Natalia de Araujo Lopes

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Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Letras
Trabalho de Conclusão de Curso
UMA ANÁLISE MORFOSSINTÁTICA DOS ADVÉRBIOS DE
MODO NO PORTUGUÊS DO BRASIL
Autora: Natália de Araújo Lopes
Orientadora: MSc. Déborah Christina de Mendonça Oliveira
Brasília – DF
2012
NATÁLIA DE ARAÚJO LOPES
UMA ANÁLISE MORFOSSINTÁTICA DOS ADVÉRBIOS DE MODO NO
PORTUGUÊS DO BRASIL
Monografia apresentada ao curso de graduação
em Letras da Universidade Católica de
Brasília, como requisito parcial para obtenção
do título de Licenciatura em Letras Português.
Orientadora: MSc. Déborah Christina de
Mendonça Oliveira.
Brasília - DF
2012
Monografia de autoria de Natália de Araújo Lopes, intitulada UMA ANÁLISE
MORFOSSINTÁTICA DOS ADVÉRBIOS DE MODO NO PORTUGUÊS DO BRASIL,
apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciatura em Letras
Português da Universidade Católica de Brasília, em 28 de novembro de 2012, defendida e
aprovada pela Banca Examinadora abaixo assinada:
Profa. MSc. Déborah Christina de Mendonça Oliveira
(Orientadora)
Curso de Letras– UCB
Profa. MSc. Deise Ferrarini
Curso de Letras – UCB
Profa. MSc. Vera Lúcia Cordeiro da Conceição
Curso de Letras – UCB
Brasília - DF
2012
Dedico este trabalho aos meus pais, Valdenor
e Edvanda e ao meu irmão, Leandro, que
confiaram no meu potencial para a realização
desta conquista. Não chegaria a lugar nenhum
sem o incentivo, a orientação e o amor de
vocês. Obrigada por estarem presentes na
minha vida.
E a todos os meus amigos, irmãos de coração,
que compartilharam cada momento desta etapa
da minha vida, com escuta, conselho e
orações. Muito obrigada!
AGRADECIMENTO
Primeiramente, a Deus por ter me dado à vida e ser sempre o meu auxílio nos
momentos mais precisos.
Aos meus pais, Valdenor e Edvanda, por terem me ensinado o valor do conhecimento,
incentivando-me a estar sempre em busca do aprendizado e saber que essa é a maior herança
que eles podem me dar. E, claro, pelo apoio financeiro durante todo o curso.
Ao meu irmão, Leandro, que me mostrou o mundo acadêmico, ensinando-me com
suas experiências no magistério.
A todos os meus familiares que me apoiaram com palavras positivas e ajudaram nas
minhas dificuldades.
Aos professores, Rosângela de Nazareth, Lívila Maciel, Maurício Izolan, Deise
Ferrarini e Vera Lúcia por terem compartilhado comigo seus conhecimentos, experiências e
atenção por todo este tempo de aprendizagem. Em especial a minha orientadora, Déborah, que
teve tanta paciência e disponibilidade comigo para que eu pudesse concluir mais esta etapa da
minha vida.
Por fim, aos meus amigos, que compartilharam meus momentos de angústia, mas
também de muitas alegrias, por terem sido compreensíveis por não estar sempre presente em
todos os momentos de confraternização e terem acreditado em mim até o fim.
RESUMO
LOPES, Natália de Araújo. Uma análise morfossintática dos advérbios de modo no
português do Brasil. 2012. 44 p. Curso de Letras – Universidade Católica de Brasília,
Brasília, 2012.
Esta monografia tem como foco analisar e discutir os advérbios de modo no português do
Brasil. Para isso, retomaremos visões tradicionais e também nos basearemos em autores do
campo linguístico. Foram observados alguns fatores comuns dentre essas duas vertentes e,
principalmente, novos fatores que ajudaram na nossa análise. Com a constatação de que a
definição de advérbio, mantida pelas gramáticas tradicionais, não corresponde a todas as
situações em que ele ocorre. Levantando, assim, novos fatos, sendo eles, o advérbio como
modificador do substantivo, como também de todo o enunciado, o advérbio não pode ser
declarado, absolutamente, invariável e sua categorização não é homogênea. A partir desses
novos aspectos, surge um interesse em dois específicos casos, o primeiro é a tênue diferença
entre o advérbio e o adjetivo em algumas estruturas sintáticas, que confunde pela palavra ter
forma de adjetivo, mas com função de advérbio, tendo então o fenômeno de adverbialização
do adjetivo. Segundo, e foco deste trabalho, o comportamento dos advérbios em –mente nas
sentenças propostas. Foi verificado como esses advérbios se comportam em algumas
sentenças, analisamos o resultado e percebemos que os advérbios em –mente tem uma maior
flutuação nas sentenças, podendo causar diferenças semânticas ou mantendo o mesmo
sentido, dependendo de sua posição sintática, ou seja, do escopo pretendido pelo advérbio.
Contudo, em algumas sentenças, o advérbio com a terminação em –mente não é tão aplicado,
por não ser usual.
Palavras-chave: Adjetivos. Advérbios em –mente. Posição sintática.
ABSTRACT
This monograph focuses on analyzing and discussing the mode adverbs in Brazilian
Portuguese. For this reason, we’ll resume traditional views and also base on authors in the
linguistic field. It was observed some common factors among these two aspects and especially
new factors that helped in our analysis. With the realization that the definition of adverb, held
by traditional grammars, does not correspond to any situation in which it occurs. Raising thus
new facts, namely, the adverb as a modifier of the noun, but also the entire statement, the
adverb cannot be declared absolutely invariable and its categorization is not homogeneous.
From these new features, comes an interest in two specific cases, the first is a slight difference
between the adverb and adjective in some syntactic structures, which confuses the word of
having an adjective form, but with adverb function, and then the phenomenon of the adjective
turning into – and also being – adverb. The second case, and the focus of this work, the
adverbs behavior with -ly termination in the proposal sentences. It was verified how these
adverbs behave in some sentences and, analyzing the result and realized that the ly terminated adverbs has a greater fluctuation in sentences, it may cause semantic differences
or keeping the same direction, depending on their syntactic position, ie, the scope intended by
the adverb. However, in a few sentences, the -ly terminated adverbs is not so applied, because
it is not usual.
Keywords: Adjectives. -ly adverbs. Syntactic position.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO --------------------------------------------------------------------------------- 9
CAPÍTULO 1 - OS ADVÉRBIOS EM UMA ABORDAGEM TRADICIONAL 11
1.1- Almeida (1998)----------------------------------------------------------------------------- 11
1.2- Bechara (2009)----------------------------------------------------------------------------- 12
1.3- Cunha & Cintra (2008)-------------------------------------------------------------------- 15
1.4- Considerações preliminares-------------------------------------------------------------- 18
CAPÍTULO 2 – ASPECTOS MORFOSSINTÁTICOS E SEMÂNTICOS DOS
ADVÉRBIOS-------------------------------------------------------------------------------------20
2.1 Conceituação do advérbio------------------------------------------------------------------ 20
2.2 Características morfossintáticas dos advérbios------------------------------------------ 22
2.3 Subclasses/Tipologia de advérbios-------------------------------------------------------- 26
2.4 Considerações preliminares---------------------------------------------------------------- 33
CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DOS ADVÉRBIOS EM –MENTE NO PORTUGUÊS DO
BRASIL--------------------------------------------------------------------------------------------34
3.1 Advérbios em –mente---------------------------------------------------------------------- 34
3.2 Os advérbios em –mente x adjetivos------------------------------------------------------ 36
3.3 A posição dos advérbios de modo na estrutura sentencial----------------------------- 38
3.4 Considerações preliminares---------------------------------------------------------------- 40
CONSIDERAÇÕES FINAIS------------------------------------------------------------------42
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS------------------------------------------------------44
9
INTRODUÇÃO
Este trabalho se dispõe a conhecer e analisar melhor o advérbio, uma classe gramatical
que causa ainda muitas indagações. Como essa classe de palavras é muito abrangente,
focaremos nos advérbios de modo, em especial os terminados em –mente. Por meio de
observações, percebemos que a definição de advérbio, imposta pela Gramática Tradicional,
que afirma ser o advérbio aquele que modifica o verbo, o adjetivo ou o próprio advérbio, não
é satisfatória quando aplicadas em algumas sentenças do português. Pode-se, por exemplo,
verificar que o advérbio também pode modificar o substantivo ou até mesmo todo o
enunciado.
Muitos autores não concordam com a definição de advérbio apresentada pela
Gramática Tradicional, pois confirmam, com suas análises, que o advérbio ainda não pode ser
definido ou classificado. Bagno (2011, p. 831) é um desses autores que declara que: “a
precariedade das classificações definitivas, a instabilidade inerente à gramática de qualquer
língua, os processos ininterruptos de gramaticalização, a possibilidade que as palavras têm de
exercerem múltiplas funções.” São alguns dos argumentos pelo qual o advérbio não pode ser
ainda definido. O autor citado também afirma que, talvez, por essa grande variação nem
sequer exista uma classe de advérbios.
Este trabalho surgiu com o interesse de entender melhor os advérbios, principalmente
porque, em várias estruturas encontradas na sintaxe do português, é difícil classificar
exatamente se a palavra que modifica o termo principal da sentença é advérbio ou adjetivo. A
partir dessa questão, os advérbios de modo, em especial os terminados em –mente, acabaram
sendo o foco deste trabalho, pois a formação desses advérbios tem ligação direta com os
adjetivos.
Com essa motivação, o objetivo deste trabalho é analisar morfossintaticamente os
advérbios de modo no português do Brasil. Para tal, baseamo-nos nas gramáticas tradicionais
e em trabalhos no campo da linguística. Para uma abordagem tradicional, analisamos as
gramáticas de Almeida (1998), Cunha & Cintra (2008) e Bechara (2009). Para uma
abordagem no âmbito da linguística, consideramos os trabalhos de Câmara Jr. (1970),
Bomfim (1988), Luft (1996), Macambira (1999), Perini (1999), Neves (2000), Teixeira
(2008) e Bagno (2011).
10
Com base no objetivo mencionado acima, este trabalho está organizado em três
capítulos. No capítulo 1, a finalidade é apresentar as definições e classificações encontradas
nas gramáticas tradicionais e verificar se todas abordam o advérbio da mesma forma. Para tal,
analisamos os gramáticos Almeida (1998), Cunha & Cintra (2008) e Bechara (2009). Ao fim
do capítulo, expõem-se os pontos comuns e, principalmente, os divergentes encontrados
nessas três gramáticas.
No capítulo 2, discutem-se os conceitos, as características morfossintáticas e as
subclasses dos advérbios do ponto de vista dos autores Câmara Jr (1970), Bomfim (1998),
Luft (1996), Macambira (1999), Perini (1999), Neves (2000), Teixeira (2008) e Bagno (2011).
Notar-se-á que os autores concordam em alguns aspectos e discordam em vários outros,
como, por exemplo, Bomfim (1988) afirma que os mais legítimos advérbios são os de modo.
Outra observação interessante é a quantidade de subclasses diferentes encontradas nos autores
analisados, pois uns não consideram os advérbios de afirmação, por ter mais sentido subjetivo
do que necessariamente um modificador do verbo, que seria a função fundamental do
advérbio. A discussão sobre a invariabilidade do advérbio permitirá entender sua presença em
algumas sentenças.
No capítulo 3, examinaremos os advérbios de modo, em especial os terminados em –
mente em diferentes situações sintáticas, sendo abordadas questões como: Qual a origem dos
advérbios em –mente? Por que eles têm uma aproximação sintática tão grande com o
adjetivo? Eles podem flutuar na sentença? O sentido da sentença muda de acordo com o
posicionamento do advérbio? Para ajudar a responder essas perguntas, analisamos os
trabalhos de Cunha & Cintra (2008), Bechara (2009) e Bagno (2011).
11
CAPÍTULO 1
OS ADVÉRBIOS EM UMA ABORDAGEM TRADICIONAL
Conforme exposto na introdução deste trabalho, o nosso tema de pesquisa é o
comportamento morfossintático dos advérbios em -mente no português do Brasil. Para isso,
este primeiro capítulo visa apresentar a abordagem tradicional em relação aos advérbios, em
geral. O presente capítulo, portanto, trará os posicionamentos de alguns gramáticos
tradicionais, tais como: Almeida (1998), Cunha & Cintra (2008) e Bechara (2009).
1.1 Almeida (1998)
Segundo Almeida (1998), a palavra advérbio vem do latim (ad = junto verbum =
palavra) e é considerada a sétima classe morfológica. Para esse gramático, o advérbio é toda
palavra que pode modificar o verbo, o adjetivo e, até, o próprio advérbio e é visto em três
aspectos: quanto à circunstância, quanto à função e quanto à forma.
Considerar o advérbio quanto à circunstância é considerá-lo quanto à ideia que
encerra, como a ideia de tempo, de lugar, de modo e outros. Quanto à função diz-se respeito à
funcionalidade do advérbio no enunciado. Quanto à forma são os advérbios propriamente
ditos, como hoje, não, sim, já etc., formados numa só palavra, e em locuções adverbiais,
como talvez (tal + vez), também (tão + bem), formados de duas ou mais palavras. Assim
sendo, Almeida (1998) classifica os advérbios em:

Lugar: abaixo, acima; adentro, afora; adiante, atrás; além, aquém; algures,
alhures, nenhures; aqui, aí, ali; arriba, avante; cá, lá, acolá, defronte, detrás, fora,
junto; longe, perto; onde, aonde, exteriormente, interiormente, lateralmente (e outros
terminados em mente), em cima, em baixo.
(1)
“Eu cá me entendo”.

Tempo: agora, ora; ainda (inda), antes, depois; cedo, tarde, logo; então;
entrementes, já; quando, ontem, hoje, amanhã, outrora; nunca, jamais, sempre,
primeiro, primeiramente, secundariamente (e ainda outros em mente: atualmente,
presentemente, diariamente)
12
(2)
“Os bancos antes, as cadeiras depois”.

Modo: acinte, ademais; adrede; ainda; alerta; apenas; assim; bem, mal; cerce;
como, depressa, devagar, rente; só, também.
(3)
“Atirou ele acinte com uma pedra a um galo”.

Negação: não, nada, tampouco.
(4)
“Ele não saiu e eu tampouco”.

Dúvida: porventura, quiçá, talvez, acaso.
(5)
“Se tivéssemos mais aulas de gramática, talvez cuidássemos mais de falar
certo”.

Intensidade: algo, assaz, bastante, demais, muito, pouco, mais, menos, meio,
metade, que, quase, sobremaneira, sobremodo, mesmo, tão, quão, todo, tanto, quanto,
sequer.
(6)
“Estamos muito atarefados”.

Afirmação: sim, deveras, pois não, pois sim, certo, certamente.
(7)
“Que lhe fizesse comédias, que haviam de ser portuguesas deveras”.
1.2 Bechara (2009)
Segundo Bechara (2009), advérbio é a expressão modificadora que por si só denota
uma circunstância (de lugar, de tempo, modo, intensidade, condição etc.) e desempenha na
oração a função de adjunto adverbial, conforme exemplos abaixo do próprio autor:
(8)
Aqui tudo vai bem (lugar e modo).
13
(9)
Hoje não irei lá (tempo, negação, lugar).
(10) O aluno talvez não tenha redigido muito bem (dúvida, negação, intensidade,
modo).
Ainda segundo o mesmo autor, o advérbio é constituído por palavra de natureza
nominal ou pronominal e se refere geralmente ao verbo, ou ainda, dentro de um grupo
nominal unitário, a um adjetivo e a um advérbio (como intensificador), ou a uma declaração
inteira. Observe os exemplos a seguir, extraídos de Bechara, para explicar essas situações:
(11)
José escreve bem (advérbio em referência ao verbo).
(12)
José é muito bom escritor (advérbio em referência ao adjetivo bom).
(13)
José escreve muito bem (advérbio em referência ao advérbio bem).
(14)
Felizmente José chegou (advérbio em referência a toda a declaração: José
chegou; o advérbio deste tipo geralmente exprime um juízo pessoal de quem fala).
O autor citado classifica o advérbio, ora pelos valores lexicais, ora por critérios
funcionais. Estes são os advérbios demonstrativos (aqui, então, agora, aí, etc.), os relativos
(onde, como, quando, etc.) e interrogativos (quando?, onde?, como?). Aquelas são os
advérbios denotadores de tempo (agora, antes, tarde, etc.), de lugar (aqui, fora, etc.), de
quantidade (tanto, muito, bastante, etc.), etc.
Posteriormente, Bechara (2009) coloca as principais circunstâncias expressas por
advérbios ou locução adverbial, são elas:

Assunto: Conversar sobre música.

Causa: Morrer de fome.

Companhia: Sair com os amigos.

Concessão: Voltaram apesar do escuro.

Condição: Só entrará com autorização. Não sairá sem licença.

Conformidade: Fez a casa conforme a planta.

Dúvida: Talvez melhore o tempo. Acaso encontrou o livro.

Fim: Preparou-se para o baile.

Instrumento: Escrever com o lápis.

Intensidade: Andou mais depressa.
14

Lugar: Estuda aqui. Foi lá. Passou pela cidade. Veio dali.

Modo: Falou assim. Anda mal. Saiu às pressas.

Referência: “O que nos sobra em glória de ousados e venturosos navegantes,
míngua-nos em fama de energéticos e previdentes colonizadores” [LCo apud FB.
1, 218].

Tempo:
Visitaram-nos
hoje.
Então
não
havia
recursos.
Sempre
nos
cumprimentaram. Jamais mentiu.

Negação: Não lerá sem óculos.
O advérbio, segundo o referido autor, pela sua origem e significação, se prende a
nomes ou pronomes, havendo, por isso, advérbios nominais e pronominais. Entre os nominais
se acham aqueles formados de adjetivos acrescidos do “sufixo” - mente: rapidamente (= de
modo rápido), pessimamente. Na realidade, ficam a meio caminho, fonológica e
morfologicamente, da derivação e da composição (locução).
Entre os pronominais, temos:

Demonstrativos: aqui, aí, acolá, lá, cá.

Relativos: onde (em que), quando (em que), como (por que).

Indefinidos: algures, alhures, muito, pouco, que.

Interrogativos: onde?, quando?, como?, por que? (por quê?).
Um ponto importante que Bechara (2009) cita é a adverbialização de adjetivos. Este
fenômeno ocorre quando o adjetivo permanece imóvel na sua flexão de gênero e número,
dessa forma passa a funcionar como advérbio. Abaixo alguns exemplos retirados do referido
autor:
(15) Fala claro na hora da sua defesa.
(16) Compraram caro a fazenda.
(17) Agora estão vivendo melhor.
Assim, o autor demonstra que o critério formal de diferenciação das duas classes de
modificador (adjetivo: modificador nominal; advérbio: modificador verbal) é a variabilidade
do primeiro e a invariabilidade do segundo:
15
(18) Eles vendem muito cara a fruta. (adjetivo)
(19) Eles vendem caro a fruta. (advérbio)
1.3 Cunha & Cintra (2008)
Para Cunha & Cintra (2008) o advérbio é, fundamentalmente, um modificador do
verbo, vejamos alguns exemplos dos próprios autores:
(20) Logo depois, recomeçara a chover. (O. Lins, FP, 63.)
(21) Você compreendeu-me mal. (Almada Negreiros, NG, 61.)
(22) O almoço decorria agora lentamente. (A. Santos, K, 103.)
Segundo os autores, a essa função básica, geral, certos advérbios acrescentam outras
formas que lhe são privativas. Assim os chamados advérbios de intensidade e formas
semanticamente correlatas podem reforçar o sentido de um:
 adjetivo:
(23) Olhei Maria, desesperado, mas ela sorria, sorria um longínquo tão feliz sorrir de
olhos semicerrados...
(Guimarães Rosa, S, 346.)
 advérbio:
(24) Já bem pertinho estavam Masseu e Ângelo.
(L. Jardim, AMCA, 49.)
Os mencionados autores ainda destacam que os advérbios também aparecem, não raro,
como modificadores da oração, assim sendo, vêm geralmente destacados no início ou no fim
da oração, ambos os termos se separam por uma pausa nítida, marcada na escrita por vírgula,
seguem alguns exemplos:
(25) Infelizmente, nem o médico lhes podia valer.
(M.Torga, NCM, 150.)
16
(26) Eu me recuso, simplesmente.
(F. Sabino, EM, 84.)
Cunha & Cintra (2008) mencionam que a Nomenclatura gramatical Brasileira
especifica os seguintes tipos de advérbios:
 Advérbios de afirmação: sim, certamente, efetivamente, realmente, etc;
 Advérbios de dúvida: acaso, porventura, possivelmente, provavelmente, quiçá,
talvez, etc;
 Advérbios de intensidade: assaz, bastante, bem, demais, mais, menos, muito,
pouco, quanto, quão, quase, tanto, tão, etc;
 Advérbios de lugar: abaixo, acima, adiante, aí, além, ali, aquém, aqui, atrás, através,
cá, defronte, dentro, detrás, fora, junto, lá, longe, onde, perto, etc;
 Advérbios de modo: assim, bem, debalde, depressa, devagar, mal, melhor, pior, e
quase todos terminados em –mente: fielmente, levemente, etc;
 Advérbio de negação: não;
 Advérbios de tempo: agora, ainda, amanhã, anteontem, antes, breve, cedo, depois,
então, hoje, já, jamais, logo, nunca, ontem, outrora, sempre, tarde, etc.
Com relação à locução adverbial, Cunha & Cintra (2008) afirmam que é o conjunto de
duas ou mais palavras que funciona como advérbio. De regra, as locuções adverbiais formamse da associação de uma preposição com um substantivo, com adjetivo ou com um advérbio.
Assim:
(27) Fernanda sorriu em silêncio.
(É. Veríssimo, LS, 133.)
(28) Vou começar por aqui!...
(M. da Fonseca, SV, 133.)
Ainda há, segundo os mencionados autores, formações mais complexas, como:
(29) O cachimbo de água passou de mão em mão.
(Castro Soromenho, V, 205.)
17
(30) Respondi-lhe que aquilo devia ser alguma ideia de minha mulher,
que de vez
em quando tem uma.
(R. Braga, CCE, 97.)
Abaixo mais algumas locuções adverbiais, segundo Cunha & Cintra (2008):

de afirmação: com certeza, por certo, sem dúvida.

de intensidade: de muito, de pouco, de todo, etc.;

lugar: à direita, à esquerda, por aqui, por onde, de perto, etc.;

de modo: à toa, à vontade, em geral, de modo algum, etc.;

de negação: de forma alguma, de modo nenhum, etc.;

de tempo: à noite, à tarde, em breve, pela manhã, etc.
É importante saber qual é o lugar do advérbio no enunciado, pois ele pode estar
modificando um verbo, um adjetivo, um próprio advérbio ou o enunciado todo. Os referidos
autores mencionam esse assunto, sobre a colocação dos advérbios e destacam estes:

Os advérbios que modificam um adjetivo, um particípio isolado ou outro advérbio
colocam-se de regra antes destes:
(31) Por que escondeu um segredo tão grande?
(Ribeiro Couto, C, 195.)
(32) Muito apressado, num visível nervosismo, veio de casa até ali.
(M. da Fonseca, SV, 193.)
(33) O teu pai está muito mal.
(Castro Soromenho, TM, 206.)
 Dos advérbios que modificam o verbo:
- os de modo colocam-se normalmente depois dele:
(34) A mãe e a irmã choravam tristemente...
(R. Correia, PCP, 309.)
(35) Ela ouvia-o atentamente.
(Almada Negreiros, NG, 61.)
18
 Os de tempo e de lugar podem colocar-se antes ou depois do verbo:
(36) Cá fora era noite.
(Luandino Vieira, VVDX, 73.)
(37) A minha sombra há de ficar aqui!
(A. dos Anjos, E, 21.)
 O de negação antecede sempre o verbo:
(38) Então não se cava a terra?... não se lavra?... não se aduba?... não se semeia?...
(A. Ribeiro, CRG, 66.)
 O realce do adjunto adverbial é expresso de regra por sua antecipação ao verbo:
(39) De longe e reverenciosamente as cortejei.
(C. Castelo Branco, OS, 451.)
1.4 Considerações preliminares
Observou-se, neste primeiro capítulo, o ponto de vista de três gramáticas tradicionais
em relação ao advérbio. Após a apresentação de conceitos e definições dos expostos autores,
escolhemos alguns aspectos importantes, apresentados sistematicamente a seguir:
 Almeida (1998) considera concisamente o advérbio em três aspectos, quanto à
circunstância, à função e à forma.
 Bechara (2009) trata do advérbio, que pertence à morfologia, e do adjunto adverbial,
que pertence à sintaxe. Esse autor declara que o advérbio, pela sua origem e
significação, se prende a nomes e pronomes, havendo assim advérbios nominais e
pronominais. Dentre os nominais encontra-se os formados de adjetivos acrescidos do
sufixo –mente, como: rapidamente e pessimamente. E os pronominais que são
formados por pronomes demonstrativos, relativos, indefinidos e interrogativos.
19
 Cunha & Cintra (2008) abordaram a colocação dos advérbios em suas variadas
funções, seja modificando o verbo, o adjetivo, o próprio advérbio ou, até mesmo, todo
o enunciado.
 A discussão apresentada por Almeida (1998) foi mais concisa e considerou o advérbio
em três aspectos. Cunha & Cintra (2008) afirmaram que o advérbio é,
fundamentalmente, um modificador do verbo e também menciona sobre a locução
adverbial, que é o conjunto de duas ou mais palavras que funciona como advérbio.
Bechara (2009), por sua vez, declara que o advérbio é a expressão modificadora que
por si só denota uma circunstância. Ele também comenta dos advérbios de modo
terminados em –mente formados, originalmente, por adjetivos femininos.
20
CAPÍTULO 2
ASPECTOS MORFOSSINTÁTICOS E SEMÂNTICOS DOS ADVÉRBIOS
Este segundo capítulo abordará os pontos de vista de autores sobre a definição,
caracterização e a função dos advérbios em suas várias performances. Para tal, serão
apresentados os argumentos de autores, como: Câmara Jr. (1970), Bomfim (1988), Luft
(1996), Almeida (1998), Macambira (1999), Perini (1999), Neves (2000), Celso & Cunha
(2008), Teixeira (2008), Bechara (2009) e Bagno (2011).
2.1 Conceituação do advérbio
Chegar a um conceito absoluto do que vem a ser o advérbio não é uma tarefa simples,
pois há ainda muitas divergências entre os gramáticos sobre a função total do advérbio no
português do Brasil, porém muitos estudos estão sendo realizados para tal. As gramáticas
normativas dão a impressão de que o advérbio é uma classe de palavras homogênea, ou seja, é
invariável, pode modificar o verbo, um adjetivo, outro advérbio ou todo o enunciado e
expressa circunstâncias, como afirma Bomfim (1988).
Para a referida autora, as gramáticas tradicionais não conseguem sustentar seu
conceito de advérbio em todas as circunstâncias em que esse se apresenta. Por exemplo,
Bomfim não considera os advérbios de afirmação, negação e dúvida como expressões de
circunstâncias, eles apenas expressam uma opinião do locutor ou sua dúvida sobre o
enunciado. Os advérbios mais legítimos para essa autora são os de modo, pois esses
qualificam o verbo, sendo assim, realmente expressariam a circunstância do enunciado. Assim
como relata Cunha (1972, p. 499, apud Bomfim, 1988, p.5) ao afirma que os “advérbios são
palavras que se juntam a verbos, para exprimir circunstâncias em que se desenvolve o
processo verbal, e a adjetivos, para intensificar uma qualidade”.
Perini (1999) não chega a definir advérbio, mas também menciona a definição
tradicional, que afirma que o advérbio “modifica” determinadas classes (entre as quais o
próprio advérbio). Segundo suas próprias palavras, “o fato de estar em construção com o
verbo, ou com o adjetivo etc. não pode ser utilizado como critério definitório de nenhuma
classe” (PERINI, 1999, p. 342). Sendo assim, Perini acredita que a definição de advérbio
deverá ser formulada em termos de funções.
Conforme Teixeira (2008), o advérbio é uma classe gramatical ainda muito incerta,
pois a definição tradicional de advérbio não é sustentada em situações diversas que essa classe
21
de palavras aparece. Segundo ela, trata-se de uma categoria de palavras que resiste a uma
caracterização precisa, seja do ponto de vista do conteúdo, seja do ponto de vista da forma – o
que é reconhecido igualmente por gramáticos e linguistas. Com a tentativa de desmistificar o
campo diversificado e, muitas vezes, inexplicável, que é o advérbio, a citada autora explora
esse campo por meio do aspecto semântico, em que o advérbio depende, em grande parte, dos
tipos de circunstâncias a que essa classe pode associar-se. Para tal, Teixeira se utiliza de dois
meios de estudos da linguagem; uma é a gramática tradicional e a outra é a linguística de
orientação funcionalista.
A referida autora utilizou-se de seis gramáticas normativas acadêmicas, para o meio
de estudo tradicional, são elas: Macambira (2001), Cunha & Cintra (2001), Luft (2002),
Bechara (2004), Almeida (2005) e Rocha Lima (2006). E, para examinar o advérbio no
âmbito dos estudos linguísticos, foram considerados os autores Ilari et al. (1989), Ilari (2002),
Neves (2002), Bomfim (1988), Castilho e Castilho (2002) e Câmara Jr. (1986).
Em relação à análise tradicional, Teixeira (2008) observou uma concordância entre os
autores sobre a característica geral do advérbio, como um modificador de verbo. No entanto,
há algumas distinções, por exemplo, Cunha & Cintra (2008), Luft (2002) e Bechara (2009)
afirmam que o advérbio é uma palavra que modifica fundamentalmente o verbo, e a essa
função básica acrescentam outras como o de modificar o adjetivo ou o advérbio. Apenas
Cunha & Cintra (2008) e Bechara (2009) reconhecem a possibilidade de haver advérbios
modificadores de oração. Macambira (1999) comenta a possibilidade de identificar parte dos
advérbios pela presença do sufixo –mente,
e sublinha sua condição de palavras
morfologicamente invariáveis.
Macambira (1999) tenta definir o advérbio por meio de aspectos mórficos, sintáticos e
semânticos. Quanto ao aspecto mórfico: “pertence à classe do advérbio toda palavra que
termina por meio do sufixo ‘-mente’, donde resultam oposições formais com o adjetivo”.
Como, por exemplo, doce – docemente, santo - santamente e caridoso – caridosamente.
(MACAMBIRA, 1999, p. 42).
Em relação ao segundo aspecto: “pertence à classe do advérbio toda palavra invariável
que se articula com os advérbios tão, quão ou bem. Exemplo: tão depressa, quão depressa e
bem depressa (MACAMBIRA, 1999, p. 42). Quanto a esse aspecto, o autor faz uma
observação sobre os advérbios aqui, ali, acolá e outros que não se deixam anteceder por tão
nem quão, estes só são empregados no dialeto literário, como: “Ai! quão cedo fenece o
roseiral da vida...” o citado autor afirma que essa conceituação é morfossintática, porque
recorre ao termo “variável”, que diferencia o advérbio do adjetivo. Ele ainda acrescenta que:
22
“pertence à classe do advérbio toda forma invariável e livre que funcione como terceiro
elemento dentro da seguinte forma, composta de pronome subjetivo e verbo intransitivo”
(MACAMBIRA, 1999, p. 43), como em: “Eu nunca voltarei”, “Aqui nós pernoitamos”, “Ele
mora lá”.
No que tange ao aspecto semântico, pertence à classe do advérbio toda palavra que
exprime qualidade ou circunstância, por exemplo: “Eu durmo com tranquilidade”, “Eu durmo
tranquilo”, “Eu durmo tranquilamente”. Macambira não aceita essa definição, pois somente
o substantivo e o adjetivo exprimem qualidade. Sendo assim, conclui que “o advérbio é
indefinível sob o aspecto semântico, pois o fenômeno gramatical só pode ser definido em
termos linguísticos”. (MACAMBIRA, 1999, p. 43)
Para Câmara Jr. (1970), o advérbio é um nome ou um pronome exercendo uma função
modificadora. Dessa forma, o advérbio não seria uma classe de palavra e sim uma função que
determinados vocábulos (nomes ou pronomes) exercem na frase, porque, para ele, os
vocábulos se dividem em nomes, pronomes e verbos.
Assim como Câmara Jr. (1970), Luft (1996) afirma que o advérbio é uma palavra de
natureza nominal, como (depressa < de pressa; apenas < a penas) ou uma palavra de natureza
pronominal, como: aqui, aí, ali. Assim sendo, acrescentando à significação de um verbo, de
um adjetivo, de outro advérbio ou de toda uma frase.
2.2 Características morfossintáticas dos advérbios
De acordo com Neves (2000), o conceito de advérbio tem diversos pontos de partida,
um deles é o ponto de vista morfológico, segundo o qual o advérbio é uma palavra invariável.
A seguir alguns exemplos retirados da autora citada:
(40) Apesar de terem respondido que eu estava meio indisposta, papai insistiu em que
me chamassem.
(41) Entram Fernando e Vanessa de mãos dadas e muito contentes.
É interessante ponderar que há casos restritos de advérbio flexionado em gênero e
número, como afirma Neves (2000). Esses usos pertencem a um regime mais distenso e são
considerados erros pela gramática normativa, por exemplo: “É que ela tá meia doente, já não
tem vontade”. Outro caso relevante tratado por essa autora é o emprego do sufixo diminutivo
23
nos advérbios, que dá valor de intensificação e não de diminuição, como: “Agorinha mesmo”,
“O povo esquece loguinho”.
Segundo a referida autora, o advérbio também pode ser visto de um ponto de vista
sintático ou relacional. Nesse caso, o advérbio é considerado uma palavra periférica, isto é,
ele funciona como satélite de um núcleo. Neves (2000) comenta que o advérbio ou locução
adverbial pode atuar em várias partes do enunciado; sendo periférico, liga-se a um sintagma,
seja verbal, adverbial, numeral ou no discurso, mudando todo o enunciado, conforme
exemplos extraídos da própria autora:
(42) Não grita tanto homem! (verbal)
(43) Não passa tão cedo, não. Deixa chover que espanta o calor. (adverbial)
(44) O destino do Hospital do ex-IAPI também mudou, só que para pior para a
contrariedade de seus quase 1.500 habitantes. (numeral)
(45) Então, mãe, como é que foi a reunião em Palácio? (discurso)
Para Perini (1999), a noção de modificação do advérbio seria um misto de semântica e
de sintaxe. “Semanticamente, modificação significa que um advérbio teria seu significado
amalgamado ao de outro elemento, formando um todo semanticamente integrado; assim,
digamos, corremos exprime uma ação, e corremos depressa exprime a mesma ação, acrescida
de algum ingrediente de significado” (PERINI, 1999, p. 340). No entanto, para o citado autor,
essa análise ainda seria muito vaga para caracterizar o advérbio, pois se aplica a outras
classes. Assim, segundo ele, comi é uma ação, e comi uma peixada é a mesma ação, acrescida
de um ingrediente semântico que a especifica melhor.
Sintaticamente, a noção de modificação parece referir-se à ocorrência conjunta dentro
de um constituinte: o que se chama em sintaxe “estar em construção com”. Desse modo,
corremos depressa forma um constituinte (corremos está em construção com depressa).
Contudo, essa segunda observação também não basta para definir o advérbio, porque, de
acordo com Perini, é claro que comi e uma peixada também estão em construção em comi
uma peixada. Ele ainda afirma que se definíssemos o advérbio como elemento que ocorre em
construção com o verbo, uma peixada teria de ser um constituinte adverbial.
De acordo com o autor supracitado, também é de se levar em consideração casos
menos característicos, como: “Somente André percebeu a situação”. Em geral, a palavra
somente é considerada um advérbio, mas, nesse caso, ela está modificando um substantivo,
desta forma, foge à regra tradicional do advérbio modificar o verbo, o adjetivo ou o próprio
24
advérbio. Em outro caso, Perini (1999) analisa este exemplo: “Ela escreve rápido”. À primeira
vista, rápido seria um adjetivo, pois é uma característica ‘dela’ escrever, porém está
modificando um verbo. Com esses e outros exemplos, fica realmente difícil definir ou
caracterizar definitivamente o advérbio.
No mais, “estar em construção com um verbo não caracteriza um advérbio frente a um
sintagma nominal; o que os diferencia claramente são as diferentes funções que desempenham
quando estão em construção com o verbo”. (PERINI, 1999, p. 342)
Macambira (1999) também menciona casos que fogem à definição geral do advérbio
e assim como Perini (1999), afirma que o advérbio, embora excepcionalmente, pode
modificar o próprio substantivo. Como pode ser verificado com exemplos retirados do próprio
autor.
(46) Homens assim mudarão a face da terra.
(47) Só Deus é grande.
O referido autor também coloca outra situação, em que o advérbio aparece
modificando toda a oração, e não apenas esta ou aquela palavra. Vejamos, abaixo, exemplos
extraídos de Macambira (1999):
(48) Lamentavelmente não pude comparecer.
(49) Felizmente ele não morreu.
Sendo que (49) expressa uma felicidade que ele não tenha morrido e (48) expressa
pena de não ter comparecido.
O advérbio desdobra-se em preposição mais substantivo, isto é, o advérbio é um
substantivo que implicitamente contém uma preposição, como, por exemplo, docemente: com
doçura; mansamente: com mansidão; devagar: com lentidão; hoje: neste dia; algures: em
algum lugar; onde?: em que lugar; (a casa) onde: na qual casa. (MACAMBIRA, 1999, p. 85)
A invariabilidade do advérbio é um aspecto muito intrigante. A essa questão, Teixeira
(2008) traz uma discussão bem interessante:
25
(...) é o advérbio descrito como uma palavra invariável. Se a referência quanto a esse
aspecto diz respeito ao fato de que não sofre processos flexionais associados às
categorias de gênero e ao número, tudo está bem, é mesmo essa classe de palavras
invariável. Porém, a gramática normativa fala em graus do advérbio, e o grau é
tratado por ela como um tipo de flexão. Assim, o advérbio não seria invariável, pois
para sê-lo, não poderia variar em gênero, número ou grau. (TEIXEIRA, 2008, p. 27)
Bechara (2009, p. 294) afirma que “o que distingue o adjetivo do advérbio é a
variabilidade do primeiro e a invariabilidade do segundo”. Assim, segundo Teixeira (2008), o
grau não pode ser visto como flexão, mas como um processo de formação de palavras por
derivação. Vejamos alguns exemplos:
(50) João acordou cedinho.
(51) Ana canta muitíssimo bem.
Se as palavras cedinho e muitíssimo deixassem de ser vistos como flexão de grau e
fossem considerados como um processo de derivação sufixal, o advérbio poderia ser uma
classe de palavras invariável, do contrário seria variável, salvo nesse caso.
Bagno (2011) também comenta sobre a invariabilidade do advérbio. Ele, como a
maioria, menciona que os advérbios são tradicionalmente classificados como palavras
invariáveis e que não variam e gênero, número e grau e que, de fato, a maioria dos advérbios
se comporta assim. Todavia, o referido autor faz uma ressalva em afirmar que por ter uma
íntima relação com os adjetivos, alguns advérbios aceitam essas marcam formais. É o caso de
meio e todo, sendo que o primeiro habitualmente aparece no feminino meia e o segundo
soaria estranho se o aplicasse da forma normativa, como em “Marcela entrou na igreja todo
molhada”.
Ainda, segundo o autor citado, no que diz respeito ao grau, é muito comum
empregarmos advérbios no diminutivo para exprimir ênfase ou afetividade: agorinha,
cedinho, de manhãzinha, de tardezinha, à noitinha, à tardinha, depressinha, devagarinho,
loguinho, nunquinha, todinho, todinha etc.
Segundo Bomfim (1988), os advérbios de intensidade relacionam-se a adjetivos e a
advérbios para expressar grau e não para intensificá-los. Há também casos em que tais
advérbios não se relacionam a adjetivos ou advérbios de fato. Como exemplo, há as seguintes
frases: “Andou muito” e “Comeu pouco” (Bomfim, 1988, p. 7). A autora defende que “muito”
e “pouco”, nas frases anteriores, incidem sobre o resultado do processo verbal e não sobre o
verbo. Na primeira frase, “muito” refere-se ao espaço percorrido, como em: “Andou muitas
26
léguas”. Já na segunda, “pouco” refere-se ao volume do que foi comido, assim como: “Comeu
poucas frutas”. Nessas estruturas, Bomfim acredita que não há nem intensificadores nem
advérbios, mas pronomes indefinidos (Bomfim, 1988, p. 8).
As frases em que realmente o processo verbal é atingindo são: “Amou muito” e
“Trabalhou pouco”. Isso pode ser percebido comparando as frases anteriores com “Na
juventude amou muito muitas camponesas”. Dessa forma, Bomfim afirma que há dois tipos
de intensificadores: 1) os de adjetivos e advérbios; e 2) os de verbos. A autora questiona
também a classificação dos advérbios interrogativos. Segundo ela, “considerar estes
vocábulos simplesmente como advérbios de tempo, de lugar, etc. implica considerar as
interrogações indiretas como orações substantivas sem conectivos” (Bomfim, 1988, p. 14).
2.3 Subclasses dos advérbios
O advérbio, como vimos até agora, é uma classe de palavra que ainda pode ser muito
explorada, pois sua definição, encontrada nas gramáticas tradicionais, não satisfaz todos os
casos em que essa classe aparece. E sem uma definição absoluta, também não há como as
gramáticas, aqui analisadas, apresentarem as mesmas categorias tipológicas, pois a quantidade
de circunstâncias que cada advérbio apresenta pode variar de autor para autor.
Almeida (1998) e Cunha & Cintra (2008) apresentam os seguintes tipos de advérbios:
afirmação, dúvida, intensidade, lugar, modo, negação e tempo. Essas são as sete
categorizações mais comuns nas gramáticas tradicionais. Além dessas categorias, há também
os advérbios interrogativos, que são os advérbios de causa, de lugar, de modo e de tempo por
se empregarem nas interrogações diretas e indiretas, segundo Cunha & Cintra (2008, p. 557):
 De causa: por quê?
(52) Por que não vieste à festa?
Não sei por que não vieste à festa.

De lugar: onde?
(53) Onde está o livro?
Ignoro onde está o livro.
 De modo: como?
27
(54) Como vais de saúde?
Dize-me como vais de saúde.
 De tempo: quando?
(55) Quando voltas aqui?
Quero saber quando voltas aqui.
Bechara (2009), por sua vez, não insere o advérbio de afirmação em sua lista. Este
autor se diferencia dos demais por abranger mais as circunstâncias passíveis de serem
expressas por advérbios ou por locuções adverbiais, são elas: assunto, causa, companhia,
concessão, condição, conformidade, dúvida, fim, instrumento, intensidade, lugar, modo,
referência, tempo e negação.
De acordo com Bomfim (1988), nem todos os ditos advérbios, assim os são, porque
não concordam com a definição tradicional. Os advérbios de afirmação e de negação e os
advérbios de dúvida são esses que, segundo a autora, não podem ser considerados advérbios,
pois não expressam circunstância, não dizem respeito ao processo verbal nem são
intensificadores; como pode ser verificado nos exemplos a seguir:
(56) Realmente ela o ama muito. (afirmação)
(57) Provavelmente ele virá hoje. (dúvida)
(58) O médico não chegará a tempo. (negação)
Bomfim (1988) trata esses advérbios de afirmação e negação como sendo em um
enunciado uma constatação de um fato, e o advérbio de dúvida exprime a opinião do sujeito
da enunciação e não de seu processo verbal, nos três casos há um aspecto de subjetividade. Os
advérbios de intensidade relacionam-se a adjetivos ou a outros advérbios, mas nem sempre
ocorre dessa maneira, no exemplo: “Correu muito”, o advérbio não está intensificando a ação
de correr, e sim o espaço que o sujeito correu.
Com relação a intensificadores, a citada autora, apoiando-se em Silva Júnior e
Andrade (1907, p.155, apud Bomfim, 1988, p. 9), analisa de seria possível um advérbio
modificar um substantivo. Vejamos o exemplo a seguir:
28
(59) “Gonçalves Dias era verdadeiramente poeta”.
O advérbio está intensificando a palavra poeta, sendo entendido que poeta é o
conjunto de qualidades inerentes ao referente e não como substantivo, afasta a hipótese de
intensificação de substantivos. Para Bomfim, os mais legítimos representantes da classe dos
advérbios são os de modo, pois qualificam o verbo. Grande parte das palavras em –mente
relacionadas a adjetivos estão carregadas de subjetividade quer funcionem apenas como
alternativa de morfemas intensificadores, quer sejam expressando uma crítica do emissor.
Como nos exemplos a seguir retirados da autora citada:
(60) Realmente o dia está lindo.
(Opinião do emissor a respeito da declaração.)
(61) Realmente, o dia está lindo.
(Confirmação do emissor a respeito da declaração.)
Macambira (1999, p. 85) divide o advérbio em dois grupos, sendo o primeiro nominal
e o segundo pronominal. O advérbio nominal, segundo o referido autor, é aquele que se
desdobra em substantivo sem pronome:
(62) grosseiramente: com grosseria;
(63) depressa: com presteza;
(64) bem: com bondade (Tratei-te bem);
(65) mal: sem bondade (Tratei-te mal).
O advérbio pronominal é aquele que se desdobra em substantivo com pronome –
demonstrativo, indefinido, interrogativo, relativo:
(66) demonstrativo: aqui, neste lugar;
(67) indefinido: nunca, em tempo algum;
(68) interrogativo: como? de que modo?
(69) relativo: (o modo) como: pelo qual modo.
29
Outra forma mais prática para encontrar o advérbio pronominal, de acordo com o
supracitado autor, é respondendo às perguntas: Onde? Quando? Quanto?
(70) Onde moras? Moro ali.
(71) Quando voltas? Volto amanhã.
(72) Quanto demoraste? Demorei pouco.
Assim como Macambira (1999), Luft (1996) também divide o advérbio em nominal e
pronominal. Os nominais são os de lugar, de tempo, de modo, de dúvida e de afirmação. No
caso dos pronominais podem ser não-interrogativos ou interrogativos, esses se referem aos de
lugar, de tempo e de modo. Aqueles se tratam dos demonstrativos, dos relativos, dos
indefinidos e dos quantificativos.
Até então, todos os autores mencionados separaram as palavras ditas advérbios em
categorias tipológicas de acordo com as circunstâncias expressas. Bagno (2011) não apresenta
os advérbios dessa maneira, porém faz uma observação de como as palavras ditas advérbios,
assim são conhecidas, explica que é resultado de aglutinação de duas ou mais palavras que se
gramaticalizaram numa só. Para melhor entender, vejamos este quadro com alguns advérbios
extraídos do próprio autor:
Ademais (a + de + mais)
Jamais (já + mais)
Anteontem (ante + ontem)
Outrora (outra + hora)
Apenas (a + penas)
Talvez (tal + vez)
Assim (a + sim)
Todavia (toda + via)
Contudo (com + tudo)
Entretanto (entre + tanto)
Demais (de + mais)
Embora (em + boa + hora)
Bagno (2011) não concorda que os advérbios sejam palavras que modificam um
verbo, um adjetivo ou outro advérbio, como declara a norma tradicional, porque, segundo ele,
essa ideia de modificação não dá conta de todas as funções realmente exercidas pelos
advérbios. Com base nisso, o autor citado descreve três subdivisões dos advérbios mais
usadas pelos linguistas contemporâneo, conhecidas com as três grandes classes semânticas,
são elas:
30
 Os predicadores são os que dão qualidade aos elementos sobre os quais recaem,
como, por exemplo: “Maria trabalha incansavelmente”, nesse caso, há uma
transferência da qualidade semântica do advérbio incansavelmente para o verbo
trabalhar. Por isso, conforme Bagno (2011, p. 840) é comum dizer que o advérbio é
o “adjetivo do verbo”.
 Os verificadores enunciam uma avaliação dos elementos sobre os quais incidem.
Segundo o autor mencionado, um dos verificadores mais empregados é sem dúvida
o não, com o qual negamos o conteúdo ou o próprio discurso. (BAGNO, 2011, p.
840)
 Por fim, os dêiticos são os advérbios que nos remetem a situações no tempo e no
espaço, apontando para elas: “Hoje está mais quente do que ontem”, “Aqui não
pode estacionar”. (BAGNO, 2011, p. 840)
Outra questão importante que Bagno (2011) comenta é sobre o escopo dos advérbios,
ou seja, o elemento alvo que ele quer atingir. Desse modo, o autor citado afirma que existem
dois tipos de advérbios, os advérbios de constituinte, que tem como escopo um verbo, um
adjetivo ou outro advérbio. Um exemplo desse tipo de advérbio é: “É muito bonita a
namorada de Antônio”, aqui vemos que o escopo (alvo) do advérbio é o adjetivo ‘bonita’.
O segundo tipo são os advérbios de sentença, em que o escopo é a sentença inteira,
como, por exemplo: “Maria disse que realmente todos estavam a sua espera”. Percebe-se que
o advérbio destacado pode se deslocar para outras posições na sentença, ao contrário do
exemplo acima, em que o advérbio muito só pode estar na posição antes do adjetivo.
Bagno (2011) afirma que a principal diferença entre os advérbios de constituinte e os
advérbios de sentença é a sua colocação, ou seja, sua sintaxe. Segundo ele, enquanto os
advérbios de constituinte gravitam em torno do seu escopo (antes ou depois dele), os
advérbios de sentenças têm uma possibilidade muito mais ampla de movimento dentro da
sintaxe. (BAGNO, 2011, p. 840)
Com base nos dados expostos acima, propõem-se, para melhor percepção, a seguir
dois quadros tipológicos para os advérbios classificados pelos autores supracitados. Um será
com as categorias mais consensuais entre as gramáticas e a segunda com outras
categorizações ou circunstâncias apontadas por algumas.
31
Categorias consensuais
Tipologias
Exemplos
Tempo
Gosto de fazer caminhada pela manhã.
Modo
Deixou tudo às claras.
Lugar
Por aqui o caminho é mais perto.
Intensidade
Dúvida
João é muito inteligente.
Provavelmente não irei à festa.
Outras categorias (circunstâncias) apontadas
Circunstâncias
Afirmação
Exemplos
Maria realmente toca piano bem.
Negação
Não trabalhei ontem.
Assunto
Discutimos sobre política.
Causa
Morri de frio.
Companhia
Vou ao cinema com os amigos.
Concessão
Foram à praia apesar do mau tempo.
Condição
Só vai viajar se passar de ano.
Conformidade
Fim
Instrumento
Referência
Fez o vestido conforme o modelo.
Estudou para a prova.
Cortar com a faca.
“O Filho do Homem veio para procurar e
salvar o que estava perdido”. (Lc 19,10)
Por fim, nas gramáticas tradicionais, junto ao advérbio encontra-se uma observação
sobre as palavras denotativas, assim são conhecidas e rotuladas pela A Nomenclatura
Gramatical Brasileira (NGB). Essas palavras, por estarem sempre na seção dos advérbios nas
gramáticas, são, às vezes, entendidas como parte integrante dos advérbios, entretanto não são,
pois não modificam o verbo, o adjetivo e nem o próprio advérbio, segundo a gramática
32
normativa. Porventura, consideramos mencioná-las, por sempre estarem presentes quando o
assunto é advérbio.
Bechara (2009) e Celso & Cunha (2008) apresentam as palavras denotativas, sendo as
seis primeiras classificações comuns em ambos, porém Bechara (2009) acrescenta mais duas
classificações: expletivo e explicação.

Inclusão: também, até, mesmo, inclusive, etc.:
(73) Aprecio a fotografia como também a pintura.

Exclusão: apenas, salvo, senão, só, somente, etc.:
(74) Apenas um apareceu.

Designação: eis:
(75) Eis nossa casa nova.

Realce: cá, lá, é que, só, etc.:
(76) Você lá sabe o que se passou.

Retificação: aliás, ou antes, isto é, ou melhor, etc.:
(77) Ele é bom, isto é, ele é muito bom no que faz.

Situação: afinal, agora, então, mas, etc.:
(78) Afinal, o que aconteceu?

Expletivo: lá, só, ora, que:
(79) Ora vamos logo ao Shopping.

Explicação: a saber, por exemplo, isto é, etc.:
(80) Assisti a vários filmes, a saber, os românticos.
Foi possível perceber, até então, que nem todos os autores categorizam ou classificam
os advérbios da mesma forma, uns subdividem em sete classes, outros em catorze, outros
33
ainda em um, como é o caso de Bomfim (1988), que considera os advérbios de modo os
únicos legítimos da classe.
2.4 Considerações preliminares
Neste capítulo foi possível verificar as diversas facetas do advérbio, isto é, suas vastas
interpretações semânticas que ultrapassam a definição arbitrária que diz: o advérbio é aquele
que modifica o verbo, o adjetivo e o próprio advérbio. Entretanto, observou-se que o advérbio
também pode modificar ou ser representado nestas situações:
 Como modificador de substantivo;
 Como modificador de todo um período;
 Como não sendo, totalmente, uma palavra invariável;
 Os autores citados não são unânimes em relação à quantidade de categorias
adverbiais, alguns classificam o advérbio em cinco, outros em sete e até em quinze categorias
ou circunstâncias. Todavia, Bomfim (1988) declara que “os mais legítimos representantes da
classe dos advérbios são os de modo” (BOMFIM, 1988, p. 9);
 Quanto ao grau do advérbio, o sufixo diminutivo pode ser visto como uma
expressão de ênfase ou afetividade, segundo Bagno (2011); como um processo de formação
de palavras por derivação, segundo Teixeira (2008), ou ainda como um intensificador do
advérbio e não de diminuição.
34
CAPÍTULO 3
ANÁLISE DOS ADVÉRBIOS EM -MENTE NO PORTUGUÊS DO BRASIL
No presente capítulo, veremos como os advérbios em –mente se comportam nas
sentenças, se podem ter mobilidade sem interferir no sentido da oração e se mudam de função
quando colocados em diversas posições. Veremos, também, aspectos interessantes, como a
não predominância dos advérbios em –mente na categoria de modo e a origem da sua
formação.
3.1 Advérbios em –mente
Primeiramente, faz-se necessário elucidar a adição do sufixo mente nos advérbios. Por
que surgiu? Como foi esse processo? Como já foi mencionada neste trabalho, a natureza do
advérbio parte de nomes ou pronomes, porém na época da gramaticalização ocorrida em todas
as línguas românicas, poucos advérbios dessa natureza passaram às línguas românicas. Para
enriquecer essa classe de palavras, foram elaboradas algumas formações novas, como a
formação dos advérbios em –mente formados a partir dos adjetivos femininos. Bagno (2011)
relata melhor esse fenômeno:
Como o substantivo mens, mentis em latim era feminino, o adjetivo concordava com
ele, e é isso que explica por que, até hoje, quando formamos advérbios em –mente, o
adjetivo do qual eles derivam vem na forma do feminino: sabidamente,
calmamente, friamente, amargamente etc. Em textos arcaicos da língua, os dois
elementos vinham escritos separados, mas a partir do século XVI ocorreram
fundidos num só vocábulo, o que se mantém até hoje e prova a total
gramaticalização do segundo elemento que, de substantivo pleno, se tornou mero
sufixo. A partir do século XIX ocorreram formações em que o primeiro elemento é
um substantivo – diaba-mente -, mas a forma do feminino denuncia a adjetivação
prévia do substantivo. (BAGNO, 2011, p. 843)
Por essa explicação é que os advérbios terminados em –mente só podem ser derivados
por meio de adjetivos na forma feminina e assim formados são classificados como advérbios
de modo. Entretanto, há um problema levantado por Bagno (2011) sobre essa classificação.
Ele não concorda que todos os advérbios terminados em –mente sejam, exclusivamente, de
modo, porque há advérbios com essa terminação que não se enquadram nessa categorização,
como os advérbios de dúvida, de afirmação, de intensidade ou até mesmo de tempo. Vejamos
como se aplica o sufixo -mente nos advérbios citados nos exemplos abaixo:
35
(81) Provavelmente, ele não irá à festa. (dúvida)
(82) Realmente há muita poluição visual nas rodovias. (afirmação)
(83) Estou demasiadamente cansado. (intensidade)
(84) Faço exercícios físicos diariamente. (tempo)
O que se percebe nos exemplos acima é que ocorre muito mais um caráter subjetivo,
que expressa uma opinião do autor, do que uma referência ao processo verbal. Nesse caso, o
advérbio atua em toda a frase, possibilitando sua mobilidade na sentença, fato este que não se
observa em advérbios de modo, pois esses são conhecidos por qualificar, ou seja, são os
legítimos modificadores verbais, como relata o trabalho de Pottier (1968, apud Bonfim, 1988,
p. 9) ao afirmar que “os mais legítimos representantes dos advérbios são os de modo,
sustentando a teoria de que o advérbio é para o verbo o que o adjetivo é para o substantivo:
um qualificador”.
Bagno (2011) apresenta um teste com o advérbio felizmente para comprovar que nem
todos os advérbios terminados em –mente são de modo: “Felizmente parou de chover”. Neste
caso, o advérbio está mais para um caráter subjetivo, anunciando que alguém está feliz por
parar de chover do que funcionando como um qualificador ou modificador do verbo, que é a
principal característica do advérbio de modo segundo relato de Bomfim (1988). Todavia,
encontramos, nas gramáticas tradicionais, os advérbios em –mente na categoria de modo, isso
acontece por uma tradição equivocada que se fixou na língua portuguesa.
Outro aspecto interessante que Bagno (2011) descreve é a alta produtividade dos
advérbios em –mente. Segundo dados do NURC- Brasil (Norma Linguística Urbana Culta no
Brasil), eles aparecem nada menos do que 670 vezes. Desses os mais frequentes são:
Realmente
131 ocorrências
Exatamente
59 ocorrências
Normalmente
51 ocorrências
Geralmente
42 ocorrências
Principalmente
27 ocorrências
(BAGNO, 2011, p. 841)
Referindo-se a essa amostra dos advérbios mais frequentes, Bagno (2011) afirma que:
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A alta frequência desses advérbios em –mente deixa claro que eles desempenham
um papel muito mais discursivo-pragmático do que propriamente sintáticosemântico. Usamos, de fato, essas palavras, em nossas interações verbais, para
organizar o discurso, responder de modo afirmativo ao nosso interlocutor
(“exatamente”) e fazer descrições genéricas dos estados de coisas (normalmente,
geralmente, realmente, principalmente). (BAGNO, 2011, p. 841)
Com os dados e as asserções acima, nota-se que os advérbios terminados em –mente
têm uma importante representação no português do Brasil porque, conforme Bagno (2011),
esses advérbios, desempenhando um papel discursivo-pragmático, ajudam nas nossas
interações verbais, podemos, por exemplo, afirmar, intensificar ou descrever uma situação ou
pessoa para o nosso interlocutor.
3.2 Os advérbios em –mente x adjetivos
Há algum tempo vem sendo discutida a proximidade do valor do adjetivo com os
advérbios em –mente. Em alguns casos, o comportamento dessas classes gramaticais nas
sentenças se apresenta de forma muito parecida, dificultando a classificação exata do que
realmente seja um adjetivo com função de advérbio ou um advérbio com função de adjetivo.
Para tentar discutir melhor as características dessas duas classes de palavras, destacaremos
aqui alguns aspectos abordados pelos autores: Celso & Cunha (2008) e Bechara (2009).
Em uma seção da gramática de Celso & Cunha (2008) denominada “Emprego
adverbial do adjetivo”, os autores examinam os seguintes exemplos:
(81) O menino dorme tranquilo.
(82) A menina dorme tranquila.
(83) Os meninos dormem tranquilos.
(84) As meninas dormem tranquilas.
Segundos os autores, o adjetivo está em função predicativa e concorda em gênero e
número com o substantivo sujeito, porém o adjetivo está também, em todas as sentenças
acima, modificando a ação expressa pelo verbo, característica do advérbio. Entretanto,
vejamos quando se é acrescentado o sufixo –mente nessas mesmas construções:
(85) O menino dorme tranquilamente.
(86) A menina dorme tranquilamente.
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(87) Os meninos dormem tranquilamente.
(88) As meninas dormem tranquilamente.
A partir desses exemplos, os autores referidos explicam que “aqui, a forma adverbial,
invariável, impede a possibilidade de concordância, justamente o elo que prendia o adjetivo
ao sujeito, e, com isso, faz aflorar com toda nitidez o modo por que se processa a ação
indicada pelo verbo dormir”. (CELSO & CUNHA, 2008, p. 278, itálicos do autor)
A adverbialização de adjetivos é outro aspecto interessante a ser ressaltado, abordado
por Bechara (2009) e também por Celso & Cunha (2008). Esse processo de adverbialização
acontece quando o adjetivo permanece invariável, ou seja, não varia em gênero e número,
assim pode funcionar como advérbio. Vejamos exemplos extraídos de Bechara (2009, p. 294):
(89) Fala claro na hora da sua defesa.
(90) Compraram caro a fazenda.
(91) Agora estão vivendo melhor.
Segundo Bechara (2009), o critério formal de diferenciação das duas classes de
modificador (adjetivo: modificador nominal; advérbio: modificador verbal) é a variabilidade
do primeiro e a invariabilidade do segundo, como nos exemplos abaixo, retirados do próprio
autor:
(92) Eles vendem muito cara a fruta. (adjetivo)
(93) Eles vendem caro a fruta. (advérbio)
É realmente difícil determinar o que é adjetivo e o que é advérbio em certas sentenças,
encontramos muitos adjetivos com função de advérbios, são os adjetivos adverbiais, esses são
muito encontrados nas sentenças do português do Brasil. Nessas construções sentenciais
encontramos alternância de adjetivos com os advérbios em –mente.
Com base no exposto, foi possível verificar três tipos de construção relacionadas à
alternância advérbio em –mente x adjetivo: 1) em que só a forma sem –mente é permitida (cf.
94); 2) em que só a forma com –mente é permitida (cf. 95) e 3) em que as duas formas são
permitidas (cf. 96).
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(94) a. Ela canta alto.
b. *Ela canta altamente.
(95) a. *João escreveu a carta cuidadoso.
b. João escreveu a carta cuidadosamente.
(96) a. Os meus pais trabalham duro.
b. Os meus pais trabalham duramente.
Com os exemplos acima, é possível verificar a tênue diferença entre os advérbios em –
mente e os adjetivos. No dado (94a), podemos verificar que alto é um adjetivo, pois tem
forma de adjetivo, mas a função é de advérbio, porque informa o modo dela cantar. O mesmo
acontece com o (96a), a forma da palavra duro é de adjetivo, porém com função de advérbio,
pois expressa o modo dos pais trabalharem, que poderíamos afirmar que é com muito esforço.
No dado (95a), o adjetivo cuidadoso no final da sentença não é aceito, porque uma carta não
pode ter uma característica de ser cuidadosa, isso cabe somente a uma pessoa, no caso João.
Como a intenção é informar o modo pelo qual a carta foi escrita, a única categoria adequada
para essa finalidade é o advérbio de modo com a terminação em –mente.
3.3 A posição dos advérbios de modo na estrutura sentencial
Como vimos até agora, o advérbio é um campo ainda a ser muito explorado.
Analisaremos aqui como os advérbios de modo se comportam sintaticamente em diferentes
estruturas sentenciais. Será que os advérbios de modo terminados em –mente apresentam a
mesma função e significação estando em posições diferentes nas sentenças? Vejamos os
seguintes exemplos:
(97) Aparentemente, parecia uma pessoa boa.
(98) Parecia uma pessoa boa aparentemente.
(99) Parecia, aparentemente, uma pessoa boa.
Semanticamente o advérbio aparentemente remete a três situações: (97) apresenta-se
como opinião do autor, do que ele acreditou ser a pessoa, (98) a impressão é de que a
aparência da pessoa era boa e (99) que, à primeira vista, parecia uma pessoa boa. Podemos
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dizer que, nessas situações, o advérbio em destaque é um advérbio de sentença, como já
mencionado no capítulo anterior, pois, além da mobilidade, o escopo recai sobre toda a
sentença. Entretanto, percebe-se que a cada posição que o advérbio se encontra dá um sentido
novo para o enunciado.
Vejamos agora se outros advérbios se comportam da mesma maneira do que o
primeiro citado acima. Considere o advérbio inexplicavelmente:
(100) Ele sumiu inexplicavelmente.
(101) Inexplicavelmente, ele sumiu.
(102) Ele, inexplicavelmente, sumiu.
O exemplo (100) remete que ele sumiu sem dar explicações, (101) que ele não tinha
razões, motivos para sumir e (102) que ninguém sabe de seu paradeiro. Nota-se aqui a
flutuação do advérbio na sentença, em que, a cada posição, elucida situações diversas, assim
como o exemplo como nas situações anteriores com o advérbio aparentemente.
E com o advérbio delongadamente, será que o mesmo ocorre?
(103) Tive que falar delongadamente com a professora.
(104)?Delongadamente, tive que falar com a professora.
(105) Tive que falar com a professora delongadamente.
O exemplo (104) parecer ser marginal, ou seja, causa maior estranheza aos falantes,
talvez porque não esteja qualificando ou modificando nenhuma das classes de palavras
inseridas na sentença. Nos dois outros exemplos delongadamente tem o mesmo sentido, de
que falou com a professora com demora, com um tempo muito longo.
(106) Ela falou ininterruptamente.
(107)?Ininterruptamente, ela falou.
(108) Ela, ininterruptamente, falou.
Percebe-se que o dado (107) também parece não ser tão usual. No entanto, (106) o
sentido previsto é que ela falou sem interrupções, sem pausas; a estrutura (108) produz uma
opinião de alguém que não gostou do “falatório” dela.
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(109) Possivelmente não irei à festa.
(110) Não irei à festa possivelmente.
(111) Não irei, possivelmente, à festa.
Nos dados acima, nota-se a flutuação do advérbio possivelmente nas três sentenças,
sendo aceito tanto no começo, no meio ou no final do enunciado. Nesses casos, o
posicionamento do advérbio mantém a mesmo sentido em todas as sentenças.
(112) Normalmente, João sempre comparece.
(113) João, normalmente, sempre comparece.
(114)?João sempre comparece normalmente.
A sentença (112) é uma afirmação da assiduidade de João, (113) é a opinião de alguém
sobre a assiduidade de João e o dado (114) não é tão usual aos falantes. Observa-se que a
posição da palavra normalmente é mais aceita ou usual quando está próxima do sujeito, seja
aparecendo antes do sujeito como em (112) ou depois do sujeito como em (113).
Com base nas análises dos advérbios de modo, mais especificadamente, os terminados
em –mente citados acima, foi possível perceber a facilidade de flutuação desses advérbios
nas sentenças propostas. Todavia, essa flutuação não é, em alguns casos, bem aceita, pois
pode causar estranheza para alguns falantes, como em (104), mas, na maioria dos exemplos,
vimos que é possível diversificar a posição do advérbio na sentença. Em alguns casos, como
nos (109, 110 e 111) as posições do advérbio na estrutura sentencial mantém o mesmo sentido
nos três exemplos. Entretanto, em outros exemplos como (100, 101 e 102) a cada posição
nova do advérbio tem-se um novo sentido à sentença.
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3.4 Considerações preliminares
Com os novos dados apresentados neste capítulo, foi possível confirmar o quão o
advérbio ainda é inexplorado. A cada análise ou dado novo aqui exposto abre uma discussão
do que realmente sejam os advérbios e suas possíveis funções nas estruturas sintáticas do
português do Brasil. Faz-se importante destacar alguns dados como:
 A origem dos advérbios em –mente: No latim, o substantivo mens era feminino, logo,
assim como hoje, o adjetivo concordava com o substantivo, por isso os advérbios em
–mente derivam de adjetivos na forma feminina. Assim podemos ter sabidamente,
calmamente e friamente.
 Os advérbios em –mente são categorizados tradicionalmente nos advérbios de modo.
Entretanto, segundo Bagno (2011) nem todos os advérbios com essa terminação
podem estar nessa categoria, podem, por exemplo, também ser de categoria
afirmativa.
 Bagno (2011) descreve dois tipos de advérbios, sendo o primeiro “advérbio de
constituinte”, que tem como escopo um verbo, um adjetivo ou um outro advérbio e o
segundo é o “advérbio de sentença”, que o escopo é uma sentença inteira.
 Obervamos como os advérbios em –mente tem maior mobilidade nas sentenças, ou
seja, podem flutuar em toda estrutura sintática. Em alguns exemplos vimos que esses
advérbios podem se posicionar tanto no começo, no meio ou no fim da sentença sem
causar estranheza para o falante e nem mudar o sentido de uma para a outra, como
nos casos (109, 110 e 111). Todavia, o advérbio aparentemente, usado nos dados (97,
98 e 99) modificou o sentido de cada uma toda vez que mudou de posição.
 Por fim, posições de alguns advérbios não são tão bem aceitos, como em (104, 107 e
114) porque pode ser alheio para alguns falantes, por não ser tão usual.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta do nosso trabalho foi estender mais o conhecimento sobre o advérbio,
principalmente os de modo terminados em –mente. Foi possível constatar, por meio das
análises e afirmações dos autores aqui abordados, que a definição de advérbio imposta pelas
gramáticas tradicionais realmente não corresponde à estrutura de todas as sentenças formadas
com essa classe de palavra. Não é nosso propósito chegar a uma definição de advérbio,
porque, para tal, há muito a ser analisado e discutido ainda, e sim agregar fatos que possam
ajudar a compreender a presença do advérbio em várias formações sintáticas existente no
português do Brasil.
Primeiramente, vimos que mesmo nas gramáticas tradicionais há divergências no que
diz respeito ao advérbio. Observamos gramáticos que consideram o advérbio quanto à forma,
à função e ao sentido, também aqueles que declaram ser o advérbio, fundamentalmente, um
modificador do verbo e outros ainda afirmam que o advérbio é a expressão modificadora que
por si só denota uma circunstância.
Confirmamos
que
as
definições
e
características
do
advérbio
declaradas
tradicionalmente não são realmente absolutas, pois o advérbio também pode modificar um
substantivo ou, até mesmo, todo o enunciado. Ao contrário do que se acreditava, os advérbios
não são totalmente invariáveis e a quantidade de categorias adverbiais são diferentes para
cada autor, por exemplo, para Bomfim (1988) os mais legítimos advérbio são os de modo.
No capítulo três, analisamos os advérbio de modo, em especial os terminados em –
mente e constatamos que, pelo fato da origem latina desse sufixo acrescidos nos advérbios de
modo, há um proximidade sintática dos advérbios e dos adjetivos. Entretanto, há uma ressalva
de Bagno (2011) que não acredita que todos os advérbios com essa terminação sejam
advérbios de modo. Igualmente, faz-se necessário ressaltar que a tênue diferença entre
advérbios e adjetivos, em alguns contextos sintáticos, pode ser porque na sentença a palavra
apresenta a forma adjetival, porém apresenta função adverbial, como verificado no exemplo
(96a), esse fenômeno é chamado por alguns autores de adverbialização de adjetivos.
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Conseguimos, com as análise feitas com os advérbios em –mente, demonstrar que esse
tipo de advérbio tem maior flutuação nas sentenças. O deslocamento do advérbio pode manter
o sentido inicial da sentença ou pode mudar totalmente o foco dela, depende do escopo do
advérbio. Todavia, para alguns advérbios a flutuação não é tão livre, pois algumas posições
não são muito aceitas, por não serem muito usuais, causando estranheza para muitos falantes.
Enfim, os advérbios são ainda uma classe gramatical que precisa de mais estudos,
análises e discussões. Nosso objetivo foi colaborar para uma melhor discussão e análise do
advérbio e deixar questões em aberto para futuras pesquisas que possam nos ajudar a
compreender essa classe de palavras em todas as suas acepções.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paulo: Saraiva, 1998.
BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola
Editorial, 2011.
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Fronteira, 2009.
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CÂMARA JR, Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. 35. ed. Petrópolis:
Vozes, 1970.
CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 5. ed.
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LUFT, Celso Pedro. Moderna gramática brasileira. 13. ed. São Paulo: Globo, 1996.
MACAMBIRA, José Rebouças. A estrutura morfo-sintática do português: aplicação do
estruturalismo linguístico. 9. ed. São Paulo: Pioneira, 1999.
NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. São Paulo: UNESP,
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PERINI, Mário. Gramática descritiva do português. 4. ed. São Paulo: Ática, 1999.
TEIXEIRA, Zenaide Dias. Tipologias semânticas de advérbios: Um estudo comparativo.
Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro,
2008.
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