IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 REFLEXÕES ACERCA DA FUNÇÃO REFERENCIAL DOS PRONOMES PESSOAIS Rosangela Jovino ALVES (UEM) Introdução As abordagens tradicionais, no que ser refere às classes de palavras, não conseguem explicar todas as especificidades destas quando se consideram seus usos na língua. Ou seja, a língua está em constante evolução e as formas linguísticas ocorrem em função da necessidade do falante e com os significados que ele emprega, o que faz com que muitas classes adquiram novos significados e funções em decorrência do uso. Com a classe dos pronomes não é diferente. Reduzida, tradicionalmente, a ser a classe que substitui um nome, a classe dos pronomes apresenta uma complexidade que vai além da foricidade. Estudos atuais têm abordado, por exemplo, os pronomes pessoais, propondo uma recategorização do quadro destes pronomes no português brasileiro. Este trabalho, por sua vez, busca apresentar as considerações acerca da função referencial dos pronomes pessoais em perspectivas gramaticais descritivas, as quais atentam para os usos que esses pronomes exercem na língua. Assim, tendo como embasamento teórico os trabalhos de Neves (2000, 2008) e Castilho (2010), busca-se evidenciar as ocorrências das funções referenciais dos pronomes pessoais em um corpus de língua falada pertencente ao Funcpar (Grupo de Estudos Funcionalistas da Região Norte/Noroeste do Paraná), o qual é constituído por entrevistas orais e aulas de graduação. 1. Os pronomes pessoais Os estudos funcionalista têm contribuído significativamente para a compreensão da língua, uma vez que consideram os usos linguísticos e os significados que as formas linguísticas assumem. Segundo Butler (2003), os estudos funcionalistas têm como principal fundamento a busca pelo significado da comunicação humana em contextos socioculturais e psicológicos. Esses estudos têm como objeto de estudo a língua como um instrumento de IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 comunicação, a qual se realiza de acordo com as mais variadas funções. Nessa perspectiva, Halliday (1994) defende que a língua é constituída de acordo com os usos que o falante faz dela e a gramática é fruto desses usos, ou seja, a gramática está relacionada a fatores socioculturais. Dessa forma, considerando a importância dos estudos funcionalistas da linguagem, vários trabalhos têm sido desenvolvidos com o objetivo de compreender o funcionamento linguísticos. Entre esses trabalhos, gramáticas como: a Gramática de Usos (Maria Helena de Moura Neves), a Gramática do Português Culto Falado no Brasil (organizada por Rodolfo Ilari e Maria Helena de Moura Neves; coordenada por Ataliba Teixeira de Castilho) e a Nova Gramática do Português Brasileiro (Ataliba Teixeira de Castilho) trazem considerações sobre a gramática funcional da língua, buscando apresentar de que maneira as formas linguísticas são organizadas no uso da língua. Essas gramáticas contribuem para a respostas de perguntas para as quais as contribuições gramaticais tradicionais não conseguiram respostas. O conhecimento do conteúdo dessas gramáticas pode auxiliar o professor de língua portuguesa a compreender a língua em seu funcionamento e a levar aos seus alunos uma reflexão sobre a língua em uso e não limitá-lo ao mero conhecimento de regras pré-estabelecidas, as quais, muitas vezes, não encontram respaldam no uso da língua. No que diz respeito às classes de palavras, muitas definições tradicionais tornaramse insuficientes para justificar os usos de certas formas linguística. E com a classe dos pronomes não é diferente. Depois de um longo percurso histórico de classificação dos pronomes, chegou-se à classificação que temos hoje, a saber: Pronomes pessoais, possessivos, demonstrativos, interrogativos, relativos, recíprocos e indefinidos. Para este trabalho interessam os pronomes pessoais. Na tradição gramatical, os pronomes pessoais são definidos como aqueles que designam, de maneira direta, uma das três pessoas do discurso, ou seja, aquela que fala, aquela para quem se fala, e aquela sobre quem se fala (SAVIOLI, 1986). Também para Rocha Lima (1972), os pronomes pessoais são palavras que representam as três pessoas do discurso, indicando-as simplesmente, sem nomeá-las. Para Bechara (2004, p. 164), por outro lado, os pronomes pessoais “designam as duas pessoas do discurso e a não-pessoa IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 (não-tu, não-eu), considerada, pela tradição, a terceira pessoa. Esses pronomes são variáveis em número, gênero (somente para a terceira pessoa), pessoa e caso, como é possível verificar na tradicional divisão desses pronomes, apresentada no quadro a seguir. Número Singular Plural Pessoa Caso reto Caso oblíquo Tônico Átono 1ª Eu Me mim, comigo 2ª Tu Te ti, contigo 3ª Ele/ela o, a lhe se, si, consigo 1ª Nós Nos conosco 2ª Vós Vos convosco 3ª Eles/elas os, as, lhes Se, si, consigo Quadro 1: Quadro tradicional dos pronomes pessoais Entretanto, esse quadro sofre alterações quando se consideram os usos dos pronomes pessoais na língua. Segundo Castilho (2010, 477), esses pronomes “são bastante suscetíveis a mudanças. Estudos recentes têm apontado para sua reorganização no PB, sobretudo em sua modalidade falada, com fortes consequências para estrutura sintática da língua”. Desse modo, o autor propõe o seguinte quadro correspondente aos pronomes pessoais do PB, em suas modalidades formal e informal: PESSOA 1ª pessoa sg. PB FORMAL Sujeito Eu 2ª pessoa sg. Tu, você, senhor, senhora 3ª pessoa sg. Ele, ela PB INFORMAL Complemento Sujeito Complemento Me, mim, Eu, a gente Eu, me, mim, comigo Prep + eu, mim o Te, ti, contigo, Você /tu Você/ te, ti, Prep a Prep + o + você senhor, com a senhora O/a, lhe, se, si, Ele/ ela Ele, ela, lhe, consigo Prep + ele, ela IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 1ª pessoa pl. Nós 2ª pessoa pl. Vós, senhores, senhoras 3ª pessoa pl. Eles, elas Nos, conosco A gente os Vos, convosco, Vocês as Prep + os senhores, as senhoras Os/as, lhes, se, Eles/ elas si, consigo E gente, Prep + a gente Vocês/ Prep + vocês Eles/eis, elas, Prep + eles, elas Quadro 2: Quadro dos pronomes pessoais do PB em suas modalidades formal e informal. Nesse quadro, é possível verificar: a inclusão da expressão a gente como referência à primeira pessoa do singular e do plural; Segundo Castilho (2010, p.478), “a antiga expressão indeterminada penetra no quadro dos pronomes pessoais, funcionando basicamente como nós, mas também como eu” a inclusão dos tradicionais pronomes de tratamento Você, o Senhor, a Senhora (e suas variantes) em referência à segunda pessoa do singular e do plural; Monteiro (1994) também insere entre os pronomes sujeito o índice de indeterminação do sujeito se. Para o autor, o se é um pronome pessoal indefinido, como outros também podem ser, pois se a expressão a gente e o pronome você em sentido generalizante ou indeterminado são classificados como pronomes sujeitos para o se também não há restrições que o desabonem em ser pronome sujeito. 2. Função dos pronomes pessoais Segundo Vilela & Koch (2001, p. 212), os pronomes encontram sua definição no discurso, apontando para pessoas, seres vivos, objetos ou estados de coisas. “Pertencem à categoria dos sinsemânticos: não nomeiam, mas estabelecem a “dêixis”, a “mostração”, a IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 “orientação”. Por força desse calor de orientação no discurso, os pronomes flexibilizam o “texto”, estabelecendo elos entre as várias partes do texto”. Em relação aos pronomes pessoais, quanto à sua função, para Neves (2008, p. 509), a propriedade mais geral desses pronomes é a de serem palavras fóricas, ou seja, “palavras que não tendo um conteúdo descritivo próprio, assumem uma referência no uso, ora retomando determinadas passagens do mesmo texto, ora apontando para elementos ou traços específicos da situação de fala.” As referências realizadas por estes pronomes podem ocorrer por anáfora (fazem referência a um elemento já apresentado no texto) ou por catáfora (fazem referência a um elemento que ainda será apresentado no texto). Segundo Neves (2000), as referências endofóricas (anáfora ou catáfora) ocorrem especialmente por pronomes de terceira pessoa. Por outro lado, as referências exofóricas, ou seja, o elemento de referência está na situação comunicativa, ocorrem por pronomes de primeira e segunda pessoa. De acordo com a autora, “é um caso raro que um pronome de terceira pessoa faça referência a alguém ou algo da situação de comunicação” (p.450). Observem-se os exemplos a seguir: - referência endofórica catafórica (eles faz referência aos cientistas da época que aparecem posteriormente no texto) 1) .. que as LARvas .. surgiam da matéria orgânica em decomposição. .. então eles diziam .. os cientistas dessa época, .. porque colocavam a carne lá, - referência endofórica anafórica (eles retoma microorganismos) 2) .. bom .. o::s microorganismos eles vêm do ar, .. eles não surgem do caldo, ... e aí eles ficam reti::dos .. na curva aqui ó .. do pescoço de cisne. .. foi essa a conclusão que ele tirou. - referência exofórica (vocês é retomado pelo contexto da enunciação) 3) .. não tem reações químicas que liberam energia? .. vocês vão ver isso em química, IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 .. elas liberam energia, Para Neves (2000), a partir de sua natureza fórica, os pronomes pessoais têm duas funções básicas: uma função interacional (representar na sentença os papéis dos discursos) e uma função textual (garantir a continuidade do texto). Para a autora, “uma das funções básicas dos pronomes pessoais é a de construir expressões referenciais que representam, na estrutura formal dos enunciados, os interlocutores que se alternam na enunciação” (p.457), ou seja, aquela de quem parte o discurso (primeira pessoa), aquela a quem se dirige o discurso (segunda pessoa) e aquela sobre a qual é discurso (terceira pessoa/não-pessoa). Dessa forma, Neves (2000) define que há dois eixos envolvidos nessa função referenciadora: um eixo subjetivo, que abriga as pessoas envolvidas (o locutor – primeira pessoa, e o receptor – segunda pessoa) e um eixo não-subjetivo, que abriga as pessoas ou coisas não implicadas na interação verbal (a terceira pessoa, também chamada não-pessoa). A definição de Neves (2000) corrobora com Benveniste (1988), para quem o pronome de terceira pessoa rompe a regularidade do sistema e se refere a objetos situados fora da enunciação, ficando somente os pronomes eu e tu como sendo pronomes referenciais. Em relação à terceira pessoa, Neves (2008,) afirma que, na categoria da não-pessoa, precisamos considerar uma nova oposição, situada na dimensão semântica, em que se distingue a não-pessoa determinada e a não-pessoa indeterminada, a qual tem às vezes uma expressão pronominal. 3. Função referencial dos pronomes pessoais Tradicionalmente, a noção de referência dos pronomes pessoais é simplificada, ou seja, eles têm a função de fazer referências à primeira, segunda ou terceira pessoa, seja em sua forma plural ou singular. Entretanto, essa noção de referência é muito mais complexa quando se consideram os usos dos pronomes pessoais no funcionamento linguístico. A primeira observação que se faz é em relação ao uso das formas você e vocês como referência à segunda pessoa do singular e do plural, respectivamente, uma vez que, apesar de fazer referência à segunda pessoa, a forma verbal que acompanha esses pronomes corresponde à terceira pessoa. Ou seja, essas formas concorrem com as formas tu e vós na IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 referência às segundas pessoas, porém levam o verbo para a terceira pessoa e não para a segunda, como é possível verificar nas ocorrências que seguem: 4) .. você .. bom você concorda com essa estrutura, .. você acha que é boa, .. assim:: se você tivesse uma outra ... uma outra maneira de fazer, .. em questão de padronizar você faria de outra manei::ra, .. o que você acha? 5) .. eu não sei se vocês tiraram xérox, .. um texto sobre terminologia, .. vocês viram lá na pasta? Outra observação sobre você diz respeito à alternância que ocorre entre formas pronominais de segunda e terceira pessoa. Segundo Neves (2000 p. 458), “ocorre frequentemente (embora mais especialmente na língua falada), que se usem formas de segunda pessoa em enunciados em que se emprega o tratamento você, de tal modo que se misturam formas de referência pessoal de segunda e terceira pessoa”. Nas ocorrências a seguir, é possível verificar a alternância dos pronomes possessivos seu e teu – sua e teu, como referência à segunda pessoa: 6) é .. não/ .. não esses 70% que são aí .. a maior parte fabricado dentro do seu organismo, .. independente daquilo que você coma, .. É do teu organismo, .. é uma disfunção do teu organismo, 7) .. cada vez fazer as coisas de uma maneira melhor .. né? .. e tem que fazer a matemática que .. como ela é, .. e não a matemática .. sua.. né, IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 .. do teu jeito ali, .. que só vale pra você .. tá? Em relação às referências feitas às pessoas do plural, é importante ressaltar que a noção de plural dos pronomes não é idêntica à dos nomes. Ou seja, para os nomes, o plural identifica a soma de dois ou mais elementos semelhantes (um menino – dois meninos/ um menino- uns meninos), porém os pronomes possuem algumas diferenças. Para Benveniste (apud Bechara, 2004, p. 164) o simples fato de que palavras diferentes sejam muito geralmente empregadas para “eu” e “nós” ( e também para “tu” e “vós”) é suficiente para excetuar os pronomes dos processos ordinários de pluralização (...). Está claro, de fato, que a unidade e a subjetividade inerente a “eu” contradizem a possibilidade de uma pluralização. Se não pode haver vários “eus” concebidos pelo próprio “eu” que fala, é porque “nós” não é uma multiplicação de objetos idênticos, mas uma junção entre o “eu” e o “não-eu”, seja qual for o conteúdo desse “não-eu. A esse respeito, Neves (2000) afirma que o plural referente à primeira pessoa sempre envolve um não-eu. Para a autora, esses pronomes a) ou representam a soma da primeira pessoa com a segunda, como em: 8) .. nós vamos ver o que é isso daqui a pouco. .. pra faciliTAR .. o es-coamento, .. e .. consequentemente retirar a do::se do medicamento. .... então nós vamos ver .. agora alguns/ algumas características fico/ físico-químicas[…] 9) .. tamBÉM coloquei lá para voCÊS ... éh:: ... desse manua::l aqui::, ... que também vocês já tiraram xérox de::le .. tá::, .. o roteiro::/ a parte de roteiro para elaboração de relatório, .. e OUTRO material que a gente vai usar aqui TAMbém que está. IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 Nesses exemplos, os pronomes nós e a expressão a gente correspondem ao professor e aos alunos, ou seja, primeira e segunda pessoas do discurso. b) ou representam a soma da primeira pessoa com a terceira, como em: 10) - bom .. a motiva/ acho que .. houve MUITAS motivações né, .. éh:: a primeira delas é que foi um trabalho de:: .. encerramento de disciplina .. no mestrado, .. e como o trabalho:: .. teve um bom resultado, .. nós eu e o professor da disciplina decidimos .. publicá-lo então. No exemplo supracitado, o pronome nós corresponde à primeira pessoa (eu) e à terceira pessoa (o professor da disciplina) c) ou representam a soma de primeira com segunda e com terceira pessoa, como em: 11) .. então tem tudo isso,.. tanto quanto/ tem substâncias/ .. tem coisa que a gente come que é .. antimutagênico, .. que protege nosso DNA, .. por exemplo .. o beta caroteno .. né, .. que nós encontramos nos .. nos .. legumes verme::lhos, Além dessas referências às pessoas e a não-pessoa do discurso, os pronomes pessoais de primeira pessoa também permitem ao falante instituir sua fala como se ela fosse de um grupo, com o qual ele se identifica. Ademais, os pronomes pessoais também permitem a referência a uma comunidade, um grupo ou a uma empresa à qual o falante se liga. Nas ocorrências de nós que seguem, os pronomes não referem-se apenas às pessoas do discurso e sim a um grupo maior. No primeiro caso, nós diz respeito à Brasil (país de que o falante faz parte); no segundo caso, nós diz respeito à brasileiros (nacionalidade a que o falante pertence, pois mora no Brasil); no terceiro caso, nós diz respeito àqueles que fazem parte da área farmacêutica (de que faz parte o professor): IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 12) .. há um tempo atrás nós produzíamos[...] .. há um tempo atrás nós produzíamos cana de açúcar com um objetivo,... gerar açúcar para a metrópole, .. gerar açúcar para .. a região da Europa. .. E HOJE PROFESSOR NÓS PRODUZIMOS CANA? 13) .. e eu acho importante a gente ... nós brasileiros conhecermos melhor um pouco a/a:: história argentina, .. que a gente conhece muito pouco ... né, 14) ... essa é a definição geral das suspensões. .. na área farmacêutica .. nós damos ênfase .. principalme::nte .. aos sólidos,.. que é a fase interna, 4. Referência Genérica Uma das funcionalidades dos pronomes pessoais em seus usos linguísticos consiste na referenciação genérica. De acordo com Lopes (2003), o plural dos pronomes pessoais pode indicar: 1) a referência a dois ou mais seres que ocupam o mesmo lugar na interlocução; 2) a referência a dois ou mais seres que ocupam posições diferentes na interlocução; e 3) uma referência indeterminada, genérica. Na tradição gramatical, os pronomes de terceira pessoa, além de funcionarem como sujeito determinado simples, em sua forma masculina plural, também têm como característica a indeterminação do sujeito por meio de uma referência genérica. Com esses pronomes, a referência genérica pode ocorrer marcada pelo pronome Eles ou sem a ocorrência do pronome, sendo caracterizada apenas pela forma verbal. Observe-se: -ocorrência do pronome eles com referência determinada 15) .. por exemplo .. a água e o óleo .. eles tendem a se separar, .. mas quando você ## você lava o copo a água? IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 - ocorrência do pronomes eles com referência genérica. É importante ressaltar que, nesse caso, a referência não pode ser retomada no contexto. 16) .. eu pensei nossa .. vamo produzir até no asfalto, .. até no concreto eles vão plantar transgênico daqui um pouco. - ocorrência de referência genérica realizada apenas pela forma verbal em terceira pessoa do plural. 17) .. então .. a gente veio de outro planeta. ... só:: que tem do/tem alguns pontos negativos nessa teoria, .. primeiro .. primeiro dizi::am que os microorganismos simplesmente caíam na Terra, […] ... não seria possível. .. aí falaram, .. NÃO .. eles vieram ju::nto com .. asteró::ides, Outra forma de construção genérica ocorre com a forma verbal de terceira pessoa singular e a partícula se, tradicional índice de indeterminação do sujeito. 18) .. e sabe-se que é importante preservar as águas, .. porque .. a água potável hoje já é um recurso considerado escasso.... então foi isso, .. foi essa motivação. Entretanto, apesar de a tradição gramatical limitar a propriedade de indeterminação aos pronomes de terceira pessoa plural e à partícula se como índice de indeterminação do sujeito, outros pronomes pessoais caracterizam referência genérica em seus usos na língua. Segundo Neves (2000), o pronomes você, embora seja forma de pessoa envolvida no discurso (segunda pessoa), pode indicar referência genérica, em que você pode ser qualquer pessoa, como é possível observar no exemplo (23) em todas as ocorrência de você não correspondem à segunda pessoa, mas sim a qualquer pessoa que vai escrever um artigo. IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 19) .. não sei .. no artigo é diferente, .. porque você normalmente vai buscar alguma coisa né, .. quando você vai ler um artigo, você vai buscar alguma coisa que complemente estudos que você tá fazen::do não é? .. então você já va::i .. procurando a informação certa, .. você não vai lendo por ler né. ... não sei. Assim como você, o pronome eu, que deveria ser fortemente determinado já que é representante da primeira pessoa do discurso, também apresenta referência genérica, porém com menos frequência que você. Uma amostra dessa possibilidade está no exemplo (24) em que eu não corresponde à primeira pessoa do singular e sim a qualquer pessoa 20) .. essas variações passam por um processo de? .. seleção,.. aí eu tenho um indivíduo que tem uma variação, .. ou um grupo de indivíduos .. que tem aquela variação .. que tá melhor adaptada àquele ambiente, .. aquele indivíduo é.. selecionado. A primeira pessoa do plural também é utilizada na indeterminação do sujeito. Porém, segundo Neves (2000, p. 465), “essa indeterminação não é total, já que na forma nós, pelo menos uma referência é determinada, porque sempre está incluído o falante (o eu)”. 21) .. quer dizer .. o enunciado .. ele direciona a uma única resposta uma única resposta considerada como A CORRETA, .. quando nós sabemos que:: que unidade de leitura é aberto, .. é amplo, IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 Nos usos linguísticos, o sintagma nominal a gente é empregado como um pronome pessoal: - para fazer referência à primeira pessoa do plural. 22) .. beleza pessoal? .. entenderam? .. amanhã a gente vai fazer exercício pra ficar claro isso também. .. tá bom? - para fazer referência genérica ... e essa coisa que eu tô dizendo aqui né::, ... que:: .. a gente oculta agora tentando manter a criança na famí::lia, ... por justamente pra .. tentar mexer um pouco com essa histó::ria do aumento de vagas pra crianças infratoras, É possível encontrar ocorrências de a gente em referência à primeira pessoa do singular, referindo-se ao indivíduo que fala. É o que acontece nos exemplos (29) e (30): 23) .. de religiã::o, .. independente de fé::, .. eu acredito em Deus, .. éh::/ só que/só para a gente comentar aqui .. tá? É possível verificar ainda uma referenciação múltipla em que há ocorrência de dois pronomes pessoais. Normalmente, essa referenciação múltipla não cria problemas para recuperação do referente em função contexto: - coocorrência de nós e a gente. Segundo Neves (2008, p. 531), apesar da correspondência entre nós e a gente na indicação da primeira pessoa do plural, um estudo feito com essas duas formas pareceu IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 “mostrar que nós constituí a escolha para uma indicação mais definida, enquanto a gente pode efetuar uma referência mais indeterminada, mesmo que essa expressão continue sendo usada, claramente, em referência à primeira pessoa”. 24) .. então como nós não temos esse item, .. a gente embute aí um resultado, .. como o relatório não é completo né, .. só pra vocês começarem a aprender, - outra coocorrência possível é a do pronome de segunda pessoa você com a expressão a gente. 25) .. se você vai fazer uma suspensão aquosa, .. e as partículas .. não .. têm uma boa molhabiliDAde com a água, .. a gente pode recorrer PO::r exemplo à glicerina […] Todas essas referências feitas pelos pronomes pessoais evidenciam a amplitude desses pronomes. Conhecer essas possibilidades contribui para facilitar a compreensão e o ensino de nossa língua. Considerações finais A partir da complexidade apresentada no que tange a característica referenciadora dos pronomes pessoais, é possível evidenciar a importância das gramáticas fundamentadas nos usos linguísticos. Muitos elementos gramaticais são simplificados na tradição gramatical, quando, na realidade, seus usos mostram uma complexidade e uma importância maior. Por meio da realização deste trabalho foi possível verificar que os pronomes pessoais não são simplesmente representantes das pessoas do discurso. Eles contribuem para as estratégias comunicativas dos falantes, pois podem constituir referência genérica, em que a referência não corresponde exatamente a uma pessoa do discurso, mas a grupos maiores ou até mesmo a uma referência incerta. IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 A recategorização do quadro dos pronomes pessoais mostrou que a língua em uso evolui, formas linguísticas assumem novos significados e enriquecem a língua. O estudo da função referencial desses pronomes evidencia a amplitude do uso de formas como você e a gente, e que, na tradição gramatical, são deixadas de lado. A realização deste trabalhou mostrou uma minúscula parcela das considerações que devem feitas em relação ao uso da língua, seja em seus aspectos gramaticais, sintáticos, morfológicos, semânticos ou discursivos. Refletir a língua em uso permite-nos compreender aos poucos sua ampla e complexa estrutura. Referências bibliográficas ANTONIO, J.D. Funcpar (Grupo de Pesquisas Funcionalistas do Norte/Noroeste do Paraná), 2009. Disponível em: http://www.dle.uem.br/funcpar. Acesso em: 22 de Outubro de 2012. BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa. 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