REFLEXÕES ACERCA DA FUNÇÃO REFERENCIAL DOS

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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação
Múltiplos Olhares
05, 06 e 07 de junho de 2013
ISSN: 1981-8211
REFLEXÕES ACERCA DA FUNÇÃO REFERENCIAL DOS PRONOMES
PESSOAIS
Rosangela Jovino ALVES (UEM)
Introdução
As abordagens tradicionais, no que ser refere às classes de palavras, não conseguem
explicar todas as especificidades destas quando se consideram seus usos na língua. Ou seja,
a língua está em constante evolução e as formas linguísticas ocorrem em função da
necessidade do falante e com os significados que ele emprega, o que faz com que muitas
classes adquiram novos significados e funções em decorrência do uso. Com a classe dos
pronomes não é diferente. Reduzida, tradicionalmente, a ser a classe que substitui um
nome, a classe dos pronomes apresenta uma complexidade que vai além da foricidade.
Estudos atuais têm abordado, por exemplo, os pronomes pessoais, propondo uma
recategorização do quadro destes pronomes no português brasileiro. Este trabalho, por sua
vez, busca apresentar as considerações acerca da função referencial dos pronomes pessoais
em perspectivas gramaticais descritivas, as quais atentam para os usos que esses pronomes
exercem na língua. Assim, tendo como embasamento teórico os trabalhos de Neves (2000,
2008) e Castilho (2010), busca-se evidenciar as ocorrências das funções referenciais dos
pronomes pessoais em um corpus de língua falada pertencente ao Funcpar (Grupo de
Estudos Funcionalistas da Região Norte/Noroeste do Paraná), o qual é constituído por
entrevistas orais e aulas de graduação.
1. Os pronomes pessoais
Os estudos funcionalista têm contribuído significativamente para a compreensão da
língua, uma vez que consideram os usos linguísticos e os significados que as formas
linguísticas assumem. Segundo Butler (2003), os estudos funcionalistas têm como principal
fundamento a busca pelo significado da comunicação humana em contextos socioculturais
e psicológicos. Esses estudos têm como objeto de estudo a língua como um instrumento de
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comunicação, a qual se realiza de acordo com as mais variadas funções. Nessa perspectiva,
Halliday (1994) defende que a língua é constituída de acordo com os usos que o falante faz
dela e a gramática é fruto desses usos, ou seja, a gramática está relacionada a fatores
socioculturais.
Dessa forma, considerando a importância dos estudos funcionalistas da linguagem,
vários trabalhos têm sido desenvolvidos com o objetivo de compreender o funcionamento
linguísticos. Entre esses trabalhos, gramáticas como: a Gramática de Usos (Maria Helena
de Moura Neves), a Gramática do Português Culto Falado no Brasil (organizada por
Rodolfo Ilari e Maria Helena de Moura Neves; coordenada por Ataliba Teixeira de
Castilho) e a Nova Gramática do Português Brasileiro (Ataliba Teixeira de Castilho)
trazem considerações sobre a gramática funcional da língua, buscando apresentar de que
maneira as formas linguísticas são organizadas no uso da língua. Essas gramáticas
contribuem para a respostas de perguntas para as quais as contribuições gramaticais
tradicionais não conseguiram respostas. O conhecimento do conteúdo dessas gramáticas
pode auxiliar o professor de língua portuguesa a compreender a língua em seu
funcionamento e a levar aos seus alunos uma reflexão sobre a língua em uso e não limitá-lo
ao mero conhecimento de regras pré-estabelecidas, as quais, muitas vezes, não encontram
respaldam no uso da língua.
No que diz respeito às classes de palavras, muitas definições tradicionais tornaramse insuficientes para justificar os usos de certas formas linguística. E com a classe dos
pronomes não é diferente. Depois de um longo percurso histórico de classificação dos
pronomes, chegou-se à classificação que temos hoje, a saber: Pronomes pessoais,
possessivos, demonstrativos, interrogativos, relativos, recíprocos e indefinidos. Para este
trabalho interessam os pronomes pessoais.
Na tradição gramatical, os pronomes pessoais são definidos como aqueles que
designam, de maneira direta, uma das três pessoas do discurso, ou seja, aquela que fala,
aquela para quem se fala, e aquela sobre quem se fala (SAVIOLI, 1986). Também para
Rocha Lima (1972), os pronomes pessoais são palavras que representam as três pessoas do
discurso, indicando-as simplesmente, sem nomeá-las. Para Bechara (2004, p. 164), por
outro lado, os pronomes pessoais “designam as duas pessoas do discurso e a não-pessoa
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(não-tu, não-eu), considerada, pela tradição, a terceira pessoa.
Esses pronomes são
variáveis em número, gênero (somente para a terceira pessoa), pessoa e caso, como é
possível verificar na tradicional divisão desses pronomes, apresentada no quadro a seguir.
Número
Singular
Plural
Pessoa
Caso reto
Caso oblíquo
Tônico
Átono
1ª
Eu
Me
mim, comigo
2ª
Tu
Te
ti, contigo
3ª
Ele/ela
o, a lhe
se, si, consigo
1ª
Nós
Nos
conosco
2ª
Vós
Vos
convosco
3ª
Eles/elas
os, as, lhes
Se, si, consigo
Quadro 1: Quadro tradicional dos pronomes pessoais
Entretanto, esse quadro sofre alterações quando se consideram os usos dos
pronomes pessoais na língua. Segundo Castilho (2010, 477), esses pronomes “são bastante
suscetíveis a mudanças. Estudos recentes têm apontado para sua reorganização no PB,
sobretudo em sua modalidade falada, com fortes consequências para estrutura sintática da
língua”. Desse modo, o autor propõe o seguinte quadro correspondente aos pronomes
pessoais do PB, em suas modalidades formal e informal:
PESSOA
1ª pessoa sg.
PB FORMAL
Sujeito
Eu
2ª pessoa sg.
Tu, você,
senhor,
senhora
3ª pessoa sg.
Ele, ela
PB INFORMAL
Complemento
Sujeito
Complemento
Me,
mim, Eu, a gente
Eu, me, mim,
comigo
Prep + eu, mim
o Te, ti, contigo, Você /tu
Você/ te, ti, Prep
a Prep
+
o
+ você
senhor, com a
senhora
O/a, lhe, se, si, Ele/ ela
Ele, ela, lhe,
consigo
Prep + ele, ela
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1ª pessoa pl.
Nós
2ª pessoa pl.
Vós,
senhores,
senhoras
3ª pessoa pl.
Eles, elas
Nos, conosco
A gente
os Vos, convosco, Vocês
as Prep
+
os
senhores,
as
senhoras
Os/as, lhes, se, Eles/ elas
si, consigo
E gente, Prep +
a gente
Vocês/ Prep +
vocês
Eles/eis, elas,
Prep + eles, elas
Quadro 2: Quadro dos pronomes pessoais do PB em suas modalidades formal e informal.
Nesse quadro, é possível verificar:

a inclusão da expressão a gente como referência à primeira pessoa do
singular e do plural;
Segundo Castilho (2010, p.478), “a antiga expressão indeterminada penetra no
quadro dos pronomes pessoais, funcionando basicamente como nós, mas também como eu”

a inclusão dos tradicionais pronomes de tratamento Você, o Senhor,
a Senhora (e suas variantes) em referência à segunda pessoa do singular e
do plural;
Monteiro (1994) também insere entre os pronomes sujeito o índice de
indeterminação do sujeito se. Para o autor, o se é um pronome pessoal indefinido, como
outros também podem ser, pois se a expressão a gente e o pronome você em sentido
generalizante ou indeterminado são classificados como pronomes sujeitos para o se também
não há restrições que o desabonem em ser pronome sujeito.
2. Função dos pronomes pessoais
Segundo Vilela & Koch (2001, p. 212), os pronomes encontram sua definição no
discurso, apontando para pessoas, seres vivos, objetos ou estados de coisas. “Pertencem à
categoria dos sinsemânticos: não nomeiam, mas estabelecem a “dêixis”, a “mostração”, a
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“orientação”. Por força desse calor de orientação no discurso, os pronomes flexibilizam o
“texto”, estabelecendo elos entre as várias partes do texto”.
Em relação aos pronomes pessoais, quanto à sua função, para Neves (2008, p. 509),
a propriedade mais geral desses pronomes é a de serem palavras fóricas, ou seja, “palavras
que não tendo um conteúdo descritivo próprio, assumem uma referência no uso, ora
retomando determinadas passagens do mesmo texto, ora apontando para elementos ou
traços específicos da situação de fala.” As referências realizadas por estes pronomes podem
ocorrer por anáfora (fazem referência a um elemento já apresentado no texto) ou por
catáfora (fazem referência a um elemento que ainda será apresentado no texto). Segundo
Neves (2000), as referências endofóricas (anáfora ou catáfora) ocorrem especialmente por
pronomes de terceira pessoa. Por outro lado, as referências exofóricas, ou seja, o elemento
de referência está na situação comunicativa, ocorrem por pronomes de primeira e segunda
pessoa. De acordo com a autora, “é um caso raro que um pronome de terceira pessoa faça
referência a alguém ou algo da situação de comunicação” (p.450).
Observem-se os exemplos a seguir:
- referência endofórica catafórica (eles faz referência aos cientistas da época que
aparecem posteriormente no texto)
1)
.. que as LARvas .. surgiam da matéria orgânica em decomposição.
.. então eles diziam .. os cientistas dessa época,
.. porque colocavam a carne lá,
- referência endofórica anafórica (eles retoma microorganismos)
2)
.. bom .. o::s microorganismos eles vêm do ar,
.. eles não surgem do caldo,
... e aí eles ficam reti::dos .. na curva aqui ó .. do pescoço de cisne.
.. foi essa a conclusão que ele tirou.
- referência exofórica (vocês é retomado pelo contexto da enunciação)
3)
.. não tem reações químicas que liberam energia?
.. vocês vão ver isso em química,
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.. elas liberam energia,
Para Neves (2000), a partir de sua natureza fórica, os pronomes pessoais têm duas
funções básicas: uma função interacional (representar na sentença os papéis dos discursos)
e uma função textual (garantir a continuidade do texto). Para a autora, “uma das funções
básicas dos pronomes pessoais é a de construir expressões referenciais que representam, na
estrutura formal dos enunciados, os interlocutores que se alternam na enunciação” (p.457),
ou seja, aquela de quem parte o discurso (primeira pessoa), aquela a quem se dirige o
discurso (segunda pessoa) e aquela sobre a qual é discurso (terceira pessoa/não-pessoa).
Dessa forma, Neves (2000) define que há dois eixos envolvidos nessa função
referenciadora: um eixo subjetivo, que abriga as pessoas envolvidas (o locutor – primeira
pessoa, e o receptor – segunda pessoa) e um eixo não-subjetivo, que abriga as pessoas ou
coisas não implicadas na interação verbal (a terceira pessoa, também chamada não-pessoa).
A definição de Neves (2000) corrobora com Benveniste (1988), para quem o pronome de
terceira pessoa rompe a regularidade do sistema e se refere a objetos situados fora da
enunciação, ficando somente os pronomes eu e tu como sendo pronomes referenciais.
Em relação à terceira pessoa, Neves (2008,) afirma que, na categoria da não-pessoa,
precisamos considerar uma nova oposição, situada na dimensão semântica, em que se
distingue a não-pessoa determinada e a não-pessoa indeterminada, a qual tem às vezes uma
expressão pronominal.
3. Função referencial dos pronomes pessoais
Tradicionalmente, a noção de referência dos pronomes pessoais é simplificada, ou
seja, eles têm a função de fazer referências à primeira, segunda ou terceira pessoa, seja em
sua forma plural ou singular. Entretanto, essa noção de referência é muito mais complexa
quando se consideram os usos dos pronomes pessoais no funcionamento linguístico. A
primeira observação que se faz é em relação ao uso das formas você e vocês como
referência à segunda pessoa do singular e do plural, respectivamente, uma vez que, apesar
de fazer referência à segunda pessoa, a forma verbal que acompanha esses pronomes
corresponde à terceira pessoa. Ou seja, essas formas concorrem com as formas tu e vós na
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referência às segundas pessoas, porém levam o verbo para a terceira pessoa e não para a
segunda, como é possível verificar nas ocorrências que seguem:
4)
.. você .. bom você concorda com essa estrutura,
.. você acha que é boa,
.. assim:: se você tivesse uma outra ... uma outra maneira de fazer,
.. em questão de padronizar você faria de outra manei::ra,
.. o que você acha?
5)
.. eu não sei se vocês tiraram xérox,
.. um texto sobre terminologia,
.. vocês viram lá na pasta?
Outra observação sobre você diz respeito à alternância que ocorre entre formas
pronominais de segunda e terceira pessoa. Segundo Neves (2000 p. 458), “ocorre
frequentemente (embora mais especialmente na língua falada), que se usem formas de
segunda pessoa em enunciados em que se emprega o tratamento você, de tal modo que se
misturam formas de referência pessoal de segunda e terceira pessoa”. Nas ocorrências a
seguir, é possível verificar a alternância dos pronomes possessivos seu e teu – sua e teu,
como referência à segunda pessoa:
6)
é .. não/ .. não esses 70% que são aí .. a maior parte fabricado dentro do
seu organismo,
.. independente daquilo que você coma,
.. É do teu organismo,
.. é uma disfunção do teu organismo,
7)
.. cada vez fazer as coisas de uma maneira melhor .. né?
.. e tem que fazer a matemática que .. como ela é,
.. e não a matemática .. sua.. né,
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.. do teu jeito ali,
.. que só vale pra você .. tá?
Em relação às referências feitas às pessoas do plural, é importante ressaltar que a
noção de plural dos pronomes não é idêntica à dos nomes. Ou seja, para os nomes, o plural
identifica a soma de dois ou mais elementos semelhantes (um menino – dois meninos/ um
menino- uns meninos), porém os pronomes possuem algumas diferenças. Para Benveniste
(apud Bechara, 2004, p. 164)
o simples fato de que palavras diferentes sejam muito geralmente
empregadas para “eu” e “nós” ( e também para “tu” e “vós”) é suficiente
para excetuar os pronomes dos processos ordinários de pluralização (...).
Está claro, de fato, que a unidade e a subjetividade inerente a “eu”
contradizem a possibilidade de uma pluralização. Se não pode haver
vários “eus” concebidos pelo próprio “eu” que fala, é porque “nós” não é
uma multiplicação de objetos idênticos, mas uma junção entre o “eu” e o
“não-eu”, seja qual for o conteúdo desse “não-eu.
A esse respeito, Neves (2000) afirma que o plural referente à primeira pessoa
sempre envolve um não-eu. Para a autora, esses pronomes
a) ou representam a soma da primeira pessoa com a segunda, como em:
8)
.. nós vamos ver o que é isso daqui a pouco.
.. pra faciliTAR .. o es-coamento,
.. e .. consequentemente retirar a do::se do medicamento.
.... então nós vamos ver .. agora alguns/ algumas características
fico/ físico-químicas[…]
9)
.. tamBÉM coloquei lá para voCÊS ... éh:: ... desse manua::l aqui::,
... que também vocês já tiraram xérox de::le .. tá::,
.. o roteiro::/ a parte de roteiro para elaboração de relatório,
.. e OUTRO material que a gente vai usar aqui TAMbém que está.
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Nesses exemplos, os pronomes nós e a expressão a gente correspondem ao
professor e aos alunos, ou seja, primeira e segunda pessoas do discurso.
b) ou representam a soma da primeira pessoa com a terceira, como em:
10) - bom .. a motiva/ acho que .. houve MUITAS motivações né,
.. éh:: a primeira delas é que foi um trabalho de:: .. encerramento de
disciplina .. no mestrado,
.. e como o trabalho:: .. teve um bom resultado,
.. nós eu e o professor da disciplina decidimos .. publicá-lo então.
No exemplo supracitado, o pronome nós corresponde à primeira pessoa (eu) e à terceira
pessoa (o professor da disciplina)
c) ou representam a soma de primeira com segunda e com terceira pessoa, como
em:
11)
.. então tem tudo isso,.. tanto quanto/ tem substâncias/ .. tem
coisa que a gente come que é ..
antimutagênico,
.. que protege nosso DNA,
.. por exemplo .. o beta caroteno .. né,
.. que nós encontramos nos .. nos .. legumes verme::lhos,
Além dessas referências às pessoas e a não-pessoa do discurso, os pronomes
pessoais de primeira pessoa também permitem ao falante instituir sua fala como se ela fosse
de um grupo, com o qual ele se identifica. Ademais, os pronomes pessoais também
permitem a referência a uma comunidade, um grupo ou a uma empresa à qual o falante se
liga. Nas ocorrências de nós que seguem, os pronomes não referem-se apenas às pessoas do
discurso e sim a um grupo maior. No primeiro caso, nós diz respeito à Brasil (país de que o
falante faz parte); no segundo caso, nós diz respeito à brasileiros (nacionalidade a que o
falante pertence, pois mora no Brasil); no terceiro caso, nós diz respeito àqueles que fazem
parte da área farmacêutica (de que faz parte o professor):
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12) .. há um tempo atrás nós produzíamos[...]
.. há um tempo atrás nós produzíamos cana de açúcar com um
objetivo,... gerar açúcar para a metrópole,
.. gerar açúcar para .. a região da Europa.
.. E HOJE PROFESSOR NÓS PRODUZIMOS CANA?
13) .. e eu acho importante a gente ... nós brasileiros conhecermos
melhor um pouco a/a:: história argentina,
.. que a gente conhece muito pouco ... né,
14) ... essa é a definição geral das suspensões.
.. na área farmacêutica .. nós damos ênfase .. principalme::nte .. aos
sólidos,.. que é a fase interna,
4. Referência Genérica
Uma das funcionalidades dos pronomes pessoais em seus usos linguísticos consiste
na referenciação genérica. De acordo com Lopes (2003), o plural dos pronomes pessoais
pode indicar: 1) a referência a dois ou mais seres que ocupam o mesmo lugar na
interlocução; 2) a referência a dois ou mais seres que ocupam posições diferentes na
interlocução; e 3) uma referência indeterminada, genérica.
Na tradição gramatical, os pronomes de terceira pessoa, além de funcionarem como
sujeito determinado simples, em sua forma masculina plural, também têm como
característica a indeterminação do sujeito por meio de uma referência genérica. Com esses
pronomes, a referência genérica pode ocorrer marcada pelo pronome Eles ou sem a
ocorrência do pronome, sendo caracterizada apenas pela forma verbal. Observe-se:
-ocorrência do pronome eles com referência determinada
15) .. por exemplo .. a água e o óleo .. eles tendem a se separar,
.. mas quando você ## você lava o copo a água?
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- ocorrência do pronomes eles com referência genérica. É importante ressaltar que,
nesse caso, a referência não pode ser retomada no contexto.
16) .. eu pensei nossa .. vamo produzir até no asfalto,
.. até no concreto eles vão plantar transgênico daqui um pouco.
- ocorrência de referência genérica realizada apenas pela forma verbal em terceira
pessoa do plural.
17) .. então .. a gente veio de outro planeta.
... só:: que tem do/tem alguns pontos negativos nessa teoria,
.. primeiro .. primeiro dizi::am que os microorganismos
simplesmente caíam na Terra, […]
... não seria possível.
.. aí falaram,
.. NÃO .. eles vieram ju::nto com .. asteró::ides,
Outra forma de construção genérica ocorre com a forma verbal de terceira pessoa
singular e a partícula se, tradicional índice de indeterminação do sujeito.
18) .. e sabe-se que é importante preservar as águas,
.. porque .. a água potável hoje já é um recurso considerado
escasso.... então foi isso,
.. foi essa motivação.
Entretanto, apesar de a tradição gramatical limitar a propriedade de indeterminação
aos pronomes de terceira pessoa plural e à partícula se como índice de indeterminação do
sujeito, outros pronomes pessoais caracterizam referência genérica em seus usos na língua.
Segundo Neves (2000), o pronomes você, embora seja forma de pessoa envolvida no
discurso (segunda pessoa), pode indicar referência genérica, em que você pode ser qualquer
pessoa, como é possível observar no exemplo (23) em todas as ocorrência de você não
correspondem à segunda pessoa, mas sim a qualquer pessoa que vai escrever um artigo.
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19) .. não sei .. no artigo é diferente,
.. porque você normalmente vai buscar alguma coisa né,
.. quando você vai ler um artigo,
você vai buscar alguma coisa que complemente estudos que você tá
fazen::do não é?
.. então você já va::i .. procurando a informação certa,
.. você não vai lendo por ler né.
... não sei.
Assim como você, o pronome eu, que deveria ser fortemente determinado já que é
representante da primeira pessoa do discurso, também apresenta referência genérica, porém
com menos frequência que você. Uma amostra dessa possibilidade está no exemplo (24) em
que eu não corresponde à primeira pessoa do singular e sim a qualquer pessoa
20) .. essas variações passam por um processo de?
.. seleção,.. aí eu tenho um indivíduo que tem uma variação,
.. ou um grupo de indivíduos .. que tem aquela variação .. que tá
melhor adaptada àquele ambiente,
.. aquele indivíduo é.. selecionado.
A primeira pessoa do plural também é utilizada na indeterminação do sujeito.
Porém, segundo Neves (2000, p. 465), “essa indeterminação não é total, já que na forma
nós, pelo menos uma referência é determinada, porque sempre está incluído o falante (o
eu)”.
21) .. quer dizer .. o enunciado .. ele direciona a uma única resposta uma
única resposta considerada como A CORRETA,
.. quando nós sabemos que:: que unidade de leitura é aberto,
.. é amplo,
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Nos usos linguísticos, o sintagma nominal a gente é empregado como um pronome
pessoal:
- para fazer referência à primeira pessoa do plural.
22) .. beleza pessoal?
.. entenderam?
.. amanhã a gente vai fazer exercício pra ficar claro isso também.
.. tá bom?
- para fazer referência genérica
... e essa coisa que eu tô dizendo aqui né::,
... que:: .. a gente oculta agora tentando manter a criança na
famí::lia,
... por justamente pra .. tentar mexer um pouco com essa histó::ria
do aumento de vagas pra crianças infratoras,
É possível encontrar ocorrências de a gente em referência à primeira pessoa do
singular, referindo-se ao indivíduo que fala. É o que acontece nos exemplos (29) e (30):
23) .. de religiã::o,
.. independente de fé::,
.. eu acredito em Deus,
.. éh::/ só que/só para a gente comentar aqui .. tá?
É possível verificar ainda uma referenciação múltipla em que há ocorrência de dois
pronomes pessoais. Normalmente, essa referenciação múltipla não cria problemas para
recuperação do referente em função contexto:
- coocorrência de nós e a gente.
Segundo Neves (2008, p. 531), apesar da correspondência entre nós e a gente na
indicação da primeira pessoa do plural, um estudo feito com essas duas formas pareceu
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“mostrar que nós constituí a escolha para uma indicação mais definida, enquanto a gente
pode efetuar uma referência mais indeterminada, mesmo que essa expressão continue sendo
usada, claramente, em referência à primeira pessoa”.
24) .. então como nós não temos esse item,
.. a gente embute aí um resultado,
.. como o relatório não é completo né,
.. só pra vocês começarem a aprender,
- outra coocorrência possível é a do pronome de segunda pessoa você com a
expressão a gente.
25) .. se você vai fazer uma suspensão aquosa,
.. e as partículas .. não .. têm uma boa molhabiliDAde com a água,
.. a gente pode recorrer PO::r exemplo à glicerina […]
Todas essas referências feitas pelos pronomes pessoais evidenciam a amplitude
desses pronomes. Conhecer essas possibilidades contribui para facilitar a compreensão e o
ensino de nossa língua.
Considerações finais
A partir da complexidade apresentada no que tange a característica referenciadora
dos pronomes pessoais, é possível evidenciar a importância das gramáticas fundamentadas
nos usos linguísticos. Muitos elementos gramaticais são simplificados na tradição
gramatical, quando, na realidade, seus usos mostram uma complexidade e uma importância
maior.
Por meio da realização deste trabalho foi possível verificar que os pronomes
pessoais não são simplesmente representantes das pessoas do discurso. Eles contribuem
para as estratégias comunicativas dos falantes, pois podem constituir referência genérica,
em que a referência não corresponde exatamente a uma pessoa do discurso, mas a grupos
maiores ou até mesmo a uma referência incerta.
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A recategorização do quadro dos pronomes pessoais mostrou que a língua em uso
evolui, formas linguísticas assumem novos significados e enriquecem a língua. O estudo da
função referencial desses pronomes evidencia a amplitude do uso de formas como você e a
gente, e que, na tradição gramatical, são deixadas de lado.
A realização deste trabalhou mostrou uma minúscula parcela das considerações que
devem feitas em relação ao uso da língua, seja em seus aspectos gramaticais, sintáticos,
morfológicos, semânticos ou discursivos. Refletir a língua em uso permite-nos
compreender aos poucos sua ampla e complexa estrutura.
Referências bibliográficas
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Paraná), 2009. Disponível em: http://www.dle.uem.br/funcpar. Acesso em: 22 de Outubro
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SAVIOLI, F. Gramática em 44 lições. 10. ed. São Paulo: Ática, 1986.
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