DOI: 10.7213/UNIVERSITAS.7498 Licenciado sob uma Licença Creative Commons A PROTEÇÃO DAS PATENTES EM UMA SOCIEDADE DE CRESCIMENTO SUSTENTÁVEL PATENT PROTECTION IN A SOCIETY OF SUSTAINABLE GROWTH ___________________________________________________________________________ Marcos da Cunha e Souza Professor universitário, pós-graduado pela Fundação Getulio Vargas e mestrando pela PUCPR. E-mail: [email protected]. RESUMO A humanidade se acostumou com a ideia de um crescimento econômico praticamente constante ao longo da história. Esse caminho, cedo ou tarde, irá encontrar obstáculos nos limitados recursos de nosso planeta. Enquanto a grande maioria dos ambientalistas milita em favor de uma economia sustentável, alguns acreditam que essa solução chegaria tarde demais. Para André Gorz, Serge Latouche e outros, a única solução seria um decrescimento econômico. O autor aproveita o panorama de um decrescimento voluntário e sustentável da economia, para examinar os efeitos da extinção das patentes em escala global. Nesse sentido, apresenta os traços gerais do que seria esse processo econômico e confronta os conceitos de crescimento e desenvolvimento. Tomando por base Amartya Sen, desmente-se a impressão segundo a qual somente haveria melhora das condições de vida em uma sociedade em crescimento. Argumenta-se que no decrescimento não seria uma bandeira contra o desenvolvimento social, mas sim contra o fútil crescimento material. Apontam-se relações entre crescimento, decrescimento e tecnologia e a importância das patentes para o crescimento econômico. Refere-se à situação dos produtos farmacêuticos no Brasil e na Índia antes da adesão ao acordo TRIPs. Palavras-chave: Patentes. Decrescimento Econômico. Sustentabilidade. Desenvolvimento. ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR 346 ABSTRACT Humanity got used to the idea of economic growth practically constant throughout history. This way, sooner or later, it will find obstacles on the limited resources of our planet. While the vast majority of environmentalists militate in favor of a sustainable economy, some believe that this solution would come too late. For André Gorz, Serge Latouche and others the only solution would be an economic degrowth. The author takes advantage of the scenario of a voluntary and sustainable degrowth of economy to examine the effects of the extinction of the patents on a global scale. In this sense he presents the general traits of what would be this economic process and confronts the concepts of growth and development. Based on Amartya Sen, the impression that only there would be improvement of the living conditions in a growing society is belied. It is argued that the decrease would not be a banner against social development, but rather against the futile material growth. Relations between growth, decline and technology and the importance of patents for economic growth are pointed out. It refers to the situation of pharmaceutical products in Brazil and in India before accession to the TRIPs agreement. Keywords: Patents. Economic Degrowth. Sustainability Development. 1 INTRODUÇÃO O homem médio ocidental formou-se dentro de uma cultura onde se aprende que taxas negativas de crescimento geram desemprego e diminuição de investimentos públicos em saúde, educação e previdência social. A humanidade tem vivido nos últimos mil anos (MARSEILLE, 2000, p. 68), um ciclo quase constante de crescimento econômico e poucos imaginam que esta tendência deva encontrar um limite, embora saibamos que muitos recursos naturais são finitos e que alguns já caminham para a exaustão. Ao longo deste artigo, usando uma metodologia descritiva, abordaremos a proposta daqueles que defendem um imediato decrescimento econômico, como única solução para minimizar a crise ambiental que se avizinha. Apresentada em linhas gerais a proposta do decrescimento examinar-se-á o foco principal do artigo, ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR 347 que tem como ponto de partida uma afirmação, muito comum entre os seus partidários, segundo a qual o decrescimento, para ser bem-sucedido, dependeria da “abolição pura e simples de todas as patentes” (LATOUCHE, 2009, p. 97). Contudo, entremeando esta discussão, é necessário referir a diferença entre desenvolvimento e crescimento econômico, para que se possa abordar com maior precisão o papel (positivo ou negativo) das patentes no processo de decrescimento. Ao final, tentaremos demonstrar que a conexão direta entre decrescimento econômico e abolição das patentes nem sempre é evidente. 2 POR QUE FALAR EM DECRESCIMENTO? A perspectiva do eterno crescimento é tentadora, dada a promessa de levar toda a humanidade a um estado de abundância material. Esta ideia, a partir da década de 40, acabou se tornando quase obsessiva, quando os minuciosos estudos de Simon Kuznets permitiram que cada Estado começasse a medir, cientificamente, o montante de seu Produto Nacional Bruto1. O nível de crescimento do PNB passou a ser um dos principais parâmetros do sucesso ou insucesso de um governo ou de um país. Mesmo com o surgimento de outros dados comparativos (como o Índice de Desenvolvimento Humano), as variações do PNB e do PIB continuam a exercer um grande efeito psicológico, como se tem confirmado após a grande recessão iniciada em 2008. A humanidade, em sua maioria, parece ter ligado o seu destino a uma lógica baseada na acumulação ilimitada, que apenas se tornaria possível na esteira do crescimento econômico constante. Sobre este aspecto, Serge Latouche (2009, p. 21) lembra a frase de Victor Lebow, analista de mercado americano que, já em 1955, apontava o caminho para se manter o estilo de vida americano: 1 ALEXANDER, Samuel. Planned economic contraction: the emerging case for degrowth, 2011, p. 5. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1941089>. Acesso em: 29 jul. 2012. ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR 348 Nossa economia, imensamente produtiva, exige que façamos do consumo nosso estilo de vida (...). Precisamos que nossos objetos se consumam, se queimem e sejam substituídos e jogados fora numa taxa continuamente crescente. Este sistema poderia ter se prolongado eternamente, submetido apenas a uma crítica de ordem moral, se nas últimas décadas a humanidade não tivesse começado a se preocupar com a degradação do meio ambiente, o dano à camada de ozônio, a exaustão de recursos naturais e o possível aquecimento de nossa atmosfera por força da emissão de gases produzidos pela ação do homem. Em 1972, um relatório do Clube de Roma, nomeado “The limits to growth” rompeu com a ideia da ausência de limites para a exploração dos recursos naturais, colidindo com a concepção de crescimento contínuo da sociedade industrial (BELLEN, 2006, p. 21). Dentre os vários debates que se seguiram, foi ganhando força a ideia de “desenvolvimento sustentável” como uma correção de curso a ser tomada em prol do planeta e da humanidade. Tal espécie de desenvolvimento foi definida em 1987, pelo Relatório Brundtland, como aquele que “atende às necessidades das gerações presentes sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem suas próprias necessidades” (BELLEN, 2006, p. 21). Contudo, para alguns estudiosos como André Gorz e Serge Latouche (2009, p. 28), o momento para se evitar o colapso da nossa sociedade, pela via do desenvolvimento sustentável, se esgotou. “Os homens já saíram da senda de um modo de civilização sustentável”. Daqui para frente, uma conta simples seria o bastante para demonstrar que a sociedade baseada no crescimento é insustentável. Afinal, se a economia mundial mantivesse uma conservadora taxa de crescimento de 3% ao ano, em um século o PIB do planeta seria multiplicado por 20 e em dois séculos por 400 (GORZ; LATOUCHE, 2009, p. 25). Poderia um desenvolvimento sustentável compensar isto, garantindo a manutenção dos recursos naturais ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR 349 necessários? Samuel Alexander (2011, p. 9), do escritório de programas ambientais da Universidade de Melbourne, pensa que não. Embora muitas economias ao redor do mundo já estejam fazendo melhor, produzindo bens de forma mais limpa e eficiente (...), o impacto ecológico global continua aumentando, porque todos os anos amplia-se a quantidade de bens sendo produzidos, trocados e consumidos, como resultado do crescimento das economias. Para os teóricos do decrescimento, o fim da era do crescimento é uma questão de tempo. Por limitações ambientais, cada vez será mais difícil manter um ritmo econômico positivo. Neste passo, para evitar um colapso, os homens precisariam fazer certas escolhas agora, de modo a iniciarmos um ciclo de contração econômica planejado. O decrescimento, entretanto, não seria um caminho a ser tomado por todas as nações, mas apenas por aquelas mais ricas e que já alcançaram um elevado nível de desenvolvimento social. Estas precisariam deixar espaço para as nações mais pobres (ALEXANDER, 2011, p. 2), onde o crescimento ainda pode trazer reflexos compensadores para o conjunto da sociedade. Neste passo, é preciso fazer uma diferença entre “crescimento” e “desenvolvimento”. Carla Rister (2007, p. 2), mencionando o pensamento de Eros Grau, leciona que: a idéia de desenvolvimento supõe dinâmicas mutações e importa em que se esteja a realizar, na sociedade por ela abrangida, um processo de mobilidade social contínuo e intermitente. O processo de desenvolvimento poderia levar a um salto, de uma estrutura social para outra, acompanhado da elevação do nível econômico e do nível cultural-intelectual comunitário. ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR 350 O crescimento, por outro lado, seria algo menos consistente, meramente quantitativo, gerando maior disponibilidade de bens e serviços, mas sem progresso estrutural ou qualitativo, como simples surto ou ciclo desprovido de estabilidade (RISTER, 2007, p. 2). Amartya Sen (2000, p. 29), Prêmio Nobel de Economia, fazendo uso dos dois termos, adverte: O crescimento econômico não deve sensatamente ser considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado, sobretudo, com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Em outro ponto, Amartya Sen (2000, p. 28) esclarece: “Uma concepção adequada de desenvolvimento deve ir muito além da acumulação de riqueza e do crescimento do Produto Nacional Bruto e de outras variáveis relacionadas à renda”. Feita esta distinção, pode-se concluir que o decrescimento não seria uma bandeira contra o desenvolvimento social, mas sim contra o crescimento material. Seria, em poucas palavras, “um recuo equilibrado da produção e do consumo que aumentaria o bem-estar humano e melhoraria as condições ecológicas”. Daí o seu projeto básico: “fazer melhor com menos”2. Os instrumentos para se chegar a tal objetivo não são muito claros e, em alguns casos, soam irrealizáveis aos ouvidos do homem médio. Serge Latouche (2007, p. 97-100), no seu “Pequeno Tratado”, cita uma longa lista, que inclui as seguintes propostas: 1) relocalizar as atividades econômicas, deslocamentos de mercadorias e pessoas; para evitar os grandes 2 SUTTER, Andrew J. Décroissance: Not “the” question of growth, but “which”, p. 3. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=1356526>. Acesso em: 31 ago. 2012. ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR 351 2) “transformar os ganhos de produtividade em redução do tempo de trabalho e em criação de empregos” (LATOUCHE, 2009, p. 98), aumentando o tempo de lazer; 3) “decretar uma moratória sobre a inovação tecnocientífica, fazer um balanço sério e reorientar a pesquisa científica e técnica em função das novas aspirações” (LATOUCHE, 2009, p. 100) como a “química verde”. 3 PARÂMETROS HISTÓRICOS PARA O DECRESCIMENTO Para aqueles que defendem a lógica do decrescimento sustentável, há que se reconhecer a falta de precedentes históricos a indicar um caminho concreto a seguir. Um caso interessante pode ser pinçado do estudo de Amartya Sen sobre a mortalidade como um indicador de sucesso ou fracasso econômico. Ele inicialmente aduz que a morte prematura é normalmente relacionada com a ideia de baixa renda. Contudo, ele adverte, “ela também reflete uma provisão inadequada de saúde pública e apoio nutricional, deficiência de previdência social e ausência de responsabilidade social e de governança cuidadosa” (SEN; KLILSBERG, 2010, p. 95). Para exemplificar esta afirmação, ele apresenta gráficos comparativos da renda per capita e do aumento da expectativa de vida nas seis primeiras décadas do século XX relativos à Inglaterra e ao País de Gales. O que curiosamente se observa é que nas décadas onde se desenrolaram as duas guerras mundiais houve uma esperada queda na renda per capita e, por outro lado, um inesperado aumento na expectativa de vida (este último em ritmo mais acelerado do que nos tempos de paz). Em outras palavras, embora as guerras tenham levado à redução de várias atividades econômicas, ainda assim as causas que levavam a uma morte prematura parecem ter se reduzido. ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR 352 O historiador Kenneth Morgan (1992, p. 562-563) parece dar uma explicação para isto, no tocante à Segunda Guerra Mundial (1939/1945) ao referir que: A guerra claramente expressou um profundo espírito de igualitarismo, de um tipo antes desconhecido na história britânica (...). As provisões médicas e alimentares oferecidas às crianças evacuadas das áreas urbanas miseráveis significaram uma considerável melhoria em seus estados físicos e psicológicos. Amartya Sen (2010, p. 105), certamente atento a estes fatos, assim explica a vitória desta época de decrescimento econômico sobre as taxas de mortalidade: Embora o suprimento total de alimentos por pessoa tenha caído durante as guerras, a incidência de subnutrição também declinou por causa do uso mais eficiente dos sistemas de distribuição públicos associados com os esforços de guerra e a distribuição mais igualitária de alimentos através dos sistemas de racionamento. Em suma, mudanças bem planejadas no ambiente social e na organização econômica podem gerar melhorias na qualidade de vida da população de um dado país, mesmo havendo redução da renda per capita. Quanto à tecnologia em uma sociedade de decrescimento, um exemplo interessante é a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.). O economista Celso Furtado (2009, p. 118), após examinar aquele momento histórico, assim concluiu: Uma economia atrofiada possui um nível técnico superior àquele que normalmente corresponderia a seu nível de renda e a sua constelação de recursos naturais. Em outras palavras, a redução da produção per capita, motivada pela desarticulação do sistema econômico, não traz consigo uma reversão às formas primitivas de produção, isto é, não implica um abandono total das técnicas mais avançadas. ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR 353 Da mesma forma, em uma sociedade que voluntariamente venha a adotar o decrescimento, a pesquisa tecnológica poderá ser reduzida, mas o nível já alcançado neste campo não irá necessariamente retroceder. 4 CRESCIMENTO E TECNOLOGIA A relação entre o crescimento econômico e o desenvolvimento tecnológico é algo difícil de refutar. Como exemplo desta relação, podemos lembrar-nos do impacto da máquina a vapor de Thomas Newcomen, usada pela primeira vez na Inglaterra em 1712. Naquele tempo, diversas minas das Ilhas Britânicas estavam desativadas, pela impossibilidade técnica de se bombear para o exterior das galerias a grande quantidade de água que aparecia a partir de certa profundidade. Não havia braços humanos que pudessem resolver este problema técnico, mas a máquina de Newcomen conseguiu. Era a semente da Revolução Industrial (KIRBY, 1990, p. 162) e de uma nova fase de desenvolvimento para a Grã-Bretanha. No dia a dia, as leis coercitivas do mercado forçam cada empreendedor a buscar avanços tecnológicos capazes de aumentar o seu lucro ou sua competitividade vis-à-vis de seus rivais (HARVEY, 1995, p. 105), gerando no plano global um ciclo de inovações, com reflexos positivos no crescimento econômico. Estudos acadêmicos realizados nos Estados Unidos demonstram que os investimentos em tecnologia e em capacitação profissional, entre 1909 e 1982, representaram o maior fator de aumento de produtividade da economia daquele país, além de redundar em uma queda de 25% das horas trabalhadas3. 3 MENELL, Peter; SCOTCHMER, Suzanne. Forthcoming Handbook of Law & Economics: Intellectual Property, University of California at Berkeley, 2005. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=741424>. Acesso em: 19 nov. 2011. ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR 354 5 EXPANSÃO E UNIFORMIZAÇÃO DAS NORMAS SOBRE PATENTES A Convenção da União de Paris (CUP) de 1883 foi um importante instrumento internacional, no sentido de uniformizar as normas sobre patentes. Contudo, com o passar do tempo, ela seria considerada tímida para proteger os interesses das grandes empresas transnacionais da segunda metade do século XX. Assim, em 1994, a Rodada Uruguai do GATT resultaria na assinatura, por dezenas de países, do acordo TRIPs (“Acordo Sobre Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio”4). Com ele, comércio internacional e patente passaria a andar de mãos dadas. Ademais, a proteção passou a abarcar praticamente “qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos”5, atingindo em cheio países como o Brasil e a Índia, que negavam até então as patentes sobre medicamentos. O acordo TRIPs trouxe ainda um maior poder de coerção. Afinal, todo país candidato a membro da Organização Mundial do Comércio deve aderir a ele sem reservas. Além disto, o TRIPs adota o mecanismo de solução de controvérsias do Acordo Geral da OMC (arts. XXII e XXIII), prevendo a possibilidade de aplicação de sanções aos infratores. Atualmente, com a recente adesão da Rússia, as principais economias do planeta estão submetidas às suas regras. 6 CRESCIMENTO E PATENTES Grande parte das empresas deixaria de investir no desenvolvimento de novas tecnologias se seus rivais pudessem, sem custo algum, sem qualquer obstáculo, se apropriar destas inovações, anulando qualquer vantagem competitiva (MENELL; SCOTCHMER, 2005, p. 3). Esta queda no investimento em pesquisas certamente teria reflexos sobre a economia. 4 5 Em inglês: Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights. Acordo TRIPs, art. 27. ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR 355 No tocante aos países em desenvolvimento, entretanto, é bastante controversa a relação entre as patentes e o desenvolvimento econômico. Para Carol Proner (2007, p. 49), o movimento rumo à CUP e ao TRIPs serviu apenas para aprofundar o processo imperialista, pelo “estabelecimento dos princípios econômicos, políticos, jurídicos e culturais que se formavam segundo consensos entre Nações”. Já para Denis Barbosa (2010, p. 7), os propósitos do TRIPs “não são, aliás, a construção de nenhum sistema jurídico, mas a derrubada da individualidade jurídica nacional”. Com efeito, a adesão do Brasil ao TRIPs trouxe um aumento dos pedidos de patentes brasileiras no exterior, como foi demonstrado por uma análise recente do INPI6. Contudo, este aumento foi pífio se comparado com os números de patentes requeridas no sistema global PCT (Patent Cooperation Treaty) pelos países desenvolvidos. A título de comparação, o Brasil requereu 572 patentes em 2011, contra 48 mil pedidos por parte dos Estados Unidos. Neste passo, é evidente que, colocadas na balança as remessas de royalties referentes às licenças de uso, este sistema não traz grandes vantagens aos países em desenvolvimento. Ainda dentro deste prisma, Pimentel e Barral (2006, p. 26) examinaram a teoria de Robert Sherwood no sentido de que “os países subdesenvolvidos devem aumentar a proteção à propriedade intelectual para obterem benefícios substanciais, como investimento, tecnologia e, em geral, um crescimento econômico do país”. De fato, um país em desenvolvimento inserido no regime do TRIPs teria, em princípio, mais condições para atrair investimentos estrangeiros relacionados à tecnologia. Afinal, os investidores procuram se instalar em países que lhes ofereçam segurança jurídica, o que tem reflexos positivos para a economia do país hospedeiro. Por outro lado, lamentam os referidos autores que “a proteção à tecnologia” não signifique “que haja sua efetiva transferência” (PIMENTEL; BARRAL, 2006, p. 26). 6 Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=612:pedidos -depatentes- brasileiros-no-exterior-crescem-17-em-2011&catid=50:slideshow&Itemid=146>. Acesso em: 29 mar. 2012. ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR 356 Há que se dizer ainda que o esforço no sentido de manter um ritmo constante de crescimento, leva a humanidade a lançar mão de tecnologias cada vez mais perigosas e moralmente discutíveis, que são colocadas à disposição do público, sem que se saiba dos seus reflexos sobre a saúde e o meio ambiente. Aliás, este é o ponto-chave da chamada “Sociedade de Risco”, descrita por Ulrich Beck (2006), dentre outros. As patentes, obviamente, auxiliam neste processo, na medida em que garantem o retorno financeiro para pesquisas extremamente custosas. 7 DECRESCIMENTO E PATENTES: UMA ANÁLISE EMPÍRICA Parece até aqui possível afirmar que as patentes teriam tido um papel muito importante no crescimento dos países desenvolvidos. Em seguida, com a abertura dos mercados e a uniformização quase global das normas sobre patentes, as empresas situadas nestes países puderam ainda se beneficiar pelo combate à pirataria, abertura de mercados protegidos, instalação de fábricas em países pobres e remessa de royalties. Por outro lado, o papel das patentes no crescimento dos países em desenvolvimento não é tão evidente, embora possa ser demonstrado em alguns setores da economia. Neste tópico, porém, examinaremos outro aspecto: como a ausência de patentes (ou a fragilidade na proteção destas) conseguiu ajudar vários países do mundo a desenvolver (ou reconstruir) seus parques industriais. Nos dias atuais, o exemplo mais famoso é o da China, que somente entrou para a OMC e aderiu ao TRIPs em 2001. Até aquela data, e mesmo depois7, o país se valeu de normas bastante frágeis na área da Propriedade Intelectual para obter 7 Para um exame sobre o tema: YU, Peter K. From Pirates to Partners (Episode Two): Protecting Intellectual Property in Post-WTO China. Michigan State University. Research Papers Series. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=578585>. Acesso em: 21 nov. 2011. ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR 357 vantagens competitivas frente às nações desenvolvidas. Como consequência, as empresas americanas deixaram de ganhar bilhões de dólares, apesar das sanções econômicas e retaliações impostas pelo governo americano contra a República Popular. Atualmente, esta estratégia começa a perder importância, visto que a China já tem condições de investir maciçamente em tecnologia, tendo formulado 16.406 pedidos de patentes no PCT, apenas em 20118. O caminho tomado pela China também foi adotado no passado por países hoje desenvolvidos. Até meados da década de 70, Itália, Espanha, Japão e Alemanha não concediam patentes para produtos farmacêuticos (IACOMINI, 2007, p. 20). No caso do Brasil, o Código de Propriedade Industrial de 1971 não reconhecia o direito de patentes de processos e produtos farmacêuticos e alimentícios, nem de produtos químicos9. Na opinião de Vanessa Iacomini (2007, p. 21) “a exclusão dessas áreas tinha motivação essencialmente política, dentro de um modelo de industrialização autárquica: a de proporcionar via apropriação de conhecimento alheio, o desenvolvimento brasileiro nesses setores tecnológicos”. Mônica Guise (in BARRAL; PIMENTEL, 2006, p. 45-56), citando dados da UNCTAD e do International Centre for Trade and Sustainable Development (ICTSD), afirma que: para aqueles países que não se desenvolveram a ponto de criar uma base tecnológica industrial forte e investir em pesquisa e desenvolvimento, a não concessão de patentes a produtos químico-farmacêuticos e medicamentos foi o que sustentou programas de saúde pública e possibilitou o acesso da população a medicamentos essenciais. 8 9 INPI. Id. Art. 9º, alíneas “b” e “c” do antigo Código de Propriedade Industrial (Lei 772/71). ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR 358 No caso do Brasil, ela prossegue, “a possibilidade de copiar medicamentos por mais de vinte anos capacitou recursos humanos e gerou tecnologia para a produção de genéricos” (GUISE, 2006, p. 56). Logo, como medida transitória, a não proteção patentária pode ser um instrumento de industrialização para alguns países. Isto, aparentemente, viria a desmentir os teóricos do decrescimento. Da mesma forma, a “abolição pura e simples de todas as patentes” (LATOUCHE, 2009, p. 97), por todos os países ao mesmo tempo, poderia levar ao aumento da produção de certos produtos e até a industrialização de certas regiões. Afinal, sem os encargos dos royalties, sem a necessidade de licenças, o consumo de muitos produtos tenderia a aumentar e muitas empresas passariam a produzir bens hoje protegidos pelas normas de Propriedade Industrial. Este possível surto de crescimento, contudo, não teria vida longa. Logo que a produção se tornasse suficiente para absorver a demanda dos novos consumidores, as regras do mercado começariam a agir e os lucros tenderiam a zero. Por outro lado, novos saltos tecnológicos seriam desestimulados pelos custos de investimento. Afinal, nos dias de hoje, “certos custos de pesquisa só se justificam considerando-se o mercado mundial” (BARBOSA, 2003, p. 7). Como exemplo, mais uma vez, temos a indústria farmacêutica, que teve que passar por grandes fusões em época recente: A justificativa das megafusões, para alguns laboratórios, está relacionada à redução dos custos e do tempo em pesquisa, conforme alega Levy, pois a média de tempo dedicada à pesquisa é de 12 anos, devido às várias fases pelas quais normalmente passam as pesquisas, a um custo médio estimado de US$ 900 milhões. Além disso, „o desenvolvimento de um novo medicamento é um projeto arriscado para qualquer empresa, uma vez que apenas três, entre cada dez novos medicamentos, recupera, durante suas vendas, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento‟. (BENETTI in BARRAL; PIMENTEL, 2006, p. 328) ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR 359 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS De tudo o que foi visto, pode-se perceber que a mera abolição das patentes pode levar a resultados diferentes daqueles pretendidos pelos defensores do decrescimento. Principalmente se tal medida for tomada por alguns países e não por outros. A questão ambiental é hoje um dos temas mais importantes no cenário internacional e várias propostas têm surgido neste campo. Contudo, muitas das medidas defendidas pelos partidários do decrescimento somente poderiam alcançar os objetivos desejados se fossem adotadas globalmente. É o caso, justamente, das patentes. Neste sentido, deixei para o final uma referência à antiga União Soviética, que não era uma economia de mercado e onde os inventores tinham direito apenas a um certificado honorífico, sem qualquer vantagem financeira (DOMINGUES, 1980, p. 132). No entanto, aquele país lançou o primeiro satélite artificial, teve picos de acelerada industrialização e deixou um legado ruim para o meio ambiente. REFERÊNCIAS ALEXANDER, Samuel. Planned economic contraction: the emerging case for degrowth. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1941089>. Acesso em: 29 jul. 2012. 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