X SEL – Seminário de Estudos Literários UNESP – Campus de Assis ISSN: 2179-4871 www.assis.unesp.br/sel [email protected] ESPACIALIDADE E PODER: O CASO DE O CORTIÇO DE ALUISIO DE AZEVEDO Clayton Alexandre Zocarato (Especialização – UNICEP) ... a justiça às vezes é o manto da fraqueza. (Friedrich Wilhelm Nietzsche – 1890) RESUMO: O respectivo trabalho tem como objetivo uma discussão sobre a obra do escritor maranhense Aluisio de Azevedo O Cortiço, centrado em uma análise de como a obra literária contribui para uma compreensão de problemas históricos relacionados em torno do espaço urbano e á falta de um gerenciamento estatal durante o século XIX, tendo como cenário o Rio de Janeiro, evidenciando lacunas em propiciar uma urbanização que abrangesse todos os setores da sociedade. Usando conceitos metodológicos diversificados, entre sociólogos e historiadores procuraremos abordar como o Brasil constituiu uma “cidade” elitista e discriminatória favorecendo as elites agrárias e industriais, com uma arquitetura planejada dentro de um sistema capitalista, contando com uma política incipiente, beneficiando somente uma pequena parcela de privilegiados. Em contrapartida , a maioria da população vivia em condições de penúria quase que completa, sofrendo com o descaso das autoridades e com falta de um plano habitacional consistente que lhe oferecesse um viés de sociabilidade decente e segura. PALAVRAS-CHAVE. Habitação, espaço, literatura, história, geografia, capitalismo. A obra de Aluísio de Azevedo O Cortiço tem como um de seus principais artifícios, a retratação do precário estado social e econômico em que se encontrava a população que vivia periferia do Rio de Janeiro em meados do século XIX durante Primeira República, (mais precisamente ele foi lançado em 1890), vindo a servir de fonte documental e histórica para uma comparação da conjectura populacional e espacial a qual estava assentada uma boa parcela dos habitantes dos grandes “formigueiros humanos” que já estavam em franco limiar de crescimento. O seu conteúdo literário visa à descrição de personagens que em comparação com atual quadro sócio-político-econômico brasileiro, são arremetidos a um feixe de partículas de estruturas literárias enfocados em uma realidade social sistêmica como alardes contundentes de discriminação étnica e social, nesse caso tendo como base a figura de João Romão e os moradores do cortiço, a qual gerencia, demonstrando a formação de blocos sociais contendo um líder que viesse a dar um caráter existencialista para suas vidas miseráveis. 1 ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação” Sua narrativa é em grande amplitude delineada em João Romão enfocando-o como um articulador social, que arquiteta minuciosamente a construção de moradias em sua maioria de baixíssima qualidade colocadas á venda a um irrisório preço, formando um pólo de moradias, alicerçados em condições de permanente pobreza e de violência. Tendo como espaço historiográfico a capital federal pós à proclamação da República (1890) a trama tem como um de seus aspectos centrais a construção de casas em decadentes condições materiais, em locais afastados do convívio com a burguesia agrária a qual ganhava força a partir da exploração de mão-de-obra barata e de baixa qualidade, tendo seus mais diversificados membros funções sociais exíguas e decadentes, sobrevivendo de pequenos golpes ou da venda de quinquilharias, passando para o alastramento dos prazeres carnais (nesse aspecto incutido na figura da personagem “Pombinha” sendo ela uma prostituta) oferecendo ao leitor um panorama da constituição política urbana fluminense do século XIX. A elite agrário-burguesa e os republicanos embasados em princípios positivistas e maçônicos, não titubearam em apoiar uma segregação de classe, tendo como protagonistas os proprietários dos meios de produção, inseridos nos grandes centros urbanos, tendo em sua volta a proteção de órgãos jurídicos e repressivos que consolidariam seus domínios, caminhando em conjunto com a precariedade dos cortiços e favelas que se colocavam a margem desse patamar de regalias, contendo as suas próprias regras e estatutos, gerando uma série de conflitos entres as mais diversificadas facções e ideologias, criando “mártires e líderes comunitários” que são reverenciados por uma gleba de alienados seguidores, vindo João Romão a ser um bom exemplo disso, sendo que ele mesmo passava pelas parecidas argúcias de seus domiciliados. Proprietário e estabelecido por sua conta, o rapaz atirou-se á labutação ainda com maior ardor, possuindo-se de tal delírio de enriquecer que afrontava resignadas as mais duras privações. Dormia sobre o balcão da própria venda, em cima de uma esteira fazendo travesseiro de um saco de estopa cheio de palha. A comida arranjara-lhe, mediante quatrocentos réis por dia... (Azevedo, 1987, p.11). A falta de ordem para uma adequação habitacional que oferecesse uma rede de moradias descentes, e de um sistema político que olhasse por aqueles que eram espoliados pelo grande capital, facilitou a implantação de líderes comunitários como o fictício João Romão, que com o desejo ávido de enriquecimento, não se esquivava de ele próprio se prover de recursos essenciais básicos para que pudesse por em prática seus princípios expansionistas, não respondendo a nenhum tipo de obrigação tributária em relação aos órgãos estatais. 2 ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação” O individualismo “burguês” é uma das marcas registradas de João Romão, ao qual estabelece um ritmo de crescimento enfocado em um subjetivismo de acumulação de bens e capital concebidos na exploração e intimidação das glebas humanas do cortiço, tendo sua imagem de líder como estereótipo para a concretização de seus anseios de ambição e poder. Seus empreendimentos mobiliários o elevam a um nível mais afluente, com uma rentabilidade crescente, todavia sem ter os atributos de gozar de uma homogeneização ideológica e social que o coloque em uma velocidade de ascensão social de igualdade em comparação com a burguesia carioca, devido em grande importância ao seu sangue português, e a forma e origem de como conseguiu a posse de seus, não pertencendo sua gênese há algum circulo social que estivesse em sintonia com os principais círculos sócio-políticos de sua época. A esse respeito, o historiador José Murilo de Carvalho descreve em seu livro Os Bestializados que a insurreição da burguesia contra a incipiente monarquia aos estrangeiros aqui residentes, foi um evento em que apenas uma parcela da sociedade carioca teve uma real participação nos acontecimentos que levaram a Proclamação da República entre militares e políticos, sendo que uma boa proporção da população estava voltada para os seus afazeres diários durante os levantes que trucidaram com a Coroa Brasileira. Os bairros mais pobres com suas disputas internas, não estavam na mesma sintonia com o que estava ocorrendo diferentemente do forte engajamento popular que obteve uma revolução como a que ocorreu no Haiti 1804 onde os escravos expulsaram os conquistadores franceses. No entanto havia no Rio de Janeiro um vasto mundo de participação popular. Só que este mundo passava ao largo do mundo oficial da política. A cidade não era uma comunidade no sentido político, não havia o sentimento de pertencer a uma entidade coletiva. A participação que existia era de natureza antes religiosa e social e era fragmentada. Podia ser encontrada nas grandes festas populares, como as da Penha e da Glória e no entrudo; concretizavam-se em pequenas comunidades étnicas, locais ou mesmo habitacionais; um pouco mais tarde apareceria nas associações operárias anarquistas. Era a colônia portuguesa, a inglesa; eram as colônias compostas por imigrantes dos vários estados; era a Pequena África da Saúde, formada por negros da Bahia, onde, sob a matriarcal proteção de Tia Ciata, se gestava o samba carioca e o moderno carnaval. Eram as estalagens cuja população podia chegar a mais de mil pessoas. O cortiço de Botafogo, descrito por Aluísio de Azevedo, possuía no final mais de 400 casas e constituía uma pequena república com vida própria, leis próprias, detentora da inabalável lealdade de seus cidadãos, apesar do autoritarismo do proprietário. Aluisio, aliás, fala expressamente na “república do cortiço”. Ali se trabalhava se divertia, se festejava, se fornicava e, principalmente, se falava da vida alheia e se brigava. Porém, à menor ameaça vinda de fora, todos esqueciam as brigas internas e cerravam fileiras contra o inimigo externo. Este inimigo era outro cortiço e, principalmente, a polícia. Frente á policia, dono e moradores se uniam, pois estava em jogo a soberania e a honra da pequena república. Cortiço em que entrava a policia era cortiço desmoralizado. É profundamente irônica e significativa que a república popular do cortiço se 3 ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação” julgava violada, derrotada, quando lá entrava o representante da república oficial. No romance, o cortiço consegue evitar a entrada da policia, mas na vida real, dois anos após a publicação do livro, o cortiço Cabeça de Porco seria Destruído em autêntica operação militar por ordem do republicano histórico Barata Ribeiro. “O governo da República destruía as repúblicas sem integrá-las numa república maior que abrangesse todos os habitantes. (2004, p. 383). O Estado Republicano brasileiro em si, não era composto de forma hegemônica e não abarcava por completo todos os setores da sociedade carioca. Havia sim “micro-repúblicas” que digladiavam entre si e estavam á mercê do poder central, e a luta pelo espaço era uma balbúrdia que impregnava constantemente rebeldia, a instabilidade era reinante entre os empobrecidos, um determinismo social onde os mais aptos sobreviveriam a um ambiente de constantes atribulações, (traço marcante do naturalismo) reinava entre os viventes, tendo além que tripudiarem um ao outro na luta pela sua própria existência, teriam que enfrentar a mão-de-ferro e o descaso da República, que não continha em suas diretrizes governamentais um plano de ações que pudesse oferecer uma alternativa para os moradores que se situavam em zonas de baixa renda, deixando-os em abandono, o fator de uma política espacial no quesito de aglomerar todos os níveis humanísticos ao redor de um mesmo e prolífero eixo de civilidade. Ruy Moreira, pesquisador brasileiro da Universidade Federal do Rio de Janeiro diz o seguinte “O Estado necessitava de uma geografia que fornecesse uma política espacial. (1985, p.22”). Essa carência reflete o ponto de como a espacialidade geográfica brasileira é um ântropo de contradições intensas, sendo isso devido, em muito, as mais diversificadas alas sociais que podem habitar um mesmo local proporcionando estridentes conflitos entre si. O geógrafo francês Jean Brunhes em 1910 define da seguinte forma as necessidades primordiais de diferentes grupos populacionais vivendo na mesma espacialidade: En fin, la coexistencia de múltiples grupos, todos con idéntica necesidad desnutrirse de la tierra y de ocupar una parcela del suelo, crea forzosamente entre ellos relaciones, unas veces pacíficas, violentas otras, de las cuales algunas se relacionan con ciertos hechos generales o locales de naturaleza geográfica. (1955, p.32) A maioria da população não contava com a mais mínima infra-estrutura habitacional e ficavam sobre a sedição de lideranças milicianas que ofereciam sua proteção diante de uma condição de sublevação da comunidade aos seus auspícios, dentro da conturbada matriz civilizatória do Rio de Janeiro. 4 ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação” Entre as mais diferentes disparidades, as pessoas dos cortiços sobreviveriam com o que provinha das “pequenas repúblicas”, fazendo uma unificação de solidariedade entre as pessoas que viviam estabelecidas em áreas aquém da administração urbana do Estado. Em outro aspecto, o alargamento dos cortiços encabeça lutas entre seus líderes centrais, uma miscelânea de distúrbios internos, em sua maioria, decorrentes pela disputa de espaço, algo que veio a ser marcante no desenrolar de mazelas arquitetônicas de planos de políticas habitacionais e urbanas da política brasileira com o passar do tempo. O espaço é algo de primordial, para que se possa reter uma estrutura de poder comunitário consistente. Quanto maior o territorialismo dos cortiços, maior a sua, autonomia e legislação, livre da penumbra do governo central, porém mesmo que no inicio de sua gestação tenham-se dado de maneira disforme e polivalente, sem ter uma direção de curso unívoca, esta foi rapidamente substituída pela procura de locais de assentamentos, onde contivesse recursos energéticos e hídricos, que passariam a ser de preferência dos excluídos que assim quedavam-se cada vez mais arregimentados ao poder paralelo de líderes comunitários, já que não conseguiriam uma condição de sobrevivência, mas útil e rentável. A água é uns dos bens mais preciosos nos aglomerados suburbanos e uns dos principais astros para construção do sentimento de constante beligerância entre os homens. Uno de los más graves problemas de las grandes aglomeraciones urbanas es el del abastecimiento de agua. Problema de higiene pública y de vida social que es de capital importancia y merecería ser examinado en su conjunto desde el punto de vista especialmente geográfico. (Brunhes, 1955, p. 38) Literariamente, O Cortiço é um contraponto de infinitas possibilidades de abordagem. Com a marca latente, do anticlericalismo, da anarquia, da acepção das massas de explorados pelo capitalismo, em busca de uma fonte que os coloquem na linha de proteção do Estado, são retratada em suas linhas com extrema nitidez a alarmante e deprimente condição em que estavam alojadas os núcleos populacionais de excluídos pela precoce modernização do Rio de Janeiro durante os primeiros anos da República atendendo aos interesses principalmente da burguesia latifundiária. Com isso com uma crescente valorização de terrenos ao redor da sede do governo, uma grande quantidade de moradores foi forçada a direcionarem-se para áreas de precárias possibilidades de uma elevação social, sem ter um planejamento estatal que viesse a organizar de forma concisa uma urbanização digna em relação á classes sociais mais privilegiada. 5 ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação” Não se trata especificamente nesse ponto da massa operária em si que já estava se formando no esteio dos primeiros setores febris do Brasil, e sim de contingentes humanos que não conseguiram serem absolvidos pela força motriz do capital industrial sofrendo com as penúrias da sede desenfreada dos patrões em busca de lucro, é interessante ressaltar que conquistaram algumas regalias como a moradia própria, no entanto em sua grande parte em deprimentes condições de uso e estado material, além ter que arcarem com as despesas domésticas com um salário degradante. Os habitantes do Cortiço tinham que se ajustar a uma espécie de auto-gestão já que não detinham meios para florescerem em um capital de giro que alavancasse sua economia, tendo que fora esse fator andar de mãos dadas com a discriminação dos que viviam nos principais bairros da classe média alta e contando com o usufruto dos serviços públicos, fez que com que esses fatores tornassem uma das marcas registradas de sua gênese, não tendo assim nenhum tipo de crédito perante os clivos do Estado. Devido à falta de um plano de urbanização claro, que pudesse oferecer uma estalagem que modernizassem e sanassem as grandes moléstias da periferia, corporações de ofertas de absolvição de um vasto exército industrial de reserva não tiveram nenhum tipo de interesse em instalar-se em locais próximos aos cortiços e favelas. A miséria sendo uma companheira inseparável dos oprimidos, os atritos internos entre eles eram quase que inevitáveis, nesse ponto fez mais do que nunca vigente a presença de um líder que se conciliasse ou puni-se as partes em litígio. A lei não existia para essa fração social, “cada um por si e Deus contra todos” pode ser colocado como sendo o lema dos integrantes dos cortiços, o relacionamento nesse campo entre homem-meio ganha simetria em virtude aos modos de convivência entre seus membros que se solidificam de acordo com as mais diversificadas necessidades e das mais diferentes dicotomias. Podemos salientar que Aluisio de Azevedo utilizando de detrimentos do determinismo biológico e do darwinismo-social, mostra um comportamento de intrépida fúria de seus personagens, tendo no espaço ao qual ocorre a trama, elementos sociais que contribuem para uma disseminação de uma histeria social contínua e para patologias mentais em escassez de uma sanidade confiável. Contribuem para esse quadro, a carência de espaços íntimos que valorizassem a privacidade das pessoas (a sexualidade tênue é algo marcante dentro das obras de Azevedo), a 6 ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação” promiscuidade exacerbada, o que favoreceu o surgimento de crimes motivados pelo desflorar de uma libido constante e cotidiana. Essa marca de narrativa centrada em relatos com resquícios científicos segundo Massaud Moisés, contem fatores que marcariam fortemente a estética literária de O Cortiço. O enfoque narrativo na terceira pessoa apresenta características de um relatório científico objetivo, direto, franco... Registra-se a descrição pormenorizada da vinda do herói (ou antes. anti-herói), que atende a dois quesitos naturalistas; completar o retrato psicológico da personagem, pois, consoante os postulados em moda, o cenário seria o prolongamento obrigatório do temperamento e humores de quem o habita; e concretizar a idéia de verossimilhança fotográfica. (1983, p. 231). Hermeticamente nesses paradigmas ocorrem “as lutas de classes” (Moreira, 1985), acontecendo tanto internamente como externamente tendo O Cortiço de se proteger tanto de usurpações originárias de outros pólos populacionais como que combater seus próprios domiciliados. Esse fator de implacável disseminação de caos é ligado as mais diferentes formas de indivíduos que se dirigem para lá. Tanto o cortiço, como a periferia não possuem uma distinção clara no desenrolar da trama, ambos contem conotações de um pleito de alternativa habitacional para aqueles que não conseguiram recursos e capitais para adentrar ao alvorecer da modernidade geográfica das grandes cidades Segundo a professora da Universidade de Lille na França, Licia do Prado Valladares: Para a periferia dirigem-se os pobres que estão sendo expulsos dos núcleos das metrópoles, seja por ação direta do Estado ou do capital (através de programas de remoção de favelas, construção de obras públicas, etc.) seja por sua ação indireta (legislação, taxação, supervalorização de terra, etc.. (1981, p.11) A periferia ganha sua proliferação com os adornos urbanísticos que os grandes centros sofrem durante os séculos XIX e XX, porém os programas habitacionais não representaram um grande avanço para uma remodelação espacial clara, já que a multiplicação dos cortiços foi em fato resultado de programas estatais e privados mal preparados e sem um pilar de sustentação que pudesse fixar a grande massa de marginalizados. A marginalidade se faz presente, moradores foram expurgados dos centros populacionais e conseqüentemente hostilizados pelas classes atreladas ao poder aquisitivo e político, e por não conterem uma área apropriada e utensílios materiais para que gerassem 7 ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação” fontes de capitais que fizessem frente à mórbida tirania do capitalismo monopolista ao qual a política brasileira estava emplacada durante a tentativa de centralização política impregnada pelo Marechal Deodoro da Fonseca. Os excluídos não estavam encaixados nessa plataforma de centralização, foram arrastados para dentro desse mártir de opressões pela falta de consistência em se elaborar um plano que envolvesse todos os perímetros da sociedade em um plantel de postos de trabalho e capacitação de empregos, que remediasse o surgimento de subempregos e que gerassem e dessem alternativas para aqueles que não tinham como qualificarem-se por si próprios e que caminhassem para uma relativa estática de estabilidade financeira com a burguesia. Essa lacuna alimenta a criação de outros “condutores” de grupos populares como o de João Romão que em conseqüência da falta de auxilio e planejamento das autoridades, tem que prover de uma administração tanto para seu lar como para seus apadrinhados, no que se diz condizente a construção das moradias como em arranjar material para que as pessoas construíssem seus próprios lares. A pensadora brasileira Maria Helena Beozzo de Lima denomina esse fenômeno de “Auto-Construção”: Processo através do qual o proprietário constrói sua casa sozinha ou auxiliada por amigos e familiares... Nos seus horários de folga do trabalho remunerado principalmente, portanto nos feriados e fins de semana”.(1981,p.71). Nesse circulo epistêmico podemos chegar a um índice alarmante de casas feitas sem um acompanhamento adequado de procedimentos básicos essenciais, constantes em uma obra. Se as casas das favelas e periferias crescem pela própria ação direta de seus viventes ou de futuros membros, os planos habitacionais não conseguiram absolver uma quantidade significativa de famílias, concomitantemente os cortiços ganham um valor de fonte histórica primordial, sendo que ele denuncia a dificuldade em prover um conjunto de medidas que se unifiquem dentro de um mesmo contexto antropológico de lares e de seus habitantes. Sendo a autoconstrução uma prole exaurida da falta de condições, e em se contratarem trabalhadores adequados para exercer a prática da construção civil para modelar um projeto arquitetônico que possa se ajustar de forma satisfatória a um patamar urbanísticosocial que proporcione dignos coitos de sociabilidade a seus moradores, não obstante o êxodo rural e a migração de contingentes que saem das cidades interioranas para os grandes centros urbanos, contribuíram em muito para o crescimento desenfreado de bolsões de miséria em virtude da falta do Estado em fornecer recursos e condições de vida que diminuíssem o 8 ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação” surgimento de favelas, que com isso levariam muitas vezes ao universo do crime ou sendo aliciados por chefes ou lideres de bairros. Devido a essa disseminação de poder que é conduzida pelos chefes de facções criminosas e as construções ordenadas sem uma engenharia, e sem um mapeamento topográfico sucinto, que organizasse coerentemente seu formato, as casas eram uns covis para o comércio de álcool e drogas ilícitas que ganhariam sua notoriedade como sendo um recurso para os rendimentos financeiros para os bairros mais carentes, como no surgimento de doenças, devido à falta de canalização de seus esgotos que na sua elevada proporção corriam a céu aberto sem o escoamento adequado, além da dificuldade de locomoção de seus membros, tendo a necessidade de uma série de tramites a serem feitos já que os espaços são escusos onde em uma mesma casa podem habitar os mais variados tipos humanos, vindo ser um local de abrigo para foragidos da justiça em diversas circunstâncias. Vejamos o exemplo de Aluisio de Azevedo 95 casinhas do cortiço; Prontas, João Romão mandou levantar na frente, nas vinte braças que separaram a venda do sobrado do Miranda um grosso muro de dez palmos de altura, coroado de cacos de vidro e fundos de garrafa e com um grande portão no centro onde se dependurou uma lanterna de vidraças vermelhas por cima de uma tabuleta amarela em que se lia o seguinte escrito a tinta encarnada e sem ortografia. Estalagem de São Romão: Alugam-se casinhas. (1987, p.19). As casinhas estando prontas, uma espremendo à outra dando a compreensão que O Cortiço era um labirinto cheio de artimanhas e armadilhas, que favoreciam aqueles que vivem diariamente em suas acomodações criando obstáculos para os que ousavam adentrar em suas entranhas, o que geraria por outro lado um alto índice de crimes de caráter sexuais em decorrência da falta de privacidade entre seus membros. Paralelamente aos becos estreitos que são uma arma de longo alcance para fugitivos da justiça esses privilégios viram-se contra seu criador deixando um clima de permanente insegurança e conflitos entre os transeuntes. As relações sexuais são avidamente presentes nas vielas de O Cortiço não tendo limites para ação de libertinagens. Não há barreiras, o sexo é praticado de forma indiscriminada, não deixando de fazer jus as mais primitivas sociedades: “Que significam relações sexuais sem restrições? Significa que não se aplicavam os limites proibitivos vigentes hoje ou numa época anterior”. (Engels, 2005, p.44). Não somente os crimes sexuais causavam pânico aos moradores, o livre acesso ao álcool e as drogas provocam uma erupção de atrocidades e desequilíbrios psicológicos que 9 ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação” aumentam o grau de insegurança, os temores são constantes. A sedição que o comércio de droga impunha, vinha em larga amplitude dos buracos que as instituições e estabelecimentos públicos deixavam como evidência, em virtude de uma carência de um plano social que zelasse não somente pelos abastados, e a dificuldade de um policiamento ostensivo que se mostrasse letal contra a bandidagem, que paradoxalmente a essa desertificação da segurança, via a polícia com muita desconfiança. Ela era o grande terror que causava pânico aos famigerados, devido a sua violência áspera e seus preconceitos com os de origens secundários (negros, prostitutas, alcoólatras, etc.), porque quase na maioria das vezes que penetrava em qualquer estalagem havia grande contenda com o intuito... “de evitar e punir o jogo e a bebedeira. Os urbanos invadiam quartos, quebravam o que lá estava punham tudo em polvorosa. Era uma questão de ódio velho.” (Azevedo, 1987, p.84). As ações da policia durante os primeiros anos da República era em muito não propriamente para combater a criminalidade e sim para coagirem possíveis grupos que pudessem levantar-se contra o governo e criar um ambiente de anarquia a pátria. O combate a embriaguez não era um fato de exclusividade da população de mais baixa renda, havia uma forte contenção ao consumo desenfreado de alucinógenos também a clubes da classe média, aos bares e restaurantes situados ao redor dos redutos das grandes famílias burguesas situados em bairros nobres. Um fator culminante para esse “terror robespierriano” outorgada pelos órgãos de segurança vinculados aos interesses da jovial república brasileira foi o fim da escravidão. Não havendo um fluxo de emprego que abraçasse o grande júbilo de ex- escravos lançados ao competitivo mercado de empregos tendo que conviver com a maciça discriminação étnica e social, as ações policiais tiveram sua óptica voltada para esse setor que estava em franco crescimento. Segundo o historiador Borís Fausto: Entre 1812 e 1898 ocorrem profundas transformações nas cidades decorrentes do fim do sistema escravista e, sobretudo da imigração em massa com o conseqüente acentuado crescimento demográfico. Os anos 1898-1905 caracterizam grosso modo pela recessão econômica, a partir da crise cafeeira, refletindo-se em menores índices de crescimento demográfico e na redução do nível de emprego. Ao que tudo indica, a ação policial cresce proporcionalmente ao longo destes anos. (1984, p.32-33). A miscigenação de raças é um agravante para o acirramento dos distúrbios entre a população. 10 ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação” Diferentes concepções religiosas, étnicas e a não ascensão econômica de diversificados grupos sociais vivendo a margem do governo e das classes burguesas, diminuíram as chances de crescimento dentro da sociedade, contribuindo para o surgimento tanto de cortiços e favelas, expondo um sucessivo clima de instabilidade entre imigrantes e exescravos e o restante da população. O Rio de Janeiro sendo uns dos pilares da modernização sócio-política brasileira, com a pavimentação de ruas e vias, no combate a epidemias como as campanhas sanitárias e de higienização outorgadas na figura do médico Oswaldo Cruz e com o advento do “Bota - Abaixo”, não conseguiram resolver os problemas sociais entre a grande parcela de moradores, agravados com a debandada imigratória que transcorreu, paralelamente aos conflitos urbanos. Azevedo descreve o clima litigioso no Cortiço São Romão em que brasileiros e portugueses, salientando um enrijecimento nas relações entre os diferentes grupos sociais que se formaram nas mais variadas localidades cariocas, disseminando um multiculturalismo no âmbito de um mesmo espaço territorial. A rede urbana brasileira passou por ininterruptos processos de mudança, o geógrafo Roberto Lobato Corrêa também da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirma que as cidades brasileiras passaram por grandes transformações, incluindo “o aumento do número de centros e a sua extensão territorial.” (1984, p.51). Outro ponto preocupante que Lobato Corrêa aponta, é a carência em gerenciar moradias para a maioria da população de baixa renda, em volta dos grandes centros já que com sua pavimentação e a alta de preços nos condomínios, uns dos poucos caminhos que restam é o aquartelamento em favelas e nisso está uns dos estopins para a propagação de doenças. A habitação é um desses bens cujo acesso é seletivo: parcela enorme da população não tem acesso, quer dizer, não possui renda para pagar o aluguel de uma habitação decente e muito menos, comprar um imóvel. Este é um dos mais significativos sintomas de exclusão que, no entanto, não ocorre isoladamente; correlatos a ela estão à subnutrição, as doenças o baixo nível de escolaridade, o desemprego ou o subemprego ou mesmo, o mau emprego.(1989,p.19). “Espaço é poder”, diria o geógrafo alemão Friedrich Ratzel, um elemento indispensável para a solidificação do poder capitalista, o darwinismo-social que está aglutinado à literalidade de Aluisio de Azevedo, é uma amostra dura da realidade ao qual a população brasileira estava situada, tendo que caminhar com esses estigmas cotidianamente, com uma 11 ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação” incipiente gestão administrativa pública que foi colocada para amenizar o problema da habitação brasileira e que poucos resultados satisfatórios obtiveram. O Cortiço apresenta uma similaridade em questões históricas e sociológicas, que estão ligadas ao contexto geográfico de como transcorrem lutas pela disputa de um pedaço de chão, travada pelo ápice civilizatório de bairros de classe média baixa, tendo como cenário a sociedade carioca no século XIX, estando á mercê de uma República moldada em princípios paternalistas, contendo uma elite agrário-fundiária estando fora da realidade do restante da população. É fato que a obra possui uma envergadura imagística, porém não podemos deixar de lado que ela possua eixos que elevam seu conteúdo para nossa atualidade como os embates feitos pelos moradores das grandes metrópoles em torno da construção de um lar no alto de encostas e morros, não tendo nenhum tipo de infra-estrutura adequada, tanto física quanto econômica para a construção de suas moradias, ou mesmo um auxilio social e psicológico que por ventura proporcionariam algum tipo de alento para suas angústias, estes moradores gradativamente herdam dentro da sociedade capitalista o rótulo de marginalizados, não possuindo um parâmetro ação adequado que venham a oferecer possibilidades de um abrandamento das suas agonias sociais. O significativo progresso das grandes metrópoles brasileiras contendo como um de seus principais impulsos, o progresso das vias de transporte dentro das complexas redes metropolitanas e a erradicação de doenças infecto-contagiosas, lançou uma grande proporcionalidade dos moradores mais humildes para o alto de morros, vindo conseqüentemente a gerir favelas. É de fato que isso já era um alvo traçado pela burguesia brasileira, a fim de consolidar seu poder e manter certo tipo de padrão institucional, que mantivesse a grande escala miseráveis longe de seus arredores. Aluisio de Azevedo traça um perfil de como a carência em um planejamento social, levou em grandes quantidades, pessoas a sofrerem com a discriminação em relação ao restante da sociedade, forçando-os a constituir de maneira hermética um sistema próprio de auto-gestão, independente ao poder central, germinando uma forma político-administrativa dentro das favelas, contendo suas próprias leis e regras não estando concatenados com a ideologia oficial. Nesse aspecto que é um dos cânones literários de O Cortiço, transportando-o para a nossa realidade, as grandes cidades brasileiras estão neste pólo de discrepância em um 12 ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação” crescimento populacional desenfreado, e em uma carência de um sistema adequado de serviços atrelados a um planejamento urbano que esteja adequado ao eixo migratório de pessoas do interior para as grandes metrópoles. As favelas se tornam uma alternativa, essas pessoas em sua enorme proporção terminam por cair na influência da “chibata” de líderes comunitários como João Romão, que impondo sua vontade e contando com o apoio de milícias populares, tendo ainda o descaso que esses moradores recebem da maioria das autoridades políticas, tem que conviverem com a truculenta falta de recursos básicos como escolas, redes de saneamentos básicos adequados, empregos, hospitais, meios de transporte coletivos. A deficiência em se arremeter uma política urbana que enseje um programa de benefícios e serviços sociais governamentais básicos, vem a revelar que as moradias nos cortiços são criadas sem nenhum tipo de planejamento, seja arquitetônico ou paisagístico enquadrando uma urbanização caótica e sem infra-estrutura coerente. Isso se deve ao fato também da inanição de recursos econômicos de seus membros, e contando com a falta de articulação em um plano urbanístico, revela as lacunas de privacidade entre seus domiciliados, comprovados pelas altas taxas de crimes sexuais que são cometidos pelos moradores. É notório citar que os pontos entre o macro e o micro espaço, fatalmente intervém nas funções sociológicas de nossos cortiços e morros. O macro se contradiz com o micro, com extensas avenidas que já não comportam mais a quantidade de veículos e as residências de luxo, paradoxalmente com áreas verdes e serviços sociais a sua disposição, com um expressivo contingente de espaço e com uma privacidade assimétrica entre seus moradores, ao contrário da realidade de nossos cortiços que não usufruem praticamente de nenhum desses elementos. Vale particularizar que os enfoques dramatúrgicos que Azevedo utilizou para narrar O Cortiço, choca-se com os mais diferentes antagonismos de contextos sociais entre seus personagens, como, escravos, imigrantes, jovens, operários, prostitutas, velhos, que vivem no São Romão e que só pelo fato de residirem nesse local já eram vistos como portadores de algum tipo de princípio maléfico o que de certa forma não é muito diferente dos dias de hoje. Azevedo apresenta um retrato fidelíssimo de como a cultura em nossas sociedades é estereotipada pelas elites injetando um preconceito encubado dentro de um circulo habitacionalsocial arbitrariamente construído no comportamento social da população abastada. 13 ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação” A pessoa que vai para o cortiço, não é de boa índole vive cercada de cafetões e de prazeres desenfreados, não possui uma cultura, não está adequado a conviver com o restante das pessoas, preceito que impera em um grande bloco da população brasileira. Ao traçar uma estrutura de classe englobando os mais ecléticos personagens sociais, Azevedo deixa exposto como o país carece de uma política urbana que cubra todos os setores da sociedade e que é predominante uma luta intensa entre as mais diferenciadas alas sociais pela conquista do espaço. É notório enfatizar que os preconceitos impregnados contra os habitantes dos cortiços são caracterizado dentro do seio de grupos sociais mais elevados, como sendo um local onde impera o desrespeito e a libertinagem em detrimento de toda ordem social vigente, alimentado por décadas de descaso, elevando uma sociabilidade classicista que contamina diferentes gerações do Brasil. Outro ponto tratado é em relação ao espaço interno dos lares dentro dos cortiços. A falta de privacidade entre os vizinhos gera uma série de atritos como a demarcação de terra e a separação entre os domicílios criando um clima de predominante disputa entre os elementos que vivem no mesmo ambiente civilizatório, já que não possuindo um registro que comprove que aquele terreno é seu, a lei do mais forte quase que inteiramente se faz reinante, a carência de um planejamento estrutural entre as casas leva a uma consignação de insegurança, e a falta de pudor que acalenta em uma redoma de falhas na concepção de uma política familiar eficiente criando conseqüentemente distúrbios repetitivos entre as massas populacionais dos cortiços. O sociólogo Gilberto Freyre em suas obras Casa Grande e Senzala (2000) e Ordem e Progresso (1974), demonstra como a escravidão deixou suas marcas na constituição do espaço urbano brasileiro, já que os negros vivendo que praticamente que abarrotados nos cativeiros das fazendas, e não contendo quase que nenhum tipo de restrição entre a privacidade de homens e mulheres culmina por transferir esses hábitos para sua vivência pós- abolição. Esses, em larga amplitude não sendo fortalecidos de recursos financeiros para sua auto-suficiência, vão contribuir para a elevação de áreas suburbanas, contendo em sua projeção, nenhum tipo de restrição a espaços privativos entre os sexos. Segundo a Professora Licia do Prado Valladares, sugere que sobre “os mais diferenciados meios de planificação de um espaço habitacional e os efeitos da autoconstrução, 14 ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação” revelam a inadequação do poder estatal em criar mecanismos que fiscalizam o uso do espaço urbano”. (1981). Sobre as formas de urbanização impregnadas para uma valorização do espaço habitacional e conseqüentemente uma melhor qualidade de vida, os moradores das periferias não estão furtivos a se livrarem de uma possível fragmentação de classe, já que como isso reflete diretamente em seus modos de vida e rotina, que devido aos custos que as transformações sociais fazem para melhoria de vida das pessoas oferecendo uma urbanização planejada e moradias de melhor qualidade o alto preço de custos das obras de material adequado e de boa qualidade não está em sintonia com as rendas per capita de boa parte das pessoas que formam a maioria dos cortiços e favelas. O coletivismo vigente dentro de O Cortiço limita seu raio de ação a valorização de classes populares e não a um personagem que seja central. Em síntese, a personagem principal é o povo esfacelado dentro de diferentes arquétipos de discriminação, propiciando um nível de narrativa em transbordar o ficcional para o mais próximo possível da realidade. Isso leva a compreensão dos protagonistas do romance a uma forma científica, saindo de encalço totalmente subjetivista. Segundo crítico José Guilherme Merquior; “Nenhuma atitude personagens do realismo-naturalismo é gratuita; há sempre uma explicação lógica e cientificamente aceitável para seu comportamento.” (1989, p. 240). Nesse ímpeto de dar uma abordagem com primórdios de exatidão plena, o naturalismo desqualifica em certa medida a visão de um herói focalizado na prática de ações que venham a proporcionar um enredo que visa o bem comum. Não há petrificação simbólica do ser ideal e pronto para vim a ser um molde de seguimento de uma sociedade, e sim a verdade calamitosa em todos os indícios, cabendo em uma aceitação de que homem é um ser como os outros, e contém uma ferocidade indomável. Dentro desse terreno de luta contínua do ser humano em busca de sua identidade como ser vivente, o romance naturalista de Aluisio de Azevedo ganhou vida, denunciando por completo a insubordinação tanto biológica, como psíquica levando segundo o Professor Domício Proença Filho (1989) a uma nostálgica degradação sistemática de grupos humanos, explorados pela figura mística de João Romão, não havendo uma diferenciação entre desempregados ou 15 ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação” proletários e sim que todos estão em um mesmo patamar de submissão em relação às transfigurações do capitalismo. Referências bibliográficas AZEVEDO, Aluisio. O Cortiço. Introdução de Dirce Cortes Riedel. RJ: Ediouro, 1987. BRUNHES, Jean. Geografia Humana. Barcelona: Editorial Juventud, S.A, 1955. CARVALHO, J.M. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. 3.ed. SP: Companhia das Letras, 2004. CORRÊA, R.L. A rede urbana. 3. ed. SP: Ática, 1984. CORRÊA, R.L. O espaço urbano. SP: Ática, 1989. ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Tradução Ciro Mioranza. SP: Escala 2005. FAUSTO, B. Crime e cotidiano: A criminalidade em São Paulo (1880-1924). SP: Editora Brasiliense, 1984 FREYRE- G, Casa Grande e Senzala. São Paulo: Globo, 2007. FRYRE- G, Ordem e Progresso. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1974. 2 vol. KOWARICK, L. A espoliação urbana. SP: Paz e Terra, 1979. MERQUIOR, J.G. De Anchieta a Euclides; (Breve História da Literatura Brasileira). RJ: Livraria José Olympio, 1977. Volume I. MOISÉS, M. A Literatura Brasileira através de textos. 10. ed. Cultrix, SP 1983. PROENÇA, D.F. Estilos de época na literatura. 11.ed. SP: Ática, 1989. MOREIRA, R. O que é geografia: para que serve e a quem serve. SP:Editora Brasiliense, 1985. VALLADARES, L.P.V. Habitação em questão. RJ: Zahar Editores, 1981. 16