Universidade do Vale do Paraíba Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento INGLID FONTOURA DA SILVA CARACTERIZAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO RÁPIDA DE BACTÉRIAS EM CULTURAS PURAS E MISTAS POR MICROESPECTROSCOPIA FT-IR São José dos Campos, SP 2010 INGLID FONTOURA DA SILVA CARACTERIZAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO RÁPIDA DE BACTÉRIAS EM CULTURAS PURAS E MISTAS POR MICROESPECTROSCOPIA FT-IR Dissertação apresentada no Programa de Pós-graduação em Engenharia Biomédica, como complementação dos créditos necessários para obtenção do título de Mestre em Engenharia Biomédica. Orientador: Profº. Dr. Airton A. Martin. Co-orientadora: Profª. Drª. Maria Angélica G. Cardoso. São José dos Campos, SP 2010 INGLID FONTOURA DA SILVA "cARAcrERrzAçÃo E IDENTIFTCAçÃoRÁPDA DEBAcrÉRrÁs EM cur-TnRAs PURAS E MISTAS POR MICROESPECTROSCOPIA FT-IR'' Dissertaçãoaprovadacomo rcquisito parcial à obtençãodo grau de Mestre eÍn Engenharia Biomédica,do Institutode Pesquisa em Engenharia Biomédica,do Programade Pós-GÍaduação e Desenvolüm€ntoda Universidadedo Vale do Pafaíba,SãoJosédosCampos,SP,pela seguinte bancaexaminadora: PTOf.DTA.MARIA ANGÉLICA GARGIONE CARDOSO (TINIVAP) Prof. Dr. AIRTON A. MARTIN (UNIVAP) Prof. Dr. FRÂNCISCO GARCIA SORIAIIO da Costa Prof. Dra. SandraMar;aFonseca DiretordolP&D Univap 21 demaiode2010. SãoJosédosCampos, Aos meu pais pelo amor incondicional, por mais uma vez confiarem em mim e por mais uma vez abrirem mãos de sonhos. Aos meu tios, meus pais em São José dos Campos, pela dedicação, pelo ombro e pelo colo. Ao meu irmão e meus primos (Anderson e Cléia) pela amizade, companheirismo e favores prestados durante todo o mestrado. Ao meu tio Germino (in memoriam) por ter sido um GRANDE tio e por ter me ensinado tantos valores. A Frei Dilson e Dewar por me ajudarem dar o primeiro passo rumo a este mestrado. A Mara por me ensinar a me encontrar. A Primeira Igreja Batista, ao PG e ao meu grupo de apoio por me conduzirem ao caminho do Pai. Ao Pr. Paulo Mizoguchi, Min. Flávio, Diogo, Douglas, Robson e Priscila pelas orações. A Deus (meu Pai) por abrir caminhos, por me sustentar, por ter me dado forças e por ter colocado tantas pessoas essenciais na execução deste trabalho. Ao Prof. Airton pela orientação, pela paciência, pela confiança, por acreditar nos meus sonhos e por ter me apresentado a família LEVB. A Profª Drª Maria Angélica Gargione Cardoso pela co-orientação deste trabalho, pela sinceridade e por abrir as portas de seu laboratório, onde foi possível dar os primeiros passos deste trabalho. Ao CNPq por bolsa de mestrado concedida. As professoras: Ms. Sônia Khouri e Drª. Kumiko Sakane, que me ensinaram a base de microbiologia e espectroscopia no infravermelho e não mediram esforços para me ajudar. Ao Prof. Dr. Leandro Raniero por ter me acompanhado no início do trabalho, quando tudo era sonho, no término, nas traduções e nas discussões. O seu apoio foi essencial. Ao Prof. Dr. Mituo Uehara pela preparação de trabalho (Uberlândia). A Ricardo Belo, meu anjinho da guarda, sem ele dificilmente este trabalho seria realizado, obrigada por sonhar comigo e me ajudar na execução do mesmo. A Maira, minha amiga, que tanto me ouviu, que tanto me aconselhou e que tanto me ajudou. Perua, não tenho palavras para lhe agradecer. Origin, Minitab, cálculo de número de onda e etc. Ah o meu foco é?...e está em?...no alto!...JESUS! As minhas amigas: Vanessa Santos, Elizângela Carvalho, Ludmila Guimarães, Nikele Nadur, Simone Lapena e Maria; por passarem comigo esta jornada de aulas, trabalhos, provas e apresentações. Saudades! A família LEVB, alunos e professores, por TUDO, ensinamentos, amizade...quantas histórias. Amo vocês! A família NUFABI (Carol e Ana Carla) pelo apoio, por me socorrer. A professora Sandra e a Maria Alice pelo apoio na fase final do mestrado. A Rúbia, Valéria, D. Ivone e D. Neuza pelo carinho. A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a execução deste trabalho, o meu muito obrigada! Fiz mais do que posso Vi mais do que agüento E a areia dos meus olhos é a mesma Que acolheu minhas pegadas Depois de tanto caminhar Depois de quase desistir Os mesmos pés cansados voltam pra Você. Pra Você. Eu lutei contra tudo Eu fugi do que era seguro Descobri que é possível viver só Mas num mundo sem verdade. Depois de tanto caminhar Depois de quase desistir Os mesmos pés cansados voltam pra Você. Pra Você. Sem medo de Te pertencer. Voltam pra Você. Depois de tanto caminhar Depois de quase desistir Os mesmos pés cansados voltam pra Você. Pra Você. Meus pés cansados de lutar Meus pés cansados de fugir Os mesmos pés cansados voltam pra Você. Pra Você. (S. Leah) Caracterização e identificação rápida de bactérias em culturas puras e mistas por microespectroscopia FT-IR RESUMO As doenças infecciosas são uma das causas mais frequentes de mortalidade mundial, ficando atrás somente das doenças cardíacas, cerebrovasculares e cânceres. O tempo exigido para a identificação de microrganismos patogênicos responsáveis pelas doenças infecciosas é causa determinante de taxas de mortalidade relacionadas a infecções de pacientes hospitalizados. A maioria dos sistemas de identificação disponíveis em hospitais é baseada na observação de características fisiológicas e nutritivas dos microrganismos e aplicação de testes bioquímicos com uma estadia de 24 h até 5 dias para o resultado. Uma técnica diferente aos métodos tradicionais de identificação de microrganismo é baseada em espectroscopia no infravermelho. Esta técnica é caracterizada por mínima manipulação da amostra e não são exigidos testes bioquímicos fornecendo uma alternativa potencial para a identificação rápida de bactérias. Com o objetivo de investigar a potencialidade da espectroscopia no infravermelho como uma ferramenta para identificação rápida de bactérias responsáveis por infecções em ambiente clínico o estudo foi realizado. As bactérias usadas no estudo foram obtidas da coleção de cultura do Instituto Oswaldo Cruz – Brasil. Escherichia coli ATCC 10799, Proteus mirabilis ATCC 25933, Pseudomonas aeruginosa ATCC 15442, Staphylococcus aureus ATCC 14456, Staphylococcus epidermidis ATCC 9300 e Enterococcus faecalis ATCC 10100 foram analisadas. O estudo foi realizado em culturas puras e mistas e examinadas em triplicata. Os inóculos foram preparados segundo a escala de McFarland 0,5, incubados a 37°C por 6 horas, diluídos em solução salina, depositados em janela de CaF2 e submetidos a estufa para obtenção de filme fino. As amostras foram mensuradas no Spectrum Spotlight 400 (Perkin-Elmer) no intervalo de 4000-900 cm-1 com 32 varreduras realizadas por transmitância em modo de ponto e imagem. Os dados tratados serviram de entrada para análise de cluster usando a primeira derivada e o algoritmo Ward’s foi aplicado, uma excelente discriminação entre as bactérias foi obtida. A microespectroscopia FT-IR associado à análise de cluster demonstrou ser uma ferramenta efetiva na identificação de bactérias em culturas puras e na identificação de culturas puras e mistas com mínima manipulação de amostra e com tempo de incubação de apenas 6 horas. A técnica se mostrou rápida, reprodutível, com os espectros das triplicatas classificados corretamente. Palavras-chave: Identificação rápida, bactérias, cultura pura, cultura mista, microespectroscopia FT-IR, análise estatística multivariada. Characterization and rapid identification of bacteria in pure cultures and mixed by FTIR microspectroscopy ABSTRACT Infectious diseases are one of the most frequent causes of death worldwide, behind heart disease, strokes, and cancers. The time required to identify pathogenic microorganisms responsible for infection is a determinant of mortality related to nosocomial infections. Most identification systems available in hospitals are based on observing the physiological and nutritional characteristics of microorganisms and application of biochemical tests with a delay of 24 h to 5 days for the result. A different technique from traditional methods of identifying microorganisms is based on infrared spectroscopy. This technique is characterized by minimal sample handling and does not require biochemical tests to provide a potential alternative for rapid identification of bacteria. This study investigated the potential of infrared spectroscopy as a tool for rapid identification of bacteria responsible for infections in the clinical environment. The bacteria used in this study were obtained from the culture collection of Oswaldo Cruz Institute - Brazil. Escherichia coli ATCC 10799, Proteus mirabilis ATCC 25933, Pseudomonas aeruginosa ATCC 15442 Staphylococcus aureus ATCC 14456, Staphylococcus epidermidis ATCC 9300 and Enterococcus faecalis ATCC 10100 were analyzed. The study was performed in pure and mixed cultures in triplicate. The inoculations were prepared according to McFarland 0.5, incubated at 37 ° C for 6 hours, diluted in saline solution, deposited on CaF2 window and heated to obtain a thin film. The samples were measured by the Spectrum Spotlight 400 (Perkin-Elmer) in the range of 4000-900 cm-1 with 32 scans performed by transmittance in point and image mode. The first derivative and Ward’s algorithm was used as input data for cluster analysis. This method provided an excellent discrimination between different classes of bacteria. The FT-IR microspectroscopy associated with cluster analysis proved to be an effective tool to identify bacteria in pure cultures. It was also able to identify pure and mixed cultures with minimal sample preparation and a short incubation time of only six hours. The technique is rapid, reproducible, and correctly classified the triplicate spectra. Keywords: Rapid Identification, bacteria, pure culture, mixed culture, FT-IR microspectroscopy, multivariate statistical analysis. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Principais formas das bactérias .......................................................... 23 Figura 2 - Estrutura do Fosfolipídeo .................................................................... 26 Figura 3 - Arranjo das proteínas em estrutura secundária .................................. 27 Figura 4 - Componentes de ácidos nucléicos ...................................................... 28 Figura 5 - Esquema básico de estrutura de célula bacteriana ............................. 29 Figura 6 - Estrutura do peptideoglicano .............................................................. 31 Figura 7 - Parede celular de bactérias Gram-positivas ....................................... 32 Figura 8 - Unidades de ácidos teicóicos .............................................................. 33 Figura 9 - Parede celular de bactérias Gram-negativas ...................................... 34 Figura 10 - Estrutura do Lipopolissacarídeo ........................................................ 35 Figura 11 - Curva de Crescimento bacteriano ..................................................... 37 Figura 12 - Enterococcus faecalis, Staphylococcus aureus e Staphylococcus epidermidis ........................................................................................................... 39 Figura 13 - Escherichia coli, Proteus mirabilis e Pseudomonas aeruginosa ........ 41 Figura 14 - Espectro eletromagnético .................................................................. 44 Figura 15 - Diagrama de níveis de energia .......................................................... 44 Figura 16 - Variação do momento dipolar ............................................................ 45 Figura 17 - Vibrações de um grupo de átomos .................................................... 47 Figura 18 - Componentes básicos de um espectrômetro FTIR ............................ 50 Figura 19 - Princípio de funcionamento de um Interferômetro de Michelson ....... 51 Figura 20 - Comparação do microscópio com luz branca com o microscópio IR . 53 Figura 21 - Espectro de bactéria com diversos tratamentos ................................ 56 Figura 22 - Espectros típicos de microrganismos patogênicos ............................ 57 Figura 23 - Dendograma resultado da análise de cluster de células microbianas intactas ................................................................................................................. 61 Figura 24 - Etapas da preparação de cultura bacteriana para análise em FT-IR . 62 Figura 25 – Etapas da preparação de amostra bacteriana para análise em FTIR ......................................................................................................................... 64 Figura 26 - Espectrofotômetro utilizado no experimento ...................................... 64 Figura 27 - Micrografia dos filmes finos de bactérias Gram-negativas e bactérias Gram-positivas ..................................................................................................... 68 Figura 28 - Espectro de absorção da janela de CaF2 ........................................... 69 Figura 29 - Espectro típico de fundo .................................................................... 69 Figura 30 - Mapa da amostra de Proteus mirabilis associado aos vinte espectros realizados aleatoriamente na amostra e mapa da amostra de Staphylococcus aureus associado aos vinte espectros realizados na borda da amostra ................................................................................................................ 70 Figura 31 – Regiões do filme fino de Staphylococcus aureus ....................................................... 71 Figura 32 - Espectro característico de bactéria com as principais bandas de vibrações moleculares.......................................................................................... 71 Figura 33 - Movimentos moleculares de amida I e amida II de proteínas ............ 72 Figura 34 - Espectro FT-IR representativo de Escherichia coli, Proteus mirabilis, Pseudomonas aeruginosa, Enterococcus faecalis, Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis ................................................................................. 75 Figura 35 - Primeira derivada de ordem espectral em regiões significativamente diferentes de Escherichia coli, Proteus mirabilis, Pseudomonas aeruginosa, Enterococcus faecalis, Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis ..... 77 Figura 36 - Dendograma resultado da análise de cluster das seis bactérias examinadas em triplicata ..................................................................................... 78 Figura 37 - Dendograma resultado da análise de cluster da triplicata de Escherichia........................................................................................................... 79 Figura 38 - Micrografia dos filmes finos de Escherichia coli, Staphylococcus aureus e Escherichia coli com Staphylococcus aureus ...................................... 80 Figura 39 - Espectro FT-IR representativo de Escherichia coli, Staphylococcus aureus e Escherichia coli com Staphylococcus aureus ....................................... 81 Figura 40 - Primeira derivada da média espectral das amostras utilizadas no estudo, demonstrando diferenças de absorção nas regiões de 3000-2800 cm-1, 1470-1410 cm-1 e 1176-950 cm-1 ......................................................................... 82 Figura 41 - Dendograma resultado da análise de cluster das três inoculações examinadas em triplicata ..................................................................................... 84 Figura 42 – Filme fino de Escherichia coli associado ao mapa de absorção química de uma amostra e aos 64 espectros extraídos da matriz ...................... 85 Figura 43 – Filme fino de Staphylococcus aureus associado ao mapa de absorção química de uma amostra e aos 64 espectros extraídos da matriz ....... 86 Figura 44 – Filme fino de Escherichia coli com Staphylococcus aureus associado ao mapa de absorção química de uma amostra e aos 64 espectros extraídos da matriz .............................................................................................. 87 Figura 45 – Espectro FT-IR extraído da matriz de imagem representativo de Escherichia coli, Staphylococcus aureus e Escherichia coli com Staphylococcus aureus .................................................................................................................. 88 Figura 46 - Espectros de primeira derivada da cultura mista mostrando regiões espectrais heterogêneas ...................................................................................... 89 Figura 47 - Dendograma resultado da análise de cluster das três inoculações examinadas em triplicata em modo de imagem .................................................. 90 Figura 48 - Identificação de três diferentes microrganismos em cultura mista pela técnica de estampa ..................................................................................... 96 Figura 49 - Método de estampagem ................................................................... 97 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Ocorrência e características de alguns grupos funcionais ................. 24 Tabela 2 - Estruturas bacterianas correlacionadas à composição bioquímica .... 29 Tabela 3 - Comparação da parede celular de bactérias Gram-positivas e Gramnegativas ............................................................................................................. 34 Tabela 4 - Características usadas para identificação de bactérias ..................... 41 Tabela 5 - Principais grupos funcionais e suas respectivas energias vibracionais ............................................................................................................................. 54 Tabela 6 - Meios seletivos onde as bactérias foram inoculadas .......................... 63 Tabela 7 - Sumários dos estudos realizados, espectros coletados e modo de aquisição ............................................................................................................. 66 Tabela 8 - Atribuição de bandas detalhada associada à composição bioquímica e estrutura celular ................................................................................................ 73 Tabela 9 – Simulação do crescimento exponencial de Escherichia coli com tempo de incubação de 6 horas a partir de uma célula bacteriana ..................... 83 Tabela 10 – Simulação do crescimento exponencial de Staphylococcus aureus com tempo de incubação de 6 horas a partir de uma célula bacteriana ............. 83 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS a - assimétrico A - adenina A/D - analógico-digital ANN (artificial neural network) - rede neural artificial ATCC (American Type Culture Collection) - Coleção de cultura americana BaF2 - fluoreto de bário BHI (brain heart infusion) - infusão de cérebro e coração ºC - grau Celsius C - citosina CaF2 - fluoreto de cálcio CLTs - cadeias laterais de tetrapeptídeos Cm -1 - centímetro a -1 Dn - dina DNA - ácido desoxirribonucléico DTGS - sulfato de triglicina E. coli - Escherichia coli FIR - infravermelho distante FT - transformada de Fourier g - grama G - guanina HCA (Hierarchical Cluster Analysis) - análise de cluster IR - infravermelho K - Kelvin LPS - lipopolissacarídeos MCT - telureto de cádmio e mercúrio µm - micrômetro MIR - infravermelho médio NAG - N-acetilglicosamina NAM - ácido N-acetilmurâmico NIR - infravermelho próximo OMP (Outer membrane proteins) - proteínas de membrana externa PCA (Principal Component Analysis) - análise de componentes principais RNA - ácido ribonucléico rRNA - RNA ribossômico s - segundo s – simétrico S. aureus – Staphylococcus aureus SIMCA (soft independent modeling by class analogy) – Modelagem independente flexível por analogia de classe T - timina U - uracila U.A. - unidades de absorbância ZnSe - seleneto de zinco LISTA DE SÍMBOLOS α - alfa β - beta - constante de ligação δ - deformação ν - estiramento º - grau μ - mi (massa reduzida) - - negativo - pi % - por cento + - positivo SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 18 2 OBJETIVOS .............................................................................................. 22 2.1 GERAL ................................................................................................... 22 2.2 ESPECÍFICOS ....................................................................................... 22 3 REVISÃO DE LITERATURA ..................................................................... 23 3.1 BACTÉRIAS ........................................................................................... 23 3.1.1 Estrutura química e composição de células ........................................ 24 3.1.1.1 Carboidratos ..................................................................................... 25 3.1.1.2 Lipídeos ............................................................................................ 25 3.1.1.3 Proteínas .......................................................................................... 26 3.1.1.4 Ácidos Nucléicos .............................................................................. 28 3.1.2 Citologia Bacteriana ............................................................................ 29 3.1.2.1 Parede Celular ................................................................................. 30 3.1.2.1.1 Parede celular de bactérias Gram-positivas .................................. 32 3.1.2.1.2 Parede celular de bactérias Gram-negativas ................................ 33 3.1.2.1.2.1 Lipopolissacarídeo....................................................................... 34 3.1.3 Fases de crescimento ......................................................................... 36 3.1.4 Bactérias Gram-Positivas .................................................................... 38 3.1.4.1 Enterococcus faecalis ....................................................................... 38 3.1.4.2 Staphylococcus aureus .................................................................... 38 3.1.4.3 Staphylococcus epidermidis ............................................................. 39 3.1.5 Bactérias Gram-Negativas .................................................................. 39 3.1.5.1 Escherichia coli ................................................................................ 39 3.1.5.2 Proteus mirabilis ............................................................................... 40 3.1.5.3 Pseudomonas aeruginosa................................................................. 40 3.1.6 Identificação de bactérias pelo método tradicional............................... 41 3.2 Espectroscopia no Infravermelho ............................................................ 43 3.2.1 Absorção no Infravermelho ................................................................. 43 3.2.2 Vibração Molecular .............................................................................. 45 3.2.3 Espectro de Infravermelho .................................................................. 47 3.2.4 Instrumentação .................................................................................... 48 3.2.4.1 Espectrômetro FT-IR ........................................................................ 49 3.2.4.1.1 Fonte de Radiação Infravermelha ................................................. 50 3.2.4.1.2 Interferômetro ................................................................................ 50 3.2.4.1.3 Detectores Infravermelho .............................................................. 52 3.2.5 Microespectroscopia FTIR ................................................................... 52 3.2.6 Análise Espectral ................................................................................. 54 3.2.6.1 Interpretação .................................................................................... 54 3.2.6.2 Pré-processamento espectral ........................................................... 55 3.3 Identificação de bactérias por espectroscopia no infravermelho ............ 56 3.3.1 Análise Estatística Multivariada ........................................................... 60 4. MATERIAIS E MÉTODOS ........................................................................ 62 4.1 Cepas Bacterianas e crescimento ......................................................... 62 4.2 Preparação da amostra .......................................................................... 63 4.3 Microespectroscopia no infravermelho e mensuração ........................... 64 4.4 Tratamento dos dados e análise estatística ........................................... 65 5 RESULTADOS ........................................................................................... 67 5.1 Caracterização, diferenciação e identificação de bactérias Gramnegativas e Gram-positivas .......................................................................... 67 5.2 Diferenciação de culturas puras e mistas ............................................... 79 5.2.1 Culturas mistas e análise de imagem FT-IR ........................................ 84 6 DISCUSSÃO ............................................................................................. 91 7 CONCLUSÃO ............................................................................................ 95 8 SUGESTÕES/TRABALHOS FUTUROS ................................................... 96 9 DIVULGAÇÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA ................................ 98 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 100 18 1 INTRODUÇÃO As doenças infecciosas são uma das causas mais frequentes de mortalidade mundial sendo responsáveis por 25% das mortes globais, mais de 14 milhões de mortes por ano; ficando atrás somente das doenças cardíacas, cerebrovasculares e cânceres. Elas são responsáveis por 29 das 96 principais causas de morbidade e mortalidade humanas listadas pela Organização Mundial de Saúde (MURRAY; LOPEZ, 1997; TAYLOR; LATHAM; WOOLHOUSE, 2001; WENZEL, 1998; WHO, 2004). Essas manifestações são frequentes em pacientes graves internados em Unidade de Terapia Intensiva, com infecções comumente relatadas em locais como: corrente sanguínea, trato-urinário, trato-respiratório, sítios intra-abdominais e feridas cirúrgicas (IBRAHIM et al., 2000; REIMER; WILSON; WEINSTEIN, 1997). A estimativa da incidência de infecções e suas consequências, como a sepse, é crescente, principalmente microrganismos resistentes em idosos, ao em tratamento, pacientes ou com contaminados sistema com imunológico comprometido ou até aqueles pacientes que se submetem à cirurgia de alto risco por tempo prolongado (RUSSEL, 2006) . Uma abrangente revisão de literatura identifica 1415 espécies de organismos infecciosos conhecidos por serem patogênicos aos humanos, são eles: bactérias, vírus, fungos ou parasitas, entre os quais estão presentes 538 bactérias (TAYLOR; LATHAM; WOOLHOUSE, 2001). O tempo exigido para a identificação destes microrganismos patogênicos é causa determinante de taxas de mortalidade relacionadas a infecções de pacientes hospitalizados (IBRAHIM et al., 2000). Apesar dos esforços no desenvolvimento de métodos diretos para o diagnóstico rápido de doenças infecciosas ou detecção de microrganismos, o método de cultura permanece o padrão-ouro para a identificação bacteriana devido à sua sensibilidade, simplicidade, baixo custo e alta qualidade. A maioria dos sistemas de identificação disponíveis em hospitais é baseada neste método, que requer a observação de características fisiológicas e nutritivas dos microrganismos e aplicação de testes bioquímicos. Estes sistemas exigem uma cultura microbiana pura e 24 h até 5 dias para o resultado. Entretanto em situações de emergência onde são necessárias ações imediatas, mesmo antes do resultado 19 de identificação, é comum a administração do tratamento empírico com antibióticos de largo-espectro baseado na experiência clínica e conhecimento da patogênese e epidemiologia das infecções. O risco desta prática pode conduzir efeitos secundários tóxicos adversos, entre eles à resistência aos agentes antimicrobianos e a nefrotoxicidade (ATLAS, SNYDER, 2006; SANDT et al., 2006; STENDER et al., 2002, MAQUELIN et al., 2003). A administração inicial inadequada da terapia antimicrobiana aos pacientes criticamente doentes com infecção está também associada a uma mortalidade maior (IBRAHIM et al., 2000). Estudos conduzidos por Barefanger, Drake e Kacich (1999), Doern et al. (1994) e Kerremans et al. (2008) demonstram que a identificação do microrganismo, em um menor tempo, permite ao clínico administrar um antimicrobiano mais específico e consequentemente mais eficaz, o que reduziria a duração de permanência em leito hospitalar, dos custos associados à doença e da taxa de morbidade e mortalidade. A questão da identificação rápida do microrganismo ainda são dificuldades encontradas nos dias atuais. Nos últimos anos novas técnicas têm sido desenvolvidas para a identificação de microrganismos, existindo um interesse na descoberta de novos métodos analíticos, principalmente aqueles que permitem a execução mais rápida da análise do material de pacientes com suspeita de infecção. Entre as técnicas que oferecem possibilidades para a análise rápida, os métodos de biologia molecular se destacam por serem sensíveis para a identificação de microrganismos patogênicos. A maioria dos testes é baseada em sequências específicas de DNA permitindo a identificação específica. Entretanto, estas técnicas diagnósticas moleculares possuem custos elevados e são pouco práticas para utilização em laboratórios de rotina, principalmente para estudos em controle de infecção que exige uma rápida e simples metodologia para a identificação (ERUKHIMOVITCH et al., 2005; KIRSCHNER et al, 2001). Uma técnica diferente aos métodos tradicionais de identificação de microrganismo é baseada em espectroscopia no infravermelho. Esta técnica é caracterizada por mínima manipulação da amostra, e não são exigidos testes bioquímicos fornecendo uma alternativa potencial aos métodos convencionais. Com esta técnica é possível fazer a análise do microrganismo em um tempo de cultura reduzido em comparação com os métodos comumente utilizados, permitindo a discriminação de células microbianas intactas, sem a sua destruição e fornecendo 20 impressões bioquímicas específicas que são reprodutíveis e distintas para diferentes microrganismos (MAQUELIN et al., 2002). O método fornece um espectro de absorção bioquímica devido às vibrações de ligações químicas de componentes celulares, tais como proteínas, ácidos nucléicos, carboidratos e lipídios de membrana e componentes de parede celular; fornecendo assim a informação sobre a composição bioquímica da célula microbiana (BALDAUF et al., 2007; AMIALI et al, 2007; KIRSCHNER et al., 2001). O sistema de FT-IR pode ainda ser acoplado a um microscópio fornecendo um versátil instrumento para a análise microbiológica rápida. A detecção, a identificação e a diferenciação microbiana podem estar disponíveis dentro de um único instrumento, fornecendo resultados diagnósticos potenciais em um dia de trabalho (MAQUELIN et al., 2002). O método é aplicável em microbiologia, pois realiza com alta especificidade identificação rápida de microrganismos patogênicos, permite investigações epidemiológicas, estudo de populações bacterianas sob condições diferentes de cultura, conduz estudos de caso, elucida correntes de infecção, controle de terapia e detecção de infecções periódicas (NAUMANN, 2000; BECKER et al., 2006). Diante deste contexto é de fundamental importância a identificação rápida de bactérias responsáveis pela infecção. Aliada a esta realidade apresentada, evidenciou-se a necessidade da avaliação do potencial da microespectroscopia de FT-IR para rápida identificação de bactérias. Esta dissertação encontra-se dividida em sete seções. Na seção 2 é apresentado os objetivos gerais e específicos do trabalho. Na seção 3 é feita uma revisão sobre bactérias, sua composição bioquímica e estruturas celulares e mecanismo de crescimento, além da descrição das principais bactérias responsáveis por infecção e uma breve descrição do método tradicional de identificação de bactérias. Ainda na seção 3 é feita uma revisão sobre espectroscopia no infravermelho onde são explicados seus principais conceitos, descreve-se a instrumentação necessária para obter um espectro infravermelho, bem como um breve relato sobre análise e pré-processamento espectral; em sequência são apresentados trabalhos recentes que envolvem a espectroscopia no infravermelho como método para identificação de bactérias e análise estatística multivariada utilizada frequentemente para análise. 21 Na seção 4 é redigido a metodologia empregada para a realização dos experimentos, desde o protocolo de cultura bacteriana e preparação de amostra, passando pelos parâmetros adotados para aquisição de espectros e análise estatística. Nas seções 5 e 6 são apresentados os resultados e as discussões. Na seção 7 são apresentadas as principais conclusões deste trabalho e as seções 8 e 9 são apresentadas algumas sugestões e trabalhos futuros, bem como a divulgação dos resultados da pesquisa. 22 2 OBJETIVOS 2.1 GERAL Identificar por espectroscopia no infravermelho as principais bactérias responsáveis por infecção hospitalar. 2.2 ESPECÍFICOS Caracterizar o espectro vibracional de cada bactéria; Diferenciar e identificar os espectros de amostras bacterianas em culturas puras e mistas por análise estatística multivariada; Avaliar reprodutibilidade do método. 23 3 REVISÃO DE LITERATURA 3.1 BACTÉRIAS As bactérias são seres unicelulares de estrutura relativamente simples, são microrganismos procariotos que podem se apresentar isolados ou reunidos com outros microrganismos semelhantes, constituindo colônias. O tamanho de sua célula varia entre 0,3 a 5 µm, podendo ser móveis ou imóveis; quando móveis são dotadas de flagelos que permitem sua movimentação. Podem ser classificadas em relação ao hospedeiro e o meio ambiente em saprófitas e patogênicas (KAYSER et al., 2005; MURRAY; ROSENTAHL; PFALLER, 2006). As bactérias podem se apresentar sob formas esféricas ou comumente chamadas de cocos, bacilos e espirilos (Figura 1). Os cocos são redondos, podendo ser ovais, alongados ou achatados em uma das extremidades. Os bacilos assemelham-se a lanças, com extremidade arredondadas ou retas. Os espirilos assemelham-se a vírgulas ou vibriões. A organização dos cocos em pares, cadeias ou cachos define grupos de microrganismos denominados diplococos, estreptococos e estafilococos, respectivamente. Os organismos em forma de bastão podem ser de morfologia regular, mais curtos (cocobacilares) ou podem aparecer sob forma de bastão ou halteres (corineformes). As células em forma de vírgula definem uma característica básica de certas espécies (espécies de Vibrio) (TRABULSI et al., 2008; KONEMAN et al., 2001). (A) (B) (C) Figura 1 - Principais formas das bactérias: cocos (A), bacilos (B) e espirilos (C). Fonte: ( KAYSER et al., 2005) 24 Quanto à nutrição, muitas bactérias utilizam compostos orgânicos encontrados na natureza a partir de organismos vivos ou mortos. Algumas bactérias sintetizam seu próprio alimento por fotossíntese, e algumas obtêm seu alimento a partir de substâncias inorgânicas. Estes organismos se reproduzem assexuadamente por fissão binária, processo pelo qual uma célula parenteral dá origem a duas célulasfilhas (HOGG, 2005; TORTORA et al., 2008; RYAN; RAY, 2004). 3.1.1 Estrutura química e composição de células As células de todos os organismos vivos, desde os microrganismos até o homem, das células mais simples a mais complexa compartilham certas propriedades fundamentais e características estruturais, todas elas são constituídas por compostos químicos. Vários compostos inorgânicos (sódio, potássio, ferro, magnésio, cálcio, cloro) são encontrados em todos os organismos, porém os compostos orgânicos têm um maior significado biológico, atuando em muitas etapas cruciais do metabolismo e na definição de estruturas celulares. Existem milhares desses compostos orgânicos, a maioria dos quais podem ser agrupados em uma das quatro categorias principais: carboidratos, lipídeos, proteínas e ácidos nucléicos (DNA e RNA) (TRUN; TREMPY, 2003). Alguns dos grupos funcionais mais comuns que ocorrem em moléculas orgânicas simples, bem como nas macromoléculas são apresentados na Tabela 1. Tabela 1 - Ocorrência e características de alguns grupos funcionais. Fonte: Hogg, 2005 (adaptado). Grupo Funcional Fórmula Tipo de molécula Encontrado em: Hidroxila Álcoois Carboidratos Carbonila Aldeídos Carboidratos Cetonas Carboidratos 25 Carboxila Ácidos carboxílicos Carboidratos, Lipídeos e Proteínas Amino Aminas Proteínas Amida (carbonila e Amidas Proteínas Sulfidril Tióis Proteínas Fosfato Fosforil Fosfolipídeos, amino) Ácidos nucléicos 3.1.1.1 Carboidratos Os carboidratos são um grande grupo de compostos orgânicos que inclui açúcares e amidos, são compostos de átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio; tem a fórmula geral (CH2O)n, são encontrados em paredes celulares das células bacterianas e atuam como fonte de reserva nutritiva e precursores de proteínas, lipídeos e ácidos nucléicos. Sua função principal é fornecer combustível para as atividades celulares. Podem ser classificados em três grupos principais, com base no tamanho: monossacarídeos, dissacarídeos e polissacarídeos (MARZZOCO; TORRES, 2007; BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2004). 3.1.1.2 Lipídeos Os lipídeos são o segundo maior grupo de compostos orgânicos encontrados na matéria viva. Assim como os carboidratos, são compostos de átomos de carbono, 26 hidrogênio e oxigênio. Existem três categorias principais de lipídeos biologicamente importantes: triglicerídeos, fosfolipídeos e esteróis. Os triglicerídeos, denominados gorduras ou lipídeos simples são constituídos de dois tipos de grupamentos: glicerol e ácidos graxos. Os lipídeos complexos conhecidos como fosfolipídeos são componentes importantes de membrana celulares, são compostos de: glicerol, dois ácidos graxos e em um lugar de um terceiro ácido graxo um grupo fosfato ligado a um dentre vários grupos orgânicos (Figura 2). Grupo orgânico Fosfato Glicerol Ácidos Graxos Figura 2 – Estrutura do Fosfolipídeo: grupo orgânico, fosfato, glicerol e ácidos graxos. Fonte:( HOGG, 2005). Os esteróis são constituintes importantes das membranas plasmáticas das células animais e são constituídos de vários anéis de átomos de carbono ligados entre si. 3.1.1.3 Proteínas As proteínas são macromoléculas orgânicas que contêm carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio, são longos polímeros de aminoácidos. A complexidade da estrutura protéica é analisada considerando-se a molécula em termos de quatro 27 níveis organizacionais, denominados: primários, secundários, terciários e quaternários. (HOGG, 2005; MARACULLA; GOÑI, 2000). A estrutura primária de uma proteína é determinada pela natureza de aminoácidos que a compõe. O arranjo das proteínas em três dimensões é atribuído a sua estrutura secundária. São dois os tipos principais de arranjo secundário regular: α-hélice e folha-β (Figura 3), ambas as estruturas unidas por pontes de hidrogênio entre os átomos de oxigênio ou nitrogênio que fazem parte do esqueleto polipeptídico (MAHADEVAN-JANSEN; RICHARDS-KORTUM, 1996). α-hélice folha-β Amida Amida Ponte de Hidrogênio Figura 3 - Arranjo das proteínas em estrutura secundária: α-hélice e folha-β. Fonte: Hogg (2005) A estrutura terciária resulta do enrolamento da α-hélice ou da folha-β, sendo estabilizada por pontes de hidrogênio e pontes dissulfeto. A junção de duas ou mais cadeias polipeptídicas, cada uma com sua própria estrutura secundária e terciária, combinam-se para gerar a estrutura quaternária. 28 3.1.1.4 Ácidos Nucléicos Como proteínas, os ácidos nucléicos são grandes moléculas, formada por longas cadeias de nucleotídeos. São compostos de carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e átomos de fósforo. Existem dois tipos principais de ácidos nucléicos: o ácido desoxirribonucléico (DNA) com função de armazenar informação e o ácido ribonucléico (RNA) com etapas envolvendo a biosíntese protéica e a expressão gênica (CAMPBELL; SMITH; PETERS, 2006; ALCAMO, 1996). Cada nucleotídeo é constituído de três componentes: uma molécula de carboidrato, um grupo fosfato e uma base nitrogenada. As bases nitrogenadas no DNA são: adenina (A), guanina (G), citosina (C) e timina (T). No RNA a adenina, guanina e citosina estão presentes, porém uracila (U) encontra-se no lugar da timina (T) (Figura 4) (CAMPBELL; SMITH; PETERS, 2006; POMMERVILLE, 2004). Ribose Desoxirribose Carboidrato Uracila Timina Adenina Citosina Guanina Bases Nitrogenadas Figura 4 - Componentes de ácidos nucléicos. Fonte: (NELSON; COX, 2005) 29 3.1.2 Citologia Bacteriana A célula bacteriana possui, como qualquer célula viva, um genoma, um citoplasma e uma membrana citoplasmática (com exceção dos micoplasmas) todas as bactérias possuem também uma parede celular e algumas possuem ainda uma cápsula externa. A figura 5 apresenta esquematicamente uma célula bacteriana típica com as principais estruturas externas e internas à membrana citoplasmática. Na tabela 2 são listadas estas estruturas associada a sua composição química. Nucleóide Flagelo Parede Celular Peptideoglicano Membrana externa observada somente em bactérias Gramnegativas Cápsula Plasmídeo Pili (Pilus) Membrana Citoplasmática Ribossomos 70S Grânulos (Substâncias de depósito) - Metafosfatos (Volutina) - Glicogênio (Granulose) Figura 5 – Esquema básico de estrutura de célula bacteriana. Fonte: (KAYSER et al., 2005) Tabela 2 – Estruturas bacterianas correlacionadas à composição química. Fonte LEVINSON; JAWETZ et al., 1998) Estrutura Composição química Componentes essenciais Parede celular Peptideoglicano Esqueleto de carboidrato com cadeias laterais peptídicas entrecruzadas Membrana externa Organismos gram positivos Ácido teicóico Organismos gram negativos Polissacarídeos 30 Membrana Citoplasmática Bicamada lipoprotéica sem esteróis Ribossomo RNA e proteína em subunidades 50S e 30S Nucleóide DNA Componentes não-essenciais Cápsula Polissacarídeo Pili (fímbria) Protreína (pilina) Flagelo Proteína (flagelina) Plasmídeo DNA Grânulos Glicogênio, lipídeos, polifosfatos 3.1.2.1 Parede Celular As bactérias se diferenciam pela estrutura da parede celular, seus componentes e suas funções, em relação à estrutura de parede celular são classificadas em bactérias Gram-positivas e Gram-negativas, de acordo com a capacidade de retenção do corante de Gram. Esta é uma divisão empírica clássica que, de acordo com a coloração revela diferenças importantes na composição química e na estrutura de parede celular (MURRAY; ROSENTAHL; PFALLER, 2006; BARBOZA; TORRES, 2005). A parede celular é uma estrutura comum a todas as bactérias que, promove rigidez estrutural, conferindo forma à célula e criando uma barreira física contra o ambiente externo, possui componentes de superfície como: a capsula, o flagelo e o pili. Possui uma estrutura com camadas múltiplas localizada externamente à membrana citoplasmática. É composta por uma camada interna de peptideoglicano, envolta por uma membrana externa, que varia em espessura e em composição química dependendo do tipo de bactéria (LEVINSON; JAWETZ et al., 1998, KONEMAN et al., 2001). O peptideoglicano é uma rede macromolecular, conhecido também como mureína, que está presente isoladamente ou em combinação com outras substâncias. Consiste em um dissacarídeo repetitivo unido por polipeptídeos para 31 formar uma rede que circunda e protege toda a célula. É formado por um esqueleto de resíduos de carboidratos formados por unidades alternadas de N- acetilglicosamina (NAG) e ácido N-acetilmurâmico (NAM). A este último encontramse ligadas, covalentemente, cadeias laterais de tetrapeptídeos (CLT). A maior parte das CLTs é composta de L-alanina, D-glutamato, mesodiaminopimelato e D-alanina (Figura 6). As CLTs podem-se interligar diretamente como na maioria das bactérias Gram-negativas ou por meio de outros aminoácidos como ocorre nas bactérias Gram-positivas (KONEMAN et al., 2001; TORTORA et al.,2008; TRABULSI et al., 2008). N-acetilglicosamina N-acetilmurâmico L-alanina D-glutamato D-alanina mesodiaminopimelato Figura 6 - Estrutura do peptideoglicano. O peptideoglicano é um polímero composto de alternância moléculas de N-acetilglicosamina (NAG) e ácido N-acetilmurâmico (NAM). Uma cadeia de tetra peptídeo está ligada aos resíduos NAM (ver texto para detalhes). Esta configuração é importante para a formação de uma rede rígida. Fonte: (TRUN; TREMPY, 2003) 32 3.1.2.1.1 Parede celular de bactérias Gram-positivas Nas bactérias Gram-positivas, aproximadamente 90% da parede são compostos de peptideoglicano. Além desta macromolécula, são encontradas proteínas e ácidos teicóicos que podem representar até 50% da massa seca da parede (figura 7). Os ácidos teicóicos são polímeros que contribuem para a rigidez da parede, são formados por cerca de 30 resíduos de glicerol ou ribitol (Figura 8), unidos por ligações fosfodiéster e estão ligados ao peptideoglicano também por ligação fosfodiéster. São encontrados em dois tipos: ácidos teicóicos de parede ligado ao peptideoglicano e ácidos lipoteicóicos, que apesar de serem encontrado ao longo da parede, encontram-se intimamente ligados à fração lipídica da membrana plasmática (BARBOZA; TORRES, 2005; RYAN, RAY, 2004). Proteínas associadas à parede celular Ácido lipoteicóico de membrana Ácido teicóico de parede celular Polissacarídeo específico de parede celular Peptideoglicano Membrana Citoplasmática Figura 7 – Parede celular de bactérias Gram-positivas. Fonte: (KAYSER et al., 2005) 33 D-alanina Resíduos de Glicerol D-alanina Resíduos de Ribitol Figura 8 – Unidades de ácidos teicóicos: Glicerol (A) ou Ribitol (B). Fonte: (RYAN; RAY, 2004) 3.1.2.1.2 Parede celular de bactérias Gram-negativas A parede celular das bactérias gram-negativas tem uma composição química mais complexa que a das bactérias gram-positivas, conferindo propriedades bioquímicas, fisiológicas e genéticas peculiares (diferenças apresentadas na tabela 3). É formada por poucas camadas de peptideoglicano e por uma membrana externa. Na parte externa da membrana citoplasmática, acima da camada de peptideoglicano localiza-se o espaço periplasmático (figura 9), um compartimento que contém uma alta concentração de enzimas de degradação e proteínas de transporte. O peptideoglicano está ligado à membrana externa da parede através de pequenas lipoproteínas (localizadas no espaço periplasmático). Esta membrana externa é uma estrutura em dupla camada; sua camada interna é composta de fosfolipídios (20%) e proteínas (50%) assemelhando-se à da membrana citoplasmática, possui canais especiais constituído de moléculas protéicas denominadas porinas (proteínas de membrana externa (Outer membrane proteins OMP)) que permitem a difusão passiva de açúcares, aminoácidos e certos íons; enquanto a camada externa possui em sua composição lipopolissacarídeos (LPS) (30%) (JAWETZ et al., 1998; LEVINSON; JAWETZ, 1998; RYAN; RAY, 2004). 34 Tabela 3 - Comparação da parede celular de bactérias Gram-positivas e gram-negativas. Fonte: (LEVINSON; JAWETZ, 1998) Componente Células Gram Positivas Peptideoglicano Espessa Células Gram Negativas (15-80 nm); Fina; ~2 camadas múltiplas única Ácido teicóico Presente Ausente Lipopolissacarídeo Ausente Presente Lipoproteína e Ausente Presente nm; camada Fosfolipídeos Antígeno K Cadeia O Cerne Lipídio A Lipopolissacarídeo (LPS) Membrana externa Fosfolipídeo OmpA Porinas Ex. OmpF Lipoproteína Espaço Periplasmático Peptideoglicano Membrana Citoplasmática Figura 9 – Parede celular de bactérias Gram-negativas. Fonte: ( KAYSER et al., 2005.) 3.1.2.1.2.1 Lipopolissacarídeo (LPS) LPS, um componente da membrana externa de bactérias gram-negativas, aparentemente, é uma das principais toxinas responsáveis pelo início de reações fisiopatológicas observadas durante graves infecções e choques sépticos. Essas 35 reações frequentemente observadas são: febre, leucopenia, taquicardia, taquipnéia, hipotensão, coagulação intravascular disseminada e insuficiência de múltiplos órgãos. (LAMPING et al, 1998; ULMER et al, 2000). Os LPSs são compostos por três segmentos ligados covalentemente: (1) lipídeo A, firmemente embebido na membrana; (2) cerne do polissacarídeo, localizado na superfície da membrana; e (3) cadeia O (antígenos O), que são polissacarídeos que se estendem como pêlos a partir da superfície da membrana em direção ao meio circundante. O lipídio A consiste em unidades dissacarídicas de glicosamina fosforilada, às quais estão ligados vários ácidos graxos de cadeia longa (Figura 10 A). O cerne do polissacarídeo (Figura 10 B) é semelhante em todas as espécies de bactérias Gramnegativas que possuem LPS. Em geral, as unidades de repetição consistem em trissacarídeos lineares, tetrassacarídeos ou pentassacarídeos ramificados. A cadeia O é um polissacarídeo externo consistindo de até 25 unidades repetidas de três a oito açúcares(Figura 10 C) (KAYSER et al., 2005). A porção hidrofóbica do lipídio A tem sido identificado como o princípio endotóxico do LPS (ULMER et al, 2000). Cerne do polissacarídeo Lipídio Lipídio A Cadeia O - Diglucosamina - Ácidos graxos Ácidos graxos Diglucosamina Fosfato (A) (B) (C) Figura 10 – Estrutura do Lipopolissacarídeo: lipídio A (A), cerne do polissacarídeo (B) e cadeia O (C) Fonte: (KAYSER et al., 2005) 36 3.1.3 Fases de crescimento A curva de crescimento bacteriano típico de uma população ilustra os eventos que ocorrem ao longo do tempo. Esta curva pode ser traçada ao inocular um meio com números de células conhecidas, determinando a população microbiana em intervalos de tempo e então estabelecidos os valores logaritímicos de células viáveis. Fases distintas de crescimento ocorrem: (A) fase lag (latente), (B) fase de aceleração,(C) fase logarítmica (crescimento exponencial), (D) fase de desaceleração, (E) fase estacionária e (F) fase de declínio (morte celular) (Figura 11) (PELCZAR; CHAN; KRIEG 1997; KAYSER et al., 2005; POMMERVILLE, 2004). (A) Fase lag (latente) – Representa um período durante o qual as células estão passando por uma intensa atividade metabólica, principalmente síntese de enzimas e de moléculas variadas, é considerado um período de adaptação ao novo meio para que haja um reinício do crescimento. (C) Fase logaritímica (crescimento exponencial) – Após a adaptação ao novo meio e síntese das enzimas necessárias para utilizar os substratos disponíveis, as bactérias são capazes de iniciar a divisão celular por fissão binária. Este evento leva ao crescimento exponencial da população bacteriana presente na cultura. Esta situação prossegue até que ocorra uma de duas alternativas: um ou mais nutrientes no meio se esgotam ou ocorre acúmulo de produtos metabólicos tóxicos, que inibem o crescimento. (E) Fase estacionária – Como discutido acima a fase logaritímica é limitada por fatores no ambiente (meio), e como a taxa de crescimento desacelera, a cultura entra em uma próxima fase. O nivelamento da curva de crescimento não significa que a divisão celular tenha cessado completamente, mas sim que o aumento (devido às células recém-formadas) é similar ao de mortes celular. (F) Fase de declínio – Se os nutrientes no ambiente externo continuam sendo limitados, a população entra em fase de declínio (morte). Agora, o número de morte celular se torna superior ao número de novas células formadas. O glicocálice bacteriano pode evitar a morte, agindo como um tampão para o ambiente, flagelos podem permitir que determinadas bactérias movam para um novo local, porém para muitas espécies, a história da população termina com a morte da última célula. 37 (B) Fase de aceleração e (D) Fase de desaceleração – Período de transição entre uma nova fase. Nº de células viáveis (log) Curva de Crescimento de Cultura Bacteriana x A = Fase lag (latente), B = Fase de aceleração, C = Fase log (crescimento exponecial), D = Fase de desaceleração, E = Fase estacionária, F = Fase de declínio (morte) t2 t1 (Horas) Tempo (Dias) Figura 11 - Curva de Crescimento bacteriano. Fonte: (KAYSER et al., 2005) O tempo de geração, tempo necessário para uma célula se dividir, só pode ser determinado durante a Fase C, graficamente ou por determinação da contagem de células (n) em dois diferentes tempos e aplicando a fórmula: g t 2 t1 log 2n 2 log 2n1 Onde: g = tempo de geração; t1 = tempo no início da fase logarítmica de crescimento; t2 = tempo no final da fase logarítmica de crescimento; log 2 = 0.30; n2 = nº de células bacterianas no t2; n1 = nº de células bacterianas no t1. Este tempo pode sofrer variações entre os organismos e depende das condições ambientais, em geral a maioria das bactérias apresentam um tempo de geração de 1 a 3 horas. Uma célula com o tempo de geração de 20 minutos – como exemplo a bactéria Escherichia coli crescendo em condições ideais de cultivo – aumentará seu número, após 20 gerações, para aproximadamente 1 milhão de células. Este aumento ocorrerá em aproximadamente 7 horas (POMMERVILLE, 2004). 38 3.1.4 Bactérias Gram-Positivas 3.1.4.1 Enterococcus faecalis Enterococcus faecalis é uma bactéria frequentemente associada a infecções em humanos, agente causal em infecções urinárias, intra-abdominais, endocardite e sepse, comportando-se, muitas vezes, como um agente oportunista em infecções hospitalares. Podem ser causa de pelo menos 10% das infecções hospitalares e em algumas casuísticas situa-se em terceiro lugar como causa destas infecções, após Escherichia coli e Staphylococcus aureus. Espécie de bactérias do gênero Enterococcus, habitante do trato gastrointestinal de homens e animais. São cocos Gram-positivos, não móveis e anaeróbios facultativos (Figura 12 A) (D’AZEVEDO et al., 2004; KIRSCHNER et al., 2001; TAVARES, 2000). 3.1.4.2 Staphylococcus aureus Staphylococcus aureus é o patógeno humano mais importante entre os estafilococos, atua como agente de uma ampla gama de infecções, variando desde aquelas localizadas, geralmente superficiais, até algumas disseminadas. Está enquadrado como um dos principais agentes de infecções hospitalares. É considerado membro persistente da microbiota endógena humana, encontrado principalmente no trato respiratório alto. Possuem 0,5-1,5 micrômetros de diâmetro, ocorrendo em arranjos individuais em pares, e agrupamentos irregulares. São cocos Gram-positivos, não móveis, não esporulados, anaeróbios facultativos, algumas cepas produzem um exopolissacarídeo (cápsula) que pode impedir a fagocitose do microrganismo (Figura 12 B). (COHEN, 1986; LOWY, 2003; KONEMAN et al., 2001). 3.1.4.3 Staphylococcus epidermidis 39 Staphylococcus epidermidis é um dos principais membros da microbiota normal do ser humano, está regularmente presente na pele e nas mucosas, é a causa predominante de infecções associadas a corpo estranho (cateteres, sondas). Além disso, S. epidermidis é isolado com frequência como o patógeno causador da sepse hospitalar e outras infecções nosocomiais, classificado entre os cinco mais frequentes patógenos hospitalares. A patogênese das infecções S. epidermidis é correlacionada com a capacidade de formar biofilmes em superfícies de polímeros. São cocos Gram-positivos arranjados em cachos e tétrades (Figura 12 C) (KNOBLOCH, 2001; TRABULSI et al., 2008). (A) (B) (C) Figura 12 - Enterococcus faecalis (A), Staphylococcus aureus (B) e Staphylococcus epidermidis (C). Fonte: (ARE et al., 2008; TODAR, 2008; TRABULSI et al., 2008) 3.1.5 Bactérias Gram-Negativas 3.1.5.1 Escherichia coli Escherichia coli, gênero da espécie Escherichia, foi descrita pela primeira vez, em 1885, por Theobald Escherich. Este gênero é um membro típico de enterobactérias que habitam principalmente no intestino de humanos e animais, colonizando o trato gastro-intestinal infantil poucas horas após o nascimento. Geralmente três síndromes clínicas podem resultar de infecções por cepas patogênicas de E. coli: sepse como consequência de meningite , infecção do trato urinário e diarréia. É uma bactéria frequentemente isolada em hemoculturas de pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva. Elas são classificadas 40 como bacilos Gram-negativos, não esporulados, anaeróbios facultativos; possuem motilidade através de flagelos ou são imóveis, a cápsula ou microcápsula são frequentemente presentes (Figura 13 A) (SUSSMAN, 1997, STENUTZ; WEINTRAUB; WIDMALM, 2006; ALCAMO, 1996). 3.1.5.2 Proteus mirabilis Proteus mirabilis, espécie de bactéria do gênero Proteus são bacilos Gramnegativos pertencentes à família de Enterobactérias. Estas bactérias causam infecções oportunistas principalmente em imunodeprimidos e é considerada uma das bactérias mais importantes entre as uropatogênicas, produzem grandes quantidades de uréase que degrada a uréia formando amônia e outros produtos. Possuem motilidade através de flagelo e possuem fímbrias que promovem a aderência bacteriana (Figura 13 B) (ALLISON, 1992). 3.1.5.3 Pseudomonas aeruginosa Pseudomonas aeruginosa, o mais frequente bacilo gram-negativo não fermentador, é um patógeno humano oportunista que causa uma variedade de infecções em imunodeprimidos e portadores de fibrose cística, é um dos mais importantes agentes de infecção hospitalar. São fisiologicamente aeróbios (podendo crescer anaerobicamente quando há presença de nitrato), não esporulados, móvel por um simples flagelo polar, aderentes às células epiteliais através das fimbrias (Figura 13 C) (PASSADOR, 1993). 41 (A) (B) (C) Figura 13 – Escherichia coli (A), Proteus mirabilis (B) e Pseudomonas aeruginosa (C). Fonte: (KUNKEL, 2004) 3.1.6 Identificação de bactérias pelo método tradicional Inúmeras técnicas de identificação de bactérias têm sido descritas na literatura, entretanto é indiscutível o sucesso da identificação de bactérias pelo método tradicional de cultura, considerado padrão ouro. Este método requer o uso de diversas técnicas para a determinação bacteriana guiados pelo Bergey’s Manual of Systematic Bacteriology. O princípio essencial é atribuição de uma cultura desconhecida dentro do sistema de classificação taxonômica com base na observação de um conjunto complexo de características tais como; composição de parede celular, morfologia, características culturais e fisiológicas. A forma, o tamanho e o arranjo da bactéria, observados ao microscópio após coloração diferencial; a capacidade de metabolização de substratos particulares são alguns dos indicadores utilizados na identificação de uma bactéria, algumas dessas características são apresentadas na tabela 4 (COLWELL, GRIGOROVA, 1987; KAYSER et al, 2005; WILKINS; LAY, 2006). Tabela 4 – Características usadas para identificação de bactérias. Fonte: (KAYSER et al, 2005) Características usadas para identificação de bactérias Características morfológicas Forma (coco, bacilo, espirilo); Tamanho, agrupamento (cachos, cadeias, diplococos); Coloração (Gram-positiva, Gram-negativa), flagelos (presente, ausente), cápsula (presente, ausente), esporos (forma, na formação de células). 42 Características fisiológicas Enzimas de cadeia respiratória (oxidase, catalase); Enzimas que quebram carboidratos, alcoóis, glicosídeos; Enzimas do metabolismo de proteínas (ex: gelatinase, colagenase); Enzimas do metabolismo de aminoácidos (ex: dercarboxilase, uréase); Outras enzimas: hemolisina, lípase, DNases e etc; Produtos de Metabolismo (ácidos orgânicos detectados por cromatografia a gás); Resistência/ sensibilidade a substâncias químicas; Características de metabolismo anabólico (ex: citrato como única fonte de carbono). Esta técnica geralmente requer uma primeira cultura onde as amostras de fluidos corporais (por exemplo, sangue, urina, líquido cefalorraquidiano) de pacientes com suspeita de infecção são semeadas em meio de enriquecimento, que permite o crescimento de inúmeros microrganismos, nesta etapa são realizadas as contagens de células. Na segunda etapa são utilizados meios seletivos que contêm substâncias inibidoras que permitem o isolamento de determinados microrganismos, a partir do isolamento destes microrganismos são realizados os testes bioquímicos para a identificação. Estes sistemas exigem um tempo de crescimento de 24 h para cada etapa, podendo levar alguns dias para o resultado (BARON, 1996; SANDT et al., 2006; MURRAY; ROSENTAHL; PFALLER, 2006). A seleção e o número de testes para identificação bacteriana dependem da categoria de bactérias presentes (aeróbio versus anaeróbio, Gram-positivas versus Gram-negativas, cocos versus bacilos) e da experiência do microbiologista ao analisar a cultura. Cocos gram-positivos, aeróbios ou anaeróbios facultativos podem ser identificados por um número relativamente pequeno de testes. Enquanto a identificação da maioria dos bacilos gram-negativos é muito mais complexa e exige muitas vezes painéis de 20 testes para determinar características bioquímicas e fisiológicas (BARON, 1996; MURRAY, 2006). Em um contexto clínico a identificação do microrganismo refere-se ao uso prático de um esquema de classificação para isolar e identificar o agente etiológico de uma determinada doença, para então permitir a seleção de um tratamento farmacológico especificamente orientado para a sua erradicação (JAWETZ et al., 2000). 43 3.2 Espectroscopia no Infravermelho A espectroscopia no infravermelho é o estudo da interação da luz na região do infravermelho com a matéria, é uma técnica baseada em vibrações dos átomos de uma molécula (FREIFELDER, 1982). É uma modalidade relativamente antiga que fornece um retrato de vibrações moleculares (NAUMANN, 2008). E certamente uma das mais importantes técnicas analíticas à disposição dos pesquisadores. Na área Biomédica tem sido utilizada para distinguir entre diferentes tipos celulares, estruturas de tecido, biofluídos e até mesmo para detectar mudanças nesses materiais biológicos induzidos por processos patológicos. Em estudos de processos patológicos esta técnica foi utilizada para caracterização e detecção de células cancerígenas, células infectadas por vírus e para monitoramento de substâncias farmacológicas injetadas em animais (ERUKHIMOVITCH et al, 2005; STUART, 2004; NAUMANN, 2008). Nos últimos 20 anos tem sido utilizada para identificação rápida de microrganismos, identificando de espécie a subespécie de bactérias, leveduras e fungos de importância clínica e industrial (MAQUELIN et al., 2003; OUST, 2004). 3.2.1 Absorção no Infravermelho A radiação infravermelha estende-se da região eletromagnético à região da microonda (10.000 - 10 cm visível -1 do espectro ), é subdividida em infravermelho próximo (NIR) de 10.000 a 4000 cm-1, infravermelho médio (MIR) de 4000 a 400 cm-1 e infravermelho distante (FIR) de 400 a 10 cm-1 (Figura 14 ) (GAUGLITZ; VO-DINH, 2003; NAUMANN, 2000). A absorção de luz infravermelha induz excitação na molécula promovendo transições entre os níveis de energia. Os níveis de energia principais são determinados pelas possíveis distribuições espaciais dos elétrons e são chamados níveis eletrônicos de energia, sobre estes existem os níveis vibracionais, que indicam as várias modalidades de vibração da molécula. Todos estes níveis são geralmente descritos por um diagrama de níveis de energia (Figura 15). O primeiro 44 nível eletrônico é chamado de estado fundamental e os demais são estados excitados (WARTEVIG, 2003; FREIFELDER et al, 1982). Comprimento de onda Número de onda Freqüência Região espectral Figura 14 – Espectro eletromagnético. Fonte: (NAUMANN, 2000) A energia pode residir nas moléculas em diversas formas, entre as mais importantes estão à energia rotacional, vibracional e eletrônica. A espectroscopia no infravermelho é baseada em vibrações moleculares e monitora a transição entre os níveis de energia vibracionais. ENERGIA Primeiro estado excitado Níveis Vibracionais Estado fundamental Figura 15 - Diagrama de níveis de energia mostrando o estado fundamental e o primeiro estado excitado. Fonte: Adaptado de (FREIFELDER, 1982). A condição para que ocorra absorção da radiação infravermelha é que haja variação do momento de dipolo elétrico da molécula como consequência de seu movimento vibracional ou rotacional (o momento de dipolo é determinado pela magnitude da diferença de carga e a distância entre dois centros de carga) (Figura 16). Somente nessas circunstâncias, o campo elétrico alternante da radiação 45 incidente interage com a molécula, originando os espectros. De outra forma, pode-se dizer que o espectro de absorção no infravermelho tem origem quando a radiação eletromagnética incidente tem uma componente com frequência correspondente a uma transição entre dois níveis vibracionais, quando sua frequência é idêntica ao da vibração molecular. Figura 16 - Variação do momento dipolar. Fonte: (STUART, 2004) A grande maioria das moléculas têm bandas de infravermelho na faixa espectral entre 400 e 4000 cm-1 (MIR), isso se deve, principalmente, ao fato de nessa região ocorrerem, essencialmente, transições fundamentais e à existência de uma faixa espectral conhecida como região de impressão digital. Nessa região, pequenas alterações na estrutura e na constituição de uma molécula resultam em mudanças significativas na distribuição das bandas de absorção do espectro, que são relacionados com a estrutura da molécula (NAUMANN, 2000; WARTEWIG, 2003). 3.2.2 Vibração Molecular Uma molécula não é uma associação rígida de átomos. Uma molécula pode ser comparada a um sistema de massas variáveis, correspondentes aos átomos da molécula, e molas de diversos comprimentos, correspondente às ligações químicas da molécula. A espectroscopia vibracional analisa as vibrações periódicas dos átomos dentro de uma molécula. Essas vibrações não ocorrem aleatoriamente, mas de uma forma rigorosamente definida. As vibrações moleculares podem ir desde simples 46 movimentos associados de dois átomos em uma molécula diatômica a movimentos mais complexos de cada átomo em uma grande molécula poliatômica. As ligações covalentes que constituem as moléculas orgânicas estão em constantes movimentos axiais e angulares (SIEBERT; HILDEBRANDT, 2008; GRIFFITHS; HASETH, 2007). Em uma molécula poliatômica, cada átomo possui três graus de liberdade: ele pode se mover de forma independente ao longo de cada um dos eixos de um sistema de coordenadas cartesianas. Se N átomos constituem uma molécula, existem 3N graus de movimentos livres. Para moléculas não-lineares, três destes graus - os translacionais – envolvem movimentos de todos os átomos que se deslocam simultaneamente na mesma direção paralela aos eixos de um sistema de coordenadas cartesianas não alterando a distância entre os átomos. Outros três graus de liberdade, os rotacionais, também não alteram a distância entre os átomos, por exemplo, sobre os eixos principais da molécula. O restante 3N - 6 graus alteram as distâncias entre os átomos, os comprimentos das ligações químicas e os ângulos entre eles. Uma vez que estas ligações são elásticas, movimentos periódicos ocorrem. Estes 3N-6 graus de liberdade determinam o número de modos de vibração molecular. As moléculas lineares possuem apenas dois graus de liberdade rotacional e, portanto tem 3n-5 graus de liberdade vibracional (DIAS, 1986; SHRADER, 1995; CHALMERS; GRIFTHS, 2002). Esses graus de liberdade correspondem aos diferentes modos normais de vibração de uma molécula. Um modo normal de vibração é aquele em que cada núcleo realiza uma oscilação harmônica simples em torno de sua posição de equilíbrio, todos os núcleos se movem com a mesma frequência e em fase e o centro de gravidade da molécula permanece inalterado. Existem dois modos fundamentais de vibração de moléculas: estiramento ou deformação axial, em que à distância entre dois átomos aumenta ou diminui, mas os átomos permanecem no mesmo eixo de ligação; e deformação angular, em que a posição do átomo muda em relação ao eixo original da ligação. Vibrações de estiramentos podem ocorrer em fase (estiramento simétrico) ou fora de fase (estiramento assimétrico). Vibrações de deformação podem ocorrer no plano (tesoura e balanço) ou fora do plano (sacudida e torção) (Figura 17) (SIEBERT; HILDEBRANDT, 2008; STUART, 2004). 47 Vibrações de Estiramento Estiramento simétrico Estiramento assimétrico Vibrações de Deformação Tesoura Balanço Sacudida Torção Figura 17 – Vibrações de um grupo de átomos (+ e – significam vibrações perpendiculares). Fonte: Stuart (2004) 3.2.3 Espectro de Infravermelho Um espectro de infravermelho (IR) de uma amostra geralmente é obtido colocando-se a amostra em um espectrofotômetro infravermelho de feixe simples ou duplo e fazendo-se uma varredura da intensidade da radiação de IR antes e depois da passagem do feixe através da amostra, ou seja, medindo a intensidade relativa da luz transmitida (ou absorvida) em função do comprimento de onda (ou número de onda (cm-1)). Os espectros de IR consistem em um grande número de bandas de absorção, originadas da troca de energia e movimentos mecânicos das moléculas que são excitadas pela absorção da radiação de IR. A energia de uma banda de absorção originada no espectro corresponde à frequência de uma vibração de parte de moléculas da amostra. (BEATTIE et al., 1998; NAUMANN, 2000). Cada banda do espectro é caracterizada pelos seguintes parâmetros: (a) A posição máxima da banda ( ), mais frequentemente, expressa em números de onda (cm-1). A posição máxima da banda está relacionada às massas dos dois átomos (m1 e m2 em g) das ligações químicas em questão, à velocidade da luz (c em cm/s) e a força constante da ligação ( em dn), expressa pela seguinte equação: 48 1 2c Onde, μ = massa reduzida μ m1m2 m1 m2 (b) A intensidade (absorção) da banda: Máxima, I max Integrada, I int (c) A largura de banda. A posição máxima da banda é o parâmetro mais importante, pois fornece informação sobre a frequência e por isso o tipo de vibração. O deslocamento dessa frequência provocada por fatores externos, fornece dados essenciais sobre as mudanças estruturais em uma molécula. A intensidade de uma banda produz informações sobre o número de grupos de vibração. A intensidade máxima não é um parâmetro muito importante, uma vez sob diferentes condições em torno de uma molécula a banda pode ser mais abrangente, maior ou menor e mais estreita. A intensidade integrada tem um sentido mais físico, porque reflete a probabilidade de transição entre os níveis. A largura de banda depende da função instrumental e do efeito a cerca da vibração (TWARDOWSKI; ANZENBACHHER, 1994). 3.2.4 Instrumentação Os instrumentos utilizados para obtenção de espectros vibracionais são chamados espectrômetros. Existem dois tipos básicos de espectrômetros que são utilizados em espectroscopia no infravermelho, são eles: os espectrômetros dispersivos, baseados em princípios dispersivos (presença de prismas, redes de difração, fendas, etc) e os espectrômetros com transformada de Fourier (FT), 49 baseados em princípios interferométricos (GAUGLITZ; VO-DINH, 2003; TWARDOWSKI; ANZENBACHHER, 1994). Desde a década de 40 os espectrômetros dispersivos vem sendo utilizados; no entanto no final da década de 70 começaram a ser progressivamente substituídos por espectrômetros com transformada de Fourier (FT), estes tem melhorado a aquisição espectral de forma significativa, revolucionando este campo. Atualmente os espectrômetros IR que trabalham em rotina ou instrumentos de pesquisa são baseados neste princípio (SIEBERT; HILDEBRANDT, 2008). A vantagem mais significativa dos espectrômetros FT é que a radiação de todos os comprimentos de onda é medida simultaneamente enquanto que em espectrômetros dispersivos todos os comprimentos de onda são avaliados de forma consecutiva. Portanto, um espectrômetro FT é muito mais rápido e mais sensível, permite a aquisição de centenas de espectros de infravermelho em apenas alguns minutos (GAUGLITZ; VO-DINH, 2003). 3.2.4.1 Espectrômetro FT-IR Um espectrômetro FT-IR é um instrumento baseado na idéia da interferência entre dois feixes de radiação para produzir um interferograma de um sinal de amostra usando um interferômetro. Este interferograma pode ser tratado por meio de um processo matemático, denominado transformada de Fourier, originando um espectro ou padrão de absorção da amostra. Possui três componentes básicos: a fonte, o interferômetro e o detector. Um diagrama esquemático do espectrômetro FTIR é apresentado na figura 18. A radiação emergente da fonte é transmitida através de um interferômetro à amostra antes de chegar a um detector. Após a amplificação do sinal, em que as contribuições de alta frequência foram eliminadas por um filtro, os dados são convertidos em formato digital por um conversor analógico-digital (A/D) e transferido para o computador por transformada de Fourier (STUART, 2004 ; WATERWIG, 2003). 50 Fonte Interferômetro Amostra Detector Amplificador Conversor Analógico-Digital Computador Figura 18 - Componentes básicos de um espectrômetro FTIR. Fonte: (STUART, 2004; NAUMANN, 2000) 3.2.4.1.1 Fonte de Radiação Infravermelha Todos os espectrômetros de infravermelho possuem uma fonte de radiação infravermelha que é geralmente um material sólido inerte aquecido eletricamente a uma temperatura entre 1.500 e 2.200 K, o resultado é uma radiação contínua. O emissor de Nernst é uma fonte composta principalmente de óxidos de terras raras como o zircônio, ítrio e tório; e o emissor Globar é uma barra de carbeto de silício. A principal desvantagem do emissor de Nernst é o fato de que a emissividade dos óxidos é bastante baixa, acima de 2000 cm-1. Se a região abaixo de 2000 cm-1 é de interesse, a melhor fonte é um emissor Globar. Outros materiais para emissão também tem sido utilizados com sucesso, como o arco de mercúrio e a lâmpada de filamento de tungstênio. Todas estas fontes são emissores bastante eficientes de radiação infravermelha (COLTHUP, 1990; GRIFTHS, 2007; STUART, 2004). 3.2.4.1.2 Interferômetro O interferômetro mais comum usado em espectroscopia FT-IR é o interferômetro de Michelson, que consiste em dois espelhos (um fixo e um móvel) e um divisor de feixe (beam-splitter) que transmite 50% da radiação incidente da fonte para o espelho móvel e reflete os outros 50% para o espelho fixo. Os espelhos, por sua vez, refletem os dois feixes para o divisor, onde se recombinam. Se os dois espelhos encontram-se equidistantes do divisor, as amplitudes combinam-se construtivamente. Se o espelho móvel mover-se a uma distância de l/4 do divisor, as amplitudes combinam-se destrutivamente. Para a radiação no infravermelho, a soma de todas as interações construtivas e destrutivas para cada componente resulta num 51 sinal complexo denominado interferograma. Após a aquisição do interferograma, é aplicada a transformada de Fourier que converte os dados obtidos no interferômetro em um espectro ou padrão de absorção da amostra, que relaciona a intensidade versus frequência (número de onda) (Figura 19) ( WATERWIEG, 2003; GRIFTHS, 2007). Espelho fixo (A) Espelho móvel Amostra Divisor de feixe Fonte Frequência única (B) (C) Sinal do detector Fonte de luz branca (D) Sinal do detector Figura 19 – Princípio de funcionamento de um Interferômetro de Michelson consistindo de uma fonte de luz, divisor de feixe, espelho fixo, espelho móvel, detector e amostra (A). Uma fonte de luz com frequência única (B) é modulado para um sinal senoidal observada pelo detector (C). Uma fonte de luz branca (por exemplo, proveniente de uma fonte globar) é transformado para o interferograma (D). Fonte: (NAUMANN, 2000) 52 3.2.4.1.3 Detectores Infravermelho O detector de infravermelho é um dispositivo que mede a energia infravermelha da fonte que passou pelo espectrômetro. Existem dois detectores usualmente empregados para a região do infravermelho médio. O detector normal para uso rotineiro é o sulfato de triglicina (DTGS), um dispositivo piroelétrico que opera a temperatura ambiente. É o detector mais comum em FTIR, de resposta mais rápida do que os tradicionais. As vantagens dos detectores DTGS é que eles são simples, barato e robusto. A principal desvantagem dos detectores DTGS é que eles são menos sensíveis do que outros disponíveis, isto significa que há certas aplicações, tais como a microespectroscopia de infravermelho, onde os detectores DTGS simplesmente não podem ser utilizados. Para trabalhos mais sensíveis o telureto de cádmio e mercúrio (MCT) pode ser usado, este tem capacidade fotocondutiva e opera à temperatura do nitrogênio líquido. Tem melhor resposta a frequências com alta modulação, em relação ao DTGS (COLTHUP, 1990; SMITH, 2004). 3.2.5 Microespectroscopia FTIR O sucesso do renascimento da espectroscopia no infravermelho na década de 1980 foi em grande parte o resultado do acoplamento do microscópio com o espectrômetro de infravermelho com transformada de Fourier, microespectrocopia FTIR. Desde aquela época, a microespectroscopia FTIR rapidamente ganhou ampla aceitação na comunidade científica como uma ferramenta qualitativa para a análise de contaminantes isolados ou áreas localizadas de grandes amostras. Embora o método tenha uma resolução espacial limitada, com relação a outros métodos de microanálise (por exemplo, microscopia eletrônica de varredura acoplada com espectroscopia de energia dispersiva), a capacidade para fornecer informações moleculares e, assim, a identificação direta tem sido uma das principais vantagens do método (CHALMERS; GRIFTHS, 2002). A microespectroscopia FT-IR tem sido aplicada em estudos de biomateriais, tecidos biológicos, plantas, microrganismos entre outros. Nos últimos anos, houve 53 avanços consideráveis, com amostras sendo caracterizadas na ordem de microns (STUART, 2004). Um esquema básico de um microscópio convencional e de infravermelho são ilustrados na figura 20. Em cada microscópio, a luz da fonte é focalizada sobre a amostra usando um condensador. A luz transmitida pela amostra é recolhida pela objetiva, que forma uma imagem ampliada da amostra iluminada no plano de imagem primária. Esta imagem é então recriada para um detector adequado. Em geral, a função e os componentes encontradas em cada microscópio são as mesmas, as únicas exceções são de que o microscópio IR: emprega a radiação no IR e usa um detector de IR sensível. Além dessas diferenças, o funcionamento do microscópio de IR é idêntico à do microscópio óptico. O mais importante é de que todos os microscópios IR incorporam um microscópio de luz branca no seu caminho óptico para permitir que o analista manipule e veja a amostra (CHALMERS; GRIFTHS, 2002). Detector Ocular/ Detector óptico Imagem primária Objetiva Amostra Condensador Fonte (A) (B) Figura 20 – Comparação do microscópio com luz branca (A) com o microscópio IR (B). Fonte: (CHALMERS; GRIFTHS, 2002) 54 3.2.6 Análise Espectral 3.2.6.1 Interpretação A combinação das vibrações fundamentais ou rotações de vários grupos funcionais e as sutis interações destes grupos funcionais com outros átomos da molécula resultam, em geral, em um espectro IR complexo que precisa ser interpretado. Felizmente, a interpretação do espectro é simplificada pelo fato de que as bandas que aparecem geralmente podem ser atribuídas a determinadas regiões de uma molécula, produzindo o que são conhecidas como grupos de frequências (STUART, 2004). Os principais grupos de frequências associado aos grupos funcionais são apresentados na tabela 5. Tabela 5 – Principais grupos funcionais e suas respectivas energias vibracionais. Fonte: COATES, 2000. Grupo Funcional Grupos de frequência cm-1 Hidroxila (estiramento O-H) 3570–3200 Carbonila Aldeídos 1740–1725/(2800–2700a) Cetonas 1725-1705 Carboxila a Ácidos carboxílicos 1725-1700 Amino (estiramento N-H) 3400-3380b Amida (estiramento C=O) 1680-1630 Sulfidril (estiramento S-H) 2600-2550 Fosfato (estiramento P=O) 1350-1250 Banda de alta frequência característica de aldeídos, associado com o aldeídico terminal (estiramento C-H). b amino primário. 55 3.2.6.2 Pré-processamento espectral A manipulação de espectros envolve alterações ou execuções de cálculo sobre o espectro original. O objetivo de manipular um espectro é melhorar a sua aparência, ou extrair mais informações dele. Vários tratamentos podem, então, ser realizados: Suavização espectral (usando geralmente o algoritmo Savitsky Golay com 9 pontos) – usada para diminuir o nível de ruídos. Correção de linha de base - usada para evitar a heterogeneidade entre espectros devido ao desvio da linha de base. Normalização - usada para excluir diferenças de espessura da amostra. Os espectros são normalizados pela banda mais intensa, ou com a mesma intensidade integrada numa dada região espectral. Derivação - usada para minimizar a variabilidade da linha de base e aumentar a resolução. Em identificação de microrganismos os melhores resultados parecem ser obtidos com a primeira derivada, conforme estudos anteriores já concluídos (MARIEY et al., 2001). 0.9 0.9 Alguns exemplos de tratamento são apresentados na figura 21. 0.8 Absorbance Units 0.4 0.5 0.6 0.6 0.5 0.3 0.4 0.0 0.0 0.1 0.1 0.2 0.2 0.3 Absorbance Units Com suavização espectral 0.7 0.7 0.8 Sem suavização espectral 3500 3000 2500 2000 1500 3500 1000 3000 2500 2000 Wavenumber cm-1 1500 1000 0.8 0.9 Wavenumber cm-1 Com correção de linha de base 0.5 0.4 0.2 0.3 0.2 0.0 0.1 0.0 Absorbance Units 0.6 Absorbance Units 0.4 0.6 0.7 0.8 Sem correção de linha de base 3500 3000 2500 2000 Wavenumber cm-1 1500 1000 3500 3000 2500 2000 Wavenumber cm-1 1500 1000 0.10 0.8 56 Com normalização 0.0 -0.02 0.00 0.2 0.02 Absorbance Units 0.04 0.06 Absorbance Units 0.4 0.6 0.08 Sem normalização 3500 3000 2500 2000 1500 3500 1000 3000 2500 0.10 Wavenumber cm-1 1500 1000 Com primeira derivada -0.02 -0.002 0.00 -0.001 0.02 Absorbance Units 0.04 0.06 Absorbance Units 0.000 0.001 0.08 0.002 Sem derivar 2000 Wavenumber cm-1 3500 3000 2500 2000 Wavenumber cm-1 1500 1000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 Figura 21 – Espectro de bactéria com os diversos tratamentos: suavização espectral, correção de linha de base, normalização e derivação. 3.3 Identificação de bactérias por espectroscopia no infravermelho A espectroscopia no infravermelho tem sido descrita na literatura como uma importante técnica para discriminação e identificação de microrganismos. De acordo com Naumann (2000) e Essendoubi et al.(2007) esta técnica representa um método analítico, não destrutivo e dinâmico para investigar uma população de células com pouca biomassa. Para eles, os espectros de FT-IR fornecem impressões digitais altamente específicas dos microrganismos permitindo a identificação da espécie à sub-espécie, devido a diversidade microbiana ser sempre uma diversidade estrutural e bioquímica. Para Maquelin et al. (2002) um fotomicroscópio acoplado a um espectrômetro de FT-IR fornece um versátil instrumento para a microanálise biológica rápida, com espectros podendo ser obtidos de microcolônias após 6 a 10 h de cultura em placas de ágar (dependendo do tipo de microrganismo), tornando possível a detecção, a enumeração e a diferenciação microbiana dentro de um único instrumento, 57 fornecendo resultados diagnósticos potenciais em um dia de trabalho. (MAQUELIN et al., 2002) Segundo Ngo-Thi e colaboradores (2003) as bactérias Gram-positivas e Gramnegativas podem ser perfeitamente discriminadas com base em seus espectros. A Figura 22 apresenta três espectros típicos de amostras microbianas, entre eles os espectros de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas, onde revelam diferenças em contornos de banda e intensidade relativa entre as mesmas. Bactéria Gram-positiva Bactéria Gram-negativa Levedura Figura 22 - Espectros típicos de microorganismos patogênicos: Staphylococcus aureus (ATCC 6538 (American type culture collection)) (1), Pseudomonas aeruginosa (ATCC 27853) (2), Candida albicans (ATCC 10231) (3). Fonte: (NAUMANN, 2000) Vários estudos apontam a espectroscopia no infravermelho como uma excelente ferramenta para a diferenciação e identificação de bactérias. Kirschner e colaboradores (2001) classificaram e identificaram uma coleção de 18 cepas de Enterococcus de isolados clínicos, alimentícios e de coleção de cultura. Neste estudo os resultados foram comparados com técnicas fenotípicas (sistema API) e genotípicas (PCR), confirmando os resultados obtidos por FT-IR. Os resultados do estudo refletiram o alto poder discriminatório e reprodutível da 58 espectroscopia no infravermelho na diferenciação precisa das espécies de bactérias como Enterococcus. Oberreuter, Seiler e Scherer (2002) identificou 730 cepas de coleção de bactérias corineformes, com 93,9%, 98,1% e 99,5 % das cepas classificadas corretamente. Os resultados apontam a espectroscopia no infravermelho como uma ferramenta valiosa para a rápida, simples e identificação de cepas de corineformes de uma variedade de fontes. Comparando os resultados da identificação na literatura a identificação correta total com mais de 95% ao nível de espécie não foi alcançado por qualquer método de medida não-genético. Maquelin et al. (2003) identificou bactérias e fungos patogênicos em hemoculturas de pacientes hospitalizados. Neste estudo foram utilizados 89 bactérias e 32 fungos para a base de dados e foram examinadas 138 hemoculturas de 121 pacientes, com 98,3% das amostras identificadas corretamente. Além da técnica de espectroscopia foi realizada em paralelo a identificação fenotípica com o sistema API. Os resultados do estudo ilustram o enorme potencial da espectroscopia no infravermelho para uma rápida e correta identificação microbiana e uma resposta nova para a necessidade de identificação microbiana em um rápido diagnóstico clínico. Oust et al.(2004) identificou 56 cepas de quatro espécies de Lactobacillus isolados de alimentos. No estudo foi possível reconhecer as cepas que foram incorretamente identificadas pelos métodos tradicionais antes da análise FT-IR. Os resultados demonstraram que a espectroscopia FT-IR em combinação com métodos estatísticos multivariados, é bem adequado para a identificação de Lactobacillus a nível de espécie, mesmo em um grande conjunto de dados. Lamprell (2006) discriminou com sucesso Staphylococcus aureus de cepas de 39 espécies e sub-espécies de Staphylococcus isolados de diferentes tipos de leite e queijo. Os resultados do estudo demonstraram que a espectroscopia FT-IR é um rápido método para a identificação de Staphylococcus de isolados de origem láctea e alimentar em geral. Sandt et al. (2006) através do estudo de 1570 espectros, identificou 164 cepas (clínicas e coleção) de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas frequentemente isoladas em ambiente clínico, com 100% de classificação correta em bactérias Gram-positivas e 80% em bactérias Gram-negativas. Os resultados indicam que a combinação da microespectroscopia FT-IR e análise estatística multivariada podem 59 ser uma ferramenta complementar, rápida e confiável para a discriminação de microrganismos, em nível de espécies e sub-espécies. Amiali et al (2007) identificou e discriminou 92 cepas de Staphylococus aureus e Staphylococcus coagulase negativa de isolados clínicos, incluindo cepas resistentes a antibióticos, com 100 % de diferenciação. Os resultados indicam uma alta eficácia para a discriminação entre Staphylococcus e oferece uma nova, rápida e simples ferramenta para a diferenciação entre bactérias no diagnóstico clínico. Rebuffo-Scheer et al. (2007) identificou 28 cepas ATCC de 10 diferentes espécies do gênero Mycobacterium, incluindo as espécies mais freqüentes isoladas em laboratórios clínicos. Uma excelente reprodutibilidade foi alcançada, uma clara separação das diferentes espécies foi observada. Estes resultados demonstram o potencial de microespectroscopia FT-IR para diferenciar rapidamente Mycobacterium. Os resultados sugerem que um banco de dados de espectro estendido, contendo as espécies mais comuns de Mycobacterium e abrangendo uma ampla variação biológica, pode fornecer uma solução prática para identificar rapidamente Mycobacterium de isolados desconhecidos na rotina de laboratórios clínicos. Bosch e colaboradores (2008) identificou bactérias Gram-negativas isoladas de amostras de secreção de pacientes com fibrose cística. Para o estudo foram utilizados 15 cepas de referência e 169 isolados clínicos de 150 pacientes, com 98,1% de amostras identificadas corretamente. Segundo Bosh o método desenvolvido no estudo demonstrou ser confiável, rápido e preciso para uso prático na diferenciação e identificação de bactérias Gram-negativas. Recentemente Khum et al (2009) identificou Yersinia enterocolitica e outras espécies de Yersinia, tais como: Y. pseudotuberculosis, Y. bercovieri, e Y. intermédia associado a redes neurais artificiais. Foram analisadas 123 cepas de Yersinia isoladas de pacientes humanos e porcos, com 98,3 %, 92,5% e 98,5% das amostras classificadas corretamente. Para Khum et al a espectroscopia FT-IR é um método flexível para a identificação de bactérias com gêneros, espécies ou subespécies diferentes. 3.3.1 Análise Estatística Multivariada 60 A discriminação entre microorganismos exige uma avaliação e uma comparação completa entre as diferenças e similaridades espectrais. Com esta finalidade, os espectros de alta qualidade de IR são pré-requisitos, que necessitam ser complementados com técnicas de compressão de dados e reconhecimento padrão. Vários métodos estatísticos são utilizados para o reconhecimento padrão de bactérias por espectroscopia FT-IR. Entre os métodos usados frequentemente estão: análise de cluster (Hierarchical Cluster Analysis – HCA), análise de componentes principais (Principal Component Analysis – PCA) e as redes neurais artificiais (Artificial Neural Networks - ANNs). PCA e HCA são métodos usados para avaliação de similaridade entre os espectros, onde são calculadas as distâncias espectrais tornando possível a identificação de um microrganismo desconhecido. Para a HCA normalmente são utilizadas as primeiras derivadas de ordem espectral e o algoritmo Ward’s com dimensionamento de primeiro intervalo (scaling to first range) são aplicados. ANN são utilizados como sistema de auto-treinamento supervisionado, este tipo de inteligência artificial são inspirados na estrutura neural de organismos inteligentes e que adquirem conhecimento através da experiência; após um número adequado de ciclos de treinamento os espectros do conjunto de validação são testados (BEEKES; LASCH; NAUMANN, 2007; MARIEY et al., 2001; OUST et al., 2004). Mariey et al. (2001) em um estudo de revisão apontou o método HCA como o mais utilizado em estudos para identificação de microrganismos, com discriminação entre classes realizadas com sucesso. Nos últimos anos este método também sido utilizado com frequência, foram relatados nos trabalhos de: Ngo-Thi, Kirschner e Naumann (2003), Maquelin et al. (2003), Oust et al.(2004), Sandt et al. (2006), Rebuffo-Scheer et al. (2007) e Bosh et al (2008). Como exemplo a figura 23 apresenta um dendograma, resultado da HCA executado em 240 espectros de cepas diferentes de bactérias Gram-positivas, Gram-negativas e Leveduras, onde cada ramo representa uma cepa. A HCA foi executada usando-se a primeira derivada, sobre as escalas espectrais de 3000-2800, 1500-1400 e 1200-900 cm-1. As escalas espectrais foram equalizadas e o algoritmo Ward’s aplicado. 61 Heterogeneidade Gram-negativa Gram-positiva Leveduras Figura 23 – Dendograma resultado da análise de cluster (HCA) de células microbianas intactas. Fonte: (BEEKES; LASCH; NAUMANN, 2007) 62 4 MATERIAL E MÉTODOS 4.1 Cepas Bacterianas e crescimento As cepas bacterianas utilizadas foram obtidas da coleção de cultura da FIOCRUZ - Instituto Oswaldo Cruz. Foram examinadas: Escherichia coli ATCC 10799, Proteus mirabilis ATCC 25933, Pseudomonas aeruginosa ATCC 15442, Staphylococcus aureus ATCC 14456, Staphylococcus epidermidis ATCC 9300 e Enterococcus faecalis ATCC 10100. As cepas foram armazenadas em freezer a 20°C em caldo BHI com glicerol a 20%, reativadas em subculturas de 24 horas em meio líquido de enriquecimento (caldo BHI - DIFCO®), com posterior repique em meios seletivos (Tabela 6). As inoculações foram realizadas com concentrações conhecidas de células bacterianas na fase logarítmica de crescimento (culturas com 18-24 horas de idade), com células suspendidas em solução salina 0,9% estéril para a determinação da escala 0,5 de McFarland (1,5 X 108 bact/ml). Os inóculos foram semeados em superfície de Agar Mueller Hinton (OXOID®) com auxílio de alça de Drigalski e incubados por 6 horas a 37ºC (etapas sumarizadas na figura 24). Para a cultura pura foram inoculados 300l da escala de McFarland 0,5 e para a cultura mista, preparou-se um inóculo com 150l de cada bactéria (50% de cada bactéria). As inoculações foram examinadas em triplicata. Reativação em BHI Repique em meio seletivo Escala de McFarland Agar Mueller Hinton Figura 24 – Etapas da preparação de cultura bacteriana para análise em FT-IR. 63 Tabela 6 – Meios seletivos onde as bactérias foram inoculadas. Bactéria Meio Seletivo Escherichia coli Agar McConkey OXOID® Proteus mirabilis Agar McConkey OXOID® Pseudomonas aeruginosa Agar McConkey OXOID® Enterococcus faecalis Agar Sangue 5% - Base BHI OXOID® Staphylococcus aureus Agar Manitol OXOID® Staphylococcus epidermidis Agar Manitol OXOID® 4.2 Preparação da amostra Com auxílio da alça de platina, três alçadas da biomassa bacteriana foram removidas e suspensas em 120 µl de solução salina estéril 0,9%, para a manutenção de sua viabilidade, visto que a suspensão de células em água destilada pode ocasionar plasmólise ou choque osmótico. As amostras foram homogeneizadas no agitor de tubos (PHOENIX) e foram depositados 5 l da solução em janela de fluoreto de cálcio - CaF2 (substrato transparente no infravermelho). Uma vez que as mesmas encontravam-se imersas em solução salina, e as moléculas de água absorvem na radiação do infravermelho, foi necessário desidratálas em estufa com temperatura a 50ºC, a fim de se obter uma fina película transparente adequada para medidas em microespectroscopia FT-IR (etapas sumarizadas na figura 25). A presença do cloreto de sódio na amostra não interfere nos espectros, por apresentarem ligações iônicas e não absorverem radiação infravermelha. A quantidade de alçadas (concentração da suspensão) foi ajustada de acordo com a análise dos espectros, pela intensidade da banda amida I (~1655 cm-1) entre 0,6 a 1,0 unidade de absorbância (U.A.), dentro da faixa linear do detector MCT. Acima de 1 U.A. não há linearidade entre absorbância e espessura de amostra (GRIFTHS, 2007). 64 3 alçadas diluição em 120 μl de salina 0,9% homogeneização em agitador de tubos 5 μl em janela de CaF2 Amostra em estufa a 50ºC por 1 hora Figura 25 – Etapas da preparação de amostra bacteriana para análise em FT-IR. 4.3 Microespectroscopia no infravermelho e mensuração Os espectros das amostras de bactérias em cultura pura foram obtidos em modo de ponto por transmissão, em cultura mista o modo de imagem foi associado, no intervalo de 4000-900 cm-1, com 32 varreduras realizadas e resolução de 4 cm-1 utilizando o espectrofotômetro Spectrum Spotlight 400 FT-IR (Perkin Elmer) equipado com detector MCT operando a temperatura do nitrogênio líquido (Figura 26). Para o modo de imagem uma área de 50 µm X 50 µm foi selecionada com o tamanho do pixel de 6,25 µm2 e velocidade do interferômetro de 1cm/s. Figura 26 - Espectrofotômetro utilizado no experimento (Spectrum Spotlight 400, Perkin Elmer). 65 4.4 Tratamento dos dados e análise estatística Para o estudo em cultura pura, vinte espectros de cada amostra foram incluídos para análise, totalizando 360 espectros de seis cepas bacterianas estudadas em triplicata. Para o estudo de cultura mista, vinte espectros em modo de ponto de cada amostra foram incluídos para análise e um registro de imagem (64 espectros) de cada amostra foi utilizada, totalizando 756 espectros (180 espectros em modo de ponto e 576 espectros em modo de imagem) de cepas puras e mistas de Escherichia coli e Staphylococcus aureus estudadas em triplicata (total de espectros estudados sumarizados na tabela 7). Os espectros da matriz de imagem foram extraídos no programa Cytospec em extensão Jcamp.dx. Os espectros em modo de ponto e modo de imagem, em extensão Jcamp.dx foram tratados utilizando o programa estatístico OPUS (versão 4.2, Bruker). Para minimizar a heterogeneidade espectral devido às diferenças de espessura da amostra foram feitas as correções de linha de base seguidos de normalização vetorial em todo range espectral e para tornar visível as variações entre os espectros o cálculo da primeira derivada com 9 pontos de suavização espectral foi realizado. Os dados foram analisados estatisticamente através da análise de cluster, três regiões espectrais discriminantes foram selecionadas: 3000-2800 cm-1, 1470-1410 cm-1 e 1176-950 cm-1, para calcular a distância da matriz. O dimensionamento de primeiro intervalo (Scaling first range) e o algoritmo Ward’s foi aplicado. O algoritmo Ward’s produz grupos de dados buscando minimizar a soma das diferenças (heterogeneidade) entre os elementos de cada grupo e o valor médio do grupo, minimizando o desvio padrão entre os dados de cada grupo formado, construindo grupos mais homogêneos (WARD, 1963). As atribuições de banda foram realizadas de acordo com a literatura e indicadas na tabela 8. 66 Tabela 7 – Sumários dos estudos realizados, espectros coletados e modo de aquisição. Cultura Pura Bactéria Modo de Número de espectros Número total aquisição coletados por amostra de espectros (triplicata) Escherichia coli Point mode 20 60 Proteus mirabilis Point mode 20 60 Pseudomonas Point mode 20 60 Point mode 20 60 Point mode 20 60 Point mode 20 60 aeruginosa Enterococcus faecalis Staphylococcus aureus Staphylococcus epidermidis Total de espectros: 360 Cultura Mista Bactéria Modo de Número de espectros Número total aquisição coletados por amostra de espectros (triplicata) Escherichia coli Point mode 20 60 Escherichia coli Image mode 64 (imagem 50 X50 μm2) 192 Staphylococcus Point mode 20 Image mode 64 (imagem 50 X50 μm2) 192 60 aureus Staphylococcus aureus Escherichia coli + Point mode 20 60 + Image mode 64 (imagem 50 X50 μm2) 192 Staphylococcus aureus (mista) Escherichia coli Staphylococcus aureus (mista) Total de espectros: 756 67 5 RESULTADOS Neste estudo foram analisados 1116 espectros de seis cepas bacterianas padrão (ATCC – American Type Culture Collection) em cultura pura e mista com um tempo de incubação de 6 horas, tempo mínimo para a coleta das microcolônias bacterianas. O estudo foi realizado em duas etapas: 1) análise de bactérias Gram-negativas (Escherichia coli, Proteus mirabilis, Pseudomonas aeruginosa) e bactérias Gram-positivas (Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis e Enterococcus faecalis) em cultura pura; 2) análise de bactéria Gram-negativa (Escherichia coli) e bactéria Gram-positiva (Staphylococcus aureus) em cultura mista. 5.1 Caracterização, diferenciação e identificação de bactérias Gram-negativas e Gram-positivas Nesta subseção são apresentados resultados inerentes a cultura pura. Os filmes finos de cada bactéria utilizada no estudo são apresentados na figura 27, os filmes são a associação de bactérias com cloreto de sódio da solução salina. Cada bactéria apresentou um comportamento diferente na formação do filme, e estes comportamentos se repetiram nas triplicatas, conforme figura. As bactérias Gram-negativas apresentaram uniformidade nos filmes, enquanto as bactérias Gram-positivas apresentaram uma borda na amostra. Através da análise da formação dos filmes houve diferenciação entre os dois grupos de bactérias Gramnegativas e Gram-positivas, sem formação de bordas e com formação de bordas, respectivamente. 68 (A1) (A2) (A3) (B1) (B2) (B3) (C1) (C2) (C3) (D1) (D2) (D3) (E1) (E2) (E3) (F1) (F2) (F3) Figura 27 – Micrografia dos filmes finos de bactérias Gram-negativas: Escherichia coli (A), Proteus mirabilis (B), Pseudomonas aeruginosa (C); e bactérias Gram-positivas Enterococcus faecalis (D), Staphylococcus aureus (E), Staphylococcus epidermidis (F) mostrando diferenças na formação de filmes, em triplicatas o comportamento se manteve. 69 As amostras foram depositadas em janelas de fluoreto de cálcio (CaF2) e foram analisadas da região de 4000-900 cm-1, região de transições fundamentais e 0.8 0.4 0.6 Influência de vibrações da molécula de H2O do ambiente Influência de vibrações da molécula de H2O do ambiente Influência de vibrações da molécula de CO2 do ambiente 0.2 Absorbance Units Unidades de absorbância 1.0 transparência da janela no infravermelho, conforme figura 28. 4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 -1 Wavenumber cm-1 (cm ) Número de onda Figura 28 – Espectro de absorção da janela de CaF2 utilizada neste trabalho, sendo a mesma transparente na região espectral de interesse, situada entre 4000-900 cm-1, os ruídos presentes no espectro são devido a vibrações das moléculas de H2O e CO2 do ambiente. Antes da obtenção do espectro da amostra o espectro de fundo (background) foi realizado para subtração de qualquer influência de vapor de água (H2O) e gás 40 carbônico (CO2) do ambiente. A figura 29 mostra um típico espectro de fundo. ARB Influência de vibrações da molécula de H2O do ambiente Influência de vibrações da molécula de H2O do ambiente 15 20 25 30 35 Influência de vibrações da molécula de CO2 do ambiente 4000 3500 3000 2500 Wavenumber cm-1 2000 -1 Número de onda (cm ) Figura 29 – Espectro típico de fundo. 1500 1000 70 Em filmes de bactérias Gram-negativas foram realizadas medidas aleatórias devido à uniformidade dos filmes, porém em filmes de bactérias Gram-positivas foram realizadas medidas nas bordas onde apresentaram regiões com bandas e contornos de bandas bem definidos (figura 30 e 31). Ainda na figura 30 a presença do mesmo padrão espectral dos vinte espectros realizados na mesma amostra e a consistência entre as intensidades relativas das bandas demonstram a reprodutibilidade das medidas espectrais. Nas figuras 31 A e B apresentam os filmes e os espectros das regiões de borda e centro de Staphylococcus aureus (bactéria Gram-positiva), pode-se observar em 36 (A) que no centro da amostra na região de 1200-900 cm-1 não há definição de bandas e contornos de bandas ao passo que em 36 (B) nos espectros da borda da amostra já se observam bandas e contornos bem definidos, justificando a aquisição espectral nesta área. + + + + + + + + + + + 0.08 0.06 0.04 + + + -0.02 + 0.02 + + 0.00 + + Absorbance Units Unidades de absorbância 0.10 (A) + 3500 3000 2500 2000 Wavenumber cm-1 1500 1000 -1 Número de onda (cm ) + + + + + + + + 0.08 0.06 0.04 + + + + + 0.02 + 0.00 + + + + Absorbance Units Unidades de absorbância + -0.02 + 0.10 (B) 3500 3000 2500 2000 Wavenumber cm-1 1500 1000 -1 Número de onda (cm ) Figura 30 – (A) Mapa da amostra de Proteus mirabilis associado aos vinte espectros realizados aleatoriamente na amostra, (B) mapa da amostra de Staphylococcus aureus associado aos vinte espectros realizados aleatoriamente na borda da amostra. 71 0.20 0.15 0.10 Região sem definição de bandas 0.00 centro 0.05 Units UnidadesAbsorbance de absorbância (A) 3500 3000 2500 2000 Wavenumber cm-1 1500 1000 -1 0.08 0.06 Região com definição de bandas 0.00 borda 0.04 Unidades Absorbance de absorbância Units centro 0.02 (B) 0.10 Número de onda (cm ) 3500 3000 2500 2000 Wavenumber cm-1 1500 1000 -1 Número de onda (cm ) Figura 31 – Regiões do filme fino de Staphylococcus aureus. (A) centro da amostra associado ao espectro (B) borda da amostra associado ao espectro. A figura 32 ilustra um espectro característico de filme fino de bactéria utilizada no estudo com as principais bandas de vibrações moleculares. 4 Unidades de absorbância C=O Ester ácidos nucléicos 1 5 3 2 6 3500 3000 2500 2000 -1 1500 7 8 1000 Wavenumber cm(cm ) Número de onda -1 Figura 32 - Espectro característico de bactéria com as principais bandas de vibrações moleculares. 72 A região 1 de 4000 a 3000 cm-1 é devida principalmente ao estiramento do grupo O-H (~3400 cm-1) e N-H de amida A de proteínas (~3300 cm-1). A região 2 entre 3000 cm-1 e 2800 cm-1 exibem vibrações de estiramento C-H de CH2 e –CH3 de fosfolipídeos em membrana citoplasmática e membrana externa em bactérias Gram-negativas, além de vibrações de aminoácidos em cadeias laterais (CLTs). Outras informações complementares desses grupos funcionais também podem ser observadas na região entre 1470 cm-1 e 1350 cm-1 (região 6) onde os diferentes modos de deformação desses grupos funcionais são encontrados (ERUKHMOVITCH et al., 2005; HELM et al., 1991; NAUMANN, 2000). A banda centrada em 1.715 cm-1 (região 3) é atribuída ao estiramento C=O, frequentemente observada em espectros de células microbianas hidratadas e sensíveis ao pareamento de bases em ácidos nucléicos. As bandas intensas entre 1700 e 1600 cm-1 (região 4) e entre 1600 cm-1 e 1500 cm-1 (região 5) são conhecidas como bandas de amida I e amida II, respectivamente. A banda de amida I é devida principalmente ao estiramento C=O de proteínas e uma pequena contribuição da deformação N-H (Figura 33 A). A banda de amida II consiste na combinação dos estiramentos da ligação C-N e deformação angular da ligação N-H (Figura 33 B), ambas também de proteínas. A banda situada entre ~1695 a ~1675 está relacionada a configuração folha-β de proteínas, ao passo que a banda situada em ~1655 está relacionada a configuração α-hélice (SIEBERT; HILDEBRANDT, 2008; VICKERY; NOZAWA; SAUER, 1990). R’ O (A) C NN H R (B) Amida I (1700-1600 cm-1) C Amida II (1600-1500 cm-1) N H Figura 33 – Vibrações moleculares de amida I e amida II de proteínas, onde R e R’ indicam radicais. Fonte: (SIEBERT; HILDEBRANDT, 2008) 73 A região espectral entre 1200 e 900 cm-1 (região 7 e 8), região considerada mista, é caracterizada pelo estiramento simétrico de PO2- em ácidos nucléicos e estiramento C-O-C, C-O-P em mono e polissacarídeos. Por volta de 1230 cm-1 há contribuições de vibrações de estiramento P=O de fosfolipídeos de membrana celular e fósforos de carboidratos encontrados em ácidos teicóicos e lipoteicóicos de bactérias Gram-positivas (OUST et al., 2004; NAUMANN, 2000). A tabela 8 apresenta a atribuição detalhada de algumas bandas encontradas frequentemente em espectros microbianos de IR associada à composição bioquímica e estrutura celular bacteriana. Tabela 8 - Atribuição de bandas detalhada associada à composição bioquímica e estrutura celular. Baseado em: (NAUMANN, 2000; KANSIZ et al., 1999) Nº da Frequência Identificação Composição Bioquímica e estrutura celular banda cm-1 bacteriana ~3500 νs (O-H) do grupo hidroxila 1 ~3200 νs NH (amida A) 2959 νa (C-H) de -CH3 2934 νa (C-H) de CH2 2872 νs (C-H) de –CH3 2852 νs (C-H) de CH2 2 Água (no interior da célula) Carboidratos (polissacarídeos) Proteínas (aminoácidos) Proteínas (apêndice, parede celular, ribossomos, inclusões) Lipídios (fosfolipídios em membrana citoplasmática e membrana externa de Gram-negativas) Proteínas (apêndice, parede celular, ribossomos, inclusões) Lipídios (fosfolipídios em membrana citoplasmática e membrana externa de Gram-negativas) Proteínas (apêndice, parede celular, ribossomos, inclusões) Carboidratos (polissacarídeos em cápsula, parede celular e inclusões) Lipídios (fosfolipídios em membrana citoplasmática e membrana externa de Gram-negativas) Proteínas (apêndice, parede celular, ribossomos, inclusões) Lipídios (fosfolipídios em membrana citoplasmática e membrana externa de Gram-negativas) Proteínas (apêndice, parede celular, ribossomos, inclusões) Carboidratos (polissacarídeos em cápsula, parede celular e inclusões) 74 3 νs (C=O) de ésteres, Ácidos nucléicos (DNA: núcleo e plasmídeo, RNA: ribossomos e citoplasma) ~1695 ~1685 ~1675 Amida I (νs C=O e δs N-H) componentes resultantes de folha-β de proteínas Proteínas (apêndice, parede celular, ribossomos, inclusões) ~1655 Amida I de estruturas α-hélice Amida II (δs N-H e νs CN) 1715 RNA/DNA, 4 5 1548 6 1515 1468 7e8 Banda “Tirosina” δa de C-H3 e δs de CH2 ~1400 νs (C=O) de COOδs de C-H3 e δa de CH2 1310-1240 Amida III 1250-1220 νa (P=O) de PO2- 1200-900 νs (C-O) , νs (C-C), νs (C-O-C) e (C-O-P) νs de (P=O) de PO2- 1085 Proteínas (apêndice, parede celular, ribossomos, inclusões) Proteína (aminoácido) Proteínas (apêndice, parede celular, ribossomos, inclusões) Carboidratos (polissacarídeos em cápsula, parede celular e inclusões) Proteínas (apêndice, parede celular, ribossomos, inclusões) Carboidratos (polissacarídeos em cápsula, parede celular e inclusões) Proteínas (apêndice, parede celular, ribossomos, inclusões) Ácidos nucléicos (DNA: núcleo e plasmídeo, RNA: ribossomos e citoplasma) Lipídios (fosfolipídios em membrana citoplasmática e membrana externa de Gram-negativas) Carboidratos (polissacarídeos em cápsula, parede celular e inclusões) Ácidos nucléicos (DNA: núcleo e plasmídeo, RNA: ribossomos e citoplasma) Lipídios (fosfolipídios em membrana citoplasmática e membrana externa de Gram-negativas) ν = estiramento, δ = deformação, a=assimétrico, s=simétrico. A figura 34 apresenta os espectros médios de FT-IR das bactérias utilizadas neste estudo. Uma rápida inspeção dos espectros demonstra que eles são muitos semelhantes. No entanto, numa análise mais cuidadosa, mudanças sutis podem ser observadas. Analisando a região espectral de 4000 a 3000 cm-1 (estiramento O-H e N-H), não foi notada alteração significativa para as diferentes bactérias, entretanto 75 na região de 3000 a 2800 cm-1 (estiramento C-H de CH2 e CH3) e 1470-1410 cm-1 (deformação C-H de CH2 e CH3), observam-se alterações em relação à intensidade relativa e contornos de banda nos espectros; as demais bandas não apresentaram mudanças significativas. Além das mudanças em relação à intensidade e contornos de bandas, através da análise dos espectros das bactérias podem-se notar padrões semelhantes em contornos de banda entre os grupos das bactérias. Em alguns aspectos podem-se diferenciar os grupos de bactérias por meio das alterações de intensidade (aumento ou diminuição) relativas de algumas destas bandas ou picos. As bactérias Grampositivas na região de estiramento CH2-CH3 (3000-2800 cm-1) apresentam a mesma intensidade entre os picos, característica não observada nas bactérias Gramnegativas que apresentaram um aumento de intensidade na banda e no segundo pico desta região. Na região de deformação CH2-CH3 (1470-1410 cm-1) os grupos de bactérias também podem ser diferenciados, no primeiro pico desta região as bactérias Gram-positivas apresentam uma diminuição na intensidade do pico em relação às bactérias Gram-negativas e um aumento na intensidade do segundo pico desta região. 0,16 Unidades de absorbância 0,14 0,12 0,10 ν CH2 -CH3 0,08 δ CH2 -CH3 0,06 0,04 Staphylococcus epidermidis 0,02 Enterococcus faecalis Staphylococcus aureus 0,00 Pseudomonas aeruginosa Proteus mirabilis -0,02 Escherichia coli 3500 3000 2500 2000 1500 1000 -1 Número de onda (cm ) Figura 34 – Espectro FT-IR representativo de Escherichia coli, Proteus mirabilis, Pseudomonas aeruginosa, Enterococcus faecalis, Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis (espectro 76 médio de uma amostra). Os dados foram transladados ao longo do eixo Y para melhor visualização. ν = estiramento e δ = deformação. A fim de tornar pequenas diferenças espectrais visíveis, a primeira derivada de ordem espectral foi calculada. Na análise de primeira derivada observaram-se diferenças significativas, além das regiões mencionadas, na região de 1176-950 cm-1 (região mista) (Figura 35). Analisando a primeira derivada notaram-se novas características e confirmaramse as características observadas nos espectros sem derivação. Na figura 35 (A) as bactérias Gram-negativas apresentaram maior intensidade na banda de estiramento assimétrico e simétrico C-H de CH2 (lipídios, proteínas e carboidratos). Em contrapartida as bactérias Gram-positivas apresentaram um aumento de intensidade na região atribuída ao estiramento simétrico C-H de CH3 (lipídios e proteínas). Na figura 35 (B) as bactérias Gram-negativas mostraram maior intensidade da banda relacionada à deformação assimétrica C-H de CH3 e deformação simétrica C-H de CH2, além da ocorrência de um ombro em ~1420 cm-1. Na figura 35 (C) ocorreram alterações em intensidade e contornos de banda, principalmente na região de ~1085 cm-1 atribuída ao estiramento simétrico de P=O. νa (CH2) Unidades de absorbância 0,0008 Bactérias Gram-negativas νs (CH2) 0,0006 0,0002 0,0002 νs (CH3) νa (CH3) 0,0004 0,0000 Bactérias Gram-positivas -0,0002 -0,0006 3000 2970 Absorbance Units Unidades de absorbância 2940 2910 2880 2850 -0,0002 -0,0004 -0,0008 1470 2820 (B) -1 Número de onda (cm ) 1460 1450 1440 1430 1420 -1 Número de onda (cm ) νs (P=O) 0,0006 0,0004 Escherichia coli Pseudomonas aeruginosa Proteus mirabilis Enterococcus faecalis Staphylococcus aureus Staphylococcus epidermidis 0,0002 0,0000 -0,0002 -0,0004 -0,0006 (C) 0,0000 -0,0006 -0,0004 (A) δa (CH3) e δs (CH2) 0,0004 Unidades de absorbância 0,0010 1150 1100 1050 1000 -1 -1 Wavenumber cm ) Número de onda (cm 950 1410 77 Figura 35 – Primeira derivada de ordem espectral em regiões significativamente diferentes de: Escherichia coli, Proteus mirabilis, Pseudomonas aeruginosa, Enterococcus faecalis, Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis (espectro médio de uma amostra). ν = estiramento, δ = deformação, a=assimétrico, s=simétrico. O aumento considerável da intensidade na região de estiramento assimétrico e simétrico C-H de CH2 de bactérias Gram-negativas podem ser explicados principalmente pela presença de lipopolissacarídeos (LPS), fosfolipídeos e lipoproteínas de parede celular não presentes em bactérias Gram-positivas. Além da presença de flagelina e pilina, que são proteínas precursoras de flagelos propulsores e pili presentes em Escherichia coli, Proteus mirabilis e Pseudomonas aeruginosa. Este mesmo entendimento pode ser estendido às regiões de 1470-1410 cm- 1 (deformação assimétrica C-H de CH3 e deformação simétrica C-H de CH2), por ser uma região complementar dos estiramentos dos grupos funcionais discutidos acima. Não foram encontradas justificativas para o aumento de intensidade na região atribuída ao estiramento simétrico C-H de CH3 (lipídios e proteínas) de bactérias Gram-positivas. Na região de estiramento simétrico de P=O duas hipóteses podem ser levantadas para as alterações observadas: presença de ácidos nucléicos, que são únicos para cada organismo conferindo contornos de bandas diferentes e presença de fosfolipídios da membrana externa de bactérias Gram-negativas conferindo aumento de intensidade nesta região. A fim de se analisar o conjunto total de dados para a classificação dos espectros, foi realizado a análise estatística. Foi empregada a análise de cluster para um conjunto de 360 espectros tratados de três cultivos independentes das seis bactérias. A análise de cluster é uma análise quantitativa de dissimilaridade, que consideram a forma e o contorno dos espectros, em vez de números de banda, frequências ou intensidades (HELM et al., 1991). Como resultado foi obtido um dendograma, mostrado na figura 36, este dendograma mostra uma clara discriminação entre as seis bactérias analisadas, com 100% de classificação espectral correta. O dendograma foi dividido em dois ramos principais, o primeiro ramo aglomerou-se bactérias Gram-negativas (Escherichia coli, Proteus mirabilis e Pseudomonas aeruginosa) e o segundo ramo bactérias grampositivas (Enterococcus faecalis, Staphylococcus aureus e Staphylococcus epidermidis). Esta diferença entre os dois grupos pode ser atribuída principalmente à 78 diferença de composição de parede celular (lipídios, carboidratos e proteínas) de bactérias Gram-negativas e Gram-positivas, como observados na análise de primeira derivada. As triplicatas foram organizadas aleatoriamente dentro do cluster, confirmando a reprodutibilidade do método (Figura 37). Bactérias Gram-negativas Bactérias Gram-positivas Figura 36 - Dendograma resultado da análise de cluster das seis bactérias examinadas em triplicata, 20 espectros gravados em cada triplicata em modo de ponto. A análise de cluster foi realizada utilizando a primeira derivada de ordem espectral considerando os ranges espectrais de 3000-2800 cm-1, 1470-1410 cm-1, 1176-950 cm-1. 79 Heterogeneity 0 10 20 30 40 50 7 3 2 5 8 13 11 91 6 151420 16 17 124 10 18 19 Amostra1E. Amostra1E. Amostra1E. Amostra1E. Amostra1E. Amostra1E. Amostra1E. Amostra1E. Amostra1E. Amostra1E. Amostra1E. Amostra1E. Amostra3E. Amostra3E. Amostra3E. Amostra3E. Amostra3E. Amostra1E. Amostra1E. Amostra1E. Amostra1E. Amostra1E. Amostra2E. Amostra2E. Amostra2E. Amostra2E. Amostra2E. Amostra2E. Amostra2E. Amostra2E. Amostra2E. Amostra2E. Amostra2E. Amostra2E. Amostra2E. Amostra2E. Amostra2E. Amostra2E. Amostra2E. Amostra3E. Amostra3E. Amostra3E. Amostra3E. Amostra3E. Amostra3E. Amostra3E. Amostra3E. Amostra2E. Amostra2E. Amostra3E. Amostra2E. Amostra1E. Amostra1E. Amostra1E. Amostra3E. Amostra3E. Amostra3E. Amostra3E. Amostra3E. Amostra3E. Data Preprocessing: First Derivative Ward's Algorithm Frequency Ranges (Weights) = Correlation with 3000 - 2800 /cm (1.0) Scaling to 1st range 1470 - 1410 /cm (1.0) Method File = TEMPVIEW.CLA 1176 - 950 /cm (1.0) Figura 37 - Dendograma resultado da análise de cluster da triplicata de Escherichia coli , 20 espectros gravados em cada triplicata em modo de ponto. A análise de cluster foi realizada utilizando a primeira derivada de ordem espectral considerando os ranges espectrais de 3000-2800 cm-1, 1470-1410 cm-1, 1176-950 cm-1. As amostras foram agrupadas aleatoriamente 5.2 Diferenciação de culturas puras e mistas Neste estudo três inoculações foram examinadas em triplicata: (a) Escherichia coli, (b) Staphylococcus aureus e (c) cultura mista de ambas (Escherichia coli e Staphylococcus aureus) com 50% de cada. As amostras foram analisadas em modo 80 de ponto e em modo de imagem, em modo de ponto o espectro da amostra é a média de uma área de 100 μm2 e em modo de imagem o espectro é o resultado de uma área de 6,25 μm2 (tamanho do pixel) ideal para se investigar amostras com composição heterogênea. A figura 38 mostra os filmes finos de cada triplicata utilizada no estudo. (A1) (A2) (A3) (B1) (B2) (B3) (C1) (C2) (C3) Figura 38 – Micrografia dos filmes finos de Escherichia coli (A), Staphylococcus aureus (B); e Escherichia coli e Staphylococcus aureus (C). Analisando os filmes de cultura mista (figura 38 C) é possível observar a associação das linhas características do filme de Escherichia coli (figura 38 A) com o centro do filme de Staphylococcus aureus (figura 38 B). A figura 39 apresenta os espectros médios (em modo de ponto) de Escherichia coli, Staphylococcus aureus e cultura mista de Escherichia coli e Staphyloccocus aureus. Como em culturas puras as principais diferenças espectrais entre as amostras foram observadas na região de estiramento C-H de CH2 e CH3 (3000-2800 cm-1) e deformação C-H de CH2 e CH3 (1470-1410 cm-1). Os espectros da amostra 81 mista se assemelham ao espectro de Escherichia coli, esta semelhança pode ser justificada pelo provável aumento de E. coli na cultura. Visto que o tempo de geração de E. coli é menor que o de Staphylococcus aureus, 20 minutos (KAYSER et al., 2005) e 30 minutos (TATINI; STEIN; SOO, 2006), respectivamente. Na região de estiramento C-H de CH2 e CH3 o espectro de Staphylococcus aureus apresenta a mesma intensidade entre os picos e Escherichia coli apresenta maior intensidade na banda e nos picos e o segundo pico mais intenso. O espectro da junção de Escherichia coli e Staphylococcus aureus apresenta a banda e o segundo pico um pouco mais intenso quando comparado ao espectro de Escherichia coli. Na região de deformação C-H de CH2 e CH3 o espectro de Staphylococcus aureus apresenta o primeiro pico menos intenso e o segundo mais intenso quando comparado aos demais. O espectro de Escherichia coli comparado ao espectro da junção das bactérias apresenta o segundo pico mais intenso. 0,12 Unidades de absorbância 0,10 0,08 ν CH2 -CH3 0,06 δ CH2 -CH3 0,04 0,02 Staphylococcus aureus 0,00 Escherichia coli + Staphylococcus aureus -0,02 Escherichia coli 3500 3000 2500 2000 1500 1000 -1 Número de onda (cm ) Figura 39 – Espectro FT-IR representativo de Escherichia coli, Staphylococcus aureus e Escherichia coli com Staphylococcus aureus (espectro médio de uma amostra). Os dados foram transladados ao longo do eixo Y para melhor visualização. ν = estiramento e δ = deformação. 82 Para amplificar mudanças sutis na absorção todos os espectros foram transformados em sua primeira derivada de ordem espectral (Figura 40). Do mesmo modo os contornos de banda da cultura mista demonstraram semelhança ao de E. coli, no entanto na região de 1176-950 cm-1 houve diferenças em contornos de bandas. 0,0008 νa (CH3) 0,0004 0,0002 νa (CH2) 0,0000 δa (CH3) e δs (CH2) Unidades de absorbância 0,0006 νs (CH3) -0,0002 -0,0004 -0,0006 3000 0,0002 0,0000 -0,0002 -0,0004 2980 2960 2940 2920 2900 2880 2860 2840 2820 2800 1470 1460 -1 1450 1440 1430 1420 1410 -1 Número de onda (cm ) Número de onda (cm ) νs (P=O) 0,0006 Unidades de absorbância Unidades de absorbância 0,0004 νs (CH2) 0,0004 E.coli S.aureus Mista 0,0002 0,0000 -0,0002 -0,0004 1150 1100 1050 1000 950 -1 Número de onda (cm ) Figura 40 – Primeira derivada da média espectral das amostras utilizadas no estudo, demonstrando diferenças de absorção nas regiões de 3000-2800 cm-1, 1470-1410 cm-1 e 1176-950 cm-1. As diferenças entre o aumento e a diminuição de intensidade de bandas nestas regiões entre Staphylococcus aureus e Escherichia coli foram discutidas no estudo de cultura pura. Como citado anteriormente à semelhança entre o espectro de E. coli e o de cultura mista pode ser devido ao aumento de E. coli na cultura, que pode ser observado com detalhe na simulação de crescimento nas tabelas 9 e10. Os aumentos e diminuições de intensidade na região de estiramento e deformação C-H de CH2 e CH3 e alteração no contorno de banda na região de 1176- 83 950 cm-1 do espectro de cultura mista podem ser explicadas pela associação das características espectrais de E. coli e S.aureus. Tabela 9 – Simulação do crescimento exponencial de Escherichia coli com tempo de incubação de 6 horas a partir de uma célula bacteriana. Tempo (horas: Nº de células min.) Tempo (horas: Nº de células min.) 0 1 3:20 1.024 :20 * 2 3:40 2.048 :40 4 4:00 4.096 1:00 8 4:20 8.192 1:20 16 4:40 16.384 1:40 32 5:00 32.768 2:00 64 5:20 65.536 2:20 128 5:40 131.072 2:40 256 6:00 262.144 3:00 512 * tempo de geração Tabela 10 – Simulação do crescimento exponencial de Staphylococcus aureus com tempo de incubação de 6 horas a partir de uma célula bacteriana. Tempo (horas: Nº de células min.) Tempo (horas: Nº de células min.) 0 1 3:30 128 :30 * 2 4:00 256 1:00 4 4:30 512 1:30 8 5:00 1.024 2:00 16 5:30 2.048 2:30 32 6:00 4.096 3:00 64 * tempo de geração Para a análise do conjunto dos dados tratados a análise de cluster foi realizada com os mesmos parâmetros do estudo de cultura pura, um dendrograma foi obtido através dos 180 espectros em modo de ponto, como mostrado na figura 41. Este 84 dendrograma mostra uma clara discriminação entre as inoculações examinadas. Todas as amostras foram agrupadas corretamente, as triplicatas de cada bactéria foram organizadas no mesmo cluster e aleatoriamente. Os dados de cultura mista se aglomeraram no mesmo ramo de Escherichia coli, confirmando as semelhanças espectrais. Não houve nenhuma aglomeração de espectros de cultura mista dentro do cluster de Escherichia coli ou Staphylococcus aureus, indicando uma provável identificação em cultura mista. Mista Figura 41 – Dendograma resultado da análise de cluster das três inoculações examinadas em triplicata, 20 espectros gravados em cada triplicata em modo de ponto. A análise de cluster foi realizada utilizando a primeira derivada de ordem espectral considerando os ranges espectrais de 3000-2800 cm-1, 1470-1410 cm-1, 1176-950 cm-1. 5.2.1 Culturas mistas e análise de imagem FT-IR Com o objetivo de identificar bactérias em cultura mista o estudo no modo imagem foi realizado. As figuras 42, 43 e 44 apresentam os mapas de absorção química de uma região de 50μm2 x 50 μm2, representativos das triplicatas associado 85 à imagem do filme e aos 64 espectros extraídos da matriz. As diferentes cores no mapa indicam diferenças na absorção da luz infravermelha na amostra, que variou entre 0,4 a 1,0. A região branca do mapa indica uma região com maior absorção da radiação infravermelha e região roxa com menor absorção. As pequenas variações de absorção nos mapas indicam uma pequena diferença de espessura e, portanto homogeneidade da amostra. Os espectros extraídos da matriz também confirmam 0.08 -0.02 0.00 Absorbance Units 0.02 0.04 0.06 Unidades de absorbância 0.10 esta homogeneidade através da reprodutibilidade espectral. 3500 3000 2500 2000 Wavenumber cm-1 1500 1000 -1 Número de onda (cm ) Figura 42 – Filme fino de Escherichia coli associado ao mapa de absorção química de uma amostra (resolução espacial de 50 X 50 µm2) e aos 64 espectros extraídos da matriz. Área da amostra analisada. 0.08 0.06 0.04 0.02 0.00 -0.02 Unidades de absorbância Absorbance Units 0.10 86 3500 3000 2500 Wavenumber cm-1 2000 1500 1000 -1 Número de onda (cm ) Figura 43 – Filme fino de Staphylococcus aureus associado ao mapa de absorção química de uma amostra (resolução espacial de 50 X 50 µm2) e aos 64 espectros extraídos da matriz. Área da amostra analisada. 0.10 0.08 0.06 0.04 0.02 -0.00 -0.02 Unidades de absorbância Absorbance Units 0.12 87 3500 3000 2500 2000 -1 Wavenumber cm-1 1500 1000 Número de onda (cm ) Figura 44 – Filme fino de Escherichia coli com Staphylococcus aureus associado ao mapa de absorção química de uma amostra (resolução espacial de 50 X 50 µm2) e aos 64 espectros extraídos da matriz. Área da amostra analisada. Na figura 45 são apresentados os espectros médios de uma amostra, novamente os espectros extraídos da matriz de cultura mista se assemelham ao espectro de E. coli. As bandas na região de 1200-900 cm-1 ocorreram variações na intensidade devido à diferença de espessura da amostra. Ao se investigar a primeira derivada espectral da amostra de cultura mista (Figura 46) nota-se que na região de 1176-950 cm-1 há um comportamento espectral heterogêneo, não observado na 88 região de 3000-2800 cm-1 e observado somente na região de aproximadamente 1450 cm-1, região atribuída à deformação C-H de CH2, CH3. Acredita-se que no filme de cultura mista não exista uma região que contenha apenas Escherichia coli e Staphylococcus aureus. Existem regiões onde a concentração de uma pode ser maior que a outra havendo, portanto maiores e menores intensidades dos picos característicos. Em regiões predominantes de Escherichia coli, haverá maior contribuição dos modos de estiramento C-H de CH2, CH3, e um ombro na região de deformação CH2, CH3. Em regiões com distribuição similar de bactérias haverá um espectro médio delas. 0,16 Unidades de Absorbância 0,14 E.coli S.aure Mista 0,12 0,10 0,08 0,06 0,04 0,02 Staphylococcus aureus 0,00 Escherichia coli +Staphylococcus aureus -0,02 Escherichia coli 3500 3000 2500 2000 1500 1000 -1 Número de onda (cm ) Figura 45 – Espectro FT-IR extraído da matriz de imagem representativo de Escherichia coli, Staphylococcus aureus e Escherichia coli com Staphylococcus aureus (espectro médio de uma amostra). Os dados foram transladados ao longo do eixo Y para melhor visualização. ν = estiramento e δ = deformação. O tamanho do pixel pode também ter sido relevante na análise, visto que foi utilizado o tamanho de 6,25 µm2, o menor tamanho disponível no sistema, sabe-se que o tamanho de uma bactéria varia de 1 a 5 µm (KAYSER et al, 2005), logo em 6,25µm2 haverá mais de uma bactéria, além de sobreposição. 2900 2850 2800 0.01 0.00 -0.01 Absorbance Units 2950 -0.02 Unidades de absorbância 3000 -0.03 0.02 Absorbance Units 0.00 -0.04 -0.02 Unidades de absorbância 0.04 0.02 0.03 0.06 89 1470 1460 Número de onda (cm-1) 1430 1420 1410 0.03 0.02 0.01 0.00 -0.02 Absorbance Units 1440 Número de onda (cm-1) -0.01 Unidades de absorbância 1450 1150 1100 1050 1000 950 Número de onda (cm-1) Figura 46 - Espectros de primeira derivada da cultura mista mostrando regiões espectrais heterogêneas (~1450 cm-1,1176-950 cm-1). O dendograma da figura 47 apresenta os resultados da análise de cluster realizada em 576 espectros extraídos da matriz de imagem das três inoculações examinadas, como no modo de ponto as amostras analisadas foram agrupadas corretamente, os espectros da cultura mista foram aglomerados no mesmo ramo de Escherichia coli e não foi observada a aglomeração de nenhum espectro de cultura mista em cultura pura, indicando que as bactérias estão misturadas, sobrepostas em 6,25 µm2 e o espectro é uma composição delas. 90 Mista Figura 47 - Dendograma resultado da análise de cluster das três inoculações examinadas em triplicata em modo de imagem, 64 espectros extraídos de cada mapa de absorção química. A análise de cluster foi realizada utilizando a primeira derivada de ordem espectral considerando os ranges espectrais de 3000-2800 cm-1, 1470-1410 cm-1, 1176-950 cm-1. 91 6 DISCUSSÃO Neste trabalho realizou-se um estudo sobre o potencial da microespectroscopia FT-IR na identificação rápida de bactérias. Os resultados ilustram o enorme potencial da técnica para uma rápida e correta identificação bacteriana em culturas puras e diferenciação entre culturas puras e mistas. O estudo foi realizado em triplicatas, obtendo-se excelentes resultados. Foram analisados estatisticamente 1116 espectros de FT-IR de culturas com 6 horas de incubação, obtendo-se a correta identificação em 100% das amostras. Um tempo relativamente menor quando comparado às técnicas tradicionais de identificação com tempo de incubação de 24 horas e aproximadamente 6 horas de provas bioquímicas para a identificação. Esta redução de tempo na identificação bacteriana é significativamente importante em ambientes como Unidade de Terapia Intensiva, onde ocorrem eventos adversos com necessidade de rápida intervenção. Estudos recentes têm demonstrado este potencial da espectroscopia no infravermelho em identificar bactérias com alta especificidade. A maioria dos estudos indica a técnica de FT-IR como uma ferramenta com um enorme potencial para o diagnóstico clínico (REBUFFO-SHEER et al, 2007; BOSH et al, 2008; KUHM et al, 2009). Os resultados do estudo de cultura pura corroboram com os apresentados por Erukmovitch et al. (2005), Helm et al (1991), Maquelin et al. (2003), Ngo-Thi, Kirschner, Naumann (2003) e Sandt et al. (2006), os quais diferenciam e identificam, por FT-IR, as bactérias Gram-negativas e Gram-positivas e apontam esta técnica como uma importante ferramenta para análise microbiológica rápida e importante para o sucesso da terapia. Em relação ao tempo de incubação dos microrganismos, neste trabalho todos os microrganismos foram cultivados por seis horas, uma vantagem em relação aos demais trabalhos que variam o tempo de incubação entre 6 a 10 horas dependendo do microrganismo, utilizando uma técnica diferente de preparação de amostra (SANDT et al, 2006; MAQUELIN et al, 2003; NGO-THI, KIRSCHNER, NAUMANN 2003). 92 Sandt et al (2006) relatou tempos de incubação de 10 horas para Staphylococcus epidermidis e Pseudomonas aeruginosa para obtenção de amostras com espectros reprodutíveis e de qualidade. Em relação aos resultados dos filmes bacterianos (figura 27) no estudo de cultura pura não se encontrou na literatura nenhuma descrição sobre as diferenças em formações dos filmes de bactérias Gram-negativas e Gram-positivas em solução salina (ERUKHIMOVITCH et al, 2005; AMIALI et al, 2007). A maioria dos trabalhos utiliza como metodologia para a preparação de amostra a técnica de estampagem de microcolônias onde não se observam essas características (MAQUELIN et al, 2003; SANDT et al, 2006; NGO-THI, KIRSCHNER, NAUMANN, 2003 ). Outra metodologia de preparação de amostra citada na literatura é a diluição em água destilada onde também não foram relatados diferenças em amostras (BOSH, 2008; HELM, 1991; KIRSCHNER et al, 2001). Os espectros das amostras foram considerados reprodutíveis. De acordo com Kansiz et al. (1999) a reprodutibilidade é importante para a correta classificação espectral e os espectros podem ser considerados altamente reprodutíveis através da consistência entre as intensidades relativas das bandas. Neste trabalho, a reprodutibilidade espectral foi alcançada pela padronização das condições de cultura bacteriana e preparação das amostras, as quais refletiram na excelente qualidade dos filmes. As variações na intensidade de banda resultantes de pequenas diferenças de espessura na amostra foram minimizadas com a correção de linha de base e normalização vetorial (AMIALI et al, 2007 ) e para tornar visível as diferenças espectrais o cálculo de primeira derivada foi realizado. Estas etapas no pré-processamento dos dados por primeira derivada e normalização vetorial têm sido utilizadas com freqüência em trabalhos relatados na literatura para diferenciação e identificação de microrganismos (AMIALI et al, 2007; BOSH et al, 2008; HELM et al, 1991; OUST et al, 2004; KIRSCHNER et al, 2001) com exceção da correção de linha de base. Neste trabalho a correção de linha de base foi realizada para subtrair o efeito da janela de fluoreto de cálcio observada na figura 28. As regiões que apresentaram diferenças: região de estiramento C-H de CH2 e CH3, deformação C-H de CH2 e CH3 e mista (figura 35) foi também descrita previamente por vários autores (HELM et al, 1991; NGO-THI, KIRSCHNER, NAUMANN, 2003). 93 As prováveis diferenças entre os espectros de Gram-negativas e Gram-positivas são confirmados por Maquelin apud Chalmers (2002) onde relatam que as grandes diferenças em paredes celulares de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas levam as diferenças nestas regiões espectrais, permitindo a clara discriminação entre os dois tipos de bactérias. Maquelin acrescenta que além da separação em relação aos tipos de Gram, estas regiões podem também ser usadas para diferenciar leveduras de bactérias. A presença ou ausência de apêndices bacterianos não é relatada na literatura. Na análise de cluster a utilização das regiões espectrais de 3000-2800 cm-1, 1470-1410 cm-1 e 1176-950 cm-1 são encontrados com alguma similaridade na literatura. Nos trabalhos de Helm et al (1991), Maquelin et al (2003), Ngo-Thi, Kirschner e Naumann (2003), foram utilizadas as regiões 3000-2800 cm-1, 15001400 cm-1, 1200-900 cm-1 para diferenciação de bactérias Gram-positivas e Gramnegativas. Em Bosh et al (2008) as combinações das regiões de 3000-2840 cm-1, 1400-1250 cm-1 e 1200-900 cm-1 foram utilizadas para identificação de bactérias Gram-negativas. Outras regiões e combinações similares são empregadas para uma grande variedade de microrganismos diferenciando espécies a subespécies (Kirschner et al, 2001; Oberreuter et al, 2002 e 2004). Neste trabalho foi possível a diferenciação correta em 100% de E. coli e Proteus Mirabilis através da análise de cluster. Sandt et al (2006) relatou que de acordo com as condições experimentais e utilizando a análise de cluster a diferenciação de E. coli e Proteus mirabilis, não foi bem sucedida, sendo necessário uma abordagem por regressão PLS e análise de componentes principais permitindo a separação das duas espécies. A divisão do dendograma em dois ramos também é observada com freqüência nos trabalhos de identificação de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas. Os resultados do estudo de cultura mista em modo de ponto confirmam os apresentados por Al-Qadiri et al. (2006 (a e b)). Al-Qadiri et al (2006 a) estudou a combinação de E.coli e Pseudomonas aeruginosa utilizando a técnica de preparação de amostra em solução salina e encontrou variações nas mesmas regiões estudadas neste trabalho (deformação C-H de CH2 e CH3 e região mista (1200-900 cm-1)). A diferenciação entre os inóculos foi possível com 83,3 % das amostras classificadas corretamente utilizando os métodos de PCA e SIMCA para classificação espectral, porém não houve identificação de bactéria na amostra mista. 94 Al- Qadiri et al (2006 b) analisou uma cultura mista de Alicyclobacillus acidoterrestris e Alicyclobacillus spp. com variações espectrais nestas mesmas regiões, e com 80% das amostras classificadas corretamente utilizando novamente PCA e SIMCA para classificação espectral. Nenhum dos trabalhos reportou as diferenças dos contornos de banda nos espectros de cultura mista. Não foram encontrados na literatura estudo de cultura mista em modo de imagem. O modo de imagem é um modo relativamente novo em espectroscopia, que tem sido relatado em estudos com diferentes tipos de tecidos em linfonodos axilares (BIRD et al, 2008 e 2009 ) e em placas ateromatosas em carótidas (ALÒ et al , 2009). Nestes trabalhos foram realizados a análise de cluster para análise dos dados e regiões discriminantes foram selecionadas. Em Bird et al (2009) todos os espectros foram convertidos em sua 1º derivada, normalizados vetorialmente e para a análise de cluster no programa CytoSpec o algoritmo Ward’s foi aplicado. Em bactérias apenas o trabalho de Gilbert et al (2009) foi encontrado. Neste trabalho foram discriminadas três diferentes cepas de E. coli com tempo de incubação de 24 horas através da análise de componentes principais. Embora os resultados do nosso estudo sejam animadores, uma base de dados de espectros vibracionais de uma ampla gama de microrganismos com cepas clínicas e de coleção, sensível ou resistente a determinados antibióticos, são necessários. Podendo então tornar possível a identificação de agentes causais de infecções em ambientes clínicos. 95 7 CONCLUSÃO A Microespectroscopia FT-IR associada à análise de cluster mostrou-se uma ferramenta efetiva na discriminação e identificação de bactérias em culturas puras e na identificação de culturas puras e mistas com mínima manipulação de amostra e com tempo de incubação de apenas 6 horas e com 100% das amostras classificadas corretamente. No estudo de cultura pura através da avaliação da primeira derivada de ordem espectral, principalmente na região de estiramento assimétrico e simétrico C-H de CH2, foi possível diferenciar as bactérias em dois principais grupos. Apesar dos espectros serem muito semelhantes, principalmente espectros de bactérias com a mesma composição de parede celular, a análise de cluster foi sensível o suficiente para a correta classificação. Os espectros das seis bactérias estudadas e as triplicatas foram agrupados corretamente demonstrando um excelente nível de reprodutibilidade do método. Os espectros e o dendograma refletiram diferenças entre os grupos das bactérias Gram-positivas e Gramnegativas. No estudo de cultura mista os espectros se apresentaram distintos de culturas puras e foram observadas regiões heterogêneas que sugerem maior concentração de um determinado microrganismo. Não foram observadas aglomeração de nenhum espectro da cultura mista em cultura pura, portanto não houve identificação de bactérias presentes na cultura mista com estas metodologias empregadas. Tanto no estudo de cultura de pura quanto no estudo de cultura mista a técnica de preparação de cultura e de amostra associada à metodologia de préprocessamento espectral e análise de dados foi essencial na classificação 100% correta das amostras. 96 8 SUGESTÕES/TRABALHOS FUTUROS Uma alternativa potencial para a identificação de microrganismo em cultura mista por microespectroscopia FT-IR é apontada por Beekes, Lasch e Naumann, 2007 (2007). De acordo com os autores as culturas mistas podem ser analisadas pela mensuração de microcolônias (50-100 μm de diâmetro) crescendo separadamente em meio sólido, para isto os inóculos são diluídos e as microcolônias são estampadas em placas de Agar em janelas transparentes no infravermelho. A figura 48 apresenta a identificação de microrganismo em culturas mistas contendo três tipos diferentes de microrganismo depositados em janela de BaF2 pela técnica de estampa (figura 49). Figura 48 – Identificação de três diferentes microrganismos em cultura mista pela técnica de estampa. Fonte: (BEEKES; LASCH; NAUMANN, 2007) 97 Figura 49 – Método de estampagem - dispositivo para transferência de microcolônias das placas de Agar à janela de IR . Fonte: (BEEKES; LASCH; NAUMANN, 2007)Madrid: Para trabalhos futuros e como complementação do trabalho realizado nesta dissertação, sugere-se: Implementação da técnica de estampa para a identificação de microrganismos em culturas mistas; Caracterização de cepas clínicas e ATCC para complementar a base de dados; Utilização de redes neurais para classificação e confecção de banco de dados espectrais com finalidade diagnóstica; Identificação de microrganismos em amostras clínicas. 98 9 DIVULGAÇÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA Trabalhos em eventos científicos FONTOURA, I.S. ; SAKANE, K. K. ; CARDOSO, M. A. G ; KHOURI, S. ; UEHARA, M. ; MARTIN, A. A . CHARACTERIZATION OF ESCHERICHIA COLI BY USING FTIR. 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A., "FT-IR microspectroscopy in rapid identification of bacteria in pure and mixed culture" in Biomedical Vibrational Spectroscopy IV: Advances in Research and Industry, SPIE, Bellingham, WA 2010 Prêmio 2009 Trabalho relevante do III Simpósio de Engenharia Biomédica da UFU, Universidade Federal de Uberlândia. FONTOURA, I.S. ; SAKANE, K. K. ; CARDOSO, M. A. G ; KHOURI, S. ; UEHARA, M. ; MARTIN, A. A . CARACTERIZAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO RÁPIDA DE BACTÉRIAS POR MICROESPECTROSCOPIA FT-IR. III Simpósio em Engenharia Biomédica da Universidade Federal de Uberlândia.2009. 99 Trabalho publicado FONTOURA, I., BELO, R., SAKANE, K., CARDOSO, M. A. G., KHOURI, S., UEHARA, M., RANIERO, L., MARTIN, A. 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