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Lívia Morais Nóbrega
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
Recife
2012
Lívia Morais Nóbrega
SENSIBILIDADES TOPOGRÁFICAS
em Álvaro Siza
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em
Desenvolvimento Urbano do Departamento de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco como parte
dos requisitos para obtenção do título de mestre.
Orientador: Prof. Dr. Fernando Diniz Moreira, PhD.
Linha de pesquisa: Projeto do edifício e da cidade.
Recife
2012
Catalogação na fonte
Andréa Marinho, CRB4-1667
N754s
Nóbrega, Lívia Morais.
Sensibilidades topográficas em Álvaro Siza / Lívia Morais Nóbrega. –
Recife: O Autor, 2012.
188 p.: il.
Orientador: Fernando Diniz Moreira.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco,
CAC. Desenvolvimento Urbano, 2012.
Inclui bibliografia e anexos.
1. Planejamento urbano. 2. Siza, Álvaro. 3. Arquitetura moderna Séc.
XX. 4. Topografia. I. Moreira, Fernando Diniz (Orientador). II. Titulo.
711.4 CDD (22.ed.)
UFPE (CAC 2012-97)
Fernando Diniz Moreira
Orientador
Enio Laprovitera da Motta
Examinador Interno/UFPE/DAU
Rebeca Júlia Melo Tavares
Secretaria do PPG/MDU
Lineu Castello
Examinador Externo/UFRGS
Luiz Manoel do Eirado Amorim
Examinador Interno/PPG/MDU
Lívia Morais Nóbrega
Candidata
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que contribuíram, direta ou indiretamente, para a realização deste trabalho, em especial ao meu
orientador Fernando Diniz Moreira, pela dedicada orientação, pelas ricas reflexões e ótima companhia na incursão
pelas obras de Siza em Portugal, bem como por todo o acompanhamento e importante presença ao longo do meu
percurso acadêmico.
Ao arquiteto Álvaro Siza, pela solicitude e disponibilidade, pelo fornecimento de dados de seus projetos, e,
principalmente, pelas importantes lições de arquitetura que levarei para a vida.
À Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), pela oportunidade do intercâmbio, imprescindível
para o desenvolvimento da pesquisa, e aos professores e funcionários do MDU, pela compreensão e suporte para
que este intercâmbio se tornasse possível.
À Casa da Arquitectura, que abriga o Centro de Documentação Álvaro Siza (CDAS), em especial a arquiteta Carla
Barros, ao arquiteto Carlos Castanheira e a Anabela Monteiro, pela atenção e empenho em reunir os dados
solicitados ao escritório do arquiteto Álvaro Siza.
À professora Teresa Fonseca, pela amizade, carinho, acolhimento, ensinamentos e suporte durante a minha estada
em Portugal. Ao professor Manuel Graça Dias, pelas importantes reflexões que despertou durante a disciplina de
Estudos Críticos Álvaro Siza, e pela ajuda no agendamento da entrevista individual com o arquiteto Álvaro Siza. Ao
professor António Madureira, pelos ensinamentos que me deixou enquanto sua aluna.
Aos fotógrafos Fernando Guerra e Nelson Kon, pela atenção, envio e permissão de utilização de suas imagens.
Aos meus pais, Edson e Edna, por todo o suporte e compreensão ao longo desta jornada, e ao meu irmão,
Eduardo, sobretudo pela ajuda com a parte gráfica na reta final.
A Francisco por todo apoio, incentivo, presença e companheirismo constantes.
Aos amigos próximos e distantes, da arquitetura ou da vida, pelas alegrias e pela força, agora e em todos os
momentos, Isabella, Joana, Fernanda, Liliane, Nara, Gabriela, Dandara. Em especial aqueles que acompanharam e
contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho mais de perto, Bruno Firmino, Carolina Brasileiro, Fernanda
Pinto, Laura Alecrim e Marília Muniz.
E por fim, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), através da Pró-reitoria de
Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (Propesq), pelo suporte financeiro disponibilizado para a
pesquisa. À Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE), pela concessão do
Auxílio à Mobilidade Discente (AMD), que custeou parte da minha estada em Portugal.
PLENA PAUSA
Lugar
onde se faz
o que já foi feito,
branco da página,
soma de todos os textos,
foi-se o tempo
quando, escrevendo,
era preciso
uma folha isenta.
Nenhuma página
jamais foi limpa.
Mesmo a mais Saara,
ártica, significa.
Nunca houve isso,
uma página em branco.
No fundo, todas gritam,
pálidas de tanto.
Paulo Leminski
RESUMO
Os ideais abstratos e universais que permearam a arquitetura nas primeiras décadas do século XX
provocaram, na sua segunda metade, o surgimento de formulações teóricas e práticas que criticaram
esses valores e buscaram restabelecer uma relação empírica entre arquitetura e lugar. Hoje em dia essas
discussões parecem limitadas a uma época específica e foram em parte eclipsadas pela emergência dos
discursos deconstrutivista, digital e tecnológico na arquitetura e emergência dos chamados starchitects
que constroem seus edifícios de assinatura nos mais diversos lugares do globo. Contudo, acredita-se
que isto não invalida as reflexões anteriores e que também não faz mais sentido acusar a arquitetura de
ser universal, pois a atual complexidade dos espaços urbanos, as ferramentas digitais, a pré-fabricação
e a rápida difusão de informações já estão incorporados no processo projetual.
Neste sentido, interessado no fazer arquitetônico contemporâneo e nas interfaces entre as disciplinas da
arquitetura, urbanismo e paisagismo, este trabalho busca elucidar processos de projetação recentes que
levam em consideração as características do entorno de modo a apontar alternativas à idéia de edifício
enquanto objeto isolado. Para tal, serão analisados alguns projetos do arquiteto português Álvaro Siza,
identificados em consonância com este panorama.
O trabalho inicia com uma revisão das principais discussões sobre arquitetura e lugar no século XX,
agrupadas em quatro eixos (lugar, paisagem, contexto e região), destacando suas limitações,
potencialidades e influências sobre a obra de Siza. Posteriormente, introduz discussões recentes que
dão continuidade ao tema na arquitetura contemporânea, sobretudo as reflexões do crítico de
arquitetura norte-americano David Leatherbarrow sobre o tema da topografia enquanto instância de
relacionamento entre projeto e sítio, sintetizadas através de cinco temas: (1) a apreensão do sítio e a
liberdade projetual; (2) a construção como cultivo; (3) a terraplenagem como partido; (4) sítio e
materialidade; (5) fragmentação versus frontalidade.
Por fim, através de três temas principais extraídos desta literatura (o projeto como elaboração, inserção
ou colaboração com o sítio), classifica nove projetos selecionados de Álvaro Siza e analisa-os com base
nos cinco temas elencados anteriormente, de modo a fornecer reflexões atuais sobre o relacionamento
dos edifícios com o sítio na teoria e na prática da disciplina da arquitetura.
Palavras-chave: Álvaro Siza, estratégias projetuais, lugar, teoria, topografia.
ABSTRACT
The abstract and universal ideals that permeated the architecture in the early decades of the twentieth
century provoked, in the second half of the century, the emergence of theoretical formulations and
practices that have criticized these same values and sought to restore an empirical relationship between
architecture and place. In several ways, nowadays these discussions seem to be limited to a specific
time and were partly overshadowed by the emergence of deconstructivism and digital technologies in
contemporary architecture, in addition to the starchitects designing signature buildings all over the
globe. However, it is believed that this does not invalidate the previous reflections, and that makes no
more sense to criticize the architecture to be universal, as the current complexity of urban spaces, digital
tools, prefabrication and rapid dissemination of information is already incorporated the design process.
In this sense, interested in this process and the interfaces between the disciplines of architecture,
urbanism and landscape, this dissertation seeks to elucidate recent designing strategies take into
account the characteristics of the site to provide alternatives to the idea of building as an isolated object.
For this, it will be discussed some projects of the Portuguese architect Alvaro Siza, identified in line with
this scenario.
The work begins with a review of the main discussions about architecture and situation in the twentieth
century, grouped into four themes (place, landscape, context and region), highlighting their limitations,
potentials and influences on Siza’s work. Later, introduces recent discussions that continue the theme in
contemporary architecture, particularly some reflections of the architecture critical David Leatherbarrow
on the theme of topography as an instance of relationship between design and site, synthesized through
five themes: (1) the site approach and projetual framework (2) construction as cultivation; (3) earthwork
as framework; (4) site and materiality; (5) fragmentation versus frontality.
Finally, through three main themes extracted from the literature (the project as an elaboration, insertion
or collaboration with site), classifies nine projects from Álvaro Siza and analyzes them based on five
topics listed above, to provide current thoughts about the relationship of site and buildings in theory and
practice of the discipline of architecture.
Keywords: Álvaro Siza, design strategies, place, theory, topography.
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
_________________________________________________________________________________________________________________
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Villa Müller (Adolf Loos, Viena, 1930)......................................................................................................................20
Figura 2 – Villa Lido (Adolf Loos, Veneza, 1923).....................................................................................................................20
Figura 3 – Piet Mondrian, 1921............................................................................................................................................21
Figura 4 - Theo Van Doesburg, 1923....................................................................................................................................21
Figura 5 - Mies van der Rohe, Brick Country House, 1923. ......................................................................................................21
Figura 6 – A ágora de Atenas. ..............................................................................................................................................22
Figura 7 – Delphi, cúpula de Atenas. .....................................................................................................................................22
Figura 8 - Cabana de Heidegger em Todnautberg (floresta negra) na Alemanha. ..........................................................................23
Figura 9 – Khartoum, Praga e Roma. ....................................................................................................................................24
Figura 10 – Intervenção artística em um exemplo de não-lugar. ................................................................................................25
Figura 11 – Falling Water (Frank Lloyd Wright, Pennsylvania, 1934-1937) .................................................................................27
Figura 12 - Taliesin West. Arizona (F. L. Wright, 1937-38........................................................................................................28
Figura 13 – Pavilhão de Tênis (Fernando Távora, 1956-1960). ................................................................................................28
Figura 14 – Casa de Chá da Boa Nova (Álvaro Siza, 1958-1963).............................................................................................28
Figura 15 – Croqui de Alvar Aalto, Valladolid...........................................................................................................................28
Figura 16 – Croqui de Álvaro Siza, Lisboa. .............................................................................................................................28
Figura 17 – MIT Dormitory (Alvar Aalto, 1946)........................................................................................................................29
Figura 18 – Biblioteca Municipal de Aveiro (Álvaro Siza, 1988-1995) ........................................................................................29
Figura 19 – Catálogo Brazil Builds.........................................................................................................................................29
Figura 20 – Casa Paes de Carvalho (Lucio Costa, Rio de Janeiro, 1944)....................................................................................29
Figura 21 – Cassino da Pampulha (Oscar Niemeyer, Belo Horizonte, 1940)................................................................................29
Figura 22 - Mercado Municipal de Vila da Feira. ......................................................................................................................30
Figura 23 – Residência em Ofir.............................................................................................................................................30
Figura 24 - Escola Primária do Cedro. ...................................................................................................................................30
Figura 25 – Le Corbusier, Rio de Janeiro, 1929. ....................................................................................................................31
Figura 26 - Álvaro Siza do Rio de Janeiro, 1982.....................................................................................................................31
Figura 27 – Torre Velasca, BPRP (Milão, 1957-1960) e Edifício em Zattere, Ignazio Gargella (Veneza, 1954-1958) .......................32
Figura 28 - Aldo Rossi, Teatro del Mondo, Veneza, 1979-1980. ..............................................................................................33
Figura 29 – Croquis e imagens do Bairro da Malagueira (Álvaro Siza, Évora, 1977). ....................................................................34
Figura 30 – Schlesiches Tor (Álvaro Siza, Berlim, 1980-1984).................................................................................................34
Figura 31 – De Punkt e De Komma (Álvaro Siza, Haia, 1983-1988) .........................................................................................35
Figura 32 - Dimitris Pikionis. Caminhos do parque na colina em Philopappus (Atenas, 1957).........................................................36
Figura 33 - Susana Antonakakis, edifício multifamiliar (Atenas, 1975).........................................................................................36
Figura 34 – Bloco de apartamentos ISM (J. A. Coderch, Barcelona, 1951). Casa em Riva San Vitale (Mario Botta, 1972-1973) e
Torres da Cidade Satélite (Luis Barragán, México, 1957)..........................................................................................................37
Figura 35 – Casa Beires (1973-1977). .................................................................................................................................37
Figura 36 – Banco Pinto & Sotto Mayor (1974). .....................................................................................................................37
Figura 37 e Figura 38 - Piscina das Marés, Álvaro Siza (Leça da Palmeira, 1961-1966). .............................................................43
Figura 39 – Instrumento Horizon. Alberti. ...............................................................................................................................45
Figura 40 – Vila marroquina. Sverre Fehn, 1952.....................................................................................................................45
Figura 41 – Évora, Álvaro Siza, 1973....................................................................................................................................45
Figura 42 – Wexner Center for the Visual Arts, Ohio, Peter Eisenman e Laurie Olin, 1983-1989....................................................46
Figura 43 – Tremaine House, Montecito, California, Richard Neutra, 1947-1948. .......................................................................47
Figura 44 - Nursery Kindergarten, Los Angeles, Califórnia, Richard Neutra and Robert Alexander, 1957..........................................47
Figura 45 – Tremaine House, Montecito, Califórnia, Richard Neutra, 1947-1948. .......................................................................47
Figura 46 – Kaufmann House, Palm Springs, California, Richard Neutra, 1946............................................................................47
Figura 47 – Desenhos de Garrett Eckbo, Landscape for Living, 1950 e Art of Home Landscaping, 1965. ......................................48
Figura 48 – Richard Neutra, Pitcairn House (Pennsylvania, 1959-1962).....................................................................................49
Figura 49 – Richard Neutra, Pitcairn House (Pennsylvania, 1959-1962).....................................................................................49
Figura 50 – Plywood House, California, Richard Neutra, 1936. .................................................................................................49
Figura 51 – Kaufman House, California, Richard Neutra, 1946..................................................................................................49
Figura 52 - Cabana primitiva de Semper. ...............................................................................................................................51
Figura 53 – Neurosciences Institute, La Jolla, California. Todd Williams e Billie Tsien, 1992-1995. ................................................52
Figura 54 – De Bijenkorf Department Store (Marcel Breuer, 1955-57), Maison Du Peuple (Jean Prouve, 1937-39) e De Telegraaf (J.
F. Staal e G, J, Langhout, 1927-30). ....................................................................................................................................53
Figura 55 – De Punkt e De Komma (Álvaro Siza, Haia, 1983-1988). ........................................................................................54
Figura 56 – Tzara House, Loos, Paris, 1926. .........................................................................................................................57
Figura 57 – Rufer House, Adolf Loos, Viena, 1922. ................................................................................................................57
Figura 58 – Child Guidance Clinic, Los Angeles, Richard Neutra, 1963. .....................................................................................58
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
_________________________________________________________________________________________________________________
Figura 59 – Nursery-Kindergarten, Los Angeles, Richard Neutra, 1957. .....................................................................................58
Figura 60 – Neurosciences Institute, La Jolla, Califórnia. Todd Williams e Billie Tsien, 1992-1995. ................................................58
Figura 61 – Ocupação em área de risco em Salvador. .............................................................................................................59
Figura 62 - Conjunto residencial em Belo Horizonte. ................................................................................................................59
Figura 63 – Bairro Buritis, Belo Horizonte. ..............................................................................................................................60
Figura 64 – Projeto e cenário para a peça Nômades................................................................................................................61
Figura 65 – Kunsthal (Rem Koolhaas, 1992). .........................................................................................................................61
Figura 66 – Terminal de Yokohama (Farshid Moussavi e Alejandro Zaera-Polo, 1995-2002) ........................................................61
Figura 67 - Biblioteca da UDelft (Mecanoo, 1993-1998). ........................................................................................................61
Figura 68 – Galeria comercial do Edifício Copan (Oscar Niemeyer, São Paulo, 1950). ..................................................................62
Figura 69 - Pavilhão do Brasil na Feira de Osaka (Paulo Mendes da Rocha, 1969-1970). ............................................................62
Figura 70 - Partido Comunista Francês (Oscar Niemeyer, 1965)................................................................................................62
Figura 71 – Cidade da Cultura (Peter Eisenman, Santiago de Compostela, 1999). .......................................................................62
Figura 72 – Residência Sigrist (Eduardo de Almeida, São Paulo, 1973-1976). ...........................................................................62
Figura 73 – Museu Paul Klee (Renzo Piano, Berna, 1999). ......................................................................................................63
Figura 74 - Casa das Canoas (Oscar Niemeyer, Rio de Janeiro, 1953).......................................................................................63
Figura 75 – Centro Galego de Arte Contemporânea.................................................................................................................65
Figura 76 – Região do Alto Douro Vinhateiro, Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. ..............................................................66
Figura 77 – Centro histórico da cidade de Ouro Preto, Minas Gerais. .........................................................................................67
Figura 78 - Centro histórico da cidade do Porto, Portugal. ........................................................................................................68
Figura 79 - Croquis de Álvaro Siza do centro histórico da cidade do Porto. .................................................................................68
Figura 80 – Habitações sociais Blijdorp (J. P. Oud, Rotterdam, 1931). ......................................................................................70
Figura 81 – Bairro de Ramalde (Fernando Távora, Porto, 1952-1960). .....................................................................................70
Figura 82 – Conjunto residencial da Bouça (Álvaro Siza, Porto, 1978). ......................................................................................70
Figura 83 – Sobrevoando o bairro da Malagueira; croqui para a Biblioteca da Universidade de Aveiro; O Anjo Inimigo.......................72
Figura 84 – Croqui para a Casa de Chá da Boa Nova (1958-1963). .........................................................................................79
Figura 85 – Vistas aéreas da situação da Casa de Chá da Boa Nova. .........................................................................................79
Figura 86 – Croquis da Casa de Chá da Boa Nova. .................................................................................................................80
Figura 87 – Relação entre a capela e a Casa de Chá. ..............................................................................................................81
Figura 88 - Relação entre a capela e a Casa de Chá................................................................................................................81
Figura 89 - Relação entre a capela e a Casa de Chá................................................................................................................81
Figura 90 – Os diferentes tipos de aberturas...........................................................................................................................81
Figura 91 – Relação entre o edifício e as rochas locais.............................................................................................................82
Figura 92 – Rochas na entrada.............................................................................................................................................82
Figura 93 – Átrio de entrada e distribuição para os salões de chá. .............................................................................................83
Figura 94 – Encontro entre edifício e rochas. ..........................................................................................................................83
Figura 95 - Percurso de acesso à Casa de Chá da Boa Nova....................................................................................................83
Figura 96 – Sistema de muros e plataformas que antecedem a entrada ao edifício.......................................................................84
Figura 97 – Materiais distintos utilizados em diferentes partes do edifício.....................................................................................84
Figura 98 – Casa de Chá da Boa Nova. .................................................................................................................................85
Figura 99 – Projeto da Casa de Chá da Boa Nova. 01. Planta baixa piso 0 (acesso); 02. Planta baixa piso -1; 03. Cortes transversais;
05 e 06. Elevações frontais; 07 e 08. Elevações laterais; 09 e 10. Cortes das caixilharias............................................................86
Figura 100 – Croqui para a Piscina das Marés (1961-1966). ...................................................................................................87
Figura 101 – Vistas aéreas da situação da Piscina das Marés....................................................................................................87
Figura 102 – Croqui inicial para a Piscina das Marés................................................................................................................88
Figura 103 – Croquis para a Piscina das Marés.......................................................................................................................88
Figura 104 – Percurso de acesso. ........................................................................................................................................89
Figura 105 – Relação entre o volume do restaurante e a Piscina. ..............................................................................................90
Figura 106 – Cortes e fachadas do restaurante. ......................................................................................................................90
Figura 107 – Piso que marca a entrada do restaurante. ...........................................................................................................90
Figura 108 – Soluções distintas de domesticação dos percursos ao longo do espaço. .................................................................90
Figura 109 – Muros de contenção que delimitam os recintos das piscinas. .................................................................................91
Figura 110 – Materiais distintos utilizados em momentos distintos..............................................................................................91
Figura 111 – Vistas panorâmicas da Piscina das Marés............................................................................................................92
Figura 112 – 01, 02 e 03 – Perfis transversais da avenida ao mar; 04. Planta baixa; 05, Elevação a partir do mar; 06 e 07. Cortes
transversais do bloco dos vestiários. ......................................................................................................................................93
Figura 113 – Croqui para a Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (1986-1996). ....................................................94
Figura 114 – Vistas aéreas da situação da Faculdade de Arquitectura.........................................................................................95
Figura 115 – Palácio Episcopal no centro histórico do Porto. ....................................................................................................96
Figura 116 – Croquis iniciais. ...............................................................................................................................................96
Figura 117 – Croquis iniciais do projeto da FAUP. ...................................................................................................................96
Figura 118 – Croquis do desenvolvimento da proposta. ...........................................................................................................96
Figura 119 – Desenhos da proposta final. ..............................................................................................................................97
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
_________________________________________________________________________________________________________________
Figura 120 – Encontro das alas norte e sul do conjunto. ..........................................................................................................97
Figura 121 – FAUP vista a partir da marginal oposta do rio Douro..............................................................................................98
Figura 122 – Terraço e abertura para a paisagem. ..................................................................................................................98
Figura 123 - Terraço e abertura para a paisagem. ...................................................................................................................98
Figura 124 - Volume marca a entrada oeste do conjunto..........................................................................................................99
Figura 125 - Acesso ao conjunto pela sua face oeste. .............................................................................................................99
Figura 126 – Acesso ao conjunto a partir do lado leste e corredor que comunica as torres entre si...............................................100
Figura 127 – Encontro entre os acessos subterrâneos que interligam os blocos da ala norte e sul do conjunto...............................100
Figura 128 – Pátio central e encontro das alas norte e sul e três dos quatro níveis do projeto. .....................................................101
Figura 129 – Vistas panorâmicas sobre o conjunto da FAUP...................................................................................................101
Figura 130 – Os efeitos da pátina sobre o reboco branco do edifício........................................................................................102
Figura 131 – A pátina nos muros e rampas em pedra............................................................................................................103
Figura 132 – Fragmentação do programa em blocos isolados.................................................................................................103
Figura 133 – Fragmentação do volume que delimita a ala norte do conjunto. ............................................................................104
Figura 134 – Fragmentações. ............................................................................................................................................104
Figura 135 – Encontro das diferentes geometrias resultantes da fragmentação do volume nos seus interiores. ...............................104
Figura 136 – Vista panorâmica do conjunto da FAUP.............................................................................................................104
Figura 137 – Projeto da FAUP. 01. Planta de situação; 02. Planta baixa piso -1; 03. Planta baixa piso 1. ....................................105
Figura 138 – Projeto da FAUP. 01 Planta baixa piso 2; 02 e 03. Cortes longitudinais; 04 e 06. Cortes longitudinais; 05 e 07. Cortes
transversais; 08 e 09. Elevações.........................................................................................................................................106
Figura 139 – Croqui para a Igreja de Santa Maria (1990-1996)..............................................................................................109
Figura 140 – Vistas aéreas da situação da Igreja de Santa Maria e do centro paroquial...............................................................110
Figura 141 – Croqui da Igreja vista a partir do interior da quadra, capela preexistente e vale ao fundo...........................................110
Figura 142 – Entorno imediato e paisagem do vale ao fundo do sítio do projeto. .......................................................................111
Figura 143 – Croquis com a proposta inicial, com a residência do pároco (em cinza, não construída). ..........................................112
Figura 144 – Relação do conjunto com as preexistências do sítio. ...........................................................................................112
Figura 145 – Percurso de ligação entre o conjunto de habitações e o conjunto religioso. ............................................................113
Figura 146 – Principal percurso de acesso ao conjunto, da avenida ao adro. ............................................................................114
Figura 147 – Vista panorâmica do conjunto, adro e relação com a paisagem ao fundo...............................................................114
Figura 148 – Igreja de Santa Maria (Álvaro Siza, 1990-1996). ...............................................................................................115
Figura 149 – As diferentes formas de captura da luz local. .....................................................................................................115
Figura 150 – Maquete física do complexo religioso. ..............................................................................................................116
Figura 151 – Croquis que mostram o encaixe do volume da igreja e capela mortuária no terreno.................................................117
Figura 152 – Acesso a capela mortuária. .............................................................................................................................117
Figura 153 – Pátio de transição entre a capela mortuária e a avenida, escadas ligam o nível inferior (avenida) ao nível superior (adro).
......................................................................................................................................................................................117
Figura 154 – Plataforma em granito sob a qual assenta a construções. ....................................................................................118
Figura 155 – Materiais e efeitos distintos utilizados no interior da igreja.....................................................................................118
Figura 156 – Vistas laterais e frontais da igreja e centro paroquial. ...........................................................................................119
Figura 157 – 01. Planta baixa piso 0; 02. Planta baixa piso 1; 03. Planta baixa piso 2; 04, 05 e 06. Cortes longitudinais e transversal;
07, 08 e 09. Elevações laterais e de fundos; 10, 11 e 12. Elevação frontal; 13. Corte transversal; 14. Implantação. .....................120
Figura 158 – 01. Planta baixa do conjunto (igreja e centro paroquial e moradia do pároco – não construída); 02, 03, 04, 05, 06 e 07.
Perfis do conjunto no entorno. ............................................................................................................................................121
Figura 159 – Croqui para o Museu de Arte Contemporânea de Serralves (1991-1999) .............................................................122
Figura 160 – Situação do museu no terreno.........................................................................................................................123
Figura 161 – Casa déco, bosque e jardins preexistentes. .......................................................................................................123
Figura 162 – Croquis ........................................................................................................................................................124
Figura 163 – Croquis de estudo de espaços distintos do museu..............................................................................................124
Figura 164 - Vista do museu a partir da rua e pátio de chegada. .............................................................................................125
Figura 165 – Início do percurso e loja..................................................................................................................................125
Figura 166 - Início do percurso de acesso e volume do auditório.............................................................................................125
Figura 167 – Segundo momento do percurso, pátio que antecede a entrada ao museu. ............................................................125
Figura 168 – Esquema em “U” de distribuição das salas, pátio externo e continuidade com alameda arborizada preexistente da quinta.
......................................................................................................................................................................................126
Figura 169 - Átrio de distribuição e uma das salas de exposição..............................................................................................126
Figura 170 - Sala central. ..................................................................................................................................................126
Figura 171 – Diferentes formas de captura da luz e aberturas para os jardins. ...........................................................................127
Figura 172 – Aberturas do museu.......................................................................................................................................127
Figura 173 – Chegada ao museu. Declive do terreno no sentido leste-oeste. ............................................................................128
Figura 174 - Caminho de acesso aos jardins. Declive do terreno no sentido norte-sul (à esquerda da foto). ...................................128
Figura 175 – Átrio da biblioteca e sala de leitura. ..................................................................................................................129
Figura 176 – Vista geral do museu a partir da sua fachada oeste.............................................................................................129
Figura 177 – Utilização da pedra e reboco. ..........................................................................................................................130
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
_________________________________________________________________________________________________________________
Figura 178 – Pedra utilizada nos muros de contenção e percursos. .........................................................................................130
Figura 179 – Alguns fragmentos do edifício..........................................................................................................................131
Figura 180 – Vista geral do edifício a partir do interior do terreno.............................................................................................131
Figura 181 – Projeto para o Museu de Arte Contemporânea de Serralves. 01. Planta de situação; 02. Planta baixa piso 0; 03. Planta
baixa piso 01. ..................................................................................................................................................................132
Figura 182 - Projeto para o Museu de Arte Contemporânea de Serralves. 01. Planta baixa piso -2; 02. Planta baixa piso -1; 03, 04,
05 e 06. Cortes; 07, 08, 09 e 10. Elevações. .....................................................................................................................133
Figura 183 – Croqui para a Fundação Iberê Camargo (2000-2008) ........................................................................................134
Figura 184 – Vistas aéreas da situação do edifício da Fundação Iberê Camargo. .......................................................................135
Figura 185 - Casa Mário Baía. ............................................................................................................................................136
Figura 186 - Casa Mário Baía. ............................................................................................................................................136
Figura 187 – Maquete física da inserção do edifício no terreno................................................................................................136
Figura 188 – Croquis para o edifício da FIC. .........................................................................................................................137
Figura 189 – Átrio externo e interno do edifício. ....................................................................................................................137
Figura 190- Pátio de entrada..............................................................................................................................................138
Figura 191 – Integração entre salas de exposição e átrio........................................................................................................138
Figura 192 – Átrio e salas de exposição...............................................................................................................................139
Figura 193 – Interiores das passarelas em balanço................................................................................................................139
Figura 194 – Aberturas do museu.......................................................................................................................................140
Figura 195 – Aberturas para o exterior nos espaços de circulação. ..........................................................................................140
Figura 196 – Pátios localizados no nível abaixo da rua. ..........................................................................................................140
Figura 197 – Chegada ao edifício a partir do estacionamento..................................................................................................141
Figura 198 – Situação do edifício na paisagem e contraste entre sítio e materialidade.................................................................141
Figura 199 – Blocos horizontal e vertical. .............................................................................................................................142
Figura 200 – Projeto do edifício da Fundação Iberê Camargo. 01. Planta baixa estacionamento; 02. Planta baixa piso -1; 03. Planta
baixa piso 0; 04. Planta baixa piso 1 (semelhante aos pisos 2 e 3); 05 e 07. Cortes longitudinais; 06 e 08. Cortes transversais; 09 e
10. Elevações. .................................................................................................................................................................143
Figura 201 – Croqui para o Conjunto residencial da Bouça II (SAAL). .......................................................................................146
Figura 202 – Situação do Bairro da Bouça. ..........................................................................................................................147
Figura 203 – Situação e entorno.........................................................................................................................................147
Figura 204 – Maquete física do conjunto. ............................................................................................................................147
Figura 205 – Croquis para o conjunto habitacional da Bouça. .................................................................................................148
Figura 206 - Relação entre blocos, pátios e malha urbana existente (ao fundo)..........................................................................149
Figura 207 – Formas distintas de acesso aos apartamentos....................................................................................................149
Figura 208 – Conexão entre os blocos. ...............................................................................................................................150
Figura 209 – Conexões entre os blocos. (Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)...................................................150
Figura 210 – Bloco habitacional situado no lado leste do conjunto. ..........................................................................................150
Figura 211 – Muro de concreto que ancora o conjunto..........................................................................................................151
Figura 212 – Plataforma que abriga o estacionamento. ..........................................................................................................151
Figura 213 – Uso da cor nos blocos habitacionais.................................................................................................................152
Figura 214 – Muro de concreto que separa o conjunto da linha férrea......................................................................................152
Figura 215 – Blocos que configuram as esquinas do conjunto. ...............................................................................................152
Figura 216 – Bloco voltado para a Rua da Boavista. ..............................................................................................................153
Figura 217 – Vista panorâmica sobre o conjunto. ..................................................................................................................153
Figura 218 – Projeto do Conjunto residencial da Bouça II (SAAL). 01. Planta baixa piso 0; 02. Planta baixa piso 1; 03. Elevação
sudoeste; 04. Corte transversal; 05. Elevação norte; 06. Corte transversal; 07. Elevação noroeste; 08. Elevação sudeste...............154
Figura 219 – 01. Planta baixa piso 2; 02. Planta baixa piso 3; 03. Elevação SO; 04. Elevação NO; 05. Elevação NO; 06. Elevação SO;
07. Elevação SO; 08. Elevação NO; 09. Fases de construção do conjunto (primeira fase em branco, segunda fase em preto). ........155
Figura 220 – Croqui para agência bancária em Vila do Conde (1978-1986).............................................................................156
Figura 221 – Vistas aéreas da situação da Agência bancária em Vila do Conde. ........................................................................156
Figura 222 – Vista da Praça São João (esquerda) e da Praça José Régio (direita)......................................................................157
Figura 223 – Croquis da agência bancária em Vila do Conde..................................................................................................157
Figura 224 – Agência bancária em Vila do Conde (1978-1986) .............................................................................................158
Figura 225 – Acessos distintos e manejo do terreno. .............................................................................................................158
Figura 226 – Acessos distintos e manejo do terreno. .............................................................................................................159
Figura 227 – Croquis da fachada posterior e pátio.................................................................................................................159
Figura 228 – Pátio situado na parte posterior do edifício.........................................................................................................159
Figura 229 – Elevador e escadas internas que fazem a ligação aos níveis internos. ....................................................................160
Figura 230 – Fachadas voltadas para o interior do lote...........................................................................................................160
Figura 231 – Os diferentes materiais e formas de aplicação....................................................................................................161
Figura 232 – Vistas do edifício na paisagem. ........................................................................................................................161
Figura 233 – Croqui e imagens dos interiores do edifício........................................................................................................162
Figura 234 – Fachadas do interior do lote. ...........................................................................................................................162
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
_________________________________________________________________________________________________________________
Figura 235 – Face posterior do edifício................................................................................................................................162
Figura 236 – Projeto da agência bancária em Vila do Conde. 01. Situação; 02. Planta baixa piso -1; 03. Planta baixa piso 0; 04.
Planta baixa piso 1; 05. Planta de coberta............................................................................................................................163
Figura 237 – Projeto da agência bancária em Vila do Conde. 01. Corte longitudinal; 02. Corte transversal; 03. Corte longitudinal; 04.
Corte transversal; 05. Elevação lateral; 06. Elevação fundos. ..................................................................................................164
Figura 238 – Croqui para o Centro Galego de Arte Contemporânea (1988-1993).....................................................................165
Figura 239 – Situação do Centro Galego de Arte Contemporânea. ..........................................................................................166
Figura 240 – Convento, ruínas, edificações e jardins, algumas preexistências do sítio. ................................................................166
Figura 241 – Ruínas e preexistências do jardim do convento. .................................................................................................167
Figura 242 – Croqui para o CGAC.......................................................................................................................................167
Figura 243 – Situação do CGAC em relação ao convento e jardim...........................................................................................167
Figura 244 – Maquetes físicas do CGAC..............................................................................................................................167
Figura 245 – Acesso ao museu e aos jardins........................................................................................................................168
Figura 246 – Átrio. ...........................................................................................................................................................168
Figura 247 – Átrio triangular de distribuição. .........................................................................................................................168
Figura 248 – Salas de exposição. .......................................................................................................................................169
Figura 249 – Algumas das intervenções ao longo do jardim....................................................................................................169
Figura 250 – Face oeste do museu e encontro com o jardim..................................................................................................170
Figura 251 – Rampa, escada e plataforma que antecedem a entrada do edifício. ......................................................................170
Figura 252 – Empena lateral e pátio entre museu e convento..................................................................................................171
Figura 253 – CGAC em 1993............................................................................................................................................171
Figura 254 – CGAC em 2011............................................................................................................................................171
Figura 255 – Contraste entre o peso da parede em pedra e a leveza dos apoios metálicos. ........................................................172
Figura 256 – Fachada leste do edifício.................................................................................................................................172
Figura 257 – Estudo do encaixe entre os dois blocos. ...........................................................................................................173
Figura 258 – Espaço entre o encaixe dos dois blocos............................................................................................................173
Figura 259 – Encontro entre as duas alas do museu na extremidade sul...................................................................................174
Figura 260 – Vista panorâmica do CGAC. ............................................................................................................................174
Figura 261 – Projeto do Centro Galego de Arte Contemporânea. 01. Planta baixa piso -1; 02. Planta baixa piso 0; 03. Planta baixa piso
1; 04. Planta baixa piso 2; 05, 06, 07 e 08. Elevações; 09 e 10. Cortes transversais; 11 e 12. Cortes longitudinais; 13. Situação. 175
Figura 262 - 01, 02, 03 e 04. Cortes; 05, 06, 07, 08 e 09 – Elevações com o entorno..........................................................176
Obs.: Imagens da capa do volume e das capas dos capítulos 1, 2, 3, 4, 5, e 6: Fernando Guerra, cedidas pelo Centro de
Documentação Álvaro Siza, através da Casa da Arquitectura.
Imagem da capa dos Anexos: Lívia Nóbrega.
LISTA DE ABREVIATURAS
ACA – Associação Casa da Arquitectura
CDAS – Centro de Documentação Álvaro Siza
CGAG – Centro Galego de Arte Contemporânea
ESBAL – Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa
ESBAP – Escola Superior de Belas-Artes do Porto
FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
FIC – Fundação Iberê Camargo
IAUV – Instituto de Arquitetura da Universidade de Veneza
MAAVC – Museu de Arte e Arqueologia o Vale do Côa
MACS – Museu de Arte Contemporânea de Serralves
ODAM – Organização dos Arquitectos Modernos
SAAL – Serviço de Apoio Ambulatório Local
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Síntese de algumas das principais discussões de revisão do Movimento Moderno do século
XX. (p. 39)
Tabela 2 – Síntese dos conceitos de elaboração, inserção e colaboração (p. 52)
Tabela 3 – Relação estabelecida entre os temas citados por Leatherbarrow (2004) e as categorias
propostas por Maciel (2006) para classificar os projetos a serem examinados. (p. 75)
Tabela 4 – Temas selecionados e projetos a serem examinados em cada. (p. 75)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1. ARQUITETURA E LUGAR:
LUGAR: uma revisão
1.1 Lugar
1.2 Paisagem
1.3 Contexto
1.4 Região
2. SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES EMERGENTES: topografia
2.1 Panorama internacional – as reflexões de David Leatherbarrow
2.1.1 A apreensão do sítio e a liberdade projetual
2.1.2 A construção como cultivo
2.1.3 A terraplenagem como partido
2.1.4 Sítio e materialidade
2.1.5 Fragmentação versus frontalidade
2.2 Panorama nacional
2.2.1 A falta de sensibilidade à topografia
2.2.2 A topografia enquanto mote do projeto
3. SENSIBILIDADE TOPOGRÁFICA EM ÁLVARO
ÁLVARO SIZA
3.1 A essência lógica da paisagem
3.2 A Escola do Porto e a obra de Siza
3.3 A construção do método
4. O PROJETO COMO ELABORAÇÃO DO SÍTIO
4.1 Casa de Chá da Boa Nova
4.2 Piscina das Marés
4.3 Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
14
19
20
26
32
45
41
42
44
48
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59
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64
66
69
73
78
79
87
94
5. O PROJETO COMO INSERÇÃO NO SÍTIO
108
5.1 Igreja de Santa Maria e centro paroquial
5.2 Museu de Arte Contemporânea de Serralves
5.3 Fundação Iberê Camargo
109
122
134
6. O PROJETO COMO COLABORAÇÃO COM O SÍTIO
6.1 Conjunto residencial da Bouça II (SAAL)
6.2 Agência bancária em Vila do Conde
6.3 Centro Galego de Arte Contemporânea
145
146
156
165
CONSIDERAÇÕES
CONSIDERAÇÕES FINAIS
177
REFERÊNCIAS
182
ANEXOS
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
_________________________________________________________________________________________________________________
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
O século XX foi um período de intensas transformações na arquitetura com as guerras; o crescimento
acelerado das cidades; a explosão dos centros urbanos; o surgimento do edifício de habitação coletiva;
o desequilíbrio entre espaços livres e edificados e a obsolescência das ruas perante os novos meios de
transportes, problemas enfrentados pela arquitetura desde o século XIX (ARÍS, 2000). A reconstrução
das cidades destruídas pela guerra foi criticada pela ênfase nos aspectos econômicos e técnicos, dando
início a uma série de questionamentos sobre a crença excessiva no racionalismo e sobre os embates
entre civilização universal e culturas locais (RICOUER, 1955).
Em geral, os autores criticaram a ênfase na abstração e o caráter genérico dos planos urbanos, dos
edifícios e das cidades que estavam se conformando, chamando a atenção para a importância de se
pensar o ambiente urbano enquanto uma paisagem construída, da diversidade e da conservação dos
aspectos que registram a sua memória e identidade. (CULLEN, 1961; JACOBS, 1961; LYNCH, 1960)
Cabe ressaltar que o Estilo Internacional, que se consolida ao longo dos anos 1930, não constituiu uma
manifestação hegemônica e que esta noção foi posta em cheque à medida que manifestações
arquitetônicas, sobretudo a produção de alguns arquitetos que trabalharam em países menos
desenvolvidos industrialmente e mais distantes do contexto da Europa central, como Brasil e Finlândia,
foram sendo conhecidas e estudadas. (GIEDION, 1941)
Inicia-se então um processo de revisão destes ideais abstratos e tecnológicos universais que buscou
restabelecer uma relação empírica entre a arquitetura e os aspectos concretos da realidade. Com
enfoques distintos, estas discussões estimularam a criação de novas estruturas que tomassem em
conta a paisagem, ao contexto, à região, e se voltassem para a história, cultura e tradições construtivas
vernaculares, de modo a equilibrar o local e o universal, o antigo e o moderno.
Emerge então uma atenção ao lugar no debate do segundo pós-guerra, com o intuito de revisar
criticamente alguns princípios da arquitetura moderna. O tema do lugar (HEIDEGGER, 1951; NORBERGSCHULZ, 1963) foi retomado, em contraposição à ênfase no espaço (SCHMARSOW apud MALLGRAVE,
1994), como instância capaz de recuperar essa ligação entre arquitetura, ambiente e sociedade.
Estas discussões, situadas principalmente entre 1950 e 1980, foram fundamentais para o estado atual
do conhecimento da disciplina. Apesar da sua importância, percebe-se que estas perderam a força nos
dias atuais, sobretudo a partir dos anos 1980, por não serem suficientemente claras ou por recaírem
num certo formalismo, por exemplo, ao referenciar o contexto de forma muito literal e recorrerem a
soluções compositivas e construtivas do passado.
14
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
_________________________________________________________________________________________________________________
É evidente que estas práticas desenvolveram novas formas de expressão arquitetônica pautadas na
imagem, no movimento1, no caráter atectônico2 e em partidos abstratos, assim como permitiram que
muitos arquitetos passassem a projetar em várias partes do mundo, assumindo posturas semelhantes
em contextos distintos, aspectos que podem ser observados em obras de Bernard Tschumi, Frank
Gehry, Peter Eisenmann, Rem Koolhaas, Zaha Hadid e outros, que cumprem um importante papel na
estratégia de divulgação e atração turística de algumas cidades (JENCKS, 2005).
Cabe também ressaltar que atualmente não faz mais sentido acusar a arquitetura de ser universal, pois o
aumento da cultura de consumo em massa, a utilização de elementos pré-fabricados, as ferramentas
digitais de projeto e a rápida difusão de formas e padrões construtivos hoje estão cada vez mais
presentes e são parte consolidada da realidade do processo criativo da arquitetura, também tendo
contribuído para a obsolescência destas discussões (EISENMAN, 1992).
Questiona-se então o uso dessas ferramentas e a incorporação destas práticas de modo acrítico e
dissociado da realidade que envolve o projeto, pois estas podem converter o processo projetual em atos
de escolha e combinação de partes e gerar soluções arquitetônicas dissociadas dos aspectos do lugar,
como a topografia, o clima, a paisagem e a própria práxis humana. O desenvolvimento da cultura da
especialização excessiva também contribui para a falta de diálogo entre arquitetura, paisagismo e
urbanismo, refletindo na configuração das cidades e na vivência da sociedade e contribuindo para o
enfraquecimento do papel destas disciplinas na cultura contemporânea.
Portanto, a questão central levantada por estas discussões persiste, pois ainda que os materiais,
sistemas construtivos e linguagens sejam concebidos independente de onde serão empregados, os
edifícios inevitavelmente terão de lidar com as condições do local, sejam elas objetivas, como clima,
relevo, redes de sistemas infraestruturais e morfologia do terreno, ou subjetivas, como aspectos sociais,
culturais e psicológicos, podendo afirmar, modificar ou criticar estas condições nos projetos.
Diante deste panorama, esta dissertação busca identificar formulações recentes que possam dar
continuidade a este debate, bem como ajudar a compreender o processo de projetação3 de Álvaro Siza; e
identificar estratégias projetuais4 a partir da análise de seus projetos de aproximação entre projeto e sítio
que estejam em sintonia com as práticas projetuais e construtivas atuais.
Bernard Tschumi, por exemplo, propõe a transposição de conceitos do cinema, como as técnicas de edição dissolução e montagem, para
questionar as representações gráficas convencionais estabelecer relações temporais entre eventos e espaços. (TSCHUMI, 1988)
2
“o caráter tectônico de um edifício seria expresso pela relação de interdependência mútua entre estrutura e construção, a condicionar sua
manifestação visível, ou seja, sua aparência. Em contraposição, o termo atectônico passou a designar a operação pela qual a interação expressiva
entre carga e suporte é negligenciada ou obscurecida visualmente”. (SANTA CECÍLIA, 2006)
3
“ termo que define a produção do projeto de arquitetura como um processo. Este processo tem um momento crítico e imponderável que foge a
qualquer metodologia, mesmo quando a projetação estava sujeira às regras da composição clássica. Este momento crítico é o momento que
envolve as decisões relativas ao que conhecemos por partido arquitetônico, estratégia ou conceito” (BISELLI, 2011)
4
“mecanismos, procedimentos, paradigmas e artefatos formais que aparecem com insistência recorrente na obra dos arquitetos de hoje” (MONEO,
2008, p. 09)
1
15
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
_________________________________________________________________________________________________________________
Com o intuito de avançar neste debate e fornecer noções mais didáticas e atuais sobre o assunto, o
trabalho foi estruturado em seis capítulos, onde os capítulos 1, 2, e 3 contextualizam o objeto, ou seja,
as principais discussões de revisão do Movimento Moderno, apresentam alguns novos conceitos que
serão a base para a análise dos projetos e apresentam o contexto de formação do arquiteto Álvaro Siza.
E os capítulos 4, 5 e 6 dedicam-se às análises, onde, em cada capítulo, serão analisados três projetos
identificados como sendo elucidativos neste sentido.
O capítulo 1 reúne as principais discussões de revisão do Movimento Moderno, do segundo pós-guerra
aos anos 1980, apontando suas principais potencialidades e limitações, selecionadas a partir da sua
relevância no contexto internacional e das suas relações e influências sobre a obra de Álvaro Siza, de
modo a destacar suas principais características e limitações. Estas discussões foram agrupadas em
quatro temas: lugar, paisagem, contexto e região.
Em lugar estão reunidas reflexões de ressonâncias na arquitetura no âmbito filosófico e
fenomenológico, como Maurice Merleau-Ponty e Martin Heidegger. No tema paisagem são revisadas a
produção de arquitetos que se destacaram neste âmbito, como Alvar Aalto e Frank Lloyd Wright, que
apesar de datarem da primeira metade do século XX, só ganham amplitude internacional e chegam a
Portugal no segundo pós-guerra, influenciando a produção de Siza. Em relação ao contexto, sobre a
noção de integração dos edifícios com o contexto preexistente, foram destacadas as idéias dos italianos
Ernest Rogers, Aldo Rossi e Vittorio Gregotti, que tiveram influência sobre Siza. Em região, serão
revisadas reflexões da filosofia, a partir de Paul Ricoeur, que chamou a atenção para os embates entre
civilização universal e culturas nacionais e suas ressonâncias na arquitetura, com os estudos de
Alexander Tzonis e Liane Lefaivre e de Kenneth Frampton, que formularam o Regionalismo Crítico.
O capítulo 2 apresenta reflexões recentes sobre o assunto que permitem avançar neste debate, como os
estudos do crítico norte-americano David Leatherbarrow, que entende a topografia como um campo de
trabalho comum entre as disciplinas da arquitetura e paisagismo. Esse entendimento topográfico da
realidade no ato de concepção do projeto permite aproximar estas disciplinas entre si e com o lugar.
Conseguiu-se destacar cinco pontos sintetizam de modo geral suas principais idéias e que foram
identificados em consonância com aspectos presentes nos projetos de Siza, sendo eles: (1) a apreensão
do sítio e a liberdade projetual; (2) a construção como cultivo; (3) a terraplenagem como partido; (4)
sítio e materialidade, (5) fragmentação versus frontalidade. Apesar de existirem poucas reflexões sobre
o assunto no panorama nacional conseguiu-se identificar autores que fazem uma denúncia de paisagens
onde a atenção as características do sítio foi negligenciada (TEIXEIRA, 2008) e alertam para o potencial
da topografia como fato gerador do projeto (MACIEL, 2006).
16
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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O capítulo 3 apresenta o objeto de pesquisa, a obra de Álvaro Siza, e a metodologia construída a ser
utilizada para a análise dos projetos. Sobre o objeto, são destacados dois pontos: a essência lógica da
paisagem (da cidade do Porto e arredores de Portugal) que se observa em seus projetos e a Escola do
Porto5 de arquitetura, seu ambiente de formação o qual é freqüentemente associado. A construção do
método utilizado para estudar os projetos tomou como base três temas para a classificação dos projetos
selecionados, elaboração, inserção e colaboração, lançados por Leatherbarrow (2004) e
complementados com as reflexões de Maciel (2006). Essa divisão em três características conceituais
não excludentes entre si tem o intuito de nortear as análises com uma classificação de acordo com o
partido do projeto, de modo a romper com a ordem cronológica e facilitar a compreensão da essência
de cada projeto e a identificação de estratégias projetuais em comum entre estes. O estudo de cada
projeto tomará como fio condutor os cinco temas identificados a partir da revisão da literatura de
Leatherbarrow citados anteriormente.
Com base neste aporte teórico, chamou-se de sensibilidade topográfica (CURTIS, 1996) o modo de
fazer de Siza que relaciona projeto e sítio, a partir dessa percepção topográfica, não só da morfologia do
terreno, mas enquanto modelo tridimensional da realidade, apreendendo as características materiais e
imateriais do sítio e delas tirando partido, afirmando, modificando ou criticando-as.
Os projetos foram estudados através de croquis, desenhos técnicos, maquetes, e fotografias dos
edifícios e entorno, levantados em pesquisas na Biblioteca da Faculdade de Arquitectura da Universidade
do Porto (FAUP); fornecidos pelo escritório do arquiteto Álvaro Siza e do Centro de Documentação
Álvaro Siza (CDAS), através da Associação Casa da Arquitectura (ACA); e por meio de visitas in loco, por
acreditar-se que a experimentação é fundamental para a compreensão do seu relacionamento com o
sítio e o lugar. A oportunidade de estudar e morar na cidade do Porto e na Faculdade de Arquitectura da
Universidade do Porto permitiu, além do acesso às obras, dados e publicações pouco conhecidas ou
não divulgadas no Brasil, um melhor entendimento do seu ambiente de formação pessoal e profissional.
Para esclarecer a operatividade dos conceitos abordados ao longo dos capítulos anteriores serão
analisados alguns projetos de Siza em consonância com estas discussões. No capítulo 4, o projeto
como elaboração do sítio, são estudados projetos que realizam uma organização, ordenamento,
conformação e operação à estrutura do sítio, definindo construções menos geométricas e mais
topológicas, sendo eles: Casa de Chá da Boa Nova (1958-1963); Piscina das Marés (1961-1966);
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (1986-1996).
5
A Escola do Porto enquanto referência de um modo de fazer, a que está associado um modo de pensar poucas vezes exposto, é o epicentro da
cultura arquitetônica das últimas quatro décadas do século XX português. (FIGUEIRA, 1998, p. 17)
17
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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O capítulo 5, o projeto como uma inserção no sítio, trata de projetos que realizam uma síntese entre
edifício e paisagem, que realizam uma interpretação da topografia no seu sentido mais convencional.
Foram selecionados os projetos: Igreja de Santa Maria e Centro Paroquial (1990-1996); Museu de Arte
Contemporânea de Serralves (1991-1999); Fundação Iberê Camargo (1998-2008).
O capítulo 6, o projeto como colaboração com o sítio, aponta projetos que trabalham na mesma direção
das pré-existências do entorno, com geometrias que reforçam a continuidade com o espaço urbano.
Serão examinados: Conjunto Residencial Bouça - SAAL (1973-1977/2000-2006); Agência bancária em
Vila do Conde (1978-1986); Centro Galego de Arte Contemporânea (1988-1993).
Por fim, são tecidas considerações finais que sintetizam as principais estratégias projetuais
identificadas ao longo dos projetos analisados ao longo dos capítulos anteriores, elucidando atitudes
que possam contribuir para o processo criativo da arquitetura no sentido de sensibilizar os arquitetos
para um ato de projetação que leve em consideração o relacionamento entre arquitetura e lugar.
18
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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1. ARQUITETURA E LUGAR:
LUGAR: uma revisão
revisão
Este capítulo reúne e aponta limitações e potencialidades das principais formulações que buscaram
revisar criticamente os princípios ditos universais e abstratos do Movimento Moderno, mais
precisamente daqueles definidos como Estilo Internacional. Procuramos agrupar estas formulações em
quatro temas: lugar, paisagem, contexto e região. Estas formulações foram selecionadas pela sua
relevância no contexto internacional, fundamentais para o estado atual da disciplina da arquitetura, e
pela sua influência no cenário português, mais precisamente sobre a produção de Álvaro Siza.
1.1 Lugar
O tema do lugar foi resgatado no princípio dos anos 1950 como forma de se contrapor à noção abstrata
de espaço6. Antes mesmo do desenvolvimento do Estilo Internacional, a ênfase no espaço já havia sido
anunciada, por exemplo, na obra de Adolf Loos em princípios do século XX, que introduziu com a noção
do Raumplan novas concepções de criação espacial (LOOS, 1908).
Seus edifícios materializavam uma imagem de urbanidade, com um caráter quase industrial, e no
interior se aproximavam das tradições vernaculares vienenses, com o uso de materiais tradicionais
desprovidos de ornamentação. Loos transcendeu a concepção de distribuição do espaço da Renascença
e sugere um novo arranjo dos espaços internos em suas construções (HARTOONIAN, 1994). O
Raumplan, plano de volumes dispostos livremente no interior de prismas puros, é “um sistema
complexo de organização interna que foi culminar nas casas de vários níveis que criou quase no fim de
sua vida” (FRAMPTON, 1997, p. 107), formulação que, mesmo com as limitações tecnológicas,
antecipou em quase uma década o plan libre de Le Corbusier. (RISSELADA, 1988)
Figura 1 - Villa Müller (Adolf Loos, Viena, 1930).
(Fonte: LUSTENBERGER, 1998, p. 97)
6
Figura 2 – Villa Lido (Adolf Loos, Veneza, 1923).
(Fonte: LUSTENBERGER, 1998, p. 143)
O conceito de espaço surge em paralelo às investigações científicas - sobretudo a teoria da relatividade de Einstein que associou o conceito de
espaço à dimensão tempo - no final do século XIX e início do século XX, sobretudo na Alemanha, através dos estudos de August Schmarsow.
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SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
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A ênfase no espaço se desenvolveu nas artes plásticas e na arquitetura nos anos seguintes, como no
Neoplasticismo, no ensino da Bauhaus e nos projetos de Le Corbusier, Mies van der Rohe e Theo Van
Doesburg dos anos 1920, reflexos do pensamento abstrato. Estas experiências foram difundidas pelos
CIAM7, que formulam o Existenzminimum8 e a Carta de Atenas9, e posteriormente o International Style,
com o intuito de reconstruir as cidades no primeiro pós-guerra, puseram em prática ideais, materiais e
concepções espaciais, baseadas na ênfase da técnica, na economia de meios e no pensamento abstrato.
O espírito revolucionário do século explica as condições particulares da arquitetura:
novas tarefas ligadas à evolução do trânsito, da economia e do culto, novas
possibilidades de construção, devido aos novos materiais: vidro, ferro e betão.
(MENDELSOHN, 1919 apud RODRIGUES, 2010, p. 109)
Figura 3 – Piet Mondrian, 1921.
(Fonte: http://www.moma.org.
Acesso em 02 de Junho de 2012)
Figura 4 - Theo Van Doesburg, 1923.
(Fonte: http://www.moma.org/. Acesso
em: 02 de Junho de 2012)
Figura 5 - Mies van der Rohe, Brick Country House,
1923.
(Fonte: FRAMPTON, 1997, p. 197)
Contudo, ao se expandir para regiões menos industrializadas e distantes da Europa central, e ter de lidar
com realidades específicas, bem diferentes daquelas dessa origem, a arquitetura moderna teve de
dialogar com diferentes culturas, práticas construtivas e condições climáticas.
Ainda nos anos 1940, após as destruições e reconstruções da Segunda Guerra, começam a surgir os
confrontos entre os conceitos de espaço e lugar, motivados pela constatação de que “crescimento
tecnológico não se traduz mecanicamente em progresso social”. (RODRIGUES, 1996, p. 22)
Como reação, o tema do lugar é resgatado por filósofos e depois por arquitetos. Merleau-Ponty, em
Phénoménologie de la perception (1945), define lugar a partir da distinção entre espaço matemático e
antropológico, atribuindo ao segundo sentido existencial, que dá situação, localização, referencial às
experiências de relação entre o mundo e o ser. Os estudos da percepção alertaram para a importância
dos fenômenos da consciência e da experiência sensorial como forma de compreender a essência das
coisas, de tornar absolutas características apreendidas intuitivamente e de descrevê-las mentalmente.
7
8
9
Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna.
Tema discutido no CIAM de 1929 que propunha a diminuição das áreas de cada cômodo da casa e a disposição destas casas em edifícios de
habitação coletiva, de modo a diminuir os custos de cada habitação.
Resultado do CIAM de 1933, que enfatizava aspectos de ordem urbanística, como a setorização das cidades de acordo as suas funções (circular,
habitar, trabalhar e recrear) e a baixa densidade, em oposição ao caráter denso e informal das cidades tradicionais.
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SENSIBILIDADES
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TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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O filósofo romeno Mircea Eliade (1957) também refletiu sobre os conceitos de espaço e por meio de
uma análise dialética das noções de sagrado e de profano, de modo a compreender as dimensões da
existência humana. Para Eliade, o homem procura sacralizar o espaço na terra para estruturar a sua
orientação diante do universo. Essa busca pela sacralização do espaço, para Eliade, é uma revelação do
sagrado e de uma realidade específica, remetendo a noção de construção do lugar.
Assim, a arquitetura religiosa simplesmente assumiu e desenvolveu o
simbolismo cosmológico já presente na estrutura das habitações primitivas. Por
sua vez, a habitação humana tem sido cronologicamente precedida pelo
provisório “lugar santo”, por um lugar provisoriamente consagrado e
cosmicizado. Isto é o mesmo que dizer que todos os símbolos e rituais que tem a
ver com os templos, cidades e casas derivam da experiência primária do espaço
sagrado. (ELIADE, 1959, p. 58)10
Essa demarcação dos espaços pode ser observada na civilização grega. De modo a atribuir caráter ao
espaço geográfico, os gregos o associavam a um deus, de acordo com a vocação que julgavam ter o
lugar. Esta atitude era uma forma de conferir identidade, afetividade e sentido de pertença a um espaço
da natureza até então não ocupado, através da sua sacralização, consolidada com a construção de um
templo destinado a um deus, chamada pelos romanos de genius loci, em latim, ou espírito do lugar.
Figura 6 – A ágora de Atenas.
(Fonte: NORBERG-SCHULZ, 1965, p.257)
Figura 7 – Delphi, cúpula de Atenas.
(Fonte: NORBERG-SCHULZ, 1979, p. 30)
O filósofo alemão Martin Heidegger foi um dos autores que procurou resgatar o conceito de lugar diante
do panorama do segundo pós-guerra. Em Building, Dwelling, Thinking (1951) ele trata da relação entre
habitar e construir, duas coisas para ele intimamente ligadas. Norteado pelos questionamentos “o que é
habitar?” e “em que medida o construir pertence ao habitar?”, ele afirma que a construção, para abrigar
o habitar, não basta ter boa distribuição funcional, correta exposição solar ou preços acessíveis.
10
Tradução livre da autora. Citação original: Thus religious architecture simply took over and developed the cosmological symbolism already present
the structure of primitive habitations. In its turn, the human habitation had been chronologically preceded by the provisional "holy place", by a space
provisionally consecrated and cosmicized. This is as much as to say that all symbols and rituals having to do with temples, cities, and houses are
finally derived from the primary experience of sacred space. (ELIADE, 1959, p. 58)
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Heidegger recorre à etimologia da palavra construir, bauen em alemão, que originalmente habitar e
referiam-se ao modo como os homens são e estão sobre a terra, no seu sentido material (construído) e
imaterial (habitado). Heidegger exemplifica a semelhança entre construir e habitar através do que
chamou de Quadratura, que seriam o céu, a terra, os divinos e os mortais. Para o filósofo são as
construções, a arquitetura, que unem essas quatro instâncias e que diferenciam espaços de lugares, a
partir do significado e do caráter que é atribuído pelos homens a estas construções.
Mas se escutarmos o que a linguagem diz na palavra construir, ouviremos três
coisas: 1) Construir é em sentido próprio habitar; 2) O habitar é a maneira como os
mortais estão na terra; 3) O construir enquanto habitar desdobra-se no construir
que cuida, ou seja, que cuida o crescimento e no construir que ergue edifícios.
(HEIDEGGER, 1951, p. 148)11
A pequena casa onde o filósofo viveu na Floresta Negra e escreveu o livro O Ser e o Tempo (1927) é um
exemplo das suas idéias. A casa é um exemplo da manifestação e da simplicidade das relações entre a
construção e os elementos que compõem a Quaternidade, pelo modo como assenta no solo, como tira
partido do relevo para se proteger das intempéries e como inclina o telhado para resistir ao peso da
neve (SHARR, 2006). Heidegger exaltou a importância dos valores existenciais na criação de espaços
para o homem, concentrando-se no espaço da casa, para demonstrar a relevância dos aspectos
simbólicos, essenciais para a realização plena do habitar. Além disso, para o filósofo, as construções, ao
materializar o elo entre os homens com o ambiente e o divino, eram responsáveis por tornar um espaço
num lugar, ao conferir significado e sentido de pertença.
Figura 8 - Cabana de Heidegger em Todnautberg (floresta negra) na Alemanha.
(Fonte: SHARR, 2006)
Essas reflexões iriam encontrar elo na arquitetura particularmente nas idéias do crítico norueguês
Christian Norberg-Schulz, que recupera essa idéia de sacralização e identidade do espaço nos anos
1960. Norberg-Schulz ressalta a falta de correspondência entre o modo de vida da época e a atual forma
de produzir arquitetura. A urgência de se pensar e conceber a arquitetura como um produto que deve
servir ao homem, foi o tema central dos estudos de Norberg-Schulz. O lugar era esta instância capaz de
estabelecer essa correspondência entre homem e arquitetura, entendido pelo autor como uma:
11
Tradução livre da autora. Citação original: But if we listen to what language says in the word bauen we hear three things: 1. Building is really dwelling.
2. Dwelling is the manner in which mortals are on the earth. 3. Building as dwelling unfolds into the building that cultivates growing things and the
building that erects buildings. (HEIDEGGER, 1951, p. 148)
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“...totalidade constituída de coisas concretas que possuem substância material,
forma, textura e cor. Juntas, essas coisas determinam uma ‘qualidade ambiental’
que é a essência do lugar. Em geral, um lugar é dado como esse caráter peculiar ou
“atmosfera”. Portanto, um lugar é um fenômeno qualitativo ‘total’, que não se pode
reduzir a nenhuma de suas propriedades, como as relações espaciais, sem que se
perca de vista sua natureza concreta.” (NORBERG-SCHULZ, 1984, apud NESBITT,
2006, p. 444)
Em Genius Loci: Towards a Phenomenology of Architecture (1979), Norberg-Schulz retoma a expressão
latina para ressaltar a importância de considerar a vocação dos lugares na concepção da arquitetura e
embasa o seu estudo em propriedades qualitativas e fenomenológicas. Ele reafirma a idéia de Heidegger
de que o lugar é parte integral da existência humana, ilustrando-as de forma mais clara.
Ao analisar as cidades de Karthoum, Praga e Roma, para mostrar o genius loci, o autor demonstra
esquemas organizacionais humanos que consistem na demarcação de centros, direções, caminhos,
áreas ou regiões. Ao voltar-se para cidades tradicionais, Norberg-Schulz reforça a crítica aos ambientes
modernos, que para ele carecem de orientação e identificação, e que, por conseguinte, não são
reconhecidos pelo homem, devido à sua falta de identidade e significado.
Figura 9 – Khartoum, Praga e Roma.
(Fonte: NORBERG-SCHULZ, 1979)
Em um contexto recente, o conceito de não-lugar, “um espaço que não pode se definir nem como
identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não-lugar” do etnólogo Marc Auge
(1994, p. 73), é esclarecedor para esta discussão. O autor associa o lugar à presença de identidade e o
não-lugar a sua ausência, onde não se consegue reconhecer um sentido de pertença, vivências e
referências históricas ou culturais, resultado da perda da relação afetiva entre o indivíduo com o espaço,
não possui uma identidade singular, não é relacional, é um espaço de solidão.
Para definir lugar, segundo o ponto de vista antropológico, a localização de uma
comunidade social, no tempo e no espaço, é tida em conta e relaciona-se com o
sentido de pertença dos habitantes e a inteligibilidade dos visitantes. Quer-se
identitário, relacional e histórico. Lugar é um espaço no qual se imprime um grau
de afetividade que resulta das vivências. Sob o ponto de vista histórico, um lugar é
aquele que encerra toda uma história e geralmente constitui-se como símbolo
identitário de uma comunidade, de uma nacionalidade, de uma cultura. (AUGÉ,
1994, p. 82)
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O não-lugar é resultado do que o autor chama de sobremodernidade, caracterizada pelo excesso de
acontecimentos, espaços e da individualização. As rápidas transformações urbanas, as mudanças de
escala, a multiplicação de espaços, a aceleração dos meios de transporte e de comunicação e a
mundialização da cultura são alguns dos aspectos que constituem essa situação de sobremodernidade,
que caracteriza muitos espaços urbanos das grandes cidades. São os espaços do anonimato, que não
favorecem o sentido de pertencimento e apropriação, como a malha viária, sobretudo aquela que
fragmenta a continuidade do espaço público (como passarelas, viadutos e túneis), os edifícios que dão
suporte aos transportes rápidos (como aeroportos, rodoviárias e estações de metrô) e os espaços
genéricos de consumo, como as grandes cadeias de hotéis, supermercados e restaurantes.
Figura 10 – Intervenção artística em um exemplo de não-lugar.
(Fonte: http://www.naolugar.com.br. Acesso em 02 de Junho de 2012)
Fica evidente nestes autores que a correspondência entre homem e arquitetura pode ser alcançada
através da consideração das características do sítio, da percepção do seu genius loci, e da sua
materialização no projeto, capaz de atribuir significado e identidade aos espaços e de tornar a
arquitetura um produto humano e fazer com que o homem possa habitar verdadeiramente. Este é o
principal aspecto que relaciona essas idéias com a obra de Álvaro Siza.
O observar atento, a grande abertura à construção popular, a sensibilidade de artista
consolidando também uma especial atenção pelo “lugar”. Por isso, o caráter métrico,
o caráter canônico da projetação em Álvaro Siza Vieira está intimamente ligado à
organicidade do método de observação do lugar. (RODRIGUES, 1996, p. 32)
Contudo, uma limitação pode ser apontada no sentido de que estas formulações, apesar de se
relacionarem com a arquitetura e terem sido fundamentais para os seus desdobramentos posteriores,
muitas vezes ficaram restritas ao cenário europeu e ao âmbito filosófico, tendo pouca repercussão no
fazer arquitetônico da época, até mesmo pela ausência de obras construídas destes autores.
Essas reflexões também merecem destaque por darem início a uma revisão crítica da arquitetura
moderna. Embora seja oportuno ressaltar que nem todas as suas manifestações devem ser entendidas
dessa forma, pois até mesmo a obra de Le Corbusier muda de figura ao entrar em contato com outras
realidades, como a América do Sul e as paisagens do Rio de Janeiro, como visto no tema a seguir.
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1.2 Paisagem
A arquitetura moderna foi acusada de negligenciar diversos aspectos concretos em detrimento do
pensamento abstrato, sendo a paisagem um destes aspectos. Neste caso, a suposta negligência à
paisagem talvez tenha sido estimulada, em parte, ao fato de a arquitetura e o urbanismo terem como
base valores como a estandardização, padronização e pré-fabricação, desenvolvendo tipos e modelos
com o intuito de dar respostas rápidas e eficazes às demandas da sociedade moderna.
A ênfase no objet-type (LE CORBUSIER, 1923), tem a ver com a reprodutibilidade e com a internalidade,
que caracteriza parte da produção dessa época. Esta internalidade se deu tanto na concepção espacial,
onde o edifício passou a ser concebido de dentro para fora; quanto na sua divulgação em livros e
periódicos, que enfatizaram o edifício em si, divulgando-os através de desenhos (muitas vezes apenas
plantas baixas) e fotografias que retratam o edifício como um objeto isolado, dissociado do contexto.
É evidente que os edifícios do meio rural, como as vilas de camponeses, têm uma ligação mais evidente
com a paisagem. Loos, em um de seus ensaios mais elucidativos, Architecture (1910) critica a
discordância entre edifícios e paisagem. Ele inicia o seu argumento falando da harmonia do mundo rural
no qual convivem construções simples, fazendas e capelas, com a paisagem natural e de como uma villa
sofisticada, projetada por um arquiteto, não a leva em consideração e quebra essa harmonia.
E eu pergunto, porque os arquitetos, bons ou ruins, profanam o lago. Os
camponeses não o fazem. Nem os engenheiros, que constroem uma estrada de
ferro ao longo da costa ou pontuam profundos sulcos em sua superfície clara com
seu navio. Eles fazem as coisas de maneira diferente. (LOOS, 1910, p. 73)12
Loos, além de exaltar o modo simples de construir dos camponeses, exalta também o modo de
construir dos engenheiros, antecedendo Le Corbusier nos anos 20, e fundamenta o seu argumento
alegando a falta de sensibilidade do arquiteto, e dos habitantes das cidades de um modo geral, em
relação àqueles que vivem em contato mais direto com a natureza.
Neste sentido, observa-se o esforço de alguns arquitetos modernos em realizar uma arquitetura em
harmonia com a paisagem natural. Alguns expoentes neste sentido foram o arquiteto norte-americano
Frank Lloyd Wright, desde a virada do século XIX para o século XX, e o arquiteto finlandês Alvar Aalto,
além de alguns arquitetos brasileiros, como Lucio Costa. A produção destes arquitetos foi estudada nos
anos 1940 por autores como Sigfried Giedion (1941) e Bruno Zevi (1945, 1948) com o intuito de
apontar caminhos alternativos para a arquitetura moderna em obras que repercutiram no processo de
adoção da arquitetura moderna em Portugal e, em especial, na obra do arquiteto Álvaro Siza.
12
Tradução livre da autora. Citação original: And therefore I ark, why is that any architect, good or bad, desecrates the lake. The farmer doesn’t. Nor
does the engineer who builds a railway along the shore or scores deep furrows in its clear surface with his ship. They go about things in a different
way. (LOOS, 1910, p.73)
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Um edifício deve aparentar crescer naturalmente a partir do sítio e ser desenhado
de modo a harmonizar-se com o seu entorno se a Natureza nele se manifestar, caso
contrário deve tentar ser calmo, substancial e orgânico como se Ela o tivesse feito
caso tivesse tido a oportunidade. (WRIGHT, 1908 apud PFEIFFER, 1992, p. 87)
Wright explorou a relação entre projeto e sítio, afirmando que cada projeto deveria ser único, em
resposta à sua localização e finalidade. Em seus escritos, defendia a retomada da natureza como fonte
de inspiração, extraindo as lições de forma e função que por ela são fornecidas. O contexto da cultura
agrária norte-americana ao qual Wright estava vinculado sugeria essa ligação entre máquina e natureza.
Neste sentido, desenvolveu projetos baseados em tramas geométricas expansivas e horizontais,
defendendo uma idéia de livre circulação entre os diferentes setores da habitação (social, serviço e
íntima). Ele também explorou a integração interior-exterior, assumindo uma horizontalidade, sugerindo
amplitude e extensão, fragmentando a caixa habitacional convencional e combinando materiais
tradicionais como tijolo, madeira e pedra, com os novos materiais.
Na arquitetura orgânica é completamente impossível abordar separadamente o
edifício, a sua organização, o terreno e a paisagem. Na idéia de concepção do
edifício todos estes elementos funcionam como um todo. (WRIGHT, 1910 apud
RODRIGUES, 2010, p. 91)
Figura 11 – Falling Water (Frank Lloyd Wright, Pennsylvania, 1934-1937)
(Fonte: Acervo Fernando Diniz Moreira)
Difundidas no ensino da Escola Superior de Belas-Artes do Porto (ESBAP), escola de formação de
Álvaro Siza, a arquitetura de Wright influenciou o processo de adoção e desenvolvimento da arquitetura
moderna nesta instituição, como pode ser visto na obra de Fernando Távora, um dos principais
arquitetos deste período de transição do ensino classicizante da Beaux-Arts para o movimento moderno.
De grande influência no processo de formação de Álvaro Siza, Távora declara, em seu diário de viagem
aos Estados Unidos, a admiração pela obra do arquiteto ao visitar o conjunto de Taliesin East:13
É um momento que não posso esquecer, o desse primeiro contacto com Taliesin. A
paisagem sem ser grandiosa é grande e os edifícios sem serem grandes sentem-se
perfeitamente na paisagem, sem, de qualquer modo, a desvalorizarem. A idéia de
Taliesin como uma construção desfez-se nesse momento no meu espírito; Taliesin
é uma paisagem, Taliesin é um conjunto, em que é porventura difícil distinguir a
obra de Deus da obra dos Homens. (TÁVORA, 1960)
13
Conjunto projetado pelo arquiteto em Wisconsin como residência de verão, de propriedade de sua família.
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Em Siza, a influência de Wright também é evidente. A influência se dá sobretudo nos seus projetos
iniciais, nos quais, como Wright, procurava não dissolver, minimizar ou mimetizar a presença do edifício
no sítio, mas sim integrá-lo com formas, materiais e técnicas próprios da arquitetura da época, sem
contudo comprometer ou diminuir a autonomia destas duas instâncias, arquitetura e paisagem.
Interessa-me o conceito de orgânico em arquitectura no sentido que Frank Lloyd
Wright propõe: relacionamento entre todos os elementos da construção, de tal
modo que o todo e as partes se geram e influenciam mutuamente. Sincretismo e
não pressupostos formais. (SIZA, 1992 apud FRAMPTON, 1986, p. 88)
Figura 12 - Taliesin West. Arizona (F.
L. Wright, 1937-38.
(Fonte: GÖSSEL, 1991, p. 128.)
Figura 13 – Pavilhão de Tênis (Fernando
Távora, 1956-1960).
(Foto: Lívia Nóbrega)
Figura 14 – Casa de Chá da Boa Nova (Álvaro
Siza, 1958-1963).
(Fonte: RODRIGUES, 1992, p. 58)
A paisagem também foi tema recorrente na obra de Alvar Aalto. O Novo Empirismo nórdico que se
afirma em 1940, consolida uma “posição de respeito para com o lugar – clima, topografia, materiais,
vistas, paisagem, arvoredo, - e de insistência nos valores psicológicos da percepção do entorno se
estabelece” (MONTANER, 1997, p. 36). Aalto afirmava que a construção deveria estabelecer um diálogo
entre homem e natureza, capturando seu caráter fundamental, sua sistemática e perpétua variabilidade
(AALTO, 1938 apud RODRIGUES, 2010).
Figura 15 – Croqui de Alvar Aalto, Valladolid.
(Fonte: SCHILDT, 1985, p. 57)
Figura 16 – Croqui de Álvaro Siza, Lisboa.
(Fonte: FLECK, 1994, p. 171)
A sensibilidade com que Aalto absorve a paisagem influenciou o pensamento de Siza e a arquitetura
moderna portuguesa, caracterizada pelo seu “complexo jogo de massas de grande dinamismo e uma
perfeita adaptação à ondulação pendente do terreno, numa seqüência de situações cuja riqueza espacial,
escala e caracterização formal lembram as obras de Aalto” (FERNANDEZ, 1988, p. 129).
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Os ecos de Aalto na obra de Siza podem ser observados no ato de projetar, utilizando-se do desenho
como modo de captura da realidade, na estruturação dos projetos a partir da topografia, como pode ser
observado na Maison Carré, e no cuidadoso trabalho dos interiores, visto, por exemplo, no uso da
madeira e na incorporação da luz local enquanto mais um elemento de projeto.
Não posso esquecer esse primeiro contato com a obra de Alvar Aalto, tal como ela
estava publicada e analisada, a fascinação e emoção com que vi pela primeira vez
as fotografias de Viipuri e do dormitório de estudantes do M.I.T., as curvas dos
objectos em madeira, aço, vidro, couro cobre – as curvas dos lagos da Finlândia.
(SIZA, 1977 apud MORAIS, 2009, p. 211)
Figura 17 – MIT Dormitory (Alvar Aalto, 1946).
(Fonte: http://www.archdaily.com. Acesso em 26 de junho de
2012)
Figura 18 – Biblioteca Municipal de Aveiro (Álvaro Siza, 19881995)
(Fonte: TRIGUEIROS, 1991)
Além de Wright e Aalto, a arquitetura moderna brasileira produzida em 1930 e 1940 ganhou projeção
internacional e chegou a Portugal através do catálogo da exposição Brazil Builds (GOODWIN, 1943),
realizada no MoMA, em Nova York. No catálogo, que inaugura uma era muito produtiva da arquitetura
brasileira nos anos 1940 e 1950, estava presente uma lista de obras do período colonial (igrejas,
engenhos e casas), assim como de edifícios modernos, que lançam mão de elementos da linguagem
colonial, como soluções de adaptação climática (varandas, muxarabis e cobogós).
Figura 19 – Catálogo
Brazil Builds.
(Foto: Lívia Nóbrega)
Figura 20 – Casa Paes de Carvalho (Lucio Costa, Rio de
Janeiro, 1944).
(Fonte: Acervo Fernando Diniz Moreira)
Figura 21 – Cassino da Pampulha (Oscar
Niemeyer, Belo Horizonte, 1940).
(Fonte: Brazil Builds)
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O aspecto central da exposição foi o modo como os arquitetos brasileiros conseguiram estabelecer uma
ponte entre a tradição e a modernidade, sobretudo através da adequação do ideário moderno às técnicas
construtivas disponíveis, ao clima e a natureza local. As obras divulgadas pelo catálogo influenciam a
formação dos arquitetos modernos portugueses admiradores da produção moderna brasileira, em
especial do arquiteto Lucio Costa e demonstram que “afirma-se no Brasil, uma predisposição para a
adaptação do projeto moderno à realidade brasileira”. (MILHEIRO, 2005, p. 271)
Primeiro país a criar um “estilo nacional de arquitetura moderna” (BANHAM, 1962), o Brasil mostrou
exemplos que negociaram modernidade, tradição e forte relação com a natureza, através de inspiração
formal, de engenhosos recursos de adaptação climática ou das sutis formas de transição entre interior e
exterior. Neste sentido, a influência de Lucio Costa é fundamental no que diz respeito à negociação entre
o passado colonial e a estética moderna, seguida pela exploração formal e plástica de Oscar Niemeyer.
Começava então a aparecer, triunfal, a arquitectura de Le Corbusier, já no final do
meu curso [...] e ao mesmo tempo surgiu também a arquitectura brasileira, com
Lucio Costa, Niemeyer etc. Apareceu também um livro, o ‘Brazil Builds’. (TÁVORA
apud TRIGUEIROS, 1993, p. 24)
Na obra de Távora os exemplos de apelo à tradição na arquitetura moderna brasileira são visíveis com
mais ênfase. Távora consolidou a busca por uma arquitetura moderna portuguesa, através do
desenvolvimento do que chamou de terceira via para a arquitetura, um caminho alternativo entre a
arquitetura vernacular local e a arquitetura moderna internacional. A ponte com a história, que se
manifesta primeiro em seus escritos - como O problema da casa portuguesa (1947)14, só é visível em
seus projetos a partir de meados dos anos 1950, na mesma época em que participou da elaboração do
Inquérito à Arquitetura Popular em Portugal (1955-61).
Figura 22 - Mercado Municipal de Vila da Feira.
(Fonte: TRIGUEIROS, 1991, p. 63)
Figura 23 – Residência em Ofir.
(Fonte: TRIGUEIROS, 1991, p. 79)
Figura 24 - Escola Primária do Cedro.
(Foto: Lívia Nóbrega)
A produção tardia de Le Corbusier também foi referência na formação de profissionais pela Escola de
Belas Artes do Porto (ESBAP). Enquanto clamava por uma arquitetura universal e ligada à máquina nos
anos 1920, sua obra muda ao entrar em contato com outras realidades, em especial após a viagem à
América do Sul (LE CORBUSIER, 1930). Após esta viagem percebe-se a preferência por materiais
14
No qual defendia uma arquitetura que resgatasse os elementos tradicionais da arquitetura vernacular portuguesa, reutilizados de modo crítico e
reinterpretado, de acordo com a função e o sítio. Publicado ainda enquanto estudante.
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tradicionais, texturas naturais e aparentes e geometrias variadas, provenientes do contato com as
“vastas paisagens e diferentes culturas, que certamente aceleraram esse rompimento com o ideário
mecanicista e a adoção de uma sensibilidade topográfica e regionalista” (MOREIRA, 2008, p. 63) .15
Estruturas lineares e curvas deslizam vertiginosamente entre as montanhas da
Argélia ou do Rio de Janeiro, aproveitando gargantas ou os abertos junto ao mar;
células compactas articulam-se nos interstícios dos quarteirões, abrindo pátios,
fragmentam-se na conquista da possibilidade de construir, na Maison Du Salut.
(SIZA, 1989, apud MORAIS, 2009, p. 40)
Assim como o avião proporcionou para Corbusier uma nova forma de vislumbrar a cidade e teve
impacto sobre a sua produção, Siza também relata a influência e a percepção dos elementos que
compõem a paisagem do Porto sob a sua formação através do percurso diário que realizava de trem.
Havia uma janela de comboio na qual surgia subitamente a cidade. Uma visão
rápida, quase irreal. Era necessário treino e truques para apreender tudo –
instantâneo perfil petrificado, animal desdobrado, sucessão de episódios,
intervalos. [...] Em cada viagem se apreendia alguma coisa de novo e em cada
viagem era mais difícil o exercício de repetir e de descobrir, de copiar o próprio
olhar e transgredir, no caminho-de-ferro. (SIZA, 1994 apud FLECK, 1994, p. 243)
Figura 25 – Le Corbusier, Rio de Janeiro, 1929.
(Fonte: MOREIRA, 2008)
Figura 26 - Álvaro Siza do Rio de Janeiro, 1982.
(Fonte: FRAMPTON, 1988, p. 89)
Tínhamos iniciado os estudos universitários com Espaço, Tempo e Arquitectura, de
Sigfried Giedion. Só depois disso chegaram de Itália os escritos de Zevi, que
tiveram em nós um grande impacto. E embora as nossas preocupações
encontrassem eco na arquitectura de Alvar Aalto (que como nós trabalhava num
país periférico em que o artesanato tinha grande qualidade e o desenvolvimento
tecnológico ia surgindo lentamente), é a revisão que Wright opera nos princípios
dos CIAM que tem uma grande importância. (SIZA, 1998, p. 35)
Em suma, estas formulações, embora anteriores ao processo de revisão da arquitetura moderna, foram
resgatadas por muitas escolas de arquitetura, como a ESBAP, e influenciaram a produção de vários
arquitetos a partir dos anos 1950, como Távora e Siza, como forma de negociação entre as questões
locais e os valores universais, contribuindo para os desdobramentos posteriores da arquitetura.
15
Como a Maison Mandrot (1932), a Petite Maison de Week-end (1935), a Maison Jaoul (1953), a Notre Dame Du Haut (Ronchamp, 1950-1954)
e a Unidade de Habitação de Marselha (1956).
31
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
_________________________________________________________________________________________________________________
1.3 Contexto
Hoje não se pode ignorar o pluralismo do chamado Movimento Moderno, a crítica
permanente no âmbito da reconstrução febril da cidade européia, os gestos
contraditórios, as desconcertantes expressões prolíficas de uma busca contínua e
multifacetada, que corre paralela ao conformismo e aos manifestos. É um assunto
que tem sido exaustivamente estudado. Conseqüentemente, como aconteceu com
o Modernismo, o recuo na história está começando agora, a busca pelos Pais do
pós-modernismo. (SIZA, 1988, apud ANGELILLO, 1997, p. 39)
A revisão dos valores do movimento moderno também se deu no sentido da recuperação do passado,
da história e da memória das cidades, o que se concretizou através de edifícios que, de alguma maneira,
referenciavam o contexto no qual estavam inseridos. A valorização da memória adquire com os
arquitetos associados ao chamado Contextualismo, um contorno mais palpável e mais ligado à história.
Esse retorno à história e à tradição tem início nos anos 1950 com o arquiteto Ernesto Nathan Rogers16,
editor da revista Casabella e autor do paradigmático projeto da Torre Velasca, de 1958, em Milão.
Rogers, em Preexistenze ambientale i temi contemporanei (1954), chama atenção para a importância
das preexistências na concepção arquitetônica, no contexto de reconstrução e requalificação dos
centros históricos, num texto que sintetiza o clima do pós-guerra italiano, que buscou estabelecer uma
prática arquitetônica que respeitasse a história, as tradições e os monumentos das cidades.
Figura 27 – Torre Velasca, BPRP (Milão, 1957-1960) e Edifício em Zattere, Ignazio Gargella (Veneza, 1954-1958)
(Fonte: http://pt.scribd.com/doc/6556659/Jose-Pessoa-Neo-Racionalistas-Morfologia-Urbana. Acesso em 26 jul. 2012)
O pensamento de Rogers influenciou diversos arquitetos daquele período. No grupo de arquitetos que
se preocupou em restabelecer a ligação com o lugar a partir das referências do contexto nos seus
escritos e projetos destacaram-se aqueles ligados à Escola de Veneza17, como Aldo Rossi, Giorgio
Grassi, Ignazio Gardella, Manfredo Tafuri e Vittorio Gregotti, que por sua vez influenciaram a arquitetura
portuguesa entre os anos 1960 e 1980, onde “à margem, mas paralelamente ao vasto movimento neorealista, que se desenvolve o pensamento e a obra de Fernando Távora, fonte de onde decorrem as
primeiras ‘razões’ na formação de Álvaro Siza” (COSTA, 1990, apud TRIGUEIROS, 1997, p. 09).
16
17
Que fazia parte do escritório BPRP de arquitetura, juntamente com Gian Luigi Banfi, Lodovico Barbiano di Belgiojoso, Enrico Peressutti.
Em sua maioria aqueles arquitetos oriundos do Instituto de Arquitetura da Universidade de Veneza (IAUV).
32
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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Rossi lança, em L’Architettura della città (1966), os conceitos de locus (lugar em latim), tipo,
monumento, memória coletiva e forma urbana, por meio da análise dos chamados artefatos urbanos.
Para Rossi, o espaço urbano deveria ser entendido como um somatório de arquiteturas de diferentes
épocas, tendo-se em mente que o urbanismo só se afirma como disciplina autônoma no século XX.
Rossi analisa os fatos urbanos através da história e ressalta que a ciência urbana deveria ser humanista,
se apoiar no conhecimento científico desenvolvido até então, mas também considerar o papel do
homem, reforçando a sua importância na produção dos espaços urbanos (ROSSI, 1966).
O conceito de locus em Rossi, semelhante à idéia antiga de genius loci recuperada por Norberg-Schulz,
é indissociável da arquitetura. Essa ligação com o locus se dava através do resgate da história, aspecto
que afirmavam ter sido negligenciado pela arquitetura moderna. A crítica à ênfase funcionalista moderna
tinha como base a permanência e a atemporalidade, pois para Rossi as formas da cidade permanecem,
mas as funções estão em constante transformação e referem-se a um tempo específico.
Figura 28 - Aldo Rossi, Teatro del Mondo, Veneza, 1979-1980.
(Fonte: ARNELL, BICKFORD, 1991)
Apercebi-me com surpresa de uma segunda torre, ao lado, uma torre gêmea
seguramente nova. Surgia com a naturalidade de torre antiga. Fazia absolutamente
parte da imutável paisagem que eu conhecia, como se houvesse estado sempre aí.
Emanava contudo não sei bem que invulgar modernidade, a um tempo intensa e
contida. Pude ver que estava assente sobre uma barca ancorada, uma ilha mais,
mas feita para partir. Voltei mais tarde a Veneza, ao mesmo quarto de hotel e ao
mesmo terraço. A torre encantada havia desaparecido. Contou-me Aldo Rossi que
atravessara o Adriático, com um grupo de teatro a bordo. [...] Contou-me Aldo
Rossi, em Veneza, com a previsão e a emoção que eram próprias da sua natureza.
(SIZA, 2007, apud MORAIS, 2009, p. 389)
As idéias destes arquitetos influenciaram não só outros arquitetos italianos desta geração como diversas
escolas de arquitetura da Europa, sobretudo a Escola do Porto.18 Em Siza, a influência do pensamento
italiano pode ser observada em alguns projetos, sobretudo aqueles dos anos 1970 e 1980, como a
Quinta da Malagueira (Évora, 1977), o edifício residencial Schlesiches Tor (Berlim, 1980-1984) e o
conjunto De Punkt e De Komma (Haia, 1983-88), projetos de habitação social.
18
Como ficou conhecida a produção dos arquitetos advindos da Escola Superior de Belas-Artes do Porto (ESBAP) e posteriormente, Faculdade de
Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP).
33
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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Na Quinta da Malagueira, as referências aos elementos históricos da cidade de Évora são claras, como
na reprodução da escala da cidade tradicional nas ruas do novo loteamento, na reinterpretação
tipológica das unidades habitacionais, no modo como as unidades se dispõem espontaneamente no
relevo e na releitura do aqueduto por um elemento em concreto por onde passam as infraestruturas.
Figura 29 – Croquis e imagens do Bairro da Malagueira (Álvaro Siza, Évora, 1977).
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
Nos edifícios fora de Portugal, como nas habitações em Berlim e Haia, também se observam
referências ao contexto local, possivelmente como forma de se aproximar mais claramente
destes por serem distintos do ambiente português. No edifício Bonjour Tristesse, em Berlim, se
observam desde pequenos detalhes, como o prolongamento da cornija da edificação vizinha, até a
configuração geral do edifício, com a marcação curva da esquina no interior e no exterior da edificação.
Figura 30 – Schlesiches Tor (Álvaro Siza, Berlim, 1980-1984).
(Fonte: http://www.architectureinberlin.com. Acesso em 3 de julho de 2012)
Assim como no conjunto De Punkt e De Komma, em Haia, parte integrante de um plano de renovação
urbana da área e que dá continuidade às experiências de participação popular e da previsão de um
projeto condizente com a realidade local e as possibilidades construtivas disponíveis (FLECK, 1999, p.
89), onde, além de utilizar o sistema de acesso direto19 tipicamente holandês, Siza também lança mão
dos materiais locais e de amplas aberturas também características do contexto.
19
Num complexo jogo de escadas onde cada unidade da habitação, desde as térreas até as do último piso (4º) tem acesso a partir de uma porta que
dá diretamente para a rua.
34
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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Figura 31 – De Punkt e De Komma (Álvaro Siza, Haia, 1983-1988)
(Fonte: FRAMPTON, 2000, p. 252)
Contudo, as interpretações do contexto acabaram por se distanciar dos conceitos originais de
arquitetura enquanto um fato urbano e da noção de arquitetura analógica, e recaíram num formalismo e
em interpretações excessivamente literais, como, construções do espírito de época e lugar e das
práticas construtivas contemporâneas a estas.
1.4 Região
Se algum princípio central do regionalismo crítico puder ser isolado, ele certamente
será o compromisso com o lugar e não com o espaço, ou, na terminologia de
Heidegger, com a proximidade do Raum em vez da distância do Spatium.
(FRAMPTON, 1983, apud NESBITT, 2006, p. 518)
Desdobramento das discussões anteriores sobre o regionalismo que emergiu na cena arquitetônica em
meados dos anos 1950 é um debate que surge no ambiente acadêmico, a partir de reflexões feitas por
alguns teóricos sobre a produção de arquitetos que trabalharam em locais mais distantes da Europa
central para ressaltar seus valores, sobretudo o modo como combinaram de forma equilibrada os
preceitos universais às condições locais disponíveis. Autores como Harwell Hamilton Harris, Lewis
Mumford e James Stirling refletiram sobre o regionalismo na arquitetura em meados dos anos 1950.
Também na segunda metade dos anos 1950, o filósofo francês Paul Ricouer (1955) chama a atenção
para o embate entre culturas locais e valores universais. Segundo Ricouer as razões deste conflito
residem na rápida disseminação de uma cultura universal, que, em alguns casos, vai de encontro à
conservação das identidades locais. Neste sentido, o maior desafio para as civilizações é acompanhar a
modernização internacional sem abandonar os valores de uma região. No artigo Civilização Universal e
Culturas Nacionais (1955) o autor defende a intercambialidade entre culturas de forma controlada,
diferenciando progresso de devastação, driblando as imposições homogeneizantes da cultura de massa
e possibilitando o ingresso da civilização na modernidade, com a preservação da cultura local.
35
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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Essas discussões refletiram-se na crítica da arquitetura no início dos anos 1980 com o desenvolvimento
do chamado Regionalismo Crítico. Muitos autores se debruçaram sobre esta questão desde os anos
1980 até os dias atuais, dentre eles Alan Colquhoun, Alexander Tzonis e Liane Lefaivre.20
Em geral, estes autores teorizaram sobre uma espécie de resistência que pudesse diminuir os impactos
negativos da universalização, mas sem defender a idéia de uma região estática e culturalmente fechada.
Contrária à idéia do terreno plano e desobstruído do movimento moderno, a postura regionalista sugere
um retorno a uma produção arquitetônica às questões socioculturais regionais e de caráter crítico,
articulando essa arquitetura com o lugar, sem, contudo, fazer a utilização de prescrições projetuais.
Tzonis e Lefaivre, por exemplo, em Why Critical Regionalism today? (1990), chamaram a atenção para a
idéia de que é possível fazer arquitetura regional sem recorrer a um vernacular nostálgico, a recursos
cenográficos ou a revivalismos estilísticos pós-modernos, de modo a resgatar os valores da cultura
local a partir de novas abstrações. Os autores destacam a obra dos arquitetos gregos Dimitris Pikionis e
Susana Antonakakis (em Architecture in Greece, 1981) como exemplos de negociação entre a
arquitetura vernacular grega (estruturas estratificadas, rotas labirínticas e o uso da pedra) combinada de
modo contrastante com as técnicas construtivas contemporâneas (concreto armado, por exemplo).
Figura 32 - Dimitris Pikionis. Caminhos do parque na colina em Philopappus (Atenas, 1957).
(Fonte: FRAMPTON, 1997, p. 395)
Figura 33 - Susana Antonakakis,
edifício multifamiliar (Atenas, 1975).
(Fonte: FRAMPTON, 1997, p. 396)
Dentre os autores que se debruçaram sobre o tema, o crítico de arquitetura inglês Kenneth Frampton
merece destaque não apenas pela sua relevância neste panorama, mas também por mencionar alguns
projetos de Álvaro Siza enquanto manifestações desta postura regionalista. Frampton defende que o
Regionalismo Crítico é, acima de tudo, uma forma de pensar a arquitetura e acrescenta à noção de
regional uma carga crítica e um interesse às especificidades do lugar. O regionalismo não seria um
período ou estilo, mas uma postura contra a massificação da cultura, uma estratégia arquitetônica de
valorização da cultura regional e de incorporação de valores universais de forma crítica e adequada.
20
Cujos textos mais importantes neste sentido foram recentemente reunidos na publicação Architectural Regionalism, Colected Writings, on Place,
Identity, Modernity, and Tradition (2007), de Vincent B. Canizaro (Ed.).
36
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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O autor também afirma que esse processo de negociação entre os valores regionais e universais não
pretende evocar uma simples retomada nostálgica do vernacular, nem evitar drasticamente a arquitetura
contemporânea, mas sim “desconstruir o modernismo universal a partir de imagens e valores
localmente cultivados” (FRAMPTON, 1983, apud NESBITT, 2006, p. 505), selecionados de maneira
crítica e autêntica, a partir da tomada de consciência do lugar e do domínio da técnica.
Em Regionalismo crítico: arquitetura moderna e identidade cultural (1980), Frampton destaca a obra de
vários arquitetos que trabalharam em contextos distintos, como Jorn Utzon na Dinamarca, J. A. Coderch
na Espanha, Raimund Abraham nos Estados Unidos, Luis Barragán no México, Carlos Scarpa e Mario
Botta na Itália, Tadao Ando no Japão, dentre outros, mas cujas obras equilibraram, de modos diferentes,
características particulares de sua localização com valores e/ou práticas construtivas universais.
Figura 34 – Bloco de apartamentos ISM (J. A. Coderch, Barcelona, 1951). Casa em Riva San Vitale (Mario Botta, 1972-1973) e
Torres da Cidade Satélite (Luis Barragán, México, 1957).
(Fonte: FRAMPTON, 1997 [1980])
Neste artigo, o crítico também destaca a obra de Siza, devido à sua “hipersensibilidade em relação à
transformação de uma realidade fluida e, contudo, específica” (FRAMPTON, 1997 [1980], p. 385). A
Casa Beires (Povoa do Varzim, 1973-1977) e a agência bancária em Oliveira de Azeméis (1974) são
citados pelo autor como exemplos do modo como o arquiteto estrutura a partir da realidade local os
seus projetos (FRAMPTON, 1997 [1980]).
Figura 35 – Casa Beires (1973-1977).
(Fonte: http://darq.uc.pt. Acesso em 26 de jul. 2009)
Figura 36 – Banco Pinto & Sotto Mayor (1974).
(Fonte: FRAMPTON, 2000, p. 138)
37
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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Assim como a Câmara Municipal de Säynätsalo de Aalto, todos os edifícios de Siza
são acomodados delicadamente à topografia de seu lugar. Sua abordagem é
claramente tátil e tectônica, mais do que visual e gráfica... (FRAMPTON, 1980 apud
FRAMPTON, 1997 [1980], p. 385)
Neste artigo, Frampton destaca as relações existentes entre a obra de Siza e Aalto, sobretudo do ponto
de vista do tema da topografia, assim como uma influência do trabalho dos “contextualistas’ ao afirmar
que “na arquitetura de Siza, o método da colagem usado por Alvar Aalto para a forma construtiva é
mediado por tipologias normativas inspiradas nos trabalhos dos neo-racionalistas italianos”
(FRAMPTON, 1983 apud NESBITT, 2006, p. 506).
A diversidade de exemplos selecionados pretende mostrar que o Regionalismo crítico não é um estilo e
sim uma categoria crítica voltada para certas características comuns, que são resumidas por alguns
pontos destacados no fim do seu artigo, dentre eles: é uma prática marginal que critica a modernização,
mas não abandona seus aspectos progressistas; é um conjunto de arquiteturas que, ao invés de
enfatizar o objeto isolado, enfatiza o território estabelecido pela estrutura erguida; favorece a arquitetura
enquanto fato tectônico, em detrimento de episódios cenográficos; enfatiza aspectos específicos do
lugar, como a topografia, vista como uma matriz tridimensional à qual a estrutura se amolda, e a luz
local; enfatiza tanto o tátil quanto o visual, priorizando a experiência sobre a informação; se opõe ao uso
romântico do vernáculo local, inserindo elementos vernáculos de forma reinterpretada.
Reconhece-se que a grande quantidade de obras e arquitetos destacados por Frampton enquanto
manifestações regionalistas foi fundamental para que se pudesse chegar aos pontos resumidos acima.
Contudo, essa mesma amplitude também torna os argumentos do autor muito amplos e difusos,
sugerindo que qualquer obra, sobretudo aquelas localizadas em países menos industrializados e com
fortes tradições artesanais, pudesse ser entendida como uma obra regionalista.
De fato, o regionalismo pode ser entendido como algo que sempre existiu na arquitetura, pois esta
sempre teve de lidar com as condicionantes impostas pelo clima, pelos materiais e pela mão-de-obra
disponíveis. Deste modo, o regionalismo, conforme definido por Frampton, pode ser entendido em
muitos casos como uma “ausência de escolhas” (ALSAYYAD, 2001) que a qual o arquiteto é
freqüentemente submetido ao projetar em determinado local, sobretudo aqueles que trabalharam e
trabalham em contextos ditos periféricos em relação à civilização universal.
***
38
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
_________________________________________________________________________________________________________________
Este capítulo reuniu as principais formulações que buscaram revisar criticamente os princípios
racionalistas, universais e abstratas da arquitetura moderna, tanto pela sua relevância no cenário
internacional quanto pela influência na formação e produção de Álvaro Siza.
Viu-se que algumas formulações surgem com o ambiente de revisão, como aquelas sobre lugar (com
Heidegger e Norberg-Schulz), nos anos 1950, e contexto (com os italianos Rogers e Rossi), entre os
anos 1960 e 1980. Outras, como as reunidas no tema paisagem, são formulações resgatadas nos anos
1940, como por Giedion e Zevi, que mostram a obra de arquitetos que trabalharam em épocas e
contextos distintos, como Wright e Aalto, mas cujo resgate buscou também revisar a arquitetura
moderna feita até então. Por fim, também se tem as discussões sobre região, com início em 1950, com
os embates entre valores universais e locais ressaltados por Ricoeur, que ecoa na arquitetura a partir
dos anos 1980, com o Regionalismo Crítico, através de Frampton e Tzonis e Lefaivre. Viu-se que as
discussões regionalistas surgem na academia, formulando uma teoria e referenciando obras e arquitetos
que trabalharam em ambientes ditos periféricos, dentre os quais a obra de Siza também foi associada.
1950
1960
1970
Building, dwelling,
thinking
(HEIDEGGER,
1953)
Intentions in
architecture
(NORBERG-SCHULZ,
1965)
O fenômeno do lugar
(NORBERG-SCHULZ,
1976)
A nossa
responsabilidade
em relação à
tradição (ROGERS,
1954)
Complexidade e
contradição em
arquitetura
(VENTURI, 1966)
1980-1990
CONTEXTO
LUGAR
PAISAGEM
1940
Fenomenologia da
Percepção
(MERLEAU-PONTY,
1945)
Arquitetura da cidade
(ROSSI, 1966)
REGIÃO
Il territorio
dell’architettura
(GREGOTTI, 1966)
Civilização
Universal e
Culturas Nacionais
(RICOEUR, 1955)
Genius loci: Towards
a phenomenology of
architecture
(NORBERG-SCHULZ,
1979)
Contextualismo:
ideais urbanos e
deformações
(SCHUMACHER,
1971)
Três tipos de
historicismo
(COLQUHOUN, 1983)
Cidade-colagem
(ROWE, KOETTER,
1975)
Perspectivas para um
regionalismo crítico
(FRAMPTON, 1983)
Por que regionalismo
crítico hoje? (TZONIS,
LEFAIVRE, 1990)
Tabela 1 – Síntese de algumas das principais discussões de revisão do Movimento Moderno do século XX.
39
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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Contudo, o distanciamento temporal permite perceber que a arquitetura moderna, conforme Giedion
sugeriu já nos anos 1940, não constituiu uma manifestação uniforme e linear e desde o seu princípio
rumou para caminhos distintos. Também se pode destacar que algumas dessas reflexões acabaram por
recair em formulações muito repetitivas, miméticas e populistas, como aquelas destacadas em contexto,
ou em premissas muito genéricas e amplas, como no caso das idéias regionalistas.
Ouvi uma quantidade de “ismos” a propósito do meu trabalho: Expressionismo,
Neo-racionalismo, Contextualismo, o que mais... Existem sempre tendências que
acabam todas por se resumir num slogan rapidamente ultrapassado e substituído
por outro. Peguemos no contexto, por exemplo: é evidentemente muito importante
para a Arquitectura, mas pode conduzir, se não nos agarrarmos a mais do que isso,
a uma forma de pobreza. Para mim, a forma é qualquer coisa de latente, no espaço.
É preciso descobri-la, procurá-la. Quando atingimos isso, acontece o que já existia,
mas de forma latente, no espaço. A forma não é portanto o resultado de ter tomado
em consideração de forma exclusiva, aplicada, rigorosa, absoluta, as
condicionantes, mas de as ter superado. É aí que reside a autonomia da
arquitectura. (SIZA, 1998, apud MORAIS, 2009, p. 211)
Entretanto, estas discussões, tiveram alguma influência sobre a obra de Siza. Seja de modo mais
latente, como as formulações contidas nos temas paisagem e contexto, seja numa esfera mais
conceitual, como a abordagem sensorial e fenomenológica do lugar, assim como a sua obra também
influenciou o desenvolvimento de algumas formulações, como no caso das teorias sobre região.
Contudo, a preocupação excessiva em enquadrar a obra de Siza dentro de determinada corrente de
pensamento muitas vezes acaba por eclipsar a essência do seu trabalho e dificulta o entendimento do
todo da sua concepção. Essa ênfase em um aspecto específico dificulta a compreensão das atitudes e
características mais gerais que permeiam o seu processo criativo. Portanto, este trabalho busca
identificar estas características e compreender que mecanismos e estratégias o arquiteto lança mão em
seus projetos no sentido de aproximá-los da realidade envolvente, não enquanto soluções formais, mas
enquanto atitudes e posturas conceituais.
40
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
_________________________________________________________________________________________________________________
2. SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES EMERGENTES: topografia
Este capítulo discute formulações recentes que dão continuidade ao debate sobre o relacionamento
entre arquitetura e lugar, identificadas em consonância com as práticas projetuais e construtivas atuais e
que fornecem insights para a análise dos projetos de Álvaro Siza. Neste sentido, o capítulo estrutura-se
em três partes: (1) discussões no panorama internacional, sobretudo as reflexões lançadas pelo crítico
de arquitetura norte-americano David Leatherbarrow; (2) discussões no panorama nacional, com ênfase
para as formulações dos arquitetos Carlos Teixeira e Carlos Alberto Maciel; (3) construção do método
de análise, a partir da extração de temas desta literatura para seleção e estudo das obras de Siza.
2.1 Panorama internacional – as reflexões de David Leatherbarrow
Os estudos de David Leatherbarrow versam sobre a arquitetura enquanto fenômeno, a natureza do seu
processo criativo e o papel da disciplina na cultura contemporânea. O autor lança reflexões sobre a
mediação entre arquitetura, técnicas construtivas e aspectos locais, contribuindo para uma maior
aproximação entre projeto e sítio, através da configuração do edifício e dos materiais e sistemas de
construção utilizados, tendo sempre em mente a importância da mediação entre construção e situação.
A arquitetura concebida a partir de um “kit de peças” mudou a relação entre o
edifício e o potencial do seu sítio, permitindo a montagem e construção em
qualquer sítio, em grande medida independente de suas condições locais
ambientais e climáticas – que, paradoxalmente, a torna deslocalizada.
(LEATHERBARROW, MOSTAFAVI, 1993, p. 29)21
Em sua obra, Leatherbarrow reflete sobre problemas que já estavam colocados desde o princípio do
século XX, enquanto efeitos do processo de industrialização na arquitetura, mas que apesar dos
diferentes contornos adquiridos ao longo do tempo, ainda persistem na prática projetual atual. Suas
investigações têm claras afinidades com as discussões existenciais e fenomenológicas de MerleauPonty, Heidegger e Norberg-Schulz, como o próprio afirma (1993, 2004). Contudo, suas questões são
mais direcionadas e específicas, o que facilita a incorporação das suas idéias na prática cotidiana.
O estudo da literatura de Leatherbarrow permitiu identificar alguns paralelos entre suas reflexões
teóricas com os projetos de Álvaro Siza. Além disso, no livro Topographical Stories (2004), que trata
das interfaces entre as disciplinas da arquitetura e do paisagismo, o autor lança duas fotografias da
Piscina das Marés (1961-1966), sem, contudo, estudá-la ao longo de seu texto.
21
Tradução livre da autora. Citação original: Architecture made up of a “kit of parts” changed the relationship between a building and its potential site,
allowing assembly and construction to take place on any site, to a great degree independent of its local environmental and climatic conditions –
which paradoxically makes it siteless. (LEATHERBARROW, MOSTAFAVI, 1991, p. 29)
42
SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
_________________________________________________________________________________________________________________
Figura 37 e Figura 38 - Piscina das Marés, Álvaro Siza (Leça da Palmeira, 1961-1966).
(Fonte: LEATHERBARROW, 2004)
Portanto, com o intuito de trazer à tona discussões mais recentes sobre os embates entre construção e
situação e de extrair temas que possam servir de base para a compreensão dos projetos de Siza à luz
das suas reflexões e as obras de Siza, foram selecionadas três publicações: On Weathering: The life of
buildings in time (LEATHERBARROW, MOSTAFAVI, 1993); Uncommon Ground: Architecture,
technology and topography (LEATHERBARROW, 2000) e Topographical Stories: Studies in landscape
and architecture (LEATHERBARROW, 2004).
Uma de suas linhas de pensamento é a questão da desmistificação da idéia de que a arquitetura
moderna era insensível ao contexto, baseada no funcionalismo e na abstração, pois as preocupações
típicas do pós-guerra já estavam presentes em alguns arquitetos modernos, como visto no capítulo 1.
Para o autor, os edifícios podem, através da arquitetura, reconhecer os aspectos referentes à sua
situação a partir da consideração da topografia, que para ele é entendida de modo mais amplo:
Topografia é o tópico (tema, campo de trabalho, lugar) que elas têm em comum.
Ela não só estabelece semelhanças, mas também lhes fornece as bases de sua
contribuição para a cultura contemporânea. A tarefa do paisagismo e da
arquitetura, como artes topográficas, é dotar os padrões prosaicos de nossas vidas
com dimensão durável e expressão bela. (LEATHERBARROW, 2004, p. 01)22
O autor afirma que a topografia é o tema em comum entre as disciplinas da arquitetura e do paisagismo,
entendidas como artes topográficas, únicas artes que dão amplitude e configuração para a vida prática
cotidiana (LEATHERBARROW, 2004). A topografia é então a instância que dá matéria e estrutura,
suporte para a existência, que fornece potencial representativo e figurativo, mas também funcional e
prático para a arquitetura. Além do seu sentido convencional, para Leatherbarrow a topografia incorpora
o relevo, do ambiente natural e construído, carregado de indícios das práticas cotidianas.
22
Tradução livre da autora. Citação original: Topography is the topic (theme, framework, place) they hold in common. It not only grounds for their
contribution to contemporary culture. The task of landscape architecture and architecture, as topographical arts, is to provide the prosaic patterns of
our lives with durable dimension and beautiful expression. (LEATHERBARROW, 2004, p. 01)
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Assim definida, a topografia é uma instância física, material, mas que carrega em si vestígios imateriais,
como indícios de ocupações humanas e acontecimentos passados que se sedimentaram em seu tecido,
espécies de inscrições que, devido ao seu potencial enquanto fontes de criação da arquitetura, podem
ser incorporados pelos projetos para um melhor relacionamento entre edifício e sítio.
Essa noção de topografia enquanto suporte da arquitetura introduzida por Leatherbarrow, em certa
medida, aprofunda o conceito de topografia anunciado pelo Regionalismo Crítico23, onde a topografia
era entendida enquanto lugar construído, matriz tridimensional onde se encaixa a construção.
Esse entendimento topográfico da realidade enquanto fonte de inspiração para o processo criativo da
arquitetura se dá de diversas maneiras, aprofundadas nos tópicos a seguir. Da revisão da literatura
selecionada de Leatherbarrow, foram extraídos cinco temas que aprofundam as discussões sobre o
relacionamento entre projeto e sítio, sobretudo no sentido de fornecer subsídios para a análise dos
projetos de Siza, que são: (1) A apreensão do sítio; (2) A construção como cultivo; (3) A terraplenagem
como partido; (4) Sítio e materialidade; (5) Fragmentação versus frontalidade.
2.1.1 A apreensão do sítio e a liberdade projetual
Um arquiteto está diante de uma cidade procurando descrevê-la. Na falta de um
plano, mapa ou planta, ele pretende desenvolver uma. Seu propósito não é projetar
ou construir, mas sim compreender. A medição será o seu método.
(LEATHERBARROW, 2000, p. 02)24
A importância das diferentes formas de apreensão do sítio, das cidades, paisagens e territórios,
enquanto mais um importante instrumento de projetação e captura das características do sítio, também
foram ressaltadas por Leatherbarrow (2000), a partir do estudo desta visão em três arquitetos: Alberti,
em Roma, no século XV; Le Corbusier e a visão da cidade a partir do avião, após os anos 1930; e Sverre
Fehn, com as vilas Marroquinas, após os anos 50.
Em Alberti, o autor destaca a forma como este conduziu os levantamentos de Roma, desenhando
primeiro e com mais detalhes os marcos de referência da cidade e deixando espaços vazios entre eles
para preenchê-los depois de modo mais abstrato, com edificações menos importantes. Os impactos da
experimentação do espaço pelo avião em Le Corbusier também são destacados por Leatherbarrow
(2000) no sentido da mudança de escala de percepção das cidades, da possibilidade de apreensão do
“A ênfase e o comprometimento com a topografia (o modelo de lugar construído) contrastam drasticamente com o ideal próprio ao Estilo
Internacional de um terreno plano e desobstruído” (NESBITT, 2006, p. 503) e “Pode-se afirmar que o Regionalismo crítico é regional na medida em
que invariavelmente enfatiza certos fatores específicos do lugar, que variam desde a topografia, vista como uma matriz tridimensional à qual a
estrutura se amolda até o jogo variado da luz local que sobre ela incide” (FRAMPTON [1980], 1997, p. 396)
24
Tradução livre da autora. Citação original: An architect stands before a city, seeking to describe it. Lacking a plan, map or survey, de intends to
develop one. His purpose is neither design nor construction, instead understanding. Measurement will be his method. (LEATHERBARROW, 2000, p.
02)
23
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território, ao conseguir vislumbrar os contrastes entre cheios e vazios, entre construído e natural, entre
urbano e rural. Por fim, em Sverre Fehn o autor analisa o modo como o arquiteto observou a
constituição das cidades marroquinas e de como estas detinham uma forte ligação com a paisagem,
com seus elementos enquanto referenciais, o que fez com que Fehn se questionasse se a arquitetura
moderna teria alguma relação com o fazer arquitetônico “primitivo”.
O ponto em comum na apreensão das cidades, paisagens e territórios entre estes arquitetos reside na
forma como eles captaram a essência dos lugares, seus principais monumentos, características e
valores sobressalentes, sendo neste sentido próximos do pensamento de Siza.
O desenho é a linguagem e a memória, a forma de comunicar consigo e com os
outros, a construção. Não desenha por exigência da Arquitectura. Desenha por prazer
necessidade e vício. Outros por ele desenhem o que imagina, para que outros que o
desejam vagamente possam realizar o que imagina. Desenhos técnicos. Desenhos de
máquinas. Desenhos sem estética, a não ser a latente no que é necessário e
suficiente para resistir e garantir a vida material, o afluir da água, do ar, da energia,
das comunicações, da beleza. (SIZA apud FLECK, 1994, p. 93)
Uma característica que permeia a obra de Siza é a observação dos aspectos do sítio como ponto de
partida para o desenvolvimento do projeto. Essa observação fornece subsídios para o processo criativo
que podem ser incorporados no projeto de formas distintas. Ela também levanta outra série de questões
acerca do relacionamento entre a liberdade projetual e as leis da natureza (LEATHERBARROW, 2004).
Uma delas é que a noção de que existe uma escolha a ser feita no processo projetual, entre uma
criatividade restrita e irrestrita, é falsa, pois esta liberdade de fato sempre opera dentro de uma esfera
que é tanto interna (materiais e sistemas construtivos), quanto externa, (paisagem, sítio) à arquitetura,
Figura 39 – Instrumento Horizon. Alberti.
(LEATHERBARROW, 2000, p. 04)
Figura 40 – Vila marroquina. Sverre Fehn, 1952.
(Fonte: LEATHERBARROW, 2000, p. 21)
Figura 41 – Évora, Álvaro Siza,
1973.
(Fonte: SIZA, 1998, p. 104)
A liberdade, no processo projetual, pode ser preservada quando as leis da natureza
são seguidas? A experimentação não depende das contingências de tempo e lugar,
de expectativas e implicações, para ter valor e relevância? É possível fazer um bom
projeto sem um bom cliente, sem construtores competentes e sem materiais que
sejam pelo menos adequados? Cada um destes, no entanto, não limitam o que um
arquiteto pode vir a propor? Assumindo-se que limitações ou regras de algum tipo
são necessárias no processo projetual, por imporem limites à liberdade, que tipo de
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regras estas poderiam ser? Elas são internas a uma disciplina, métodos de projeto
ou de produção, por exemplo, ou são externas ao projeto, regras que derivam na
natureza dos materiais de construção, por exemplo, ou regras do sítio?
(LEATHERBARROW, 2004, p. 86)25
Diante destes questionamentos, o desenho de observação apresenta-se como um modo de apreensão
da realidade que permite capturar muitas dessas informações presentes no sítio e incorporá-las
enquanto norteadoras do desenvolvimento do projeto. Uma dessas informações, que será bastante útil
para o entendimento das obras de Álvaro Siza, por exemplo, é a captura de linhas de força presentes no
sítio que conferem estruturação ao projeto. Estas linhas de força podem ser obtidas por meio de
processos e informações do sítio de natureza mais abstrata ou mais concreta. Para mostrar as
condições, externas à arquitetura, que interferem em seu processo criativo, Leatherbarrow ressalta a
obra de dois arquitetos com uma produção bastante distinta: Peter Eisenman e Richard Neutra.
Em Eisenman, o autor destaca o modo como o arquiteto formula suas próprias regras, restrições
fictícias segundo o próprio Eisenman, para governar seu processo projetual. Um exemplo disso é o
projeto do Wexner Center, onde a geometria plana de uma torre preexistente e grids advindos dos
diferentes loteamentos da área são inusitadamente sobrepostos ditam as regras do jogo.
Figura 42 – Wexner Center for the Visual Arts, Ohio, Peter Eisenman e Laurie Olin, 1983-1989.
(Fonte: LEATHERBARROW, 2004, p. 236 e p. 245)
Em outra direção, bastante distinta de Eisenman, e mais próxima de Siza, a obra de Neutra demonstra
esse entendimento das relações entre liberdade e necessidades no projeto. Seu desejo de superar a
separação entre um trabalho artificial – como uma obra de arquitetura – e seu entorno natural pode ser
observado, por exemplo, no modo como transforma as paredes externas em partições, fragmentos,
integrando espaço interno e externo.
25
Tradução livre da autora. Citação original: Can freedom in design be preserved when the laws of nature are observed? Alternatively, is freedom
without (natural) constraints anything more than illusion? Doesn't experimentation depend on contingencies of time and place, on expectations and
involvements, for its relevance and value? More narrowly, can there be a good design without a good client, without builders who are more than
competent, and materials that are at least suitable? Does not each of them, however, place limitations on what a designer might want to propose?
Assuming for a moment that limitations or rules of some sort are necessary in design work, because they give freedom its framework, what sort of
rules might they be? Are they internal to a discipline, rules of method in design production for example, or are they external to the project, rules that
devolve from nature of construction materials for example, or those of the site? (LEATHERBARROW, 2004, p. 86)
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Figura 43 – Tremaine House, Montecito, California, Richard
Neutra, 1947-1948.
(Fonte: LEATHERBARROW, 2004, p. 98)
Figura 44 - Nursery Kindergarten, Los Angeles, Califórnia, Richard
Neutra and Robert Alexander, 1957.
(Fonte: LEATHERBARROW, 2004)
É notável o desejo de Neutra de integrar o edifício à paisagem. Além da integração no âmbito interiorexterior, a definição dos espaços internos muitas vezes se dava a partir da distinção de níveis, que são
uma resposta à topografia do local, e ao modo como pensava as aberturas, enquadrando pontos
específicos da paisagem. Contudo, também se observam regras próprias da disciplina da arquitetura,
como a geometria rígida e contrastante com o entorno natural, a modulação vinda dos materiais e
sistemas de construção, dentre outras.
Figura 45 – Tremaine House, Montecito, Califórnia, Richard Neutra,
1947-1948.
(Fonte: LEATHERBARROW, 2004, p. 102)
Figura 46 – Kaufmann House, Palm Springs, California, Richard
Neutra, 1946.
(Fonte: LEATHERBARROW, 2004, p. 105)
Este balanço entre estas regras internas e externas à arquitetura na delimitação do processo criativo do
projeto, que parte da apreensão do sítio e se desenvolve através de mecanismos distintos (como através
do desenho de observação, da captura das linhas de força do sítio, do modo como são pensadas as
aberturas, dentre outros), é o ponto principal que Leatherbarrow busca destacar a partir do estudo da
obra de Neutra e que será fundamental para o entendimento das obras de Siza.
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2.1.2 A construção como cultivo
Em oposição à idéia de que a arquitetura moderna concebia o terreno como tabula rasa existiram
significativos exemplos que levaram em consideração a topografia na concepção do projeto. Dessa
forma, Leatherbarrow (2004) estabelece uma aproximação entre as noções de construção e cultivo no
sentido de que a construção pode contribuir para preparar, cuidar, desenvolver, e aperfeiçoar aspectos
presentes no sítio, conforme sugere o próprio significado da palavra.
Ele chama a atenção novamente para alguns projetos de Richard Neutra, assim como para o trabalho do
paisagista Garrett Eckbo. Para ele, uma característica “implícita no tipo de trabalho tanto de Eckbo
quanto de Neutra é um processo de duas etapas: a descoberta ou detecção do que está escondido em
um lugar e a revelação dos seus ‘tesouros’”.26 (LEATHERBARROW, 2004, p. 65)
Figura 47 – Desenhos de Garrett Eckbo, Landscape for Living, 1950 e Art of Home Landscaping, 1965.
(Fonte: LEATHERBARROW, 2004, p. 65 e p. 66)
Entende-se a construção como cultivo quando se concebe o edifício como um artefato intimamente
ligado ao sítio no qual se situa, como algo que brota do terreno a partir da cuidadosa intervenção
humana, por meio de pequenos cortes e adições, e não como algo que nele é pousado. Um dos modos
de se conceber o projeto enquanto algo cultivado a partir do sítio pode ser visto, por exemplo, na ênfase
conferida por alguns arquitetos aos elementos horizontais, como pisos, tetos e plataformas em níveis
distintos, enquanto elemento predominante na configuração espacial, em detrimento do protagonismo
das paredes ou divisórias verticais, como era mais comum, no processo criativo da arquitetura.
Essa postura gerou uma maior fluidez e integração entre os espaços e modificou a relação entre interior
e exterior nos edifícios. No âmbito do projeto, isso pode ser observado, por exemplo, nos desenhos
técnicos, sobretudo cortes e fachadas, para além da planta baixa, por permitirem a visualização vertical
dos componentes horizontais, colocando em questão o que por vezes acontecia na divulgação da
arquitetura moderna, que enfatizava as plantas e mostrava o edifício recortado do seu contexto.
26
Tradução livre da autora. Citação original: Implied in the kind of work both Ecko and Neutra described is a two-step process: Discovery or detection
of what lay hidden in a place and disclosure of its “treasures”. (LEATHERBARROW, 2004, p. 65)
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Com exemplos do arquiteto norte-americano Richard Neutra, a Tremaine House (Califórnia, 1947-1948)
e a Pitcairn House (Pennsylvania, 1959-1962), Leatherbarrow ilustra o seu argumento destacando os
desníveis de piso e teto e as diferentes texturas e materiais como elementos definidores do espaço.
Figura 48 – Richard Neutra, Pitcairn House (Pennsylvania, 1959-1962).
(Fonte: LEATHERBARROW, 2000, p. 47)
Figura 49 – Richard Neutra, Pitcairn House
(Pennsylvania, 1959-1962).
(Fonte: LEATHERBARROW, 2000, p. 48)
O autor faz uma ressalva quanto à atitude de excessiva adaptação do edifício à topografia e a autonomia
da arquitetura, alertando para a sua condição de artefato humano e para a importância de se reconhecer
claramente os limites entre arquitetura e natureza, onde uma termina e a outra começa.
Neutra afirma que a criatividade da construção exige a implantação de elementos não presentes no
território, como materiais e sistemas construtivos distintos dos materiais da terra, e que um edifício
deve se revelar como um artefato, algo construído, transportado e instalado no sítio. (NEUTRA apud
LEATHERBARROW, 2004). Seus projetos, nos anos 1940, já apontavam para a importância de se
mediar as premissas universais com as condições locais, por meio de um projeto que leva em
consideração as potencialidades do sítio e implantando o edifício a partir de uma cuidadosa inserção.
Figura 50 – Plywood House, California, Richard Neutra, 1936.
(Fonte: LEATHERBARROW, 2004, p. 73)
Figura 51 – Kaufman House, California, Richard Neutra, 1946.
(Fonte: LEATHERBARROW, 2004, p. 76)
Em suma, a noção de construção enquanto algo cultivado é um argumento contra a abordagem abstrata
do sítio e da paisagem, que também põe em cheque a questão da ênfase no caráter autoral da
arquitetura, pois à medida que a construção é um trabalho em cima das características de um sítio
específico, as soluções geradas para os problemas colocados também irão variar em função disso,
revelando também a dimensão e a responsabilidade ética do exercício da arquitetura.
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2.1.3 Terraplenagem como estruturação do projeto
A geometria e as dimensões do terreno prescrevem a forma construída? As
construções que se encontram abaixo da superfície da terra e aquelas que estão
acima podem ser entendidas como um mesmo tipo de trabalho? [...] Se o projeto e
a construção de edifícios, ou os enquadramentos geralmente chamados de
arquitetura, podem ser entendidos como conseqüências do manejo do sítio.
(LEATHERBARROW, 2004, P. 17)27
Leatherbarrow afirma que “a arquitetura pode, de fato, ser entendida como uma ‘afloração’ cultivada e
construída a partir de um sítio”, (2004, p. 17), sendo a terraplenagem um dos principais responsáveis
por esta forma de estruturação do projeto. Para o autor o projeto pode ser entendido como uma
elaboração, uma inserção ou uma colaboração28 com o sítio, e para exemplificar essa íntima relação
entre forma do sítio e forma construída ele lança mão de três exemplos bastante elucidativos.
O primeiro deles, um caminho de jardim (garden path), típico do século XVIII, é entendido pelo autor
como um exemplo de projeto enquanto uma elaboração do terreno, no sentido de que este é uma
extensão, um desenvolvimento, ou, uma elaboração do terreno, estruturas que se configuram de acordo
com o movimento, conformando-se e acentuando seus contornos a partir do terreno subjacente.
O segundo deles, uma casa com terraço (terraced house)29, tipologia do século XIX que surge
inicialmente na Inglaterra e depois é utilizada em outros países, é entendido por Leatherbarrow
enquanto uma inserção no terreno. Esta solução, apesar de ter sido implantada em locais distintos,
necessita que o terreno apresente condições particulares (ou seja manipulado para tal) para que esta
possa ser implantada, devido ao encaixe do porão (num nível semi-enterrado), ou inserção, no terreno.
O terceiro, uma cabana primitiva, é um desdobramento das idéias de Semper (1851), retomadas por
Frampton (1995). Frampton agrupou os quatro elementos semperianos em duas categorias: earthwork
(ou terraplenagem), que engloba os elementos do podium e do lar, base do edifício, componentes
horizontais; framework (ou estruturação), que compreende o telhado e as vedações, componentes
verticais. Semper (1851) estudou a relação entre a construção e o desenvolvimento de técnicas
primitivas, a partir da análise do exemplo de uma cabana caribenha na qual o terrapleno30 estaria ligado
à arte da alvenaria e à prática da construção de terraços, como técnica de cultivo em áreas de relevo
27
28
29
30
Tradução livre da autora. Citação original: Do the geometries and dimensions of landform prescribe those of building-form? Are constructions that lie
below the surface of the land and those that stand upon it one – not two – kinds of work? Whether or not the design and construction of buildings,
the sorts of “frameworks” usually called architecture, can be understood as “outgrowths of site preparation. (LEATHERBARROW, 2004, p. 17)
Os temas da elaboração, inserção e colaboração e serão utilizados para classificar os projetos de Siza e serão retomados ainda neste capítulo, no
item 3.3 A Construção do Método.
Grupo de casas geminadas com jardim ou terraço frontal. Apesar da sua ubiqüidade, a tipologia requer condições específicas, que permitam o
trabalho de escavação e aterro característicos desta tipologia. Antes de se construir a estrutura superior, meio piso é escavado para conformar o
porão. (LEATHERBARROW, 2004)
Um dos quatro elementos (além do coração ou lar, do telhado e do fechamento ou vedação) que compunham a cabana primitiva caraíba, entendida
como um “protótipo original das formas arquiteturais clássicas” (AMARAL, 2009)
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íngreme.31 A cabana primitiva foi entendida por Leatherbarrow como um exemplo de colaboração na
medida em que a sua construção vem da confluência das práticas sociais, das necessidades humanas e
da sua correlação com a forma do terreno, as disponibilidades do sítio e a forma construída.
Figura 52 - Cabana primitiva de Semper.
(Fonte: Domínio Público)
Com estes exemplos, o autor buscou chamar a atenção para a importância de se pensar a arquitetura
como (parte da) paisagem, defendendo a idéia de que a terraplenagem, ou o trabalho com o terreno,
pode constituir a própria configuração do projeto (earthwork as framework), e ressalta algumas
questões que vem incomodando a teoria e a prática destas disciplinas por muito tempo:
ELABORAÇÃO
INSERÇÃO
COLABORAÇÃO
Caminho de jardim (garden path)
Casa com terraço (terraced house)
Cabana primitiva (primitive hut)
Extensão, desenvolvimento, ou elaboração
Tipologia do século XIX entendida
Exemplo de colaboração por resultar da
do terreno, estruturas que se configuram
enquanto uma inserção no sítio devido
confluência de práticas sociais,
de acordo com o movimento,
á manipulação deste para o encaixe de
necessidades humanas e da morfologia
conformando-se e acentuando seus
parte do seu programa (porão) num
do terreno, as disponibilidades do sítio
contornos a partir do terreno subjacente.
nível semi-enterrado.
e a forma construída.
Tabela 2 – Síntese de algumas das principais discussões de revisão do Movimento Moderno do século XX.
Como o projeto de um edifício pode reconhecer as particularidades do sítio quando
as práticas construtivas utilizam elementos e tecnologias que não obedecem a
obrigações territoriais? Os materiais construtivos encontrados no entorno ainda
desempenham algum papel na determinação da forma arquitetônica, sabendo-se
que existem novas alternativas menos dispendiosas e mais vantajosas?
(LEATHERBARROW, 2004, p. 21)32
Esclarecidas as noções de colaboração, inserção e elaboração, o autor analisa o Neurosciences Institute,
em La Jolla na Califórnia, dos arquitetos norte-americanos Todd Williams e Billie Tsien. Leatherbarrow
inicia a análise com um questionamento “o que é básico para a definição de um lugar num terreno
extenso e articulado?” (LEATHERBARROW, 2004 p. 23). Ele afirma que a construção do lugar tem início
31
32
Assim como a arte da cerâmica teria se originado do elemento lar, devido à presença do fogo e da lareira; a carpintaria teria se desenvolvido a partir
do telhado e a arte do têxtil a partir do elemento fechamento, pois, para Semper, os tapetes foram os primeiros elementos de definição do espaço.
(AMARAL, 2009).
Tradução livre da autora. Citação original: How can the design of a building acknowledge the particularity of place when construction practices utilize
elements and Technologies that obey no territorial obligations: can building materials that are found in the project’s vicinity still play a role in
determining architectural form when newer alternatives are known to be less expensive and more serviceable? (LEATHERBARROW, 2004, p. 21)
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com o corte da terra, o preparo da base do edifício, e ressalta temas ligados a terraplenagem enquanto
partido do projeto. Alguns destes temas seriam os atos de escavar e de estender, prolongar, de dar
continuidade, dois motes espaciais que caracterizam o projeto do Neurosciences Institute.
Na análise do edifício são destacados aspectos que demonstram essa consideração das preexistências
do sítio. O grande espaço aberto circular, praça central que liga o conjunto, é o ponto de confluência de
caminhos preexistentes que se ligam à paisagem distante. Esta praça é delimitada de maneiras distintas,
em alguns pontos com muros de contenção, em outros com partes do programa incrustadas no relevo
que também funcionam como tal, e abrindo-se para a paisagem diretamente. As paredes do auditório,
por exemplo, funcionam como muros de contenção da terra resultante da escavação do espaço
destinado ao mesmo, semi-enterrado em parte de sua extensão. Com esta movimentação de terra, foi
criado um pequeno monte coberto de grama que contribui para a delimitação do espaço da praça.
Figura 53 – Neurosciences Institute, La Jolla, California. Todd Williams e Billie Tsien, 1992-1995.
(Fonte: LEATHERBARROW, 2004)
O aproveitamento da configuração topográfica do terreno é uma estratégia de zoneamento e
configuração do conjunto. A colina, apesar de não ser de grande inclinação, é suficiente para conter
nesta diferença de cotas alguns usos, como os laboratórios. A escolha dos materiais resulta da
interpretação da paisagem, onde são utilizados três tipos de pedra diferentes, mais escuras ou mais
claras, mais polidas ou mais ríspidas, com a intenção de dar continuidade à paisagem em alguns
pontos, e de se destacar em outros, sobretudo devido às variações de luz e sombra nos edifícios.
O Instituto de Neurociências propõe outro tipo de harmonia, não através da
repetição ou da semelhança, mas através da variação e da diferença, não através da
concordância, mas da discordância, ou melhor, de uma discordância concordante.
(LEATHERBARROW, 2004, p. 48)
Estes e outros temas destacados por Leatherbarrow ao longo da análise do edifício reforçam a idéia
de que a identidade de um projeto pode ser obtida a partir da interpretação do sítio, concebido e
entendido como uma emergência do terreno, uma cristalização dos seus potenciais, sendo o manejo
do terreno o mote para a estruturação de todo o conjunto, premissa central que norteia o projeto.
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2.1.4 Sítio e materialidade
No que concerne à dimensão material dos edifícios, Leatherbarrow e Mostafavi, em On Weathering: The
life of buildings in time (1993), tratam da questão da escolha e do comportamento destes ao longo do
tempo, envelhecimento e decadência e as implicações filosóficas e éticas deste processo na arquitetura.
Embora se possa ver todas as intempéries como uma deterioração, como a
produção de marcas dispersas que sujam as superfícies originais, esse
reconhecimento do jogo de sombras e da inevitabilidade do surgimento destas
marcas sugere uma interpretação alternativa, em que as intempéries são um
processo que pode modificar de modo proveitoso um edifício ao longo do tempo.
(LEATHERBARROW, MOSTAFAVI, 1993, p. 42)33
Os autores ressaltam a relação entre ambiente e comportamento dos materiais, a importância da sua
escolha de modo consciente e o efeito das intempéries enquanto uma marca, uma história, algo que
conta a passagem do tempo nas superfícies dos edifícios e que pode ser algo conscientemente
pretendido e desejado pelos arquitetos, que se deve ter em mente ao conceber os edifícios. Além de
citarem edifícios históricos como exemplos de uma pátina que agregou valor ao edifício, em edifícios do
século XVI ao XIX, onde a pátina é aceita com mais naturalidade.
Figura 54 – De Bijenkorf Department Store (Marcel Breuer, 1955-57), Maison Du Peuple (Jean Prouve, 1937-39) e De Telegraaf (J.
F. Staal e G, J, Langhout, 1927-30).
(Fonte: LEATHERBARROW, MOSTAFAVI, 1993)
Apesar de defenderem a idéia de que os efeitos do envelhecimento dos materiais nos edifícios podem
ser algo positivo para sua aparência, os autores chamam a atenção para o fato de que estes efeitos
também podem ser melhor controlados e previstos por parte do projeto se os materiais e sistemas
construtivos levarem em consideração as características do ambiente no qual estão inseridos. Neste
sentido, Leatherbarrow e Mostafavi fazem uma menção a obra de Álvaro Siza como exemplo de um
arquiteto que questionou a utilização dos mesmos materiais de modo indistinto em toda a Europa,
quando projetou um conjunto habitacional na Holanda, um dos seus primeiros projetos fora de Portugal.
33
Tradução livre da autora. Citação original: While it may be possible to see all weathering as deterioration, the production of distracting marks that dirty
original surfaces, this recognition of the play of shadows and inevitability of marking suggests an alternative interpretation, one of weathering as a
process that can productively modify a building over time. (LEATHERBARROW, MOSTAFAVI, 1993, p. 42)
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Leatherbarrow e Mostafavi citam que Siza ressaltou que na Holanda essa escolha é limitada apenas pelo
custo, já que há inúmeras opções de materiais pré-fabricados disponíveis no mercado e que isso
favorece a repetição, em detrimento da reinvenção e experimentação construtiva, que acontece mais em
Portugal, pelo fato de possuir menos opções de soluções pré-fabricadas.
Mantém-se o precário prazer de trabalhar com os maravilhosos artesãos do Norte –
estucadores, carpinteiros, pedreiros, esses pedreiros que levantam padieiras de 5
metros com três paus, e as poisam sobre os vãos, cantando música antiqüíssima,
como no Egito cantavam os construtores de pirâmides. Igualmente satisfaz o
trabalho com os meticulosos operários da Holanda, emigrantes ou não, os que
juntam o que de forma programada a indústria introduz. Ainda que afecte a
Arquitectura – e os arquitectos – a perda gradual do modo como eles, com as mãos
que foram as nossas, lentamente, pacientemente, para além do desenho
transformavam. (SIZA, 1989, apud MORAIS, p. 60)
Neste caso, as concepções de Siza são utilizadas pelos autores para reforçar a idéia de que o
comportamento dos materiais varia conforme o local e de que o uso das mesmas tecnologias em todo o
mundo nem sempre toma em conta as singularidades de cada lugar, tendo conseqüências sobre o seu
processo de envelhecimento. (LEATHERBARROW, MOSTAFAVI, 1993)
Para entender as concepções de Siza sobre as diferenças entre o contexto holandês e português do
ponto de vista dos materiais é bastante esclarecedor observarmos o projeto das habitações populares
De Punkt e De Komma (Haia, 1983-1988) no que se refere à repetição e a experimentação material.
No conjunto pode-se perceber o esforço de Siza em equilibrar a excessiva repetição (condicionada pelo
programa de habitação social), observável nas grandes extensões de fachada pontuadas por aberturas
iguais, com o esforço de experimentação e manejo dos materiais, por exemplo, no modo como trabalha
de forma variada, formal (com variações de alinhamentos, alturas e geometrias) e materialmente
(utilizando tijolos distintos ou paredes brancas), as esquinas do extenso e repetitivo conjunto.
Figura 55 – De Punkt e De Komma (Álvaro Siza, Haia, 1983-1988).
(Fonte: LLANO, CASTANHEIRA, 1996, p. 71)
O trabalho no computador abriu novas perspectivas para os arquitetos também,
mas ao mesmo tempo, na sua aplicação no projeto na arquitetura, tem uma
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SENSIBILIDADES
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componente também de um certo pré-fabrico, pacotes, ou coisas que já estão feitas
e que se compõem. E a complementaridade do desenho abre de outra forma a
mente, não é tão restritivo. E julgo que é por isso que se mantém e acho muito bem
que se mantenha. (SIZA, 2011).34
Sobre as profundas mudanças no processo de concepção da arquitetura nas últimas décadas,
resultantes do uso dos computadores, Leatherbarrow e Mostafavi ressaltam pontos positivos, como o
grande potencial de armazenamento de informações e a ampliação da possibilidade de repetição e
modificação de soluções prévias. Entretanto, também chamam a atenção para o fato de que essas
mesmas facilidades permitidas pelas ferramentas digitais parecem reduzir o potencial de
experimentação no processo projetual e uniformizar as soluções, sobretudo no que diz respeito ao
emprego dos materiais e sistemas construtivos (LEATHERBARROW, MOSTAFAVI, 1993).
Neste sentido, Siza chama a atenção para a importância da complementaridade entre as ferramentas
tradicionais, como o desenho à mão livre, e as mais recentes, como os recursos digitais, no ato de
projetação. Além do já citado caso holandês, a questão da relação entre sítio e materialidade por meio
da aproximação ou do contraste entre estes, o que será observada ao longo das análises dos projetos de
Siza nos capítulos seguintes.
2.1.5 Fragmentação versus frontalidade
É possível atribuir significado a arquitetura sem ser recorrer a uma mera exibição
ou demonstração de imagens? O que envolveria o desenho de uma arquitetura
não-cenográfica? Como podemos falar de tal arquitetura ou descrevê-la sem
imediatamente transformá-la naquilo que queremos evitar, outro conjunto de
objetos-para-serem-vistos ou, mais ambiciosamente, para serem lidos?
(LEATHERBARROW, 2000, p. 77)35
Projetar um edifício também significa determinar sua aparência, sua imagem, como este irá se revelar, o
que geralmente envolve o ato corriqueiro de compor suas fachadas. A prática de enfatizar o aspecto
frontal e pictórico dos edifícios ainda persiste, pois a fachada, sobretudo a frontal, é vista como algo que
identifica o edifício, que confere a sua aparência singular. Entretanto, Leatherbarrow (2000) critica a
ênfase na composição das fachadas, sobretudo frontais, e sugere que o ato de conceber as fachadas vai
além da determinação da imagem dos edifícios, pois estes raramente são entendidos do modo como
foram concebidos, como se fossem fotografias, ou seja, a forma como os usuários se aproximam e
experimentam os edifícios também interfere nesta leitura.
34
35
Em entrevista cedida a autora no dia 19/03/2011, presente nos anexos.
Tradução livre da autora. Citação original: Is there a way architecture can make sense that is not na exhibition or showcasing of images? What would
be involved in the design of a nonscenographic architecture? How could we talk about such an architecture or begin to describe it without
immediately turning into what we are trying to avoid, another set of object-to-be-seen or, more ambitiously, to be read? (LEATHERBARROW, 2000,
p. 77)
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Nos anos 1970 e 1980 a questão da conformidade dos edifícios com o lugar muitas vezes limitou-se à
apropriação e rearticulação de motivos encontrados na história ou no entorno imediato, conforme visto
no capítulo 1. Nas obras de Rossi, Graves e Venturi, por exemplo, os projetos poderiam ser mais
facilmente entendidos a partir da sua dimensão frontal e pictórica.
Esta conformidade também foi conseguida pelo trabalho com os materiais locais, como a utilização de
pedras de pedreiras vizinhas, por exemplo, conforme afirmou Wright em Architecture and Acreage
Together as Landscape, ensaio presente em The Living City (1958). Em ambos os casos, em Wright e na
arquitetura dos anos 1970 e 1980, a conformidade entre os edifícios e o sítio resulta dessa semelhança,
dessa repetição, seja dos motivos construídos, seja de elementos da natureza. Portanto, a questão
central colocada por Leatherbarrow é “como os edifícios foram e podem ser compostos a partir das
configurações que os cercam e quais as conseqüências disto na percepção e na própria configuração do
edifício.” (LEATHERBARROW, 2000, p. 72).36
O autor questiona a ênfase histórica conferida ao desenho das fachadas, sobretudo frontais, e chama a
atenção para outras formas de se conceber o projeto, por meio de atitudes que favoreçam a
experimentação em detrimento da representação, que privilegiem a noção do todo, de um conjunto
urbano mais inclusivo, pois “se não podemos prever e descrever essa arquitetura, um edifício que não é
camera-ready não vale a pena observar porque não há nada para ver, nada interessante sobre ele.”
(LEATHERBARROW, 2000, p. 77) .
Esta ênfase na revelação frontal e pictórica do edifício pode ser entendida, por exemplo, quando o autor
compara o contraste existente entre a atenção dada à fachada frontal e a dos fundos. Enquanto a
fachada frontal prevê um maior distanciamento, espaço para observação, apreensão e contemplação, a
fachada dos fundos muitas vezes confunde-se com os fundos das edificações vizinhas, muitas vezes
praticamente não sendo vista. Contudo, o que poderia parecer algo negativo, esta lógica de concepção
da fachada dos fundos (ou a ausência dela) é simplesmente a revelação das necessidades do programa
e das condicionantes colocadas pelas edificações vizinhas.
Neste sentido, o autor destaca os projetos da Tzara House (Paris, 1926) e da Rufer House (Viena, 1922),
ambas de Adolf Loos, enquanto atitudes opostas. Na Tzara House, a composição da fachada frontal se
apresenta mais clara, a fachada dos fundos é difícil de ser entendida, não só pela falta de espaço do
interior da quadra, mas pela fragmentação gerada pela sobreposição e escalonamento dos parapeitos
dos terraços empilhados. Seu caráter, aparentemente desagregado, sugere essa noção de composição
do todo a partir dos fragmentos, gerando uma composição interessante e assimétrica.
36
Tradução livre da autora. Citação original: How buildings have been and can be enmeshed in the settings that surround them, and the consequences
this hás for both perception and the ways building “works”. (LEATHERBARROW, 2000, p. 72)
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Já na Rufer House, a noção de fragmentos e sobreposições permeou todas as fachadas. Nela, pode-se
observar que, apesar da sua planaridade e rigor volumétrico, os dados que configuram as fachadas são
resultados das necessidades internas, como a disposição das aberturas de maneiras distintas e sem
uma lógica compositiva aparente (ao longo de uma mesma fachada e quando comparadas com as
demais fachadas), ou as subtrações no volume feitas para os terraços, no térreo e no topo do edifício.
Figura 56 – Tzara House, Loos, Paris, 1926.
(Fonte: LEATHERBARROW, 2000)
Figura 57 – Rufer House, Adolf Loos, Viena, 1922.
(Fonte: LEATHERBARROW, 2000)
Se a palavra "contexto" ainda é sensível após o seu uso excessivo nas últimas duas
décadas, ela indica precisamente esse entrelaçamento entre os objetivos propostos
e as qualidades latentes de um lugar - uma espécie de ordem têxtil. As fachadas
não criam essas relações, elas dependem delas. (LEATHERBARROW, 2000, p. 95)
Leatherbarrow aprofunda os estudos desta relação entre os limites do edifício e o seu sítio com o
estudo de dois projetos de Richard Neutra: a Child Guidance Clinic (Los Angeles), no campus da
University of Southern Califórnia (Los Angeles) e a Nursery-Kindergarten, no campus da UCLA. O
objetivo do autor é levantar a questão da cooperação de um edifício com o seu horizonte, a partir da
observação da perda e da recuperação da sua imagem autônoma, ou, em outras palavras, o
enfraquecimento de sua imagem, num certo sentido, e o fortalecimento de outros aspectos do projeto.
Em ambos os projetos, Leatherbarrow ressalta dois aspectos fundamentais: o caráter imbricado
existente entre os limites do edifício e o sítio no qual se insere e os usos, as atividades humanas, neste
caso a educação de crianças. O caráter fluido dos espaços e da transição interior-exterior dos edifícios
reside nas novas práticas de ensino da época, que advogavam menos formalidades no ensino, mais
liberdade na formação de grupos de alunos e estudantes e mais a interação com a natureza.
Estes aspectos, combinados com as características dos sítios, resultaram nesta fragmentação dos
volumes, na fluidez dos espaços (tanto na sua relação interior-interior, quanto interior-exterior), na
elaboração de soluções distintas de vedação e fenestração, que permitiam essa integração bem como
uma maior aproximação com a paisagem. Em ambos os casos observa-se que o que poderia ser uma
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perda da autonomia do edifício, ou seja, uma crise na definição do edifício, se mostra como algo
positivo para a sua concepção, tanto na sua coesão estética quanto na sua inserção na topografia.
Figura 58 – Child Guidance Clinic, Los Angeles, Richard Neutra, 1963.
(Fonte: LEATHERBARROW, 2000)
Figura 59 – Nursery-Kindergarten, Los
Angeles, Richard Neutra, 1957.
(Fonte: LEATHERBARROW, 2000)
Pode-se perceber a questão da frontalidade também na escala do conjunto, como na análise do
Neurosciences Institute, onde Leatherbarrow, em outra obra (2004), chama a atenção para a ausência
de um ponto focal, sendo o projeto uma série de fragmentos, uma sucessão de acontecimentos ligados
a um determinado ponto do sítio. Billie Tsien, autora do projeto, destacou que o edifício é difícil de
fotografar porque se revela mais claramente por meio de vistas laterais e não frontais. Porém, o que
poderia ser um defeito, já que a frontalidade é o modo mais comum de apreciação do edifício, pode
questionar nosso entendimento sobre a representação (LEATHERBARROW, 2004). Como já ressaltado
por Leatherbarrow, o Neurosciences Institute não se revela como uma série de pinturas, mas como um
conjunto de situações, fragmentos que entendidos no sítio e a partir da experiência conformam o todo.
Figura 60 – Neurosciences Institute, La Jolla, Califórnia. Todd Williams e Billie Tsien, 1992-1995.
(Fonte: http://www.twbta.com/. Acesso em 10 de julho de 2012.)
Essa ausência de frontalidade, que a princípio poderia significar um sacrifício ou perda da autonomia
dos edifícios pela ausência de uma revelação mais frontal e pictórica, é devida a essa aderência aos
contornos da sua localização. Em suma, pode-se afirmar que a substância representativa das fachadas,
ou do aspecto exterior geral de um edifício, pode ser obtida não através da incorporação de motivos dos
seus arredores, mas da consideração destas duas condições, da topografia e da práxis humana.
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2.2 Panorama nacional
Até então, falou-se da emergência de sensibilidades que consideram a topografia num sentido mais
amplo, como proposto por Leatherbarrow, e de como isto pode contribuir para uma maior aproximação
entre construção e situação. Neste sentido, foram identificadas poucas reflexões no Brasil, com exceção
das desenvolvidas pelos arquitetos: Carlos Teixeira (2004, 2007, 2008), que denuncia uma negligência
ou falta de sensibilidade à topografia por parte da arquitetura e do urbanismo e aponta os seus efeitos
na construção das paisagens; e Carlos Maciel (2006) que alerta para a possibilidade de reinvenção da
arquitetura a partir da consideração da topografia enquanto fato gerador do projeto (MACIEL, 2006).
2.2.1 A falta de sensibilidade à topografia
Os efeitos da negligência da topografia na construção da cidade em áreas topograficamente acidentadas
(encostas, margens e várzeas de cursos d’água) são observados nas tragédias que acontecem àqueles
que ocupam estas áreas. As causas para estes acidentes já são conhecidas (áreas geologicamente
instáveis, construções de má qualidade e degradação ambiental) e a sua origem tanto é de ordem
técnica quanto política-social-econômica. (RODRIGUES DOS SANTOS, 2009)
Figura 61 – Ocupação em área de risco em Salvador.
(Foto: Nelson Kon)
Figura 62 - Conjunto residencial em Belo Horizonte.
(Foto: Carlos Teixeira)
Arquitetos associam seu campo de atuação a áreas de trabalho estanques, onde
sobra pouco espaço para uma leitura mais abrangente da arquitetura, do urbanismo
e do paisagismo como disciplinas integradas. Em tempos de desafios impostos
pela ecologia e pela própria complexidade das cidades, a visão integrada daquelas
três disciplinas é uma estratégia fundamental. Precisamos ver o urbanismo como
arquitetura em escala maior, o paisagismo como um urbanismo permeável, a
arquitetura como um urbanismo espacializado – um justificando o outro como
forma de imbricá-los de maneira indissociável. (TEIXEIRA, 2007, p. 01)
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O arquiteto Carlos Teixeira aborda o tema da falta de sensibilidade à topografia do ponto de vista dos
seus efeitos na construção da paisagem (TEIXEIRA, 2007). Suas formulações concentram-se nas
interfaces existentes entre as disciplinas de arquitetura, urbanismo e paisagismo, defendendo uma
concepção de modo integrado e questionando o papel do arquiteto na sociedade.
Teixeira destaca arquitetos e escritórios que trabalham e investigam sobre esta integração
interdisciplinar. Entre outros projetos, apresenta o trabalho do escritório Vazio S/A, do qual faz parte,
destacando o projeto Amnésias Topográficas. Neste projeto, Teixeira e Louise Marie Ganz investigam
espaços intersticiais urbanos com potencial de ocupação, como por exemplo o caso do bairro Buritis,
em Belo Horizonte, onde a falta de sensibilidade à topografia local é claramente perceptível.
Os edifícios da área são uma resposta direta e pouco criativa à rigidez da Lei de Uso e Ocupação do
Solo, que permite a construção de no máximo quatro pavimentos, a contar do nível da rua. Como os
terrenos são de declive acentuado, a solução encontrada foi assentá-los sobre palafitas de concreto que
tem a mesma altura ou são até mais altas do que os prédios que sustentam. Essa latente falta de
integração entre arquitetura e topografia, um labirinto de espaços residuais que suporta edifícios banais,
é um reflexo do crescimento urbano descontrolado, da justaposição de interesses (prefeitura,
especuladores e empresas urbanizadoras), e da discrepância entre arquitetura e infraestrutura.
Figura 63 – Bairro Buritis, Belo Horizonte.
(Fonte: TEIXEIRA, 2008, p. 67)
Terrenos acidentados são vencidos por uma malha sincopada de pilares e vigas.
Juntos, cintas e contraventamentos materializam fantasias arquitetônicas. São
espaços piranesianos não idealizados por arquitetos, produtos de calculistas que
jamais imaginaram o espaço que projetaram, surpresas espaciais que nunca
acontecem no mundo previsível da arquitetura. (TEIXEIRA, 2003, p. 03)
Neste sentido, o projeto Amnésias Topográficas aproveita-se dos vazios deixados por esta ocupação
irracional, realizando intervenções, nestas palafitas de concreto para dar lugar à cenografia da peça
Nômades, do grupo de teatro de rua Armatrux, transformando “o que antes era um vazio subutilizado e
com aspecto de depósito de entulho em um espaço único onde arquitetura, paisagismo e recuperação
ambiental misturaram-se” (TEIXEIRA, 2007, p. 04). É uma denúncia, por meio de um urbanismo
efêmero, dos desequilíbrios urbanos sem precedentes.
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Figura 64 – Projeto e cenário para a peça Nômades.
(Fonte: TEIXEIRA, 2008)
2.2.2 A topografia enquanto mote do projeto
Além de denúncias sobre a negligência da topografia, Carlos Alberto Maciel, no artigo Topografias ou a
construção como paisagem (2006), lança reflexões sobre o entendimento desta enquanto mote do
projeto, segundo ele, maciçamente utilizado na arquitetura contemporânea internacional. (MACIEL, p.
16, 2006), mas que já se podia ver na produção brasileira desde 1950. Para compreender essa relação
dos edifícios com a topografia, Maciel lança três características conceituais e não excludentes entre si:
A utilização de geometrias complexas para reforçar o caráter público e aberto do
edifício, com maior continuidade com o espaço urbano adjacente; A interpretação ou
reinvenção da topografia pré-existente como fato gerador do projeto, definindo com
isso construções menos geométricas e mais topológicas; A síntese de uso, construção
e forma, entre edifício e paisagem, reduzindo e em alguns casos eliminando quase
completamente a diferenciação entre ambos. (MACIEL, 2006, p. 16)
Sobre a primeira estratégia, Maciel destaca alguns casos internacionais, como o Kunsthal (Rem
Koolhaas, Rotterdam, 1992) - que sobrepõe o percurso público, entre o parque e a avenida, com o
privado; o Terminal Marítimo de Yokoama (Farshid Moussavi e Alejando Zaera-Polo, 1995-2002) - que
interliga distintos níveis do edifício e cria um espaço público aberto integrado com o espaço adjacente; e
a Biblioteca da Universidade de Delft (Mecanoo, 1993-1998) - que oculta o programa abaixo de uma
grande laje gramada que se eleva do solo, integrando-se com o entorno do parque.
Figura 65 – Kunsthal (Rem Koolhaas,
1992).
(Fonte: http://www.flickr.com. Acesso
em: 08 de Junho de 2012)
Figura 66 – Terminal de Yokohama (Farshid
Moussavi e Alejandro Zaera-Polo, 1995-2002)
(Fonte: http://www.flickr.com. Acesso em: 8 de
jun. 2012)
Figura 67 - Biblioteca da UDelft
(Mecanoo, 1993-1998).
(Fonte: http://www.flickr.com. Acesso
em: 08 de Junho de 2012)
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Na arquitetura moderna brasileira, Maciel destaca a galeria comercial do Edifício Copan (Oscar
Niemeyer, São Paulo, 1950), constituída por um piso inclinado, sem escalonamentos, que promove a
continuidade com as vias adjacentes; o Pavilhão do Brasil na Feira Internacional de Osaka (Paulo
Mendes da Rocha, 1969-1970), que cria uma topografia artificial, pequenas colinas que abrigam os
usos, delimitados por uma grande coberta em concreto aparente; e a Sede do Partido Comunista
Francês (Oscar Niemeyer, 1965), onde o Salão da Classe Operária foi rebaixado e superfícies rampadas
articulam o nível da rua ao topo da cúpula do espaço.
Figura 68 – Galeria comercial do
Edifício Copan (Oscar Niemeyer,
São Paulo, 1950).
(Fonte: MACIEL, 2006, p. 17)
Figura 69 - Pavilhão do Brasil na Feira de
Osaka (Paulo Mendes da Rocha, 1969-1970).
(Fonte: MACIEL, p. 17, 2006)
Figura 70 - Partido Comunista Francês
(Oscar Niemeyer, 1965).
(Fonte: http://www.flickr.com. Acesso em:
08 de Junho de 2012)
Na segunda estratégia, a topografia como fato gerador do projeto a partir da elaboração de soluções
menos geométricas e mais topológicas, tem-se o Pavilhão da Serpentine Gallery (MVRDV, Londres,
2005), que cria uma colina artificial para ocultar a edificação antiga, de caráter oneroso e meramente
experimental. De resultado formal distinto, mas com estratégias semelhantes, o edifício da Cidade da
Cultura da Galícia (Peter Eisenman, Santiago de Compostela, 1999), também apresenta uma grande
força mimética com a paisagem, numa clara tentativa de se fundir com a topografia. O vasto programa é
distribuído em um conjunto que mais parece o resultado da movimentação de placas tectônicas. De
longe, o conjunto ondulante simboliza uma nova colina na paisagem.
Figura 71 – Cidade da Cultura (Peter Eisenman, Santiago de Compostela,
1999).
(Fotos: Lívia Nóbrega, 2011)
Figura 72 – Residência Sigrist (Eduardo de Almeida,
São Paulo, 1973-1976).
(Fonte: GUERRA, 2006, p. 29)
No âmbito brasileiro, Maciel cita a Residência Sigrist (Eduardo de Almeida, São Paulo, 1973-1976)
ocultada no aclive pelo escalonamento dos espaços, mas cujo jogo de aberturas revela o edifício como
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um artefato francamente humano. A utilização de variações artificiais na topografia também é destacada
na Rodoviária de Brasília (1957), que foi rebaixada para integrar o cruzamento dos dois eixos e
minimizar a presença da construção e na Praça dos Três Poderes (Oscar Niemeyer, Brasília, 1958),
onde, de forma oposta, o rebaixamento confere hierarquia e visibilidade ao Congresso Nacional.
Por fim, sobre a relação indissociável entre edifício e paisagem, Maciel destaca o projeto do Museu Paul
Klee (Renzo Piano, Berna, 1999) como uma síntese entre arquitetura e paisagem a partir da criação de
uma nova topografia, com ondulações artificiais escultóricas que ora se fundem e ora se soltam do
terreno, marcadas pela sua expressividade tectônica. E a Casa das Canoas (Oscar Niemeyer, Rio de
Janeiro, 1953), onde as rochas e a topografia preexistente conferiram o ordenamento do projeto.
Figura 73 – Museu Paul Klee (Renzo Piano, Berna, 1999).
(Fonte: http://www.flickr.com. Acesso em: 08 de Junho de
2012)
Figura 74 - Casa das Canoas (Oscar Niemeyer, Rio de Janeiro,
1953).
(Foto: Fernando Diniz Moreira)
Estes exemplos trazem novas possibilidades de entendimento do edifício, ressaltando a recorrência
deste tema na arquitetura internacional recente, e a presença do mesmo na arquitetura brasileira de
algumas décadas atrás. Neste sentido, Maciel mostrou como os arquitetos modernos brasileiros
souberam tratar a relação entre edifício, paisagem e espaço urbano e as relações entre domínio público
e privado de forma criativa e desperta para o fato de que isto parece ter se perdido nos dias atuais.
Suas reflexões estão em consonância com a idéia de Leatherbarrow de desmistificar o caráter racional e
funcionalista da arquitetura moderna e alguns aspectos por ele salientados também são observáveis na
arquitetura portuguesa, tradicional e contemporânea, onde é notável a sensibilidade com que os
arquitetos concebem o projeto a partir de um entendimento topográfico da realidade, rural ou urbana.
Portanto, este capítulo buscou mostrar discussões que fornecem insights no sentido de dar
continuidade ao debate sobre o relacionamento dos edifícios com o sítio, a partir da incorporação da
realidade e de sua topografia pelos projetos, tema recorrente nas formulações da arquitetura moderna e
contemporânea nacional e internacional, recorrência esta que também será estudada na obra de Siza.
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TOPOGRÁFICAS
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3. SENSIBILIDADE
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Figura 75 – Centro Galego de Arte Contemporânea.
(Fonte: CURTIS, 1996, p. 682)
Sensibilidade topográfica foi o termo usado por William Curtis para se referir a atitude de Álvaro Siza no
projeto do Centro Galego de Arte Contemporânea (1988-1994), ao afirmar que nele Siza “reinvocou a
sensibilidade topográfica de seus primeiros edifícios, enquanto respondeu às ambições cívicas de uma
cultura regional” (CURTIS, 1996, p. 682).37 Esta breve menção provoca um olhar para algumas obras de
Siza e as estratégias projetuais lançadas pelo arquiteto que fornecem ubsídios para um melhor
relacionamento entre edifícios e o sítio.
O período em que Siza se formou pela Escola Superior de Belas-Artes do Porto (ESBAP) no fim dos
anos 1950 coincidiu o vasto período de atuação de Siza coincide com o rico momento de discussões e
transformações da arquitetura do pós-guerra. A atenção às características do lugar influenciou sua
produção, como já salientado (FLECK, 1999; FRAMPTON, 2000; JODIDIO, 1999; TESTA, 1988;
TRIGUEIROS, 1995, 1997).
Viu-se, por exemplo, que as idéias do Contextualismo têm efeito sobre Siza e a Escola do Porto (em
especial até os anos 1980), entretanto, observou-se também que estas abordagens muitas vezes
enfatizam aspectos muito pontuais, por vezes perdendo a noção do todo.
Assim, este capítulo busca resumir alguns aspectos do contexto de formação de Álvaro Siza que
contribuíram para o desenvolvimento desta sensibilidade, sendo eles a essência lógica da paisagem e a
Escola do Porto de arquitetura, e por fim apresenta a construção do método para análise dos projetos.
37
Tradução livre da autora. Citação original: Reinvoked the topographical sensitivity of his earliest buildings while to responding to the civic ambitions of
a regional culture. (CURTIS, 1996, p. 682)
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3.1 A essência lógica da paisagem
Ao observar a paisagem do Porto e do norte de Portugal em geral, um aspecto chama a atenção: a
acidentada topografia da região e a habilidade com que a arquitetura e o urbanismo da cidade se
relacionam com o solo rochoso, fraturado e de difícil ocupação, caracterizando uma cidade “maturada
na articulação de uma topografia drástica e um instinto de racionalidade” (FIGUEIRA, 2002, p. 23).
Uma das principais paisagens do país, a região do Alto Douro Vinhateiro, foi a primeira região vinícola
do mundo a ser classificada como Patrimônio da Humanidade, enquanto paisagem cultural, pela
UNESCO38 em 2001, devido a configuração singular e equilibrada entre natureza e intervenção humana.
Obra combinada do Homem e da Natureza, resultante de um processo
multissecular de adaptação de técnicas e saberes específicos de cultivo da vinha
em solos de especiais potencialidades para a produção de vinhos de qualidade e
tipicidade mundialmente reconhecidas, correspondentes às denominações «Porto»
e «Douro». É uma paisagem cultural evolutiva viva, testemunho notável de uma
tradição cultural antiga, e, simultaneamente, de uma civilização viva, centrada na
vitivinicultura de qualidade, desenvolvida em condições ambientais difíceis.39
Figura 76 – Região do Alto Douro Vinhateiro, Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
As técnicas de cultivo se aperfeiçoaram ao longo dos séculos, driblando as condições adversas, como
os terrenos pedregosos e íngremes, com a construção de socalcos e extensos muros de xisto
(abundante na região), além de quintas, aldeias, capelas e estradas, constituindo esta escultura na
paisagem (MATOS, 2002, p. 17). Neste ponto, pode-se dizer que existe uma herança histórica e uma
aproximação entre a produção da paisagem cultural do Alto Douro Vinhateiro - marcada por duas
características centrais, o enfrentamento das adversidades com engenhosas soluções de cultivo e de
adaptação topográfica e a síntese entre artefatos humanos e naturais, e a arquitetura portuguesa, onde
estes valores perduram até os dias atuais, podendo também ser observados nas obras de Siza.
38
39
As paisagens culturais são bens que representam <<as obras conjugadas do homem e da natureza>> a que se refere o artigo 1º da Convenção.
Ilustram a evolução da sociedade humana e a sua consolidação ao longo do tempo, sob a influência das condicionantes físicas e/ou das
possibilidades apresentadas pelo seu ambiente natural e das sucessivas forças sociais, econômicas e culturais, externas e internas. (Fonte:
www.unesco.pt/pdfs/docs/categorias+criterios.doc)
Trecho do texto de justificativa da inscrição no patrimônio da UNESCO. Fonte: http://www.ccdr-n.pt/fotos/editor2/ccdrn/regnorte/prog10anos.pdf
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SENSIBILIDADES
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EM ÁLVARO SIZA
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Quanto ao tecido urbano, a cultura européia ocidental em geral é em grande parte fundamentada pela
matriz greco-romana, no que diz respeito à preocupação em conferir caráter e inteligibilidade aos
espaços. Isto pode ser observado, por exemplo, nos seus centros históricos, assim como nas antigas
colônias de fundação portuguesa. Nelas é possível observar este sentido de sacralização, por exemplo,
pela construção de igrejas em pontos focais das cidades, assim como uma preocupação com a defesa, a
partir da sua ocupação em áreas de montes, encostas e terrenos de difícil acesso, aproveitando-se das
características geográficas existentes para construir sua defesa natural.
A topografia, na arquitetura portuguesa, tem uma influência, historicamente grande.
Se, por exemplo, pensar numa cidade da América, de fundação espanhola, na maior
parte dos casos o que vem a mente é uma planície, um planalto, uma zona plana, e
inscrita nessa zona um plano geométrico, um xadrez [...]. Ao contrario, se for para
pensar no Brasil, [...] vê um sítio com uma topografia difícil, complexa, acidentada
e, portanto, não a imposição de um plano pré-estabelecido de acordo com os
códigos, mas sim uma adaptação ao terreno, com as suas dificuldades, mas
também com as suas qualidades de defesa. (SIZA, 2011)40
Figura 77 – Centro histórico da cidade de Ouro Preto, Minas Gerais.
(Foto: Lívia Nóbrega)
Para Siza, a influência da topografia na arquitetura e no urbanismo português é algo bastante evidente.
Ao comparar a postura portuguesa e espanhola na fundação das colônias, o arquiteto alerta para a
necessidade de defesa e, portanto, escolha dos territórios de ocupação e invasão mais difícil, legado
histórico do urbanismo português que marca até hoje o ensino da arquitetura na Escola do Porto.
Em se tratando especificamente do espaço urbano da cidade do Porto, esta é configurada por um tecido
radial cujas principais vias eram as antigas estradas de saída do território, que hoje convergem para a
Rotunda da Boavista41, sendo a principal delas até hoje a Avenida da Boavista, principal eixo de ligação
entre a costa oeste, banhada pelo Oceano Atlântico, e a parte ocidental do território, sendo banhada pelo
Rio Douro, para o qual se volta um íngreme vale.
40
41
Em entrevista cedida a autora no dia 19 de março de 2011, presente nos anexos.
Criada durante o chamado período Almadino, em 1874, compreendido entre finais do século XVIII e princípios do século XIX, no qual foram
realizadas uma série de intervenções urbanísticas de modo a ordenar a expansão territorial da cidade, coordenadas pela figura de João de Almada.
(RESENDE, 1952) Para saber mais sobre o assunto, ver: RESENDE, M. A Evolução Territorial da Cidade do Porto e a Orientação a Seguir para
a Urbanização das Zonas Residenciais.
Residenciais Vol. 2 Ano VIII. Porto: Civitas, 1952.
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SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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Essa minha cidade do Porto tem um solo levado dos diabos. Acidentado, granito que
durante séculos repeliu planos apressados. O casario galga morros e abre praças,
onde pode: estreitos vales ou plataformas inclinadas, como nenhum manual poderia
propor. As muralhas precipitam-se a conter o tecido deslizante [...] As encostas
exigem muros de pedra penosamente ajustada, plataformas abraçadas à lógica
essencial da paisagem, Douro acima... (SIZA, 1988, apud MORAIS, 2009, p. 201)
Figura 78 - Centro histórico da cidade do Porto, Portugal.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
Percebe-se que esta localização geográfica singular contribuiu para estimular o entendimento
topográfico da realidade devido à necessidade de domesticação deste relevo agreste por meio de
complexas e engenhosas soluções arquitetônicas em rampas, escadas e galerias. O tecido fraturado da
cidade adapta-se sensivelmente à topografia acidentada e rochosa por meio de quebras, rupturas,
mudanças inusitadas de ângulos e direções, aberturas de pátios e praças, galerias, rampas, escadarias e
muros de contenção, num fechar e abrir de olhos para as belíssimas vistas do vale.
Neste sentido, pode-se afirmar que essa sensibilidade foi continuada ao longo do desenvolvimento da
arquitetura e do urbanismo na história portuguesa, de maneira direta, a partir das questões colocadas
pelas próprias demandas dos terrenos, ou indireta, a partir da consideração do entorno - natural e
construído, enquanto uma matriz topográfica.
Figura 79 - Croquis de Álvaro Siza do centro histórico da cidade do Porto.
(Fonte: FLECK, 1994)
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SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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A topografia do Porto terá certamente estimulado a fantasia espacial de Siza, o que
nos ajuda a interpretar os seus esquissos. Neles, caos e ordem estão intimamente
ligados, surgindo ao olhar furtivo como saídos de uma mão marcada pela
desconcentração e pelo rigor, em admirável tensão violenta e sereno abandono.
(FLECK, 1999, p. 13)
Este imaginário espacial da cidade tradicional tem certamente uma forte relação com o desenvolvimento
de uma maior sensibilidade e habilidade no sentido de capturar esta complexa riqueza espacial do Porto,
bem como de qualquer lugar onde projeta, e incorporá-la na concepção de seus edifícios, sobretudo por
meio de seus croquis, em especial àqueles da paisagem da cidade do Porto. Assim como esta questão
do desenho, outros aspectos da formação erudita de Siza também contribuem para essa apreensão
sensível do lugar, como será visto no tópico seguinte sobre a Escola do Porto.
3.2 A Escola do Porto de arquitetura
A partir de 1940, tem-se o surgimento de muitas escolas de arquitetura,42 que tinham em comum a
intenção de revisar criticamente o movimento moderno e de associar identidades locais à produção
arquitetônica, algo que também se fez presente em Portugal. No país, nas primeiras décadas do século
XX, o ensino da arquitetura em Portugal se concentrava nas cidades de Lisboa e do Porto.
Na altura, a Escola de Belas Artes de Lisboa (EBAL), mais próxima do regime ditatorial de Salazar e do
Estado Novo, adotava uma linguagem historicista e de cunho propagandista que afirmavam as intenções
do Regime, retratada na Exposição do Mundo Português (1940). Em contrapartida, os arquitetos da
Escola Superior de Belas-Artes do Porto (ESBAP) encontram no ambiente relativamente periférico (em
relação à Lisboa) e na burguesia industrial e progressista um cenário mais aberto e propício para a
arquitetura moderna, que até então, havia se manifestado de modo superficial no país (TOSTÕES, 2004).
A notável produção dos arquitetos oriundos em sua maioria desta instituição (ESBAP), que
posteriormente se torna Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), dá origem ao que
ficou conhecido como Escola do Porto, à qual Siza é freqüentemente associado.
Sem a intenção de argumentar a favor ou contra a existência e validade desta escola, este trabalho utiliza
o termo Escola do Porto para se referir a algumas práticas de ensino desta instituição, bem como a
produção de alguns arquitetos da região do Porto e arredores, da segunda metade do século XX, por
42
Na arquitetura, é comum a utilização do termo escola para designar manifestações características de uma determinada região. Além de remeter a
lazer, desenvolvimento intelectual e ao edifício que abriga o ofício educacional, a palavra escola “também descreve uma forma de pensar, de ver o
mundo. Uma escola é formada por um grupo de pessoas que compartilham ideais, paradigmas objetivamente formulados”. (AMORIM, 2001)
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SENSIBILIDADES
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TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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observar-se que é possível perceber uma contínua “referência de um modo de fazer, a que está
associado um modo de pensar” (FIGUEIRA, 2002, p. 17).
Dentre os aspectos que balizaram a produção deste grupo, a atenção ao lugar é um dos mais notáveis.
Na Escola do Porto, o tema do lugar está presente desde a década de 50, simultâneo ao processo de
transição entre o modelo clássico francês da Beaux-Arts (onde eram ensinados em conjunto pintura,
escultura e arquitetura), na ESBAP, e a adoção da arquitetura moderna, com a instituição da FAUP. A
entrada de Carlos Ramos para a direção da ESBAP, e a abertura aos jovens arquitetos e às influências
externas (sobretudo internacionais), foi fundamental para a reformulação do curso e para a mudança do
modelo Beaux-Arts para a arquitetura moderna. Como isto acontece nos anos 1950, este relativo atraso
na adoção da arquitetura moderna, devido em parte, a localização periférica e ao regime ditatorial vivido
no país43 fez com que a arquitetura moderna chegasse a Portugal ao mesmo tempo em que as reflexões
sobre sua revisão, através dos periódicos ingleses e italianos e da revista Arquitectura.
Lembro-me da minha primeira correcção ao meu trabalho, por Carlos Ramos, no
terceiro ano; sendo os primeiros anos dedicados mais aos estudos clássicos e às
Belas Artes: desenhos, aguarelas, exercícios sobre a Arquitectura Clássica. Fez-me
notar a minha falta de conhecimentos e convidou-me a procurar algumas revistas.
[...] Tive muita sorte porque calhou um número dedicado a Gropius e um outro a
Aalto [...] que, a mim, me fascinou logo. Para além do seu lado “solidez
construtiva”, esta arquitectura tinha a ver, numa certa medida, com o Brasil, apesar
do clima geral aí ser completamente diferente. (SIZA, 2005, apud BEAUDOUIN,
MACHABERT, 2009, p. 264)
A chegada destas influências pode ser observada, por exemplo, nos projetos de habitações sociais do
Bairro de Ramalde (Porto, 1952-1960), de Fernando Távora, e do Bairro da Bouça (Porto, 19751978/2000-2006), de Álvaro Siza. No caso do Bairro da Bouça, o contexto de Portugal44 era semelhante
ao ambiente vivido do entre-guerras e pós-guerra na Europa, para suprir o déficit habitacional, uma
oportunidade de pôr em prática as formulações vanguardistas do Movimento Moderno.
Figura 80 – Habitações sociais Blijdorp
(J. P. Oud, Rotterdam, 1931).
(Fonte: http://schatkamer.nai.nl. Acesso
em: 11 de Junho de 2012)
Figura 81 – Bairro de Ramalde (Fernando
Távora, Porto, 1952-1960).
(Foto: Lívia Nóbrega, 2011)
Figura 82 – Conjunto residencial da Bouça
(Álvaro Siza, Porto, 1978).
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
O Estado Novo, centrado na figura de António de Oliveira Salazar e por isso também conhecido como Salazarismo, em vigor durante os anos de
1933 a 1974, quando é deposto pela Revolução de 25 de Abril ou Revolução dos Cravos.
44
Com o fim do regime de Salazar e a instituição do programa SAAL (Serviço Ambulatorial de Apoio Local), em vigor nos anos de 1974 a 1976.
43
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TOPOGRÁFICAS
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Apesar das semelhanças entre os projetos portugueses com as formulações internacionais, cabe
ressaltar que se deve ter em mente o contexto no qual estão inseridos, de modo a compreender como
estes arquitetos, utilizando-se de formulações externas, conseguiram fazer referências à situação destes
edifícios, como será visto posteriormente, por exemplo, na análise do Bairro da Bouça, no capítulo 6.
Nesse processo de transição do ensino, a arquitetura moderna brasileira também desempenhou um
importante papel, propagada pela figura de Fernando Távora, como visto no capítulo 1. Sua entrada
como professor da ESBAP, em 1951, e a elaboração do Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal,45
de 1955 a 1960, foram fundamentais (FIGUEIRA, 2002). A formação tradicional de Távora,46 aliada a sua
participação nos CIAM, fez com que o arquiteto desenvolvesse formulações pautadas na conciliação
entre tradição e modernidade.
Desenvolve-se um forte senso de respeito ao sítio, ao patrimônio, natural ou construído, que permeia a
produção da Escola e possibilita a criação de estruturas relacionais, de modo oposto à ênfase nos
valores performativos, cenográficos ou representativos da pós-modernidade nos anos 1970 e 1980. O
conhecido aforismo na instituição de que “a idéia está no sítio” traduz essa noção de que “a idéia está
no modo como neste particular sítio vamos continuar/encontrar o projecto” (FIGUEIRA, 2002, p. 85).
Ele (Carlos Ramos) manteve sempre esse curso (de desenho) e, com a passagem
do tempo, a evolução do curso, revelou-se como um instrumento muito importante
para uma pessoa captar quais eram das influências da topografia, da paisagem, etc.
Portanto, faziam-se exercícios logo no primeiro ano de desenho de fora, no exterior
da escola, muitos deles eram de interpretação das características de um terreno,
outros eram mesmo desenhos de arquitetura e tal na rua. E eu acho isso muito
bom porque realmente a arquitetura tem muito a ver com o nosso corpo também. E
o treinar a captação seja de um corpo, seja de uma casa, seja de uma paisagem,
isso é muito importante. (SIZA, 2011)47
Contudo, apesar dessas transformações do ensino, algumas características da Beaux-Arts se mantém e
suas influências são até hoje observáveis no ensino da instituição. A noção de autonomia da arquitetura
encontra no “sentido oficinal” (FIGUEIRA, 2002), através do trabalho com maquetes, esculturas,
desenhos e pinturas, um meio de absorção e revelação da poética do lugar e de representação do
espaço, entendido como centro da disciplina, herança do ensino clássico da Beaux-Arts. Em Siza, em
especial, a questão do desenho é uma característica muito marcante, pois o desenho de observação
contribui para esta captura realista do ambiente construído, como também de objetos, paisagens,
animais, e figuras humanas, constituindo também uma importante ferramenta de projeto.
Publicação que catalogou de forma objetiva a arquitetura vernacular das cinco regiões do país (Minho, Trás-os-Montes, Beiras, Estremadura,
Alentejo e Algarve), realizada por alunos e professores da instituição.
46
Com quem Siza inicia a sua carreira, ainda enquanto estudante, como colaborador.
47
Em entrevista cedida a autora, no dia 19/03/2012, presente nos anexos.
45
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TOPOGRÁFICAS
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O sítio aparece freqüentemente como um campo de batalha nos esquissos de Siza.
É um dado sobre o qual os vários níveis da realidade topográfica revelam a sua
constituição conflituosa; nestes panoramas topográficos as figuras de Siza estão
reduzidas a sinais, Zombies arqueológicos que flutuam na superfície de um mapa
em ruínas. (FRAMPTON, apud FLECK, 1994, p. 08)
Figura 83 – Sobrevoando o bairro da Malagueira; croqui para a Biblioteca da Universidade de Aveiro; O Anjo Inimigo.
(Fonte: HIGINO, 2010)
Os desenhos de Siza carregam em si a singularidade das coisas evidentes (SIZA, 1998), sendo feitos
com alguma abstração, mas ressaltando aspectos que julga ser importante para a compreensão do
lugar, assim como visto em Alberti no capítulo 2, sejam eles figuras humanas, edifícios, paisagens,
animais, numa confluência aparentemente irracional de informações que aos poucos vão revelando a
realidade, e já foram objeto de diversas publicações (FLECK, 1994, FRAMPTON, 1988, HIGINO, 2010).
A minha arquitectura está em contraste e defasada do que existe, mas, opera na
sua lógica essencial, para fixar um tecido, que em minha opinião não se deve
mudar se não houver razões para isso. (SIZA, 1986, apud FIGUEIRA, 2002, p. 127)
***
Estes diversos ambientes contribuíram para o desenvolvimento desta sensibilidade no ensino e na
prática profissional do que ficou conhecido como a Escola do Porto, bem como na formação de Álvaro
Siza. O ambiente físico rural - com suas paisagens cuidadosamente equilibradas entre as preexistências
da natureza e as intervenções humanas, e o ambiente urbano – no qual também se observa essa relação
imbricada entre topografia e construção do tecido urbano.
O momento de transição do ensino da Beaux-Arts para a adoção da arquitetura moderna, que acontece
de modo relativamente tardio - quando já se revisavam as questões referentes ao caráter abstrato e
universal e se pensava em questões de adaptação local, em certa medida influenciou o desenvolvimento
de uma arquitetura moderna portuguesa mais ligada ao lugar desde a sua origem.
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SENSIBILIDADES
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Por outro lado, a manutenção de certas tradições no ensino e na prática da arquitetura, como a questão
das oficinas – de desenho, pintura, escultura, também contribui para o desenvolvimento de uma maior
habilidade no sentido do domínio espacial e da captura da envolvente de um projeto em formas de
representação distintas. E, por fim, a prática estudantil nos ateliers dos arquitetos também permitiu uma
visão, sendo estas algumas das razões que contribuem para a formação e produção de Álvaro Siza, que
tem influência sobre o seu processo criativo.
3.3 A construção do método
O termo estratégia [...] é entendido aqui como mecanismos, procedimentos,
paradigmas e artefatos formais que aparecem com insistência recorrente na obra
dos arquitetos de hoje: entendo que os utilizem para configurar o construído.
(MONEO, 2008, p. 10)
Em seu livro Inquietação Teórica e Estratégia Projetual (2008)48 o arquiteto espanhol Rafael Moneo
analisa a obra de oito arquitetos contemporâneos Ele identifica na produção de Álvaro Siza o que
chamou de uma “personalíssima caligrafia arquitetônica” (MONEO, 2008, p. 10), por meio de oito temas
que permeiam a sua obra: lugar, distância, discussão, contingência, incerteza, mediação, insatisfação e
evidência. Contudo, para este trabalho, o que se pretende utilizar de Moneo é o conceito de estratégia
projetual, enquanto mecanismo, procedimento, paradigma e artefato formal, segundo a sua definição.
Conforme sugere Leatherbarrow (2004), a concepção de um projeto deve atuar no sentido de afirmar,
modificar ou criticar as pré-existências do sítio, contudo, sempre o levando em consideração. Observouse ao longo das análises que esta postura se fez presente na concepção dos projetos de Siza, e que o
relacionamento entre arquitetura e sítio nos projetos selecionados se deu a partir da apreensão
topográfica da realidade, ou, em outras palavras, da geografia do lugar (BEAUDOUIN, 2009).
Para identificar estratégias projetuais que contribuam para o relacionamento entre edifício e sítio nos
projetos de Siza foram estabelecidas três categorias, a partir de conceitos mencionados por
Leatherbarrow (2004), que afirma que “a relação entre um edifício e o seu sítio pode ser entendida,
então, de uma das três formas: o edifício como uma elaboração do sítio, uma inserção nele, ou algo que
trabalha (para um fim social) em colaboração com ele”.49
Como visto no capítulo anterior, Leatherbarrow ilustra em Topographical Stories (2004) as três
categorias aqui utilizadas (elaboração, inserção e colaboração) através a análise de um caminho de
48
49
Resultado de um curso ministrado nos anos 1990 para os estudantes da Harvard Graduate School of Design.
Tradução livre da autora. Citação original: The relationship between a building and its site can be understood, then, in any one of three ways: the
building as an elaboration of the terrain, an insertion into it, or something that works (towards social ends) in collaboration with it.
(LEATHERBARROW, 2004, p. 20)
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SENSIBILIDADES
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TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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jardim50, uma casa com terraço51 e de uma cabana primitiva52 enquanto exemplos de edifícios que
podem ser entendidos como elaboração, inserção, colaboração com o sítio, respectivamente. Neste
sentido, optou-se por chamar os temas de análise dos projetos tal e qual como citado por
Leatherbarrow (2004), por acreditar-se que estes três verbos (elaborar, inserir e colaborar) sintetizam as
atitudes gerais de cada projeto em relação ao sítio no qual se encontram.
Complementar às reflexões de Leatherbarrow, Maciel (2006) também alerta para a consideração da
topografia como fato gerador do projeto e aponta três conceitos já citados no capítulo anterior:
(1) a partir da interpretação ou reinvenção da topografia pré-existente como fato gerador do
projeto, definindo com isso construções menos geométricas e mais topológicas;
(2) a partir da síntese – de uso, construção e forma - entre edifício e paisagem, reduzindo - e
em alguns casos eliminando quase completamente - a diferenciação entre ambos;
(3) a partir da utilização de geometrias complexas que reforçam o caráter público e aberto do
edifício com maior continuidade com o espaço urbano adjacente;
Foi estabelecida uma correspondência entre os temas propostos, com base no conhecimento das obras
de Siza (através do estudo do material bibliográfico e iconográfico levantado nas bibliotecas, arquivos e
no próprio escritório do arquiteto Álvaro Siza, durante o período de estadia na cidade do Porto e
enquanto aluna do curso de Mestrado Integrado em Arquitectura da Faculdade de Arquitectura da
Universidade do Porto - FAUP), e a partir da observação e experimentação e das obras in loco.
Leatherbarrow
(2004)
Projeto como
elaboração do sítio
Projeto como
inserção no sítio
Projeto como
colaboração com o sítio
Maciel
(2006)
Interpretação ou reinvenção da
topografia pré-existente como
fato gerador do projeto, definindo
com isso construções menos
geométricas e mais topológicas.
Síntese – de uso, construção
e forma – entre edifício e
paisagem, reduzindo – e em
alguns casos eliminando
quase completamente – a
diferenciação entre ambos
Utilização de geometrias
complexas que reforçam o
caráter público e aberto do
edifício com maior
continuidade com o espaço
urbano adjacente.
TABELA 3 - Relação estabelecida entre os temas citados por Leatherbarrow (2004) e as categorias propostas por Maciel (2006) para
classificar os projetos a serem examinados.
Essa classificação utilizada ao longo das análises permite identificar estratégias projetuais, atitudes
conceituais, que se repitam ao longo dos mesmos, de modo independente da categoria na qual foram
classificados. Após as análises, estas estratégias serão resumidas no capítulo final desta dissertação.
50
51
52
Enquanto estruturas que se acomodam com o movimento da terra, conformando-se e acentuando seus contornos a partir do terreno subjacente.
(LEATHERBARROW, 2004)
Tipologia característica inglesa que se expandiu para outros países, grupo de casas geminadas com jardim ou terraço frontal. Apesar da sua
ubiqüidade, a tipologia requer condições específicas, que permitam o trabalho de escavação e aterro característicos desta tipologia. Antes de se
construir a estrutura superior, meio piso é escavado para conformar o porão. (LEATHERBARROW, 2004)
Como uma estrutura que age em colaboração com as necessidades humanas e as práticas sociais, além de levar em consideração as
condicionantes e disponibilidades do sítio. (LEATHERBARROW, 2004)
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SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
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Cabe ressaltar que estes temas não são excludentes entre si, ou seja, não impedem que características
encontradas num determinado projeto classificado em determinada categoria se repitam em outro
projeto de categoria diferente, pois estas, consideram o partido do projeto de um modo geral como base
para a sua classificação em cada tema específico.
No capítulo 4, o projeto como uma elaboração do sítio, examina os projetos: Casa de Chá da Boa Nova
(Leça da Palmeira, 1958-1963); Piscina das Marés (Leça da Palmeira, 1961-1966) e Faculdade de
Arquitectura da Universidade do Porto (1986-1996).
No capítulo 5, o projeto como inserção no sítio, serão analisados: Igreja de Santa Maria e centro
paroquial (Marco de Canaveses, 1990-1996); Museu de Arte Contemporânea de Serralves (Porto, 19911999) e Fundação Iberê Camargo (Porto Alegre, 1998-2008).
O capítulo 6, o projeto como colaboração com o sítio Conjunto residencial Bouça - SAAL (Porto, 19731977/2000-2006); Agência bancária (Vila do Conde, 1978-1986) e Centro Galego de Arte
Contemporânea (Santiago de Compostela, 1988-1993). Os projetos analisados em cada categoria estão
sintetizados na tabela abaixo:
Projeto como
elaboração do sítio
Projeto como
inserção no sítio
Projeto como colaboração
com o sítio
1. Casa de Chá da Boa Nova
1. Igreja de Santa Maria e centro
paroquial
1. Conjunto residencial da Bouça
2. Piscina das Marés
3. Faculdade de Arquitetura da
Universidade do Porto
2. Museu de Arte Contemporânea
de Serralves
2. Agência bancária em Vila do Conde
2. Centro Galego de Arte
Contemporânea
3. Fundação Iberê Camargo
TABELA 4 – Temas selecionados e projetos examinados a serem examinados em cada.
A escolha dos projetos foi feita com base numa seleção prévia de 45 edifícios, a partir de dados
bibliográficos e iconográficos (além de dados coletados em visitas in loco) levantados e estudados
durante o período de pesquisas em Portugal.
A partir desta pré-seleção, e das observações feitas a partir das visitas in loco a aproximadamente trinta
destes edifícios, aspecto fundamental para a seleção dos mesmos por acreditar-se que a
experimentação é essencial para o entendimento da sua relação com o lugar, foram escolhidos os 09
mais elucidativos para o tema desta pesquisa, cujos dados foram solicitados à Casa da Arquitectura53,
53
A Casa da Arquitectura é uma associação cultural sem fins lucrativos que envolve não só arquitetos mas pessoas de várias áreas que decidiram
incentivar e apoiar um projeto em que acreditam. É seu desígnio constituir-se como Fundação a curto prazo. A seu cargo está a gestão do Centro
de Documentação Álvaro Siza (CDAS) e a obtenção de espólios de diversos arquitetos, patrimônio futuro da Fundação. (Fonte:
http://www.casadaarquitectura.pt. Acesso em: 06 de junho de 2012)
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que abriga o Centro de Documentação Álvaro Siza (CDAS), e que gentilmente cedeu diversos dados
(croquis, desenhos técnicos, fotografias, fotografias de maquetes e perspectivas) obtidos diretamente
com o escritório do arquiteto Álvaro Siza.
Cabe ressaltar que o recorte, estabelecido a partir dos dados fornecidos pelo próprio escritório do
arquiteto Álvaro Siza e Casa da Arquitectura, não exclui a possibilidade de que outros projetos de sua
autoria sejam mencionados ao longo do trabalho, tendo estes sido visitados ou não, mas cujos dados
foram levantados in loco, em visitas de campo e de pesquisas no acervo da biblioteca da Faculdade de
Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP).
As análises tomarão como fio condutor os cinco pontos identificados a partir da revisão da literatura de
Leatherbarrow: (1) a apreensão do sítio e a liberdade projetual; (2) a construção como cultivo; (3) a
terraplenagem como partido; (4) sítio e materialidade; (5) fragmentação versus frontalidade, de modo a
verificar se e como estes aparecem ao longo dos projetos de Siza.
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4. O PROJETO COMO ELABORAÇÃO DO SÍTIO
[Do lat. elaborare.] 1. Preparar gradualmente e com trabalho. 2. Formar, organizar.
3. Dispor as partes de; pôr em ordem; ordenar. 4. Tornar assimilável. 5. Operar-se,
formar-se. (Fonte: Dicionário Aurélio)
v.t. Tornar assimilável: o estômago elabora os alimentos. Fig. Preparar com
trabalho demorado, elaborar um projeto de lei. Sinônimos de Elaborar: efetuar,
executar, fazer e realizar. (Fonte: www.dicio.com.br)
1. Proceder à elaboração de. 2. Preparar, organizar, ordenar, formar (a pouco e
pouco e com trabalho). 3. Formar-se; operar-se. (Fonte: www.priberam.pt)
Recorrendo-se à etimologia da palavra elaborar, pode-se concluir que os projetos selecionados
enquanto elaboração do sítio são aqueles que se configuram a partir da acomodação a este por meio de
uma organização, ordenamento, conformação, operação das pré-existências, estabelecendo uma clara
diferenciação entre projeto e sítio.
Retomando o exemplo de Leatherbarrow (2004), o caminho de jardim é elucidativo neste sentido por
ser um exemplo de construção que funciona como uma espécie de extensão, desenvolvimento,
elaboração do terreno, se conformam evidenciando os contornos do terreno, acentuando ou
cristalizando suas características.
Estabelecendo-se um paralelo com o último conceito lançado por Maciel (2006), temos projetos que
realizam uma interpretação ou reinvenção da topografia enquanto um fato gerador do projeto, definindo
com isso construções de menos ênfase na geometria e mais ênfase na topologia.
Foram classificados neste tema os seguintes projetos: Casa de Chá da Boa Nova (Leça da Palmeira,
Portugal, 1958-1963), Piscina das Marés (Leça da Palmeira, Portugal, 1961-1966) e Faculdade de
Arquitectura da Universidade do Porto (Portugal, 1986-1996).
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4.1 Casa de Chá da Boa Nova (Leça da Palmeira, Portugal, 1958-1963)
Figura 84 – Croqui para a Casa de Chá da Boa Nova (1958-1963).
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
Conhecia bem esta parte muito rochosa da costa: a suave inclinação, um solo
despido, com grandes penedos junto ao mar. Fernando Távora tinha já uma idéia de
implantação e de percurso de acesso. Considerava que a transição repentina entre
terra e mar, acentuada por uma pequena plataforma, seria o local ideal para
construir. (SIZA, 1964 apud MORAIS, 2009, p. 17)
A Casa de Chá situa-se num terreno escolhido por Fernando Távora, com quem Siza trabalhava na
altura, de acordo com o previsto pelo concurso promovido em 1956 pela Câmara Municipal de
Matosinhos, que permitia que os participantes escolhessem o local para a construção do edifício.
Distante da avenida e repleto de pedras, muito próximo ao mar, o terreno caracteriza-se por uma suave
inclinação ascendente desde a estrada até o encontro com as pedras, um promontório elevado rochoso
que toca o mar, situação bastante característica da costa norte portuguesa.
Figura 85 – Vistas aéreas da situação da Casa de Chá da Boa Nova.
(Fotos: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
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SENSIBILIDADES
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EM ÁLVARO SIZA
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Do seu lado direito, a poucos metros da Casa de Chá, encontra-se a Capela da Boa Nova, que dá nome
ao projeto, ou Ermida de São Clemente das Penhas, construção franciscana que data do século XIV, e
elemento fundamental para a estruturação e compreensão do projeto.
O edifício é composto por duas partes principais: um sistema de muros, escadas e plataformas que
controla a topografia acidentada do terreno e faz o acesso até o volume da casa de chá, situado na cota
mais alta do terreno, a partir do qual se tem uma descida com muitos afloramentos rochosos até o
encontro com o mar. O volume da casa de chá desenvolve-se em dois níveis. O acesso é feito a partir da
cota mais alta, onde se tem um átrio de chegada, sanitários e vestiários, e no nível abaixo estão os
salões de chá, voltados para o mar, e atrás deles, semi-enterrados, os serviços internos (cozinha,
despensa, escritório e outros).
Nos croquis pode-se observar o importante papel que a apreensão do sítio desempenha nas decisões
de projeto, a partir do modo como este parece se estruturar através de uma sensível acomodação ao
terreno, como se fosse o seu prolongamento, sua continuidade, afloração das suas características.
Numa primeira fase, o projecto acompanhou o perfil das rochas de forma
continuada, agarrando-se a elas como se fosse uma âncora. Só depois,
constatando a excessiva descontinuidade, diria a imaturidade, do perfil do edifício,
se optou por uma cobertura praticamente horizontal, enquanto que a articulação
das cotas das diferentes funções permitia ao restaurante assentar constantemente
em cima dos rochedos. (SIZA, 1998, p. 25)
Figura 86 – Croquis da Casa de Chá da Boa Nova.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
A partir dessa tomada de conhecimento do sítio e das suas preexistências surgem as regras que vão
dando enquadramento à aparente liberdade projetual inicial. Estas restrições, a princípio muito mais
externas do que internas à arquitetura, delimitam o universo do projeto, dão suporte a este. Além da
configuração topográfica e da situação paisagística singular do terreno, a presença da capela da Boa
Nova é um aspecto fundamental neste sentido. As linhas de força que estruturam o projeto advêm da
apreensão destas informações concretas do entorno. As semelhanças dos paralelismos dos planos,
proporções e fragmentação dos volumes, além das evidentes semelhanças materiais, entre os dois
edifícios, demonstram claramente esta intenção, esta busca por linhas, diretrizes estruturantes do
entorno para a configuração do novo edifício.
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TOPOGRÁFICAS
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Figura 87 – Relação entre a capela e a Casa de Chá.
(Foto: Catarina Dória)
Figura 88 - Relação entre a capela e a Casa de Chá.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Figura 89 - Relação entre a capela e a Casa de Chá.
(Foto: Lívia Nóbrega)
Além das linhas de força, a apreensão do sítio também repercute no tratamento dos espaços internos do
edifício, por exemplo, nas diferentes formas de captura e trabalho com a luz natural da região e,
conseqüentemente, no modo como localiza e desenha as janelas, que, além de controlar a iluminação e
ventilação naturais, são os principais pontos de contato do interior com o exterior.
Figura 90 – Os diferentes tipos de aberturas.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
Em um dos salões de chá, as janelas são horizontais e alongadas, situadas em uma altura mais baixa do
que o convencional, a partir do ponto de vista da altura das pessoas sentadas à mesa, reforçando a
horizontalidade do espaço e do oceano; no outro salão, as aberturas são de piso a teto e a luz inunda o
espaço. Em ambos os casos as janelas correm ao longo de trilhos verticais, para que quando abertas,
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TOPOGRÁFICAS
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possam controlar o vento excessivo do local. As aberturas de piso a teto podem ser totalmente abertas
até o chão, enterrando-se no solo, integrando completamente um dos salões com o terraço exterior.
A relação entre natureza e construção é decisiva na arquitectura. Esta relação, fonte
permanente de qualquer projecto, representa para mim como que uma obsessão;
sempre foi determinante no curso da história e apesar disso tende hoje a uma
extinção progressiva. (SIZA, 1998, p. 17)
A noção de construção enquanto cultivo se faz presente no edifício em vários momentos. Por exemplo,
no modo cuidadoso como as pedras do local são incorporadas ao edifício. As rochas o pontuam desde
o percurso de entrada, nas laterais e na face voltada para o mar, incorporadas como esculturas naturais
que complementam o conjunto, mais uma lei natural considerada pelo projeto. O diálogo estabelecido
entre o edificado e o natural se dá através de um equilíbrio conseguido a partir das diferenças, onde é
claro o contraste entre a geometria e a materialidade destas duas instâncias, na irregularidade e rispidez
das pedras e na brancura das paredes caiadas ou na delicadeza da madeira e do vidro. Como ressaltou o
arquiteto António Madureira54, muitas das questões eram resolvidas in loco, como a adequação do
projeto em função da posição precisa dos elementos do sítio, como as rochas ou os níveis exatos do
terreno, processo cada vez menos freqüente nos dias atuais.
Figura 91 – Relação entre o edifício e as rochas locais.
(Foto: Lívia Nóbrega)
Figura 92 – Rochas na entrada.
(Foto: Fernando Diniz Moreira)
A configuração dos espaços internos também é resultado do trabalho com o terreno, aproveitando-se
das suas potencialidades naturais e minimizando as intervenções. O corpo do edifício situa-se no ponto
mais alto do terreno e o seu programa é disposto em dois níveis, um nível situado na cota mais alta por
onde é feito o acesso ao edifício (com um átrio de chegada, sanitários e vestiários). No nível mais baixo,
estão dois salões de chá que se voltam para o mar, separados entre si pelo átrio, e atrás deles os
serviços internos (cozinha, despensa, escritório e outros).
Como se pode observar nos cortes, a cozinha, situada numa das cotas mais altas do terreno, logo
abaixo da entrada do edifício, foi escavada e encaixada neste espaço. Em compensação, a frente do
edifício, onde estão os salões de chá e o terraço, foi ligeiramente aterrada, criando uma plataforma
54
Ao falar do projeto para a Piscina da Quinta da Conceição, que colaborou com o arquiteto Álvaro Siza em muitos de seus projetos, tendo
colaborado especificamente nestes dois projetos, Piscina da Quinta da Conceição e Casa de Chá da Boa Nova, em entrevista cedida a autora,
presente nos anexos.
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sobre um pequeno muro, que prolonga um dos salões de chá para a parte externa do edifício, onde a
própria fachada adquire um aspecto de muro de contenção nesta face e protege-o do avanço do mar.
Figura 93 – Átrio de entrada e distribuição para os salões de chá.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
Figura 94 – Encontro entre edifício e
rochas.
(Foto: Fernando Diniz Moreira)
A temática da terraplenagem como partido, que já se observa na configuração dos espaços internos do
edifício descrita, é de fato visível no sistema de escadas e plataformas que compõem o percurso de
acesso ao edifício. O espaço existente entre a avenida, o estacionamento e o edifício é tratado como um
tempo de transição entre a ambiência da cidade e a belíssima paisagem natural que circunda o edifício.
Figura 95 - Percurso de acesso à Casa de Chá da Boa Nova.
(Fotos: Fernando Diniz Moreira)
Com plataformas que vão se acomodando sutilmente sobre o terreno e assim vencem a diferença de
cotas do nível da rua até o acesso ao edifício, o percurso é composto por uma série de mudanças de
direção que enquadram as vistas, ora enfocando a paisagem, ora voltando-se para as paredes cegas, um
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jogo de aproximação e distanciamento, uma promenade desconstruída, marcada pelo contraste entre
espaços amplamente abertos para a paisagem ou para o edifício e muros cegos que isolam a visão do
entorno, retirando o visitante da atmosfera urbana e colocando-o em contato com a natureza.
Figura 96 – Sistema de muros e plataformas que antecedem a entrada ao edifício.
(Foto: Lívia Nóbrega)
No que diz respeito a relação entre sítio e materialidade destacam-se alguns aspectos. Contudo, notase duas posturas distintas quanto ao emprego dos materiais ao longo do edifício. A extensa e horizontal
coberta em telha cerâmica e madeira é visível em praticamente todas as faces do edifício. Na face que se
volta para a avenida, assim como nas faces laterais, o concreto branco é caiado, aproximando a
semelhança entre a Capela da Boa Nova e a Casa de Chá, contudo essa semelhança se dá principalmente
no âmbito das cores, pois ambos utilizam sistemas construtivos coerentes com suas épocas.
Na face que se volta para o mar, em contato direto com as pedras, o concreto foi mantido em seu
estado natural. Se por um lado, a cor e a textura ríspida do concreto, onde se observam as marcas
deixadas pelas formas do escoramento, se aproximam da cor e a textura das pedras, a geometria rígida
das amplas superfícies cegas e planas que compõem a base do edifício marcam claramente o contraste
entre o que é natural e o que é construído.
Figura 97 – Materiais distintos utilizados em diferentes partes do edifício.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
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...a arquitetura do mestre português Álvaro Siza Vieira, cuja carreira, começando
por sua piscina da Quinta da Conceição, concluída em 1965, pode ser tudo menos
fotogênica. Percebe-se isso claramente não só na natureza evasiva e fragmentária
das imagens publicadas de seus trabalhos... (FRAMPTON, 1983, apud NESBITT,
2006, p. 508)
A fragmentação do edifício num conjunto de pequenos volumes menores remete ao tema da
fragmentação versus frontalidade. Em suas elevações nota-se o caráter imbricado entre sítio e edifício,
o modo como este surge a partir da elaboração das preexistências do sítio e como este se revela
exteriormente como uma série de partes diretamente ligadas ao ponto no qual estão colocadas,
questionando a tradicional revelação frontal da arquitetura e a freqüente hierarquia entre as fachadas.
A extensa coberta horizontal ordena estes fragmentos e é pontuada por pequenas chaminés e aberturas
zenitais que rompem com a sua planaridade. Essa seqüência de partes que compõem o todo fazem
sentido e ganham significado quando apreendidas através da experimentação, interior e exterior, do
edifício e seu entorno, numa obra que surge a partir da elaboração das preexistências do terreno e do
sítio, contudo, lança-se como um artefato francamente humano na paisagem. A Casa de Chá pode ser
entendida então enquanto um exemplo de projeto que atua como uma elaboração do sítio no sentido de
reconhecer suas características e evidencia-as por meio do projeto, seja no longo sistema de acesso até
o edifício, seja no modo como o próprio edifício se configura.
Figura 98 – Casa de Chá da Boa Nova.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
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Figura 99 – Projeto da Casa de Chá da Boa Nova. 01. Planta baixa piso 0 (acesso); 02. Planta baixa piso -1; 03. Cortes
transversais; 05 e 06. Elevações frontais; 07 e 08. Elevações laterais; 09 e 10. Cortes das caixilharias.
(Fonte: 01 a 08 - CDAS/Casa da Arquitectura; 09 e 10 - TRIGUEIROS, 1997)
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4.2 Piscina das Marés (Leça da Palmeira, Portugal, 1961-1966)
Figura 100 – Croqui para a Piscina das Marés (1961-1966).
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
Naquele sítio, um maciço rochoso interrompe as três linhas paralelas, encontro do
mar e do céu, da praia e do mar, longo muro de suporte da via marginal. Alguém
pensou em proteger uma depressão desse maciço, utilizando-a como piscina de
marés. (SIZA, 1980, apud MORAIS, 2009, p. 23)
O sítio, um recinto de areia bastante alongado delimitado naturalmente pelos rochedos da costa,
localiza-se a algumas centenas de metros da Casa de Chá, contudo, ao contrário desta, o terreno
destinado à Piscina55 é delimitado aos fundos pela avenida marginal e à frente pelo mar, com uma
abrupta de diferença de cotas de aproximadamente três metros.
Figura 101 – Vistas aéreas da situação da Piscina das Marés.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
55
Escolhido pela Câmara de Matosinhos e cuja construção foi inicialmente delegada ao engenheiro Bernardo Ferrão (irmão de Fernando Távora) que,
ao compreender o impacto do projeto na paisagem, solicitou a Câmara a colaboração de Siza. (SIZA, 1998)
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Dois fatores, a princípio antagônicos, foram centrais na concepção do edifício: a encomenda da criação
de duas piscinas (adulto e infantil) e seus usos complementares (vestiários, banheiros, bar, etc.)
enquanto elemento construído, que delimitasse o espaço e caracterizasse o ambiente e a situação de
transição na qual se encontra, entre a avenida (contexto urbano) e o mar (contexto natural), não
devendo, portanto, interromper visual e fisicamente as relações entre essas duas instâncias. Um dos
croquis mostra uma solução distinta do resultado final. Nele, o programa apresenta-se disposto em L,
com uma ala paralela e encostada ao paredão da avenida (destinada aos sanitários, máquinas e
vestiários, aspecto que se mantém na solução final, mas com outra ala disposta de modo perpendicular
à avenida (destinada ao snack bar), de modo bastante distinto do que existe hoje em dia,
Figura 102 – Croqui inicial para a Piscina das Marés.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
Ao observar os demais desenhos, nota-se que a apreensão do sítio foi fundamental para a definição
final do conjunto. A idéia inicial, em L, é transformada num grande bloco longitudinal e paralelo ao
paredão da avenida, mas é eliminando o bloco perpendicular e introduzindo um muro a 45º que
direciona os visitantes até as piscinas.
Figura 103 – Croquis para a Piscina das Marés.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
A pouca profundidade do terreno e a grande diferença de cotas entre a avenida e o sítio disponível para
resolver o acesso, assim como uma maior familiaridade com a configuração topográfica do local foram
algumas das contingências que gradualmente foram transformando a aparente liberdade projetual
inicial em um universo de criação e atuação cada vez mais claro e delineado.
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O meu projecto pretendia optimizar as condições criadas pela natureza, que já ali
tinha iniciado o desenho de uma piscina. Era necessário tirar partido dos mesmos
rochedos, completando a contenção da água somente com as paredes estritamente
necessárias. Nasceu assim uma ligação muito mais estreita entre aquilo que é
natural e aquilo que é construído. (SIZA, 1998, p. 25)
Pode-se entender a construção como cultivo no sentido de que esta realiza um ordenamento das partes
naturais já existentes, Encontradas as regras do jogo, o projeto tem início com a resolução do acesso. É
esta configuração do acesso que faz a transição entre a avenida, em cota mais alta e de caráter urbano, e
a praia, o mar e seus afloramentos rochosos, característicos do litoral dessa região. Assim como na
Casa de Chá, mas de modo ainda mais longo e elaborado, o sistema de acesso é constituído por muros
e rampas em ângulos que direcionam o percurso, isolando o visitante do contexto urbano da avenida e
transportando-o para o contexto natural da praia.
Figura 104 – Percurso de acesso.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Uma longa e suave rampa resolve a diferença de cotas e dá acesso a um pequeno pátio sombreado que
se abre para os vestiários, a partir disso, o percurso tem início delimitado pelos muros, num caminho
contínuo e sem variações de níveis, onde o trabalho com luz é responsável por criar uma ambiência de
transição e reclusão, antes que o visitante chegue ao final do percurso, com a grande luminosidade e a
abertura da vista para a paisagem. O desenho deste espaço permite diferentes percursos, podendo o
visitante ter acesso diretamente aos vestiários, acessar as piscinas através da grande plataforma que
constitui o espaço do bar o contornar o muro externamente e ir ter de encontro diretamente com a
praia, mais à frente. Ao final do percurso, um degrau eleva o visitante para a plataforma do bar e marca
esse encontro com a natureza e a abertura para a paisagem.
Seguindo a mesma inclinação do muro que faz a inflexão do percurso e direciona o visitante para o
recinto do bar e das piscinas estava prevista a construção de um restaurante poucos metros antes
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destas, cujas geometrias (do restaurante e do muro) se reverberavam. O restaurante seguia as mesmas
premissas de não interferir na ligação entre a avenida e a paisagem, previa uma coberta em espelho
d’água, cuja projeção encontra-se marcada na planta (do lado esquerdo das piscinas), também teve sua
implantação escolhida devido as formações rochosas que avançavam mar adentro e permitiam que o
restaurante repousasse sobre estas. (SALGADO, 2005)
O edifício, que não foi construído, teve a sua memória registrada na ocasião da remodelação da avenida
marginal de Leça da Palmeira, também projeto de Siza (2007-2010), sendo delimitado um triângulo no
piso, também a 45º, no local que estava previsto para se realizar a entrada ao edifício.
Figura 105 – Relação entre o volume do
restaurante e a Piscina.
(Fonte: FRAMPTON, p. 102)
Figura 106 – Cortes e fachadas do
restaurante.
(Fonte: SALGADO, 2005)
Figura 107 – Piso que marca a entrada do
restaurante.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da
Arquitectura)
Recursos de terraplenagem também constituem parte do partido do projeto. O ambiente agressivo e
difícil de ser percorrido é pontuado com um conjunto de pequenas intervenções como pequenas pontes
e passarelas, caminhos, plataformas e escadarias, que se desenvolvem e se acomodam em meio às
rochas, elementos de geometria rígida que contrastam com a organicidade das pedras, que delimitam e
são delimitadas por estas intervenções pontuais ao longo do terreno, facilitando o percurso pelo recinto.
Figura 108 – Soluções distintas de domesticação dos percursos ao longo do espaço.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
A delimitação do espaço das piscinas propriamente ditas também parte de recursos de terraplenagem,
de gestos de contenção, neste caso não da terra, mas da água. Na piscina para adultos três muros
principais fazem a contenção das águas, sendo a face que se volta para o mar naturalmente fechada por
um paredão de rochedos. Na piscina infantil, uma única mureta curva fecha a parte da frente, sendo as
demais faces também delimitadas pelas rochas.
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Figura 109 – Muros de contenção que delimitam os recintos das piscinas.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
A relação entre sítio e materialidade é, em certo ponto, semelhante a estratégia utilizada nas faces da
Casa de Chá que se voltam para o mar, em contato direto com as rochas. No edifício, tem-se a utilização
de três materiais básicos, concreto aparente, madeira escura (nos vestiários) e cobre (na cobertura),
sendo o concreto o material predominante.
O diálogo entre o construído e o natural, além de reforçado pelo contraste de geometrias, é também
acentuado pelas semelhanças e diferenças no emprego dos materiais, pois o concreto, ao passo que é
de textura ríspida e de coloração semelhante à dos rochedos, conforma superfícies amplas e lisas, se
distanciando da conformação das pedras. A madeira escura acentua o caráter cavernoso dos vestiários e
banheiros e o contraste entre luz e sombra, estratégia já utilizada no percurso de acesso ao edifício, que
se estabelece entre os espaços servidores (banheiros, vestiários) e os espaços servidos, as piscinas.
Figura 110 – Materiais distintos utilizados em momentos distintos.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
A temática da fragmentação versus frontalidade fica evidente no caráter cego e fragmentado dos
volumes que abrigam o programa propriamente dito, onde o corpo dos vestiários foi localizado de modo
a não romper esta continuidade entre a costa e a vista da estrada. Assim como as rochas, os volumes
são dispostos de maneira orgânica, fragmentária, mas claramente autônoma no sentido da distinção
entre arquitetura e paisagem, entre natural e construído.
A piscina se revela como um grande percurso, não para ser habitada, mas transitada, percorrida e
experimentada temporariamente. Sua imagem total, rígida e nítida, afirma-se de maneira clara perante a
paisagem, embora pareça se dissolver quando observada em conjunto com o todo no qual se insere,
constituindo-se a partir desse somatório de fragmentos, da sua dissolução nesta topografia complexa.
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O cultivo é uma resposta ao chamado da cooperação. A construção, pelo contrário,
exige uma tomada de posição, uma declaração de que as coisas podem e devem
ser de outra forma. A primeira propõe responsabilidade, a segunda, convicção.
Aspectos complementares na tomada de decisões. Esquecendo-se por um
momento as divisões disciplinares que advém das diferenças de se trabalhar com e
contra a natureza, pode-se observar que as decisões de projeto no âmbito da
criatividade global têm como tarefa primária mediar a dupla necessidade de
participação e produção. (LEATHERBARROW, 2004, p.84)56
Esta relação de tensões e contrastes entre arquitetura e paisagem, natural e construído, orgânico e
geométrico que se observa na Piscina das Marés advém deste sensível trabalho com a topografia do
sítio, onde o longo percurso de acesso, a distribuição do programa, as intervenções pontuais que
compõem os caminhos pelo recinto e os muros que represam as águas são um preparo, uma clara
elaboração das suas características, para o encontro entre homem e natureza, por meio da arquitetura.
Figura 111 – Vistas panorâmicas da Piscina das Marés.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
56
Tradução livre da autora. Citação original: Cultivation answers the call for cooperation. Construction, by contrast, requires the taking of a stand a
declaration that things could and should be otherwise. The first proposes an ethics of responsibility, the second of conviction. These are
complementary aspects of decision making. Forgetting for a moment the disciplinary divisions that descend from the differences between working
with and against nature, one can observe that the decisions design takes in the midst of the world’s creativity have as their primary task mediating the
double constraint of participation and production. (LEATHERBARROW, 2004, p. 84)
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Figura 112 – 01, 02 e 03 – Perfis transversais da avenida ao mar; 04. Planta baixa; 05, Elevação a partir do mar; 06 e 07. Cortes
transversais do bloco dos vestiários.
(Fonte: 01, 02 e 03 – FRAMPTON, 2000; 04 e 05 - CDAS/Casa da Arquitectura; 06 e 07 – TRIGUEIROS, 2004)
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6.2 Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (Portugal, 1986-1996)
Figura 113 – Croqui para a Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (1986-1996).
(Fonte: LLANO, CASTANHEIRA, 1996)
Tratava-se de construir em cerca de 5000 metros quadrados, no lado de uma
encosta que domina o rio: uma situação extraordinária pela paisagem e pela
posição na cidade. Esta zona era ocupada antigamente por grandes propriedades,
grandes quintas com belas casas dos séculos XVIII e XIX, propriedades da
burguesia abastada do Porto. Belas residências portanto, com belos jardins sobre
um terreno organizado em terraços com muros de pedra. A paisagem é assim
constituída: algumas torres dos anos 50, não muito altas, de oito ou nove andares,
ao fundo e à frente, logo acima do rio, uma faixa de verdura. (SIZA, 1993, apud
BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 107)
O conjunto situa-se num terreno triangular de grande inclinação, delimitado a norte, na sua cota mais
alta, por uma estrada de tráfego intenso e ao sul, ponto mais baixo, por uma rua que se volta para um
vale muito acidentado que se conecta diretamente com o estuário do rio Douro. A leste, num ponto mais
alto, encontra-se a propriedade murada da Quinta da Povoa, com edificações do século XVIII/XIX, e o
Pavilhão Carlos Ramos, também projetado por Siza (1985-1986), anterior ao conjunto da FAUP, para
abrigar as atividades de ensino no local.
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Numa área de ocupação recente, dotada de infraestrutura e com uma bela vista sobre o estuário do rio
Douro, o terreno é marcado pela ausência de um espaço social, devido à ocupação rarefeita do entorno,
e pela erosão do seu espaço físico, a beira de uma encosta íngreme e rochosa nas margens do rio.
O conjunto proposto por Siza é composto por quatro torres, de quatro a seis pisos, que abrigam as
salas de aulas e gabinetes, e por um edifício alongado, com três pisos, que contém biblioteca, auditório,
salas de exposição e escritórios. Estes dois conjuntos de blocos delimitam duas das faces do terreno
triangular, configurando um pátio central, sendo a terceira face do terreno composta por um sistema de
muros, rampas, plataformas e escada em pedra que fazem a transição de cotas e ligação entre o
conjunto recente e o pavilhão Carlos Ramos, construído anteriormente, e as edificações da Quinta da
Povoa, utilizadas para investigação e desenho. As quatro torres se comunicam entre si e com o bloco à
frente por um extenso corredor e pátio semi-enterrados que faz a distribuição entre esses espaços.
Figura 114 – Vistas aéreas da situação da Faculdade de Arquitectura.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Semelhante ao que foi destacado por Leatherbarrow (2004), na análise do Neurosciences Institute (dos
arquitetos Billie Tsien e Todd Williams), a construção do edifício da FAUP, além do seu caráter simbólico
enquanto instituição de ensino, também tinha o papel de criar uma ambiência de urbanidade naquele
local, uma periferia não urbanizada e fragmentada.
Se virmos os esquissos do projecto para a faculdade de Arquitectura do Porto, é
antes de mais nada um grande corpo compacto com um pátio. Foi o que aconteceu
igualmente na Faculdade de Arquitectura, que se fragmentou até dar uma série de
pavilhões aparentemente separados, mas sempre ligados em cave. (SIZA, 1997,
apud BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 184)
Os primeiros croquis mostram um grande cubo, monolítico, numa clara referência ao Palácio Episcopal,
monumento marcante no perfil petrificado do centro histórico do Porto, que rompe e se destaca do
tecido urbano daquele trecho de cidade. Esta solução logo foi contestada pelo próprio arquiteto ao se
aperceber de que “a topografia não reunia condições para implantar um grande bloco unitário, e que não
era possível adaptar àquele lugar, um edifício assim” e de que “o programa da Faculdade não era tão
significativo quanto o de um Palácio Episcopal”. (SIZA apud BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 107).
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Figura 115 – Palácio Episcopal no centro
histórico do Porto.
(Foto: Lívia Nóbrega)
Figura 116 – Croquis iniciais.
(Fonte: BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009,
p. 111)
Figura 117 – Croquis iniciais do projeto
da FAUP.
(Fonte: MENDES, 2003)
Portanto, esse processo de apreensão do sítio foi fundamental para o desenvolvimento e sucessivas
transformações pelas quais passou a proposta. Os croquis seguintes mostram que o volume único foi
sendo desconstruído, fragmentado até chegar à configuração final. O esquema em “O” inicial foi
primeiramente aberto na sua face que se volta para a cota mais alta, onde funciona outra parte da
Faculdade (no Pavilhão Carlos Ramos e na casa rosa), sugerindo uma maior integração entre estes dois
momentos da construção. O programa é distribuído então numa estrutura em “U”, sendo duas
contínuas e interligadas entre si e a terceira delas, composta pelos blocos que se voltam para o rio, já
aparecem de forma fragmentada em três blocos menores, mas aparentemente interligados entre si.
Figura 118 – Croquis do desenvolvimento da proposta.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
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A tomada de conhecimento e aprofundamento do estudo das características do sítio deu enquadramento
à liberdade projetual. As principais linhas estruturantes do entorno são os alinhamentos encontrados a
partir das construções preexistentes, assim como a partir “de uma pesquisa em relação aos percursos,
para que esses sejam o mais realistas possível. Tudo isso constitui uma grelha de controlo para a
geometria final.” (SIZA, 1993, apud BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 108).
Figura 119 – Desenhos da proposta final.
(Fonte: MENDES, 2003)
Definida a grelha que estrutura o conjunto a construção pode ser entendida como um cultivo dessas
preexistências do sítio em dois sentidos: no modo como estrutura os blocos entre si ao longo do
terreno, a partir dos alinhamentos encontrados com base nas edificações vizinhas e da previsão dos
percursos pelo conjunto, assim como na forma como assenta os edifícios no solo e domestica a
topografia acidentada do local. O esquema em “U” do pavilhão Carlos Ramos é reverberado, desta vez
numa escala que se aproxima da escala urbana, na estruturação de todo o conjunto da FAUP, onde as
duas alas convergem para oeste e formam a entrada principal do conjunto.
Figura 120 – Encontro das alas norte e sul do conjunto.
(Fonte: FRAMPTON, 2000)
Como mostram os desenhos, as principais linhas estruturantes do conjunto foram obtidas a partir das
construções preexistentes. A partir destes se pode ver que o longo bloco situado a norte do terreno, tem
suas distorções e fragmentações, aparentemente arbitrárias, pelo estabelecimento de um sistema de
eixos definido a partir do Pavilhão Carlos Ramos e do cruzamento destes eixos com os eixos definidos
para a implantação dos blocos na face sul do terreno.
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A antiga casa delimitou os blocos a sul, assim como teve influência também na definição das suas
proporções e alturas, Ao observar o conjunto a partir da marginal de Gaia (cidade vizinha ao Porto),
pode-se perceber que a busca pelas regras não vem apenas da casa, mas sim do conjunto da marginal
como um todo, com suas proporções, ritmos e aberturas, numa continuidade com a cidade tradicional.
Figura 121 – FAUP vista a partir da marginal oposta do rio Douro.
(Fonte: TRIGUEIROS, 1995)
Assim como as aberturas tem relação com a tessitura da paisagem da marginal do rio, elas também
enquadram momentos distintos desta paisagem e tem relação com os espaços que se desenvolvem
internamente aos edifícios. Por exemplo, os blocos individuais, que concentram as salas de aula de
projeto e desenho, têm amplas aberturas para a paisagem, enquanto o bloco da parte norte, que abriga
auditórios, biblioteca, salas de aulas teóricas e gabinetes, é mais hermético.
Na face sul do terreno foi destinado o espaço para cinco blocos, contudo apenas quatro foram erguidos,
sendo no espaço referente a um deles erguida apenas uma base, um terraço que abre e enquadra a vista
para o vale e a ponte da Arrábida, funcionando também como uma grande janela, assim como os
espaços entre os blocos, que fecham e abrem as vistas para a paisagem, como nos Caminhos do
Romântico, dos quais inclusive a FAUP é o ponto de partida do percurso.
Figura 122 – Terraço e abertura para a paisagem.
(Fonte: MENDES, 2003)
Figura 123 - Terraço e abertura para a paisagem.
(Foto: Lívia Nóbrega)
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Essa noção de cultivo e incorporação das características preexistentes do sítio também é bastante
evidente no modo como os edifícios assentam no solo e na maneira como são tratados os percursos
entre as diferentes partes do conjunto. Neste sentido, ao observar o conjunto sob o ponto de vista da
terraplenagem como partido, pode-se perceber que este é estruturado em quatro níveis principais,
numa solução em terraços, característicos das encostas que margeiam o rio Douro.
Na sua cota mais alta estão os edifícios do Pavilhão Carlos Ramos e a Quinta da Povoa. Um nível abaixo
está uma grande plataforma contida por muros de pedra que se dilui em rampas e escadas e faz a
ligação entre os edifícios da cota mais alta e os blocos da ala norte e sul, dispostos ao redor de uma
grande praça triangular. E por fim, abaixo desta grande praça estão os corredores que interligam os
blocos da ala sul entre si, assim como com o bloco da ala norte.
A partir da avenida que delimita o terreno a sul, tem-se acesso ao conjunto tanto pelo leste quanto pelo
oeste. A partir do oeste, o acesso é marcado por um pequeno volume cúbico a partir do qual o visitante
pode seguir por um passeio, na mesma cota da rua, e ter acesso diretamente ao bloco da ala norte, mais
especificamente à recepção e secretaria, ou descer por uma suave rampa e ter acesso diretamente ao
pátio localizado em frente ao café/refeitório.
Figura 124 - Volume marca a entrada oeste do conjunto.
(Foto: Lívia Nóbrega)
Figura 125 - Acesso ao conjunto pela sua face oeste.
(Foto: Fernando Diniz Moreira)
Na face oposta, um acesso ao nível da avenida que delimita o terreno a sul da acesso à gráfica, semienterrada na praça, assim como ao corredor que dá acesso às dependências do conjunto, à direita. Este
corredor semi-enterrado interliga os blocos, aparentemente independentes e isolados quando vistos do
exterior, é constituído em um dos seus lados por armários em madeira para os estudantes, do início ao
fim, e por aberturas que se voltam para os espaços entre uma torre e outra, com vistas para a avenida.
Adjacente a este corredor, uma espécie de praça, também semi-enterrada, faz o encontro entre o
corredor, que interliga os blocos da ala sul, e o acesso para o bloco da ala norte, que se dá tanto por
uma rampa quanto por uma escada. Em um de seus lados, a praça apresenta uma bifurcação, no outro,
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apenas um caminho, que dá acesso ao café. No teto desta pequena praça pode-se observar as marcas
no forro de gesso que registram e evidenciam o encontro entre estas duas alas e a importância dos
eixos externos de estruturação do projeto também na definição dos seus espaços internos.
Figura 126 – Acesso ao conjunto a partir do lado leste e corredor que comunica as torres entre si.
(Fotos: Fernando Diniz Moreira)
Figura 127 – Encontro entre os acessos subterrâneos que interligam os blocos da ala norte e sul do conjunto.
(Fotos: Fernando Diniz Moreira)
Acima deste corredor encontra-se o pátio central triangular, configurado pelas duas alas de edifícios e
que funciona como um grande espaço de circulação entre estes blocos e a parte superior do conjunto,
Pavilhão Carlos Ramos e Quinta. Toda a face norte deste pátio é delimitada pelo longo bloco que abriga
os auditórios, biblioteca, algumas salas de aula e escritórios.
Assim como no bloco que abriga os laboratórios do Neurosciences Institute, que “são diretamente
análogos à ‘sala circular ao ar livre’ e à loggia do auditório. Cada laboratório é essencialmente um oco na
encosta [...] pois apenas a parede de fundo serve como uma parede de retenção.” (LEATHERBARROW,
2004, p. 29), todo este edifício se contorce de modo a se adequar a geometria do lote, funcionando
como uma espécie de grande muro de contenção, onde são encaixados usos que não possuem
aberturas para o exterior, como o auditório e os espaços de exposição. O bloco não só funciona como
um dispositivo de domesticação da diferença de cotas do terreno como também protege o conjunto da
movimentada auto-estrada que passa na sua face norte.
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Figura 128 – Pátio central e encontro das alas norte e sul e três dos quatro níveis do projeto.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
Características como ruptura, fragmentação e organicidade, freqüentemente encontradas no tecido
urbano da cidade tradicional, também podem ser observadas no conjunto de rampas, escadas, muros e
plataformas que fazem o acesso ao conjunto no lado leste e apaziguam entre as edificações
preexistentes na cota mais alta e o conjunto projetado à posterior.
Figura 129 – Vistas panorâmicas sobre o conjunto da FAUP.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
No que concerne à relação entre sítio e materialidade ao longo do conjunto são utilizadas soluções
distintas. O seu exterior é composto de dois materiais principais, granito e reboco branco. A idéia inicial
de Siza era construir o edifício em pedra “especialmente oportuna no caso de um edifício público, do
qual se espera uma certa perenidade e integridade física” (SIZA, 1993, apud BEAUDOUIN, MACHABERT,
2009, p. 115), mas que por restrições econômicas não foi concretizada. Portanto, todos os edifícios
foram construídos em concreto armado e para atender às exigências térmicas receberam uma camada
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de isolamento térmico e foram revestidos com uma base em pedra ou cimento até 1 metro e meio de
altura e acima em reboco branco, no qual se observam as marcas da pátina nos edifícios,
Mas as intempéries são apenas uma subtração, será que elas também não podem
acrescentar e realçar os edifícios? Conseqüências deletérias podem ser
complementadas pelo valor contido no potencial de sedimentação e acumulação de
detritos numa superfície através da ação do tempo. Este processo sempre deixa
marcas, e estas marcas podem ser pretendidas, talvez até desejadas. Este é
freqüentemente associado com uma apreciação romântica da aparência dos
edifícios que envelheceram: sua alvenaria madura, pedras cobertas de musgo,
madeira. (LEATHERBARROW, MOSTAFAVI, 1993, p. 06)57
Essa visão dos efeitos das intempéries como um registro da passagem do tempo nos edifícios, pode ser
observada no edifício da FAUP. Sua brancura, contrastante com a paisagem, com o tempo, e a falta de
manutenção – que parece ter sido prevista, adquire uma coloração com variações de brancos e
cinzentos, não homogênea, espontânea, e em certa medida orgânica, que a presença do edifício perante
a paisagem, sobretudo diante dos fortes nevoeiros que constantemente pairam sobre a cidade.
Quanto à cor, tive várias idéias. Pensei no rosa da pequena “casa cor-de-rosa”,
depois fiz ensaios com variações de cores mais acentuadas: o cinzento – claro –
mais em relação com a cor da cidade... e o branco. Escolhi por fim a unidade do
branco, quando estávamos a meio da construção. Se hoje em dia o branco do
edifício provoca um efeito de choque na paisagem, com o tempo a cor vai ganhar
pátina. Gosto do vigor do edifício quando surge, e depois quando, ao longo do
tempo, se desvanece. Como nós. (SIZA, 1993, apud BEAUDOUIN, MACHABERT,
2009, p. 115)
Figura 130 – Os efeitos da pátina sobre o reboco branco do edifício.
(Fotos: Pedro Kok)
Esses efeitos também podem ser observados nos muros em granito. A pedra utilizada nestes trechos,
assim como na base dos edifícios, mostra-se tanto funcional, resistente às intempéries nestas áreas
mais suscetíveis a infiltrações, quanto simbólica, por remeter às tradições construtivas da região.
57
Tradução livre da autora. Citação original: But is weathering only subtraction, can ir also add and enhance? Deleterious consequences can be
complemented by the potential value of sedimentation and the accumulation of detritus on a surface through the action of the wheather. This process
always marks, and these marks may be intended, even desired. This sense of weathering is often associated with a romantic appreciation of the
appearance of buildings that have aged: their mellowed brickwork, moss-covered stone, and seasoned timber.
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Figura 131 – A pátina nos muros e rampas em pedra.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
O trabalho do arquitecto é fragmentário. Todas as imagens contribuem para o que
fazemos, sem que o princípio de ordem que actua seja claramente a ordem
hierarquizada que se supõe. São as passagens de um ponto de apoio a outro, que
constituem o processo do projecto. (SIZA, 1997, apud BEAUDOUIN, MACHABERT,
2009, p. 184)
A estratégia da fragmentação versus frontalidade é utilizada de diferentes maneiras e escalas: na
fragmentação do terreno, para otimizar a acomodação dos volumes; na fragmentação do programa em
diversos blocos; e na fragmentação da própria geometria dos edifícios. Sobre a fragmentação do
terreno, tem-se o parcelamento em amplos terraços e a distribuição do programa ao longo das cotas
que foram ordenadas a partir desta elaboração do terreno, reduzindo as movimentações de terra e
aproveitando-se do seu potencial topográfico natural. No sentido da fragmentação do programa, os
quase 5 mil metros quadrados de área construída foram dispostos em cinco volumes independentes,
conectados entre si ao longo da grande base semi-enterrada, que também abriga algumas dependências
do conjunto, como já visto anteriormente.
Figura 132 – Fragmentação do programa em blocos isolados.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Quanto à fragmentação da geometria dos blocos, esta é mais evidente no bloco que delimita o conjunto
a norte, cujas inflexões, quebras e mudanças de direção no seu desenho têm a ver com a geometria do
terreno, com a indução dos percursos ao longo do conjunto e com a da topografia. Estas quebras no
desenho do bloco têm reflexos também nos seus espaços, onde a confluência desses eixos é visível nos
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seus interiores, pontos de tensão e da confluência de geometrias que são internalizados no projeto,
visíveis na colisão entre paredes, nos espaços intersticiais e nos encontros entre as paginações de piso.
Figura 133 – Fragmentação do volume que delimita a ala norte do conjunto.
(Foto: Lívia Nóbrega)
Figura 134 – Fragmentações.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Figura 135 – Encontro das diferentes geometrias resultantes da fragmentação do volume nos seus interiores.
(Fotos: Fernando Diniz Moreira)
Eu experimentei um edifício grande, um edifício claustro. Mas qual é a grande
dificuldade disto? É que seria fatalmente, uma ilha, a não ser que a envolvente
mudasse muito (que não deve mudar). [...] Portanto, meter aqui um edifício muito
maior que este, não funcionava. [...] O que eu tentei foi criar um espaço com certo
significado e aproximá-lo da escala dos edifícios existentes na quinta. (SIZA apud
FERNANDES, 1987, p. 35)
Figura 136 – Vista panorâmica do conjunto da FAUP.
(Foto: Lívia Nóbrega)
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Figura 137 – Projeto da FAUP. 01. Planta de situação; 02. Planta baixa piso -1; 03. Planta baixa piso 1.
(Fonte: 01 – TRIGUEIROS; 02 e 03 – CDAS/Casa da Arquitectura)
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Figura 138 – Projeto da FAUP. 01 Planta baixa piso 2; 02 e 03. Cortes longitudinais; 04 e 06. Cortes longitudinais; 05 e 07. Cortes
transversais; 08 e 09. Elevações.
(Fonte: 05 e 07 - FRAMPTON, 2000; Demais – CDAS/Casa da Arquitectura)
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5. O PROJETO COMO INSERÇÃO NO SÍTIO
[Do lat. inserere.] 1. Colocar; introduzir, intercalar, incluir. 2. Pôr, meter; entranhar;
Fixar-se, implantar-se. (Fonte: Dicionário Aurélio)
v.t. Introduzir, fazer entrar; colocar no meio de outros: inserir uma folha num livro;
inserir uma cláusula num tratado. Sinônimos de inserir: enfiar, incluir, incorporar,
introduzir e meter. (Fonte: www.dicio.com.br)
(latim insero, -ere, pôr em, inserir, introduzir). 1. Fazer penetrar; pôr em. =
IMPLANTAR, INTRODUZIR. (2) Incluir(-se) num conjunto. = INTEGRAR,
INTERCALAR. (3) Estar colocado ou implantado. (4) Fazer parte (de um contexto).
(Fonte: www.priberam.pt).
Considerou-se o projeto enquanto uma inserção no sítio quando este se apresenta de modo integrado,
inserido, incrustado, incluído num sítio ou conjunto, lançando mão de complexas soluções espaciais no
sentido do manejo da topografia para alcançar estes fins.
Retomando o exemplo das terraced house (casas geminadas com terraços tipicamente inglesas) feito
por Leatherbarrow (2004) no capítulo 2, onde o edifício, diferente do conceito de elaboração, não é uma
conseqüência do terreno, mas uma inserção nele, se encaixa no terreno por meio de operações que
modificam a sua configuração. Traçando-se um paralelo com os conceitos lançados por Maciel (2006)
no capítulo 2, pode-se entender o projeto enquanto inserção quando houver uma síntese entre edifício e
paisagem - seja através da forma, construção ou uso - de modo que a diferenciação entre estes seja
reduzida, sem contudo mimetizá-lo, dissimulá-lo perante a paisagem, sobretudo aquela marcada pela
presença da natureza.
Os projetos foram classificados em cada uma das categorias de acordo com o seu partido, mote,
estruturação geral, como forma de estruturar de modo preliminar as análises, para que posteriormente
possam ser identificadas as estratégias projetuais. Esta classificação não impede nem exclui a
possibilidade de que os projetos selecionados para esta categoria apresentem características que
possam ser mencionadas ao longo da análise de projetos de outra categoria. Acredita-se que uma
análise mais ampla de cada edifício permite identificar atitudes recorrentes no sentido do
relacionamento entre os edifícios e o sítio, estratégias projetuais, um dos principais objetivos desta
dissertação e que serão reunidas no capítulo 7 do trabalho.
Para este tópico serão analisados os projetos da Igreja de Santa Maria e centro paroquial (Marco de
Canaveses, Portugal, 1990-1996), do Museu de Arte Contemporânea de Serralves (Porto, Portugal,
1991-1999) e da Fundação Iberê Camargo (Porto Alegre, Brasil, 2000-2008) projetos cuja inserção no
sítio e relacionamento com a paisagem natural é latente.
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5.1 Igreja de Santa Maria e centro paroquial (Marco de Canaveses, Portugal, 1990-1996)
Figura 139 – Croqui para a Igreja de Santa Maria (1990-1996).
(Fonte: SIZA, 1998, p. 48.)
A visita ao local pré-escolhido tinha-me perturbado profundamente: era um local
dificílimo, com grandes diferenças de cota, sobranceiro a uma estrada com muito
tráfego. Como se não bastasse, aquela zona estava marcada por edifícios de péssima
qualidade. A construção desse centro paroquial é por isso e também a construção de
um lugar, em substituição de uma escarpa muito acentuada. (SIZA, 1998, p. 49)
Situada na pequena cidade de Marco de Canaveses, no interior norte de Portugal, a 50 km do Porto, a
igreja é parte de um programa que originalmente incluía também a edificação de outro edifício para
centro paroquial, auditório e moradia do pároco, volume em “U” situado na frente da fachada principal
da igreja, configurando um pátio. Contudo, a moradia do pároco, que seria a ala deste “U” localizada na
parte interna do terreno, não foi construída. Portanto, a análise considerará o conjunto construído e se
aprofundará no edifício da igreja, por este ter sido percorrido interiormente.
A área, sem uma estrutura urbana consolidada, com edificações circundantes banais e uma estrada de
tráfego intenso é contrabalançada pela configuração topográfica do terreno, uma escarpa com uma
acentuada diferença de cotas e uma belíssima vista para o vale da cidade, preexistências fundamentais
para a concepção e compreensão do projeto.
O caráter desalinhado e banal da paisagem aqui é essencial, pois a própria ausência
de figuras proeminentes permite que elas sejam descobertas, assim como as
sombras de suas superfícies. Como os limites do edifício aderem a terraplenagem e
esta adere ao potencial topográfico do terreno, a instituição pode prometer a
possibilidade de novas descobertas. Uma paisagem diferente teria dado suporte a
estruturas diferentes e uma instituição diferente. (LEATHERBARROW, 2004)58
58
Tradução livre da autora. Citação original: The landscape’s scruffy and unremarkable character is essential here, for the very absence of prominent
figures allows them to be discovered, likewise its surface shadows. Because the building’s “frameworks” adhere to its earthworks and the latter to the
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Figura 140 – Vistas aéreas da situação da Igreja de Santa Maria e do centro paroquial.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
A citação anterior de Leatherbarrow sobre a paisagem do Neurosciences Institute, que em certa medida
também poderia dizer respeito ao projeto da Faculdade de Arquitetura do Porto, ilustra de forma clara a
situação na qual se encontra a Igreja de Santa Maria. A tomada de consciência das características que
compõem a essência de uma edificação desta natureza, combinada com a exploração da paisagem
circundante, é encontrada a partir da apreensão do sítio e de conversas com os envolvidos no projeto59.
A referência inicial foi uma construção preexistente, uma residência para a terceira
idade, de uma arquitectura correcta e ordenada, situada na cota superior da escarpa
e com uma extensão muito significativa em relação à estrada. A partir deste novo
nível, tudo o resto se foi articulando, reagindo à complexidade das construções
existentes e permitindo finalmente a criação de um adro, aberto sobre o belíssimo
vale de Marco de Canaveses. (SIZA, 1998, p. 51)
Figura 141 – Croqui da Igreja vista a partir do interior da quadra, capela preexistente e vale ao fundo.
(Fonte: BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 178)
59
topography’s potential, the institution can promise the possibility of new discoveries. A different landscape would have sustained different structures
and a different institution. (LEATHERBARROW, 2004, p.58)
Como Nuno Higino, padre no Marco de Canaveses de 1988 a 2001, que teve a iniciativa de construir a nova igreja. Renunciou ao seu sacerdócio
em 2005 para se consagrar à filosofia: elaborou uma tese de doutoramento intitulada: Os desenhos de Álvaro Siza. Uma leitura a partir de Jacques
Derrida. (BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 179)
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Considerando a geografia do Monte Sacro, não ficamos surpresos ao descobrir que
o local foi concebido para atuar como uma definição para o retiro e exercício
espiritual. Estar situado no limite da aldeia, numa encosta de montanhas, ele estava
bem adaptado, tanto física e simbolicamente, a solidão que é necessária para um
exercício espiritual. (LEATHERBARROW, 2004, p. 221)60
A descrição de Leatherbarrow refere-se ao Monte Sacro61, exemplo do modo como a construção de uma
narrativa sacra, a geografia e topografia estão intimamente ligadas, está também ligada à ambiência que
Siza parece ter buscado para o conjunto, uma mediação entre o entorno imediato, um contexto
suburbano confuso, com a privilegiada situação, um promontório com vistas para o vale ao fundo.
Figura 142 – Entorno imediato e paisagem do vale ao fundo do sítio do projeto.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
O conjunto se situa num ponto de encontro de tensões de naturezas distintas, sendo precisamente a
convergência dessas tensões o ponto de partida, o enquadramento inicial da liberdade projetual, “o que
é preciso, e que está na origem do meu trabalho, é criar como que uma grelha. Novamente uma grelha.”
(SIZA, 1996, apud BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 171). Na busca por esta grelha estruturadora, os
caminhos de pedestres existentes, que ligam a rua situada na cota mais alta até a avenida, na cota mais
baixa, assim como os edifícios já existentes (um edifício para idosos e um conjunto de casas ao lado do
centro paroquial), foram fundamentais para a delimitação do projeto.
Originalmente, o projeto era composto pelo volume da igreja e por um volume em U que abriga o centro
paroquial e a residência do pároco. Esta última, não construída, era um dos lados deste U, contribuiria
para a transição de diferença de cotas e para uma melhor delimitação do espaço do adro e que se
contrapunha ao pequeno U formado pelas torres do campanário e do batistério da igreja. Nos dias
atuais, o bloco em U ficou reduzido a um L, mas mesmo assim a própria elevação da escarpa ajudou a
delimitar naturalmente este recinto.
60
61
Tradução livre da autora. Citação original: Considering the geography of the Sacro Monte, we are not surprised to discover that the place was meant
to act as a setting for the retreat and spiritual exercise. Being situated at the edge of the village, on a mountains slope, it was well suited, both
physically and symbolically, to the solitude that is required for spiritual exercise. (LEATHERBARROW, 2004, p. 221)
Em Varallo, Itália. Um caminho na montanha projetado e construído para lembrar e celebrar a vida exemplar de Cristo. Monte Sacro é um nome
genérico para as rotas deste tipo e o caso de Varallo foi chamado de Nova Jerusalém e quis reconstituir o caminho da cruz original.
(LEATHERBARROW, 2004, p. 203)
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Figura 143 – Croquis com a proposta inicial, com a residência do pároco (em cinza, não construída).
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
Deste modo, pode-se entender a construção como cultivo do sítio no sentido de que esta tira partido
das suas preexistências, que a princípio poderiam constituir entraves ou restrições. Na face voltada para
a avenida, as linhas de força que estruturam o conjunto são encontradas a partir do edifício preexistente
ao lado da igreja e de um conjunto de casas localizado ao lado do centro paroquial.
O alinhamento da igreja com o edifício ao seu lado, que é reverberado no desenho da base (plataforma)
do edifício, é prolongado até o seu encontro com a avenida, ponto onde a plataforma faz uma inflexão a
90º que direciona o visitante ao início do percurso de acesso ao adro e ao conjunto como um todo. O
ritmo e a proporção das faces cegas do conjunto de casas também são continuados no desenho do
centro paroquial, bloco em L que, junto com a igreja, configura o adro.
Figura 144 – Relação do conjunto com as preexistências do sítio.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
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Os vários percursos de acesso também são desenvolvimentos do sítio. O conjunto pode ser acessado
diretamente da avenida (pelas escadas localizadas junto à plataforma que conduzem diretamente ao
adro ou a partir do passeio que tem ligação direta com a capela mortuária, localizada abaixo da nave da
igreja, em parte enterrada sob a plataforma), ou por ruas em cotas mais elevadas, uma delas que liga o
conjunto de casas ao adro e a outra que segue paralelamente ao edifício localizado ao lado da igreja.
Um dos percursos secundários de acesso ao conjunto se desenvolve a partir de uma rua elevada que
margeia o conjunto de casas junto ao centro paroquial e é trabalhado de modo a realizar uma suave
transição de escalas, da ambiência intimista e acolhedora do uso habitacional para a monumentalidade
requerida. Esta transição é feita através do cuidadoso trabalho com o centro paroquial, cujo desenho,
uma suave curva que é continuada pela fachada da igreja, suas cores e materiais fazem a mudança
contínua e gradativa entre estes espaços de caráter distinto, onde o usuário pode aceder diretamente ao
adro da igreja ou descer pelo passeio inclinado diretamente até a avenida.
Figura 145 – Percurso de ligação entre o conjunto de habitações e o conjunto religioso.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
Assim como em outros exemplos analisados anteriormente, o percurso principal é trabalhado de forma
prolongada, com várias mudanças de direção, como um tempo de transição entre as ambiências
distintas. Os muros que compõem a base da plataforma em pedra dão acesso a uma escadaria
perpendicular, que eleva o visitante e abre a primeira visada para a paisagem, colocando-o de costas
para a igreja e o adro. Ao mudar de direção para dar continuidade ao percurso de acesso, tem-se uma
visão parcial do adro, delimitada pelas fachadas laterais do centro paroquial e da igreja.
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Ao fim deste percurso, chega-se finalmente ao adro, localizado no ponto de confluência destes. O adro,
uma espécie de acrópole para a cidade, é delimitado pelos edifícios e por uma ligeira elevação da
escarpa, e proporciona um distanciamento suficiente dos sons e das imagens da avenida ao mesmo
tempo em que aproxima e abre-se, como uma grande janela, para a paisagem ao fundo.
Figura 146 – Principal percurso de acesso ao conjunto, da avenida ao adro.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
Este tempo e espaço de transição gerado pelo trabalho com o percurso afasta o caráter mundano do
subúrbio abaixo, inclusive visualmente, pois do centro da plataforma não conseguimos ver a maioria
das edificações abaixo e a nossa visão é direcionada para o vale. Do pátio, sentimos que estamos em
um lugar diferenciado do entorno, distante do movimento do subúrbio, onde o caráter sacro (ELIADE,
1957) é conseguido pela aproximação do conjunto da paisagem natural distante.
Figura 147 – Vista panorâmica do conjunto, adro e relação com a paisagem ao fundo.
(Foto: Lívia Nóbrega)
Essa aproximação da paisagem de fundo no projeto também se observa no espaço interno da igreja. A
baixa e comprida abertura que percorre todo o lado direito da nave na altura da vista (assim como na
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Casa de Chá) isola o visitante das interferências mundanas e banais do entorno imediato (como alguns
edifícios habitacionais e um posto de gasolina), e traz para perto a paisagem do vale ao fundo. De modo
semelhante ao que fez Le Corbusier na cobertura da Unidade de Habitação de Marselha, ao elevar o
parapeito do terraço, ocultando as informações mais próximas e destacando as montanhas ao fundo,
conforme Leatherbarrow chama a atenção (2000).
Figura 148 – Igreja de Santa Maria (Álvaro Siza, 1990-1996).
(Foto: Lívia Nóbrega)
As aberturas no interior da nave da igreja não se destinam apenas a enquadrar a paisagem local, mas
também a filtrar a luz enquanto mais um elemento que reforça a carga simbólica do projeto, explorando
a dramaticidade desses efeitos nos espaços internos. Três janelas altas pontuam a parede convexa que
delimita um dos lados da nave e capturam a luz de forma direta para o interior e dois rasgos verticais
compõem o fundo do altar, desprovido de imagens ou figuras sacras, e trazem a luz de modo indireto, a
partir de uma janela que pontua o alto da fachada dos fundos da igreja.
Figura 149 – As diferentes formas de captura da luz local.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
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Além destes aspectos do entorno, que são incorporados pelo projeto como um cultivo de suas
características, o tema da terraplenagem como partido também destaca-se na Igreja de Santa Maria e
do centro paroquial, sobretudo em dois momentos: na plataforma em granito onde assentam os
volumes e no corpo da igreja propriamente dito.
Assim, pode-se entender o projeto como uma inserção no sítio por dois motivos fundamentais: pela
relação imbricada entre o desenho da plataforma e a configuração topográfica do entorno (terreno e
edificações circundantes) e pela incrustação de parte do programa da igreja que é resolvido por esta
mesma plataforma. O conjunto é disposto sobre uma base em pedra que funciona como um dispositivo
de organização dos percursos e de controle das intervenções ao longo do terreno, além de realizar a
contenção da escarpa e de delimitar o perímetro do conjunto nas suas faces localizadas junto à estrada.
Figura 150 – Maquete física do complexo religioso.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
Uma igreja é um edifício público, institucional, mas não ao mesmo nível que os
outros. Goza de uma certa autonomia no tecido urbano. Deve, de uma maneira ou
doutra, destacar-se dele. Isso não quer dizer que tenha que ser mais alto do que os
outros, mais dominante. Mas esse destaque, essa autonomia de que eu falo é de
outra natureza, mais complexa e profunda. (SIZA, 1997, apud BEAUDOUIN,
MACHABERT, 2009, p. 184)
Já o volume da igreja, proeminente e autônomo da base num primeiro olhar, desenvolve-se em dois
níveis principais: um nível superior, onde se situa a assembléia, e um nível inferior, que abriga a capela
mortuária. Ambos podem ser acessados de modo independente, a assembléia a partir do adro - no nível
superior, e a capela mortuária a partir do interior da igreja e do seu exterior, através de uma escada que
liga o adro à capela mortuária, que abre-se diretamente para a avenida.
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Figura 151 – Croquis que mostram o encaixe do volume da igreja e capela mortuária no terreno.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
Como mostram os percursos de acesso às duas cotas, trata-se de espaços com
características decisivamente diferentes. A capela mortuária é quase a fundação da
própria igreja: cria uma cota estável, fixa, para que a igreja possa apoiar-se. Além
disso, com os seus muros de granito e o claustro, estabelece a distância em
relação à estrada. (SIZA, 1998, p. 51)
Inserida nesta diferença de cotas e escavada na escarpa como a fundação da própria igreja, a seguir a
capela mortuária tem-se um pequeno claustro que dá suporte às cerimônias e uma galeria dupla que
garante o distanciamento entre este espaço e ao passeio que vai ter diretamente à avenida.
Figura 152 – Acesso a capela mortuária.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da
Arquitectura)
Figura 153 – Pátio de transição entre a capela mortuária e a avenida, escadas ligam o
nível inferior (avenida) ao nível superior (adro).
(Fotos: Lívia Nóbrega)
O trabalho entre sítio e materialidade se dá tanto através de aproximações quanto de distanciamentos.
Assim como no edifício da FAUP, mas numa escala maior e de maneira ainda mais evidente, a grande
base granítica que assenta o conjunto no solo cria uma continuidade física e visual em relação aos
materiais, cores e acabamentos do entorno, reforçando a integração entre estes espaços e o caráter
público e cívico que um conjunto religioso como este desempenha para a cidade, assim como as
paredes brancas e caiadas contrastam e marcam a presença dos volumes na paisagem.
Nota-se uma presença consistente do granito que, nesta região, é um dos
elementos mais importantes na paisagem, quer na Natureza quer na construção.
Neste projecto, a plataforma em granito surge como contraponto necessário à
leveza e à grande concisão geométrica do volume branco. Em algumas horas do dia
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TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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a igreja quase que se desmaterializa: ora parece desaparecer, ora, noutras ocasiões,
sobressai quase que violentamente. Era por isso necessária uma base que a
prendesse ao solo. (SIZA, 1998, p. 67)
Figura 154 – Plataforma em granito sob a qual assenta a construções.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Nos interiores, os materiais utilizados têm seus efeitos acentuados pelo modo como a luz penetra nos
espaços, seja adquirindo um aspecto mais corpóreo e robusto, como no caso dos volumes em reboco
branco, seja desmaterializando-se, como nos azulejos que revestem o interior da torre do batistério, ou
nas superfícies em granito banhadas pela água que escorre continuamente na pia batismal.
Figura 155 – Materiais e efeitos distintos utilizados no interior da igreja.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Por fim, o tema da fragmentação versus frontalidade também pode ser observado em escalas distintas
nesse exemplo. A base, a grande plataforma granítica, como já foi salientado, funciona como um todo,
um sistema unificador, que controla e organiza o conjunto e sua relação com o espaço público.
Entretanto, dispostos sobre essa base estão os volumes da igreja e do centro paroquial, cuja
fragmentação está tanto na forma como estes estão dispostos sobre a base, ou seja na escala do todo,
quanto na própria geometria dos edifícios, na escala de suas partes.
Como Leatherbarrow (2000) chama a atenção ao analisar os projetos de Neutra, o conjunto se revela de
forma muito mais forte a partir de suas fachadas laterais e de seus cortes do que da própria fachada
frontal da igreja. A partir da avenida, por exemplo, tem-se primeiramente a visão de suas faces laterais
para só então, ao adentrar o espaço do adro, poder experimentar o conjunto de modo frontal. Sobre a
igreja, Siza afirma que esta “é igualmente um bloco, retangular, que se dilata num dado momento para
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tornar o corpo da igreja autônomo em relação ao corpo geral, preservando as formas na sua ligação e
na sua geometria globais” (SIZA, 1997, apud BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 184).
O desenho do bloco do centro paroquial é fragmentado tanto para induzir o percurso de quem vem do
conjunto de casas, através da suave curva e do volume que saca e conforma um L, como já visto,
quanto para contribuir para a delimitação do próprio espaço do adro. Já a geometria do volume da igreja
é reduzida ao mínimo, mantendo apenas os elementos essenciais deste tipo, que são as duas torres que
conformam um pequeno recinto de entrada, marcado pela monumental porta, uma reinterpretação
contemporânea da tipologia sacra.
Há muitas igrejas que não se reconhecem a não ser pelo símbolo distintivo da cruz.
Foi o que eu quis evitar. Mesmo que haja uma, não será através dela que
deveremos saber que estamos perante uma igreja, assim como não é preciso meter
um painel de “saída” em frente a uma porta se ela for bem desenhada. É a maneira
como o espaço se organiza que conduz automaticamente a essa porta. (SIZA, 1997,
apud BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 182)
Figura 156 – Vistas laterais e frontais da igreja e centro paroquial.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Instalar-se num território equivale, em última instância, a consagrá-lo: quando a
instalação já não é provisória, como nos nômades, mas permamente, como é o
caso dos sedentários, implica uma decisão vital que compromete a existência de
toda a comunidade. “Situar-se” num lugar, organizá-lo, habitá-lo – são ações que
pressupõem uma escolha existencial: a escolha do Universo que se está pronto a
assumir ao “criá-lo”. (ELIADE, 1957, p. 23)
Sem recorrer a imagens ou soluções figurativas, mas através dessa sensível instalação no território,
através de sua escala, da implantação e da incorporação de valores arquétipos, a igreja surge como uma
presença quase totêmica naquela pequena cidade, reorganizando-a e dando sentido à comunidade,
como é comum no ato de fundação das cidades portuguesas e conseqüentemente brasileiras, onde a
igreja matriz funciona como um marco na estrutura urbana.
Por fim, o complexo religioso composto pelo centro paroquial e pela Igreja de Santa Maria pode ser
entendido como uma inserção no sítio devido ao complexo manejo do terreno no sentido de estruturar o
projeto a partir das suas particularidades topográficas e de tirar partido destas e da paisagem para
conferir a ambiência requerida pelo programa religioso.
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Figura 157 – 01. Planta baixa piso 0; 02. Planta baixa piso 1; 03. Planta baixa piso 2; 04, 05 e 06. Cortes longitudinais e transversal;
07, 08 e 09. Elevações laterais e de fundos; 10, 11 e 12. Elevação frontal; 13. Corte transversal; 14. Implantação.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
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Figura 158 – 01. Planta baixa do conjunto (igreja e centro paroquial e moradia do pároco – não construída); 02, 03, 04, 05, 06 e 07.
Perfis do conjunto no entorno.
(Fonte: FRAMPTON, 2000)
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5.2 Museu de Arte Contemporânea de Serralves (Porto, Portugal, 1991-1999)
Figura 159 – Croqui para o Museu de Arte Contemporânea de Serralves (1991-1999)
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
Um dos problemas principais consistia em limitar o impacto do edifício num jardim
precioso, dos anos trinta, extensão de uma importante casa déco. O terreno
proposto, o único disponível, era uma ampliação recente da propriedade. As
dimensões eram compatíveis com o programa, e a sua colocação, a uma cota
inferior relativamente ao jardim principal, garantia que o novo edifício não fosse
visível da casa. A única ligação possível entre o núcleo original e o museu é
confiada assim aos percursos e à memória. (SIZA, 1998, p. 77)
O museu faz parte do Parque da Fundação de Serralves, uma grande área verde no tecido urbano da
cidade do Porto composta por jardins, fontes, gramados, áreas de cultivo e criação de animais e
algumas edificações, sendo a principal uma propriedade dos anos 1930 com características Art Déco,
antiga mansão da família proprietária, classificada como “Imóvel de Interesse Público” para a cidade.
Diante da grande dimensão da propriedade, o museu de arte contemporânea, encomendado a Siza pela
família de Serralves, é uma oportunidade de se construir em uma belíssima propriedade reclusa,
abrindo-a para o público. O local onde está implantado, na esquina entre duas ruas que delimitam parte
do terreno da propriedade, era um antigo campo de cultivo, que devido a essa facilidade de acesso, a
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ausência de grandes árvores e ao distanciamento e isolamento (devido a um bosque) da propriedade
preexistente foi escolhido como o ponto de situação do projeto. Assim, o jardim, a facilidade de acesso,
os caminhos preexistentes e a topografia do terreno foram elementos decisivos para o projeto. As
dependências do museu desenvolvem-se ao longo de quatro pisos, em uma estrutura em “U”, acessada
através de um longo percurso e antecedida pelo volume do auditório. Átrios fazem a distribuição entre
restaurante, café, livraria, e entre as duas alas nas quais se desenvolvem as salas de exposição.
Figura 160 – Situação do museu no terreno.
(Fotos: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Figura 161 – Casa déco, bosque e jardins preexistentes.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
As preexistências, reveladas por meio deste processo de apreensão do sítio, parecem enquadrar a
liberdade projetual inicial de Siza que um terreno deste porte e programa deste tipo poderia sugerir.
Um dos principais desafios colocados pelo projeto era o de conciliar o extenso programa com a
preservação da horizontalidade e vastidão daquela paisagem. Ao observar os primeiros croquis para o
projeto, nota-se uma evolução de uma estrutura inicialmente clássica e simétrica, que aos poucos vai se
fragmentando e se adequando ao sítio, mantendo a localização original e o partido de distribuição em
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duas alas a partir de um átrio central, em sucessivas tentativas de aproximação na qual “Uma das
minhas pistas para definir a forma consistiu em posicionar-me em ângulos de visão muito diferentes,
em todas as direcções”. (SIZA, 1998, apud BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 209)
Figura 162 – Croquis
(Fonte: D’ALFONSO, INTRIONI, 2009)
Figura 163 – Croquis de estudo de espaços distintos do museu.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
Desta forma, pode-se entender então a construção como cultivo do sítio no sentido de que esta nasce
da colisão das preexistências vistas anteriormente. Após definida a situação do edifício dentro da
propriedade como um todo, este se desenvolve ao longo um eixo norte-sul que vai do seu principal
ponto de acesso, ligado diretamente à rua, na cota mais alta do projeto, até um antigo caminho e pátio
preexistente, numa cota bastante inferior, que levam a uma parte mais interna da propriedade.
O museu apresenta-se então como um grande percurso, um desenrolar seqüencial de espaços
intimamente ligados à configuração do terreno, às vistas para a paisagem e às exigências do programa.
A partir da rua, vê-se apenas um pequeno pátio de entrada, marcado por uma marquise que conduz ao
início do percurso de acesso ao museu, primeiro ponto de contato do visitante com o edifício.
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Figura 164 - Vista do museu a partir da rua e pátio de chegada.
(Fotos: Fernando Diniz Moreira)
A seguir a esta chegada tem-se uma “rotunda” (SIZA, 1998), na qual um caminho à esquerda dá acesso
diretamente aos jardins (cuja entrada é gratuita), e, o caminho em frente, dá acesso diretamente à
bilheteria do museu. Esta bifurcação é demarcada pelo volume da loja, que delimita os dois caminhos. O
percurso é delimitado pelo piso em pedra, pelo muro (presença constante desde a rua até o ponto de
entrada do museu) e por uma marquise que vai sofrendo mudanças de altura e de direção. O longo
percurso de acesso ao museu é pontuado por momentos e formas distintas, através de variações nas
vistas, largura dos passeios e angulações. Logo no início, abre-se uma vista para um trecho do bosque
da propriedade, enquadrada pelo volume da loja à esquerda e pelo volume curvo do auditório à direita.
Figura 165 – Início do percurso e loja.
(Foto: Fernando Diniz Moreira)
Figura 166 - Início do percurso de acesso e volume do auditório.
(Foto: Lívia Nóbrega)
O fim desse primeiro momento é marcado pelo afunilamento do percurso, devido ao deslocamento do
volume que abriga a bilheteria e faz o controle de acesso ao local. Ao passar pela bilheteria, o percurso
abre-se novamente, desta vez para um pequeno pátio pontuado pela presença de uma única árvore no
centro e delimitado pela outra face do auditório e pela biblioteca e café, último momento que antecede a
entrada ao museu. Todo o percurso é feito num suave declive desde a rua até a entrada ao museu.
Figura 167 – Segundo momento do percurso, pátio que antecede a entrada ao museu.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
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A arquitectura do Museu não pode ser senão clássica, provavelmente, distante ou
cuidadosa em relação à Geografia e à História; a própria rampa de Lloyd Wright
imobiliza-se subitamente. Assim é a Arquitectura dos Museus, idealmente sem
paredes, nem portas, nem janelas, nem todas essas defesas por demais evidentes,
pensadas e repetidas. (SIZA, 2005, apud MORAIS, p. 320)
A estrutura do museu é bastante clássica na sua organização, adotando o sistema tradicional de salas
em seqüência (como pode ser observado nas plantas). Contudo, esse eixo de disposição clássica vai
sofrendo pequenas distorções de modo a adequar-se ao terreno e suas especificidades. O museu
desenvolve-se a partir de um átrio “que tem como referência o da casa déco” (SIZA, 1998, p. 81), de
alturas, proporções e iluminação semelhantes, que tanto faz a distribuição para os programas
complementares (café, restaurante, biblioteca, sanitários) e quanto para as salas do museu.
Assim como nos jardins labirínticos da propriedade, o percurso ao redor das salas do museu também
se desenvolve como um grande labirinto. As salas se articulam num esquema em U, conformando um
pátio externo situado na porção mais interna do terreno, que dá continuidade a uma alameda arborizada
preexistente, localizada numa cota inferior e ligado entre si através de uma escadaria dupla.
Figura 168 – Esquema em “U” de distribuição das salas, pátio externo e continuidade com alameda arborizada preexistente da quinta.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Interiormente, esse esquema em U de distribuição das salas de exposição é articulado a partir de uma
grande sala central que faz a ligação entre estas duas alas, onde o visitante percorre primeiro uma das
alas, volta à sala central e faz o percurso pela outra ala do museu, o que também possibilita o
acontecimento de exposições distintas em simultâneo no museu.
Figura 169 - Átrio de distribuição e uma das salas de exposição.
(Foto: Lívia Nóbrega)
Figura 170 - Sala central.
(Foto: Fernando Guerra)
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Nos museus a luz faz-se doce, cuidadosa, impassível de preferência, e imutável, É
preciso não ferir, é preciso não ferir os cuidados de Vermeer, não se deve competir
com a violenta luz de Goya, ou a penumbra, não se pode desfazer a quente
atmosfera de Ticiano, prestes a extinguir-se, ou a luz universal de Velásquez ou a
dissecada de Picasso, tudo isso escapa ao tempo e ao lugar no vôo da Vitória de
Samotrácia. (SIZA, 2005, apud MORAIS, 2009, p. 319)
Em geral, as salas de exposição são neutras e amplas, com paredes brancas e piso em madeira e
distintas formas de captura da luz para os interiores, de modo a permitir uma maior flexibilidade no
arranjo das exposições. Em alguns casos, as clarabóias são diretamente visíveis e em outros é utilizada
a solução da mesa invertida (também presente no Centro Galego de Arte Contemporânea), que também
capta a luz natural, filtrando-a e combinando-a com a iluminação artificial.
Figura 171 – Diferentes formas de captura da luz e aberturas para os jardins.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
As aberturas, além de trazerem a luz natural, enquadram a presença da paisagem em diversos
momentos, no percurso entre os diferentes espaços do museu ou nas próprias salas de exposição, sem
competir com o conteúdo exposto, fazendo das vistas mais uma obra de arte a ser contemplada. Além
disso, estas vistas para a natureza são como um pequeno descanso para o olhar, uma pausa entre a
contemplação de uma obra de arte e outra. Nas fachadas, o desenho destas aberturas demonstra a
intenção de enquadrar determinado ponto da paisagem, ao sacá-las e emoldurá-las, direcionando o
olhar para um ponto distinto do esperado, como binóculos que olham para o bosque.
Figura 172 – Aberturas do museu.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
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No exterior, o museu repousa suave sobre o terreno, mantendo a predominância horizontal do lugar.
Contudo, para atingir tal expressão, o edifício lança mão de soluções de encaixe e inserção do programa
nos diferentes pontos do terreno. Portanto, neste caso também se podem observar a utilização de
recursos da terraplenagem como partido na concepção do projeto, contudo esses recursos são de
difícil percepção, interior e exteriormente, devido à essa relação imbricada entre edifício e terreno.
O edifício aparenta ter a altura de apenas um piso no início do percurso, na sua face voltada para a rua, e
atingir os dois pisos na parte mais interior do terreno. Contudo, ao observar os desenhos técnicos
(sobretudo os cortes), assim como percorrer os seus espaços, nota-se que este está inserido no terreno
de forma complexa, chegando a atingir até quatro pisos em alguns pontos.
O terreno vai perdendo altura tanto no sentido norte-sul, quanto no sentido leste-oeste. Neste sentido, o
museu estrutura-se em dois níveis principais. O percurso tem início no nível superior do edifício. As
salas de exposição distribuem-se nestes dois níveis e possuem pé-direito duplo, portanto os usos
complementares (salas administrativas, reserva técnica, dentre outros) são distribuídos ao longo dos
quatro pavimentos contidos pelo pé-direito das salas de exposição.
São observadas ao longo do edifício tanto partes aterradas quanto partes escavadas, em um complexo
jogo de adequação ao terreno. As partes aterradas concentram-se no pequeno pátio de chegada e no
primeiro grande pátio que antecede a entrada no edifício. O pátio de entrada é uma pequena área
aterrada, onde um lanço de escadas liga o pátio a uma cota inferior, que dá acesso ao estacionamento.
Os dois pisos de estacionamento, cuja cota mais baixa corresponde à mesma cota do piso das salas de
exposição do nível inferior, situam-se no que aparentemente seria um aterro, sendo na verdade uma
escavação da parte frontal do terreno, logo abaixo da área correspondente ao primeiro grande pátio
gramado que antecede a entrada ao edifício.
Figura 173 – Chegada ao museu. Declive do terreno no
sentido leste-oeste.
(Foto: Lívia Nóbrega)
Figura 174 - Caminho de acesso aos jardins. Declive do terreno no
sentido norte-sul (à esquerda da foto).
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
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Na ala leste do edifício concentram-se usos de maior porte, como salas de exposição e biblioteca,
espaços com pé-direito duplo, de modo que parte deste espaço possa ficar enterrado ou semi-enterrado
e capturar iluminação natural a partir de janelas abertas no alto (estratégia que também será utilizada no
edifício da Fundação Iberê Camargo, analisado a seguir). Como é o caso da biblioteca, localizada no
nível mais baixo do edifício, que captura a luz natural a partir de uma abertura superior, de onde se vê
claramente, a partir do nível do jardim no exterior, como o espaço foi escavado no terreno neste trecho.
Figura 175 – Átrio da biblioteca e sala de leitura.
(Fotos: Lívia Nóbrega e Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Já na ala oeste do museu, onde ficam as cotas mais baixas do terreno, são feitas poucas modificações
para situar o programa no sentido da movimentação do terreno. Nesta ala, foram situados no nível
superior as salas de exposição e no nível inferior programas de uso interno do museu. Como o terreno é
naturalmente mais baixo nesta região, as salas localizadas no nível inferior podem abrir-se diretamente
para o exterior, de modo a captar iluminação e ventilação natural.
Figura 176 – Vista geral do museu a partir da sua fachada oeste.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
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Assim como no edifício da Faculdade de Arquitectura, a relação entre sítio e materialidade se dá a
partir do contraste do edifício com a paisagem. Por um lado, o branco do reboco sugere uma aceitação
e previsão dos efeitos da pátina no edifício, a partir das conseqüentes marcas do seu envelhecimento, e
assim, uma maior integração com a paisagem. Em contrapartida, atento ao metabolismo do sítio e dos
materiais, o granito circunda toda a base do edifício, de modo a minimizar os efeitos das infiltrações nas
fachadas do edifício. Em alguns pontos, a pedra é utilizada também em muros de contenção do terreno
e na delimitação de percursos que ligam o museu diretamente aos jardins.
Figura 177 – Utilização da pedra e reboco.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Figura 178 – Pedra utilizada nos muros de contenção e percursos.
(Foto: Lívia Nóbrega)
O edifício nunca é visível na sua totalidade. Quando se dá a volta, vêem-se
fragmentos, grandes panos de parede, mas nunca a totalidade do edifício, sendo a
percepção interrompida pelas árvores. Apenas mais tarde tomei consciência de
que, no momento do estudo, tinha desenhado uma quantidade de vistas aéreas:
uma forma de controlar uma definição formal que não chegava senão por
fragmentos e nunca por inteiro. Os desenhos do edifício visto de cima asseguravam
a coesão, que não se percebe na realidade. Era necessário que tudo formasse um
conjunto, evitando a dispersão, a fragmentação, apregoada por algumas pessoas.
(SIZA, 1998, apud BEAUDOUIN, MACHABERT, p. 209)
O museu revela-se como uma estrutura predominantemente clássica, entendida como a que melhor se
adéqua ao programa (sobretudo o corpo das salas de exposição), se observado como um todo, que vai
sofrendo distorções, rupturas e ajustes, pequenas fragmentações que advém das características do
terreno e das preexistências do sítio, a predominância da fragmentação versus frontalidade.
No seu exterior não se tem uma leitura clara do todo, mas sim de diversas partes, fragmentos que vão
compondo o conjunto e que tem relação com determinado momento do sítio, observável através do
percurso e da experimentação de seus espaços internos e externos. Essa fragmentação pode ser
observada no desenho das fachadas, compostas por vários fragmentos, janelas, marquises e grandes
superfícies cegas, que não seguem uma ordem compositiva pré-determinada, mas sim são respostas
diretas às questões colocadas pelo projeto, interna e externamente à disciplina da arquitetura.
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Figura 179 – Alguns fragmentos do edifício.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Os volumes também são fragmentados para se adequarem ao terreno. Essa fragmentação pode ser
vista, por exemplo, no ponto onde o terreno atinge sua cota mais baixa e a altura do museu, que não é
totalmente absorvida pela diferença de cotas neste ponto, se revela com maior imponência. As quebras
nas quinas do volume diminuem a altura do edifício nestes pontos, de acordo com a descida do terreno,
atenuando essa transição entre cotas e diminuindo o impacto do vasto programa do edifício no terreno.
As complexas manipulações no terreno, que diminuem o impacto da implantação no terreno, não
anulam sua presença perante a paisagem, onde a aproximação entre essas duas instâncias é feita a
partir destes contrastes. O edifício, assim como outros de Siza, apresenta a característica de não ter
uma imagem forte predominante, sendo difícil resumi-lo em um único croqui ou gesto arquitetônico.
Se a primeira vista o edifício aparenta repousar suavemente sobre o terreno, um olhar mais atento
permite ver que para alcançar tal inserção no sítio foram pensadas sucessivas transformações do
projeto, utilizados complexos recursos para encaixar o programa tirando partido de manipulações da
topografia, levados em conta os percursos dos jardins preexistentes e pensadas aberturas para
enquadrar a paisagem, numa sucessão de fragmentos de naturezas distintas que somente através da
experiência podem ser apreendidos em sua totalidade.
Figura 180 – Vista geral do edifício a partir do interior do terreno.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
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Figura 181 – Projeto para o Museu de Arte Contemporânea de Serralves. 01. Planta de situação; 02. Planta baixa piso 0; 03. Planta
baixa piso 01.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
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Figura 182 - Projeto para o Museu de Arte Contemporânea de Serralves. 01. Planta baixa piso -2; 02. Planta baixa piso -1; 03, 04,
05 e 06. Cortes; 07, 08, 09 e 10. Elevações.
(Fonte: 01 e 02 - D’ALFONSO, INTROINI, 2009; 03 a 10 - CDAS/Casa da Arquitectura)
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EM ÁLVARO SIZA
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5.3 Fundação Iberê Camargo (Porto Alegre, Brasil, 2000-2008)
Figura 183 – Croqui para a Fundação Iberê Camargo (2000-2008)
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
Era muito difícil, mas por outro lado de uma grande beleza. A situação era muito
boa porque era ao longo de uma estrada, bem servido, fora, mas não muito do
centro, com vista sob o centro da cidade, e sobretudo com aquela toalha d’água
imensa, portanto um terreno extraordinário (SIZA, 2011).62
A construção de um edifício para sediar a Fundação Iberê Camargo surge da necessidade de uma
edificação específica capaz de atender aos padrões museológicos contemporâneos e às atuais
demandas de conservação e exposição do extenso acervo de pinturas e gravuras do pintor Iberê
Camargo, um dos principais nomes da pintura moderna brasileira do século XX, cuja obra é de grande
importância e reconhecimento nacional e internacional. Sua concretização constitui uma oportunidade
de se erguer um edifício emblemático para a paisagem da cidade de Porto Alegre e de colocá-la na rota
dos museus de arte contemporânea no cenário brasileiro. Numa parceria entre público e privado, o
terreno foi cedido pela Prefeitura à Fundação, e situa-se numa área dotada de infraestrutura, distante,
mas com vistas para o centro da cidade, onde antes funcionava uma antiga pedreira que deixou um
buraco na escarpa, compreendida entre as cotas 5 e 24, que com o tempo foi coberta pela vegetação.
62
Em entrevista concedida a autora no dia 19 de março de 2011, presente nos anexos.
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Delimitado em um dos lados pela Avenida Padre Cacique, que margeia o vasto Rio Guaíba e do outro
lado pela íngreme escarpa, a configuração do lote, estreito e pequeno para o extenso programa foram
algumas das condicionantes centrais para o resultado final do edifício. Semelhante a Serralves, o museu
constitui uma iniciativa privada em construir um marco e importante ponto turístico para a cidade.
Figura 184 – Vistas aéreas da situação do edifício da Fundação Iberê Camargo.
(Fotos: Paulo Backes)
O edifício se desenvolve em dois corpos principais, um deles vertical - que abriga as salas de
exposições temporárias, dispostas ao longo de um átrio que perpassa os quatro pisos de altura do
edifício e ligadas entre si por rampas e passarelas em balanço; e outro corpo horizontal, com dois pisos,
que abriga café, oficinas e escritórios, onde um destes pisos é enterrado no lote, comunicando-se por
este mesmo subsolo com o volume vertical. No subsolo do volume vertical situa-se a reserva técnica do
museu. O estacionamento também se desenvolve em subsolo, abaixo da Avenida Padre Cacique.
O processo de escolha do arquiteto para o projeto do museu se deu por meio de um concurso interno
no qual foram convidados cinco arquitetos, “entre os quais Richard Meier. Não vi os outros projectos.
Disseram-me que, para além dos outros membros do júri, a viúva de Camargo foi muito favorável ao
meu” (SIZA, 2005, apud BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 245). Além disso, a encomenda ao
escritório do arquiteto português Álvaro Siza deveu-se, sobretudo, a “sua capacidade de dar respostas
arquitetônicas expressivas sem perder de vista o rigor técnico e funcional” (KIEFER, 2008, p. 28).
O terreno disponível estava entalado entre, de um lado, um eixo rodoviário muito
freqüentado ao longo de um vasto rio e, do outro, uma elevação com forte declive. A
exploração de uma antiga pedreira tinha descoberto uma cavidade vazia, disponível,
um buraco. Alojar o programa de um museu entre uma pendente abrupta, uma via
rápida e um rio era uma impossibilidade ultrapassável, se não fosse pela questão de
ter que haver um parque de estacionamento [...] que se mostrou imediatamente
problemática. (SIZA, 2005, apud BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 244)
Confirmado o nome de Siza para o projeto, o processo de apreensão do sítio, ao contrário do que
ocorre em muitos de seus projetos, tem início ainda à distância. As primeiras idéias para o edifício
vieram a partir da restituição dada por fotografias e vídeos do declive do terreno e da presença do rio.
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O estacionamento, devido às amplas dimensões relativamente ao potencial do terreno, foi o ponto de
partida para as primeiras soluções. Descartada a possibilidade de alojá-lo abaixo do museu (devido a
razões técnicas), cogitou-se colocá-lo na cota mais alta do edifício, no cume do terreno, tendo em
mente um antigo projeto não executado, a Casa Mário Baía (Gondomar, 1983), mas o alto custo do
terreno nesta região tornou impossível a solução (SIZA, 2005, apud BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009).
Descartada também esta possibilidade, chegou-se a solução final, de alojar o estacionamento enterrado
abaixo da avenida, a partir da obtenção de uma autorização da Prefeitura para tal.
Tinha visto em Salvador da Bahia uma coisa bastante bela: um elevador que faz a
ligação entre a parte alta e a parte baixa da cidade. Tinha em mente também um
dos meus antigos projectos, uma casa que não foi realizada, a Casa Baía, em
Gondomar, perto do Porto. Havia muitas outras referências – da Casa da Cascata
de Frank Lloyd Wright, por exemplo – na qual se entra à “cota alta”. (SIZA, 2005,
apud BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 244)
Figura 185 - Casa Mário Baía.
(Fonte: BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009)
Figura 186 - Casa Mário Baía.
(Fonte: FLECK, 1999, p. 43)
Após a primeira visita ao local, “para aprofundar mais as coisas e conhecer uma quantidade de detalhes
que não vemos a não ser no lugar” (SIZA, 2005, apud BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 254) é
aprofundado o conhecimento das restrições do sítio, enquadrando a liberdade projetual inicial e tais
restrições, como a pouca profundidade de terreno plano e a encosta acidentada, foram absorvidas pelo
projeto enquanto potencialidades para o seu desenvolvimento.
Ao longo da minha pesquisa, uma das orientações do projecto consistiu em criar
uma fachada simétrica à linha que se desenha por trás do edifício: retomar na
frente, a linha do cume. Para além do grande volume, concebi diversos pequenos
corpos de edifício, ligados em cave, que abrigam ateliers para o ensino e um outro
destinado à gravura (SIZA, 2005, apud BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 245).
Figura 187 – Maquete física da inserção do edifício no terreno.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
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Portanto o desenvolvimento do projeto pode ser entendido novamente através da noção de construção
como cultivo das preexistências do sítio. O extenso programa solicitado e a pouca profundidade do
terreno foram distribuídos ao longo de dois volumes principais, um deles predominantemente vertical,
mas que não ultrapassa a altura máxima da encosta, e outro horizontal, composto por três pequenos
blocos interligados entre si que conformam um único volume. A geometria do bloco vertical é gerada a
partir do terreno ao reverberar suas linhas topográficas no desenho das passarelas em balanço.
Figura 188 – Croquis para o edifício da FIC.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
A forma enroscada que emerge do solo como um maciço rochoso esculpido a partir do sítio, embora
explicitamente imbricado à topografia do terreno, é cuidadosamente combinada com as demandas
colocadas pelo programa do museu, contribuindo decisiva e positivamente para a configuração interna
do edifício e a experiência espacial que se tem ao percorrê-lo. A pouca profundidade do terreno é
trabalhada num jogo de ziguezague entre os percursos, aumentando as distâncias a serem percorridas,
prolongando o tempo e o espaço de transição entre um piso e outro, como se esticasse o tempo,
prolongando o momento da experiência ao longo do edifício.
Como configuração espacial resultante, tem-se uma seqüência de espaços de exposição que se
articulam através de um complexo esquema de circulação, composto por dois átrios, um interno e um
externo, formado por rampas que ora percorrem a parede curva e ora se projetam para fora do edifício.
O átrio interno articula as salas de exposição, que se distribuem em “L” ao longo dos três pisos.
Figura 189 – Átrio externo e interno do edifício.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
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Este átrio é circundado por rampas que ligam as salas de exposição com os túneis em balanço, pois
para vencer um piso é preciso percorrer metade desta altura através da rampa que circunda a parede
curva do átrio e outra metade através dos túneis em balanço. Este átrio configurado pela distância entre
as passarelas em balanço e superfície curva do edifício delimita, através da projeção destas passarelas,
um pequeno pátio que constitui uma espécie de recinto de entrada e antecede a entrada ao museu.
Figura 190- Pátio de entrada.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
Esse jogo de percursos, combinado com a abertura das salas para o átrio, permite
a integração visual entre os espaços, potencializando o domínio e a inteligibilidade
de várias salas ao mesmo tempo, o que favorece a construção da narrativa
curatorial proposta pelo usuário que percorre o edifício, estratégia explorada em
outros exemplos de museus da contemporaneidade, como o Guggenheim de Nova
York, de Frank Lloyd Wright, e o High Museum, de Richard Meier (NÓBREGA,
MOREIRA, 2010).
Figura 191 – Integração entre salas de exposição e átrio.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Assim como nestes edifícios, a variedade dos percursos também é explorada, mas a configuração dos
espaços de exposição e circulação é profundamente alterada, a partir de uma clara distinção espacial
entre eles. No caso da FIC, O visitante é convidado a percorrer o edifício do último para o primeiro piso,
acessado através de um elevador. Iniciado o percurso, este é caracterizado por três momentos distintos:
espaços de exposição – salas ortogonais, com pé-direito duplo, praticamente idênticas; espaços de
circulação – rampas que contornam o átrio, abrindo-se para este, e permitindo uma visualização
distante das salas e passarelas, e túneis, completamente isolados do restante dos espaços.
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Ao fazer este percurso descendente pelo museu o visitante transita entre espaços amplos e claros - átrio
e salas de exposição, e espaços de menor escala e iluminação – passarelas (ou túneis), com apenas
algumas janelas para a paisagem e aberturas zenitais, diferenciando os momentos de experimentação da
obra de arte e do edifício, numa espécie de abrir e fechar de olhos, de sístole e diástole entre os
espaços, as obras de arte e a paisagem.
Figura 192 – Átrio e salas de exposição.
Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Figura 193 – Interiores das passarelas em balanço.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
Com os anos, Siza conseguiu desenhar, como poucos o fizeram, janelas lindas que,
quase sempre, se abrem em direcção a contextos cenográficos originais. Posso
afirmar que a naturalidade da obra de Siza se encontra no projecto da janela.
(SOUTO MOURA apud NUFRIO, 2008, p. 57)
A relação hermética que o edifício estabelece com a paisagem local encontra sua razão de ser no
rigoroso controle da iluminação, temperatura e umidade imposto pelas demandas de conservação das
obras de arte. Contudo, ao percorrer o edifício, aberturas pontuais enquadram a paisagem em pontos
específicos do percurso. Esta clara distinção entre espaços de exposição e circulação permite uma
maior liberdade também na disposição das aberturas, que, de modo distinto do que acontece em
Serralves, são localizadas especificamente nos espaços de circulação, nas rampas que contornam a
parede curva e nas passarelas em balanço.
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Figura 194 – Aberturas do museu.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
Novamente, a paisagem distante é trazida para perto, neste caso o horizonte do Rio Guaíba e o skyline
do centro de Porto Alegre. Por se localizarem nestes espaços de circulação, e portanto de menor escala,
estas raras aberturas, marcam pontos de parada nos percursos e suas dimensões reduzidas atraem o
visitante para perto, fazendo com que a paisagem seja também uma obra de arte a ser contemplada.
Figura 195 – Aberturas para o exterior nos espaços de circulação.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
De modo semelhante ao que acontece no edifício da Faculdade de Arquitectura da Universidade do
Porto, o bloco vertical e horizontal, apesar de independentes entre si exteriormente, são interligados a
partir de um piso único que se desenvolve no subsolo. Neste sentido, podem ser observados alguns
recursos do ponto de vista da terraplenagem como partido do projeto.
Figura 196 – Pátios localizados no nível abaixo da rua.
(Fotos: Fernando Guerra)
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A partir da escavação de um piso abaixo do nível original do terreno são situadas as áreas de reserva
técnica, auditório e escritórios – embaixo do volume vertical; cafés, atelier de gravura e salas multiuso,
no volume horizontal; bem como o estacionamento, que segue paralelo em toda extensão do edifício,
abaixo da avenida. O principal aspecto a ser observado sobre este manejo do terreno é o modo como
abre pequenas clareiras ao redor do volume horizontal, na sua face voltada para o interior do lote,
criando pequenos pátios para captura de iluminação e ventilação natural nestes espaços. Os espaços
que não se voltam para estes pequenos pátios, possuem pé-direito duplo, com janelas localizadas em
sua parte mais alta, acima da cota da rua, assim como visto em Serralves.
O manejo do terreno também se observa no percurso de acesso ao edifício. Para aqueles que chegam a
partir do estacionamento, a ligação entre o nível inferior e o nível da rua é feita por uma escada
confinada entre paredes que, ao seu término, direciona o olhar para o edifício e abre a vista para a
paisagem dilatada do Rio Guaíba. Uma suave rampa que se transforma em plataforma conduz o visitante
do estacionamento, separado do edifício da FIC por um edifício residencial, ao pátio de entrada,
plataforma esta que unifica os dois volumes.
Figura 197 – Chegada ao edifício a partir do estacionamento.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
A relação entre sítio e materialidade neste caso acontece a partir de um franco contraste estabelecido
entre o concreto branco e o verde da encosta. O emprego deste material reforça o caráter simbólico,
tanto para a paisagem quanto para a cidade, do edifício, bem como o seu aspecto maciço e pétreo,
devido ao seu sistema monolítico de execução, aproximando-se da paisagem neste sentido.
Figura 198 – Situação do edifício na paisagem e contraste entre sítio e materialidade.
(Fotos: Paulo Backes)
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Por fim, a temática da fragmentação versus frontalidade neste caso pode ser entendida em escalas
distintas. Um de seus edifícios mais icônicos, sua imagem se revela de modo claro, frontal e direto,
sobretudo aquela do volume principal. Contudo, ao observar a inserção do edifício no sítio, pode-se
perceber que a atribuição desta imagem vem, como já dito, das linhas do terreno. Neste sentido, a
fragmentação opera tanto na escala do conjunto, onde este é dividido em dois blocos claramente
distintos, embora ligados entre si; quando na escala dos blocos isoladamente.
As fraturas do bloco vertical advêm da combinação entre configuração do terreno, das dimensões do
programa solicitado e de uma intenção de prolongar a exploração da experiência espacial ao longo do
edifício diante do pouco espaço disponível. Já o volume horizontal, que a partir da rua aparenta ser
único, é também fraturado em três pequenos blocos.
Figura 199 – Blocos horizontal e vertical.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Antes de chegar a Porto Alegre, atravessamos de avião um espaço que parece não
ter fim. Até o tempo parece esticar. Do alto, sentimos já que estamos em presença,
no Brasil, de outras dimensões. Apercebemo-nos também disso pelo contacto com
as pessoas, que são desinibidas. Explico essa ausência de complexos como um
dos efeitos da escala, da geografia. (SIZA, 2005, apud BEAUDOUIN, MACHABERT,
2009, p.248)
Estes valores elencados por Siza, a vastidão da paisagem e a sensação de prolongamento do espaço e
do tempo, percebidos a partir da experiência de Porto Alegre através do avião, foram transpostos para o
edifício. A inserção de grande parte do programa no subsolo do terreno e da avenida, permitiu que os
espaços do museu pudessem ser trabalhados de modo a incorporar estes valores, através da sensação
de amplitude que se tem ao entrar no edifício, devido ao átrio que percorre os seus quatro pisos; da
internalização da paisagem em pontos específicos do percurso; e do “esticamento” do tempo e do
espaço, devido ao complexo jogo com o prolongamento dos percursos ao redor das salas e dos pisos.
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Figura 200 – Projeto do edifício da Fundação Iberê Camargo. 01. Planta baixa estacionamento; 02. Planta baixa piso -1; 03. Planta
baixa piso 0; 04. Planta baixa piso 1 (semelhante aos pisos 2 e 3); 05 e 07. Cortes longitudinais; 06 e 08. Cortes transversais; 09 e
10. Elevações.
(Fonte: 01. FIGUEIRA, 2008; 02 a 10 - CDAS/Casa da Arquitectura)
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6. O PROJETO COMO COLABORAÇÃO COM O SÍTIO
[Do lat. collaborare.] 1. Prestar colaboração; trabalhar na mesma obra; cooperar. 2.
Escrever ou prestar colaboração. 3. Concorrer, contribuir. 4. Prestar colaboração,
cooperar. 5. Auxiliar, ajudar a fazer alguma coisa. (Fonte: Dicionário Aurélio)
v.t. Trabalhar com uma ou muitas pessoas numa obra, e particularmente numa
obra de literatura ou de ciência; cooperar, concorrer: colaborar na redação de um
relatório. Escrever, não habitualmente, para periódicos, sem pertencer ao quadro
efetivo da redação. Sinônimos de colaborar: coadjuvar e cooperar. (Fonte:
www.dicio.com.br)
(latim collaboro, -are, trabalhar com). 1. Trabalhar em comum com outrem. =
COOPERAR, COADJUVAR. 2. [Figurado] Agir com outrem para a obtenção de
determinado resultado. = AJUDAR. 3. Ter participação em obra coletiva, geralmente
literária, cultural ou científica. = PARTICIPAR. (Fonte: www.priberam.pt)
O terceiro tema de análise, o projeto como colaboração com o sítio, trata de projetos que no geral
trabalham em colaboração com a topografia do sítio no qual estão situados. Ao afirmar que um projeto
colabora com o sítio quer-se dizer que este coopera, ajuda, participa, trabalha no mesmo sentido das
pré-existências encontradas no seu entorno.
No exemplo da cabana primitiva enquanto um caso de colaboração do projeto com o sítio
Leatherbarrow (2004) destacou o artefato enquanto um exemplo de colaboração por este representar
uma cooperação entre as práticas sociais (ato de se reunir em volta do fogo) e a forma construída,
numa relação mútua entre a forma do sítio e a forma do edifício, onde a sua configuração estava
diretamente ligada ao sítio e a fins práticos da sociedade.
De modo a complementar essa noção, identificou-se uma correspondência com o conceito de Maciel
(2006) que elenca projetos que lançam mão de geometrias mais ou menos complexas que reforçam o
caráter público e aberto do edifício e garantindo uma continuidade com o espaço urbano adjacente.
Neste sentido, foram selecionados os projetos: Conjunto residencial da Bouça – SAAL (Porto, Portugal,
1975-1978/2000-2006), Agência bancária (Vila do Conde, Portugal, 1978-1986), e Centro Galego de
Arte Contemporânea (Santiago de Compostela, Espanha, 1988-1993). Projetos que, devido ao uso, têm
um forte caráter público e cuja geometria reforça essa integração interior-exterior, bem como a
colaboração entre a implantação e geometria do edifício e o sítio no qual está situado.
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6.1 Conjunto residencial da Bouça II (SAAL) (Porto, Portugal, 1975-1978/2000-2006)
Figura 201 – Croqui para o Conjunto residencial da Bouça II (SAAL).
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
O amplo terreno da Bouça situa-se entre a linha do caminho de ferro e a Rua da
Boavista; um dos principais eixos urbanos do Porto. Depois da Revolução de
1974, alguns dos residentes locais, vivendo em condições deficientes,
organizaram uma comissão de moradores e reivindicaram o terreno e o projecto,
inscrevendo-o no plano de habitação de emergência SAAL (Serviço Ambulatório
de Apoio Local). Implantado num lote triangular... (TRIGUEIROS, 1997, p. 177)
O projeto surge a partir da organização de próprios residentes do local, que reivindicaram o terreno,
inscrevendo-o no plano de habitação de emergência SAAL (Serviço Ambulatório de Apoio local), um
movimento que buscou recuperar zonas degradadas que se encontravam no centro da cidade, por meio
da reconstrução de moradias, de modo a eliminar as chamadas “ilhas”, onde os projetos eram
discutidos com as associações de moradores locais, programa que surge com o contexto de
redemocratização que se vivia após a revolução de 25 de abril de 1974 (TRIGUEIROS, 1997),
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O conjunto residencial da Bouça localiza-se numa área central da cidade do Porto marcada pela
confluência de ocupações de características distintas. Situado numa área de transição entre a parte
consolidada da cidade, parte do centro expandido, próximo à Rotunda da Boavista, e uma are amais
fragmentada devido a presença da ferrovia, antiga linha de trem e atual linha do metrô, em uma cota
bem mais alta na sua face norte. No lote triangular construíram-se 128 apartamentos com três quartos e
em solução duplex, distribuídos ao longo de quatro fileiras de blocos. (TESTA, 1996)
Figura 202 – Situação do Bairro da Bouça.
(Fonte: Google Maps)
Figura 203 – Situação e entorno.
(Fonte: TRIGUEIROS, 1997, p. 177)
Figura 204 – Maquete física do conjunto.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
Naquela circunstância existiu uma grande afinidade, uma identidade de
preocupações, entre os vários arquitetos, graças também à vivacidade do debate.
Apesar da juventude e inexperiência dos protagonistas, era visível uma coincidência
de vontades, que podiam contar com a participação dos cidadãos. (SIZA, 1998, p. 87)
As dificuldades de realização de um projeto desta natureza fizeram com que o conjunto passasse muito
tempo com apenas dois blocos habitacionais, construídos entre 1975 e 1978. Apenas nos anos 2000 a
obra é surpreendentemente retomada, respeitando integralmente o projeto original, mas necessidades
impostas pelo passar do tempo e pelas mudanças do modo de morar exigiram também alguns
acréscimos no projeto, como a demarcação entre as áreas públicas e privadas (ainda que só no piso,
assim como marcação entre áreas verdes e caminhos) e a introdução de um estacionamento.
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Neste caso, o processo de apreensão do sítio não se faz apenas individualmente, pelo olhar e
experiência do arquiteto, mas sim por uma equipe de técnicos e especialistas envolvida neste processo
de diminuição do déficit habitacional, neste caso da cidade do Porto, assim como por um suposto
diálogo entre esta equipe e a população. (TRIGUEIROS, 1997)
Uma passagem murada junto ao caminho de ferro, como um tímpano protector,
confinaria o conjunto a uma série de pátios interligados; aqui num contraste
evidente com o espaço aberto e ilimitado das Siedlung alemã, na qual os edifícios
encontram uma afinidade formal, e até ideológica. (TRIGUEIROS, 1997, p. 177)
Figura 205 – Croquis para o conjunto habitacional da Bouça.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
Nos croquis para o projeto observam-se as contradições do momento vivido, um desejo e oportunidade
de concretização, tardia em relação à alguns países da Europa, de concretização do ideário racionalista
da arquitetura moderna do entre-guerras, assim como uma forte componente social, nas diversas
figuras humanas que aparecem ao longo dos desenhos, na qual estava envolvido o projeto.
Assim sendo, o recorte da liberdade projetual é dado neste caso pela forte componente social do
projeto, tanto no que diz respeito às solicitações dos moradores quanto às limitações de recursos
impostas pelo programa, que levam à repetição de um tipo único ao longo do conjunto. As
condicionantes impostas por este tipo de encomenda trazem à tona o imaginário de alguns exemplos
paradigmáticos da arquitetura moderna de reconstrução das cidades européias, como já referido no
capítulo 1. Contudo, a implantação do conjunto no sítio mostra que esse imaginário experimental foi
cuidadosamente mediado com as questões locais, sejam elas físicas, econômicas ou sociais.
Portanto, a noção de construção como cultivo neste caso não acontece apenas no âmbito das
preexistências físicas do sítio, mas do caráter simbólico que este projeto representou para aquela
sociedade naquele determinado momento, diante do contexto de 25 de abril. Contudo, a componente
física é claramente visível no modo como são geradas respostas específicas para cada ambiência que
circunda o sítio no qual o conjunto se insere.
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A rígida geometria da implantação do conjunto se dissolve na malha urbana local devido às distintas
possibilidades de acesso ao mesmo. A definição da orientação dos blocos, além das questões de
orientação e otimização do uso do solo, dão continuidade à malha urbana do entorno, sobretudo à
Travessa das Águas Férreas, uma pequena viela de circulação predominantemente de pedestres, que é
continuada pela delimitação do conjunto à oeste, e à Travessa e pela Travessa Figueiroa, cujo
prolongamento é continuado por um dos pátios localizados entre os blocos situados a leste do terreno.
Figura 206 - Relação entre blocos, pátios e malha urbana existente (ao fundo).
(Fotos: Fernando Diniz Moreira)
Esta permeabilidade e variedade de acessos ao conjunto está relacionada com as distintas formas de se
acessar os apartamentos. A autonomia e a individualidade dos sistemas de acesso direto a cada
apartamento são uma resposta precisa a sua localização no conjunto. Os duplex localizados no térreo se
comunicam com o exterior de modo direto, tanto pelo seu piso térreo, através de uma porta voltada
diretamente para o exterior, quanto através de escadas que dão acesso ao segundo piso a cada célula.
Figura 207 – Formas distintas de acesso aos apartamentos.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
Já os duplex situados no terceiro e quarto piso dos blocos têm seu acesso feito a partir do terceiro piso
do bloco (piso inferior do duplex), sendo conectados entre si por uma galeria aberta que se desfaz em
escadas nas extremidades dos blocos, tanto na face voltada para a Rua da Boavista quanto no muro que
protege o conjunto da linha de metrô. A longa dimensão dos blocos faz com que estes tenham alguns
pontos de abertura em situações intermediárias, criando conexões, permeabilidade e integração visual
também entre as quatro alas do conjunto.
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Figura 208 – Conexão entre os blocos.
(Fotos: Fernando Diniz Moreira)
Figura 209 – Conexões entre os blocos. (Fonte: Fernando
Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Apesar do caráter predominantemente plano do terreno, pode-se ressaltar alguns aspectos no sentido
da terraplenagem como partido do projeto. A suave pendente do terreno no seu sentido leste-oeste tem
efeito na configuração e no acesso dos apartamentos do bloco localizado no extremo leste, cota mais
alta do terreno. Na sua face voltada para leste, estas unidades apresentam apenas três pisos, sendo um
deles enterrado nesta diferença de cotas e com acesso apenas pelo outro lado do bloco. Estes
apartamentos ganham um pequeno jardim, protegido por um muro baixo, uma espécie de quintal para
os apartamentos duplex interiores. Este é o único bloco habitacional que sofre uma torção e parte dele
volta-se para a Rua da Boavista, configurando um “L” na parte interior do terreno e garantindo uma
atmosfera mais residencial e isolada do caráter conturbado da avenida.
Figura 210 – Bloco habitacional situado no lado leste do conjunto.
(Fotos: Fernando Diniz Moreira)
Os blocos são ancorados em um longo muro de concreto, um “tímpano protetor” (TRIGUEIROS, 1997),
apenas construído na segunda etapa de construção, que percorre o conjunto em toda a sua extensão na
face norte, voltada para a antiga linha de trem, atual linha do metrô. Ao longo deste, dois níveis de
passarelas fazem a distribuição dos diversos percursos possíveis entre o conjunto e a cidade ao redor. A
passarela inferior ressalta a pendente existente no terreno no sentido leste-oeste, onde o seu início está
na mesma cota do terreno e o seu fim é vencido por três lanços de escadas.
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O estacionamento, demanda colocada com a retomada da construção do conjunto em 2000, é resolvido
a partir da criação de uma plataforma localizada no nível térreo do conjunto, entre os seus blocos
centrais, ancorada no muro de concreto. O acesso de veículos ao estacionamento é resolvido através de
uma rampa localizada na extremidade do bloco situado no extremo oeste, voltada para a Rua da
Boavista, fazendo com que na sua face voltada para o interior do conjunto, esta plataforma possua
apenas uma escadaria que liga ao seu nível superior, uma espécie de praça elevada.
Figura 211 – Muro de concreto que ancora o conjunto.
(Foto: Lívia Nóbrega)
Figura 212 – Plataforma que abriga o estacionamento.
(Foto: Lívia Nóbrega
A relação entre sítio e materialidade neste conjunto se dá tanto no sentido de pequenas variações
materiais ao longo do projeto, quanto no uso da cor em alguns pontos específicos. Apesar da
simplicidade de acabamentos imposta pelas limitações econômicas, e da predominância do reboco
branco e mecânico e que “tenta superar o isolamento deficiente, obtido pelo pano único de alvenaria”
(TRIGUEIROS 1997, p. 178), algumas sutilezas materiais são lançadas ao redor do conjunto.
Aí encontrei razões fortes. Essa manifestação das cores tem uma história, mas
também uma dimensão existencialmente subjectiva, que, hoje em dia, nos falta.
Não foi por acaso que houve aquela explosão da cor durante a Revolução Russa,
nos comboios, durante representações teatrais populares, etc. Foi um momento de
explosão, a cor também é uma explosão. (SIZA apud BEAUDOUIN, MACHABERT,
2009, p. 147)
Uma faixa de vermelho no coroamento de uma das faces dos blocos “recorta-se na brancura que
envolve o conjunto; um esquema de cor em que Siza presta implicitamente homenagem ao arquitecto
alemão Bruno Taut” (TRIGUEIROS, 1997, p. 179). A questão da cor e de uma variação material, a partir
do uso de azulejos coloridos, também se verifica no pequeno trecho de bloco que se volta para a Rua da
Boavista, com unidades comerciais/de serviço no térreo, e unidades habitacionais nos pisos superiores.
A variedade e o contraste estabelecido com o conjunto, a partir destas cores e materiais, reforçam uma
intenção de integrá-lo a malha urbana consolidada. O grande muro em concreto, também contrasta com
o branco e hoje em dia é coberto por grafites em uma de suas faces, dialogando com a atmosfera
urbana e a natureza inóspita do espaço da linha férrea, do qual tenta criar um afastamento do conjunto.
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SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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Figura 213 – Uso da cor nos blocos habitacionais.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Figura 214 – Muro de concreto que separa o conjunto da linha férrea.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
A estratégia da fragmentação versus frontalidade é utilizada tanto na distribuição do programa ao
longo de quatro blocos, quanto na separação entre estes e os equipamentos sociais. Observa-se que há
uma distinção entre os blocos habitacionais e os volumes dos equipamentos públicos, biblioteca,
lavanderia e lojas. Estes foram situados nas extremidades voltadas para a Rua da Boavista, nas esquinas
dos edifícios, pontos de maior contato e aproximação do meio urbano, podendo ser úteis tanto para os
moradores da Bouça, quanto para moradores do entorno, funcionando como pequenos dispositivos de
integração entre a malha urbana preexistente e esta malha que estava sendo criada.
Figura 215 – Blocos que configuram as esquinas do conjunto.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
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SENSIBILIDADES
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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Também na face voltada para a Rua da Boavista, o encontro do bloco habitacional com a avenida é
resolvido de forma distinta do restante do conjunto. Além da variação de cor e material, foram criados
pequenos pórticos que abrigam espaços comerciais e de serviços, que gera uma maior variedade
espacial e visual e contribui para diluir sua presença na malha. Outro fragmento localizado também na
extremidade do conjunto voltada para a Rua da Boavista é uma caixa de escadas contida no volume
cinza e de azulejos coloridos que faz a distribuição dos acessos aos blocos que confluem neste ponto
constitui um tempo de transição, um filtro, dispositivo que isola o conjunto da conturbada esfera urbana
circundante e contribui para criar uma ambiência residencial.
Figura 216 – Bloco voltado para a Rua da Boavista.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura e Fernando Diniz Moreira)
Portanto, as limitações econômicas impostas pelo programa de habitação social foram mediadas com
uma implantação cuidadosa na malha urbana. O conjunto colabora com a cidade preexistente ao realizar
uma transição entre a cidade consolidada e o tecido fragmentado, através de uma diluição do conjunto
nesta malha, estabelecendo uma ocupação de densidade intermediária entre estas duas instâncias, onde
a “brancura” e a “repetitividade” do conjunto não são percebidos a princípio por quem percorre a área.
Figura 217 – Vista panorâmica sobre o conjunto.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
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SENSIBILIDADES
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TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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Figura 218 – Projeto do Conjunto residencial da Bouça II (SAAL). 01. Planta baixa piso 0; 02. Planta baixa piso 1; 03. Elevação
sudoeste; 04. Corte transversal; 05. Elevação norte; 06. Corte transversal; 07. Elevação noroeste; 08. Elevação sudeste.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
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SENSIBILIDADES
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TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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Figura 219 – 01. Planta baixa piso 2; 02. Planta baixa piso 3; 03. Elevação SO; 04. Elevação NO; 05. Elevação NO; 06. Elevação SO;
07. Elevação SO; 08. Elevação NO; 09. Fases de construção do conjunto (primeira fase em branco, segunda fase em preto).
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
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SENSIBILIDADES
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TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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6.2 Agência bancária (Vila do Conde, Portugal, 1978-1986)
Figura 220 – Croqui para agência bancária em Vila do Conde (1978-1986).
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
O banco está situado no centro histórico da cidade, em um tecido urbano dominado
por edifícios monumentais de granito e estuque, como a Igreja Matriz e o Convento
de Santa Clara. Construído sobre as fundações de um edifício antigo... (TESTA,
1998, p. 84)
O edifício, que por muitos anos abrigou a sede do banco português Borges e Irmão, fica situado num
terreno de transição entre duas praças de ambiências distintas. Uma delas, situada na parte dos fundos
do edifício, a Praça José Régio, mais próxima do rio Ave, consiste em um pátio árido cujo desenho e
edifícios que o rodeiam são mais recentes. Em frente ao edifício, encontra-se a Igreja Matriz e a Praça de
São João, marcada pela densa arborização, pelo desenho e presença de edificações mais antigas com
estabelecimentos comerciais, como cafés e restaurantes, utilizados por moradores e visitantes do local.
Figura 221 – Vistas aéreas da situação da Agência bancária em Vila do Conde.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
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SENSIBILIDADES
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TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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Entre estes dois vazios urbanos, encontra-se o terreno destinado ao banco, de formato retangular e
marcado por uma ligeira inclinação. Sua cota mais alta situa-se no limite frontal do terreno, delimitado
pela rua que margeia a Praça de São João, rua com tráfego de veículos e principal ponto de acesso ao
edifício. Em uma de suas laterais, o terreno é delimitado por uma edificação histórica de dois pisos e na
outra lateral por uma rua de pedestres que faz a ligação entre as duas praças. O programa do edifício é
distribuído ao longo dos seus três pisos, todos eles de planta livre e com acessos distintos, com
exceção de pequenos espaços fechados para sanitários, depósitos e cofre.
Portanto, no que diz respeito à apreensão do sítio e a liberdade projetual a situação de transição na
qual se encontra o terreno é fundamental para o enquadramento do processo criativo. Transição tanto
no padrão de ocupação, onde de um lado tem-se um caráter mais denso e histórico e do outro um
caráter mais rarefeito e recente, quanto na situação de transição entre estes dois espaços públicos.
Figura 222 – Vista da Praça São João (esquerda) e da Praça José Régio (direita).
(Fotos: Lívia Nóbrega)
Conhecidas algumas das preexistências do sítio, pode-se entender a construção como cultivo destas na
concepção do projeto. O principal gesto de colaboração e também de afirmação da autonomia entre
edifício e entorno acontece na grande superfície curva que configura o encontro das duas fachadas que
se voltam para à rua, com uma geometria que reforça a idéia de movimento, induz a permeabilidade
entre as duas praças e marca a entrada principal do edifício, reforçando seu caráter público.
Figura 223 – Croquis da agência bancária em Vila do Conde.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
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SENSIBILIDADES
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TOPOGRÁFICAS
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O mesmo plano curvo que integra as duas fachadas voltadas para a rua é rebatido também nas fachadas
que se voltam para o interior do terreno. Contudo, esta geometria, autônoma e contrastante com o
entorno, contribui para que o edifício se dilua no conjunto sem constituir uma ofensa ao mesmo. Sua
forma, a princípio estranha e arbitrária, nasce da confluência desses vetores do sítio, de uma possível
intenção de ressaltar a idéia de movimento e de conectividade, diante do modesto meio urbano da
cidade de Vila do Conde no qual o projeto se encontra.
Figura 224 – Agência bancária em Vila do Conde (1978-1986)
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Neste sentido, a terraplenagem como partido também se mostra uma estratégia fundamental para
favorecer esta continuidade e integração entre os espaços públicos e privados, assim como para a
distribuição do programa ao longo da reduzida área de terreno disponível, como pode ser visto através
da complexidade da planta e dos cortes do edifício. Tomando como ponto de partida a face do terreno
voltada para a Praça São João, tem-se um ligeiro declive em direção à parte mais interior do terreno. Tal
diferença de cotas, apesar de não muito grande, é cuidadosamente explorada pelo edifício.
A parte da frente do terreno é escavada até atingir a mesma cota da sua parte dos fundos. O espaço
resultante desta área escavada, completamente enterrado e situado logo abaixo da entrada principal do
edifício, foi destinado aos banheiros, copa e alguns depósitos, seguido de uma área de atendimento ao
público. Esta área de atendimento, cujo funcionamento é independente do salão principal (situado no
piso acima), tem acesso direto através de dois lanços de escadas, um em cada sentido do percurso de
acesso ao museu, e de uma rampa que liga a rua principal a este espaço situado no nível inferior.
Figura 225 – Acessos distintos e manejo do terreno.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
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Este trabalho com os diferentes níveis também pode ser observado na forma como foi tratada a rua de
pedestres que segue lateralmente ao edifício, reforçando o seu partido de colaboração com o sítio. É
mantida uma continuidade entre estes dois espaços, tanto material, quanto espacial. Em sua largura, a
rua é dividida em três trechos: uma rampa suave que faz a ligação entre a rua principal e a praça
recente, localizada aos fundos do banco no interior de uma quadra; uma rampa mais íngreme, que dá
acesso ao nível inferior do banco e as escadarias, que também ligam a esse nível inferior.
Figura 226 – Acessos distintos e manejo do terreno.
(Foto: Lívia Nóbrega)
Ainda sobre este sutil manejo do terreno, aos fundos do edifício, na cota inferior do terreno (a qual
serviu de base para o trecho que foi escavado na parte frontal do terreno) tem-se um pequeno terraço
coberto que liga diretamente a um pátio com jardim, ligeiramente enterrado em relação ao nível da rua e
pontuado por uma chaise desenhada pelo arquiteto e esculpida em dois blocos maciços em mármore.
Figura 227 – Croquis da fachada posterior e pátio.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
Figura 228 – Pátio situado na parte posterior do edifício.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura – esquerda; Lívia Nóbrega – centro e direita)
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O domínio dos níveis também se observa nas distintas formas de acesso e conexão entre estes e com o
exterior. Além dos dois níveis de acesso ao público, um na cota da rua e outro um nível abaixo com
acesso pela lateral, rampas e escadas fazem a conexão dos níveis superiores com o exterior. Os níveis
internos são ligados entre si por escadas em mármore, cuja presença é essencial para a caracterização
dos espaços internos do banco, bem como por um elevador numa caixa de vidro voltada para o pátio.
Figura 229 – Elevador e escadas internas que fazem a ligação aos níveis internos.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Uma extensa rampa, de desenho também curvo, é um rebatimento da curva externa do edifício nas
faces voltadas para o interior do lote, percorre toda estas duas fachadas que fazem fronteira com o lote
vizinho e conectando o terceiro piso diretamente com a rua. Aos fundos, escadas também ligam o
terceiro piso diretamente com o nível da rua e o pátio aos fundos do edifício.
Figura 230 – Fachadas voltadas para o interior do lote.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Do ponto de vista da relação entre sítio e materialidade podem-se observar posturas distintas. Ao
passo que o edifício assume um franco contraste com a paisagem, alguns pontos específicos revelam
um esforço de aproximação. O desenho do piso em pedra, entre o passeio público e a rua lateral,
contribui para reforçar a essa continuidade entre os percursos e a integração entre as duas praças.O
mármore é aplicado exteriormente na base do edifício, protegendo-o do desgaste e conferindo um
caráter nobre às suas entradas, pontos de maior contato entre o edifício, o terreno e os usuários. A
cuidadosa junção entre os veios das placas remete às experimentações tectônicas de Adolf Loos e Mies
van der Rohe, trabalho que também pode ser visto no piso e nos balcões no interior do edifício.
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O extenso plano em vidro curvo, de extremo contraste com tudo o que se observa ao redor, dissolve as
fronteiras entre interior e exterior, assim como o sutil prolongamento do piso em mármore que segue o
grid interno estabelecido e conforma uma espécie de tapete de entrada para o edifício. O mármore
também segue os mesmos alinhamentos dos panos de vidro, dando continuidade à marcação das
entradas, tanto no nível superior quanto no nível inferior, do edifício.
Figura 231 – Os diferentes materiais e formas de aplicação.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
De perto, o branco das superfícies cegas e extensas, sobretudo aquelas voltadas para as faces externas
do terreno, poderia sugerir uma integração com as edificações vizinhas, em sua maioria em reboco
branco e acabamentos em pedra. Mas quando apreciado de longe, no todo da paisagem, o edifício se
destaca devido ao caráter granítico e pétreo da paisagem local, bastante característica nas cidades do
norte de Portugal. Com efeito, o pensamento de Siza sobre a pátina nos edifícios, como um registro de
como estes se desvanecem com o tempo (mencionado na concepção do edifício da FAUP), também
poderá vir a ser válido ao longo do envelhecimento deste edifício e da sua relação com a paisagem.
Figura 232 – Vistas do edifício na paisagem.
(Fonte: Lívia Nóbrega – esquerda; LLANO, CASTANHEIRA, 1996 - direita)
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Por fim, no que concerne à fragmentação versus frontalidade, podem ser observadas características de
ambas as naturezas. Sua dimensão coesa e a continuidade entre as fachadas voltadas para o exterior, na
extensa superfície de desenho curvo e volume compacto, fazem com que o edifício se revele de modo
mais direto, com uma imagem mais forte e mais frontal, permitindo uma leitura do todo nas suas faces
que se voltam para o exterior. Contudo, em seus espaços internos e nas suas fachadas voltadas para o
interior do lote podem ser observados espaços intersticiais, recortes, erosões e traçados oblíquos que
fragmentam o volume aparentemente compacto e monolítico percebido inicialmente a partir do exterior.
Figura 233 – Croqui e imagens dos interiores do edifício.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
Portanto, o projeto pode ser entendido enquanto uma colaboração com o sítio por trabalhar na mesma
direção das suas preexistências. A percepção que se tem de um forte contraste inicial entre edifício e
sítio é equilibrada com a sua geometria complexa, o cuidadoso manejo do terreno, a atenção ao
emprego dos materiais, o modo como gera respostas específicas para cada momento do entorno,
demonstrando essa cooperação entre construção e situação, sem contudo diminuir sua autonomia
enquanto artefato arquitetônico.
Figura 234 – Fachadas do interior do lote.
(Fonte: FRAMPTON, 2000)
Figura 235 – Face posterior do edifício.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
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Figura 236 – Projeto da agência bancária em Vila do Conde. 01. Situação; 02. Planta baixa piso -1; 03. Planta baixa piso 0; 04.
Planta baixa piso 1; 05. Planta de coberta.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
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Figura 237 – Projeto da agência bancária em Vila do Conde. 01. Corte longitudinal; 02. Corte transversal; 03. Corte longitudinal; 04.
Corte transversal; 05. Elevação lateral; 06. Elevação fundos.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
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6.3 Centro Galego de Arte Contemporânea (Santiago de Compostela, Espanha, 1988-1993)
Figura 238 – Croqui para o Centro Galego de Arte Contemporânea (1988-1993).
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
Quando se constrói a poucos metros de um edifício classificado como monumento
nacional, como é o caso do convento de Santo Domingo de Bonaval, existe o receio
de estragar tudo: por esta razão, foi-me pedido que “escondesse” o museu.
Argumentei que um centro cultural é um edifício tão forte na vida da cidade que não
pode ser um anexo de convento, ele próprio transformado agora em galeria de
exposições. (SIZA, 1992, p. 71)
O museu foi encomendado pela Junta da Galícia a Álvaro Siza e o local destinado à sua construção foi
um terreno triangular que pertence ao Convento de Santo Domingo de Bonaval, edificação do século XIII
que reúne características góticas, barrocas e neoclássicas, situado após os limites dos muros que
cercavam o centro medieval de Santiago de Compostela. O terreno situa-se numa área de transição
entre cidade antiga e edificações atuais, num ponto de virada entre a paisagem antiga, recente e natural.
O museu, um volume triangular, desenvolve-se basicamente em três pisos. No piso enterrado,
encontram-se galerias para exposição, espaços para oficinas e casas de máquinas. Um piso acima, que
na verdade funciona como o piso térreo, ligado diretamente à rua através de uma rampa, se situam o
vestíbulo, uma sala de conferências, café e salas de exposições. Acima, estão mais salas de exposição,
biblioteca, serviços administrativos e salas de reunião. Sua cobertura é um terraço a céu aberto que
também permite o recebimento de exposições e eventos.
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Figura 239 – Situação do Centro Galego de Arte Contemporânea.
(Fonte: Google Maps)
Algumas características do sítio foram centrais para o desenvolvimento do projeto, como a situação
numa cidade histórica, a proximidade destas edificações com o terreno destinado ao museu (sobretudo
o convento), a existência de um amplo jardim com ruínas seculares dentro da propriedade e a tarefa de
combinar estes fatores com a construção de um museu com 7 mil metros quadrados.
Quando comecei o projecto, a primeira idéia do empreiteiro foi afastar o museu, e
construí-lo no interior do jardim, para evitar a proximidade com o convento. A
cidade de Santiago toma especialmente cuidado dos seus monumentos, porque
toda a cidade é um monumento. Contudo, ao estudar o terreno fiquei convencido
de que devia reaproximar o museu da rua, para o separar claramente do jardim.
(SIZA, 1994, apud BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 139)
Nesse processo de apreensão do sítio e de enquadramento da liberdade projetual os jardins do
convento tiveram um papel fundamental na estruturação do projeto. As idéias iniciais previam a
construção do museu afastado da rua e do convento, para proteger a edificação histórica de uma
arquitetura que agredisse a sua presença. Contudo, a tomada de consciência do sítio, dos jardins, de
ruínas descobertas em escavações, de edificações preexistentes e da configuração topográfica do
terreno foram fundamentais para embasar a aproximação do museu do convento e da rua.
O projecto do museu encontra no desenho dos espaços verdes o seu epílogo.
Graças a uma planta do século XVIII ficou clara desde logo a lógica de articulação e
da própria organização do convento. Com muito trabalho e canseiras, foram
descobertos o sistema de irrigação e a nascente, situada em local mais elevado, no
bosque. Os antigos canais de granito foram trazidos à luz, juntamente com as
fontes semidestruídas e as fundações de muros. (SIZA, 1998, p. 75)
Figura 240 – Convento, ruínas, edificações e jardins, algumas preexistências do sítio.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
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Figura 241 – Ruínas e preexistências do
jardim do convento.
(Fonte: FRAMPTON, 2000)
Figura 242 – Croqui para o CGAC.
(Fonte: SIZA, 1998)
Figura 243 – Situação do CGAC em
relação ao convento e jardim.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
Da captura destas existências latentes no terreno, a construção é concebida como um cultivo das
características naturais e construídas deste sítio, em colaboração com a realidade topográfica na qual se
situa. O volume triangular que configura o museu externamente é resultado do prolongamento de linhas
estruturantes obtidos a partir dos muros e percursos do jardim, da quebra da fachada do convento e seu
pequeno pátio frontal, assim como dos próprios limites do terreno a leste e sul. A partir destes eixos,
são definidos dois corpos principais, dois volumes prismáticos alongados que se interpenetram, cuja
terceira face deste triangulo é encerrada pelo volume do auditório, definindo no encontro entre as duas
alas longitudinais o momento de entrada do edifício, assim como demarcando também, no vazio
existente entre o final do edifício e o convento, o acesso aos jardins.
Figura 244 – Maquetes físicas do CGAC.
(Fonte: CDAS/Casa da Arquitectura)
Na extremidade, deixei entrever a existência dos dois volumes rectangulares,
aparentemente autônomos, que articulei com o pórtico da fachada da igreja, para
organizar uma espécie de pórtico de acesso ao jardim. Foi um espaço que teve
necessidade de um controlo perfeito da geometria. (SIZA, 1994, apud BEAUDOUIN,
MACHABERT, 2009, p. 138)
No encontro entre estas duas barras, ponto mais próximo do convento e acesso ao museu, é clara a
proximidade entre as proporções dos volumes da nova construção e da fachadas do convento. Contudo,
seu caráter cego e liso estabelece um claro distanciamento entre as duas construções, sem nenhuma
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TOPOGRÁFICAS
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intenção de mimetizar-se com a fachada do convento. As linhas do entorno, convento e edificação em
frente, são tomadas como base para a definição da altura, largura e profundidade do museu e uma
espécie de rua interna é criada com proporções semelhantes a da rua preexistente. O espaço entre a
nova edificação e o convento afunilam o recinto e marcam o acesso aos jardins, criando uma entrada
tangencial para o pátio, comum nos pátios nos interiores das quadras espanholas, e abrindo uma rua
interna, fragmentando o tecido do conjunto e reverberando a configuração da cidade tradicional.
Figura 245 – Acesso ao museu e aos jardins.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
Para além disso, eu aspirava, por opção pessoal, a uma organização em salas
geometricamente regulares, quadradas ou rectangulares. Foi por isso que
estabeleci duas sequencias de espaços rectangulares, dois braços separados por
um espaço triangular que se transformou num pátio interior com pé direito duplo.
(SIZA, 1994, apud BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 138)
Figura 246 – Átrio.
(Fonte: Fernando Guerra)
Figura 247 – Átrio triangular de distribuição.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
Internamente, a interpenetração destas duas barras define um átrio triangular com pé-direito duplo que
faz a distribuição para os dois níveis de galerias e para o auditório. Assim como os percursos do jardim,
em ziguezague, descontínuos e fraturados, são também articulados os espaços internos do museu.
A partir deste átrio se tem acesso às salas de exposição, pretendidas neutras devido ao caráter da
encomenda, um museu de arte contemporânea, mas que nem por isso são iguais ao longo do museu.
Todas elas deixam transparecer em seus interiores os reflexos da sua localização no terreno, a partir do
sistema de iluminação utilizado (artificial, natural ou misto), da presença ou ausência de aberturas para
o exterior, assim como de alguns elementos arquitetônicos (pontes, pilares e mezaninos), que por vezes
também são objeto das intervenções artísticas, conforme o escopo da arte contemporânea.
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Figura 248 – Salas de exposição.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
Do ponto de vista da terraplenagem como partido, podem ser observadas intervenções tanto no
sentido do ordenamento do programa do próprio museu quanto na reorganização dos jardins do
convento. O jardim “articula-se por meio de subidas rápidas, com escadas, e de algumas rampas, que
tem um desenvolvimento em ziguezague” (SIZA, 1998, p. 75), sendo este caráter mantido pelas
intervenções pontuais que fazem parte da sua requalificação.
O outro meio para disciplinar tudo isso foi a pesquisa sobre o arranjo do jardim
onde, graças à descoberta dos terraços, se pôde levar em conta a topografia. O
plano do jardim parece irregular, formado apenas por ângulos, mas o estudo da
topografia explica completamente porque cada um desses ângulos existe, e mostra
que os terraços são um meio de regular os ângulos do próprio edifício. (SIZA apud
BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 141)
Figura 249 – Algumas das intervenções ao longo do jardim.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
Nos jardins, a topografia foi evidenciada por meio de delicados muros e caminhos em pedra, além do
restauro de outras estruturas existentes, que reforçam as linhas “arqueologicamente” encontradas do
terreno, de um caminho d’água e de seus percursos. Essas linhas são como espécies de vetores para a
estruturação do museu. No encontro do edifício com o jardim, na sua face interna, um pequeno saque,
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TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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que internamente abriga salas de exposições enterradas no terreno, faz a transição entre o museu e o
jardim, se dissolvendo e sendo absorvido pela topografia como um longo muro de contenção.
Figura 250 – Face oeste do museu e encontro com o jardim.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
O desnível do terreno, marcado por uma leve pendente nos sentidos norte e leste, é aproveitado pelo
museu pelo encaixe de uma lâmina nesta diferença de cotas, onde são situadas salas de exposição e
sanitários, programas com aberturas mínimas para o exterior. A diferença de cotas entre a rua e o nível
do acesso ao museu é vencida por uma longa rampa que se desenvolve de modo paralelo à face leste do
edifício que dá acesso à um pequeno pátio coberto que antecede à entrada ao museu.
Figura 251 – Rampa, escada e plataforma que antecedem a entrada do edifício.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
O acesso a este pátio coberto de entrada também pode ser feito por uma escada, perpendicular à rua,
cujo enclausurado entre os muros de pedra também lembra as escadarias do centro tradicional da
cidade de Santiago. A parte posterior desta plataforma de entrada, que se volta para o convento, já
atinge a mesma cota do interior do terreno. Ao observar a empena lateral que delimita esta plataforma
pode-se observar a pendente original do terreno e o rasgo longitudinal que solta a empena do piso da
plataforma, ressalta a o contraste entre a parte aterrada e a topografia preexistente.
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TOPOGRÁFICAS
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Figura 252 – Empena lateral e pátio entre museu e convento.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
A relação entre sítio e materialidade é marcada por tensões e contrastes, aproximações e
distanciamentos. Neste edifício, ao contrário do que se pretendia para o edifício da FAUP, executou-se
todos os seus revestimentos externos em pedra, num granito característico da cidade galega, que,
devido ao seu tratamento e emprego, aplicado em extensas superfícies cegas e de geometria rígida, cria
uma relação harmônica com o entorno a partir da neutralidade das suas grandes superfícies cegas.
Isto ajudou a uniformizar a textura do edifício, que pretendia se misturar aos seus
arredores. [...] O edifício era visto não como um objeto colocado no sítio, mas
como algo que “crescia” a partir deste sítio. A ligação de um edifício com o seu
lugar normalmente envolvia superar a distinção tradicional entre o plano da terra e
o plano do edifício, resultando na ausência de um dado único e na aparente
emergência do edifício a partir do lugar – “não sobre, mas com” a topografia.
(LEATHERBARROW, MOSTAFAVI, 1993, p. 107)63
A citação de Leatherbarrow e Mostafavi que se refere ao envelhecimento do edifício da John Deere &
Co., de Eero Saarinen (1963), poderia se tratar do CGAC. Os efeitos da pátina sobre a pedra registram a
passagem do tempo e o amadurecimento do edifício. O contraste inicial, estabelecido entre o caráter
rugoso, de trabalho elaborado e escuro das fachadas do convento e as superfícies cegas, claras e
polidas em granito do museu, transforme-se lentamente em uma suave transição entre antigo e novo, à
medida que o edifício envelhece, sem diminuir a sua autonomia e espírito de época.
Figura 253 – CGAC em 1993.
(Fonte: TRIGUEIROS, 1995)
63
Figura 254 – CGAC em 2011.
(Foto: Lívia Nóbrega)
Tradução livre da autora. Citação original: This helped the uniformiy of the texture of the building, which was intended to blend into its surroundings.
[…] The building was seen not as an object placed on a site but as one that “grew from” its site. The bonding of a building to its place often involved
overcoming the traditional distinction between the level of the land and that of the building, resulting in the absence of a single datum and the
apparent emergence of the building from its place – “not upon but with” the topography. (LEATHERBARROW, MOSTAFAVI, 1993, p. 107)
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Apesar do uso da pedra sugerir uma maior aproximação entre o edifício e as construções tradicionais, o
seu emprego sobre uma estrutura de concreto, e conseqüentemente os grandes vãos conseguidos,
deixam evidentes a época em que o edifício foi concebido. Ironicamente, para eliminar quaisquer
dúvidas e estabelecer o distanciamento temporal necessário entre os dois edifícios, é aberto um rasgo
estreito e comprido na empena lateral que marca a entrada do edifício, rasgo este sustentado por uma
longa viga e dois pequenos pilares metálicos, revelando a condição epitelial da pedra marcando
novamente o caráter temporal do edifício. Este rasgo permite uma visão da cidade ao longe e confere
leveza ao volume, que pelo seu caráter pétreo e maciço poderia resultar pesado.
Figura 255 – Contraste entre o peso da parede em pedra e a leveza dos apoios metálicos.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
A fragmentação versus frontalidade pode ser entendida de formas distintas e opostas no modo como o
conceito de fragmento é abordado: por um lado, nota-se uma conexão entre as partes, museu, convento
e jardins, com o museu, conformando um conjunto coeso e único, onde “o estudo atento da relação
preexistente entre as partes que constituiu o incipit no projecto do próprio museu” (SIZA, 1998, p. 75).
Alteramos os muros, revelamos os terraços e um sistema de irrigação muito
racional, com elementos em pedra, fontes, etc. Era preciso então prolongar a lógica
do jardim e a sua interdependência com o convento, que determinou o volume do
museu, como um molde, como um negativo rigoroso. A forma triangular do edifício
provém do movimento em leque dos muros do jardim, que termina na rua sobre a
qual dá a fachada do museu. (SIZA apud BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 153)
Figura 256 – Fachada leste do edifício.
(Fonte: Fernando Guerra/CDAS/Casa da Arquitectura)
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A partir da rua tem-se uma leitura clara de um volume único, monolítico, objetivamente definido por um
amplo rasgo central, uma rampa que percorre toda a sua fachada voltada para a rua, uma extensa
superfície cega e um vazio que marca a entrada do edifício, revelando-se de maneira bastante clara.
Assim, foi preciso conciliar as particularidades do programa e as condicionantes da
parcela. Há também um outro acidente na configuração do terreno, ao nível da
curva da rua e da ruptura da pendente, que provocou uma torção do edifício. A
outra razão para a quebra tem a ver com o comprimento do edifício, que parecia
desmesurado em relação ao convento; era necessária uma fragmentação do
volume. (SIZA, 1994, apud BEAUDOUIN, MACHABERT, 2009, p. 138)
Contudo, ao percorrer os arredores nota-se que são feitas pequenas fraturas, distorções e recortes ao
longo do volume devido à consideração das linhas do jardim, das faces do convento e da própria
configuração do terreno. No ponto de encontro do museu com o convento, que é também o ponto de
encontro entre as duas alas principais que o compõem, nota-se que o encontro destas alas é feito de
modo desencontrado, onde a ala interior é recuada para criar uma pequena praça entre o museu e o
convento e que gera um vazio para que o edifício histórico possa ser contemplado, criando um
distanciamento físico e simbólico, entre estas duas construções. No ponto de encontro entre a ala norte
e sul, que se desenvolve paralelamente à rua, e o volume do auditório - que encerra a planta triangular à
sul, também é feita uma fragmentação no volume, como uma fenda aberta entre duas rochas.
Esta articulação define, em planta, dois triângulos, que não podiam, obviamente
aparecer como espaços residuais. Pelo contrário, reivindicavam um justo
protagonismo, pois além do mais estavam colocados em pontos nevrálgicos. O
primeiro destes espaços intersticiais está colocado entre o auditório e o átrio e
resulta exterior ao longo de toda a altura do edifício. Esta solução, alcançada muito
lentamente é estritamente dependente do plano elaborado para os edifícios que se
encontram do outro lado da rua. (SIZA, 1998, p. 73)
Figura 257 – Estudo do encaixe entre os dois blocos.
(Fonte: FRAMPTON, 2000)
Figura 258 – Espaço entre o encaixe dos dois blocos.
(Foto: Lívia Nóbrega)
No interior do lote, a partir dos jardins, vê-se o encontro entre as duas alas evidenciado a partir do
desencontro entre estas e reforçando também a autonomia entre cada bloco de salas de exposições,
Como também se observam algumas relações de paralelismos e perpendicularismos entre os muros do
jardim e as faces do museu.
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Figura 259 – Encontro entre as duas alas do museu na extremidade sul.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
A definição das regras a partir de elementos externos à arquitetura, a acomodação fraturada do edifício
em concordância com as preexistências do sítio e a morfologia do terreno, o respeito ao Convento de
Santo Domingo de Bonaval e às ruínas de seu jardim, fazem com que o edifício do CGAC possa ser
entendido como um exemplo de colaboração entre projeto e sítio. Esta colaboração é evidente no modo
como o edifício repousa naturalmente no terreno e acomoda-se à sua configuração topográfica sem
grandes artifícios de controle ou de domesticação, aproveitando-se das suas características naturais
para nortear a distribuição dos espaços.
A presença neutra do museu confere mais coerência ao sítio, numa relação imbricada do edifício com o
seu contexto. A impressão que se tem ao experimentar o conjunto é de que estes colaboram entre si,
trabalham em conjunto, na mesma direção, por meio de contrastes, aproximações e distanciamentos,
rupturas e continuidades sem, contudo, diminuir a sua autonomia enquanto arquitetura e a sua
importância enquanto museu para a cidade.
Figura 260 – Vista panorâmica do CGAC.
(Fotos: Lívia Nóbrega)
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Figura 261 – Projeto do Centro Galego de Arte Contemporânea. 01. Planta baixa piso -1; 02. Planta baixa piso 0; 03. Planta baixa piso
1; 04. Planta baixa piso 2; 05, 06, 07 e 08. Elevações; 09 e 10. Cortes transversais; 11 e 12. Cortes longitudinais; 13. Situação.
(Fonte: 01 a 08 – CDAS/Casa da Arquitectura/ 09 a 13 – FRAMPTON, 2000)
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Figura 262 - 01, 02, 03 e 04. Cortes; 05, 06, 07, 08 e 09 – Elevações com o entorno.
(Fonte: FRAMPTON, 2000)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação buscou dar continuidade ao debate sobre o relacionamento entre arquitetura e lugar na
atualidade, a partir da revisão das suas principais discussões dos anos 1930 a 1980, da identificação de
formulações recentes neste sentido e da visualização dos temas extraídos a partir do estudo destas
reflexões através da análise de projetos do arquiteto Álvaro Siza, em consonância com este panorama.
No capítulo 1 foram estudadas formulações que buscaram restabelecer uma ligação entre a arquitetura e
sua situação, em detrimento da noção de edifício enquanto um objeto isolado, reunidas sob a forma de
abordagens distintas: lugar, paisagem, contexto e região. Embora todas elas tenham sido fundamentais
para o estado da disciplina nos dias atuais, esta revisão mostrou que algumas destas discussões por
vezes recorreram a formalismos exacerbados, revivalismos históricos e recursos populistas e
cenográficos, como algumas das formulações do Contextualismo e do Regionalismo Crítico.
O viés ocular nunca foi tão manifestado na arte da arquitetura como nos últimos
trinta anos, nos quais tem predominado um tipo de arquitetura que aponta para
uma imagem visual chamativa e memorável. Ao invés de uma experiência plástica e
espacial com uma base existencial, a arquitetura tem adotado a estratégia
psicológica da propaganda e da persuasão instantânea; os edifícios tornaram-se
produtos-imagem separados da profundidade e da sinceridade existencial.
(PALLASMAA, 2006, p. 29)64
Em contrapartida, pôde-se verificar, ao longo do desenvolvimento dos capítulos seguintes, que alguns
dos argumentos colocados por estes autores vistos no capítulo 1 continuam válidos. Neste caso têm-se
as discussões no campo da percepção e do entendimento da arquitetura enquanto um fenômeno,
concebido e apreendido a partir da experiência sensorial, colocadas por Martin Heidegger e Christian
Norberg-Schulz, por exemplo, com ecos na produção de autores mais contemporâneos, como Juhani
Pallasmaa. Assim como a sensibilidade a paisagem, como aquelas questões colocadas por Wright e
Aalto, que tem fortes ressonâncias ao longo da produção de Siza.
Neste sentido, identificou-se uma continuidade de pensamento entre as idéias destes autores e os
estudos de David Leatherbarrow, reunidos no capítulo 2, o que fez com que sua literatura fosse
selecionada como principal aporte teórico deste trabalho pelas seguintes razões: por tratar das
interfaces entre a arquitetura e paisagem (natural ou construída); por se debruçar sobre o modo como a
arquitetura se revela e como esta é percebida pelo homem enquanto fenômeno; e por uma consonância
entre as reflexões colocadas por Leatherbarrow e as obras de Álvaro Siza.
64
Tradução livre da autora. Citação original: El sesgo ocular nunca ha sido tan manifesto en el arte de la arquitectura como en los últimos treinta años,
en los que ha predominado un tipo de arquitectura que apunta hacia una imagen visual llamativa y memorable. En lugar de una experiência plástica y
espacial con una base existencial, la arquitectura ha adoptado la estratégia psicológica de la publicidad y de la persuasión instantânea; los edifícios
se han convertido en productos-imagen separados de la profundidad y de la sinceridad existencial. (PALLASMAA, 2006, p. 29)
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A revisão da literatura de Leatherbarrow permitiu a identificação de cinco temas principais que
buscaram reunir algumas das suas principais questões: (1) A apreensão do sítio e a liberdade projetual;
(2) A construção como cultivo; (3) A terraplenagem como partido; (4) Sítio e materialidade; (5)
Fragmentação versus frontalidade.
Antes de dar início as análises, uma breve revisão do contexto de formação pessoal (ambiente do Porto)
e erudita (Escola do Porto), de Álvaro Siza foi realizada no capítulo 3, que permitiu a identificação de
fatores que contribuíram para o desenvolvimento desta sensibilidade topográfica no arquiteto, no
sentido do entendimento da realidade enquanto uma matriz tridimensional dotada de características
materiais e imateriais que são fonte para o desenvolvimento do projeto, tais como: a acidentada
paisagem da região, com suas complexas soluções de desenho da cidade em função da defesa e de um
melhor aproveitamento dos terrenos; a herança das práticas do ensino do modelo Beaux-Arts, a prática
da pintura, escultura e sobretudo do desenho de observação.
Portanto, a construção do método de análise dos projetos foi guiada pelos cinco temas elencados da
literatura de Leatherbarrow, que foram o fio condutor para o estudo dos projetos de Siza, onde os nove
edifícios selecionados (todos eles estudados in loco) foram classificados a partir de três temas mais
amplos, também extraídos da literatura de Leatherbarrow, elaboração (capítulo 4), inserção (capítulo 5)
e colaboração (capítulo 6), entendidos como estratégias mais amplas de concepção do edifício a partir
do sítio. Cada edifício foi estudado de modo a perceber como estes cinco temas foram incorporados na
concepção do projeto e na revelação do edifício.
Sobre o tema da apreensão do sítio e a liberdade projetual observou-se que o desenvolvimento dos
projetos muitas vezes teve início com uma intensa experimentação do sítio, na busca por evidências
materiais e imateriais que aos poucos fossem dando enquadramento ao processo criativo. Esta busca
foi registrada, por exemplo, através dos seus textos e croquis, que demonstram essa sucessiva
transformação do projeto em função de uma maior aproximação da sua situação.
O tema da construção como cultivo mostrou-se muito ligado ao tema anterior, pois, a partir desta
tomada de conhecimento do sítio, a construção vai se desenvolvendo de modo intimamente ligado a
este, por meio de estratégias distintas, como: a consideração de caminhos preexistentes, a captura de
linhas estruturantes a partir das edificações do entorno, o cuidadoso trabalho com as aberturas de
modo a enquadrar pontos específicos da paisagem no edifício, a captura da luz natural e a exploração
dos seus efeitos nos espaços internos.
O complexo modo como os edifícios assentam no solo também despertou para o entendimento do tema
da terraplenagem como partido nos projetos, onde o terreno não é simplesmente domesticado,
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nivelado, para que os edifícios possam repousar em cima. Em alguns casos, a implantação e a
distribuição do programa tira proveito da configuração natural do terreno, em outros, sua configuração
é modificada, a partir de cortes ou adições, escavações e aterros, para alcançar tal acomodação. Em
ambos os casos, observou-se sempre um grande domínio espacial e controle do projeto nas suas
escalas mais distintas, seja no âmbito dos espaços internos, seja nas diferentes partes que compõem o
conjunto, assim como também no modo como tira proveito dos acidentes topográficos para trabalhar
os percursos de acesso aos edifícios, por meio de muros, rampas, plataformas e escadas, mudanças de
direções dos caminhos e fechamentos e aberturas para a paisagem.
Sobre a relação entre sítio e materialidade nota-se uma preocupação com a perenidade, de seus
edifícios, em detrimento do caráter efêmero de muitas das construções na atualidade, a intenção de
conferir um sentido de permanência que o arquiteto busca ao conceber os edifícios, a partir do
entendimento das marcas do seu envelhecimento como um registro da passagem do tempo e como
uma maneira de se integrarem à paisagem. Entretanto, também se observa uma atenção ao
metabolismo do sítio, um controle consciente dos efeitos dessas intempéries e do conseqüente
envelhecimento dos edifícios, através, por exemplo, do uso de materiais mais resistentes em áreas mais
sujeitas a estas, como o embasamento em pedra em muitos edifícios.
E por fim, o tema da fragmentação versus frontalidade também se mostrou bastante evidente ao longo
dos projetos estudados. Como dito no primeiro tema, sobre a apreensão do sítio e a liberdade projetual,
as sucessivas transformações do projeto muitas vezes recorreram ao recurso da fragmentação para
aproximar o edifício de sua situação. Esta fragmentação ocorre tanto na escala da parte, por meio de
uma complexa manipulação da geometria do edifício (ou parte dele), quanto na escala do conjunto, que
muitas vezes foi fraturado em diversas porções para atingir uma melhor articulação urbana. A
dificuldade de descrição dos edifícios, assim como o seu caráter não-fotogênico, que poderiam
significar características negativas, são na verdade uma evidência de como estes possuem uma relação
imbricada com o entorno, em detrimento de uma revelação mais frontal e pictórica, sendo a experiência
sensorial, não apenas a partir da visão mas também dos demais sentidos, fundamental para a sua
apreensão.
Na arquitetura, o argumento do contexto, para redefinir o objeto arquitetônico
enquanto parte constituinte de um meio mais amplo, tem significado repensar o
engajamento do edifício com o seu ambiente material e espacial, seja ele construído
ou não construído. Isso também tem significado “enfraquecer” o objeto, talvez até
torná-lo “laico”, em favor de um novo entendimento sobre o modo como o contexto
envelopa o edifício, em todos os sentidos. (LEATHERBARROW, 2004, p. 12)65
65
Tradução livre da autora. Citação original: For architecture, the argument of context, for redefining the architectural object as a constituent of a wider
milieu, has meant rethinking the building’s engagement with its material and spatial surroundings, whether built or unbuilt. This has also meant
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O estudo destes projetos de Siza permitiu verificar que a arquitetura, para afirmar a sua autonomia e
condição de artefato da criação humana, não necessita, contudo, recorrer a estratégias cenográficas,
publicitárias ou propagandísticas.
Contudo, o fato de se levar em consideração as características materiais e imateriais referentes à
localização de um edifício no ato de concepção do projeto – afirmando-as, negando-as ou criticando-as,
não significa, contudo, diminuir a sua autonomia enquanto um artefato da criação humana, mimetizá-lo
ou desprovê-lo de um caráter erudito. Seus edifícios, quando isoladamente, possuem valor enquanto
artefato arquitetônico, no sentido do arrojo das soluções construtivas e espaciais, e quando
compreendidos em conjunto com o seu meio adquirem um sentido mais amplo, ao contribuir para o
preenchimento de um tecido, a composição de uma paisagem, a construção de um lugar.
Nestes casos, o registro autoral das obras não se dá através da intenção de imprimir uma marca, criar
uma linguagem característica ou da repetição de certos recursos formais, mas sim de uma necessidade
de encontrar as razões para a existência de cada aspecto do projeto e da recorrência das atitudes de
abordagem do sítio, característica mais contundente do modo de projetar de Siza.
Se teoria, falando de Arquitectura, significa um conjunto de regras registáveis e
reutilizáveis, então sinto-me bem ao não ter teoria. Não sei de nenhuma
tranquilamente aplicável, o rolar do tempo, por acelerado, não o permite nem
perdoa. Constantemente se reduz a ponto de partida. A própria pesquisa a vai
abandonando ou ultrapassando e assim sucede a cada novo projecto, apesar de
sucessivas experiências. O exercício de projeto não aceita um momento de
segurança, de saber estável, mesmo se conscientemente provisório. Ausente a
prática, a crítica não age directamente. Não pisa, a não ser em intervalos e à
posteriori, o território deslizante da criação – dos acidentes que iluminam o devir.
(SIZA, 2007, apud MORAIS, 2009, p. 383)
No caso destes projetos, viu-se que a busca pelo enquadramento do processo criativo não vem do
estabelecimento de regras internamente formuladas, a partir de princípios compositivos e geométricos.
Sua teoria, se se pode falar na existência de uma, vem de um conjunto de leis que são construídas para
cada projeto, a partir da tomada de consciência das preexistências do ambiente, única atitude que se
pode dizer permear o desenvolvimento de todos os projetos.
Apesar da dificuldade de identificar estratégias projetuais recorrentes em seus projetos, este trabalho
buscou tornar didáticos os principais conceitos, atitudes e princípios de uma obra que é reconhecida
pela sua individualidade, pela singularidade das respostas e soluções fornecidas à encomenda, ao
programa e aos problemas que são colocados e aos sítios nos quais se insere.
“weakening” the object, perhaps even “secularizing” it, for with a renewed sense of the way the context envelops the building, in all senses.
(LEATHERBARROW, 2004, p. 12)
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Agora nós buscamos não um mundo de arquitetura, mas uma arquitetura do
mundo. Aqui novamente, a paisagem fornece um enquadramento para o
pensamento arquitetônico, devido a sua ambiência inevitável, ou, como eu diria,
topográfica. (LEATHERBARROW, 2004, p. 12)66
Por fim, buscou-se com este estudo, trazer à tona algumas idéias que possam promover uma maior
aproximação entre arquitetura e lugar, em consonância com as práticas projetuais e construtivas atuais,
diante da caótica complexidade que permeia os espaços urbanos. Espera-se que as sensíveis atitudes de
consideração do sítio por parte do projeto aqui reunidas possam também sensibilizar outros arquitetos
para o papel que a arquitetura desempenha na existência humana e, assim, para um ato de projetação
mais consciente e comprometido com a realidade.
66
Tradução livre da autora. Citação original: Now we seek not a world of architecture but na architecture of the world. Here again, landscape provides a
framework for architectural thought because it is inescapably ambient, or, as I have came to call it, topographical. (LEATHERBARROW, 2004, p. 12)
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Arquiteto Álvaro Siza
Entrevista coletiva realizada no âmbito da conclusão da disciplina Estudos Críticos Álvaro Siza, do curso de
Mestrado Integrado em Arquitectura da FAUP.
Porto, 18/02/2011
Arquiteto Álvaro Siza
Entrevista individual realizada ao arquiteto em seu escritório.
Porto, 19/03/2011
Arquiteto António Madureira
Arquiteto autônomo, colaborador em muitos projetos com Álvaro Siza e professor da Faculdade de Arquitectura da
Universidade do Porto – FAUP.
Porto, 25/10/2011
Engenheiro José Luís Canal
Engenheiro civil responsável pelas obras do edifício da Fundação Iberê Camargo.
Porto Alegre, 13/03/2008
VÍDEOS
BIAVASCHI, M. Mestres em obra. [Filme-vídeo]. Produção Surreal Produção Audiovisual, direção de Marta
Biavaschi, Porto Alegre, Fundação Iberê Camargo, 2008. 31 min. Cor. Som.
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Richard Copans e Stan Neumann, CNC, Ministère de la culture et de la communication, Direction de l’architecture
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SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
_________________________________________________________________________________________________________________
ANEXOS
01. Entrevista individual realizada ao arquiteto Álvaro Siza
no dia 19 de março de 2011 em seu escritório.
01. A Influência da paisagem da região do Porto e norte de Portugal na sua obra, escrita e construída, é
evidente. Essa aparente leitura que faz da paisagem parece contribuir para a integração entre os edifícios que
projeta e o sítio onde estão inseridos. Neste sentido, quais os elementos paisagísticos desta região que mais
o influenciaram e como estes se materializam nos seus projetos?
Siza: Bem, cada um deles, a existirem, muitas vezes não existem influências conscientes, mas se queres que eu te
diga num sítio, ficam marcas, mas, não posso falar nos mais influentes eventualmente porque depende qual é o
trabalho que se desenvolve. Se por exemplo, trabalho numa zona de terreno plano, na planície, no sul de Portugal,
dificilmente será detectável alguma imagem, alguma solução, que tenha a ver com o Porto, dificilmente. Se
trabalho em Lamego, por exemplo, pode acontecer, até porque aí os precedentes, em termos de arquitetura, tem
muito a ver, sobretudo com o século XVIII. É muito variável, não tenho digamos uma fixação n’alguma coisa que
me tenha impressionado no ambiente do Porto e que utilize para enfrentar determinado trabalho. São mais coisas
que ficam no nosso subconsciente, fazem parte das nossas vivências, reflexo das nossas vivências.
02. Na arquitetura, a relação entre edifício e contexto é inevitável. Na chamada “Escola do Porto”, a qual o
arquiteto é freqüentemente associado, essa é uma característica notável. A crítica por vezes já o classificou
como minimalista, contextualista, regionalista ou outro rótulo qualquer. Contudo, sabemos que as relações
que os objetos projetados por si estabelecem com o sítio não podem ser resumidas a tais classificações.
Muito também já se perguntou sobre o papel do lugar no seu método projetual. Contudo, se pensarmos na
topografia enquanto um horizonte de mediação entre a arquitetura e a paisagem, quais os principais aspectos
do sítio que o arquiteto leva em consideração (ou não) ao conceber um plano ou projeto?
Siza: Conforme o sítio, mas em cada caso, todos, não só a topografia. Mas a topografia, na arquitetura
portuguesa, tem uma influência, historicamente grande. E que tem, provavelmente, é uma interpretação, claro,
razões muito concretas. Se, por exemplo, pensar numa cidade da América, espanhola, de origem espanhola, de
fundação espanhola, na maior parte dos casos o que vem a mente é uma planície, um planalto, uma zona plana, e
inscrita nessa zona um plano geométrico, um xadrez, que era o urbanismo espanhol de acordo com o que
chamava o Código Filipino que no fundo é uma junção, uma síntese de tudo, conta através da historia, desde os
gregos e até antes, que se fez dentro do conceito do xadrez, da quadricula. Ao contrario, se for para pensar no
Brasil, e quem diz pensar no Brasil pensa, pode pensar também em Macau, em Goa, um pouco por toda a parte
por onde passaram os portugueses, mas no Brasil é muito evidente, porque há muitas cidades de fundação
portuguesa ou com participação da fundação portuguesa muito importante...
Lívia: Olinda por exemplo...
Siza: Olinda... Embora também tenham passados holandeses e tal, mas a raiz daquilo é muito portuguesa. E o que
é que vê, vê um sítio com uma topografia difícil, complexa, acidentada e, portanto, não a imposição de um plano
pré-estabelecido de acordo com os códigos, mas sim uma adaptação ao terreno, com as suas dificuldades, mas
também com as suas qualidades de defesa.
Siza: Isto é uma explicação, terá outras, mas tem uma muito clara, é que os espanhóis eram muitos e os
portugueses eram poucos, quando se começa a viagem, as caravelas vão não sei onde, para a Índia, para a
America que seja, havia, eu creio que 3 milhões de portugueses ao todo. Portanto era pouca gente e para se fixar
fora, num sítio fora, quando havia a corrida aos novos territórios, tinham que escolher um sítio que naturalmente
fosse, não digo inexplorável, mas muito difícil de atacar. E, portanto está aí uma razão muito concreta que marcou,
acho eu, toda a criação de cidades novas portuguesas.
SENSIBILIDADES
TOPOGRÁFICAS
EM ÁLVARO SIZA
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Siza: E por isso, acho que a historia deixa marcas. Hoje não é por essa preocupação de defesa, mas não há duvida
que se lida muito com a topografia, nos aspectos, nos elementos de projeto, na faculdade de arquitetura e tal é
muito, creio que ainda é, muito apontável.
Lívia: Porque no projeto para a FIC o sítio parece ter sido destinado à alguém que tivesse essa visão, porque era
um sítio de topografia bastante complicada, diferente do que os arquitetos brasileiros estão muitas vezes
habituados a lidar...
Siza: Sim, mas a razão não será essa. É que aquele terreno julgo eu que foi oferecido, e portanto, pouca gente vai
oferecer carne de lombo não é (risos). Era muito difícil, mas por outro lado de uma grande beleza. A situação
muito boa porque era ao longo de uma estrada, bem servido, fora, mas não muito do centro da cidade, com vista
sob o centro da cidade, e sobretudo com aquela toalha d’água imensa, portanto um terreno extraordinário. Mas
muito difícil, quer dizer, um especulador imobiliário não iria pegar naquele terreno facilmente. Portanto eu julgo
que muitas vezes quando se faz assim uma instituição que vive também de mecenato e tal o poder local, um
mecenas, coisa assim oferece, não sei qual foi o caso ali, mas não é um terreno apetecível para fazer um
loteamento, uma urbanização. Mas eu não creio que tivesse sido calculado propriamente em função da beleza do
sitio, mas por ser bem colocado na cidade, bem servido, e um terreno difícil que não haveria sítios para outras
coisas.
03. A tradição clássica do ensino da Beaux-Arts foi e ainda é muito forte na formação dos arquitetos europeus
e, sobretudo, portugueses, como, por exemplo, a questão do desenho à mão livre, do desenho de observação.
Quais as principais características dessa formação que influenciaram a sua estratégia projetual e se acredita
e de que forma acredita que estas contribuem para uma maior aproximação entre projeto, edificação e lugar?
Siza: Sim, quando eu entrei para o curso de arquitetura era um curso de Belas Artes, modelo francês, Beaux-Arts,
onde conjuntamente estudavam pintores, escultores e arquitetos. Portanto, quando eu entrei já não era
absolutamente comum o ensino de uma certa especialização mas no primeiro ano era praticamente o mesmo. E
uma das coisas mais importantes era o desenho, desenho no primeiro ano de estátuas de gesso, no segundo ano,
modelo vivo. E portanto nessa mesma tradição que não desapareceu. Acontece que quando vem o diretor, pessoa
inteligentíssima, que era o mestre Carlos Ramos, ele quer reformular o curso, a escola. E falo chamando nosso
recém formados arquitetos que ele escolheu muitíssimo bem e mudando o currículo também do curso,
modernizando, abrindo ao moderno e tal. Mas ele nunca acaba com o curso de desenho que ele simultaneamente
estava muito ligado a um pensamento, pra alguns e na época, que era da necessidade da integração das artes. Em
que trabalhava em equipe um estudante de pintura, um estudante de escultura, um estudante de arquitetura.
Portanto ele queria obviamente que também foi muito forte para o Gropius, o Gropius falava muito da integração
das artes, e ele era muito ligado, referenciava muito ao Gropius, a Bauhaus, e ao Gropius... Bom, mas ai que ele
manteve sempre esse curso e revelou-se, com a passagem do tempo, a evolução do curso revelou-se como um
instrumento muito importante para uma pessoa captar quais eram isso que (você) falou, das influencias, da
topografia, paisagem etc. Portanto faziam-se exercícios logo no primeiro ano, de desenho, de forma, no exterior e
tal, muitos deles eram de interpretação das características de um terreno, outros eram mesmo desenhos de
arquitetura e tal, na rua. Portanto mudou porque ai já não era o desenho acadêmico modelo embora se tenha
mantido modelo. E eu acho isso muito bom realmente a arquitetura tem muito a ver com nosso corpo também e o
treinar a captação seja de um corpo seja de uma casa seja de uma paisagem isso é muito importante não é. É uma
coisa que desenvolvem muitos fotógrafos que são grandes especialistas de ver, não só olhar, mais ver. E, portanto
isso desenvolve nos estudantes a capacidade de compreensão dos problemas que tem ao trabalhar aqui ou ali...
N’algumas escolas modernas na Europa, não sei se também na America, foi muito abandonado esse aspecto do
desenho.
Siza: Eu hoje tenho outro interesse que é a complementaridade em relação ao trabalho no computador. O trabalho
no computador abriu novas perspectivas para os arquitetos também, não são todos os arquitetos claro, mas ao
mesmo tempo, na sua aplicação no projeto na arquitetura, tem uma componente também de um certo pré-fabrico,
não é, pacotes, ou coisas que já estão feitas e que se compõem. E a complementaridade do desenho abre de outra
forma a mente, não é, não é tão restritivo. E julgo que é por isso que se mantém e acho muito bem que se
mantenha...
SENSIBILIDADES
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EM ÁLVARO SIZA
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04. Inclusive, essa era uma das outras perguntas que iria fazer a seguir, sobre o que o arquiteto acha das
novas ferramentas de projetos, computadores e os programas de introdução de dados para modelar, etc., se e
como isso pode trazer benefícios e prejuízos para a cidade...
Siza: Como tudo, pode trazer benefícios e pode trazer prejuízos, depende de como é usado o instrumento de
trabalho, que abre, que desenvolve capacidades, mas também tem um lado eventualmente preocupante. Não só
estamos a falar da aplicação ao desenho, ao projeto, mas estou a falar em geral. Hoje, por exemplo, existe uma
doença que é muito preocupante que eu senti no Japão, mas não será só no Japão, que é simplesmente isto,
adolescentes que se metem no quarto e passam a viver no quarto, não saem nem para comer, a doença já tem um
nome, nem para comer, vão lhe levar lá a comida e passam o tempo todo dentro do televisor, captados por aquela
abrangência e aquela multiplicidade de informação que o computador tem que dar. Como todos os instrumentos é
precioso, mas também não pode ser exclusivo no método de trabalho. Como todos os instrumentos de trabalho,
por exemplo, quem assenta toda a sua reflexão quando projeta numa maquete – as maquetes também são outro
instrumento precioso – de trabalho, se projeta nele toda a esperança de projeto, uma maquete também engana
muito. Engana na escala e tal, aliás, tem que se trabalhar com várias escalas de maquete e não ficar agarrado ao
que pode ser, na aparência, abrangente de todos os problemas, mas que no fundo contém imperfeições, contém
enganos. É preciso trabalhar com as maquetes, com o computador, com os esquissos, com o desenho e tal, são
instrumentos complementares. Portanto o que eu acho é que aumentou o leque de instrumentos à disposição do
arquiteto, mas não significa com isso diminuir in loco, afastando-se da obra.
05. Na pesquisa, também foram selecionadas obras dos arquitetos Fernando Távora e Eduardo Souto de
Moura, devido ao reconhecimento destes arquitetos por parte da crítica, mas também para explicitar as
relações entre lugar e arquitetura na produção moderna e contemporânea portuguesa. Neste sentido, gostaria
de saber o que o arquiteto acha que são as principais semelhanças e diferenças entre a sua obra e a destes
arquitetos. O que a une e o que as torna distintas, se há um fio condutor...
Siza: Bem, temos uma formação, não comum porque há diferenças de idade não é, correspondente à três
gerações, mas alguma coisas de herdado e de impulso de projeto existirá próxima. Mas eu acho é que o que
houvera de próximo não se refere só a estas três pessoas...
Lívia: Sim foi um recorte de pesquisa...
Siza: Pois é, a idéia de que há um grupo fechado que trabalha num determinado e tal sentido não há. Agora os três
freqüentamos um meio na formação comum mas que foi evoluindo e continua a evoluir não é. Por exemplo, na
altura em que o arquiteto Távora estudava a preocupação central entre os mais ativos, mais inquietos e tal, mais
criativos, era de conquista da modernidade. Eu próprio lembro que o primeiro trabalho que fiz foi uma escadaria
com uma ponte num parque e ainda desenhei laboriosamente a coluna dórica etc. Portanto na geração do Távora é
a conquista da modernidade, o que através de alguns, mas muito especialmente do Távora, passou pela abertura
das referencias que existiam, que eram de início como concebeu Corbusier quase exclusivo e que depois se
enriquece, aumenta muito com o aumento da informação, que corresponde ao final da guerra mundial e a grande
abertura que houve e ao grande entusiasmo e sonho de renovação. O Brasil, e, portanto a nova arquitetura de toda
a Europa, mas aqui particularmente por ligações históricas, não é, e os nórdicos, os ingleses, os italianos, toda a
corrente do neo-realismo, na literatura, no cinema, esse era o ambiente. Quando eu entro, dez anos depois, já
digamos que esse assumir da afirmação contemporânea já era tema da faculdade já não era uma luta de alguns, já
era coisa assumida. E portanto não é já é diferente a formação, o curso sofreu renovações, no meu curso ou logo a
seguir, que são chamadas ao currículo novas disciplinas, a geografia, a sociologia, etc. E, portanto, é diferente. O
ambiente escolar é muito diferente, mas tem a mesma base comum. O Souto Moura, em relação a mim, não sei se
são outros dez anos de diferença, ou mais até, e portanto, quando ele entra, ou pouco depois de entrar, há esse
acontecimento que foi o 25 de abril, que afetou todas as universidades, todas as escolas, há a prática da
construção participada, econômica-participada, e há também, da parte de alguns daquele curso, e particularmente
da parte dele, um reencontro quase de especial atenção com o desenho em si, porque em determinada altura o que
estava dentro da escola que preocupava mais era o problema social, era o embate político e tal, e naquela geração
há, como que passando por isso e praticando dentro desse ambiente, há como que um retorno da importância do
desenho e da disciplina em si e de contatos diretos ou informação com as correntes que iam nesse sentido, com
Aldo Rossi, por exemplo, mais tarde Venturi... Portanto como vê há uma evolução, podemos referir a três pessoas
no caso que pôs, mas no fundo envolve a escola, o ambiente, e toda a história contemporânea.
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02. Entrevista coletiva realizada ao arquiteto Álvaro Siza no dia 18 de
fevereiro de 2011 em seu escritório, no âmbito da conclusão da disciplina
Estudos Críticos Álvaro Siza (ECAS), cujo tema era Transições em Álvaro
Siza, componente do curso de Mestrado Integrado em Arquitectura da
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), sob a
orientação do professor Manuel Graça Dias.
As perguntas 1 e 2 foram elaboradas pela equipe composta por Cristina Alegria, Lívia Nóbrega, Orlando Silva
e Ricardo Pereira. As perguntas restantes foram elaboradas pelos demais alunos inscritos na disciplina.
01. Normalmente nas suas obras tem o cuidado de fazer uma transição exterior-interior gradual, recorrendo a
dispositivos como palas ou reentrâncias que oferecem certo conforto e proteção antes de efetivamente “abrir
a porta”. No entanto, em alguns casos, como na entrada do pavilhão Carlos Ramos ou na torre de desenho da
FAUP, opta por soluções em que a porta está “à face”, sem qualquer tipo de abrigo. Gostaríamos de saber o
que para si é mais importante quando desenha “a entrada” – a imagem global do objeto, ou o tipo de
sensação que pretende incutir aos utilizadores no acto de entrar/sair?
Siza: Naturalmente não ficava bem… (risos) não, vamos a ver, eu estava a lembrar-me do pavilhão Carlos Ramos,
desse já não me lembro muito bem, mas a 1ª torre é uma que é mais comprida, e quando dizem porta principal
dizem a que está virada para o pátio, que não é exatamente a porta principal, mas já lá vamos. No caso do pavilhão
Carlos Ramos, lembro porque é que não tem uma entrada especial protegida, porque já está por natureza muito
protegida, com um muro alto muito próximo, uma árvore enormíssima, um eucalipto se não me engano, e está
protegida do vento também exatamente por esse muro, não se deve sentir, por exemplo, vento na entrada do
pavilhão julgo eu, é muito aconchegante. Mas aqui, (torre de desenho) eu acho que a porta principal é em baixo, e
se calhar também não está protegida.
Graça Dias: Eles também não estão preocupados com a questão física, é mais com a questão simbólica.
Siza: Eu sei, eu percebo. Mas em geral essa idéia da entrada protegida com pala e quando é particularmente
protegida em edifícios públicos, por exemplo, tem mesmo de ser julgo eu. É a antecâmara e, portanto a porta
dupla. Nos edifícios públicos é assim, nem sei se já faz parte do regulamento… mas há também um aspecto de
introdução ao ambiente. Portanto, a porta anuncia, de certa maneira, o que é o interior, onde vamos estar. E
também anuncia o sítio por onde se entra não é? Portanto há esse aspecto visual de ser clara a entrada, que tem a
ver com percursos ainda no exterior, ou no interior, também em sentido inverso. Portanto, o anuncio da porta ser
claro - por onde é que se entra no edifício! Mas há também esse aspecto da introdução a determinado ambiente,
que é uma transição, a porta é a transição mínima não é? 3 cm ou 4cm… mas há realmente esse aspecto.
E há também um aspecto simbólico, se bem que eu não costumo pensar muito no simbolismo, os simbolismos
aparecem naturalmente, se agente resolve fazer o simbólico em geral mete água faz um simbólico tão simbólico
que até é aborrecido. Mas, por exemplo, estou-me a lembrar do que aconteceu ontem, numa conversa com uns
clientes japoneses que vivem obcecados com o simbolismo. Não sei se todos os japoneses são assim, mas enfim,
era gente muito intelectual e tal… E passaram a manhã a explicar-me, ou forçar-me a entender, o que queriam e o
que há de simbólico na cultura japonesa etc, etc, etc. Realmente nas casas tradicionais japonesas, na entrada há
sempre um especial mistério, em geral a entrada não é uma coisa escancarada, vê-se, nota-se imediatamente onde
é a entrada, mas nota-se mais pelo caráter discreto dessa entrada e de mínimo desenho, mas desenho de grande
sofisticação. Lembro que essa entrada era uma porta quadrada, julgo que era com couro, ou algum metal, não me
apercebi bem… portanto, quadrada super simples, com isto branco e depois tinha uma zona de um branco
ligeiramente tingido não é? E depois, aqui, acho que havia um ressalto, e aqui tinha uma planta pendurada, não era
um bonsai, mas era uma coisa muito sofisticada. Portanto, pretendia julgo eu, dar, tal como eles queria dar a mim,
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o futuro designer da casa, a idéia de como é o simbólico e o mistério de entrar na casa, um caráter quase sagrado
não é?
Graça Dias: Isso foi um exemplo que lhe deram? Mostraram-lhe um exemplo?
Siza: Bom, em verdade tenho aí uma pasta assim [indica o tamanho da pasta] com desenhos. É engraçado porque
apercebi-me que eles, ou aquele designer, porque vinham com um designer (de moda e famoso, e tal...), que foi
quem me trouxe o livro para eu aprender essas coisas. E portanto, era tudo por gravuras, quer dizer, não me
explicavam os problemas que tinham em relação à casa e à cultura japonesa. Eu disse-lhes que já conhecia desde
o século XVI. Não convenci muito. E era tudo com imagens! Mostravam imagem para falar sobre o mais
simbólico, mais importante móvel, que era poesia. Era uma mesa especial onde punham um bonsai e que serve
para trabalhar, comer, etc. Outra imagem para o pavimento, para me fazerem ver o que eles queriam ou o que
achavam ligado à cultura japonesa.
Bem, mas a primeira peça que me apresentaram foi a porta e está bem porque realmente foi uma introdução ou
uma transição para a cultura japonesa que, na maneira de ver deles, era o objetivo da reunião. Não sei se tenho
mais que dizer em relação à entrada...
Graça Dias: Mas não concluiu... O que é que ia retirar dessa porta que lhe mostraram?
Siza: Praticamente nada [ironicamente]. Não, porque é claro que... É um exemplo (estou a exagerar, também estou
a ser arrogante). Nós já conhecemos há muito tempo o caráter (não vou dizer minimalista, que já não posso com
essa palavra) do desenho e essa redução ao mínimo (aliás, na cultura japonesa praticamente não existiam
móveis... agora existem). É interessante, que aí deve ter alguns. O que se vê no melhor mobiliário japonês é a
influência, a fonte é o mobiliário cheica Como é natural, porque era também muito austero...
Graça Dias: Mas o que o Siza ia dizer era, a propósito desta imagem, que as casas japonesas, de alguma maneira
têm sempre um certo mistério na entrada, “uma porta simples...”, e depois não concluiu.
Siza: É como que um resguardo. Há coisas que são quase rituais, por exemplo, um japonês (ou estrangeiro), se lá
vai, entra e tira os sapatos. Portanto, há um sentido de defesa da intimidade. E depois também com uma grande
disciplina de consumo do espaço, porque eles vivem em casas muito pequenas, pequeníssimas, mínimas e com
aqueles sistemas de portas de correr, que dão flexibilidade e a possibilidade de várias funções para cada espaço,
etc, etc. Mas para mim, então voltando ao princípio, há aspectos de ordem funcional, podemos dizer, de
manutenção, a que normalmente eu dou muita atenção, que é a questão do tapete (tirar o tapete fora). Já que não
tiramos os sapatos quando entramos numa casa, o cuidado tem a ver com a manutenção.
Depois a leitura: não há nada pior que chegar a um edifício e ficar na dúvida por onde é que se entra. Isso acontece
mais vezes do que parece. Portanto, a clareza... De resto, a clareza é uma coisa que me preocupa sempre em
relação a tudo. Seja um edifício, um arruamento, espaço público... Seja o que for. É nunca uma pessoa não saber
orientar-se. E atribuo a isso a que eu tenho uma grande dificuldade de orientação. [Risos] Não, não! É verdade.
Por exemplo, há pessoas que visitam uma cidade e imediatamente na segunda visita sabem orientar-se. Eu sou
absolutamente incapaz. Já fui não sei quantas vezes a Paris e nunca sei por onde é margem esquerda ou direita.
Fico desorientado. E isso é uma grande ajuda para mim, enquanto arquitecto, enquanto cidadão, porque tenho de
prestar uma multiplicada atenção. Por exemplo, vou fazer um edifício num terreno “assim ou assado”, tenho que
visitá-lo, tenho de fazer maquete, desenhos sobretudo (agora é fotografias, mas o desenho é muito mais eficaz no
sentido de quem tem essa dificuldade de se orientar porque o desenho é uma representação, mas é também,
simultaneamente, uma análise e uma síntese do que se está a ver, portanto funciona muito bem).
Portanto, clareza... Por exemplo, conhecem com certeza o museu de Serralves. Quem entra no museu de
Serralves, a entrada é muito elaborada, porque tem aquele corredor em que quem entra tem de dar a volta, não vai
em frente. Tem de virar, depois tem um espaço lateral que era destinado ao vestiário. [a desenhar...] Para aqui tem
a loja e outros equipamentos, e aqui tem uma dupla escada e uma porta. E depois há uma sucessão de aberturas,
de que a última normalmente está fechada por horror à luz (que é uma doença que muita gente tem...). Quem entra
aqui orienta-se em relação a todo o edifício, praticamente. Com esta sucessão, este eixo, vê que termina aqui, mas
sente que há distribuição lateral, ou seja, quer propriamente porque a porta é aberta para os dois lados (a gente
entra e o espaço foge para ali), quer a própria clareza indicativa da dupla escada. Portanto uma pessoa apercebe-
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se logo que o edifício tem dois braços e que tem um pátio ao meio porque na porta lá do fundo vê o verde do
jardim. E sobretudo quando entra aqui, a idéia é total. Bom, esse aspecto é o aspecto se calhar mais orientador do
desenvolvimento de um projeto que eu utilizo. São portanto os percursos, que inclui transição, inclui continuidade.
Aliás, o tema que vocês propõem, espaços de transição, tem como complemento os espaços contínuos, as coisas
relacionadas.
02. Ao longo da história da arquitetura, a “porta” ou entrada, de certa forma sempre foi usada para anunciar o
caráter do edificado. Nos seus projectos, para além da escala, que outros aspectos têm em conta para
distinguir a entrada de um edifício de caráter público daquela de uma construção mais doméstica?
Siza: Bem, depende da própria expressão arquitetônica, não é? Mas depende mais, julgo eu, não do edifício, mas
do que envolve o edifício. Isto é, também, da sua composição, vamos dizer assim, mas muito do local, do contexto
em que se insere. Pode ser um espaço muito aberto, um jardim, pode o acesso fazer-se através de ruas. Tem
casas, normalmente na cidade, embora hoje não seja bem assim, mas acaba por ser um pouco assim, há um
contínuo de expressão parecida, regular, que é a casa, o que há mais numa cidade são casas, não é. E dantes era
claríssimo. Na cidade do Porto, por exemplo, a vossa cidade para alguns, sei lá, Rua das Flores, mas qualquer rua
do século XIX ou século XVIII, as casas são repetitivas, não é, e depois aparece a igreja do Nasoni que emerge e a
importância para a cidade deste equipamento tem a ver com o fato de emergir dum contínuo de construções. E
hoje, vêm os arquitetos e mascaram os edifícios de apartamentos, mas, no fundo, reconheço que é um edifício de
apartamentos. Isto é, quer dizer, no fundo é repetitivo, porque a tipologia é quase, inevitavelmente repetida, não é.
Porque há, podendo variar no tempo, mas há preferências majoritárias, imediatamente as imobiliárias, quem
constrói segue essas tendências e portanto até há uma coincidência de tipologias, e portanto é repetitivo.
Portanto, quando aparece um edifício público, tem outras necessidades de interior, vamos pensar que seja sempre
assim, oxalá que fosse, tem outras exigências interiores, e portanto estabelece diferenças. Diferença de escala e
até de espaços, não é. De escalas, de composição, de exteriorização. E também tem essa necessidade de leitura, já
a nível não de uma célula, mas da cidade. É claro que hoje é difícil defender essa tese, vamos ver se para bem, se
para mal, não é. Acontece o que acontece. Tendo ai Changai, o que é que é edifício público e o que é que é
edifício... (privado). É interessante porque normalmente os edifícios públicos passaram a ser menores, emergem
pelo oposto. Por exemplo, os museus nas nossas cidades, é como que uma defesa própria da vocação de cada
tipo de edifício. Mas, normalmente é assim. Na idade média já se sabe que n o cimo da colina era a catedral. Mas
no Barroco é muito claro, na obra do Cisto VI, que manda pôr em determinados pontos da cidade temas
emergentes para dar uma leitura da cidade e das transições das zonas de vocação diferente. Mas isto a propósito
de quê?
Graça Dias: Eles querem saber é que, sem ser a escala, que é assim o mais imediato, que outros temas é que
chama quando tem que desenhar a porta de um edifício público, para o distinguir.
Siza: Sim, de certa maneira já toquei no assunto quando digo isso de que nas cidades que estão a desenvolver-se
verticalmente os edifícios públicos baixam, outro tipo de emergência, neste caso de submergência quase. Agora,
bem, eu gosto muito de baixar aos aspectos regulamentares. Edifício público, mexe com mais gente... Embora os
regulamentos sejam um pesadelo que nos persegue. Mas até por isso é necessário baixar ao pesadelo. Num
edifício público a porta tem de ser maior, logo. Por natureza. Porque, como sabem, hoje se dimensiona,
obrigatoriamente, a partir do fluxo de pessoas e portanto há tabelas, é maior. Razões de segurança e tal. O que eu
quero dizer com isto é o seguinte: temos, em todos os aspectos da arquitetura, já que focam neste, uma ajuda que
às vezes nos irrita, não é, mas que no fundo é preciosa. Temos a ajuda do funcional. A palavra caiu tanto em
desgraça, o funcional. Portanto, num edifício público, logo, de necessária dimensão, e também a dimensão do
espaço que a antecede e do espaço depois são logo indicativos obrigatórios que são como que uma introdução
segura ao tema do simbolismo da entrada, da leitura da entrada.
Graça Dias: Em todo caso, desculpa interrompê-lo, o regulamento só nos dá a obrigatoriedade da largura, não é,
em limite uma porta poderia continuar a ter 2 metros de altura e 4 de largura que cumpriria o regulamento. Caberá
ao arquitecto perceber se os dois metros de altura são suficientes dentro do plano do desenho.
Siza: Sim, bom, em planta, quer dizer, quando se desenha uma planta está-se a desenhar, simultaneamente, quer
queira, quer não, os cortes e os alçados. As dimensões que aí põe estão a refletir-se no resto, nas três dimensões,
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ou nas quatro, e portanto, o que quero dizer é que simultaneamente se tem de tratar de planta, alçado e corte. O
Carlos Ramos é que costumava dizer que uma boa planta dá sempre um bom alçado. (risos) É claro que era uma
afirmação que incide especialmente nos aspectos que ele apreciava, da função, do rigor. É uma frase manifesto. O
que acontece é quando se estar a desenhar a planta ou a pensar a planta está a pensar simultaneamente na
imagem. É claro que nós raramente conseguimos fazer isso em simultâneo, mesmo que usemos imagens virtuais
e tal, maquetes, ajuda muito mas é numa fase já mais... É muito difícil. O que temos que estar é a acertar
permanentemente, fazer um zig-zag planta-cortes-alçados, com ajuda do desenho ou mesmo sem isso. E, em
determinada altura, com ajuda da maquete etc. Ora bem, em relação ao termo da altura, dois metros chega, é claro
que quando eu tenho aqui um espaço maior do que o habitual e ali também, de um lado e doutro, vai muita gente,
o que se pensa imediatamente é então a porta, para as proporções serem ajustadas, os espaços, e também,
porventura, mais pé-direito, muito mais gente necessita de mais luz, de ar, embora hoje não se fume... (...) E aí
entra uma coisa com muita raridade, em desuso, que são as proporções, não é. Os mais mudemos, os que hoje já
são antigos, não é, usavam o modulor porque sabiam que havia uma relação de proporções, das formas, que tinha
de ser controlada. Mas depois há também, quer dizer, nunca isto pára no problema da porta. A porta nunca é o
problema da porta, só da porta. Porque da porta passa-se para outras coisas, não é. O espaço da transição, a
transição é um aspecto tão permanente quanto a continuidade. Portanto, eu posso querer fazer uma porta muito
baixinha, mesmo para um edifício (público), para depois ter um espaço...
Graça Dias: E depois, quando chegar, BUM! Até às vezes quando não é possível ter uma dimensão muito
expressiva no átrio, não é. E então está a ser um truque baixar um pouco a porta demais para parecer...
Siza: Em Serralves há um pouco isso, não é. Em Serralves a porta tem a sua elaboração também, embora aquilo
nunca se acabou, não é, porque aquilo tem um coberto de saída, não é, se me lembro, e a porta está lá no fundo e
há aqui uma galeria.
Graça Dias: Este coberto tem que ver com a galeria, também coberta, que vem lá de trás, do percurso...
Siza: E, no desenho, havia aqui uma falsa porta que era assim, se não me engano, em mármore. Uma porta...
Graça Dias: Como fez em Santiago...
Siza: Em Santiago, é isso. E aqui também havia para indicar que realmente era por ali. E aqui tinha a ver com
outras coisas, etc. Os problemas, a gente tem que tratar por uma questão de métrica, de estrutura, e tal, os
elementos da arquitetura separadamente. Mas no fundo eles estão sempre a funcionar em conjunto.
03. Na Casa de Chá da Boa Nova, nas Piscinas de Leça, na Adega Mayor e em outras obras suas, há uma
evidente simbiose entre paisagem e objeto. A questão que lhe colocamos pretende esclarecer, se o percurso
é a própria obra, ou se, pelo contrario, a sua envolvente?
Graça Dias: No fundo, se o percurso já é a obra, não é? Ou se, pelo contrário, é um resultado.
Siza: No caso da Boa Nova é até um resultado pouco habitual, um processo pouco habitual, porque, na verdade,
nós - digo nós, porque aquele trabalho foi feito em equipe, fizemos aquele projeto que não era assim no concurso,
era uma outra coisa, foi uma modificação de 180 graus durante a elaboração do projeto. Não é o projeto que
ganhou o concurso. E estávamos muito atrapalhados como novatos que éramos, e num tempo em que a aquisição
de saberes na Escola não era tão imediata como será hoje, estávamos absolutamente aos papéis, sem saber como
se havia de chegar ali com a praia, a colina, etc. Bom, e surgiu aquela solução, que, se repararem bem anuncia
quase que uma linguagem diferente; é exatamente com o edifício já acabado que se faz a solução do acesso, já
estava eu a trabalhar na Piscina de Leça. O desenho, o perfil da Boa Nova, quase que é a reprodução do perfil das
rochas. Mal acabou a obra comecei a ser crítico em relação a esse tipo de relação com a paisagem, demasiado
mimético. Se repararem, na Piscina de Leça, são as grandes linhas da paisagem; praticamente são as linhas do
horizonte, da avenida, dos muros, linhas portanto, horizontais, com uma paragem, vá lá, uma chamada de atenção,
o restaurante que nunca se construiu mas que justifica o muro que ali existe. E depois são intervenções muito
geométricas, normalmente linhas que vão tocar, vão escolher o ponto de relacionamento com a paisagem, com as
rochas, etc. É interessante, porque, quase milagrosamente, a composição faz um todo realmente, e completa-se
mesmo com a oposição; hoje sente-se que era fundamental ter isto acesso mas, realmente, foi feito depois.
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Ora mas em relação mais concretamente à vossa pergunta: aqui havia dois aspectos a considerar na paisagem,
paisagem natural, rochas, a praia, a linha do horizonte; mas depois um elemento muito forte construído que era a
marginal. Portanto, aquele muro de quilômetro e meio da marginal é feito nos anos de 1930, numa época em que
não havia a afluência às praias que existe hoje e que obriga, até a afastar os acessos da linha de costa. Pelo
contrário, na época, pouca gente ia a pé, até era preciso promover...
Há esse longo muro, que no caso do acesso propriamente, e como eu já estava a pensar para a piscina é essa
relação essencial do construído de uma maneira muito desinibida nos anos 30, que os arquitetos não tinham esse
tipo de inibição, os urbanistas, perante a Natureza e, portanto tem a ver com isso. Enquanto que a Boa Nova tem a
ver mais diretamente com a vista, com o controlo da entrada, muito forte, e a vista sobre o mar, a perda da vista
sobre o mar e depois o reencontro com o mar, tem a ver com as duas coisas portanto: com a paisagem e com o
edificado.
Repararam com certeza que o telhado tem um desnível, e que quem entra, (quando os vidros estão limpos) vê aqui
exatamente a linha do horizonte. E depois perde outra vez essa vista porque a porta é muito baixinha, vê só ali uns
bocados de rocha; quando finalmente desce é que tem a vista para o rio.
Graça Dias: E, além disso, entrou de costas para a paisagem, a baixar quase a cabeça para poder entrar naquela
"gruta", digamos assim...
Siza: Sim, sim, a própria escada de acesso, cá fora: entra-se numa cercazita ou coisa assim, um espaço anônimo
que depois sobe-se, e vê-se o Porto, e depois torce-se, sobe-se assim e vê-se a capela e depois entra-se também
torcendo.
Graça Dias: O que eles querem saber é se esse percurso foi ou não totalmente intencional no projeto.
Siza: Claro que foi! Aliás, o primeiro projeto tinha a Casa do Chá (o problema é a Casa de Chá e o restaurante), ao
nível da entrada e em baixo o restaurante; e bem, era muito feio! A sala era hexagonal. Aquilo ganhou pela escolha
do sítio e pela memória descritiva que fez o Távora, que era um poema. Mas o sítio, foi também Távora que o
escolheu. E depois mudou-se; realmente era um "acavalar" de volumes com as rochas. Eu tomei consciência que
tinha de ser uma cobertura horizontal com tudo ao mesmo nível, entrar-se por cima, permitindo que as cozinhas
servissem as duas salas, passando por baixo da entrada. Portanto grande parte da decisão teve a ver com
aspectos "funcionais" -- a cozinha precisa de servir as duas salas -- e com a paisagem.
04. Na Biblioteca de Viana não existe propriamente um percurso de aproximação, desenhado. Os percursos
de chegada são difusos, diluem-se na cidade, porém, existe um espaço de chegada e de recepção à própria
Biblioteca. Neste tipo de casos, que têm um contexto mais urbano, quando não existe a condição de desenhar
um percurso dinâmico, existe preocupação com a concepção de um espaço de chegada mais estável?
Siza: Bom, ali há um aspecto que está na base do projeto, que é a intenção em conversa. Éramos três arquitetos a
trabalhar naquela zona. A idéia do arquitecto Távora era não fechar completamente a vista sobre a frente anterior,
porque já se sabia que havia umas reações, por tapar a frente do rio, etc. De maneira que isso deu origem à praça
que Távora desenhou e que está no eixo daquela grande avenida que vai dar à estação. E quando eu desenhei a
Biblioteca não tinha nenhum eixo desses, que fazem com toda a força, a ligação entre o anterior entre o passado e
o projeto. E portanto o que pensei foi levantá-lo, para poder ter a presença da fachada de água e, ao mesmo
tempo, para criar um lugar claro de acesso à Biblioteca. E portanto aquele aberto (que é um espaço coberto mas
com transparência) marca também uma praça, embora não tenha limites construídos que definam o espaço, é a
própria levitação do edifico que tem esse efeito. É claro que neste momento, está incompreensível, porque o
Presidente da Câmara... (os Presidentes de Câmara são grandes urbanistas, em geral...) resolveu -- à volta do
edifício do Távora é tudo empedrado; é um local para onde quando o tempo está bom, vem muita gente, é um local
de grande atração. E o que é que faz o presidente? -- Até aqui é empedrado, mas quando chega à execução do
meu, que é posterior, resolve meter relva [risos], de maneira que à volta da Biblioteca é tudo relva. Com aquela
mania atual, das pessoas, de que o verde é que é preciso, seja onde for!. E então o edifício tem uma pata pousada
na pedra e outra na terra! Mas há uma promessa de vir a ser corrigido; promessas, enfim...
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Ora bem, portanto, no fundo a marcação da entrada é fundamentalmente produzida com essa elevação do edifício.
05. O grupo optou por estudar a idéia de filtros na sua obra. Para nós filtros por ser, por exemplo: as Estantes
da Biblioteca de Aveiro, o Dispositivo de Mobiliário Fixo no Átrio da FAUP ou os Balneários das Piscinas de
Leça. Quais são os elementos com que joga para criação de filtros na transição de espaços? O que o motiva
na criação destes filtros?
Siza: Bem, se eu estou a perceber estão a referir-se, no fundo, à limitação de espaços mas não ao corte. (Corte
Total) Isso é um tema muito antigo da arquitetura. Se pensarmos no mobiliário, desde o biombo até à mesa de
exposição, no centro de um restaurante. Sempre um mobiliário tem também uma função naquilo que se
acrescenta, que é estável na arquitetura. Tem uma função de organização do espaço também. No caso que cita, da
piscina de Leça, esse filtro é um filtro obrigatório porque numa piscina há que separar os calçados dos descalços.
E também é um a coisa que vai acabar porque toda gente vai descalço para a praia. Quando se fez a piscinas, ia
muita gente, com sapatinho e tal, fato e gravata. E deixava-se os miúdos nas piscinas e ia-se para aquele triângulo
e não podia pisar numa parte pisada pelos outros. Portanto aí o filtro era mesmo uma exigência funcional.
Normalmente, chamei-lhes filtros porque não cortam a continuidade do espaço, como é o caso dos móveis que eu
citei, o biombo etc. e etc. Que organizam o espaço mas num segundo grau de permeabilidade.
06. Temos conhecimento que o dispositivo de mobiliário fixo do átrio da FAUP, os cacifos dos professores,
surge numa fase posterior à do uso do edifício inicial. E surge como elemento de conformação do espaço e
que, portanto diferencia dois espaço de circulação, ou apenas como uma resposta a uma necessidade
funcional programática?
Siza: Não, as duas coisas, quer dizer, o problema é que pôr ali os cacifos podia ser um desastre! Portanto foi
preciso puxar pela cabeça para que só não fosse um desastre como, de certa maneira, fosse um tema de controlo
do percurso e de chegada das escadas a uma espécie de antecâmara. Não é? E pronto, às vezes há maneira de
uma posterior, e julgo que haverá sempre, se não for um disparate, há sempre maneira de um pedido posterior de
alteração que feito pelo próprio ou por outro, resulte bem. Mas para isso é preciso compreender o espaço que
antecede essa construção e portanto criar outros tipos de relações com uma coisa mínima, neste caso, um
armário. Mas é muito difícil, por exemplo, mobiliar uma casa é como tipo, mobiliar a minha casa nova (nova, já lá
estou há anos, é desenhada pelo Souto de Moura). E vi-me atrapalhado, e demorei para aí, um ano porque é um
conceito de espaço pouco diferente ao que eu normalmente estou mais habituado enquanto projetista. Por
exemplo, a sala tem uma estante no fundo. Grande. Depois tem uma passagem assim e da mesma até aqui. E da
mesma maneira os vidros vão até aqui. De maneira que é extremamente difícil não fugir sem ficarem a boiar. Foi
muitíssimo difícil, tive que fazer umas experiências e tal. E, quer dizer, não é um defeito da "planta", mas tem
implícita uma ideia sobre o que são os filtros etc. e etc. que tem que ser posta de acordo com o que é a
organização do espaço, nesta casa. Assim como pendurar quadros, eu estive para i, durante dois anos, como não
tenho muitos e nem quero ter muitos, tive-os pousados aqui, quase todos dias os deslocava para outro sítio, não
fica bem e tal. Não sei, deve ser muito difícil. É por isso que esta coisa de entregar a um decorador a casa…
Graça Dias: É uma "comodidade" muito grande!
Siza: Uma comodidade, e em geral um disparate muito grande!
Graça Dias: Este grupo estudou transições entre os diversos pisos, ou seja, escadas e rampas, principalmente.
Querem colocar a vossa questão?
07. Nas obras de alguns autores as escadas e as rampas definem-se como objetos, de certo modo,
escultóricos. Constatamos que, geralmente, na obra de Álvaro Siza, elas parecem querer apenas ser um
elemento útil, eficaz, contendo, quase sempre, alguma neutralidade. Quais as suas principais preocupações
no desenho de elementos deste tipo? E por que razão, a mais recente Fundação Iberê Camargo, constituirá
uma exceção na sua obra?
Siza: Bem, fico muito satisfeito por vocês lerem as escadas que eu tenho projetado, como elementos "naturais". Na
realidade são muito elaboradas, mas são elaboradas no sentido de não aparecerem como esculturas; a escultura é
outra coisa. O Iberê Camargo dizem vocês que é uma exceção; e é, claro. Quando o projeto começou a ser
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publicado, imediatamente os críticos descobriram, ou começaram a descobrir, que era Lina Bo Bardi ou que era
Frank Lloyd Wright ou que era o Niemeyer... Claro que eram todos eles e mais não sei quantos! Mas, ali, como que
é que poderei explicar? Uma explicação pode ser convincente ou não; foi muito uma reacção emocional ao
contexto desse trabalho, embora partindo dos aspectos funcionais de um museu. Primeiro, há um rio que "parece"
um mar, um rio de uma vastidão enorme; depois, uma grande diferença de nível (a altura do edifício,
praticamente), finalmente, e há um terreno “levado da breca” porque é muito estreito. Juntaram-se estas coisas e
eu comecei por fazer muitos esquissos, muitas soluções: a partir da idéia do estacionamento em cima, com uma
ponte ou elevador... Mas não podia ser nada disso e então tive mesmo que o projetar neste terreno estreito. O
Dono de obra porque é uma pessoa influente, conseguiu aprovar que o estacionamento ficasse sob a rua, o que foi
fundamental, porque eu não sabia onde pôr os carros, precisava da cave para os arquivos e outras partes do
programa, e não queria que o edifício fosse visualmente mais alto do que o talude, principalmente para quem está
na Avenida. Daí resultou que o museu, que necessita de grandes áreas, poderia caber onde o terreno é mais largo.
Outra coisa, ainda, é que este fundo do talude, com aquela vegetação sul brasiliana, é uma coisa belíssima,
lindíssima! Não quis, de maneira alguma, tocar nesta peça, o que ainda reduziu mais as dimensões disponíveis. E
sabia que, passando à frente, uma avenida de grande movimento, em sentido único, nunca se poderia parar lá um
carro ou um caminhão TIR; tinha, portanto, que ter ainda acesso por trás do museu, todos estes fatores
começaram a reduzir o espaço de implantação mas já tinha espaço suficiente para trabalhar em altura. O Museu
que se desenvolve em altura, evidentemente, com um volume potente e depois, com partes do programa à parte
(cafeteria, ateliers, etc) baixando a altura do volume principal (para caberem aqui e darem a entrada ao conjunto).
Bom, e então daqui resultou um volume potentíssimo que eu acabei por desenhar utilizando a mesma curva mas
ao contrário. Havia, portanto, muitos elementos de apoio para desenhar este objeto. Bem, e com a maquete, com a
idéia, os vídeos primeiro, depois a visita, verifiquei que seria impossível este volume maciço ficar indiferente à
paisagem, àquela vastidão que é a vastidão do Brasil de um modo geral. A projeção das rampas é quase que um
impulso inevitável não é? Bum! É claro que também está relacionada, como acontece nestas coisas, com aspectos
muito comezinhos, tais como o comprimento disponível ou as regulamentações atuais não permitirem uma rampa
num único lanço como eu queria ter (só) dentro. Eu queria deixar um espaço muito aberto no centro; houve, então,
uma coincidência com esse lado mais "emotivo"; a rampa tinha realmente que "saltar" e ou saltava para dentro e o
espaço ficava saturado, ou saltava para fora. Este foi mais ou menos o processo. É mais espetacular esta, do que
qualquer outra rampa ou escada que eu tenha desenhado porque, aqui, era o rio a puxar. Eu bem queria ser
"modestinho", mas o sacana do rio puxava...
Graça Dias: Digamos que no seu processo de concepção não há geralmente, qualquer obrigatoriedade em fazer
uma peça escultórica a partir de uma rampa; neste caso acabou por surgir, como resultado da composição geral.
Os alunos referiam muito o fato do arquiteto Niemeyer apoiar alguns dos seus espaços interiores na tensão criada
pelo ponto onde existe a comunicação vertical: uma rampa muito forte ou uma escada a espadanar redonda, e com
isso a "preencher" de sentido o espaço.
Siza: Sim, sim, Niemeyer é muito de dualidades não é? A dualidade entre a curva e o espaço ortogonal, a
delicadeza e a figura do tempo. É um tema que repete muito.
08. Um dos objetivos iniciais deste trabalho seria encontrar referências escritas, relacionadas com os temas
que iríamos abordar, dentro do tema principal das transições na sua obra. Verificamos que existiam poucas
referências a escadas e a rampas nas memórias descritivas ou em textos escritos pelo arquitecto.
Siza: Poucas referências?
Graça Dias: Nunca encontraram referências em textos ou nas memórias descritivas dos projectos. Todos os
outros foram à procura de qualquer texto seu onde houvesse uma referência ao tema que estavam a estudar, e
este grupo, que estudou as escadas e as rampas, não encontrou nada.
Alunos: E quando encontramos, eram descrições muito técnicas. Gostaríamos de saber porque é que isso
acontece.
Siza: Terá que ver com o que vos referi antes. Tal como não tenho por hábito, enquanto processo, destacar de
forma quase autônoma determinados elementos, também, ao escrever, não sinto necessidade de fazer especial
menção às escadas. Aliás, eu nas memórias descritivas sou "sequíssimo". Primeiro, porque é das coisas mais
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aborrecidas que há, escrever memórias descritivas! Só aquele início, “Esta memória descritiva refere-se a ...”!
Aliás, a maior parte das vezes peço a um colaborador que ma escreva, primeiro. Depois tento reescrevê-la...
Graça Dias: Já com uma base.
Siza: É um ponto de partida que rompe com aquela renitência em perder tempo a fazer uma descrição. Mas, as
rampas, isso é um tema que praticamente acabou. Só a Zaha Hadid é que pode fazer rampas. Porque tem "espaço".
Pode é não ter "largura", porque com o regulamento atual, de 6%, e os patamares…
Graça Dias: De 10 em 10 metros…
Siza: Ou menos, ainda! Acabou, a "rampa". É interessante, não sei qual era o edifício, em que ainda consegui…
Acho que ainda não havia patamares, mas havia já a obrigatoriedade dos 6%; e a rua de acesso tinha cerca de 12%
ou 15 %. As pessoas, os “handicapés” não poderiam lá chegar. Segundo os livros, não poderiam lá chegar.
Graça Dias: E agora uma questão divertida em relação ao "contextualismo":
09. O nosso estudo é sobre a transição entre o construído e a paisagem, a relação entre a obra e o espaço em
volta. Gostaríamos de abordar não só os aspectos físicos, mas também a idéia da essência do lugar.
Segundo a crítica, Álvaro Siza é um "arquitecto contextualista". No caso do pavilhão de Hannover como reagiu
à notícia de que a Câmara Municipal de Coimbra o adquiriu e instalou definitivamente no Parque do
Mondego? Considera essa instalação, uma experiência bem sucedida, já que o edifício não foi concebido para
aquele espaço?
Siza: Eu sou um contextualista? Contextualista é uma palavra quase do nível daquela de há pouco, o minimalismo.
O pavilhão de Hannover foi feito, ao contrario deste, como um pavilhão amovível, foi projetado para poder ser
desmontado e levado para outro tipo de lugar. Assim, a lógica organizativa do Pavilhão não tem, em absoluto,
nada a ver com contexto. Está preparado para poder ir para qualquer sitio. Aliás em Hannover estava num sítio
muito mau, numa rua, com outros à frente e atrás, tudo muito desconexo.
Hannover foi um fiasco total e ainda lá está tudo num campo aberto. Tiraram os pavilhões mas não fizeram nada.
Este foi feito exatamente para se poder desmontar e transpor para outro sítio e assim se fez. Foi desmontado,
propuseram-nos remontá-lo num jardim e nós achamos ótimo. Iria ficar melhor do que em Hannover. Tivemos
que analisar a questão topográfica e falamos com o Camilo Cortesão, o projetista do jardim.
10. Ao visitarmos a Adega Mayor, o que mais nos impressionou foi a simplicidade do terraço e a sensação de
unidade com a paisagem. Pode-se falar de uma "transição em continuidade", entre a obra e a paisagem?
Siza: O sítio é muito bonito, aquilo é maravilhoso, não há construções em volta (poderia ser maravilhoso com
construções, mas, neste caso, é maravilhoso sem construções). A propriedade é toda do Sr. Nabeiro, que plantou
a vinha em torno do edifício, a vinha não existia. O problema que se pôs foi, onde implantar, porque é um terreno
enormíssimo, mas havia razões fortes para ser ali.
Primeiro, queria que não fosse longe da fábrica do café. Há uma ruazinha e ao lado, uma lixeira. Nada mais
gostoso do que substituir lixo por um edifício. É uma colina com um buraco no meio, feito na rocha, onde
deitavam o lixo. O sítio era prático pela relação que se estabelecia com a fábrica e, em todos os aspectos, o sítio
melhor, com esta pequena afloração rochosa, que facilitava ter uma parte em cave e também a organização dos
vários espaços. Tinha todas as condições e, além disso, durante a construção ele plantou toda aquela vinha o que
é uma maravilha!
O grande problema é que agora querem aumentar a adega para o dobro (lá estamos, a "flexibilidade"). Tenho que ir
lá e parece ser um problema dos diabos. Aliás, muitas vezes - não sei se será a melhor solução - em vez de se
fazer uma ampliação, as pessoas fazem outra adega ao lado e vou ver se defendo uma situação dessas.
Primeiro, porque tem que parar a produção para se fazer a obra. Segundo, para ampliar tem que deitar fora uma
parte da vinha. A construção é cara, não é? Eu estou a pensar sugerir a construção de outra adega, noutro ponto.
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Graça Dias: Este grupo questiona sobretudo o terraço. Ficaram impressionados quando chegaram ao terraço e
viram uma espécie de "comunhão" entre a construção e a paisagem envolvente.
Siza: É uma pessoa muito interessante, o Nabeiro; muito engraçado, assim, um pouco "antigo" e muito boa pessoa.
Trata muito bem toda aquela gente; emprega a população toda de Campo Maior, é muito prestável e, a mim
também me tratou bem. E o Sr. Nabeiro queria uma parte para apresentação (as adegas agora têm um
complemento de divulgação e turismo), um pequeno auditório, um átrio para exposição de produtos e uma loja,
essas coisas assim. O auditório resolvi metê-lo aqui, há uma parte com escritórios e outros programas em três
pisos. O último piso é só essa parte mais turística, e com a idéia de que se possa fazer umas refeições ao ar livre e
ver-se a paisagem. Há um grande terraço ajardinado; o Nabeiro pediu-me um espelho de água e, realmente é um
posto de observação fantástico.
Graça Dias: Os alunos acharam que havia uma comunhão perfeita entre a vastidão do terraço e a paisagem...
Siza: Mas também não havia outra solução. O terraço tinha que ser grande porque o edifício é grande; enfim,
junta-se o útil ao agradável! Realmente, é um sítio extraordinário e, é claro, que tem implicações no projeto.
Porque uma das coisas é aquela geometria "implacável". O programa adequou-se àquela vastidão toda. É um
grande edifício, mas no terreno é um ponto. É bonito, naquela vastidão toda, estar lá aquele "pontinho"... Foi
necessário disciplinar as formas; mas, neste caso não foi muito difícil, foi quase o evidente. Há sempre umas
coisas que podem ter que sair fora e o que se queria foi o que acabou por acontecer, realmente.
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