Ricardo Sobhie Diaz e Vicente Soriano Vázquez

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Ricardo Sobhie Diaz e Vicente Soriano Vázquez
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PERMANYER BRASIL
PUBLICAÇÕES
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Ricardo Sobhie Diaz e Vicente Soriano Vázquez
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Vicente Soriano Vázquez formou-se em medicina em Barcelona, Espanha e, em
seguida, especializou-se em Medicina Interna. Após um estágio de pós-doutorado no
Federal Drugs Administration (FDA), Bethesda, MD, EUA, voltou para a Espanha e
ingressou no Departamento de Doenças Infecciosas no Hospital Carlos III, em Madri,
onde é Diretor Adjunto desde 1999. Sua especialização concentrou-se principalmente
em infecções virais, especialmente em HIV e hepatite viral. É editor chefe da AIDS
Reviews, uma publicação internacional revisada por especialistas, focada em pesquisas
sobre o HIV (fator de impacto ~4). Sua equipe produziu mais de 1.000 artigos em
publicações internacionais. Atualmente, essa equipe está entre as dez primeiras equipes mundiais de cientistas no campo de HIV (www.aidshivresearch.com). Está auxiliando no Programa Nacional para AIDS, na Espanha, sendo o editor do “Manual del
SIDA” (Manual sobre AIDS), um compêndio de HIV/AIDS para os países de língua
espanhola. Ele preside o Painel Internacional de coinfeccção por Hepatite e HIV.
C
Ricardo Sobhie Diaz é médico infectologista formado pela Escola Paulista de
Medicina, em São Paulo, Brasil. É professor associado da Disciplina de Infectologia
da Escola Paulista de Medicina e chefe do laboratório de Retrovirologia naquela
Instituição. Tem mais de uma centena de artigos científicos publicados e periódicos
médicos e é membro do Consenso para Antirretrovirais em Adultos e Adolescentes
do Ministério da Saúde brasileiro. É também membro eleito do conselho governamental da Internacional AIDS Society representante da América Latina e Caribe
(2006 a 2010 e 2010 a 2014).
COORDENADORES:
O entendimento sobre os mecanismos da doença e os danos causados pelo HIV
emergem de forma acelerada, quase alucinante. As abordagens terapêuticas e no
ramo do diagnóstico e da prevenção também evoluem, possibilitando um conforto
para médicos e profissionais que lidam com pacientes infectados pelo HIV e, principalmente, para os próprios pacientes infectados. O potencial de controle da
progressão da doença avança com as modernas estratégias de tratamento e medicamentos novos. Este livro descreve o que há de mais avançado com relação à
infecção pelo HIV e, de forma prática, descreve também as condutas mais modernas e adequadas para o paciente infectado à luz do conhecimento atual e na visão
de vários especialistas de renome nacional.
COORDENADORES:
Ricardo Sobhie Diaz e Vicente Soriano Vázquez
PERMANYER BRASIL
PUBLICAÇÕES
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© 2012 Permanyer Brasil Publicações, Ltda.
Avenida Eng. Luiz Carlos Berrini, 1461, 4º Andar
CEP 04571-011 São Paulo, Brasil.
Celular: 55 11 6171-3597 - [email protected]
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ISBN da coleção:
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Ref.: 770AR111
Reservados todos os direitos.
Sem prévio consentimento da editora, não se poderá reproduzir nem armazenar num suporte recuperável ou transmissível
nenhuma parte desta publicação, seja de forma eletrônica, mecânica, fotocopiada, gravada ou por qualquer outro método.
Todos os comentários e opiniões publicados são da responsabilidade exclusiva dos seus autores.
Autores
Adauto Castelo Filho
Disciplina de Infectologia
Universidade Federal de São Paulo
São Paulo – SP
Amilcar Tanuri
Laboratório de Virologia Molecular
Instituto de Biologia
Departamento de Genética
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Rio de Janeiro – RJ
Angélica Espinosa Miranda
Núcleo de Doenças Infecciosas
Departamento de Medicina Social
Universidade Federal do Espírito Santo
Vitória – ES
Beatriz Grinsztejn
Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)
Instituto de Pesquisa Clínica Evandro
Chagas (IPEC), Laboratório de Pesquisa
Clínica em DST-AIDS
Rio de Janeiro – RJ
Carlos Brites
Laboratório de Pesquisa em Virologia
Complexo Hospitalar Professor
Edgard Santos
Universidade Federal da Bahia
Salvador - BA
Celia Pedroso
Laboratório de Pesquisa em Virologia
Complexo Hospitalar Professor
Edgard Santos
Universidade Federal da Bahia
Salvador - BA
Celina Monteiro Abreu
Laboratório de Virologia Molecular
Instituto de Biologia
Departamento de Genética
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Rio de Janeiro – RJ
Érico Antônio Gomes de Arruda
Departamento de Doenças Infecciosas
Hospital São José de Doenças Infecciosas
Fortaleza – CE
III
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Érika Ferrari Rafael da Silva
Disciplina de Infectologia
Universidade Federal de São Paulo
São Paulo – SP
Jorge Figueiredo Senise
Departamento de Infectologia
Universidade Federal de São Paulo – São
Paulo - SP
Fabianna Bahia
Laboratório de Pesquisa em Virologia
Complexo Hospitalar Professor
Edgard Santos
Universidade Federal da Bahia
Salvador - BA
José V. Fernández-Montero
Departamento de Doenças Infecciosas
Hospital Carlos III
Madrid, Espanha
Gustavo Albino Pinto Magalhães
Professor Adjunto de Doenças Infecciosas
e Parasitárias da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ)
Mestre e Doutor em Medicina Tropical
pela Fiocruz
Rio de Janeiro – RJ
Helena Duani
Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias
Hospital das Clínicas da Universidade
Federal de Minas Gerais (HC-UFMG)
Belo Horizonte – MG
Isadora Sofia Borges Saraiva
Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias
Hospital das Clínicas da Universidade
Federal de Minas Gerais (HC-UFMG)
Belo Horizonte – MG
Jorge Casseb
Departamento de Infectologia
Instituto de Infectologia Emílio Ribas
São Paulo – SP
IV
Lauro Ferreira da Silva
Pinto Neto
Departamento de Clínica Médica
Escola de Ciências da Saúde da Santa
Casa de Misericórdia de Vitória
Vitória – ES
Marcia Cristina Rachid
de Lacerda
Médica da Gerência de DST/AIDS
Sangue e Hemoderivados
Secretaria Estadual de Saúde
Rio de Janeiro
Coordenadora da Câmara Técnica de AIDS
do CREMERJ
Membro do Grupo Assessor para Terapia
Antirretroviral e da Rede Nacional de
Genotipagem (RENAGENO)
Departamento Nacional de DST/AIDS
do Ministério da Saúde
Pós-graduada em Imunologia Clínica
pelo Instituto de Pós-Graduação Médica
Carlos Chagas
Mestre em Doenças Infecciosas
e Parasitárias pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ)
Rio de Janeiro – RJ
Autores
Maria da Conceição Milanez
Departamento de Patologia
Escola de Ciências da Saúde da Santa
Casa de Misericórdia de Vitória
Vitória – ES
Paulo Roberto Abrão Ferreira
Ambulatório de HIV e Hepatites Virais
Disciplina de Infectologia
Universidade Federal de São Paulo
São Paulo – SP
Marilia Santini de Oliveira
Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)
Instituto de Pesquisa Clínica Evandro
Chagas (IPEC), Laboratório de Pesquisa
Clínica em DST-AIDS
Rio de Janeiro – RJ
Renato Santana de Aguiar
Departamento de Genética
Instituto de Biologia
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro – RJ
Marinella Della Negra
Unidade de Internação
Instituto de Infectologia Emílio Ribas
Faculdade de Ciências Médicas da Santa
Casa de São Paulo
São Paulo – SP
Mauro Schechter
Departamento de Medicina Preventiva
Faculdade de Medicina
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro – RJ
Ricardo Sobhie Diaz
Laboratório de Retrovirologia
Escola Paulista de Medicina
Universidade Federal de São Paulo
Laboratório Centro de Genomas
São Paulo – SP
Sandra Wagner Cardoso
Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)
Instituto de Pesquisa Clínica Evandro
Chagas (IPEC)
Laboratório de Pesquisa Clínica em
DST-AIDS
Rio de Janeiro – RJ
Patrícia Lima Hottz
Departamento de Infectologia
Faculdade de Medicina
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro – RJ
Simone Bonafé
Pós-graduanda
Universidade Federal de São Paulo
São Paulo – SP
Paulo Feijó Barroso
Unidade de Avaliação
de Vacinas anti-AIDS
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro – RJ
Simone de Barros Tenore
Centro de Referência
e Treinamento-DST/AIDS
Universidade Federal de São Paulo
São Paulo – SP
V
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Thiago Silva Torres
Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)
Instituto de Pesquisa Clínica Evandro
Chagas (IPEC), Laboratório de Pesquisa
Clínica em DST-AIDS
Rio de Janeiro – RJ
Unaí Tupinambás
Serviço de Doenças Infecciosas
e Parasitárias
Departamento de Clínica Médica
Faculdade de Medicina
Hospital das Clínicas da Universidade
Federal de Minas Gerais (HC-UFMG)
Belo Horizonte – MG
Departamento de DST/AIDS e Hepatites
Virais – MS
Brasília – DF
VI
Vicente Soriano
Serviço de Doenças Infecciosas
Hospital Carlos III
Madrid, Espanha
Wladimir Queiroz
Unidade de Internação
Instituto de Infectologia Emílio Ribas
São Paulo – SP
Faculdade de Ciências Médicas de Santos
Santos – SP
Yu Ching Lian
Unidade de Internação
Instituto de Infectologia Emílio Ribas
Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo
São Paulo – SP
Abreviaturas
ABC
AIDS
APV
ATV
AUC
AZT
CDC
CHD
CHER
CMV
CRF
CTD
DAAs
DHHS
ddI
DIH
DP
d4T
DRV
DRV/r
DST
EA
ECR
EFV
EIA
ENF
abacavir
síndrome da imunodeficiência
adquirida
amprenavir
atazanavir
área sob a curva
zidovudina
Center for Disease Control
hepatite D crônica
The Children with HIV Early
Antiretroviral Therapy
citomegalovírus
forma recombinante circulante
domínio carboxi-terminal
antivirais diretamente ativos
Department of Health and
Human Services
didanosina
dermatite infecciosa
desvio padrão
estavudina
darunavir
darunavir potencializado com
ritonavir
doença sexualmente transmissível
eventos adversos
ensaios clínicos randomizados
efavirenz
exame imunoenzimático
enfuvirtida
ETR
FCV
FIV
FPV
FPV-r
etravirina
famciclovir
vírus da imunodeficiência felina
fosamprenavir
fosamprenavir potencializado
com ritonavir
FTC
emtricitabina
g-IFN
gama-interferon
HAART terapia antirretroviral potente ou
altamente ativa
HBIG
imunoglobulina hiperimune
HBsAg antígeno de superfície da
hepatite B
HBV
vírus da hepatite B
HCC
carcinoma hepatocelular
HCV
vírus da hepatite C
HD
histoplasmose disseminada
HDV
vírus da hepatite D
HIV
vírus da imunodeficiência
humana
HNIG
imunoglobulina humana normal
HSH
Homens sexo com homens
HSV
vírus do herpes simplex
HTLV-1/2 vírus da leucemia-linfoma de
células T do adulto
HZ
herpes zoster
IC
Intervalo de Confiança
IDV
indinavir
IF
inibidores de fusão
IL-6
interleucina 6
VII
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
IN
INI
IP
IP/r
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IQR
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LCR
LDH
LEMP
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LPO
LPS
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MDR
MHC
MVC
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NAM
NAT
NFV
NVP
NTX
OMS
ORF
PA
PACTG
PBMC
PCR
VIII
integrasse
inibidores da integrase
inibidor de protease
inibidor da protease potencializado com ritonavir
infecções oportunistas
intervalo interquartil
intenção de tratar
inibidor da transcriptase reversa
análogo de nucleosídeos
inibidor da transcriptase reversa
não análogo de nucleosídeo
líquido cefalorraquídeo
lactato desidrogenase
leucoencefalopatia multifocal
progressiva
linfoma não-Hodgkin
leucoplasia pilosa oral
lipopolissacárides bacterianos
lopinavir
lopinavir potencializado com
ritonavir
Long Terminal Repeats
Micobacterium avium intracelulare
resistência a múltiplos fármacos
antígenos de histocompatibilidade
maraviroque
número de pacientes
mutações dos análogos nucleosídeos
teste de amplificação de ácido
nucléico
nelfinavir
nevirapina
neurotoxoplasmose
Organização Mundial de Saúde
fase aberta de leitura
pressão de abertura
Pediatric AIDS Clinical Trials
células sanguíneas mononucleares periféricas
falta extensão
PCP
PTMF
RAL
RE
RFT
RM
RPV
RRE
RTV
RVP
RVR
RVS
SC
SIRI
SIV
SMX
SNC
SQV
TAM
TAR
TARV
TB
TC
TDF
TGI
TMP
TPV
TPV/r
pneumonia pelo fungo Pneumocystis jiroveciiPR
protease
profilaxia da transmissão materno fetal
raltegravir
retículo endoplasmático
resposta ao final do tratamento
ressonância magnética
rilpivirina
elemento responsivo a Rev
ritonavir
resposta virológica precoce
resposta virorológica rápida
resposta viro lógica sustentada
superfície corporal
síndrome inflamatória de
reconstituição imune
vírus da imunodeficiência símia
sulfametoxazol
sistema nervoso central
saquinavir
timidina
Trans-activating response
element
tratamento antirretroviral
tuberculose
tomografia computadorizada
tenofovir
trato gastrointestinal
trimetoprim
tipranavir
tipranavir potencializado com
ritonavir
transcriptase reversa
lamivudina
Falta extensão
usuários de drogas injetáveis
TR
3TC
UDEV
UDI
UNAIDS
VDRL
Venereal Disease Research
Laboratory
VZV
vírus varicela zóster
Índice
Prefácio
Ricardo Sobhie Diaz......................................................................................................................................
XI
Capítulo 1
A epidemiologia da infecção pelo HIV no Brasil e no mundo
Patrícia Lima Hottz e Mauro Schechter....................................................................................................
1
Capítulo 2
Virologia
Renato Santana de Aguiar e Amilcar Tanuri..........................................................................................
13
Capítulo 3
Imunologia
Jorge Casseb.....................................................................................................................................................
25
Capítulo 4
Infecções oportunistas
Unaí Tupinambás, Helena Duani e Isadora Sofia Borges Saraiva....................................................
31
Capítulo 5
Neoplasias associadas à AIDS
Lauro Ferreira da Silva Pinto Neto, Maria da Conceição Milanez
e Angélica Espinosa Miranda......................................................................................................................
45
Capítulo 6
Alterações metabólicas e complicações cardiovasculares
em pacientes infectados pelo HIV
Érika Ferrari Rafael da Silva e Adauto Castelo Filho............................................................................
53
Capítulo 7.1
Coinfecção HCV‑HIV
Paulo Roberto Abrão Ferreira.....................................................................................................................
59
Capítulo 7.2
Coinfecção HBV-HIV
Paulo Roberto Abrão Ferreira.....................................................................................................................
83
IX
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Capítulo 7.3
Infecções por outros vírus de hepatite: A, D e E
José V. Fernández‑Montero e Vincent Soriano........................................................................................
95
Capítulo 8
Classificação dos antirretrovirais
Sandra Wagner Cardoso, Thiago Silva Torres, Marilia Santini de Oliveira
e Beatriz Grinsztejn........................................................................................................................................
113
Capítulo 9
Tratamento antirretroviral inicial
Érico Antônio Gomes de Arruda e Ricardo Sobhie Diaz.....................................................................
137
Capítulo 10
Terapia de resgate
Marcia Rachid e Gustavo Albino Pinto Magalhães...............................................................................
149
Capítulo 11
A interpretação da resistência aos antirretrovirais
Simone de Barros Tenore, Vicente Soriano e Ricardo Sobhie Diaz...................................................
157
Capítulo 12
AIDS pediátrica
Marinella Della Negra, Wladimir Queiroz e Yu Ching Lian...............................................................
173
Capítulo 13
Manuseio de gestantes infectadas pelo HIV
Jorge Figueiredo Senise e Simone Bonafé................................................................................................
185
Capítulo 14
Abordagens biomédicas para prevenção da transmissão
do HIV
Ricardo Sobhie Diaz......................................................................................................................................
197
Capítulo 15
Vacinas preventivas Anti-HIV/AIDS
Paulo Feijó Barroso........................................................................................................................................
207
Capítulo 16
O HIV-2 e sua biologia e patogênese
Celina Monteiro Abreu e Amilcar Tanuri.................................................................................................
215
Capítulo 17
Coinfecção HIV/HTLV e suas consequências
Carlos Brites, Celia Pedroso e Fabianna Bahia......................................................................................
X
227
Prefácio
Pouco mais de 30 anos após a identificação dos primeiros casos da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), algumas revelações sobre a assim chamada epidemia de nossos
tempos ficam mais claras. Esta jornada de três décadas parece estar coroada de boas e más
notícias. Em primeiro lugar, adquirimos muita experiência com relação a esta doença crônica e
potencialmente mortal (boa notícia). Em contrapartida, ainda não temos a experiência de longo
prazo necessária para, de forma inequívoca, saber quais seriam as melhores abordagens e intervenções para com os pacientes portadores do HIV (má notícia). Isto pelo motivo mais óbvio
de todos, o longo prazo ainda não chegou. De forma muito especial, não sabemos exatamente o que a exposição destes pacientes aos medicamentos antirretrovirais por 20, 30 ou mais
anos acarretará aos seres humanos infectados pelo HIV. Basta reconhecer que o tratamento
com a combinação de antirretrovirais que conhecemos hoje se iniciou em meados de 1996.
As pesquisas e desenvolvimentos possibilitaram de forma bastante eficiente e confiável
que as infecções fossem diagnosticadas com os instrumentos laboratoriais dos quais dispomos, possibilitando diagnóstico amplo e precoce com oportunidades para a interrupção
de redes de transmissão e a necessária segurança ao suprimento de hemoderivados usados
em transfusões; boa notícia. Ficou também decretado que ninguém mais precisa morrer de
AIDS e que transmissões verticais podem ser completamente eliminadas, outra notícia
maravilhosa. Fica claro também que o HIV, que não discrimina ninguém, se estabeleceu
solidamente nos seguimentos mais frágeis das populações mundiais, como locais assolados
pela pobreza e pela desinformação, mesmo em países mais desenvolvidos, nas populações
femininas, e em todos os locais deste planeta, mesmos os mais remotos; outra má noticia.
Os conhecimentos avançaram enormemente com relação ao entendimento sobre os
danos provocados pelo HIV ao corpo humano e sobre a deterioração dos órgãos e tecidos
do organismo humano pela assim chamada microinflamação, que leva ao envelhecimento
prematuro das pessoas. Desta forma, a morbidade das pessoas infectadas pelo HIV continua sendo maior em comparação com as pessoas não infectadas por este vírus, a despeito do tratamento eficaz com o uso dos antirretrovirais; má notícia.
O conhecimento atual tende a apontar que o tratamento antirretroviral é necessário e
eficaz. É, acima de tudo, muito mais amistoso do que o tratamento usado até há poucos anos.
XI
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
O conhecimento atual tende a apontar, desta forma, que iniciar o tratamento mais precocemente do que fazíamos há alguns anos parece mais vantajoso. Novas infecções pelo
HIV podem ser evitadas com a expansão do tratamento, e antirretrovirais usados de forma
profilática podem mitigar o número de novas transmissões. Fica também claro, que vírus
resistentes aos medicamento podem emergir (má notícia), mas novos medicamentos usados para o resgate podem superar esse problema (boa notícia).
Não conseguimos ainda uma vacina que seja inequivocamente protetora com relação
ao HIV nem estratégias de erradicação do vírus que sejam aplicadas de forma razoável à
população infectada pelo HIV (má notícia). A ciência conseguiu, entretanto, um único caso
de cura da infecção pelo HIV através de estratégias relacionadas a um transplante de
medula óssea, o que definitivamente se constitui em uma boa notícia.
Acima de tudo, embora a infecção pelo HIV seja, reconhecidamente, um problema dos
mais atuais, AIDS e HIV tendem a sair um pouco da agenda internacional em momentos em
que o aquecimento global, outras doenças emergentes e infecções mais prevalentes tendem a ocupar um espaço mais relevante (má notícia).
A proposta deste livro é mostrar o que há de mais avançado com relação à infecção
pelo HIV. É principalmente ilustrar de forma prática as condutas mais modernas e adequadas para o paciente infectado. Para tal, foram convidados autores que consideramos como
sendo os melhores especialistas brasileiros para abordarem sobre temas específicos em sua
prática e conhecimento. Esperamos que este formato ajude especialistas e não especialistas que lidam de forma direta ou mesmo os que trabalham indiretamente com pacientes
infectados pelo HIV.
Ricardo Sobhie Diaz
Laboratório de Retrovirologia
Escola Paulista de Medicina
Universidade Federal São Paulo –UNIFESP
São Paulo – São Paulo
XII
Capítulo 1
A epidemiologia
da infecção pelo HIV
no Brasil e no mundo
Patrícia Lima Hottz e Mauro Schechter
Introdução
Este capítulo resume o perfil epidemiológico da infecção pelo HIV, com ênfase no Brasil,
através da abordagem dos aspectos históricos e sócio-demográficos da epidemia, revisão dos
últimos dados estatísticos disponíveis e análise do impacto da terapia antirretroviral (TARV).
Uma visão geral da epidemia pelo HIV no mundo
Na edição de 05 de Junho de 1981 de Morbidity and Mortality Weekly Reports
(MMWR), foram relatados cinco casos de pneumonia por Pneumocystis carinii (P. jiroveci)
em jovens previamente hígidos ocorridos em Los Angeles, Califórnia, dos quais dois morreram. Essa é reconhecida como a primeira publicação sobre o que viria a ser conhecido
como HIV/AIDS1.
Há dados que sugerem que o crescimento da epidemia tenha atingido seu pico em
1999, ano em que se calcula que tenham ocorrido mais de 3 milhões de infecções. Desde
então, houve uma relativa estabilidade, com cerca de 2,5 milhões de novas infecções a
cada ano (Fig. 1), 90% delas em países em desenvolvimento2. Em paralelo, também houve uma diminuição do número de óbitos diretamente atribuídos à infecção pelo HIV, de
2,1 milhões em 2004 para 1,8 milhões em 2009. Apesar da diminuição do ritmo de crescimento da epidemia, continua a haver aumento do número absoluto de pessoas vivendo
com HIV/AIDS, em grande parte devido ao aumento da sobrevida associada à disponibilidade da TARV. Assim, estimava-se, no final de 2009, haver mais de 33 milhões de pessoas vivendo com HIV/AIDS em todo o mundo2.
Em 33 países, a incidência de novas infecções pelo HIV caiu mais de 25% entre 2001
e 2009; 22 deles estão na África Subsaariana. Apesar disso, em nível global, a maioria das
novas infecções ainda ocorre nesta região, que compreende a Suazilândia, o país com a
maior prevalência de HIV no mundo, estimada em 25,9% da população adulta2.
1
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
4.0
3.5
Milhões
3.0
2.5
2.0
1.5
1.0
0.5
0.0
‘90 ‘91 ‘92 ‘93 ‘94 ‘95 ‘96 ‘97 ‘98 ‘99 ‘00 ‘01 ‘02 ‘03 ‘04 ‘05 ‘06 ‘07 ‘08 ‘09
Figura 1. Número de novas infecções pelo HIV no mundo (adaptado de UNAIDS, 2010).
Estima-se que em 2009, 1,8 milhões de pessoas foram infectadas na África Subsaariana, consideravelmente menos do que os 2,2 milhões estimados em 2001. O número estimado de pessoas vivendo com a infecção na região aumentou de 20,3 para 22,5 milhões
no mesmo período, o que é, em parte, justificado pela diminuição do número de mortes em
pessoas com a infecção pelo HIV/AIDS, estimado em 1,3 milhões em 2009, comparado a
1,4 milhões em 20012.
Entre os heterossexuais, a forma predominante de transmissão na África é sexual, havendo
mais mulheres do que homens vivendo com a infecção pelo HIV na região Subsaariana2.
Estimava-se que havia 460.000 pessoas vivendo com a infecção pelo HIV no norte da
África e no Oriente Médio em 2009, comparado a 180.000 em 2001. O número de novos
casos aumentou de 36.000 em 2001 para 75.000 em 2009 e o de mortes em pessoas com
HIV/AIDS, de 8.300 para 24.000 no mesmo período. A prevalência da infecção entre indivíduos de 15 a 49 anos nessas regiões é baixa, 0,1% em 2001 e 0,2% em 20092.
Na América do Norte e na Europa Ocidental e Central, a mortalidade em indivíduos
com a infecção pelo HIV começou a diminuir logo que a TARV foi introduzida em 1996,
atingindo relativa estabilidade a partir de meados da década seguinte. Por outro lado, o
número de mortes continuou a aumentar na Europa Oriental2.
O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) estimou que, até o final de 2008,
1.178.350 pessoas viviam com HIV nos EUA, tendo havido 594.496 mortes por AIDS desde
19811. Estima-se, também, que 48.100 novos casos de infecção pelo HIV ocorreram no país
em 2009. No final de 2008, a maior parte das pessoas vivendo com HIV nos EUA era do sexo
masculino (75%), sendo a maioria de homens que fazem sexo com homens (HSH) – 65,7%3.
No Canadá, o número estimado de pessoas vivendo com a infecção pelo HIV aumentou de 57.000 em 2005 para 65.000 em 2008. Já o número estimado de novas infecções
em 2008 foi de 2.300 a 4.300, semelhante ao estimado para 2005 (2.200 a 4.200). A
2
A epidemiologia da infecção pelo HIV no Brasil e no mundo
transmissão entre HSH é a forma predominante no país e foi responsável por 44% das
novas infecções em 20084.
Em 2010, 118.335 casos de infecção por HIV foram reportados à Organização Mundial
de Saúde (OMS) por 51 dos 53 países da Região Europeia. A taxa de incidência variou
amplamente entre as três áreas do continente. A incidência geral foi de 13,7 por 100.000 habitantes, sendo de 31,7 na Europa Oriental, 6,6 na Ocidental e 1,3 na Central5.
Na Europa Ocidental, o número estimado de novos casos de infecção pelo HIV em
2009 foi de 24.703, o que representa uma taxa de 6,7 por 100.000 habitantes. O modo
predominante de transmissão foi sexual, com 40% das infecções atribuídas ao contato
heterossexual e 37% aos HSH3.
Na Europa Central, 1.612 novos casos da infecção foram estimados em 2009, produzindo uma taxa de 1,4 caso por 100.000 habitantes. O principal modo de transmissão foi
sexual, com 24% entre heterossexuais e 30% entre HSH3.
Estima-se que na Europa Ocidental e Central, 8.500 mortes relacionadas à AIDS tenham
ocorrido em 20092.
Na Europa Oriental e na Ásia Central, o número de pessoas vivendo com HIV quase triplicou desde 2000, atingindo um total estimado de 1,4 milhões em 2009, em comparação
com 760.000 em 2001. O rápido aumento da epidemia nessa região está relacionado ao uso
de drogas injetáveis. Rússia e Ucrânia respondem por quase 90% dos novos casos relatados.
A prevalência de infecção pelo HIV em adultos na Ucrânia é maior do que em qualquer
outro país da Europa Oriental ou da Ásia Central. Além disso, o número de diagnósticos
anuais na Ucrânia mais que dobrou desde 2001. A epidemia de HIV na Rússia também
continua a crescer, mas num ritmo mais lento do que no final da década de 19902.
Na Ásia, o número estimado de pessoas vivendo com HIV em 2009 era de 4,9 milhões,
comparado a 4,2 milhões em 2001. Já o número de novos casos diminuiu de 450.000 em
2001 para 360.000 em 2009. De 2001 a 2009, a incidência caiu mais de 25% na Índia,
no Nepal e na Tailândia, e a epidemia manteve-se estável na Malásia e no Sri Lanka nesse
mesmo período. Estima-se que 300.000 pessoas morreram de causas relacionadas à AIDS
em 2009, comparado a 250.000 em 20012.
Na Austrália, mais de 28.000 casos de HIV foram diagnosticados desde a década de
1980. Entre 2004 e 2008, 60% das infecções diagnosticadas foram em HSH. Desde meados da década de 1990, a proporção de diagnósticos tardios dobrou. Aproximadamente
41% das novas infecções por HIV foram diagnosticadas tardiamente, próximo ao diagnóstico de AIDS, especialmente entre imigrantes heterossexuais3.
A prevalência da infecção pelo HIV entre adultos no Caribe é de cerca de 1%, representando aproximadamente 240.000 em 2009, e pouco variou desde o final da década
de 1990. Estima-se que cerca de 12.000 pessoas com HIV/AIDS morreram em 2009, em
comparação ao número aproximado de 19.000, em 20012. A prevalência em Cuba é
excepcionalmente baixa, aproximadamente 0,1%, contrastando com a prevalência de infecção pelo HIV entre adultos nas Bahamas, de 3,1%2.
As características da epidemia nas Américas do Sul e Central mudaram relativamente
pouco nos últimos anos. O número total de pessoas vivendo com HIV/AIDS aumentou de
aproximadamente 1,1 milhão, em 2001, para cerca de 1,4 milhão em 2009, do qual cerca de um terço mora no Brasil2 (Fig. 2).
3
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
2,0
África Subsahariana
500
Ásia
450
400
350
Thousands
Millions
1,5
1,0
300
250
200
150
0,5
100
50
0
100
0
‘90
‘92 ‘94 ‘96 ‘98 ‘00 ‘02 ‘04 ‘06 ‘08
‘90
Europa de Este + Ásia central
25
60
40
20
0
80
‘90
10
0
‘92 ‘94 ‘96 ‘98 ‘00 ‘02 ‘04 ‘06 ‘08
América do Sul + Central
125
‘90
‘92 ‘94 ‘96 ‘98 ‘00 ‘02 ‘04 ‘06 ‘08
América do Norte + Europa Ocidental
e Central
100
Thousands
Thousands
15
5
60
40
20
0
Caribe
20
Thousands
Thousands
80
‘92 ‘94 ‘96 ‘98 ‘00 ‘02 ‘04 ‘06 ‘08
75
50
25
‘90
‘92 ‘94 ‘96 ‘98 ‘00 ‘02 ‘04 ‘06 ‘08
0
‘90
‘92 ‘94 ‘96 ‘98 ‘00 ‘02 ‘04 ‘06 ‘08
Figura 2. Mortes anuais relacionadas à AIDS por região, 1990 a 2009 (adaptado de UNAIDS, 2010).
4
A epidemiologia da infecção pelo HIV no Brasil e no mundo
Infecção pelo HIV entre homens que fazem sexo
com homens
Desde os primeiros casos relatados em Los Angeles e em Nova Iorque, em 1981,
os HSH são o grupo mais afetado pela infecção pelo HIV na maioria dos países desenvolvidos3.
Entre a década de 1980 e início da de 1990, campanhas de prevenção levaram muitos HSH a modificar os comportamentos de risco, diminuindo o crescimento da epidemia.
Contudo, dados de oito países desenvolvidos demonstraram que, embora as notificações
de infecção pelo HIV entre HSH tenham caído de 1996 a 2000, houve um aumento
importante entre 2000 e 2009, sugerindo um ressurgimento da epidemia nesse grupo,
principalmente devido ao aumento dos comportamentos de risco3. Dados de 23 países
europeus mostram que o número anual de diagnósticos de HIV entre HSH aumentou 86%
entre 2000 e 20062. Os HSH da faixa etária de 13 a 29 anos são particularmente mais
afetados e, em 2009, representaram mais de um quarto de todas as novas infecções por
HIV nos EUA (12.900-27%)6.
Infecção pelo HIV entre usuários
de drogas injetáveis
Estima-se que aproximadamente 15,9 milhões de pessoas usem drogas injetáveis em
todo o mundo e que quase 20% delas (três milhões) estejam infectadas pelo HIV2.
Na maioria dos países desenvolvidos, a proporção de novas infecções pelo HIV entre
os usuários de drogas injetáveis (UDI) diminuiu de forma constante nos últimos anos. Essa
tendência é, em grande parte, atribuída à introdução de programas de redução de danos
que têm sido associados à diminuição do uso de drogas injetáveis e de compartilhamento
de agulhas e de seringas contaminadas3.
De acordo com o CDC, o número de diagnósticos entre UDI nos EUA apresentou uma
queda de 26%, de 5.642 em 2006 para 4.172 em 20093. Em 2009, infecções entre UDI
representaram 9% dos novos casos no país.
Embora em nível global o acesso aos serviços de prevenção, incluindo programas de redução de danos para UDI, tenha aumentado, estima-se que a cobertura atinja apenas 32%2.
Os UDI infectados pelo HIV possuem maior morbimortalidade quando comparados aos
portadores de HIV que não usam drogas, pareados por sexo e idade. Além do uso de drogas
e de álcool, há uma alta prevalência de problemas sociais, comorbidades médicas e psiquiátricas, como hepatites virais, tuberculose, infecções bacterianas e doença mental, que complicam o tratamento e a prevenção da infecção pelo HIV. Em conjunto, esses fatores contribuem com o menor acesso ao sistema de saúde e à baixa adesão ao tratamento7.
O tratamento da infecção pelo HIV, da dependência de substâncias e dos distúrbios e
comorbidades em UDI portadores do HIV pode ser melhorado com a gestão global e multidisciplinar desses transtornos através de uma série de intervenções, tais como aconselhamento, terapia supervisionada e prestação de serviços integrados de saúde. No entanto,
essas ações dificilmente alcançam as populações mais carentes7.
5
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Diferenças raciais
Nos países desenvolvidos, a epidemia da infecção pelo HIV tem impacto progressivamente desproporcional sobre as minorias raciais em geral, bem como em subgrupos de HSH.
Nos EUA, no período de 2005 a 2008, as taxas de incidência de HIV/AIDS entre homens
e mulheres negros eram 8 e 19 vezes maiores do que as taxas entre homens e mulheres
brancos, respectivamente. Para homens negros, o contato homossexual era o principal
modo de infecção pelo HIV; para as mulheres negras, o contato heterossexual era o principal modo de transmissão3. Nos EUA, latinos também são desproporcionalmente mais
afetados do que os brancos3. No final de 2008, a prevalência entre negros e latinos era de
cerca de 8,0 e 2,5 vezes maior, respectivamente, do que a entre brancos no país3. A população de HSH jovens e negros, entre 13 e 29 anos, foi a única, nos EUA, em que ocorreu um significativo aumento de incidência de infecção pelo HIV entre 2006 e 2009 (48%),
período em que houve estabilidade entre os HSH em geral. Nesse período, o número de novos
casos entre HSH jovens e negros com idade entre 13 e 29 anos excedeu o total de novos casos
entre HSH brancos das faixas etárias de 13 a 29 e de 30 a 39 anos6.
A epidemiologia da infecção pelo HIV no Brasil
O primeiro caso de AIDS foi notificado retrospectivamente na cidade de São Paulo, em 1980.
Depois desse, seguiram-se outros, basicamente restritos às principais metrópoles (São
Paulo e Rio de Janeiro), tendo como categorias de exposição preponderantes os HSH, os
hemofílicos e outras pessoas que haviam recebido transfusões de sangue e/ou de hemoderivados8.
Dados oficiais indicam que, até junho de 2011, haviam sido notificados 608.230 casos
de AIDS no Brasil, sendo 397.662 (65,4%) de pessoas do sexo masculino e 210.538
(34,6%) do sexo feminino (Tabela 1). A razão entre os sexos vem diminuindo ao longo
dos anos. Em 1985, para cada 26 casos de AIDS notificados entre homens, havia um
entre mulheres. Em 2010, essa relação foi de 1,7 caso em homens para cada caso em
mulheres9.
Estima-se que a prevalência da infecção pelo HIV na população de 15 a 49 anos tenha
se mantido estável (0,6%) desde 2004, sendo 0,4% entre as mulheres e 0,8% entre os
homens8. Em 2010, foram notificados 34.218 casos da doença, e a taxa de incidência de
AIDS no Brasil foi de 17,9 casos por 100 mil habitantes10.
Observando-se a epidemia por região do país, o maior número de casos de AIDS acumulados está concentrado na região Sudeste (56%). No entanto, entre 2000 e 2010, a
taxa de incidência caiu no Sudeste de 24,5 para 17,6 casos por 100 mil habitantes. Nas
outras regiões, cresceu: 27,1 para 28,8 casos no Sul; 7,0 para 20,6 no Norte; 13,9 para
15,7 no Centro-Oeste; e 7,1 para 12,6 no Nordeste10 (Tabela 2).
Segundo dados oficiais, a relação sexual heterossexual é a forma de transmissão predominante da infecção pelo HIV no país, sendo responsável por 90,4% dos casos no sexo
feminino e 29,7% no masculino. Entre os homens, a segunda forma de transmissão mais
comum é a relação sexual entre HSH (20,7% dos casos), seguida pelo uso de drogas
6
A epidemiologia da infecção pelo HIV no Brasil e no mundo
Tabela 1. Número de casos de AIDS notificados no Sinan, declarados no SIM e registrados
no Siscel/Siclom por sexo, segundo ano de diagnóstico. Brasil, 1980-2011
Ano de notificação
Total
1980
Masculino
Feminino
Total
397.662
210.538
608.230
1
0
1
1982
14
1
15
1983
40
1
41
1984
128
12
140
1985
534
20
554
1986
1.120
73
1.193
1987
2.564
283
2.847
1988
3.996
620
4.616
1989
5.427
899
6.326
1990
7.677
1.425
9.102
1991
9.979
2.130
12.110
1992
12.112
3.069
15.181
1993
13.508
3.888
17.396
1994
14.590
4.553
19.143
1995
16.040
5.841
21.881
1996
17.559
7.378
24.939
1997
18.425
8.932
27.358
1998
19.927
10.346
30.273
1999
17.855
9.879
27.735
2000
19.205
11.231
30.437
2001
19.164
11.899
31.064
2002
21.421
14.009
35.430
2003
21.359
14.067
35.426
2004
20.581
13.611
34.194
2005
19.820
13.343
33.165
2006
19.360
12.917
32.227
2007
20.709
13.415
34.126
2008
22.161
13.415
34.126
2009
21.973
14.002
35.979
2010
21.363
12.846
34.212
2011
9.050
5.494
14.546
Siclom utilizado para validação dos dados do Siscel. Dados preliminares para os últimos 5 anos. 30 casos
ignorados com relação ao sexo. Sinan e Siscel até 30/06/2011 e SIM de 2000 a 2010.
Adaptado de MS/SVS/Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais.
7
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 2. Casos de AIDS no Brasil por região, segundo ano de diagnóstico, 2000 a 2010
Ano do
diagnóstico
TOTAL
Norte
Nordeste Sudeste
Sul
CentroOeste
Ignorado/
Exterior
Total
22.716
56.739
184.397
85.813
23.172
14
372.851
2000
903
3.387
17.741
6.793
1.615
1
30.440
2001
1.193
3.633
17.469
7.035
1.734
0
31.064
2002
1.403
4.345
19.343
8.183
2.150
6
35.430
2003
1.445
4.657
18.832
8.133
2.357
4
35.428
2004
1.942
4.871
17.669
7.420
2.291
1
34.194
2005
1.875
5.124
16.842
7.156
2.169
0
33.166
2006
1.999
5.007
15.773
7.428
2.072
1
32.280
2007
2.388
5.950
15.378
8.236
2.176
0
34.128
2008
2.929
6.508
15.650
9.281
2.155
0
36.523
2009
3.365
6.555
15.558
8.260
2.242
0
35.980
2010
3.274
6.702
14.142
7.888
2.211
1
34.218
Dados consolidados até 30/06/2010.
Adaptado de MS/SVS/Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais.
injetáveis (19%). Nas mulheres, a segunda forma de transmissão é o uso de drogas injetáveis, responsável por 8,5% dos casos10.
No período de 1980 a junho de 2008, foram diagnosticados no país 11.796 casos de
AIDS por transmissão mãe-filho. De 1996 a 2007, houve queda de 63,8% (de 892 para 379)
dos casos notificados10. Entretanto, estudos evidenciaram uma subnotificação de gestantes
portadoras de HIV, com consequente subestimação da taxa de transmissão mãe-filho11.
A notificação de grávidas soropositivas tornou-se obrigatória no Brasil em 2000, mas
em 2004, de aproximadamente 12.644 casos de gestantes soropositivas, apenas 52% foram
notificados12.
O Brasil apresenta grandes desigualdades sociais, econômicas e culturais, e há vários
níveis de qualidade dos serviços de saúde de prevenção da infecção pelo HIV através da
transmissão mãe-filho, tanto durante a assistência pré-natal quanto durante o parto e após
o nascimento das crianças expostas13.
Um estudo realizado em 2003 mostrou que apenas 52% das parturientes brasileiras
receberam cobertura pré-natal eficiente. Esse percentual variou de 24% no Nordeste a
71% no Sul. Considerando-se o nível de escolaridade, os percentuais variaram de 19%
entre as mulheres analfabetas para 64% entre aquelas que têm, pelo menos, o ensino
fundamental completo14.
8
A epidemiologia da infecção pelo HIV no Brasil e no mundo
A estimativa de prevalência de parturientes infectadas pelo HIV no Brasil foi de 0,41%
em 2004. Nesse mesmo ano, a prevalência estimada de transmissão mãe-filho foi de 6,8%
no país11. Já no estado de São Paulo, a taxa foi de 2,7% em 200613. Todavia, visto que
as maiores taxas ocorrem em gestantes não submetidas às intervenções preventivas, com as
quais a transmissão pode ser reduzida para menos de 0,5%, esses valores estão muito
longe do ideal11.
A mortalidade entre as crianças infectadas por transmissão materna diminuiu 67%
entre 1997 e 2002, paralelamente à disponibilidade da TARV de alta potência. A progressão para a AIDS e as taxas de hospitalização também caíram substancialmente12.
De 1980 a 2007, foram notificados 205.409 óbitos em portadores de HIV/AIDS no
Brasil. Na divisão por sexo, 73,4% ocorreram entre homens (150.719 óbitos acumulados)
e 26,6% entre mulheres. Considerando o período de 2000 a 2007, o coeficiente geral de
mortalidade permaneceu estável, apresentando aumento entre as mulheres (de 3,7 óbitos
por AIDS por 100.000 habitantes em 2000, para 3,8 em 2007) e diminuição entre os homens, de 9 em 2000 para 7,8 em 200710.
Estudos em países desenvolvidos demonstraram que, apesar das causas de morte relacionadas à infecção pelo HIV/AIDS continuarem sendo as mais frequentes em indivíduos
com a infecção, outras condições, como as doenças cardiovasculares, diabetes, neoplasias
e doenças renais, tornaram-se cada vez mais frequentes, sobretudo em pacientes mais
velhos e com contagem de linfócitos CD4+ maior que 200 cel/mm3, em que as causas
não relacionadas à infecção pelo HIV/AIDS são as mais comuns16.
Após a introdução do acesso universal à TARV no Brasil, em 1996, houve uma redução
acentuada da taxa de mortalidade em indivíduos com a infecção pelo HIV. A partir de
1999, a taxa manteve-se relativamente estável. Também houve uma significativa mudança
nos padrões de mortalidade entre os portadores de HIV/AIDS nesse período, com aumento das causas não atribuídas à AIDS, como doenças cardiovasculares e diabetes (Fig. 3), o
que pode estar associado à subnotificação das mortes em indivíduos com HIV/AIDS15,16.
Estudos indicam que a mortalidade entre indivíduos infectados pelo HIV esteja subestimada no Rio de Janeiro, especialmente entre indivíduos do sexo masculino mais velhos
e aqueles com maior contagem de linfócitos CD4+. A qualidade do registro de dados
sobre as causas de morte é um importante problema de saúde pública, uma vez que os
indicadores de mortalidade são amplamente utilizados pelos países membros da OMS para
apoiar o desenvolvimento de políticas públicas15.
Conclusão
No decorrer de três décadas, desde os primeiros relatos de casos de infecções oportunistas em homossexuais masculinos previamente sadios, houve, em nível mundial, uma
dramática mudança no perfil da epidemia da infecção pelo HIV.
Ao longo dos anos, houve um aumento nos casos atribuídos a relações heterossexuais,
acompanhado por diminuição da relação de incidência entre os sexos masculino e feminino. Com o aumento da prevalência da infecção em mulheres, ocorreu aumento também
na frequência da infecção entre as crianças por transmissão mãe-filho, em particular nos
9
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
A
B
Não-AIDS
AIDS
6
Taxas/100 pessoas-ano
Taxas/100 pessoas-ano
7
5
4
3
2
1
0
4
3
2
1
0
97-98
99-00
01-02
Periodo
03-04
05-06
97-98
99-00
01-02
Periodo
03-04
05-06
C
0,20
Não-AIDS
AIDS
Desconhecido
CIF
0,15
0,10
0,05
0,00
0
100
200 300
Semanas
400
500
Figura 3. Tendências temporais de óbitos na coorte de pacientes com a infecção pelo HIV/AIDS
no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), Rio de Janeiro A: taxa de mortalidade
global com tendência linear ao longo do tempo e IC de 95% (modelo Poisson). B: mortes relacionadas
e não relacionadas à AIDS com IC de 95% e tendência linear ao longo do tempo (modelo Poisson).
C: função de distribuição cumulativa das mortes relacionadas e não relacionadas à AIDS e das
causas desconhecidas no âmbito de riscos concorrentes (adaptado de Pacheco et al.16).
países em desenvolvimento, onde o acesso à prevenção dessa forma de transmissão ainda
é bastante limitado.
Houve, também, explosiva migração da epidemia para países em desenvolvimento,
particularmente para a África Subsaariana, onde a epidemia tornou-se generalizada, afetando todos os indivíduos sexualmente ativos, independentemente de nível sócio-econômico ou opção sexual. Já em países desenvolvidos ou em estágios intermediários de
10
A epidemiologia da infecção pelo HIV no Brasil e no mundo
desenvolvimento, como o Brasil, a epidemia passou a afetar, de forma progressivamente desproporcional, aqueles com menor acesso à informação e aos cuidados de saúde.
Por outro lado, o advento da TARV foi o fator mais importante na mudança da história natural da infecção, diminuindo drasticamente a mortalidade diretamente relacionada
à AIDS e mudando profundamente o perfil de comorbidades e das causas de morte em
países onde há acesso ao tratamento, incluindo o Brasil.
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11
Capítulo 2
Virologia
Renato Santana de Aguiar e Amilcar Tanuri
O vírus da imunodeficiência humana
O vírus da imunodeficiência humana (HIV) e o agente etiológico da síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA ou AIDS - acquired immunodeficiency syndrome). Atualmente, existem fortes evidências de que a AIDS é um exemplo de doença viral que se iniciou
através de uma infecção interespecífica, a partir de um vírus que infecta naturalmente
macacos da África. O estudo da virologia molecular do HIV permitiu inúmeras descobertas
no campo da epidemiologia e da origem do HIV, através das relações filogenéticas estabelecidas entre diferentes retrovírus. O vírus foi inicialmente isolado em pacientes com
linfonodopatia no Instituto Pasteur, em Paris, em 1983, e, subsequentemente, por pesquisadores do National Institute of Health, dos EUA, em pacientes que apresentavam um
vírus citopático com tropismo por linfócitos T1,2. Posteriormente, em 1984, o vírus foi
isolado por Jay Levy e colaboradores da University of California, em San Francisco, EUA3.
Diferentes nomes foram dados a este novo vírus, dependendo do grupo e do laboratório
envolvido: LAV, vírus associado à linfodenopatia; HTLV-III, vírus humano T-linfotrópico tipo III
e ARV, retrovírus associado à AIDS. Análises posteriores feitas por microscopia eletrônica
demonstraram que se tratava do mesmo vírus com características morfológicas semelhantes a um grupo de retrovírus chamados de lentivírus. Em 1986, o Comitê Internacional de
Taxonomia de Vírus recomendou a utilização do nome Vírus da Imunodeficiência Humana
ou HIV para tal vírus. Os lentivírus compreendem um gênero separado da família Retroviridae, que é caracterizada pela presença da enzima transcriptase reversa (TR), utilizada na
geração da cópia de DNA a partir do genoma viral de RNA4. Os lentivírus são associados
a longos períodos de incubação e, por isso, são chamados de vírus lentos. A descoberta
do HIV propiciou a busca e o isolamento de novos lentivírus, como os vírus da imunodeficiência felina (FIV) e uma variedade de diferentes retrovírus isolados de primatas não
humanos conhecidos como vírus da imunodeficiência símia (SIV). Em 1986, um vírus diferente de HIV e mais prevalente nos países do Oeste da África foi isolado e nomeado
de HIV-25). Indivíduos infectados com HIV-2 também desenvolvem AIDS; no entanto,
apresentam um período de incubação mais lento e uma menor taxa de mortalidade.
13
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
O HIV é claramente relacionado ao vírus que infecta primatas não humanos, coletivamente denominado SIV. O HIV-2 é mais relacionado ao SIVsmn, um vírus isolado de macacos sooty mangabeys, do que com o próprio HIV-16. Além disso, análises filogenéticas
indicam que diferentes isolados de HIV-2 são mais similares a isolados de SIVsmn do que
entre si, o que sugere recentes e contínuas transmissões zoonóticas entre espécies7.
Desde 1992, já havia fortes indícios da origem do HIV-2; porém, até o ano de 1999,
a origem do HIV-1 permanecia incerta. Em 1999, foi demonstrado que o HIV-1 provavelmente originou-se a partir da espécie de chimpanzé Pan troglodytes troglodytes, devido a suas semelhanças com o vírus SIVcpz, isolado desta mesma espécie8. Até o momento
foram descritos quatro grupos de HIV-1, nomeados de M, N, O e P, isolados em diferentes regiões geográficas. O grupo M é o mais diverso de todos, apresentando nove diferentes
subtipos (A, B, C, D, F, G, H, J e K), além de 15 formas recombinantes circulantes (CRFs)9,10.
O fato de que muitos chimpanzés são utilizados como alimento por populações africanas
subsaarianas pode caracterizar uma transmissão zoonótica de HIV-1, que foi introduzido
na espécie humana por acidente6.
Morfologia da partícula viral
Todos os lentivírus possuem um envelope composto por uma bicamada lipídica que é
derivada da membrana citoplasmática da célula hospedeira. Glicoproteínas estão expostas
na superfície do vírus (SU ou gp120) ancoradas através de interações com a proteína
transmembrana (gp41 ou TM). A bicamada lipídica do vírus possui também diversas
proteínas de membrana derivadas da célula hospedeira, incluindo antígenos de histocompatibilidade (MHC)11.
No interior do envelope viral, encontramos a concha da matriz que é composta por
cerca de 2.000 cópias da proteína da matriz (MA ou p17), e, no centro desta, está
localizada uma partícula de capsídeo em forma de cone, compreendendo cerca de
2.000 cópias da proteína do capsídeo (CA ou p24). A partícula do capsídeo envolve duas
cópias do genoma viral de RNA, estabilizadas por um complexo de ribonucleoproteínas com
cerca de 2.000 cópias da proteína do nucleocapsídeo (NC ou p7)12. Além disso, dentro do
capsídeo encontramos as três enzimas virais essenciais: protease (PR), TR e integrase (IN).
Na figura 1, apresentamos um esquema geral da organização da partícula de HIV-1.
O genoma do HIV-1 e seu ciclo replicativo
O HIV exibe uma organização genômica complexa, compreendendo cerca de nove
fases abertas de leitura (ORFs). O RNA genômico possui aproximadamente 9,7 kb, que
compreende três genes estruturais comuns a todos os retrovírus denominados: gag, pol e
env. Inicialmente, esses genes são sintetizados como poliproteínas precursoras que são
posteriormente clivadas em suas proteínas ativas. Além desses, são observados outros
genes não estruturais denominados tat, rev, nef, vif, vpr e vpu. Esses produtos são codificados por vários RNAs mensageiros gerados a partir de diferentes etapas de processamento
14
Virologia
SU
NC
CA (N-term)
MA
TM (ectodomain)
CA (C-term)
IN (N-term)
IN (Core)
Nef (Core)
RT
PR
IN (C-term)
Figura 1. Desenho esquemático da partícula viral de HIV-1. As setas indicam as conformações
estruturais das proteínas virais (adaptado de Turner12).
ou splicing. Na tabela 1 apresentamos os diferentes genes de HIV e suas funções descritas
ate o momento.
Nas extremidades do RNA genômico, são encontradas regiões não codificantes essenciais para a replicação viral. Durante a TR, essas regiões são duplicadas gerando os Long
Terminal Repeats (LTRs). Os LTRs são divididos em três regiões, denominadas U3, R e U5,
e possuem sinais regulatórios que atuam na integração, transcrição e poliadenilação do
RNA viral. Na figura 2, mostramos a organização genômica do HIV-1 e as respectivas
proteínas codificadas.
Duas cópias do genoma de RNA são encapsuladas ou incorporadas na mesma partícula viral. As duas cópias de RNA se encontram na forma de dímero, ligadas por uma
região próxima à extremidade 5’ denominada DIS13.
15
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 1. Genes e funções de HIV-1
Genes Proteína madura Função
MA ou p17
Compõem a matriz e direcionam proteínas Gag e GagPol
para membrana citoplasmática
CA ou p24
Compõem o capsídeo viral que engloba genoma e proteínas
virais
NC
Interage com RNA viral e promove encapsulamento do
genoma viral durante o brotamento
p6
Possui domínios de interação com proteínas envolvidas nas
etapas tardias de montagem e brotamento das partículas
virais
PR
Realiza a clivagem das poliproteínas virais e a maturação da
partícula viral
TR
Realiza a retrotranscrição do genoma viral de RNA em uma
molécula dupla fita de DNA
IN
Integra o DNA viral dupla fita no genoma da célula hospedeira
gp120 ou SU
Realiza a interação com receptor CD4 de linfócitos T e
promove a entrada do vírus na célula
gp41 ou TM
Ancora gp120 no envelope viral e possui domínios
envolvidos na fusão do envelope viral e na membrana
citoplasmática
rev
Rev
Interage com os diversos RNAs virais e promove a
exportação para o citoplasma
tat
Tat
Promove a transcrição dos RNAs virais através da
transativação da RNA polimerase II celular
vif
Vif
Interage com o fator de restrição celular APOBEC3G e
promove a sua degradação, impedindo os efeitos deletérios
deste fator
vpr
Vpr
Promove o transporte do complexo pré-integrativo contendo
o genoma de DNA para dentro do núcleo; mantem a
célula parada na fase G2 do ciclo celular
vpu
Vpu
Promove o brotamento das partículas virais
nef
Nef
Promove internalização dos receptores CD4 e moléculas de
MHC da superfície celular dos linfócitos infectados
gag
pol
env
O ciclo replicativo dos retrovírus pode ser dividido arbitrariamente em duas fases distintas: inicial e tardia. As fases iniciais se referem às primeiras etapas da infecção desde a
ligação do vírus à célula até o fenômeno de integração do DNA viral ao genoma celular.
Já a fase tardia do ciclo replicativo começa com a expressão dos genes virais e continua
até a liberação e maturação das progênies virais.
16
Virologia
~9 Kb
U3/R/U5
5’LTR
U3/R/U5
3’LTR
MA/CA/NC/P6
gag
vif
rev
pol
Pro
/
RT
/ Int
HIV-1
su
tat
nef
t
env
TM
vpr vpu
Figura 2. Organização genômica do HIV-1 na forma de DNA integrado. Os genes codificantes e
suas posições estão representados por retângulos. Os deslocamentos, superior ou inferior dos
retângulos representam as diferentes fases de leituras utilizadas. Os genes rev e tat são ligados por
setas que representam as regiões genômicas ligadas por eventos de processamento. Os
subprodutos (MA, CA, NC, P6, PRO, RT, INT, SU e TM) das poliproteínas precursoras Gag,
Gag-Pol e Env são indicados. (adaptado de Coffin, 1996)4.
Fases iniciais do ciclo replicativo
Semelhante aos outros retrovírus, o ciclo de replicação do HIV inicia-se pela interação
do vírus com a superfície da célula hospedeira, mediada por receptor específico. Inicialmente, ocorre a interação da glicoproteína gp120 com a molécula de superfície CD4
de células linfócitos T11. A interação entre as moléculas gp120 e CD4, induz mudanças
conformacionais nestas proteínas, e o recrutamento de moléculas correceptoras pertencentes à família das quimiocinas, principalmente CXCR4 e CCR514. Uma segunda interação
entre as proteínas gp120 e alguns destes correceptores disparam novas mudanças
conformacionais nas glicoproteínas gp41, permitindo a exposição do seu domínio de
fusão HR1. A inserção deste domínio na membrana plasmática inicia a fusão com o envelope viral15. A molécula de CCR5 atua como segundo correceptor em isolados de HIV-1
que apresentam tropismo por macrófagos, e a molécula CXCR4 atua como correceptor,
em linhagens com tropismo por linfócitos T16.
Após a fusão da membrana celular com o envelope viral, ocorre a liberação do capsídeo para o citoplasma da célula hospedeira. Esse complexo é constituído pelo genoma
viral e pelas enzimas responsáveis por sua replicação e integração, além das proteínas estruturais. No complexo nucleoproteico, ocorre a síntese do DNA dupla fita, a partir do RNA
viral, pela TR. Imediatamente após a liberação no citoplasma, o capsídeo começa um processo contínuo e progressivo de desarranjo conhecido como desnudamento ou uncoating,
que leva à geração de complexos de pré-integração conhecidos como PICs17. Tais complexos
são constituídos das proteínas virais PRO, RT, IN e Vpr, além do genoma de DNA viral.
O complexo de pré-integração contendo o DNA viral é ativamente transportado para
o núcleo da célula através de interações entre as proteínas virais e proteínas do citoesqueleto celular, como os microtúbulos de actina, miosina e dineína18,19. A proteína viral Vpr,
incorporada nas partículas virais, auxilia no processo de direcionamento dos complexos
pré-integrativos para o núcleo. A proteína Vpr conecta estes complexos à maquinaria
17
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
celular envolvida na importação nuclear, incluindo importina-a e nucleoporinas20,21, além
de interferir no ciclo celular estacionando-o na fase G222. Dentro do núcleo da célula infectada, o DNA viral é covalentemente integrado no DNA genômico da célula hospedeira
através da atividade enzimática da integrase viral e modulado pelas sequências 5’-TG e
CA-3’ que flanqueiam o genoma viral23. O processo de integração pode ser dividido em
três etapas: processamento das pontas 3’ do genoma viral com remoção de 2-3 nucleotídeos; clivagem do DNA genômico celular com posterior ligação das pontas coesivas criadas
nas extremidades dos genomas viral e do hospedeiro e a última etapa de ligação e reparo das ligações fosfodiester entre as bases do DNA. Recentemente, foi demonstrado o
envolvimento do fator de transcrição celular LEDGF/p75 em conjunto com a IN no reconhecimento dos sítios de integração na cromatina24. Uma vez integrado, o genoma viral
associado ao genoma celular é replicado com a maquinaria celular de replicação e mantido entre as células filhas. Este genoma integrado pode se tornar dormente, caracterizando o estado de latência viral, onde as proteínas virais não são produzidas e as partículas
virais não são geradas. O processo de latência é mais comum em células refratárias à infecção e células não ativadas como linfócitos T CD4+ dormentes e de memória. Essas
células apresentam uma barreira contra a eficácia dos tratamentos antirretrovirais disponíveis, visto que mantêm cópias do genoma viral integradas e dormentes, mas não são
acessíveis aos efeitos desses fármacos.
Fases tardias do ciclo replicativo
Uma vez integrado, o provírus se assemelha a um gene eucariótico e serve de molde
para a transcrição do RNA viral, que é dependente da enzima celular RNA polimerase II25.
A transcrição e geração de RNAs virais inicia a fase tardia do ciclo replicativo. Inicialmente, a transcrição viral é promovida pela ligação de fatores transcricionais celulares, como
NF-κB, NFAT e AP-1 e Sp1, aos elementos regulatórios da região U3 do 5’LTR. Esta região
possui características de promotores da transcrição, como sequências TATA box, onde se
ligam os fatores basais da transcrição TFIID que posteriormente recrutam a RNA polimerase II para o início da transcrição dos RNAs virais. Três tipos de transcritos podem ser
evidenciados: os transcritos maiores de aproximadamente 9,2 kb, que não são processados
e são utilizados como molde para a geração das poliproteínas precursoras Gag (Pr55) e
Gag-Pol (Pr160), além de serem incorporados como RNA genômico viral durante o brotamento; os transcritos de tamanhos intermediários com cerca de 4,3 a 5,5 kb, que são
processados parcialmente e posteriormente traduzidos nas proteínas Vif, Vpr, Vpu e Env;
e os transcritos menores de 1,7 a 2,0 kb, que sofrem processamentos múltiplos gerando
as primeiras proteínas virais a serem sintetizadas Tat, Rev e Nef com funções regulatórias
no ciclo replicativo26. Todos estes mRNAs são gerados como consequência de fenômenos
alternativos de seleção de 5 sítios doadores e mais que 10 sítios aceptores de processamento (slicing) dispostos em diferentes regiões no genoma viral. Inicialmente, pequenas quantidades do RNA viral são processadas e direcionadas ao citoplasma, gerando as
proteínas virais regulatórias: Tat, Rev e Nef. Tat é um transativador transcricional essencial que se liga ao elemento em grampo (stemloop) no transcrito nascente de RNA
18
Virologia
(Trans-activating response element [TAR]) e, em seguida, recruta as proteínas celulares
ciclina T1 e a cinase CDK9 responsável por fosforilar o domínio carboxi-terminal (CTD) da
RNA polimerase II estimulando elongação dos transcritos maiores27.
Na sequência, os transcritos maiores que contêm o genoma viral e os transcritos intermediários são exportados para fora do núcleo mediado pela proteína viral Rev. Esta proteína se liga ao elemento responsivo a Rev (RRE) presente nos transcritos de RNA nascentes que não sofrem processamento e parcialmente processado e recruta as proteínas
celulares exportina-1 (CRM-1) responsável pelo transporte das moléculas de mRNA através
do poro nuclear28,29. Este complexo é então transportado através do poro nuclear para o
citoplasma, utilizando a energia liberada pela hidrólise do GTP. Desta forma, Rev funciona
como uma molécula adaptadora responsável pelo transporte para fora do núcleo das
moléculas de RNAs virais que não sofreram processamento completo.
A poliproteína responsável pela produção das proteínas de Env é sintetizada no retículo endoplasmático (RE). As proteínas posteriormente se oligomerizam em estruturas triméricas no RE e são altamente glicosiladas. Estas proteínas são alvo de modificações pós-traducionais no RE e no Complexo de Golgi e são posteriormente clivadas por proteases
celulares para produzir as formas maduras das proteínas gp120 e gp4112. Os trímeros
das glicoproteínas gp120 e gp41 são então direcionados para a membrana citoplasmática para a montagem e brotamento das partículas virais. As moléculas de Env e CD4 são
ambas sintetizadas no RE, e uma ligação prematura de CD4 às moléculas de Env pode
inibir a translocação de Env para a membrana citoplasmática e formação do complexo
funcional de gp120 e gp41. Além de impedir a infecção de novas células, visto que, nestes casos, a proteína gp120 complexada às moléculas CD4 não estaria disponível para se
ligar a receptores CD4 de novas células, impedindo a entrada dos vírus. Para evitar isto,
as moléculas de CD4 são ubiquitinadas e direcionadas à degradação via proteassomas
mediada pela interação com a proteína viral acessória Vpu30. Além disto, as moléculas de
CD4 já localizadas na membrana plasmática são internalizadas e sinalizadas para a degradação endossomal através da ligação com a proteína viral Nef que se liga ao complexo
adaptador celular AP-2 e estimula a formação de invaginações mediada por clatrina para
a internalização das moléculas de CD431.
Como molde para a tradução das proteínas virais, o RNA viral que não sofreu processamento é utilizado para a produção das proteínas virais Gag e Gag-Pol, além de ser o
RNA genômico a ser incorporado nas progênies virais. A poliproteína estrutural Gag é
sintetizada nos ribossomos e um deslize ribossomal (ribosomal frameshift) durante a
tradução gera uma poliproteína fundida Gag-Pol em menores quantidades32. As moléculas de Gag se oligomerizam e se complexam com as moléculas de Gag-Pol. Estas proteínas são direcionadas para a membrana citoplasmática celular para a formação da partícula viral através da adição de ácido merístico (meristilação) na região N-terminal do
domínio MA das poliproteínas Gag33. Esta meristilação é responsável pelo direcionamento e interação das proteínas virais Gag e Gag-Pol às caudas citoplasmáticas das proteínas
gp40 ancoradas em regiões ricas em colesterol da membrana citoplasmática, onde os vírus
brotam (lipids rafts). Aproximadamente, 1.200 a 2.000 cópias de Gag brotam em uma
forma imatura do vírus, que encapsula duas cópias do mRNA viral como material genômico, unidas não covalentemente pelas suas regiões DIS12 (Fig. 3).
19
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Uncoating
Integração
Tradução
Direcionamento
Brotamento
Modificação Env
Maduro
Transcrição e
Processamento
Fase tardia
Transcrição reversa
Fase inicial
Entrada
Imaturo
Adsorção
Figura 3. Ciclo replicativo do HIV-1 e suas diferentes etapas (adaptado de www.aidsreagent.org).
Durante o brotamento e subsequentemente a este evento, as poliproteínas precursoras
Gag e Gag-Pol são clivadas pela protease viral nas suas subunidades estruturais como MA,
CA e NC para Gag, e as enzimas ativas Pro, RT e IN para Pol. As proteínas estruturais se
rearranjam caracterizando o processo de maturação da partícula viral formando progênies
viáveis que podem infectar novas células, fechando assim o ciclo replicativo34.
20
Virologia
Mecanismos de geração da diversidade no HIV-1
O genoma do HIV-1 evolui rapidamente, como demonstrado pela diversidade genética
encontrada entre isolados coletados de pacientes, em diferentes pontos da infecção35.
Análises de sequências revelaram que os isolados virais consistem de múltiplas subclasses
genômicas, que flutuam durante o curso da infecção37,38. Desta forma, o HIV-1 é caracterizado como um complexo heterogêneo de populações determinado “quasispecies”39.
Estes microvariantes do vírus são bastante relacionados; porém, geneticamente distintos
entre si.
A diversidade genética encontrada nas populações retrovirais é influenciada por diversos fatores, incluindo a taxa de mutação por ciclo de replicação, a própria taxa de replicação (número de ciclos de replicação do vírus por unidade de tempo) e a taxa de fixação
das mutações (determinada pela vantagem ou desvantagem seletiva, conferida por uma
mutação em particular)4.
Teoricamente, mutações podem ser introduzidas nos retrovírus durante as seguintes
etapas: durante a transcrição pela RNA polimerase II celular, durante a atividade da TR ou
pela replicação do provírus integrado, por DNA polimerases celulares. Diversos autores
demonstraram que a enzima TR é a maior fonte de diversidade encontrada e que a contribuição da RNA pol II celular é consideravelmente menor35.
Diferentemente das DNA polimerases celulares, a TR é uma enzima sujeita a erros,
não possuindo atividade revisora exonucleotídica 3’–5’. Estudos que avaliaram a fidelidade da TR de HIV-1 purificada indicaram que a frequência de incorporações de mutações é muito alta, na ordem de 2,5 x 10-4 a 5,8 x 10-4 por nucleotídeo36. Baseado
nestes estudos, foi proposto que a TR é responsável pela alta variabilidade genética encontrada em HIV-1.
Como discutido anteriormente, as partículas de HIV-1 possuem duas cópias de fitas
simples de RNA como genoma. O caráter dimérico do genoma de HIV-1 facilita a
troca genética entre as duas moléculas de RNA e recombinação frequente durante o
processo de transcrição reversa. Durante este processo a TR pode utilizar como molde ambas as fitas de RNA genômico. Além disso, a TR pode pular de uma fita de RNA
para outra durante a transcrição reversa, gerando um mosaico entre as duas fitas de
RNA originais13.
Os dados experimentais indicam que o processo de recombinação pode ocorrer tanto
durante a síntese da fita negativa de DNA quanto da fita positiva. Durante o processo de
transcrição reversa, é necessário que o complexo de TR e a primeira região de DNA fita
negativa a ser produzido (Strong Stop DNA) seja transferido da extremidade 5’ do genoma
para uma sequência complementar na extremidade 3’. Este salto pode ocorrer para a
mesma ou para outra fita de RNA genômico. Além disto, já foram mapeadas seis regiões
internas no genoma de RNA do HIV-1 que funcionam como regiões estimuladoras (hotspots) de recombinação40. Os dados apresentados por Zhuang, et al. indicam que os eventos de recombinação possuem uma taxa de 2,8 pulos por genoma, por ciclo de replicação.
Uma alta taxa de recombinação, considerando o tamanho do genoma do HIV-1.
As altas taxas de recombinação descrita para as populações de HIV-1 possuem grande
impacto na variabilidade genética desses vírus. Cerca de 5 a 10% dos isolados virais
21
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
sequenciados são reconhecidos como CRFs entre diferentes subtipos de HIV-126. Em alguns
casos específicos, estes recombinantes são os variantes de HIV-1 mais prevalentes em
certas regiões do mundo26. Tais recombinantes podem gerar variantes de HIV-1 multirresistentes a diferentes fármacos antirretrovirais.
Um pressuposto para a recombinação de dois diferentes subtipos de HIV é a existência
de partículas virais heterozigotas, compostas de dois RNA genômicos virais distintos. Viríons heterozigotos somente podem ser formados através da coinfecção de dois vírus diferentes na mesma célula. De fato, este processo de coinfecção foi evidenciado em esplenócitos de pacientes e visualizado através de metodologias de hibridização in situ41.
Todos estes processos de geração de diversidade em HIV-1 originam variantes do vírus
que podem escapar do sistema imune do hospedeiro ou mesmo criar resistência aos antirretrovirais disponíveis, dificultando o tratamento de pessoas infectadas e o desenvolvimento de uma vacina eficaz.
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23
Capítulo 3
Imunologia
Jorge Casseb
Introdução
A morbidade e a mortalidade da infecção pelo HIV têm sido substancialmente reduzidas
pela terapia antirretroviral combinada (TARC). Entretanto, essa terapia deve continuar ao
longo da vida, e o vírus rapidamente apresenta rebotes em todos os pacientes para os quais
a TARC é suspensa. O recente relato da cura de um paciente infectado pelo HIV depois de
receber um transplante de medula óssea de um doador carreando uma deleção de 32 pares
de base no correceptor CCR5-HIV1 renovou a esperança de que uma cura para o HIV poderia ser possível. Existem vários obstáculos científicos para encontrar uma cura para o HIV, e
mais importante, que seja acessível a todos os pacientes infectados pelo HIV, sendo a latência viral um dos grandes obstáculos. A latência viral é um estado reversível de infecção improdutiva de células. Para alguns vírus, por exemplo, membros da família Herpes, a latência
fornece um importante mecanismo de persistência viral e escape a partir do reconhecimento imunológico. Este capítulo enfoca os desenvolvimentos recentes em nossa compreensão de onde o vírus persiste nos pacientes, e como a latência é estabelecida e mantida.
Onde está o HIV em pacientes avirêmicos?
Reservatórios celulares
Células T de memória
Persistência da infecção latente nas células T CD4+ de memória em repouso no sangue
e no tecido linfoide em pacientes infectados pelo HIV foi relatada pela primeira vez há
15 anos. Mais recentemente, tanto a memória central (definida como CD45RA-CCR7+
CD27+) e CD4+ de memória de transição de células T (CD45RA-CCR7-CD27+) foram
identificadas como sendo as células infectadas principais que persistem no sangue
em pacientes infectados pelo HIV recebendo TARC supressiva2.
25
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Vírus associados a células
(98% das células linfomononucleares
estão nos tecidos linfáticos)
Grande pool de células T CD4+DR+
memória produtivamente infectadas
(1/2 vida 1,5 dias)
Vírus livres (~1% do
total de vírus)
Vírus associados ao FDC
(95% do total de vírus)
– Vírus escondido nas céls foliculares
– Plasma
dendríticas dentro dos linfonodos
– Fluido intersticial
(1/2 vida no plasma de 6 horas)
– T CD4 de memória não-infectadas
– 1% ativada (DR+)
Pequeno pool de células T CD4+DR– memória
latentes infectadas (1/2 vida 4-6 meses)
1
Pequeno pool de macrófagos infectados
– Retirada de vírus
(seguida da formação
de imunocomplexos)
Figura 1. Principais e diferentes compartimentos de multiplicação do HIV.
Latência
Também tem sido demonstrada em outras subpopulações de células T e outros tipos
celulares que são importantes para compreender como os mecanismos conduzem a
persistência e a eliminação de HIV e como essas células podem ser diferentes.
Células T naïve (virgens)
O DNA do HIV pode persistir nas células T CD4+ naïve em pacientes suprimidos virologicamente, embora a frequência de infecção seja de aproximadamente 1-2h menos em
células de memória T CD4+2, sumarizada na figura 1. O número absoluto de células T
CD4+ naïves infectadas (expresso como cópias de HIV DNA/ml de sangue) de fato aumentou
depois do TARC, sugerindo que, no cenário de proliferação celular, o reservatório de células T naïves infectadas pode se expandir ao longo do tempo.
Células progenitoras hematopoéticas
Atualmente, existem evidências que o HIV pode persistir nas células progenitoras hematopoéticas (HPC) CD34+3. De fato, o DNA integrado do HIV foi detectado em HPCs
CD34+ em 40% de doadores. Embora a infecção in vitro de HPCs mostrou que a replicação do HIV ativa foi citotóxica, a infecção latente pode ser estabelecida nessas células de
vida longa. Células-tronco hematopoéticas, ex-vivo, a subpopulação de mais longa duração
26
Imunologia
de HPCs, podem estar infectadas com HIV CXCR4 ou duo-trópico. A difícil tarefa será determinar como a latência é estabelecida nessas células, se HPCs latentemente infectadas
de pacientes abrigam vírus infecciosos e se essas células são uma fonte de vírus rebote
quando os pacientes interrompem o uso de TARC.
HIV integrado
O DNA do HIV foi encontrado em astrócitos do cérebro de pacientes infectados pelo
HIV e está associada à demência do HIV4. Como esses estudos foram realizados em pacientes virêmicos, um estudo de astrócitos em pacientes não suprimidos será importante.
Reservatórios anatômicos
Gastrintestinal
O trato gastrintestinal (GI) é um importante reservatório para as células infectadas por
HIV, em que as concentrações de DNA do HIV e de células associadas ao RNA do HIV são
quase cinco a dez vezes maiores do que nas células mononucleares do sangue periférico
(PBMC)5. A distribuição do DNA e RNA do HIV difere ao longo do trato GI, com a maior
concentração de DNA do HIV no reto e maior concentração de RNA do HIV no íleo. A adição
de raltegravir para pacientes suprimidos resultou numa diminuição não significativa de RNA
do HIV no íleo, potencialmente consistente com a replicação contínua nesse local. Estudos
randomizados de intensificação do tratamento são necessários para confirmar esses achados.
Um estudo recente em três pacientes que iniciaram TARC durante a infecção aguda
mostrou que, em sua interrupção em seguida, não houve relação filogenética entre as sequências a partir do vírus HIV rebote e do DNA do trato GI6. Isso sugere que o trato GI não
é a fonte primária de viremia ressaltante pós-suspensão da TARC. Isto não excluiu a possibilidade de que uma população minoritária no trato GI pode contribuir para recuperar viremia.
Sistema nervoso central
O sistema nervoso central (SNC) com suas únicas células de longa vida, torna-se um reservatório persistente para avirêmicos, uma vez que a barreira hemato-encefálica limita o acesso
aos tratamento antirretroviral (TARV) e a células imunes específicas anti-HIV. Astrócitos latentemente infectados e monócitos são reservatórios potenciais virais no cérebro, e o baixo nível
de RNA do HIV foi demonstrado em fluido cerebrospinal em até 10% dos pacientes avirêmicos7.
Os estudos sistemáticos de persistência do HIV no sistema nervoso central em pacientes sob
TARV são escassos para uma definição do verdadeiro papel do SNC na persistência viral.
Tecido linfoide
Células T CD4+ contendo o DNA do HIV integrado circulam através do sangue e dos
gânglios linfáticos, fazendo do tecido linfoide um importante reservatório do HIV, porém
27
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
pouco estudado. TARV8. Além disso, as células foliculares dendríticas (DC), ou outras células mieloides que residem nos centros germinativos, podem proporcionar uma fonte
estável de replicação de vírus competente. Interações DC-células T podem contribuir para
a susceptibilidade contínua de células T em repouso à infecção pelo HIV.
Trato geniturinário
O RNA do HIV é detectado no sêmen em 8-10% dos homens e na secreção do trato genital de 54% das mulheres9, sugerindo um reservatório residual no trato genital, embora a origem
exata desse vírus permaneça desconhecida. Similar ao SNC, a penetração do TARV no trato geniturinário é limitada, e, no trato geniturinário masculino, especificamente no testículo, a barreira sangue-testículo também limita a entrada das células imunitárias. Em estudos in vitro foi
demonstrado que o tecido testicular humano pode suportar a infecção pelo HIV produtiva, mas
não se sabe se células infectadas pelo HIV persistem no testículo em pacientes sob TARV.
O baixo nível de viremia plasmática
Em um ensaio sensível à detecção do RNA do HIV no plasma abaixo de uma cópia/ml,
detectou-se que 80% dos pacientes sob TARV supressivo têm nível baixo de plasmaviremia
intermitente. O baixo nível de viremia tem duas fases de decaimento, com a segunda fase
com uma meia-vida muito longa ou potencialmente longa (Plamer, et al., 2008). A origem e
o significado do nível de viremia permanecem controversos. Vários estudos de intensificação
do tratamento, utilizando antirretrovirais adicionais a partir de classes diferentes em pacientes
sob supressão, demonstraram não haver mudança no baixo nível de viremia10. O baixo nível
de viremia em pacientes sob TARV supressivo é muito estável, com a sequência existe pouca
evolução e um clone claramente dominante persiste por muitos anos. Há dados conflitantes
sobre a relação filogenética de baixo nível de plasma do RNA do HIV e do HIV, na circulação
de células T CD4+. Foi observada uma semelhança muito pequena entre as sequências de
baixo nível do RNA do HIV a partir de plasma e de DNA isolados, quer em células T CD4+ ou
em monócitos, sugerindo que, o baixo nível de RNA de plasma pode ser derivado de uma
fonte diferente. Outro estudo, no entanto, descobriu que as sequências a partir da baixa viremia e de vírus infeccioso isolado a partir de células T CD4+ em repouso eram idênticos, sugerindo que uma população minoritária de circulação de células T CD4+ latentemente infectadas
pode ser a fonte da baixa carga viral no plasma11. Outro grande estudo transversal recente
mostrou que não houve correlação entre baixo nível de plasma no RNA e no DNA do HIV em
PBMC, e nenhuma correlação entre baixa viremia e marcadores de ativação de células T12.
Na replicação residual do vírus, é possível que o HIV persista em pacientes sob TARV,
mesmo quando a carga viral seja inferior ao nível de detecção. Evidência de replicação
viral persistente inclui a redução do RNA do HIV no tecido após intensificação com raltegravir13, e pela existência de maior concentração de HIV nas células CD4+ ativadas
quando comparadas com as células em repouso do trato GI. As evidências para a replicação viral e contra a contínua nos diversos tecidos e células estão resumidas na tabela 1.
28
Imunologia
Tabela 1. Tecidos e células reservatórios do HIV-1
Tecidos santuários
Células santuárias
Linfoides
Célula T CD4+
Linfoides associados à mucosa
Memória em repouso
SNC
Macrófagos
Líquido cérebro-espinhal
Células microgliais
Órgãos genitais
Células de Langherans
A replicação em curso pode ocorrer como resultado de transferência célula-célula de vírus;
porém, a inibição da transmissão célula-célula do HIV por TARV é muito menos eficiente
do que a inibição da infecção de células livres. Esses intrigantes dados in vitro serão difíceis
de confirmar nos pacientes, mas proporcionam um mecanismo potencial sobre como o
vírus pode persistir e replicar na presença de TARC.
Manutenção de latência
A meia-vida do reservatório latente foi inicialmente estimada em 44 meses, uma consequência do tempo médio de células memória T em repouso. Recentes evidências, no
entanto, sugerem que outros fatores podem contribuir para a persistência de células infectadas de forma latente, incluindo supressão ativa de ativação das células T, proliferação
homeostática, e/ou ativação imune.
Reguladores negativos da ativação de células T
Em pacientes infectados pelo HIV com TARV supressivo, células T CD4+ que expressam
PD-1, um regulador negativo da ativação das células T, têm níveis significativamente mais
elevados de DNA integrado do HIV que as células que não expressam PD-1. Além disso,
a inibição da PD-1, por incubação com anti-PD-1 ou pelo anticorpo para PDL-1 levou à
libertação de vírus a partir de células CD4+ em repouso células T de pacientes avirêmicos.
Isso sugere que a PD-1 ativamente suprime a produção de vírus a partir de células infectadas de forma latente. DCs ou monócitos podem desempenhar um papel crítico, desde
que expressam os ligantes para PD-1 (PDL-1 e PDL-2), bem como ligantes para outros
reguladores negativos, incluindo CTLA-4 e Tim-3.
Ativação imune
A ativação imune contribui para a persistência do HIV em pacientes avirêmicos, facilitando
rodadas contínuas de replicação e reposição de células infectadas da forma latente, embora a
29
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
evidência direta seja limitada. Em pacientes avirêmicos, houve uma associação significativa entre
a frequência de células T CD8+ ativadas e o DNA do HIV em biópsias do sigmoide. No sangue
periférico, em contraste ao tecido, os marcadores de ativação de células T (definida por CD38+),
bem como marcadores de plasma de ativação imunitária incluindo a interleucina 6 (IL-6), receptor de fator de necrose tumoral (TNF) solúvel 1, D-dímero, ou proteína C reativa (PCR) não
foram correlacionados à baixa viremia ou à concentração de DNA do HIV em células T CD4+.
Outros tecidos, como linfonodo e medula óssea, devem ser agora avaliados para determinar
se a associação entre a ativação imunitária e reservatório é específica de cada tecido.
Conclusões
Apesar dos múltiplos avanços em nosso entendimento de como o HIV persiste em
pacientes sob TARV, a perspectiva de eliminar todas as células infectadas de forma latente permanece indefinida. Sabemos de múltiplos agentes que podem ativar as células infectadas de forma latente in vitro, e muitos desses compostos foram já demonstrados
seguros em humanos em tratamento sob condições não relacionadas ao HIV. Ainda não
temos dados suportando o conceito de que a ativação de células infectadas de forma
latente é possível in vivo, nem se esta abordagem pode alterar a latência do HIV. Embora
seja altamente provável que a combinação de várias estratégias seja necessária para eliminar todas as células infectadas latentes. Apesar dos grandes desafios científicos que
enfrentamos para definir as estratégias para a cura da infecção pelo HIV, esse desafio deve
ser enfrentado em diversas frentes, incluindo a pesquisa básica e a aplicada.
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30
Capítulo 4
Infecções oportunistas
Unaí Tupinambás, Helena Duani e Isadora Sofia Borges Saraiva
Introdução
Com a introdução da terapia antirretroviral combinada (TARV) desde o final dos anos
90, a incidência de infecções oportunistas (IO) em pacientes com HIV/AIDS vem reduzindo
acentuadamente. Além desse fato, a crescente melhora da biodisponibilidade e a tolerância aos antirretrovirais subsequentes estão melhorando sobremaneira a efetividade dos
esquemas terapêuticos1.
Algumas doenças oportunistas foram reduzidas drasticamente em relação à era pré‑terapia antirretroviral combinada2, é o caso da retinite por citomegalovírus (CMV) e infecção
pelo complexo Micobacterium avium intracelulare (MAC), por exemplo. A TARV não só
diminuiu a incidência de IO como também mudou sua história natural. Raramente é necessário o uso de antivirais de manutenção para tratamento de retinite por CMV em pacientes virgens da TARV bem como o uso de antifúngicos de manutenção para tratamento dessas condições sistêmicas (cryptococose disseminada, p. ex.).
No entanto, o sucesso terapêutico vem sendo contrabalançado pelo retardo do
diagnóstico da infecção do HIV. Vários estudos mostram que a mediana da contagem
de linfócitos CD4+ no momento do diagnóstico e no início da TARV é menor do que
350 cel/mm3 3,4. Portanto, a maioria dos pacientes que desenvolve doenças oportunistas
não sabia da sua condição sorológica. Sendo assim, temos que manter a exatidão nos
diagnósticos diferenciais da IO, lembrando que pode estar presente mais de uma IO no
momento do diagnóstico da infecção pelo HIV.
A abordagem do paciente com IO deve respeitar a origem do paciente bem como sua
condição imune (Tabela 1). Pacientes provenientes de áreas onde ocorrem endemias por
doenças negligenciadas (por exemplo, tuberculose [TB], leishmaniose, doença de Chagas)
têm maior chances de reativar essas infecções.
Outra consequência do início tardio da TARV é a maior chance de ocorrer a síndrome
inflamatória de reconstituição imune (SIRI), que é uma reação paradoxal ao início da
TARV. O paciente apresenta uma relativa piora do quadro clínico com exacerbação dos
sintomas e dos sinais de uma IO subclínica. Nesse caso, devemos estar atentos quanto
31
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 1. Infecções oportunistas mais frequentes de acordo com a faixa de linfócito T CD4+
Qualquer contagem de linfócito T CD4+
TB pulmonar, sarcoma de Kaposi,
pneumonia bacteriana
< 350 cel/mm3
Candidíase esofageana, HZV
< 100 cel/mm3
Toxoplasmose cerebral, TB disseminada,
cryptococose
< 50 cel/mm3
Retinite por CMV, MAC
ao diagnóstico, e, geralmente, o paciente tem um bom prognóstico, não refletindo falha
terapêutica. Um dos fatores de risco para a presença dessa síndrome é carga viral elevada
e redução acentuada após a introdução da TARV, bem como pacientes com contagem de
linfócito T CD4+ abaixo de 200 cel/mm3 5.
Tuberculose
A epidemia do HIV em países endêmicos para TB tem acarretado aumento significativo de sua incidência. A TB é a maior causa de morte entre pessoas com HIV, sendo a taxa
de óbito na coinfecção de até 20%. Em pacientes com HIV, a apresentação clínica da TB
é influenciada pelo grau de imunossupressão, e a investigação diagnóstica é semelhante
à da população geral. A coleta de escarro para baciloscopia, cultura, identificação da espécie e realização de teste de sensibilidade deve ser realizada como rotina. A cultura de
outras secreções (formas extrapulmonares), as hemoculturas para micobactérias e fungos,
a punção aspirativa e a biópsia de medula óssea devem ser realizadas nos casos de TB
disseminada. Sempre que forem realizadas biópsias de tecido, devem ser feitos exame
direto, cultivo para bactérias, fungos e micobactérias e histopatológico (com achados que
variam desde uma inflamação granulomatosa típica até granulomas frouxos ou ausentes).
Nas formas pulmonares em pacientes com linfócitos T CD4+ > 350 cel/mm3, a apresentação clínica é semelhante a pacientes não infectados, sendo a TB delimitada aos pulmões
e radiografia de tórax com infiltrado em lobos superiores com ou sem cavitação ou derrame pleural. Pacientes com HIV e TB pulmonar tendem a apresentar mais comumente
perda de peso e febre e menos tosse e hemoptise. Uma apresentação pulmonar atípica é
frequente na coinfecção e é sinal sugestivo de imunodeficiência avançada, sendo comum
a presença apenas de infiltrado em segmentos inferiores e/ou linfadenomegalias hilares,
melhores evidenciados na tomografia computadorizada (TC) de tórax. Nas formas extrapulmonares nos exames de imagem, podem ser identificadas hepatomegalia, esplenomegalia ou linfadenomegalias abdominais, guiando os locais para biópsia. O tratamento da
TB em pessoas com HIV segue as mesmas recomendações para os não infectados, tanto
nos esquemas quanto na duração total do tratamento (Tabela 2). O uso concomitante de
vitamina B6 (40 mg/dia) é recomendado pelo maior risco de neuropatia periférica. Na TB
32
Infecções oportunistas
Tabela 2. Recomendações para o tratamento da TB
Situação
Recomendação
TB cavitária e virgem de tratamento
para TB e HIV
– 2 meses RHZE* + 4 meses RH†
– Contagem de linfócitos T CD4+ e carga viral
após 30 dias de tratamento. Iniciar TARV com
um dos seguintes esquemas:
• 2 ITRN + EFZ (preferencial)
• 3 ITRN (alternativo)
TB pulmonar não cavitária ou formas
extrapulmonares e virgem de
tratamento para TB e HIV
– 2 meses RHZE + 4 meses RH
– Iniciar TARV a partir de 30 dias de
tratamento antituberculose
– Com um dos seguintes esquemas:
• 2 ITRN + EFZ (preferencial)
• 3 ITRN (alternativo)
TB (casos novos, tratamento por
recidiva ou retorno após abandono),
experimentados em TARV
– 2 meses RHZE + 4 meses RH
– Adequar TARV:
• 2 ITRN + EFZ
• 2 ITRN + SQV/RTV
• 3 ITRN
Meningoencefalite tuberculosa
– 2 meses RHZE + 6 meses RH + corticoterapia
– Iniciar ou substituir a TARV por:
• 2 ITN + EFZ
• 2 ITRN + SQV/RTV
• 3 ITRN
Suspeita de TB multirresistente ou
falência ao esquema básico
– Solicitar cultura, identificação e teste de
sensibilidade. Manter esquema básico até
recebimento do teste de sensibilidade.
Encaminhar aos serviços de referência se
necessário
Intolerância a dois ou mais fármacos
antituberculose do esquema básico
– Discutir o caso ou encaminhar para unidade
de referência
*RHZE: rifampicina 150 mg, isoniazida 75 mg, pirazinamida 400 mg, etambutol 275 mg; 20 a 35 kg: 2 comprimidos,
36 a 50 kg: 3 comprimidos, > 50 kg: 4 comprimidos.
†RH: 20 a 35 kg: 2 comprimidos de 150/75 mg, 36 a 50 kg: 3 comprimidos de 150/75 mg, > 50 kg: 4 comprimidos
de 150/75 mg.
ativa, é indicado o início da TARV independentemente do resultado da contagem de linfócitos T CD4+6.
Neurotoxoplasmose
A neurotoxoplasmose (NTX) é causada pelo protozoário Toxoplasma gondii. Nos pacientes com AIDS, é decorrente da reativação de cistos de infecção latente e está relacionada
diretamente à prevalência de soropositividade para toxoplasmose, ao grau de imunossupressão
33
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
e ao uso ou não de profilaxia. Estima‑se que 20‑47% dos pacientes com AIDS infectados pelo
toxoplasma desenvolverão NTX se não estiverem em uso de profilaxia e/ou TARV7. No Brasil,
a prevalência de anticorpos para toxoplasma na população adulta varia de 50 a 80%8.
A NTX acomete pacientes com CD4+ < 200 cel/mm3 e se manifesta com início agudo
ou subagudo de cefaleia, alteração de estado mental, déficit neurológico focal e febre
que, na ausência de tratamento, progride até o aparecimento de convulsões, estupor e
coma. A tomografia crânio‑encefálica revela lesões expansivas com edema, captação de
contraste em anel, geralmente múltiplas e localizadas nos lobos frontal e parietal, tálamo
e gânglios da base. A ressonância magnética (RM) é mais sensível e deve ser solicitada
quando a tomografia mostrar lesão única ou pouco sugestiva. A ausência de anticorpos
para o toxoplasma torna o diagnóstico improvável, mas não impossível3.
O tratamento é feito com a associação de sulfadiazina (500‑1.500 mg 6/6h), pirimetamina (200 mg/dia no 1.o dia e depois 50 a 100 mg/dia) e ácido folínico (15 mg/dia). O uso
de clindamicina (600 mg 6/6h) é uma alternativa à sulfadiazina. O tratamento é mantido por
6 a 8 semanas, seguido de terapia de manutenção (sulfadiazina 500 mg 6/6h ou clindamicina 600 mg 8/8h + pirimetamina 25 mg/dia) até CD4+ > 200 cel/mm3. A profilaxia
primária é feita com sulfametoxazol‑trimetoprim (SMX‑TMP) 800/160 mg/dia para os pacientes com CD4+ < 100 cel/mm3 até que a contagem de CD4 se eleve para > 200 cel/mm3
de forma sustentada9,10.
Pneumonia bacteriana
A pneumonia bacteriana pode ser a primeira manifestação da infecção pelo HIV e
acomete pacientes em qualquer estágio da doença, sendo mais grave nos pacientes com
imunossupressão avançada. Os agentes etiológicos são semelhantes aos causadores de
pneumonia comunitária nos pacientes imunocompetentes, mas podem ser encontrados
com maior frequência as Pseudomonas aeruginosa e os Staphylococcus aureus. As bactérias mais frequentes são o Streptococcus pneumoniae e o Haemophilus influenzae. Outra
diferença em relação aos pacientes não portadores do HIV é a maior frequência de bacteremia secundária à pneumonia.
O diagnóstico e o tratamento devem seguir as mesmas recomendações do tratamento
para pacientes imunocompetentes. É importante lembrar o diagnóstico diferencial com
outras IO respiratórias e na possibilidade de TB pulmonar associada9,10.
Candidíase
A candidíase orofaríngea/esofageana é reconhecida como um marcador de imunossupressão e é muito comum em pacientes portadores do HIV, principalmente naqueles com
CD4+ < 200 cel/mm3. Já a candidíase vulvovaginal é comum também nas mulheres imunocompetentes, não sendo indicadora de imunossupressão.
O acometimento orofaríngeo se caracteriza por placas brancas cremosas semelhantes
à coalhada que podem estar localizadas na língua, no palato e na orofaringe. Elas são
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Infecções oportunistas
facilmente descoladas com a ajuda de um abaixador de língua, deixando a superfície
eritematosa e dolorosa, o que diferencia essas lesões da leucoplasia pilosa oral. As placas
consistem em uma pseudomembrana formada pela cândida, células epiteliais descamadas,
leucócitos, bactérias, queratina, tecido necrótico e debris alimentares. Manifestações menos comuns são a queilite angular e a candidíase oral atrófica crônica.
A candidíase esofageana geralmente se manifesta com odinofagia e queimação retroesternal. Ocasionalmente pode ser assintomática. O exame endoscópico mostra as placas
brancas típicas, que podem progredir para a ulceração da mucosa com exsudato brancacento.
O diagnóstico da candidíase oral é feito clinicamente na maioria dos casos. Se necessário, pode ser feito o exame microscópico das placas, que irá mostrar hifas, pseudohifas
e células leveduriformes. A cultura pode ser feita para identificação da espécie, mas não
define o diagnóstico, já que esse fungo pode fazer parte da microbiota oral normal. O
diagnóstico definitivo da candidíase esofageana é histopatológico e microbiológico, através
do exame dos fragmentos da mucosa. É importante lembrar que, nos pacientes com
imunossupressão avançada, é comum a associação da esofagite por cândida à esofagite
por CMV e à herpes simples.
Fluconazol oral é considerado o tratamento de escolha, sendo superior aos tratamentos tópicos. É geralmente bem tolerado e se indica a dose de 100 a 200 mg por dia durante 7 a 14 dias para o tratamento da candidíase orofaríngea. Nos casos iniciais e leves
de candidíase oral, pode‑se optar pelo tratamento tópico com pastilhas de clotrimazol
cinco vezes ao dia ou nistatina solução oral quatro vezes ao dia. Nos casos recorrentes e
com acometimento mais intenso, sempre preferir o antifúngico sistêmico.
Para a candidíase esofageana, indica‑se sempre antifúngico sistêmico. A primeira escolha nos pacientes que toleram medicação via oral (VO) é o fluconazol na dose de 200
a 400 mg por dia durante 14 a 21 dias. Outras opções para o tratamento são a anfotericina B deoxicolato 0,3 a 0,7 mg/kg/dia, itraconazol 200 mg/dia, voriconazol 200 mg duas
vezes ao dia ou uso de equinocandinas.
A candidíase vulvovaginal pode ser tratada com dose única oral de fluconazol 150 mg.
Não se recomenda profilaxia primária ou secundária, já que se trata de doença com
baixa mortalidade e com tratamento bastante eficaz. No entanto, em casos graves e
recorrentes, a profilaxia secundária pode ser feita com fluconazol oral três vezes por semana9,11,12.
Histoplasmose
A histoplasmose é uma doença infecciosa grave quando acomete pacientes com AIDS
em fase avançada (geralmente CD4+ < 100 cel/mm3) e apresenta grande morbidade e
mortalidade em áreas endêmicas. A transmissão do histoplasma ocorre pela inalação dos
esporos do solo, que pode levar à infecção aguda ou ao desenvolvimento da doença
anos depois da exposição, pela reativação de um foco latente. Em geral, pacientes coinfectados com HIV e histoplasma desenvolvem a histoplasmose disseminada (HD), que
causa febre alta, sudorese noturna, emagrecimento e caquexia, hepatoesplenomegalia,
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Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
adenopatia, pancitopenia, níveis de lactato desidrogenase (LDH) elevados e um infiltrado
intersticial difuso ou reticulonodular à radiografia de tórax. O método diagnóstico mais
sensível para HD é a detecção do antígeno de histoplasma no sangue, urina, líquor ou
lavado broncoalveolar. O exame mais simples e mais barato é a microscopia direta, podendo também ser realizada a cultura. O diagnóstico diferencial deve ser feito na TB, pneumocistose e leishmaniose visceral. Para pacientes com HD grave e progressiva é recomendada a terapia de indução com anfotericina B lipossomal ou complexo lipídico na dose de
3‑5 mg/kg/dia por uma a três semanas. O itraconazol é o fármaco de escolha na terapia
de manutenção na dose de 200 mg três vezes ao dia por três dias e, posteriormente, 200 mg
duas vezes ao dia, por pelo menos um ano e até CD4+ superior a 150 cel/mm3. Em pacientes com AIDS e doença leve, sem acometimento do sistema nervoso central (SNC),
pode ser usado somente o itraconazol. Para os pacientes com acometimento do SNC é
recomendado o uso de anfotericina B lipossomal (5 mg/kg/dia) por quatro a seis semanas
com manutenção posterior com itraconazol até melhora dos parâmetros liquóricos. A TARV
deve ser iniciada assim que possível para melhorar a imunidade celular9,11.
Cryptococcus neoformans
A criptococose é uma infecção fúngica invasiva causada pelo Cryptococcus neoformans sendo a meningoencefalite a forma mais frequentemente encontrada em pacientes
com HIV/AIDS. A incidência de meningite criptocóccica tem diminuído em pacientes em
uso de TARV; entretanto, a doença permanece como a principal causa de mortalidade
nos países desenvolvidos. Os sintomas mais comuns são febre, prostração e cefaleia.
Outros sintomas que sugerem doença disseminada podem estar presentes incluindo
tosse, dispneia e rash cutâneo. Os preditores de mortalidade incluem alteração do estado mental, título antigênico no líquor superior a 1:1024 e uma pleocitose menor do que
20 cel/mm3. A pressão de abertura (PA) pode ser bastante elevada em pacientes com
AIDS, com quase 70% dos pacientes com PA > 20 cmH2O. O diagnóstico definitivo é
feito pelo achado do fungo na cultura do líquor. A dosagem de antígeno positivo no líquor ou sangue sugere fortemente a presença da infecção, o que pode ser feito imediatamente sem necessidade de esperar o resultado da cultura. Antes de se fazer a punção
lombar, deve ser realizada uma tomografia do SNC para excluir lesões expansivas. A
meningoencefalite criptocóccica é fatal se não tratada. O tratamento consiste em três
fases: indução, consolidação e manutenção. É recomendada anfotericina B na dose de
0,7 mg/kg/dia e flucitosina (100 mg/kg/dia em 4 doses) durante as duas semanas de indução. Uma dose alta de fluconazol (400 mg/dia VO) deve ser iniciada durante a fase de
consolidação até 8 semanas de tratamento e, posteriormente, a terapia de manutenção
com fluconazol 200 mg/dia deve ser feita por pelo menos 1 ano. Os pacientes com HIV
podem desenvolver SIRI, com piora neurológica durante o início da TARV, o que pode
levar à grande morbidade e mortalidade devido ao aumento da pressão intracraniana. A
suspensão da terapia de manutenção com fluconazol pode ser considerada para pacientes
que responderem à TARV com um aumento sustentado dos linfócitos T CD4+ acima de
100 cel/mm3 e que estejam assintomáticos13.
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Infecções oportunistas
Leucoencefalopatia multifocal progressiva
A leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP) é uma doença desmielinizante do
SNC, rara e frequentemente fatal, causada pela reativação do poliomavírus JC. É importante causa de IO em pacientes infectados com HIV/AIDS com contagem de linfócitos T
CD4+ inferior a 200 cel/mm3, com prevalência de mais de 5% nessa população. Os sintomas incluem déficits neurológicos subagudos, alteração do estado mental, diplopia,
hemianopsia, mono ou hemiparesias e ataxia. Os sintomas podem surgir após a introdução
da TARV ou piorarem devido à SIRI. A RM do SNC é o exame de escolha e pode‑se observar um processo multifocal limitado à substância branca que não se relaciona a territórios vasculares, sem efeito de massa, sem captação de contraste e com sinal hiperintenso em T2. O diagnóstico diferencial de LEMP inclui encefalopatia do HIV e linfoma
primário do SNC. A biópsia das lesões é o padrão ouro para o diagnóstico, mas está associada a alta morbidade e mortalidade. Em pacientes com manifestações neurológicas e
lesões sugestivas na RM, pode‑se estabelecer o diagnóstico através da detecção do DNA
do vírus JC no líquido cefalorraquidiano por PCR. Não há tratamento específico ou profilaxia para LEMP. O principal objetivo é a supressão viral do HIV e a reconstituição imune
através do uso da TARV. Para pacientes que desenvolvem deterioração neurológica e evidência clínica ou radiológica de edema cerebral associado à LEMP, podem‑se usar altas
doses de corticoterapia sem interrupção da TARV. Entretanto, o uso de corticosteroides na
LEMP/SIRI permanece controverso14.
Pneumocystis jirovecii
A pneumonia pelo fungo Pneumocystis jirovecii (PCP) ainda é a IO mais comum em
pacientes infectados pelo HIV. Pode‑se suspeitar de PCP em paciente com quadro subagudo de tosse seca, febre baixa e dispneia. Na radiografia de tórax, observa‑se um infiltrado intersticial difuso perihilar e, menos comumente, pneumotórax. Na TC de tórax, o
padrão em vidro fosco é o mais frequentemente observado. A sensibilidade do exame
direto do escarro induzido é de 50 a 90% e o lavado broncoalveolar pode ser positivo
vários dias após o início do tratamento. O tratamento é feito preferencialmente com
SMX‑TMP na dose de 15 mg/kg/dia de TMP por 21 dias. Se a gasometria arterial mostrar
uma pressão parcial de oxigênio menor que 70 mmHg (Tabela 3), ou um gradiente alvéolo‑arterial de 35 mmHg ou mais, deve‑se acrescentar prednisona 40 mg duas vezes ao
dia durante cinco dias, seguido de prednisona 40 mg/dia durante cinco dias e de prednisona 20 mg/dia durante 11 dias. A TARV deve ser iniciada, se possível, dentro de duas
semanas após o início da terapia para PCP9,11,15.
Complexo Micobacterium avium
O MAC é composto por duas micobactérias não tuberculosas, M. avium e M. intracellulare. A doença disseminada causada por essas micobactérias é uma IO importante nos
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Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 3. Fármacos para o tratamento e profilaxia de PCP
Medicação
Dose para tratamento
Profilaxia
SMX‑TMP
PaO2 > 70 mmHg: VO 1.600
mg + 320 mg
de 8/8h
PaO2 < 70 mmHg:
15 mg/kg/dia de TMP IV
de 6/6h
800 + 160 mg/dia ou
3/semana
Pentamidina
4 mg/kg/dia IV
Aerossol: 300 mg/mês
Atovaquona
750 mg VO 12/12h
1.500 mg VO/dia
TMP + dapsona
TMP: 5 mg/kg VO de 8/8h
Dapsona: 100 mg/dia VO
Dapsona: 50‑100 mg 2/dia*
Primaquina +
clindamicina
Primaquina: 15‑30 mg/dia
Clindamicina: 600 mg IV 8/8h
ou 300‑450 mg VO 6/6h
*Associar pirimetamina e ácido folínico para profilaxia de toxoplasmose.
pacientes com AIDS e CD4+ < 50 cel/mm3. Estima‑se que, na ausência de TARV ou profilaxia, 20‑40% dos pacientes com AIDS desenvolverão infecção disseminada pelo MAC.
Os sintomas são febre, sudorese noturna, emagrecimento, astenia, diarreia e dor abdominal. Pode haver hepatoesplenomegalia e linfadenomegalia. Exames laboratoriais geralmente revelam anemia e elevação de fosfatase alcalina. Acometimento pulmonar concomitante é possível, mas pouco comum. Os sintomas podem ser exacerbados após o
início da TARV devido à SIRI.
O diagnóstico é feito através de cultura de sangue, medula óssea, baço, fígado e/ou
linfonodo. A hemocultura tem boa sensibilidade, sendo a responsável pelo diagnóstico em
mais de 90% dos casos.
O tratamento é feito com a combinação de dois ou três fármacos, sempre incluindo
um macrolídeo. A claritromicina traz uma resposta mais rápida na negativação de hemoculturas, mas a azitromicina também é uma boa opção. O segundo fármaco deve ser o
etambutol e o terceiro, se adicionado, deve ser rifabutina ou rifampicina. O tratamento
poderá ser suspenso após 12 meses se o CD4+ for maior do que 100 cel/mm3 por mais
de seis meses. Recomenda‑se profilaxia primária em pacientes com CD4+ < 50 cel/mm3
usando‑se azitromicina na dose de 1.200 mg/semana ou claritromicina 100 mg 12/12h
até CD4+ > 100 cel/mm3 9,11,15.
Citomegalovírus
O CMV pertence à família Herpes vírus e é a IO viral mais frequente. Acomete os
portadores de AIDS com imunossupressão avançada (CD4+ < 50 cel/mm3), nos quais a
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Infecções oportunistas
doença geralmente é decorrente de reativação. A manifestação mais comum é a retinite pelo CMV, inicialmente unilateral, mas com disseminação contralateral frequente
na ausência de tratamento. O diagnóstico se baseia na aparência da lesão, uma retinite necrotizante com aspecto algodonoso branco‑amarelado com ou sem áreas de hemorragia.
A encefalite pelo CMV se apresenta de forma semelhante à demência pelo HIV, com
piora cognitiva progressiva, rápida, com ou sem sinais focais. A RM do encéfalo mostra
realce periventricular. Pode haver ainda polirradiculopatia, mielite e neuropatia periférica
associadas ao CMV. A punção lombar mostra aumento moderado de proteína, polimorfonucleares e glicose discretamente diminuída. O diagnóstico é feito por PCR, cultura ou
detecção do antígeno no líquido cefalorraquídeo (LCR).
O CMV pode causar doença em todo trato gastrointestinal (TGI), mais comumente no
esôfago e no cólon. Os sintomas da esofagite são febre, odinofagia, queimação retro‑esternal, náuseas e vômitos. A endoscopia mostra múltiplas úlceras rasas distais. Na colite,
há febre baixa, dor abdominal, tenesmo, diarreia e hematoquezia. A colonoscopia também
revela úlceras. O diagnóstico é confirmado por biópsia das lesões, que mostra destruição
tecidual e as típicas inclusões intracitoplasmáticas.
O tratamento é feito com ganciclovir intravenoso (IV) 5 mg/kg duas vezes ao dia
de duas a três semanas, seguido de manutenção na dose de 6 mg/kg/dia cinco vezes
por semana até CD4 > 100 cel/mm3. Outras opções são o foscarnet, valganciclovir e
cidofovir9,11,16.
Epstein‑Barr
O vírus Epstein‑Barr (EBV) é um herpes vírus amplamente disseminado em todo o
mundo e é transmitido pelo contato entre pessoas suscetíveis. Aproximadamente 90%
dos adultos são soropositivos para EBV. Como outros membros da família Herpesviridae, o EBV tem uma fase de latência, podendo infectar os linfócitos B e T, as células
epiteliais e os miócitos. É o agente etiológico da mononucleose e também está associado ao desenvolvimento de linfomas de células B e T, ao linfoma de Hodgkin e ao
carcinoma de nasofaringe. A leucoplasia pilosa oral (LPO) é uma manifestação mucocutânea do EBV que geralmente afeta a parte lateral da língua e está associada à
infecção pelo HIV. As lesões são placas brancas, enrugadas e indolores que, diferentemente da cândida, não podem ser removidas da superfície. O uso da TARV tem
diminuído a incidência de LPO. A LPO não é considerada uma lesão pré‑maligna. O
diagnóstico é clínico, e a sorologia não está indicada. O tratamento pode ser feito
com zidovudina, aciclovir, foscarnet e podofilina ou isotretinoína tópica, mas, em
geral, não existe indicação de tratamento além do uso da TARV. O EBV também está
associado ao linfoma não‑Hodgkin (LHN) em pacientes infectados com HIV. O LHN
ocorre aproximadamente 60 a 100 vezes mais em pacientes com HIV, e o EBV está
relacionado a 66% dos casos de LHN em pacientes com HIV. O LNH é uma manifestação tardia nos pacientes com HIV e, em geral, se apresenta como linfoma primário
do SNC9,11,17.
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Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 4. Doses de aciclovir para o tratamento de varicela, herpes‑zóster leve e grave
Situação clínica
Tratamento
Varicela
Aciclovir 10‑12 mg/kg IV 8/8h por 5 dias
Herpes‑zóster leve
Aciclovir 800 mg VO 5 vezes/dia por 7 dias
Herpes‑zóster grave*
Aciclovir 10‑12 mg/kg IV 8/8h por 7‑14 dias
*Acometimento de mais de 1 dermátomo, nervo trigêmeo ou disseminada.
Vírus varicela‑zóster
A infecção pelo vírus varicela‑zóster (VZV) é a causa de duas formas distintas de doença: a varicela ou catapora, que cursa com um rash cutâneo vesicular difuso, e o herpes
zóster (HZ), que é a reativação do vírus neurotrópico, ocasionando lesões vesiculares dolorosas, unilaterais e restritas a um ou mais dermátomos. A reativação parece ser influenciada pela imunossenescência, doenças imunodepressoras ou imunossupressão iatrogênica.
Os dermátomos torácicos e lombares são os mais comumente acometidos. Pacientes com
HIV podem desenvolver lesões disseminadas. A complicação mais importante do HZ é a
neuralgia pós‑herpética, outras complicações incluem o HZ oftálmico, meningite asséptica
e encefalite. Pacientes com HIV estão em risco para o acometimento cutâneo e visceral
disseminado. O diagnóstico pode ser feito clinicamente ou através de cultura viral, sorologias e PCR. O principal diagnóstico diferencial deve ser feito com o herpes simplex. A
terapia antiviral visa promover uma diminuição do tempo da doença, com desaparecimento mais rápido das lesões, diminuição da dor e da gravidade da neuralgia pós‑herpética.
Todos os pacientes com HIV devem ser tratados com terapia antiviral mesmo para episódios
de HZ não complicados, independentemente da idade. O antiviral de escolha é o aciclovir
nas doses assinaladas na tabela 49,11.
Sífilis
A sífilis é uma doença sexualmente transmissível (DST) causada pelo Treponema pallidum ainda muito prevalente em nosso meio. Nos pacientes portadores de AIDS, a história
natural da doença é acelerada e aumenta o risco de complicações, com acometimento do
SNC em qualquer fase da doença. A neurossífilis pode se manifestar como meningite,
doença parenquimatosa e uveíte ou ser assintomática, quando há apenas alterações do
LCR (proteína aumentada, pleocitose mononuclear moderada ou Venereal Disease Research Laboratory [VDRL] positivo).
O diagnóstico é feito através de testes sorológicos treponêmicos e não treponêmicos.
O teste não treponêmico mais usado no Brasil é o VDRL, com sensibilidade de 80 a 100%
na sífilis precoce. O VDRL apresenta negativação ou queda expressiva (< 1/8) após o
tratamento, sendo útil como controle de cura e reinfecção. Há aumento de resultados
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Infecções oportunistas
Tabela 5. Esquemas comuns para o tratamento da sífilis
Sífilis primária
– Penicilina benzatina 2.400.000 UI IM em dose única
– Doxiciclina 100 mg VO 2/dia por 14 dias
– Ceftrixona 1 g/dia IM ou IV por 10 dias
Sífilis tardia sem
acometimento do SNC
– Penicilina benzatina 2.400.000 UI IM/semana,
por 3 semanas
– Doxiciclina 100 mg VO 2/dia por 28 dias
Neurossífilis
– Penicilina cristalina 4.000.000 UI IV 4/4h por 10‑14 dias
– Ceftriaxona 2 g/dia IV por 10‑14 dias
falso‑negativos na sífilis tardia. Os testes treponêmicos (FTA‑ABS, ELISA ou TPHA) têm
maior especificidade e permanecem positivos por toda a vida, indicando infecção prévia.
O diagnóstico da neurossífilis depende da avaliação do LCR mas, quais pacientes devem
ser submetidos à essa avaliação ainda é uma questão controversa. A maioria dos autores
concorda que todos os pacientes sintomáticos, que apresentam falha terapêutica, CD4+
< 350 cel/mm3 ou com VDRL > 1/32 devem ser submetidos à punção lombar.
A penicilina ainda é o tratamento de primeira escolha. As opções são doxiciclina, ceftriaxona e azitromicina. Os esquemas terapêuticos mais comuns estão na tabela 5. Todos os
pacientes devem ser avaliados após o tratamento para controle de cura. Deve‑se solicitar
VDRL anual para os pacientes portadores do HIV, com ou sem história de sífilis prévia9,11.
Herpes simplex
A infecção pelo vírus do herpes simplex (HSV) é um problema frequente para pacientes
infectados com HIV. O HSV‑1 é transmitido pelo contato direto com mucosas e causa
vesículas dolorosas periorais, em lábios, língua ou gengivas. O HSV‑2 é sexualmente transmissível e leva a úlceras ou vesículas no pênis, vagina, vulva e ânus. As lesões por HSV
aumentam significativamente o risco de transmissão do HIV. Pacientes com infecção avançada pelo HIV (CD4+ < 200 cel/mm3) têm risco aumentado de doença recorrente e extensa. Em casos graves, podem ocorrer esofagite, colite, coriorretinite, necrose retiniana
aguda, traqueobronquite, pneumonia e encefalite. O diagnóstico é clínico, mas, se houver
dúvidas, poderá ser feito swab com cultura viral, que é o método padrão ouro. O diagnóstico de lesões em órgãos requer análise histológica. A encefalite por HSV é de difícil
diagnóstico, e a análise do líquor em geral não é específica. A sorologia será útil somente se for negativa. A PCR para HSV é um método sensível (98%) e especifico (94%) para
confirmar a encefalite. A PCR é positiva nas primeiras 24 horas dos sintomas e permanece positiva durante a primeira semana de tratamento. A citologia de Tzanck, que mostra
o efeito citopático dos herpes vírus, pode ser realizada em pacientes com lesões ativas, mas
tem uso limitado, pois só é útil se positiva. O tratamento pode ser realizado com aciclovir
(primeira escolha), famciclovir ou valaciclovir. A terapia tópica tem pouco beneficio. As
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Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
doses de aciclovir utilizadas são as seguintes: encefalite: IV: 10 mg/kg/dose de 8/8h por
10 dias; mucocutânea grave: IV: 5 mg/kg/dose de 8/8h por 7 dias; oral: 400 mg 5 vezes
por dia por 7 a 14 dias. O Center for Disease Control (CDC) recomenda terapia supressiva
diária para pacientes com recorrência: aciclovir 400 mg VO duas vezes ao dia9,11.
Infecções bacterianas entéricas: shiguella,
salmonella e campylobacter
A incidência de infecções entéricas por bactérias gram‑negativas é 20 a 100 vezes mais
elevada em adultos infectados pelo HIV. As causas mais comuns entre adultos são Salmonella, Shigella e Campylobacter que, em geral, são adquiridas através da ingestão de alimentos ou água contaminados. A acloridria gástrica associada ao HIV e o uso de fármacos
que diminuem a secreção gástrica podem facilitar a aquisição dessas infecções. Os sintomas
podem variar desde uma gastroenterite autolimitada a formas mais graves, como uma
diarreia sanguinolenta prolongada, com febre, perda de peso ou septicemia, ou sintomas
extraintestinais com ou sem envolvimento gastrointestinal. Coprocultura e hemocultura
devem ser solicitadas a todos os pacientes com HIV/AIDS. Para prevenção, deve‑se aconselhar a lavagem das mãos após o contato potencial com fezes humanas, animais de estimação e terra antes de preparar alimentos e de comer e antes e depois do sexo, além
de evitar práticas sexuais desprotegidas que podem resultar em exposição oral de fezes.
O tratamento de escolha para Salmonella é o ciprofloxacino por 7 a 14 dias, se a doença
é leve e linfócitos T CD4+ > 200 cel/mm3, e por duas a seis semanas se linfócitos T CD4+
< 200 cel/mm3. A terapia para shigelose está indicada tanto para encurtar o tempo de
duração da doença como para evitar a disseminação, com uma fluoroquinolona por três
a sete dias. O tratamento ótimo para pacientes HIV positivos com Campylobacter ainda
não é bem definido. Na doença leve, pode‑se optar pela observação dos sintomas clínicos
e pelo tratamento posterior com ciprofloxacino ou um macrolídeo por sete dias, se não
houver melhora. Pacientes com bacteremia devem ser tratados por mais de duas semanas
e adicionado um segundo agente ativo (por exemplo, um aminoglicosídeo)9,11.
Cryptosporidium, Isospora e Mycrosporidium
Cryptosporidium, Isospora belli e Mycrosporidium são patógenos do trato gastrointestinal que acometem principalmente hospedeiros imunossuprimidos, especialmente os portadores de AIDS com CD4+ < 100 cel/mm³. Provocam diarreia de início agudo ou subagudo que tende a se tornar crônica, além da possibilidade de causarem doença em todo
TGI e até em sítios à distância.
As três espécies mais comuns de Cryptosporidium no homem são C. hominis, C. parvum
e C. meleagridis. A transmissão é fecal‑oral ou pessoa‑pessoa entre Homens sexo com
homens (HSH). Os sintomas são diarreia aquosa profusa, cólicas, náuseas, vômitos e má
absorção. Febre pode estar presente em até um terço dos pacientes. Mais raramente há
acometimento biliar com colangite esclerosante e com pancreatite e até infecção pulmonar.
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Infecções oportunistas
O diagnóstico é feito pela identificação dos oocistos nas fezes. O tratamento consiste no
início imediato de TARV para recuperação imunológica até CD4+ > 100 cel/mm³, o que
geralmente resolve a infecção. O uso de nitazoxanida é uma opção para o tratamento, mas
tem alta taxa de falha terapêutica nesses pacientes. A dose recomendada é de 500 mg
VO duas vezes ao dia por 14 dias.
A isosporíase é transmitida pela ingestão dos oocistos esporulados de I. belli em água
ou alimentos contaminados. Manifesta‑se com diarreia aquosa, dor abdominal, vômitos e
febre baixa. O diagnóstico é feito por identificação do oocisto nas fezes, e o tratamento
é feito com SMX‑TMP 800/160 mg 6/6h por 10 dias.
Os microsporídios são microrganismos protistas semelhantes aos fungos que podem
causar doença em humanos. A manifestação mais comum é a diarreia, mas também podem ser responsáveis por colangite, hepatite, encefalite, sinusite, miosite, infecção ocular
e infecções disseminadas. O diagnóstico é feito pelo exame microscópico das fezes; porém,
devido ao pequeno tamanho dos esporos, pode ser necessária realização de biópsia de
intestino delgado. O tratamento mais efetivo é a recuperação imunológica com uso de
TARV. O albendazol é efetivo contra várias espécies e é o fármaco de escolha para o tratamento inicial. O itraconazol pode ser usado nas infecções disseminadas9,11.
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43
Capítulo 5
Neoplasias
associadas à AIDS
Lauro Ferreira da Silva Pinto Neto, Maria da Conceição Milanez e Angélica Espinosa Miranda
Introdução
O câncer disputa atualmente, com a doença cardíaca isquêmica, a posição de maior causa
de óbitos, devendo, em breve, ocupar o topo da lista de mortalidade global, segundo dados
da Organização Mundial de Saúde. Esse fato deve‑se, em primeiro lugar, ao aumento da
longevidade, que, a par da queda dos mecanismos moleculares naturais de defesa anticrescimento de células malignas, expõe as populações a efeitos aditivos de vários carcinógenos.
Com a introdução de esquemas terapêuticos de alta potência (HAART), que permitem que os
pacientes infectados pelo vírus HIV também alcancem o patamar dos longevos, bem como
com a revitalização medicamentosa da vida sexual de idosos, com eventual risco de aquisição
da AIDS, várias perguntas surgem com relação à incidência de câncer na população infectada
pelo HIV que atinge idades mais avançadas. Haveria incidência de cânceres associados à progressão da idade semelhante à da população em geral? O tratamento antirretroviral (TARV)
reduziria a incidência dos cânceres historicamente associados à deficiência da resposta
imunitária, como o sarcoma de Kaposi (SK), considerado definidor de AIDS juntamente com
linfomas não Hodgkin e câncer de colo uterino? O TARV teria algum efeito protetor, indutor
ou complicador de neoplasias nas populações em uso prolongado do mesmo? Fatores
clássicos de risco para câncer, como tabagismo, alcoolismo ou exposição prolongada ao sol
teriam efeitos diferentes em pacientes HIV positivos? A evolução de tipos particulares de
câncer e a resposta ao tratamento seguiriam os mesmos aspectos nas populações com ou
sem o vírus HIV? A infecção pelo HIV interferiria com a patogênese tumoral ou vice‑versa?
Aspectos epidemiológicos
Mudanças no perfil epidemiológico
Nos últimos anos, a expressiva melhoria das possibilidades terapêuticas fez‑se acompanhar de queda na incidência de neoplasias definidoras de AIDS (NDA) e do aumento
45
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
progressivo do diagnóstico de neoplasias não definidoras de AIDS (NNDA). O olhar atual
volta‑se mais para a identificação dos fatores associados às NNDAs. Uma metanálise envolvendo 18 estudos, publicada em 2009, mostrou que pessoas infectadas pelo HIV tinham
risco duplicado de desenvolver NNDA em relação à população em geral1, sendo que tais
tumores já despontam como fator de risco independente para mortalidade2,3. A evolução
histórica da AIDS não mostra apenas o aumento de longevidade, mas também mudanças
no perfil do doente, passando progressivamente a incluir mais mulheres, bem como indivíduos das mais variadas etnias, classes sociais, profissões e hábitos de vida, e isso também
vem contribuindo para a mudança no perfil do câncer associado à AIDS. Diferentes abordagens buscam esclarecer tais alterações. O Multicenter AIDS Cohort Study (MACS), por
exemplo, envolveu apenas homens que fazem sexo com homens (HSH), HIV positivos e
negativos, sendo um estudo prospectivo longo, abrangendo as eras pré e pós‑HAART. A
avaliação dos dados, ao término de 23 anos, período em que se viu aumentar expressivamente o número de pessoas que vivem com o vírus, mostrou queda significativa na incidência
de SK e de linfoma não Hodgkin (87 e 77%, respectivamente), após a era HAART, apesar de
permanecerem ainda em níveis significativamente elevados em HSH, em comparação com
a população em geral4. Essa observação sugere que a recuperação, ainda que parcial, da
imunidade, na era HAART, reduz a incidência de tais tumores. A mesma tendência se
observa em estudo baseado em registros de diversos estados americanos: comparando‑se
o período 1991‑1995 (pré‑HAART) com o período 2001‑2005, o número estimado de NDA,
no mais recente, caiu, no total, para cerca de 1/3 daquele do período anterior. Entretanto,
linfomas não Hodgkin, seguidos de SK, ainda permanecem como os de maior incidência
na população que vive com o HIV, nos EUA. Por outro lado, o número de NNDA mostrou
incrementos de cerca de três vezes (Tabela 1). Dessa forma, o número de NDA e de NNDA
praticamente se igualou na população soropositiva5. Os cânceres de pulmão, ânus, fígado
e linfoma de Hodgkin perfizeram 50% do total de NNDA e representaram quantidade
acima do previsto para os mesmos na população em geral. O câncer anal mostrou o maior
incremento de casos, aparecendo em valores acima de sete vezes maior no período
2001‑2005, em relação ao período 1991‑1995, ocorrendo principalmente na população
HSH4,5. Foi demonstrado que a incidência do câncer anal é maior nos indivíduos mais expostos a intercurso anal receptivo sem proteção4. Mais casos de câncer de próstata e colorretal também foram contabilizados na era pós‑HAART, e não parecem associar‑se ao
vírus HIV, estando ainda 30 e 8%, respectivamente, abaixo da incidência da população em
geral5. Há relatos de menor incidência do câncer de próstata em pacientes soropositivos.
Shiels et al., porém, mostraram diferença apenas quando se comparam fases precoces da
doença, onde o diagnóstico fica muito condicionado ao rastreamento feito pela dosagem
do PSA, e esse seria menos realizado entre soropositivos6. Aspectos particulares se percebem, também, quanto ao câncer de mama nas mulheres com o vírus HIV. A incidência é
mais baixa tanto no Ocidente como na África subsaariana7. Nos EUA, de 1980 a 2002, o
risco para câncer de mama era 31% mais baixo em mulheres com AIDS8, embora os casos
tenham aumentado em valores absolutos com o crescimento da população feminina com
o HIV5. Foi levantada a possibilidade de que a sinalização via receptores CXCR4, que são
detectados em células hiperplásicas e neoplásicas dos ductos mamários, induziria apoptose
nas mesmas, em pacientes infectadas por vírus HIV com tropismo para esse correceptor8.
46
Neoplasias associadas à AIDS
Tabela 1. Número estimado de cânceres em pessoas vivendo com AIDS em 50 estados e
distrito nos EUA
Câncer
NDA
SK
Linfoma não Hodgkin
Colo uterino
Total de NDA
NNDAs mais frequentes
Pulmão
Ânus
Linfoma de Hodgkin
Próstata
Cavidade oral e faringe
Colorretal
Total de NNDA
1991 a 1995
2001 a 2005
21.483
12.778
327
34.587
3.827
5968
530
10.325
875
206
426
87
181
108
3.193
1882
1.564
897
759
503
438
10.059
Além da HAART, mudanças na epidemiologia do HHV‑8 também explicariam o declínio do SK. O número
de casos de carcinoma cervical não caiu, mas a incidência sim. Maior número de NNDA deve‑se ao aumento da
população americana com HIV, ao número dos que ultrapassam 40 anos de idade e à exposição a fatores de risco
e imunodeficiência.
Adaptado de Shiels MS, et al.5
Incidência estimada de câncer de mama igual à de populações soronegativas tem sido
demonstrada em estudos recentes, o que poderia ser explicado pela progressiva redução
da mortalidade por outras causas, como infecções oportunistas9. Ao contrário do SK, que
surge em idade mais precoce nos pacientes com o HIV7, a progressão da idade representa
um fator de risco para as NNDAs, mas não parece haver antecipação da média de idade em
que os mesmos tumores aparecem na população em geral, ao contrário de alguns estudos que
indicavam seu surgimento em idade mais jovem, dentro da proposta da “síndrome do envelhecimento precoce” do paciente com AIDS10. Entretanto, não são raros relatos de tumores em idade mais jovem que o usual, como, por exemplo, encontro de mieloma múltiplo e de adenocarcinoma gástrico em torno dos 29 anos de idade11. Assim, parece
delinear‑se um quadro em que o prolongamento da vida do paciente com o vírus HIV aumenta a incidência de cânceres mais associados à idade, como os de próstata e de colorreto;
porém, mais ainda, daqueles relacionados a hábitos de vida, como tabagismo ou exposição a risco de coinfecções, fatores que se somam ao comprometimento da imunidade,
mesmo que esta se mostre parcialmente recuperada com a terapia atual (Tabelas 1 e 2).
Importância da coinfecção viral e de hábitos de vida
Os cânceres de colo uterino, de vulva e anal, bem como de pênis, que também incide
mais em homens infectados pelo HIV, são cada vez mais vinculados a diferentes genótipos
de HPV; o carcinoma hepatocelular, relacionado aos vírus de hepatite B (HBV) e C (HCV),
e o linfoma de Hodgkin é, com frequência, associado ao vírus de Epstein Barr (EBV). Todos
47
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 2. Análise multivariada de fatores associados ao câncer em pacientes HIV positivo
atendidos em Serviço de Referência, em Vitória, Espírito Santo
Variáveis
OR
IC 95%
Valor de p
Idade (≥ 50 vs. < 50 anos)
1,7
0,76‑3,83
0,200
Gênero (masc. vs. fem.)
1,3
0,54‑2,91
0,597
Tabagismo (sim vs. não)
2,2
1,04‑6,24
0,048
Nadir de CD4 (≤ 200 vs. > 200)
3,0
1,19‑7,81
0,021
Morte como desfecho (sim vs. não)
13,3
4,57‑38,72
0,000
Os pacientes apresentavam NDA e NNDA em proporções semelhantes. Análises adicionais com inclusão somente
dos casos de NNDA passam a mostrar a idade como fator de risco significante.
mostram aumento de incidência na população com AIDS, principalmente nos que ultrapassam os 50 anos de idade5. É possível supor que o aumento da longevidade e o aparente domínio do paciente sobre a doença, com HAART, aumentem as possibilidades de
sexo sem proteção, elevando a incidência de coinfecções. Vale lembrar que os clássicos
tumores definidores de AIDS também exibem o papel da coinfecção viral, HHV‑8, no SK;
EBV, em alguns linfomas não Hodgkin, e HPV, no câncer de colo uterino. A relação da
coinfecção HIV‑HPV é complexa. Embora haja queda progressiva de carcinoma de colo
uterino na população em geral, o número de casos em pacientes com AIDS não mostra
declínio5. Por outro lado, um estudo multicêntrico prospectivo não mostrou diferença
significativa na incidência desde tumor em mulheres com vírus HIV em comparação com
mulheres negativas para o mesmo, mas de risco para câncer de colo uterino12. Lesões de
colo uterino também mostram diferenças quanto à coinfecção do HPV com o subtipo
HIV‑1 ou HIV‑2, este último menos universal e tradicionalmente mais encontrado na África Ocidental, onde representa menos de 5% do total de infecções pelo HIV. Estudos conduzidos no Senegal e na Costa do Marfim mostraram uma associação mais significativa
entre lesões de alto grau do colo uterino e do próprio carcinoma, em mulheres infectadas
pelo vírus HIV‑2 em comparação com o HIV‑17. A coinfecção viral interfere na epidemiologia de certos tumores a ponto de fazê‑los parecerem doenças distintas. É o que acontece com o linfoma primário do sistema nervoso central (SNC), um dos linfomas não Hodgkin
definidores de AIDS, que, quando passou a surgir com mais frequência e em indivíduos
mais jovens HIV positivos, também passou a mostrar, de forma quase universal, a presença
do vírus de Epstein Barr5. A importância da coinfecção também se vê em investigações que
mostram soroprevalência de HHV‑8 em 53 e 56,8% de duas populações de ameríndios brasileiros, que não apresentam SK, levantando a possibilidade de que isso seja determinado
pela forma de transmissão oral em vez de sexual, e ausência de coinfecção pelo HIV. Também
interessante é o que ocorre com o carcinoma hepatocelular, no qual a infecção isoladamente pelo HIV aumenta apenas levemente o risco do tumor, em estudo caso‑controle
em Uganda7. Entretanto, talvez seja interessante considerar que o hepatocarcinoma já é de
48
Neoplasias associadas à AIDS
alta prevalência em certas regiões da África, onde, não importando os vírus comumente a ele
associados, há a possibilidade de contaminação da dieta com aflatoxina hepatocarcinogênica. Nos EUA, o carcinoma hepatocelular incide cerca de oito vezes mais na população com
AIDS, e dados semelhantes foram identificados pelo Swiss HIV Cohort Study7. Nos países
ocidentais, essa incidência parece mesmo associada ao maior risco de infecção por HBV e
HCV em HIV positivos usuários de drogas injetáveis. O GERMIVIC Joint Study Group Network constatou que o carcinoma hepatocelular, que respondeu por 4,7% das causas de
morte entre pacientes com AIDS, em 1995, causou 25% do total de óbitos em HIV positivos,
em 20017. Sampaio J, et al. mostrou, no Brasil, dados de coinfecções mais próximos dos de
outros países tropicais e em desenvolvimento, como, por exemplo, a elevada identificação
do vírus EBV nos linfomas, e a alta prevalência (78%) de genótipos múltiplos de HPV em
mulheres infectadas, embora os genótipos e respectivos percentuais sejam diferentes dos
encontrados em países africanos7,13. Em relação aos hábitos de vida, estudos indicam índice
mais elevado de tabagismo entre indivíduos HIV positivos5. O encontro de maior incidência
de câncer de pulmão na população HIV positivo é de duas a sete vezes maior que na
população em geral, em diferentes levantamentos7. O risco aumentado para NNDA
permaneceu elevado em tabagistas, mesmo quando se excluíam os casos de câncer de
pulmão das análises14. Por outro lado, um estudo de coorte em usuários de droga injetável
em Baltimore estabeleceu o HIV com um fator de risco independente para o câncer de
pulmão15. Há citações também de maior consumo de álcool na população soropositiva7.
Particularidades em países com baixo IDH e no Brasil
Uma metanálise7 comparou levantamentos feitos em países da região subsaariana com
os de países ocidentais. À parte as dificuldades inerentes às análises unificadas de estudos
desenvolvidos com desenhos diversos, os resultados confirmaram a proporção maior, em
relação aos países ocidentais, de casos de SK na África, onde esse tumor já apresentava
uma forma endêmica, menos agressiva, antes da epidemia de AIDS, e onde a infecção
pelo HHV‑8 sempre foi mais representativa. Provavelmente também devido à limitação do
uso em larga escala de HAART, na África subsaariana não se verificou a mesma queda do
SK percebida em países de elevado nível de tratamento. O câncer de colo uterino, classicamente mais incidente em países de baixa renda, aparece com resultados conflitantes na
África subsaariana, não mostrando aumento de incidência em paralelo com o crescimento da epidemia de AIDS nos registros de tumores em Uganda, Zimbábue e Quênia, talvez
devido à maior mortalidade precoce ligada a outras causas decorrentes de tratamento
precário da AIDS. Entretanto, diferentes estudos mostram risco aumentado de desenvolvimento de lesões intraepiteliais cervicais, em mulheres da região subsaariana HIV positivas,
e levantamentos conduzidos na África do Sul mostraram maior incidência de carcinoma
do colo uterino em mulheres infectadas pelo HIV7. A situação geográfica, associada aos
hábitos profissionais, também parece influenciar a incidência do carcinoma de células
escamosas da conjuntiva, que é associado à exposição à radiação ultravioleta e à infecção
pelo HPV. Esse tumor, muito raro em outras circunstâncias, é mais frequente na população
HIV positiva, tanto nos EUA quanto na África subsaariana. O câncer de pele não melanoma
49
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
também mostra associação maior à infecção pelo HIV, inclusive manifestando‑se em
localizações não usuais nessa população7.
Dados específicos dos tumores mais incidentes na população infectada pelo HIV, no
Brasil, ainda são incompletos. Um estudo retrospectivo de 261 necropsias consecutivas, em
indivíduos soropositivos, realizadas de 1989 a 2008 na Universidade Federal do Triângulo
Mineiro, identificou tumores (benignos e malignos) em 22,2% dos casos, sendo 8% malignos.
Neoplasias responderam por 6,9% das causas de óbito, incluindo cinco pacientes que não
chegaram a apresentar sinais de AIDS. Na era pós‑HAART, foi encontrado número maior de
neoplasias, mas sem diferença significante em relação ao período pré‑HAART. A incidência
de tumores benignos não diferiu do previsto na população em geral11. No que diz respeito
a pacientes ambulatoriais no Brasil, um estudo de 730 pacientes soropositivos acompanhados
entre julho de 2010 e maio de 2011, no Serviço de Referência em AIDS da Santa Casa de
Misericórdia de Vitória, Espírito Santo3, mostrou registro de 30 casos (4,1%) de neoplasias
malignas, identificadas em proporções semelhantes entre definidoras e não definidoras de
AIDS. Houve associação direta e significativa com idade acima de 50 anos, tabagismo e
risco maior de mortalidade quando no estudo em separado do grupo com NNDA (Tabela 2).
Correlação com grau
de comprometimento da resposta imunitária
Com o crescimento do número de casos de NNDA, busca‑se esclarecer a participação
da imunodepressão também nesse grupo de neoplasias. No estudo prospectivo multicêntrico EuroSIDA16, a taxa de NNDA foi de 6,4/1.000 pessoas/ano, no grupo com níveis de
linfócitos T CD4+ abaixo de 200 cel/mm3, em comparação com 3,4/1.000 pessoas/ano
entre pacientes com níveis acima de 500 cel/mm3. A associação foi mais expressiva com
neoplasias relacionadas a vírus. O câncer anal sobressaiu de incidência entre homossexuais
e, após ajustes, mostrou significante queda de incidência à medida que se elevava a contagem de células CD4+. O estudo não evidenciou, entretanto, associação dos níveis de
células CD4+ com as demais NNDA, exceto com linfoma de Hodgkin. As associações encontradas foram com a contagem corrente de células CD4+, sendo que o nadir de CD4
não mostrou significância na associação à incidência dos tumores, em qualquer um dos
grupos, após ajustes para contagem atual de linfócitos CD4+, fato já anteriormente
observado em relação ao carcinoma hepatocelular15. Também Pinto Neto3, ao analisar
separadamente as NNDAs, mostrou que desapareceu a correlação com nadir de CD4,
encontrada, ainda que fraca, na correlação com o somatório de NDA e NNDA. Nos estudos de coorte CASCADE (Concerted Action on SeroConversion to AIDS and Death in
Europe) e DAD (Data Collection on Adverse Events of Anti-HIV Drugs), a mortalidade por
NNDA também aumentava com o declínio de células CD4+. Considerando‑se tumores
definidores e não definidores de AIDS, um estudo de coorte prospectivo estabeleceu a
contagem de células CD4+ como o principal fator de risco preditivo para SK, linfoma não
Hodgkin, linfoma de Hodgkin, câncer de pulmão, de fígado e de colo uterino7. Relação
inversa entre número de neoplasias e níveis de linfócitos CD4+ também foi identificada
em estudo prospectivo14, no qual o risco para NNDA foi maior em grupo com nadir de CD4
50
Neoplasias associadas à AIDS
de 201‑350 cel/mm3 do que no grupo com os valores acima de 350 cel/mm3. Entretanto,
a relação fica mais forte quando se considera a contagem de CD4+ recente. Diferentes
graus de imunossupressão também parecem condicionar qual o subtipo incidente dentre
os linfomas não Hodgkin. Ou seja, o linfoma difuso de células B ocorre nos estados mais
acentuados de imunossupressão, enquanto o linfoma de Burkitt acompanha estados menos
pronunciados de deficiência imunitária7. Relação mais complexa com a contagem de CD4
mostra o linfoma de Hodgkin, tumor que aumentou significativamente a incidência desde
a introdução da HAART, e é de risco maior nos pacientes moderadamente imunossuprimidos
e menor tanto nos muito imunossuprimidos quanto nos com contagem normal de células
CD4+17. A relação da carga viral com incidência de câncer não é precisa, havendo relatos de
não correlação com NNDA14, bem como de relação direta com carga viral, mas entre NDA18.
É interessante, também, a constatação de Shiels, et al., de que 29% das NNDAs contabilizadas
de 2004 a 2007, nos EUA, ocorreram em pacientes apenas infectados pelo HIV, sendo o
câncer de pulmão o de maior incidência5. Existe também a outra face da questão, a de que
muitos cânceres podem induzir imunossupressão, o que poderia criar, ao menos teoricamente,
uma via de mão dupla. Há recomendações recentes de se iniciar a HAART em níveis mais
elevados de contagem de CD4, como estratégia de redução da incidência de câncer19,
inclusive porque este passa a ocorrer mais com a maior duração da doença em anos16.
Interações entre tratamentos
A imunossupressão e as interações medicamentosas do tratamento das duas doenças,
câncer e AIDS, tornam o desfecho desfavorável. A maior parte dos agentes anti‑HIV age
sobre enzimas hepáticas que afetam a farmacologia de fármacos anticâncer. Por exemplo,
o ritonavir inibe a enzima hepática CYP3A4, enquanto o efavirenz aumenta a sua atividade.
Como a mesma enzima é responsável por metabolizar a droga anticâncer sunitinib, o uso
dessa poderia acompanhar‑se tanto da potencialização de seus efeitos tóxicos quanto da
limitação de sua eficácia, dependendo do regime adotado para o tratamento da AIDS.
Outro complicador é que ainda há poucos ensaios clínicos de tratamento de câncer que
incluam populações que têm o HIV5.
Conclusões
Além das estratégias clássicas de prevenção do câncer, deve‑se buscar a identificação
ainda mais precoce dos indivíduos soropositivos como meta para diminuir a chance de
doença grave e consequente imunossupressão acentuada. É imperativa a necessidade
de combate ao tabagismo e ao alcoolismo nos pacientes que vivem com o HIV, que pode
apoiar‑se em programas do Sistema Único de Saúde, no encorajamento permanente do
paciente, no uso de adesivos de nicotina e/ou de medicamentos, bem como em suporte
psicológico. Como o câncer de pulmão descoberto em fase tardia tem prognóstico muito
ruim, faz‑se necessária a busca mais rigorosa por diagnóstico precoce. Nesse sentido, um amplo
estudo randomizado mostrou significativa superioridade da tomografia computadorizada
51
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
em relação ao exame radiológico de tórax. Também há indicação de esquema especial de
vacinação para HBV, em quatro doses, para imunossuprimidos, ou de acompanhamento
e eventual tratamento de hepatites. É preconizada a ultrassonografia hepática a cada seis
meses, ou ao menos anualmente, nos pacientes infectados pelo HBV. Há que se cumprir
a rotina de prevenção do câncer de colo uterino. Seria, ainda, interessante a melhoria dos
mecanismos de diagnóstico de lesões pré‑cancerosas da região anal, principalmente em
HSH. A relação custo‑benefício do rastreamento e do tratamento de neoplasia intraepitelial
anal de alto grau ainda não está bem estabelecida20. Assim, vacinas anti‑papilomavírus
humano (HPV) devem ser a melhor estratégia a ser implementada, devendo trazer benefícios
a adolescentes infectados de ambos os sexos, embora sua real eficácia ainda não tenha
sido demonstrada na população jovem soropositiva. Ensaios nesse sentido estão em
andamento. Embora os genótipos de HPV predominantes nas lesões pré‑cancerosas e
cancerosas, nesses pacientes, possam eventualmente não ser os diretamente cobertos
pelas vacinas, é importante lembrar a ocorrência de proteção cruzada, com a vacinação,
entre diferentes tipos de HPV de alto risco. Os demais cânceres, que acompanham
progressão da idade, como próstata, colorretal e mama, devem ter as respectivas rotinas
preventivas estimuladas a serem seguidas conforme no restante da população. Com relação
aos tumores típicos de longevos, talvez seja interessante não se perder de vista o outro
lado da moeda, ou seja, de que o aumento de sua incidência na população soropositiva
acompanha o triunfo de se ter sobrevivido à AIDS e chegado à velhice.
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52
Capítulo 6
Alterações metabólicas e
complicações cardiovasculares
em pacientes infectados
pelo HIV
Érika Ferrari Rafael da Silva e Adauto Castelo Filho
Introdução
Antes do advento da terapia antirretroviral altamente potente (TARV), as maiores causas
de óbito nas pessoas infectadas pelo HIV eram, primariamente, as infecções oportunistas
que acompanham a imunossupressão grave dessa doença1. Desde a introdução da TARV,
a expectativa de vida desses pacientes aumentou, em média, 13 anos ou mais1. Nesse
aspecto, as taxas de mortalidade em pacientes infectados pelo HIV em tratamento a longo
prazo, com recuperação de linfócitos T CD4+ (> 500 cel/mm3), se assemelham à da
população geral2. Em consequência da efetividade da TARV, a infecção pelo HIV adquiriu
caráter crônico e com menor letalidade1. Se, por um lado, a mortalidade por doenças
relacionadas à imunodepressão diminuiu, a proporção de óbitos não relacionados à AIDS,
incluindo os ocorridos por doença cardiovascular (DCV), está aumentando, em parte como
consequência de eventos adversos relacionados ao tratamento, em parte pela descoberta
dos efeitos inflamatórios do HIV3. Neste capítulo, será discutida a participação do HIV e
da TARV nas complicações cardiovasculares.
HIV e doença cardiovascular
A inflamação tornou‑se uma característica marcante da infecção pelo HIV. O estado de
inflamação crônica nesses pacientes pode ser consequência da ativação de linfócitos e
de células dendríticas, de danos à barreira mucosa intestinal, de lesões em superfícies
endoteliais, de alterações metabólicas e/ou outros fatores relacionados à replicação viral3,4.
Além disso, a infecção pelo HIV, independentemente da TARV, pode alterar o perfil lipídico
e aumentar a atividade trombótica.
Em relação ao perfil lipídico, mesmo antes da exposição à TARV, já eram observados
o aumento nos níveis de triglicérides (TG) e a diminuição do colesterol total (CT) na lipoproteína de baixa densidade (LDL‑C) e na lipoproteína de alta densidade (HDL‑C)5. Uma
característica importante, nessa situação, é a composição das lipoproteínas, que tende a
53
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 1. Principais biomarcadores associados ao risco cardiovascular
Marcador
Função
Efeitos na infecção pelo HIV
PCR
Marcador de inflamação sistêmica
produzida no fígado como parte
de resposta aguda
Níveis elevados estão associados a
DCV e mortalidade
D‑Dímero
Produto de degradação da fibrina
e marcador de atividade
trombótica
Níveis elevados estão associados
com DCV, disfunção endotelial
e mortalidade
IL‑6
Citocina pró‑inflamatória
Níveis elevados estão associados
com disfunção endotelial,
progressão da infecção pelo
HIV e mortalidade
Fibrinogênio
Glicoproteína plasmática
convertida em fibrina durante
a coagulação
Níveis elevados estão associados à
mortalidade
ser mais aterogênica, com altas proporções de partículas de LDL‑C pequenas e densas
que atingem mais facilmente a parede do vaso5. Os níveis de HDL‑C são, aproximadamente, 21 a 26% mais baixos quando comparados a controles não infectados pelo HIV.
O tratamento efetivo da infecção pelo HIV geralmente resulta em alguma melhora nos
níveis de HDL‑C, independentemente do regime ou medicamento utilizado. Os níveis mais
elevados de HDL‑C são alcançados com a utilização dos inibidores da transcriptase reversa não análogos de nucleosídeos (ITRNN), principalmente da nevirapina. Entretanto,
mesmo com o uso prolongado da TARV, os níveis de HDL‑C dificilmente retornam ao
normal6.
O estudo SMART demonstrou correlação positiva entre risco de óbito por evento cardiovascular com níveis sistêmicos de citocinas pró‑inflamatórias e risco trombótico endovascular3. Esta pesquisa mostrou que níveis elevados de D‑dímero e da citocina pró‑inflamatória interleucina‑6 (IL‑6) estavam associados com a viremia do HIV e relacionados com
todas as causas de mortalidade, sustentando o mecanismo pelo qual a infecção pelo HIV
contribui para o estado pró‑inflamatório e pró‑trombótico. Já foi demonstrado que D‑dímero, proteína C reativa (PCR) de alta sensibilidade e IL‑6 estão relacionadas com risco
para DCV em indivíduos não infectados pelo HIV3. Um resumo dos principais biomarcadores relacionados com óbito e DCV encontra‑se na tabela 1.
A disfunção endotelial presente na infecção pelo HIV não tratada melhora apenas
discretamente após a introdução da TARV e, a curto prazo, não retorna a valores
normais7. Os mecanismos ainda são desconhecidos, mas envolvem alterações lipídicas
provocadas pelo HIV, ativação celular endotelial relacionada a proteínas virais ou infecção direta do endotélio pelo HIV. A ativação dos macrófagos associada ao HIV pode
predispor disfunção endotelial e formação do ateroma. Alguns estudos documentaram
aumento nos vários marcadores de trombose e prejuízo na fibrinólise em pacientes
54
HIV e complicações cardiovasculares
expostos ou não à TARV8,9. Níveis elevados de D‑dímero têm sido associados com maior
mortalidade em indivíduos infectados pelo HIV10.
Terapia antirretroviral e doença cardiovascular
Os principais efeitos adversos relacionados à TARV incluem mudanças na silhueta corpórea relacionadas à redistribuição de gordura (lipodistrofia) e alterações do metabolismo
lipídico, glicídico e ósseo11. O padrão dessas alterações metabólicas nos pacientes que
estão recebendo TARV assemelha‑se ao observado na síndrome metabólica, condição
associada a maior risco de DCV.
Após a introdução da TARV, são observadas elevações nos níveis de TG e CT, dependendo do tipo de antirretroviral utilizado (Tabela 2), frequentemente associadas à distribuição anormal de gordura corporal e ao metabolismo da glicose (lipodistrofia)11. O grau
de dislipidemia é diferente entre as várias classes de antirretrovirais e até mesmo entre
drogas individualmente dentro de uma mesma classe. Além disso, a magnitude das alterações lipídicas varia muito entre os pacientes em uso do mesmo regime antirretroviral,
refletindo o papel da genômica individual12. Enquanto que os inibidores da protease (IP)
e os ITRNN têm bem descritos seus efeitos sobre os lípides, não houve mudanças significativas, tanto nos lípides quanto no risco cardiovascular, com as novas classes de antirretrovirais, tais como inibidores de fusão (enfuvirtida), antagonista do co‑receptor CCR5
(maraviroque) ou inibidores da integrase (raltegravir) (Tabela 2). Os ITRNN também estão
associados com anormalidades lipídicas, mas em menor grau do que os IP. Os inibidores
da transcriptase reversa análogo de nucleosídeos (ITRN) estão mais associados à toxicidade mitocondrial e à resistência à insulina, mas as alterações lipídicas associadas a eles são
normalmente menos significativas que as associadas ao uso dos IP ou dos ITRNN.
Alguns estudos mostram a participação da TARV como fator de risco para DCV, dentre
esses, o mais discutido é o D:A:D (Data Collection of Adverse Events of Anti‑HIV Drugs)12.
Essa pesquisa avaliou 13 medicamentos e encontrou associação entre DCV e o uso de indinavir (risco relativo [RR] adicional por ano: 1.12; intervalo de confiança [IC] 95%: 1.07‑1.18)
e lopinavir/ritonavir (RR: 1,13; IC 95%: 1,05‑1,21) e com a exposição recente (< 6 meses) à
didanosina (RR: 1,41; IC 95%: 1,09‑1,82) e ao abacavir (RR: 1,70; IC 95%: 1‑17‑2,47)12. De
modo geral, foi observado um RR: 1,26 por ano adicional de exposição à TARV e, em análise posterior, os IPs foram identificados como tendo o maior RR: 1,16; IC 95%: 1,10‑1,23)
por ano adicional de uso. Não foi encontrada associação entre o uso dos ITRNN e DCV12.
Importante ressaltar que esses dados são provenientes de um estudo observacional e
que não existem estudos randomizados, até o momento, que demonstrem associação
clara entre a TARV e DCV.
Outro fator, além do uso dos IP, que pode contribuir para a disfunção endotelial nos
pacientes infectados pelo HIV é a lipodistrofia, que está associada à resistência à insulina,
às alterações lipídicas, ao estado inflamatório persistente e às alterações de adipocinas13.
Pontos importantes a serem lembrados são o envelhecimento da população infectada
pelo HIV e a presença de fatores de risco tradicionais (tabagismo, idade, sexo, diabetes
mellitus, hipertensão arterial e hiperlipemia) e a inflamação.
55
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 2. Impacto nos lípides dos diferentes antirretrovirais
IP
Alteração lipídica
Atazanavir
Nenhuma
Atazanavir/ritonavir
↑ LDL‑C e TG sem alteração no HDL‑C
Darunavir/ritonavir
↑ CT, LDL‑C, TG sem alteração no HDL‑C
Fosamprenavir/ritonavir
↑ CT, LDL‑C, TG sem alteração no HDL‑C
Indinavir
↑ CT, LDL‑C, TG
Lopinavir/ritonavir
↑ CT, LDL‑C, TG sem alteração no HDL‑C
Nelfinavir
↑ CT, LDL‑C, TG sem alteração no HDL‑C
Ritonavir
↑ CT, LDL‑C, TG e ↓HDL
Saquinavir/ritonavir
↑ CT, LDL‑C, TG sem alteração no HDL‑C
Tipranavir/ritonavir
↑ CT, LDL‑C, TG e desconhecida no HDL‑C
ITRN
Alteração lipídica
Estavudina
↑ TG
ITRNN
Alteração lipídica
Efavirenz
↑ CT, LDL‑C, TG e HDL‑C
Nevirapina
↑ CT, LDL‑C, TG e HDL‑C
Etravirina
Nenhuma
Inibidor da Integrase
Alteração lipídica
Raltegravir
Nenhuma
Inibidor da Fusão
Alteração lipídica
Enfuvirtude
Nenhuma
Antagonista do correceptor CCR5
Alteração lipídica
Maraviroque
Nenhuma
Avaliação do risco cardiovascular na população
infectada pelo HIV
Os mecanismos subjacentes associados à DCV no cenário da infecção pelo HIV ainda
não estão completamente elucidados. A avaliação de risco para DCV usando fatores de
risco tradicionais não explica totalmente o desenvolvimento dessa enfermidade nesse
grupo de pacientes e também não considera o risco associado com o HIV e/ou TARV.
56
HIV e complicações cardiovasculares
Embora a maior proporção de pacientes infectados pelo HIV seja classificada como risco
baixo ou intermediário para DCV (segundo o escore de risco de Framingham), o risco de
DCV em indivíduos infectados pelo HIV é provavelmente mais complexo quando comparado à população em geral, pelas potenciais interações entre o vírus, a inflamação, as
anormalidades imunológicas, os efeitos colaterais da TARV e os fatores de risco cardiovasculares tradicionais, como discutido nesse capítulo.
Identificação precoce e manejo adequado dos fatores de risco cardiovascular tradicionais devem ser realizados na abordagem inicial do paciente infectado pelo HIV14,15. A
incidência de distúrbios metabólicos está relacionada com a idade e, à medida que a
população infectada pelo HIV está envelhecendo, prevenção ativa, juntamente com o
diagnóstico e o gerenciamento dos fatores de risco cardiovascular deve ser integrada na
rotina de cuidados dessa população. Todos os pacientes infectados pelo HIV devem ter
dosado seu perfil lipídico em jejum, antes de iniciar a TARV e, posteriormente, a cada três
meses. Esforços devem ser realizados, incluindo a modificação do estilo de vida anterior
às intervenções farmacológicas. Especial atenção deve ser dada a interações medicamentosas entre hipolipemiantes e a TARV.
Conclusão
Esperava‑se que, com a introdução da TARV, houvesse não apenas diminuição da carga viral, mas também da inflamação. Entretanto, considerando‑se que a TARV também
induz alterações pró‑inflamatórias pela alteração do perfil lipídico, ela paradoxalmente
promove a aterosclerose12. Existe, portanto, redução da carga viral do HIV, mas não do
seu potencial inflamatório. Desse modo, indivíduos infectados pelo HIV podem estar sob
risco aumentado de DCV, tanto pela infecção per se produzir inflamação que contribui
para a disfunção endotelial e o desenvolvimento de aterosclerose, como pelo uso da TARV,
em particular dos IP frequentemente utilizados no tratamento, que podem induzir perfil
lipídico aterogênico6.
Como mostrado neste capítulo, parece que vários marcadores biológicos estão associados com a progressão da infecção pelo HIV e a mortalidade, mas eles não são necessariamente indicadores específicos de doença arterial coronariana ou de progressão da
aterosclerose. Existem vários mecanismos biológicos para explicar elevações de marcadores
inflamatórios em pessoas infectadas pelo HIV. Vários pacientes apresentam comorbidades,
incluindo hepatite B e C, infecção por citomegalovírus, assim como translocação bacteriana, que podem afetar marcadores inflamatórios. Consequentemente, é importante analisar os resultados dos estudos levando em consideração os efeitos diretos da replicação do
HIV, bem como outros agentes patogênicos, além da presença dos fatores de risco tradicionais e do uso da TARV.
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57
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
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58
Capítulo 7.1
Coinfecção HCV‑HIV
Paulo Roberto Abrão Ferreira
Epidemiologia e transmissão
Frequentemente, a coinfecção HCV‑HIV ocorre pelo fato de que ambos os vírus são
transmitidos pelas mesmas vias (parenteral, sexual e vertical). Estima‑se que cerca de
240.000 indivíduos (30% dos pacientes infectados pelo HIV) estejam infectados pelos dois
vírus nos EUA. Vários países europeus têm altas taxas de coinfecção. Na Espanha, cerca
de 50% dos 130.000 pacientes portadores do HIV também são portadores do HCV, em
função da alta incidência de usuários de drogas. Mais de 90% dos indivíduos coinfectados
apresentam HCV RNA detectável, ou seja, hepatite C crônica. No Brasil, os dados mostram
tendências semelhantes. A prevalência da coinfecção HCV‑HIV no ambulatório da Disciplina de Infectologia da UNIFESP é de 17,5%1. A distribuição por genótipos observada
nesse serviço foi a seguinte: genótipo 1 – 68,4%; genótipo 2 – 2,7%; genótipo 3 – 29,2%
e genótipo 4 – 2,7%.
Como o HCV tem 10 vezes mais infectividade do que o HIV, pode haver contágio
através do contato com sangue, hemoderivados e uso de drogas. A probabilidade de
transmissão por acidente ocupacional com agulha contaminada com sangue é menos de
2% (0,3% após a exposição ao sangue contaminado com o HIV).
A transmissão sexual do HCV ocorre significantemente menos do que a do HBV ou
HIV (risco de transmissão via relação heterossexual < 1%). Entretanto, surtos de casos de
hepatite C aguda entre homens homossexuais infectados pelo HIV têm sido observados
em Amsterdam, Berlim, Londres e Paris – claramente indicando que o HCV pode ser sexualmente transmitido pelo sexo anal. O risco de transmissão provavelmente depende do
número de parceiros e do tipo de prática sexual, que possam gerar lesões mucosas e
sangramento2. No total, cerca de 4‑8% de todos os homens que fazem sexo com homens
infectados pelo HIV também são infectados pelo HCV.
A transmissão perinatal da hepatite C é rara em indivíduos imunocompetentes (< 1%).
A taxa de transmissão aumenta com o aumento da imunossupressão em mães infectadas
pelo HIV, e é estimada que seja tão alta quanto 20%. Por outro lado, mães infectadas pelo
HIV tratadas efetivamente com antirretrovirais não parecem ter um aumento do risco de
59
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 1. Risco médio estimado de transmissão de HIV, HIC e coinfecção HCV‑HIV
Modo de transmissão
HIV
HCV
Coinfecção HCV‑HIV
Perinatal
7‑50%
1‑7%
1‑20%
Contatos sexuais*
1‑3%
< 1%
4%
Lesão com seringa
0,3%
< 1%
Desconhecido
*O risco sexual refere‑se à exposição acumulada
transmissão vertical do HCV (< 3% em associação ao parto cesáreo eletivo3). A causa para
maior risco de transmissão vertical seria a magnitude da carga viral do HCV, mais alta em
coinfectados, em relação aos monoinfectados (Tabela 1).
Evolução clínica e patogênese
Curso da hepatite C em pacientes coinfectados HCV‑HIV
A melhora nas opções terapêuticas contra o HIV tem elevado a probabilidade de que
os pacientes desenvolvam doença hepática crônica, dada sua maior sobrevida. Em alguns
centros, a falência hepática é agora a causa mais frequente de morte em pacientes infectados pelo HIV. No estudo D:A:D, após cinco anos de seguimento, 15% dos óbitos em
pacientes portadores do HIV tinham causas hepáticas e, desses, 50% apresentavam controle ideal da carga viral do HIV4.
O curso clínico da hepatite C em pacientes coinfectados pelo HIV é determinado pelo
grau de imunossupressão associado ao HIV. Na fase aguda, entre pacientes coinfectados
HCV‑HIV, há menor chance de resolução espontânea da infecção pelo HCV, com maior
risco de cronificação, provavelmente, pela resposta insuficiente das células T CD45,6. Na
fase crônica, a progressão da imunossupressão acelera o curso da hepatite C. O período
de latência até a falência hepática ou carcinoma hepatocelular em pacientes coinfectados
estima‑se ser de 10‑20 anos, em comparação a 30‑40 anos em pacientes monoinfectados
pelo HCV. Contrariamente, não há influência significante da hepatite C no curso da infecção pelo HIV7. Recentemente, foi publicada uma meta‑análise que demonstrou essa afirmação8. A influência da hepatite C se dá apenas na mortalidade por causa hepática.
O tratamento antirretroviral (TARV) efetivo pode melhorar o curso desfavorável da
hepatite C e atrasar o desenvolvimento da falência hepática. Isso é particularmente verdadeiro para pacientes que atingem uma boa recuperação imunológica e negativação da
carga viral do HIV.
Por outro lado, a hepatite C pode agravar o potencial de hepatotoxicidade de muitos
esquemas antirretrovirais. Até 10% dos pacientes têm que descontinuar o tratamento antirretroviral devido à hepatotoxicidade grave. O risco está associado, especialmente, ao didanosina (ddI) e estavudina (d4T). Esses agentes devem ser evitados em pacientes coinfectados.
60
Coinfecção HCV-HIV
Nevirapina e tipranavir também devem ser usados com cautela. Também, a ocorrência de
esteatose está ligada à utilização de d4T e ddI.
Alguns pacientes coinfectados apresentam temporariamente um aumento de transaminases após o início do TARV. Isso representa, mais frequentemente, um aumento da
atividade inflamatória da hepatite C secundária a uma melhora imunológica. Apesar disso,
um tratamento prolongado com antirretrovirais mostra uma melhora do quadro. Indicações
de antirretrovirais, de acordo com as diretrizes atuais, devem ser cuidadosamente avaliadas
em pacientes com coinfecção, com a tendência de início mais precoce desses fármacos.
Diagnóstico
Testes diagnósticos usados em pacientes coinfectados não diferem daqueles usados em
pacientes com monoinfecção HCV. A detecção de anticorpos contra o HCV comprova exposição ao vírus, mas não distingue entre infecção crônica ou resolvida. A hepatite C crônica é
diagnosticada pela detecção de viremia pelo HCV RNA. Deve‑se notar que os anticorpos
anti‑HCV podem ser perdidos, durante o curso da infecção pelo HIV, como resultado de
imunossupressão subjacente, apesar de que, atualmente, esse fenômeno tem‑se tornado
raro devido à melhora dos testes diagnósticos. Logo, pode ser útil determinar os níveis de
HCV RNA, mesmo se o teste anti‑HCV for negativo, se houver suspeita clínica ou imunodeficiência avançada (como pode ocorrer em pacientes submetidos à quimioterapia ou
portadores de AIDS). De forma semelhante, a confirmação da presença do HCV RNA está
indicada em casos de suspeita de infecção aguda pelo HCV, já que os anticorpos, usualmente, apenas se tornam detectáveis entre um e cinco meses após a infecção.
Pacientes com coinfecção HCV‑HIV têm níveis significativamente maiores de viremia do HCV,
quando comparados a pacientes monoinfectados pelo HCV (cerca de um log a mais). Baseado
no conhecimento atual, o nível de viremia do HCV não se relaciona ao risco de progressão de
fibrose e prognóstico. Entretanto, dados da coorte Euro SIDA indicam que pode haver uma
correlação entre o nível de viremia e alguns desfechos, como morte associada às causas hepáticas9. Não há necessidade de se realizar o teste para detecção do HCV RNA como rotina.
Entretanto, deve‑se notar que alguns pacientes podem perder os anticorpos anti‑HCV em paralelo à progressão da imunossupressão, mas podem também experimentar uma exacerbação da
hepatite C com sintomas clínicos após a reconstituição imune, com o início do tratamento
antirretroviral10. Consequentemente, testar o HCV RNA em pacientes que iniciam o tratamento antirretroviral pode ser necessário para esclarecer eventual aumento de enzimas hepáticas.
Tratamento da coinfecção HCV‑HIV
As razões mais importantes para iniciar o tratamento da hepatite C são rápida progressão de fibrose hepática em coinfectado HCV‑HIV, aumento da expectativa de vida em
pacientes infectados pelo HIV após a eliminação do HCV, alta mortalidade por causas
hepáticas entre esses pacientes e aumento do risco de hepatotoxicidade. Logo, um tratamento bem‑sucedido da hepatite C se traduz em uma melhor sobrevida.
61
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
O tratamento da hepatite C em pacientes portadores do HIV constitui um desafio
clínico que exige uma história clínica e exame físico detalhados. A sua condução deve ser
feita, idealmente, por equipe multiprofissional experiente: infectologista, hepatologista,
psiquiatra, enfermeiro, farmacêutico, assistente social, etc.
Aproximadamente dois terços dos pacientes coinfectados não são elegíveis para receber o
tratamento com interferon peguilado e ribavirina por diversos motivos: não adesão ao TARV,
doença hepática descompensada, comorbidades, uso ativo de drogas ilícitas e álcool ou imunidade muito reduzida pelo HIV. Consequentemente, a minoria dos pacientes será elegível para
o tratamento, e, com o objetivo de otimizar a chance de resposta virológica sustentada (RVS),
é necessário um bom conhecimento e experiência no manejo do TARV, interferon peguilado e
ribavirina. Mendes‑Correa, et al. realizaram um estudo transversal conduzido em dois centros
brasileiros. Entre janeiro de 2005 e novembro de 2007, foram avaliados 2.024 pacientes portadores do HIV. Entre esses, a prevalência de portadores do HCV foi de 16,7%. Os prontuários
de 189 pacientes coinfectados HCV‑HIV foram analisados. Esses pacientes apresentavam idade
média de 43 anos, 65% masculinos, 52% com uso prévio de drogas ilícitas, 66,4% com genótipo 1, 30,5% com genótipo 3 e CD4 mediano de 340 cel/mm3. Desse grupo, apenas 75
(39,6%) foram considerados elegíveis para o tratamento do HCV. As causas mais frequentes
de inelegibilidade foram não adesão ao seguimento clínico (31,4%), doença do HIV avançada
(21,9%), consumo excessivo de álcool ou drogas (18,7%) e doenças psiquiátricas (10,1%)11,12.
Esses resultados são semelhantes aos encontrados em coortes europeias e americanas.
Avaliação pré‑tratamento da hepatite C
em portadores do HIV
A avaliação clínica visa rastrear doenças psiquiátricas (depressão), cardiovasculares,
pulmonares e renais graves. É importante checar a adesão ao TARV e a ocorrência de
infecções oportunistas e neoplasias, relacionadas à infecção pelo HIV, assim como o número de células CD4 e a carga viral do HIV. Recomenda‑se a realização de fundoscopia
em função da possibilidade de retinopatia pelo interferon.
Recomenda‑se uma avaliação detalhada das provas hepáticas e, em pacientes cirróticos,
a classificação pelo escore de Child‑Pugh e pelo MELD. Dado que a chance de RVS pode
estar reduzida em pacientes com resistência à ação da insulina, recomenda‑se a dosagem
da glicemia e insulina de jejum, particularmente em portadores da coinfecção HCV‑HIV. A
solicitação do hemograma basal visa a monitorização futura de citopenias.
Todos os pacientes portadores do HIV devem ser submetidos à sorologia para hepatite
A, B e C. Aqueles susceptíveis à hepatite A e B devem ser vacinados e os portadores do
HCV devem ser avaliados para tratamento o quanto antes.
Mediante a informação de que tanto o interferon quanto a ribavirina são teratogênicos,
os indivíduos em idade fértil devem ser orientados a utilizar métodos anticoncepcionais
eficientes até após seis meses do término do tratamento. As mulheres devem ser submetidas
à avaliação pelo b‑gonadotropina coriónica humana (BHCG), para excluir gestação atual.
As recomendações para realizar os autoanticorpos para excluir doenças autoimunes
variam, e os resultados desses testes são difíceis de interpretar: mais de 60% dos pacientes
62
Coinfecção HCV-HIV
com hepatite C têm autoanticorpos, como fator antinúcleo (FAN), fator reumatoide, anticorpos anticitoplasma de neutrófilos (ANCA), anticardiolipina, antimúsculo liso e anti‑LKM1.
Frequentemente, não há relevância clínica. Se os títulos desses autoanticorpos aumentam
ou aparecem pela primeira vez durante o tratamento com interferon, esse não deve ser
descontinuado, usualmente. Logo, a solicitação rotineira de testes, no pré‑tratamento, é
questionável. A determinação desses autoanticorpos, quando se suspeita de hepatite autoimune, deve ser feita antes do tratamento com interferon, para excluir esta hipótese.
Pacientes com resultados positivos devem ser monitorizados intensivamente em relação à
função hepática e, caso haja atividade da hepatite autoimune, o interferon deve ser descontinuado. A necessidade de uso de imunossupressores deve ser decidida caso a caso.
Antes do tratamento com interferon, os níveis de TSH devem ser sempre mensurados, com
o intuito de se excluir hipotireoidismo. Se o TSH está normal, pode‑se monitorá‑lo a cada três
meses. Em casos de hipotireoidismo, a reposição de levotiroxina é recomendada e, da mesma
forma, o tratamento do hipertireoidismo é recomendado antes do uso de interferon. Após o
tratamento adequado, o interferon deve ser utilizado com monitoração intensiva do TSH
(mensalmente até sua estabilização em níveis normais). Aproximadamente, 5% dos pacientes desenvolvem disfunção tireoidiana durante o tratamento com interferon. Essa se
manifesta, geralmente, até o primeiro trimestre de tratamento. Se ocorrer hipotireoidismo,
usualmente o interferon poderá ser mantido, juntamente com a reposição de levotiroxina.
A primeira manifestação do hipertireoidismo é uma causa suficiente para a maioria dos
autores indicarem a suspensão do tratamento; entretanto, mesmo assim, é possível manter o interferon em alguns casos. Na maioria dos casos, a disfunção tireoidiana se resolve
após o término do tratamento. Em muitos casos há a persistência da disfunção e a necessidade de acompanhamento endocrinológico.
Até 12% dos pacientes com hepatite C têm anticorpos antitireoide antes do tratamento com interferon (antiperoxidase = anti‑TPO, antitireoglobulina, antirreceptor de TSH).
Nesses pacientes, o risco de deterioração da função tireoidiana, durante o tratamento com
interferon, é significantemente mais alto do que em pacientes sem anticorpos. Se possível,
esses anticorpos devem ser determinados em todos os pacientes antes do tratamento com
interferon, mas, principalmente, em pacientes com alteração do TSH, com o objetivo de
se intensificar a monitoração em relação ao basal.
É possível prever a resposta ao tratamento a partir no nível de viremia do HCV: se a
concentração de HCV RNA está abaixo de 400.000‑500.000 UI/ml. Quando se considera
o tratamento da hepatite C, é necessário realizar a genotipagem antes de iniciá‑lo. São
conhecidos seis genótipos, com vários subgenótipos, os quais apresentam uma distribuição
geográfica: genótipos 1 e 3 são predominantemente encontrados na Europa, EUA e Brasil;
4 e 5, na África e o 6, na Ásia. Os genótipos 2 e 3 estão associados a uma melhor resposta ao tratamento com o interferon, ao contrário dos genótipos 1 e 4. É possível a
ocorrência de coinfecção com múltiplos genótipos.
A avaliação da fibrose hepática é muito importante como critério de indicação do
tratamento e de chance de resposta a esse. Entre vários métodos não invasivos de interesse, a elastografia transitória hepática pelo FIBROSCAN merece atenção. Esse equipamento mede a rigidez hepática, que está diretamente relacionada ao grau de fibrose. Esse teste
se mostrou extremamente útil e acurado para a determinação de ausência de fibrose (F0),
63
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
fibrose discreta (F1), fibrose avançada (F3) e cirrose (F4). A capacidade discriminatória em
situações de transição como entre F2‑F3 pode ter menos acerto.
Vários testes têm sido desenvolvidos para prever a fibrose hepática baseados em marcadores biológicos. Eles incluem APRI, FIB‑4, ácido hialurônico, Fibrometer, Fibrotest, Forns, etc.
Testes mais complexos (como Fibrometer, Fibrotest) têm se mostrado mais acurados para prever
a fibrose hepática do que testes bioquímicos mais simples (APRI, FIB‑4 ou Forns). Entretanto, a
relevância na rotina clínica não é clara para muitas situações. Existem muitos fatores ligados à
infecção pelo HIV, às infecções oportunistas e ao uso de medicações concomitantes e de álcool que podem falsear os resultados dos testes. Isso pode reduzir a precisão desses escores.
A biópsia hepática permanece como padrão‑ouro, mas sua indicação tem sido redefinida. Recomendações de diretrizes europeias atuais sugerem que o tratamento em caso
de genótipos 2 e 3 ou genótipo 1 com baixa viremia do HCV seja feito sem biópsia. Se a
biópsia foi realizada e não mostra fibrose significante, não há necessidade de tratamento
imediato, independentemente do genótipo13. A indicação de biópsia se mantém para
pacientes com perfil ruim para RVS como genótipo 1 com carga viral alta ou impossibilidade da avaliação acurada de fibrose pelos métodos não invasivos.
Várias classificações histológicas são utilizadas. O escore METAVIR é um dos principais
e distingue cinco estágios de fibrose (0 = sem fibrose, 1 = fibrose portal, sem septos, 2 =
septos pequenos, 3 = septos significantes, sem cirrose, 4 = cirrose). A atividade necroinflamatória é graduada em A0 = sem atividade, A1 = atividade discreta, A2 = atividade
moderada, A3 = atividade intensa). O tratamento é recomendado para os graus F2‑F4, e
esse pode ser postergado para os graus F0 e F1.
É sabido que pacientes da raça branca (de origem europeia) têm uma probabilidade
significantemente maior de curar a hepatite C, após o tratamento, em relação aos afrodescendentes. Também é sabido que os pacientes asiáticos são os que têm mais chance
de RVS, comparados com outras etnias. Recentemente, foi descrito um polimorfismo
genético, próximo ao gene IL28B, responsável pela codificação do interferon λ‑3, que está
associado a um aumento aproximado de duas vezes na chance de RVS em caucasianos e
afrodescendentes, portadores da monoinfecção pelo HCV, tratados com interferon peguilado e ribavirina. Esse polimorfismo também explica, em aproximadamente metade dos casos,
a diferença de taxas de RVS entre caucasianos e afrodescendentes. A prevalência dos homozigotos CC, que são os que respondem bem, é maior entre asiáticos, mediana entre
caucasianos e menor entre os afrodescendentes14. Em consonância com esses achados, os
indivíduos homozigotos CC também têm maior chance de resolução espontânea da infecção
aguda pelo HCV15. No futuro, essa informação poderá ser muito útil na avaliação de chance de resposta ao tratamento e deverá ser validada em pacientes coinfectados HCV‑HIV.
Se há suspeita clínica que necessite a confirmação diagnóstica ou exclusão de manifestações extra‑hepáticas (vasculite, glomerulonefrite, crioglobulinemia sistêmica, etc.),
uma investigação apropriada pode ser necessária (biópsia de pele, exame de urina, biópsia
renal, detecção de crioglobulinas no soro, etc.).
Se o tratamento é postergado, a α‑fetoproteína e a ultrassonografia do fígado devem
ser realizadas a cada seis meses, com o objetivo de rastrear carcinoma hepatocelular (HCC).
Isso é particularmente relevante em pacientes com fibrose F3‑F4. Como a progressão de
fibrose é acelerada em pacientes coinfectados HCV‑HIV, 10‑30% desses desenvolverão
64
Coinfecção HCV-HIV
HCC, sem cirrose preexistente. Rastreamento em intervalos regulares de seis meses deve
ser considerado em pacientes com fibrose menos avançada.
Os seguintes fatores estão correlacionados a uma melhor resposta ao tratamento:
–HCV RNA < 400.000‑500.000 UI/ml, inclusive para o genótipo 1.
–Genótipos 2 e 3.
–Idade menor que 50 anos.
–Grau de fibrose mais baixo, pela biópsia.
– γ‑GT normal.
–Infecção pelo HIV controlada.
Avaliação da eficácia do tratamento
A avaliação da eficácia do tratamento deve ser feita pela avaliação do HCV RNA nas
semanas 4, 12, 24, ao final do tratamento e 24 semanas após o final do tratamento.
A resposta virorológica rápida (RVR) é conceituada como HCV RNA indetectável na semana 4 e tem alto valor preditivo positivo para RVS (cerca de 90%). Por outro lado, se não há
queda de, pelo menos um log, na semana 4, as chances de RVS são menores que 5%16,17.
A resposta virológica precoce (RVP) é conceituada pela queda de, pelo menos, dois log
do HCV RNA, na semana 12, quando comparado com o pré‑tratamento (parcial) ou HCV
RNA indetectável na semana 12 (completa). Os pacientes que não atingem RVP têm chances mínimas de chegar à RVS (alto valor preditivo negativo). Pacientes portadores do genótipo 1, com RVP parcial e HCV RNA indetectável na semana 24 (respondedores lentos)
devem ser tratados por 72 semanas, conforme a tolerância.
O objetivo do tratamento da hepatite C é atingir a RVS, o que significa ausência de viremia
HCV permanente. Essa situação pode ser definida como HCV RNA indetectável seis meses
após o término do tratamento. O HCV RNA indetectável ao final do tratamento é descrito
como resposta ao final do tratamento. Se as transaminases se normalizarem, isso poderá ser
referido como resposta bioquímica. No entanto, essa última não se correlaciona ao futuro
curso clínico da hepatite C; logo, não é mais utilizada na atualidade. Falha de resposta ao
tratamento é conceituada como não resposta, quando não há queda significante de carga
viral do hcv ao longo do uso de interferon peguilado e ribavirina. Classifica‑se como escape o
tratamento em que houve a negativação do HCV RNA e ainda, durante o curso terapêutico,
a viremia HCV reaparece. É considerado recidivante o paciente que tem seu HCV RNA indetectável até o fim do tratamento e, após a suspensão da medicação, ocorre reaparecimento
da viremia. A chance de sucesso de um retratamento é maior em pacientes que apresentaram
recidiva em relação aos que evoluíram com escape ou aos não respondedores.
Apenas a RVS tem sido claramente associada à regressão da fibrose hepática e à resolução das manifestações extra‑hepáticas, assim como à prevenção de transmissão futura da enfermidade. A probabilidade de recidiva é maior nos primeiros meses após o término do tratamento e decresce ao longo do tempo. Consequentemente, o sucesso do
tratamento é usualmente determinado e avaliado seis meses após o término da medicação.
Em casos individuais, a recidiva pode ocorrer tardiamente, algumas vezes anos depois. A monitoração regular das transaminases e do HCV RNA, mesmo após a RVS, é recomendada.
65
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
A RVS pode ser atingida em cerca de 50% dos pacientes18,19. Genótipos 2 e 3 podem ser
tratados mais efetivamente (cerca de 80% de RVS) do que os genótipos 1 e 4 (cerca de 40%).
Em geral, a duração do tratamento é de 48 semanas. Essa deve ser prolongada em pacientes
portadores do genótipo 1 e 4, que respondem lentamente, para 72 semanas19. Se a carga
viral do HCV estiver indetectável na semana 4, um tratamento mais curto pode ser proposto (24 semanas), pelo menos nos genótipos 2 e 3. Transplante hepático pode ser uma
opção para pacientes que têm cirrose e não podem ser tratados com interferon.
No Brasil, um estudo colaborativo multicêntrico de efetividade, realizado retrospectivamente, avaliou 327 pacientes coinfectados HCV‑HIV tratados com interferon peguilado e
ribavirina. Desses, 72% eram masculinos, com idade média de 43 anos, peso médio de
68 kg, 24% declararam uso de drogas ilícitas e 39% haviam apresentado doença definidora de AIDS. Tratamento antirretroviral era utilizado por 92,5% (47% com zidovudina
[AZT]), o número de CD4 médio foi de 590 e o de CD4 nadir de 250. A distribuição por
genótipos foi: 1 = 73,4%; 2 = 1,9%; 3 = 21,4%; 4 = 0,9% e não determinado em 2,4%.
Dos pacientes submetidos à biópsia hepática, 3,3% eram F0; 24,7% F1; 34,2% F2; 20,4%
F3 e 11,9% F4. Foram tratados 161 (49,2%) pacientes com interferon peguilado α‑2a e
166 (50,8%) com α‑2b. A taxa de RVS global foi de 30,2%, sendo 23,4% genótipos 1‑4
e 52,6% 2‑3. Na análise multivariável por regressão logística as variáveis associadas independentemente à não resposta foram: passado de doença definidora de AIDS (OR: 2,15;
IC 95%: 1,27‑3,65; p < 0,002), genótipos 1‑4 (OR: 3,63; IC 95%: 2,04‑6,45; p < 0,0001)
e tratamento por menos de 47 semanas (p < 0,005)11,12 (Tabela 2).
Momento da indicação do tratamento
Quando a decisão de tratar é tomada, a condição imunológica e o tratamento antirretroviral do paciente devem ser considerados.
Quando há necessidade, o tratamento antirretroviral deve, de forma ideal, ser iniciado
algumas semanas antes do tratamento do HCV. Didanosina é contraindicada com o tratamento atual do HCV, uma vez que pode ocorrer pancreatite, toxicidade mitocondrial e
aumento do risco de toxicidade hepática em cirróticos. AZT e d4T devem ser evitados pelo
fato de, potencialmente, gerarem efeitos adversos graves (anemia e toxicidade mitocondrial, respectivamente).
O uso de abacavir está, possivelmente, associado a taxas de resposta mais baixas,
particularmente, quando se utilizam doses baixas de ribavirina. As razões para essa interação ainda são desconhecidas, mas possivelmente, por se tratarem de dois análogos de
guanina, haja interação antagônica nos sítios de fosforilação intracelular. Estudos mais
recentes, com doses otimizadas de ribavirina, não encontraram efeito deletério do uso de
abacavir. Antes de se propor a mudança de esquema antirretroviral preparatória para o
tratamento com interferon e ribavirina, é necessário assegurar‑se de que o tratamento do
HIV não será comprometido. Nesses casos, o tratamento do HCV deverá apenas ser iniciado quando o tratamento do HIV estiver estabilizado do ponto de vista clínico e laboratorial. O objetivo é carga viral do HIV indetectável, CD4 estável, superação de efeitos
adversos e de outras intercorrências clínicas.
66
Coinfecção HCV-HIV
Tabela 2. Estudos randomizados com interferon peguilado e ribavirina em pacientes
coinfectados HCV‑HIV
ACTG5071 APRICOT RIBAVIC
LAGUNO PRESCO LAGUNO
2009
N pacientes
66
289
194
52
389
182
PEG‑INF α
2a
2a
2b
2b
2a
2a × 2b
‑
62%
80%
75%
90%
75%
Cirrose
11%
15%
39%
(F3‑F4)
19%
28(F3‑F4)
29(F3‑F4)
Genótipo 1,4
77%
67%
61%
63%
61%
63%
ALT normal
34%
0%
16%
0%
0%
25%
CD4 médio
495
520
477
570
546
597
TARV
85%
83%
83%
94%
74%
73%
Descontinuação
por EA
12%
25%
17%
17%
9%
10%
Descontinuação
por outras
razões
–
31%
39%
23%
7%
8%
RFT (IT)
41%
49%
35%
52%
67%
80% (2a)
69% (2b)
RVS (IT)
27%
40%
27%
44%
50%
45% (2a)
41% (2b)
Uso de drogas IV
Se possível, o paciente deve ser tratado antes para o HCV em relação ao HIV. A razão para
isso é a maior chance de hepatotoxicidade com o TARV em portadores do HCV, melhora
da adesão pelo menor número de pílulas e menor interação medicamentosa, com menos
efeitos adversos. O tratamento da hepatite C pode ser iniciado, em virgens de TARV se o
CD4 > 500/µl. Novas diretrizes13 indicam que o TARV deve ser iniciado, em coinfectados
HCV‑HIV, com CD4 baixo de 500 µl/ml. Em pacientes que já estão em uso de TARV e mantêm um quadro estável deve‑se iniciar o tratamento para hepatite C quando o CD4 estiver
acima de 200 µl/ml, dado que abaixo desse limite, a resposta com sucesso é muito rara.
Medicamentos utilizados para o tratamento
e sua duração
A combinação de interferon peguilado com ribavirina por um período de 48 semanas é
recomendado como tratamento padrão, da mesma forma que em pacientes monoinfectados
67
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
S
S1
S2
Genótipo 2/3
S4
S7
24 semanas
HCV RNA
Genótipo 1/4
Genótipo 2/3
48 semanas
HCV RNA
Genótipo 1/4
Caída > 2 log
HCV RNA
HCV RNA
Caída < 2 log
72 semanas
Stop
Stop
Figura 1. Algoritmo para o tratamento da hepatite C em coinfecção com o HIV.
pelo HCV. Dois interferons peguilados são disponíveis atualmente: α‑2a e α‑2b. O interferon peguilado α‑2b é administrado via subcutânea, e a dose é baseada no peso corporal (1,5 µg/kg/semana). O interferon peguilado α‑2a também é utilizado por via subcutânea em uma dose fixa de 180 µg/semana. Ambos devem ser mantidos sob refrigeração.
Estudo randomizado recente20 não mostrou diferença entre a eficácia do interferon peguilado α‑2a e 2b, em coinfectados HCV‑HIV.
A dosagem de ribavirina deve ser adaptada ao peso corporal: 15 mg/kg/dia, divididas
em duas tomadas (12/12h). A administração uma vez ao dia está sendo investigada em
estudos clínicos.
A duração do tratamento necessita ser adequada de acordo com o genótipo e a dinâmica de resposta viral durante o tratamento21,22 (Fig.1).
Indicações e contraindicações
Como a coinfecção com o HIV acelera o curso da hepatite C e aumenta o risco de
hepatotoxicidade após o início do tratamento antirretroviral, deve‑se indicar tratamento
para todos os pacientes portadores do HCV‑HIV.
Particularmente, o tratamento deve ser discutido para os casos com diagnóstico confirmado por biópsia de fibrose F2‑F4. Manifestações extra‑hepáticas da hepatite C também são
uma indicação para o tratamento (vasculites, glomerulonefrite, crioglobulinemia sistêmica).
Algumas contraindicações devem ser avaliadas. As mais importantes são:
–Cirrose hepática descompensada ou história de descompensação (exceto se Child A
no momento).
–Leucopenia (< 1.500 µl).
–Trombocitopenia (< 50.000 µl).
–Anemia (< 10 g/dl).
–Disfunção tireoidiana grave, não tratada.
68
Coinfecção HCV-HIV
–CD4 < 200/µl (contraindicação relativa).
–Doença psiquiátrica grave e/ou uso ativo de drogas ou álcool.
–Doença cardíaca sintomática.
–Infecções oportunistas ativas.
–Tratamento antirretroviral com ddI (AZT e d4T também devem ser evitados).
A substituição por metadona não será uma contraindicação se houver uma boa monitoração psiquiátrica durante o tratamento. Entretanto, pacientes com uso ativo de drogas
ou abuso de álcool devem ser tratados em programas de desintoxicação antes do início
do tratamento com interferon e ribavirina.
Estratégia de tratamento
Todos os pacientes devem estar sob monitoração clínica regular. No primeiro mês, a
cada 15 dias; no primeiro trimestre, a cada mês e, a partir daí, a cada seis semanas, se
não houver necessidade de avaliação mais frequente por efeitos adversos. A monitoração
por exames complementares também deve ser regular, com a mesma frequência.
–Hemograma completo e transaminases a cada 2‑4 semanas.
–CD4 e carga viral do HIV a cada dois meses.
–Níveis de lactato se houver suspeita de acidose lática.
–HCV RNA, que é o parâmetro mais importante para avaliar a resposta terapêutica,
durante o tratamento. Deve ser determinado nas semanas 4, 12, 24 e ao final do
tratamento para definir o tempo de medicação.
Conduta frente aos eventos adversos
A conduta frente aos possíveis efeitos adversos é um fator decisivo para o sucesso do
tratamento. A alta taxa de descontinuação nos estudos clínicos iniciais (cerca de 30%)
pode ser creditada à falta de experiência com o tratamento combinado de interferon e
ribavirina. O manejo adequado dos efeitos adversos, provavelmente, resultou em um aumento significativo das taxas de sucesso terapêutico (cerca de 15 %).
No estudo de efetividade, realizado no Brasil, ocorreu interrupção temporária em 25%
dos casos por anemia (47%), neutropenia (35%), doenças psiquiátricas (7%), plaquetopenia (5%), abandono (4%), uso incorreto da medicação (3%) e outros (3%). Observou‑se
interrupção definitiva em 22% dos pacientes por não resposta virológica na semana 12
ou 24 (26%), anemia (20%), neutropenia (18%), abandono (17%), doenças psiquiátricas
(15%), plaquetopenia (15%), uso de drogas ou álcool (4%), doença oportunista (3%),
descompensação hepática (2%), doenças tireoidianas (2%) e outras (5%)12.
Os pacientes devem ser aconselhados, detalhadamente, a respeitos dos efeitos adversos
do tratamento antes do início das medicações. É importante explicitar que os efeitos adversos são reversíveis ao término das medicações. Alguns aspectos devem ser salientados:
–Quase todos os pacientes experimentam sintomas influenza‑like ou mal‑estar ao
iniciarem o tratamento. Como a intensidade desses sintomas não pode ser prevista
69
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
previamente, o tratamento deve ser iniciado no momento em que o paciente não
tenha compromissos pessoais ou profissionais importantes. O clínico assistente deve
estar disponível para atender o paciente nos primeiros dias de tratamento. Deve‑se
prescrever paracetamol 500 mg a cada 6h no dia da aplicação do interferon e no
dia seguinte. Esses sintomas, geralmente, melhoram em duas a quatro semanas. A
decisão de interromper o tratamento, consequentemente, deve ser tomada, se possível, após o primeiro mês de tratamento.
–A maioria dos pacientes tolera bem o tratamento e pode continuar suas atividades
habituais sem problemas. No entanto, é possível, particularmente em estágios iniciais
do tratamento, que os pacientes não consigam trabalhar por vários dias. Há casos em
que os efeitos adversos podem ser tão graves que o paciente fica impossibilitado de
trabalhar por todo o tratamento. Esse fato também deve ser discutido com o paciente previamente ao início das medicações.
A preocupação de que o tratamento com interferon poderia ter um efeito negativo
sobre a infecção pelo HIV, até o momento, não foi confirmada. Na verdade, há uma supressão complementar da replicação do HIV pelo interferon, na maioria dos pacientes com
carga viral do HIV detectável. O número absoluto de células CD4 pode cair ligeiramente
pela linfopenia, mas a percentagem destas células, geralmente, se eleva. Nenhum estudo
de tratamento do HCV, até o momento, mostrou significante deterioração da infecção
pelo HIV21 ou aumento do risco de infecção oportunista.
A ribavirina causa anemia hemolítica em até 20% dos pacientes22. Essa pode ser tratada com α‑epoetina. A dose usual é de 100 UI/kg de peso corpóreo, por via subcutânea,
três vezes por semana. Pode se utilizar até 40.000 UI, SC, semanal23. De forma alternativa, se não houver resposta com α‑epoetina e hemoglobina entre 8,5 e 10 g/dl, pode‑se
reduzir a dose de ribavirina de um em um comprimido, monitorando‑se a hemoglobina,
frequentemente. Se mesmo com essas medidas (α‑epoetina e redução de doses) se a
hemoglobina estiver abaixo de 8,5 g/dl, deve‑se descontinuar a ribavirina. Só se deverão
reduzir as doses de ribavirina se não houver sucesso com a α‑epoetina. Estudos recentes
têm demonstrado que a utilização de dose correta de ribavirina está associada a melhor
resposta ao tratamento. A diminuição de doses e/ou interrupção ocasionam uma que importante na chance de RVS. Uma dose diária de ácido fólico é recomendada para reduzir a
mielotoxicidade. A ocorrência de anemia foi correlacionada a maior chance de RVS16,17,
provavelmente, como reflexo de uma maior ação farmacológica da ribavirina e do interferon
peguilado.
Tratamento com filgrastima pode melhorar a granulocitopenia induzida pelo interferon.
A experiência clínica é muito limitada até o momento. No entanto, para que a dose de
interferon seja mantida em casos de granulocitopenia grave (granulócitos < 500/µl), essa
recomendação parece justificável. As doses devem ser adequadas individualmente. Na
maioria dos casos, doses baixas são adequadas, já que a hematopoiese por si não está
afetada (exemplo, 300 mcg/semana, via subcutânea).
Plaquetopenia é uma complicação menos frequente, mas não menos importante. Sua
ocorrência se dá por mielossupressão secundária ao interferon. Ocorre de forma mais
pronunciada em pacientes que já tenham plaquetopenia previamente ao tratamento, como
em pacientes cirróticos. Em caso de queda abaixo de 50.000 µl, deve‑se reduzir a dose
70
Coinfecção HCV-HIV
do interferon, e, em caso de valores abaixo de 25.000 µl, interromper‑se o tratamento. O
uso de eltrombopag está sendo investigado em estudos clínicos, com o objetivo de reverter a plaquetopenia.
A avaliação dos efeitos adversos psicológicos deve ser feita em todas as visitas clínicas.
Observações realizadas por familiares e outras pessoas que convivem com o paciente também
podem ser úteis. Depressão leve pode surgir com o uso de interferon e pode ser tratada com
antidepressivos (como paroxetina 20 mg ao dia). Em alguns casos, a administração profilática de antidepressivos pode ser considerada. O tratamento deve ser suspenso, imediatamente, em casos de depressão grave ou com o aparecimento de ideação suicida.
A frequente ocorrência de perda ponderal pode ser minimizada com um adequado aconselhamento nutricional. É importante assegurar uma dieta regular adequada ao gosto do
paciente, particularmente em usuários de drogas. Inibidores de transcriptase reversa com
baixo risco de lipoatrofia devem ser escolhidos (exemplo, tenofovir e lamivudina). Sabe‑se
que, em pacientes coinfectados, a redução de peso com o uso de interferon peguilado e
ribavirina é significativamente maior que em monoinfectados HCV, na mesma situação24.
A descontinuação do tratamento não é necessária sempre que há disfunção tireoidiana. Na maior parte dos casos, primeiro ocorre hipertireoidismo, que poderá então evoluir
para hipotireoidismo se o tratamento com interferon for mantido. Manifestações de hipotireoidismo não são suficientes para interromper o tratamento. Na maioria dos casos, essa
alteração se resolve com a descontinuação do interferon, ao final do tratamento. No entanto, se o tratamento é mantido, hipotireoidismo irreversível pode ocorrer, necessitando
reposição hormonal contínua e monitoração clínica e laboratorial cuidadosa.
Recomendações para o tratamento da hepatite C estão em constante evolução. Consequentemente, centros de referência devem ser sempre contatados para a solução de dúvidas.
Conduta em não respondedores e recidivantes
Opções de tratamento para pacientes não respondedores ou recidivantes permanecem
inadequadas. Em pacientes tratados previamente com interferon em monoterapia, deve‑se
fazer uma tentativa de retratamento com interferon peguilado e ribavirina. Não há, no momento, nenhuma recomendação para o retratamento de pacientes que falharam previamente com interferon peguilado. No entanto, o retratamento com interferon peguilado e ribavirina pode ser indicado para pacientes com adesão inadequada por efeitos adversos durante
o primeiro curso de tratamento ou pelo uso de subdoses (tratamento prévio subótimo).
A terapêutica de manutenção com interferon peguilado em baixas doses não se mostrou eficaz em três grandes estudos realizados em moninfectados HCV (COPILOT, EPIC‑3,
HALT‑C) e em coinfectados HCV‑HIV (SLAM‑C).
Inibidores da polimerase e da protease do HCV estão sendo avaliados em estudos
clínicos na população de coinfectados HCV‑HIV. Há a expectativa de que os primeiros
fármacos (boceprevir e telaprevir) sejam licenciados em 2010 ou 2011 para pacientes
monoinfectados pelo HCV e adicionarão opções de tratamento também para os coinfectados, futuramente. Porém, há muitos desafios para o uso dessas novas medicações em
coinfectados, como as interações farmacológicas com o TARV, o número de pílulas que os
71
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
pacientes deverão tomar, o acúmulo de efeitos adversos e a adesão aos múltiplos fármacos.
Para pacientes sem condições de tratamento ou não respondedores com doença hepática
terminal devem ser avaliados para transplante hepático (vide capítulo específico).
Hepatite C aguda
Um número crescente de casos de hepatite C aguda tem sido observado em homens
que fazem sexo com homens. Os pacientes mais afetados são os que têm contatos sexuais de alto risco como sexo anal sem preservativo, uso de artefatos intranais e fisting. O
diagnóstico de hepatite aguda é feito de acordo com a anamnese, elevação de enzimas
hepáticas (idealmente, se houver resultado normal previamente) e HCV RNA detectado.
Os anticorpos anti‑HCV estarão negativos na maioria dos casos, devido à longa latência de
resposta anticórpica.
A conduta ideal na hepatite C aguda ainda permanece sob investigação. Os dados
disponíveis mostram uma taxa de RVS em torno de 60% (80% para os genótipos 2 e 3)
em casos com tratamento precoce2. Por outro lado, o clareamento espontâneo da infecção
parece ser mais frequente que o descrito previamente. Consequentemente, recomenda‑se
a seguinte estratégia: tratar os pacientes assintomáticos imediatamente (detectados pelos
exames laboratoriais) e acompanhar os pacientes sintomáticos (ictéricos) por 12 semanas para
avaliar a ocorrência de clareamento espontâneo. Se esse não ocorrer, tratar por 24 semanas
com interferon peguilado e ribavirina (genótipos 2 e 3) e por 48 semanas com interferon
peguilado mais ribavirina para os genótipos 1 e 4. No entanto, a estratégia ideal ainda
não é conhecida, e esses pacientes deveriam ser incluídos em estudos de pesquisa clínica
prospectivos.
O futuro: antivirais diretamente ativos contra o HCV
Nos locais onde interferon peguilado e RBV foram extensamente usados para tratar
portadores da coinfecção HCV‑HIV, os pacientes que não foram curados, frequentemente,
são os que apresentam características desfavoráveis para atingir RVS, como HCV RNA
elevado, infecção pelos genótipos 1 e 4 do HCV25, alelos desfavoráveis do gene IL28B
(não‑CC) e fibrose hepática avançada26. Opções terapêuticas para essa população são limitadas, e muitos coinfectados HCV‑HIV já foram a óbito e/ou foram listados para transplante hepático, apesar de que apenas poucos casos foram transplantados27. Mais que
isto, o transplante hepático não é a última solução para os coinfectados HCV‑HIV, dado
que a reinfecção do enxerto é quase universal e a progressão de fibrose é mais acelerada
nesse grupo, com taxas de sobrevida abaixo de 50% em cinco anos pós‑transplante28.
Novos tratamentos são urgentemente aguardados para esses pacientes29. Recentemente,
Soriano, et al. revisaram os principais aspectos desse assunto em um editorial30.
O tratamento da hepatite C crônica com antivirais diretamente ativos (DAAs) contra
o HCV, em pacientes coinfectados pelo HIV, enfrenta importantes desafios para sua viabilização. Interações medicamentosas com os antirretrovirais31,32 (Tabela 3), aumento da
72
Coinfecção HCV-HIV
Tabela 3. Interações farmacocinéticas entre os inibidores de protease do HCV e
os medicamentos de HIV comuns
Telaprevir
Comedicação
Boceprevir
Comedicação
TDF
≈
↑30%
↑8%
↑8%
EFV
↓26% (t.i.d.)
↓7% (t.i.d.)
↓19%
↑20%
ATV/r
↓20%
↑17%
–
–
DRV/r
↓35%
↓40%
–
–
FPV/r
↓32%
↓47%
–
–
LPV/r
↓54%
↑6%
–
–
RTV (baixa dose)
↓24%
–
↓19%
–
R‑methadone
≈
↓19%
–
–
Midazolam
–
9‑fold
–
↑5‑fold
Escitalopram
≈
↓35%
–
–
Esomeprazole
≈
–
–
–
Contraceptivos
(estrógenos e
progestágenos)
≈
↓28%/↓11%
–
↓24%/↑99%
Atorvastatin
–
↑8%‑fold
–
–
Ketoconazole
↑62%
↑46%
↑23‑fold
–
toxicidade sobreposta aos antirretrovirais, rápida seleção de mutantes resistentes do HCV
(HCV RNA mais elevado em coinfectados), pacientes com fibrose avançada e cirrose descompensada, doenças psiquiátricas e dependência de drogas e álcool e adesão às múltiplas
medicações e pílulas.
Dados sobre tratamento com telaprevir e com boceprevir foram apresentados no CROI
2012. Esses inibidores de protease do HCV já estão aprovados para uso clínico em pacientes monoinfectados HCV33‑36, mas aguardam a indicação para os coinfectados HCV‑HIV.
Telaprevir
O estudo 110 foi randomizado, duplo‑cego, multicêntrico (fase II)37. Comparou a eficácia e a segurança do telaprevir versus placebo, cada qual combinado com interferon
peguilado e ribavirina, em pacientes coinfectados HCV‑HIV, virgens de tratamento, genótipo 1 do HCV, sem tratamento antirretroviral, ou com efavirenz, ou com atazanavir/ritonavir (1 CCO). Só foram aceitas biópsias hepáticas com menos de um ano e pacientes
73
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Sem 0
Parte A: virgens de TARV,
CD4+ ≥ 500 cel/mm3,
HIV-1
RNA ≤ 100.000 cópias/ml
(n = 13)
Parte B: TARV estável*,
CD4+ ≥ 300 cel/mm3,
HIV-1 RNA ≤ 50 cópias/ml
(n = 47)
Sem 12
Sem 48
TVR† 750 mg
8/8h +
PEG-IFN/RBV‡
(n = 7)
PEG-IFN/RBV‡
(n = 7)
Placebo +
PEG-IFN/RBV‡
(n =6)
PEG-IFN/RBV‡
(n = 6)
TVR† 750 mg
8/8h +
PEG-IFN/RBV‡
(n =31)
PEG-IFN/RBV‡
(n = 31)
Placebo +
PEG-IFN/RBV‡
(n =16)
PEG-IFN/RBV‡
(n = 16)
Sem 60
(RVS12)
Sem 72
(RVS24)
Seguimento
Seguimento
*EFV/TDF/FTC ou ATV/RTV + TDF + (FTC ou 3TC). †TVR dose dobrada para 1.125 mg 8/8h com EFV.
‡
PEG-IFN 180 µg/sem; RBV 800 mg/dia ou conforme o peso na França e Alemanha
(1.000 mg/dia se peso < 75 kg; 1.200 mg/dia se peso ≥ 75 kg). Sem tratamento guiado pela resposta.
Figura 2. Comparação da eficácia e da segurança do telaprevir versus placebo em pacientes
coinfectados HCV‑HIV (Dieterich DT, et al. CROI 2012. Abstract 46).
cirróticos tinham que apresentar doença compensada. O esquema do estudo pode ser
visto na figura 2.
Para o grupo A (virgens de tratamento antirretroviral) os pacientes tinham que apresentar número de CD4 > 500 cel/mm3 e HIV‑1 RNA < 100.000 cópias/ml. Para o grupo B
(com tratamento antirretroviral estável), os pacientes tinham que utilizar efavirenz, tenofovir, emtricitabina ou atazanavir/ritonavir, tenofovir e emtricitabina ou lamivudina. Nesse
grupo, o número de CD4 deveria ser > 300 cel/mm3 e HIV‑1 RNA < 50 cópias/ml.
Foram incluídos 59 pacientes, sendo 13 no grupo A e 47 no B. Nesse último, 24 pacientes receberam efavirenz e 23 atazanavir/ritonavir. As características basais são mostradas na tabela 4.
A taxa de RVS 12 semanas após o término das medicações é mostrada na figura 3 e na
tabela 5. A recidiva foi menor com telaprevir, se comparado com placebo (3 vs 15%).
O número de CD4 caiu em todos os grupos; porém, o percentual se manteve estável.
Prurido, cefaleia, náusea, rash, febre, dor abdominal e depressão foram mais comuns com
telaprevir. Insônia e perda de peso foram mais frequentes com placebo. Rash leve ou
moderado ocorreu mais no grupo telaprevir (34%) vs placebo (23%) e não ocorreu rash
grave. O grupo telaprevir apresentou mais anemia grau 3 (29 vs 23%), uso de eritropoetina (8 vs 5%) e transfusões (11 vs 5%), em relação ao placebo (Tabela 6).
74
Coinfecção HCV-HIV
Tabela 4. Descrição da população de coinfectados HCV‑HIV, sem tratamento
antirretroviral, em uso de efavirenz e em uso de atazanavir
Característica
Sem tratamento
antirretroviral
Com efavirenz
Com atazanavir
Telaprevir
(n = 7)
Placebo
(n = 6)
Telaprevir
(n = 16)
Placebo
(n = 8)
Telaprevir
(n = 15)
Placebo
(n = 8)
Masculinos, %
86
67
100
88
87
88
Idade mediana
(anos)
39
48
48
47
52
39
Negros, %
57
50
19
38
13
12
Subgenótipo
HCV, %
– 1a
– 1b
43
57
50
33
75
25
75
12
80
20
62
38
F3‑F4, %
14
0
12
12
0
12
1.495
267
25
25
25
25
604
672
533
514
514
535
HIV‑1 RNA
mediano,
cópias/ml
Pacientes com RVS12 (%)
Mediana de
CD4+ cel/mm3
100
80
71
80
69
Sem TARV
TARV com EFV
TARV com ATV
60
40
20
n/N = 0
50
50
2/6 4/8
4/8
33
11/16
5/7
12/15
Telaprevir +
PEG-IFN/RBV
Placebo +
PEG-IFN/RBV
Figura 3. Descritivo da população avaliada com telaprevir em pacientes coinfectados HCV‑HIV.
Os níveis de bilirrubina indireta, ao longo do tempo, foram similares com telaprevir ou
placebo, em conjunto com atazanavir/ritonavir. Análises farmacocinéticas não acharam
alterações significantes nos níveis de telaprevir pelo tratamento antirretroviral e nenhuma
influência significante do telaprevir nos níveis de antirretrovirais.
75
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 5. Eficácia de telaprevir em pacientes coinfectados HCV‑HIV
Desfecho, n/N (%)
Telaprevir
(n = 38)
Placebo
(n = 22)
RVS12
28/38 (74)
10/22 (45)
3/38 (8)
8/22 (36)
5/37* (14)
9/22 (41)
1/32 (3)
2/13 (15)
Falha virológica no tratamento
HCV RNA detectável ao final de tratamento
Recidiva
*1 paciente com perda de dados do final de tratamento.
– Rebote de HIV‑1 RNA não observado em nenhum paciente
– Escape do HCV RNA ocorreu em 3 pacientes com telaprevir antes da semana 12 de tratamento
– 2 pacientes com efavirenz, 1 paciente com atazanavir/ritonavir
Tabela 6. Eventos adversos de telaprevir em coinfectados HCV‑HIV
Evento adverso, %
Telaprevir (n = 38)
Placebo (n = 22)
Fadiga
42
41
Prurido
39
9
Cefaleia
37
27
Náusea
34
23
Rash
34
23
Diarreia
24
18
Tontura
21
14
Febre
21
9
Depressão
21
9
Neutropenia
24
23
Anemia
18
18
Vômitos
18
9
Mialgia
16
23
Calafrios
16
18
Insônia
13
23
Redução do apetite
11
18
Perda de peso
13
23
76
Coinfecção HCV-HIV
Randomizado 2:1;
estratificado por cirroses/fibrose
e HCV RNA (< vs ≥ 800.000 UI/ml)
Coinfectados HIV-HCV
genótipo 1–virgens para
tratamento do HCV,
recebendo tratamento
antirretroviral
(n = 100)
Sem 4
PEG-IFN/RBV*
lead-in
(n = 64)
Sem 48
Sem 60 Sem 72
(RVS12) (RVS24)
BOC 800 mg 8/8h +
PEG-IFN/RBV*
(n = 64)
Seguimento
PEG-IFN/RBV*
lead-in
(n = 34)
Placebo† +
PEG-INF/RBV*
(n = 34)
*PEG-IFN 1,5 µg/kg/sem; RBV 600-1.400 mg/dia, de acordo com o peso, de 12/12h. †Pacientes no braço
placebo com HCV RNA ≥ limite mínimo de quantificação na sem 24 elegíveis para receber open-label
BOC mais PEG-IFN/RBV
Figura 4. Avaliação do uso de boceprevir em coinfectados HCV‑HIV (Sulkowski MS, et al. CROI
2012. Abstract 47).
Boceprevir
Em coinfecção HCV‑HIV, o boceprevir foi avaliado em um estudo de fase II, multicêntrico, internacional, randomizado e duplo cego38. O desenho do estudo pode ser visto na
figura 4.
Foram incluídos pacientes coinfectados HCV‑HIV genótipo 1, com 18‑65 anos de idade,
em tratamento antirretroviral, com HIV‑1 RNA < 50 cópias/ml, número de CD4 > 200 cel/mm3,
virgens de tratamento do HCV e biópsia nos dois anos anteriores. Foram excluídos cirróticos descompensados, coinfecção com HBV, tratamento concomitante com zidovudina,
didanosina, estavudina, efavirenz, etravirina e nevirapina, hemoglobina < 11 g/dl na mulher
ou < 12 g/dl em homens, número de neutrófilos < 1.500 cel/mm3 em não negros ou <
1200 cel/mm3 em negros e número de plaquetas < 100.000 cel/mm3. As características
basais dos pacientes podem ser vistas na tabela 7.
O boceprevir e o interferon peguilado/RBV aumentaram as taxas de RVS em todos os
pontos, a partir da semana 4 versus placebo (RVS 12 = 60,7 vs. 26,5%, respectivamente)
(Fig. 5).
A RVS na semana 12 variou conforme o esquema antirretroviral utilizado, apesar de
que alguns subgrupos tiveram muito poucos pacientes (Tabela 8).
Ocorreram escapes virais do HIV em sete pacientes, três com boceprevir e inibidores
de protease e quatro com placebo (Tabela 9).
Em geral, eventos adversos graves foram semelhantes entre os braços. Descontinuação
por eventos adversos foi maior no grupo com boceprevir (20 vs. 8%). A necessidade de
mudança de doses foi semelhante nos grupos (28 vs. 24%) (Tabela 10).
77
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 7. Descrição da população de coinfectados HCV‑HIV em uso de boceprevir
Característica
Boceprevir +
PEG‑IFN/RBV
(n = 64)
Placebo +
PEG‑IFN/RBV
(n = 34)
Masculinos, %
72
65
43 (8,3)
45 (9,8)
– Não branco
19
18
– Branco
81
82
Cirrose, %
6
3
Genótipo HCV, %
– 1a
– 1b
66
23
65
29
HCV RNA > 800.000 IU/ml, %
88
88
HIV‑1 RNA < 50 cópias/ml, %
97
97
577 (230‑1539)
586 (187‑1258)
Idade média, anos (DP)
Raça, %
Número mediano de células CD4+,
cel/mm3 (variação)
PEG-IFN/RBV (n = 34)
Boceprevir + PEG-IFN/RBV(n = 64)*
HCV RNA indetectável (%)
100
80
73.4
65.6
59.4
60
42.2
40
32.4
23.5
20
n/N= 0
8.8
4.7
3/34 3/64
4
29.4
26.5
14.7
5/34 27/64 8/34 38/64 11/34 47/64 10/34 42/64 9/34 37/61
8
12
24
Semana do tratamento
*Inclui dados de 61 pacientes recebendo boceprevir
Figura 5. Eficácia de boceprevir em coinfectados HCV‑HIV.
78
60.7
Final de
tratamento
RVS12
Coinfecção HCV-HIV
Tabela 8. Eficácia de boceprevir conforme o esquema antirretroviral utilizado
RVS 12 conforme o esquema
antirretroviral, n/N (%)
Boceprevir +
PEG‑IFN/RBV
(n = 61)
Placebo +
PEG‑IFN/RBV
(n = 34)
Atazanavir/ritonavir
12/18 (67)
8/13 (62)
Lopinavir/ritonavir
10/15 (67)
0/10 (0)
Darunavir/ritonavir
8/12 (67)
0/5 (0)
Outros IP reforçados com ritonavir*
4/7 (57)
0/3 (0)
Raltegravir
3/7 (43)
1/3 (33)
0/2 (0)
0
Outro
†
*Saquinavir,fosamprenavir,tipranavir.
†
Maraviroc ou efavirenz.
Tabela 9. Escapes de viremia do HIV durante o tratamento com boceprevir
Níveis de HIV‑1 RNA em pacientes
com boceprevir que apresentaram
escape do HIV,* cópias/ml
Paciente 1
(atazanavir/
ritonavir)
Paciente 2
(lopinavir/
ritonavir)†
Paciente 3
(atazanavir
/ritonavir)
Basal
< 50
< 50
< 50
Sem. 4
< 50
< 50
< 50
Sem. 12
–
< 50
< 50
Sem. 24
659
55
< 50
Sem. 36
–
59
243
53
67
–
2.990
68
7.870
Sem. 48 (final de tratamento)
Sem. 52
*Definido como HIV‑1 RNA > 50 cópias/ml em duas visitas consecutivas.
†Paciente mudou para atazanavir/ritonavir na semana 42 e mudou para darunavir/ritonavir na semana 72.
Tabela 10. Eventos adversos com boceprevir em pacientes coinfectados HCV‑HIV
Desfechos de segurança, %
Boceprevir +
PEG‑IFN/RBV
(n = 64)
Placebo +
PEG‑IFN/RBV
(n = 34)
Qualquer evento adverso
98
100
Evento adverso grave
17
21
Eventos relacionados ao tratamento
95
100
79
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 11. Eventos adversos com boceprevir em pacientes coinfectados HCV‑HIV
Eventos adversos comuns,* %
Boceprevir +
PEG‑IFN/RBV
(n = 64)
Placebo +
PEG‑IFN/RBV
(n = 34)
Anemia
41
26
Febre
36
21
Astenia
34
24
Redução do apetite
34
18
Diarreia
28
18
Disgeusia
28
15
Vômito
28
15
Sintomas gripais
25
38
Neutropenia
19
6
*Eventos com diferença ≥ 10% entre os grupos.
Tabela 12. Eventos adversos hematológicos com boceprevir em pacientes coinfectados
HCV‑HIV
Eventos adversos hematológicos, %
Boceprevir +
PEG‑IFN/RBV
(n = 64)
Placebo +
PEG‑IFN/RBV
(n = 34)
Anemia
– Evento adverso grave
– Evento adverso resultando em descontinuação
– Grau pela OMS
• 1‑4 (< 11 g/dl)
• 3‑4 (< 8.0 g/dl)
– Uso de eritropoetina
– Transfusões
3
2
6
3
63
5
38
6
53
3
21
6
Neutropenia: grau pela OMS
– 1‑4 (≤ 1.500 cel/mm3)
– 3‑4 (< 750 cel/mm3)
86
27
74
12
OMS organização mundial de saúde.
Os eventos adversos mais comuns associados ao boceprevir foram anemia, febre, astenia, redução de apetite, diarreia, disgeusia, vômitos (Tabelas 11 e 12)39.
80
Coinfecção HCV-HIV
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38.Sulkowski M, Pol S, Cooper C, et al. Boceprevir + pegylated interferon + ribavirin for the treatment of HCV/HIV‑co‑infected
patients: end of treatment (week‑48) interim results. Program and abstracts of the 19th Conference on Retroviruses and Opportunistic Infections; March 5‑8, 2012; Seattle, Washington. [Abstract 47]
39.Alberti A, Clumeck N, Collins S, et al. Short statement of the first European Consensus Conference on the treatment of
chronic hepatitis B and C in HIV co‑infected patients. J Hepatol 2005; 42:615‑24.
82
Capítulo 7.2
Coinfecção HBV-HIV
Paulo Roberto Abrão Ferreira
Epidemiologia
Mundialmente, a hepatite crônica, causada pelo vírus B (HBV), é definida pela persistência de detecção do antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg) por mais de seis
meses após a infecção. Essa doença afeta, aproximadamente, 7 a 15% dos pacientes
infectados pelo HIV1. No Brasil, conforme dados do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, obtidos de estudo de soroprevalência do HBsAg nas capitais estaduais,
cerca de 0,37% dos indivíduos tem hepatite B crônica. Dentre os 51.364 portadores de
HBsAg positivo notificados de 2007 a 2010, cerca de 6% dos pacientes eram coinfectados pelo HIV2. Entre 967 pacientes portadores do HIV, atendidos no ambulatório de
infectologia da UNIFESP, 3,6% apresentavam HBsAg positivo (dados não publicados).
Ambas doenças compartilham vias de transmissão semelhantes. A infecção pelo HIV
modifica a história natural da infecção pelo HBV, a qual pode resultar em taxas mais elevadas de persistência e recidiva do HBsAg, hepatitis B e antigen (HBeAg) e HBV DNA3-5.
Entre os pacientes com infecção persistente pelo HBV, a gravidade da doença e o risco
de mortalidade relacionada às hepatopatias estão substancialmente elevados nos pacientes coinfectados pelo HIV. Ao longo do tempo, conforme dados do Multicenter AIDS
Cohort Study (n = 5.293), a mortalidade relacionada às hepatopatias foi significantemente maior em homens com infecção pelo HIV-1 e HBsAg reagente (14,2/1.000), em
relação àqueles apenas infectados pelo HIV-1 (1,7/1.000; p < 0,001) ou apenas infectados pelo HBV (0,8/1.000; p < 0,001)6. Em indivíduos coinfectados, a mortalidade relacionada à hepatopatia foi mais elevada em indivíduos com número de células CD4+
nadir mais baixos e duas vezes mais elevada após 1996, quando o tratamento antirretroviral de alta potência (TARV) foi introduzido. Reconstituição imune relacionada ao
TARV tem sido associada à recuperação espontânea da infecção pelo HBV, mas alguns
estudos relatam subsequente exacerbação da infecção pelo HBV. Os efeitos da infecção
pelo HBV na história natural da infecção pelo HIV são menos aparentes, mas podem
incluir uma maior incidência de elevação de enzimas hepáticas com o TARV8.
83
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Transmissão
vertical
Transmissão
entre pessoas
Eliminação do HBsAg
0,5% ao ano
A maloria com anti-HBs
Fase de
imunotolerância
Fase
imuno-ativa
Portador
crônico inativo
Cirrose
Carcinoma
hepotocelular
Figura 1. História natural da hepatite B crônica.
História natural e diagnóstico
A infecção pelo HBV, em curso, pode ser diagnosticada pela detecção de antígenos
virais e do HBV DNA no sangue. Quando a infecção é aguda, anticorpos de imunoglobulina M (IgM) contra a proteína do core são detectados, geralmente com antígeno do HBV
e HBV DNA9. Quando a infecção foi estabelecida por mais de 12 meses, anticorpos imunoglobulina G (IgG) (mas não IgM) contra a proteína do core são detectáveis, assim como
o HBV DNA. A infecção crônica pelo HBV é caracterizada pela presença de HBsAg com
ou sem antígeno e HBeAg.
Na transmissão vertical, frequentemente, por imaturidade do sistema imunológico da
criança, ocorre a fase de tolerância imunológica, com altos níveis de HBV DNA, mas sem
alterações de transaminases e sem progressão da fibrose hepática. Quando já há maturidade imunológica, particularmente na transmissão sexual, ocorre a fase imunoativa, com
elevação de transaminases e progressão de fibrose (Fig. 1).
Durante o curso da infecção, a perda do HBeAg e a formação de anti-HBe são, usualmente, associados à redução dos níveis de HBV DNA no soro e a um prognóstico favorável (portador crônico inativo). Nesses pacientes não ocorre progressão da doença. No
entanto, a perda do HBeAg também pode estar associada à emergência do HBV HBeAg
negativo com mutações precore e core promoter, que alteram a síntese habitual de HBeAg. Nessa situação, a replicação do HBV se mantém ativa, como indicada pela detecção
de HBV DNA em níveis elevados no soro. Em consequência, pacientes com HBsAg positivo e HBeAg negativos devem ser avaliados quanto à replicação ativa do HBV através de
ensaios que quantifiquem a carga viral10.
Todo paciente com HBsAg detectável deve ser submetido ao rastreamento de carcinoma hepatocelular, a cada seis meses, com ultrassom abdominal e dosagem de a-fetoproteína no soro. Se os pacientes apresentam resolução espontânea de infecção aguda pelo
84
Coinfecção HBV-HIV
Tabela 1. Marcadores imunológicos da infecção pelo HBV
Marcador
HBsAg
Hepatite B
aguda
+
(pode
desaparecer)
Anti-HBs
Hepatite B crônica
HBeAg
positivo
HBeAg
negativo
+
+
+
Anti-HBc IgM
+
Anti-HBc IgG
+
HBeAg
+
Anti-HBe
Resolução
espontânea
da hepatite B
+
Vacinação
contra
hepatite B
+
+
+
+
+
+
HBV, o HBsAg e o HBeAg se tornam indetectáveis no soro, mas o HBV DNA ainda pode
ser detectado em baixos níveis, com ensaios sensíveis11. Com a resolução da infecção,
anti-HBs, anti-HBe e anti-HBc se tornam detectáveis (Tabela 1). Como a vacina contra
hepatite B é elaborada com HBsAg recombinante, a boa resposta imune resulta na produção isolada de anti-HBs, no soro.
Anti-HBc pode ser detectado em alguns pacientes, sem a presença de HBsAg, HBeAg
ou anticorpos contra esses antígenos. O padrão sorológico de anti-HBc isolado ocorre,
frequentemente, em usuários de drogas ilícitas (que, geralmente, são também portadores
de hepatite C), em portadores do HIV ou em não portadores do HIV12. A possibilidade de
que um resultado com anti-HBc isolado represente infecção pelo HBV (versus uma reação
falso-positiva) está realcionada à prevalência da infecção pelo HBV na população do indivíduo avaliado e aos títulos de anti-HBc12,13. Em se tratando de pacientes portadores do
HIV, com anti-HBc isolado, recomenda-se a vacinação contra a hepatite B14 e a pesquisa
do HBV DNA quantitativo no soro15,16.
Vacinação contra hepatite B
A vacinação e a observância de precauções padrão de prevenção de infecção representam as principais medidas de saúde pública para previnir a infecção pelo HBV em
adultos17 e em crianças, incluindo os adolescentes18. A vacinação contra o HBV também
está indicada para todas as crianças e adultos que tenham risco elevado de contraírem
hepatite B, incluindo pacientes portadores do HIV, indivíduos com múltiplos parceiros sexuais, homens que fazem sexo com homens e usuários de drogas ilícitas.
A vacina mais comumente utilizada consiste na composta de HBsAg recombinante
expresso em leveduras. Quando utilizada conforme recomendado (três doses administradas
85
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
no músculo deltoide), na população geral, mais de 95% dos adultos apresentam resposta
anticórpica, considerada protetiva. A pesquisa de anticorpos pós-vacinal é recomendada
1-2 meses após a última dose para indivíduos com alto risco de exposição. Em pacientes
infectados pelo HIV, a vacina contra o HBV é segura, sem risco de elevação do HIV RNA
e progressão da doença. No entanto, a imunogenicidade da vacina contra o HBv está
reduzida em pacientes infectados pelo HIV, especialmente, nos com número baixo de
células CD4+19,20. Estudo recente achou maior resposta positiva à vacina em (80%) pacientes portadores do HIV vacinados antes da infecção pelo HIV, quando comparados aos
que receberam a vacina após a infecção (41%)21. Melhora da resposta vacinal, em portadores do HIV, tem sido descrita quando se usa o dobro da dose e quatro aplicações, tal
qual recomendado no Brasil19,22,23.
Medicamentos para o tratamento da hepatite B
Atualmente, existem sete fármacos aprovados para o tratamento da hepatite B24-31;
porém, seu uso em coinfectados HBV-HIV deve ser realizado com critério diferenciado em
relação aos monoinfectados pelo HBV, dada a ação simultânea de alguns fármacos em
ambos os vírus e a potencial emergência de resistência11. Independentemente da escolha
terapêutica, todos os pacientes tratados devem ter seu HBV DNA, sorologia e provas hepáticas monitorados regularmente a cada seis meses, no mínimo (Tabela 2).
Tanto o interferon convencional e peguinterferon a-2a são aprovados para tratamento
da hepatite B. Poucos estudos avaliaram a eficácia do interferon convencional em coinfectados HBV-HIV. A forma peguilada do interferon a foi avaliada em um pequeno número
de estudos em coinfectados HBV-HIV e parece ser mais efetiva que o convencional. No
entanto, não há dados comparativos publicados nessa população. Dois estudos sugerem
que o interferon peguilado a-2a seja relativamente inefetivo em pacientes coinfectados
HBV-HIV32,33. As diretrizes americanas e europeias recomendam a utilização de interferon
peguilado para tratamento da hepatite B, dentro de critérios específicos11,34.
Adefovir
O adefovir é um análogo de nucleotídeo que, em sua forma ativa difosfato, inibe a
DNA polimerase e reduz os níveis de HBV DNA em média 3,5 log10 cópias/ml na semana
48 de tratamento35. Apesar de recomendado para indivíduos que apresentem resistência
à lamivudina, pela sua baixa potência não é recomendado para uso em monoterapia nem
como primeira linha no tratamento da hepatite B crônica11,34,.
Um estudo em 35 pacientes coinfectados HBV-HIV mostrou que o tratamento com
adefovir por 192 semanas levou a uma substancial redução dos níveis de HBV DNA
(> 4 log10 cópias/ml)24. Dados desse estudo e de outros, realizados em monoinfectados
pelo HBV, denotam uma menor incidência de resistência do HBV, quando comparado aos
estudos com lamivudina. No entanto, o uso prolongado de adefovir em pacientes sem
infeccão pelo HIV, com HBeAg negativo, leva a uma prevalência acumulativa de resistência
86
Coinfecção HBV-HIV
Tabela 2. Medicamentos aprovados para o tratamento da hepatite B crônica
Medicamento
Dose e duração*
Atividade
contra o HIV
Interferon
convencional
5 MU/dia ou 10 MU três vezes por semana SC,
por 16-48 semanas
Não
Interferon peguilado
a-2a
180 mcg por semana SC, ou por 48 semanas
Sim
Adefovir
10 mg/dia VO
Não†
Entecavir‡
0,5 mg/dia VO em virgens de lamivudina
1,0 mg/dia VO em experimentados à lamivudina
Sim
Lamivudina
300 mg/dia em portadores do HIV
Sim
Telbivudina
600 mg/dia em virgens de lamivudina
Não
Tenofovir‡
300 mg/dia em virgens de tratamento e em
experimentados à lamivudina
Sim
*Duração ideal dos nucleos(t)ídeos não determinada
†Não considerado ativo contra o HIV na dose de 10 mg/dia
‡Recomendados como primeira linha de tratamento
de 0, 3, 11 e 29% em um, dois, três e cinco anos, respectivamente36. Em consequência,
o uso de adefovir em coinfectados HBV-HIV pode, teoricamente, levar a risco de seleção
de mutantes do HIV com potencial resistência cruzada ao tenofovir, já que o adefovir em
doses mais elevadas tem ação contra o HIV. Apesar disso, até o momento, não há relatos
dessa ocorrência.
Emtricitabina
A emtrecitabina é um análogo de nucleosídeos com atividade contra o HIV e o HBV.
Pode gerar resistência em ambos os vírus e, particularmente, para o HBV, com resistência
cruzada à lamivudina e ao entecavir37-39. Esse fármaco não foi incorporado pelo Sistema
Único de Saúde (SUS) no Brasil, o que limita seu uso em nosso meio.
Entecavir
O entecavir é um análogo de guanosina, que inibe três funções da HBV polimerase:
priming de bases, transcrição reversa da fita negativa e síntese da fita positiva de DNA. A
presença de mutações de resistência à lamivudina causa redução da susceptibilidade ao
entecavir; em consequência, há a recomendação de uso de 1 mg ao dia para pacientes
experimentados à lamivudina e 0,5 mg para os virgens4,11,34,40.
87
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Em um estudo randomizado, controlado com placebo, foram incluídos 68 pacientes
coinfectados HBV-HIV com resistência prévia do HBV à lamivudina. Após 24 semanas de
tratamento com entecavir, houve redução dos níveis de HBV DNA de 3,65 log10 cópias/ml,
o que é similar à redução em monoinfectados pelo HBV27. No entanto, após 48 semanas de
entecavir, apenas 8% dos pacientes atingiram a supressão do HBV DNA (< 300 cópias/ml).
Até o momento, a taxa de resistência, entre pacientes monoinfectados pelo HBV, virgens
de tratamento, foi de apenas 1,2% após seis anos de seguimento41. Entretanto, resistência ao entecavir ocorreu em 7% dos monoinfectados pelo HBV, com resistência prévia à
lamivudina, após 48 semanas de tratamento e em 39% após quatro anos40. Consequentemente, apesar de parcialmente ativo contra cepas resistentes à lamivudina, o entecavir
não deve ser usado em monoterapia nesses casos.
Apesar dos relatos iniciais indicarem que o entecavir não era ativo contra o HIV, observações clínicas de redução substancial dos níveis de HIV RNA em três pacientes coinfectados que receberam entecavir para o tratamento do HBV, na ausência de tratamento
para a infecção pelo HIV. A seguir, foram realizados experimentos adicionais in vitro que
confirmaram a atividade anti-HIV do entecavir e o seu potencial para suscitar resistência
ao HIV8,42. Assim, o entecavir só pode ser usado em coinfectados HBV-HIV que estejam
recebendo TARV completamente efetivo4.
Lamivudina
A lamivudina é um análogo de nucleosídeo que, em sua forma ativa, é trifosfatado,
inibe a polimerase do HBV e a transcriptase reversa do HIV. Esse é um fármaco apropriado
para tratar o HBV e a coinfecção HBV-HIV, se administrado em combinação com outros
agentes ativos contra o HBV, no esquema de TARV. A lamivudina não deve ser utilizada
isoladamente para tratar o HBV ou a coinfecção HBV-HIV37.
Apesar dos níveis de HBV DNA reduzirem em média 2,7 log10 cópias/ml em coinfectados
utilizando lamivudina por um ano, a incidência de HBV resistente a esse fármaco é de,
aproximadamente, 20% ao ano, em pacientes infectados com HIV, e atinge 90% em quatro
anos43-45. Quando as variantes à lamivudina emergem, os níveis de HBV DNA se elevam,
enzimas hepáticas se elevam e pode haver exacerbação da hepatite B, em alguns casos
fatal46. Além disso, vários dados sugerem que o benefício do tratamento com lamivudina
em previnir a progressão da hepatite B está substancialmente reduzido na presença de cepas
do HBV resistentes. Por esses motivos, a lamivudina não é considerada para primeira linha
de tratamento da hepatite B e sempre deve ser usada associada a outro antiviral ativo11,34.
Telbivudina
A telbivudina é um análogo de timidina capaz de inibir a ação da polimerase do HBV.
Apesar da redução no HIV RNA ter sido relatada em um caso de paciente portador da coinfecção HBV-HIV, tratado com telbivudina47, evidências atuais sugerem que a telbivudina não
tem atividade contra o HIV48,49. Uma limitação importante para seu uso é o fato de haver
88
Coinfecção HBV-HIV
resistência cruzada com lamivudina e emtricitabina30,51. Essa medicação também não foi
incorporada pelo SUS no Brasil. Assim, a utilização desse fármaco torna-se muito pouco
adequada em coinfectados HBV-HIV.
Tenofovir
O tenofovir é um análogo de nucleotídeos, estruturalmente relacionado ao adefovir,
diferindo-se apenas por um grupo metil. Apresenta ação contra ambos os vírus, HBV e
HIV. Em pacientes coinfectados HBV-HIV, nos quais havia resistência do HBV à lamivudina, a atividade do tenofovir contra o HBV não foi inferior à do adefovir. O ACTG5127
foi um estudo randomizado controlado com placebo que envolveu 52 pacientes coinfectados HBV-HIV, a maioria (74 a 80%) havia previamente utilizado lamivudina e recebeu tanto tenofovir quanto adefovir24. Em relação à queda de HBV DNA, na semana 48,
não houve inferioridade entre os dois braços do estudo. Em meta-análise recente, o
tenofovir foi considerado mais efetivo que o entecavir, o adefovir ou a lamivudina, após
um ano de tratamento, em HBsAg positivos, previamente virgens de tratamento52. Outra revisão de estudos mostrou o mesmo resultado53. O desenvolvimento de resistência
do HBV ao tenofovir não foi observado; nenhum dos 34 pacientes do estudo de fase III
com HBV DNA detectável, após acompanhamento por 144 semanas de monoterapia com
tenofovir apresentou mutações de resistência na polimerase54.
Indicações para tratamento da coinfecção HBV-HIV
Pacientes que necessitam de tratamento antirretroviral de alta
potência mas não de tratamento para a hepatite B
A combinação de tenofovir e lamivudina deve ser usada como base para o TARV, o
qual será ativo contra ambos os vírus. Para evitar o aparecimento de mutantes de resistência do HBV, nenhum desses agentes deve ser usado isoladamente. É importante considerar que esse TARV não deve ser descontinuado sem a cuidadosa consideração da
possibilidade de exacerbação da hepatite B. No estudo SMART, alguns pacientes coinfectados HBV-HIV foram alocados no braço do estudo em que foi realizada a descontinuação
do tratamento de acordo com o número de CD4+55. Elevação maior que 1 log no HBV
DNA foi observada em um terço dos pacientes nesse grupo, e 12 pacientes apresentaram
recidiva maior que 3 log10.
Pacientes que necessitam de tratamento da hepatite B mas
não de tratamento antirretroviral de alta potência
As diretrizes do US Department of Health and Human Services (DHHS) recomendam o
início do TARV, independentemente do número de células CD4+ em coinfectados HBV-HIV,
89
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
HBsAg-positivo* HBV DNA positivo
Níveis de HBV DNA
< 2.000 UI/ml
Considere biópsi hepática‡ se
– HDV positivo
– HBeAg positivo com
ALT elevada
> 2.000 UI/ml
ALT normal†
ALT elevada†
Biópsia hepática‡
Monitorar a cada
6-12 meses
Tratar se biópsi hepática‡
Metavir > A2
e/ou> F2
Tratar
*Infecção crônica pelo HBV é definida como HBSAg ou HBv DNA positivo > 6 meses.
†
É considerada ALT normal <19 UI/l para mulheres e <31 UI/l para homens
‡
Pacientes com replicação do HBV e enzimas hepáticas normais podem ter fibrose hepática clinicamente
significante. Consequentemente, considere a avaliação de fibrose hepática. Isto pode ser feito pela biópsia
ou testes não invasivos, incluindo marcadores séricos (biomarcadores) ou elastografia hepática transitória.
Os métodos não invasivos não estão completamente validados em portadores de hepátite B, especialmente
naqueles com transaminases normais. Os pontos de corte propostos são diferentes dos da hepatite C.
Apesar de a biópsia hepática fornece dados adicionais como a atividade inflamatória, esteatose,
os testes não invasivos tema vantagem de poderem ser repetidos periodicamente.
Figura 2. Algorítimo de tratamento da Hepatite B - EASL (reproduzido com permissão do European
AIDS Clinical Society).
se o tratamento da hepatite B é recomendado37. A European AIDS Clinical Society também
sugere a instituição precoce do TARV completo que inclua tenofovir e lamivudina, se é
recomendado tratamento da hepatite B (Fig. 2)14. A diretriz brasileira determina que seja
iniciado o TARV se o paciente apresentar número de CD4+ menor que 500 cel/mm3 2. É
importante ressaltar que tenofovir e lamivudina devem ser combinados entre si e com uma
terceira classe de antirretrovirais (por exemplo, inibidores de protease e inibidores de
transcriptase não análogos de nucleosídeos) para que haja adequada ação contra o HIV e
não ocorra o aparecimento de resistência a esse vírus.
90
Coinfecção HBV-HIV
Coinfecção HIV/HBV
CD4 > 500/μl
e sem indicação para TARV
CD4 < 500/μl ou
simtomáticopelo HIV ou cirrótico
Tratamento do
HBV indicado
Tratamento do HBV
não indicado
Experimentado
com 3TC
– TARV precoce
incluindo TDF +
FTC ou 3TC
– PEG-IFN se
genótipo A
ALT elevada
HBV DNA baixo
Monitorar
intensivamente
Adicionar ou
substituir
ITRN com TDF
como parte do TARV
Virgem de
3TC
TARV incluindo
FTC ou 3TC
e TDF
no TARV
Figura 3. Algorítimo de tratamento de pacientes com coinfecção HBV-HIV - EACS 2011
(reproduzido com permissão do European AIDS Clinical Society).
O racional para essa recomendação é que o controle da infecção pelo HIV representa
um importante passo na prevenção da hepatopatia relacionada ao HBV. Para pacientes
com infecção crônica pelo HBV, para os quais ainda não haja indicação para o TARV ou
esse não seja desejável (por exemplo, por toxicidade ou intolerância ao tenofovir), mas
que necessitam de tratamento da hepatite B, as diretrizes internacionais recomendam
evitar as medicações com ação antirretroviral (emtricitabina, lamivudina, entecavir e tenofovir) e preferir as restantes (interferons, adefovir e telbivudina).
Pacientes que necessitam de tratamento para a hepatite B crônica e
de tratamento antirretroviral de alta potência
O tratamento da hepatite B em pacientes que também têm indicação de tratamento
da infecção pelo HIV é menos controverso: a diretriz do DHHS recomenda tratamento
antirretroviral totalmente supressivo que inclui o uso de dois medicamentos ativos contra
ambos os vírus (tenofovir e lamivudina), associadas a um inibidor de protease ou ao efavirenz. Se o tenofovir não puder ser usado, outro agente com ação contra o HBV deverá
ser associado à lamivudina (Fig. 3)14. O uso de lamivudina e tenofovir como único agente
ativo contra o HBV deve ser evitado pelo risco de resistência ao HBV. O tratamento do HIV
deve ser continuado com uma combinação para possibilitar a máxima supressão.
91
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Pacientes que necessitam de tratamento da hepatite B mas têm
o HBV resistente
Para pacientes com infecção por mutantes do HBV resistentes à lamivudina, a recomendação é a associação de tenofovir14 ou tenofovir associado a entecavir4.
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93
Capítulo 7.3
Infecções por outros vírus
de hepatite: A, D e E
José V. Fernández‑Montero e Vincente Soriano
Hepatite A
O vírus da hepatite A (HAV) foi identificado em 19731. A infecção por HVA apresenta
uma distribuição mundial (Fig. 1), causando hepatite aguda e sendo responsável por considerável morbidade e mortalidade ocasional, especialmente quando a infecção é adquirida na vida adulta.
Virologia
O HAV é um vírus de RNA de 27 nm de diâmetro, não‑envelopado, icosaédrico, de
cadeia positiva, classificado no gênero Heparnavirus da família Picornaviridae. O genoma HAV compreende 7.474 nucleótidos, que são divididos em três regiões: um 5’
fragmento não traduzido (742 nucleótidos); um quadro de leitura única longa aberta
(ORF) que codifica um aminoácido polipéptido 2.227 (6.681 nucleótidos) e uma 3’
região não codificante (63 nucleótidos). O polipéptido codificado pelo ORF é cotraducionalmente processado por uma protease viral, resultando em quatro proteínas estruturais e sete não estruturais. Há quatro genótipos, sem grandes diferenças biológicas
entre eles2.
O ciclo de infecção das células começa quando o vírus se liga a um receptor encontrado na superfície dos hepatócitos. Após a infecção, o RNA viral no citoplasma de hepatócitos sofre replicação usando uma RNA polimerase dependente de RNA codificada pelo
próprio vírus Quando um número suficiente de RNA viral e proteínas de viriões é produzido, a montagem viral começa, formando viriões maduros. O ciclo de replicação todo
dura de 5 a 10h. Ao contrário de outros picornavírus, o HAV não causa citólise ao sair da
célula. Assim, a citopatologia na hepatite A é principalmente devido a respostas imunes
celulares induzidas pelo HAV.
95
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Paises ou áreas com risco moderado ou alto.
Figura 1. Áreas com risco aumentado para a infecção por Hepatite A. (Fonte: Organização Mundial
de Saúde. http://gamapserver.who.int).
Epidemiologia
O VHA se espalha pela via fecal‑oral e é mais prevalente em áreas com menos condições
socioeconômicas, onde a falta de higiene e de saneamento adequado facilitam o contágio.
A exposição ao HAV pode ocorrer esporádica ou epidemicamente, com uma tendência para
surtos periódicos em todo o mundo. Cerca de 1,5 milhão de pessoas são infectadas pelo
VHA a cada ano. Em alguns países em desenvolvimento, o risco permanente de infecção
pelo VHA é maior que 90%, ocorrendo, a maioria dos episódios, na primeira infância. Surtos
epidêmicos não são frequentes nos países em desenvolvimento, na medida em que adolescentes e adultos já estão imunizados. Em contraste, nas regiões em desenvolvimento com
melhores condições sanitárias, a infecção pelo HAV é incomun na infância, e a hepatite A
aguda ocorre principalmente em adultos, causando surtos ocasionais, com consideráveis
consequências socioeconômicas. Nos países desenvolvidos, onde as condições de higiene são
boas, a infecção pelo HAV é rara, sendo mais frequente em adolescentes e pessoas com
comportamentos de alto risco, tais como usuários de drogas injetáveis e não injetáveis, homens que fazem sexo com homens e pessoas que viajam para áreas endêmicas do HAV.
Manifestações clínicas
A infecção por HAV geralmente resulta em uma doença aguda, autolimitada e raramente leva à falência hepática fulminante3. Indivíduos com doença hepática subjacente,
96
Infecções por outros vírus de hepatite: A, D e E
incluindo a hepatite C, são mais propensos a desenvolver formas graves de hepatite A.
Em um estudo feito em 163 pacientes com hepatite crônica B e em 432 pacientes com
hepatite crônica C seguidos prospectivamente por sete anos4, superinfecção por hepatite
A ocorreu em 27 pacientes. Considerando os sintomas e os sinais clínicos, esses foram
leves em nove de cada dez pacientes com hepatite crônica B que adquiriram hepatite A;
insuficiência hepática fulminante foi desenvolvida por sete dos 17 pacientes com hepatite
crônica C que adquiriram hepatite A, e seis desses pacientes faleceram.
As manifestações clínicas da hepatite A aguda variam com a idade. É geralmente silenciosa ou subclínica em crianças, enquanto que, em adultos, tende a ser mais sintomática, fazendo com que uma síndrome gripal leve à hepatite fulminante. Em geral, a
mortalidade aproxima‑se, em adultos, de 1,8%. O período de incubação varia de duas a
seis semanas, após o que a doença começa em doentes sintomáticos. O HAV está ocasionalmente associado a um episódio de surto ou colestática. Além disso, pode servir como
um gatilho para a hepatite autoimune em indivíduos geneticamente suscetíveis. O curso
da hepatite A não parece ser pior em pacientes infectados por HIV5, embora a viremia do
HAV seguido de hepatite aguda possa durar por mais tempo nessa população6.
Prevenção
Indivíduos infectados com HAV transmitem a doença durante o período de incubação e
permanecem assim durante uma semana após a icterícia aparecer7. A prevenção pode ser
auxiliada pela adesão a práticas sanitárias, como lavar as mãos, cozinhar os alimentos de
forma adequada e evitar água e alimentos provenientes de áreas endêmicas. A lavagem das
mãos é altamente eficaz na prevenção da transmissão do HVA, uma vez que o vírus pode
permanecer infeccioso por até 4h nas pontas dos dedos8. Cloração e certas soluções de
desinfecção (água sanitária diluição 1:100) são suficientes para inativar o vírus em pacientes
internados. O uso de luvas por parte dos trabalhadores da área da saúde e um tratamento
apropriado do material biológico de pacientes também são fortemente recomendados. Para
além das medidas de higiene, a ferramenta mais importante e eficaz para a prevenção da
infecção pelo HAV é a imunização. Vacinas feitas a partir de HAV inativo e atenuado têm
sido desenvolvidas9. Apenas vacinas feitas a partir de HAV inativo foram lançadas no
mercado10. As vacinas contendo o antigênio HAV atualmente licenciadas são a HAVRIX (GSK)
e a VAQTA (Merck) e a combinação das vacinas A + B TWINRIX (GSK). Em pessoas soronegativas, a vacina de HAV é altamente imunogênica e eficaz. Níveis protetores de anticorpos
desenvolveram‑se em > 97% dos indivíduos dentro de um mês após a primeira dose e
em praticamente todos os indivíduos após a segunda dose. O nível de proteção contra a
hepatite clínica é > 80% após uma dose11 única. A vacina combinada A + B também é
altamente eficaz10. Taxas de anticorpos anti‑HAV > 97% foram encontradas em pacientes
com HIV‑negativo vacinadas para o HAV há 15 anos12. A imunidade parece durar ao longo
da vida.
As taxas de resposta à vacina contra o HAV são geralmente reduzidas em pessoas infectadas com HIV e inversamente correlacionadas com contagens de CD4 no momento da
vacinação13. As taxas são de 50 a 95% em geral, mas variam de 9% quando a contagem
97
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
de CD4 é <200 cel/µl a > 95% quando a contagem de CD4 é > 500 cel/µl. A supressão do
RNA do HIV no plasma em terapia antirretroviral ativa está associada à melhor resposta de
títulos de anticorpos anti‑HAV14 Aumentando o número de anticorpos, pode‑se também
melhorar as respostas15. Um estudo que envolveu 99 pacientes infectados com HIV mostrou
que no grupo avaliado com uma programação de três doses de vacina anti‑HAV houve, em
comparação ao padrão de duas doses16, um aumento nos títulos de anticorpos. Não foram
encontradas diferenças significativas em termos de eventos adversos. A duração da proteção
em pessoas infectadas pelo HIV pode ser mais curta do que em pessoas HIV‑negativas. As
baixas taxas de resposta anti‑HAV em pacientes infectados pelo HIV com baixas contagens
de CD4 torna aconselhável medir os anticorpos anti‑HAV após a vacinação para saber se o
paciente desenvolveu títulos de anticorpos protetores ou não. Doses de vacinas complementares podem ser propostas em doentes não respondedores. A interleucina 2 (IL‑2) foi utilizada como potenciador da resposta imune em um estudo, sem benefícios significativos17.
A vacina contra o HAV é segura e bem tolerada em indivíduos infectados pelo HIV18.
Reações no local da injeção são os efeitos colaterais mais frequentes. Mal‑estar e dor de
cabeça podem ocorrer ocasionalmente entre um e dois dias. Reações alérgicas graves são
muito raras. A vacinação para o HAV é recomendada em todos as pessoas suscetíveis ao
HAV e para pacientes infectados com HIV. Alguns pacientes, como aqueles com doença
hepática crônica, homossexuais (MSM) ou ou usuários de drogas injetáveis (UDI) ou pessoas que viajam para áreas de endemicidade alta ou intermediária, estão em risco especial,
e a imunização deve ser particularmente recomendada para eles19. Pessoas infectadas pelo
HIV com CD4 > 300 cel/µl podem seguir o calendário de vacinação padrão e receber duas
doses nos meses 0 e entre seis e 12 meses. Em pacientes com contagens de CD4 < 300
cel/µl uma terceira dose pode ser aconselhável. Pessoas infectadas pelo HIV em situação
de risco para a infecção pelo HAV devem receber uma dose de reforço a cada cinco anos.
Finalmente, em pacientes infectados pelo HIV com contagens de CD4 < 200 cel/µl, a
imunoglobulina humana normal (HNIG) pode ser considerada juntamente com a vacina
contra o HAV antes de viagens para áreas endêmicas.
Hepatite D
O vírus da hepatite D (HDV) é um vírus defeituoso, identificado pela primeira vez em
197720, que requer a presença do vírus da hepatite B (HBV) para a sua replicação e expressão. A infecção pelo HDV pode ocorrer simultaneamente com o VHB (coinfecção) ou
como uma superinfecção em pacientes já infectados com o HBV. A hepatite D aguda está
ocasionalmente associada à hepatite fulminante. A infecção crônica pelo HDV está associada a altos índices de cirrose hepática.
Virologia
O HDV foi classificado no gênero vírus delta21. Ele compartilha algumas semelhanças com
viroides e vírus satélites de plantas, principalmente em termos de organização genômica e
98
Infecções por outros vírus de hepatite: A, D e E
mecanismos de replicação22. O virião HDV é uma partícula grande, de aproximadamente
36 nm de diâmetro, com um envelope de lipoproteína externo em que o HBsAg é incorporado. Abaixo desse envelope, a cápside viral, formada por uma estrutura de delta antigênio
(HDAg), pode ser encontrada. Essa cápside contém o genoma do HDV, formada por um
RNA de cadeia única longa, circular, com 1.700 nucleotídeos. O RNA do HDV tem seis ORFs,
três na costa genômica e três na vertente antigenômica. Uma ORF codifica o HDAg, enquanto as outras parecem não ser ativamente transcritas. Dois antigênios diferentes: um HDAg
24 kDa pequeno, 155 aminoácidos de comprimento, e um grande 27 HDAg kDa, 214
aminoácidos de comprimento. Enquanto o HDAg pequeno acelera a síntese do RNA do HDV,
o grande a inibe. No entanto, a presença do HDAg grande é necessária para a morfogênese do virião23. O genoma do RNA do HDV é altamente variável, com uma divergência de
até 16% dentro do mesmo genótipo, em comparação com 20‑40% entre os diferentes
genótipos de RNA do HDV24. A replicação do HDV ocorre através de um modelo duplo de
círculo rolante no qual o filamento genômico é replicado por uma polimerase de RNA hospedeiro para produzir uma estrutura multimérica linear que é clivada autocataliticamente em
monômeros lineares e ligada na progênie viral do RNA circular do HDV. O receptor do HDV
em hepatócitos humanos permanece não identificado, mas acredita‑se ser o mesmo que o
do HBV por causa da sua identidade de revestimento exterior partilhada.
Epidemiologia
À semelhança do HBV, o HDV se espalha principalmente através de exposição parenteral e sexual. Estima‑se que mais de 350 milhões de pessoas no mundo estão cronicamente infectadas com o HVB, das quais, cerca de 15 a 20 milhões estão superinfectadas
com HDV25. Diversas áreas, incluindo a bacia do Mediterrâneo, o Oriente Médio, a África
Central e a região amazônica, são endêmicas para o HDV (Fig. 2). Em países com baixa
prevalência de infecção pelo HBV, a transmissão ocorre principalmente em grupos limitados, tais como o UDI. Estudos realizados nas décadas de 1980 e 1990 mostraram uma
alta prevalência de infecção por HDV próxima a 20% entre os indivíduos HBsAg positivo26.
Após a implementação dos programas de vacinação para o HBV, a prevalência da infecção
pelo HDV diminuiu dramaticamente27, um fato particularmente notável no sul da Europa
e sudeste da Ásia27,28. Uma maior sensibilização sobre o vírus e seu modo de transmissão
levaram à melhor implementação de medidas preventivas, tais como a utilização de agulhas, seringas e outros equipamentos médicos descartáveis e uma melhoria geral das
condições socioeconômicas. No entanto, o HDV permanece como um importante problema de saúde pública mundial, com taxas de acima de 10% de portadoras do HBsAg em
algumas regiões, como África Ocidental, Índia e Asia Central29‑31. Outro fator importante
que explica a falta de um declínio significativo na prevalência de HDV em todo o mundo
é a imigração de indivíduos jovens de regiões com prevalência alta de HDV para países
com baixas taxas do vírus, onde a infecção por HDV estava confinada a grupos de risco
específicos, como o UDI32.
Pelo menos oito genótipos de HDV foram identificados32. O genótipo 1 é o mais comum e está distribuído em todo o mundo, especialmente na Europa, Oriente Médio,
99
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Taiwan
Ilhas do Pacífico
HDV prevalência
Alta
Intermédia
Baixa
Muito baixa
Sem dados
Figura 2. Distribuição do HDV ao redor do mundo. (Fonte: http://www.cdc.gov/ncidod/diseases/
hepatitis/slideset/hep_d/slide_6.htm).
América do Norte e norte da África. O genótipo 2 predomina na Ásia Oriental, e o genótipo 3 é visto na parte norte da América do Sul. Os genótipos de 4 a 8, na sua maioria,
foram identificados em pacientes africanos29.
Características clínicas
As sequelas clínicas da infecção pelo VHD abrangem um espectro de manifestações
que vão de insuficiência hepática fulminante ao estado de portador assintomático. As
características clínicas variam, dependendo da cronificação da infecção pelo HDV. A coinfecção aguda por HBV e HDV leva a concluir a limpeza viral em mais de 90% dos casos,
mas pode causar hepatite aguda grave com potencial para um curso fulminante da doença. Em contraste, apenas uma minoria dos portadores crônicos de HBsAg com superinfecção por HDV alcança a eliminação espontânea do vírus23.
A hepatite delta aguda ocorre após um tempo de incubação de três a sete semanas.
A fase pré‑ictérica é caracterizada clinicamente por sintomas não específicos, tais como
fadiga, anorexia ou náuseas, juntamente com elevado níveis séricos de alanina aminotransferase (ALT) e aspartato aminotransferase (AST). A fase ictérica, que não está sempre
presente, é caracterizada por elevações de bilirrubina. A hepatite viral fulminante D deve
ser sempre excluída em pacientes de hepatite aguda B.A necrose hepatocelular maciça
100
Infecções por outros vírus de hepatite: A, D e E
leva à insuficiência hepática aguda, com uma alta taxa de mortalidade, a menos que um
transplante hepático de urgência seja realizado33.
Surtos de hepatite D aguda graves têm sido relatados ao redor do mundo34,35. No entanto,
a incidência global da infecção aguda pelo HDV diminuiu significativamente durante as últimas
duas décadas que se seguiram à implementação dos programas de vacinação para o HBV. A
infecção crônica pelo HDV leva mais a uma doença hepática grave do que a uma monoinfecção
crônica por HBV e está associada a um curso acelerado para cirrose36. Um estudo realizado com
299 pacientes acompanhados por até 28 anos descobriu que a replicação persistente do HDV
foi associada a taxas anuais de desenvolvimento de cirrose e câncer de fígado de 4 e 3%,
respectivamente37. O único preditor de mortalidade do fígado relatado foi a replicação persistente do HDV. Além disso, a sobrevida é reduzida em pacientes cronicamente infectados com
o HDV, independentemente da causa da morte38. Existe controvérsia sobre a virulência de
genótipos distintos do HDV. O genótipo 1 tem sido associado a piores prognósticos que os do
genótipo 238. Os genótipos 2 e 4 foram encontrados no Extremo Oriente e geralmente causam
doença relativamente leve do fígado35. No entanto, uma variante do genótipo 2b foi apontada
como causadorara de rápida progressão para a cirrose40. O genótipo 3 tem sido relacionado
com surtos de hepatite aguda grave, especialmente em certas áreas do Brasil41. O genótipo F
do HBV tem sido ocasionalmente associado a episódios de hepatites mais virulentas42. É digno
de nota que, enquanto o genótipo do HBV não parece afetar as interações do HBsAg e HDV,
o genótipo desse último pode influenciar a eficácia da montagem de HBsAg em viriões. Por
outro lado, as variações de sequências de aminoácidos no HBsAg também podem influenciar
a eficácia da montagem nos genótipos 2 e 4 do HDV43.
Em pacientes submetidos a transplante de fígado pelo HDV, a administração de imunoglobulina hiperimune (HBIG) leva à rápida diminuição dos níveis de RNA tanto do HBsAg
quanto do HDV33 A reinfecção do enxerto é prevenida com a administração prolongada
de HBIg, proporcionando um resultado favorável na maioria dos pacientes44, com taxas de
sobrevida de > 80% em 5 anos45.
Diagnóstico
Devido à dependência do HDV em relação ao HBV, a presença de HBsAg é necessária para
o diagnóstico da infecção pelo HDV. A presença adicional de anticorpos IgM para hepatite B (IgM anti‑HBc) é necessária para o diagnóstico de coinfecção HBV/HDV aguda.
Todos os pacientes infectados pelo HIV positivos para HBsAg devem ser testados para
anticorpos anti‑HDV IgG. Também é aconselhável repetir o teste para o vírus delta anualmente em todos os pacientes com hepatite B crônica, caso continuem com as práticas de risco
ou largas experiências de ALT46. Neste momento, não é clara a utilidade do teste de RNA do
HDV. Quase todos os transportadores anti‑HDV apresentam viremia, embora ele flutue ao
longo do tempo. É importante considerar, no entanto, que um resultado positivo para anticorpos anti‑HDV não indica necessariamente a hepatite D crônica ativa, uma vez que indivíduos coinfectados com HBV e HDV geralmente eliminam ambos os vírus após o episódio
agudo. Leva anos para a perda de anticorpos anti‑HDV nesses casos, mesmo após a soroconversão de HBsAg23. Várias técnicas de laboratório estão atualmente disponíveis para o diag101
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
nóstico de infecção por HDV. O RNA do HDV pode ser detectado no soro por reação em
cadeia da polimerase com transcrição reversa (RT‑PCR)47. O RNA de HDV é um marcador
precoce e sensível da replicação do HDV na hepatite aguda D48. Dada a heterogeneidade da
sequência extensiva dos diferentes HDV isolados, o desempenho de iniciadores adequados
para a amplificação de RNA do HDV é muitas vezes subótimo. Além disso, as estruturas secundária e terciária do RNA do HDV podem prejudicar a amplificação eficiente mesmo de
regiões genômicas altamente conservadas49. Os exames RT‑PCR podem também ser úteis para
monitorar e avaliar a erradicação da infecção pelo HDV em pacientes com remissão da doença do fígado após a terapia, para a diferenciação de genótipos de HDV ou para rastrear
fontes comuns de infecção50. Em um estudo transversal recente de pacientes com infecção
crônica por hepatite delta51, os perfis replicativos flutuantes e de interferência viral do HBV e
do HDV foram confirmados testando a viremia longitudinalmente para ambos os vírus.
A detecção de anticorpos anti‑HDV, tanto IgM e IgG, pode ser feita usando EIA ou RIA. O
total de anticorpos anti‑HDV geralmente aparece após quatro semanas de exposição na hepatite D aguda; portanto, seu valor clínico é limitado, a menos que testes repetidos sejam
efetuados52. No entanto, a soroconversão anti‑HDV pode ser a única maneira para diagnosticar a infecção aguda pelo HDV na ausência de outros marcadores de infecção. Altos títulos
de anti‑HDV IgG estão presentes na infecção crônica pelo HDV e tendem a regredir em um
pequeno subconjunto de pessoas que eliminam o HDV. O anti‑HDV IgM também pode ser
detectado por exame imunoenzimático (EIA) ou RIA, mas a disponibilidade de tais técnicas é
limitada. O anti‑HDV IgM está presente em títulos elevados durante a infecção crônica por
HDV e tende a correlacionar‑se com episódios de replicação de HDV aumentada e gravidade
da doença do fígado53 . O anti‑HDV IgM desaparece gradualmente a partir do soro em pacientes que têm remissão persistente após a terapia bem sucedida ou o transplante de fígado.
Finalmente, o RNA do HDAg e do HDV pode ser detectado em tecidos do fígado rotineiramente processados para avaliação histológica. No entanto, até 50% dos espécimes
de biópsia do fígado de doentes que estiveram infectados por dez ou mais anos com HDV
podem apresentar níveis baixos ou ser negativo para o HDAg, sugerindo que a replicação
do HDV pode diminuir com o tempo54 . Em pacientes com imunodeficiências, como aqueles
com infecção por HIV avançada, o HDAg também pode ser reconhecido no soro.
De uma perspectiva clínica, em países com alta prevalência de infecção pelo VHD, bem
como em UDI, todos os pacientes HBsAg positivo devem ser testados para infecção pelo
VHD antes de iniciar o tratamento antiviral para o HBV. O teste inicial deve começar com
anti‑HDV total. Quando possível, o diagnóstico deve ser confirmado por RT‑PCR para a
comprovação de RNA de HDV no soro. É importante considerar que um teste negativo
para o anti‑HDV total não exclui, necessariamente, o diagnóstico de coinfecção aguda por
HBV/HDV. Se um teste individual for positivo para soro de RNA do HDV, uma avaliação
posterior deve incluir o estágio da doença hepática e considerar o tratamento antiviral.
Não há evidência de que níveis séricos de RNA de HDV se correlacionam com a fase da
doença do fígado55. A biópsia hepática não é atualmente obrigatória na hepatite delta,
exames não invasivos e ferramentas para medir a fibrose hepática, como a elastrometria,
não foram validados, mas são cada vez mais utilizados para informar sobre a gravidade
da doença do fígado56. Índices com base em biomarcadores séricos, como o APRI, não
apresentaram um bom desempenho em pacientes de hepatite D57.
102
Infecções por outros vírus de hepatite: A, D e E
Tabela 1. Principais estudos clínicos para o tratamento do HDV
Estudo
N
Contextos
clínicos
Tratamento
Resultado
Yurdaydin,
et al48
15
CHD
FCV
Sem efeito no soro de
RNA de HDV
Niro, et al49
31
CHD
LAM vs placebo
Sem efeito no soro de
RNA de HDV
Yurdaydin,
et al50
39
CHD
LAM vs LAM +
IFNα vs somente
IFNα
SVR em 41%. Nenhum
benefício na adição de
LAM
Sheldon,
et al58
16
HDV/HIV
coinfecção
HAART com
tenofovir
Ligeiro declínio no HDV
RNA
Castelnau,
et al95
14
CHD
PegIFNα
SVR em 43%
Niro, et al52
38
CHD
PegIFNα vs
PegIFNα + RBV
SVR em 21%. Nenhum
benefício na adição de
RBV
Yurdaydin,
et al69
90
CHD
PegIFNα vs PegIFNα
+ adefovir vs
adefovir
SVR em 25% com
PegIFNα.
Nenhum benefício na
adição de adefovir
Tratamento
O principal objetivo da terapia para hepatite D é atingir, a longo prazo, a supressão de
ambos os vírus, HDV e HBV. O objetivo primário é a supressão da replicação do HDV, que
é geralmente acompanhada pela normalização das enzimas hepáticas e pela melhora na
atividade necroinflamatória histológica. A supressão da replicação do HDV é documentada
por perda de RNA de HDV detectável no soro e da soroconversão de HDAg no fígado. O
objetivo secundário é a eliminação da infecção pelo VHB, com HBsAg para soroconversão
anti‑HBs. Na última situação, o desenvolvimento de anti‑HBs irá proteger o indivíduo da
reinfecção com HBV, bem como com HDV. Pacientes que tenham eliminado o HDV, mas
permanecem HBsAg positivo, ainda correm o risco de reinfecção com HDV. Embora esse
fenômeno só tenha sido observado em modelos animais, a reexposição ao HDV parece
causar apenas uma hepatite leve e autolimitada.
Não há nenhum tratamento bem estabelecido para a infecção por HDV. Várias estratégias terapêuticas têm sido propostas (Tabela 1). Dados os diferentes padrões de dominância viral entre o HDV e outros vírus existentes, os diferentes resultados clínicos correspondentes podem exigir diferentes abordagens terapêuticas. Dada a flutuação dos padrões
virais dominantes ao longo do tempo, as considerações de tratamento devem ser atualizadas periodicamente.
103
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Vários nucleotídeos análogos foram avaliados como terapia para a infecção pelo HDV.
Alguns deles têm mostraram nenhuma atividade contra o HDV. Tal é o caso do famciclovir, que não apresentou qualquer benefício em 15 pacientes tratados durante seis meses,
seguido por outros seis meses58. A lamivudina foi também ineficaz como monoterapia59
ou em combinação com interferon α60. Embora a ribavirina tenha exibido alguma eficácia
in vitro contra o HDV, nenhum efeito foi ainda reconhecido in vivo61, nem em combinação
com interferon peguilado α62. Mais recentemente, um estudo de seis anos de acompanhamento observacional de 16 pacientes coinfectados com HIV, HBV e HDV63 que receberam terapia antirretroviral à base de tenofovir mostrou resultados mais promissores. No
geral, 13 pacientes mostraram uma redução média, no soro, de 7 a 5,8 log10 de RNA de
HDV, e três pacientes alcançaram níveis normais de ALT e RNA de HDV indetectável no
soro. Essa foi a primeira evidência de que o tratamento prolongado com potentes inibidores da polimerase do HBV pode trazer efeitos benéficos em pacientes com hepatite D.
As terapias baseadas em interferon são atualmente a opção preferida para o tratamento da infecção por HDV. O mecanismo de ação do Interferon α no HDV permanece desconhecido, assim como o interferon α não mostrou qualquer atividade antiviral contra o
HDV in vitro64. Assim, o interferon α poderia agir suprimindo o HBV ou todos os efeitos
imunomoduladores65.
O maior estudo multicêntrico realizado até hoje para testar o interferon α como terapia para a hepatite D foi conduzido na Itália. Um total de 61 pacientes foi distribuído
aleatoriamente para receber interferon α a 5 MU/m2 três vezes por semana durante quatro
meses, seguido de 3 MU/m2 três vezes por semana durante um adicional de oito meses,
ou placebo66. Os pacientes foram seguidos por mais 12 meses. Taxas de normalização da
ALT foram significativamente maiores no grupo que recebeu interferon α. No entanto, a
taxa de RNA de HDV indetectável no soro ou a melhoria histológica no final do período
de seguimento não diferiram significativamente entre os grupos.
Outro estudo menor foi realizado com 42 pacientes com hepatite D crônica aleatoriamente designados para receber duas doses diferentes (9 versus 3 MU três vezes por semana)
de interferon α por 48 semanas ou placebo67. Doses mais elevadas de interferon α foram
associadas a maiores taxas de normalização da ALT e RNA de HDV indetectável no soro ao
fim do tratamento. Taxas de melhoria na histologia do fígado, incluindo a reversão da cirrose, também foram maiores no grupo com 9 MU. Mais recentemente, interferon peguilado α,
em vez de interferon α, foi avaliado para o tratamento da hepatite D. O maior estudo
feito incluiu 38 pacientes que foram tratados com interferon peguilado α sozinho ou em
combinação com a ribavirina durante 48 semanas60. Todos os pacientes foram seguidos
fora da terapia durante 24 semanas. As taxas de resposta não diferiram em ambos os
braços do tratamento, sugerindo que a ribavirina não teve efeito sobre o HDV.
Vários estudos clínicos de combinação avaliaram a eficácia da interferon peguilado α
mais nucleotídeos análogos. Um dos maiores estudos controlados incluiu 90 pacientes com
infecção crônica por HDV, aos quais foram aleatoriamente atribuídos interferon peguilado α
sozinho, ou em combinação com adefovir, ou monoterapia com adefovir68. Após 48 semanas, os dois grupos de interferon peguilado α demonstraram supressão significativamente
maior do HBV do que a monoterapia com adefovir. No geral, a supressão do HDV ocorreu
em um quarto dos pacientes com interferon peguilado α, mas os pacientes que receberam
104
Infecções por outros vírus de hepatite: A, D e E
a terapia combinada tiveram um declínio significativamente maior nos níveis de HBsAg,
com dois eliminando o HBsAg. A terapia combinada não oferece nenhuma vantagem
sobre a monoterapia com interferon peguilado α.
O tratamento da infecção crônica por HDV com interferon peguilado α por pelo menos um
ano é geralmente recomendado23. O tratamento prolongado deverá ser considerado se os
pacientes forem capazes de tolerar os efeitos adversos da terapia e não houver evidência de
respostas bioquímicas e virológicas ao tratamento. Potentes inibidores da polimerase do HBV,
como tenofovir, são indicados apenas se as terapias com interferon α não forem viáveis e não
houver a replicação elevada do HBV. Novas drogas contra o HDV, incluindo agentes tais como
inibidores de prenilação, estão sendo desenvolvidos69. Além disso, as moléculas de interferon α
alternativas, tais como λ‑IFN, justificam uma investigação adicional como agentes anti‑HDV.
Hepatite E
Similar à hepatite A, a hepatite E (HEV) se espalha por via fecal‑oral. O HEV foi isolado
pela primeira vez em 1955 durante um surto de hepatite aguda na Índia. Entre suas características clínicas, o HEV tem sido associado à hepatite fulminante durante a gravidez70.
Atualmente, a infecção por HEV é um importante problema de saúde pública nos países
em desenvolvimento e, recentemente, se tornou um patógeno relevante para indivíduos
imunocomprometidos que vivem em regiões desenvolvidas.
Virologia
O HEV é o único membro do gênero Hepevirus na família Hepeviridae. O HEV é um
vírus de RNA de cadeia simples, icosaédrico, não envelopado, com 27‑34 nm de diâmetro.
Seu genoma é constituído por uma única fita de RNA fechada, positiva, de aproximadamente 7.200 kb de comprimento. Três ORFs têm sido descritas. A ORF1, localizada na
extremidade 5’ do genoma, codifica poliproteínas não estruturais virais que estão envolvidas no processamento e na replicação viral.Ainda não está claro se a poliproteína ORF1
funciona como uma única proteína com múltiplas domínios funcionais ou se está individualmente clivada a proteínas menores71. A ORF2, localizada na extremidade 3’ do genoma, codifica a proteína da cápside viral e três locais de glicolisação potenciais. As mutações
nesses locais de glicolisação limitam a formação de partículas de vírus infecciosas72. A ORF3
codifica um pequeno citoesqueleto associado a fosfoproteína73, assim como a uma proteína que é essencial para a infecciosidade do vírus in vivo74, embora sua expressão não
seja necessária à replicação do vírus, à montagem do virião ou à infecção in vitro75.
Epidemiologia
A infecção por HEV é umas das causas mais frequentes de hepatite viral aguda ao redor
do mundo. Até um terço da população mundial está infectada pelo HEV76. A soroprevalência
105
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Altamente endêmico (contaminação da água ou infeção confirmada HEV
em ≥ 25% de esporádicos não-A, não-B hepatites)
Endêmico (infeção confirmada HEV em < 25%
esporádicos não-A, não-B hepatites)
Não endêmico
Figura 3. Níveis de endemicidade para o HEV. (Fonte: CDC. Disponível em http://www.cdc.gov/
hepatitis/HEV/).
do HEV é maior em países onde o saneamento da água é insatisfatório, como na Ásia
Central, no Sudeste e Norte da África e no Oriente Médio. Nessas regiões, a soroprevalência do HDV pode ser maior que 25%77. Nos países ocidentais, a soroprevalência do
HEV na população geral é de 1 a 3%78 (Fig. 3). Ocasionalmente, grandes diferenças nas
taxas de anti‑HEV IgG têm sido o resultado de diferenças na sensibilidade e especifidade
dos testes de laboratório79. Uma maior soroprevalência de HEV em países desenvolvidos
é inesperada, especialmente quando considerado que a hepatite E sintomática é frequente nessas regiões, e pode refletir exposição a animais infectados, infecção por HEV antes
subclínico, reatividade sorológica cruzada com outros agentes ou falsos resultados sorológicos positivos.
Diferentes perfis epidemiológicos podem ser considerados, dependendo da endemicidade do HEV. Em regiões altamente endêmicas, como os países tropicais e subtropicais da
Ásia, África e América Central, a infecção por HEV é mais comumente transmitida pela
via fecal‑oral, geralmente através da água contaminada. Outras formas de transmissão
incluem alimentos contaminados, transfusão de sangue contaminado, transmissão vertical
ou mesmo direta de pessoa a pessoa80. Grandes surtos de HEV são comuns nessas áreas,
especialmente devido à contaminação da água. Durantes esses surtos, um grande número de indivíduos pode se infectar, especialmente os mais jovens. Mulheres grávidas correm
maior risco de desenvolver falência hepática fulminante e de óbito durante esses surtos.
106
Infecções por outros vírus de hepatite: A, D e E
Em regiões de baixa endemicidade, como a América do Norte e a Europa Ocidental, a
hepatite E é incomum e geralmente associada a viajantes para regiões endêmicas. No
entanto, as reservas animais desempenham um papel importante nos casos autóctones
devido à ingestão de carne mal cozida e ao contato com animais infectados, especialmente os suínos. Na Europa, a soroprevalência do HEV mostra uma variação geográfica, com
a maior taxa encontrada no sul da França.
Quatro diferentes genótipos de HEV têm sido descritos81. Os genótipos 1 e 2 são restritos de humanos para humanos e são os principais responsáveis pelas grandes epidemias
de veiculação hídrica nas regiões endêmicas82.Os genótipos 3 e 4 são ambos encontrados
em humanos e em animais. Eles são os principais responsáveis pelos casos esporádicos de
hepatite E. Enquanto o genótipo 3 é encontrado principalmente na Europa, nos USA e no
Japão, o genótipo 4 do HEV está presente principalmente na Ásia83.
Manifestações clínicas
O HEV geralmente causa infecção aguda autolimitada, embora a hepatite fulminante
possa se desenvolver. A hepatite crônica não se desenvolve após a infecção aguda por
HEV, exceto no contexto de transplante e, ocasionalmente, em pacientes imunossuprimidos, como na infecção avançada por HIV.
A hepatite aguda autolimitada é a condição clínica mais comum associada à infecção
pelo HEV. Embora as características clínicas não se diferenciem muito entre países industrializados e em desenvolvimento, a taxa de mortalidade é mais alta nesses últimos, onde
pode chegar a mais de 11%84,85. Na história prévia da doença do fígado, o abuso do
álcool pode levar a desfechos fatais.
O período de incubação da infecção por HEV varia de 15 a 60 dias, com um espectro
clínico variando de formas assintomáticas à hepatite ictérica aguda. Os sintomas clínicos
não são específicos e incluem febre, dor, mialgia, anorexia, icterícia e prurido79. A infecção
pelo genótipo 4 do HEV está associada a manifestações clínicas mais severas83. A viremia
e a excreção viral nas fezes são observadas durante o período de incubação, entre uma e
duas semanas antes do início dos sintomas clínicos. De alguns dias a duas semanas após
o início dos sintomas, o RNA do HEV não é mais detectável no sangue.
A hepatite E crônica é uma condição rara, observada principalmente em pacientes
imunocomprometidos como os transplantados, os infectados por HIV ou pacientes com
doenças hematológicas malignas86,87. A infecção crônica por HEV foi originalmente identificada na forma de elevações inexplicáveis das enzimas hepáticas em pacientes transplantados na França. Casos esporádicos de transporte persistente de HEV têm sido relatados
em indivíduos infectados por HIV88. A presença de RNA de HEV no soro e nas amostras de
fezes pode ajudar a fazer o diagnóstico, sendo anti‑HEV IgM e IgG persistentemente positivos. A metade dos pacientes transplantados nos quais a infecção crônica por HEV é diagnosticada são assintomáticos. Alguns poucos pacientes relatam sintomas inespecíficos, tais
como astenia ou dor nas articulações. Os pacientes com infecção crônica por HEV podem
apresentar taxas elevadas de enzimas hepáticas, viremia de HEV persistente e lesões fibrótico‑inflamatórias na biópsia do fígado. Manifestações extra‑hepáticas são incomuns79.
107
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Baixas taxas de infecção pelo HEV foram encontradas em pacientes infectadas por HIV
com elevações inexplicáveis de enzimas hepáticas, mesmo entre os indivíduos com imunodeficiência avançada. Em uma série de 50 pacientes espanhóis infectados pelo HIV com
contagem de CD4 < 200 cel/µl e enzimas hepáticas elevadas, não foi encontrada viremia
de HEV em nenhum deles89. Em outro estudo que examinou 245 indivíduos infectados
por HIV na França88, três deles desenvolveram hepatite E aguda e 15 mostraram anti‑HEV
IgG, o que representou uma soroprevalência global de 6%. Um estudo de controle de
caso em indivíduos infectados com HIV no Reino Unido encontrou soroprevalência global
de anti‑HEV IgG de 9,4%90. Nenhum dos pacientes envolvidos tinha RNA de HEV detectável ou anticorpos anti‑HEV IgM. Finalmente, outro estudo feito nos EUA envolvendo 194
pacientes infectados com HIV91 encontrou uma incidência global de infecção por HEV de
4%, sem nenhum caso de hepatite E crônica. Em um todo, esses resultados sugerem que
a infecção pelo HEV entre pacientes HIV‑positivos é rara.
Mulheres grávidas formam uma população na qual a infecção por HEV ainda é um
importante problema de saúde pública. Por razões desconhecidas, a insuficiência hepática
fulminante devido ao HEV ocorre mais frequentemente durante a gravidez, resultando em
um alto índice de mortalidade que pode ultrapassar 25%, principalmente em mulheres
no terceiro trimestre de gravidez92. Por outro lado, mulheres que apresentam icterícia e
hepatite viral aguda causada pela infecção por HEV parecem ter pior experiência obstétrica e resultado fetal93. Este curso da infecção por HEV durante a gravidez não foi confirmado em todos os lugares, com episódios leves de hepatite sendo a regra no Egito e no
sul da Índia94. Por essa razão, alguns autores concluíram que não há correlação entre
gravidez e a severidade do HEV95 e que a gravidez não complica episódios de hepatite
viral aguda, independentemente da sua etiologia. O papel das variantes do HEV na severidade da doença ainda precisa ser investigado96.
Diagnóstico
O diagnóstico da hepatite E aguda baseia‑se na detecção de RNA de HEV no soro ou
nas fezes por PCR ou pela detecção de anticorpos IgM para HEV97. Os testes de anticorpos
para o HEV, sozinhos, são menos acurados para o diagnóstico, uma vez que resultados positivos e negativos falsos têm sido relatados98. Testes anti‑HEV IgG e IgM para o diagnóstico estão disponíveis comercialmente.
O RNA do HEV pode ser detectado nas fezes aproximadamente uma semana antes do
início da doença e persiste por mais de duas semanas após. Porque o HEV é transmitido
entericamente, os pacientes são infectados durante a eliminação fecal. A viremia do HEV
é geralmente de curta duração, mas a persistência por até quatro meses tem sido descrita99. O anti‑HEV IgM aparece durante a fase inicial da doença clínica e desaparece rapidamente entre quatro e cinco meses100. A resposta do IgG aparece logo após a do IgM,
permanecendo positiva por anos após o episódio agudo. O anti‑HEV IgM medido por EIA
tem demonstrado sua precisão no diagnóstico em surtos de HEV101.
Testes de ácido nucléico e sorológicos (qualitativos e quantitativos para RNA de HEV)
representam o padrão ouro para a testagem do HEV. Ambos têm sido usados com fins
108
Infecções por outros vírus de hepatite: A, D e E
epidemiológicos e de diagnóstico. Mais recentemente, a disponibilidade de testes PCR em
tempo real melhorou a sensibilidade e a especificidade dos diagnósticos de HEV, permitindo uma maior diferenciação de genótipos de HEV102.
Tratamento
Não há tratamento específico para a hepatite E, sendo a terapia de suporte a única
estratégia terapêutica para a infecção aguda severa por HEV. Um estudo piloto avaliou a
eficácia do ribavirina103 em seis pacientes infectados por HIV com hepatite E crônica que
haviam sido submetidos a transplantes renais mais de três anos antes. Eles receberam
monoterapia com ribavirina por três meses a doses de 600‑800 mg/dia de acordo com a
função renal. O RNA de HEV tornou‑se indetectável no soro em todos os pacientes, quatro deles mostraram resposta virológica sustentada e outros pacientes reincidiram após a
suspensão da ribavirina. Todos os pacientes normalizaram o ALT durante a terapia.
Profilaxia
Várias vacinas contra o HEV estão sendo desenvolvidas, com resultados muito promissores104. Um largo estudo na fase III recentemente testou uma vacina HEV recombinante105.
Mais de 110.000 indivíduos foram recrutados e randomizados para receber três diferentes
doses de vacina ou placebo nas semanas 0, 4 e 24. Uma alta imunização foi obtida em
todos os braços de antígeno em comparação ao placebo. Além disso, os sintomas, associados à vacina, quando presentes foram leves, sem eventos adversos graves. Enquanto
espera‑se pela chegada de vacinas contra o HEV, a implementação de medidas de higiene
é crucial para evitar a transmissão via fecal‑oral. Pessoas que viajam para áreas endêmicas
devem se engajar em práticas para diminuir a exposição ao HEV, evitando o consumo de
água de pureza desconhecida e de mariscos, frutas ou vegetais crus.
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112
Capítulo 8
Classificação
dos antirretrovirais
Sandra Wagner Cardoso, Thiago Silva Torres, Marilia Santini de Oliveira e Beatriz Grinsztejn
Introdução
Os medicamentos para tratamento da infecção pelo HIV são denominados antirretrovirais (ARV) e são classificados de acordo com seu mecanismo de ação. Atualmente, estão
aprovados para uso clínico medicamentos pertencentes a seis diferentes classes de ARV
que têm como alvo o bloqueio da maioria dos passos do ciclo replicativo do HIV. Os
primeiros ARVs disponibilizados, a partir de 1987, pertencem à classe dos inibidores da
transcriptase reversa análogos de nucleosídeos (ITRN). Em 1995, foram aprovados os
primeiros representantes de duas outras classes de ARV, os inibidores da protease (IP) e
os inibidores da transcriptase reversa não análogos de nucleosídeos (ITRNN). Ao final de
2004, foi aprovada, para uso clínico a enfuvirtida, da classe dos inibidores de fusão (IF) e,
mais recentemente, medicamentos de duas novas classes de ARV, a dos antagonistas de
receptores da quimiocina CCR5 e a dos inibidores da integrase (INI).
Neste capítulo, descrevemos as principais características dos ARVs disponíveis comercialmente agrupados por classe terapêutica, estando representado esquematicamente na
figura 1 o ciclo de replicação do HIV e como cada classe atua nas etapas desse ciclo.
Informações adicionais estão compiladas nas tabelas 1 (nome comercial e genérico, fabricante e ano de aprovação nos EUA, de acordo com a classe terapêutica), 2 (doses
recomendadas de cada ARV, incluindo recomendações para uso em insuficiência renal),
3 (interações medicamentosas) e 4 (ARV em desenvolvimento).
O tratamento antirretroviral (TARV) eficaz deve ser feito com uma combinação de
medicamentos de diferentes classes, escolhidos de acordo com o histórico de uso de ARV,
existência de comorbidades, hábitos e estilo de vida de cada paciente.
Em função do constante aumento de conhecimentos no campo dos ARVs, sugerimos
revisão periódica das informações e, para tal, recomendamos os seguintes sites:
–www.anvisa.gov.br/medicamentos/banco_med.htm
–www.hivdruginteractions.org
–www.aids.gov.br
–www.kydney.org
113
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Inibidores de protease
APV, ATV, DRV, IDV,
LPV, NFV, SQV, TPV
Inibidor de fusão
ENF
Envelope
proteico
Fusão
Maturação
CD4
Inibidores de TR
NRTI: 3TC, ABC,
AZT, d4T, DDI,
FTC, TDF
NNRTI: EFV, NVP,
ETR, RPV
Receptor de
quimiocina
Clivagem
proteolítica
Transcrição
reversa
Antagonista de receptor de
quimiocina - MVC
Complexo
Pré-integração
Tradução
Inibidores de integrase
RAL, ELV
Transcrição
Integração
DNA hospedeiro
DNA viral
Figura 1. Ciclo replicativo do HIV, com destaque dos locais de ação das classes de
antirretrovirais disponíveis.
Inibidores da transcriptase reversa análogos
de nucleosídeos e nucleotídeos
Os medicamentos dessa classe são análogos dos nucleosídeos e nucleotídeos existentes
nas células humanas, nas quais penetram e sofrem tripla fosforilação, gerando substratos
sintéticos da enzima transcriptase reversa do HIV. No processo citoplasmático de transcrição reversa, que ocorre logo após a entrada do HIV na célula e resulta em uma molécula
de DNA complementar ao RNA viral, o fármaco compete com os substratos naturais e, ao
ser incorporado, interrompe essa etapa do ciclo replicativo do vírus. Os ITRNN disponíveis
são zidovudina (ZDV ou AZT) e estavudina (d4T), análogos de timidina, didanosina (ddI),
análogo de adenosina, abacavir (ABC), análogo de guanina, lamivudina (3TC) e emtricitabina (FTC), análogos de citosina e o tenofovir (TDF), análogo de nucleotídeo. Na maior
parte dos pacientes, usam-se dois ITRNs na composição do TARV.
A maioria dos ITRNs sofre eliminação primariamente por excreção renal, exceto a ZDV
e o ABC, que são metabolizados por glicuronidação hepática.
Os análogos de nucleosídeos trifosforilados inibem também a DNA polimerase g, enzima responsável pela síntese de DNA mitocondrial, causando uma série de eventos
114
Classificação dos antirretrovirais
Tabela 1. Nome comercial e genérico, fabricante e data de aprovação de uso nos EUA dos
ARVs aprovados para comercialização até março de 2012, de acordo com a classe
Nome
comercial
Nome genérico
Fabricante
Data da
aprovação
Inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos
Retrovir
Zidovudina, azidotimidina
GlaxoSmithKline
19-Mar-87
Videx
Didanosina, dideoxinosina
Bristol Myers-Squibb
09-Out-91
Hivid
Zalcitabina, dideoxicitidina*
Hoffmann-La Roche
19-Jun-92
Zeritavir
Estavudina†
Bristol Myers-Squibb
24-Jun-94
Epivir
Lamivudina
GlaxoSmithKline
17-Nov-95
Ziagen
Sulfato de abacavir
GlaxoSmithKline
17-Dez-98
Videx EC
Didanosina de
revestimento entérico
Bristol Myers-Squibb
31-Out-00
Viread
Tenofovir disoproxil
fumarato
Gilead Sciences
26-Out-01
Emtriva
Entricitabina
Gilead Sciences
02-Jul-03
Inibidores da transcriptase reversa não-análogos de nucleosídeos
Viramune
Nevirapina
Boehringer Ingelheim
21-Jun-96
Rescriptor
Delavirdina‡
Pfizer
04-Abr-97
Stocrin/
Sustiva
Efavirenz
Bristol Myers-Squibb
17-Set-98
Intelence
Etravirina
Tibotec Therapeutics
18-Jan-08
Edurant
Rilpivirine
Tibotec Therapeutics
20-Mai-11
Inibidores da potease (IP)
Invirase
Mesilato de saquinavir§
Hoffmann-La Roche
06-Dez-95
Norvir
Ritonavir
Abbott Laboratories
01-Mar-96
Crixivan
Indinavir†
Merck & Co., Inc.
13-Mar-96
Agouron Pharmaceuticals
14-Mar-97
Hoffmann-La Roche
07-Nov-97
GlaxoSmithKline
15-Abr-99
Viracept
Mesilato de
Fortovase
Saquinavir
nelfinavir‡
§
Agenerase
Amprenavir
Kaletra
Lopinavir e ritonavir
Abbott Laboratories
15-Set-00
Reyataz
Sulfato de atazanavir
Bristol-Myers Squibb
20-Jun-03
Lexiva
Fosamprenavir
GlaxoSmithKline
20-Out-03
Tabela continua
115
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 1. Nome comercial e genérico, fabricante e data de aprovação de uso nos EUA dos
ARVs aprovados para comercialização até março de 2012, de acordo com a classe (continuação)
Nome
comercial
Nome genérico
Fabricante
Data da
aprovação
Aptivus
Tipranavir
Boehringer Ingelheim
22-Jun-05
Prezista
Darunavir
Tibotec Therapeutics
23-Jun-06
Inibidores de fusão
Fuzeon
Enfuvirtida
Hoffmann-La Roche &
Trimeris
13-Mar-03
Inibidores de CCR5
Selzentry
Maraviroc
Pfizer
06-Ago-07
Inibidores de Integrase
Isentress
Raltegravir
Merck & Co., Inc.
12-Out-07
Combinações de antirretrovirais
Combivir/
Biovir
Lamivudina e zidovudina
GlaxoSmithKline
27-Set-97
Trizivir
Abacavir, zidovudina, e
lamivudina
GlaxoSmithKline
14-Nov-00
Epzicom
Abacavir e lamivudina
GlaxoSmithKline
02-Ago-04
Truvada
Tenofovir disoproxil
fumarato e entricitabina
Gilead Sciences
02-Ago-04
Atripla
Efavirenz, entricitabina e
tenofovir disoproxil
fumarato
Bristol-Myers Squibb and
Gilead Sciences
12-Jul-06
Complera
Entricitabine, rilpivirina e
tenofovir disoproxil
fumarato
Gilead Sciences
10-Ago-11
*Não é mais comercializado devido ao perfil de toxicidade (principalmente neuropatia periférica), além de menor
comodidade posológica (necessidade de uso a cada 8h).
†Atualmente não é mais recomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil, devido ao perfil de toxicidade.
‡Não é mais comercializado devido à curta meia-vida, grande número de comprimidos por dose e baixa barreira
genética.
§Não é mais comercializado nesta formulação.
Adaptado de http://www.fda.gov/ForConsumers/byAudience/ForPatientAdvocates/HIVandAIDSActivities/ucm118915.htm
adversos (EA) por toxicidade mitocondrial, mais frequentemente relacionados aos medicamentos mais antigos da classe, como ZDV, d4T e ddI, incluindo anemia, granulocitopenia, miopatia (fraqueza muscular, fadiga, mialgia e elevação dos níveis da CPK no sangue), neuropatia periférica, pancreatite, acidose lática e esteatose hepática. FTC, 3TC e TDF apresentam
baixa afinidade pela DNA polimerase ϕ e, portanto, menor grau de toxicidade mitocrondrial.
116
Classificação dos antirretrovirais
Os ITRNs não têm interações significativas com outros medicamentos, por não serem
substratos importantes das enzimas do citocromo P450 (CYP); porém, deve-se evitar uso
concomitante com fármacos que podem causar os mesmos tipos de efeitos adversos, como
etambutol, isoniazida, vincristina, cisplatina, pentamidina (pancreatite ou neuropatia periférica) e quimioterápicos mielotóxicos. O uso de ZDV, ddI e d4T em combinação com ribavirina e interferon (IFN), usados no tratamento da hepatite C crônica, resulta em maior
risco de anemia grave, descompensação hepática, neuropatia periférica, pancreatite e
acidose lática; portanto, o rastreio da infecção pelo vírus da hepatite C (HCV) deve ser
feito idealmente antes da escolha dos ARVs, para que se possa optar por TARV composto
por outros ITRNs. 3TC, FTC e TDF reduzem substancialmente as concentrações plasmáticas
de DNA do vírus da hepatite B (HBV) e é necessário cuidado com sua interrupção devido
ao risco de aumento exponencial da replicação do HBV e exacerbação de hepatite. Os dois
análogos timidínicos (ZDV e d4T) não devem ser usados concomitantemente, pois competem entre si, causando menor resposta ao TARV.
O ZDV, primeiro ARV disponibilizado, ainda é largamente utilizada nos países em desenvolvimento pelo seu baixo custo, embora as recomendações mais recentes o classifiquem como
opção alternativa de TARV, pela maior toxicidade mitocondrial em relação aos medicamentos
mais recentes dessa classe, mantendo a indicação de uso para prevenção da transmissão
materno-infantil e profilaxia pós-exposição em profissionais de saúde expostos ao HIV. A anemia é o EA que mais frequentemente causa a interrupção do uso de ZDV, e macrocitose
eritrocitária ocorre em cerca de 90% dos pacientes. Hiperpigmentação das unhas pode ser
associada ao uso crônico de ZDV. Probenecida, fluconazol, atovacona e ácido valproico podem
aumentar a concentração plasmática desse ITRN e, consequentemente, sua toxicidade.
A ddI é pouco usada nos países desenvolvidos devido a disponibilidade de outros ARVs
menos tóxicos. A formulação de absorção entérica, enteric coat (ddI-EC), permite o uso
de uma cápsula em dose única diária, que deve ser ingerida intacta. Apesar das recomendações da bula para ingestão com estômago vazio, sua administração com alimentos
não parece afetar de modo significativo a eficácia. Os EAs mais associados ao ddI são
neuropatia periférica (o mais frequente), alterações retinianas, neurite ótica, hepatotoxicidade, hiperuricemia assintomática e pancreatite potencialmente fatal. O uso concomitante de ganciclovir pode aumentar a concentração plasmática de ddI e o risco de toxicidade.
O TDF aumenta a exposição ao ddI em 44-60%, levando à maior toxicidade de ambas os
fármacos, mesmo com doses ajustadas de ddI, além de queda paradoxal da contagem de
células TCD4+, e, portanto, essa combinação deve ser evitada.
O d4T não é mais utilizado nos países desenvolvidos. A dose diária de 40 mg, recomendada inicialmente, está proscrita pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Seu
perfil de toxicidade é considerado o pior da classe com 12% de incidência de neuropatia
periférica e é o ITRN mais fortemente associado a alterações metabólicas e lipodistrofia.
Seu uso deve ser interrompido assim que sinais e sintomas de toxicidade comecem a
aparecer, caso contrário, os danos podem ser irreversíveis. O d4T não é mais considerado
como opção para TARV em nosso meio.
O 3TC é ativo na inibição de HIV-1, HIV-2 e HBV e pode ser usado em dose única
diária. Possui baixa toxicidade, com descrição de raros casos de exantema, pancreatite e
neuropatia associados ao seu uso.
117
118
Dose diária
300 mg comprimido
100 mg cápsula
10 mg/ml VI solução
10 mg/ml solução oral
15, 20, 30 e 40 mg
cápsula
1 mg/ml solução oral
(200 ml)
150, 300 mg comprimido
10 mg/ml solução oral
Estavudina
Lamivudina
Tabela continua
Adultos: 150 mg 2x/dia ou 300 mg 1x/dia
Pediátrico: 14-21 kg = 150 mg; 21-30 kg = 225 mg; 30 kg = 300 mg; solução oral
(3 meses até 16 anos) = 2 mg/kg (2x/dia)
Alimentos: administrar com ou sem alimentos
Insuficiência renal:
Clearence de creatinina ≥50 ml/min: sem ajuste de dose
Clearence de creatinina 30-49 ml/min: 150 mg 2x/dia
Clearence de creatinina 15-29 ml/min: primeira dose de 150 mg, depois 100 mg 2x/dia
Clearence de creatinina 5-14 ml/min: primeira dose de 150 mg, depois 50 mg 2x/dia
Clearence de creatinina < 5 ml/min; hemodiálise ou diálise peritoneal: primeira dose de
50 mg, depois 25 mg 2x/dia
Adultos: 30 mg (2x/dia)
Neonatos (< 13 dias de vida): 0,5 mg/kg a cada 12h
Pediátrico (14 dias até peso ≤ 30 kg): 1 mg/kg a cada 12h
Alimentos: administrar com ou sem alimentos
Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose
Adultos: 300 mg 2x/dia.
Pediátrico (4 semanas até < 18 anos): 4-9 kg = 24 mg/kg/dia;
9-30 kg = 18 mg/kg/dia; > 30 kg = 600 mg/dia (2-3x/dia)
Grávidas: igual adulto; durante o parto, 2 mg/kg IV por 1h, seguido por infusão venosa de
1 mg/kg/h (sobre o peso total) até cortar o cordão umbilical. Se solução VI não disponível
usar 300 mg VO no começo do trabalho de parto e de 3/3h até clampear o cordão
umbilical
Neonatos: 2 mg/kg VO a cada 6h (iniciar nas primeiras 12h de vida) ou 1,5 mg/kg VI por
30min a cada 6h
Alimentos: administrar com ou sem alimentos
Insuficiência renal:
Clearence de creatinina ≥ 15 ml/min: sem ajuste de dose
Clearence de creatinina < 15 ml/min, hemodiálise ou diálise peritoneal: 100 mg a cada 6-8h
Inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos (ITRN)
Apresentação
Zidovudina
Nome genérico
Tabela 2. Dosagem recomendada dos antirretrovirais utilizados na prática clínica
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Apresentação
300 mg comprimido
20 mg/ml solução oral
125, 200, 250 e 400 mg
200 mg cápsula
10 mg/ml solução oral
(170 ml)
Nome genérico
Abacavir
Didanosina EC
Entricitabina
Tabela continua
Adultos: 200 mg 1x/dia
Pediátrico: 0 a 3 meses = 3 mg/kg; 3 meses a 17 anos = 6 mg/kg até no máx. 240 mg
(24 ml) ou crianças com peso > 33 kg = 200 mg cápsula (1x/dia)
Alimentos: administrar com estômago vazio
Insuficiência renal:
Clearence de creatinina ≥ 50 ml/min: sem ajuste de dose
Clearence de creatinina 30-49 ml/min: 200 mg a cada 48h
Clearence de creatinina 15-29 ml/min: 200 mg a cada 72h
Clearence de creatinina ≤ 15 ml/min ou hemodiálise: 200 mg a cada 96h
Diálise peritoneal: desconhecido; usar com precaução
< 25 kg = 200 mg; 25-59 kg = 250 mg; ≥60 kg = 400 mg (1x/dia)
Alimentos: administrar ≥ 30min antes ou ≥ 2h após alimentação. Não precisa ser
mastigado nem dissolvido
Insuficiência renal:
Peso > 60 kg
Clearence de creatinina ≥ 60 ml/min: sem ajuste de dose
Clearence de creatinina 30-59 ml/min: 200 mg 2x/dia
Clearence de creatinina ≤ 29 ml/min; hemodiálise ou diálise peritoneal: 125 mg 2x/dia
Peso < 60 kg
Clearence de creatinina ≥ 60 ml/min: sem ajuste de dose
Clearence de creatinina 10-59 ml/min: 125 mg 2x/dia
Clearence de creatinina ≤ 10 ml/min; hemodiálise ou diálise peritoneal: não usar DDI
EC; usar DDI sem revestimento entérico
Adultos: 300 mg 2x/dia ou 600 mg 1x/dia
Pediátrico: 14-21 kg = 300 mg; 21-30 kg = 450 mg; 30 kg = 600 mg; solução oral
(3 meses até 16 anos) = 8 mg/kg (1x/dia)
Alimentos: administrar com ou sem alimentos
Insuficiência renal: comportamento desconhecido durante diálise peritoneal, usar com
precaução
Dose diária
Tabela 2. Dosagem recomendada dos antirretrovirais utilizados na prática clínica (continuação)
Classificação dos antirretrovirais
119
120
150, 200, 250 e 300 mg
comprimido
400 mg/g de pó oral
Tenofor
vidisoproxil
fumarato
Adultos: 300 mg 1x/dia
Pediátrico: 17-22 kg = 150 mg; 22-28 kg = 200 mg; 28-35 kg = 250 mg; 35 kg = 300 mg;
pó oral = 8 mg/kg (2 anos ou mais) (1x/dia)
Alimentos: administrar com ou sem alimentos
Insuficiência renal:
Clearence de creatinina ≥ 50 ml/min: sem ajuste de dose
Clearence de creatinina 30-49 ml/min: 300 mg a cada 48h
Clearence de creatinina 10-29 ml/min: 300 mg a cada 72h
Hemodiálise: 300 mg a cada 7 dias
Diálise peritoneal: desconhecido; usar com precaução
Dose diária
200 mg comprimido
50 mg/ml solução oral
(240 ml)
50 e 200 mg cápsula
600 mg comprimido
25, 100 e 200 mg
comprimido
25 mg comprimido
Nevirapina
Efavirenz
Etravirina
Rilpivirina
Adultos: 25 mg 1x/dia
Pediátrico: ainda não aprovado pelo FDA
Alimentos: administrar com alimentos
Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose
Tabela continua
Adultos: 200 mg 2x/dia
Pediátrico (6-18 anos e > 16 kg): 16-19 kg: 100 mg; 20-24 kg: 125 mg; 25-29 kg: 150 mg;
≥ 30 kg: 200 mg (1x/dia)
Alimentos: administrar com alimentos
Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose
Adultos: 600 mg 1x/dia
Pediátrico (> 3 anos e >10 kg): 10-14 kg = 200 mg; 15-19 kg = 250 mg;
20-24 kg = 300 mg; 25-32,4 kg = 350 mg; 32,5-39 kg = 400 mg; ≥ 40 kg = 600 mg (1x/dia)
Alimentos: administrar com ou sem alimentos, evitando somente refeições muito gordurosas.
Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose
Adultos: 200 mg 1x/dia por 2 semanas, depois 200 mg 2x/dia
Pediátrico (> 15 dias): 150 mg/m2 1x/dia por 2 semanas, depois 150 mg/m2 2x/dia
Alimentos: administrar com ou sem alimentos
Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose
Inibidores da transcriptase reversa não-análogos de nucleosídeos (ITRNN)
Apresentação
Nome genérico
Tabela 2. Dosagem recomendada dos antirretrovirais utilizados na prática clínica (continuação)
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Apresentação
200, 333 ou 400 mg
200, 625 mg comprimido
50 mg/ml pó oral
200 mg cápsula gel dura
500 mg comprimido
revestido
100 mg comprimido
100 mg cápsula soft-gel
100/25mg e 200/50 mg
comprimido
80/20 mg/ml solução oral
100, 150, 200
e 300 mg cápsula
Nome genérico
Indinavir
Nelfinavir
Saquinavir
Ritonavir
Lopinavir/
ritonavir
Atazanavir
Tabela continua
Adultos: 400 mg 1x/dia (pacientes virgem de TARV); ATV/r: 300/100 mg 1x/dia; ATV/r +
EFV: 400/100 mg 1x/dia
Pediátrico (6 a 18 anos): 15-19 kg = 150 mg; 20-39 kg = 200 mg; > 40 kg = 300 mg (1x/dia)
Alimentos: administrar com alimentos
Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose
Adultos: 400/100 mg ou 5 ml 2x/dia; 800/200 mg ou 10 ml 1x/dia em pacientes com
menos de 2 mutações relacionadas ao lopinavir
Pediátrico (> 14 dias): 14 dias a 6 meses: 16/4 mg/kg ou 300 mg/m2 2x/dia; 6 meses a 18 anos:
= 230/57,5 mg/m2 2x/dia (Sem EFV, NVP, AMP e NFV concomitantes); 300/75 mg/m2 2x/dia
(Com EFV, NVP, AMP e NFV concomitantes). Até no máximo a dose para adultos
Alimentos: Administrar com alimentos
Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose
Usado como indutor farmacocinético (booster) com os demais IPs
Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose
Adultos: SQV/r 1.000/100 mg 2x/dia ou 400/400 mg 2x/dia
Alimentos: quando associado ao RTV, não é necessário administrar com alimentos
gordurosos
Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose
Adultos: 1.250 mg 2x/dia (comprimido) ou 750 mg 3x/dia; 25 ml 2x/dia (solução oral)
Alimentos: administrar com alimentos
Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose
Adultos: 800 mg a cada 8h ou IDV/r 800/100 mg 2x/dia
Alimentos: administrar ≥ 1h ou ≥ 2h após alimentação quando usado sem RTV.
Associado com RTV: administrar com ou sem alimentos
Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose
Inibidores da potease (IP)
Dose diária
Tabela 2. Dosagem recomendada dos antirretrovirais utilizados na prática clínica (continuação)
Classificação dos antirretrovirais
121
122
Apresentação
700 mg comprimido
250 mg cápsula
100 mg/ml solução oral
75, 150, 400 e 600 mg
comprimido
108 mg em pó liofilizado
(suficiente para dose
de 90 mg) para ser
reconstituído em 1,1ml
de água destilada
150 e 300 mg
comprimido
Nome genérico
Fosamprenavir
Tipranavir
Darunavir
Enfuvirtida
Maraviroc
Tabela continua
Adultos: com potentes inibidores CYP3A (com ou sem indutores CYP3A) incluindo IP
(exceto TPV/r) = 150 mg 2x/dia; com ITRNN, TPV/r, NVP, RAL e outros medicamentos
que não são potentes indutores ou inibidores CYP3A = 300 mg 2x/dia; com potentes
indutores CYP3A incluindo EFV (sem um potente indutor CYP3A) = 600 mg 2x/dia
Inibidores de CCR5
Adultos: 90 mg (1 ml) SC a cada 12h, no antebraço ou abdômen, variando os sítios da
injeção
Pediátrico (6-16 anos): 2 mg/kg até no máximo 90 mg 2x/dia
Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose
Inibidores de fusão
Adultos: 800/100 mg ou 600/100 mg (pacientes com pelo menos 1 mutação associada ao
DRV) 2x/dia
Pediátrico (> 6 anos): 20-29 kg = 375 mg DRV + 50 mg RTV; 30-39 kg = 450 mg DRV +
60 mg RTV; ≥ 40 kg = 600 mg DRV + 100 mg RTV (2x/dia)
Alimentos: administrar com alimentos
Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose
Adultos: TPV/r: 500/200 mg 2x/dia
Pediátrico (2 a 18 anos): 14 mg/kg (375 mg/m2) + 6 mg/kg (150 mg/m2) RTV (2x/dia) Não
deve excer a dose para adultos
Alimentos: administrar com alimentos
Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose
Adultos: FPV/r: 1400/100 mg ou 1400/200 mg 1x/dia (pacientes virgem de TARV);
FPV/r 700/100 mg 2x/dia (pacientes experimentado de IP)
Pediátrico (4 semanas a 18 anos): < 11 kg = 45 mg/kg FPV + 7 mg/kg RTV;
11-14 kg = 30 mg/ FPV + 3 mg/kg RTV; 15-19 kg = 23 mg/kg FPV + 3 mg/kg RTV;
≥ 20 kg = 18 mg/kg FPV + 3 mg/kg RTV (1x/dia). Não deve exceder a dose para adultos
Alimentos: administrar com ou sem alimentos
Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose
Dose diária
Tabela 2. Dosagem recomendada dos antirretrovirais utilizados na prática clínica (continuação)
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Apresentação
400 mg comprimido
25 e 40 mg comprimido
mastigável
150/300 mg comprimido
300/300/150 mg
comprimido
600/300 mg comprimido
Nome genérico
Raltegravir
Lamivudina e
zidovudina
(Combivir)
Abacavir,
zidovudina, e
lamivudina
(Trizivir)
Abacavir e
lamivudina
1 comprimido 1x/dia
1 comprimido 2x/dia
1 comprimido 2x/dia
Combinações
Tabela continua
Adultos: 400 mg ou 800 mg (com rifampicina) 2x/dia
Pediátrico: 2-6 anos: 10-13 kg = 75 mg comprimido ou 3 x 25 mg comprimido mastigável;
14-19 kg = 100 mg comprimido ou 1 x 100 mg comprimido mastigável; 20-27 kg = 150 mg
comprimido ou 1,5 x 100 mg comprimido mastigável; 28-39 kg = 200 mg comprimido
ou 2 x 100 mg comprimido mastigável; ≥ 40 kg = 300 mg comprimido ou 3 x 100 mg
comprimido mastigável
Alimentos: administrar com ou sem alimentos
Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose
Inibidores de integrase
Pediátrico: ainda não aprovado pelo FDA
Alimentos: administrar com ou sem alimentos
Insuficiência renal:
Clearence de creatinina ≥ 30 ml/min: sem ajuste de dose
Clearence de creatinina ≤ 30 ml/min: 300 mg 2x/dia (sem potentes inibidores ou
indutores de CYP3A)
Doença renal terminal ou hemodiálise: 300 mg 2x/dia (sem potentes inibidores ou
indutores de CYP3A
Dose diária
Tabela 2. Dosagem recomendada dos antirretrovirais utilizados na prática clínica (continuação)
Classificação dos antirretrovirais
123
124
300/200 mg cápsula
600/200/300 mg
comprimido
200/25/300 mg
comprimido
Tenofovir
disoproxil
fumarato e
entricitabina
(Truvada)
Efavirenz,
entricitabina e
tenofovir
disoproxil
fumarato
(Atripla)
Entricitabina,
rilpivirina e
tenofovir
disoproxil
fumarato
(Complera)
1 comprimido 1x/dia
1 comprimido à noite
Alimentos: administrar com estômago vazio de preferência
1 cápsula 1x/dia
Insuficiência renal:
Clearence de creatinina ≥ 50 ml/min: sem ajuste de dose
Clearence de creatinina 30-49 ml/min: 1 cápsula a cada 48h
Clearence de creatinina < 30 ml/min: desconhecido; não usar esta combinação
Dose diária
Adaptado de Bartlett, J.G.; et al. Medical Management of HIV infection 2009-2010. 15th edition, Johns Hopkins University School of Medicine.
Bulas mais recentes de cada medicamento, consultadas em 03 de junho de 2012.
Guidelines for the Management of Chronic Kidney Disease in HIV-Infected Patients: Recommendations of the HIV Medicine Association of the Infectious Diseases Society of America;
Samir K. Gupta, Joseph A. Eustace, Jonathan A. Winston, Ivy I. Boydstun, Tejinder S. Ahuja, Rudolph A. Rodriguez, Karen T. Tashima, Michelle Roland, Nora Franceschini, Frank
J. Palella, Jeffrey L. Lennox, Paul E. Klotman, Sharon A. Nachman, Stephen D. Hall, Lynda A. Szczech; Guidelines for Management of Chronic Kidney Disease in HIV/AIDS. CID
2005:40,1559-85.
Apresentação
Nome genérico
Tabela 2. Dosagem recomendada dos antirretrovirais utilizados na prática clínica (continuação)
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Classificação dos antirretrovirais
O ABC apresenta meia-vida de até 21h, permitindo dose única diária. O EA mais importante é a síndrome de hipersensibilidade que acomete indivíduos HLAB57+, caracterizada por febre, dor abdominal, náuseas, exantema maculopapular, mal-estar ou fadiga e
queixas respiratórias (tosse, faringite, dispneia), aparecendo em média 11 dias após o início
do tratamento. Caso haja essa reação, o ABC deve ser interrompido e não deve ser mais
reintroduzido devido à possibilidade de hipotensão e risco de morte. Não é associado a interações medicamentosas significativas, mas doses altas de etanol (0,7 g/kg) retardam a sua
eliminação, podendo aumentar a toxicidade. Dados associando o ABC a risco de doença
cardiovascular foram publicados; porém, não foram confirmados em outras pesquisas.
O TDF é aprovado para o tratamento da infecção pelo HIV-1, HIV-2 e HBV em adultos
e crianças acima de dois anos. Recentes estudos clínicos demonstraram a eficácia de seu
uso associado ao FTC (Truvada) na prevenção da infecção pelo HIV (PrEP), sendo esta combinação aprovada nos EUA como PrEP em homens que fazem sexo com homens (MSM)
com alto risco de adquirir o vírus. O TDF pode ser administrado apenas uma vez ao dia, é
eliminado tanto por filtração glomerular quanto por secreção tubular ativa e necessita
correção de dose se a função renal estiver reduzida. Leve declínio do clearence de creatinina pode ocorrer em alguns pacientes, e raramente ocorrem acidose tubular aguda
(síndrome de Fanconi) e nefropatia perdedora de potássio, condições cujo diagnóstico
precoce é de extrema importância, por serem reversíveis se a interrupção da droga se der
em tempo hábil. Cansaço, anemia e glicosúria, na ausência de hiperglicemia, são sinais
de alerta, e os pacientes devem ser monitorados pelo menos duas vezes por ano (cálculo
estimado da função glomerular, fósforo sérico e pesquisa de glicosúria e proteinúria).
Também foi encontrada associação de uso do TDF com decréscimo da densidade mineral
óssea, especialmente nos dois primeiros anos de exposição. Pacientes com histórico de
fraturas patológicas ou com outros fatores de risco para osteoporose e perda óssea devem
ser monitorados, bem como aqueles com mais de 50 anos. Fármacos que reduzem a
função renal ou competem pela secreção tubular ativa podem aumentar a concentração
sérica de TDF e/ou aumentar a concentração de outros compostos eliminados por via renal
(cidofovir, aciclovir, valaciclovir, ganciclovir e valganciclovir).
O FTC é um análogo quimicamente relacionado ao 3TC, apresentando muitas de suas
propriedades farmacodinâmicas e sendo ativo também contra o HBV. O FTC não está
registrado no Brasil como formulação isolada e é mais frequentemente usado na apresentação coformulada com TDF (Truvada). Seu uso prolongado está associado à hiperpigmentação da pele, especialmente em áreas expostas ao sol.
Inibidores da Protease
Em 1995, a aprovação dos IPs possibilitou a primeira combinação de medicamentos
de diferentes classes para o tratamento da infecção pelo HIV que ficou conhecida como
terapia antirretroviral altamente potente (HAART).
Os medicamentos dessa classe atuam bloqueando o processo final de clivagem da
protease viral antes da saída do vírus da célula, resultando em produção de vírus incompletos e incapazes de infectar novas células.
125
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 3. Interações medicamentosas significativas dos ARVs
Antirretroviral
ARVs contraindicados
Medicamentos contraindicados
ABC
Precaução com TPV por
diminuição dos níveis
séricos do ABC
N/A
ATV
IDV
ETV
NVP
Evitar com EFV
TPV (não recomendado)
Astemizol
Bepridil
Bosentana (ATV sem booster)
Diidroergotamina
Ergotamina
Esomeprazol
Flecainida
Irinotecam
Lansoprazol
Lumefantrina
Omeprazol
Pantoprazol
Propafenona
Quinidina
Rabeprazol
Rifampicina
Terfenadina
Sildenafil (hipertensão arterial
pulmonar)
DRV
LPV/r
SQV
Amiodarona
Bepridil
Ecstasy (MDMA)
Fenobarbital
Fenitoína
Fluticasona inalada
Lidocaina sistêmica
Metanfetamina
Quinidina
Rifampicina
Sertindol
Sildenafil (hipertensão arterial
pulmonar)
ddI
d4T
TDF
Alupurinol
Hidroxiurea
Ribavirina
EFV
ETV
SQV sem RTV
Amodiaquina
Astemizol
Bepridil
Cisaprida
Diidroergotamina
Ergotamina
Ergometrina
Erva de São João (Hypericum
perforatum)
Midazolam (oral e parenteral)
Tabela continua
126
Classificação dos antirretrovirais
Tabela 3. Interações medicamentosas significativas dos ARVs (continuação)
Antirretroviral
ARVs contraindicados
Medicamentos contraindicados
Pimozida
Terfenadina
Triazolam
Voriconazol (ajustar dose)
FTC
3TC
N/A
d4T
ZDV
ddI
Doxorrubicina (recomenda-se o uso
com controle estreito da carga
viral)
Hidroxiurea
ETV
NNRTI
IP sem RTV
TPV + RTV
f-AMP + RTV
ATV + RTV
Astemizol
Carbamazepina
Diidroergotamina
Ergotamina
Ergometrina
Erva de São João (Hypericum
perforatum)
Fenitoína
Fenobarbital
Rifampicina
Rifapentina
Terfenadina
f-AMP
ETV
LPV/r
TPV
Amiodarona
Bepridil
Flecainida
Propafenona
Qunidina
Rifampicina
IP medicamentos
não
recomendados
em associação
a todos os
ARVs desta
classe
N/A
Astemizol
Cisaprida
Colchicina (caso de insuficiência
renal ou hepática)
Dabigatran
Diidroergotamina
Erva de São João (Hypericum
perforatum)
Ergotamina
Ergometrina
Halofantrina
Lecarnidipina
Lovastatina
Midazolam (oral)
Pimozida
Rivaroxaban
Sinvastatina
Triazolam
3TC
FTC
Cotrimoxazol (doses altas)
Precauções com fármacos
eliminados por via renal
Tabela continua
127
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 3. Interações medicamentosas significativas dos ARVs (continuação)
Antirretroviral
ARVs contraindicados
Medicamentos contraindicados
LOP
DRV
f-AMP
TPV
Amiodarona
Ecstasy (MDMA)
Flecainida
Metanfetamina
Rifampicina
Sildenafil (Hipertensão Arterial
Pulmonar)
MVC
Verificar dose de acordo
com o AR
Erva de São João (Hypericum
perforatum
NVP
ATV
ETV
Cetoconazol
Erva de São João (Hypericum
perforatum)
Itraconazol
Rifampicina
RAL
N/A
N/A
RPV
N/A
Carbamazepina
Dexametasona
Erva de São João (Hypericum
perforatum)
Esomeprazol
Fenitoína
Fenobarbital
Lansoprazol
Omeprazol
Oxcarbazepina
Pantoprazol
Rabeprazol
Rifabutina
Rifampicina
Rifapentina
RTV
N/A
Amiodarona
Alfuzosin
Bepridil
Disulfiram (com RTV CAP)
Extasy (MDMA)
Flecainida
Metanfetamina
Metronidazol (com RTV CAP)
Piroxicam
Propafenona
Quinidina
Sildenafil (Hipertensão Arterial
Pulmonar)
Voriconazol (quando RTV 400mg
2x/dia)
SQV
DRV
TPV
Alfuzosin
Alho (suplemento)
Tabela continua
128
Classificação dos antirretrovirais
Tabela 3. Interações medicamentosas significativas dos ARVs (continuação)
Antirretroviral
ARVs contraindicados
Medicamentos contraindicados
Amiodarona
Bepridil
Flecainida
Propafenona
Quinidina
Rifampicina
TDF
ATV sem RTV (booster)
ddI (ajustar dose de ddI)
Adefovir
TPV
ETV
F-AMP
LPV/r
SQV
Amiodarona
Bepridil
Ecstasy (MDMA)
Flecainida
Fluticasona inalada
Lumefantrina
Metanfetamina
Metoprolol
Propafenona
Quinidina
Rifampicina
Sildenafil (Hipertensão Arterial
Pulmonar)
ZDV
d4T
Precaução com uso de TPV
por diminuir os níveis
séricos da ZDV
Ribavirina
Interferon-α-2a
Adaptado de Panel de expertos de Gesida y Plan Nacional sobre el Sida. Documento de consenso Gesilda/ Plan Nacional
sobre el Sida respecto al tratamiento antirretroviral en adultos infectados por el virus de la immunodeficiencia humana
(actualización enero 2011). Enferm Infecc Microbiol Clin 2011;29(3): 209.e1-209.e103.
Bartlett, J.G.; et al. Medical Management of HIV infection 2009-2010. 15th edition, Johns Hopkins University School of
medicine.
http://hivinsite.ucsf.edu/InSite?page=md-rr-24, acessado em 28 de maio de 2012.
http://www.hiv-druginteractions.org/Interactions.aspx, acessado em 28 de maio de 2012.
Os IPs apresentam diferentes graus e tipos de interferência nas CYP hepáticas e intestinais, e sua depuração é feita principalmente por metabolismo oxidativo hepático.
A classe tem grande potencial de interações medicamentosas e de causar alterações
metabólicas (dislipidemias, lipodistrofia e diabetes). Diferentes distúrbios cardíacos (prolongamento dos intervalos PR e QT até bloqueio cardíaco completo) e casos de anemia hemolítica podem ocorrer especialmente quando outras drogas que atuam no CYP são associadas aos IP. Sintomas gastrintestinais (GI) como náuseas, vômitos, desconforto
abdominal, flatulência e diarréia são comuns a praticamente todos os IP e regridem geralmente em até 4 semanas após seu início. Toxicidade hepática ocorre com maior freqüência entre pacientes apresentando co-infecção com hepatites virais. O metabolismo
envolvendo CYP hepáticos é importante também para interações entre substâncias fitoterápicas, como a erva de São João (Hypericum perforatum) usada para depressão, que
reduz substancialmente os níveis de IP. No sentido oposto, os Inibidores da HMG-CoA
129
130
Fabricante
Bristol
Tobira
Chimerix
Gilead
GSK
ViiV/
Shionogi
Gilead
BMS
Gilead
GSK
Potencial
Fármaco
BMS-663068
Cenicriviroc
(TBR-652)
CMX-157
Cobicistat
(GS 9350)
CTP-518
Dolutegravir
(GSK-1349572)
Elvitegravir
Festinavir
(OBP-601)
GS-7340
GSK2248761
(IDX-12899)
ITRNN
Pro-farmaco do TDF
ITRN smilar a d4T, mas
com menor toxicidade
INI
INI
IP
Indutor farmacocinético
ITRN análogo ao TDF
Inibidor de CCR5
Inibidor de adesão
Classe de AR
Tabela 4. Medicamentos ARV em desenvolvimento
Fase II
Fase II
Fase II
Fase III
Fase II
Fase I
Fase III
Fase II
Fase II
Fase II
Status
Tabela continua
GSK notificou ao FDA que a pesquisa estava
temporariamente suspensa devido à toxicidade
(4 casos de epilepsia)
Estudos sobre potencialização com Cobicistat e sobre
co-formulação com FTC, DRV e cobicistat, permitindo
dose única de um comprimido
–
Em estudo também a co-formulação TDF + FTC +
Elvitegravir + Cobicistat
Desenhado para ser eficaz contra HIV resistente a RAL.
Em estudo também a co-formulação com ABC e 3TC,
comprimido de dose única
IP baseado no deuterium
Há estudos para avaliar o papel potencializador sobre
diversos AR, incluindo ATV, DRV, elvitegravir e
GS-7340
Poucos dados de Fase I divulgados na literatura
Em estudo o uso associado a TDF/FTC com ou sem EFV
em virgens de TAR
Inibe a gp120, proteína da superfície do HIV envolvida
na adesão do vírus ao receptor CD4 da superfície
celular
Comentário
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
TaiMed
bilogicals
ViiV
MSD
MSD
Pfizer/ViiV
Sequoia
Tibotec
Tibotec
Ibalizumab
(TMB-355, antigo
TNX-355)
Lersivirina
(UK-453061)
MK-4965
MK-6186
PF-3716539
SPI-251
TMC-310911
TMC-558445
Indutor Farmacocinetico
IP
Indutor Farmacocinetico
Indutor Farmacocinetico
ITRNN
ITRNN
ITRNN
Anticorpo monoclonal
humanizado IgG4
especifico para CD4
Classe de AR
Fase I
Fase I
Fase II
Fase I
In vitro
In vitro
Fase II
Fase IIb
Status
–
–
–
Sem atualizacoes desde que foi adiquirido pela ViiV
Nova geração de ITRNN; análogo de piridona
Nova geração de ITRNN; análogo de piridona
–
Anticorpo monoclonal humano IgG4 CD4 específico,
administrado a cada duas ou quatro semanas
Comentário
Adaptado de http://i-base.info/htb/13395
Gomez R, Jolly S, Williams T, Tucker T, Tynebor R, Vacca J, McGaughey G, Lai MT, Felock P, Munshi V, DeStefano D, Touch S, Miller M, Yan Y, Sanchez R, Liang Y, Paton B,
Wan BL, Anthony N. Design and synthesis of pyridone inhibitors of non-nucleoside reverse transcriptase. Bioorg Med Chem Lett. 2011 Dec 15;21(24):7344-50.
Fabricante
Potencial
Fármaco
Tabela 4. Medicamentos ARV em desenvolvimento
Classificação dos antirretrovirais
131
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
redutase, tais como lovastatina e sinvastatina, apresentam um aumento acentuado de suas
concentrações plasmáticas quando usadas concomitante com IP, bem como os inibidores
da enzima PDE5 (sildenafila, tadalafila e vardenafila), com grande risco de toxicidade.
O saquinavir (SQV) é disponibilizado em cápsulas gelatinosas, e o uso potencializado
por baixas doses de ritonavir (RTV) permite sua administração uma ou duas vezes ao dia.
Primeiro IP disponibilizado comercialmente, ainda é empregado nos países em desenvolvimento em TARV de resgate, devido à disponibilidade do genérico, de menor custo;
porém, vem sendo progressivamente substituído por IP de maior comodidade posológica.
O uso concomitante de rifampicina e doses aumentadas de SQV/RTV foi preconizado; no
entanto, está associado a maior risco de hepatoxicidade, grande intolerância GI e difícil
adesão.
O RTV não é mais utilizado como IP para tratamento, mas sim como um indutor farmacocinético (potencializador ou booster) por ser um potente inibidor de CYP3A4. Esta
inibição proporciona maiores níveis séricos e/ou menor eliminação dos outros IPs, resultando em níveis mais estáveis desses. A recomendação atual de uso dos demais IPs é de
que sejam administrados com no mínimo 100 mg de RTV a cada tomada. A formulação
em comprimidos, recentemente disponibilizada, não requer refrigeração, tornando seu uso
mais prático. Os EA GI podem ser reduzidos se o RTV for administrado com alimentos. O
RTV causa elevações dose-dependentes de colesterol e de triglicerideos e outros sinais de
lipodistrofia, o que pode aumentar a longo prazo o risco de aterosclerose. O RTV é o mais
potente inibidor de CYP3A4 conhecido, exigindo precaução quando coadministrado com
fármacos de baixo índice terapêutico, como midazolam, triazolam, fentanil e derivados de
ergot. Cápsulas de RTV contêm álcool, não podendo ser administradas com disulfiram ou
metronidazol devido ao risco de reação antabuse, mas os comprimidos não têm este inconveniente.
O indinavir (IDV) é hoje pouco utilizado devido principalmente a efeitos colaterais, como
cristalúria e nefrolitíase. O IDV não é mais considerado como opção para TARV em nosso
meio, assim como o nelfinavir (NFV), ambos sem vantagens frente aos demais IPs.
O fosamprenavir (f-APV) é o pró-fármaco fosfonoxi do amprenavir (APV), IP a partir do
qual foi desenvolvido, permitindo redução significativa do número de cápsulas por tomada e uso em dose única diária para pacientes virgens de IP, potencializado por RTV. Estudos clínicos demonstraram a efetividade a longo prazo no tratamento de pacientes virgens
de TARV e nos experimentados. Os EAs mais comuns são GI, podendo-se observar também
hiperglicemia e exantema.
O lopinavir (LPV) é um IP estruturalmente similar ao RTV, mas 3-10 vezes mais
potente na inibição do HIV-1 in vitro. É o único IP disponível em coformulação com
baixa dose de RTV, o que facilita a adesão ao tratamento, apresentando potente atividade antirretroviral tanto no tratamento inicial quanto em pacientes que falharam a
esquemas prévios contendo outros IPs. Nos países desenvolvidos, é atualmente considerado como opção alternativa devido aos seus EAs metabólicos; porém, é amplamente usado nos países em desenvolvimento por ter menor custo que os IPs mais recentemente disponibilizados. A formulação em solução oral permite o uso em crianças a
partir de 14 dias de idade. Diarreia é a queixa mais frequente e pode ter caráter crônico,
o que muitas vezes leva à sua interrupção. Alterações laboratoriais que podem ocorrer são
132
Classificação dos antirretrovirais
aumento de colesterol total e dos triglicerídeos. Seu uso com rifampicina na coinfecção
com tuberculose é possível, mas de difícil tolerabilidade e adesão, uma vez que doses
maiores de RTV são necessárias.
A combinação de atazanavir (ATV) e RTV mostrou-se eficaz em estudos clínicos, permitindo seu uso em pacientes experimentados ou virgens de tratamento. A absorção é
dependente de pH e por isso uso concomitante de inibidores da bomba de próton e de
agentes antiácidos deve ser evitado. O EA mais comum é hiperbilirrubinemia não-conjugada, consequência da inibição UDP-glicuronosil transferase pelo ATV, mais predominante
em pacientes com deficiência desta enzima (Síndrome de Gilbert). Análise de farmacovigilância pós-comercialização identificou outros EA relacionados ao ATV, como colecistite,
colelitíase, colestase e outras anormalidades na função hepática, além de nefrolitíase.
Pacientes em uso de ATV apresentaram menor aumento das taxas de triglicerideos e colesterol que pacientes tratados com NFV, LPV e EFV. O ATV é um inibidor moderado da
enzima UGT 1A1, responsável pela metabolização do raltegravir (RAL) e, portanto, aumenta a exposição a esse ARV se usado concomitantemente, mas nenhuma recomendação de
ajuste de dose foi estabelecida, apenas cautela no monitoramento de possíveis toxicidades.
O tipranavir (TPV) é aprovado para uso em pacientes adultos experimentados e em
crianças infectadas por HIV resistente a um ou mais IP. No Brasil, é recomendado apenas
para tratamento de resgate em pacientes pediátricos. O TPV requer maior dose de RTV
(200 mg por dose), sendo este um dos principais inconvenientes do medicamento, aumentando a propensão para dislipidemia e os efeitos GI. Aproximadamente 10% dos
pacientes apresentam exantema devido à porção sulfa na molécula de TPV. Formulações
disponíveis contêm altas concentrações de vitamina E, devendo ser evitados suplementos
contendo essa vitamina. Seu uso foi associado a maior incidência de eventos vasculares
cerebrais.
O darunavir (DRV) apresenta capacidade de se ligar fortemente ao sítio ativo da protease do HIV e tem vantagens quanto aos mecanismos de resistência viral. Aprovado para
uso em adultos e crianças a partir dos seis anos de idade, no Brasil seu uso é restrito a
pacientes em tratamento de resgate e com resistência a outros IPs. Devido à porção sulfa
na molécula, mais de 10% dos pacientes apresentam exantema, geralmente benigno e
reversível. O aumento de lipídeos séricos é observado menos frequentemente durante o
tratamento com DRV que com LPV/RTV. Tem sido associado a episódios de hepatotoxicidade, especialmente em pacientes com hepatites virais.
Inibidores da transcriptase reversa
não análogos de nucleosídeos
Apesar de atuarem de modo semelhante aos ITRNs, os ITRNNs possuem estrutura
química bastante diferente e não requerem fosforização ou processamento intracelular
para se tornarem ativos, inibindo a transcrição reversa do genoma do HIV de modo não
competitivo. Os ARVs dessa classe não são ativos contra o HIV-2, o que limita seu uso nas
regiões onde esse vírus ocorre. Os representantes dessa classe disponíveis são nevirapina
(NVP), efavirenz (EFV), etravirina (ETR) e rilpivirina (RPV).
133
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
São eliminados do organismo por metabolização hepática e diminuem a concentração
plasmática de etinilestradiol e noretindrona, sendo aconselhados outros métodos de contracepção nos pacientes em tratamento com essa classe de AR.
Todos os ITRNNs, com exceção da ETR, são suscetíveis à resistência causada pela alteração de um único aminoácido (normalmente nos códons 103 ou 181). Resistência a ETR
requer mutações especificas ou múltiplas combinações de mutações que em geral são
avaliadas na forma de um score de pontos.
NVP é substrato do CYP3A4, enquanto que EFV é substrato dos CYP 2B6 e 3A4. ETR,
EFV e NVP são potentes indutores de enzimas hepáticas metabolizadoras de fármacos,
como CYP3A4; por isso, interações farmacocinéticas representam potencial para toxicidade. É alta a incidência de exantema, principal EA da classe. Elevação das transaminases
pode ocorrer enquanto que hepatite clínica ocorre com menor frequência. Aumento do
colesterol, lipodistrofia e lipoatrofia são outros EA descritos.
O NVP atravessa bem a placenta, é detectado no leite materno, não tem potencial
teratogênico e tem baixo custo, razões pelas quais é ainda amplamente utilizado na prevenção da transmissão vertical do HIV em países com poucos recursos. O NVP induz o seu
próprio metabolismo e se recomenda iniciar seu uso com metade da dose diária normal
(200 mg) por 14 dias, aumentando para 400 mg ao dia se nenhuma reação adversa tiver
ocorrido. Exantema ocorre em aproximadamente 16% dos pacientes e na maioria dos
casos regride sem interrupção do NVP (necessária em cerca de 7% dos pacientes que
apresentam esse EA), sendo rara a Síndrome de Stevens-Johnson (0,3%). Pode ocorrer
hepatite, mais grave e potencialmente fatal, em pacientes com CD4 > 250 cél/mm3, especialmente durante a gravidez.
As toxicidades mais importantes do EFV são relacionadas ao sistema nervoso central
(SNC). Mais de 53% dos pacientes relatam algum EA desse tipo, apesar de menos de 5%
deles interromperem o uso de EFV por este motivo. Geralmente os sintomas ocorrem
desde a primeira dose do medicamento e duram algumas horas, os mais graves se resolvem em cerca de quatro semanas e incluem tontura, comprometimento da concentração,
disforia, sonhos vívidos e pertubadores, além de insônia. Episódios de franca psicose,
depressão, alucinações e/ou mania foram descritos, bem como pensamentos suicidas;
entretanto, não existe evidência de aumento do risco de suicídio ou comportamento perigoso. Exantema pode ocorrer nas primeiras duas semanas de uso e raramente requer
interrupção. A exposição ao EFV no primeiro trimestre de gestação foi associada à presença de anomalias congênitas, observando-se risco relativo de 0,85 (IC 95% 0,61-1,20) ao
comparar esquemas contendo EFV com esquemas sem esse ARV. Idealmente deve ser
evitado por mulheres que desejam engravidar e no primeiro trimestre da gestação. A rifampicina diminui levemente as concentrações de EFV, mas não interfere em sua eficácia,
podendo ser utilizada no tratamento da coinfecção HIV-tuberculose. Quase todos os IPs
têm suas concentrações reduzidas por EFV, o que em geral é compensado pelo uso de
RTV em baixas doses.
O ETR é aprovado apenas para tratamento de resgate em adultos e crianças acima dos
seis anos de idade e pesando pelo menos 16 kg, devendo ser associado a um IP potencializado por RTV. Pode ser combinado com DRV, LPV e SQV sem necessidade de ajuste
de dose e não deve ser administrado com TPV, f-APV ou ATV, por não haver dados que
134
Classificação dos antirretrovirais
permitam definir a dosagem correta. Precisa ser utilizado em duas tomadas diárias. Exantema foi visto em ensaios clínicos, iniciado poucas semanas após o início do tratamento
e regredindo em 1-3 semanas, resultando em interrupção do uso em 2% dos pacientes.
Síndrome de Stevens-Johnson grave e necrólise epidermal tóxica foram descritos. Neuropatia periférica é outro EA possível.
O RPV está aprovado nos EUA para o tratamento de pacientes adultos virgens de
tratamento. Estudos demonstraram sua não inferioridade comparada ao EFV, porém em
pacientes com carga viral inicial > 100.000 cópias/ml oferece maior risco de desenvolvimento de resistência em caso de falha de tratamento, especialmente se a adesão for inferior a 95%. É bem tolerado e apresenta menos efeitos adversos que o EFV. Doses altas
(75-150 mg) podem ser cardiotóxicas. Fármacos que aumentam o pH gástrico podem
reduzir substancialmente as concentrações séricas de RPV (inibidores da bomba de próton
não devem ser coadministrados, ou devem ser administrados 12h antes ou pelo menos
4h após; antiácidos devem ser administrados 2h antes ou pelo menos 4h depois). Os IPs
aumentam a concentração de RPV e não há dados clínicos desta associação.
Inibidores de fusão
A enfuvirtida é um peptídeo sintético composto por 36 aminoácidos, cuja sequência é
derivada de uma parte da gp41 do HIV-1, envolvida na fusão da membrana viral com a
membrana celular do hospedeiro, processo bloqueado pelo medicamento. É aprovado para
uso em resgate terapêutico de pacientes adultos e de crianças acima dos seis anos de
idade, idealmente associado a um IP ativo ou outro fármaco ativo de nova classe. A via
de eliminação ainda não foi elucidada. É de uso parenteral (subcutâneo), sendo necessárias
duas doses diárias, fatores que dificultam a adesão e limitam o uso desse ARV. Os eventos
adversos mais comuns estão relacionados a reações no local da injeção, que ocorrem em
98% dos pacientes, mas causam interrupção do tratamento em apenas 4-5% deles. Não
é largamente metabolizado nem se conhece interações com outros fármacos.
Antagonistas de correceptores
O interesse no desenvolvimento de fármacos capazes de bloquear o receptor de quimiocina R5, uma proteína de superfície celular que atua como um dos correceptores para
o HIV, surgiu a partir da observação de que pessoas homozigotas para deleção do CCR5
D32 apresentavam resistência contra a infecção por algumas variedades do HIV. O maraviroque (MVC) é aprovado para uso em adultos experimentados ou virgens de TARV com
evidência de infecção por vírus com tropismo para o coreceptor R5, que pode ser identificado pela realização de teste de tropismo viral. Atualmente, é registrado no Brasil apenas
para tratamento de resgate. A eliminação é feita principalmente via CYP3A4. Deve-se
suspeitar de toxicidade hepática se houver aumento de transaminases e exantema associado a sintomas sistêmicos. O MVC é suscetível a complexas interações farmacocinéticas
com indutores ou inibidores do CYP3A4.
135
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Inibidores de integrase
Os INIs bloqueiam a atividade catalítica da integrase do HIV, impedindo a integração
do DNA viral com o cromossomo do hospedeiro. É metabolizado primariamente por glicuronidação e não é indutor, inibidor ou substrato conhecido do CYP450. A eliminação
ocorre predominantemente via glicuronidação pela UGT1A1.
O RAL, único medicamento dessa classe aprovado no momento, pode ser usado por
adultos e crianças maiores de dois anos e pesando pelo menos 10 kg, em TARV inicial ou
de resgate (no Brasil, seu uso está restrito ao resgate). Os EAs mais comuns são insônia,
cefaleia, náuseas, astenia e fadiga, tendo sido relatados mais raramente aumento da creatininocinase, miopatia e rabdomiólise. O RAL é suscetível à interação com inibidores e
indutores de UGT1A1. O ATV, inibidor moderado de UGT1A1, aumenta a área sob a
curva (AUC) do RAL em 41-72%. O TDF aumenta a AUC de RAL em 49%, mas o mecanismo de interação ainda não foi elucidado, nem são recomendados ajustes de doses. Um
estudo clínico envolvendo centros de pesquisa no Brasil e na França se encontra em andamento e está avaliando a eficácia e a segurança de diferentes doses de RAL associadas
à rifampicina em pacientes com infecção por HIV e tuberculose.
Medicamentos em fase de pesquisa
Diversos medicamentos ARV estão em desenvolvimento atualmente. A tabela 4 mostra
os fármacos em pesquisa, assim como a classe que pertencem e a fase de desenvolvimento
em que se encontram.
136
Capítulo 9
Tratamento
antirretroviral inicial
Érico Antônio Gomes de Arruda e Ricardo Sobhie Diaz
Quando iniciar o tratamento?
Para responder essa difícil pergunta, é necessário que entendamos quais são as exatas
consequências da infecção pelo HIV. Há alguns anos, diríamos que a infecção pelo HIV
proporciona uma paulatina e contínua perda da imunidade celular, podendo culminar com
consequente desenvolvimento de manifestações oportunistas, como as infecções e neoplasias relacionadas à AIDS. Esta definição, apesar de correta, é incompleta. Hoje se sabe
que a infecção pelo HIV leva a complexo processo inflamatório, que proporciona envelhecimento prematuro, propiciando uma aceleração na atrofia encefálica com suas consequentes alterações cognitivas, processos ateroscleróticos, insuficiência renal/hepática, osteopenia com fraturas patológicas e outros distúrbios metabólicos relacionados; que
ocorreriam natural e mais lentamente ao longo do envelhecimento normal do ser humano.
A sequência desses eventos patológicos inicia-se no trato gastrintestinal, logo após a infecção primária. O trato gastrintestinal contém o maior reservatório linfoide do corpo
humano, com mais de 50% dos linfócitos, para propiciar a proteção contra patógenos
veiculados pelos alimentos e contra enterobactérias. A destruição do contingente celular
desse órgão é intensa, em uma magnitude em que os níveis periféricos de linfócitos T
CD4+ não conseguem informar. A perda progressiva dessa barreira leva ao processo de
translocação bacteriana, que pode ser detectada pela presença de lipopolissacárides bacterianos (LPS) na circulação sanguínea, com consequente processo inflamatório sistêmico,
que pode ser inferido pelos níveis elevados de provas inflamatórias inespecíficas, como proteína C reativa (PCR) ultrassensível, fibrinogênio, dímero D, interleucina-6 (IL-6), cistatina e,
principalmente, os marcadores de ativação celular1-3.
As células ativadas também proporcionam maior viremia e decréscimo acelerado de
células T CD4+. Os níveis mais baixos de LT CD4+ estão associados à mortalidade por AIDS
e a doença hepática, cardiovascular ou neoplasias não relacionadas à AIDS. Sabe-se atualmente também que a viremia está relacionada, de forma independente, a processos patogênicos. Assim sendo, a mortalidade, de uma forma geral, entre os pacientes infectados
pelo HIV, é diretamente proporcional aos níveis de carga viral, bem como as mortalidades
137
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Risco ajustado (95% IC)
10
5
Geral
AIDS
Fígado
Doença cardiovascular
Neoplasia não
relacionado a AIDS
1
0.5
0.1
CD4
< 2,6
Por incremento
de 100 células
> 2,6
<4
4-5
>5
Carga viral
(log c/ml)
Figura 1. Risco de morte de acordo com os níveis de CD4 e carga viral (adaptado de C. Smith4).
por AIDS, doença hepática e cardiovascular (Fig. 1)4. Apesar de não ser identificada como
causa de mortalidade, doença renal também se encontra associada a baixos níveis de CD4
e/ou viremia5. As neoplasias não relacionadas à AIDS que acometem os indivíduos com
baixos níveis de CD4 são as pulmonares6 e as ginecológicas7.
Há que se destacar que alguns indivíduos não recuperam os níveis normais de CD4, a
despeito do tratamento virologicamente eficaz. A dificuldade na recuperação dos níveis
de CD4, por ocasião do tratamento, é dependente de dois fatores: o nadir de CD4 ao
início da terapia e a idade, como visto nas figuras 2 e 38,9. Desta forma, quanto mais
1.000
800
≥ 500
600
350-500
200-350
400
50-200
<50
200
0
0
48
96
144
192
240
288
336
Semanas após início do TARV
Figura 2. Probabilidade de obtenção de níveis normais de CD4 dependendo dos níveis de CD4
no início do tratamento. Resultados do ATHENA National Cohort (adaptado de Grass, et al. 2007).
138
Média do CD4
Tratamento antirretroviral inicial
1.100
1.000
900
800
700
600
500
400
300
200
100
0
≥ 500
350-500
200-350
50-200
< 50
0
1
2
3
4
5
6
7
Anos após o início do HAART
Figura 3. Incremento de CD4 a partir do início do TARV. As linhas sólidas replesentam
indivíduos com menos de 50 anos de idade e as tracejadas os com mais de 50 anos.
Resultados do ATHENA National Cohort (adaptado de Grass, et al. 2007).
baixo o nadir, menores os níveis finais de CD4 após o tratamento. De forma geral, pode-se especular que as pessoas que atingem CD4 muito baixo, após longo período de infecção e replicação viral contínua, têm maior fibrose de linfonodos e reservatórios celulares,
propiciando uma exaustão definitiva deste contingente linfocitário. As pessoas que apresentam queda de CD4 mais rápida teriam hipoteticamente a condição de recuperação dos
níveis normais ou próximos do normal mais rapidamente, com consequente risco de síndrome de reconstituição imune.
Aparentemente, as pessoas com mais de 50 anos apresentam também maior dificuldade para o incremento do CD4, quando comparadas aos indivíduos mais jovens9, risco
este também evidenciado na maior chance de ocorrência de eventos relacionados à AIDS
e maior mortalidade, a despeito do tratamento efetivo10.
Infelizmente, o tratamento efetivo da infecção pelo HIV não elimina riscos mais elevados de mortalidade ou processos degenerativos, quando comparados à população não
infectada pelo HIV. Assim sendo, pessoas tratadas que apresentam carga viral inferior
aos níveis de detecção continuam apresentando maior incidência de doença cardiovascular11, neoplasias não relacionadas à AIDS, osteopenia e fraturas ósseas12,13, insuficiência hepática14, insuficiência renal, declínio cognitivo15 ou lassidão16. De fato, apesar de
a ativação celular diminuir entre indivíduos infectados pelo HIV sob tratamento antirretroviral (TARV) que propicie carga viral indetectável, esta ativação celular continua ainda
sendo, em média, mais elevada do que a ativação celular encontrada em pessoas não
infectadas pelo HIV (Fig. 4)17.
A expectativa de vida das pessoas infectadas pelo HIV vai depender do nível de CD4
por ocasião do início do TARV. Se um indivíduo com 20 anos de idade iniciar o TARV com
níveis de CD4 inferiores a 100, sua expectativa de vida será de 32 anos18. Se o início
do tratamento se der com níveis de CD4 entre 100 e 200, esta expectativa aumentará
para 42 anos. Já com níveis de CD4 superiores a 200 na ocasião do início de tratamento, a expectativa de vida se eleva para 50 anos. É possível que o início do tratamento em
139
% CD38+ HLA-DR+CD8
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
75
p < 0,001
p < 0,001
50
25
0
HIV+
Não tratado
n = 13
HIV+
Não tratado
n = 99
HIV–
n=6
Figura 4. Ativação imune e infecção pelo HIV, conforme mensurado pela % de CD38, HLA-DR+
em células CD8. Comparação entre os infectados pelo HIV sem antirretrovirais, infectados
tratados com carga viral indetectável e os não infectados pelo HIV (adaptado de Hunt, et al.17).
pacientes que apresentam níveis de CD4 realmente elevados possa levar a uma sobrevida
bastante semelhante a dos indivíduos não infetados pelo HIV. Como demonstrado na
observação da coorte AQUITAINE, a mortalidade entre pessoas que iniciam tratamento
com níveis de CD4 superiores a 500 é semelhante ao da população geral não infectada
até o sexto ano de TARV19.
Desta forma, a partir dos resultados aqui apresentados, as diretrizes sobre quando
iniciar o tratamento têm-se alterado em todo o mundo, com a evidente tendência em
recomendar o início de tratamento mais precocemente, ou seja, com níveis de CD4 mais
elevados (Tabelas 1 e 2). Entre os fatores que mais influenciam a decisão de médicos e
pacientes para que o tratamento não seja iniciado precocemente estão, obviamente, o
fato da necessidade de uso de medicação diariamente, por período de tempo que hoje é
considerado como sendo pela vida toda. Além disso, a toxicidade, o risco de emergência
de variantes do HIV-1 com resistência aos antirretrovirais e, para alguns gestores ou em
algumas situações, o custo financeiro do tratamento.
Aparentemente, o “peso” do tratamento está diminuindo atualmente. Isto se deve ao
fato de que as opções de medicamentos usados atualmente no tratamento inicial apresentam combinações que são mais potentes, duráveis e seguras em relação aos efeitos
adversos e menos complexas. Em alguns locais do mundo, o tratamento inicial pode ser
instituído com uma única pílula diária, contendo a associação de tenofovir (TDF), emtricitabina (FTC) e efavirenz (EFV), medicamento este denominado Atripla. Outras características dos tratamentos iniciais atuais são a menor chance de emergência de vírus resistentes
e maior número de opções subsequentes. A análise de mais de 30.000 pacientes em
tratamento a partir do estudo NA-ACCORD revela uma tremenda queda na proporção de
pacientes experimentando mais do que duas falhas virológicas, como visto na figura 520.
Isso se deve especialmente ao fenômeno do uso de inibidores de protease (IPs), com o
incremento proporcionado pelo ritonavir (RTV), posto que, nestes casos, não costuma
140
Tratamento antirretroviral inicial
Tabela 1. Recomendação de TARV de acordo com as diversas diretrizes mundiais
Consenso Brasileiro
2012*
EACS 2011†
Condições
Clínicas e/ou CD4
Recomendações
Sintomáticos ou
CD4<350
Tratamento recomendado
CD4 350-500
Tratamento recomendado
CD4>500
Recomendar/considerar/oferecer o
tratamento em algumas situações clínicas
CD4<350
Tratamento recomendado
CD4 350-500
Tratamento recomendado
Tratamento deve ser considerado
DHHS 2012‡
CD4>500
Oferecer tratamento se pelo menos 1 dos
critérios§
CD4<350 ou aids
Tratamento recomendado
Gravidez
Tratamento recomendado
Nefropatia do HIV
Tratamento recomendado
HBV necessitando
de tratamento
Tratamento recomendado
CD4 350-500
Tratamento recomendado
CD4 >500
Tratamento recomendado
*http://www.aids.gov.br/publicacao/2012/consenso-adulto-2012
†www.europeanaidsclinicalsociety.org/images/stories/EACS-Pdf/EACSGuidelines-v6.0-English.pdf
‡www.aidsinfo.nih.gov/contentfiles/lvguidelines/adultandadolescentgl.pdf
§Infecçoes por HCV ou HBV, nefropatia relacionada ao HIV ou outras deficiências orgânicas.
CV > 100.000, declínio de CD4 >50 cel/ano, idade >50 anos, gravidez, risco cardiovascular elevado, neoplasias.
ocorrer resistência aos IPs, por ocasião da falha, e a incidência de resistência aos análogos
aos nucleosídeos também se reduz21. Outros fatores a favor de início do tratamento mais
precocemente estão o acúmulo de conhecimento sobre os fatores deletérios relacionados
à viremia do HIV e a diminuição do risco de transmissão do HIV entre os pacientes tratados, este último especialmente interessante na abordagem de casais discordantes. Hipoteticamente, com a carga viral indetectável, os riscos de transmissão do HIV estariam
muito próximos a zero22. Mais recentemente, resultados de modelagem matemática sugeriram que, se testada toda a população e prontamente instituído o tratamento aos infectados,
poderia abolir-se a transmissão do vírus e, desta forma, erradicar a epidemia pelo HIV23. Esta
abordagem tem sido conhecida como “testar e tratar” e vem sendo implementada como
pesquisa em comunidades fechadas pequenas.
Arbitrariamente, mas com grande aplicabilidade clínica, podemos dividir os pacientes
infectados pelo HIV em três grupos:
–Sintomáticos, independentemente do valor de CD4+, e assintomáticos com CD4+
< 350 cél/mm3;
141
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 2. Recomendações de tratamento antirretroviral de acordo com as diretrizes do Brasil
Status clínico e imunológico
Recomendação
Sintomáticos
– Independentemente da contagem de CD4
Iniciar TARV
Assintomáticos
– Contagem CD4 ≤ 500 cels/mm3
– Contagem CD4 > 500 cel/mm3
• Coinfecção pela hepatite B e com indicação de
tratamento da hepatite
• Pacientes com risco elevado ou doença cardiovascular
• Pacientes com neoplasias que necessitam de
tratamento imunossupressor
– Sem contagem de CD4 disponível
Iniciar TARV
Iniciar TARV
Considerar início de TARV
Considerar início de TARV
Não iniciar TARV
Gestantes
– Independente da contagem de CD4
Iniciar TARV
Paciente com parceria sorodiscordante
– Independentemente da contagem de CD4
Oferecer TARV, para redução
da transmissibilidade do HIV
Incidência por 100 pessoas/anos
–Assintomáticos com CD4+ entre 350 e 500 cél/mm3;
–Assintomáticos com CD4+ > 500 cél/mm3.
Os pacientes do grupo 1 necessitam de tratamento imediato e há várias e robustas
informações que sustentam, indubitavelmente, o benefício dessa intervenção, inclusive
com ensaios clínicos randomizados (ECR)24.
120
113,8
80
70,7
60
41,5
17,9
30
15,1
0
1996-97
1998-99
2000-01
2002-03
2004-05
Ano
Figura 5. Proporção de pacientes apresentando falha a mais de dois esquemas antirretrovirais
distintos. Resultados do NA-ACCORD < 2009 com análise de mais de 30.000 pessoas em
tratamento.
142
Tratamento antirretroviral inicial
Os paciente do grupo 2, para maioria dos guias Internacionais, devem iniciar terapia,
especialmente se apresentam alguma comorbidade associada, como hepatites virais, nefropatia relacionada ao HIV, idade maior que 50-55 anos, doença cardiovascular instalada
ou alto risco para mesma. A maior quantidade de dados provém de estudos prospectivos
com grandes grupos de pacientes, acompanhados ao longo de certo período (coortes de
pacientes), em países desenvolvidos25,26. Há uma subanálise, inicialmente não prevista no
desenho do estudo, originária de um ECR27, que mostrou benefício em iniciar o tratamento com CD4 maior que 350 cél/mm3. Um estudo mais recente, HTP052, randomizado, também evidenciou menos eventos no grupo de pacientes tratados com CD4 entre
350 e 550, em comparação ao grupo no qual o tratamento foi postergado até um CD4
menor que 35028.
Para o terceiro grupo descrito acima, a maioria dos guias não recomenda tratamento.
Aqueles que o recomendam admitem tratar-se de opinião de especialistas, menos embasadas em evidências clínicas (DHHS Guideline, 2012, http://www.aidsinfo.nih.gov/contentfiles/lvguidelines/adultandadolescentgl.pdf). Os mesmos estudos de coortes que
subsidiam o tratamento com CD4 entre 350 e 500 cél/mm3 têm permitido considerar o
início de tratamento ainda mais precoce.
Desta forma, o estudo conhecido como NA-ACCORD avaliou 9.174 pacientes nos EUA
e Canadá e demonstrou que a mortalidade era inferior naqueles que iniciavam o tratamento com níveis de CD4 superiores a 500 (p < 0,001). Esse estudo tem algumas dificuldades de avaliação, por ser observacional, não controlado, com grandes perdas quanto às causas de morte e com uma discussão internacional quanto à correta análise
estatística dos dados. Mesmo assim, ajustando a análise para fatores que pudessem
afetar a decisão para iniciar o tratamento (incluindo motivação pessoal) ou quando se
ajusta para gênero, idade, carga viral, ou ainda quando se excluem os usuários de drogas
injetáveis, a mortalidade continua sendo inferior quando se inicia o tratamento com níveis
de CD4 superiores a 50026.
A cura, apesar das perspectivas concretas, desde o relato do caso do “paciente de
Berlim”29, ainda não está de fato disponível. Por isso, o tratamento da infecção é por
longo período e, talvez, por toda vida. Ademais, os medicamentos têm efeitos adversos, alguns potencialmente graves. Dessa combinação de fatores, contrapostos aos
benefícios clínicos e laboratoriais (marcadores de desfecho clínico, como contagem
de CD4+ e viremia), é que se busca a correta equação para a definição do melhor
momento para início do tratamento, que tem-se mostrado útil quando iniciado cada
vez mais precocemente.
Com que medicamentos iniciar
o tratamento antirretroviral?
Desde o princípio, com a disponibilização de
mento aprovado para uso clínico, em 1986, a
tratamento e com que medicamentos tornou-se
mendações sobre abordagem clínica de pessoas
zidovudina (AZT) como primeiro medicadecisão sobre o momento do início do
um dos campos mais mutáveis das recoinfectadas pelo HIV. É nesse cenário que
143
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Pacientes sem falha
virológica (%)
100
80
83,4 85,3
89,0 89,8
ATV/RTV
EFV
60
40
20
0
ABC/3TC
TDF/FTC
Figura 6. ACTG 5202: falha virológica aos antirretrovirais após 96 semanas de tratamento nos
grupos tratados com EFV ou ATV/RTV em comparação a grupos que utilizam ABV/3TC ou TDF/FTC.
melhores definições foram sendo elaboradas a partir de sólidas informações oriundas de
estudos clínicos, muitos dos quais ECR. Ressalta-se que importantes questões desse aspecto ainda não foram de todo compreendidas e outras pesquisas estão em andamento para
oferecer melhores respostas.
Entre seis classes de antirretrovirais atualmente disponíveis (inibidores de transcriptase
reversa análogos de nucleosídeos; inibidores de transcriptase reversa não análogos de
nucleosídeos; IPs; inibidores de integrase; inibidor de entrada e inibidor de fusão), cinco
destas (as primeiras ordenadas) são elencadas como opções para terapia inicial, com grande variedade de medicamentos e combinações possíveis.
A diretriz americana do Department of Health and Human Services (DHHS) de 2012
sugere os esquemas iniciais preferenciais com base no que eles consideram como os esquemas com “eficácia ótima e durável”, “perfis de tolerabilidade e toxicidade favoráveis” e “uso fácil”. Para isto, sugerem que o tratamento inicial contenha duas classes
de medicamentos em uma combinação de três medicamentos, sendo que dois destes
seriam análogos aos nucleosídeos. Sugere o DHHS que os análogos aos nucleosídeos
contenham a associação de TDF e FTC com um terceiro medicamento que poderia ser o
EFV, um IP com RTV, como o atazanavir (ATV) ou darunavir, ou um inibidor da integrase,
no caso o raltegravir.
Cabe destacar um dos resultados recentes mais interessantes, que foi divulgado pelo
ACTG 520230. Este estudo não foi patrocinado pela indústria farmacêutica, mas sim pelo
National Institute of Health americano. Tratava-se de um ECR que avaliou prospectivamente 1.857 indivíduos, alocados para tratamento com TDF/FTC ou abacavir (ABV)/lamivudina
(3TC), tendo como terceiro medicamento EFV ou ATV/RTV, perfazendo quatro braços de
estudo. Os resultados revelaram não haver diferença no desempenho entre os braços
com ATV/RTV ou EFV nos resultados gerais ou quando se analisavam separadamente os
braços onde eram usados TDF/FTC ou ABV/3TC (Fig. 6). Já na comparação entre o desempenho dos braços do TDF/FTC ou ABV/3TC, documentou-se vantagem da dupla TDF/FTC.
144
Tratamento antirretroviral inicial
Esta vantagem foi irrelevante quando a carga viral na triagem do estudo era inferior a
100.000 cópias/ml, mas o tempo para a falha era significantemente menor na dupla
ABV/3TC quando a carga viral era elevada. Interessante questionar sobre o porquê disto, já
que a potência destes análogos aos nucleosídeos é semelhante. Uma possibilidade não comentada no artigo original seria que a mutação que emergiria primeiramente, a qualquer um
dos esquemas, é a mutação M184V, que é igualmente selecionada pelo 3TC ou FTC. Isto
ocorrendo, como se sabe, levaria à perda parcial da eficácia do ABV pela resistência cruzada,
enquanto o TDF aumentaria a sua atividade. Seria possível inferir, portanto, que a barreira genética da “dupla” ABV/3TC seria inferior à da TDF/3TC. Obviamente, a chance de
aparecimento da mutação M184V estaria aumentada entre pessoas com carga viral mais
elevada. Outro resultado interessante do estudo foi encontrar colesterol total mais elevado
nos braços do ABV quando comparados ao TDF, mas sem diferença entre EFV e ATV.
Outra novidade que poderia modificar futuramente o panorama do tratamento inicial
é o desenvolvimento de medicamentos que possam substituir o RTV como incrementadores dos níveis dos IPs ou outros medicamentos que os necessitem, como inibidores de
integrase (elvitegravir) ou antagonistas de CCR5. Um medicamento que se mostrou eficaz
neste sentido foi o GS-9350 ou colbicistat, que se demonstrou eficaz incrementando níveis
séricos do ATV ou elvitegravir28.
No Brasil, as combinações de análogos aos nucleosídeos que têm sido mais populares incluem a dose fixa de AZT com 3TC, TDF associado ao 3TC e, como alternativas,
podemos ter ainda o uso de ABV com 3TC ou didanosina (ddI) com 3TC. Prefere-se
ainda como segunda classe dos medicamentos os não análogos de nucleosídeos (EFV ou
nevirapina [NVP]) ou, alternativamente, IPs, como visto na tabela 3.
Em resumo, existe a crescente tendência mundial de iniciar o tratamento mais precocemente em relação ao que se fazia antigamente. Obviamente, alguns fatores devem ser
levados em consideração e a individualização caso a caso sempre é sábia. Pode-se, por
exemplo, optar-se por retardar o início do tratamento quando se suspeita que o paciente
não tenha boa adesão, quando ele está relutante em se tratar, em casos onde o CD4 é
muito elevado e a carga viral baixa ou naqueles indivíduos em que se evidencia uma
queda lenta de CD4 ao longo do tempo. Por outro lado, alguns fatores estariam associados a uma maior urgência para o início de tratamento. Seriam os casos onde o CD4 está
baixo, casos em que a carga viral é muito elevada e naqueles em que se evidencia queda
rápida dos níveis de CD4. Outros fatores poderiam incluir gravidez, portadores de doença
renal relacionada ao HIV, coinfecções com vírus da hepatite B (HBV) ou da hepatite C
(HCV), casais discordantes, indivíduos engajados em atividade de alto risco, indivíduos
querendo iniciar o tratamento ou quando se detecta vírus mais citopático. Com relação a
este último, tem sido demonstrado que, na emergência das variantes virais conhecidas
com X4, existe um risco de queda mais acelerada dos níveis de CD4 ao longo do tempo.
Nosso grupo avaliou 72 indivíduos com infecção recente, há menos de seis meses, todos
com níveis basais de CD4 acima de 500. Entre estes indivíduos, 12 tinham vírus que foram
caracterizados como X4, enquanto o restante era portador de variantes R5. Pôde ser observado que a progressão da doença, caracterizada como queda de CD4 a níveis inferiores
a 350 durante o seguimento, foi bem superior entre os indivíduos infectados por variantes
X4, como pode ser visto na figura 7 (p < 0,002)31.
145
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 3. Antirretrovirais preferenciais para início de tratamento no Brasil
Terceiro Medicamento
Preferencial
Alternativa com IP-r
TDF + 3TC
(TDF 300 mg – 1 cp ao dia)
(3TC 150 mg – 1cp de
12/12h OU 2 cp 1×/dia)
EFV OU NVP
(EFV 600 mg - 1cp/noite)
(NVP 200 mg - 1cp de
12/12h)
LPV-r OU ATV-r
(LPV-r 200/50 mg –
coformulado - 2 cp de
12/12h ou 4 cp 1×/dia)
(ATV-r 300 mg – 1 cp +
1 cp de 100 mg de RTV
1×/dia)
AZT/3TC
(300/150 mg – coformulado
1 cp de 12/12h)
EFV OU NVP
(doses descritas no quadro
acima)
LPV-r OU ATV-r
(doses descritas no quadro
acima)
ABC + 3TC
(ABC 300 mg – 1 cp de
12/12h OU 2 cp 1×/dia)
(3TC 150 mg – 1 cp de
12/12h OU 2 cp ao dia)
EFV OU NVP
(doses descritas no quadro
acima)
LPV-r OU ATV-r
(doses descritas no quadro
acima)
ddI + 3TC
(ddI 250 mg e 400 mg –
1 cp 1×/dia, em jejum)
(3TC 150 mg – 1 cp de
12/12h OU 2 cp 1×/dia)
EFV OU NVP
(doses descritas no quadro
acima)
LPV-r OU ATV-r
(doses descritas no quadro
acima)
Porcentagem de pacientes
com CD4 < 350
ITRN
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
R5
X4
0
10
20
30
40 50 60
Semanas
70
80
90 100
Figura 7. Progressão da doença entre indivíduos brasileiros com infecção recente pelo HIV.
Avaliação da proporção de pacientes que evolui para queda de CD4 em níveis inferiores a 350 a
partir de níveis normais (superiores a 500). Doze de 72 indivíduos apresentavam variante X4.
146
Tratamento antirretroviral inicial
O tratamento inicial continua em todas as diretrizes que contêm três medicamentos,
sendo que dois deles são análogos aos nucleosídeos e incluem sempre um análogo citozínico como o 3TC ou seu derivado FTC. Continua tendo destaque o EFV, como terceiro
medicamento do tratamento inicial.
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148
Capítulo 10
Terapia de resgate
Marcia Rachid e Gustavo Albino Pinto Magalhães
A terapia antirretroviral potente ou altamente ativa (HAART) vem permitindo, desde
1996, que maiores taxas de supressão viral máxima sejam atingidas, assim como menores
taxas de falha virológica.
Quando a falha acontece, a causa mais comum é a falta de adesão, muitas vezes em
consequência de efeitos adversos que podem levar o paciente a usar irregularmente ou
mesmo interromper um ou todos os medicamentos. Independentemente da razão, a falha
pode resultar em resistência viral, e a terapia de resgate é fundamental para buscar novamente a supressão, impedindo piora imunológica, progressão clínica e morte.
O surgimento de mutações de resistência é decorrente da pressão seletiva exercida pelo
tratamento antirretroviral (TARV) vigente. No entanto, ao ser avaliado o grau de resistência, devem ser considerados todos os esquemas prévios, pois podem existir mutações arquivadas relacionadas a terapias anteriores que poderão reaparecer se forem reutilizados
determinados medicamentos.
Falhas sucessivas limitam as opções terapêuticas, pois resistência cruzada entre medicamentos da mesma classe é esperada.
Como o objetivo da terapia de resgate passou a ser atingir novamente a supressão
viral máxima e sustentada, devem ser incluídos medicamentos ativos, conforme bem demonstrado nos estudos de casos com múltiplas falhas. Medicamentos de classes novas
têm maior impacto e devem ser associados a outros com atividade plena ou, pelo menos,
parcial para compor o esquema de resgate.
Falha virológica
Define-se como supressão viral a manutenção da carga viral (CV) abaixo dos limites de
detecção, geralmente inferior a 50 cópias/ml, embora em algumas técnicas o limiar de detecção seja de 40 ou até de 20 cópias/ml.
A falha virológica é definida como duas cargas virais detectáveis, confirmadas, acima
de 50 cópias/ml após 24 semanas do início do TARV ou, em outra situação, quando a CV
está indetectável durante o tratamento e apresenta rebote.
149
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
A realização dos testes de resistência para avaliar as mutações otimiza a escolha do
esquema e permite alcançar maior eficácia terapêutica. Os resultados mais fidedignos são
obtidos quando o exame é executado na vigência do tratamento.
A ausência de mutações no exame de genotipagem sugere que a não adesão é a
causa mais provável do aumento da CV durante o tratamento.
Objetivo do tratamento após falha virológica
O objetivo da terapia de resgate é retornar à supressão viral máxima. Para isso, deve ser
estabelecido um esquema com o maior número de medicamentos ativos. São considerados, na maioria dos estudos e recomendações, dois ou, preferencialmente, três medicamentos
ativos para compor o resgate. Quando a resistência for detectada precocemente e ainda
não estiver extensa, alguns esquemas poderão ser potentes com apenas dois medicamentos
plenamente ativos associados a outros com atividade intermediária, mas é necessário ter
cautela para evitar falhas sucessivas.
Dados do estudo TORO estabeleceram fatores associados à eficácia da terapia de resgate, entre eles a recuperação da contagem de CD4 acima de 100 cel/µl e da CV abaixo
de 50 cópias/ml. Em todos os estudos de resgate, foram identificados fatores que contribuíram para a resposta ineficaz, destacando-se CV elevada (na maioria considerada acima
de 100.000 cópias/ml) e níveis baixos de CD4.
Mudança do tratamento antirretroviral
após falha do esquema inicial
Mudanças precoces, logo que a falha é detectada, evitam acúmulo de mutações e, assim,
na sequência da troca, medicamentos de uma mesma classe poderiam ainda ser utilizados,
conforme a classe e o grau de resistência. A mudança deve ser, sempre que possível, baseada
no teste de genotipagem.
Um inibidor da transcriptase reversa não análogo de nucleosídeo (ITRNN) não deve ser
usado em resgate sem associar um inibidor da protease potencializado com ritonavir (IP/r),
além de outros medicamentos, pois a barreira genética da classe é baixa e pode ocorrer
falha precoce. Se tiver havido falha prévia a algum ITRNN de primeira geração (nevirapina
[NVP] ou efavirenz [EFV]), esses não deverão ser reutilizados. A etravirina (ETR), que pertence à classe, poderá ser usada nos resgates associada a IP/r ou outras classes novas
quando houver comprovada sensibilidade (atividade plena ou, em algumas circunstâncias,
intermediária), pois há resistência cruzada conforme o número e o peso das mutações. O
padrão de mutações é um pouco diferente para NVP: Y181C, K103N, G190A, K101E,
A98G; e para EFV: K103N, L100I, Y188L, G190A, K101E. O tratamento prévio com NVP
pode comprometer mais a utilização posterior de ETR, o que não é comum com o uso
exclusivo de EFV, quando surge apenas a mutação K103N.
Os IP/r têm elevada barreira genética, e o desenvolvimento de resistência é um processo
gradual que exige o acúmulo de várias mutações. Há mutações especificamente selecionadas
150
Terapia de resgate
por determinado IP que podem ou não causar resistência cruzada com os demais: D30N
(nelfinavir [NFV]); I47A e L76V (lopinavir [LPV]); G48V (saquinavir [SQV]); I50L (atazanavir [ATV])
ou I50V (fosamprenavir [FPV] e darunavir [DRV]).
A terapia de resgate com dois inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos
(ITRN) e IP/r tem sido indicada após a primeira falha, quando foram usados apenas ITRN
ou ITRN + ITRNN, mas, a fim de evitar nova falha, é importante avaliar cuidadosamente
o grau de resistência para definir se há indicação de associar outra classe.
Para escolher o IP/r, devem ser considerados vários aspectos, como quais e quantas
mutações para IP estão presentes, qual a CV, o grau de imunodeficiência e todos os fatores relacionados à resposta terapêutica, incluindo quais IP já foram usados e quais razões
levaram à mudança (mesmo se por intolerância para evitar repetir o medicamento).
O estudo STAR, que avaliou pacientes virgens de IP com falha virológica ao primeiro
esquema antirretroviral, contendo dois ITRN e um ITRNN (86% NVP, 14% EFV), mostrou,
na semana 48, índices de CV abaixo de 50 cópias/ml, sendo 61,2% no braço que usou
lopinavir potencializado com ritonavir (LPV/r) em monoterapia e 82,5% no braço que
associou dois ITRN. Portanto, LPV/r em monoterapia não deve ser a melhor escolha para
resgate após a falha do primeiro esquema mesmo para virgens de IP.
O estudo CONTEXT comparou eficácia de fosamprenavir potencializado com ritonavir
(FPV/r) e LPV/r, associados a dois ITRN, em pacientes previamente tratados com um ou dois
IP. Os resultados mostraram que FPV/r (1.400/100 mg) uma vez ao dia foi inferior a LPV/r
no resgate; porém, não foi inferior quando usado na dose de 700/100 mg duas vezes ao
dia. O FPV/r não é escolha para resgates avançados.
O estudo AI424 045 apresentava três braços: atazanavir associado a ritonavir (ATV/r);
ATV com SQV e LPV/r. Na inclusão do estudo, deveriam ter sido tomados, ao menos, dois
esquemas prévios e já haver experiência com algum medicamento das três classes (ITRN,
ITRNN e IP). Todos receberam tenofovir e outro análogo de nucleosídeo. Na semana 24,
foi demonstrada eficácia inferior de ATV/SQV em relação a LPV/r, e os pacientes tiveram
a terapia modificada. Nas semanas 24 e 48, o ATV/r não foi inferior a LPV/r; porém, a
proporção de pacientes com CV abaixo de 50 cópias/ml foi de 38% para o ATV/r e 45%
para o LPV/r. Na semana 96, as eficácias de ATV/r e LPV/r foram semelhantes. A proporção
de indivíduos com CV indetectável foi semelhante em ambos os braços. Quando havia
mais de cinco mutações, nenhum paciente (0/9) do grupo do ATV/r e cinco de dezoito
(28%) do grupo de LPV/r alcançaram CV indetectável. O ATV não é escolha para resgate
quando a resistência é alta.
O estudo TITAN avaliou pacientes que já haviam apresentado falha, mas sem resistência avançada. Na semana 48, 77% dos tratados com darunavir associado a ritonavir (DRV/r)
e 67% do grupo com (LPV/r) atingiram CV abaixo de 400 cópias/ml. Quando foi considerada a CV abaixo de 50, o DRV/r preencheu os critérios para superioridade ao LPV/r (71
vs 60%), também sendo superior quando o CD4 basal estava mais baixo, a CV estava
acima de 100.000 cópias/ml e quando havia uma ou mais mutações para IP ou fold change
para DRV menor do que 10. A falha virológica foi de 10% com DRV/r e 22% com LPV/r.
Na análise de mutações de resistência, 21% (6/28) daqueles com DRV/r desenvolveram
mutações adicionais na protease comparados a 36% (20/56) no grupo do LPV/r. As mutações dos ITRN foram menos frequentes no grupo do DRV/r (14 vs 27%).
151
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Mudança do tratamento antirretroviral
em casos de resistência mais avançada
Estudos clínicos têm avaliado terapias de resgate quando há resistência às três classes
(ITRN, ITRNN e IP). A grande maioria inclui IP/r, dupla de ITRN e um medicamento novo a ser
analisado. Dificilmente são comparáveis entre si devido à heterogeneidade da população, aos
tratamentos anteriores, aos critérios de eficácia, ao tempo de tratamento e ao tipo de esquema otimizado, que depende do que há disponível no momento de execução do estudo.
Os medicamentos tipranavir potencializado com ritonavir (TPV/r), darunavir potencializado com ritonavir (DRV/r), etravirina (ETR), maraviroque (MVC), raltegravir (RAL) e enfuvirtida (ENF) demonstraram superioridade nos parâmetros de eficácia nos respectivos ensaios
clínicos, sempre em combinação com o melhor tratamento otimizado no momento.
Os estudos RESIST compararam TPV/r e outro IP/r escolhido pelo investigador. Um dos
critérios de inclusão era ter uma ou mais mutações nos códons D30, M46, G48, V82, I50,
I84 e L90 e/ou pelo menos duas nos códons L33, V82, I84 ou L90. No RESIST-1, a maioria
com IP comparador usou LPV/r (61%), e, no RESIST-2, os mais utilizados foram APV/r (40%)
e LPV/r (38%). A ENF foi indicada em 36% no RESIST-1 e 12% no RESIST-2 (anteriormente, uma parte desses pacientes já havia sido tratada com esse medicamento). Os resultados
combinados dos dois estudos após 48 semanas mostraram uma proporção de pacientes
com CV abaixo de 50 cópias/ml de 22,8% com TPV/r e de 10,2% com IP/r, demonstrando a superioridade do TPV/r. A ENF melhorou os resultados em ambos os braços, atingindo 52% de CV abaixo de 400 cópias/ml e 35,8% abaixo de 50 cópias/ml no braço do
TPV/r. Foram identificadas 19 mutações para o TPV em 14 posições de aminoácidos (L10V,
L24I, M36I,K43T, M46L, I47V, I50L/V, I54A/L/M/V, I54L, Q58E, T74P, L76V, V82L/T, N83D,
e I84V). Analisando as mutações de acordo com o peso na resposta ao tratamento, foram
dados valores em uma pontuação atualizada (escore), favorecendo a resposta e reduzindo
o impacto sobre a resistência (L10V, 1; L24I, –2; M36I, 2; K43T, 2; M46L, 1; I47V, 6; I50L/V,
–4; I54A/M/V, 3; I54L, –7; Q58E, 5; T74P, 6; L76V, –2; V82L/T, 5; N83D, 4, e I84V, 2). Na
preparação do escore, foi levada em conta a eficácia do medicamento que acompanhava
o TPV. Quando o escore estava ≤ 3, a resposta foi máxima nas semanas 8 e 48 e mínima
quando o escore era > 10. O perfil de mutações de resistência ao TPV difere um pouco
do DRV e, por isso, pode ser considerada a indicação em alguns casos de falha do DRV.
O TPV é usado com dose maior de ritonavir em relação àquela indicada com DRV, tem
mais interações medicamentosas e não deve ser associado à ETR.
Os estudos POWER compararam a eficácia e a tolerabilidade de diferentes doses de
DRV/r com um IP comparador associado a uma seleção otimizada de medicamentos. Entre
os critérios de inclusão, deveria haver tratamento prévio com pelo menos dois antirretrovirais das três classes e ter uma ou mais mutações para IP. A randomização foi pelo número
de mutações, pela CV e pelo uso de ENF. Ao fim da semana 24, a dose de DRV/r foi unificada em 600/100 mg duas vezes ao dia. A redução da CV foi alcançada em 61% naqueles
com DRV/r e em 15% no grupo comparador. A proporção de CV inferior a 50 cópias/ml foi
de 45% nos tratados com DRV/r e de 10% no grupo controle. A eficácia do DRV/r foi
superior ao IP/r comparador, independentemente do uso de ENF, da CV basal, das mutações para IP e do número de medicamentos ativos na terapia otimizada. Na semana 96,
152
Terapia de resgate
39% daqueles tratados com DRV/r e 9% do grupo comparador persistiam com CV abaixo
de 50. O POWER 3 confirmou os resultados dos estudos POWER 1 e 2. Na semana 144,
37 e 9% dos pacientes, respectivamente, persistiam com a CV abaixo de 50 cópias/ml.
Foram identificadas onze mutações na protease (V11I, V32I, L33F, I47V, I50V, I54L/M, T74P,
L76V, I84V, L89V) associadas à perda de sensibilidade ao DRV. A resposta virológica é reduzida de acordo com o número de mutações. As taxas de resposta (CV < 50 cópias/ml na
semana 48) com 0, 1, 2 e 3 mutações foram de 72, 53, 37 e 29%, respectivamente.
Vale ressaltar, que há interação de darunavir/ritonavir com efavirenz, com maior risco
de falha por redução de níveis séricos de darunavir e maior toxicidade de efavirenz. Em
relação à associação com nevirapina, não foi demonstrada interação, mas há poucos dados
e pouca experiência.
Os ensaios clínicos DUET analisaram a eficácia e a segurança da ETR nos casos em que
já havia uma ou mais mutações para ITRNN e três ou mais mutações para IP. Todos receberam DRV/r e ITRN, conforme a terapia otimizada escolhida. O uso de ENF era opcional.
Os resultados em relação à CV abaixo de 50 cópias/ml foram 56 e 62% no grupo tratado
com ETR (DUET-1 e DUET-2) contra 39 e 44% no grupo com placebo, respectivamente.
Entre os pacientes que receberam ETR e ENF que estavam no grupo otimizado, 60 e 73%
alcançaram CV < 50 cópias/ml, em comparação a 56 e 68% no grupo com placebo. Os
resultados combinados dos dois estudos após 48 semanas confirmaram os dados anteriores, e, na semana 96, a análise combinada de ambos os estudos apontou que a eficácia da
terapia com ETR foi superior ao grupo comparador: 57 e 36%, respectivamente (p < 0,001).
Foram identificadas 17 mutações em sua pontuação ponderada com menor taxa de resposta: V90I, A98G, L100I, K101E/H/P, V106I, E138A, V179D/F/T, Y181C/I/V, G190A/S e
M230L. Entre todas as mutações, as Y181I/V/C, L100I, K101P e M230L são as que geram
maior resistência. A Monogram desenvolveu um escore de pontuação para atribuir um
valor para cada mutação (valor 4: L100I, K101P, Y181C/I/V; valor 3: E138A/G, V179E,
G190Q, M230L, K238N; valor 2: K101E, V106A/I, E138K, V179L, Y188L, G190S; e valor
1: V90I, A98G, K101H, K103R, V106M, E138Q, V179D/F/I/M/T, Y181F, Y189I, G190A/E/T,
H221Y, P225H, K238T). A pontuação obtida com a soma dos pontos de cada mutação é
correlacionada ao fenótipo. Se o resultado for abaixo de 4, a ETR terá 90% de chance de
ser eficaz (fold change < 2,9). Cabe salientar que, mesmo quando a única mutação preexistente é a K103N, podem existir populações minoritárias que apresentam outras mutações e até 45% dos casos podem ter mutações específicas para ETR não visualizadas.
Os estudos TORO avaliaram a atividade da ENF em combinação com esquema otimizado em pacientes com múltiplas falhas. A CV basal era maior que 100.000 cópias/ml e CD4
abaixo de 100 cel/µl. Na semana 24, a diminuição da CV foi maior no grupo tratado com
ENF. No braço com ENF houve decréscimo de –0,93 log10 da CV no TORO I e –0,78 log10
no TORO II. Na semana 48, a análise combinada dos dois estudos, demonstrou redução
da CV de –1,48 log10 cópias/ml (ENF) e de –0.63 log10 cópias/ml no tratamento otimizado comparador (p < 0,0001). A probabilidade de alcançar resposta foi mais do que o
dobro no grupo com ENF (redução CV > 1 log10: 37 vs 17%; CV < 400 cópias/ml: 30 vs
12%; CV < 50: 18 vs 8% [p < 0,0001]). O tempo até a falha no grupo com ENF triplicou,
comparado ao grupo controle (32 e 11 semanas, p < 0,0001). Foram identificadas mutações na região HR1 da gp41 do vírus que reduzem a sensibilidade à ENF (G36D/S, I37V,
153
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
V38A/M/E, Q39R, Q40H, N42T, N43D). Outras mutações ou polimorfismos em outras regiões do vírus, tais como a região HR2, poderiam reduzir a sensibilidade à ENF. A barreira
genética da ENF é tipicamente baixa, e o desenvolvimento de resistência ocorre rapidamente, bastando uma mutação.
Os estudos MOTIVATE (1 e 2) avaliaram o MVC, e a estratificação foi de acordo com a
CV basal e o uso de ENF. Deveria haver resistência ao menos a um medicamento ou a dois
ou mais IP. Os resultados combinados na semana 48 mostraram que a queda da CV foi de
–1,68 log com MVC uma vez ao dia; –1,84 log com MVC duas vezes ao dia; e –0,78 log com
placebo, sendo a proporção de pacientes com CV abaixo de 400 cópias/ml: 51,7, 56,1 e
22,5% respectivamente (p vs placebo < 0,0001) e CV abaixo de 50 cópias/ml: 43,2; 45,5
e 16,7%. A inclusão da ENF no esquema aumentou as taxas de resposta. O aumento de
células CD4 foi significativamente maior e mais precoce nos grupos que receberam MVC.
Essa vantagem na recuperação imunológica tem sido demonstrada, independentemente
da eficácia virológica. A eficácia (CV < 50 cópias/ml) foi maior (64%) quando ENF foi
usada pela primeira vez: 61% nos grupos que receberam MVC e 27% nos que receberam
placebo. Na semana 96, 41,3% dos que receberam MVC duas vezes ao dia mantiveram
CV inferior a 50 cópias/ml, enquanto apenas 7,2% dos pacientes com placebo. Em dois
terços dos casos de falha, houve mudança do tropismo para duplo (R5/X4). Pode ter
ocorrido seleção da população viral com tropismo duplo já existente e não detectada no
início do tratamento. A mudança foi observada em 7,5% dos que falharam com MVC e
em apenas 1,9% no grupo placebo. Após a retirada do MVC, rapidamente as cepas reverteram para o tropismo R5. Alguns casos de falha virológica durante o tratamento com
o MVC correspondem a um aumento excessivo de populações de vírus trópicos X4 preexistentes e não detectados pela baixa sensibilidade do teste inicialmente disponível.
Os estudos BENCHMRK 1 e 2 foram desenhados para analisar a eficácia do RAL.
Dentre os critérios de inclusão, deveria haver resistência genotípica ou fenotípica ao
menos a um medicamento de cada uma das três classes de ARV. Os pacientes tinham
doença avançada (82%, com critérios de AIDS) e haviam recebido uma média de 9,9
anos de TARV. Nos resultados combinados de ambos os estudos na semana 48, a proporção de CV < 400 cópias/ml foi de 72,1% no grupo de RAL e 37,1% no grupo placebo (p < 0,001). Carga viral < 50 cópias/ml foi de 62,1% no grupo RAL e 32,9% no
grupo placebo (p < 0,001). A eficácia de raltegravir foi superior ao placebo, independentemente da CV e do CD4. Quando a terapia foi associada com DRV/r e ENF, a proporção
de CV < 400 cópias/ml foi de 98% (RAL) e 87% (placebo). A análise combinada nas semanas 96, 156, e 192 nos estudos BENCHMRK mostraram a eficácia duradoura do RAL.
Estudos in vitro têm identificado até 41 mutações no gene da integrase associadas à resistência ao RAL. As mutações detectadas apresentaram três padrões de resistência: padrão
1: N155H + L74M, E92Q, T97A, V151I, G163R, padrão 2: Q148K/R/H + G140S/A E138K
e padrão 3: Y143R/C + L74A/I, T97A, I203M, S230R. A barreira genética é baixa, e, com
apenas duas mutações, pode ocorrer resistência completa. A resistência cruzada com
outros medicamentos da mesma classe (elvitegravir) é frequente; porém, com dolutegravir
é bem menor, sendo, desse modo, possível sua utilização no resgate de falhas com RAL.
O estudo TRIO, não comparativo e aberto, avaliou a eficácia e a segurança de um
esquema antirretroviral contendo RAL + DRV/r + ETR. Entre os critérios de inclusão,
154
Terapia de resgate
deveriam existir três ou mais mutações de resistência para IP, três ou mais mutações para
ITRN, pelo menos três mutações para DRV e pelo menos três mutações para ITRNN. Os 103
pacientes receberam ITRN (83%) e ENF (12%). Na semana 24, 93 pacientes (90% dos pacientes, IC 95%, 85-96%) e na semana 48, 89 pacientes (86% dos pacientes, IC 95%,
80-93%) alcançaram CV abaixo de 50 cópias/ml. A redução média da CV do início do
estudo até 48 semanas foi de –2,4 log (IQR: –2,9 a –1,9). O aumento médio nas células
CD4 foi de 108 (IQR: 58-169).
Conclusão
Com os medicamentos atualmente disponíveis, a supressão viral máxima e duradoura
(< 50 cópias/ml) deve ser o objetivo da terapia de resgate na grande maioria dos casos de
falha virológica.
Os esquemas devem ser escolhidos, preferencialmente, com base nos resultados dos
testes de resistência e devem considerar, além dos tratamentos prévios, todos os fatores
conhecidamente relacionados à eficácia da terapia de resgate. É importante, também,
avaliar a tolerância e a toxicidade dos medicamentos, pois podem interferir na adesão e,
portanto, na eficácia.
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155
Capítulo 11
A interpretação da
resistência aos
antirretrovirais
Simone de Barros Tenore, Vicente Soriano e Ricardo Sobhie Diaz
Resumo
O Brasil tem a característica peculiar de ser um país em desenvolvimento com acesso
universal sem custo para o paciente a quase todos os antirretrovirais (ARVs) licenciados em
países desenvolvidos. A terapia sequencial em pacientes sendo tratados por longos períodos
propiciou resistência e resistência cruzada do HIV a um grande número de ARVs. Mais
recentemente, a resistência transmitida também surge como obstáculo que ameaça o
desempenho do tratamento inicial. O entendimento do perfil de resistência em diversas
situações, especialmente do perfil de resistência a medicamentos novos e de novas classes
torna-se fundamental na boa prática do médico ao tratar a infecção pelo HIV.
Introdução
Como parte da evolução do tratamento antirretroviral (TARV) inicial atual temos a
possibilidade de usar esquemas mais potentes com medicamentos mais toleráveis e
menor possibilidade de emergência de variantes resistentes do HIV. Para quem inicia o
tratamento hoje, a resistência não deverá ser um problema sério. O que se espera em termos
virológicos do TARV iniciado hoje é que ele seja eficaz para sempre. Normalmente, a escolha recai na associação de dois inibidores da transcriptase reversa análogos aos nucleosídeos (ITRN) e um inibidor da transcriptase reversa não análogo aos nucleosídeos (ITRNN).
Eventualmente, e principalmente relacionada à interrupção mais prolongada dos esquemas
contendo dois ITRN e um ITRNN, pode ocorrer a resistência. Nesses casos, a resistência
ocorrerá ao ITRNN e eventualmente (cerca de metade dos casos com resistência aos ITRNN)
resistência à lamivudina (3TC) ou entricitabina (FTC) pela emergência da mutação M184V 1,2.
Nesse caso, o próximo passo será o resgate cujo esquema deve conter inibidores da protease incrementados pelo ritonavir (IP-r). Nesse caso, como explorado a seguir, espera-se
que, mesmo na falha virológica, a classe dos inibidores da protease (IPs) esteja preservada.
Na América do Norte, esses benefícios levaram à diminuição dramática no número de
157
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
pacientes necessitando de um terceiro resgate ao longo do tempo3. Entretanto, não devemos negligenciar a existência de um grande número de pacientes que foram submetidos
à terapia sequencial e desenvolveram resistência aos ARVs, por vezes resistência muito
extensa. Esse fato per se obriga o médico infectologista que trata da infecção pelo HIV a
entender bem a resistência aos ARVs e saber como manuseá-la. Esta revisão tem a intenção de esclarecer detalhes sobre os desfechos da seleção da resistência aos ARVs e orientar no raciocínio para a construção da terapia de resgate.
O impacto dos testes de resistência no resgate
É inegável o benefício dos testes de resistência no desempenho virológico do resgate4-9
ou mesmo em relação à sobrevida das pessoas10. Alguns estudos apontam que a diferença no desempenho da resposta virológica entre o resgate empírico e o resgate dirigido por genotipagem é maior quanto mais precoce é o resgate7,11. Ou seja, apesar de
um resgate de uma primeira falha ser mais efetivo quando feito empiricamente do que um
resgate de uma segunda falha e assim sucessivamente, a diferença no desempenho entre
o uso de testes de genotipagem e o resgate empírico é maior na primeira falha quando
comparada à segunda falha ou da segunda quando comparado a três ou mais falhas.
Esses dados sugerem, portanto, que, apesar de nos parecer intuitivo que um resgate mais
precoce possa prescindir de um teste de resistência, seria exatamente este o momento em
que o teste nos ofereceria mais auxílio. Existe, entretanto, uma observação que se deve
fazer com relação a esse conceito. Na época que esses estudos foram conduzidos, a prática do uso de IPs incrementados com pequenas doses de ritonavir não era tão comum.
Levando-se em consideração que, atualmente, o tratamento inicial preferencial tem sido
feito com ITRNN, o resgate na falha destes indivíduos deverá, na maioria dos casos, conter
um IP-r. À luz do conhecimento atual, percebe-se que pacientes nunca expostos a IPs apresentam um efeito máximo da inibição da protease quando tratados com IP-r. Uma evidência
disso consiste no fato de que, na falha a esquemas contendo IP-r entre indivíduos não
expostos previamente a IPs, não existe resistência na protease ou essa resistência é extremamente rara12-16. Isso ocorre mesmo entre indivíduos tratados com IP-r em monoterapia17. A bem da verdade, a chance de supressão viral para níveis indetectáveis utilizando-se IP-r em monoterapia varia entre 85 a 95%17,18. Dessa forma, considera-se que a
chance de supressão viral no primeiro resgate entre indivíduos virgens de IP seja bastante
elevada ao se levar em conta a ação exclusiva do IP-r. É concebível, portanto, que, atualmente, a diferença entre a chance de sucesso no primeiro resgate entre indivíduos abordados com e sem testes de resistência possa ser semelhante. Independentemente do que
foi dito acima, os testes de resistência têm um papel fundamental tanto no momento da
falha aos ARVs quanto no tratamento inicial em locais de alta prevalência de resistência
transmitida aos ARVs. Os testes de resistência atualmente fornecem mais segurança a
médicos e pacientes no momento em que o tratamento é iniciado ou substituído. De fato,
testes de resistência como genotipagem e fenotipagem virtual têm um grande impacto na
conduta médica19. Um estudo desenhado para avaliar a influência de testes de resistência
aos ARVs na conduta do infectologista demonstrou que, em resgate avançado, 79% dos
158
A interpretação da resistência aos antirretrovirais
esquemas propostos empiricamente por médicos experientes na área seriam modificados
por esses mesmos médicos por ocasião da análise de um teste de genotipagem19. Ao
avaliar uma fenotipagem virtual, 75% dos esquemas propostos por esses médicos, baseados em genotipagem comuns, seriam também alterados pelos mesmos médicos. Importante também, o número de medicamentos ativos propostos no resgate aumenta
de 1,8 para 2,2 quando se compara o resgate empírico com o resgate baseado em
genotipagem para os mesmos pacientes (p = 0,0004) e de 2,2 para 2,8 quando se
compara o resgate utilizando genotipagem comum e fenotipagem virtual (p = 0,0001).
Aparentemente, a existência de parâmetros como fold change e cut-off biológicos presentes na fenotipagem virtual forneceriam maior segurança ao médico e, hipoteticamente,
maior eficácia no resgate de acordo com o maior número de medicamentos ativos, a ser
utilizados. Esse mesmo estudo demonstrou que, em 51% e 145 dos casos, os médicos
consideram a genotipagem muito útil e extremamente útil respectivamente enquanto que
em 25 e 34% dos casos, os médicos consideram a fenotipagem virtual muito e extremamente útil respectivamente19.
A resistência transmitida aos antirretrovirais.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define como baixa a prevalência de resistência transmitida quando ela é inferior a 5%; intermediária quando está entre 5 e 15% e
elevada quando é superior a 15%. Em um estudo brasileiro, foram realizadas análises
genotípicas de todas as amostras obtidas em 2001 originadas de indivíduos com teste
positivo para o HIV em 13 Centros de Testagem e Aconselhamento distribuídos no Brasil.
Foi detectada inicialmente, em casuística de 535 amostras de plasma, a prevalência global no Brasil de 6,5% de resistência transmitida, curiosamente com o predomínio de
resistência aos análogos aos nucleosídeos e sem prevalência de resistência a múltiplas
classes de ARVs20. Uma análise subsequente que utilizou a mesma estratégia em amostras
coletadas em 2007-8 mostrou que a incidência global de resistência transmitida no Brasil
aumentou para 8,1%, sendo que, dessa vez, ao modelo que se observa entre países desenvolvidos, a prevalência de resistência foi superior aos ITRNNs21. De fato, a prevalência
de resistência transmitida tem sido considerada como intermediária no Brasil, mas com
variações regionalizadas. Prevalência muito elevada de resistência transmitida entre as
pessoas com infecção recente foi detectada na cidade de Santos, São Paulo (36%)22,
sendo também considerada alta na cidade de Salvador, Bahia (18,9%)23.
Existe um debate a respeito do real impacto da resistência transmitida com relação ao
TARV. Alguns estudos demonstram que o impacto pode não ser tão relevante, levando
somente a um retardamento no tempo decorrido entre o início de tratamento e a indetecção da carga viral24. Para contribuirmos com o entendimento dessa questão, desenhamos um estudo de caso controle entre pacientes que estavam recebendo seu primeiro
TARV na cidade de Santos, em São Paulo, onde, como mencionado anteriormente,
apresenta altíssima prevalência de resistência transmitida. Nesse estudo, foram analisados
dois grupos de pacientes que apresentavam sucesso ou falha virológica após um ano do
primeiro TARV, e a amostra pré-tratamento foi avaliada de forma retrospectiva. A única
159
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
variável entre todas as demográficas e virológicas/imunológicas que se associou à falha
virológica foi a presença de mutações de resistência transmitida25. Adicionalmente, o estudo demonstrou que as mutações de resistência são detectadas nesses pacientes que
necessitaram de tratamento e, portanto, em um momento temporalmente distante da
infecção primária, posto que, de acordo com as diretrizes nacionais, pacientes se intitulam
ao tratamento quando a doença progride e o CD4 está reduzido. Estudos explorando a
persistência das mutações de resistência transmitida ao longo do tempo têm sido realizados em coorte de pacientes portadores de infecção recente pelo HIV que têm vírus com
resistência transmitida. Confirmou-se que, em contraste do que ocorre com a resistência
secundária à pressão seletiva dos ARVs, as mutações de resistência transmitida tendem a
persistir ao longo do tempo. De forma diferencial, a mutação do códon 184 da transcriptase reversa tende a voltar ao perfil selvagem26.
Um estudo para detecção de resistência transmitida entre pacientes cujo TARV é indicado foi recentemente conduzido no Brasil em cidades representativas das quatro macrorregiões brasileiras: Manaus, Brasília, Salvador, Rio de Janeiro, Santos, Porto Alegre e Itajaí.
Foram analisadas 251 amostras nos pacientes imediatamente antes do início do TARV. A
média de CD4 foi de 206,6 céls/mm3, e a média de carga viral foi de 5,1 log10. A prevalência geral de resistência transmitida foi de 12,3 e 7,6% aos ITRNs, 4,4% aos ITRNNs e 4%
aos IPs. Deve se ressaltar que 3,6% das pessoas apresentavam vírus com resistência a duas
classes de ARVs. As prevalências de resistência transmitida encontradas nesse estudo foram
de 8,5% na região norte, 10,6% na região centro-oeste, 19,1% na região nordeste,
12,8% na região sudeste e 9% na região sul27. Pode-se concluir desse estudo que a resistência transmitida aos ARVs varia entre as regiões em níveis intermediários a elevados.
A partir dos resultados expostos acima, pode-se considerar que a realização de testes
de resistência antes do início do TARV tem papel fundamental. Levando-se em consideração a maior fragilidade em termos de desenvolvimento de resistência do tratamento inicial
composto de dois ITRNs e um ITRNN, a resistência a qualquer um desses medicamentos,
que ocorreria em média em 12,3% dos casos, refletiria potencial dano a uma parcela
considerável da população iniciando o tratamento. Na impossibilidade da realização de
testes de resistência antes do TARV, deveria considerar-se a possibilidade de iniciar o tratamento com esquemas iniciais contendo IP-r, posto que (i) a resistência transmitida mais
frequente tem sido a resistência aos ITRNNs e (ii) pela eficácia dos IPs-r mesmo na ausência de atividade completa dos ITRNs, como discutido anteriormente.
A resistência aos antirretrovirais
A presença de viremia confirmada deve motivar o ajuste do tratamento. Nesses casos,
um resgate imediato pode limitar o acúmulo de mutações de resistência e permitir um
resgate mais eficaz. Além disso, sabe-se atualmente que a ativação celular proporcionada
pelo HIV, que leva à deterioração de tecidos e órgãos e ao envelhecimento prematuro,
aumenta na viremia detectável e é proporcional aos níveis de replicação viral28,29.
Com relação à replicação viral e à seleção de novas mutações de resistência, dever-se ter
em mente que o risco do aparecimento de novas mutações de resistência é quantificável,
160
A interpretação da resistência aos antirretrovirais
sendo de 1,6 mutações novas ao ano30. Além disso, o número de mutações selecionadas
durante a viremia é proporcional não só ao tempo de falha, mas ao nível dessa viremia.
Ou seja, quanto menor a viremia menor a possibilidade de seleção de novas mutações
de resistência30. De qualquer forma, tem sido relatado que, mesmo nos casos em que
a viremia é baixa, pode existir uma considerável emergência de vírus com mutações de
resistência, sendo extremamente recomendável que se ajuste prontamente o TARV assim
que possível, especialmente se a viremia for elevada.
O perfil de resistência esperado na primeira
falha aos inibidores da transcriptase reversa
análogos aos nucleosídeos
Tem sido atualmente ressaltado que o tratamento inicial com ITRN tende a ser substituído por tratamentos iniciais contendo dois medicamentos, eventualmente medicamentos
de classes novas, sem a presença de ITRN. Isso tudo em decorrência da toxicidade de
médio e longo prazo característica desta classe de medicamentos. Entretanto, tem sido
também demonstrado que o uso de ITRN no resgate é fundamental na resposta ao tratamento, mesmo quando esses ITRNs têm atividade bastante reduzida31.
A definição dos próximos análogos após a falha inicial faz parte da decisão mais difícil
a ser tomada. O resgate empírico nestes casos deverá se basear no perfil provável de
mutações selecionadas pela combinação de ITRN, na duração da falha e no mecanismo
de resistência específico para os ARVs em questão. A barreira genética das associações
também será considerada nas discussões. De uma forma geral, a barreira genética refere-se
à facilidade ou a rapidez com que a resistência emerge.
Os ITRNs são falsos nucleotídeos. Os nucleotídeos são a matéria prima do acido nucleico, e a enzima trascriptase reversa faz a polimerização do genoma do HIV incorporando os nucleotídeos adenosina, guanosina, citosina e timidina de acordo com o molde da
fita de acido nucleico complementar do vírus. Os ITRNs não têm a hidroxila no carbono
no qual se ligaria o próximo nucleotídeo, e, com a sua incorporação, a polimerização do
ácido nucleico do vírus é interrompida. A zidovudina (ZDV) e a estavudina (d4T) são análogos à timidina; a didanosina (ddI) e o tenofovir à adenosina, 3TC e FTC à citosina e
abacavir à guanosina. Com relação à resistência aos ITRNs, observa-se que existem dois
mecanismos. Um deles é o da diminuição da incorporação dos ITRNs. Nesse mecanismo,
as mutações de resistência fazem com que a trascriptase reversa discrimine entre os análogos aos nucleosídeos e os nucleotídeos verdadeiros a favor dos nucleotídeos verdadeiros
e em detrimento dos ITRNs. O outro mecanismo é o da excisão. Neste caso, as mutações
de resistência não diminuem a incorporação dos ITRNs em vez dos nucleotídeos verdadeiros, mas entra em atividade uma fosfodiesterase que subtrai o último fósforo do análogo
incorporado, e, assim, o medicamento sai da cadeia dando lugar à ligação do nucleotídeo
verdadeiro e permitindo a continuação da polimerização mediada pela transcriptase reversa. As mutações dos análogos da timidina (TAM) são responsáveis pela resistência relacionada à excisão, enquanto que as mutações dos análogos nucleosídeos (NAM) têm como
mecanismo de resistência a diminuição da incorporação. Ocorre um fato interessante aqui:
161
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
algumas mutações cuja resistência se relaciona à diminuição da incorporação podem reverter a resistência provocada pelas mutações que aumentam a excisão do fármaco. É o
caso das mutações M184V ou L74V. Em tempo, com relação às TAMs, existem duas vias
mutacionais descritas: a via TAM1, que inclui as mutações nos códons 41, 210 e 215, e
a via TAM2, que conta com as mutações nos códons 67, 70 e 219. Aparentemente, a
possibilidade de seleção das vias TAM1 ou TAM2 é a mesma, sendo que as mutações nos
códons 41 e 210 da via TAM1 levam à resistência cruzada ao tenofovir. Sabe-se também que
pacientes em falha aos análogos da timidina por período muito prolongado podem ter
até seis TAMs, em que, obviamente, as duas vias TAM1 e TAM2 estarão envolvidas32.
Com relação à resistência aos ITRNs, deve-se levar também em consideração que alguns
perfis mutacionais levam à resistência cruzada ampla, culminando no que chamamos de
resistência a múltiplos fármacos (MDR). Gostaria de chamar a atenção aqui para a MDR
proporcionada pelo acúmulo de TAM, levando ao comprometimento de todos os ITRNs,
e para a mutação K65R, levando também à MDR, mas poupando a ZDV33. Outra característica que deve ser levada em consideração relaciona-se à atividade residual dos ITRNs.
Em outras palavras, mesmo na presença de mutações de resistência a um determinado
ITRN, a perda de atividade não seria total, sendo possível sempre algum grau de inibição
proporcionado pelo medicamento em questão34. A lista dos ITRNs e as mutações que
causam resistência a esses medicamentos estão na tabela 1. Deve-se chamar a atenção
para o fato de que as mutações que levam a MDR aos ITRNs de forma mais intensa são
a inserção no códon 69 ou o complexo Q151M. Apesar de raras, a resistência proporcionada por essas mutações é muito elevada e, justamente por serem raras, é difícil prever
quando elas podem emergir em um paciente em falha. Para essas mutações especificamente, os testes de resistência são fundamentais. Um resumo das principais mutações
selecionadas pelas duplas de ITRN mais comuns pode ser visualizado na tabela 2.
Falha a esquemas iniciais contendo inibidores
da transcriptase reversa não análogos
aos nucleosídeos
Como mencionado anteriormente, os esquemas contendo dois ITRNs e dois ITRNNs
são bastante utilizados atualmente como tratamento inicial. Sabe-se que as mutações aos
ITRNNs emergem rapidamente na falha virológica por se tratar de uma classe com medicamentos de baixa barreira genética, como pode ser visto na tabela 3. Vale a pena notar
que, quando ocorre a interrupção dos ARVs contendo ITRNN de forma não programada
em pacientes com carga viral indetectável, existe uma chance próxima a 40% de seleção
de mutações de resistência aos ITRNNs35. Quando metodologias para detecção de mutações de resistência mais modernas são utilizadas, como o sequenciamento paralelo maciço (ultra deep sequencing), percebe-se que praticamente todos os pacientes nos quais
houve a interrupção de esquemas contendo ITRNN apresentarão vírus com mutações de
resistência mesmo que seja em populações virais minoritárias36. De fato, o sequenciamento paralelo maciço é a metodologia cuja vocação é detectar populações minoritárias,
sendo que, enquanto uma genotipagem normal detecta populações virais que estejam
162
A interpretação da resistência aos antirretrovirais
Tabela 1. Localização dos códons principais e acessórios na protease relacionados à
resistência aos IPs
Medicamento
Códons principais
Códons acessórios
Indinavir
M46I/L, V82A/F/I/S/T, I84V/A/C
L10I/R/F/V, K20M/R/T/I, L24I,
V32I, E35D, M36I/L/V, G48V,
I54L/T/V, Q58E,
L63A/I/P/Q/V/Y/T, A71T/V,
G73S/T/C/A, V77I, L89M/V,
L90M, I93L
Ritonavir
V82A/F/I/S/T, I84V/A/C
L10I/R/F/V, G16E, K20M/R/T/I,
L24I, V32I, L33I/F/V, E34K,
M36I/L/V, G48V, F53L, I54L/T/V,
Q58E, D60N, I62V,
L63A/I/P/Q/V/Y/T, A71T/V, L90M
Saquinavir
G48V, L90M
L10I/R/F/V, T12I, K20M/R/T/I,
D30N, V32I, M36I/L/V, M46I/L,
I54L/T/V, R57K, Q58E, D60N,
I62V, L63A/I/P/Q/V/Y/T, A71T/V,
G73S/T/C/A, T74S, L76M,
V82A/F/I/S/T, I84V/A/C, N88D/S
Nelfinavir
D30N, L90M
L10I/R/F/V, I13V, K20M/R/T/I,
M36I/L/V, M46I/L, G48V,
I54L/T/V, Q58E, D60N, I62V,
L63A/I/P/Q/V/Y/T, V77I,
V82A/F/I/S/T, I84V/A/C, N88D/S,
I93L
(Fos)amprenavir
I50V, I84V/A/C
L10I/R/F/V, V32I, L33I/F/V, R41K,
M46I/L, I47A/V, I54L/T/V,
G73S/T/C/A, V82A/F/I/S/T, L90M
Lopinavir
L10I/R/F/V, G16E, K20M/R/T/I,
L24I, V32I, L33I/F/V, M36I/L/V,
M46I/L, I47A/V, I50V, F53L,
I54L/T/V, Q58E,
L63A/I/P/Q/V/Y/T, A71T/V,
G73S/T/C/A, T74S,
V82A/F/I/S/T, I84V/A/C,
L89M/V, L90M, T91S
Atazanavir
I50L, N88S, I84V/A/C
L10I/R/F/V, K20M/R/T/I, L24I, V32I,
L33I/F/V, M36I/L/V, M46I/L,
G48V, I54L/T/V, L63A/I/P/Q/V/Y/T,
A71T/V, G73S/T/C/A,
V82A/F/I/S/T, L89M/V, L90M
Tipranavir
L33I/F/V, V82T, I84V/A/C, L90M
L10I/R/F/V, I15V, K20M/R/T/I,
E35D, M36I/L/V, N37D, R41K,
I47A/V, I54L/T/V, D60N, A71T/V,
T91S
(Darunavir)
TMC 114
L33F, I47F I54L/M, L89V
L11L, I15V, V32I, I50V, G73S,
L76V, I84V
Tabela continua
163
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 1. Localização dos códons principais e acessórios na protease relacionados à
resistência aos IPs (continuação)
Medicamento
Códons principais
Códons acessórios
Raltegravir
N155H/S, Q148H/K/R Y143R/H/C N17S, H51Y, V54I, T66A/L/K,
L74M, E82Q, E92Q, Q95K,
T97A, H114Y,F121Y, T124A,
T125K, A128T, G136R, E138A/K,
G140A/S/C, P145S, Q146P,
S147G, V151I, S153A/Y, E157Q,
G163K/R, I203M, I204T, D232N,
R263K.
Elvitegravir
E92Q, Q148K/H/R, N155H
Dolutegravir
G118R, T124A, S153Y/L/F
Q148H/K/R
T66I/A/K, L68I/V, V72A, E92V/Q,
F121Y, T124A, A128T, E138A/K,
G140A/S, P145S,
Q146L,S147G/G, S153Y, R263K
presentes em proporções superiores a 25 ou 30%, o sequenciamento paralelo maciço
detecta populações virais em proporções de ate 1%37.
Nos casos de interrupção de tratamento contendo os ITRNNs de primeira geração (nevirapina e efavirenz), na maioria das vezes haverá resistência somente aos ITRNNs e não aos
outros ARVs que compunham o esquema que foi interrompido. Assim, é prudente que se
considere a possibilidade de resistência aos ITRNNs quando ocorrer qualquer tipo de interrupção prolongada e abrupta dos ARVs. É especialmente interessante a observação de que a
falha ao efavirenz leva à resistência primariamente associada à mutação K103N, que normalmente é acompanhada das mutações L100I e P225H, enquanto que a resistência relacionada à nevirapina vem normalmente associada à mutação Y181C, que estará acompanhada das mutações K101E e G190A32. Interessante notar que as mutações que estão
Tabela 2. Perfil mutacional provável após a primeira falha com duplas diferentes de ITRN
Dupla de ITRN
ZDV/3TC
ABV/3TC
TDF/3TC
ddI/3TC
Mutações prováveis
M184V
TAM (?)
M184V
M184V
K65R (?)
M184V + K65R,
ou L74V/I ,ou
T69A/D/N
Resgate possível
TDF/3TC
ZDV(d4T)/3TC
ou TDF/3TC
ZDV/3TCT
ZDV (d4T)/3TC
Medicamentos que não
devem ser usados
ddI, ABV
ddI
ddI, ABV, d4T
ddI, ABV
164
A interpretação da resistência aos antirretrovirais
Tabela 3. Barreira genética individual dos ITRN e ITRNN
Baixa
Média
Alta
Lamivudina (3TC)
ZDV ou AZT
Didanosina (ddI)
Entricitabina (FTC) não disponível no BR
Abacavir
Estavudina (d4T)
Nevirapina (NVP)
Tenofovir (TDF)
Efavirenz (EFV)
descritas anteriormente como relacionadas à nevirapina levariam a maior possibilidade de resistência cruzada ao ITRNN de segunda geração, a etravirina. A etravirina é um novo ITRNN que
quebra vários paradigmas construídos baseados nos ITRNNs de primeira geração, pois
apresenta barreira genética maior, atividade residual e menor resistência cruzada dentro da
classe. De fato, a etravirina foi concebida com a vocação principal de resgate a falha com
resistência dos ITRNNs de primeira geração39. A hipotética resistência cruzada à etravirina,
portanto, ocorreria com menor frequência quando o fármaco usado fosse o efavirenz.
Por se tratar de molécula mais flexível, a etravirina pode ligar-se em posições distintas
próximas do sítio ativo da transcriptase reversa. Dessa forma, tal medicamento quebra o
paradigma próprio da classe dos ITRNNs, que é a ausência de atividade residual e resistência cruzada ampla. A emergência de novas mutações de resistência ocorrerá, aproximadamente, na metade dos pacientes que apresentam falha a esquemas contendo esse
medicamento no resgate, sendo que as mutações mais frequentemente selecionadas com
repercussão fenotípica serão as V179F, V179I e Y181C, embora as mutações nos códons
K101 e E138 também apareçam com uma certa frequência39. A falha aos esquemas iniciais
(primeiro esquema ARV) contendo ITRNN deveria então conter um IP-r. Em pacientes virgens de IP ou que nunca tenham falhado ao IP sem ritonavir, a chance de que se obtenha
uma ótima eficácia com esquema contendo IP-r é muito grande. O que corrobora isso é
o fato de que pacientes que falham a IP-r como seu primeiro IP não desenvolvem resistência na protease, sendo que esse fato já foi comprovado na falha ao lopinavir-r40, atazanavir-r41, fosamprenavir-r1 e saquinavir-r12, mesmo nos casos em que a monoterapia com
IP-r foi utilizada, como visto em estudos de monoterapia com lopinavir-r17 e atazanavir-r18.
Outro fator corroborador deve-se ao fato de que estudos de monoterapia com IP-r mostram que aproximadamente 90% ou mais dos pacientes mantêm a carga viral indetectável
por períodos de 48 semanas17,18.
Falha a esquemas iniciais contendo inibidores
da protease
Como discutido anteriormente, se a escolha para tratamento inicial for esquema contendo IP-r, não se espera, na falha, a presença de mutações de resistência na protease.
165
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 4. Localização dos códons principais e acessórios na transcriptase reversa
relacionados à resistência aos ITRN e nucleotídeo
Medicamento
Códons principais Códons acessórios
AZT
T215F/Y
E40F, M41L, D67N/E/G, K70R/G/E/N, L210W,
T215C/D/S/I/E/N/V, K219Q/E/N/R
3TC
M184V/I, P157S
E44A/D, V118I
d4T
I50T, V75M/S/A/T
M41L, D67N/E/G, K70R/G/E/N, M184V/I, L210W,
K219Q/E/N/R
ddI
K65R,
T69A/D/S/N/G,
L74V/I
M41L, D67N/E/G, K70R/G/E/N, M184V/I, L210W,
K219Q/E/N/R
ddC
K65R,
T69A/D/S/N/G,
L74V/I, M184V/I
M41L, D67N/E/G, K70R/G/E/N, L210W, K219Q/E/
N/R
ABV
Y115F
K65R, L74I/V, M184I/V, T215F/Y
TDF
K65R
M41L, D67N/E/G, K70R/G/E/N, L210W, K219Q/E/
N/R
MDR
Ins 69, Q151L/M*,
del 67
*A62V, 75M/S/A/T, F77L, F116Y
*Códons acessórios relacionados ao códon Q151L/M
Medicamento
Códons
Nevirapina
A98G, L100I, K101E/P, K103N/A/S/T/Q, V106A/M, V108I, V179D/E,
Y181C/I/V, Y188L/H/C, G190A/E/Q, F227L/C, M230L
Delavirdina
L100I, K101E/P, K103N/A/S/T/Q, V106A/M, V108I, Y181C/I/V, Y188L/
H/C, M230L, P236L
Efavirenz
L100I, K101E/P, K103N/A/S/T/Q, V106A/M, Y181C/I/V, Y188L/H/C,
G190A/E/Q, P225H, M230L
Etravirina
A98G K101P/E/H E138A V179D/T/F Y181C G190A/S M230L
Normalmente, a falha a esses esquemas está associada à má adesão ao tratamento, e
existe uma boa chance de que se consiga a supressão viral com a melhora da adesão.
Dessa forma, não haveria a necessidade de substituição do IP, ou esse poderia ser substituído com segurança por qualquer outro IP-r. No entanto, na falha a esquemas iniciais
contendo IP sem ritonavir, existe uma clara chance de progressão genética na protease e
acúmulo de mutações de resistência. Nesses casos, discutiremos a falha aos IPs sem ritonavir no contexto das mutações mais frequentes, que podem ser vistas na tabela 4. Portanto, todas as considerações a seguir estão relacionadas à falha virológica dos pacientes
que por algum motivo foram tratados com IP sem o ritonavir. Nota-se que a falha será
com a seleção de uma mutação principal e várias mutações acessórias, mas, nesse caso,
166
A interpretação da resistência aos antirretrovirais
sempre devemos discutir a repercussão da presença da mutação principal. Nota-se que na
perspectiva do uso do darunavir-r em um futuro resgate, de forma geral deveremos considerar que se evite o uso de amprenavir ou fosamprenavir sem o uso do ritonavir, visto
que as mutações selecionadas por este fármaco tem perfil semelhante às mutações do
darunavir com potencial risco de resistência cruzada42. A mesma cautela valeria entre
pacientes que apresentassem vírus com mutações na protease, em que o fosamprenavir
poderia acrescentar novas mutações com potencial resistência cruzada ao darunavir. Claro
que essa cautela não faz sentido nos casos de tratamento com fosamprenavir-r quando
não há resistência na protease, o que ocorre entre os pacientes virgens de IP ou naqueles
nunca expostos a IP sem ritonavir. Apesar disso, pode-se notar que a resistência cruzada
ao darunavir entre os pacientes que apresentam vírus com mutações aos IPs é muito baixa, sendo que somente 2,1% dos pacientes apresentam mais de três mutações específicas
a este medicamento32.
Os comentários a seguir referem-se aos perfis
de resistência aos inibidores de protease mais
utilizados atualmente
Falha a esquema contendo atazanavir
Nessa situação, a resistência ocorre exclusivamente no contexto da mutação I50L praticamente em todos os casos. É muito interessante notar que essa mutação leva à hipersensibilidade a todos os outros IPs44. Não se sabe na verdade qual a repercussão dessa
hipersensibilidade na prática clínica, mas pelo menos existe a indicação de que o resgate
com um IP-r não será dificultado nessa situação.
Falha a esquema contendo amprenavir ou fosamprenavir
Nessa situação a mutação principal é a I50V, que é uma mutação na mesma posição
na protease que a mutação selecionada pelo atazanavir; entretanto, com a emergência de
um aminoácido diferente. Essa mutação leva a uma hipersensibilidade ao atazanavir, e é
peculiar o fato de que a mutação I50L do atazanavir leve à hipersensibilidade ao amprenavir, enquanto a I50V do amprenavir leva à hipersensibilidade ao atazanavir. Novamente,
não se sabe ao certo a repercussão clínica da hipersensibilidade na protease.
Falha a esquemas contendo tipranavir
O tipranavir foi o primeiro IP não peptídico desenvolvido, tendo sido usado de forma
mais extensa há alguns anos na Europa Ocidental e na América do Norte e não tendo sido
incluído nas diretrizes nacionais para uso em adultos. Dessa forma, espera-se que a quantidade de pacientes falhando a esse ARV seja mínima no Brasil. Uma análise baseada em
167
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
resultados de dados de fenotipagem (Monogram) demonstrou que, de 935 isolados, revelando perda de susceptibilidade ao tipranavir, 658 (70%) ainda manteriam sensibilidade ao darunavir, sendo este o resgate mais óbvio para a situação44. Em uma análise
brasileira de 2.474 pacientes falhando ARVs, 54% apresentavam mutações principais na
protease32. Desses, 19,3% apresentavam resistência genotípica ao tipranavir, sendo que
desses, 90% apresentavam sensibilidade ao darunavir. Da mesma forma, analisamos 266
fenotipagens virtuais de pacientes brasileiros altamente experimentados e com algum nível
de resistência na protease e constatamos que 61% apresentavam resistência ao tipranavir,
sendo que 55,7% desses ainda apresentavam susceptibilidade plena ao darunavir (dados
não publicados).
Falha a esquema contendo darunavir
As mutações que mais frequentemente emergem por ocasião da falha virológica ao
darunavir são V32I, L33F, I47V, I54L, e L89V45. Da mesma forma do que foi discutido
para o tipranavir, é concebível que o IP com sensibilidade aos pacientes com resistência
ao darunavir após falha a esse medicamento seja o tipranavir. Foi demonstrado que as
mutações novas mais frequentes após a falha com esquemas contendo darunavir entre
25 pacientes muito experimentados foram L89I/M/V (32%), V32I (28%), V11I (20%),
I47V/A (20%), I54L/M (20%), L33F/I (16%) e I50V (16%), sendo que, após a falha, a
prevalência de sensibilidade ao tipranavir caiu da análise pré-tratamento de 76 para 60%,
sugerindo que, mesmo após a falha ao darunavir, o resgate com tipranavir seria possível46.
A exemplo do que foi citado anteriormente, de 586 isolados com diminuição de susceptibilidade fenotípica ao darunavir, 53% continuavam sensíveis ao tipranavir44. Entre 1.336 pacientes brasileiros falhando ARVs e com resistência na protease, 2,2% somente apresentavam resistência genotípica ao darunavir, sendo que 82,8% desses pacientes com
resistência ao darunavir ainda apresentavam susceptibilidade ao tipranavir32. Entre 266 fenotipagens virtuais de pacientes brasileiros com resistência na protease, 32% apresentavam
resistência ao darunavir, sendo que 15,6% desses ainda apresentavam susceptibilidade
plena ao tipranavir (dados não publicados).
Falha a esquemas contendo raltegravir
O raltegravir é o primeiro representante da classe dos inibidores da integrase. Trata-se
de medicamento bastante potente e com diminuição bastante rápida da viremia 47.
A barreira genética não é muito alta comparado a dos IP-r, como demonstrado pelos
estudos de switch48. Tem importância fundamental no tratamento de resgate por se tratar
de medicamento de nova classe em que a transmissão de vírus resistentes ainda é muito rara49.
Em diretrizes e consensos americanos e europeus, esse medicamento encontra-se também
apontado como opção para tratamento inicial. A falha virológica nem sempre está acompanhada de resistência, que ocorre em cerca de 50% dos casos, o que indica que os
testes de resistência sejam fundamentais nesses casos47. Apresenta notoriamente três vias
168
A interpretação da resistência aos antirretrovirais
mutacionais para seleção de variantes do HIV com resistência, as vias envolvendo o códon
155 da integrase, 143 e 14850. Durante a falha precoce, a maioria dos pacientes com
vírus resistentes apresentará vírus com mutações no códon 155 (45%), enquanto que a
prevalência de mutações nos códons 143 e 148 é semelhante, sendo de aproximadamente 25% cada. A resistência cruzada ao novo inibidor de integrase que está mais próximo
do registro, o elvitegravir, é grande, posto que qualquer uma dessas três vias mutacionais
pode ter impacto no medicamento. Já o dolutegravir, também inibidor de integrase, apresenta potencial para resgatar a falha ao raltegravir quando as vias mutacionais se relacionam aos códons 155 e 14351. É importante salientar que os vírus com a mutação no
códon 155 poderão evoluir para o vírus com a mutação no códon 148 se a pressão seletiva do raltegravir for mantida por períodos estendidos de tempo50, o que potencialmente dificultaria o futuro resgate com o dolutegravir. Dessa forma, é interessante recomendar
que a resistência ao raltegravir seja detectada rapidamente e que, na medida do possível,
o tratamento com raltegravir seja substituído no intuito de se preservar futuras opções
terapêuticas.
Falha a esquemas contendo maraviroque
Os antagonistas de CCR5 necessitam de um teste de suscetibilidade antes de serem
utilizados, ensaios estes conhecidos como testes para determinação do tropismo do HIV
ou, simplesmente, testes de tropismo. Esses testes visam determinar que a maioria das
variantes virais presentes na população de vírus infectando um determinado hospedeiro
seja variantes que utilizam o receptor a ser antagonizado: o CCR5. Sabe-se que, alternativamente, o HIV pode passar a utilizar o receptor CXCR4 por ocasião do fenômeno conhecido como mudança de tropismo. Dessa forma, um novo teste de tropismo deve ser
realizado no momento da falha virológica em esquemas com maraviroque. O maraviroque
tem sido mais extensivamente usado em resgate precoce em países desenvolvidos e na
diretriz americana conhecida como IAS-USA e está também recomendado como opção
para tratamento inicial. Especulamos que o maraviroque tenha uma barreira genética
elevada, posto que somente a minoria, cerca de 1/3 dos pacientes em falha virológica,
apresenta vírus com a mudança do tropismo para o uso do receptor CXCR4. Nesses casos,
especula-se que o medicamento ainda possua atividade e que o maraviroque não seja o
responsável pela falha virológica em questão. Em alguns casos mais raros, um vírus com
uma pequena diminuição de susceptibilidade ao maraviroque pode emergir sem a respectiva mudança de tropismo. Essas variantes virais podem apresentar mutações na alça V3
da GP120 como A316T ou I323V52. Um teste de genotropismo pode também identificar
os casos em que houve a perda de ação desse medicamento.
Falha a esquemas contendo enfuvirtida
A enfuvirtida é um medicamento que inibe a fusão da membrana celular com o envoltório viral pela ligação com a região HR1 da gp41 do HIV. A barreira genética para
169
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
desenvolvimento de resistência a esse medicamento é extremamente baixa, sendo que
duas semanas de viremia é suficiente para proporcionar resistência a esse medicamento
em praticamente todos os casos53. Dessa forma, os tratamentos contendo enfuvirtida
não devem perdoar a replicação viral, sendo a indetectabilidade da carga viral condição
fundamental. As mutações de resistência aparecem justamente na região HR1 da gp41
sendo frequentemente acompanhadas de mutações na região HR2 que se contrapõe à
região HR1. Entende-se que as mutações da região HR2 sejam selecionadas para recuperar o fitness perdido pelas mutações selecionadas na região HR1.
A importância dos testes de resistência para pacientes usando a enfuvirtida relaciona-se
a dois fatores fundamentais. O primeiro é de que tratamentos revelando mutações de
resistência a enfuvirtida deveriam normalmente ser interrompidos, posto que não existe
atividade residual desse medicamento. A não detecção de mutações de resistência durante falha virológica significa má adesão ao medicamento. O segundo é de que a presença
da mutação V38A no HR1 acompanhada de N140T ou T18A pode estar associada a benefício imunológico a despeito da falha virológica54. Nesse contexto, a discussão sobre a
manutenção da enfuvirtida mesmo na falha ao tratamento poderia ser reaberta para
aqueles pacientes sem outras opções terapêuticas disponíveis.
Interessante notar que alguns pacientes virgens de tratamento podem apresentar as
mutações da região HR255. Isso poderia ser considerado um polimorfismo natural, posto
que é mais frequente, em variantes não b, o B de regiões fora do hemisfério norte. Essas
mutações da região HR2 não repercutem na susceptibilidade natural à enfuvirtida, mas
pode-se especular que, nesses casos, a barreira genética para resistência esteja diminuída.
Conclusão
Fica relativamente claro atualmente que a resistência aos ARVs continua sendo um
problema, e a escolha dos melhores medicamentos é uma arte que exige experiência e
conhecimento. Como desafio, temos não só a falha virológica, mas a própria resistência
transmitida, que pode ser uma causa não anunciada de falha. O desenvolvimento contínuo
de novos medicamentos com melhor perfil para o resgate é bastante promissor, mas, em
alguns casos, a resistência cruzada pode ser um obstáculo a ser detectado e vencido.
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172
Capítulo 12
AIDS pediátrica
Marinella Della Negra, Wladimir Queiroz e Yu Ching Lian
Aspectos epidemiológicos
Não obstante a comunicação à comunidade científica de que uma nova epidemia
havia iniciado em 1981, gerando rápido esforço e investimentos para estudar o agente
causal (HIV), as formas de transição, o diagnóstico e o tratamento, tal epidemia, a AIDS,
continua acometendo de forma substancial os povos.
–Mais de 7.000 novos casos por dia (2009).
–Mais de 97% em países de baixo e médio recursos.
–Cerca de 1.000 em crianças menores de 15 anos.
–A maioria por transmissão vertical.
–Cerca de 6.000 casos em indivíduos maiores de 15 anos de idade.
–Porcentual de 51% entre as mulheres.
–Porcentual de 41% entre os jovens (15‑24 anos).
A incidência entre crianças vem diminuindo de modo global devido ao aumento dos
programas de profilaxia da transmissão materno fetal (PTMF).
A diferença na incidência entre os povos se deve especialmente às grandes diferenças
socioculturais entre eles. Hoje a epidemia se concentra principalmente em países com baixos
recursos. Podemos dizer, em relação às crianças, que existem duas epidemias do HIV (Fig. 1).
Embora o Brasil faça parte do grupo de países em desenvolvimento, muito cedo se deu
conta de que, pelas características do país, a epidemia de HIV/AIDS teria todas as condições
para se tornar devastadora e montou programas de prevenção, diagnóstico e tratamento,
sendo considerado internacionalmente um modelo no enfrentamento da epidemia.
A transmissão do HIV é a maior causa da infecção em crianças no nosso país ainda
hoje, apesar de normas para o controle dessa via de transmissão estarem sendo implementadas em todo território nacional pelo Ministério da Saúde e pelos órgãos regionais
de saúde. Mas, assim como as diferenças entre os países interferem nos resultados na luta
contra a epidemia, o Brasil, por ser um país de dimensões continentais e com diferenças
socioculturais entre seus estados, tem diferentes taxas de transmissão vertical em suas
regiões (Tabelas 1 e 2).
173
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Prevalência de adultos (%)
15,0-28,0%
5,0-< 15,0%
1,0-< 5,0%
0,5-< 1,0%
0,1-< 0,5%
< 0,1%
Dados não disponíveis
Países em desenvolvimento
Alta incidência de casos novos, progressão
rápida da doença, infecção perinatal em curso,
acesso limitado a ARTV.
Prioridades: melhorar diagnóstico, acesso
universal à medicação, monitoramento,
eliminar transmissão materno fetal.
Países desenvolvidos
Crianças mais velhas, poucos
casos novos. Alta especificidade e
individualização do tratamento.
Prioridades: uso de novos
fármacos e simplificação de
esquema antirretroviral.
Figura 1. Distribuição mundial da epidemia de HIV em crianças.
Mesmo em uma mesma região do Brasil, há diferenças entre os estados que a compõe.
Na região sudeste, a mais industrializada e com maior concentração populacional, o estado
de São Paulo tem taxa de transmissão diferente das taxas da região. A taxa de transmissão
vertical do estado de São Paulo está entre as menores do país (Fig. 2).
Essas diferenças de incidência só nos confirmam o que já se sabe há algum tempo: o
resultado do enfrentamento da epidemia deve levar em conta todas as diferenças que
existem entre as populações.
Tabela 1. Cobertura (%) referida de teste de HIV no pré‑natal segundo região. Brasil, 2006
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
C-Oeste
Brasil
8,4
5,4
3,5
2,6
2,0
4,1
42,4
45,4
11,0
5,7
7,5
21,0
1,1
8,8
2,1
0,6
0,6
3,4
Pré‑natal, pedido de teste,
concordãncia da gestante,
desconhecimento do
resultado
12,9
9,1
7,4
12,7
6,2
9,0
Todas etapas cumpridas
35,3
31,3
76,0
78,3
83,7
62,5
Não fez pré‑natal
Pré‑natal, não houve
pedido de teste
Pré‑natal, pedido de teste,
recusa da gestante
Adaptado de Estudo‑Sentinela Parturiente, 2004. Elaborado por Szwarcwald CL, 2005.
174
AIDS pediátrica
Tabela 2. Taxas de transmissão vertical do HIV por Região. Brasil, 2004
Região
TV (%)
Norte
13,40
Nordeste
7,7
Centro‑oeste
4,3
Sudeste
7,6
4,9
Brasil
6,8
Percentual de transmissão (%)
Sul
3,00
2,50
2,00
1,50
1,00
0,50
0,00
Coorte francesa Reino Unido
1997-2004
e Irlanda
2000-2006
Estudo
colaborativo
Europeu
2001-2003
Coorte
americana
2001-2005
São Paulo, Brasil
2002
Figura 2. Baixas taxas de transmissão vertical da Europa, Estados Unidos e Brasil (adaptado de
Warszawski, AIDS 2008; Townsend, AIDS 2008; European Collaborative Study, CID 2005; Katz, JAIDS
2010; Matilda; AIDS 2005).
Patogênese
Estudos recentes mostram que há um importante paradoxo na patogênese da infecção
pelo HIV: de um lado, o grande marcador da infecção pelo HIV, a perda de células CD4,
que leva a uma imunodeficiência e a condições relacionadas à AIDS (infecções oportunistas);
por outro lado, a hiperatividade imunológica (inflamação), que é a maior responsável pelo
direcionamento da patogênese do HIV, inclusive a perda de células CD4.
Alguns fatores parecem contribuir para a disfunção imune e a ativação do processo
inflamatório.
–Efeito direto e indireto do vírus e produtos virais.
–Resposta do hospedeiro à infecção pelo HIV.
–Lesões intestinais produzidas pelo HIV levam à translocação microbiana.
175
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
–Coinfecções com tuberculose (TB).
–Fármacos antirretrovirais.
–Abuso de droga (cocaína).
–Replicação residual do vírus apesar da supressão pelos antirretrovirais (evidente no
intestino).
Na fase aguda da infecção, o organismo, naturalmente, ativa a resposta imune. A
resposta imune inata é mediada por sensores das células do sistema imune, denominados
receptores toll. Existem diferenças entre a ativação do sistema imune da infecção pelo HIV
e outras infecções. Na maioria das doenças infecciosas, inclusive aquelas cujo patógeno
persiste indefinidamente, como a hepatite C, causada pelo HCV, a ativação imune diminui
drasticamente após a fase aguda. Na infecção pelo vírus da imunodeficiência símia (SIV)
e por HIV, a ativação imune persiste durante a fase crônica.
Estes cenários são bem descritos em adultos; porém, o que deve ocorrer em crianças?
–O processo inflamatório é variável, mais ou menos severo, associado ao perfil imunológico que varia com a idade.
–A inflamação parece estar associada a todas as causas de mortalidade.
– Evidência de complicações tardias, como resistência à insulina, dislipidemia, hipertensão e desmineralização óssea.
–Estudos do processo inflamatório devem ser feitos em cenários clínicos variados,
especialmente em crianças de transmissão vertical progressoras lentas.
A evolução para a progressão da doença parece ser o resultado do balanço entre a
ativação e a exaustão imune.
Diagnóstico da infecção pelo HIV
Assim como entre adultos, a pesquisa de anticorpos anti‑HIV compõe o padrão para
o diagnóstico da infecção pelo HIV entre crianças e adolescentes. Entretanto, os testes
sorológicos devem ser interpretados com extrema cautela em crianças com idade inferior
a 18 meses nascidas de mães infectadas pelo HIV, graças à transferência transplacentária
dos anticorpos maternos. A maioria dos estudos revela que os anticorpos maternos anti‑HIV permanecem detectáveis na circulação da criança até o primeiro ano de vida; porém,
algumas crianças não infectadas pelo vírus podem apresentar níveis detectáveis desses
anticorpos até os 18 meses de idade. Os testes sorológicos tradicionais podem apresentar
alguma utilidade quando apresentam resultados repetidamente negativos nessa faixa etária, afastando o diagnóstico da infecção pelo HIV. Por outro lado, o teste rápido, que
também detecta a presença de anticorpos anti‑HIV, pode ser extremamente útil quando a
sorologia materna se encontra indisponível, e medidas profiláticas para a transmissão
vertical do HIV devem ser instituídas o mais rapidamente possível. Nesses casos, o teste
rápido pode revelar a exposição à transmissão vertical; porém, o diagnóstico da infecção
pelo HIV deverá utilizar outras técnicas. Recomenda‑se que o teste rápido esteja disponível
em maternidades e unidades neonatais por essas razões.
O diagnóstico apropriado da infecção pelo HIV entre crianças expostas à transmissão
vertical com idade inferior a 18 meses depende, essencialmente, de testes de amplificação de
176
AIDS pediátrica
ácido nucleico (NAAT). Os NAATs que detectam o RNA viral ou o DNA pró‑viral representam,
atualmente, o padrão ouro para o diagnóstico da infecção pelo HIV‑1 nessa população.
A técnica de amplificação do DNA pró-viral detecta a presença do material genético
do vírus em células sanguíneas mononucleares periféricas (PBMC) quiescentes ou que
estejam ativamente replicando o HIV e apresenta sensibilidade e especificidade superior a
90% em crianças com 30 dias de idade expostas à transmissão vertical e não submetidas
ao aleitamento materno. Resultados falso‑positivos são raros e supostamente decorrentes
de contaminação laboratorial.
Diversas técnicas de amplificação do RNA viral no plasma são atualmente licenciadas,
fornecendo resultados quantitativos expressos em número de cópias do HIV‑1 por mililitro
de sangue (cópias/ml). A sensibilidade dessas técnicas varia de 25 a 50% quando as
amostras são coletadas em recém‑nascidos de poucos dias de vida, até 100% nas amostras coletadas em crianças com idade superior a seis semanas. Sua especificidade é comparável à técnica de amplificação do DNA pró‑viral. Resultados com valores inferiores a
10.000 cópias/ml sugerem resultado falso‑positivo, uma vez que crianças infectadas pelo
HIV‑1 e não submetidas à terapia antirretroviral frequentemente apresentam valores superiores a 100.000 cópias/ml.
Alguns fatores podem prejudicar a análise dos resultados dos testes de amplificação
do ácido nucleico viral:
–O momento da infecção: crianças infectadas durante o parto podem apresentar
testes negativos nos primeiros dias ou semanas de vida. A sensibilidade desses testes
aumenta com a idade da criança. A despeito do alto custo desses testes, recomenda‑se que sejam coletadas três amostras: aos 14 dias de vida, entre um e dois meses
e entre três e seis meses de idade.
–Exposição aos antirretrovirais: a maioria dos estudos relata que a administração de
antirretrovirais para a mãe e/ou a criança, como profilaxia da transmissão vertical,
não altera significativamente os resultados do NAAT viral realizado durante os primeiros seis meses de vida. Entretanto, a atual variedade de esquemas profiláticos
com antirretrovirais sugere que novos estudos sejam realizados para aferição da
sensibilidade e da especificidade desses testes nessa população.
–Aleitamento materno: o aleitamento materno, contraindicado quando a mãe é infectada pelo HIV, constitui em constante fonte de infecção pelo vírus após o nascimento. Quando a criança foi submetida ao aleitamento materno, a cronologia das
coletas dos testes deve obedecer ao término do período de aleitamento e não ao
nascimento da criança.
–Características do vírus: o HIV‑1 pode ser classificado em três grupos: M (responsável
por mais de 90% das infecções no mundo), O e N. As cepas do grupo M apresentam
subtipos A, B, C, D, E, F, G, K e O. Mais de 50% das infecções pelo HIV no mundo
são causadas pelo subtipo C, predominante na África subsaariana e na Índia. Nas
Américas e Europa predominam as infecções pelo subtipo B. Além dessas classificações,
existem ainda as cepas recombinantes e o HIV‑2. As diversas técnicas de amplificação
de ácido nucleico podem não detectar todas as diferentes cepas virais, ainda que
novos kits comerciais, capazes de identificar diferentes cepas, estejam em desenvolvimento, especialmente os de amplificação do RNA viral.
177
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
–Momento da coleta: o sangue coletado do cordão umbilical ou na primeira semana
de vida não deve ser utilizado para diagnóstico através das técnicas de NAAT, pelo
risco de contaminação e resultados falso‑positivos.
De uma maneira geral, considera‑se infectada a criança que apresenta pelo menos dois
NAATs positivos dentre as três coletas preconizadas (14 dias, um a dois meses e três a seis
meses de idade).
O diagnóstico de infecção pelo HIV pode ser excluído na criança não submetida ao
aleitamento materno que apresenta dois NAATs negativos, um coletado após quatro
semanas de vida e o segundo após quatro meses de idade. Alternativamente, dois testes
sorológicos negativos, colhidos em amostras separadas, após os seis meses de vida, também excluem o diagnóstico de infecção. Em qualquer situação laboratorial, o diagnóstico
de infecção pelo HIV somente poderá ser excluído na ausência de qualquer outra evidência
clínica (Doença Definidora de AIDS) ou laboratorial de infecção pelo HIV.
Apresentação clínica
Nos últimos anos, com o avanço e os benefícios dos novos antirretrovirais, a evolução
clínica das crianças infectadas pelo HIV tem apresentado mudanças importantes. No
período anterior ao amplo uso de antirretrovirais, as crianças portadoras de HIV apresentavam infecções graves, com alta taxa de mortalidade e internações hospitalares frequentes,
e muitas crianças apresentavam quadro neurológico de evolução lenta, porém, progressiva,
causando distúrbios neuropsicomotores severos. Sem dúvida, o diagnóstico precoce de
infecção pelo HIV e o melhor conhecimento das infecções oportunistas também contribuíram para a queda significativa da mortalidade nas crianças infectadas pelo HIV.
As infecções bacterianas não oportunistas ainda são as principais intercorrências clínicas observadas nos pacientes pediátricos, as mais comuns são infecções das vias superiores, como otite média crônica, sinusopatias e mastoidites. A pneumonia pneumocócica é
a infecção pulmonar mais comum. A sepse bacteriana também é observada com frequência nos pacientes internados, os cocos gram‑positivos, como estreptococo e estafilococo, e os gram‑negativos, como pseudomonas, são os agentes bacterianos mais encontrados. Os agentes responsáveis são semelhantes aos observados nas crianças sem infecção
pelo HIV. Em geral, os pacientes apresentam evolução clínica satisfatória com a administração do antimicrobiano específico. Com a imunossupressão, as manifestações clínicas de
infecção bacteriana podem ser menos intensas e atípicas, a febre não é observada em
muitos casos e a disseminação sistêmica da infecção ocorre rapidamente. As infecções
bacterianas ainda são causa importante de internação hospitalar e óbito. A doença causada pela micobactéria, principalmente a M. tuberculosis, deve ser afastada nos pacientes
que apresentam infecções pulmonares de repetição ou outros sinais clínicos sugestivos,
como febre vespertina e perda de peso. É raro encontrar formação de caverna pulmonar
nos pacientes com grau avançado de imunodeficiência. A coinfecção HIV e M. tuberculosis é alarmante no mundo todo. Doenças causadas por outras micobactérias devem ser
consideradas, principalmente os pacientes que apresentam contagem de linfócitos CD4
menor do que 50 células. As manifestações clínicas não são específicas, e as mais observadas são febre, anemia, dor abdominal e alterações das enzimas hepáticas.
178
AIDS pediátrica
Figura 3. Herpes simples de face.
As doenças causadas pelo citomegalovírus (CMV) e virus varicela zóster são consideradas
as infecções oportunistas virais mais encontradas nas crianças com AIDS. O CMV pode
acometer o trato digestivo desde a boca até o reto, além de causar retinite, encefalite, neurite
periférica, hepatite e pneumonite intersticial. A doença é mais observada no paciente com
imunossupressão muita severa. O virus varicela zóster pode causar doença nos diversos estágios da imunossupressão. Sem dúvida, a gravidade da doença pode estar relacionada ao grau
de imunossupressão, sendo comum a recorrência da doença. O herpes simples é o outro vírus
que observamos com frequência nas crianças, a apresentação clínica pode ser atípica, e a forma
crônica é comum, sendo que, não raro, a quimioprofilaxia com antiviral é necessária (Fig. 3).
O sarcoma de Kaposi é mais observado nos pacientes adultos e nas crianças das regiões
endêmicas, ainda são poucos os relatos de casos pediátricos no país.
Entre as doenças fúngicas, a candidíase é a mais observada, muitas vezes como a primeira manifestação clínica da infecção pelo HIV. A mucosa da boca e do esôfago são os
locais em que mais encontramos lesões. O aparecimento da candidíase está relacionado à
piora da imunidade do paciente. Outra doença fúngica de grande importância é a criptococose, sendo a meningite criptocóccica a forma mais encontrada da doença. A cefaleia pode
ser a única manifestação clínica. A criptococose está relacionada à imunossupressão severa.
As outras doenças fúngicas que não podemos esquecer são histoplasmose e aspergilose.
A toxoplsmose e a criptosporidiose são as parasitoses mais observadas. Na toxoplasmose, a forma cerebral é mais comum, e a manifestação clínica mais observada é a crise
convulsiva ou déficit motor de forma súbita (Fig. 4). Com o tratamento específico, a
evolução da toxoplasmose é boa, mas o paciente pode apresentar recaída da doença com
a queda de imunidade celular.
A criptosporidiose é a doença intestinal oportunista mais observada nas crianças com
diarreia crônica, podendo causar distúrbios metabólicos e desnutrição grave. Infelizmente,
a resposta às antiparasitárias disponíveis atualmente é ruim, e a recuperação da imunidade é imprescindível para o controle da doença.
Na era do tratamento com antirretrovirais potentes, a sobrevida das crianças infectadas
pelo HIV melhorou de forma significativa; porém, surgiram várias novas preocupações nos
179
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Figura 4. Toxoplasmose cerebral.
últimos anos: os efeitos adversos das medicações, as alterações metabólicas, as doenças
cardiovasculares, distúrbios neurológicos e comportamentais.
As maiores preocupações cardiometabólicas nas crianças portadoras de HIV incluem
perfil lipídico elevado, resistência à insulina, inflamação cardiovascular e lipodistrofia. Diferentes dos pacientes adultos, a maioria das crianças foi infectada e exposta aos antirretrovirais e HIV na fase muito precoce da vida, isto é, antes de nascer. Os estudos observaram
que o próprio HIV pode contribuir para o aumento de risco de doenças cardiovasculares, e
sabemos que alguns antirretrovirais apresentam efeitos adversos graves, como hipertrigliceridemia e lipodistrofia. As crianças infectadas pelo HIV devem receber avaliação regular de
perfil lipídico, de glicemia, pressão arterial, peso corpóreo e possível doença renal. Ao escolher o esquema terapêutico, o médico deve considerar os efeitos adversos dos antirretrovirais,
assim podemos minimizar as possíveis complicações futuras. Também é importante incentivar as crianças e adolescentes a praticar exercícios, alimentação saudável e não fumar.
Com o aumento de sobrevida das crianças infectadas pelo HIV, acredita‑se que aumentará
o número de adolescentes e adultos jovens com doença cardiovascular no futuro próximo.
Apesar da supressão de replicação viral, da recuperação considerável de imunidade e
da queda significativa de incidência de infecções oportunistas, inclusive do sistema nervoso
central, os distúrbios neurocognitivos relacionados ao HIV ainda chamam atenção entre os
médicos que acompanham esses pacientes. Os estudos mostraram que, com o uso precoce
de antirretrovirais de melhor penetração no sistema nervoso central, a taxa de encefalopatia
relacionada ao HIV apresentou uma queda de 50%, mas, apesar do declínio, a forma leve
de alterações neurocognitivos persiste, e alguns pacientes desenvolveram doenças na ausência de imunossupressão severa. Existem inúmeras hipóteses, como injúria direta pelo HIV,
efeito deletério da proteína viral, efeito indireto de citocina pró‑inflamatória, ativação crônica e outras. Acredita‑se que o início precoce do tratamento da infecção pelo HIV pode
180
AIDS pediátrica
minimizar os distúrbios neurológicos. Os números significativos de pacientes acompanhados
no nosso ambulatório apresentam alguns tipos de distúrbio neurológico, essas alterações dificultam a inserção do paciente na escola, na sociedade e, muitas vezes, na própria família.
Com o crescimento das crianças, os números de adolescentes aumentaram nos últimos anos,
com isso, também aumentaram algumas preocupações no acompanhamento desses pacientes.
A adolescência é um período de transição, caracterizada por insegurança, conflitos e
prepotência, além da mudança física, psicológica e sexual. Esse período é mais conturbado
para adolescentes portadores de HIV, que, muitas vezes, são órfãos, ou moram em instituições. A grande dificuldade frente a esses pacientes é a revelação do diagnóstico, pois
seu desconhecimento contribui para a não aderência ao tratamento. O trabalho conjunto
com os profissionais multidisciplinares é fundamental. Outro ponto crucial é a sexualidade
e a prevenção. Muitas vezes, com a liberdade conquistada pela adolescência ou emancipação antecipada, os adolescentes iniciam a atividade sexual precocemente e, assim, adquirem outras doenças sexualmente transmissíveis e gravidez. Algumas gestações são
desejadas; porém, muitas não são, mas o ponto comum entre todas é a falta de condições
socioeconômicas adequadas para cuidar do filho. Felizmente, a transmissão vertical do HIV
entre as adolescentes portadoras de HIV é quase zero. Sem dúvida, o acompanhamento
regular e especializado durante a gestação é muito importante.
O acompanhamento das crianças e dos adolescentes com infecção pelo HIV vai muito
além do exame clínico e da prescrição médica, o apoio emocional e a inserção social e
profissional são muitos importantes junto aos antirretrovirais.
Tratamento antirretroviral
Apesar de termos um grande arsenal de antirretrovirais disponíveis para adultos, o
número de medicamentos disponíveis para crianças é infinitamente menor. Esse fato se
deve à necessidade de estudos em crianças somente após o conhecimento da ação do
medicamento em adultos, pois a biodisponibilidade de um fármaco é diferente em crianças
devido, principalmente, às diferenças no seu metabolismo.
As diferenças metabólicas nessa faixa etária necessitam do estabelecimento de
posologias diferenciadas, e os objetivos do tratamento são:
–Alcançar e sustentar a completa supressão de carga viral de HIV-RNA.
–Minimizar a curto e longo prazo a toxicidade do antirretroviral.
–Minimizar a farmacorresistência viral.
–Normalizar a função imunológica na progressão da doença.
–Impedir infecções oportunistas.
–Reduzir o aumento da mortalidade.
–Atingir o potencial de desenvolvimento como adultos.
–Maximizar a qualidade de vida.
Quando introduzido o tratamento antirretroviral em crianças, devem‑se ter muito claro
os seguintes dados:
–Crianças não são pequenos adultos.
–A resposta de ART difere em adultos e crianças.
181
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
–A idade é um fator‑chave.
–Virologia: cargas virais elevadas.
–Imunologia: sistema imunológico imaturo; aumento da atividade do Timo.
–Farmacocinética: evolução das vias metabólicas.
–Crescimento: frequente necessidade de mudança das doses.
–Aceitabilidade/tolerabilidade: necessidade de formulações adequadas.
Além dos problemas já descritos, outra particularidade torna o tratamento dessa faixa
etária muito particular:
–Escassez de dados de farmacocinética.
–Alguns dados sobre o impacto da raça, estado nutricional:
• Necessidade frequente de alterações da dose em crianças pequenas.
• Rápido clareamento de muitos antirretrovirais.
–Impacto do crescimento:
• Recomendações de dose por peso ou superfície corporal.
• As doses correspondentes ao peso e superfície corpórea podem não ser equivalentes.
• A World Health Organization (WHO) simplificou doses através de faixas de peso.
Por outro lado, particularidades nas posologias das medicações oferecem mais dificuldades: diferentes formulações da mesmo fármaco podem não ter a mesma biodisponibilidade;
o inibidor de protease necessita de reforço com ritonavir; disponibilidade de líquido ou
grandes cápsulas, as opções pediátricas tradicionalmente são líquidas ou fracionamento de
medicação de adulto. A indústria farmacêutica acredita que as crianças preferem xaropes.
Essas dificuldades se associam a outros questionamentos, como quando começar o
tratamento em crianças, já que os parâmetros utilizados em adultos não são adequados
para crianças.
Quando começar?
Após um estudo realizado na África e denominado como CHER (The Children with HIV
Early Antiretroviral Therapy), foi demonstrado que a utilização de antirretrovirais em crianças
menores de um ano de idade reduziu a mortalidade em 76% e diminuiu a progressão
para doença em 75%, estabelecendo‑se que toda criança com menos de um ano de idade
que tem diagnóstico de infecção pelo HIV deve receber tratamento antirretroviral com
lopinavir e dois nucleosídeos.
Após um ano de idade, os consensos internacionais não são unânimes quanto aos
marcadores que indicariam o início do tratamento (Tabela 3).
Outra importante questão é com que iniciar. Uma série de pesquisas foi realizada com
a finalidade de se estabelecer se, na terapia inicial, havería vantagem em incluir um inibidor
não nucleosídeo.
A resposta a essa pergunta depende, porém, dos vários esquemas utilizados na gestante
na profilaxia de transmissão vertical, que, por se diferenciar de país para país, acabou
sendo normatizada pela WHO.
Para crianças infectadas pelo HIV que não foram expostas a inibidor de transcriptase reversa não nucleosídeos ou para as quais não se sabe se houve exposição da mãe ou da criança a
antirretrovirais, a terapia inicial pode conter nevirapina Para crianças infectadas pelo HIV com
182
AIDS pediátrica
Tabela 3. Indicações do Consenso Brasileiro para o início do tratamento
Idade
Critérios
Recomendação
< 12 meses
Independentemente de manifestações
clínicas CD4 e carga viral
Tratar
≥ 12 e < 36 meses
Critérios clínicos: categoria CDC B* ou C
Critérios laboratoriais
– CD4: < 25% ou < 750 cels/mm3
– Carga viral: > 100.000 cópias/mm3
Tratar
Critérios clínicos: categoria CDC B* ou C
Critérios laboratoriais:
– CD4: <20% ou < 500 cels/mm3
– Carga viral: > 100.000 cópias/mm3
Tratar
Criterios clínicos: categoria CDC B* ou C
Critérios laboratoriais:
– CD4: < 15% ou < 350 cels/mm3
– Carga viral: > 100.000 cópias/mm3
Tratar
≥ 36 e < 60 meses
> 5 anos
Tratar
Considerar tratamento
Tratar
Considerar tratamento
Tratar
Considerar tratamento
*Exceto LIP, plaquetopenia, tuberculose pulmonar, febre persistente e episódio único de pneumonia
Crianças
virgens de
tratamento
R
a
n
d
o
m
i
z
a
ç
ã
o
1.ª linha
Critérios de troca
2.ª linha
alteração da carga
de antirretroviral
viral após sem. 24 fortemente indicados
CDC-C
IP+ 2
ITRN
Troca com
CV > 1.000 c/ml
ITRNN + 2
novos ITRN
IP + 2
ITRN
Troca com
CV > 30.000 c/ml
ITRNN + 2
novos ITRN
ITRNN + 2
ITRN
Troca com
CV > 1.000 c/ml
IP + 2
novos ITRN
ITRNN + 2
ITRN
Troca com
CV > 30.000 c/ml
IP + 2
novos ITRN
Segmento mínimo
de 4 anos
Objetivo
primário
Mudança da carga
viral após 4 anos
Figura 5. Protocolo multicêntrico para o tratamento do HIV.
história de exposição a uma única dose de nevirapina ou cujas mães usaram inibidor de
transcriptase reversa não nucleosídeos para prevenção da transmissão materno‑fetal, o regime
inicial para a criança deve conter inibidor de protease, caso não seja possível usar nevirapina.
Na tentativa de estabelecer qual seria o esquema mais potente e o melhor momento de
troca de terapia frente à falha, um protocolo multicêntrico, denominado PENPACT1, que
183
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Esquema preferencial
2 ITRN
+
1 ITRNN
NVP: crianças < 3 anos
EFV: crianças > 3 anos e adolescentes
Esquema alternativo
2 ITRN
+
1 IP/r
IP preferencial: LPV/r
IP alternativos: ATV/r*, FPV†, FPV/r*, NFV
Uso em situações especiais
2 ITRN + SQV/r em adolescentes em estágio Tanner 4‑5
AZT + 3TC + ABC como tratamento inicial na coinfecção HIV/tuberculose
*Para maiores de 6 anos de idade.
†Para maiores de 2 anos de idade.
Figura 6. Esquemas recomendados pelo Consenso Brasileiro.
envolveu o grupo europeu PENTA e o grupo americano PACTG (Pediatric AIDS Clinical Trials),
seguiu um grupo de pacientes por 4 anos. Seu esquema está demonstrado na figura 5.
Não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos quanto ao esquema
terapêutico inicial e o valor da carga viral para a troca de terapia antirretroviral.
O Consenso Brasileiro indica o esquema terapêutico da figura 6 para o início da
terapia.
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184
Capítulo 13
Manuseio de gestantes
infectadas pelo HIV
Jorge Figueiredo Senise e Simone Bonafé
Introdução
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que aproximadamente 34 milhões de
pessoas viviam com HIV/AIDS no mundo até dezembro de 2010, com 2,7 milhões de novas
infecções ao ano, sendo 390.000 em crianças com menos de 15 anos, a grande maioria
por transmissão vertical. As mulheres já representam metade do total de pessoas vivendo
com o vírus HIV e seu percentual é crescente em vários países1.
No Brasil, até junho de 2011 haviam sido notificados 608.230 casos de AIDS, e a relação sexual foi a principal forma de transmissão. A taxa de incidência de AIDS no Brasil
foi de 17,9 casos por 100 mil habitantes. Nas mulheres acima de 13 anos, a infecção pelo
HIV ocorreu pela via heterossexual em 87,6% dos casos. A proporção entre homens e
mulheres notificados com AIDS vem diminuindo com o passar dos anos, sendo que hoje
ela é praticamente de 1,5 homem para uma mulher. Quando analisamos somente as
faixas etárias de 13 a 19 e de 20 a 24 anos, observamos que essa relação já se inverteu,
ou seja, estão sendo infectadas mais mulheres jovens do que homens. Esses dados demonstram que as mulheres formam o grupo que mais se infectou nos últimos anos, com
predomínio das mulheres mais jovens em idade reprodutiva2.
Embora tenha sido notificado o número de 6.104 grávidas infectadas pelo HIV no ano
de 2010, o Programa Nacional de DST/AIDS (PN-DST/AIDS) do Ministério da Saúde estima
que o número real de infectadas anualmente no Brasil seja de 17,2 mil.
Transmissão materno-fetal do HIV
Sem tratamento, as gestantes infectadas pelo HIV transmitirão a infecção para seus
filhos em 25 a 50% dos casos. A transmissão ocorre em 75% no período periparto e em
25% no intrauterino, tendo seu risco acrescido de 14 a 29% pela amamentação3,4.
A primeira tentativa de se interferir na transmissão materno-fetal do HIV pelo tratamento antirretroviral (TARV) foi feita pelo Pediatric AIDS Clinical Trial Group protocolo 076
185
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
(PACTG 076)5. Esse estudo avaliou 363 mulheres grávidas infectadas pelo HIV que entraram no protocolo entre a 14.a e a 34.a semanas de gestação. Foi um estudo duplo cego
randomizado que dividiu as gestantes em dois grupos. Um deles usou zidovudina 100 mg via
oral cinco vezes ao dia a partir da 14.a semana de gestação; no trabalho de parto, 2 mg/kg
via intravenosa (IV) na 1.a hora e 1 mg/kg/h até o clampeamento do cordão umbilical. Para
o recém-nascido (RN), zidovudina xarope 2 mg/kg a cada 6h durante seis semanas. O
segundo grupo usou placebo em todas as fases citadas acima. O resultado foi uma redução de 67,5% no grupo que usou AZT. Esse resultado levou à conclusão de que o uso de
zidovudina a partir de 14 semanas de gestação reduz em quase 70% o risco de transmissão materno-fetal do HIV. Porém, quando se avalia com detalhes esse estudo, nota-se que
metade dos casos, em cada grupo, iniciou o protocolo antes de 26 semanas de gestação
e a outra metade, a partir da 26.a semana. A mediana das idades gestacionais de entrada
no estudo foi de 26 semanas e do tempo de tratamento com zidovudina monoterapia foi
de 11 semanas. Quando foram analisadas as variáveis de risco, incluindo o momento de
entrada no estudo, a fim de se relacionar com a transmissão materno-fetal do HIV, o
único fator que se mostrou significante foi o uso ou não da zidovudina durante a gestação.
Sendo assim, parece correto concluir que o uso da zidovudina a partir da 14.a semana de
gestação (antes ou após a 26.ª semana) e não com 14 semanas de gestação reduziu a
transmissão vertical do HIV em quase 70%.
Estudos realizados posteriormente identificaram fatores de risco para a transmissão
vertical do HIV, como parto prolongado, ruptura da bolsa amniótica por mais de 4h, carga viral no parto, corioamnionite histológica e prematuridade. Após análise multivariada
desses fatores, ficou evidenciado que o mais importante preditor de transmissão vertical
é a carga viral no momento do parto6. Garcia, et al, estudando mulheres grávidas infectadas pelo HIV em uso de zidovudina monoterapia ou sem TARV, categorizou as cargas
virais no parto e observaram que, abaixo de 1.000 cópias/ml, não houve transmissão;
porém, após esse valor, quanto mais alta a carga viral no momento do parto, maior foi o
risco de transmissão materno-fetal do HIV7.
Essas evidências mostram que o uso de esquemas duplos e a associação de uma dose
de nevirapina no momento do parto devem ser evitados pois, apesar de reduzirem a
transmissão materno-fetal do HIV, induzem o aparecimento de resistência aos antirretrovirais, prejudicando posterior tratamento.
Estudo do grupo Women Infant Transmission Study (WITS) (analisando mais de 3.000 pares
mãe-filho), demonstrou que as gestantes sem TARV transmitiram a infecção a seus filhos em
20%, as que usaram somente AZT em 8%, com esquema duplo em 3% e com terapias antirretrovirais altamente potentes (Highly Active Antiretroviral Therapy [HAART]) em 1,6%. Isso
demonstra que, quanto mais potente o esquema antirretroviral, menor a taxa de transmissão
materno-fetal do HIV. Porém, quando as cargas virais foram estratificadas no parto, mulheres
com quantidades semelhantes de HIV transmitiram, em relação àquelas que usaram esquemas
menos potentes, menos infecção para seus filhos quando usaram HAART. Tal resultado sugere
que, mesmo quando o esquema antirretroviral falha, o risco de transmissão materno-fetal do
HIV é menor com HAART do que com esquema duplo ou monoterapia com zidovudina8.
A amamentação aumenta o risco de transmissão materno-fetal do HIV. Estudos realizados na África, onde a mortalidade no primeiro ano de vida é maior para as crianças que
186
Manuseio de gestantes infectadas pelo HIV
usaram aleitamento artificial do que nas crianças que foram amamentadas devido a diarreia ou septicemia, demonstram redução do risco de transmissão através do TARV materno, do RN ou de ambos. No entanto, esse risco, apesar dessas condutas, permanece em
torno de 1%. Assim, as Recomendações Americana, Europeia, Britânica e Francesa contraindicam a amamentação do RN9-11.
Tratamento antirretroviral da
gestante infectada pelo HIV
Quando as gestantes infectadas pelo HIV são sintomáticas ou apresentam CD4 <
350 cel/ml, elas necessitam de TARV devido à sua situação imunológica. Este tratamento,
sempre que possível, deve ser iniciado após as primeiras 14 semanas de gestação, porém
se a imunodepressão estiver muito acentuada, ele deverá ocorrer ainda no primeiro trimestre. O antirretroviral contraindicado no primeiro trimestre da gravidez é o efavirenz,
pois estudos realizados em macacos demonstraram risco de má-formação do sistema
nervoso central. A associação de estavudina e didanosina deve ser evitada devido ao risco
de acidose láctica.
O tenofovir é classificado como categoria B pelo Food and Drug Administration (FDA).
No Antirretroviral Pregnancy Registry, já há número suficiente de exposições ao tenofovir no primeiro trimestre de gestação em humanos para detectar o aumento de até 2 vezes
do risco global de defeitos congênitos. A prevalência de defeitos congênitos relacionados
à exposição de tenofovir no primeiro trimestre foi de 2,3% (intervalo de confiança [IC]
95%: 1,3-3,9%), comparada a 2,7% na população americana, de acordo com o CDC.
Estudos demonstram passagem placentária do tenofovir, com relação sangue de cordão/
sangue materno, de 0,60 a 0,99. Sua segurança para uso na gestação, principalmente no
primeiro trimestre, ainda não está bem estabelecida.
Nas gestantes infectadas pelo HIV assintomáticas e que não tenham indicação de TARV
pela sua situação imunológica, a terapia deve ser usada como prevenção da transmissão
materno-fetal do HIV. O início do tratamento deve ocorrer entre 14 e 28 semanas de gestação, no melhor momento para a paciente, uma vez que a carga viral no primeiro e segundo trimestres não se relaciona com aumento da transmissão intraútero a menos que a
paciente tenha sífilis, toxoplasmose aguda, citomegalovirose aguda ou seja usuária de
drogas pesadas12.
Após a gestação, o tratamento deve ser interrompido conforme a meia-vida dos antirretrovirais envolvidos.
Monoterapia com zidovudina ou terapias antirretrovirais altamente
potentes para profilaxia antirretroviral em gestantes infectadas pelo HIV
Ioannides, et al., analisando estudos de gestantes infectadas pelo HIV que tinham
carga viral menor que 1.000 cópias/ml, observou que aquelas que usaram zidovudina
monoterapia tiveram taxa de transmissão de 0,98%, enquanto as que não usaram nenhum
187
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
TARV transmitiram 9,8%20. Este estudo deixou o conceito de que “toda gestante infectada pelo HIV deve receber tratamento antirretroviral independentemente da sua situação
imunológica e virológica” Shapiro, et al, estudando mulheres grávidas com carga viral
menor que 1.000 cópias/ml, observaram que o uso de duas ou mais fármacos antirretrovirais foi um fator de proteção contra a transmissão materno- fetal do HIV em relação ao
uso da monoterapia com AZT (OR: 0,2)21.
Esses estudos demonstram que a monoterapia com zidovudina não tem mais suporte
científico para ser indicada, mesmo a gestantes infectadas pelo HIV com cargas virais
menores que 1.000 cópias/ml.
Terapias antirretrovirais altamente potentes na gestação
A melhor opção para tratamento de gestantes infectadas pelo HIV é o uso de HAART.
Sendo assim, podemos montar esquemas antirretrovirais com dois análogos de nucleosídeos mais um inibidor de protease com booster (associado ao ritonavir), ou dois análogos
de nucleosídeos mais nevirapina.
Nevirapina
Estudos demonstraram que mulheres com CD4 maior ou igual a 250 cel/ml tiveram 10 a
12 vezes mais risco de hepatotoxicidade à nevirapina, podendo levar à hepatite fulminante mesmo após a suspensão do fármaco25. Essa hepatotoxicidade está relacionada, de
forma estatisticamente significante, com o aparecimento prévio de reação exantemática.
Sendo assim, para iniciar um tratamento profilático em gestantes infectadas pelo HIV
usando esquemas antirretrovirais contendo nevirapina, deve-se pesar riscos e benefícios e
discuti-los claramente com as pacientes26. As recomendações europeia e britânica de 2012
não indicam seu uso e apenas sugerem manutenção nas pacientes que já engravidaram
tomando nevirapina, enquanto as recomendações brasileira de 2010 e americana de 2011
indicam o uso da nevirapina apenas em mulheres com a contagem de CD4+ menor que
250 cel/mm3.
Efavirenz
O FDA classifica o efavirenz como categoria D devido à má-formação relatada em
crianças expostas a esse fármaco no primeiro trimestre13,14.
Nas recomendações do consenso brasileiro de 2010, esse fármaco deve ser evitado
durante toda a gestação e, nas do americano de 2011, ele deve ser evitado somente durante o primeiro trimestre da gravidez. Entretanto, o novo consenso britânico de 2012
libera seu uso durante toda a gestação9-11. Essa recomendação de uso do efavirenz na
gestação, pelos britânicos, tem seu embasamento na revisão de vários estudos que sugerem
evidências insuficientes para recomendar a proibição do fármaco durante a gestação.
188
Manuseio de gestantes infectadas pelo HIV
Uma metanálise que avaliou 16 estudos que compararam nascidos vivos expostos
(1.132) e não expostos (7.163) ao efavirenz no primeiro trimestre da gestação não mostrou
aumento no número de más-formações entre um grupo e outro. Adicionalmente, só foi
relatado um caso de defeito no tubo neural nos RNs de mães que utilizaram efavirenz na
gestação, com uma prevalência de 0,08%. Essa prevalência é similar à da população geral15.
A atualização dessa metanálise até 2011, avaliando 21 estudos que apresentam crianças
expostas ao efavirenz no primeiro trimestre da gestação, manteve o mesmo resultado citado acima16.
Knapp, et al., avaliando a prevalência de defeitos congênitos relacionados à exposição
aos antirretrovirais observada em 1.112 crianças do PACTG, protocolo P1025, nascidas
entre 2002 e 2007, observou a prevalência de defeitos congênitos de 5,49 por 100 nascidos vivos, o que é maior do que a da população geral, e somente a exposição ao efavirenz no primeiro trimestre foi associada com um significante aumento de risco de anomalias congênitas (OR: 2,84; IC 95%: 1,13-7,16). Nenhuma outra associação foi
observada com outro fármaco isolado nem com uma classe de antirretrovirais17.
Embora muitos estudos apontem a falta de fortes evidências para contraindicar o uso
do efavirenz no primeiro trimestre da gestação, existem relatos, em humanos, de alteração do
fechamento do tubo neural em crianças expostas no primeiro trimestre18, e o FDA mantém sua classificação como categoria D. Dessa forma, ainda é arriscado indicar o tratamento no primeiro trimestre com essa fármaco, a menos que não haja outra possibilidade terapêutica, e os riscos e benefícios devem ser cuidadosamente discutidos com a
paciente.
Inibidores da protease
Os inibidores da protease são uma opção importante nos esquemas antirretrovirais em
gestantes. Esses fármacos passam pouco a barreira placentária e, portanto, devem ser mais
seguros para os fetos; porém, por esse motivo, eles não apresentam uma ação adequada
como profilaxia pré-exposição.
Esse grupo de fármacos está relacionado a algumas complicações, tais como prematuridade, baixo peso, muito baixo peso, resistência insulínica e diabetes gestacional.
Prematuridade, baixo peso e muito baixo peso
Estudos sugerem que o uso de inibidor de protease aumenta o risco de prematuridade;
porém, isso ocorre principalmente em gestantes que engravidaram em uso destes medicamentos ou o iniciaram precocemente durante a gestação27. Esses dados não se confirmam em outras séries em que os inibidores da protease estiveram mais relacionados com
a presença de muito baixo peso e não com prematuridade e baixo peso27,28.
Estudo realizado em mulheres grávidas infectadas pelo HIV que usaram esquemas
antirretrovirais contendo lopinavir com incremento do ritonavir (lopinavir/r) não mostrou
aumento de prematuridade, baixo peso, nem muito baixo peso19.
189
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Diabetes gestacional e resistência insulínica
Em relação ao aumento do risco de diabetes gestacional e de resistência insulínica,
ainda não está definida a relevância desses fármacos.
Inibidores da protease mais utilizados em gestantes
Saquinavir
O saquinavir/ritonavir foi muito utilizado em gestantes e seu uso não esteve relacionado com más-formações congênitas20. Estudos de farmacocinética demonstram não haver
alteração significativa na concentração sérica do saquinavir potencializado com ritonavir
na gestação21,22, porém existe uma dificuldade na aderência ao tratamento com este
medicamento no Brasil23 devido ao grande número de comprimidos utilizados por dia
(5 cápsulas de saquinavir 200 mg mais 1 comprimido de ritonavir 100 mg de 12/12h),
uma vez que não temos a apresentação em comprimido de 500 mg.
Alguns estudos sugerem risco aumentado de hepatotoxicidade durante a gestação24.
Indinavir
O indinavir, além de seus efeitos adversos, principalmente litíase renal e risco de aumento de bilirrubina indireta no final da gestação, apresentou redução muito significativa
da sua concentração sérica no terceiro trimestre da gravidez, comprometendo o resultado
do tratamento25,26. Praticamente não é mais utilizado no Brasil.
Lopinavir/r
O lopinavir/r, hoje o inibidor da protease mais utilizado em gestantes infectadas pelo
HIV, também não se relacionou, até o momento, com o aparecimento de má-formações
congênitas. Estudos demonstram redução significativa em sua concentração no segundo
e terceiro trimestres da gestação, porém não está claro se esta redução é importante o suficiente para pôr em risco o TARV. Um estudo apresentado no Conference on Retroviruses
and Opportunistic Infections (CROI) de 2008 sugere que o aumento da dose do lopinavir/r
talvez seja mais justificado em pacientes com história de falha prévia a algum inibidor da
protease, e não de forma generalizada.
Estudo observou que o nível plasmático de lopinavir/r cápsulas em 101 mulheres infectadas pelo HIV foi menor durante a gestação que no período puerperal, principalmente durante o terceiro trimestre. Houve associação entre carga viral detectável no parto,
com baixa concentração de lopinavir/r no último trimestre14.
Pesquisa realizada em 21 mulheres determinou o nível sérico de lopinavir/r quando
usado: 1) na dose habitual (400/100 mg duas vezes ao dia) no segundo trimestre; 2) em
190
Manuseio de gestantes infectadas pelo HIV
dose aumentada (600 mg/150 mg duas vezes ao dia) no terceiro trimestre e 3) em dose
habitual duas semanas após o parto. Com a dose habitual, a concentração no segundo
trimestre estava 50% menor que a obtida no período pós-parto e, mesmo com a dose
aumentada no terceiro trimestre da gestação, a concentração do lopinavir/r ficou menor
que no pós-parto.
Outro estudo analisou 36 grávidas infectadas pelo HIV que receberam cápsulas de
lopinavir/r na dose de 400/100 mg duas vezes ao dia no segundo trimestre e 533/133 mg
duas vezes ao dia no terceiro trimestre e até duas semanas após o parto. A dose aumentada no terceiro trimestre apresentou área sob a curva (AUC) semelhante às de mulheres
não grávidas que usaram a dose habitual da medicação. Esta dose aumentada nas duas
primeiras semanas do período puerperal se associava com concentração de lopinavir/r
consideravelmente mais elevada que a dose habitual. Este estudo sugere que a dose aumentada deveria ser utilizada no terceiro trimestre e considerada durante o segundo trimestre, principalmente nas mulheres previamente expostas a IP, e que a dose aumentada
deveria ser diminuída no pós-parto17.
Comparação entre as duas formulações do lopinavir/r (cápsula x comprimido) conclui
que a melhor biodisponibilidade oral do comprimido pode compensar a redução da exposição do lopinavir/r no terceiro trimestre.
Não existem, até o momento, estudos que demonstrem a indicação do aumento da
dose do lopinavir/r como regra durante o terceiro trimestre da gestação, portanto, o conceito atual é o do aumento da dose somente em pacientes experimentadas para os inibidores da protease.
Atazanavir/r
O atazanavir com incremento do ritonavir (atazanavir/r) aparece nos consensos americano e britânico como opção para o Lopinavir/r, junto com o saquinavir/r. Na recomendação da Sociedade Europeia de AIDS (EACS) de 2011, o atazanavir/r, o lopinavir/r e o
saquinavir/r são as opções para o tratamento de gestantes infectadas pelo HIV. Sua passagem placentária é de aproximadamente 10%, e seu risco é devido ao aumento da bilirrubina indireta causada pela inibição da enzima uridina-difosfato-glicuronil-transferase,
que pode acarretar em risco de hiperbilirrubinemia no RN e, consequentemente, Kernicterus. Até o momento, nenhum estudo demonstrou aumento significativo de bilirrubina
nos RNs expostos ao atazanavir27.
No Brasil, tem sido usado como opção para pacientes intolerantes ao lopinavir/r.
Fosamprenavir
Existem poucos estudos do fosamprenavir em gestantes. É classificado como categoria
C pelo FDA, e não existem estudos para definir a segurança de seu uso em gestantes28.
Embora a concentração sérica nas mulheres grávidas esteja um pouco diminuída em relação ao pós-parto, parece que esta redução não é significativa a ponto de comprometer a
191
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
supressão viral. A concentração do ritonavir fica mais reduzida do que a do fosamprenavir
e, portanto, alguns especialistas sugerem o aumento da dose do ritonavir, o que parece
não ser necessário, pelos estudos realizados. A passagem placentária é baixa mantendo o
padrão de outros inibidores da protease29,30.
Seu uso em gestantes deve ocorrer somente quando os benefícios superarem os riscos.
Darunavir,
tipranavir
Não apresentam estudos em gestantes que permitam indicação terapêutica com segurança, somente alguns relatos em mulheres grávidas multirresistentes31-34.
Inibidores de fusão
Enfuvirtide
O enfuvirtide (T-20) é classificado pelo FDA como categoria B. Não existem evidências
de danos fetais nos estudos realizados em animais expostos a doses altas deste medicamento28. Relatos de casos de uso de T-20 no final da gestação, em mulheres com múltiplas
resistências, com a finalidade de reduzir a carga viral do HIV (HIV-RNA) a níveis não detectáveis para o parto, não demonstraram alterações no binômio mãe-filho35-38. Alguns
estudos sugerem que o T-20 não passa à placenta e, provavelmente, apresenta baixa
concentração em secreção vaginal, o que obriga a realização de parto cesárea eletiva,
mesmo quando a carga viral sérica está indetectável para 50 cópias/ml, a fim de reduzir
o risco de transmissão materno-fetal do HIV39-41.
Inibidores de CCR5
Estudo realizado em macacas Rhesus grávidas que utilizaram dose única dessa medicação antes do parto mostrou reduzida passagem placentária do maraviroc e rápida eliminação do sangue dos RNs42. É classificado pelo FDA como categoria B, pois não apresentou alterações fetais em animais28.
Não existem estudos em gestantes que permitam seu uso em humanos.
Inibidores da integrase
Raltegravir
Em uma série de três mulheres que usaram o raltegravir no final da gestação, foram
medidas a passagem placentária e a concentração no RN até 3h após o parto. O estudo observou excelente passagem placentária e concentrações 7 a 9,5 vezes maior nos
192
Manuseio de gestantes infectadas pelo HIV
neonatos do que nas amostras pareadas das mães. O autor discute a possibilidade de
elevadas concentrações nos RNs estarem relacionadas à imaturidade fetal da via metabólica do raltegravir através do sistema enzimático Uridine 5’-diphospho-glucuronosyltransferase (UGT1A1)43.
Existem relatos de mulheres grávidas com múltiplas resistências do HIV que utilizaram raltegravir durante a gestação. Todos confirmaram a excelente passagem placentária e nenhum
apresentou alterações nas mães ou nos RNs44-46. É classificado como categoria C pelo FDA.
Apesar desses casos, ainda não existem estudos adequados em gestantes que permitam
definir segurança para sua indicação28.
AZT no parto
O uso da zidovudina IV por até 4h antes do parto tem como finalidade melhorar a
profilaxia pré e pós-exposição do feto no período de maior risco de contato do sangue
materno com o fetal. Essa conduta foi proposta pelo PACTG 076 publicado em 1994 que
usava apenas a zidovudina para tratamento das gestantes infectadas pelo HIV. Hoje, vários
estudos já demonstraram que a carga viral materna do HIV, principalmente no terceiro
trimestre, é o fator de risco mais significativo para a transmissão vertical do HIV e que,
quanto maior o RNA-HIV, maior o risco de transmissão materno-fetal do HIV.
A recomendação britânica, desde 2008, sugere que as gestantes em HAART com RNA-HIV
abaixo de 50 cópias/ml com 36 semanas de gestação poderiam não fazer a profilaxia
periparto com zidovudina. Embora não existam estudos randomizados prospectivos para
referendar esta conduta, o racional é que, com a redução do RNA-HIV a níveis abaixo de
50 cópias/ml e com o uso de dois inibidores da transcriptase reversa nucleosídeos no esquema terapêutico, a profilaxia pré e pós-exposição do feto não necessite de reforço, pois
essas medicações apresentam excelente passagem placentária e já exercem essa função.
As Recomendações Americana de 2011 e a Brasileira de 2010 mantêm o uso da zidovudina IV periparto semelhante ao PACTG 076.
Interrupção do tratamento em gestantes
sem indicação de tratamento
Existe, atualmente, uma tendência ao início precoce do TARV devido aos efeitos inflamatórios causados pela presença do HIV no organismo e também para reduzir o risco de
transmissão horizontal do HIV, diminuindo o impacto da epidemia em determinada região.
A recomendação britânica sugere manter o TARV quando foi iniciado durante a gestação com CD4 abaixo de 350 cel/mm3; porém, também mantém o tratamento quando
esse foi iniciado com CD4 entre 350 e 500 cel/mm3. Para mulheres que iniciaram o tratamento durante a gestação com CD4 igual ou maior que 500 cel/mm3, ele deve ser suspenso após o parto, a menos que seja um casal sorodiscordante e exista o desejo de
manter a medicação. Isso também ocorre com a Recomendação Americana de 2011, que
segue proposta semelhante.
193
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Na Recomendação Brasileira de 2010, gestantes que iniciaram TARV com CD4 acima
de 350 cel/mm3 devem ter seus tratamentos suspensos após o parto. Essa orientação deve
ser modificada seguindo estudos recentes que demonstraram risco aumentado para pessoas que iniciaram TARV tardio; porém, será importante individualizar caso a caso, principalmente nas mulheres com CD4 igual a 500 cel/mm3 ou mais.
A importância da via de parto
A via de parto é uma importante ferramenta na redução da transmissão vertical do HIV.
O parto cesáreo eletivo, por si só, reduz a transmissão materno-fetal do HIV em 50%
e, portanto, é indicado em todas as gestantes que chegam ao período periparto com
cargas virais detectáveis. A Recomendação Brasileira e a Americana indicam a cesárea
eletiva em mulheres com carga viral acima de 1.000 cópias/ml, enquanto a Britânica a
indica acima de 400 cópias/ml.
Na era HAART, não existem estudos que mostrem redução do risco de transmissão vertical do HIV entre cesárea eletiva e parto vaginal eutócico em gestantes que chegam ao
período periparto com carga viral abaixo de 50 cópias/ml. Dessa forma, nas gestantes com
RNA-HIV abaixo de 50 cópias/ml, a via de parto é conduta obstétrica e, naquelas com carga
viral detectável, sempre que possível, deve-se realizar o parto através da cesárea eletiva.
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195
Capítulo 14
Abordagens biomédicas
para prevenção da
transmissão do HIV
Ricardo Sobhie Diaz
Introdução
A forma mais racional de prevenção da transmissão sexual do HIV deveria estar relacionada à implementação de atitudes comportamentais e ao uso de preservativos de
barreira. Não tem funcionado. A interferência em mecanismos relacionados a comportamento sexual parece ser lógica, mas é muito difícil a mudança de atitudes relacionadas a
comportamento sexual, mesmo que isto passe pelo mero uso de preservativos de barreira.
Além disto, existem também as situações de exposição parenteral ao HIV. A principal intervenção que poderia ser considerada uma abordagem biomédica de grande impacto
seria o desenvolvimento de vacina protetora contra a aquisição do vírus. Aparentemente,
isto também não acontecerá em curto prazo, dada as barreiras para que se encontre uma
vacina que estimule ao mesmo tempo a imunidade celular e a presença de anticorpos
neutralizantes. O próprio hospedeiro não se torna naturalmente imune à infecção pelo
HIV, e, desta forma, a imunidade adquirida de uma forma artificial pelo uso de vacinas
parece ser um desafio formidável. Entretanto, outras abordagens têm surgido e se mostrado eficazes, como descrito a seguir.
Circuncisão
A história da circuncisão como intervenção biomédica para prevenção de transmissão
é muito interessante. As primeiras evidências de que a circuncisão pudesse de fato diminuir
a aquisição e transmissão do HIV vieram de estudos observacionais na África. Por um
motivo religioso, assume-se que em determinadas populações africanas, metade das pessoas é circuncidada1. Foi então realizada uma metanálise que foi publicada em 2005 incluindo resultados de 19 análises de corte seccional (cross sectional) onde se avaliam os
resultados da soropositividade para o HIV em um único ponto. Foram incluídos também
5 estudos com a metodologia caso controle, 3 estudos de coorte e um estudo com parceiros. A metanálise concluiu o que a maioria destes estudos já haviam definido: a circuncisão
197
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
diminui a chance de adquirir ou de transmitir o HIV. Mais precisamente, as pessoas circuncidadas têm 44% a menos de chance de adquirir o HIV. A maior proteção era vista nos
homens engajados em atividades de alto risco para aquisição do HIV, como aqueles que
procuravam as clínicas de doenças sexualmente transmissíveis, onde a redução da transmissão chegava a ser de 71%. Outros estudos também demonstraram que parceiras sexuais de
homens HIV positivos circuncidados tinham menor prevalência de infecção pelo HIV2-4. Com
estes resultados, ficou interessante entender o mecanismo pelo qual isto poderia estar
ocorrendo e mesmo definir se a “proteção” tem relação com a circuncisão propriamente
dita ou se isto estaria relacionado a alguma variável comportamental que coincidentemente estaria associada às pessoas circuncidadas da região estudada.
A circuncisão é a retirada do prepúcio, a pele que recobre a glande do pênis, que é
normalmente feita em recém-nascidos por motivos religiosos ou em crianças por motivos
médicos/higiênicos. Ocorre que quase que na totalidade das vezes, a aquisição do HIV ocorre através de micro lesões nesta região do pênis pela vulnerabilidade desta5. O HIV normalmente não infecta o homem através de sua entrada pela uretra ou meato uretral. A glande
do pênis é intensamente queratinizada, o que dificulta a entrada do HIV nesta região. A
queratina é a deposição de uma proteína fibrosa e impermeável e resistente. O corpo do
pênis e coberto por pele normal que também serve como uma barreira eficiente para a
aquisição do HIV. A região do prepúcio, entretanto, é composta de mucosa com muito
pouca queratina, é friável sofrendo micro lesões6 durante a relação sexual e possui uma
quantidade grande de células dendríticas propícias à captação do HIV7,8. As células dendríticas são as células alvo para que se inicie a infecção pelo HIV. Além disto, a maior
parte de doenças ulcerativas sexualmente transmissíveis dos homens como sífilis, herpes,
cancro mole etc, vão causar ulcerações justamente nesta região do prepúcio9. A circuncisão retira este excesso de pele friável e a substitui por uma cicatriz bem queratinizada,
resistente e impermeável ao HIV (Fig. 1).
Os primeiros estudos realizados em Uganda para confirmar de forma prospectiva e
randomizada foram desencorajadores10. Especulou-se inicialmente que os homens adultos
que sofreram a circuncisão tiveram mais infecção pelo HIV do que o grupo controle. Da
mesma forma, as mulheres parceiras de homens HIV positivo circuncidados estiveram
sujeitas maior risco. Alguma razão para a falha nesta hipótese deveria ser investigada e
logo as observações concluíram. Mais de 80% dos homens que sofriam a circuncisão não
respeitaram o período de abstinência sexual necessário para a cicatrização da ferida cirúrgica. Com uma ferida cruenta, obviamente a entrada do HIV fora facilitada.
A boa notícia viria logo a seguir. Três outros estudos prospectivos e randomizados tiveram que prematuramente ser interrompidos, não por falha na estratégia da circuncisão,
mas porque a proteção se mostrava inequívoca. Dos três estudos clínicos, um conduzido
na África do Sul foi interrompido em 2005 pelos motivos acima, evidenciando 76% de
proteção entre as pessoas que foram circuncidadas em comparação com o grupo alocado
para não sofrer a circuncisão11. Os outros dois estudos foram interrompidos em 2006, um
no Quênia demonstrando 60%12 de proteção e outro em Uganda com 55% de proteção13.
Os estudos observacionais sobre circuncisão também demonstravam que os homens circuncidados apresentavam proteção contra outras doenças sexualmente transmissíveis, como
infecções por herpes e vírus do papiloma humano (HPV)14,15. Alguns estudos demonstram
198
Abordagens biomédicas para prevenção da transmissão do HIV
Corpo do pênis
Prepúcio
Glande peniana
Meato uretral
Figura 1. Locais indicando a probabilidade de aquisição do HIV após exposição do pênis a fluidos
contendo HIV. A aquisição do HIV não ocorreria via corpo peniano ou glande e raramente através
do meato uretral e uretra. A área mais vulnerável estaria relacionada à região do prepúcio peniano.
que a circuncisão diminui em cerca de 75% a chance do homem adquirir o HPV e 50%
na chance de transmitir o vírus. O mais interessante é que nós sabemos disso há milhares
de anos. Não sabíamos que sabíamos, mas na verdade sabíamos. Há milhares de anos a
circuncisão é praticada por motivos religiosos. De longa data, sabe-se que as parceiras sexuais dos judeus que são circuncidados têm menor incidência de câncer de colo de útero.
Hoje sabemos que o causador e grande vilão para o câncer de colo de útero é o HPV, que
será menos incidente entre homens circuncidados e parceiras de homens circuncidados.
Ainda não foi possível provar que a circuncisão masculina possa ter algum efeito na
prevenção da transmissão pelo HIV em homens que fazem sexo com homens em estudos
prospectivos16, apesar de certa proteção ter sido confirmada em estudos observacionais17,18. Além disto, a circuncisão, quando realizada em adultos, não é totalmente isenta
de riscos. Em crianças nos EUA, as complicações destes procedimentos cirúrgicos variam
entre 0,2 e 2%19-21, sendo normalmente complicações leves, enquanto que, em estudos
na África, estas complicações variaram entre 2 a 8%22,23.
De qualquer forma, a circuncisão potencialmente pode proteger a parcela da população
mais vulnerável à infecção pelo HIV nos dias atuais, que é a população feminina, em que
a incidência é explosiva especialmente nos países subdesenvolvidos.
Profilaxia pós-exposição ao vírus do papiloma humano
Nós temos evidências claras de que o uso de medicamentos antirretrovirais pode impedir a transmissão do HIV. A mais trivial destas evidências vem da transmissão vertical.
Sabe-se que é eficaz o uso de medicamentos antirretrovirais pela mãe durante a gravidez
e pelo recém-nascido por um período relativamente curto imediatamente após o nascimento24. Este conceito vem, portanto, sendo transferido a outras áreas onde há exposição
de forma acidental ao HIV, exposições estas pelas vias parenterais ou sexuais, seja a fonte da
exposição sabidamente soropositiva ou com status desconhecido. Assim sendo, um dos
grandes avanços médicos tem sido a preconização do uso de medicamentos para pessoas
que se expõem por material biológico, como sangue entre os profissionais de saúde ou
através da exposição sexual. Neste último caso, a fonte pode ser sabidamente infectada,
199
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Figura 2. A primeira evidência documentada sobre circuncisão é do Egito, a partir dos desenhos
na tumba da sexta dinastia (2345-2181 AC), mostrando o rito realizado entre homens adultos
(período Ankh Mahor). Na versão bíblica (Genesis 17:11), o rito entre judeus teve origem em
Abraão, que viveu aproximadamente em 2000 AC.
o que ocorre em “acidentes” entre casais discordantes. Por vezes, como em caso de estupro ou mesmo relacionamentos casuais, não é possível que se obtenha a informação
precisa sobre a presença da infecção pelo HIV na pessoa que foi fonte da exposição, e
uma das tendências das diretrizes internacionais e mesmo nacional é que se flexibilize o
uso dos medicamentos para a prevenção nestes casos. O mesmo ocorreria com uma pessoa que trabalha em ambiente hospitalar e se acidenta com material contaminado de
procedência desconhecida, como uma agulha no lixo, por exemplo.
A efetividade da prevenção com uso de antirretrovirais foi inicialmente estabelecida em
modelos animais, mostrando que a infecção pode ser abortada com o uso de medicamentos iniciados o mais precocemente possível e preferencialmente com o uso por quatro
semanas. Os estudos, na verdade, são escassos, testam um pequeno número de animais.
Desta forma, como exemplo 4 entre 4 macacos ficaram protegidos quando a profilaxia
era iniciada após 24 horas da exposição e mantida por 28 dias,3 em 4 ficaram protegidos
quando a mesma era iniciada após 48 horas e mantida por 28 dias, enquanto os 4 macacos nas mesmas condições se infectaram quando iniciada a terapia em 72 horas da
exposição (os 4 macacos do grupo controle também se infectaram)1. A manutenção de
somente 10 dias de tratamento deixou de proteger dois macacos em quatro quando a
profilaxia foi iniciada em 24 horas após a exposição e não protegeu nenhum dos 4 quando
200
Abordagens biomédicas para prevenção da transmissão do HIV
a profilaxia foi iniciada em 24 horas e mantida por três dias25. A crítica que posso fazer a
estes estudos em modelo animal relaciona-se ainda à dose infectante usada pela via parenteral, que é muita acima da que ocorreria em um acidente ocupacional. Além disso,
somente o tenofovir foi usado nestes testados.
Fica óbvio também que nunca obteremos uma resposta conclusiva a partir de estudos
em humanos, desde que não seria considerado ético um grupo controle usando placebo
ou o planejamento do tempo para o inicio do tratamento após o acidente (ninguém gostaria de ficar esperando até 48 horas para inicio do tratamento, por exemplo). Além disso,
a quantidade de pessoas a serem recrutadas para este tipo de estudo seria inviavelmente
grande. Desta forma, as estratégias têm que se valer dos modelos animais e do conhecimento sobre o ciclo de replicação do HIV. Este último detalhe tem sido negligenciado em
minha opinião.
Outro estudo de profilaxia pós-exposição explorando o modelo animal e a exposição
intravaginal ao HIV-2 e profilaxia por 28 dias com tenofovir demonstrou que 3 em 4 macacas se infectaram no grupo controle, nenhuma macaca em grupos de 4 se infectou
quando a profilaxia foi iniciada 12 horas ou 36 horas após a exposição. Quando a profilaxia foi iniciada 72 horas após a exposição, 1 em 4 macacas faleceu de causas não relacionadas e outra se infectou pelo HIV-226. Neste tipo de estudos, há que se ressaltar a
falta da representatividade da vida real, já que a dose intravaginal de vírus é bem superior
a fisiológica, haja visto a porcentagem de macacas infectadas no grupo controle.
No mundo ideal, deveríamos ter um nível elevado de medicamentos na circulação
sanguínea do paciente no momento em que o vírus tentasse infectar as células e deveríamos usar medicamentos que impedissem os vírus de semear a infecção em todas as
células suscetíveis. Para que se mantenham níveis adequados e estáveis na circulação
sanguínea e tecidos, são necessárias, por vezes, três a quatro semanas, ou seja, a pessoa
já deveria estar usando medicamentos antes da exposição, o que é impossível neste contexto. Entretanto, a explosão da viremia ocorre em média 17 dias após a exposição (entre
7 e 21 dias) a despeito da via de infecção27. Teoricamente, este seria o tempo em que as
células dendríticas que apresentam os antígenos demorariam para levar o HIV capturado
até os tecidos linfoides, valendo este modelo para a transmissão sexual ou parenteral.
Desta forma, é concebível que, durante este período, que varia entre 7 e 21 dias e é
conhecido como período de eclipse, a infecção não tenha ainda se estabelecido de forma
definitiva, já que a célula dendrítica carrega o vírus sem ser necessariamente infectada.
Aqui a primeira lição: níveis séricos de medicamentos devem estar presentes entre o 7.º e
o 21.º dias após a exposição. Provavelmente por este motivo a infecção foi prevenida em
somente 1 macaco em 4 quando a profilaxia durou somente 10 dias25.
Outro conceito importante de ser entendido relaciona-se ao momento do estabelecimento da infecção de forma crônica. Isto ocorre quando o vírus integra o seu genoma
junto ao genoma humano no núcleo da célula e esta célula entra em latência. Desta
forma, uma profilaxia adequada deveria impedir a integração do genoma, e medicamentos
como os inibidores da protease perderiam esta chance, já que eles não previnem a
infecção da célula em que estão atuando. Os inibidores da protease classicamente
impedem a saída de vírus viáveis da célula e, na profilaxia, agiriam quando a infecção
já tivesse ocorrido.
201
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Desta forma, os medicamentos com potencial para prevenção seriam os inibidores da
transcriptase reversa, inibidores de entrada ou inibidores de integrase (Fig. 3). Além disso, é
notório que indivíduos usando antirretrovirais como profilaxia apresentem grande nível de
intolerância e abandono precoce, sendo que as maiores intolerâncias possivelmente se relacionem aos inibidores da protease. Os não análogos de primeira geração não são candidatos
óbvios à profilaxia; o efavirenz pela neurotoxicidade e a nevirapina pelo potencial hepatotóxico entre pessoas com altos níveis de CD4. Os antagonistas de CCR5 podem não ser adequados pelo risco hipotético de seleção de variantes com tropismo duplo que são mais citopáticas.
Os inibidores de integrase poderiam hipoteticamente retardar a infecção, mantendo o vírus na
sua forma pré-integrativa28-30. Desta forma, sobram os análogos aos nucleosídeos em esquemas
duplos ou triplos. Na verdade, de acordo com o discutido acima, dois análogos teriam a mesma
eficácia que dois análogos associados a um inibidor da protease (este último sem ação para
prevenir a infecção celular na profilaxia) com menores níveis de efeitos colaterais. Um esquema
razoável e sinérgico, em meu ver, usando três análogos seria a associação de zidovudina (AZT)
com tenofovir (TDF) e lamivudina (3TC), sendo improvável que, em curtos períodos de tempo,
como na duração da profilaxia, os efeitos dos análogos timidínicos, como lipoatrofia, ocorram.
Na prevenção da exposição sexual, o uso de análogos aos nucleosídeos é mais óbvio ainda, já
que efavirenz, nevirapina e inibidores da protease consistentemente apresentam baixos níveis
(inferiores aos séricos) em tratos genitais masculino e feminino31-33, os análogos (emtricitabina [FTC], TDF, AZT e 3TC) apresentam níveis duas a seis vezes superiores aos séricos nas
secreções genitais masculino e feminino31-35 e TDF apresenta níveis no plasma seminal
semelhantes aos níveis intracelulares do difosfato de TDF nos linfócitos do plasma seminal36,37.
Entretanto, as diretrizes da maior parte do mundo, de forma quase que intuitiva,
mantêm inibidores da protease como parte do arsenal para prevenção da infecção pelo
HIV, tendência esta que, em minha opinião, deverá mudar no futuro.
Microbicidas
A definição de microbicidas refere-se a qualquer substância capaz de reduzir o risco
de aquisição ou de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV,
quando inserida na vagina ou canal retal/anal. Estas substâncias têm o aspecto de várias
outras substâncias ou medicamentos na forma de gel ou supositório, que têm sido usados
por vários anos, e normalmente contam com a mesma formulação destes cremes e supositórios acrescido da substância ativa. Existem pesquisas para que se desenvolvam, por
exemplo, anéis vaginais que teriam ação contínua e prolongada, idealmente com proteção
estendida a até um mês. Outra possibilidade que tem sido estudada é o uso de microbicidas em associação com alguns contraceptivos de barreira, como diafragmas ou capuz
cervical, por exemplo. O que se sabe é que o orifício uterino e o próprio cérvix uterino
são especialmente vulneráveis a infecções, mais do que a própria parede vaginal, já que
o cérvix é a porta de entrada natural do útero, das tubas uterinas e da própria cavidade
abdominal. Desta forma, o uso de microbicidas em diafragmas ou capuz cervical parece
ser uma estratégia protetora altamente eficiente. A grande maioria dos microbicidas sendo testados até hoje se constitui de cremes com antirretrovirais.
202
Abordagens biomédicas para prevenção da transmissão do HIV
Janela de oportunidade para
impedir a infecção celular
Infecção celular
definitivamente estabelicida
Entrada
RNA
Transcriptase
reversa
RNA-ase H
RT
vif
RNA
RNA
Proteinas
gag
protease
RNA
DNA
DNA
Integrase
DNA
Provirus
RNA pol II
Figura 3. Ciclo replicativo do HIV com as oportunidades de inibição com o uso de
antirretrovirais. Os medicamentos como os inibidores de entrada. Inibidores da transcriptase
reversa, inibidores da integrase e, potencialmente, os futuro inibidores da RNA-ase H e de Vif
impediriam a infecção celular por não permitirem a formação de provírus. A partir da formação
de provírus, a célula pode entrar em latência e perpetuar a infecção. Os inibidores da protease e
os potenciais futuros inibidores da maturação (Gag) e RNA polimerase II agiriam após a formação
do provírus, hipoteticamente não garantindo a erradicação da infecção celular.
As melhores notícias sobre esta estratégia foram anunciadas em 19 de julho de 2010
com os resultados do estudo conhecido como CAPRISA, apresentados no Congresso Mundial
da Sociedade Internacional de AIDS realizado em Viena. Este estudo recrutou e acompanhou 989 mulheres da África do Sul que foram randomizadas para uso de gel contendo
o antirretroviral TDF a 1%. Estas mulheres eram soronegativas para o HIV, sexualmente
ativas com idade variando entre 18 e 40 anos, sendo recrutadas em duas cidades diferentes,
Durban e Vulindlela no distrito de KwaZulu-Natal. No geral, houve uma redução de 39%
de infecções no grupo de mulheres recebendo o gel com TDF comparado ao grupo
placebo. O estudo vinha sendo conduzido desde maio de 200738.
A redução nas chances de infecção parece (e é) modesta. De qualquer forma, é superior
ao desempenho que qualquer vacina conseguiu até hoje. Abre também um caminho para
esta nova etapa na prevenção da transmissão da infecção pelo HIV.
Profilaxia pré-exposição ao HIV
Novamente aqui estamos abordando, no conceito de profilaxia, o uso de medicamentos não para tratar, mas para prevenir a ocorrência de uma doença. Este tipo de conceito
203
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
já tem sido usado em outras áreas médicas. A profilaxia contra malária, por exemplo.
Viajantes podem usar medicamentos quando visitam áreas de alta densidade de malária,
e, quando ocorre a picada do mosquito, a chance de aquisição da infecção fica enormemente reduzida.
No próprio caso da AIDS, pacientes com deficiência imunológica grave apresentam
riscos de desenvolvimento de infecções como pneumonias por pneumocistis, toxoplasmose encefálica e infecções por micobactérias, sendo que o uso de antimicrobianos reduz de
forma significativa a chance de aquisição destas infecções.
Outro exemplo clássico é o uso de contraceptivos hormonais, ou as chamadas pílulas
anticoncepcionais. As mulheres podem usar hormônios na forma de pílulas, implantes ou
injeções e reduzir enormemente a chance de engravidarem. Os hormônios basicamente
“enganam” o corpo feminino como se já houvesse uma gravidez. Desta forma, não haverá liberação de novos óvulos e, assim, não haverá nada que um espermatozoide possa
fertilizar; havendo, portanto, a prevenção da gravidez.
Existem exemplos também de prevenção de aquisição ou prevenção de recrudescência
de infecções virais com o uso contínuo e prolongado de antivirais, o que ocorre no caso
do herpes simplex ou citomegalovírus entre transplantados. Desta forma, tornou-se concebível que se usasse antirretrovirais para prevenção da aquisição do HIV entre pessoas
engajadas em atividades com alto risco de exposição a este vírus.
O racional a partir de modelo animal já existia. Aliás, no caso da profilaxia pré-exposição (PrEP), a situação ideal estaria ocorrendo com relação ao uso de antirretrovirais no
contexto da prevenção, ou seja, níveis adequados do medicamento já estariam presentes
no organismo da pessoa exposta no momento da exposição, detalhe este que não podemos garantir nos casos de profilaxia pós-exposição (PEP). Isto desde que a pessoa que
fizer profilaxia esteja usando os medicamentos de forma correta e contínua. Aqui outro
detalhe. Como a PrEP pressupõe o uso continuado e ininterrupto da medicação, trata-se
de fato de profilaxia pré e pós-exposição.
Estudos foram e estão sendo conduzidos nos EUA usando o TDF entre homens que
fazem sexo com homens (estudo do CDC [Center of Disease Control and Prevention]),
em usuários de drogas injetáveis com TDF na Tailândia (estudo do CDC), entre homens
que fazem sexo com homens em grande estudo multicêntrico no Brasil, Equador, Peru,
EUA, Tailândia e África do Sul usando a associação de dois medicamentos em uma única
pílula (TDF e FTC ou truvada) no estudo conhecido como iPrEX, em homens e mulheres
heterossexuais em Botsuana usando truvada (estudo do CDC), entre casais sorodiscordantes
(homens e mulheres) em Uganda e no Quênia usando TDF ou truvada (estudo denominado
Partners PrEP), em mulheres no Quênia, Tanzânia e África do Sul usando truvada no estudo
chamado FEMPrEP e em mulheres na África do Sul, Uganda, Zâmbia e Zimbábue usando
TDF (pílulas e gel) ou truvada no estudo VOICE39.
Os resultados mais contundentes vieram do estudo iPrEx. Este estudo começou a
recrutar os primeiros pacientes em 2007 e três anos depois se tornou o primeiro estudo
a apresentar evidências de que a PrEP era eficaz também em humanos40.
Este estudo recrutou 2.499 participantes dos diversos países descritos acima. Todos os
candidatos, HIV negativos, foram testados para infecção pelo HIV mensalmente e receberam continuamente instruções sobre como se engajar em sexo seguro. Receberam também
204
Abordagens biomédicas para prevenção da transmissão do HIV
preservativos masculinos e tratamento para doenças sexualmente transmissíveis. Metade dos
candidatos foi sorteada para receber truvada, enquanto a outra metade recebeu placebo.
Foram detectadas 64 novas infecções pelo HIV entre os 1.248 participantes que receberam placebo comparados a 36 infecções entre os 1251 que receberam o truvada,
confirmando uma redução de 43,8% do risco de infecção com o uso da medicação.
Quando foi aferida a quantidade de medicamento disponível consistentemente na circulação sanguínea nos que adquiriram a infecção, houve uma correlação entre baixos níveis
de medicamento e menor proteção, confirmando o óbvio, a proteção só existirá se a
profilaxia for feita de forma adequada. Fazer a profilaxia de forma adequada era não
deixar de tomar as doses do medicamento.
A partir das evidências deste estudo, que obviamente terão que ser confirmadas pelos
estudos subsequentes, fica óbvio que se trata de uma intervenção biomédica muito promissora. Claro que existem riscos do uso continuado da medicação antirretroviral. Riscos
estes que não gostaríamos que ocorressem em pessoas saudáveis que não possuam o HIV.
De qualquer forma, os pacientes portadores do HIV fazem uso de medicamentos de forma
contínua há muitos anos, e estas pessoas continuam tendo uma vida razoavelmente boa
e, com os antirretrovirais mais modernos, com mínimos efeitos colaterais. Hipoteticamente,
o tratamento poderia possibilitar que pessoas se infectassem por vírus resistentes ao TDF
e FTC contidos nestes medicamentos. Se isto ocorrer, o tratamento pode ser facilmente
ajustado, sendo igualmente eficaz com o uso de outros medicamentos.
Claro, os medicamentos devem ser usados de forma profilática após estar confirmado
que o candidato não apresenta infecção pelo HIV ou hepatite B. Os exames laboratoriais
de segurança, como em qualquer uso mais prolongado de medicação, devem ser também
realizados.
De qualquer forma, mais uma intervenção com eficácia superior à das vacinas emergiu. Aparentemente, algumas pessoas também demonstram mais facilidade para aderir
aos medicamentos aqui do que propriamente aderir a uso de preservativos. Mais uma
vez também, uma intervenção controversa pelos potenciais riscos que ela representa.
De qualquer forma, para algumas pessoas engajadas em atividades de risco alto para
aquisição do HIV, possivelmente passa a não ser ético impedir o uso do PrEP após os resultados do iPrEx.
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206
Capítulo 15
Vacinas preventivas
Anti-HIV/AIDS
Paulo Feijó Barroso
Introdução
Poucos anos após a descrição dos primeiros casos da nova doença, posteriormente
denominada de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), esforços para o
desenvolvimento de uma vacina preventiva foram iniciados pela comunidade científica
mundial. A rápida produção de testes diagnósticos e a descrição do agente etiológico
nos anos seguintes criaram uma expectativa otimista com relação à capacidade de rápida obtenção de uma vacina preventiva segura e eficaz. Mais de 30 anos se passaram e
apenas uma combinação de produtos candidatos à vacina preventiva antivírus da imunodeficiência humana HIV/AIDS demonstrou algum efeito protetor, embora pequeno,
em estudo clínico de eficácia. A UNAIDS estimava que 33 milhões de indivíduos vivessem
com HIV/AIDS ao final de 2009. As estimativas eram de que aproximadamente 2,6 milhões
de pessoas foram infectadas pelo HIV e que 1,8 milhão morreu por complicações desta
infecção neste mesmo ano1.
Os últimos anos criaram uma perspectiva otimista com relação ao controle da epidemia
de HIV/AIDS. A primeira demonstração de provável cura da infecção por HIV, através de
procedimentos terapêuticos complexos que envolveram um transplante de medula óssea,
foi apresentada ao mundo2. Adicionalmente, diferentes modalidades de prevenção da
infecção se mostraram efetivas em ensaios clínicos. A demonstração da eficácia do uso
de antirretrovirais para a redução da transmissão sexual do vírus3, o emprego da circuncisão masculina, a adesão a mudanças comportamentais, em especial através do uso de
preservativos e mudanças nos hábitos de uso de drogas ilícitas, compõem, junto com
outras modalidades, o promissor conjunto de estratégias para a prevenção da transmissão do HIV. Algumas destas propostas preventivas, embora adequadas no contexto de
investigação científica e aplicáveis em determinadas áreas e contextos do mundo, exigem
uma complexidade logística e emprego contínuo de altos volumes de recursos financeiros para um real impacto no controle da epidemia nas comunidades mais atingidas. Algumas delas exigem mudanças comportamentais contínuas e de difícil adesão às prescrições médicas. Consequentemente, uma solução global para a grande ameaça à saúde
207
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
pública que é a pandemia de HIV/AIDS dependerá, sem dúvida, do desenvolvimento de
um produto vacinal, ou uma combinação de produtos vacinais, que seja seguro, eficaz e
acessível às comunidades e aos governos dos países mais atingidos. Da mesma maneira,
exigirá a construção de mecanismos de acesso a sistemas de saúde eficazes e a participação ativa de membros das comunidades, devendo estar amplamente disponível às jovens
populações de maior risco para aquisição desta infecção, antes da possível exposição.
A resposta à pergunta “Quando uma vacina preventiva anti-HIV/AIDS segura, barata e
efetiva estará disponível para uso pelas comunidades que mais as necessitam?” continua
sendo uma das mais atuais e relevantes no campo da saúde pública e um dos mais difíceis
desafios que a comunidade científica internacional, governos e comunidades atingidas pela
epidemia já tiveram que enfrentar.
Obstáculos ao desenvolvimento de vacinas
A complexidade patogênica da infecção pelo HIV determinou diversos obstáculos,
científicos ou não, ao desenvolvimento de vacinas preventivas anti-HIV. Entre outros obstáculos, podemos citar o desconhecimento de respostas imunes específicas capazes de
conter a replicação do HIV, a variabilidade genética do HIV e a inexistência de modelos
animais adequados para desenvolvimento de testes pré-clínicos.
Mecanismos imunes na infecção pelo HIV
O desenvolvimento de vacinas objetiva a criação de respostas imunológicas ao agente
infeccioso que impeçam o estabelecimento da infecção, ou de doença, quando da exposição humana ao mesmo. As vacinas eficazes atualmente em uso conseguem deter a replicação do agente infeccioso antes que os eventos patogênicos sejam estabelecidos ou tragam grandes consequências clínicas aos vacinados. Isso é obtido, em geral,
através da indução de anticorpos neutralizantes contra o agente infeccioso alvo pelo
uso de antígenos específicos ou pelo uso de cepas atenuadas do agente infeccioso
que desencadeiam uma variedade de respostas protetoras. O estudo desta última estratégia, pelas características do HIV, um retrovírus capaz de se integrar ao genoma
da célula humana, não foi alvo de grandes investimentos da comunidade científica nas
últimas décadas.
Os indivíduos infectados pelo HIV não conseguem controlar esta infecção ou interromper a progressão para doença embora seja verificável a produção de diversos mecanismos
imunológicos de reação a este vírus. A despeito dos impressionantes avanços no conhecimento no campo da virologia, patogênese e tratamento da infecção por HIV, os mecanismos protetores contra essa infecção (e os seus correlatos) não são conhecidos. Na interação do HIV com o homem, a prevenção da integração do genoma viral na célula do
hospedeiro humano deveria ocorrer em uma janela de tempo muito curta, de horas a
poucos dias, após a exposição para evitar o estabelecimento da infecção persistente.
A viremia pode ser detectada cerca de sete dias após a exposição ao HIV, e a replicação
208
Vacinas preventivas Anti-HIV/AIDS
viral aumenta até um momento de pico que acontece cerca de três a quatro semanas após
esta. Adicionalmente, alguns dias após a infecção primária é possível detectar um grupo
de células CD4+ latentes já infectadas pelo HIV que se integra ao seu genoma4. Embora
anticorpos neutralizantes sejam os marcadores mais comuns de proteção em outras infecções preveníveis por vacinas, o mesmo não ocorre na infecção por HIV. Embora sejam
descritos diversos anticorpos neutralizantes específicos contra o HIV, eles são incapazes de
controlar a progressão da infecção. A enorme variabilidade genética entre cepas de HIV
circulantes dificulta a construção de antígenos vacinais específicos. Esta capacidade de
mutação faz com que o vírus rapidamente consiga evadir a resposta imune mediada por
anticorpos dirigidos contra os epítopos virais vacinais. Há evidências de que a imunidade
celular teria um papel importante no controle da replicação viral inicial. Nas primeiras
semanas após a infecção, a imunidade celular mediada por linfócitos CD8+ é responsável
pela redução do pico de viremia que ocorre nas 3-4 primeiras semanas5. Adicionalmente,
estudos avaliando indivíduos com infecção por HIV que têm progressão prolongada mostram a importância da imunidade celular no controle da mesma6. A observação de que as
respostas imunes celulares modificavam a evolução da infecção por HIV-1, associada à
incapacidade de resposta com a produção de anticorpos neutralizantes, levou à busca de
vacinas baseadas na capacidade de estimular respostas imune celulares na última década.
Essa estratégia, que empregava as chamadas vacinas de células T (T-cell vaccines) foi testada em diversos estudos clínicos, inclusive em um estudo de Fase IIB (estudo de prova de
conceito), e não esteve associada a nenhum grau de proteção contra a aquisição do HIV.
Após o insucesso destas estratégias, a busca de anticorpos neutralizantes e de produção
de imunidade celular parcialmente efetiva, o campo de vacinas anti-HIV mudou suas estratégias. Esforços têm sido feitos no sentido de tentar identificar anticorpos monoclonais
amplamente neutralizantes como o VRC01, capaz de neutralizar, em laboratório, cerca de
90% dos isolados de HIV encontrados na natureza7. Surpreendentemente, no único estudo de vacinas com alguma eficácia, as análises de correlatos de proteção mostraram que
a presença de anticorpos não neutralizantes de classe IgG que se ligaram a alças V1:V2
do envelope do HIV-1 correlacionaram-se com uma redução na chance de aquisição da
infecção pelo HIV8.
Passando da terceira à quarta década, a comunidade científica ainda tenta compreender quais são as respostas imunes que podem levar a um efeito protetor contra a aquisição e a progressão da infecção se esta for estabelecida. Admite-se que uma resposta
imune efetiva incluirá anticorpos e células T que neutralizem as partículas virais circulantes
e que também reconheçam e erradiquem células infectadas com o HIV antes que a infecção esteja irreversivelmente estabelecida9.
Modelos animais
Outro obstáculo que acompanha os esforços para o desenvolvimento de vacinas preventivas é a dificuldade de realizar os estudos pré-clínicos em modelos animais adequados.
Como não é possível reproduzir a infecção por HIV em pequenos animais, primatas não
humanos são os animais utilizados para tal. A utilização de primatas não humanos é
209
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
dispendiosa, os animais têm longevidade considerável e estão disponíveis em pequeno
número. Chipanzés, por exemplo, podem ser infectados pelo HIV; porém, a infecção nestes animais não replica os eventos patogênicos observados em seres humanos. Os modelos mais usados nos últimos anos para o estudo de candidatos a produtos vacinais utilizam,
entre outros, os macacos Rhesus. Um dos problemas é que, após a vacinação experimental, é inoculado nestes animais, para avaliar a capacidade protetora, o vírus da imunodeficiência símia (SIV), que é um vírus geneticamente relacionado ao HIV, ou o vírus produzido por engenharia genética SHIV, que é um vírus recombinante dos vírus SIV e HIV. De
qualquer maneira, esses modelos não necessariamente serão preditivos do que ocorrerá
entre humanos.
Preparação de testes de vacinas preventivas anti-HIV/AIDS
Outro grande obstáculo ao desenvolvimento de vacinas anti-HIV é a preparação de
comunidades e voluntários para os testes de vacina. A experiência dos últimos anos mostra que esse é um dos obstáculos que pode ser vencido. A preparação de voluntários é
trabalhosa. Além de todos os cuidados com produtos em investigação clínica em seres
humanos como conhecimento de efeitos adversos conhecidos e não conhecidos, os estudos de vacinas anti-HIV envolvem riscos novos. Os voluntários devem compreender e
aceitar esses riscos. Os estudos para avaliar segurança e capacidade de induzir respostas
imunes (Fases I e II) recrutam, em geral, indivíduos com baixo risco de aquisição de infecção pelo HIV. Em contraste, os estudos de eficácia (Fase III) privilegiam grupos populacionais de risco acrescido para a infecção por HIV. Neste contexto, os voluntários devem ser
estimulados a manter as medidas já conhecidas (como o uso de preservativos e seringas
limpas) para a prevenção da infecção. Os voluntários devem ter o conhecimento de que
produtos em investigação não garantem a prevenção e que essas medidas não podem
ser relaxadas. Os voluntários devem ter o conhecimento, e aceitar, a possibilidade de
que, embora não infectados, poderão apresentar evidências sorológicas de infecção por
HIV nos testes diagnósticos de rotina clínica. Esses testes podem permanecer reativos
por longos períodos e criar dificuldades psicológicas, sociais e clínicas para os participantes dos estudos. Não só durante os anos de condução dos estudos, mas também por
anos e talvez décadas após a finalização dos estudos, os participantes dos estudos clínicos de vacinas preventivas anti-HIV/AIDS devem ter acesso a protocolos de diferenciação entre anticorpos reativos aos produtos vacinais e infecção pelo HIV. Adicionalmente,
é importante que os indivíduos infectados pelo HIV durante a participação em estudos de
vacina tenham adequado acesso aos sistemas de saúde e à terapia antirretroviral de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde. O recrutamento das populações de risco acrescido para a infecção por HIV para estudos clínicos de eficácia de vacinas preventivas motivou grandes debates éticos nas duas últimas décadas. A
vulnerabilidade em que estas populações se encontram e que por muitos é considerada
limitadora da capacidade de decisão para participação em ensaios clínicos aumentou o
desafio para o desenvolvimento destes maiores estudos. Sem dúvida, este foi um dos
obstáculos superados na luta pelo desenvolvimento de vacinas preventivas anti-HIV/AIDS.
210
Vacinas preventivas Anti-HIV/AIDS
A comunidade científica associada às organizações comunitárias, organismos regulatórios
e governos foram capazes de, nos últimos anos, conduzir ensaios com dezenas de milhares de voluntários em ambiente da alta adesão às boas práticas clínicas e laboratoriais.
Histórico de testes de vacinas preventivas
anti-HIV/AIDS
Dezenas de ensaios clínicos, envolvendo dezenas de milhares de voluntários em
diversos países, de diversos continentes, e usando diversos protótipos vacinais e/ou
combinação dos mesmos foram conduzidos nas últimas três décadas. A grande maioria
destes estudos não avançou de Fases I e Fase II para as etapas posteriores. Apenas três
produtos e/ou combinação de produtos candidatos a estudos foram empregados em
estudos conduzidos com o objetivo de avaliar a eficácia de candidatos à vacina preventiva
anti-HIV.
Nestas três décadas de busca por uma vacina preventiva anti-HIV/AIDS, são definidos
três momentos, ou três ondas, na busca por uma vacina preventiva10. No primeiro momento, os estudos caracterizavam-se pela busca de indução de anticorpos neutralizantes.
Acreditava-se que esses anticorpos seriam suficientes para determinar proteção contra a
infecção pelo HIV ou progressão para AIDS. Estudos com candidatos à vacina baseados
em recombinantes de glicoproteinas do envelope viral, gp120 e gp160, e peptídeos sintéticos das regiões V3 de gp120 foram realizados. Os primeiros testes de vacina anti-HIV
em seres humanos usaram esses produtos ainda na década de 1990. No final da década
de 1990, dois estudos de fase III usando vacinas baseadas em gp120 monomérico foram
conduzidos nos EUA, Canadá, Porto Rico, Holanda e Tailândia11,12.
No chamado segundo momento, ou segunda “onda” de estudos, o objetivo era a
utilização de produtos vacinais para estimular a imunidade celular, observada como importante no controle da replicação viral. Foram desenvolvidos produtos compostos de
vetores virais recombinantes vivos, especialmente poxvirus (vaccinia, canaypox, fowlpox) e
que apresentavam expressão de genes de env, gag e outros genes regulatórios (Pol, tat,
nef) protótipos de DNA, lipopetídeos e combinações de vacina seguida de reforço (prime-boost) com vetores vivos e antígenos de genes do envelope viral.
Na chamada terceira “onda”, o objetivo era obter respostas imunes mais fortes e
amplas. Estas incluiriam a produção de anticorpos capazes de neutralizar cepas virais
clínicas de todos os subtipos do HIV e (ou) induzir fortes e duradouras respostas de
linfócitos T citotóxicos (CTLs) capazes de reagir contra diversas proteínas estruturais
e regulatórias do HIV. Nesta fase, que foi extremamente rica e promissora no início da
década passada, foram testados diversos vetores virais (VEE, AAV, adenovírus com replicação incompetente) produtos de DNA, e outras combinações vacina e reforço (prime-boost)
entre outros.
Os primeiros estudos para avaliar a eficácia de candidata à vacina anti-HIV foram iniciados em 1998 (EUA, Canadá, Porto Rico e Holanda) e 1999 (Tailândia). Os ensaios conhecidos como AIDSVAX (AIDSVAXB/B e AIDSVAX B/E respectivamente) utilizaram produtos vacinais contendo proteína recombinante de envelope de HIV1. Estes estudos
211
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
recrutaram 5.403 e 2.546 voluntários, respectivamente, em populações de alto risco
para aquisição de HIV-1 por via sexual ou parenteral. As taxas de infecção foram de
6,7 e 8,4% entre os indivíduos que receberam os produtos candidatos à vacina nos
estudos AIDSVAXB/B e AIDSVAXE/E respectivamente. As taxas de infecção foram de
7,0 e 8,3% entre os indivíduos que receberam placebo, respectivamente, nos dois
estudos citados. Esses produtos vacinais foram incapazes de induzir a produção de
anticorpos neutralizantes contra as cepas virais circulantes ou proteger os indivíduos da
aquisição do HIV11,12.
Durante muitos anos, a proposta de utilização de estratégias vacinais baseadas na
indução de imunidade celular foi considerado o caminho a seguir. Essas vacinas não necessariamente determinariam imunidade esterilizante. Ao contrário, era admitido que uma
parcela dos vacinados tivesse documentação de aquisição de infecção por HIV. Era esperado, entretanto, que esses indivíduos tivessem a infecção controlada pela imunidade induzida pela vacinação. A carga viral do HIV seria proporcionalmente menor entre os infectados vacinados quando comparados aos recipientes de placebo. O tempo de
progressão para AIDS seria maior entre os vacinados do que nos indivíduos que tivessem
a infecção sem a experiência vacinal. Como ganho adicional, e fundamental para impacto a
médio e longo prazo na evolução da epidemia, os indivíduos vacinados teriam probabilidade menor de transmitir essa infecção. Os dados obtidos em modelos de primatas não
humanos sugeriam todas essas possibilidades13,14.
Um destes protótipos de vacina chegou a testes de Fase II-B (prova de conceito) com
aproximadamente 3.000 voluntários considerados de alto risco para infecção por HIV, em
vários países, inclusive no Brasil. O estudo conhecido internacionalmente como Estudo
Step (HVTN 502/Merck023) utilizava antígenos de gag, pol e nef inseridos num vetor de
adenovírus 5 transformado em incompetente para replicação (vetor rAd5). Em paralelo a
este estudo, um protocolo similar, usando o mesmo produto vacinal foi conduzido na
África do Sul entre homens e mulheres heterossexuais (Estudo Phambili). Esses estudos
foram interrompidos antes do previsto devido aos resultados das análises de eficácias intermediárias do estudo Step, que mostraram ausência de proteção e nenhum efeito na
carga viral inicial dos vacinados que foram infectados pelo HIV15. Análises posteriores
sugeriram um aumento de risco de infecção pelo HIV em subgrupos participantes, em
particular entre os indivíduos com infecção prévia pelo adenovírus 5 e com história de
circuncisão que receberam o produto vacinal16.
Apenas um estudo de Fase III conseguiu demonstrar eficácia, embora pequena, de
uma estratégia vacinal para prevenção da infecção pelo HIV. Esse estudo foi conduzido
na Tailândia, conhecido como RV144, e contou com a participação de 16.402 voluntários divididos entre recipientes de produtos vacinais e recipientes de placebo. Ao contrário dos estudos de eficácia citados anteriormente, neste estudo não foram recrutados
apenas indivíduos com risco acrescido de infecção por HIV. Os voluntários receberam
inicialmente o produto vCP1521 (ALVAX - vetor de canarypox recombinante) expressando
diversos genes do HIV e depois recebiam o reforço do mesmo vetor associado a uma
proteína gp120 recombinante (AIDSVAX B/E). No momento em que este estudo era planejado, outras estratégias vacinais eram consideradas mais promissoras (em particular a
usada no estudo Step) e ambos os produtos em uso já haviam sido testados previamente
212
Vacinas preventivas Anti-HIV/AIDS
com resultados desanimadores nos estudos conhecidos como Vax004 e Vax003 (REF).
Embora houvesse importante ceticismo na comunidade científica, os resultados deste estudo mostraram segurança dos produtos e uma eficácia modesta de 31,2%, com um
intervalo de confiança de 95% amplo (IC: 95% de 1,1-51%, p = 0,04) nas análises por
intenção de tratamento modificada. Essa foi a primeira demonstração da produção de
proteção ao HIV por um candidato a produto vacinal17. As análises preliminares posteriores de correlatos de proteção indicam que a presença de anticorpos não neutralizantes de
classe IgG que se ligaram às regiões variáveis 1 e 2 (V1 e V2) da glicoproteína 120 do
envelope (env) do HIV-1 correlacionaram-se com uma redução em 43% de chance de
infecçao pelo HIV18. Em contraste, a presença de níveis elevados de anticorpos de classe
IgA dirigidos especificamente contra env foram correlacionados diretamente com maior
risco de aquisição da infecção19.
Ao contrário da eficácia demonstrada para aquisição, não foi observada nenhuma
diferença nos valores de carga viral entre os infectados, tenham eles recebido o protocolo vacinal ou placebo.
Conclusões
A vacina preventiva ideal contra o HIV-1 deve ser segura em pessoas não infectadas
pelo HIV. Deve determinar a produção de respostas imunitárias humorais e mediadas por
células que sejam duradouras contra as múltiplas cepas do HIV. Adicionalmente, é necessário que ela seja acessível, com custo adequado, as populações em risco de todo o
mundo. Menos de quatro décadas após a descrição desta nova doença, a comunidade
internacional já demonstrou possuir a capacidade de conduzir estudos de eficácia com
milhares de voluntários, em diversos países, respeitando os princípios éticos e de boas
práticas clínicas e laboratoriais.
Dezenas de produtos candidatos, utilizando diversas estratégias de vacinação, já foram
usados em estudos clínicos. Embora haja alguns avanços no campo de tratamento e prevenção da transmissão do HIV, não há dúvidas de que o desenvolvimento de uma vacina
preventiva eficaz e segura continua sendo uma das maiores prioridades no campo da
saúde pública global.
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Capítulo 16
O HIV-2 e sua biologia
e patogênese
Celina Monteiro Abreu e Amilcar Tanuri
Introdução
Após a descoberta do HIV, em 1986, amostras de dois pacientes do oeste da África
com características de imunossupressão, foram enviadas ao Instituto Pasteur por médicos
portugueses. Essas amostras apresentavam testes sorológicos com resultados repetidamente
negativos para o HIV que havia sido isolado na França e nos EUA em 1984. Após analise
genômica, essa nova variante tinha uma diferença de até 50% na composição do seu
genoma quando comparado com a da cepa LAI do HIV-11. Esse novo vírus foi denominado
vírus da imunodeficiência humana do tipo 2 ou HIV-2, enquanto seu antecessor recebeu
o nome de vírus da imunodeficiência do tipo 1 ou HIV-1. O HIV-2 é um lentivírus intimamente relacionado com o vírus da imunodeficiência símia (SIV) e mais distante, do ponto
de vista evolutivo, do HIV-1. Tal como o HIV-1, o HIV-2 pode causar AIDS em seres humanos.
No entanto, a progressão da doença ocorre muito mais lentamente no HIV-2, com baixas
taxas de perda de células CD4+ anualmente.
A infecção pelo HIV-2 encontra-se predominantemente em países da África Ocidental,
como Guiné-Bissau, Gâmbia, Senegal, Cabo Verde, Costa do Marfim, Mali, Serra Leoa e
Nigéria. Na década de 1980, cada um desses países tinha uma prevalência relatada de > 1%.
Estima-se que 1 a 2 milhões de pessoas na África Ocidental estão infectadas com o HIV-2.
No entanto, nos últimos anos, a prevalência do HIV-2 vem diminuindo em vários países
do Oeste Africano, particularmente entre os indivíduos mais jovens2. Em estudo realizado
em uma área rural do noroeste da Guiné-Bissau, a prevalência do HIV-2 caiu de 8,3% em
1990 para 4,7% em 2000, durante o mesmo período, a prevalência do HIV-1 cresceu de
0,3 para 3,6%3. Na verdade, essa tendência vem se consolidando e hoje temos uma proporção igual de HIV-1 e HIV-2 na Guiné-Bissau com aproximadamente 1,5% de coinfecções
HIV-1 HIV-2. Esse fenômeno pode estar relacionado à baixa eficiência de transmissão do
HIV-2 quando comparado com o HIV-1. Por outro lado, a infecção HIV-2 também foi relatada em países com laços históricos e sócio-econômicos com a África Ocidental. O HIV-2
pode ter se espalhado a partir da Guiné-Bissau para Portugal durante a guerra da independência. Além de Portugal, a presença do HIV-2 também tem sido relatada em países
215
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
com relações históricas com Portugal, como Angola, Moçambique, Goa, Maharashtra e
Macau e em partes da Índia e China. Em Portugal, o HIV-2 é responsável por 4,5% dos
casos de AIDS4. Na França, de 10.184 novos diagnósticos de HIV entre 2003 e 2006, 1,8%
estavam infectados pelo HIV-2 (1,6% monoinfecção HIV-2 e 0,2% prováveis de coinfecções
HIV-1/HIV-2)5. Na Espanha, essa taxa é ainda mais baixa, tendo sido diagnosticados somente 56 casos confirmados por HIV-2 desde 1995.
Nos EUA, o primeiro caso de infecção de HIV-2 foi descrito em uma mulher em 1987,
proveniente do Oeste Africano, que foi diagnosticada com toxoplasmose no sistema nervoso central. Embora o número total de casos conhecidos de HIV-2 nos EUA seja pequeno,
em relatos recentes, foram catalogados 62 casos confirmados de infecção pelo HIV-2 em
Nova York desde 20006. A maioria desses casos relaciona imigrantes vindos da África
Ocidental, como os cabo-verdianos, que constituem um grande contingente populacional
na região de Massachusetts e Rhode Island, e dos ganenses em Chicago.
O modo de transmissão do HIV-2 é semelhante ao do HIV-1, e se dá através do contato sexual, exposição a sangue (transfusão de sangue, compartilhamento de agulhas etc.)
e transmissão perinatal. No entanto, o HIV-2 tem uma infecciosidade bem menor quando
comparada com o HIV-1. Em um estudo feito no Senegal com profissionais do sexo, foi
mostrado que a transmissão heterossexual do HIV-2 foi mais lenta do que a do HIV-17.
Outro estudo prospectivo em mulheres, na Costa do Marfim, no início de 1990, mostrou
que a taxa de transmissão perinatal do HIV-2 foi de 1,2% em comparação com 24,7%
para o HIV-1 (OR > 21 no HIV-1)8. Em um estudo realizado na Gâmbia, mostrou-se que a
taxa de transmissão mãe-filho do HIV-2 era de 4%, seis vezes menor que a taxa de transmissão do HIV-1, que resultou em 24,4%. Esta taxa menor de transmissão sexual e vertical pode ser relacionada à menor carga viral dos indivíduos infectados com HIV-2. Esse
mesmo estudo feito na Gâmbia, a média geométrica da carga de plasma nas mulheres
grávidas infectadas com HIV-2 antes do parto foi de 410 cópias/ml, 37 vezes mais baixa
do que a carga viral observada nas mulheres infectadas com HIV-1 (15.100 cópias/ml). No
mesmo estudo, as taxas de transmissão se equalizavam quando comparados indivíduos
com carga viral semelhante sem levar em conta o vírus infectante9.
Origem e variabilidade do HIV-2
Análises filogenéticas mostraram que, enquanto o HIV-1 é mais relacionado com o SIV
oriundo de chimpanzés (SIVCPZ) o HIV-2 está intimamente relacionado ao SIV isolado de macacos verdes africanos, sooty mangabeys, (SIVSM). Tanto a infecção pelo HIV-1 quanto a infecção pelo HIV-2 representam infecções zoonóticas. O HIV-2 possui homologia de 75 a 85%
nas sequências de aminoácidos em relação ao SIVSM, sendo que os produtos codificados pelo
gene env apresenta apenas 30 a 40% de homologia, já em relação ao HIV-1 possui cerca
60% de homologia com os produtos codificados pelos genes gag e pol.
Do ponto de vista de variabilidade genética, o HIV-2 também apresenta um alto grau de
diversidade e pode ser separado em sete subtipos de A a G, sendo que os A e B são os mais
prevalentes na epidemia do Oeste Africano e nos países fora do continente africano. Em estudos feitos com macacos verdes vivendo na natureza, amostras de SIV isoladas dos macacos
216
O HIV-2 e sua biologia e patogênese
A
HIV-1
gag
vif
nev
vpu
env
vpr
5’LTR
B
tat
rev
pol
3’LTR
HIV-2
gag
5’LTR
pol
vif
vpx vpr
tat
rev
nef
env
3’LTR
Figura 1. Representação esquemática do vírus HIV-1 (A) e do HIV-2 (B) integrado na célula
hospedeira (DNA províral) (adaptado de Woude SV, Apetrei C, 200610).
verdes fuligentos tinham o genoma muito mais próximo ao HIV-2 dos subtipos D e E,
sugerindo diferentes passagens zoonóticas macaco – homem para explicar cada grupo do
HIV-2. Como no HIV-1, o genoma do HIV-2 é constituído de duas moléculas de RNA,
polaridade positiva e com cerca de aproximadamente 9.200 pares de bases (pb), e possui
as três regiões principais presentes em todos os retrovírus gag, pol e env. O HIV-2 difere
do HIV-1 por apresentar um gene extra, que codifica a proteína Vpx, e por não carregar
em seu genoma o gene que codifica a proteína Vpu. O gene vpx parece ter evoluído a
partir de uma duplicação do gene vpre codifica para a proteína Vpx. Esta proteína favorece a libertação de viríons da célula infectada. As funções da Vpu do HIV-1 são desempenhadas em HIV-2 por vpre vpx (sendo sua principal função promover a importação do
DNA viral para o núcleo). A função do gene vpu é desempenhada em HIV-2 pelo vpx,
permitindo que a glicoproteína do invólucro desse vírus aumente a capacidade de produção de partículas virais de uma forma idêntica a vpu em HIV-1. No entanto, foram também
descritos efeitos desta proteína ao nível da transcrição reversa e no acúmulo de DNA viral
antes da sua importação nuclear.
A homologia entre os tipos de HIV-1 e 2 em relação aos nucleotídeos é de cerca de
60% para as regiões mais conservadas dos genes pol e gag, mas apenas de 30 a 40%
para os outros genes, incluindo o gene env (Fig. 1).
O ciclo replicativo dos HIV-2 segue as mesmas etapas do HIV-1 e pode ser dividido,
arbitrariamente, em duas fases distintas: inicial e tardia. As fases iniciais se referem às
primeiras etapas da infecção desde a fusão do vírus à célula até o fenômeno de integração
do cDNA viral ao genoma celular. Já a fase tardia do ciclo replicativo começa com a expressão dos genes virais e continua até a liberação e a maturação das progênies virais
infecciosas (Fig. 2)10.
História natural
A Infecção causada pelo HIV-2 apresenta uma fase assintomática mais longa e uma progressão mais lenta para AIDS quando comparada ao HIV-111. Em uma coorte de mulheres
217
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
gp105
gp36
CD4
Receptor de
CCR5 quimiocina
Microcúbulos
Fusão
Brotamento e
maturação
Env
RT
cDNA
flap
Rev
Tat
vif
Vpu
Transporte e
Nef montagem das
Vpr pin virais
RI
MA
Vpr
Transcrição reversa
Gag Pol
ssRNA
AAA
AAA
RNA genómico
Rev
PIC
cDNA
5’LTR 3’LTR
Pol
Nef
Protease
Tradução
Integrase
Gag
splicing
Rev
Tat
Transcrição
Figura 2. Ciclo Replicativo do HIV-2. Entrada do HIV nas células hospedeiras. A ligação da
gp105 ao receptor CD4 promove uma mudança conformacional, o que permite a interação com o
correceptor de quimiocina (CCR5 ou CXCR4). A interação gp105-CD4 promove uma segunda
mudança conformacional, ocasionando a liberação do peptídeo de fusão na gp36, proporcionando
a fusão entre membranas celulares e envelope viral, que permite a entrada do nucleocapsídeo no
citoplasma. As etapas seguintes são retrotranscrição (RNA-cDNA), integração, transcrição dos
RNAm virais (processamentos alternativos), transporte dos RNAm para o citoplasma para posterior
tradução destes RNAs nas proteínas virais, montagem, brotamento e maturação da partícula viral
(GAG e GAGPOL) (adaptado de Peterlin BM, Trono D, 2003).
senegalesas profissionais do sexo, a probabilidade de sobrevida livre de AIDS após cinco anos
da soroconversão foi de 100% nas mulheres infectadas pelo HIV-2 em comparação com
apenas 67% para a contraparte infectadas com HIV-1. Além disso, a taxa de progressão
para AIDS em pacientes infectados com HIV-2 é altamente variável, e somente alguns pacientes desenvolvem complicações avançadas de imunodeficiência relacionadas com a AIDS.
Em termos clínicos, é importante distinguir pacientes que tendem a evoluir mais rapidamente para dar início ao tratamento antirretroviral mais precocemente12.
Outro aspecto interessante da infecção pelo HIV-2 são as contagens quase normais de
células CD4 e níveis mais baixos de RNA viral do que os observados em infecção pelo HIV-1.
As cargas virais são em média 28 vezes mais baixas que as do HIV-1 em indivíduos com soroconversão recente. No entanto, uma vez chegando ao estado de imunodeficiência avançada,
os doentes infectados com o HIV-2 apresentam uma alta taxa de mortalidade semelhante
à do HIV-1. Em um estudo feito na Gâmbia, os doentes infectados com HIV-1 e HIV-2 pareados com a contagem de células CD4 < 200/mm3 tinham uma mortalidade semelhante13.
218
O HIV-2 e sua biologia e patogênese
Devido ao HIV-2 ser um vírus menos virulento do que o HIV-1, tem havido um interesse na possibilidade de que o HIV-2 possa proteger contra a infecção pelo HIV-1, através
de uma imunidade cruzada ou um fenômeno de interferência viral. Um estudo prospectivo de senegalesas trabalhadoras do sexo sugeriu que a infecção pelo HIV-2 pode dar um
grau significativo de proteção cruzada ao HIV-1 e que talvez essa proteção pudesse ser
mediada pela expressão de b-quimiocina induzida pela infecção do HIV-2. No entanto,
outros estudos feitos em outras coortes concluíram que o HIV-2 não protege contra a
aquisição de infecção pelo HIV-1 ou até mesmo possa aumentar sua taxa de infecção14.
Manifestações clínicas
Como citado acima, há uma fase prolongada assintomática entre os pacientes infectados com HIV-2. No entanto, se os pacientes não recebem tratamento específico para
bloquear os declínios na contagem de células CD4, eles desenvolvem doenças similares
àquelas observadas em pacientes infectados com o HIV-1. Por exemplo, doenças como
tuberculose, candidíase esofágica, doença por citomegalovírus, infecção por Mycobacterium avium ou acellulare, toxoplasmose cerebral disseminada, criptococose, criptosporidiose,
sarcoma de Kaposi, demência relacionada à AIDS, pneumonia bacteriana recorrente e
leucoencefalopatia multifocal progressiva têm sido relatadas em pacientes infectados pelo
HIV- 2. Um estudo feito na Gâmbia comparando pacientes infectados com ambos os vírus
revelaram padrões similares de eventos definidores de AIDS nos dois grupos analisados15.
Houve também relatos de outras complicações menos comuns na infecção pelo HIV-2,
incluindo a neuropatia craniana múltipla e trombocitopenia não imune no contexto de
linfoma de células T/NK16. Há ainda uma sugestão de que a encefalite pode ocorrer com
mais frequência em pacientes infectados pelo HIV-2 do que naqueles com infecção HIV-1,
embora não esteja claro se esse achado é devido à maior sobrevida dos pacientes infectados pelo HIV-2 ou porque o HIV- 2 tende a ser mais neurotrópico. A tabela 1 mostra
algumas diferenças entre a infecção do HIV-1 e do HIV-2.
Testes e diagnóstico
A maior diferença sorológica entre o HIV-1 e o HIV-2 encontra-se nas glicoproteínas
do envelope. Os anticorpos contra o HIV-2 podem reagir cruzadamente contra as proteínas
codificadas pelo gene gag e pelo gene pol do HIV-1, mas não com as codificadas pelo gene
env e vice-versa. Por essa razão, os bancos de sangue passaram a ser obrigados a usar testes
para a pesquisa dos dois tipos. O Center for Disease Control and Prevention (CDC) aconselha
testar para HIV-2 os indivíduos HIV-1 negativos com uma doença que sugira infecção por HIV.
O algoritmo de testagem do HIV feito pelo Departamento de DST AIDS e Hepatites Virais do
Ministério da Saúde editado pela Portaria n.° 151, de 14 de outubro de 2009, preconiza que,
havendo persistência de resultado indeterminado nos testes sorológicos e suspeita clínica ou
epidemiológica de infecção, pode-se coletar uma nova amostra para investigação da infecção
pelo HIV-2 ou, ainda, para realização de outros testes indicados para o diagnóstico.
219
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 1. Comparação entre HIV-1 e HIV-2
HIV-1
HIV-2
Evolução da doença
A maioria evolui para AIDS
~20-25% evoluem para AIDS
Carga viral plasmática
Elevada durante a fase aguda e
na progressão da doença (105 e
107 cópias de RNA por ml),
pode ser indetectável na fase
assintomática
Elevada nos que progridem
para AIDS 103 e 104 cópias
de RNA por ml),
indetectável na maioria dos
casos
Contagem de CD4+
Raramente retorna a níveis
normais
Normal em LTNPs; menor
nos progressores
Transmissão vertical
Cerca de 40% (sem tratamento)
< 4% (sem tratamento)
Ativação imune
Elevada, mesmo em amostras
com carga viral indetectável
Aumentada nos progressores e
prevê a evolução da doença
Proliferação das
células T
Aumentado turnover de ambas
células CD4+ e CD8+
Não conhecido
Apoptose
Aumentada
Menor que em HIV-1
Adaptado de De Silva TI, Cotten M, Rowland-Jones SL, 2008.
Atualmente, os testes de ELISA aprovados pelo Food and Drug Administration (FDA)
dos EUA são capazes de detectar infecção tanto por HIV-1 como por HIV-2. Embora esses
imunoensaios detectem tanto o HIV-1 como o HIV-2 com boa sensibilidade, eles não são
capazes de discriminar entre os dois tipos de infecção por HIV. Alguns testes rápidos podem
diferenciar sorologicamente a infecção do HIV-1 e HIV-2, como o Multispot HIV-1/HIV-2 (BioRad) e teste rápido da alka tecnologia (Fig. 3) através de peptídeos sintéticos ou antígenos
recombinantes específicos dos dois vírus como a gp36 e gp41 do envelope dos dois vírus17.
Os testes ELISA que utilizam peptídeos imunodominantes da gp41\gp36 com sequências
vindas do HIV-1 e do HIV-2 podem diferenciar a infecção pelos dois vírus. Mesmo assim,
temos alguns problemas de reação cruzada entre o HIV-1 e o HIV-2 que podem dificultar
o poder discriminatório desses ensaios no caso de coinfecção HIV-1 e HIV-2. Um resultado
sorológico reativo para HIV-2 deve ser confirmado com um teste de anticorpos suplementar,
tais como um western blotting contendo antígenos virais específicos de HIV-2 Blot, versão
1.2 (Biomedicals MP, LLC) ou alguns imunoblots com múltiplas proteínas recombinantes
na tira de reação, como o INNO-LIA do HIV I/II (Innogenetics NV). Contudo, o diagnóstico
de certeza deve ser feito com a utilização de testes moleculares, nos quais é identificado
o material genético do HIV-2. Neste tocante, deve-se utilizar o DNA pró-viral como material
de teste porque as cargas virais do HIV-2 sendo muito baixas, nos casos de coinfecções
HIV-1/HIV-2, podem dar resultados falso negativos quando pesquisadas por RT-PCR (reação
em cadeia da polimerase com transcriptase inversa).
A quantificação da carga viral em pacientes infectados com o HIV-2 é um problema
sério, visto que não existem testes aprovados pelo FDA para tal finalidade. Os testes
220
O HIV-2 e sua biologia e patogênese
Primeira
resposta
a HIV
Teste de
cartão 1-2.0
Primeira
resposta
a HIV
Teste de
cartão 1-2.0
Primeira
resposta
a HIV
Teste de
cartão 1-2.0
C
2
I
C
2
I
C
2
I
C
T
C
T
C
T
Primeira
resposta
a HIV
Teste de
cartão 1-2.0
C
2
I
C
T
S
S
S
S
Negativo
Positivo
HIV 1
Positivo
HIV 2
Positivo
HIV 1&2
Figura 3. Teste rápido para detecção de anticorpos anti-HIV no soro, plasma ou sangue total:
Negativo, a banda colorida aparecerá só na área de controle, o que indica um resultado negativo.
Positivo para HIV-1: duas faixas aparecerão, uma na área de controle (C) e uma na área de ensaio
(1). Positivo para HIV 2: duas faixas aparecerão, uma na área de controle (C) e uma na área de
ensaio (2). Positivo para HIV 1 e 2: três faixas aparecerão, na área de ensaio 1 e na área de ensaio
2. Ocorrerá o aparecimento de uma faixa na área controle (C). Inválido: se a faixa de cor não é
visível dentro da área de controle após a realização do teste, o resultado é considerado inválido.
corriqueiros como o AMPLICOR Roche HIV-1 Monitor e Nuclisens EasyQ (versão 1.1)
podem, por vezes, detectar o RNA do HIV-2 em algumas amostras, mas com uma carga
muito menor que a real, ou seja, não serve como um teste quantitativo. Por causa da
falta de um teste comercialmente disponível, os níveis de RNA do HIV-2, ou seja, a carga
viral, não podem geralmente ser monitorizados em doentes que são iniciados em tratamento antirretroviral (TARV). O desenvolvimento de um teste de carga viral para o HIV-2
é necessário para melhorar o monitoramento dos pacientes infectados pelo HIV-2 na
África e nos países desenvolvidos onde esse vírus é encontrado.
Tratamento da infecção
Devido ao escasso número de estudos sobre a infecção pelo HIV-2, é evidente a carência
de meios e de conhecimentos enfrentada pelos profissionais de saúde para seguir estes
doentes, recorrendo à extrapolação dos conhecimentos adquiridos para a infecção pelo
HIV-1 e/ou à sua experiência clínica. Contudo, está mais do que provado que a infecção
pelo HIV-2 é significativamente diferente da infecção pelo HIV-1.
A falta de estudos de acompanhamento longitudinal observacionais de indivíduos
infectados com HIV-2 torna difícil determinar qual o melhor TARV a ser iniciado nesses
pacientes. Dada a lenta perda de células CD4 na fase assintomática e a lenta recuperação
221
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
depois do início do tratamento, é importante iniciar a terapia antes que o estado de
imunodeficiência avançada se desenvolva. Embora a mais recente recomendação do Department of Health and Human Services (DHHS), EUA, seja para iniciar a terapia antirretroviral altamente ativa (HAART) com a contagem de CD4 mínima de 500 cél/mm3 no caso
da infecção pelo HIV-1, não temos uma diretriz para os indivíduos infectados com o HIV-2.
Uma vez que a decisão for feita para tratar a infecção pelo HIV-2, a próxima questão é
qual TARV deve ser ministrado? Neste caso, os dados de testes in vitro feitos com isolados
do subtipo A e B do HIV-2 e informações de ensaios clínicos podem ajudar a informar essa
decisão. Os inibidores da transcriptase reversa análogos aos nucleosídeos (ITRNs) são ativos
contra o HIV-2, mas devido a polimorfismos naturais presentes na transcriptase reversa (TR),
pode haver variação na potência de diferentes agentes18. A figura 4 mostra as diferenças
encontradas na sequência da protease (A) e da TR (B) quando comparados os protótipos
de HIV-1(HXB2) e HIV-2 (ROD) que são representativos de sequências selvagens destes vírus,
alguns polimorfismos encontrados no HIV-2 estão associados à resistência em HIV-1, e isso
pode diminuir a barreira genética para aquisição de mutações de resistência e, consequentemente, a diminuição da susceptibilidade a um determinado TARV.
Embora alguns estudos indiquem que concentrações semelhantes de ITRNs são necessárias
para inibir a replicação do HIV-1 e do HIV-2, outros acham que são necessárias concentrações mais elevadas de zidovudina (AZT) para suprimir a replicação do HIV-2. Os perfis de
resistência selecionados para o AZT mais encontrados em pacientes infectados com HIV-2
não é a via mais selecionada pelo HIV-1, que são as mutações de análogos de timidina
(TAM), no lugar destas mutações (M41L, D67N, K70R, L210W, T215Y e K219Q/E), encontrou-se a mutação Q151M, que ocorre mais rapidamente e sua frequência é muito mais
elevada do que no HIV-1, esta mutação provoca multirresistência aos ITRNs em HIV-2.
Além disso, as mutações relacionadas à resistência a esta classe, tais como a M184V e a
própria Q151M, foram encontradas em indivíduos virgens de tratamento infectados pelo
HIV-2 em Burkina Faso, sugerindo a possibilidade de que essas mutações primárias possam
ocorrer como polimorfismos naturais ou resistência ao fármaco transmitida19. A fragilidade
potencial dos atualmente disponíveis ITRN para utilização em terapia de HIV-2 é realçada
pela constatação de que Q151M combinada com a mutação K65R ou M184V resulta em
alto nível de resistência ao AZT, lamivudina (3TC), entricitabina (FTC) e abacavir (ABC), em que
a presença destas três mutações (Q151M, K65R e M184V) em combinação confere resistência cruzada a esses ITRNs; contudo, a seleção da K65R resulta apenas em baixo nível de
resistência (4-5vezes) a estavudina (d4T) e tenofovir (TDF), diferente do abservado em HIV-1.
Vários estudos demonstraram que o HIV-2 é resistente à primeira geração de inibidores
da transcriptase reversa não análogo aos nucleosídeos (ITRNNs), a resistência natural do
HIV-2 para esses fármacos é devido a diferenças nos resíduos de aminoácidos que fazem
contato com o ITRNN na bolsa de ligação do HIV-1 e do HIV-2, particularmente polimorfismos naturais, como Y181I e Y188L são vistos em HIV-2 (Fig. 4), que reduzem significamente a atividade do enfavirez e da nevirapina. Além disso, a presença das mutações
Y181I e V179I e de outras diferenças encontradas, como polimorfismo da TR do HIV-2
diminuem a barreira genética contribuindo para seleção de cepas resistentesà etravirina e a
rilpivirina. Por conta destes polimorfismos naturais encontrados no HIV-2, os INNTRs não são
utilizados na clínica para tratamento da infecção pelo HIV-2, por serem menos eficientes.
222
O HIV-2 e sua biologia e patogênese
Outra classe utilizada na clínica são os inibidores da protease (IP), que se ligam ao sítio
ativo da enzima impedindo a clivagem das proteínas precursoras, tornando o vírus imaturo.
Os IPs são altamente ativos contra o HIV-1; contudo, têm uma variação na eficácia contra
o HIV-2. Diferentes subtipos desse vírus apresentam variação na susceptibilidade a essa
classe de TARV, possivelmente relacionada à presença de polimorfismos no gene da protease (Fig. 4 A). As proteases do HIV-1 e do HIV-2 têm uma semelhança de sequência de
aminoácidos de cerca de 50%, tendo uma menor homologia do que a observada quando
comparada às suas enzimas TR. Essas diferenças de sequência refletem em muito os distintos polimorfismos naturais entre as proteases do HIV-1 e HIV-2; contudo, a maioria ocorre
fora do sítio ativo da enzima. Os polimorfismos encontrados na proteasedo HIV-2 podem
encurtar o tempo necessário para a seleção de mutações de resistência no HIV-2 aos IPs.
Entre as mutações encontradas, a M46I está relacionada à resistência ao indinavir (IDV),
outras mutações secundárias, L10V, V32I, M36I, I47V, A71V, e G73A podem diminuir a
susceptibilidade ao nelfinavir (NFV) e ao amprenavir (APV).
Vários ensaios em culturas de células ou enzimáticos usando IP sugerem que, enquanto IDV,
saquinavir (SQV), lopinavir (LPV), darunavir (DRV) e tipranavir (TPV) podem exercer a atividade
contra HIV-2 selvagem, NFV, atazanavir (ATV) e APV mostram uma redução na sua eficácia.
Dada a possibilidade de redução da atividade, o consenso francês de 2008 aconselha
que o uso do ATV, fosamprenavir, e TPV em doentes com infecção pelo HIV-2 deva ser
feita com muita precaução.
Entre os novos agentes antirretrovirais, os inibidores da integrase, agem bloqueando a
integração do vírus no cromossomo das células hospedeiras. Apesar da similaridade de 40%
no gene da integrase entre HIV-1 e HIV-2, os motivos funcionalmente importantes (a tríade
catalítica DDE, o RCDH, e RKK) são 100% conservados em HIV-1 e HIV-2. Os inibidores
raltegravir e elvitegravir são igualmente eficazes contra HIV-1 e HIV-2. Contudo, pouco se
sabe da susceptibilidade da integrase do HIV-2 ao dolutegravir, TARV de segunda geração
de inibidores de integração.
O inibidor de fusão enfurvitide (T-20) bloqueia a entrada do vírus. Essa classe de inibidores de entrada foi licenciada para uso na clínica contra HIV-1 em 2003; porém, não foi
observada qualquer atividade contra o HIV-2, o que não é surpreendente, uma vez que o
HIV-1 e o HIV-2 apenas compartilham em sequência de aminoácidos similaridade de 30-40%
na proteína do envelope viral. Consequentemente, esses agentes não devem ser usados na
terapia dos pacientes infectados com HIV-2.
Dado o fato de que o HIV-2 pode utilizar correceptores alternativos para a entrada na
célula alvo, além dos já descritos (CCR5 eCXCR4), incluindo-se o CCR1-5, GPR15, e CXCR6,
a potência do inibidor antagonista do CCR5, denominado maraviroque no bloqueio da entrada do HIV-2 na célula é incerto e deve ser demonstrada através de estudos in vitro e clínicos.
Contudo, apesar de sabermos quais os TARVs são efetivos contra o HIV-2 in vitro, uma
das principais limitações em nosso conhecimento de como tratar a infecção pelo HIV-2 é a
ausência de ensaios clínicos randomizados. Uma razão para essa falta de informação é o
baixo número de pacientes infectados pelo HIV-2 nos EUA e na Europa. Além disso, uma
grande proporção dos doentes infectados pelo HIV-2 não tem viremia detectável, fazendo
com que a carga viral não seja o único endpoint primário para os estudos de tratamento
HIV-2 e dificultando a análise dos resultados dos ensaios. Muitos dos estudos publicados
223
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
A
Protease
B
Transcriptase reversa
Figura 4. Diferenças entre a protease (A) e o domínio de DNA polimerase da TR (B) de HIV-1
(HXB2) e HIV-2 (ROD) em aminoácidos. Rachurados, os polimorfismos encontrado no HIV-2 que
são posições envolvidas com resistência aos IPs e aos ITRN/ ITRNN descritos em HIV-1. Os
pontos significam homologia (adaptado de Ntemgwa ML, et al. 2009).
sobre o tratamento do HIV-2 têm sido relativamente pequenos estudos observacionais. A
ANRS CO5 Cohort HIV-2 avaliou a resposta ao tratamento em 29 pacientes infectados com
HIV-2 a partir LPV/ritonavir em combinação com dois ITRNs20. Antes do tratamento, a contagem de células CD4 foi 142 cél/mm3, e apenas 16 pacientes tinham carga viral para HIV-2
detectáveis (nesses indivíduos, a mediana da carga viral foi 2.189 cópias/ml). O aumento
médio na contagem de células CD4 após início do tratamento foi de 71 cél/mm3 na semana
24 (n = 28) e 122 cél/mm3 na semana 48 (n = 19). Na semana 24, 20 pacientes tiveram
uma carga viral indetectável, e cinco pacientes teriam tido falência virológica. Outro estudo
observacional concluiu que a supressão viral pode ser obtida por um regime de 2 ITRNs e
potencializado com ritonavir/IDV. No entanto, os regimes contendo NFV parecem ter benefício virológico limitado em pacientes infectados com o HIV-2. A Organização Mundial da
Saúde (OMS), no guia do tratamento da AIDS publicado em 2010, afirmou que um regime
de análogos de nucleosídeo triplo pode ser considerado em pacientes com infecção pelo
HIV-2. No entanto, existem preocupações sobre a potência desse tipo de regime terapêutico.
Assim, muitos especialistas defendem o uso de 2 ITRNs mais um IP potencializado com ritonavir (IP-r) para o tratamento de infecção pelo HIV-2. O DHHS dos EUA sugere iniciar um
regime com IP-r, mas não especifica quais fármacos devem ser usados. Com base em estudos
in vitro e informações oriundas de ensaios clínicos descritos, o regime contendo LPV ou DRV
224
O HIV-2 e sua biologia e patogênese
potencializado com o ritonavir é uma escolha razoável para o componente IP, e o TDF mais
FTC ou 3TC poderia ser usado como o componente ITRN do regime.
A resposta ao tratamento é geralmente avaliada utilizando uma combinação de resposta
imunológica e critérios virológicos. A resposta de células T CD4 à terapia em doentes infectados
com HIV-2 parece ser menor do que a resposta em pacientes infectados com o HIV-1. Dados
do grupo de estudos ANRS com coortes de pacientes infectados com HIV-2 na França mostraram que esses indivíduos apresentaram menor recuperação de células CD4 do que a esperada,
apesar do fato de que a maioria dos pacientes atingiu supressão viral, carga viral indetectável,
medida por um teste caseiro de PCR (reação em cadeia da polimerase) em tempo real21.
A monitorização de resistência aos fármacos é difícil porque não existem testes de
genotipagem comerciais disponíveis para o HIV-2. Uma rápida aquisição de mutações no
gene da integrase também tem sido relatada durante o tratamento com raltegravir. Emergência da resistência aos fármacos multiclasse também foi detectada em uma coorte de
23 pacientes no Senegal22, onde foi encontrada uma grande proporção (30%) que desenvolveu mutações de resistência multiclasse a fármacos (incluindo M184V e Q151M) e
múltiplas mutações associadas aos IPs durante o tratamento com ITRN. Um aspecto
interessante no tocante ao TARV está presente nos indivíduos coinfectados HIV-1 e HIV-2.
Como mencionado anteriormente, na África Ocidental, 0,3-1% dos pacientes está duplamente infectada com HIV-1 e HIV-2. A taxa de mortalidade em pacientes coinfectados é
semelhante ao do HIV-1 em todos os extratos de contagem de células CD4. Uma grande
preocupação no diagnóstico se dá ao fato de que falhas no tratamento têm sido observadas
em pacientes coinfectados que foram colocados sobre o esquema terapêutico de HIV-1 e
foram encontrados depois com HIV-2, que era resistente ao esquema antirretroviral em uso
para o HIV-1. Assim, pacientes coinfectados, virgens de tratamento, devem ser tratados com
um IP-r mais 2 ITRNs. Se a falha do tratamento for identificada, os padrões de resistência de
ambos os vírus devem ser avaliados. Embora haja debate a respeito de quando a terapia deve
ser iniciada e qual o regime deve ser escolhido, estudos recentes têm fornecido informações
importantes sobre opções de tratamento para a infecção do HIV-2. Nesta era de integração
global, os clínicos devem estar cientes de quando considerar o diagnóstico de infecção
pelo HIV-2 e como testar para esse vírus e tratá-lo eficientemente.
Desenvolvimento de uma vacina
O desenvolvimento de uma vacina eficaz de amplo espectro contra o HIV-1 e todos os
subtipos e suas formas recombinantes circulantes (CRFs) continua sendo um dos grandes
desafios científicos e de saúde pública. Uma das principais barreiras para o desenvolvimento de uma vacina contra o HIV-1 é a falta de compreensão dos correlatos de imunidade
protetora contra o vírus. Neste contexto, a investigação centrou-se no grupo de controladores espontâneos da infecção pelo HIV-1, em grupos referidos como não progressores
de longo prazo e controladores de elite, juntamente com estudos de primatas não humanos, tais como mangabeys fuligentos e macacos verdes africanos, infectados com SIV, em que
a maioria dos animais tolera níveis elevados de replicação viral, sem desenvolvimento de
imunodeficiência ou doença. Muito menos atenção tem sido dada a seres humanos infectados
225
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
com a estirpe não progressora de HIV-2, a maioria dos quais se comporta como não progressores a longo prazo ou controladores virais, enquanto que uma minoria desenvolve a doença
clinicamente indistinguível da AIDS causada por HIV-1. A pesquisa em indivíduos infectados
com HIV-2 poderia aumentar o esforço de investigação de uma vacina contra o HIV-1. Estudos indicam que os indivíduos infectados com HIV-2 têm uma forte resposta imune a uma
região específica da proteína gag. A ausência de progressão da doença ou a replicação
viral detectável no plasma na presença de uma resposta imune eficaz na maioria dos pacientes com HIV-2 representa uma oportunidade para decifrar a adaptação evolutiva do
vírus com os hospedeiros humanos e compreender as correlações de resposta imune mais
eficazes, tornando esse vírus um modelo humano natural de infecção pelo HIV atenuado.
Além de contribuir com a infecção contra o HIV-1, ensaios utilizando o HIV-2 são importantes para o desenvolvimento de uma vacina contra este próprio vírus, uma vez que, o
tratamento e o monitoramento dessa infecção ainda são bastante complexos23.
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226
Capítulo 17
Coinfecção HIV/HTLV
e suas consequências
Carlos Brites, Celia Pedroso e Fabianna Bahia
Introdução
O HIV-1 e os vírus da leucemia-linfoma de células T do adulto (HTLV-1/2) apresentam
características biológicas distintas, apesar de compartilharem vias de transmissão e o tropismo para as mesmas células (HIV-1 e HTLV-1). Além disso, enquanto o HIV-1 tem estimativa de seu surgimento há aproximadamente 100 anos, os vírus HTLV têm idade estimada em torno de 30.000 anos. As tabelas 1 e 2 sumarizam as principais semelhanças e
diferenças entre esses retrovírus humanos1.
A infecção pelo HIV-1 tem distribuição mundial, e sua prevalência se sobrepõe em
algumas áreas geográficas à infecção pelo HTLV-1/2. Essa ocorrência simultânea em algumas regiões, somada ao fato de que esses vírus compartilham as mesmas vias de infecção
(sexual, parenteral, vertical) torna a coinfecção um achado frequente, sobretudo em regiões da África, do Caribe e da América do Sul. Enquanto no hemisfério norte a coinfecção
é associada ao HTLV-2 (devido principalmente à transmissão por via parenteral, através
do compartilhamento de seringas entre usuários de drogas injetáveis), nas demais áreas
citadas ela é predominantemente associada ao HTLV-1. A prevalência da coinfecção é
bastante variável, sendo quase inexistente em locais como Londres (0,6%), mas atingindo
níveis de 11% em Accra (Gana) e até 23% em pacientes internados em Salvador (Brasil).
A Bahia é o estado brasileiro com a maior taxa de prevalência para o HTLV-1 na população geral (1,8%), com predomínio para indivíduos do sexo feminino (2%) em comparação ao masculino (1,2%)2. Em 1997 detectamos a coinfecção pelo HTLV-1/2 em 16%
de 895 pacientes com AIDS em Salvador, cidade que registra a maior população de afrodescendentes do país. A prevalência da coinfecção era maior entre indivíduos do sexo
feminino (19,6%) em relação ao sexo masculino (11%)3. Dados mais recentes sugerem
que, na população geral de infectados pelo HIV, em Salvador, a prevalência de coinfecção
chega a 12%. Essas taxas fazem da coinfecção HIV/HTLV-1/2 um problema de grande
relevância no nosso estado.
Contrariando o que é observado no hemisfério norte, em regiões da América Latina
existe uma clara associação entre coinfecção e uso de drogas injetáveis, sugerindo ser essa
227
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 1. Características das infecções por retrovírus humanos
HTLV-1/2
HIV-1
– Replicação clonal
– Replicação ativa
– Estimula proliferação de linfócitos
– Intenso efeito citopático
– Ausência de efeito citopático
– Depleção linfocitária
– Tropismo por linfócitos T
– Tropismo por linfócitos T
– Doença clínica em minoria dos infectados
– Doença clínica na quase totalidade dos
infectados
Tabela 2. HIV e HTLV: divergências biológicas
HIV-1
HTLV-1
– Origem: ~100 anos
– ~27.000 anos
– Infecciosidade: elevada
– Baixa
– Taxa de mutação: alta
– Baixa
– Recombinação: sim
– Não
– Replicação: elevada
– Baixa
– Evolução: 90% doença em 10-15 anos
– < 5% doença em 30-40 anos
– Apoptose: elevada
– Baixa
– IL-2: baixa
– IL-2: alta
a principal via de infecção simultânea por ambos os agentes. Outros dados mostram que
a utilização prévia de sangue é fator significativo.
Recentemente, foram identificados os HTLV-3 e HTLV-4, mas até o presente os poucos
relatos sobre esses novos retrovírus humanos são restritos a populações de algumas regiões da África Central, não havendo registro de coinfecção com o HIV.
Quais as consequências da coinfecção HIV/HTLV?
O real impacto da coinfecção por esses agentes ainda é motivo de controvérsia, mas
alguns pontos parecem mais bem definidos. Sabemos que o HTLV-2 aparentemente não
propicia qualquer impacto significativo sobre a evolução da infecção pelo HIV-1, mas esse
pode aumentar as chances de ocorrência de doença neurológica causada pelo HTLV.
A tabela 3 sumariza os estudos existentes sobre a coinfecção pelo HIV-1 e pelo HTLV-2,
mostrando claramente que o impacto observado sobre o HIV é nulo, ou mesmo protetor1.
No que diz respeito à coinfecção HIV/HTLV-1, por outro lado, o quadro é bem mais
complexo, com estudos demonstrando impacto significativo do HTLV-1 sobre o curso da
infecção pelo HIV, enquanto outros negam essa associação. Os efeitos da coinfecção sobre
228
Coinfecção HIV/HTLV e suas consequências
Tabela 3. Sumário dos principais trabalhos sobre a coinfecção HIV/HTLV-2
Autor
Ano
Tipo estudo
N
Efeito sobre a AIDS
Turcci M
2006
Longitudinal
96
Proteção
Bassani S
2007
Lab.Imunol
–
Proteção
Beilke M
2004
Longitudinal
141
Proteção
Bonovolenta R
2002
Lab -STAT1
–
↓STAT1
Willy RJ
1999
Relato caso
1
Proteção
Guenthner PC
2001
Lab tropismo
17
Nenhum
Montefiori DC
1997
Lab
–
Nenhum
Visconti A
1993
Longitudinal
22
Nenhum
Beilke M
1994
Clin/Lab
8
Nenhum
Hershou RC
1996
Longitudinal
61
Nenhum
Giacomo M
1995
Transversal
9
Nenhum
Bessinger R
1997
Transversal
Goedert JJ
2001
Caso-controle
25
Nenhum
120
Nenhum
a infecção pelo HTLV-1 parecem mais consistentes ao sugerirem que os pacientes coinfectados têm maiores probabilidades de desenvolvimento de doença neurológica, acelerando
a evolução para paraparesia espástica, causada pelo HTLV-14,5.
Um ponto de concordância entre todos os estudos é de que a coinfecção (pelo HTLV-1
ou HTLV-2) promove uma elevação significativa do número de linfócitos T CD4+, embora
esse incremento não pareça trazer qualquer benefício imunológico para o paciente, servindo
mais para confundir o clínico sobre o exato estado imunológico do paciente coinfectado.
Tal fato pode ocasionar retardo na introdução da terapia antirretroviral (TARV), elevando o risco
de morbimortalidade, fato antecipado por Schechter no relato inicial sobre esse fenômeno6.
O que dizem os estudos sobre o impacto da
coinfecção HIV/HTLV-1 na história natural da AIDS?
Impacto da coinfecção sobre a história natural de cada doença
Uma carta ao editor, publicada no início da década de 1990, relacionava a coinfecção
em homossexuais masculinos em Trinidad e Tobago com maior risco de AIDS7. O trabalho
era um corte transversal, e poucas inferências sobre causa e efeito podiam ser retiradas
de suas conclusões. Um trabalho publicado por Schechter em 1994 mostrava que pacientes coinfectados tinham uma maior contagem média de células CD4+ do que os monoinfectados, sendo aventada a possibilidade de que esse fato poderia dificultar a escolha do
momento ideal para o início da TARV e/ou da profilaxia para infecções oportunistas6.
229
Sobrevivência cumulativa
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
1,0
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0,0
Caso
HIV apenas
HIV + HTLV
0
1.000 2.000 3.000
Tempo de sobrevida
4.000
Figura 1. Análise de sobrevivência de pacientes com infecçao HIV e HIV/HTLV.
Em 1997, avaliamos aproximadamente 900 pacientes infectados pelo HIV-1, em Salvador, Bahia, observando que 16% deles estavam coinfectados pelo HTLV. Nessa população,
os maiores riscos encontrados para coinfecção eram uso de drogas injetáveis e transfusão
de sangue, havendo mais risco para o sexo feminino. Além disso, foi observada uma maior
probabilidade de AIDS entre as mulheres coinfectadas, quando comparadas às monoinfectadas pelo HIV-13. Outro estudo na mesma coorte, em 2004, revelou que coinfectados
tinham maior risco para estrongiloidíase (odds ratio [OR] = 8,5) e uma probabilidade significativamente menor de receberem TARV, independentemente do quadro clínico, confirmando as previsões de Schechter8.
Um ponto importante na coinfecção diz respeito ao possível impacto sobre a mortalidade
desses pacientes: em 2001, um estudo caso-controle que conduzimos em Salvador mostrou
que pacientes coinfectados apresentavam risco significativamente maior de morte (38 vs 19%,
p = 0,004) do que os monoinfectados pelo HIV-19. A sobrevida para coinfectados era, em
média, de 1.849 dias, comparada a 2.430 dias para monoinfectados (p = 0,001). A figura 1
mostra a curva de sobrevida para esses pacientes, de acordo com o status sorológico para
o HTLV-1. Dados semelhantes foram encontrados por Sobesky, na Guiana Francesa, mas
um outro estudo realizado por Beilke, em Nova Orleans, EUA, com maior volume de pacientes mostrou resultados divergentes, com nenhum impacto detectado sobre a evolução
clínica dos pacientes10. Entretanto, algumas questões metodológicas, como a utilização de
resumos epidemiológicos sem avaliação direta dos pacientes e a utilização da contagem
de células CD4+ como parâmetro de avaliação foram potenciais viéses neste trabalho.
Outro estudo publicado em 2002 mostrou que a coinfecção HIV/HTLV-1 estava fortemente associada à sarna Norueguesa e que 100% dos pacientes com esse quadro eram
infectados pelo HTLV-111.
O impacto da coinfecção sobre a replicação viral de ambos os agentes foi objeto de vários
estudos, mas a maioria deles falhou em demonstrar qualquer impacto significativo sobre a carga
viral plasmática (HIV-1) ou carga pró-viral (HTLV-1). Entretanto, em laboratório, um trabalho
(Beilke, 1998) mostrou maior expressão de HTLV-1/2 em pacientes coinfectados. Na mesma linha,
Moriuchi M, et al. (1998) demonstrou que a coinfecção poderia ter um efeito sobre a replicação
desses vírus, na dependência da secreção de determinados fatores pelas células em cultura
ou, como mostrado em outro trabalho, do tipo de células utilizadas (Szabó J, et al. 1999).
230
Coinfecção HIV/HTLV e suas consequências
Por outro lado, o efeito da coinfecção sobre a ocorrência de doença neurológica parece mais visível: Casseb JS, mostrou em uma pequena coorte, em São Paulo, uma prevalência de paraparesia espástica tropical (PET) de até 30%. Harrison, no Rio de Janeiro,
detectou uma frequência extremamente elevada de mielopatia entre coinfectados (73%)
comparada à observada entre monoinfectados (16%)5. Em 2005, Beilke também publica
artigo mostrando prevalência de quase 10% de PET, entre coinfectados, em Nova Orleans4.
Todos esses valores são significativamente mais elevados do que aqueles observados para
populações infectadas apenas pelo HTLV-1, nas quais a ocorrência de PET é usualmente
inferior a 5% dos infectados por esse agente.
Resposta imune em pacientes coinfectados
Existem poucos dados na literatura sobre a resposta imune em pacientes coinfectados.
Um estudo in vitro, publicado em 2003 por Nyland SB, revelou que a coinfecção em culturas de células era capaz de modular a resposta imune, na presença de morfina, de modo
diferente daquele observado para culturas infectadas apenas pelo HIV-1. Enquanto nas
culturas monoinfectadas a adição de morfina levava à redução da produção de interleucina 2 (IL-2) e de interferon g (IFN-g), nas culturas infectadas pelos dois agentes ocorria o
oposto, e esse fato era associado a maior atividade transcricional da transcriptase reversa
do HIV-1. Além disso, as células coinfectadas permaneciam viáveis, mesmo na presença
de elevados níveis de IFN-g. Esses achados poderiam explicar porque a prevalência de
coinfecção é mais elevada em usuários de drogas injetáveis.
Em estudo recente, confirmamos parte desses achados, com culturas de células mononucleares de sangue periférico de pacientes coinfectados apresentando maiores níveis de
produção espontânea de IL-2 e IFN-g. Esses níveis eram semelhantes aos observados em
pacientes monoinfectados pelo HTLV-1, sugerindo que a modulação imune na coinfecção
seria dirigida pelo HTLV-112. Entretanto, o significado clínico dessas alterações ainda está por
ser esclarecido. Em avaliação não publicada, observamos ainda que pacientes coinfectados
apresentavam resposta a testes cutâneos de hipersensibilidade retardada para sete antígenos
(tétano, sarampo, caxumba, rubéola, estreptococos, proteus e PPD) semelhantes aos pacientes monoinfectados pelo HIV-1, após ajuste para a contagem de células CD4+. A frequência
de alergia cutânea a esses antígenos foi comparável entre os grupos.
A coinfecção HIV/HTLV-1 em populações específicas
Coinfecção em adolescentes e crianças
Apesar de a maioria dos estudos mostrarem um predomínio de mulheres entre os
pacientes coinfectados, até recentemente inexistiam estudos sobre sobre coinfecção em
crianças, nascidas de mães coinfectadas. Em um estudo realizado recentemente por nosso
grupo, registramos um impacto significativo da coinfecção no tocante à sobrevida de crianças e de adolescentes na Bahia13. Avaliamos 74 crianças e adolescentes com idade variando de 2 a 16 anos, nascidas entre 1988 a 2003, acompanhadas no ambulatório de AIDS
231
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
do Hospital Universitário Professor Edgard Santos em Salvador, das quais 35 (47,3%) eram
coinfectadas pelos vírus HIV-1/HTLV-1; 17 (48,6%), do sexo masculino e 18 (51,4%), do sexo
feminino. As outras 39 (52,7%) crianças eram monoinfectadas pelo HIV-1 e formaram o
grupo controle com 18 (46,2%) do sexo masculino e 21 (53,8%) do sexo feminino.
Não houve diferença quanto à frequência de aleitamento materno, que foi bastante semelhante entre os grupos analisados (64,9 vs 75%; p = 0,76). Estudos de Bittencourt, et al. 2002,
com pacientes monoinfectados para HTLV-1 na Bahia, sugere que o tempo de amamentação
está diretamente correlacionado ao nível de infecção, e as crianças que adquirem o vírus por via
vertical têm maiores chances de desenvolverem dermatite infecciosa (DIH), evoluindo, posteriormente, de forma mais rápida e progressiva em comparação à forma adulta para mielopatia associada ao HTLV/paraparesia espástica tropical (MAH/PET) (Primo J, et al. 2005). Em nosso estudo, a presença de sintomas clínicos esteve presentes em 88% dos coinfectados, com maior
frequência em crianças do sexo feminino, 62% delas com dermatite no momento da introdução
de antirretroviral do que nos pacientes monoinfectados (48 [47,7%] vs 31 [88,6%]; p < 0,001).
A contagem média de células CD4 no momento inicial foi de 1.125 ± 666 cel/mm3
(mediana = 967 cel/mm3). Os pacientes coinfectados tinham contagem mais elevada (1.502
± 618 cel/mm3) que os monoinfectados (810 ± 532 cel/mm3, p < 0,001, teste T). Ao analisarmos a contagem média dessas células ajustadas para ocorrência de óbito, observamos
não haver diferença significativa para os pacientes que evoluíram para óbito (1.049 ± 605
cel/mm3, para coinfectados, contra 1.302 ± 761 cel/mm3, para monoinfectados, p = 0,4,
teste T). Esse dado pode sugerir que o aumento de células CD4+ decorrente da coinfecção
pode ter levado os pediatras a subestimarem o grau de imunodepressão dessas crianças,
com retardo na introdução de antirretrovirais, aumentando assim o seu risco de morte,
conforme detectamos anteriormente em estudo semelhante com adultos (Brites, et al. 2011).
A mortalidade foi maior no grupo de coinfectados (7,7%) do que no de monoinfectados pelo HIV (4,3%, risco relativo [RR] = 2,1, intervalo de confiança [IC] 95%: 1,4-3,1;
p = 0,01). A sobrevida média observada entre os monoinfectados foi de 11,5 anos (IC
95%: 9,9-13,1 anos), comparada a 9,7 anos para coinfectados (IC 95%: 19,3-21 anos)
(p < 0,001) (Fig. 2). A tabela 4 resume as principais diferenças entre crianças mono e
coinfectadas. Esses dados sugerem que as crianças coinfectadas apresentam características
clínicas e laboratoriais semelhantes às encontradas em adultos infectados pelos dois vírus
(maior mortalidade, menor sobrevida, maior número de células CD4+). Há uma clara necessidade de avaliação da resposta imune nessas populações, além de outros fatores que
permitam um maior entendimento sobre a patogenia e as resultantes da coinfecção.
Coinfecção HIV/HTLV em portadores do vírus
da hepatite C
O vírus da hepatite C (HCV) e os retrovírus humanos (HIV e HTLV) apresentam vias semelhantes de transmissão, como parenteral, sexual e vertical (mãe para filho). Existem diferenças
em relação à infectividade de cada um desses vírus, sendo o HCV transmitido principalmente
pela via parenteral, através do sangue contaminado, do que por exposição de mucosa. A
principal via de transmissão do HTLV em áreas endêmicas como o Brasil é a vertical, através
232
Coinfecção HIV/HTLV e suas consequências
Funções de sobrevida
Grupo
Co-infectados
Controle (HIV)
Co-infectados-censored
Controle (HIV)-censored
Curva de sobrevida
1,0
0,8
0,6
0,4
0,2
0,0
0
5
10 15 20
Tempo de vida
25
Figura 2. Curva de sobrevida de uma coorte de crianças e adolescentes com infecção pelo HIV e
HTLV pareadas por ano do diagnóstico, idade e sexo com pacientes infectados apenas pelo HIV
em Salvador, Bahia, Brasil, entre 1988 e 2008.
do aleitamento materno, e a transmissão sexual em adultos. Populações de alto risco de
contaminação sexual ou parenteral podem apresentar coinfecções por esses três vírus.
A infecção pelo HCV frequentemente é detectada em portadores do HTLV-1 e 2 e vice-versa. A coinfecção HTLV-2 em pacientes com HCV usuários de drogas tem sido registrada principalmente em coortes do hemisfério norte. No Brasil, estudo realizado no Paraná
revelou forte associação entre esses dois patógenos, provavelmente refletindo compartilhamento de vias de transmissão (OR + 22,6)14. Recentemente, tem sido sugerido que o
HTLV-1 reduz a chance do clearence do HCV após terapia com IFN, talvez através da
disfunção imune. Estudo realizado no Japão revelou que a proteína Tax codificada pelo
HTLV-1 promove a multiplicação do HCV, podendo contribuir para pior prognóstico da
doença causada pelo HCV em pacientes coinfectados HCV/HTLV-115-17.
Atualmente, a coinfecção pelos HIV e HCV tem sido motivo de crescente análise. A
hepatite crônica pelo HCV, hoje em dia, é uma das maiores causas de morbidade e mortalidade entre pacientes infectados pelo HIV. A prevalência dessa coinfecção varia entre 15 a 70%,
podendo atingir 90% entre usuários de drogas endovenosas (UDEV). A coinfecção com HIV
pode piorar o curso da infecção pelo HCV, levando a uma rápida progressão para fibrose
hepática e ao desenvolvimento de cirrose e carcinoma hepatocelular. Adicionalmente, pacientes coinfectados HIV/HCV apresentam piores taxas de resposta virológica sustentada após
tratamento do HCV, comparados com pacientes monoinfectados com HCV.
Um estudo longitudinal demonstrou uma acelerada progressão da doença pelo HCV,
além de hepatocarcinogênese entre coinfectados HCV/HTLV-1, e, assim como na coinfecção com HIV, a chance de resposta virológica sustentada após terapia com IFN e ribavirina
foi pior nesse grupo de pacientes.
Poucos estudos têm descrito as características clínicas das populações triplamente infectadas por HIV, HCV e HTLV-1. Existem estudos em andamento sobre a progressão
dessa doença e como essas viroses podem contribuir para alterações na história natural
dessa infecção. A infecção por esses três vírus, HIV, HCV e HTLV-1 e 2 foi documentada
nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. A coinfecção HIV/HTLV-1 e 2 é mais frequente entre
233
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
Tabela 4. Comparação entre os principais parâmetros de crianças mono e coinfectadas em
Salvador, Brasil
Características
HIV
(n = 39)
HIV/HTLV
(n = 35)
OR
95% IC
p
Masculino
18 (46,2%)
17 (46,6%)
1,1
(0,4-2,7)
1,0
Amamentação
24 (75,0%)
24 (68,6%)
0,7
(0,2-2,1)
0,75
Sintomas
17 (35,4%)
31 (64,6%)
9,6
(2,8-32,5)
< 0,001
3 (7,7%)
12 (34,3%)
6,3
(1,6-24,6)
0,01
1429 ± 608
928 ± 768
Mortalidade
CD4
0,003
UDEV e está associada à infecção pelo HCV, assim como a soropositividade para o HTLV-1
e 2 está associada à coinfecção HIV/HCV.
Estudo recentemente publicado sobre as características clínicas de uma população
triplamente infectada não demonstrou uma pior evolução do dano hepático, nem dos
desfechos imunológicos e virológicos da infecção pelo HIV, comparados a uma população
coinfectada pelos HIV/HCV. Conforme o estudo, 75% dos pacientes tri-infectados tinham
história de uso de drogas injetáveis ou inalatórias, comparados com 45,8% entre os coinfectados (HIV/HCV). A infecção pelo HTLV-1 não demonstrou nenhum impacto negativo
na população estudada. Na amostra avaliada, uma grande proporção de pacientes com
imunossupressão avançada (T CD4+ < 200 cel/mm3) apresentava fibrose hepática moderada a severa de acordo com a classificação Metavir.
Alguns estudos mostram que pacientes coinfectados HIV/HCV e triplamente infectados
HIV/HCV/HTLV-1 e 2, podem apresentar níveis normais de aminotransferases, mesmo com
fibrose hepática avançada. Em contraste, Hisada, et al. descreveu que pacientes infectados
pelos HIV, HCV e HTLV-2 apresentam níveis de HCV RNA mais elevados quando comparados com coinfectados HIV/HCV. Em trabalho recentemente publicado, demonstramos que,
nos pacientes triplamente infectados, a fibrose tinha correlação inversa à contagem de
células CD4+ e que havia uma maior elevação na média dos valores das aminotransferases
entre duplamente infectados (HIV/HCV) do que entre os triplamente infectados18. A tabela 5 resume os achados desse trabalho.
Um dado intrigante derivado de outro estudo sugere que pacientes triplamente infectados apresentam maior probabilidade de clearance espontâneo da infecção pelo HCV
(23,8%) do que aqueles infectados apenas pelos HIV e HCV (7,8%, p = 0,001). Esse fato,
caso confirmado por outros estudos, pode ser decorrente da maior produção de IFN-g por
pacientes coinfectados, uma vez que se sabe que esta citocina tem papel fundamental no
controle da infecção pelo HCV, e sua elevada produção pelos pacientes triplamente infectados propiciaria maior chance de controle desse processo. Entretanto, os dados disponíveis ainda são limitados, de modo que necessitamos maiores e melhores estudos para
entender os fenômenos fisiopatológicos associados à tripla infecção.
234
Coinfecção HIV/HTLV e suas consequências
Tabela 5. Características clínicas, laboratoriais e histopatológicas de pacientes triplamente
infectados (HIV/HCV-HTLV) em Salvador, Brasil
Grupo 1 HIV/HCV
(n = 102)
N.o
%
Grupo 2 HIV/HCV/HTLV
(n = 39)
N.o
p
%
Status pré-terapia antirretroiviral
Mediana da carga viral do
HIV (IIQ)
4,6 (3,9-5,2)
5,0 (4,1-5,6)
0,15*
Mediana de células CD4+
(IIQ)
324 (162-504)
339 (142-665)
0,38*
200 cel/mm3 ou menos
27
29,0
14
38,9
201-349 cel/mm3
27
29,0
4
11,1
305 cel/mm3 ou maior
39
41,9
18
50,0
0,10
Após terapia antirretroviral
Mediana da carga viral do
HIV (IIQ)
1,7 (1,7-1,7)
1,7 (1,7-2,4)
0,26*
Mediana de células CD4+
(IIQ)
540 (338-737)
512 (329-779)
0,73*
Carga viral do HCV (IU/ml)
Menos que 850,000
17
32,1
4
23,5
850,000 ou maior
36
67,9
13
76,5
64
79
20
80
0,50†
Genótipo do HCV
1
2
3
3,7
0
0
3
14
17,3
4
16
4
0
0
1
4
0,43‡
Mediana de ALT (IIQ)
71 (39-107)
48 (33-90)
0,05*
Mediana de AST (IIQ)
60 (35-92)
50 (37-82)
0,81*
Fibrose (escore histológico metavir):
Fibrose 0-1
19
31,7
5
38,5
Fibrose 2-4
41
68,3
8
61,5
0,64‡
Resposta virológica sustentada
13
31,7
4
44,4
0,47‡
*Teste Kruskal-Wallis.
†Teste exato de Fisher.
‡χ2 (Pearson).
Conclusão
A coinfecção pelos HTLV-1 e 2 em pacientes infectados pelo HIV-1 é um achado frequente, devido às vias de transmissão comuns a esses agentes e à sua prevalência nas
235
Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012
mesmas áreas geográficas. Enquanto a coinfecção pelo HTLV-2 parece não resultar em
qualquer consequência adversa para a evolução da infecção da doença pelo HIV, as evidências disponíveis sugerem que existe uma interação clinicamente significativa quando a
coinfecção é devida ao HTLV-1. Embora os dados sejam discrepantes, algumas alterações
são repetitivas em vários estudos, como maior mortalidade, menor sobrevida e possível
retardo no início da TARV, devido à elevada contagem de células CD4+. A resposta a essas
questões requer estudos longitudinais, com maior número de pacientes, além de avaliações
mais detalhadas da resposta imune para os pacientes coinfectados.
Por outro lado, na coinfecção pelo HCV, embora os dados existentes ainda sejam limitados, parece haver uma interação que favorece o clearance espontâneo do HCV, mas
novamente nos deparamos com poucos estudos enfocando essa área.
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