustentável acrescenta inúmeras vantagens, beneficiando tanto o utente ou habitante como o ambiente. Em baixo estão mencionadas algumas vantagens da construção sustentável (fig. 19): Redução do consumo de recursos (reduzir); Reutilização de recursos (reutilizar); Uso de recursos recicláveis (reciclar); Proteção da natureza (natureza); Eliminação de produtos tóxicos (tóxico); Aplicação do custo do ciclo de vida (economia); Foco na qualidade (qualidade) Segundo Godfaurd (2005), a construção sustentável envolve o ciclo de vida dos edifícios, uma vez que a minimização e a redução dos impactos na natureza depende do desempenho dos edifícios durante todas as suas fases: projeto, construção, operação, renovação e demolição. 59 Figura 21. Local de implantação da nova biblioteca Figura 22. Protótipo |60 1.3 Reciclagem como opção para a materialidade sustentável “A origem dos materiais empregados deve ser observada com atenção, comprovando-se o manejo ecológico e, sobretudo, sustentável das florestas e culturas associadas aos materiais” (Françoise-Hélène Jourda, 2009) A necessidade de preservação e respeito pelo meio ambiente conduziu ao surgimento de técnicas de construção baseadas na reciclagem e reutilização dos materiais. Com a utilização de material reciclado nas construções, evita-se a produção desnecessária de resíduos e economiza-se energia, levando a uma maior preservação do meio ambiente. Na maioria das vezes desaproveitamos os materiais de construção que se apresentam em bom estado, gerando, assim, um desperdício de materiais e recursos. A reciclagem conduz a uma solução que permite reutilizar as matérias-primas com consequente benefício para o ambiente. Um bom exemplo desta prática é o “Open air Library”, localizado na Alemanha e projetado pelo atelier Karo architekten. Trata-se de uma intervenção pública, que conta com a colaboração dos residentes locais. O local de implantação do projeto era um espaço degradado em forma triangular, com o predomínio de uma paisagem pós-industrial, onde são ainda visíveis as contradições entre edifícios, tais como, habitações desocupadas e fabricas abandonadas (fig. 21). Inicialmente foi concebido um protótipo à escala real que contou com a ajuda dos moradores e serviu de estratégia para se compreender o funcionamento do projeto como meio de integração social. Na construção deste modelo foram reutilizadas mais de mil grades de cerveja (fig. 22). 61 Figura 23. Open air library, Magdeburg, Alemanha Figura 24. Open air library, Magdeburg, Alemanha |62 O projeto é marcado pela sua fachada inovadora, que é constituída por peças pré-fabricadas e recicladas provenientes de um edifício emblemático demolido no ano de 1960 (fig. 25). Embutidas nas paredes espessas, encontram-se prateleiras que abrigam livros doados pela comunidade e espaços de relaxamento (fig. 23), onde as pessoas podem-se sentar ao ar livre a ler. Um espaço verde desenha o interior do quarteirão e uma cafetaria preenche a secção superior do edifício. Figura 25. Peças pré-fabricadas e recicladas Apesar de ser um projeto com recursos limitados, é um edifício inovador na sua forma e função. É também sensível aos produtos de construção, não só pela opção da reciclagem a nível de materialidade mas também pela reabilitação de caráter arquitetónico do modernismo pós-guerra (fig. 24). Além de os custos de construção terem sido baixos, o consumo de energia é quase nula, devia a inexistência de ar condicionado e de se tratar de um edifico aberto diretamente ao público, sem cobertura e marcada só por 3 fachadas. O projeto tornou-se um marco na comunidade e um local de encontro entre os moradores. É um espaço usado para produção de peças teatrais pelas escolas, leituras públicas, concertos e shows de bandas locais e outros tipos de eventos culturais. A sua gestão foi assumida pelos moradores. 63 Figura 26. Agenda 21 |64 1.3.1 Origem da reciclagem em Arquitectura A reciclagem de resíduos de construção e demolição surgiu com a industrialização, como uma vertente da sustentabilidade, que tem evoluído ao longo dos últimos anos. Segundo GÜnther (2000),após 1980, devido ao crescente número populacional nos centros urbanos e à diversificação de produtos e serviços, os resíduos tornaram-se um grande problema. Surgiram problemas relacionados com a área de deposição de resíduos, que se tornou escassa, com os elevados custos na gerência de resíduos, problemas de saneamento público e contaminação ambiental. Na conferência “Eco-92” realizada no Brasil em 1992, foi estabelecido, um acordo referindo-se ao compromisso de cada país cooperar em estudos e soluções para os problemas socio ambientais, Agenda 21 (fig. 26). Este acordo veio alertar para a necessidade urgente de um novo sistema de gestão ambiental para o tratamento de resíduos. A reciclagem de resíduos na construção foi uma das soluções propostas para este problema. É a partir do fecho do ciclo dos materiais, que a indústria diminuirá o desperdício de resíduos e incrementará o aproveitamento da matéria-prima renovável. A redução de resíduos é uma ação importante e necessária, mas que envolve custos e novas tecnologias. Pode-se referir como principais benefícios da reciclagem na construção os seguintes pontos: Redução de consumo de recursos naturais não renováveis; Redução de áreas para aterros; Redução do consumo de energia no processo de produção; Redução da poluição 65 Assim como qualquer outra atividade humana, a reciclagem de resíduos acaba por causar alguns impactos ambientais, dependendo do processo de reciclagem, do tipo de resíduo, da quantidade de materiais e energia necessários ao processo e da tecnologia utilizada. A figura abaixo (fig. 27) demonstra as variáveis da reciclagem. Figura 27. Variáveis da reciclagem O processo de reciclagem além de gerar benefícios económicos e produtivos, também gera investimentos, quer na tecnologia quer em equipamentos. Todo este processo necessita de energia para poder transformar os resíduos em um novo produto. Por vezes essa energia não chega e é necessário a adição de matéria-prima no composto. Desta forma, a reciclagem tem que ser um processo bem pensado e ponderado. A redução do volume das classes de resíduos transportados, a viabilidade de soluções mais simples de reciclagem dos resíduos classe A, aqueles que podem ser reutilizados ou reciclados na própria obra como agregados, nomeadamente: materiais cerâmicos, tijolos, azulejos, blocos, telhas, placas de revestimento, argamassa, betão, e a reciclagem de todos os resíduos dessa mesma classe, são algumas das vantagens da triagem dos resíduos de construção e demolição. 67 Figura 28. Gestão dos resíduos de construção |68 1.3.2 Processo de obtenção dos RCD (Resíduos de construção e demolição) 1.3.2.1 Gestão dos RCD (Resíduos de construção e demolição) A sigla RCD designa os resíduos de construção e demolição e têm origem nas demolições de edifícios e na construção ou remodelação de edifícios, sejam eles de carácter público ou privado, e dependem da técnica de construção e da época da infraestrutura demolida. Apesar destes materiais serem considerados pouco poluentes e perigosos, houve necessidade de os reciclar devido aos problemas ambientais e económicos (fig. 28), tendo sido levadas a cabo diversas ações, tanto pelo meio ambiente, como pelas empresas e o sector público. Hoje em dia podemos verificar que na legislação estão definidas práticas e metodologias que privilegiam a aplicação dos princípios da prevenção e redução e da hierarquia das operações de gestão de resíduos, que devem ser adotadas tanto na fase de projeto como na execução da obra. Na maioria das vezes a necessidade de materiais e o aumento da quantidade de resíduos gerados provém de um desperdício de materiais que são esquecidos e deixados de parte muito antes de terem sido esgotadas todas as possibilidades de aplicação. Segundo Jorge Brito (2006), betão e materiais cerâmicos, fragmentados e misturados, são dos resíduos que em maiores quantidades se produzem, cerca de 50% do peso total dos RCD. A gestão de RCD atravessa várias etapas que devem ser implementadas em fase de obra, as quais assentam em estratégias de prevenção que têm como objetivos (Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de Março): Minimizar a produção de resíduos utilizando práticas ambientais adequadas que facilitem a reciclagem dos materiais de forma segura e eficiente, como por exemplo, reduzir a utilização de materiais perigosos (aditivos, colas, tintas); Optar por métodos construtivos que apoiem uma gestão dos RCD, como por exemplo, a demolição seletiva. 69 Figura 29. “Ecocubo”, Arquitecto António Fernandes Figura 30. “Nave Tierra”, Arquitecto Michael Reynolds |70 A produção de RCD pode ser reduzida adotando as seguintes estratégias de prevenção, nomeadamente: Otimização da utilização de matérias-primas; Utilização de matérias-primas menos poluentes; Aumento da vida útil dos materiais; Reutilização em obra dos resíduos produzidos A otimização da utilização das matérias-primas refere-se à redução das mesmas, devendo-se prioritariamente optar por materiais reciclados ou reutilizar materiais provenientes de demolições em substituição às matérias-primas. No que diz respeito as matérias-primas poluentes, estas devem ser evitadas ao máximo. Um bom exemplo de um material não poluente é a cortiça (fig. 29), não só por tratar-se de um material natural, mas também por ser ecológico e reciclável. O projeto “Nave Tierra”, localizado na Argentina, do Arquitecto Michael Reynolds (fig. 30) é um exemplo de arquitectura baseada na reutilização em obra de resíduos. Trata-se de uma habitação completamente autossustentável pelo facto de além de ter sido contruída a partir de materiais reciclados, também é capaz de gerar energia para uso próprio, a partir dos ventos e do sol, reutilizar a água das chuvas e reciclar os resíduos. Foram reciclados materiais como pneus, latas de alumínio, garrafas plásticas e garrafas de vidro. 71 Para uma eficiente gestão de RCD é imprescindível que se faça uma separação dos resíduos e o seu agrupamento de acordo com as suas características de forma a permitir a reutilização, reciclagem, valorização ou eliminação em aterro. Os resíduos deverão ser colocados temporariamente em locais identificados para tal e dependendo do seu tipo, poderá haver necessidade destes serem armazenados em recipientes fechados e estanques e depositados em locais impermeáveis, secos, com ventilação e protegidos das intempéries. Após estes procedimentos, o transporte dos resíduos, da responsabilidade do produtor ou do detentor dos mesmos, deverá ser realizado por uma empresa especializada e licenciada para o efeito ou pelo destinatário final. O reaproveitamento dos resíduos, isto é, a sua valorização, em que se inclui a reciclagem dos materiais e obtenção de novos para posterior uso, tem como vantagens: Melhoria na gestão de resíduos; Redução do abandono destes resíduos; Melhoria na separação seletiva dos resíduos; Aumento da taxa de reciclagem; Diminuição da extração de inertes em pedreiras; Aumento da utilização de agregados reciclados Existem, contudo, vários impedimentos para a reutilização dos materiais, que estão associados às características dos resíduos, tais como: a decomposição não controlada, a difícil quantificação e o recurso a sistemas com tratamentos de fim de linha. Nas tabelas seguintes estão apresentados alguns materiais e as suas características no diz respeito à sua aplicação, se pode ser reutilizado e reciclado e os custos e as vantagens associados a esses processo, segundo Albert Cucht, Fabian López, Albert Sagrera e Gerardo Wadel: 73 Tabela 1 BETÃO Tipo Lajes, paredes, cobertura. Descrição O betão é constituído por 55% brita, 25% areia, 14% cimento e 6% água. Aplicação As lajetas são materiais reutilizados em espaços públicos: passeios, praças e jardins públicos. O betão é reciclado como inerte para o novo betão. Reutilização O betão, depois de triturado, é reutilizado como agregado para bases de estradas e pavimentos. É um material reutilizado como cal para neutralizar. Reciclagem Depois de separado das armações, o betão é triturado e separado em diferentes granulometrias e, deste modo, transforma-se num componente apto para o fabrico de novo betão. O comportamento mecânico é semelhante ao dos compostos baseados exclusivamente em granulados pétreos naturais e a resistência estrutural do betão reciclado pode chegar aos 80 ou 90%. Custos Segundo Bill Addis, o custo de betão reciclado como inerte é 5-10% mais caro do que o betão feito com agregados naturais. No entanto, estes valores variam conforme o local e o desenvolvimento deste processo ao longo do tempo. Vantagens Material facilmente disponível na demolição de edifícios, tornandose economicamente vantajoso quando reutilizado no próprio local. 75 Tabela 2 METAL Tipo Material estrutural, equipamentos, revestimentos e caixilhos. Descrição Existem duas categorias: metais ferrosos (ferro e aço) e metais não ferrosos (cobre, bronze, latão, alumínio, zinco, estanho e chumbo). Aplicação Sempre que se apresente em bom estado, o metal da estrutura, revestimento, caixilhos, persianas e elementos decorativos são reutilizados. O aço proveniente de sucata pode ser recuperado. Reutilização Reutilização no próprio local é simples, económica e rentável. Reciclagem O aço utilizado para a estrutura pode ser fundido para adquirir novo aço. Material facilmente reciclado. O alumínio é transferido para a sucata, para posterior reciclagem. Custos Segundo WRAP, quando envolve algum desperdício do material, a reutilização torna-se mais cara. A reutilização no próprio local abrange custos de mão-de-obra que normalmente resulta na economia de custos Vantagens A reciclagem de matais torna-se vantajosa em termos energéticos uma vez que se poupa a energia necessária para a extração de metais a partir de minas. Nos projetos de demolição, o metal possui um potencial de recuperação elevado devido ao número ilimitado de processos de fusão que são possíveis, sem alterar a qualidade do material. É possível recuperar até 99 de cada 100 toneladas de aço existente no edifício. A reciclagem do aço a partir de sucata economiza até 70% da energia utilizada no fabrico a partir de matéria virgem, reduzindo até 76% do consumo de água. 76 Tabela 3 MADEIRA Tipo Vigas, barrotes, pavimentos e revestimentos. Aplicação A madeira é um material reutilizado como aditivo para a produção de novos materiais. Reutilização Desde que esteja em bom estado, é facilmente reutilizada. Reciclagem 88% da madeira pode ser reciclada Custos Segundo Bill Addis, o custo da recuperação de madeira varia entre 60-90% do custo de madeira nova. Vantagens A madeira apresenta uma série de vantagens por ser um material renovável. O facto de podermos plantar mais árvores, não poe em causa a sobrevivência de outros habitantes. A árvore atua com fatores passivos (cria espaços e proteção) e ativos (absorve CO2, liberta O2 e humidade). É um material económico, de fácil manutenção e com consumo equilibrado de recursos, não é tóxico nem cancerígena, não exige selo energético, é reciclável e pode ser industrializada ou trabalhada de forma artesanal. Tabela 4 ALVENARIA Tipo Tijolo e pedra. Descrição As paredes de tijolo com argamassa de cal podem ser reutilizados. O tijolo pode conter até 90% de conteúdo reciclado (proveniente de reciclagem de RSU), sendo misturado com 10% de barro virgem. Aplicação Pedras e tijolos são recuperados para ampliação e reabilitação de edifícios; para enchimentos; para fundações, lajes e pavimentos e para agregados. Reutilização Os resíduos de alvenaria podem ser utilizados para a produção de peças pré-fabricadas de betão; para a construção de muros, como agregados; como enchimento para estradas, valas e tubagens. A reutilização do tijolo normalmente é feita sem certificação. Custos Segundo WRAP, a reutilização deste material torna-se rentável, pois em termos económicos resulta numa redução de custos para a obra. Vantagens A reutilização no local permite controlar os custos de construção e os custos de gestão. Podem ser reutilizados no próprio local como agregados ou, segundo Winkler, revendidos no mercado de agregados. 77 Tabela 5 ISOLAMENTO Tipo Poliestireno extrudido e celulose Descrição Material em placas para isolamento Aplicação Apenas alguns tipos de isolamento são facilmente reciclados, entre eles, o isolamento de celulose. Reutilização Topo o isolamento que seja retirado em perfeito estado pode ser reutilizado. Reciclagem O isolamento composto por fibras de vidro ou celulose pode ser reciclado em novo isolamento. Custos Segundo Bill Addis, a reciclagem de lã de rocha tem sido testada. Contudo, atualmente não se apresenta economicamente viável. Vantagens A reciclagem do isolamento de celulose é das indústrias com maior sucesso, nos Estados Unidos, apresentando mais de 80% de nova celulose obtida a partir da reciclagem de velhos jornais. Tabela 6 GESSO Tipo Gesso e pladur (gesso cartonado). Descrição Placas de gesso cartonado podem conter gesso recuperado de velhas placas ou papel reciclado (90-100%). Aplicação O pladur é reciclado para produção de novas placas. O gesso pode ser reutilizado como fertilizante para solo agrícola ou como aditivo para o cimento. Reutilização Depois de limpo, o gesso readquire as características químicas da gipsita o que torna possível a sua reutilização (entre 5-10%) como aditivo para o cimento portland (controla o tempo de fixação do betão). Custos Greg Winkler afirma que, atualmente, existe pouco mercado especializado Vantagens Segundo Greg Winkler, o gesso é um excelente material para a reciclagem. 78 Tabela 7 VIDRO Tipo Vidro simples, vidro duplo, vidro de revestimentos de fachada. Descrição Proveniente da recolha de RCD e resíduos sólidos urbanos, RSU (garrafas, embalagens). Aplicação Material reutilizado como inerte (substitui até 40%) para asfalto: como matéria-prima para a fibra de vidro; como agregado para materiais betuminosos. Reciclagem Reciclado em novo vidro ou como material de isolamento (vibra de vidro). Custos Segundo Bill Addis, atualmente, a quantidade de vidro proveniente de RCD para reutilização ou reciclagem ainda não justifica o custo associado a estes processos, tornando-se um processo, raramente, rentável. Vantagens O vidro é um material facilmente reciclável. Cada quilograma de vidro usado que se incorpora no fabrico de novo vidro, representa uma poupança de 1,2 quilogramas de matérias-primas e evita a extração de matéria-prima virgem. A reciclagem do vidro economiza cerca de 70% da energia incorporada e 50% da água utilizada na produção do material a partir de material virgem. 79 1.3.2.2 Hierarquia dos RCD no sector da construção As principais ações da hierarquia dos RCD consistem na redução dos resíduos produzidos pelas demolições, na reutilização e reciclagem dos materiais provenientes das mesmas e na deposição controlada dos resíduos em aterros. Na figura abaixo (fig. 31) esta representado um esquema em forma de pirâmide da hierarquia dos RCD segundo a diretiva 2008/09/ce, sendo que no topo é apresentada a opção mais favorável a tomar, e na base a menos favorável. Figura 31. Esquema pirâmide da hierarquia dos RCD A redução dos resíduos produzidos pela demolição pode resultar de uma mudança de materiais a serem utilizados. Uma maior durabilidade e um planeamento mais rigoroso pressupõe a implementação de técnicas eficientes de recuperação dos mesmos materiais. Esta é a forma mais eficaz de reduzir as quantidades de resíduos, os custos associados ao seu manuseio e os impactos ambientais. A reutilização de materiais pode ser conseguida a partir do desmantelamento cuidadoso dos materiais resultantes de demolição seletiva. Este processo conduz à redução de produção de resíduos e ao aumento do tempo de vida útil do material, traduzindo-se numa mais-valia do ponto de vista ambiental. Além disso, os custos de compra de materiais reutilizáveis são menores assim como o custo global da obra. 81 A reciclagem dos resíduos da construção consiste na recuperação e processamento de materiais de modo a criar novo produto. Visa, não só, produzir um valor acrescentado nos produtos, como também, matéria-prima para utilização futura a preços mais reduzidos. Contudo é necessário fazer previamente um estudo de mercado para saber se os custos deste processo compensam. Este processo pode ser inviável devido ao envolvimento de gastos energéticos e desenvolvimento de emissões poluentes elevadas no reprocessamento. São considerados como outros tipos de valorização, a compostagem e a valorização energética. A primeira consiste num processo de degradação da matéria orgânica em meio aeróbio, a segunda consiste na digestão anaeróbia ou na incineração com aproveitamento energético. A deposição controlada dos resíduos em aterros só deve ser feita em último caso, pois para além de não valorizar nenhum tipo de resíduo, também não constitui nenhuma vantagem para o sector da construção, dado que acarretam custos. Pode ser realizada através de processos não nocivos à saúde pública e ao meio ambiente ou a partir da incineração sem aproveitamento energético. 83 Figura 32. Demolição seletiva Figura 33. Demolição seletiva |84 1.3.2.3 Demolição seletiva como processo de obtenção de resíduos Quando se fala de demolição de um edifício a primeira técnica que nos vem à ideia é a demolição tradicional. Este processo, considerado sem técnica, onde o mais importante é a rapidez com que é executado, realiza-se através da implosão ou da utilização de máquinas de grande porte e conduz à produção de resíduos constituídos por diversos materiais misturados entre si. Não existe a preocupação numa separação eficiente, de modo a que os materiais possam futuramente vir a ser reaproveitados. Para uma eficiente demolição de edifícios surgiu o conceito de demolição seletiva (fig. 32). Esta técnica consiste na separação prévia dos diferentes materiais, com potencialidade de reaproveitamento, provenientes de um edifício em vias de demolição. A separação dos materiais é feita consoante as suas características, de forma segura, controlada e eficiente. Estes são encaminhados posteriormente para reutilização ou reciclagem (fig. 33), recebendo um novo uso e potencializando assim o seu valor. A demolição seletiva é um procedimento demorado, de custos financeiros superiores à demolição tradicional, devendo ser realizado somente na impossibilidade da reabilitação ou restauração do edifício. A demolição seletiva conduz à produção de uma quantidade desnecessária de resíduos inertes, derivados da demolição do corpo estrutural do edifício. 85 A demolição seletiva é uma técnica que tem vindo a ser cada vez mais utilizada e de grande importância nos dias de hoje. Este processo além de possibilitar a inovação na tecnologia no sector da construção e o surgimento de um novo mercado, possibilita também a sustentabilidade, benefícios económicos e ambientais. Pode ser apontada como grande vantagem desta técnica a valorização dos materiais com potencial a serem reciclados, reutilizados ou reaproveitados para novas construções ou outras aplicações. Este processo leva à diminuição da quantidade de resíduos de demolições, evitando assim a deposição em aterros; a diminuição da extração e transformação de matéria-prima, bem como o transporte e produção de novos materiais de construção. As grandes desvantagens da demolição seletiva, comparativamente à demolição tradicional, são o custo associado à necessidade do conhecimento técnico apropriado na mão-de-obra, o que implica formação de técnicos especializados, e o facto de este processo ser lento e demorado. 87 CAPÍTULO II 89 2.1 Palácio do Freixo – Pousada do Porto Figura 34. Palácio do Freixo, Fernando Távora e José Bernardo Távora, Porto Figura 35. Palácio do Freixo, Fernando Távora e José Bernardo Távora, Porto |91 91 Figura 36. Palácio do Freixo, 1966 Figura 37. Palácio do Freixo e Fábrica das moagens Harmonia, 2000 |92 A Pousada do Freixo é constituída por dois edifícios históricos: o palácio e a fábrica das Moagens Harmonia. O primeiro é um edifício de estilo barroco, foi construído em meados do século XVIII a partir de uma planta retangular e é um projeto da autoria do Arquitecto Nicolau Nasoni (fig.36). O segundo foi construído no ano de 1891, sofreu em 1932 o levantamento de mais dois pisos e é obra do Arquitecto José Júlio de Brito. O palácio começou por incorporar em 1742 uma residência particular, mais tarde (século XX) foi vendido à Companhia Harmonia. Foi contruída uma ampliação e instalada uma fábrica de moagens, que atualmente integra os quartos da pousada. Em 2001 o palácio e o edifício das Moagens Harmonia sofreram uma intervenção de restauro, mas por não ter tido nenhum tipo de uso, os seus interiores e exteriores foram-se degradando com o tempo Por volta de 2000 – 2003 o edifício do palácio e a fábrica (fig. 37) foram reabilitados pelo Arquitecto Fernando Távora e deram origem à Pousada do Porto. Este projeto ambicionava aproveitar todo o potencial dos dois edifícios já existentes, respeitar o valor e a identidade histórica de cada edifício e proporcionar funcionalidade. É um edifício que apresenta fachadas imponentes e que possui um grande jardim com vista para o rio douro. A sua inauguração foi em 2009. A fábrica de Moagens Harmonia caracteriza-se no seu exterior pela verticalidade das fachadas que são compostas por janelas e portas de forma sequencial, uma ilustre chaminé e um cais privado com vista para o rio Douro. O interior do edifício é marcado por amplos salões de estrutura oitocentista, composta por pilares e vigas de ferro, que vão desde a cave até ao último andar. Estas características arquitectónicas da fábrica obedecem às necessidades produtivas da mesma, onde eram necessários grandes salões e sucessivos pisos para a ocupação de máquinas de grande porte, como moinhos e peneiros, que produziam variadas farinhas. 93 Figura 38. Requalificação Palácio do Freixo |94 A reabilitação do edifício da Pousada do Porto (fig.38) pode ser considerada para efeitos de caso de estudo porque consistiu essencialmente numa demolição seletiva, restando apenas, pelo seu bom estado de conservação, as paredes exteriores, tanto do palácio como da fábrica, as paredes interiores do palácio e a estrutura metálica que servia de suporte ao edifício da fábrica. Os materiais que resultaram da prática da demolição seletiva foram: misturas de betão, tijolos e outros materiais cerâmicos, madeira, vidro, plástico, metais ferrosos (ferro e aço) e não ferrosos (cobre, latão e bronze) e materiais de construção que contêm amianto. No gráfico abaixo (fig. 39) estão representadas as quantidades de materiais resultantes da demolição seletiva. 55 53,14 50 45 40 35 37,35 30 25 20 15 10 5 6,58 1,31 0 Misturas de betão, tijolos e outros materiais cerâmicos Madeira Vidro 0,09 Plástico 0,03 Cobre, latão e bronze 1,34 Ferro e aço Material de construção que contem amianto Figura 39. Quantidades de materiais resultantes da demolição seletiva 95 Figura 40. Palácio do Freixo, Porto Figura 41. Palácio do Freixo, Porto Figura 42. Palácio do Freixo, Porto |96 Quando analisado o gráfico (fig. 39), denota-se que os materiais em maior quantidade são: madeira, misturas de betão, tijolos, ladrilhos e outros materiais cerâmicos e o ferro e o aço. Posteriormente foi efetuada uma gestão de resíduos e foram atribuídos operadores de destino dos materiais resultantes da demolição seletiva. Os materiais que resultaram desta demolição foram reutilizados ou reciclados, para a reabilitação da Pousada do Porto. As vigas metálicas, que suportavam o edifício da companhia de Moagens Harmonia, foram mantidas para a construção do novo edifício. A pedra foi reaproveitada para a construção em alvenaria na casa das máquinas e na execução de lancis e muros nos jardins exteriores (fig. 40 e 41). A madeira que se encontrava em boas condições foi reutilizada nos pavimentos das várias divisões do Palácio (fig. 42). Por se encontrar em boas condições, estes materiais foram reutilizados no local da obra, gerando, assim, uma eliminação dos custos associados à gestão destes resíduos. Os resíduos resultantes da demolição seletiva tiveram destinos diferentes. Os materiais que seguiram para reciclagem, por entidades externas, não foram utilizados nesta obra. A madeira que não foi utilizada na reabilitação, por ter resultado da demolição seletiva em maiores quantidades, foi encaminhada para reciclagem para outros fins. 97 2.2 Casa em Santa Mónica Frank Gehry Figura 43. Casa em Santa Mónica; Arquitecto Frank Gehry Figura 44. Casa em Santa Mónica; Arquitecto Frank Gehry |99 99 Figura 45. Interior da habitação |100 “Tive a ideia de construir a nova casa ao redor da antiga. Disseramnos que havia fantasmas na casa…, eu decidi que eram fantasmas do Cubismo. As janelas…, eu queria fazer como se elas estivessem rastejando para fora desta coisa. À noite, por causa do vidro inclinado, a luz é espelhada. Então, quando estás sentado na mesa, vês todos os carros a passar e vês a lua no lugar errado.”7 (fig. 45) (Frank Gehry in Archdaily, 2012) A casa em Santa Mónica do Arquitecto Frank Gehry, situada na Califórnia, foi construída entre 1977-78 e renovada de 1991-94. O projeto é a própria casa do Arquitecto, e é considerada um ícone do pós-modernismo. Figura 46. Planta do piso térreo Figura 47. Planta do 1º piso “I came up with the idea of building the new house around it. We were told there were ghosts in the house... I decided they were ghosts of Cubism. The windows... I wanted to make them look like they were crawling out of this thing. At night, because this glass is tipped it mirrors the light in... So when you're sitting at this table you see all these cars going by, you see the moon in the wrong place (…)”, Frank Gehry in Archdaily, 2012 7 101 Figura 48. Pormenor de abertura|102 Este caso de estudo foi relevante nesta pesquisa pelo facto de além de ser um projeto sustentável, usa o processo da reciclagem de materiais como opção para a materialidade do edifício. O projeto, que inicialmente consistia na remodelação de um edifício préexistente no terreno, tornou-se algo mais. Frank Gehry começou por repensar a forma tradicional da habitação quadrada, e propôs a adição de volumes, revestidos por materiais do quotidiano, tais como, madeira compensada, alumínio, alambrados e plásticos. A intenção do Arquitecto era criar uma interação do préexistente com o novo, mantendo a identidade mas criando dois discursos diferentes. Desafiou os paradigmas da arquitectura através da criação de novos espaços construídos, em torno do pré-existente. Estes espaços conferem uma nova utilidade e vivência estética à habitação (fig. 48). Nesta obra pode-se admirar a dicotomia entre o novo o velho, o bruto e o refinado, pelo facto de o Arquitecto ter reutilizado materiais que tinham sido deixados de parte por outras entidades. A casa é vista como uma desconstrução, no meio de tantos materiais diferentes, mas não deixa de ser uma construção contínua. Segundo Frank Gehry trata-se de uma solução de “equilíbrio entre fragmentos e totalidade, bruto e refinado, novo e velho”. 103 Conclusões A concretização deste trabalho fez-nos compreender que uma arquitectura sustentável não está ligada a um estilo ou movimento arquitectónico específico, podendo ser aplicada tanto na arquitectura vernacular como na arquitectura moderna ou na eco-tech, uma vez que o que é valorizado é o conforto ambiental e a eficiência energética em sintonia com os recursos locais e a tecnologia apropriada. Concluímos que os elevados impactos ambientais causados ao longo destes anos fizeram imergir protocolos e soluções que fossem favoráveis ao meio ambiente. Concluímos que é urgente pensar em novas técnicas construtivas que não afetem o planeta. Entendemos que existem inúmeros fatores importantes a deter na conceção de um projeto sustentável, tais como, orientação solar, usos internos de um edifício, condicionantes ambientais e materialidade. Para além disso, existem, também, preocupações que devemos dar como prioritárias, nomeadamente a gestão dos custos de ciclo de vida dos materiais, redução de produção de resíduos e utilização de materiais coeficientes. No seguimento desta pesquisa, concluímos que o fecho do ciclo dos materiais usados na construção pode ser uma solução para o caminho da sustentabilidade. Para se criar esse ciclo deve-se seguir por duas vertentes principais: a primeira vertente aponta para o uso da biosfera como uma força natural mecânica com a capacidade de coletar resíduos e transformá-los novamente em recursos, sendo este o caminho dos materiais renováveis, a segunda indica o uso da tecnologia e ‘’know how’’, ou seja a indústria, capaz de organizar a gestão de resíduos, recicla-los e converte-los novamente em recursos, sendo este o caminho para os materiais não renováveis. 105 Entendemos que a reciclagem surgiu como uma estratégia sustentável e contribui para a redução de áreas para aterros e redução da poluição. Constatamos que o processo de reciclagem de resíduos de construções e demolições deve ser bem pensado e ponderado, visto que é algo contraditório, ou seja, tanto gera benefícios ambientais, económicos e produtivos como também origina impactos ambientais, dependendo do processo de reciclagem e da energia necessária ao processo. Compreendemos que os resíduos não são mais que a matéria-prima de um recurso e que, no sentido de evitar que ocorram impactos ambientais associados ao desfasamento dos resíduos devemos ter uma atenção cuidada à forma como é feita a sua recolha e posterior gestão. Para tal, deve-se coletar todos os resíduos dos processos de extração e manufatura e reorganiza-los de acordo com a sua forma original aquando da recolha do meio ambiente, de modo serem disponibilizados para um novo uso. Com a elaboração deste trabalho, percebemos que a redução de resíduos é possível a partir de práticas sustentáveis, sendo a reutilização e a reciclagem dos materiais, fatores favoráveis ao meio ambiente e à saúde das populações, com evidentes benefícios financeiros para todos os envolvidos. Concluímos que a aplicação de materiais reciclados no projeto pode ser uma solução para a diminuição dos impactos ambientais, redução do consumo de recursos naturais e para uma melhor qualidade ambiental. Compreendemos que a partir do uso de materiais reciclados, o projeto apresenta uma postura sustentável e uma harmonia entre a arquitectura e o meio ambiente. Concluímos que é da responsabilidade do arquitecto reconhecer, classificar e hierarquizar as dificuldades abrangidas em cada projeto e fazer as suas escolhas de modo a preservar o meio ambiente. Compreendemos que o arquitecto deve assumir as dificuldades impostas no dia-a-dia e criar soluções para as mesmas, pois, essas soluções, além de afetarem o planeta, também afetam o projeto e à arquitectura. 107 Bibliografia AUGUSTO, Carlos Alberto (2011), “A metodologia da avaliação do ciclo de vida na definição de critérios de sustentabilidade em edifícios”, Universidade Lusíada BELL, Derek. R. (2004), “Creating green citizens? 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