Relações entre efeito estufa e aquecimento global na

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Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia - PPGECT
Relações entre efeito estufa e aquecimento
global na argumentação de alunos do Ensino
Fundamental
Sarah Milani de Moraes Leandrini. Autor
Marcelo Tadeu Motokane. Autor
Resumo
O objetivo deste trabalho foi verificar como alunos de 9º ano do Ensino
Fundamental utilizam o fenômeno do efeito estufa para argumentar sobre
aquecimento global, estabelecendo relações de causa-efeito. Para isso, utilizamos
textos produzidos no âmbito de um concurso de redações cujo tema era
“Aquecimento Global: e eu com isso?” A argumentação dos textos foi analisada
utilizando o padrão de argumento de Toulmin (2006). Nossos resultados mostram
que a maioria dos alunos não utiliza o efeito estufa em suas garantias. Dentre os
que mencionam o termo, alguns somente o fazem, sem estabelecer relações
causais, enquanto outros estabelecem a relação de que o efeito estufa causa o
aquecimento global. De forma geral a relação estabelecida é bem simples, de que
gases poluentes formam uma camada que “segura o calor” do sol na atmosfera.
Palavras-chave: relação causal, garantia, texto escrito .
Abstract
Relationships between greenhouse effect and global warming in the
argumentation of students
II Simpósio Nacional de Ensino de Ciência e Tecnologia
07 a 09 de outubro de 2010
Artigo número: 141
ISSN: 2178-6135
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The purpose of this work was to examine how students of basic school
(13-15 years) use the phenomenon of the greenhouse effect to justify their claims
about global warming, establishing cause-effect relationships. To do so, we chose
texts created by the students in a composing contest which the theme was “Global
Warming: what do I have to do with?” The argumentation of the texts was
analyzed using the Toulmin’s layout of arguments (2006). Our results show that
the majority of the students do not use the greenhouse effect in their warranties.
Among those who use it, some just mention it, without establishing causal
relationships, while others establish the relation that the greenhouse effect cause
global warming. In general, the relationship established is very simple, that the
pollutant gases form a layer that “holds the heat” of the sun in the atmosphere.
Keywords: causal relations, warrant, written text.
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Introdução
Questões ambientais são assuntos frequentes em toda a sociedade. Derramamento de
petróleo, legislações sobre desmatamentos, reservas florestais, armas nucleares, aquecimento
global: todos os dias aparecem notícias nos jornais, revistas, internet, e anúncios dizendo o que se
deve ou não fazer a respeito dos problemas ambientais.
Esses tipos de questões geralmente se caracterizam por sua natureza controversa, com
debates públicos e como objeto de diferentes influências (Henao e Stipcich, 2008). Sendo assim, é
necessário que as pessoas tenham domínio do conhecimento conceitual relevante ao assunto
para tomar decisões, para pesar as vantagens e desvantagens das soluções oferecidas (JiménezAleixandre e Pereiro-Muñoz, 2002). Espera-se que a escola prepare os futuros cidadãos para
tomar decisões a respeito de temas como estes. O uso sensato do conhecimento seja ele
científico, tecnológico ou de outro tipo, possibilita que os alunos assumam sua responsabilidade
social como tomadores de decisões (Aikenhead, 1985)
No contexto do ensino de Ciências, coloca-se como propósito a formação de uma
autonomia intelectual dos alunos, a partir da qual eles utilizarão os discursos e modelos
explicativos da ciência para expressar e argumentar com suas próprias idéias (Henao e Stipcich,
2008). Neste sentido, a linguagem torna-se um aspecto fundamental no ensino, pois é por meio
do domínio da linguagem científica que os alunos aproximam-se da cultura científica, e passam a
entender melhor essa forma de construção do conhecimento (Carlsen, 2007; Driver, Newton e
Osborne, 2000).
As práticas discursivas, em especial a argumentação, são os meios pelos quais afirmações
científicas são feitas e contestadas, métodos e dados são registrados (Carlsen, 2007), evidências
são apresentadas e avaliadas, diferentes alternativas são ponderadas, textos são interpretados
(Driver et al., 2000; Kelly, Druker e Chen, 1998). Ao apreciar a argumentação como um dos
objetivos para o ensino de Ciências, estamos considerando que os alunos compreenderão alguns
aspectos das práticas e métodos da ciência, como o conhecimento é socialmente construído,
estabelecerão uma consciência da confiabilidade de diferentes fontes de informação, além de
serem capazes de justificar afirmações fundamentando-se em conhecimento científico (Driver et
al., 2000; Kelly et al., 1998).
E é nesta perspectiva, baseando-se nos processos de argumentação, que consideramos
essencial a formação de alunos críticos, que saibam tomar decisões informadas e fundamentadas,
a partir da articulação de operações epistêmicas e cognitivas (necessárias para argumentar) com
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o conhecimento de assuntos de relevância social, como, por exemplo, a avaliação dos impactos
que a ciência e a tecnologia trazem para a sociedade (Henao e Stipcich, 2008).
Neste caso, nosso foco recai sobre a argumentação dos alunos em questões ambientais,
especificamente sobre aquecimento global. Este é um dos assuntos mais discutidos atualmente, e
a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 2009) o trouxe de volta à
mídia. O ensino sobre o aquecimento global e mudanças climáticas pode oferecer diversas
contribuições aos alunos. Ao tratar das controvérsias e embates que este tema traz, como a
atribuição da causa do fenômeno às ações humanas ou a fatores naturais, eles podem
compreender a natureza do conhecimento científico, como ele é construído por meio de debates,
e como um determinado conhecimento pode levar muito tempo para ser bem estabelecido
(Driver et al., 2000).
Além disso, esses temas proporcionam um estudo da ciência por meio de suas aplicações
pessoais e sociais. E por fim, diante do quadro mundial, se faz, ou fará necessário que os cidadãos
assumam responsabilidades sobre o rumo de ações a tomar, considerando os aspectos envolvidos
nessas decisões. Desta forma, o ensino sobre essas questões na escola é importante para
preparar os alunos, provendo-os com o conhecimento científico necessário para enfrentar os
problemas que podem surgir no futuro (Boyes e Stanisstreet, 1993; Shepardson, Niyogi, Choi e
Charusombat, 2009).
Este trabalho traz os resultados parciais de um projeto maior, que investiga a
argumentação de alunos de ensino fundamental sobre aquecimento global. Nosso foco é nas
práticas discursivas dos alunos, investigando o que o discurso desses alunos nos diz sobre o seu
conhecimento, e também como eles utilizam esse conhecimento para justificar suas afirmações a
respeito do aquecimento global. Estes objetivos mais gerais foram baseados no trabalho de Kelly
et al. (1998). O nosso objetivo, específico para este trabalho, foi investigar como os alunos
utilizam o conceito de efeito estufa para argumentar sobre aquecimento global.
Metodologia
Os textos analisados neste trabalho são procedentes de um concurso de redações realizado
por uma emissora de televisão da região de Ribeirão Preto no ano de 2007, cujo tema foi
“Aquecimento Global: e eu com isso?”. Os participantes do concurso eram alunos de 9º ano do
Ensino Fundamental, tanto da rede privada como da rede pública das 68 cidades participantes, e
deveriam produzir um texto, de forma livre, respondendo à pergunta do concurso. Cada cidade
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enviou as 35 redações consideradas como as melhores por sua Secretaria Municipal de Educação
e, dentre as aproximadamente 2380 redações enviadas, a emissora escolheu dez ganhadores,
cujas redações foram transformadas em reportagens, e os alunos, os professores e as escolas
receberam prêmios.
Como orientação para a confecção das redações a emissora produziu um DVD de 12
minutos. Ela gentilmente cedeu todas as redações enviadas e o DVD; transcrevemos o conteúdo
deste para uma possível triangulação com os dados provenientes das redações. Não houve um
acompanhamento da produção dos textos, o que implica em algumas limitações nas discussões
sobre o contexto.
Para a realização deste trabalho foram selecionadas as redações das escolas pertencentes à
Diretoria de Ensino de Ribeirão Preto, que compreende as seguintes cidades: Altinópolis, Batatais,
Brodowski, Cajuru, Cássia dos Coqueiros, Cravinhos, Luís Antônio, Ribeirão Preto, Santa Cruz da
Esperança, Santa Rosa de Viterbo, Santo Antônio da Alegria, São Simão, Serra Azul e Serrana. Até
o presente momento as redações de Cássia dos Coqueiros e Ribeirão Preto foram analisadas. A
próxima etapa do trabalho é fazer a análise dos textos das outras cidades.
Como o estilo de escrita do concurso era livre, houve a necessidade de fazer uma primeira
triagem das redações, para selecionar os textos nos quais pudéssemos analisar a argumentação.
Esta triagem foi feita classificando-os segundo os aspectos tipológicos de capacidades de
linguagem. Tal classificação baseou-se na tipologia proposta por Dolz e Schneuwly (2004, p.6061), que aponta cinco aspectos tipológicos (narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações)
de acordo com a capacidade de linguagem dominante. Após essa primeira classificação, foram
selecionados os textos cujo aspecto tipológico é o argumentar.
O segundo critério de seleção foi verificar se os alunos respondiam à pergunta tema do
concurso. Selecionamos somente aquelas redações que apresentavam uma conclusão se o aluno
tinha ou não tinha algo a ver com o aquecimento global. A partir disto, analisamos a
argumentação das redações utilizando o padrão de argumento proposto por Toulmin (2006). Este
autor estabeleceu um layout dos argumentos, identificando os elementos constitutivos da
argumentação e as relações funcionais entre eles. Tais elementos são: dados, fatos usados para
dar suporte a uma afirmação; conclusão, alegação cuja credibilidade será estabelecida; garantias,
razões, regras, princípios propostos para justificar a relação entre os dados e a conclusão; apoio
das garantias, fundamentos que fornecem justificação ou autoridade para uma dada garantia;
qualificadores modais, uma referência ao grau de força que tem a conclusão; refutações,
especificam circunstâncias sob as quais a alegação não é válida.
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Ao analisar as redações dos alunos, consideramos que a conclusão era a resposta dada por
eles à questão do concurso, o que eles tem a ver com o aquecimento global. Em seguida
procuramos as premissas a partir das quais eles chegam a essa conclusão, considerando-as como
dado, e como eles fazem a relação entre dados e conclusão, ou seja, como eles justificam sua
conclusão. Neste trabalho analisamos somente o que foi considerado como garantia da redação,
por entender que é neste elemento que o aluno pode fornecer as explicações para o fenômeno e
para sua conclusão, e que as garantias tem o potencial de mostrar o entendimento do aluno
sobre o assunto.
Portanto, após a identificação dos elementos argumentativos nas redações selecionamos as
garantias apresentadas pelos alunos e investigamos como eles utilizam o conceito de efeito estufa
para argumentar sobre aquecimento global. Buscamos enfocar as relações que eles estabelecem
entre aquecimento global e efeito estufa. Para tanto, procuramos nas garantias o termo “efeito
estufa” e selecionamos a frase, ou o conjunto de frases, no qual ele estava inserido, e analisamos
se os alunos fazem alguma relação entre efeito estufa e aquecimento global, e que tipo de relação
é estabelecida entre estes dois fenômenos.
Resultados e Discussão
Das 69 redações analisadas (34 de Cássia dos Coqueiros e 35 de Ribeirão Preto) 38
apresentam o aspecto tipológico argumentar, enquanto as outras 31 estão distribuídas entre os
outros aspectos: narrar, relatar e descrever ações. Destas 38 redações, sete não foram
consideradas para análise por não apresentarem conclusão, ou seja, não responderem à questão
do concurso.
Sendo assim, ao final, examinamos a argumentação de 31 redações e identificamos os
elementos argumentativos segundo o padrão de Toulmin (2006). Ao analisar as garantias, criamos
quatro categorias que mostram se os alunos estabelecem alguma relação entre efeito estufa e
aquecimento global, e que tipo de relação é feita. Na primeira categoria os alunos não
mencionam o termo “efeito estufa” em suas redações. Na segunda eles apenas mencionam, mas
não fazem relações explícitas com o aquecimento global. Na terceira e na quarta eles
estabelecem uma relação de causa, sendo uma categoria que o efeito estufa causa um
aquecimento, enquanto na outra que o aquecimento global causa o efeito estufa.
Tabela 1 – Distribuição das redações de acordo com as relações feitas
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Efeito Estufa X Aquecimento Global
Número de redações
Não menciona Efeito Estufa
20
Menciona Efeito Estufa, sem fazer relação causal explícita
4
Efeito Estufa causa aquecimento
6
Aquecimento Global causa Efeito Estufa
1
Como a tabela mostra grande parte dos alunos não menciona o efeito estufa em suas
garantias. Em uma redação, o aluno fornece uma explicação aproximada do efeito estufa, mas
não cita o termo: “Mas o que será que está causando o aquecimento global? Os gases poluentes
emitidos pelas diversas atividades econômicas se acumulam na atmosfera e formam uma camada
que retêm os raios solares, provocando assim um significativo aumento na temperatura.”
Percebemos que o aluno estabelece uma relação entre a “camada de poluentes” e o aumento da
temperatura, mas simplesmente não menciona o efeito estufa.
Em outro caso, o aluno também cita essa camada de poluição, mas não menciona o termo:
“Ao que tudo indica, a principal causa desse fenômeno é o ser humano, que através de
desmatamentos, queimadas, utilização de combustíveis não renováveis e emissão de poluição
através de fábricas, ocasionam1 a formação de uma camada de poluição na atmosfera que retém
o calor solar.” Entretanto, na maioria dos casos, os alunos não se aproximam de explicações deste
tipo.
Podemos levantar duas hipóteses para explicar estes dados: uma é que os alunos não
reconhecem a relação existente entre aquecimento global e efeito estufa, ou seja, que o primeiro
é consequência de uma intensificação do segundo. Em uma revisão de artigos que investigam
concepções de alunos sobre aquecimento global, Shepardson et al. (2009) mostram que alguns
destes trabalhos encontraram que os alunos não sabem sobre efeito estufa ou não distinguem
este do aquecimento global. Nossa amostra pode enquadrar-se nestas condições. A segunda
hipótese é de que estes alunos podem reconhecer esta relação, mas não consideram que
mencionar o efeito estufa seja necessário, ou mesmo pertinente, para responder à questão tema
do concurso.
1
Mantivemos a redação dos textos como o original, sem fazer alterações ou correções.
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Encontramos quatro redações cujas garantias se enquadram na categoria que apenas
menciona o termo efeito estufa, sem fazer relação explícita com o aquecimento global. Um
exemplo de garantia encontrada é: “Estes gases (ozônio, gás carbônico, dióxido e monóxido de
carbono) formam uma camada de poluentes, causando o famoso efeito estufa, sem falar que o
desmatamento e queima de florestas também colaboram” (grifo do aluno). Neste caso, assim
como nos outros três textos, não é possível perceber se o aluno compreende o fenômeno, e como
ele pode resultar no aquecimento global.
Na terceira categoria enquadraram-se as redações que de alguma forma afirmam que o
efeito estufa causa um aquecimento. Esclarecemos que o termo aquecimento foi escrito com a
primeira letra minúscula propositadamente, para diferenciá-lo de Aquecimento Global, pois nas
redações os alunos não necessariamente afirmam que causa o aquecimento global, em alguns
casos falando somente de um aquecimento da temperatura. Por entender que o aquecimento
global é um fenômeno mais amplo, e que uma das suas consequências pode ser um aumento da
temperatura, sentimos necessidade de fazer esta distinção.
Dentre as seis redações classificadas nesta categoria três afirmam que o efeito estufa
regula ou aquece a temperatura da Terra, sem maiores explicações do fenômeno. “O efeito estufa
aquece aproximadamente 33°C na superfície da Terra. Esse aquecimento natural permite a
existência de água líquida na Terra.”
Em uma redação o aluno afirma que o Aquecimento Global ocorre pelo aumento de
poluentes na atmosfera, e que estes poluentes formam uma camada de difícil dispersão,
causando o “famoso efeito estufa”.
Somente em dois textos os alunos falam sobre retenção de calor ou de raios. Em uma
redação o aluno afirma que os raios são provenientes do sol: “(...) o Aquecimento Global está
ocorrendo em função do aumento de poluentes, principalmente de gases derivados da queima de
combustíveis fósseis na atmosfera. Estes gases formam uma camada de poluentes de difícil
separação, causando o famoso Efeito Estufa. Com isso os raios do sol atingem o solo e a
atmosfera, mas a camada de poluentes dificulta a separação do calor, aumentando assim o
Aquecimento Global.”
Na outra ele fala que os raios são refletidos pela superfície terrestre: “O efeito estufa é um
processo que acontece quando uma parcela de raios infra vermelhos refletidos pela superfície
terrestre é absorvida por determinados gases presentes na atmosfera. Como consequência disso,
a temperatura da terra permanece maior do que seria ausências desses gases. O efeito estufa é de
vital importância, sem ele, a vida como a conhecemos não poderia existir.”
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Apenas uma redação trouxe a relação de que o aquecimento global causa o efeito estufa:
“Com isso tudo (aquecimento global e destruição da camada de ozônio) está ocorrendo o Efeito
Estufa que é causado por dois gases poluentes: o metano e o dióxido de carbono, que são gases
muito fortes e pode infectar milhares de pessoas.” O trecho em parênteses faz parte do que foi
classificado como dado da argumentação. Neste texto é possível perceber que o aluno confundiu
diferentes problemas ambientais, como aquecimento global, destruição da camada de ozônio e
toxicidade de gases, sendo difícil fazer qualquer afirmação sobre o entendimento do aluno da
relação efeito estufa-aquecimento global.
No DVD produzido pela emissora, o efeito estufa aparece somente em duas ocasiões, na
fala do locutor. Locutor/ repórter: “O problema é que o uso de combustíveis fósseis, como a
gasolina, o óleo diesel e o carvão mineral, passou da conta, e agora a natureza e nós mesmos
começamos a pagar o preço. (Animação mostrando efeito estufa) O carbono que nós liberamos
em forma de gás carbônico não desaparece, ele se acumula na atmosfera. Junto com outros gases
formam uma espécie de manta que absorve a energia do sol e segura o calor em volta do planeta
Terra. É o chamado efeito estufa, o principal responsável pelo aquecimento global.”
Locutor/ repórter: “O ex-vice presidente americano, Al Gore, veio ao Brasil no ano passado
lançar o seu livro sobre o efeito estufa. Foram calculadas as emissões de CO 2 com as viagens de
avião e com a fabricação do livro. Seu Flávio nunca imaginou que o resultado cresceria no sítio e
faria sombra no córrego do Feijão.”
Na transcrição percebemos que o efeito estufa é tratado como uma camada de gases que
absorve energia do sol, promovendo um aumento da temperatura. E o único gás mencionado é o
gás carbônico.
Considerações
As análises feitas neste trabalho são resultados parciais de um trabalho maior, que está em
andamento. Os dados conseguidos até o momento, e apresentados aqui, são indicativos de que
este material é rico, e pode trazer ainda muitas contribuições para esta pesquisa. Com o exame
das redações de duas cidades conseguimos estabelecer quatro categorias de análises. A intenção
é investigar o material proveniente das outras cidades para verificar se estas categorias se
mantem e se encontramos outras categorias que possam explicar melhor os dados obtidos.
Nosso objetivo era investigar como os alunos utilizam o conceito de efeito estufa para
argumentar sobre o aquecimento global. Os resultados mostraram que a maior parte dos textos
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analisados não utiliza este conhecimento para justificar suas conclusões, ou apenas menciona o
termo, sem estabelecer nenhum tipo de relação.
Entretanto, sete redações estabelecem relações causais entre aquecimento global e efeito
estufa. Em uma delas, o aluno afirma que o aquecimento global causa efeito estufa. Por ter
localizado este tipo de relação somente em uma redação, na qual ele confunde vários problemas
ambientais, encontramos dificuldade em fazer maiores especulações. Talvez se, na leitura das
outras redações, essa relação também for detectada poderemos procurar elementos que
expliquem melhor o que está por trás desta conexão que o aluno fez.
Nas outras seis redações os alunos afirmam que o efeito estufa causa aquecimento,
algumas vezes especificando o aquecimento global, em outras somente mencionando um
aumento da temperatura. De forma geral a relação estabelecida é bem simples, de que os gases
formam uma camada que “segura o calor” do sol na atmosfera.
Em seu trabalho, Shepardson et al. (2009) analisaram o entendimento de alunos sobre
efeito estufa, e constataram que uma pequena porcentagem (13%) dos alunos apresenta um
entendimento mais elaborado ou científico do fenômeno, enquanto o restante se refere aos
“gases de efeito estufa” sem especificar quais são estes gases, e explica o fenômeno em termos
de ar quente ou raios solares que ficam presos na atmosfera.
Para compreender questões relacionadas ao aquecimento global e efeito estufa é
necessário que o aluno domine conceitos que estão na base da explicação destes fenômenos,
como energia, calor, radiação, absorção, equilíbrio, entre outros (Boyes e Stanisstreet, 1993).
Estes autores apontam, ainda, alguns fatores que dificultam o entendimento destas questões,
como o debate científico sobre o assunto, que envolve pontos complexos e os efeitos destes
problemas são mais difíceis de serem percebidos no nível individual, diferentemente de outros
problemas ambientais.
Trabalhos como estes ajudam a explicar os resultados encontrados na nossa amostra. O
DVD produzido pela emissora como orientação menciona pouco sobre efeito estufa. Ao observar
as garantias dos alunos, grande parte se aproxima da explicação dada por ele. No entanto, vários
alunos vão além, falando de outros gases além do gás carbônico que são responsáveis pelo efeito
estufa, e que este fenômeno é o responsável por manter a temperatura do planeta alta,
possibilitando a existência de água líquida e de vida.
Por não ter acompanhado o processo de produção das redações, assumimos o DVD como
principal material de referência na triangulação dos dados. Apesar de não ter um controle de
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quem assistiu ou não, é possível perceber que o que é veiculado no DVD aparece nas redações
dos alunos, mas que eles também trazem outros elementos que não estão presentes no DVD, que
podem vir da escola ou de outros meios nos quais estes alunos circulam.
Os textos analisados foram produzidos no contexto de um concurso de redações, e como
tal, o conhecimento científico destes alunos não era o foco de escrutínio. O que fica evidente da
nossa análise é que, para justificar a relação que eles tem com o aquecimento global, não lhes
pareceu pertinente explicitar o conhecimento que envolve a questão, ou a relação do efeito
estufa com este fenômeno.
Consideramos que, para justificar suas afirmações, os alunos devem compreender e utilizar
o conhecimento científico envolvido na questão, não só no contexto das aulas de Ciências, mas
em qualquer âmbito da sua vida. No que tange as questões ambientais, como o aquecimento
global, o entendimento das questões conceituais é fundamental para qualquer tomada de atitude
consciente (Jiménez-Aleixandre e Pereiro-Muñoz, 2002). Iniciativas como esta, um concurso com
uma abrangência tão grande, deveriam estimular o uso do conhecimento científico pelos alunos,
partindo também dos professores que orientam estas produções, mostrando que o que eles
aprendem na escola pode ser levado para outros lugares.
Referências
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2008.
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Schneuwly, B. e Dolz, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2004.
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Toulmin, S. E. Os usos do argumento. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
Sarah Milani de Moraes Leandrini: mestranda do Programa de Pós-Graduação Interunidades em
Ensino de Ciências da Universidade de São Paulo. [email protected]
Marcelo Tadeu Motokane: professor do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. [email protected]
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