Ricardo Sobhie Diaz e Vicente Soriano Vázquez ez qu oV áz an ori eS PERMANYER BRASIL PUBLICAÇÕES www.permanyer.com ice nt ca Ricardo Sobhie Diaz e Vicente Soriano Vázquez hie Di az eV : S E R O D A N E rd oS ob D R O O Ri Vicente Soriano Vázquez formou-se em medicina em Barcelona, Espanha e, em seguida, especializou-se em Medicina Interna. Após um estágio de pós-doutorado no Federal Drugs Administration (FDA), Bethesda, MD, EUA, voltou para a Espanha e ingressou no Departamento de Doenças Infecciosas no Hospital Carlos III, em Madri, onde é Diretor Adjunto desde 1999. Sua especialização concentrou-se principalmente em infecções virais, especialmente em HIV e hepatite viral. É editor chefe da AIDS Reviews, uma publicação internacional revisada por especialistas, focada em pesquisas sobre o HIV (fator de impacto ~4). Sua equipe produziu mais de 1.000 artigos em publicações internacionais. Atualmente, essa equipe está entre as dez primeiras equipes mundiais de cientistas no campo de HIV (www.aidshivresearch.com). Está auxiliando no Programa Nacional para AIDS, na Espanha, sendo o editor do “Manual del SIDA” (Manual sobre AIDS), um compêndio de HIV/AIDS para os países de língua espanhola. Ele preside o Painel Internacional de coinfeccção por Hepatite e HIV. C Ricardo Sobhie Diaz é médico infectologista formado pela Escola Paulista de Medicina, em São Paulo, Brasil. É professor associado da Disciplina de Infectologia da Escola Paulista de Medicina e chefe do laboratório de Retrovirologia naquela Instituição. Tem mais de uma centena de artigos científicos publicados e periódicos médicos e é membro do Consenso para Antirretrovirais em Adultos e Adolescentes do Ministério da Saúde brasileiro. É também membro eleito do conselho governamental da Internacional AIDS Society representante da América Latina e Caribe (2006 a 2010 e 2010 a 2014). COORDENADORES: O entendimento sobre os mecanismos da doença e os danos causados pelo HIV emergem de forma acelerada, quase alucinante. As abordagens terapêuticas e no ramo do diagnóstico e da prevenção também evoluem, possibilitando um conforto para médicos e profissionais que lidam com pacientes infectados pelo HIV e, principalmente, para os próprios pacientes infectados. O potencial de controle da progressão da doença avança com as modernas estratégias de tratamento e medicamentos novos. Este livro descreve o que há de mais avançado com relação à infecção pelo HIV e, de forma prática, descreve também as condutas mais modernas e adequadas para o paciente infectado à luz do conhecimento atual e na visão de vários especialistas de renome nacional. COORDENADORES: Ricardo Sobhie Diaz e Vicente Soriano Vázquez PERMANYER BRASIL PUBLICAÇÕES www.permanyer.com © 2012 Permanyer Brasil Publicações, Ltda. Avenida Eng. Luiz Carlos Berrini, 1461, 4º Andar CEP 04571-011 São Paulo, Brasil. Celular: 55 11 6171-3597 - [email protected] www.permanyer.com ISBN da coleção: ISBN: Dep. Legal: Ref.: 770AR111 Reservados todos os direitos. Sem prévio consentimento da editora, não se poderá reproduzir nem armazenar num suporte recuperável ou transmissível nenhuma parte desta publicação, seja de forma eletrônica, mecânica, fotocopiada, gravada ou por qualquer outro método. Todos os comentários e opiniões publicados são da responsabilidade exclusiva dos seus autores. Autores Adauto Castelo Filho Disciplina de Infectologia Universidade Federal de São Paulo São Paulo – SP Amilcar Tanuri Laboratório de Virologia Molecular Instituto de Biologia Departamento de Genética Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rio de Janeiro – RJ Angélica Espinosa Miranda Núcleo de Doenças Infecciosas Departamento de Medicina Social Universidade Federal do Espírito Santo Vitória – ES Beatriz Grinsztejn Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC), Laboratório de Pesquisa Clínica em DST-AIDS Rio de Janeiro – RJ Carlos Brites Laboratório de Pesquisa em Virologia Complexo Hospitalar Professor Edgard Santos Universidade Federal da Bahia Salvador - BA Celia Pedroso Laboratório de Pesquisa em Virologia Complexo Hospitalar Professor Edgard Santos Universidade Federal da Bahia Salvador - BA Celina Monteiro Abreu Laboratório de Virologia Molecular Instituto de Biologia Departamento de Genética Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rio de Janeiro – RJ Érico Antônio Gomes de Arruda Departamento de Doenças Infecciosas Hospital São José de Doenças Infecciosas Fortaleza – CE III Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Érika Ferrari Rafael da Silva Disciplina de Infectologia Universidade Federal de São Paulo São Paulo – SP Jorge Figueiredo Senise Departamento de Infectologia Universidade Federal de São Paulo – São Paulo - SP Fabianna Bahia Laboratório de Pesquisa em Virologia Complexo Hospitalar Professor Edgard Santos Universidade Federal da Bahia Salvador - BA José V. Fernández-Montero Departamento de Doenças Infecciosas Hospital Carlos III Madrid, Espanha Gustavo Albino Pinto Magalhães Professor Adjunto de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Mestre e Doutor em Medicina Tropical pela Fiocruz Rio de Janeiro – RJ Helena Duani Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG) Belo Horizonte – MG Isadora Sofia Borges Saraiva Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG) Belo Horizonte – MG Jorge Casseb Departamento de Infectologia Instituto de Infectologia Emílio Ribas São Paulo – SP IV Lauro Ferreira da Silva Pinto Neto Departamento de Clínica Médica Escola de Ciências da Saúde da Santa Casa de Misericórdia de Vitória Vitória – ES Marcia Cristina Rachid de Lacerda Médica da Gerência de DST/AIDS Sangue e Hemoderivados Secretaria Estadual de Saúde Rio de Janeiro Coordenadora da Câmara Técnica de AIDS do CREMERJ Membro do Grupo Assessor para Terapia Antirretroviral e da Rede Nacional de Genotipagem (RENAGENO) Departamento Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde Pós-graduada em Imunologia Clínica pelo Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas Mestre em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rio de Janeiro – RJ Autores Maria da Conceição Milanez Departamento de Patologia Escola de Ciências da Saúde da Santa Casa de Misericórdia de Vitória Vitória – ES Paulo Roberto Abrão Ferreira Ambulatório de HIV e Hepatites Virais Disciplina de Infectologia Universidade Federal de São Paulo São Paulo – SP Marilia Santini de Oliveira Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC), Laboratório de Pesquisa Clínica em DST-AIDS Rio de Janeiro – RJ Renato Santana de Aguiar Departamento de Genética Instituto de Biologia Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro – RJ Marinella Della Negra Unidade de Internação Instituto de Infectologia Emílio Ribas Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo São Paulo – SP Mauro Schechter Departamento de Medicina Preventiva Faculdade de Medicina Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro – RJ Ricardo Sobhie Diaz Laboratório de Retrovirologia Escola Paulista de Medicina Universidade Federal de São Paulo Laboratório Centro de Genomas São Paulo – SP Sandra Wagner Cardoso Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC) Laboratório de Pesquisa Clínica em DST-AIDS Rio de Janeiro – RJ Patrícia Lima Hottz Departamento de Infectologia Faculdade de Medicina Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro – RJ Simone Bonafé Pós-graduanda Universidade Federal de São Paulo São Paulo – SP Paulo Feijó Barroso Unidade de Avaliação de Vacinas anti-AIDS Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro – RJ Simone de Barros Tenore Centro de Referência e Treinamento-DST/AIDS Universidade Federal de São Paulo São Paulo – SP V Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Thiago Silva Torres Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC), Laboratório de Pesquisa Clínica em DST-AIDS Rio de Janeiro – RJ Unaí Tupinambás Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias Departamento de Clínica Médica Faculdade de Medicina Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG) Belo Horizonte – MG Departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais – MS Brasília – DF VI Vicente Soriano Serviço de Doenças Infecciosas Hospital Carlos III Madrid, Espanha Wladimir Queiroz Unidade de Internação Instituto de Infectologia Emílio Ribas São Paulo – SP Faculdade de Ciências Médicas de Santos Santos – SP Yu Ching Lian Unidade de Internação Instituto de Infectologia Emílio Ribas Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo São Paulo – SP Abreviaturas ABC AIDS APV ATV AUC AZT CDC CHD CHER CMV CRF CTD DAAs DHHS ddI DIH DP d4T DRV DRV/r DST EA ECR EFV EIA ENF abacavir síndrome da imunodeficiência adquirida amprenavir atazanavir área sob a curva zidovudina Center for Disease Control hepatite D crônica The Children with HIV Early Antiretroviral Therapy citomegalovírus forma recombinante circulante domínio carboxi-terminal antivirais diretamente ativos Department of Health and Human Services didanosina dermatite infecciosa desvio padrão estavudina darunavir darunavir potencializado com ritonavir doença sexualmente transmissível eventos adversos ensaios clínicos randomizados efavirenz exame imunoenzimático enfuvirtida ETR FCV FIV FPV FPV-r etravirina famciclovir vírus da imunodeficiência felina fosamprenavir fosamprenavir potencializado com ritonavir FTC emtricitabina g-IFN gama-interferon HAART terapia antirretroviral potente ou altamente ativa HBIG imunoglobulina hiperimune HBsAg antígeno de superfície da hepatite B HBV vírus da hepatite B HCC carcinoma hepatocelular HCV vírus da hepatite C HD histoplasmose disseminada HDV vírus da hepatite D HIV vírus da imunodeficiência humana HNIG imunoglobulina humana normal HSH Homens sexo com homens HSV vírus do herpes simplex HTLV-1/2 vírus da leucemia-linfoma de células T do adulto HZ herpes zoster IC Intervalo de Confiança IDV indinavir IF inibidores de fusão IL-6 interleucina 6 VII Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 IN INI IP IP/r IO IQR IT ITRN ITRNN LCR LDH LEMP LHN LPO LPS LPV LPV-r LTRs MAC MDR MHC MVC N NAM NAT NFV NVP NTX OMS ORF PA PACTG PBMC PCR VIII integrasse inibidores da integrase inibidor de protease inibidor da protease potencializado com ritonavir infecções oportunistas intervalo interquartil intenção de tratar inibidor da transcriptase reversa análogo de nucleosídeos inibidor da transcriptase reversa não análogo de nucleosídeo líquido cefalorraquídeo lactato desidrogenase leucoencefalopatia multifocal progressiva linfoma não-Hodgkin leucoplasia pilosa oral lipopolissacárides bacterianos lopinavir lopinavir potencializado com ritonavir Long Terminal Repeats Micobacterium avium intracelulare resistência a múltiplos fármacos antígenos de histocompatibilidade maraviroque número de pacientes mutações dos análogos nucleosídeos teste de amplificação de ácido nucléico nelfinavir nevirapina neurotoxoplasmose Organização Mundial de Saúde fase aberta de leitura pressão de abertura Pediatric AIDS Clinical Trials células sanguíneas mononucleares periféricas falta extensão PCP PTMF RAL RE RFT RM RPV RRE RTV RVP RVR RVS SC SIRI SIV SMX SNC SQV TAM TAR TARV TB TC TDF TGI TMP TPV TPV/r pneumonia pelo fungo Pneumocystis jiroveciiPR protease profilaxia da transmissão materno fetal raltegravir retículo endoplasmático resposta ao final do tratamento ressonância magnética rilpivirina elemento responsivo a Rev ritonavir resposta virológica precoce resposta virorológica rápida resposta viro lógica sustentada superfície corporal síndrome inflamatória de reconstituição imune vírus da imunodeficiência símia sulfametoxazol sistema nervoso central saquinavir timidina Trans-activating response element tratamento antirretroviral tuberculose tomografia computadorizada tenofovir trato gastrointestinal trimetoprim tipranavir tipranavir potencializado com ritonavir transcriptase reversa lamivudina Falta extensão usuários de drogas injetáveis TR 3TC UDEV UDI UNAIDS VDRL Venereal Disease Research Laboratory VZV vírus varicela zóster Índice Prefácio Ricardo Sobhie Diaz...................................................................................................................................... XI Capítulo 1 A epidemiologia da infecção pelo HIV no Brasil e no mundo Patrícia Lima Hottz e Mauro Schechter.................................................................................................... 1 Capítulo 2 Virologia Renato Santana de Aguiar e Amilcar Tanuri.......................................................................................... 13 Capítulo 3 Imunologia Jorge Casseb..................................................................................................................................................... 25 Capítulo 4 Infecções oportunistas Unaí Tupinambás, Helena Duani e Isadora Sofia Borges Saraiva.................................................... 31 Capítulo 5 Neoplasias associadas à AIDS Lauro Ferreira da Silva Pinto Neto, Maria da Conceição Milanez e Angélica Espinosa Miranda...................................................................................................................... 45 Capítulo 6 Alterações metabólicas e complicações cardiovasculares em pacientes infectados pelo HIV Érika Ferrari Rafael da Silva e Adauto Castelo Filho............................................................................ 53 Capítulo 7.1 Coinfecção HCV‑HIV Paulo Roberto Abrão Ferreira..................................................................................................................... 59 Capítulo 7.2 Coinfecção HBV-HIV Paulo Roberto Abrão Ferreira..................................................................................................................... 83 IX Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Capítulo 7.3 Infecções por outros vírus de hepatite: A, D e E José V. Fernández‑Montero e Vincent Soriano........................................................................................ 95 Capítulo 8 Classificação dos antirretrovirais Sandra Wagner Cardoso, Thiago Silva Torres, Marilia Santini de Oliveira e Beatriz Grinsztejn........................................................................................................................................ 113 Capítulo 9 Tratamento antirretroviral inicial Érico Antônio Gomes de Arruda e Ricardo Sobhie Diaz..................................................................... 137 Capítulo 10 Terapia de resgate Marcia Rachid e Gustavo Albino Pinto Magalhães............................................................................... 149 Capítulo 11 A interpretação da resistência aos antirretrovirais Simone de Barros Tenore, Vicente Soriano e Ricardo Sobhie Diaz................................................... 157 Capítulo 12 AIDS pediátrica Marinella Della Negra, Wladimir Queiroz e Yu Ching Lian............................................................... 173 Capítulo 13 Manuseio de gestantes infectadas pelo HIV Jorge Figueiredo Senise e Simone Bonafé................................................................................................ 185 Capítulo 14 Abordagens biomédicas para prevenção da transmissão do HIV Ricardo Sobhie Diaz...................................................................................................................................... 197 Capítulo 15 Vacinas preventivas Anti-HIV/AIDS Paulo Feijó Barroso........................................................................................................................................ 207 Capítulo 16 O HIV-2 e sua biologia e patogênese Celina Monteiro Abreu e Amilcar Tanuri................................................................................................. 215 Capítulo 17 Coinfecção HIV/HTLV e suas consequências Carlos Brites, Celia Pedroso e Fabianna Bahia...................................................................................... X 227 Prefácio Pouco mais de 30 anos após a identificação dos primeiros casos da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), algumas revelações sobre a assim chamada epidemia de nossos tempos ficam mais claras. Esta jornada de três décadas parece estar coroada de boas e más notícias. Em primeiro lugar, adquirimos muita experiência com relação a esta doença crônica e potencialmente mortal (boa notícia). Em contrapartida, ainda não temos a experiência de longo prazo necessária para, de forma inequívoca, saber quais seriam as melhores abordagens e intervenções para com os pacientes portadores do HIV (má notícia). Isto pelo motivo mais óbvio de todos, o longo prazo ainda não chegou. De forma muito especial, não sabemos exatamente o que a exposição destes pacientes aos medicamentos antirretrovirais por 20, 30 ou mais anos acarretará aos seres humanos infectados pelo HIV. Basta reconhecer que o tratamento com a combinação de antirretrovirais que conhecemos hoje se iniciou em meados de 1996. As pesquisas e desenvolvimentos possibilitaram de forma bastante eficiente e confiável que as infecções fossem diagnosticadas com os instrumentos laboratoriais dos quais dispomos, possibilitando diagnóstico amplo e precoce com oportunidades para a interrupção de redes de transmissão e a necessária segurança ao suprimento de hemoderivados usados em transfusões; boa notícia. Ficou também decretado que ninguém mais precisa morrer de AIDS e que transmissões verticais podem ser completamente eliminadas, outra notícia maravilhosa. Fica claro também que o HIV, que não discrimina ninguém, se estabeleceu solidamente nos seguimentos mais frágeis das populações mundiais, como locais assolados pela pobreza e pela desinformação, mesmo em países mais desenvolvidos, nas populações femininas, e em todos os locais deste planeta, mesmos os mais remotos; outra má noticia. Os conhecimentos avançaram enormemente com relação ao entendimento sobre os danos provocados pelo HIV ao corpo humano e sobre a deterioração dos órgãos e tecidos do organismo humano pela assim chamada microinflamação, que leva ao envelhecimento prematuro das pessoas. Desta forma, a morbidade das pessoas infectadas pelo HIV continua sendo maior em comparação com as pessoas não infectadas por este vírus, a despeito do tratamento eficaz com o uso dos antirretrovirais; má notícia. O conhecimento atual tende a apontar que o tratamento antirretroviral é necessário e eficaz. É, acima de tudo, muito mais amistoso do que o tratamento usado até há poucos anos. XI Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 O conhecimento atual tende a apontar, desta forma, que iniciar o tratamento mais precocemente do que fazíamos há alguns anos parece mais vantajoso. Novas infecções pelo HIV podem ser evitadas com a expansão do tratamento, e antirretrovirais usados de forma profilática podem mitigar o número de novas transmissões. Fica também claro, que vírus resistentes aos medicamento podem emergir (má notícia), mas novos medicamentos usados para o resgate podem superar esse problema (boa notícia). Não conseguimos ainda uma vacina que seja inequivocamente protetora com relação ao HIV nem estratégias de erradicação do vírus que sejam aplicadas de forma razoável à população infectada pelo HIV (má notícia). A ciência conseguiu, entretanto, um único caso de cura da infecção pelo HIV através de estratégias relacionadas a um transplante de medula óssea, o que definitivamente se constitui em uma boa notícia. Acima de tudo, embora a infecção pelo HIV seja, reconhecidamente, um problema dos mais atuais, AIDS e HIV tendem a sair um pouco da agenda internacional em momentos em que o aquecimento global, outras doenças emergentes e infecções mais prevalentes tendem a ocupar um espaço mais relevante (má notícia). A proposta deste livro é mostrar o que há de mais avançado com relação à infecção pelo HIV. É principalmente ilustrar de forma prática as condutas mais modernas e adequadas para o paciente infectado. Para tal, foram convidados autores que consideramos como sendo os melhores especialistas brasileiros para abordarem sobre temas específicos em sua prática e conhecimento. Esperamos que este formato ajude especialistas e não especialistas que lidam de forma direta ou mesmo os que trabalham indiretamente com pacientes infectados pelo HIV. Ricardo Sobhie Diaz Laboratório de Retrovirologia Escola Paulista de Medicina Universidade Federal São Paulo –UNIFESP São Paulo – São Paulo XII Capítulo 1 A epidemiologia da infecção pelo HIV no Brasil e no mundo Patrícia Lima Hottz e Mauro Schechter Introdução Este capítulo resume o perfil epidemiológico da infecção pelo HIV, com ênfase no Brasil, através da abordagem dos aspectos históricos e sócio-demográficos da epidemia, revisão dos últimos dados estatísticos disponíveis e análise do impacto da terapia antirretroviral (TARV). Uma visão geral da epidemia pelo HIV no mundo Na edição de 05 de Junho de 1981 de Morbidity and Mortality Weekly Reports (MMWR), foram relatados cinco casos de pneumonia por Pneumocystis carinii (P. jiroveci) em jovens previamente hígidos ocorridos em Los Angeles, Califórnia, dos quais dois morreram. Essa é reconhecida como a primeira publicação sobre o que viria a ser conhecido como HIV/AIDS1. Há dados que sugerem que o crescimento da epidemia tenha atingido seu pico em 1999, ano em que se calcula que tenham ocorrido mais de 3 milhões de infecções. Desde então, houve uma relativa estabilidade, com cerca de 2,5 milhões de novas infecções a cada ano (Fig. 1), 90% delas em países em desenvolvimento2. Em paralelo, também houve uma diminuição do número de óbitos diretamente atribuídos à infecção pelo HIV, de 2,1 milhões em 2004 para 1,8 milhões em 2009. Apesar da diminuição do ritmo de crescimento da epidemia, continua a haver aumento do número absoluto de pessoas vivendo com HIV/AIDS, em grande parte devido ao aumento da sobrevida associada à disponibilidade da TARV. Assim, estimava-se, no final de 2009, haver mais de 33 milhões de pessoas vivendo com HIV/AIDS em todo o mundo2. Em 33 países, a incidência de novas infecções pelo HIV caiu mais de 25% entre 2001 e 2009; 22 deles estão na África Subsaariana. Apesar disso, em nível global, a maioria das novas infecções ainda ocorre nesta região, que compreende a Suazilândia, o país com a maior prevalência de HIV no mundo, estimada em 25,9% da população adulta2. 1 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 4.0 3.5 Milhões 3.0 2.5 2.0 1.5 1.0 0.5 0.0 ‘90 ‘91 ‘92 ‘93 ‘94 ‘95 ‘96 ‘97 ‘98 ‘99 ‘00 ‘01 ‘02 ‘03 ‘04 ‘05 ‘06 ‘07 ‘08 ‘09 Figura 1. Número de novas infecções pelo HIV no mundo (adaptado de UNAIDS, 2010). Estima-se que em 2009, 1,8 milhões de pessoas foram infectadas na África Subsaariana, consideravelmente menos do que os 2,2 milhões estimados em 2001. O número estimado de pessoas vivendo com a infecção na região aumentou de 20,3 para 22,5 milhões no mesmo período, o que é, em parte, justificado pela diminuição do número de mortes em pessoas com a infecção pelo HIV/AIDS, estimado em 1,3 milhões em 2009, comparado a 1,4 milhões em 20012. Entre os heterossexuais, a forma predominante de transmissão na África é sexual, havendo mais mulheres do que homens vivendo com a infecção pelo HIV na região Subsaariana2. Estimava-se que havia 460.000 pessoas vivendo com a infecção pelo HIV no norte da África e no Oriente Médio em 2009, comparado a 180.000 em 2001. O número de novos casos aumentou de 36.000 em 2001 para 75.000 em 2009 e o de mortes em pessoas com HIV/AIDS, de 8.300 para 24.000 no mesmo período. A prevalência da infecção entre indivíduos de 15 a 49 anos nessas regiões é baixa, 0,1% em 2001 e 0,2% em 20092. Na América do Norte e na Europa Ocidental e Central, a mortalidade em indivíduos com a infecção pelo HIV começou a diminuir logo que a TARV foi introduzida em 1996, atingindo relativa estabilidade a partir de meados da década seguinte. Por outro lado, o número de mortes continuou a aumentar na Europa Oriental2. O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) estimou que, até o final de 2008, 1.178.350 pessoas viviam com HIV nos EUA, tendo havido 594.496 mortes por AIDS desde 19811. Estima-se, também, que 48.100 novos casos de infecção pelo HIV ocorreram no país em 2009. No final de 2008, a maior parte das pessoas vivendo com HIV nos EUA era do sexo masculino (75%), sendo a maioria de homens que fazem sexo com homens (HSH) – 65,7%3. No Canadá, o número estimado de pessoas vivendo com a infecção pelo HIV aumentou de 57.000 em 2005 para 65.000 em 2008. Já o número estimado de novas infecções em 2008 foi de 2.300 a 4.300, semelhante ao estimado para 2005 (2.200 a 4.200). A 2 A epidemiologia da infecção pelo HIV no Brasil e no mundo transmissão entre HSH é a forma predominante no país e foi responsável por 44% das novas infecções em 20084. Em 2010, 118.335 casos de infecção por HIV foram reportados à Organização Mundial de Saúde (OMS) por 51 dos 53 países da Região Europeia. A taxa de incidência variou amplamente entre as três áreas do continente. A incidência geral foi de 13,7 por 100.000 habitantes, sendo de 31,7 na Europa Oriental, 6,6 na Ocidental e 1,3 na Central5. Na Europa Ocidental, o número estimado de novos casos de infecção pelo HIV em 2009 foi de 24.703, o que representa uma taxa de 6,7 por 100.000 habitantes. O modo predominante de transmissão foi sexual, com 40% das infecções atribuídas ao contato heterossexual e 37% aos HSH3. Na Europa Central, 1.612 novos casos da infecção foram estimados em 2009, produzindo uma taxa de 1,4 caso por 100.000 habitantes. O principal modo de transmissão foi sexual, com 24% entre heterossexuais e 30% entre HSH3. Estima-se que na Europa Ocidental e Central, 8.500 mortes relacionadas à AIDS tenham ocorrido em 20092. Na Europa Oriental e na Ásia Central, o número de pessoas vivendo com HIV quase triplicou desde 2000, atingindo um total estimado de 1,4 milhões em 2009, em comparação com 760.000 em 2001. O rápido aumento da epidemia nessa região está relacionado ao uso de drogas injetáveis. Rússia e Ucrânia respondem por quase 90% dos novos casos relatados. A prevalência de infecção pelo HIV em adultos na Ucrânia é maior do que em qualquer outro país da Europa Oriental ou da Ásia Central. Além disso, o número de diagnósticos anuais na Ucrânia mais que dobrou desde 2001. A epidemia de HIV na Rússia também continua a crescer, mas num ritmo mais lento do que no final da década de 19902. Na Ásia, o número estimado de pessoas vivendo com HIV em 2009 era de 4,9 milhões, comparado a 4,2 milhões em 2001. Já o número de novos casos diminuiu de 450.000 em 2001 para 360.000 em 2009. De 2001 a 2009, a incidência caiu mais de 25% na Índia, no Nepal e na Tailândia, e a epidemia manteve-se estável na Malásia e no Sri Lanka nesse mesmo período. Estima-se que 300.000 pessoas morreram de causas relacionadas à AIDS em 2009, comparado a 250.000 em 20012. Na Austrália, mais de 28.000 casos de HIV foram diagnosticados desde a década de 1980. Entre 2004 e 2008, 60% das infecções diagnosticadas foram em HSH. Desde meados da década de 1990, a proporção de diagnósticos tardios dobrou. Aproximadamente 41% das novas infecções por HIV foram diagnosticadas tardiamente, próximo ao diagnóstico de AIDS, especialmente entre imigrantes heterossexuais3. A prevalência da infecção pelo HIV entre adultos no Caribe é de cerca de 1%, representando aproximadamente 240.000 em 2009, e pouco variou desde o final da década de 1990. Estima-se que cerca de 12.000 pessoas com HIV/AIDS morreram em 2009, em comparação ao número aproximado de 19.000, em 20012. A prevalência em Cuba é excepcionalmente baixa, aproximadamente 0,1%, contrastando com a prevalência de infecção pelo HIV entre adultos nas Bahamas, de 3,1%2. As características da epidemia nas Américas do Sul e Central mudaram relativamente pouco nos últimos anos. O número total de pessoas vivendo com HIV/AIDS aumentou de aproximadamente 1,1 milhão, em 2001, para cerca de 1,4 milhão em 2009, do qual cerca de um terço mora no Brasil2 (Fig. 2). 3 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 2,0 África Subsahariana 500 Ásia 450 400 350 Thousands Millions 1,5 1,0 300 250 200 150 0,5 100 50 0 100 0 ‘90 ‘92 ‘94 ‘96 ‘98 ‘00 ‘02 ‘04 ‘06 ‘08 ‘90 Europa de Este + Ásia central 25 60 40 20 0 80 ‘90 10 0 ‘92 ‘94 ‘96 ‘98 ‘00 ‘02 ‘04 ‘06 ‘08 América do Sul + Central 125 ‘90 ‘92 ‘94 ‘96 ‘98 ‘00 ‘02 ‘04 ‘06 ‘08 América do Norte + Europa Ocidental e Central 100 Thousands Thousands 15 5 60 40 20 0 Caribe 20 Thousands Thousands 80 ‘92 ‘94 ‘96 ‘98 ‘00 ‘02 ‘04 ‘06 ‘08 75 50 25 ‘90 ‘92 ‘94 ‘96 ‘98 ‘00 ‘02 ‘04 ‘06 ‘08 0 ‘90 ‘92 ‘94 ‘96 ‘98 ‘00 ‘02 ‘04 ‘06 ‘08 Figura 2. Mortes anuais relacionadas à AIDS por região, 1990 a 2009 (adaptado de UNAIDS, 2010). 4 A epidemiologia da infecção pelo HIV no Brasil e no mundo Infecção pelo HIV entre homens que fazem sexo com homens Desde os primeiros casos relatados em Los Angeles e em Nova Iorque, em 1981, os HSH são o grupo mais afetado pela infecção pelo HIV na maioria dos países desenvolvidos3. Entre a década de 1980 e início da de 1990, campanhas de prevenção levaram muitos HSH a modificar os comportamentos de risco, diminuindo o crescimento da epidemia. Contudo, dados de oito países desenvolvidos demonstraram que, embora as notificações de infecção pelo HIV entre HSH tenham caído de 1996 a 2000, houve um aumento importante entre 2000 e 2009, sugerindo um ressurgimento da epidemia nesse grupo, principalmente devido ao aumento dos comportamentos de risco3. Dados de 23 países europeus mostram que o número anual de diagnósticos de HIV entre HSH aumentou 86% entre 2000 e 20062. Os HSH da faixa etária de 13 a 29 anos são particularmente mais afetados e, em 2009, representaram mais de um quarto de todas as novas infecções por HIV nos EUA (12.900-27%)6. Infecção pelo HIV entre usuários de drogas injetáveis Estima-se que aproximadamente 15,9 milhões de pessoas usem drogas injetáveis em todo o mundo e que quase 20% delas (três milhões) estejam infectadas pelo HIV2. Na maioria dos países desenvolvidos, a proporção de novas infecções pelo HIV entre os usuários de drogas injetáveis (UDI) diminuiu de forma constante nos últimos anos. Essa tendência é, em grande parte, atribuída à introdução de programas de redução de danos que têm sido associados à diminuição do uso de drogas injetáveis e de compartilhamento de agulhas e de seringas contaminadas3. De acordo com o CDC, o número de diagnósticos entre UDI nos EUA apresentou uma queda de 26%, de 5.642 em 2006 para 4.172 em 20093. Em 2009, infecções entre UDI representaram 9% dos novos casos no país. Embora em nível global o acesso aos serviços de prevenção, incluindo programas de redução de danos para UDI, tenha aumentado, estima-se que a cobertura atinja apenas 32%2. Os UDI infectados pelo HIV possuem maior morbimortalidade quando comparados aos portadores de HIV que não usam drogas, pareados por sexo e idade. Além do uso de drogas e de álcool, há uma alta prevalência de problemas sociais, comorbidades médicas e psiquiátricas, como hepatites virais, tuberculose, infecções bacterianas e doença mental, que complicam o tratamento e a prevenção da infecção pelo HIV. Em conjunto, esses fatores contribuem com o menor acesso ao sistema de saúde e à baixa adesão ao tratamento7. O tratamento da infecção pelo HIV, da dependência de substâncias e dos distúrbios e comorbidades em UDI portadores do HIV pode ser melhorado com a gestão global e multidisciplinar desses transtornos através de uma série de intervenções, tais como aconselhamento, terapia supervisionada e prestação de serviços integrados de saúde. No entanto, essas ações dificilmente alcançam as populações mais carentes7. 5 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Diferenças raciais Nos países desenvolvidos, a epidemia da infecção pelo HIV tem impacto progressivamente desproporcional sobre as minorias raciais em geral, bem como em subgrupos de HSH. Nos EUA, no período de 2005 a 2008, as taxas de incidência de HIV/AIDS entre homens e mulheres negros eram 8 e 19 vezes maiores do que as taxas entre homens e mulheres brancos, respectivamente. Para homens negros, o contato homossexual era o principal modo de infecção pelo HIV; para as mulheres negras, o contato heterossexual era o principal modo de transmissão3. Nos EUA, latinos também são desproporcionalmente mais afetados do que os brancos3. No final de 2008, a prevalência entre negros e latinos era de cerca de 8,0 e 2,5 vezes maior, respectivamente, do que a entre brancos no país3. A população de HSH jovens e negros, entre 13 e 29 anos, foi a única, nos EUA, em que ocorreu um significativo aumento de incidência de infecção pelo HIV entre 2006 e 2009 (48%), período em que houve estabilidade entre os HSH em geral. Nesse período, o número de novos casos entre HSH jovens e negros com idade entre 13 e 29 anos excedeu o total de novos casos entre HSH brancos das faixas etárias de 13 a 29 e de 30 a 39 anos6. A epidemiologia da infecção pelo HIV no Brasil O primeiro caso de AIDS foi notificado retrospectivamente na cidade de São Paulo, em 1980. Depois desse, seguiram-se outros, basicamente restritos às principais metrópoles (São Paulo e Rio de Janeiro), tendo como categorias de exposição preponderantes os HSH, os hemofílicos e outras pessoas que haviam recebido transfusões de sangue e/ou de hemoderivados8. Dados oficiais indicam que, até junho de 2011, haviam sido notificados 608.230 casos de AIDS no Brasil, sendo 397.662 (65,4%) de pessoas do sexo masculino e 210.538 (34,6%) do sexo feminino (Tabela 1). A razão entre os sexos vem diminuindo ao longo dos anos. Em 1985, para cada 26 casos de AIDS notificados entre homens, havia um entre mulheres. Em 2010, essa relação foi de 1,7 caso em homens para cada caso em mulheres9. Estima-se que a prevalência da infecção pelo HIV na população de 15 a 49 anos tenha se mantido estável (0,6%) desde 2004, sendo 0,4% entre as mulheres e 0,8% entre os homens8. Em 2010, foram notificados 34.218 casos da doença, e a taxa de incidência de AIDS no Brasil foi de 17,9 casos por 100 mil habitantes10. Observando-se a epidemia por região do país, o maior número de casos de AIDS acumulados está concentrado na região Sudeste (56%). No entanto, entre 2000 e 2010, a taxa de incidência caiu no Sudeste de 24,5 para 17,6 casos por 100 mil habitantes. Nas outras regiões, cresceu: 27,1 para 28,8 casos no Sul; 7,0 para 20,6 no Norte; 13,9 para 15,7 no Centro-Oeste; e 7,1 para 12,6 no Nordeste10 (Tabela 2). Segundo dados oficiais, a relação sexual heterossexual é a forma de transmissão predominante da infecção pelo HIV no país, sendo responsável por 90,4% dos casos no sexo feminino e 29,7% no masculino. Entre os homens, a segunda forma de transmissão mais comum é a relação sexual entre HSH (20,7% dos casos), seguida pelo uso de drogas 6 A epidemiologia da infecção pelo HIV no Brasil e no mundo Tabela 1. Número de casos de AIDS notificados no Sinan, declarados no SIM e registrados no Siscel/Siclom por sexo, segundo ano de diagnóstico. Brasil, 1980-2011 Ano de notificação Total 1980 Masculino Feminino Total 397.662 210.538 608.230 1 0 1 1982 14 1 15 1983 40 1 41 1984 128 12 140 1985 534 20 554 1986 1.120 73 1.193 1987 2.564 283 2.847 1988 3.996 620 4.616 1989 5.427 899 6.326 1990 7.677 1.425 9.102 1991 9.979 2.130 12.110 1992 12.112 3.069 15.181 1993 13.508 3.888 17.396 1994 14.590 4.553 19.143 1995 16.040 5.841 21.881 1996 17.559 7.378 24.939 1997 18.425 8.932 27.358 1998 19.927 10.346 30.273 1999 17.855 9.879 27.735 2000 19.205 11.231 30.437 2001 19.164 11.899 31.064 2002 21.421 14.009 35.430 2003 21.359 14.067 35.426 2004 20.581 13.611 34.194 2005 19.820 13.343 33.165 2006 19.360 12.917 32.227 2007 20.709 13.415 34.126 2008 22.161 13.415 34.126 2009 21.973 14.002 35.979 2010 21.363 12.846 34.212 2011 9.050 5.494 14.546 Siclom utilizado para validação dos dados do Siscel. Dados preliminares para os últimos 5 anos. 30 casos ignorados com relação ao sexo. Sinan e Siscel até 30/06/2011 e SIM de 2000 a 2010. Adaptado de MS/SVS/Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. 7 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 2. Casos de AIDS no Brasil por região, segundo ano de diagnóstico, 2000 a 2010 Ano do diagnóstico TOTAL Norte Nordeste Sudeste Sul CentroOeste Ignorado/ Exterior Total 22.716 56.739 184.397 85.813 23.172 14 372.851 2000 903 3.387 17.741 6.793 1.615 1 30.440 2001 1.193 3.633 17.469 7.035 1.734 0 31.064 2002 1.403 4.345 19.343 8.183 2.150 6 35.430 2003 1.445 4.657 18.832 8.133 2.357 4 35.428 2004 1.942 4.871 17.669 7.420 2.291 1 34.194 2005 1.875 5.124 16.842 7.156 2.169 0 33.166 2006 1.999 5.007 15.773 7.428 2.072 1 32.280 2007 2.388 5.950 15.378 8.236 2.176 0 34.128 2008 2.929 6.508 15.650 9.281 2.155 0 36.523 2009 3.365 6.555 15.558 8.260 2.242 0 35.980 2010 3.274 6.702 14.142 7.888 2.211 1 34.218 Dados consolidados até 30/06/2010. Adaptado de MS/SVS/Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. injetáveis (19%). Nas mulheres, a segunda forma de transmissão é o uso de drogas injetáveis, responsável por 8,5% dos casos10. No período de 1980 a junho de 2008, foram diagnosticados no país 11.796 casos de AIDS por transmissão mãe-filho. De 1996 a 2007, houve queda de 63,8% (de 892 para 379) dos casos notificados10. Entretanto, estudos evidenciaram uma subnotificação de gestantes portadoras de HIV, com consequente subestimação da taxa de transmissão mãe-filho11. A notificação de grávidas soropositivas tornou-se obrigatória no Brasil em 2000, mas em 2004, de aproximadamente 12.644 casos de gestantes soropositivas, apenas 52% foram notificados12. O Brasil apresenta grandes desigualdades sociais, econômicas e culturais, e há vários níveis de qualidade dos serviços de saúde de prevenção da infecção pelo HIV através da transmissão mãe-filho, tanto durante a assistência pré-natal quanto durante o parto e após o nascimento das crianças expostas13. Um estudo realizado em 2003 mostrou que apenas 52% das parturientes brasileiras receberam cobertura pré-natal eficiente. Esse percentual variou de 24% no Nordeste a 71% no Sul. Considerando-se o nível de escolaridade, os percentuais variaram de 19% entre as mulheres analfabetas para 64% entre aquelas que têm, pelo menos, o ensino fundamental completo14. 8 A epidemiologia da infecção pelo HIV no Brasil e no mundo A estimativa de prevalência de parturientes infectadas pelo HIV no Brasil foi de 0,41% em 2004. Nesse mesmo ano, a prevalência estimada de transmissão mãe-filho foi de 6,8% no país11. Já no estado de São Paulo, a taxa foi de 2,7% em 200613. Todavia, visto que as maiores taxas ocorrem em gestantes não submetidas às intervenções preventivas, com as quais a transmissão pode ser reduzida para menos de 0,5%, esses valores estão muito longe do ideal11. A mortalidade entre as crianças infectadas por transmissão materna diminuiu 67% entre 1997 e 2002, paralelamente à disponibilidade da TARV de alta potência. A progressão para a AIDS e as taxas de hospitalização também caíram substancialmente12. De 1980 a 2007, foram notificados 205.409 óbitos em portadores de HIV/AIDS no Brasil. Na divisão por sexo, 73,4% ocorreram entre homens (150.719 óbitos acumulados) e 26,6% entre mulheres. Considerando o período de 2000 a 2007, o coeficiente geral de mortalidade permaneceu estável, apresentando aumento entre as mulheres (de 3,7 óbitos por AIDS por 100.000 habitantes em 2000, para 3,8 em 2007) e diminuição entre os homens, de 9 em 2000 para 7,8 em 200710. Estudos em países desenvolvidos demonstraram que, apesar das causas de morte relacionadas à infecção pelo HIV/AIDS continuarem sendo as mais frequentes em indivíduos com a infecção, outras condições, como as doenças cardiovasculares, diabetes, neoplasias e doenças renais, tornaram-se cada vez mais frequentes, sobretudo em pacientes mais velhos e com contagem de linfócitos CD4+ maior que 200 cel/mm3, em que as causas não relacionadas à infecção pelo HIV/AIDS são as mais comuns16. Após a introdução do acesso universal à TARV no Brasil, em 1996, houve uma redução acentuada da taxa de mortalidade em indivíduos com a infecção pelo HIV. A partir de 1999, a taxa manteve-se relativamente estável. Também houve uma significativa mudança nos padrões de mortalidade entre os portadores de HIV/AIDS nesse período, com aumento das causas não atribuídas à AIDS, como doenças cardiovasculares e diabetes (Fig. 3), o que pode estar associado à subnotificação das mortes em indivíduos com HIV/AIDS15,16. Estudos indicam que a mortalidade entre indivíduos infectados pelo HIV esteja subestimada no Rio de Janeiro, especialmente entre indivíduos do sexo masculino mais velhos e aqueles com maior contagem de linfócitos CD4+. A qualidade do registro de dados sobre as causas de morte é um importante problema de saúde pública, uma vez que os indicadores de mortalidade são amplamente utilizados pelos países membros da OMS para apoiar o desenvolvimento de políticas públicas15. Conclusão No decorrer de três décadas, desde os primeiros relatos de casos de infecções oportunistas em homossexuais masculinos previamente sadios, houve, em nível mundial, uma dramática mudança no perfil da epidemia da infecção pelo HIV. Ao longo dos anos, houve um aumento nos casos atribuídos a relações heterossexuais, acompanhado por diminuição da relação de incidência entre os sexos masculino e feminino. Com o aumento da prevalência da infecção em mulheres, ocorreu aumento também na frequência da infecção entre as crianças por transmissão mãe-filho, em particular nos 9 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 A B Não-AIDS AIDS 6 Taxas/100 pessoas-ano Taxas/100 pessoas-ano 7 5 4 3 2 1 0 4 3 2 1 0 97-98 99-00 01-02 Periodo 03-04 05-06 97-98 99-00 01-02 Periodo 03-04 05-06 C 0,20 Não-AIDS AIDS Desconhecido CIF 0,15 0,10 0,05 0,00 0 100 200 300 Semanas 400 500 Figura 3. Tendências temporais de óbitos na coorte de pacientes com a infecção pelo HIV/AIDS no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), Rio de Janeiro A: taxa de mortalidade global com tendência linear ao longo do tempo e IC de 95% (modelo Poisson). B: mortes relacionadas e não relacionadas à AIDS com IC de 95% e tendência linear ao longo do tempo (modelo Poisson). C: função de distribuição cumulativa das mortes relacionadas e não relacionadas à AIDS e das causas desconhecidas no âmbito de riscos concorrentes (adaptado de Pacheco et al.16). países em desenvolvimento, onde o acesso à prevenção dessa forma de transmissão ainda é bastante limitado. Houve, também, explosiva migração da epidemia para países em desenvolvimento, particularmente para a África Subsaariana, onde a epidemia tornou-se generalizada, afetando todos os indivíduos sexualmente ativos, independentemente de nível sócio-econômico ou opção sexual. Já em países desenvolvidos ou em estágios intermediários de 10 A epidemiologia da infecção pelo HIV no Brasil e no mundo desenvolvimento, como o Brasil, a epidemia passou a afetar, de forma progressivamente desproporcional, aqueles com menor acesso à informação e aos cuidados de saúde. Por outro lado, o advento da TARV foi o fator mais importante na mudança da história natural da infecção, diminuindo drasticamente a mortalidade diretamente relacionada à AIDS e mudando profundamente o perfil de comorbidades e das causas de morte em países onde há acesso ao tratamento, incluindo o Brasil. Bibliografia 1. Frieden TR, Jaffe HW, Stephens JW, Thacker SB, Zaza S. HIV Surveillance—United States, 1981-2008. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2011;60(21):689-93. 2. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (UNAIDS). Report on the global AIDS epidemic, 2010. Disponível em: http://www. unaids.org/documents/20101123_GlobalReport_em.pdf 3.Mauro Schechter. 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Temporal Changes in Causes of Death Among HIV-Infected Patients in the HAART Era in Rio de Janeiro, Brazil. J Acquir Immune Defic Syndr. 2009;51(5):25-8. 11 Capítulo 2 Virologia Renato Santana de Aguiar e Amilcar Tanuri O vírus da imunodeficiência humana O vírus da imunodeficiência humana (HIV) e o agente etiológico da síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA ou AIDS - acquired immunodeficiency syndrome). Atualmente, existem fortes evidências de que a AIDS é um exemplo de doença viral que se iniciou através de uma infecção interespecífica, a partir de um vírus que infecta naturalmente macacos da África. O estudo da virologia molecular do HIV permitiu inúmeras descobertas no campo da epidemiologia e da origem do HIV, através das relações filogenéticas estabelecidas entre diferentes retrovírus. O vírus foi inicialmente isolado em pacientes com linfonodopatia no Instituto Pasteur, em Paris, em 1983, e, subsequentemente, por pesquisadores do National Institute of Health, dos EUA, em pacientes que apresentavam um vírus citopático com tropismo por linfócitos T1,2. Posteriormente, em 1984, o vírus foi isolado por Jay Levy e colaboradores da University of California, em San Francisco, EUA3. Diferentes nomes foram dados a este novo vírus, dependendo do grupo e do laboratório envolvido: LAV, vírus associado à linfodenopatia; HTLV-III, vírus humano T-linfotrópico tipo III e ARV, retrovírus associado à AIDS. Análises posteriores feitas por microscopia eletrônica demonstraram que se tratava do mesmo vírus com características morfológicas semelhantes a um grupo de retrovírus chamados de lentivírus. Em 1986, o Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus recomendou a utilização do nome Vírus da Imunodeficiência Humana ou HIV para tal vírus. Os lentivírus compreendem um gênero separado da família Retroviridae, que é caracterizada pela presença da enzima transcriptase reversa (TR), utilizada na geração da cópia de DNA a partir do genoma viral de RNA4. Os lentivírus são associados a longos períodos de incubação e, por isso, são chamados de vírus lentos. A descoberta do HIV propiciou a busca e o isolamento de novos lentivírus, como os vírus da imunodeficiência felina (FIV) e uma variedade de diferentes retrovírus isolados de primatas não humanos conhecidos como vírus da imunodeficiência símia (SIV). Em 1986, um vírus diferente de HIV e mais prevalente nos países do Oeste da África foi isolado e nomeado de HIV-25). Indivíduos infectados com HIV-2 também desenvolvem AIDS; no entanto, apresentam um período de incubação mais lento e uma menor taxa de mortalidade. 13 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 O HIV é claramente relacionado ao vírus que infecta primatas não humanos, coletivamente denominado SIV. O HIV-2 é mais relacionado ao SIVsmn, um vírus isolado de macacos sooty mangabeys, do que com o próprio HIV-16. Além disso, análises filogenéticas indicam que diferentes isolados de HIV-2 são mais similares a isolados de SIVsmn do que entre si, o que sugere recentes e contínuas transmissões zoonóticas entre espécies7. Desde 1992, já havia fortes indícios da origem do HIV-2; porém, até o ano de 1999, a origem do HIV-1 permanecia incerta. Em 1999, foi demonstrado que o HIV-1 provavelmente originou-se a partir da espécie de chimpanzé Pan troglodytes troglodytes, devido a suas semelhanças com o vírus SIVcpz, isolado desta mesma espécie8. Até o momento foram descritos quatro grupos de HIV-1, nomeados de M, N, O e P, isolados em diferentes regiões geográficas. O grupo M é o mais diverso de todos, apresentando nove diferentes subtipos (A, B, C, D, F, G, H, J e K), além de 15 formas recombinantes circulantes (CRFs)9,10. O fato de que muitos chimpanzés são utilizados como alimento por populações africanas subsaarianas pode caracterizar uma transmissão zoonótica de HIV-1, que foi introduzido na espécie humana por acidente6. Morfologia da partícula viral Todos os lentivírus possuem um envelope composto por uma bicamada lipídica que é derivada da membrana citoplasmática da célula hospedeira. Glicoproteínas estão expostas na superfície do vírus (SU ou gp120) ancoradas através de interações com a proteína transmembrana (gp41 ou TM). A bicamada lipídica do vírus possui também diversas proteínas de membrana derivadas da célula hospedeira, incluindo antígenos de histocompatibilidade (MHC)11. No interior do envelope viral, encontramos a concha da matriz que é composta por cerca de 2.000 cópias da proteína da matriz (MA ou p17), e, no centro desta, está localizada uma partícula de capsídeo em forma de cone, compreendendo cerca de 2.000 cópias da proteína do capsídeo (CA ou p24). A partícula do capsídeo envolve duas cópias do genoma viral de RNA, estabilizadas por um complexo de ribonucleoproteínas com cerca de 2.000 cópias da proteína do nucleocapsídeo (NC ou p7)12. Além disso, dentro do capsídeo encontramos as três enzimas virais essenciais: protease (PR), TR e integrase (IN). Na figura 1, apresentamos um esquema geral da organização da partícula de HIV-1. O genoma do HIV-1 e seu ciclo replicativo O HIV exibe uma organização genômica complexa, compreendendo cerca de nove fases abertas de leitura (ORFs). O RNA genômico possui aproximadamente 9,7 kb, que compreende três genes estruturais comuns a todos os retrovírus denominados: gag, pol e env. Inicialmente, esses genes são sintetizados como poliproteínas precursoras que são posteriormente clivadas em suas proteínas ativas. Além desses, são observados outros genes não estruturais denominados tat, rev, nef, vif, vpr e vpu. Esses produtos são codificados por vários RNAs mensageiros gerados a partir de diferentes etapas de processamento 14 Virologia SU NC CA (N-term) MA TM (ectodomain) CA (C-term) IN (N-term) IN (Core) Nef (Core) RT PR IN (C-term) Figura 1. Desenho esquemático da partícula viral de HIV-1. As setas indicam as conformações estruturais das proteínas virais (adaptado de Turner12). ou splicing. Na tabela 1 apresentamos os diferentes genes de HIV e suas funções descritas ate o momento. Nas extremidades do RNA genômico, são encontradas regiões não codificantes essenciais para a replicação viral. Durante a TR, essas regiões são duplicadas gerando os Long Terminal Repeats (LTRs). Os LTRs são divididos em três regiões, denominadas U3, R e U5, e possuem sinais regulatórios que atuam na integração, transcrição e poliadenilação do RNA viral. Na figura 2, mostramos a organização genômica do HIV-1 e as respectivas proteínas codificadas. Duas cópias do genoma de RNA são encapsuladas ou incorporadas na mesma partícula viral. As duas cópias de RNA se encontram na forma de dímero, ligadas por uma região próxima à extremidade 5’ denominada DIS13. 15 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 1. Genes e funções de HIV-1 Genes Proteína madura Função MA ou p17 Compõem a matriz e direcionam proteínas Gag e GagPol para membrana citoplasmática CA ou p24 Compõem o capsídeo viral que engloba genoma e proteínas virais NC Interage com RNA viral e promove encapsulamento do genoma viral durante o brotamento p6 Possui domínios de interação com proteínas envolvidas nas etapas tardias de montagem e brotamento das partículas virais PR Realiza a clivagem das poliproteínas virais e a maturação da partícula viral TR Realiza a retrotranscrição do genoma viral de RNA em uma molécula dupla fita de DNA IN Integra o DNA viral dupla fita no genoma da célula hospedeira gp120 ou SU Realiza a interação com receptor CD4 de linfócitos T e promove a entrada do vírus na célula gp41 ou TM Ancora gp120 no envelope viral e possui domínios envolvidos na fusão do envelope viral e na membrana citoplasmática rev Rev Interage com os diversos RNAs virais e promove a exportação para o citoplasma tat Tat Promove a transcrição dos RNAs virais através da transativação da RNA polimerase II celular vif Vif Interage com o fator de restrição celular APOBEC3G e promove a sua degradação, impedindo os efeitos deletérios deste fator vpr Vpr Promove o transporte do complexo pré-integrativo contendo o genoma de DNA para dentro do núcleo; mantem a célula parada na fase G2 do ciclo celular vpu Vpu Promove o brotamento das partículas virais nef Nef Promove internalização dos receptores CD4 e moléculas de MHC da superfície celular dos linfócitos infectados gag pol env O ciclo replicativo dos retrovírus pode ser dividido arbitrariamente em duas fases distintas: inicial e tardia. As fases iniciais se referem às primeiras etapas da infecção desde a ligação do vírus à célula até o fenômeno de integração do DNA viral ao genoma celular. Já a fase tardia do ciclo replicativo começa com a expressão dos genes virais e continua até a liberação e maturação das progênies virais. 16 Virologia ~9 Kb U3/R/U5 5’LTR U3/R/U5 3’LTR MA/CA/NC/P6 gag vif rev pol Pro / RT / Int HIV-1 su tat nef t env TM vpr vpu Figura 2. Organização genômica do HIV-1 na forma de DNA integrado. Os genes codificantes e suas posições estão representados por retângulos. Os deslocamentos, superior ou inferior dos retângulos representam as diferentes fases de leituras utilizadas. Os genes rev e tat são ligados por setas que representam as regiões genômicas ligadas por eventos de processamento. Os subprodutos (MA, CA, NC, P6, PRO, RT, INT, SU e TM) das poliproteínas precursoras Gag, Gag-Pol e Env são indicados. (adaptado de Coffin, 1996)4. Fases iniciais do ciclo replicativo Semelhante aos outros retrovírus, o ciclo de replicação do HIV inicia-se pela interação do vírus com a superfície da célula hospedeira, mediada por receptor específico. Inicialmente, ocorre a interação da glicoproteína gp120 com a molécula de superfície CD4 de células linfócitos T11. A interação entre as moléculas gp120 e CD4, induz mudanças conformacionais nestas proteínas, e o recrutamento de moléculas correceptoras pertencentes à família das quimiocinas, principalmente CXCR4 e CCR514. Uma segunda interação entre as proteínas gp120 e alguns destes correceptores disparam novas mudanças conformacionais nas glicoproteínas gp41, permitindo a exposição do seu domínio de fusão HR1. A inserção deste domínio na membrana plasmática inicia a fusão com o envelope viral15. A molécula de CCR5 atua como segundo correceptor em isolados de HIV-1 que apresentam tropismo por macrófagos, e a molécula CXCR4 atua como correceptor, em linhagens com tropismo por linfócitos T16. Após a fusão da membrana celular com o envelope viral, ocorre a liberação do capsídeo para o citoplasma da célula hospedeira. Esse complexo é constituído pelo genoma viral e pelas enzimas responsáveis por sua replicação e integração, além das proteínas estruturais. No complexo nucleoproteico, ocorre a síntese do DNA dupla fita, a partir do RNA viral, pela TR. Imediatamente após a liberação no citoplasma, o capsídeo começa um processo contínuo e progressivo de desarranjo conhecido como desnudamento ou uncoating, que leva à geração de complexos de pré-integração conhecidos como PICs17. Tais complexos são constituídos das proteínas virais PRO, RT, IN e Vpr, além do genoma de DNA viral. O complexo de pré-integração contendo o DNA viral é ativamente transportado para o núcleo da célula através de interações entre as proteínas virais e proteínas do citoesqueleto celular, como os microtúbulos de actina, miosina e dineína18,19. A proteína viral Vpr, incorporada nas partículas virais, auxilia no processo de direcionamento dos complexos pré-integrativos para o núcleo. A proteína Vpr conecta estes complexos à maquinaria 17 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 celular envolvida na importação nuclear, incluindo importina-a e nucleoporinas20,21, além de interferir no ciclo celular estacionando-o na fase G222. Dentro do núcleo da célula infectada, o DNA viral é covalentemente integrado no DNA genômico da célula hospedeira através da atividade enzimática da integrase viral e modulado pelas sequências 5’-TG e CA-3’ que flanqueiam o genoma viral23. O processo de integração pode ser dividido em três etapas: processamento das pontas 3’ do genoma viral com remoção de 2-3 nucleotídeos; clivagem do DNA genômico celular com posterior ligação das pontas coesivas criadas nas extremidades dos genomas viral e do hospedeiro e a última etapa de ligação e reparo das ligações fosfodiester entre as bases do DNA. Recentemente, foi demonstrado o envolvimento do fator de transcrição celular LEDGF/p75 em conjunto com a IN no reconhecimento dos sítios de integração na cromatina24. Uma vez integrado, o genoma viral associado ao genoma celular é replicado com a maquinaria celular de replicação e mantido entre as células filhas. Este genoma integrado pode se tornar dormente, caracterizando o estado de latência viral, onde as proteínas virais não são produzidas e as partículas virais não são geradas. O processo de latência é mais comum em células refratárias à infecção e células não ativadas como linfócitos T CD4+ dormentes e de memória. Essas células apresentam uma barreira contra a eficácia dos tratamentos antirretrovirais disponíveis, visto que mantêm cópias do genoma viral integradas e dormentes, mas não são acessíveis aos efeitos desses fármacos. Fases tardias do ciclo replicativo Uma vez integrado, o provírus se assemelha a um gene eucariótico e serve de molde para a transcrição do RNA viral, que é dependente da enzima celular RNA polimerase II25. A transcrição e geração de RNAs virais inicia a fase tardia do ciclo replicativo. Inicialmente, a transcrição viral é promovida pela ligação de fatores transcricionais celulares, como NF-κB, NFAT e AP-1 e Sp1, aos elementos regulatórios da região U3 do 5’LTR. Esta região possui características de promotores da transcrição, como sequências TATA box, onde se ligam os fatores basais da transcrição TFIID que posteriormente recrutam a RNA polimerase II para o início da transcrição dos RNAs virais. Três tipos de transcritos podem ser evidenciados: os transcritos maiores de aproximadamente 9,2 kb, que não são processados e são utilizados como molde para a geração das poliproteínas precursoras Gag (Pr55) e Gag-Pol (Pr160), além de serem incorporados como RNA genômico viral durante o brotamento; os transcritos de tamanhos intermediários com cerca de 4,3 a 5,5 kb, que são processados parcialmente e posteriormente traduzidos nas proteínas Vif, Vpr, Vpu e Env; e os transcritos menores de 1,7 a 2,0 kb, que sofrem processamentos múltiplos gerando as primeiras proteínas virais a serem sintetizadas Tat, Rev e Nef com funções regulatórias no ciclo replicativo26. Todos estes mRNAs são gerados como consequência de fenômenos alternativos de seleção de 5 sítios doadores e mais que 10 sítios aceptores de processamento (slicing) dispostos em diferentes regiões no genoma viral. Inicialmente, pequenas quantidades do RNA viral são processadas e direcionadas ao citoplasma, gerando as proteínas virais regulatórias: Tat, Rev e Nef. Tat é um transativador transcricional essencial que se liga ao elemento em grampo (stemloop) no transcrito nascente de RNA 18 Virologia (Trans-activating response element [TAR]) e, em seguida, recruta as proteínas celulares ciclina T1 e a cinase CDK9 responsável por fosforilar o domínio carboxi-terminal (CTD) da RNA polimerase II estimulando elongação dos transcritos maiores27. Na sequência, os transcritos maiores que contêm o genoma viral e os transcritos intermediários são exportados para fora do núcleo mediado pela proteína viral Rev. Esta proteína se liga ao elemento responsivo a Rev (RRE) presente nos transcritos de RNA nascentes que não sofrem processamento e parcialmente processado e recruta as proteínas celulares exportina-1 (CRM-1) responsável pelo transporte das moléculas de mRNA através do poro nuclear28,29. Este complexo é então transportado através do poro nuclear para o citoplasma, utilizando a energia liberada pela hidrólise do GTP. Desta forma, Rev funciona como uma molécula adaptadora responsável pelo transporte para fora do núcleo das moléculas de RNAs virais que não sofreram processamento completo. A poliproteína responsável pela produção das proteínas de Env é sintetizada no retículo endoplasmático (RE). As proteínas posteriormente se oligomerizam em estruturas triméricas no RE e são altamente glicosiladas. Estas proteínas são alvo de modificações pós-traducionais no RE e no Complexo de Golgi e são posteriormente clivadas por proteases celulares para produzir as formas maduras das proteínas gp120 e gp4112. Os trímeros das glicoproteínas gp120 e gp41 são então direcionados para a membrana citoplasmática para a montagem e brotamento das partículas virais. As moléculas de Env e CD4 são ambas sintetizadas no RE, e uma ligação prematura de CD4 às moléculas de Env pode inibir a translocação de Env para a membrana citoplasmática e formação do complexo funcional de gp120 e gp41. Além de impedir a infecção de novas células, visto que, nestes casos, a proteína gp120 complexada às moléculas CD4 não estaria disponível para se ligar a receptores CD4 de novas células, impedindo a entrada dos vírus. Para evitar isto, as moléculas de CD4 são ubiquitinadas e direcionadas à degradação via proteassomas mediada pela interação com a proteína viral acessória Vpu30. Além disto, as moléculas de CD4 já localizadas na membrana plasmática são internalizadas e sinalizadas para a degradação endossomal através da ligação com a proteína viral Nef que se liga ao complexo adaptador celular AP-2 e estimula a formação de invaginações mediada por clatrina para a internalização das moléculas de CD431. Como molde para a tradução das proteínas virais, o RNA viral que não sofreu processamento é utilizado para a produção das proteínas virais Gag e Gag-Pol, além de ser o RNA genômico a ser incorporado nas progênies virais. A poliproteína estrutural Gag é sintetizada nos ribossomos e um deslize ribossomal (ribosomal frameshift) durante a tradução gera uma poliproteína fundida Gag-Pol em menores quantidades32. As moléculas de Gag se oligomerizam e se complexam com as moléculas de Gag-Pol. Estas proteínas são direcionadas para a membrana citoplasmática celular para a formação da partícula viral através da adição de ácido merístico (meristilação) na região N-terminal do domínio MA das poliproteínas Gag33. Esta meristilação é responsável pelo direcionamento e interação das proteínas virais Gag e Gag-Pol às caudas citoplasmáticas das proteínas gp40 ancoradas em regiões ricas em colesterol da membrana citoplasmática, onde os vírus brotam (lipids rafts). Aproximadamente, 1.200 a 2.000 cópias de Gag brotam em uma forma imatura do vírus, que encapsula duas cópias do mRNA viral como material genômico, unidas não covalentemente pelas suas regiões DIS12 (Fig. 3). 19 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Uncoating Integração Tradução Direcionamento Brotamento Modificação Env Maduro Transcrição e Processamento Fase tardia Transcrição reversa Fase inicial Entrada Imaturo Adsorção Figura 3. Ciclo replicativo do HIV-1 e suas diferentes etapas (adaptado de www.aidsreagent.org). Durante o brotamento e subsequentemente a este evento, as poliproteínas precursoras Gag e Gag-Pol são clivadas pela protease viral nas suas subunidades estruturais como MA, CA e NC para Gag, e as enzimas ativas Pro, RT e IN para Pol. As proteínas estruturais se rearranjam caracterizando o processo de maturação da partícula viral formando progênies viáveis que podem infectar novas células, fechando assim o ciclo replicativo34. 20 Virologia Mecanismos de geração da diversidade no HIV-1 O genoma do HIV-1 evolui rapidamente, como demonstrado pela diversidade genética encontrada entre isolados coletados de pacientes, em diferentes pontos da infecção35. Análises de sequências revelaram que os isolados virais consistem de múltiplas subclasses genômicas, que flutuam durante o curso da infecção37,38. Desta forma, o HIV-1 é caracterizado como um complexo heterogêneo de populações determinado “quasispecies”39. Estes microvariantes do vírus são bastante relacionados; porém, geneticamente distintos entre si. A diversidade genética encontrada nas populações retrovirais é influenciada por diversos fatores, incluindo a taxa de mutação por ciclo de replicação, a própria taxa de replicação (número de ciclos de replicação do vírus por unidade de tempo) e a taxa de fixação das mutações (determinada pela vantagem ou desvantagem seletiva, conferida por uma mutação em particular)4. Teoricamente, mutações podem ser introduzidas nos retrovírus durante as seguintes etapas: durante a transcrição pela RNA polimerase II celular, durante a atividade da TR ou pela replicação do provírus integrado, por DNA polimerases celulares. Diversos autores demonstraram que a enzima TR é a maior fonte de diversidade encontrada e que a contribuição da RNA pol II celular é consideravelmente menor35. Diferentemente das DNA polimerases celulares, a TR é uma enzima sujeita a erros, não possuindo atividade revisora exonucleotídica 3’–5’. Estudos que avaliaram a fidelidade da TR de HIV-1 purificada indicaram que a frequência de incorporações de mutações é muito alta, na ordem de 2,5 x 10-4 a 5,8 x 10-4 por nucleotídeo36. Baseado nestes estudos, foi proposto que a TR é responsável pela alta variabilidade genética encontrada em HIV-1. Como discutido anteriormente, as partículas de HIV-1 possuem duas cópias de fitas simples de RNA como genoma. O caráter dimérico do genoma de HIV-1 facilita a troca genética entre as duas moléculas de RNA e recombinação frequente durante o processo de transcrição reversa. Durante este processo a TR pode utilizar como molde ambas as fitas de RNA genômico. Além disso, a TR pode pular de uma fita de RNA para outra durante a transcrição reversa, gerando um mosaico entre as duas fitas de RNA originais13. Os dados experimentais indicam que o processo de recombinação pode ocorrer tanto durante a síntese da fita negativa de DNA quanto da fita positiva. Durante o processo de transcrição reversa, é necessário que o complexo de TR e a primeira região de DNA fita negativa a ser produzido (Strong Stop DNA) seja transferido da extremidade 5’ do genoma para uma sequência complementar na extremidade 3’. Este salto pode ocorrer para a mesma ou para outra fita de RNA genômico. Além disto, já foram mapeadas seis regiões internas no genoma de RNA do HIV-1 que funcionam como regiões estimuladoras (hotspots) de recombinação40. Os dados apresentados por Zhuang, et al. indicam que os eventos de recombinação possuem uma taxa de 2,8 pulos por genoma, por ciclo de replicação. Uma alta taxa de recombinação, considerando o tamanho do genoma do HIV-1. As altas taxas de recombinação descrita para as populações de HIV-1 possuem grande impacto na variabilidade genética desses vírus. Cerca de 5 a 10% dos isolados virais 21 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 sequenciados são reconhecidos como CRFs entre diferentes subtipos de HIV-126. Em alguns casos específicos, estes recombinantes são os variantes de HIV-1 mais prevalentes em certas regiões do mundo26. Tais recombinantes podem gerar variantes de HIV-1 multirresistentes a diferentes fármacos antirretrovirais. Um pressuposto para a recombinação de dois diferentes subtipos de HIV é a existência de partículas virais heterozigotas, compostas de dois RNA genômicos virais distintos. Viríons heterozigotos somente podem ser formados através da coinfecção de dois vírus diferentes na mesma célula. De fato, este processo de coinfecção foi evidenciado em esplenócitos de pacientes e visualizado através de metodologias de hibridização in situ41. Todos estes processos de geração de diversidade em HIV-1 originam variantes do vírus que podem escapar do sistema imune do hospedeiro ou mesmo criar resistência aos antirretrovirais disponíveis, dificultando o tratamento de pessoas infectadas e o desenvolvimento de uma vacina eficaz. 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Existem vários obstáculos científicos para encontrar uma cura para o HIV, e mais importante, que seja acessível a todos os pacientes infectados pelo HIV, sendo a latência viral um dos grandes obstáculos. A latência viral é um estado reversível de infecção improdutiva de células. Para alguns vírus, por exemplo, membros da família Herpes, a latência fornece um importante mecanismo de persistência viral e escape a partir do reconhecimento imunológico. Este capítulo enfoca os desenvolvimentos recentes em nossa compreensão de onde o vírus persiste nos pacientes, e como a latência é estabelecida e mantida. Onde está o HIV em pacientes avirêmicos? Reservatórios celulares Células T de memória Persistência da infecção latente nas células T CD4+ de memória em repouso no sangue e no tecido linfoide em pacientes infectados pelo HIV foi relatada pela primeira vez há 15 anos. Mais recentemente, tanto a memória central (definida como CD45RA-CCR7+ CD27+) e CD4+ de memória de transição de células T (CD45RA-CCR7-CD27+) foram identificadas como sendo as células infectadas principais que persistem no sangue em pacientes infectados pelo HIV recebendo TARC supressiva2. 25 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Vírus associados a células (98% das células linfomononucleares estão nos tecidos linfáticos) Grande pool de células T CD4+DR+ memória produtivamente infectadas (1/2 vida 1,5 dias) Vírus livres (~1% do total de vírus) Vírus associados ao FDC (95% do total de vírus) – Vírus escondido nas céls foliculares – Plasma dendríticas dentro dos linfonodos – Fluido intersticial (1/2 vida no plasma de 6 horas) – T CD4 de memória não-infectadas – 1% ativada (DR+) Pequeno pool de células T CD4+DR– memória latentes infectadas (1/2 vida 4-6 meses) 1 Pequeno pool de macrófagos infectados – Retirada de vírus (seguida da formação de imunocomplexos) Figura 1. Principais e diferentes compartimentos de multiplicação do HIV. Latência Também tem sido demonstrada em outras subpopulações de células T e outros tipos celulares que são importantes para compreender como os mecanismos conduzem a persistência e a eliminação de HIV e como essas células podem ser diferentes. Células T naïve (virgens) O DNA do HIV pode persistir nas células T CD4+ naïve em pacientes suprimidos virologicamente, embora a frequência de infecção seja de aproximadamente 1-2h menos em células de memória T CD4+2, sumarizada na figura 1. O número absoluto de células T CD4+ naïves infectadas (expresso como cópias de HIV DNA/ml de sangue) de fato aumentou depois do TARC, sugerindo que, no cenário de proliferação celular, o reservatório de células T naïves infectadas pode se expandir ao longo do tempo. Células progenitoras hematopoéticas Atualmente, existem evidências que o HIV pode persistir nas células progenitoras hematopoéticas (HPC) CD34+3. De fato, o DNA integrado do HIV foi detectado em HPCs CD34+ em 40% de doadores. Embora a infecção in vitro de HPCs mostrou que a replicação do HIV ativa foi citotóxica, a infecção latente pode ser estabelecida nessas células de vida longa. Células-tronco hematopoéticas, ex-vivo, a subpopulação de mais longa duração 26 Imunologia de HPCs, podem estar infectadas com HIV CXCR4 ou duo-trópico. A difícil tarefa será determinar como a latência é estabelecida nessas células, se HPCs latentemente infectadas de pacientes abrigam vírus infecciosos e se essas células são uma fonte de vírus rebote quando os pacientes interrompem o uso de TARC. HIV integrado O DNA do HIV foi encontrado em astrócitos do cérebro de pacientes infectados pelo HIV e está associada à demência do HIV4. Como esses estudos foram realizados em pacientes virêmicos, um estudo de astrócitos em pacientes não suprimidos será importante. Reservatórios anatômicos Gastrintestinal O trato gastrintestinal (GI) é um importante reservatório para as células infectadas por HIV, em que as concentrações de DNA do HIV e de células associadas ao RNA do HIV são quase cinco a dez vezes maiores do que nas células mononucleares do sangue periférico (PBMC)5. A distribuição do DNA e RNA do HIV difere ao longo do trato GI, com a maior concentração de DNA do HIV no reto e maior concentração de RNA do HIV no íleo. A adição de raltegravir para pacientes suprimidos resultou numa diminuição não significativa de RNA do HIV no íleo, potencialmente consistente com a replicação contínua nesse local. Estudos randomizados de intensificação do tratamento são necessários para confirmar esses achados. Um estudo recente em três pacientes que iniciaram TARC durante a infecção aguda mostrou que, em sua interrupção em seguida, não houve relação filogenética entre as sequências a partir do vírus HIV rebote e do DNA do trato GI6. Isso sugere que o trato GI não é a fonte primária de viremia ressaltante pós-suspensão da TARC. Isto não excluiu a possibilidade de que uma população minoritária no trato GI pode contribuir para recuperar viremia. Sistema nervoso central O sistema nervoso central (SNC) com suas únicas células de longa vida, torna-se um reservatório persistente para avirêmicos, uma vez que a barreira hemato-encefálica limita o acesso aos tratamento antirretroviral (TARV) e a células imunes específicas anti-HIV. Astrócitos latentemente infectados e monócitos são reservatórios potenciais virais no cérebro, e o baixo nível de RNA do HIV foi demonstrado em fluido cerebrospinal em até 10% dos pacientes avirêmicos7. Os estudos sistemáticos de persistência do HIV no sistema nervoso central em pacientes sob TARV são escassos para uma definição do verdadeiro papel do SNC na persistência viral. Tecido linfoide Células T CD4+ contendo o DNA do HIV integrado circulam através do sangue e dos gânglios linfáticos, fazendo do tecido linfoide um importante reservatório do HIV, porém 27 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 pouco estudado. TARV8. Além disso, as células foliculares dendríticas (DC), ou outras células mieloides que residem nos centros germinativos, podem proporcionar uma fonte estável de replicação de vírus competente. Interações DC-células T podem contribuir para a susceptibilidade contínua de células T em repouso à infecção pelo HIV. Trato geniturinário O RNA do HIV é detectado no sêmen em 8-10% dos homens e na secreção do trato genital de 54% das mulheres9, sugerindo um reservatório residual no trato genital, embora a origem exata desse vírus permaneça desconhecida. Similar ao SNC, a penetração do TARV no trato geniturinário é limitada, e, no trato geniturinário masculino, especificamente no testículo, a barreira sangue-testículo também limita a entrada das células imunitárias. Em estudos in vitro foi demonstrado que o tecido testicular humano pode suportar a infecção pelo HIV produtiva, mas não se sabe se células infectadas pelo HIV persistem no testículo em pacientes sob TARV. O baixo nível de viremia plasmática Em um ensaio sensível à detecção do RNA do HIV no plasma abaixo de uma cópia/ml, detectou-se que 80% dos pacientes sob TARV supressivo têm nível baixo de plasmaviremia intermitente. O baixo nível de viremia tem duas fases de decaimento, com a segunda fase com uma meia-vida muito longa ou potencialmente longa (Plamer, et al., 2008). A origem e o significado do nível de viremia permanecem controversos. Vários estudos de intensificação do tratamento, utilizando antirretrovirais adicionais a partir de classes diferentes em pacientes sob supressão, demonstraram não haver mudança no baixo nível de viremia10. O baixo nível de viremia em pacientes sob TARV supressivo é muito estável, com a sequência existe pouca evolução e um clone claramente dominante persiste por muitos anos. Há dados conflitantes sobre a relação filogenética de baixo nível de plasma do RNA do HIV e do HIV, na circulação de células T CD4+. Foi observada uma semelhança muito pequena entre as sequências de baixo nível do RNA do HIV a partir de plasma e de DNA isolados, quer em células T CD4+ ou em monócitos, sugerindo que, o baixo nível de RNA de plasma pode ser derivado de uma fonte diferente. Outro estudo, no entanto, descobriu que as sequências a partir da baixa viremia e de vírus infeccioso isolado a partir de células T CD4+ em repouso eram idênticos, sugerindo que uma população minoritária de circulação de células T CD4+ latentemente infectadas pode ser a fonte da baixa carga viral no plasma11. Outro grande estudo transversal recente mostrou que não houve correlação entre baixo nível de plasma no RNA e no DNA do HIV em PBMC, e nenhuma correlação entre baixa viremia e marcadores de ativação de células T12. Na replicação residual do vírus, é possível que o HIV persista em pacientes sob TARV, mesmo quando a carga viral seja inferior ao nível de detecção. Evidência de replicação viral persistente inclui a redução do RNA do HIV no tecido após intensificação com raltegravir13, e pela existência de maior concentração de HIV nas células CD4+ ativadas quando comparadas com as células em repouso do trato GI. As evidências para a replicação viral e contra a contínua nos diversos tecidos e células estão resumidas na tabela 1. 28 Imunologia Tabela 1. Tecidos e células reservatórios do HIV-1 Tecidos santuários Células santuárias Linfoides Célula T CD4+ Linfoides associados à mucosa Memória em repouso SNC Macrófagos Líquido cérebro-espinhal Células microgliais Órgãos genitais Células de Langherans A replicação em curso pode ocorrer como resultado de transferência célula-célula de vírus; porém, a inibição da transmissão célula-célula do HIV por TARV é muito menos eficiente do que a inibição da infecção de células livres. Esses intrigantes dados in vitro serão difíceis de confirmar nos pacientes, mas proporcionam um mecanismo potencial sobre como o vírus pode persistir e replicar na presença de TARC. Manutenção de latência A meia-vida do reservatório latente foi inicialmente estimada em 44 meses, uma consequência do tempo médio de células memória T em repouso. Recentes evidências, no entanto, sugerem que outros fatores podem contribuir para a persistência de células infectadas de forma latente, incluindo supressão ativa de ativação das células T, proliferação homeostática, e/ou ativação imune. Reguladores negativos da ativação de células T Em pacientes infectados pelo HIV com TARV supressivo, células T CD4+ que expressam PD-1, um regulador negativo da ativação das células T, têm níveis significativamente mais elevados de DNA integrado do HIV que as células que não expressam PD-1. Além disso, a inibição da PD-1, por incubação com anti-PD-1 ou pelo anticorpo para PDL-1 levou à libertação de vírus a partir de células CD4+ em repouso células T de pacientes avirêmicos. Isso sugere que a PD-1 ativamente suprime a produção de vírus a partir de células infectadas de forma latente. DCs ou monócitos podem desempenhar um papel crítico, desde que expressam os ligantes para PD-1 (PDL-1 e PDL-2), bem como ligantes para outros reguladores negativos, incluindo CTLA-4 e Tim-3. Ativação imune A ativação imune contribui para a persistência do HIV em pacientes avirêmicos, facilitando rodadas contínuas de replicação e reposição de células infectadas da forma latente, embora a 29 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 evidência direta seja limitada. Em pacientes avirêmicos, houve uma associação significativa entre a frequência de células T CD8+ ativadas e o DNA do HIV em biópsias do sigmoide. No sangue periférico, em contraste ao tecido, os marcadores de ativação de células T (definida por CD38+), bem como marcadores de plasma de ativação imunitária incluindo a interleucina 6 (IL-6), receptor de fator de necrose tumoral (TNF) solúvel 1, D-dímero, ou proteína C reativa (PCR) não foram correlacionados à baixa viremia ou à concentração de DNA do HIV em células T CD4+. Outros tecidos, como linfonodo e medula óssea, devem ser agora avaliados para determinar se a associação entre a ativação imunitária e reservatório é específica de cada tecido. Conclusões Apesar dos múltiplos avanços em nosso entendimento de como o HIV persiste em pacientes sob TARV, a perspectiva de eliminar todas as células infectadas de forma latente permanece indefinida. Sabemos de múltiplos agentes que podem ativar as células infectadas de forma latente in vitro, e muitos desses compostos foram já demonstrados seguros em humanos em tratamento sob condições não relacionadas ao HIV. Ainda não temos dados suportando o conceito de que a ativação de células infectadas de forma latente é possível in vivo, nem se esta abordagem pode alterar a latência do HIV. Embora seja altamente provável que a combinação de várias estratégias seja necessária para eliminar todas as células infectadas latentes. Apesar dos grandes desafios científicos que enfrentamos para definir as estratégias para a cura da infecção pelo HIV, esse desafio deve ser enfrentado em diversas frentes, incluindo a pesquisa básica e a aplicada. Bibliografia 1.Smith MZ, Wightman F, Lewin SR. Lewin. HIV Reservoirs and Strategies for Eradication. Curr HIV/AIDS Rep. 2012;9:5-15. 2. Chomont N, El-Far M, Ancuta P, et al. HIV reservoir size and persistence are driven by T cell survival and homeostatic proliferation. Nat Med. 2009;15:893-900. 3. Carter CC, Onafuwa-Nuga A, McNamara LA, et al. HIV-1 infects multipotent progenitor cells causing cell death and establishing latent cellular reservoirs. Nat Med. 2010;16:446-51. 4. Churchill MJ, Wesselingh SL, Cowley D, et al. Extensive astrocyte infection is prominent in human immunodeficiency virusassociated dementia. Ann Neurol. 2009;66:253-8. 5.Yukl SA, Gianella S, Sinclair E, et al. Differences in HIV burden and immune activation within the gut of HIV-positive patients receiving suppressive antiretroviral therapy. J Infect Dis. 2010;202:1553-61. 6. Lerner P, Guadalupe M, Donovan R, et al. Gut mucosal viral reservoir in HIV infected patients is not the major source of rebound plasma viremia following HAART interruption. J Virol. 2011;85:4772-82. 7.Edén A, Fuchs D, Hagberg L, et al. HIV-1 viral escape in cerebrospinal fluid of subjects on suppressive antiretroviral treatment. J Infect Dis. 2010;202:1819–25. 8.Siliciano RF, Greene WC. HIV latency. Cold Spring Harb Perspect Med. 2011;1(1):a007096. 9.Cu-Uvin S, DeLong AK, Venkatesh KK, et al. Genital tract HIV-1 RNA shedding among women with below detectable plasma viral load. 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Nat Med. 2010;16:460–5. 30 Capítulo 4 Infecções oportunistas Unaí Tupinambás, Helena Duani e Isadora Sofia Borges Saraiva Introdução Com a introdução da terapia antirretroviral combinada (TARV) desde o final dos anos 90, a incidência de infecções oportunistas (IO) em pacientes com HIV/AIDS vem reduzindo acentuadamente. Além desse fato, a crescente melhora da biodisponibilidade e a tolerância aos antirretrovirais subsequentes estão melhorando sobremaneira a efetividade dos esquemas terapêuticos1. Algumas doenças oportunistas foram reduzidas drasticamente em relação à era pré‑terapia antirretroviral combinada2, é o caso da retinite por citomegalovírus (CMV) e infecção pelo complexo Micobacterium avium intracelulare (MAC), por exemplo. A TARV não só diminuiu a incidência de IO como também mudou sua história natural. Raramente é necessário o uso de antivirais de manutenção para tratamento de retinite por CMV em pacientes virgens da TARV bem como o uso de antifúngicos de manutenção para tratamento dessas condições sistêmicas (cryptococose disseminada, p. ex.). No entanto, o sucesso terapêutico vem sendo contrabalançado pelo retardo do diagnóstico da infecção do HIV. Vários estudos mostram que a mediana da contagem de linfócitos CD4+ no momento do diagnóstico e no início da TARV é menor do que 350 cel/mm3 3,4. Portanto, a maioria dos pacientes que desenvolve doenças oportunistas não sabia da sua condição sorológica. Sendo assim, temos que manter a exatidão nos diagnósticos diferenciais da IO, lembrando que pode estar presente mais de uma IO no momento do diagnóstico da infecção pelo HIV. A abordagem do paciente com IO deve respeitar a origem do paciente bem como sua condição imune (Tabela 1). Pacientes provenientes de áreas onde ocorrem endemias por doenças negligenciadas (por exemplo, tuberculose [TB], leishmaniose, doença de Chagas) têm maior chances de reativar essas infecções. Outra consequência do início tardio da TARV é a maior chance de ocorrer a síndrome inflamatória de reconstituição imune (SIRI), que é uma reação paradoxal ao início da TARV. O paciente apresenta uma relativa piora do quadro clínico com exacerbação dos sintomas e dos sinais de uma IO subclínica. Nesse caso, devemos estar atentos quanto 31 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 1. Infecções oportunistas mais frequentes de acordo com a faixa de linfócito T CD4+ Qualquer contagem de linfócito T CD4+ TB pulmonar, sarcoma de Kaposi, pneumonia bacteriana < 350 cel/mm3 Candidíase esofageana, HZV < 100 cel/mm3 Toxoplasmose cerebral, TB disseminada, cryptococose < 50 cel/mm3 Retinite por CMV, MAC ao diagnóstico, e, geralmente, o paciente tem um bom prognóstico, não refletindo falha terapêutica. Um dos fatores de risco para a presença dessa síndrome é carga viral elevada e redução acentuada após a introdução da TARV, bem como pacientes com contagem de linfócito T CD4+ abaixo de 200 cel/mm3 5. Tuberculose A epidemia do HIV em países endêmicos para TB tem acarretado aumento significativo de sua incidência. A TB é a maior causa de morte entre pessoas com HIV, sendo a taxa de óbito na coinfecção de até 20%. Em pacientes com HIV, a apresentação clínica da TB é influenciada pelo grau de imunossupressão, e a investigação diagnóstica é semelhante à da população geral. A coleta de escarro para baciloscopia, cultura, identificação da espécie e realização de teste de sensibilidade deve ser realizada como rotina. A cultura de outras secreções (formas extrapulmonares), as hemoculturas para micobactérias e fungos, a punção aspirativa e a biópsia de medula óssea devem ser realizadas nos casos de TB disseminada. Sempre que forem realizadas biópsias de tecido, devem ser feitos exame direto, cultivo para bactérias, fungos e micobactérias e histopatológico (com achados que variam desde uma inflamação granulomatosa típica até granulomas frouxos ou ausentes). Nas formas pulmonares em pacientes com linfócitos T CD4+ > 350 cel/mm3, a apresentação clínica é semelhante a pacientes não infectados, sendo a TB delimitada aos pulmões e radiografia de tórax com infiltrado em lobos superiores com ou sem cavitação ou derrame pleural. Pacientes com HIV e TB pulmonar tendem a apresentar mais comumente perda de peso e febre e menos tosse e hemoptise. Uma apresentação pulmonar atípica é frequente na coinfecção e é sinal sugestivo de imunodeficiência avançada, sendo comum a presença apenas de infiltrado em segmentos inferiores e/ou linfadenomegalias hilares, melhores evidenciados na tomografia computadorizada (TC) de tórax. Nas formas extrapulmonares nos exames de imagem, podem ser identificadas hepatomegalia, esplenomegalia ou linfadenomegalias abdominais, guiando os locais para biópsia. O tratamento da TB em pessoas com HIV segue as mesmas recomendações para os não infectados, tanto nos esquemas quanto na duração total do tratamento (Tabela 2). O uso concomitante de vitamina B6 (40 mg/dia) é recomendado pelo maior risco de neuropatia periférica. Na TB 32 Infecções oportunistas Tabela 2. Recomendações para o tratamento da TB Situação Recomendação TB cavitária e virgem de tratamento para TB e HIV – 2 meses RHZE* + 4 meses RH† – Contagem de linfócitos T CD4+ e carga viral após 30 dias de tratamento. Iniciar TARV com um dos seguintes esquemas: • 2 ITRN + EFZ (preferencial) • 3 ITRN (alternativo) TB pulmonar não cavitária ou formas extrapulmonares e virgem de tratamento para TB e HIV – 2 meses RHZE + 4 meses RH – Iniciar TARV a partir de 30 dias de tratamento antituberculose – Com um dos seguintes esquemas: • 2 ITRN + EFZ (preferencial) • 3 ITRN (alternativo) TB (casos novos, tratamento por recidiva ou retorno após abandono), experimentados em TARV – 2 meses RHZE + 4 meses RH – Adequar TARV: • 2 ITRN + EFZ • 2 ITRN + SQV/RTV • 3 ITRN Meningoencefalite tuberculosa – 2 meses RHZE + 6 meses RH + corticoterapia – Iniciar ou substituir a TARV por: • 2 ITN + EFZ • 2 ITRN + SQV/RTV • 3 ITRN Suspeita de TB multirresistente ou falência ao esquema básico – Solicitar cultura, identificação e teste de sensibilidade. Manter esquema básico até recebimento do teste de sensibilidade. Encaminhar aos serviços de referência se necessário Intolerância a dois ou mais fármacos antituberculose do esquema básico – Discutir o caso ou encaminhar para unidade de referência *RHZE: rifampicina 150 mg, isoniazida 75 mg, pirazinamida 400 mg, etambutol 275 mg; 20 a 35 kg: 2 comprimidos, 36 a 50 kg: 3 comprimidos, > 50 kg: 4 comprimidos. †RH: 20 a 35 kg: 2 comprimidos de 150/75 mg, 36 a 50 kg: 3 comprimidos de 150/75 mg, > 50 kg: 4 comprimidos de 150/75 mg. ativa, é indicado o início da TARV independentemente do resultado da contagem de linfócitos T CD4+6. Neurotoxoplasmose A neurotoxoplasmose (NTX) é causada pelo protozoário Toxoplasma gondii. Nos pacientes com AIDS, é decorrente da reativação de cistos de infecção latente e está relacionada diretamente à prevalência de soropositividade para toxoplasmose, ao grau de imunossupressão 33 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 e ao uso ou não de profilaxia. Estima‑se que 20‑47% dos pacientes com AIDS infectados pelo toxoplasma desenvolverão NTX se não estiverem em uso de profilaxia e/ou TARV7. No Brasil, a prevalência de anticorpos para toxoplasma na população adulta varia de 50 a 80%8. A NTX acomete pacientes com CD4+ < 200 cel/mm3 e se manifesta com início agudo ou subagudo de cefaleia, alteração de estado mental, déficit neurológico focal e febre que, na ausência de tratamento, progride até o aparecimento de convulsões, estupor e coma. A tomografia crânio‑encefálica revela lesões expansivas com edema, captação de contraste em anel, geralmente múltiplas e localizadas nos lobos frontal e parietal, tálamo e gânglios da base. A ressonância magnética (RM) é mais sensível e deve ser solicitada quando a tomografia mostrar lesão única ou pouco sugestiva. A ausência de anticorpos para o toxoplasma torna o diagnóstico improvável, mas não impossível3. O tratamento é feito com a associação de sulfadiazina (500‑1.500 mg 6/6h), pirimetamina (200 mg/dia no 1.o dia e depois 50 a 100 mg/dia) e ácido folínico (15 mg/dia). O uso de clindamicina (600 mg 6/6h) é uma alternativa à sulfadiazina. O tratamento é mantido por 6 a 8 semanas, seguido de terapia de manutenção (sulfadiazina 500 mg 6/6h ou clindamicina 600 mg 8/8h + pirimetamina 25 mg/dia) até CD4+ > 200 cel/mm3. A profilaxia primária é feita com sulfametoxazol‑trimetoprim (SMX‑TMP) 800/160 mg/dia para os pacientes com CD4+ < 100 cel/mm3 até que a contagem de CD4 se eleve para > 200 cel/mm3 de forma sustentada9,10. Pneumonia bacteriana A pneumonia bacteriana pode ser a primeira manifestação da infecção pelo HIV e acomete pacientes em qualquer estágio da doença, sendo mais grave nos pacientes com imunossupressão avançada. Os agentes etiológicos são semelhantes aos causadores de pneumonia comunitária nos pacientes imunocompetentes, mas podem ser encontrados com maior frequência as Pseudomonas aeruginosa e os Staphylococcus aureus. As bactérias mais frequentes são o Streptococcus pneumoniae e o Haemophilus influenzae. Outra diferença em relação aos pacientes não portadores do HIV é a maior frequência de bacteremia secundária à pneumonia. O diagnóstico e o tratamento devem seguir as mesmas recomendações do tratamento para pacientes imunocompetentes. É importante lembrar o diagnóstico diferencial com outras IO respiratórias e na possibilidade de TB pulmonar associada9,10. Candidíase A candidíase orofaríngea/esofageana é reconhecida como um marcador de imunossupressão e é muito comum em pacientes portadores do HIV, principalmente naqueles com CD4+ < 200 cel/mm3. Já a candidíase vulvovaginal é comum também nas mulheres imunocompetentes, não sendo indicadora de imunossupressão. O acometimento orofaríngeo se caracteriza por placas brancas cremosas semelhantes à coalhada que podem estar localizadas na língua, no palato e na orofaringe. Elas são 34 Infecções oportunistas facilmente descoladas com a ajuda de um abaixador de língua, deixando a superfície eritematosa e dolorosa, o que diferencia essas lesões da leucoplasia pilosa oral. As placas consistem em uma pseudomembrana formada pela cândida, células epiteliais descamadas, leucócitos, bactérias, queratina, tecido necrótico e debris alimentares. Manifestações menos comuns são a queilite angular e a candidíase oral atrófica crônica. A candidíase esofageana geralmente se manifesta com odinofagia e queimação retroesternal. Ocasionalmente pode ser assintomática. O exame endoscópico mostra as placas brancas típicas, que podem progredir para a ulceração da mucosa com exsudato brancacento. O diagnóstico da candidíase oral é feito clinicamente na maioria dos casos. Se necessário, pode ser feito o exame microscópico das placas, que irá mostrar hifas, pseudohifas e células leveduriformes. A cultura pode ser feita para identificação da espécie, mas não define o diagnóstico, já que esse fungo pode fazer parte da microbiota oral normal. O diagnóstico definitivo da candidíase esofageana é histopatológico e microbiológico, através do exame dos fragmentos da mucosa. É importante lembrar que, nos pacientes com imunossupressão avançada, é comum a associação da esofagite por cândida à esofagite por CMV e à herpes simples. Fluconazol oral é considerado o tratamento de escolha, sendo superior aos tratamentos tópicos. É geralmente bem tolerado e se indica a dose de 100 a 200 mg por dia durante 7 a 14 dias para o tratamento da candidíase orofaríngea. Nos casos iniciais e leves de candidíase oral, pode‑se optar pelo tratamento tópico com pastilhas de clotrimazol cinco vezes ao dia ou nistatina solução oral quatro vezes ao dia. Nos casos recorrentes e com acometimento mais intenso, sempre preferir o antifúngico sistêmico. Para a candidíase esofageana, indica‑se sempre antifúngico sistêmico. A primeira escolha nos pacientes que toleram medicação via oral (VO) é o fluconazol na dose de 200 a 400 mg por dia durante 14 a 21 dias. Outras opções para o tratamento são a anfotericina B deoxicolato 0,3 a 0,7 mg/kg/dia, itraconazol 200 mg/dia, voriconazol 200 mg duas vezes ao dia ou uso de equinocandinas. A candidíase vulvovaginal pode ser tratada com dose única oral de fluconazol 150 mg. Não se recomenda profilaxia primária ou secundária, já que se trata de doença com baixa mortalidade e com tratamento bastante eficaz. No entanto, em casos graves e recorrentes, a profilaxia secundária pode ser feita com fluconazol oral três vezes por semana9,11,12. Histoplasmose A histoplasmose é uma doença infecciosa grave quando acomete pacientes com AIDS em fase avançada (geralmente CD4+ < 100 cel/mm3) e apresenta grande morbidade e mortalidade em áreas endêmicas. A transmissão do histoplasma ocorre pela inalação dos esporos do solo, que pode levar à infecção aguda ou ao desenvolvimento da doença anos depois da exposição, pela reativação de um foco latente. Em geral, pacientes coinfectados com HIV e histoplasma desenvolvem a histoplasmose disseminada (HD), que causa febre alta, sudorese noturna, emagrecimento e caquexia, hepatoesplenomegalia, 35 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 adenopatia, pancitopenia, níveis de lactato desidrogenase (LDH) elevados e um infiltrado intersticial difuso ou reticulonodular à radiografia de tórax. O método diagnóstico mais sensível para HD é a detecção do antígeno de histoplasma no sangue, urina, líquor ou lavado broncoalveolar. O exame mais simples e mais barato é a microscopia direta, podendo também ser realizada a cultura. O diagnóstico diferencial deve ser feito na TB, pneumocistose e leishmaniose visceral. Para pacientes com HD grave e progressiva é recomendada a terapia de indução com anfotericina B lipossomal ou complexo lipídico na dose de 3‑5 mg/kg/dia por uma a três semanas. O itraconazol é o fármaco de escolha na terapia de manutenção na dose de 200 mg três vezes ao dia por três dias e, posteriormente, 200 mg duas vezes ao dia, por pelo menos um ano e até CD4+ superior a 150 cel/mm3. Em pacientes com AIDS e doença leve, sem acometimento do sistema nervoso central (SNC), pode ser usado somente o itraconazol. Para os pacientes com acometimento do SNC é recomendado o uso de anfotericina B lipossomal (5 mg/kg/dia) por quatro a seis semanas com manutenção posterior com itraconazol até melhora dos parâmetros liquóricos. A TARV deve ser iniciada assim que possível para melhorar a imunidade celular9,11. Cryptococcus neoformans A criptococose é uma infecção fúngica invasiva causada pelo Cryptococcus neoformans sendo a meningoencefalite a forma mais frequentemente encontrada em pacientes com HIV/AIDS. A incidência de meningite criptocóccica tem diminuído em pacientes em uso de TARV; entretanto, a doença permanece como a principal causa de mortalidade nos países desenvolvidos. Os sintomas mais comuns são febre, prostração e cefaleia. Outros sintomas que sugerem doença disseminada podem estar presentes incluindo tosse, dispneia e rash cutâneo. Os preditores de mortalidade incluem alteração do estado mental, título antigênico no líquor superior a 1:1024 e uma pleocitose menor do que 20 cel/mm3. A pressão de abertura (PA) pode ser bastante elevada em pacientes com AIDS, com quase 70% dos pacientes com PA > 20 cmH2O. O diagnóstico definitivo é feito pelo achado do fungo na cultura do líquor. A dosagem de antígeno positivo no líquor ou sangue sugere fortemente a presença da infecção, o que pode ser feito imediatamente sem necessidade de esperar o resultado da cultura. Antes de se fazer a punção lombar, deve ser realizada uma tomografia do SNC para excluir lesões expansivas. A meningoencefalite criptocóccica é fatal se não tratada. O tratamento consiste em três fases: indução, consolidação e manutenção. É recomendada anfotericina B na dose de 0,7 mg/kg/dia e flucitosina (100 mg/kg/dia em 4 doses) durante as duas semanas de indução. Uma dose alta de fluconazol (400 mg/dia VO) deve ser iniciada durante a fase de consolidação até 8 semanas de tratamento e, posteriormente, a terapia de manutenção com fluconazol 200 mg/dia deve ser feita por pelo menos 1 ano. Os pacientes com HIV podem desenvolver SIRI, com piora neurológica durante o início da TARV, o que pode levar à grande morbidade e mortalidade devido ao aumento da pressão intracraniana. A suspensão da terapia de manutenção com fluconazol pode ser considerada para pacientes que responderem à TARV com um aumento sustentado dos linfócitos T CD4+ acima de 100 cel/mm3 e que estejam assintomáticos13. 36 Infecções oportunistas Leucoencefalopatia multifocal progressiva A leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP) é uma doença desmielinizante do SNC, rara e frequentemente fatal, causada pela reativação do poliomavírus JC. É importante causa de IO em pacientes infectados com HIV/AIDS com contagem de linfócitos T CD4+ inferior a 200 cel/mm3, com prevalência de mais de 5% nessa população. Os sintomas incluem déficits neurológicos subagudos, alteração do estado mental, diplopia, hemianopsia, mono ou hemiparesias e ataxia. Os sintomas podem surgir após a introdução da TARV ou piorarem devido à SIRI. A RM do SNC é o exame de escolha e pode‑se observar um processo multifocal limitado à substância branca que não se relaciona a territórios vasculares, sem efeito de massa, sem captação de contraste e com sinal hiperintenso em T2. O diagnóstico diferencial de LEMP inclui encefalopatia do HIV e linfoma primário do SNC. A biópsia das lesões é o padrão ouro para o diagnóstico, mas está associada a alta morbidade e mortalidade. Em pacientes com manifestações neurológicas e lesões sugestivas na RM, pode‑se estabelecer o diagnóstico através da detecção do DNA do vírus JC no líquido cefalorraquidiano por PCR. Não há tratamento específico ou profilaxia para LEMP. O principal objetivo é a supressão viral do HIV e a reconstituição imune através do uso da TARV. Para pacientes que desenvolvem deterioração neurológica e evidência clínica ou radiológica de edema cerebral associado à LEMP, podem‑se usar altas doses de corticoterapia sem interrupção da TARV. Entretanto, o uso de corticosteroides na LEMP/SIRI permanece controverso14. Pneumocystis jirovecii A pneumonia pelo fungo Pneumocystis jirovecii (PCP) ainda é a IO mais comum em pacientes infectados pelo HIV. Pode‑se suspeitar de PCP em paciente com quadro subagudo de tosse seca, febre baixa e dispneia. Na radiografia de tórax, observa‑se um infiltrado intersticial difuso perihilar e, menos comumente, pneumotórax. Na TC de tórax, o padrão em vidro fosco é o mais frequentemente observado. A sensibilidade do exame direto do escarro induzido é de 50 a 90% e o lavado broncoalveolar pode ser positivo vários dias após o início do tratamento. O tratamento é feito preferencialmente com SMX‑TMP na dose de 15 mg/kg/dia de TMP por 21 dias. Se a gasometria arterial mostrar uma pressão parcial de oxigênio menor que 70 mmHg (Tabela 3), ou um gradiente alvéolo‑arterial de 35 mmHg ou mais, deve‑se acrescentar prednisona 40 mg duas vezes ao dia durante cinco dias, seguido de prednisona 40 mg/dia durante cinco dias e de prednisona 20 mg/dia durante 11 dias. A TARV deve ser iniciada, se possível, dentro de duas semanas após o início da terapia para PCP9,11,15. Complexo Micobacterium avium O MAC é composto por duas micobactérias não tuberculosas, M. avium e M. intracellulare. A doença disseminada causada por essas micobactérias é uma IO importante nos 37 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 3. Fármacos para o tratamento e profilaxia de PCP Medicação Dose para tratamento Profilaxia SMX‑TMP PaO2 > 70 mmHg: VO 1.600 mg + 320 mg de 8/8h PaO2 < 70 mmHg: 15 mg/kg/dia de TMP IV de 6/6h 800 + 160 mg/dia ou 3/semana Pentamidina 4 mg/kg/dia IV Aerossol: 300 mg/mês Atovaquona 750 mg VO 12/12h 1.500 mg VO/dia TMP + dapsona TMP: 5 mg/kg VO de 8/8h Dapsona: 100 mg/dia VO Dapsona: 50‑100 mg 2/dia* Primaquina + clindamicina Primaquina: 15‑30 mg/dia Clindamicina: 600 mg IV 8/8h ou 300‑450 mg VO 6/6h *Associar pirimetamina e ácido folínico para profilaxia de toxoplasmose. pacientes com AIDS e CD4+ < 50 cel/mm3. Estima‑se que, na ausência de TARV ou profilaxia, 20‑40% dos pacientes com AIDS desenvolverão infecção disseminada pelo MAC. Os sintomas são febre, sudorese noturna, emagrecimento, astenia, diarreia e dor abdominal. Pode haver hepatoesplenomegalia e linfadenomegalia. Exames laboratoriais geralmente revelam anemia e elevação de fosfatase alcalina. Acometimento pulmonar concomitante é possível, mas pouco comum. Os sintomas podem ser exacerbados após o início da TARV devido à SIRI. O diagnóstico é feito através de cultura de sangue, medula óssea, baço, fígado e/ou linfonodo. A hemocultura tem boa sensibilidade, sendo a responsável pelo diagnóstico em mais de 90% dos casos. O tratamento é feito com a combinação de dois ou três fármacos, sempre incluindo um macrolídeo. A claritromicina traz uma resposta mais rápida na negativação de hemoculturas, mas a azitromicina também é uma boa opção. O segundo fármaco deve ser o etambutol e o terceiro, se adicionado, deve ser rifabutina ou rifampicina. O tratamento poderá ser suspenso após 12 meses se o CD4+ for maior do que 100 cel/mm3 por mais de seis meses. Recomenda‑se profilaxia primária em pacientes com CD4+ < 50 cel/mm3 usando‑se azitromicina na dose de 1.200 mg/semana ou claritromicina 100 mg 12/12h até CD4+ > 100 cel/mm3 9,11,15. Citomegalovírus O CMV pertence à família Herpes vírus e é a IO viral mais frequente. Acomete os portadores de AIDS com imunossupressão avançada (CD4+ < 50 cel/mm3), nos quais a 38 Infecções oportunistas doença geralmente é decorrente de reativação. A manifestação mais comum é a retinite pelo CMV, inicialmente unilateral, mas com disseminação contralateral frequente na ausência de tratamento. O diagnóstico se baseia na aparência da lesão, uma retinite necrotizante com aspecto algodonoso branco‑amarelado com ou sem áreas de hemorragia. A encefalite pelo CMV se apresenta de forma semelhante à demência pelo HIV, com piora cognitiva progressiva, rápida, com ou sem sinais focais. A RM do encéfalo mostra realce periventricular. Pode haver ainda polirradiculopatia, mielite e neuropatia periférica associadas ao CMV. A punção lombar mostra aumento moderado de proteína, polimorfonucleares e glicose discretamente diminuída. O diagnóstico é feito por PCR, cultura ou detecção do antígeno no líquido cefalorraquídeo (LCR). O CMV pode causar doença em todo trato gastrointestinal (TGI), mais comumente no esôfago e no cólon. Os sintomas da esofagite são febre, odinofagia, queimação retro‑esternal, náuseas e vômitos. A endoscopia mostra múltiplas úlceras rasas distais. Na colite, há febre baixa, dor abdominal, tenesmo, diarreia e hematoquezia. A colonoscopia também revela úlceras. O diagnóstico é confirmado por biópsia das lesões, que mostra destruição tecidual e as típicas inclusões intracitoplasmáticas. O tratamento é feito com ganciclovir intravenoso (IV) 5 mg/kg duas vezes ao dia de duas a três semanas, seguido de manutenção na dose de 6 mg/kg/dia cinco vezes por semana até CD4 > 100 cel/mm3. Outras opções são o foscarnet, valganciclovir e cidofovir9,11,16. Epstein‑Barr O vírus Epstein‑Barr (EBV) é um herpes vírus amplamente disseminado em todo o mundo e é transmitido pelo contato entre pessoas suscetíveis. Aproximadamente 90% dos adultos são soropositivos para EBV. Como outros membros da família Herpesviridae, o EBV tem uma fase de latência, podendo infectar os linfócitos B e T, as células epiteliais e os miócitos. É o agente etiológico da mononucleose e também está associado ao desenvolvimento de linfomas de células B e T, ao linfoma de Hodgkin e ao carcinoma de nasofaringe. A leucoplasia pilosa oral (LPO) é uma manifestação mucocutânea do EBV que geralmente afeta a parte lateral da língua e está associada à infecção pelo HIV. As lesões são placas brancas, enrugadas e indolores que, diferentemente da cândida, não podem ser removidas da superfície. O uso da TARV tem diminuído a incidência de LPO. A LPO não é considerada uma lesão pré‑maligna. O diagnóstico é clínico, e a sorologia não está indicada. O tratamento pode ser feito com zidovudina, aciclovir, foscarnet e podofilina ou isotretinoína tópica, mas, em geral, não existe indicação de tratamento além do uso da TARV. O EBV também está associado ao linfoma não‑Hodgkin (LHN) em pacientes infectados com HIV. O LHN ocorre aproximadamente 60 a 100 vezes mais em pacientes com HIV, e o EBV está relacionado a 66% dos casos de LHN em pacientes com HIV. O LNH é uma manifestação tardia nos pacientes com HIV e, em geral, se apresenta como linfoma primário do SNC9,11,17. 39 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 4. Doses de aciclovir para o tratamento de varicela, herpes‑zóster leve e grave Situação clínica Tratamento Varicela Aciclovir 10‑12 mg/kg IV 8/8h por 5 dias Herpes‑zóster leve Aciclovir 800 mg VO 5 vezes/dia por 7 dias Herpes‑zóster grave* Aciclovir 10‑12 mg/kg IV 8/8h por 7‑14 dias *Acometimento de mais de 1 dermátomo, nervo trigêmeo ou disseminada. Vírus varicela‑zóster A infecção pelo vírus varicela‑zóster (VZV) é a causa de duas formas distintas de doença: a varicela ou catapora, que cursa com um rash cutâneo vesicular difuso, e o herpes zóster (HZ), que é a reativação do vírus neurotrópico, ocasionando lesões vesiculares dolorosas, unilaterais e restritas a um ou mais dermátomos. A reativação parece ser influenciada pela imunossenescência, doenças imunodepressoras ou imunossupressão iatrogênica. Os dermátomos torácicos e lombares são os mais comumente acometidos. Pacientes com HIV podem desenvolver lesões disseminadas. A complicação mais importante do HZ é a neuralgia pós‑herpética, outras complicações incluem o HZ oftálmico, meningite asséptica e encefalite. Pacientes com HIV estão em risco para o acometimento cutâneo e visceral disseminado. O diagnóstico pode ser feito clinicamente ou através de cultura viral, sorologias e PCR. O principal diagnóstico diferencial deve ser feito com o herpes simplex. A terapia antiviral visa promover uma diminuição do tempo da doença, com desaparecimento mais rápido das lesões, diminuição da dor e da gravidade da neuralgia pós‑herpética. Todos os pacientes com HIV devem ser tratados com terapia antiviral mesmo para episódios de HZ não complicados, independentemente da idade. O antiviral de escolha é o aciclovir nas doses assinaladas na tabela 49,11. Sífilis A sífilis é uma doença sexualmente transmissível (DST) causada pelo Treponema pallidum ainda muito prevalente em nosso meio. Nos pacientes portadores de AIDS, a história natural da doença é acelerada e aumenta o risco de complicações, com acometimento do SNC em qualquer fase da doença. A neurossífilis pode se manifestar como meningite, doença parenquimatosa e uveíte ou ser assintomática, quando há apenas alterações do LCR (proteína aumentada, pleocitose mononuclear moderada ou Venereal Disease Research Laboratory [VDRL] positivo). O diagnóstico é feito através de testes sorológicos treponêmicos e não treponêmicos. O teste não treponêmico mais usado no Brasil é o VDRL, com sensibilidade de 80 a 100% na sífilis precoce. O VDRL apresenta negativação ou queda expressiva (< 1/8) após o tratamento, sendo útil como controle de cura e reinfecção. Há aumento de resultados 40 Infecções oportunistas Tabela 5. Esquemas comuns para o tratamento da sífilis Sífilis primária – Penicilina benzatina 2.400.000 UI IM em dose única – Doxiciclina 100 mg VO 2/dia por 14 dias – Ceftrixona 1 g/dia IM ou IV por 10 dias Sífilis tardia sem acometimento do SNC – Penicilina benzatina 2.400.000 UI IM/semana, por 3 semanas – Doxiciclina 100 mg VO 2/dia por 28 dias Neurossífilis – Penicilina cristalina 4.000.000 UI IV 4/4h por 10‑14 dias – Ceftriaxona 2 g/dia IV por 10‑14 dias falso‑negativos na sífilis tardia. Os testes treponêmicos (FTA‑ABS, ELISA ou TPHA) têm maior especificidade e permanecem positivos por toda a vida, indicando infecção prévia. O diagnóstico da neurossífilis depende da avaliação do LCR mas, quais pacientes devem ser submetidos à essa avaliação ainda é uma questão controversa. A maioria dos autores concorda que todos os pacientes sintomáticos, que apresentam falha terapêutica, CD4+ < 350 cel/mm3 ou com VDRL > 1/32 devem ser submetidos à punção lombar. A penicilina ainda é o tratamento de primeira escolha. As opções são doxiciclina, ceftriaxona e azitromicina. Os esquemas terapêuticos mais comuns estão na tabela 5. Todos os pacientes devem ser avaliados após o tratamento para controle de cura. Deve‑se solicitar VDRL anual para os pacientes portadores do HIV, com ou sem história de sífilis prévia9,11. Herpes simplex A infecção pelo vírus do herpes simplex (HSV) é um problema frequente para pacientes infectados com HIV. O HSV‑1 é transmitido pelo contato direto com mucosas e causa vesículas dolorosas periorais, em lábios, língua ou gengivas. O HSV‑2 é sexualmente transmissível e leva a úlceras ou vesículas no pênis, vagina, vulva e ânus. As lesões por HSV aumentam significativamente o risco de transmissão do HIV. Pacientes com infecção avançada pelo HIV (CD4+ < 200 cel/mm3) têm risco aumentado de doença recorrente e extensa. Em casos graves, podem ocorrer esofagite, colite, coriorretinite, necrose retiniana aguda, traqueobronquite, pneumonia e encefalite. O diagnóstico é clínico, mas, se houver dúvidas, poderá ser feito swab com cultura viral, que é o método padrão ouro. O diagnóstico de lesões em órgãos requer análise histológica. A encefalite por HSV é de difícil diagnóstico, e a análise do líquor em geral não é específica. A sorologia será útil somente se for negativa. A PCR para HSV é um método sensível (98%) e especifico (94%) para confirmar a encefalite. A PCR é positiva nas primeiras 24 horas dos sintomas e permanece positiva durante a primeira semana de tratamento. A citologia de Tzanck, que mostra o efeito citopático dos herpes vírus, pode ser realizada em pacientes com lesões ativas, mas tem uso limitado, pois só é útil se positiva. O tratamento pode ser realizado com aciclovir (primeira escolha), famciclovir ou valaciclovir. A terapia tópica tem pouco beneficio. As 41 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 doses de aciclovir utilizadas são as seguintes: encefalite: IV: 10 mg/kg/dose de 8/8h por 10 dias; mucocutânea grave: IV: 5 mg/kg/dose de 8/8h por 7 dias; oral: 400 mg 5 vezes por dia por 7 a 14 dias. O Center for Disease Control (CDC) recomenda terapia supressiva diária para pacientes com recorrência: aciclovir 400 mg VO duas vezes ao dia9,11. Infecções bacterianas entéricas: shiguella, salmonella e campylobacter A incidência de infecções entéricas por bactérias gram‑negativas é 20 a 100 vezes mais elevada em adultos infectados pelo HIV. As causas mais comuns entre adultos são Salmonella, Shigella e Campylobacter que, em geral, são adquiridas através da ingestão de alimentos ou água contaminados. A acloridria gástrica associada ao HIV e o uso de fármacos que diminuem a secreção gástrica podem facilitar a aquisição dessas infecções. Os sintomas podem variar desde uma gastroenterite autolimitada a formas mais graves, como uma diarreia sanguinolenta prolongada, com febre, perda de peso ou septicemia, ou sintomas extraintestinais com ou sem envolvimento gastrointestinal. Coprocultura e hemocultura devem ser solicitadas a todos os pacientes com HIV/AIDS. Para prevenção, deve‑se aconselhar a lavagem das mãos após o contato potencial com fezes humanas, animais de estimação e terra antes de preparar alimentos e de comer e antes e depois do sexo, além de evitar práticas sexuais desprotegidas que podem resultar em exposição oral de fezes. O tratamento de escolha para Salmonella é o ciprofloxacino por 7 a 14 dias, se a doença é leve e linfócitos T CD4+ > 200 cel/mm3, e por duas a seis semanas se linfócitos T CD4+ < 200 cel/mm3. A terapia para shigelose está indicada tanto para encurtar o tempo de duração da doença como para evitar a disseminação, com uma fluoroquinolona por três a sete dias. O tratamento ótimo para pacientes HIV positivos com Campylobacter ainda não é bem definido. Na doença leve, pode‑se optar pela observação dos sintomas clínicos e pelo tratamento posterior com ciprofloxacino ou um macrolídeo por sete dias, se não houver melhora. Pacientes com bacteremia devem ser tratados por mais de duas semanas e adicionado um segundo agente ativo (por exemplo, um aminoglicosídeo)9,11. Cryptosporidium, Isospora e Mycrosporidium Cryptosporidium, Isospora belli e Mycrosporidium são patógenos do trato gastrointestinal que acometem principalmente hospedeiros imunossuprimidos, especialmente os portadores de AIDS com CD4+ < 100 cel/mm³. Provocam diarreia de início agudo ou subagudo que tende a se tornar crônica, além da possibilidade de causarem doença em todo TGI e até em sítios à distância. As três espécies mais comuns de Cryptosporidium no homem são C. hominis, C. parvum e C. meleagridis. A transmissão é fecal‑oral ou pessoa‑pessoa entre Homens sexo com homens (HSH). Os sintomas são diarreia aquosa profusa, cólicas, náuseas, vômitos e má absorção. Febre pode estar presente em até um terço dos pacientes. Mais raramente há acometimento biliar com colangite esclerosante e com pancreatite e até infecção pulmonar. 42 Infecções oportunistas O diagnóstico é feito pela identificação dos oocistos nas fezes. O tratamento consiste no início imediato de TARV para recuperação imunológica até CD4+ > 100 cel/mm³, o que geralmente resolve a infecção. O uso de nitazoxanida é uma opção para o tratamento, mas tem alta taxa de falha terapêutica nesses pacientes. A dose recomendada é de 500 mg VO duas vezes ao dia por 14 dias. A isosporíase é transmitida pela ingestão dos oocistos esporulados de I. belli em água ou alimentos contaminados. Manifesta‑se com diarreia aquosa, dor abdominal, vômitos e febre baixa. O diagnóstico é feito por identificação do oocisto nas fezes, e o tratamento é feito com SMX‑TMP 800/160 mg 6/6h por 10 dias. Os microsporídios são microrganismos protistas semelhantes aos fungos que podem causar doença em humanos. A manifestação mais comum é a diarreia, mas também podem ser responsáveis por colangite, hepatite, encefalite, sinusite, miosite, infecção ocular e infecções disseminadas. O diagnóstico é feito pelo exame microscópico das fezes; porém, devido ao pequeno tamanho dos esporos, pode ser necessária realização de biópsia de intestino delgado. O tratamento mais efetivo é a recuperação imunológica com uso de TARV. O albendazol é efetivo contra várias espécies e é o fármaco de escolha para o tratamento inicial. O itraconazol pode ser usado nas infecções disseminadas9,11. Bibliografia 1.Moore RD, Bartlett JG. Dramatic Decline in the Large HIV‑1 RNA Level Over Calendar Time in a Large Urban HIV Practice. Clin Infect Dis. 2011;53(6):600‑4. 2.Brooks JT, Kaplan JE, Holmes KK, et al. HIV‑associated opportunistic infections‑going, going, but not gone: the continued need for prevention and treatment guidelines. Clin Infect Dis. 2009;48:609‑11. 3.Moreira RI, Luz PM, Struchiner CJ, et al. Immune status at presentation for HIV clinical care in Rio de Janeiro and Baltimore. J Acquir Immune Defic Syndr. 2011;57 Suppl 3:S171‑8. 4.Althoff KN, Gange SJ, Klein MB, et al. Late presentation for human immunodeficiency virus care in the United States and Canada. Clin Infect Dis. 2010;50(11):1512‑20. 5. Shelburme SA, Montes M, Hamill RJ. Immune reconstitution inflammatory syndrome: more answers, more question. J Antimicrob Chemother. 2006;57:167‑70. 6.Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. 2011. 7.Mandell GL. Mandell, Douglas, and Bennett’s Principles and Practice of Infectious Diseases. 7th Ed. Benett and Raphael Dolin, editors. Philadelphia, PA: Churchill Livingstone. 2010. 8.Focaccia R. Tratado de Infectologia. 4ª Edição. São Paulo: Editora Atheneu. 2010. 9. Morbidity and Mortality Weekly Report Guidelines for Prevention and Treatment of Oportunistic Infections in HIV‑Infected Adults and Adolescents. Recommendations form CDC, the National Institutes of Health, and the HIV Medicine Association of the Infections. HIV Medicine, 58. 10. Mandell LA, Wunderink RG, Anzueto A, et al. With Infectious Diseases Society of America; American Thoracic Society. Clin Infect Dis. 2007;44 Suppl 2:S27‑72. 11. Kaplan JE, Benson C, Holmes KH, et al. Guidelines for prevention and treatment of opportunistic infections in HIV‑infected adults and adolescents: recommendations from CDC, the National Institutes of Health, and the HIV Medicine Association of the Infectious Diseases Society of America. MMWR Recomm Rep. 2009;58(RR‑4):1‑207. 12.Pappas PG, Kauffman CA, Andes D, et al. Clinical practice guidelines for the management of candidiasis: 2009 update by the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2009;48(5):503‑35. 13. Perfect JR, Dismukes WE, Dromer F, et al. Clinical practice guidelines for the management of cryptococcal disease: 2010 update by the infectious diseases society of america. Clin Infect Dis. 2010;50:291‑322. 14.Tan CS, Koralnik IJ. Progressive multifocal leukoencephalopathy and other disorders caused by JC virus: clinical features and pathogenesis. Lancet Neurol. 2010;9:425‑7. 15.Thomas CF Jr, Limper AH. Pneumocystis pneumonia. N Engl J Med. 2004;350:2487‑98. 16. Whitley RJ, Jacobson MA, Friedberg DN, et al. Guidelines for the treatment of cytomegalovirus diseases in patients with AIDS in the era of potent antiretroviral therapy:recommendations of an international panel. International AIDS Society‑USA. Arch Intern Med. 1998;158:957. 17.Triantos D, Porter SR, Scully C, Teo CG. Oral hairy leukoplakia: clinicopathologic features, pathogenesis, diagnosis, and clinical significance. Clin Infect Dis. 1997;25(6):1392‑6. 43 Capítulo 5 Neoplasias associadas à AIDS Lauro Ferreira da Silva Pinto Neto, Maria da Conceição Milanez e Angélica Espinosa Miranda Introdução O câncer disputa atualmente, com a doença cardíaca isquêmica, a posição de maior causa de óbitos, devendo, em breve, ocupar o topo da lista de mortalidade global, segundo dados da Organização Mundial de Saúde. Esse fato deve‑se, em primeiro lugar, ao aumento da longevidade, que, a par da queda dos mecanismos moleculares naturais de defesa anticrescimento de células malignas, expõe as populações a efeitos aditivos de vários carcinógenos. Com a introdução de esquemas terapêuticos de alta potência (HAART), que permitem que os pacientes infectados pelo vírus HIV também alcancem o patamar dos longevos, bem como com a revitalização medicamentosa da vida sexual de idosos, com eventual risco de aquisição da AIDS, várias perguntas surgem com relação à incidência de câncer na população infectada pelo HIV que atinge idades mais avançadas. Haveria incidência de cânceres associados à progressão da idade semelhante à da população em geral? O tratamento antirretroviral (TARV) reduziria a incidência dos cânceres historicamente associados à deficiência da resposta imunitária, como o sarcoma de Kaposi (SK), considerado definidor de AIDS juntamente com linfomas não Hodgkin e câncer de colo uterino? O TARV teria algum efeito protetor, indutor ou complicador de neoplasias nas populações em uso prolongado do mesmo? Fatores clássicos de risco para câncer, como tabagismo, alcoolismo ou exposição prolongada ao sol teriam efeitos diferentes em pacientes HIV positivos? A evolução de tipos particulares de câncer e a resposta ao tratamento seguiriam os mesmos aspectos nas populações com ou sem o vírus HIV? A infecção pelo HIV interferiria com a patogênese tumoral ou vice‑versa? Aspectos epidemiológicos Mudanças no perfil epidemiológico Nos últimos anos, a expressiva melhoria das possibilidades terapêuticas fez‑se acompanhar de queda na incidência de neoplasias definidoras de AIDS (NDA) e do aumento 45 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 progressivo do diagnóstico de neoplasias não definidoras de AIDS (NNDA). O olhar atual volta‑se mais para a identificação dos fatores associados às NNDAs. Uma metanálise envolvendo 18 estudos, publicada em 2009, mostrou que pessoas infectadas pelo HIV tinham risco duplicado de desenvolver NNDA em relação à população em geral1, sendo que tais tumores já despontam como fator de risco independente para mortalidade2,3. A evolução histórica da AIDS não mostra apenas o aumento de longevidade, mas também mudanças no perfil do doente, passando progressivamente a incluir mais mulheres, bem como indivíduos das mais variadas etnias, classes sociais, profissões e hábitos de vida, e isso também vem contribuindo para a mudança no perfil do câncer associado à AIDS. Diferentes abordagens buscam esclarecer tais alterações. O Multicenter AIDS Cohort Study (MACS), por exemplo, envolveu apenas homens que fazem sexo com homens (HSH), HIV positivos e negativos, sendo um estudo prospectivo longo, abrangendo as eras pré e pós‑HAART. A avaliação dos dados, ao término de 23 anos, período em que se viu aumentar expressivamente o número de pessoas que vivem com o vírus, mostrou queda significativa na incidência de SK e de linfoma não Hodgkin (87 e 77%, respectivamente), após a era HAART, apesar de permanecerem ainda em níveis significativamente elevados em HSH, em comparação com a população em geral4. Essa observação sugere que a recuperação, ainda que parcial, da imunidade, na era HAART, reduz a incidência de tais tumores. A mesma tendência se observa em estudo baseado em registros de diversos estados americanos: comparando‑se o período 1991‑1995 (pré‑HAART) com o período 2001‑2005, o número estimado de NDA, no mais recente, caiu, no total, para cerca de 1/3 daquele do período anterior. Entretanto, linfomas não Hodgkin, seguidos de SK, ainda permanecem como os de maior incidência na população que vive com o HIV, nos EUA. Por outro lado, o número de NNDA mostrou incrementos de cerca de três vezes (Tabela 1). Dessa forma, o número de NDA e de NNDA praticamente se igualou na população soropositiva5. Os cânceres de pulmão, ânus, fígado e linfoma de Hodgkin perfizeram 50% do total de NNDA e representaram quantidade acima do previsto para os mesmos na população em geral. O câncer anal mostrou o maior incremento de casos, aparecendo em valores acima de sete vezes maior no período 2001‑2005, em relação ao período 1991‑1995, ocorrendo principalmente na população HSH4,5. Foi demonstrado que a incidência do câncer anal é maior nos indivíduos mais expostos a intercurso anal receptivo sem proteção4. Mais casos de câncer de próstata e colorretal também foram contabilizados na era pós‑HAART, e não parecem associar‑se ao vírus HIV, estando ainda 30 e 8%, respectivamente, abaixo da incidência da população em geral5. Há relatos de menor incidência do câncer de próstata em pacientes soropositivos. Shiels et al., porém, mostraram diferença apenas quando se comparam fases precoces da doença, onde o diagnóstico fica muito condicionado ao rastreamento feito pela dosagem do PSA, e esse seria menos realizado entre soropositivos6. Aspectos particulares se percebem, também, quanto ao câncer de mama nas mulheres com o vírus HIV. A incidência é mais baixa tanto no Ocidente como na África subsaariana7. Nos EUA, de 1980 a 2002, o risco para câncer de mama era 31% mais baixo em mulheres com AIDS8, embora os casos tenham aumentado em valores absolutos com o crescimento da população feminina com o HIV5. Foi levantada a possibilidade de que a sinalização via receptores CXCR4, que são detectados em células hiperplásicas e neoplásicas dos ductos mamários, induziria apoptose nas mesmas, em pacientes infectadas por vírus HIV com tropismo para esse correceptor8. 46 Neoplasias associadas à AIDS Tabela 1. Número estimado de cânceres em pessoas vivendo com AIDS em 50 estados e distrito nos EUA Câncer NDA SK Linfoma não Hodgkin Colo uterino Total de NDA NNDAs mais frequentes Pulmão Ânus Linfoma de Hodgkin Próstata Cavidade oral e faringe Colorretal Total de NNDA 1991 a 1995 2001 a 2005 21.483 12.778 327 34.587 3.827 5968 530 10.325 875 206 426 87 181 108 3.193 1882 1.564 897 759 503 438 10.059 Além da HAART, mudanças na epidemiologia do HHV‑8 também explicariam o declínio do SK. O número de casos de carcinoma cervical não caiu, mas a incidência sim. Maior número de NNDA deve‑se ao aumento da população americana com HIV, ao número dos que ultrapassam 40 anos de idade e à exposição a fatores de risco e imunodeficiência. Adaptado de Shiels MS, et al.5 Incidência estimada de câncer de mama igual à de populações soronegativas tem sido demonstrada em estudos recentes, o que poderia ser explicado pela progressiva redução da mortalidade por outras causas, como infecções oportunistas9. Ao contrário do SK, que surge em idade mais precoce nos pacientes com o HIV7, a progressão da idade representa um fator de risco para as NNDAs, mas não parece haver antecipação da média de idade em que os mesmos tumores aparecem na população em geral, ao contrário de alguns estudos que indicavam seu surgimento em idade mais jovem, dentro da proposta da “síndrome do envelhecimento precoce” do paciente com AIDS10. Entretanto, não são raros relatos de tumores em idade mais jovem que o usual, como, por exemplo, encontro de mieloma múltiplo e de adenocarcinoma gástrico em torno dos 29 anos de idade11. Assim, parece delinear‑se um quadro em que o prolongamento da vida do paciente com o vírus HIV aumenta a incidência de cânceres mais associados à idade, como os de próstata e de colorreto; porém, mais ainda, daqueles relacionados a hábitos de vida, como tabagismo ou exposição a risco de coinfecções, fatores que se somam ao comprometimento da imunidade, mesmo que esta se mostre parcialmente recuperada com a terapia atual (Tabelas 1 e 2). Importância da coinfecção viral e de hábitos de vida Os cânceres de colo uterino, de vulva e anal, bem como de pênis, que também incide mais em homens infectados pelo HIV, são cada vez mais vinculados a diferentes genótipos de HPV; o carcinoma hepatocelular, relacionado aos vírus de hepatite B (HBV) e C (HCV), e o linfoma de Hodgkin é, com frequência, associado ao vírus de Epstein Barr (EBV). Todos 47 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 2. Análise multivariada de fatores associados ao câncer em pacientes HIV positivo atendidos em Serviço de Referência, em Vitória, Espírito Santo Variáveis OR IC 95% Valor de p Idade (≥ 50 vs. < 50 anos) 1,7 0,76‑3,83 0,200 Gênero (masc. vs. fem.) 1,3 0,54‑2,91 0,597 Tabagismo (sim vs. não) 2,2 1,04‑6,24 0,048 Nadir de CD4 (≤ 200 vs. > 200) 3,0 1,19‑7,81 0,021 Morte como desfecho (sim vs. não) 13,3 4,57‑38,72 0,000 Os pacientes apresentavam NDA e NNDA em proporções semelhantes. Análises adicionais com inclusão somente dos casos de NNDA passam a mostrar a idade como fator de risco significante. mostram aumento de incidência na população com AIDS, principalmente nos que ultrapassam os 50 anos de idade5. É possível supor que o aumento da longevidade e o aparente domínio do paciente sobre a doença, com HAART, aumentem as possibilidades de sexo sem proteção, elevando a incidência de coinfecções. Vale lembrar que os clássicos tumores definidores de AIDS também exibem o papel da coinfecção viral, HHV‑8, no SK; EBV, em alguns linfomas não Hodgkin, e HPV, no câncer de colo uterino. A relação da coinfecção HIV‑HPV é complexa. Embora haja queda progressiva de carcinoma de colo uterino na população em geral, o número de casos em pacientes com AIDS não mostra declínio5. Por outro lado, um estudo multicêntrico prospectivo não mostrou diferença significativa na incidência desde tumor em mulheres com vírus HIV em comparação com mulheres negativas para o mesmo, mas de risco para câncer de colo uterino12. Lesões de colo uterino também mostram diferenças quanto à coinfecção do HPV com o subtipo HIV‑1 ou HIV‑2, este último menos universal e tradicionalmente mais encontrado na África Ocidental, onde representa menos de 5% do total de infecções pelo HIV. Estudos conduzidos no Senegal e na Costa do Marfim mostraram uma associação mais significativa entre lesões de alto grau do colo uterino e do próprio carcinoma, em mulheres infectadas pelo vírus HIV‑2 em comparação com o HIV‑17. A coinfecção viral interfere na epidemiologia de certos tumores a ponto de fazê‑los parecerem doenças distintas. É o que acontece com o linfoma primário do sistema nervoso central (SNC), um dos linfomas não Hodgkin definidores de AIDS, que, quando passou a surgir com mais frequência e em indivíduos mais jovens HIV positivos, também passou a mostrar, de forma quase universal, a presença do vírus de Epstein Barr5. A importância da coinfecção também se vê em investigações que mostram soroprevalência de HHV‑8 em 53 e 56,8% de duas populações de ameríndios brasileiros, que não apresentam SK, levantando a possibilidade de que isso seja determinado pela forma de transmissão oral em vez de sexual, e ausência de coinfecção pelo HIV. Também interessante é o que ocorre com o carcinoma hepatocelular, no qual a infecção isoladamente pelo HIV aumenta apenas levemente o risco do tumor, em estudo caso‑controle em Uganda7. Entretanto, talvez seja interessante considerar que o hepatocarcinoma já é de 48 Neoplasias associadas à AIDS alta prevalência em certas regiões da África, onde, não importando os vírus comumente a ele associados, há a possibilidade de contaminação da dieta com aflatoxina hepatocarcinogênica. Nos EUA, o carcinoma hepatocelular incide cerca de oito vezes mais na população com AIDS, e dados semelhantes foram identificados pelo Swiss HIV Cohort Study7. Nos países ocidentais, essa incidência parece mesmo associada ao maior risco de infecção por HBV e HCV em HIV positivos usuários de drogas injetáveis. O GERMIVIC Joint Study Group Network constatou que o carcinoma hepatocelular, que respondeu por 4,7% das causas de morte entre pacientes com AIDS, em 1995, causou 25% do total de óbitos em HIV positivos, em 20017. Sampaio J, et al. mostrou, no Brasil, dados de coinfecções mais próximos dos de outros países tropicais e em desenvolvimento, como, por exemplo, a elevada identificação do vírus EBV nos linfomas, e a alta prevalência (78%) de genótipos múltiplos de HPV em mulheres infectadas, embora os genótipos e respectivos percentuais sejam diferentes dos encontrados em países africanos7,13. Em relação aos hábitos de vida, estudos indicam índice mais elevado de tabagismo entre indivíduos HIV positivos5. O encontro de maior incidência de câncer de pulmão na população HIV positivo é de duas a sete vezes maior que na população em geral, em diferentes levantamentos7. O risco aumentado para NNDA permaneceu elevado em tabagistas, mesmo quando se excluíam os casos de câncer de pulmão das análises14. Por outro lado, um estudo de coorte em usuários de droga injetável em Baltimore estabeleceu o HIV com um fator de risco independente para o câncer de pulmão15. Há citações também de maior consumo de álcool na população soropositiva7. Particularidades em países com baixo IDH e no Brasil Uma metanálise7 comparou levantamentos feitos em países da região subsaariana com os de países ocidentais. À parte as dificuldades inerentes às análises unificadas de estudos desenvolvidos com desenhos diversos, os resultados confirmaram a proporção maior, em relação aos países ocidentais, de casos de SK na África, onde esse tumor já apresentava uma forma endêmica, menos agressiva, antes da epidemia de AIDS, e onde a infecção pelo HHV‑8 sempre foi mais representativa. Provavelmente também devido à limitação do uso em larga escala de HAART, na África subsaariana não se verificou a mesma queda do SK percebida em países de elevado nível de tratamento. O câncer de colo uterino, classicamente mais incidente em países de baixa renda, aparece com resultados conflitantes na África subsaariana, não mostrando aumento de incidência em paralelo com o crescimento da epidemia de AIDS nos registros de tumores em Uganda, Zimbábue e Quênia, talvez devido à maior mortalidade precoce ligada a outras causas decorrentes de tratamento precário da AIDS. Entretanto, diferentes estudos mostram risco aumentado de desenvolvimento de lesões intraepiteliais cervicais, em mulheres da região subsaariana HIV positivas, e levantamentos conduzidos na África do Sul mostraram maior incidência de carcinoma do colo uterino em mulheres infectadas pelo HIV7. A situação geográfica, associada aos hábitos profissionais, também parece influenciar a incidência do carcinoma de células escamosas da conjuntiva, que é associado à exposição à radiação ultravioleta e à infecção pelo HPV. Esse tumor, muito raro em outras circunstâncias, é mais frequente na população HIV positiva, tanto nos EUA quanto na África subsaariana. O câncer de pele não melanoma 49 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 também mostra associação maior à infecção pelo HIV, inclusive manifestando‑se em localizações não usuais nessa população7. Dados específicos dos tumores mais incidentes na população infectada pelo HIV, no Brasil, ainda são incompletos. Um estudo retrospectivo de 261 necropsias consecutivas, em indivíduos soropositivos, realizadas de 1989 a 2008 na Universidade Federal do Triângulo Mineiro, identificou tumores (benignos e malignos) em 22,2% dos casos, sendo 8% malignos. Neoplasias responderam por 6,9% das causas de óbito, incluindo cinco pacientes que não chegaram a apresentar sinais de AIDS. Na era pós‑HAART, foi encontrado número maior de neoplasias, mas sem diferença significante em relação ao período pré‑HAART. A incidência de tumores benignos não diferiu do previsto na população em geral11. No que diz respeito a pacientes ambulatoriais no Brasil, um estudo de 730 pacientes soropositivos acompanhados entre julho de 2010 e maio de 2011, no Serviço de Referência em AIDS da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Espírito Santo3, mostrou registro de 30 casos (4,1%) de neoplasias malignas, identificadas em proporções semelhantes entre definidoras e não definidoras de AIDS. Houve associação direta e significativa com idade acima de 50 anos, tabagismo e risco maior de mortalidade quando no estudo em separado do grupo com NNDA (Tabela 2). Correlação com grau de comprometimento da resposta imunitária Com o crescimento do número de casos de NNDA, busca‑se esclarecer a participação da imunodepressão também nesse grupo de neoplasias. No estudo prospectivo multicêntrico EuroSIDA16, a taxa de NNDA foi de 6,4/1.000 pessoas/ano, no grupo com níveis de linfócitos T CD4+ abaixo de 200 cel/mm3, em comparação com 3,4/1.000 pessoas/ano entre pacientes com níveis acima de 500 cel/mm3. A associação foi mais expressiva com neoplasias relacionadas a vírus. O câncer anal sobressaiu de incidência entre homossexuais e, após ajustes, mostrou significante queda de incidência à medida que se elevava a contagem de células CD4+. O estudo não evidenciou, entretanto, associação dos níveis de células CD4+ com as demais NNDA, exceto com linfoma de Hodgkin. As associações encontradas foram com a contagem corrente de células CD4+, sendo que o nadir de CD4 não mostrou significância na associação à incidência dos tumores, em qualquer um dos grupos, após ajustes para contagem atual de linfócitos CD4+, fato já anteriormente observado em relação ao carcinoma hepatocelular15. Também Pinto Neto3, ao analisar separadamente as NNDAs, mostrou que desapareceu a correlação com nadir de CD4, encontrada, ainda que fraca, na correlação com o somatório de NDA e NNDA. Nos estudos de coorte CASCADE (Concerted Action on SeroConversion to AIDS and Death in Europe) e DAD (Data Collection on Adverse Events of Anti-HIV Drugs), a mortalidade por NNDA também aumentava com o declínio de células CD4+. Considerando‑se tumores definidores e não definidores de AIDS, um estudo de coorte prospectivo estabeleceu a contagem de células CD4+ como o principal fator de risco preditivo para SK, linfoma não Hodgkin, linfoma de Hodgkin, câncer de pulmão, de fígado e de colo uterino7. Relação inversa entre número de neoplasias e níveis de linfócitos CD4+ também foi identificada em estudo prospectivo14, no qual o risco para NNDA foi maior em grupo com nadir de CD4 50 Neoplasias associadas à AIDS de 201‑350 cel/mm3 do que no grupo com os valores acima de 350 cel/mm3. Entretanto, a relação fica mais forte quando se considera a contagem de CD4+ recente. Diferentes graus de imunossupressão também parecem condicionar qual o subtipo incidente dentre os linfomas não Hodgkin. Ou seja, o linfoma difuso de células B ocorre nos estados mais acentuados de imunossupressão, enquanto o linfoma de Burkitt acompanha estados menos pronunciados de deficiência imunitária7. Relação mais complexa com a contagem de CD4 mostra o linfoma de Hodgkin, tumor que aumentou significativamente a incidência desde a introdução da HAART, e é de risco maior nos pacientes moderadamente imunossuprimidos e menor tanto nos muito imunossuprimidos quanto nos com contagem normal de células CD4+17. A relação da carga viral com incidência de câncer não é precisa, havendo relatos de não correlação com NNDA14, bem como de relação direta com carga viral, mas entre NDA18. É interessante, também, a constatação de Shiels, et al., de que 29% das NNDAs contabilizadas de 2004 a 2007, nos EUA, ocorreram em pacientes apenas infectados pelo HIV, sendo o câncer de pulmão o de maior incidência5. Existe também a outra face da questão, a de que muitos cânceres podem induzir imunossupressão, o que poderia criar, ao menos teoricamente, uma via de mão dupla. Há recomendações recentes de se iniciar a HAART em níveis mais elevados de contagem de CD4, como estratégia de redução da incidência de câncer19, inclusive porque este passa a ocorrer mais com a maior duração da doença em anos16. Interações entre tratamentos A imunossupressão e as interações medicamentosas do tratamento das duas doenças, câncer e AIDS, tornam o desfecho desfavorável. A maior parte dos agentes anti‑HIV age sobre enzimas hepáticas que afetam a farmacologia de fármacos anticâncer. Por exemplo, o ritonavir inibe a enzima hepática CYP3A4, enquanto o efavirenz aumenta a sua atividade. Como a mesma enzima é responsável por metabolizar a droga anticâncer sunitinib, o uso dessa poderia acompanhar‑se tanto da potencialização de seus efeitos tóxicos quanto da limitação de sua eficácia, dependendo do regime adotado para o tratamento da AIDS. Outro complicador é que ainda há poucos ensaios clínicos de tratamento de câncer que incluam populações que têm o HIV5. Conclusões Além das estratégias clássicas de prevenção do câncer, deve‑se buscar a identificação ainda mais precoce dos indivíduos soropositivos como meta para diminuir a chance de doença grave e consequente imunossupressão acentuada. É imperativa a necessidade de combate ao tabagismo e ao alcoolismo nos pacientes que vivem com o HIV, que pode apoiar‑se em programas do Sistema Único de Saúde, no encorajamento permanente do paciente, no uso de adesivos de nicotina e/ou de medicamentos, bem como em suporte psicológico. Como o câncer de pulmão descoberto em fase tardia tem prognóstico muito ruim, faz‑se necessária a busca mais rigorosa por diagnóstico precoce. Nesse sentido, um amplo estudo randomizado mostrou significativa superioridade da tomografia computadorizada 51 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 em relação ao exame radiológico de tórax. Também há indicação de esquema especial de vacinação para HBV, em quatro doses, para imunossuprimidos, ou de acompanhamento e eventual tratamento de hepatites. É preconizada a ultrassonografia hepática a cada seis meses, ou ao menos anualmente, nos pacientes infectados pelo HBV. Há que se cumprir a rotina de prevenção do câncer de colo uterino. Seria, ainda, interessante a melhoria dos mecanismos de diagnóstico de lesões pré‑cancerosas da região anal, principalmente em HSH. A relação custo‑benefício do rastreamento e do tratamento de neoplasia intraepitelial anal de alto grau ainda não está bem estabelecida20. Assim, vacinas anti‑papilomavírus humano (HPV) devem ser a melhor estratégia a ser implementada, devendo trazer benefícios a adolescentes infectados de ambos os sexos, embora sua real eficácia ainda não tenha sido demonstrada na população jovem soropositiva. Ensaios nesse sentido estão em andamento. Embora os genótipos de HPV predominantes nas lesões pré‑cancerosas e cancerosas, nesses pacientes, possam eventualmente não ser os diretamente cobertos pelas vacinas, é importante lembrar a ocorrência de proteção cruzada, com a vacinação, entre diferentes tipos de HPV de alto risco. Os demais cânceres, que acompanham progressão da idade, como próstata, colorretal e mama, devem ter as respectivas rotinas preventivas estimuladas a serem seguidas conforme no restante da população. Com relação aos tumores típicos de longevos, talvez seja interessante não se perder de vista o outro lado da moeda, ou seja, de que o aumento de sua incidência na população soropositiva acompanha o triunfo de se ter sobrevivido à AIDS e chegado à velhice. Bibliografia 1. Shiels MS, Cole SR, Kirk GD, Poole C. A meta‑analysis of the incidence of HIV‑infected individuals. J Acquir Immune DeficSyndr. 2009;52:611‑22. 2.Dauby N, De Wit S, Delforge M, Necsoi VC, Clumeck N. 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Se, por um lado, a mortalidade por doenças relacionadas à imunodepressão diminuiu, a proporção de óbitos não relacionados à AIDS, incluindo os ocorridos por doença cardiovascular (DCV), está aumentando, em parte como consequência de eventos adversos relacionados ao tratamento, em parte pela descoberta dos efeitos inflamatórios do HIV3. Neste capítulo, será discutida a participação do HIV e da TARV nas complicações cardiovasculares. HIV e doença cardiovascular A inflamação tornou‑se uma característica marcante da infecção pelo HIV. O estado de inflamação crônica nesses pacientes pode ser consequência da ativação de linfócitos e de células dendríticas, de danos à barreira mucosa intestinal, de lesões em superfícies endoteliais, de alterações metabólicas e/ou outros fatores relacionados à replicação viral3,4. Além disso, a infecção pelo HIV, independentemente da TARV, pode alterar o perfil lipídico e aumentar a atividade trombótica. Em relação ao perfil lipídico, mesmo antes da exposição à TARV, já eram observados o aumento nos níveis de triglicérides (TG) e a diminuição do colesterol total (CT) na lipoproteína de baixa densidade (LDL‑C) e na lipoproteína de alta densidade (HDL‑C)5. Uma característica importante, nessa situação, é a composição das lipoproteínas, que tende a 53 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 1. Principais biomarcadores associados ao risco cardiovascular Marcador Função Efeitos na infecção pelo HIV PCR Marcador de inflamação sistêmica produzida no fígado como parte de resposta aguda Níveis elevados estão associados a DCV e mortalidade D‑Dímero Produto de degradação da fibrina e marcador de atividade trombótica Níveis elevados estão associados com DCV, disfunção endotelial e mortalidade IL‑6 Citocina pró‑inflamatória Níveis elevados estão associados com disfunção endotelial, progressão da infecção pelo HIV e mortalidade Fibrinogênio Glicoproteína plasmática convertida em fibrina durante a coagulação Níveis elevados estão associados à mortalidade ser mais aterogênica, com altas proporções de partículas de LDL‑C pequenas e densas que atingem mais facilmente a parede do vaso5. Os níveis de HDL‑C são, aproximadamente, 21 a 26% mais baixos quando comparados a controles não infectados pelo HIV. O tratamento efetivo da infecção pelo HIV geralmente resulta em alguma melhora nos níveis de HDL‑C, independentemente do regime ou medicamento utilizado. Os níveis mais elevados de HDL‑C são alcançados com a utilização dos inibidores da transcriptase reversa não análogos de nucleosídeos (ITRNN), principalmente da nevirapina. Entretanto, mesmo com o uso prolongado da TARV, os níveis de HDL‑C dificilmente retornam ao normal6. O estudo SMART demonstrou correlação positiva entre risco de óbito por evento cardiovascular com níveis sistêmicos de citocinas pró‑inflamatórias e risco trombótico endovascular3. Esta pesquisa mostrou que níveis elevados de D‑dímero e da citocina pró‑inflamatória interleucina‑6 (IL‑6) estavam associados com a viremia do HIV e relacionados com todas as causas de mortalidade, sustentando o mecanismo pelo qual a infecção pelo HIV contribui para o estado pró‑inflamatório e pró‑trombótico. Já foi demonstrado que D‑dímero, proteína C reativa (PCR) de alta sensibilidade e IL‑6 estão relacionadas com risco para DCV em indivíduos não infectados pelo HIV3. Um resumo dos principais biomarcadores relacionados com óbito e DCV encontra‑se na tabela 1. A disfunção endotelial presente na infecção pelo HIV não tratada melhora apenas discretamente após a introdução da TARV e, a curto prazo, não retorna a valores normais7. Os mecanismos ainda são desconhecidos, mas envolvem alterações lipídicas provocadas pelo HIV, ativação celular endotelial relacionada a proteínas virais ou infecção direta do endotélio pelo HIV. A ativação dos macrófagos associada ao HIV pode predispor disfunção endotelial e formação do ateroma. Alguns estudos documentaram aumento nos vários marcadores de trombose e prejuízo na fibrinólise em pacientes 54 HIV e complicações cardiovasculares expostos ou não à TARV8,9. Níveis elevados de D‑dímero têm sido associados com maior mortalidade em indivíduos infectados pelo HIV10. Terapia antirretroviral e doença cardiovascular Os principais efeitos adversos relacionados à TARV incluem mudanças na silhueta corpórea relacionadas à redistribuição de gordura (lipodistrofia) e alterações do metabolismo lipídico, glicídico e ósseo11. O padrão dessas alterações metabólicas nos pacientes que estão recebendo TARV assemelha‑se ao observado na síndrome metabólica, condição associada a maior risco de DCV. Após a introdução da TARV, são observadas elevações nos níveis de TG e CT, dependendo do tipo de antirretroviral utilizado (Tabela 2), frequentemente associadas à distribuição anormal de gordura corporal e ao metabolismo da glicose (lipodistrofia)11. O grau de dislipidemia é diferente entre as várias classes de antirretrovirais e até mesmo entre drogas individualmente dentro de uma mesma classe. Além disso, a magnitude das alterações lipídicas varia muito entre os pacientes em uso do mesmo regime antirretroviral, refletindo o papel da genômica individual12. Enquanto que os inibidores da protease (IP) e os ITRNN têm bem descritos seus efeitos sobre os lípides, não houve mudanças significativas, tanto nos lípides quanto no risco cardiovascular, com as novas classes de antirretrovirais, tais como inibidores de fusão (enfuvirtida), antagonista do co‑receptor CCR5 (maraviroque) ou inibidores da integrase (raltegravir) (Tabela 2). Os ITRNN também estão associados com anormalidades lipídicas, mas em menor grau do que os IP. Os inibidores da transcriptase reversa análogo de nucleosídeos (ITRN) estão mais associados à toxicidade mitocondrial e à resistência à insulina, mas as alterações lipídicas associadas a eles são normalmente menos significativas que as associadas ao uso dos IP ou dos ITRNN. Alguns estudos mostram a participação da TARV como fator de risco para DCV, dentre esses, o mais discutido é o D:A:D (Data Collection of Adverse Events of Anti‑HIV Drugs)12. Essa pesquisa avaliou 13 medicamentos e encontrou associação entre DCV e o uso de indinavir (risco relativo [RR] adicional por ano: 1.12; intervalo de confiança [IC] 95%: 1.07‑1.18) e lopinavir/ritonavir (RR: 1,13; IC 95%: 1,05‑1,21) e com a exposição recente (< 6 meses) à didanosina (RR: 1,41; IC 95%: 1,09‑1,82) e ao abacavir (RR: 1,70; IC 95%: 1‑17‑2,47)12. De modo geral, foi observado um RR: 1,26 por ano adicional de exposição à TARV e, em análise posterior, os IPs foram identificados como tendo o maior RR: 1,16; IC 95%: 1,10‑1,23) por ano adicional de uso. Não foi encontrada associação entre o uso dos ITRNN e DCV12. Importante ressaltar que esses dados são provenientes de um estudo observacional e que não existem estudos randomizados, até o momento, que demonstrem associação clara entre a TARV e DCV. Outro fator, além do uso dos IP, que pode contribuir para a disfunção endotelial nos pacientes infectados pelo HIV é a lipodistrofia, que está associada à resistência à insulina, às alterações lipídicas, ao estado inflamatório persistente e às alterações de adipocinas13. Pontos importantes a serem lembrados são o envelhecimento da população infectada pelo HIV e a presença de fatores de risco tradicionais (tabagismo, idade, sexo, diabetes mellitus, hipertensão arterial e hiperlipemia) e a inflamação. 55 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 2. Impacto nos lípides dos diferentes antirretrovirais IP Alteração lipídica Atazanavir Nenhuma Atazanavir/ritonavir ↑ LDL‑C e TG sem alteração no HDL‑C Darunavir/ritonavir ↑ CT, LDL‑C, TG sem alteração no HDL‑C Fosamprenavir/ritonavir ↑ CT, LDL‑C, TG sem alteração no HDL‑C Indinavir ↑ CT, LDL‑C, TG Lopinavir/ritonavir ↑ CT, LDL‑C, TG sem alteração no HDL‑C Nelfinavir ↑ CT, LDL‑C, TG sem alteração no HDL‑C Ritonavir ↑ CT, LDL‑C, TG e ↓HDL Saquinavir/ritonavir ↑ CT, LDL‑C, TG sem alteração no HDL‑C Tipranavir/ritonavir ↑ CT, LDL‑C, TG e desconhecida no HDL‑C ITRN Alteração lipídica Estavudina ↑ TG ITRNN Alteração lipídica Efavirenz ↑ CT, LDL‑C, TG e HDL‑C Nevirapina ↑ CT, LDL‑C, TG e HDL‑C Etravirina Nenhuma Inibidor da Integrase Alteração lipídica Raltegravir Nenhuma Inibidor da Fusão Alteração lipídica Enfuvirtude Nenhuma Antagonista do correceptor CCR5 Alteração lipídica Maraviroque Nenhuma Avaliação do risco cardiovascular na população infectada pelo HIV Os mecanismos subjacentes associados à DCV no cenário da infecção pelo HIV ainda não estão completamente elucidados. A avaliação de risco para DCV usando fatores de risco tradicionais não explica totalmente o desenvolvimento dessa enfermidade nesse grupo de pacientes e também não considera o risco associado com o HIV e/ou TARV. 56 HIV e complicações cardiovasculares Embora a maior proporção de pacientes infectados pelo HIV seja classificada como risco baixo ou intermediário para DCV (segundo o escore de risco de Framingham), o risco de DCV em indivíduos infectados pelo HIV é provavelmente mais complexo quando comparado à população em geral, pelas potenciais interações entre o vírus, a inflamação, as anormalidades imunológicas, os efeitos colaterais da TARV e os fatores de risco cardiovasculares tradicionais, como discutido nesse capítulo. Identificação precoce e manejo adequado dos fatores de risco cardiovascular tradicionais devem ser realizados na abordagem inicial do paciente infectado pelo HIV14,15. A incidência de distúrbios metabólicos está relacionada com a idade e, à medida que a população infectada pelo HIV está envelhecendo, prevenção ativa, juntamente com o diagnóstico e o gerenciamento dos fatores de risco cardiovascular deve ser integrada na rotina de cuidados dessa população. Todos os pacientes infectados pelo HIV devem ter dosado seu perfil lipídico em jejum, antes de iniciar a TARV e, posteriormente, a cada três meses. Esforços devem ser realizados, incluindo a modificação do estilo de vida anterior às intervenções farmacológicas. Especial atenção deve ser dada a interações medicamentosas entre hipolipemiantes e a TARV. Conclusão Esperava‑se que, com a introdução da TARV, houvesse não apenas diminuição da carga viral, mas também da inflamação. Entretanto, considerando‑se que a TARV também induz alterações pró‑inflamatórias pela alteração do perfil lipídico, ela paradoxalmente promove a aterosclerose12. Existe, portanto, redução da carga viral do HIV, mas não do seu potencial inflamatório. Desse modo, indivíduos infectados pelo HIV podem estar sob risco aumentado de DCV, tanto pela infecção per se produzir inflamação que contribui para a disfunção endotelial e o desenvolvimento de aterosclerose, como pelo uso da TARV, em particular dos IP frequentemente utilizados no tratamento, que podem induzir perfil lipídico aterogênico6. Como mostrado neste capítulo, parece que vários marcadores biológicos estão associados com a progressão da infecção pelo HIV e a mortalidade, mas eles não são necessariamente indicadores específicos de doença arterial coronariana ou de progressão da aterosclerose. Existem vários mecanismos biológicos para explicar elevações de marcadores inflamatórios em pessoas infectadas pelo HIV. Vários pacientes apresentam comorbidades, incluindo hepatite B e C, infecção por citomegalovírus, assim como translocação bacteriana, que podem afetar marcadores inflamatórios. Consequentemente, é importante analisar os resultados dos estudos levando em consideração os efeitos diretos da replicação do HIV, bem como outros agentes patogênicos, além da presença dos fatores de risco tradicionais e do uso da TARV. Bibliografia 1.Palella FJ Jr, Baker RK, Moorman AC, et al. HIV Outpatient Study Investigators. Mortality in the highly active antiretroviral therapy era: changing causes of death and disease in the HIV outpatient study. J Acquir Immune Defic Syndr. 2006;43(1):27‑34. 57 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 2.Lewden C, Chene G, Morlat P, et al. Agence Nationale de Recherches sur le Sida et les Hepatites Virales (ANRS) CO8 APROCO‑COPILOTE Study Group; Agence Nationale de Recherches sur le Sida et les Hepatites Virales (ANRS) CO3 AQUITAINE Study Group. HIV‑infected adults with a CD4 cell count greater than 500 cells/mm3 on long‑term combination antiretroviral therapy reach same mortality rates as the general population. J Acquir Immune Defic Syndr. 2007;46(1):72‑7. 3. Kuller LH, Tracy R, Belloso W, et al. Inflammatory and coagulation biomarkers and mortality in patients with HIV infection. PLoS Medicine. 2008;5(10):e203. 4.Appay V, Sauce D. Immune activation and inflammation in HIV‑1 infection: causes and consequences. J Pathol. 2008;214:231‑41. 5.Constans J, Pellegrin JL, Peuchant E, et al. Plasma lipids in HIV‑infected patients: a prospective study in 95 patients. Eur J Clin Invest. 1994,24(6):416‑20. 6.Zareba KM, Miller TL, Lipshultz SE. Cardiovascular disease and toxicities related to HIV infection and its therapies. Expert Opin Drug Saf. 2005;4(6):1017‑25. 7.Torriani FJ, Komarow L, Parker RA, et al. Endothelial function in human immunodeficiency virus‑infected antiretroviral‑naive subjects before and after starting potent antiretroviral therapy: The ACTG (AIDS Clinical Trials Group) Study 5152s. J Am Coll Cardiol. 2008;52:569‑76. 8.Neuhaus J, Jacobs DR Jr, Baker JV, et al. Markers of inflammation, coagulation, and renal function are elevated in adults with HIV infection. J Infect Dis. 2010;201(12):1788‑95. 9.Wolf K, Tsakiris DA, Weber R, Erb P, Battegay M. Swiss HIV Cohort Study. Antiretroviral therapy reduces markers of endothelial and coagulation activation in patients infected with human immunodeficiency virus type 1. J Infect Dis. 2002;185(4):456‑62. 10.Worm SW, Hsue P. Role of biomarkers in predicting CVD risk in the setting of HIV infection? Curr Opin HIV AIDS. 2010;5(6):467‑72. 11.Carr A, Samaras K, Burton S, et al. A syndrome of peripheral lipodystrophy, hyperlipidaemia and insulin resistance in patients receiving HIV protease inhibitors. AIDS. 1998;12,F51‑58. 12. Friis‑Møller N, Sabin CA, Weber R, et al.; Data Collection on Adverse Events of Anti‑HIV Drugs (DAD) Study Group. Combination antiretroviral therapy and the risk of myocardial infarction. N Engl J Med. 2003;349(21):1993‑2003. 13.Grinspoon S, Carr A. 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Na Espanha, cerca de 50% dos 130.000 pacientes portadores do HIV também são portadores do HCV, em função da alta incidência de usuários de drogas. Mais de 90% dos indivíduos coinfectados apresentam HCV RNA detectável, ou seja, hepatite C crônica. No Brasil, os dados mostram tendências semelhantes. A prevalência da coinfecção HCV‑HIV no ambulatório da Disciplina de Infectologia da UNIFESP é de 17,5%1. A distribuição por genótipos observada nesse serviço foi a seguinte: genótipo 1 – 68,4%; genótipo 2 – 2,7%; genótipo 3 – 29,2% e genótipo 4 – 2,7%. Como o HCV tem 10 vezes mais infectividade do que o HIV, pode haver contágio através do contato com sangue, hemoderivados e uso de drogas. A probabilidade de transmissão por acidente ocupacional com agulha contaminada com sangue é menos de 2% (0,3% após a exposição ao sangue contaminado com o HIV). A transmissão sexual do HCV ocorre significantemente menos do que a do HBV ou HIV (risco de transmissão via relação heterossexual < 1%). Entretanto, surtos de casos de hepatite C aguda entre homens homossexuais infectados pelo HIV têm sido observados em Amsterdam, Berlim, Londres e Paris – claramente indicando que o HCV pode ser sexualmente transmitido pelo sexo anal. O risco de transmissão provavelmente depende do número de parceiros e do tipo de prática sexual, que possam gerar lesões mucosas e sangramento2. No total, cerca de 4‑8% de todos os homens que fazem sexo com homens infectados pelo HIV também são infectados pelo HCV. A transmissão perinatal da hepatite C é rara em indivíduos imunocompetentes (< 1%). A taxa de transmissão aumenta com o aumento da imunossupressão em mães infectadas pelo HIV, e é estimada que seja tão alta quanto 20%. Por outro lado, mães infectadas pelo HIV tratadas efetivamente com antirretrovirais não parecem ter um aumento do risco de 59 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 1. Risco médio estimado de transmissão de HIV, HIC e coinfecção HCV‑HIV Modo de transmissão HIV HCV Coinfecção HCV‑HIV Perinatal 7‑50% 1‑7% 1‑20% Contatos sexuais* 1‑3% < 1% 4% Lesão com seringa 0,3% < 1% Desconhecido *O risco sexual refere‑se à exposição acumulada transmissão vertical do HCV (< 3% em associação ao parto cesáreo eletivo3). A causa para maior risco de transmissão vertical seria a magnitude da carga viral do HCV, mais alta em coinfectados, em relação aos monoinfectados (Tabela 1). Evolução clínica e patogênese Curso da hepatite C em pacientes coinfectados HCV‑HIV A melhora nas opções terapêuticas contra o HIV tem elevado a probabilidade de que os pacientes desenvolvam doença hepática crônica, dada sua maior sobrevida. Em alguns centros, a falência hepática é agora a causa mais frequente de morte em pacientes infectados pelo HIV. No estudo D:A:D, após cinco anos de seguimento, 15% dos óbitos em pacientes portadores do HIV tinham causas hepáticas e, desses, 50% apresentavam controle ideal da carga viral do HIV4. O curso clínico da hepatite C em pacientes coinfectados pelo HIV é determinado pelo grau de imunossupressão associado ao HIV. Na fase aguda, entre pacientes coinfectados HCV‑HIV, há menor chance de resolução espontânea da infecção pelo HCV, com maior risco de cronificação, provavelmente, pela resposta insuficiente das células T CD45,6. Na fase crônica, a progressão da imunossupressão acelera o curso da hepatite C. O período de latência até a falência hepática ou carcinoma hepatocelular em pacientes coinfectados estima‑se ser de 10‑20 anos, em comparação a 30‑40 anos em pacientes monoinfectados pelo HCV. Contrariamente, não há influência significante da hepatite C no curso da infecção pelo HIV7. Recentemente, foi publicada uma meta‑análise que demonstrou essa afirmação8. A influência da hepatite C se dá apenas na mortalidade por causa hepática. O tratamento antirretroviral (TARV) efetivo pode melhorar o curso desfavorável da hepatite C e atrasar o desenvolvimento da falência hepática. Isso é particularmente verdadeiro para pacientes que atingem uma boa recuperação imunológica e negativação da carga viral do HIV. Por outro lado, a hepatite C pode agravar o potencial de hepatotoxicidade de muitos esquemas antirretrovirais. Até 10% dos pacientes têm que descontinuar o tratamento antirretroviral devido à hepatotoxicidade grave. O risco está associado, especialmente, ao didanosina (ddI) e estavudina (d4T). Esses agentes devem ser evitados em pacientes coinfectados. 60 Coinfecção HCV-HIV Nevirapina e tipranavir também devem ser usados com cautela. Também, a ocorrência de esteatose está ligada à utilização de d4T e ddI. Alguns pacientes coinfectados apresentam temporariamente um aumento de transaminases após o início do TARV. Isso representa, mais frequentemente, um aumento da atividade inflamatória da hepatite C secundária a uma melhora imunológica. Apesar disso, um tratamento prolongado com antirretrovirais mostra uma melhora do quadro. Indicações de antirretrovirais, de acordo com as diretrizes atuais, devem ser cuidadosamente avaliadas em pacientes com coinfecção, com a tendência de início mais precoce desses fármacos. Diagnóstico Testes diagnósticos usados em pacientes coinfectados não diferem daqueles usados em pacientes com monoinfecção HCV. A detecção de anticorpos contra o HCV comprova exposição ao vírus, mas não distingue entre infecção crônica ou resolvida. A hepatite C crônica é diagnosticada pela detecção de viremia pelo HCV RNA. Deve‑se notar que os anticorpos anti‑HCV podem ser perdidos, durante o curso da infecção pelo HIV, como resultado de imunossupressão subjacente, apesar de que, atualmente, esse fenômeno tem‑se tornado raro devido à melhora dos testes diagnósticos. Logo, pode ser útil determinar os níveis de HCV RNA, mesmo se o teste anti‑HCV for negativo, se houver suspeita clínica ou imunodeficiência avançada (como pode ocorrer em pacientes submetidos à quimioterapia ou portadores de AIDS). De forma semelhante, a confirmação da presença do HCV RNA está indicada em casos de suspeita de infecção aguda pelo HCV, já que os anticorpos, usualmente, apenas se tornam detectáveis entre um e cinco meses após a infecção. Pacientes com coinfecção HCV‑HIV têm níveis significativamente maiores de viremia do HCV, quando comparados a pacientes monoinfectados pelo HCV (cerca de um log a mais). Baseado no conhecimento atual, o nível de viremia do HCV não se relaciona ao risco de progressão de fibrose e prognóstico. Entretanto, dados da coorte Euro SIDA indicam que pode haver uma correlação entre o nível de viremia e alguns desfechos, como morte associada às causas hepáticas9. Não há necessidade de se realizar o teste para detecção do HCV RNA como rotina. Entretanto, deve‑se notar que alguns pacientes podem perder os anticorpos anti‑HCV em paralelo à progressão da imunossupressão, mas podem também experimentar uma exacerbação da hepatite C com sintomas clínicos após a reconstituição imune, com o início do tratamento antirretroviral10. Consequentemente, testar o HCV RNA em pacientes que iniciam o tratamento antirretroviral pode ser necessário para esclarecer eventual aumento de enzimas hepáticas. Tratamento da coinfecção HCV‑HIV As razões mais importantes para iniciar o tratamento da hepatite C são rápida progressão de fibrose hepática em coinfectado HCV‑HIV, aumento da expectativa de vida em pacientes infectados pelo HIV após a eliminação do HCV, alta mortalidade por causas hepáticas entre esses pacientes e aumento do risco de hepatotoxicidade. Logo, um tratamento bem‑sucedido da hepatite C se traduz em uma melhor sobrevida. 61 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 O tratamento da hepatite C em pacientes portadores do HIV constitui um desafio clínico que exige uma história clínica e exame físico detalhados. A sua condução deve ser feita, idealmente, por equipe multiprofissional experiente: infectologista, hepatologista, psiquiatra, enfermeiro, farmacêutico, assistente social, etc. Aproximadamente dois terços dos pacientes coinfectados não são elegíveis para receber o tratamento com interferon peguilado e ribavirina por diversos motivos: não adesão ao TARV, doença hepática descompensada, comorbidades, uso ativo de drogas ilícitas e álcool ou imunidade muito reduzida pelo HIV. Consequentemente, a minoria dos pacientes será elegível para o tratamento, e, com o objetivo de otimizar a chance de resposta virológica sustentada (RVS), é necessário um bom conhecimento e experiência no manejo do TARV, interferon peguilado e ribavirina. Mendes‑Correa, et al. realizaram um estudo transversal conduzido em dois centros brasileiros. Entre janeiro de 2005 e novembro de 2007, foram avaliados 2.024 pacientes portadores do HIV. Entre esses, a prevalência de portadores do HCV foi de 16,7%. Os prontuários de 189 pacientes coinfectados HCV‑HIV foram analisados. Esses pacientes apresentavam idade média de 43 anos, 65% masculinos, 52% com uso prévio de drogas ilícitas, 66,4% com genótipo 1, 30,5% com genótipo 3 e CD4 mediano de 340 cel/mm3. Desse grupo, apenas 75 (39,6%) foram considerados elegíveis para o tratamento do HCV. As causas mais frequentes de inelegibilidade foram não adesão ao seguimento clínico (31,4%), doença do HIV avançada (21,9%), consumo excessivo de álcool ou drogas (18,7%) e doenças psiquiátricas (10,1%)11,12. Esses resultados são semelhantes aos encontrados em coortes europeias e americanas. Avaliação pré‑tratamento da hepatite C em portadores do HIV A avaliação clínica visa rastrear doenças psiquiátricas (depressão), cardiovasculares, pulmonares e renais graves. É importante checar a adesão ao TARV e a ocorrência de infecções oportunistas e neoplasias, relacionadas à infecção pelo HIV, assim como o número de células CD4 e a carga viral do HIV. Recomenda‑se a realização de fundoscopia em função da possibilidade de retinopatia pelo interferon. Recomenda‑se uma avaliação detalhada das provas hepáticas e, em pacientes cirróticos, a classificação pelo escore de Child‑Pugh e pelo MELD. Dado que a chance de RVS pode estar reduzida em pacientes com resistência à ação da insulina, recomenda‑se a dosagem da glicemia e insulina de jejum, particularmente em portadores da coinfecção HCV‑HIV. A solicitação do hemograma basal visa a monitorização futura de citopenias. Todos os pacientes portadores do HIV devem ser submetidos à sorologia para hepatite A, B e C. Aqueles susceptíveis à hepatite A e B devem ser vacinados e os portadores do HCV devem ser avaliados para tratamento o quanto antes. Mediante a informação de que tanto o interferon quanto a ribavirina são teratogênicos, os indivíduos em idade fértil devem ser orientados a utilizar métodos anticoncepcionais eficientes até após seis meses do término do tratamento. As mulheres devem ser submetidas à avaliação pelo b‑gonadotropina coriónica humana (BHCG), para excluir gestação atual. As recomendações para realizar os autoanticorpos para excluir doenças autoimunes variam, e os resultados desses testes são difíceis de interpretar: mais de 60% dos pacientes 62 Coinfecção HCV-HIV com hepatite C têm autoanticorpos, como fator antinúcleo (FAN), fator reumatoide, anticorpos anticitoplasma de neutrófilos (ANCA), anticardiolipina, antimúsculo liso e anti‑LKM1. Frequentemente, não há relevância clínica. Se os títulos desses autoanticorpos aumentam ou aparecem pela primeira vez durante o tratamento com interferon, esse não deve ser descontinuado, usualmente. Logo, a solicitação rotineira de testes, no pré‑tratamento, é questionável. A determinação desses autoanticorpos, quando se suspeita de hepatite autoimune, deve ser feita antes do tratamento com interferon, para excluir esta hipótese. Pacientes com resultados positivos devem ser monitorizados intensivamente em relação à função hepática e, caso haja atividade da hepatite autoimune, o interferon deve ser descontinuado. A necessidade de uso de imunossupressores deve ser decidida caso a caso. Antes do tratamento com interferon, os níveis de TSH devem ser sempre mensurados, com o intuito de se excluir hipotireoidismo. Se o TSH está normal, pode‑se monitorá‑lo a cada três meses. Em casos de hipotireoidismo, a reposição de levotiroxina é recomendada e, da mesma forma, o tratamento do hipertireoidismo é recomendado antes do uso de interferon. Após o tratamento adequado, o interferon deve ser utilizado com monitoração intensiva do TSH (mensalmente até sua estabilização em níveis normais). Aproximadamente, 5% dos pacientes desenvolvem disfunção tireoidiana durante o tratamento com interferon. Essa se manifesta, geralmente, até o primeiro trimestre de tratamento. Se ocorrer hipotireoidismo, usualmente o interferon poderá ser mantido, juntamente com a reposição de levotiroxina. A primeira manifestação do hipertireoidismo é uma causa suficiente para a maioria dos autores indicarem a suspensão do tratamento; entretanto, mesmo assim, é possível manter o interferon em alguns casos. Na maioria dos casos, a disfunção tireoidiana se resolve após o término do tratamento. Em muitos casos há a persistência da disfunção e a necessidade de acompanhamento endocrinológico. Até 12% dos pacientes com hepatite C têm anticorpos antitireoide antes do tratamento com interferon (antiperoxidase = anti‑TPO, antitireoglobulina, antirreceptor de TSH). Nesses pacientes, o risco de deterioração da função tireoidiana, durante o tratamento com interferon, é significantemente mais alto do que em pacientes sem anticorpos. Se possível, esses anticorpos devem ser determinados em todos os pacientes antes do tratamento com interferon, mas, principalmente, em pacientes com alteração do TSH, com o objetivo de se intensificar a monitoração em relação ao basal. É possível prever a resposta ao tratamento a partir no nível de viremia do HCV: se a concentração de HCV RNA está abaixo de 400.000‑500.000 UI/ml. Quando se considera o tratamento da hepatite C, é necessário realizar a genotipagem antes de iniciá‑lo. São conhecidos seis genótipos, com vários subgenótipos, os quais apresentam uma distribuição geográfica: genótipos 1 e 3 são predominantemente encontrados na Europa, EUA e Brasil; 4 e 5, na África e o 6, na Ásia. Os genótipos 2 e 3 estão associados a uma melhor resposta ao tratamento com o interferon, ao contrário dos genótipos 1 e 4. É possível a ocorrência de coinfecção com múltiplos genótipos. A avaliação da fibrose hepática é muito importante como critério de indicação do tratamento e de chance de resposta a esse. Entre vários métodos não invasivos de interesse, a elastografia transitória hepática pelo FIBROSCAN merece atenção. Esse equipamento mede a rigidez hepática, que está diretamente relacionada ao grau de fibrose. Esse teste se mostrou extremamente útil e acurado para a determinação de ausência de fibrose (F0), 63 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 fibrose discreta (F1), fibrose avançada (F3) e cirrose (F4). A capacidade discriminatória em situações de transição como entre F2‑F3 pode ter menos acerto. Vários testes têm sido desenvolvidos para prever a fibrose hepática baseados em marcadores biológicos. Eles incluem APRI, FIB‑4, ácido hialurônico, Fibrometer, Fibrotest, Forns, etc. Testes mais complexos (como Fibrometer, Fibrotest) têm se mostrado mais acurados para prever a fibrose hepática do que testes bioquímicos mais simples (APRI, FIB‑4 ou Forns). Entretanto, a relevância na rotina clínica não é clara para muitas situações. Existem muitos fatores ligados à infecção pelo HIV, às infecções oportunistas e ao uso de medicações concomitantes e de álcool que podem falsear os resultados dos testes. Isso pode reduzir a precisão desses escores. A biópsia hepática permanece como padrão‑ouro, mas sua indicação tem sido redefinida. Recomendações de diretrizes europeias atuais sugerem que o tratamento em caso de genótipos 2 e 3 ou genótipo 1 com baixa viremia do HCV seja feito sem biópsia. Se a biópsia foi realizada e não mostra fibrose significante, não há necessidade de tratamento imediato, independentemente do genótipo13. A indicação de biópsia se mantém para pacientes com perfil ruim para RVS como genótipo 1 com carga viral alta ou impossibilidade da avaliação acurada de fibrose pelos métodos não invasivos. Várias classificações histológicas são utilizadas. O escore METAVIR é um dos principais e distingue cinco estágios de fibrose (0 = sem fibrose, 1 = fibrose portal, sem septos, 2 = septos pequenos, 3 = septos significantes, sem cirrose, 4 = cirrose). A atividade necroinflamatória é graduada em A0 = sem atividade, A1 = atividade discreta, A2 = atividade moderada, A3 = atividade intensa). O tratamento é recomendado para os graus F2‑F4, e esse pode ser postergado para os graus F0 e F1. É sabido que pacientes da raça branca (de origem europeia) têm uma probabilidade significantemente maior de curar a hepatite C, após o tratamento, em relação aos afrodescendentes. Também é sabido que os pacientes asiáticos são os que têm mais chance de RVS, comparados com outras etnias. Recentemente, foi descrito um polimorfismo genético, próximo ao gene IL28B, responsável pela codificação do interferon λ‑3, que está associado a um aumento aproximado de duas vezes na chance de RVS em caucasianos e afrodescendentes, portadores da monoinfecção pelo HCV, tratados com interferon peguilado e ribavirina. Esse polimorfismo também explica, em aproximadamente metade dos casos, a diferença de taxas de RVS entre caucasianos e afrodescendentes. A prevalência dos homozigotos CC, que são os que respondem bem, é maior entre asiáticos, mediana entre caucasianos e menor entre os afrodescendentes14. Em consonância com esses achados, os indivíduos homozigotos CC também têm maior chance de resolução espontânea da infecção aguda pelo HCV15. No futuro, essa informação poderá ser muito útil na avaliação de chance de resposta ao tratamento e deverá ser validada em pacientes coinfectados HCV‑HIV. Se há suspeita clínica que necessite a confirmação diagnóstica ou exclusão de manifestações extra‑hepáticas (vasculite, glomerulonefrite, crioglobulinemia sistêmica, etc.), uma investigação apropriada pode ser necessária (biópsia de pele, exame de urina, biópsia renal, detecção de crioglobulinas no soro, etc.). Se o tratamento é postergado, a α‑fetoproteína e a ultrassonografia do fígado devem ser realizadas a cada seis meses, com o objetivo de rastrear carcinoma hepatocelular (HCC). Isso é particularmente relevante em pacientes com fibrose F3‑F4. Como a progressão de fibrose é acelerada em pacientes coinfectados HCV‑HIV, 10‑30% desses desenvolverão 64 Coinfecção HCV-HIV HCC, sem cirrose preexistente. Rastreamento em intervalos regulares de seis meses deve ser considerado em pacientes com fibrose menos avançada. Os seguintes fatores estão correlacionados a uma melhor resposta ao tratamento: –HCV RNA < 400.000‑500.000 UI/ml, inclusive para o genótipo 1. –Genótipos 2 e 3. –Idade menor que 50 anos. –Grau de fibrose mais baixo, pela biópsia. – γ‑GT normal. –Infecção pelo HIV controlada. Avaliação da eficácia do tratamento A avaliação da eficácia do tratamento deve ser feita pela avaliação do HCV RNA nas semanas 4, 12, 24, ao final do tratamento e 24 semanas após o final do tratamento. A resposta virorológica rápida (RVR) é conceituada como HCV RNA indetectável na semana 4 e tem alto valor preditivo positivo para RVS (cerca de 90%). Por outro lado, se não há queda de, pelo menos um log, na semana 4, as chances de RVS são menores que 5%16,17. A resposta virológica precoce (RVP) é conceituada pela queda de, pelo menos, dois log do HCV RNA, na semana 12, quando comparado com o pré‑tratamento (parcial) ou HCV RNA indetectável na semana 12 (completa). Os pacientes que não atingem RVP têm chances mínimas de chegar à RVS (alto valor preditivo negativo). Pacientes portadores do genótipo 1, com RVP parcial e HCV RNA indetectável na semana 24 (respondedores lentos) devem ser tratados por 72 semanas, conforme a tolerância. O objetivo do tratamento da hepatite C é atingir a RVS, o que significa ausência de viremia HCV permanente. Essa situação pode ser definida como HCV RNA indetectável seis meses após o término do tratamento. O HCV RNA indetectável ao final do tratamento é descrito como resposta ao final do tratamento. Se as transaminases se normalizarem, isso poderá ser referido como resposta bioquímica. No entanto, essa última não se correlaciona ao futuro curso clínico da hepatite C; logo, não é mais utilizada na atualidade. Falha de resposta ao tratamento é conceituada como não resposta, quando não há queda significante de carga viral do hcv ao longo do uso de interferon peguilado e ribavirina. Classifica‑se como escape o tratamento em que houve a negativação do HCV RNA e ainda, durante o curso terapêutico, a viremia HCV reaparece. É considerado recidivante o paciente que tem seu HCV RNA indetectável até o fim do tratamento e, após a suspensão da medicação, ocorre reaparecimento da viremia. A chance de sucesso de um retratamento é maior em pacientes que apresentaram recidiva em relação aos que evoluíram com escape ou aos não respondedores. Apenas a RVS tem sido claramente associada à regressão da fibrose hepática e à resolução das manifestações extra‑hepáticas, assim como à prevenção de transmissão futura da enfermidade. A probabilidade de recidiva é maior nos primeiros meses após o término do tratamento e decresce ao longo do tempo. Consequentemente, o sucesso do tratamento é usualmente determinado e avaliado seis meses após o término da medicação. Em casos individuais, a recidiva pode ocorrer tardiamente, algumas vezes anos depois. A monitoração regular das transaminases e do HCV RNA, mesmo após a RVS, é recomendada. 65 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 A RVS pode ser atingida em cerca de 50% dos pacientes18,19. Genótipos 2 e 3 podem ser tratados mais efetivamente (cerca de 80% de RVS) do que os genótipos 1 e 4 (cerca de 40%). Em geral, a duração do tratamento é de 48 semanas. Essa deve ser prolongada em pacientes portadores do genótipo 1 e 4, que respondem lentamente, para 72 semanas19. Se a carga viral do HCV estiver indetectável na semana 4, um tratamento mais curto pode ser proposto (24 semanas), pelo menos nos genótipos 2 e 3. Transplante hepático pode ser uma opção para pacientes que têm cirrose e não podem ser tratados com interferon. No Brasil, um estudo colaborativo multicêntrico de efetividade, realizado retrospectivamente, avaliou 327 pacientes coinfectados HCV‑HIV tratados com interferon peguilado e ribavirina. Desses, 72% eram masculinos, com idade média de 43 anos, peso médio de 68 kg, 24% declararam uso de drogas ilícitas e 39% haviam apresentado doença definidora de AIDS. Tratamento antirretroviral era utilizado por 92,5% (47% com zidovudina [AZT]), o número de CD4 médio foi de 590 e o de CD4 nadir de 250. A distribuição por genótipos foi: 1 = 73,4%; 2 = 1,9%; 3 = 21,4%; 4 = 0,9% e não determinado em 2,4%. Dos pacientes submetidos à biópsia hepática, 3,3% eram F0; 24,7% F1; 34,2% F2; 20,4% F3 e 11,9% F4. Foram tratados 161 (49,2%) pacientes com interferon peguilado α‑2a e 166 (50,8%) com α‑2b. A taxa de RVS global foi de 30,2%, sendo 23,4% genótipos 1‑4 e 52,6% 2‑3. Na análise multivariável por regressão logística as variáveis associadas independentemente à não resposta foram: passado de doença definidora de AIDS (OR: 2,15; IC 95%: 1,27‑3,65; p < 0,002), genótipos 1‑4 (OR: 3,63; IC 95%: 2,04‑6,45; p < 0,0001) e tratamento por menos de 47 semanas (p < 0,005)11,12 (Tabela 2). Momento da indicação do tratamento Quando a decisão de tratar é tomada, a condição imunológica e o tratamento antirretroviral do paciente devem ser considerados. Quando há necessidade, o tratamento antirretroviral deve, de forma ideal, ser iniciado algumas semanas antes do tratamento do HCV. Didanosina é contraindicada com o tratamento atual do HCV, uma vez que pode ocorrer pancreatite, toxicidade mitocondrial e aumento do risco de toxicidade hepática em cirróticos. AZT e d4T devem ser evitados pelo fato de, potencialmente, gerarem efeitos adversos graves (anemia e toxicidade mitocondrial, respectivamente). O uso de abacavir está, possivelmente, associado a taxas de resposta mais baixas, particularmente, quando se utilizam doses baixas de ribavirina. As razões para essa interação ainda são desconhecidas, mas possivelmente, por se tratarem de dois análogos de guanina, haja interação antagônica nos sítios de fosforilação intracelular. Estudos mais recentes, com doses otimizadas de ribavirina, não encontraram efeito deletério do uso de abacavir. Antes de se propor a mudança de esquema antirretroviral preparatória para o tratamento com interferon e ribavirina, é necessário assegurar‑se de que o tratamento do HIV não será comprometido. Nesses casos, o tratamento do HCV deverá apenas ser iniciado quando o tratamento do HIV estiver estabilizado do ponto de vista clínico e laboratorial. O objetivo é carga viral do HIV indetectável, CD4 estável, superação de efeitos adversos e de outras intercorrências clínicas. 66 Coinfecção HCV-HIV Tabela 2. Estudos randomizados com interferon peguilado e ribavirina em pacientes coinfectados HCV‑HIV ACTG5071 APRICOT RIBAVIC LAGUNO PRESCO LAGUNO 2009 N pacientes 66 289 194 52 389 182 PEG‑INF α 2a 2a 2b 2b 2a 2a × 2b ‑ 62% 80% 75% 90% 75% Cirrose 11% 15% 39% (F3‑F4) 19% 28(F3‑F4) 29(F3‑F4) Genótipo 1,4 77% 67% 61% 63% 61% 63% ALT normal 34% 0% 16% 0% 0% 25% CD4 médio 495 520 477 570 546 597 TARV 85% 83% 83% 94% 74% 73% Descontinuação por EA 12% 25% 17% 17% 9% 10% Descontinuação por outras razões – 31% 39% 23% 7% 8% RFT (IT) 41% 49% 35% 52% 67% 80% (2a) 69% (2b) RVS (IT) 27% 40% 27% 44% 50% 45% (2a) 41% (2b) Uso de drogas IV Se possível, o paciente deve ser tratado antes para o HCV em relação ao HIV. A razão para isso é a maior chance de hepatotoxicidade com o TARV em portadores do HCV, melhora da adesão pelo menor número de pílulas e menor interação medicamentosa, com menos efeitos adversos. O tratamento da hepatite C pode ser iniciado, em virgens de TARV se o CD4 > 500/µl. Novas diretrizes13 indicam que o TARV deve ser iniciado, em coinfectados HCV‑HIV, com CD4 baixo de 500 µl/ml. Em pacientes que já estão em uso de TARV e mantêm um quadro estável deve‑se iniciar o tratamento para hepatite C quando o CD4 estiver acima de 200 µl/ml, dado que abaixo desse limite, a resposta com sucesso é muito rara. Medicamentos utilizados para o tratamento e sua duração A combinação de interferon peguilado com ribavirina por um período de 48 semanas é recomendado como tratamento padrão, da mesma forma que em pacientes monoinfectados 67 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 S S1 S2 Genótipo 2/3 S4 S7 24 semanas HCV RNA Genótipo 1/4 Genótipo 2/3 48 semanas HCV RNA Genótipo 1/4 Caída > 2 log HCV RNA HCV RNA Caída < 2 log 72 semanas Stop Stop Figura 1. Algoritmo para o tratamento da hepatite C em coinfecção com o HIV. pelo HCV. Dois interferons peguilados são disponíveis atualmente: α‑2a e α‑2b. O interferon peguilado α‑2b é administrado via subcutânea, e a dose é baseada no peso corporal (1,5 µg/kg/semana). O interferon peguilado α‑2a também é utilizado por via subcutânea em uma dose fixa de 180 µg/semana. Ambos devem ser mantidos sob refrigeração. Estudo randomizado recente20 não mostrou diferença entre a eficácia do interferon peguilado α‑2a e 2b, em coinfectados HCV‑HIV. A dosagem de ribavirina deve ser adaptada ao peso corporal: 15 mg/kg/dia, divididas em duas tomadas (12/12h). A administração uma vez ao dia está sendo investigada em estudos clínicos. A duração do tratamento necessita ser adequada de acordo com o genótipo e a dinâmica de resposta viral durante o tratamento21,22 (Fig.1). Indicações e contraindicações Como a coinfecção com o HIV acelera o curso da hepatite C e aumenta o risco de hepatotoxicidade após o início do tratamento antirretroviral, deve‑se indicar tratamento para todos os pacientes portadores do HCV‑HIV. Particularmente, o tratamento deve ser discutido para os casos com diagnóstico confirmado por biópsia de fibrose F2‑F4. Manifestações extra‑hepáticas da hepatite C também são uma indicação para o tratamento (vasculites, glomerulonefrite, crioglobulinemia sistêmica). Algumas contraindicações devem ser avaliadas. As mais importantes são: –Cirrose hepática descompensada ou história de descompensação (exceto se Child A no momento). –Leucopenia (< 1.500 µl). –Trombocitopenia (< 50.000 µl). –Anemia (< 10 g/dl). –Disfunção tireoidiana grave, não tratada. 68 Coinfecção HCV-HIV –CD4 < 200/µl (contraindicação relativa). –Doença psiquiátrica grave e/ou uso ativo de drogas ou álcool. –Doença cardíaca sintomática. –Infecções oportunistas ativas. –Tratamento antirretroviral com ddI (AZT e d4T também devem ser evitados). A substituição por metadona não será uma contraindicação se houver uma boa monitoração psiquiátrica durante o tratamento. Entretanto, pacientes com uso ativo de drogas ou abuso de álcool devem ser tratados em programas de desintoxicação antes do início do tratamento com interferon e ribavirina. Estratégia de tratamento Todos os pacientes devem estar sob monitoração clínica regular. No primeiro mês, a cada 15 dias; no primeiro trimestre, a cada mês e, a partir daí, a cada seis semanas, se não houver necessidade de avaliação mais frequente por efeitos adversos. A monitoração por exames complementares também deve ser regular, com a mesma frequência. –Hemograma completo e transaminases a cada 2‑4 semanas. –CD4 e carga viral do HIV a cada dois meses. –Níveis de lactato se houver suspeita de acidose lática. –HCV RNA, que é o parâmetro mais importante para avaliar a resposta terapêutica, durante o tratamento. Deve ser determinado nas semanas 4, 12, 24 e ao final do tratamento para definir o tempo de medicação. Conduta frente aos eventos adversos A conduta frente aos possíveis efeitos adversos é um fator decisivo para o sucesso do tratamento. A alta taxa de descontinuação nos estudos clínicos iniciais (cerca de 30%) pode ser creditada à falta de experiência com o tratamento combinado de interferon e ribavirina. O manejo adequado dos efeitos adversos, provavelmente, resultou em um aumento significativo das taxas de sucesso terapêutico (cerca de 15 %). No estudo de efetividade, realizado no Brasil, ocorreu interrupção temporária em 25% dos casos por anemia (47%), neutropenia (35%), doenças psiquiátricas (7%), plaquetopenia (5%), abandono (4%), uso incorreto da medicação (3%) e outros (3%). Observou‑se interrupção definitiva em 22% dos pacientes por não resposta virológica na semana 12 ou 24 (26%), anemia (20%), neutropenia (18%), abandono (17%), doenças psiquiátricas (15%), plaquetopenia (15%), uso de drogas ou álcool (4%), doença oportunista (3%), descompensação hepática (2%), doenças tireoidianas (2%) e outras (5%)12. Os pacientes devem ser aconselhados, detalhadamente, a respeitos dos efeitos adversos do tratamento antes do início das medicações. É importante explicitar que os efeitos adversos são reversíveis ao término das medicações. Alguns aspectos devem ser salientados: –Quase todos os pacientes experimentam sintomas influenza‑like ou mal‑estar ao iniciarem o tratamento. Como a intensidade desses sintomas não pode ser prevista 69 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 previamente, o tratamento deve ser iniciado no momento em que o paciente não tenha compromissos pessoais ou profissionais importantes. O clínico assistente deve estar disponível para atender o paciente nos primeiros dias de tratamento. Deve‑se prescrever paracetamol 500 mg a cada 6h no dia da aplicação do interferon e no dia seguinte. Esses sintomas, geralmente, melhoram em duas a quatro semanas. A decisão de interromper o tratamento, consequentemente, deve ser tomada, se possível, após o primeiro mês de tratamento. –A maioria dos pacientes tolera bem o tratamento e pode continuar suas atividades habituais sem problemas. No entanto, é possível, particularmente em estágios iniciais do tratamento, que os pacientes não consigam trabalhar por vários dias. Há casos em que os efeitos adversos podem ser tão graves que o paciente fica impossibilitado de trabalhar por todo o tratamento. Esse fato também deve ser discutido com o paciente previamente ao início das medicações. A preocupação de que o tratamento com interferon poderia ter um efeito negativo sobre a infecção pelo HIV, até o momento, não foi confirmada. Na verdade, há uma supressão complementar da replicação do HIV pelo interferon, na maioria dos pacientes com carga viral do HIV detectável. O número absoluto de células CD4 pode cair ligeiramente pela linfopenia, mas a percentagem destas células, geralmente, se eleva. Nenhum estudo de tratamento do HCV, até o momento, mostrou significante deterioração da infecção pelo HIV21 ou aumento do risco de infecção oportunista. A ribavirina causa anemia hemolítica em até 20% dos pacientes22. Essa pode ser tratada com α‑epoetina. A dose usual é de 100 UI/kg de peso corpóreo, por via subcutânea, três vezes por semana. Pode se utilizar até 40.000 UI, SC, semanal23. De forma alternativa, se não houver resposta com α‑epoetina e hemoglobina entre 8,5 e 10 g/dl, pode‑se reduzir a dose de ribavirina de um em um comprimido, monitorando‑se a hemoglobina, frequentemente. Se mesmo com essas medidas (α‑epoetina e redução de doses) se a hemoglobina estiver abaixo de 8,5 g/dl, deve‑se descontinuar a ribavirina. Só se deverão reduzir as doses de ribavirina se não houver sucesso com a α‑epoetina. Estudos recentes têm demonstrado que a utilização de dose correta de ribavirina está associada a melhor resposta ao tratamento. A diminuição de doses e/ou interrupção ocasionam uma que importante na chance de RVS. Uma dose diária de ácido fólico é recomendada para reduzir a mielotoxicidade. A ocorrência de anemia foi correlacionada a maior chance de RVS16,17, provavelmente, como reflexo de uma maior ação farmacológica da ribavirina e do interferon peguilado. Tratamento com filgrastima pode melhorar a granulocitopenia induzida pelo interferon. A experiência clínica é muito limitada até o momento. No entanto, para que a dose de interferon seja mantida em casos de granulocitopenia grave (granulócitos < 500/µl), essa recomendação parece justificável. As doses devem ser adequadas individualmente. Na maioria dos casos, doses baixas são adequadas, já que a hematopoiese por si não está afetada (exemplo, 300 mcg/semana, via subcutânea). Plaquetopenia é uma complicação menos frequente, mas não menos importante. Sua ocorrência se dá por mielossupressão secundária ao interferon. Ocorre de forma mais pronunciada em pacientes que já tenham plaquetopenia previamente ao tratamento, como em pacientes cirróticos. Em caso de queda abaixo de 50.000 µl, deve‑se reduzir a dose 70 Coinfecção HCV-HIV do interferon, e, em caso de valores abaixo de 25.000 µl, interromper‑se o tratamento. O uso de eltrombopag está sendo investigado em estudos clínicos, com o objetivo de reverter a plaquetopenia. A avaliação dos efeitos adversos psicológicos deve ser feita em todas as visitas clínicas. Observações realizadas por familiares e outras pessoas que convivem com o paciente também podem ser úteis. Depressão leve pode surgir com o uso de interferon e pode ser tratada com antidepressivos (como paroxetina 20 mg ao dia). Em alguns casos, a administração profilática de antidepressivos pode ser considerada. O tratamento deve ser suspenso, imediatamente, em casos de depressão grave ou com o aparecimento de ideação suicida. A frequente ocorrência de perda ponderal pode ser minimizada com um adequado aconselhamento nutricional. É importante assegurar uma dieta regular adequada ao gosto do paciente, particularmente em usuários de drogas. Inibidores de transcriptase reversa com baixo risco de lipoatrofia devem ser escolhidos (exemplo, tenofovir e lamivudina). Sabe‑se que, em pacientes coinfectados, a redução de peso com o uso de interferon peguilado e ribavirina é significativamente maior que em monoinfectados HCV, na mesma situação24. A descontinuação do tratamento não é necessária sempre que há disfunção tireoidiana. Na maior parte dos casos, primeiro ocorre hipertireoidismo, que poderá então evoluir para hipotireoidismo se o tratamento com interferon for mantido. Manifestações de hipotireoidismo não são suficientes para interromper o tratamento. Na maioria dos casos, essa alteração se resolve com a descontinuação do interferon, ao final do tratamento. No entanto, se o tratamento é mantido, hipotireoidismo irreversível pode ocorrer, necessitando reposição hormonal contínua e monitoração clínica e laboratorial cuidadosa. Recomendações para o tratamento da hepatite C estão em constante evolução. Consequentemente, centros de referência devem ser sempre contatados para a solução de dúvidas. Conduta em não respondedores e recidivantes Opções de tratamento para pacientes não respondedores ou recidivantes permanecem inadequadas. Em pacientes tratados previamente com interferon em monoterapia, deve‑se fazer uma tentativa de retratamento com interferon peguilado e ribavirina. Não há, no momento, nenhuma recomendação para o retratamento de pacientes que falharam previamente com interferon peguilado. No entanto, o retratamento com interferon peguilado e ribavirina pode ser indicado para pacientes com adesão inadequada por efeitos adversos durante o primeiro curso de tratamento ou pelo uso de subdoses (tratamento prévio subótimo). A terapêutica de manutenção com interferon peguilado em baixas doses não se mostrou eficaz em três grandes estudos realizados em moninfectados HCV (COPILOT, EPIC‑3, HALT‑C) e em coinfectados HCV‑HIV (SLAM‑C). Inibidores da polimerase e da protease do HCV estão sendo avaliados em estudos clínicos na população de coinfectados HCV‑HIV. Há a expectativa de que os primeiros fármacos (boceprevir e telaprevir) sejam licenciados em 2010 ou 2011 para pacientes monoinfectados pelo HCV e adicionarão opções de tratamento também para os coinfectados, futuramente. Porém, há muitos desafios para o uso dessas novas medicações em coinfectados, como as interações farmacológicas com o TARV, o número de pílulas que os 71 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 pacientes deverão tomar, o acúmulo de efeitos adversos e a adesão aos múltiplos fármacos. Para pacientes sem condições de tratamento ou não respondedores com doença hepática terminal devem ser avaliados para transplante hepático (vide capítulo específico). Hepatite C aguda Um número crescente de casos de hepatite C aguda tem sido observado em homens que fazem sexo com homens. Os pacientes mais afetados são os que têm contatos sexuais de alto risco como sexo anal sem preservativo, uso de artefatos intranais e fisting. O diagnóstico de hepatite aguda é feito de acordo com a anamnese, elevação de enzimas hepáticas (idealmente, se houver resultado normal previamente) e HCV RNA detectado. Os anticorpos anti‑HCV estarão negativos na maioria dos casos, devido à longa latência de resposta anticórpica. A conduta ideal na hepatite C aguda ainda permanece sob investigação. Os dados disponíveis mostram uma taxa de RVS em torno de 60% (80% para os genótipos 2 e 3) em casos com tratamento precoce2. Por outro lado, o clareamento espontâneo da infecção parece ser mais frequente que o descrito previamente. Consequentemente, recomenda‑se a seguinte estratégia: tratar os pacientes assintomáticos imediatamente (detectados pelos exames laboratoriais) e acompanhar os pacientes sintomáticos (ictéricos) por 12 semanas para avaliar a ocorrência de clareamento espontâneo. Se esse não ocorrer, tratar por 24 semanas com interferon peguilado e ribavirina (genótipos 2 e 3) e por 48 semanas com interferon peguilado mais ribavirina para os genótipos 1 e 4. No entanto, a estratégia ideal ainda não é conhecida, e esses pacientes deveriam ser incluídos em estudos de pesquisa clínica prospectivos. O futuro: antivirais diretamente ativos contra o HCV Nos locais onde interferon peguilado e RBV foram extensamente usados para tratar portadores da coinfecção HCV‑HIV, os pacientes que não foram curados, frequentemente, são os que apresentam características desfavoráveis para atingir RVS, como HCV RNA elevado, infecção pelos genótipos 1 e 4 do HCV25, alelos desfavoráveis do gene IL28B (não‑CC) e fibrose hepática avançada26. Opções terapêuticas para essa população são limitadas, e muitos coinfectados HCV‑HIV já foram a óbito e/ou foram listados para transplante hepático, apesar de que apenas poucos casos foram transplantados27. Mais que isto, o transplante hepático não é a última solução para os coinfectados HCV‑HIV, dado que a reinfecção do enxerto é quase universal e a progressão de fibrose é mais acelerada nesse grupo, com taxas de sobrevida abaixo de 50% em cinco anos pós‑transplante28. Novos tratamentos são urgentemente aguardados para esses pacientes29. Recentemente, Soriano, et al. revisaram os principais aspectos desse assunto em um editorial30. O tratamento da hepatite C crônica com antivirais diretamente ativos (DAAs) contra o HCV, em pacientes coinfectados pelo HIV, enfrenta importantes desafios para sua viabilização. Interações medicamentosas com os antirretrovirais31,32 (Tabela 3), aumento da 72 Coinfecção HCV-HIV Tabela 3. Interações farmacocinéticas entre os inibidores de protease do HCV e os medicamentos de HIV comuns Telaprevir Comedicação Boceprevir Comedicação TDF ≈ ↑30% ↑8% ↑8% EFV ↓26% (t.i.d.) ↓7% (t.i.d.) ↓19% ↑20% ATV/r ↓20% ↑17% – – DRV/r ↓35% ↓40% – – FPV/r ↓32% ↓47% – – LPV/r ↓54% ↑6% – – RTV (baixa dose) ↓24% – ↓19% – R‑methadone ≈ ↓19% – – Midazolam – 9‑fold – ↑5‑fold Escitalopram ≈ ↓35% – – Esomeprazole ≈ – – – Contraceptivos (estrógenos e progestágenos) ≈ ↓28%/↓11% – ↓24%/↑99% Atorvastatin – ↑8%‑fold – – Ketoconazole ↑62% ↑46% ↑23‑fold – toxicidade sobreposta aos antirretrovirais, rápida seleção de mutantes resistentes do HCV (HCV RNA mais elevado em coinfectados), pacientes com fibrose avançada e cirrose descompensada, doenças psiquiátricas e dependência de drogas e álcool e adesão às múltiplas medicações e pílulas. Dados sobre tratamento com telaprevir e com boceprevir foram apresentados no CROI 2012. Esses inibidores de protease do HCV já estão aprovados para uso clínico em pacientes monoinfectados HCV33‑36, mas aguardam a indicação para os coinfectados HCV‑HIV. Telaprevir O estudo 110 foi randomizado, duplo‑cego, multicêntrico (fase II)37. Comparou a eficácia e a segurança do telaprevir versus placebo, cada qual combinado com interferon peguilado e ribavirina, em pacientes coinfectados HCV‑HIV, virgens de tratamento, genótipo 1 do HCV, sem tratamento antirretroviral, ou com efavirenz, ou com atazanavir/ritonavir (1 CCO). Só foram aceitas biópsias hepáticas com menos de um ano e pacientes 73 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Sem 0 Parte A: virgens de TARV, CD4+ ≥ 500 cel/mm3, HIV-1 RNA ≤ 100.000 cópias/ml (n = 13) Parte B: TARV estável*, CD4+ ≥ 300 cel/mm3, HIV-1 RNA ≤ 50 cópias/ml (n = 47) Sem 12 Sem 48 TVR† 750 mg 8/8h + PEG-IFN/RBV‡ (n = 7) PEG-IFN/RBV‡ (n = 7) Placebo + PEG-IFN/RBV‡ (n =6) PEG-IFN/RBV‡ (n = 6) TVR† 750 mg 8/8h + PEG-IFN/RBV‡ (n =31) PEG-IFN/RBV‡ (n = 31) Placebo + PEG-IFN/RBV‡ (n =16) PEG-IFN/RBV‡ (n = 16) Sem 60 (RVS12) Sem 72 (RVS24) Seguimento Seguimento *EFV/TDF/FTC ou ATV/RTV + TDF + (FTC ou 3TC). †TVR dose dobrada para 1.125 mg 8/8h com EFV. ‡ PEG-IFN 180 µg/sem; RBV 800 mg/dia ou conforme o peso na França e Alemanha (1.000 mg/dia se peso < 75 kg; 1.200 mg/dia se peso ≥ 75 kg). Sem tratamento guiado pela resposta. Figura 2. Comparação da eficácia e da segurança do telaprevir versus placebo em pacientes coinfectados HCV‑HIV (Dieterich DT, et al. CROI 2012. Abstract 46). cirróticos tinham que apresentar doença compensada. O esquema do estudo pode ser visto na figura 2. Para o grupo A (virgens de tratamento antirretroviral) os pacientes tinham que apresentar número de CD4 > 500 cel/mm3 e HIV‑1 RNA < 100.000 cópias/ml. Para o grupo B (com tratamento antirretroviral estável), os pacientes tinham que utilizar efavirenz, tenofovir, emtricitabina ou atazanavir/ritonavir, tenofovir e emtricitabina ou lamivudina. Nesse grupo, o número de CD4 deveria ser > 300 cel/mm3 e HIV‑1 RNA < 50 cópias/ml. Foram incluídos 59 pacientes, sendo 13 no grupo A e 47 no B. Nesse último, 24 pacientes receberam efavirenz e 23 atazanavir/ritonavir. As características basais são mostradas na tabela 4. A taxa de RVS 12 semanas após o término das medicações é mostrada na figura 3 e na tabela 5. A recidiva foi menor com telaprevir, se comparado com placebo (3 vs 15%). O número de CD4 caiu em todos os grupos; porém, o percentual se manteve estável. Prurido, cefaleia, náusea, rash, febre, dor abdominal e depressão foram mais comuns com telaprevir. Insônia e perda de peso foram mais frequentes com placebo. Rash leve ou moderado ocorreu mais no grupo telaprevir (34%) vs placebo (23%) e não ocorreu rash grave. O grupo telaprevir apresentou mais anemia grau 3 (29 vs 23%), uso de eritropoetina (8 vs 5%) e transfusões (11 vs 5%), em relação ao placebo (Tabela 6). 74 Coinfecção HCV-HIV Tabela 4. Descrição da população de coinfectados HCV‑HIV, sem tratamento antirretroviral, em uso de efavirenz e em uso de atazanavir Característica Sem tratamento antirretroviral Com efavirenz Com atazanavir Telaprevir (n = 7) Placebo (n = 6) Telaprevir (n = 16) Placebo (n = 8) Telaprevir (n = 15) Placebo (n = 8) Masculinos, % 86 67 100 88 87 88 Idade mediana (anos) 39 48 48 47 52 39 Negros, % 57 50 19 38 13 12 Subgenótipo HCV, % – 1a – 1b 43 57 50 33 75 25 75 12 80 20 62 38 F3‑F4, % 14 0 12 12 0 12 1.495 267 25 25 25 25 604 672 533 514 514 535 HIV‑1 RNA mediano, cópias/ml Pacientes com RVS12 (%) Mediana de CD4+ cel/mm3 100 80 71 80 69 Sem TARV TARV com EFV TARV com ATV 60 40 20 n/N = 0 50 50 2/6 4/8 4/8 33 11/16 5/7 12/15 Telaprevir + PEG-IFN/RBV Placebo + PEG-IFN/RBV Figura 3. Descritivo da população avaliada com telaprevir em pacientes coinfectados HCV‑HIV. Os níveis de bilirrubina indireta, ao longo do tempo, foram similares com telaprevir ou placebo, em conjunto com atazanavir/ritonavir. Análises farmacocinéticas não acharam alterações significantes nos níveis de telaprevir pelo tratamento antirretroviral e nenhuma influência significante do telaprevir nos níveis de antirretrovirais. 75 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 5. Eficácia de telaprevir em pacientes coinfectados HCV‑HIV Desfecho, n/N (%) Telaprevir (n = 38) Placebo (n = 22) RVS12 28/38 (74) 10/22 (45) 3/38 (8) 8/22 (36) 5/37* (14) 9/22 (41) 1/32 (3) 2/13 (15) Falha virológica no tratamento HCV RNA detectável ao final de tratamento Recidiva *1 paciente com perda de dados do final de tratamento. – Rebote de HIV‑1 RNA não observado em nenhum paciente – Escape do HCV RNA ocorreu em 3 pacientes com telaprevir antes da semana 12 de tratamento – 2 pacientes com efavirenz, 1 paciente com atazanavir/ritonavir Tabela 6. Eventos adversos de telaprevir em coinfectados HCV‑HIV Evento adverso, % Telaprevir (n = 38) Placebo (n = 22) Fadiga 42 41 Prurido 39 9 Cefaleia 37 27 Náusea 34 23 Rash 34 23 Diarreia 24 18 Tontura 21 14 Febre 21 9 Depressão 21 9 Neutropenia 24 23 Anemia 18 18 Vômitos 18 9 Mialgia 16 23 Calafrios 16 18 Insônia 13 23 Redução do apetite 11 18 Perda de peso 13 23 76 Coinfecção HCV-HIV Randomizado 2:1; estratificado por cirroses/fibrose e HCV RNA (< vs ≥ 800.000 UI/ml) Coinfectados HIV-HCV genótipo 1–virgens para tratamento do HCV, recebendo tratamento antirretroviral (n = 100) Sem 4 PEG-IFN/RBV* lead-in (n = 64) Sem 48 Sem 60 Sem 72 (RVS12) (RVS24) BOC 800 mg 8/8h + PEG-IFN/RBV* (n = 64) Seguimento PEG-IFN/RBV* lead-in (n = 34) Placebo† + PEG-INF/RBV* (n = 34) *PEG-IFN 1,5 µg/kg/sem; RBV 600-1.400 mg/dia, de acordo com o peso, de 12/12h. †Pacientes no braço placebo com HCV RNA ≥ limite mínimo de quantificação na sem 24 elegíveis para receber open-label BOC mais PEG-IFN/RBV Figura 4. Avaliação do uso de boceprevir em coinfectados HCV‑HIV (Sulkowski MS, et al. CROI 2012. Abstract 47). Boceprevir Em coinfecção HCV‑HIV, o boceprevir foi avaliado em um estudo de fase II, multicêntrico, internacional, randomizado e duplo cego38. O desenho do estudo pode ser visto na figura 4. Foram incluídos pacientes coinfectados HCV‑HIV genótipo 1, com 18‑65 anos de idade, em tratamento antirretroviral, com HIV‑1 RNA < 50 cópias/ml, número de CD4 > 200 cel/mm3, virgens de tratamento do HCV e biópsia nos dois anos anteriores. Foram excluídos cirróticos descompensados, coinfecção com HBV, tratamento concomitante com zidovudina, didanosina, estavudina, efavirenz, etravirina e nevirapina, hemoglobina < 11 g/dl na mulher ou < 12 g/dl em homens, número de neutrófilos < 1.500 cel/mm3 em não negros ou < 1200 cel/mm3 em negros e número de plaquetas < 100.000 cel/mm3. As características basais dos pacientes podem ser vistas na tabela 7. O boceprevir e o interferon peguilado/RBV aumentaram as taxas de RVS em todos os pontos, a partir da semana 4 versus placebo (RVS 12 = 60,7 vs. 26,5%, respectivamente) (Fig. 5). A RVS na semana 12 variou conforme o esquema antirretroviral utilizado, apesar de que alguns subgrupos tiveram muito poucos pacientes (Tabela 8). Ocorreram escapes virais do HIV em sete pacientes, três com boceprevir e inibidores de protease e quatro com placebo (Tabela 9). Em geral, eventos adversos graves foram semelhantes entre os braços. Descontinuação por eventos adversos foi maior no grupo com boceprevir (20 vs. 8%). A necessidade de mudança de doses foi semelhante nos grupos (28 vs. 24%) (Tabela 10). 77 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 7. Descrição da população de coinfectados HCV‑HIV em uso de boceprevir Característica Boceprevir + PEG‑IFN/RBV (n = 64) Placebo + PEG‑IFN/RBV (n = 34) Masculinos, % 72 65 43 (8,3) 45 (9,8) – Não branco 19 18 – Branco 81 82 Cirrose, % 6 3 Genótipo HCV, % – 1a – 1b 66 23 65 29 HCV RNA > 800.000 IU/ml, % 88 88 HIV‑1 RNA < 50 cópias/ml, % 97 97 577 (230‑1539) 586 (187‑1258) Idade média, anos (DP) Raça, % Número mediano de células CD4+, cel/mm3 (variação) PEG-IFN/RBV (n = 34) Boceprevir + PEG-IFN/RBV(n = 64)* HCV RNA indetectável (%) 100 80 73.4 65.6 59.4 60 42.2 40 32.4 23.5 20 n/N= 0 8.8 4.7 3/34 3/64 4 29.4 26.5 14.7 5/34 27/64 8/34 38/64 11/34 47/64 10/34 42/64 9/34 37/61 8 12 24 Semana do tratamento *Inclui dados de 61 pacientes recebendo boceprevir Figura 5. Eficácia de boceprevir em coinfectados HCV‑HIV. 78 60.7 Final de tratamento RVS12 Coinfecção HCV-HIV Tabela 8. Eficácia de boceprevir conforme o esquema antirretroviral utilizado RVS 12 conforme o esquema antirretroviral, n/N (%) Boceprevir + PEG‑IFN/RBV (n = 61) Placebo + PEG‑IFN/RBV (n = 34) Atazanavir/ritonavir 12/18 (67) 8/13 (62) Lopinavir/ritonavir 10/15 (67) 0/10 (0) Darunavir/ritonavir 8/12 (67) 0/5 (0) Outros IP reforçados com ritonavir* 4/7 (57) 0/3 (0) Raltegravir 3/7 (43) 1/3 (33) 0/2 (0) 0 Outro † *Saquinavir,fosamprenavir,tipranavir. † Maraviroc ou efavirenz. Tabela 9. Escapes de viremia do HIV durante o tratamento com boceprevir Níveis de HIV‑1 RNA em pacientes com boceprevir que apresentaram escape do HIV,* cópias/ml Paciente 1 (atazanavir/ ritonavir) Paciente 2 (lopinavir/ ritonavir)† Paciente 3 (atazanavir /ritonavir) Basal < 50 < 50 < 50 Sem. 4 < 50 < 50 < 50 Sem. 12 – < 50 < 50 Sem. 24 659 55 < 50 Sem. 36 – 59 243 53 67 – 2.990 68 7.870 Sem. 48 (final de tratamento) Sem. 52 *Definido como HIV‑1 RNA > 50 cópias/ml em duas visitas consecutivas. †Paciente mudou para atazanavir/ritonavir na semana 42 e mudou para darunavir/ritonavir na semana 72. Tabela 10. Eventos adversos com boceprevir em pacientes coinfectados HCV‑HIV Desfechos de segurança, % Boceprevir + PEG‑IFN/RBV (n = 64) Placebo + PEG‑IFN/RBV (n = 34) Qualquer evento adverso 98 100 Evento adverso grave 17 21 Eventos relacionados ao tratamento 95 100 79 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 11. Eventos adversos com boceprevir em pacientes coinfectados HCV‑HIV Eventos adversos comuns,* % Boceprevir + PEG‑IFN/RBV (n = 64) Placebo + PEG‑IFN/RBV (n = 34) Anemia 41 26 Febre 36 21 Astenia 34 24 Redução do apetite 34 18 Diarreia 28 18 Disgeusia 28 15 Vômito 28 15 Sintomas gripais 25 38 Neutropenia 19 6 *Eventos com diferença ≥ 10% entre os grupos. Tabela 12. Eventos adversos hematológicos com boceprevir em pacientes coinfectados HCV‑HIV Eventos adversos hematológicos, % Boceprevir + PEG‑IFN/RBV (n = 64) Placebo + PEG‑IFN/RBV (n = 34) Anemia – Evento adverso grave – Evento adverso resultando em descontinuação – Grau pela OMS • 1‑4 (< 11 g/dl) • 3‑4 (< 8.0 g/dl) – Uso de eritropoetina – Transfusões 3 2 6 3 63 5 38 6 53 3 21 6 Neutropenia: grau pela OMS – 1‑4 (≤ 1.500 cel/mm3) – 3‑4 (< 750 cel/mm3) 86 27 74 12 OMS organização mundial de saúde. Os eventos adversos mais comuns associados ao boceprevir foram anemia, febre, astenia, redução de apetite, diarreia, disgeusia, vômitos (Tabelas 11 e 12)39. 80 Coinfecção HCV-HIV Bibliografia 1. Goto JM, Zicker M, Bergamasco MD, et al. SOROPREVALÊNCIA PARA MARCADORES DE HEPATITE B E C NO AMBULATÓRIO DE AIDS DA UNIFESP‑EPM V. Congresso Paulista de Infectologia, Campinas, Agosto 2006. 2.Vogel M, Biniek B, Jessen H, et al. Treatment of acute hepatitis C infection in HIV‑infected patients: a retrospective analysis of eleven cases. J Viral Hepat. 2005;12:207‑11. 3.Pembrey L, Newell ML, Tovo PA, EPHN Collaborators. The management of HCV infected pregnant women and their children European paediatric HCV network. J Hepatol. 2005;43:515‑25. 4.Weber R, Sabin CA, Friis‑Møller N, et al. Liver‑related deaths in persons infected with the human immunodeficiency virus: the D:A:D study. Arch Intern Med. 2006;166:1632‑41. 5.Danta M, Semmo N, Fabris P, et al. 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High hepatitis C viremia is associated with an increased risk for mortality in HCV‑HIV‑coinfected individuals. 16th CROI, 2009, Montréal. [Abstract 101] 10. Kim AY, zur Wiesch JS, Kuntzen T, et al. Impaired hepatitis C virus‑specific T cell responses and recurrent hepatitis C virus in HIV coinfection. PLoS Med. 2006;3:e492. 11.Mendes‑Correa MC, Martins LG, Ferreira PA, et al. Barriers to the treatment of hepatitis C among adults co‑infected with HIV in Brazil. Braz J Infect Dis. 2010 May‑Jun;14(3):237‑41. 12.Mendes‑Correa MC, Silva MH, Figueiredo JF, et al. Brazilian Journal of Infectious Diseases. 2009;13(1):40. 13. EACS‑Europea AIDS Clinical Society ‑ Clinical management and treatment of chronic hepatitis B and C in coifected HIV‑ HIV infected adults http://www.europeanaidsclinicalsociety.org/guidelinespdf/3_Chronic_Hepatitis_B_&_C.pdf (último acesso em 20/12/2009). 14.Ge D, Fellay J, Thompson AJ, et al. 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San Francisco. October 31‑November 4, 2008. [Abstract 1851] 18.Torriani FJ, Rodriguez‑Torres M, Rockstroh JK, et al. Peginterferon alfa‑2a plus ribavirin for chronic hepatitis C virus infection in HIV‑infected patients. N Engl J Med. 2004;351:438‑50. 20. Laguno M, Cifuentes C, Murillas J, et al. Randomized trial comparing pegylated interferon alpha‑2b versus pegylated interferon alpha‑2a, both plus ribavirin, to treat chronic hepatitis C in human immunodeficiency virus patients. Hepatology. 2009;49(1):22‑31. 21. Soriano V, Puoti M, Sulkowski M, et al. Care of patients coinfected with HIV and hepatitis C virus: 2007 updated recommendations from the HCV‑HIV International Panel. AIDS. 2007;21:1073‑89. 22.Rockstroh JK, Bhagani S, Benhamou Y, et al. European AIDS Clinical Society (EACS) guidelines for the clinical management and treatment of chronic hepatitis B and C coinfection in HIV‑infected adults. HIV Med. 2008;9:82‑8. 23. Sulkowski MS, Dieterich DT, Bini EJ, et al. 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Program and abstracts of the 19th Conference on Retroviruses and Opportunistic Infections; March 5‑8, 2012; Seattle, Washington. [Abstract 47] 39.Alberti A, Clumeck N, Collins S, et al. Short statement of the first European Consensus Conference on the treatment of chronic hepatitis B and C in HIV co‑infected patients. J Hepatol 2005; 42:615‑24. 82 Capítulo 7.2 Coinfecção HBV-HIV Paulo Roberto Abrão Ferreira Epidemiologia Mundialmente, a hepatite crônica, causada pelo vírus B (HBV), é definida pela persistência de detecção do antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg) por mais de seis meses após a infecção. Essa doença afeta, aproximadamente, 7 a 15% dos pacientes infectados pelo HIV1. No Brasil, conforme dados do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, obtidos de estudo de soroprevalência do HBsAg nas capitais estaduais, cerca de 0,37% dos indivíduos tem hepatite B crônica. Dentre os 51.364 portadores de HBsAg positivo notificados de 2007 a 2010, cerca de 6% dos pacientes eram coinfectados pelo HIV2. Entre 967 pacientes portadores do HIV, atendidos no ambulatório de infectologia da UNIFESP, 3,6% apresentavam HBsAg positivo (dados não publicados). Ambas doenças compartilham vias de transmissão semelhantes. A infecção pelo HIV modifica a história natural da infecção pelo HBV, a qual pode resultar em taxas mais elevadas de persistência e recidiva do HBsAg, hepatitis B e antigen (HBeAg) e HBV DNA3-5. Entre os pacientes com infecção persistente pelo HBV, a gravidade da doença e o risco de mortalidade relacionada às hepatopatias estão substancialmente elevados nos pacientes coinfectados pelo HIV. Ao longo do tempo, conforme dados do Multicenter AIDS Cohort Study (n = 5.293), a mortalidade relacionada às hepatopatias foi significantemente maior em homens com infecção pelo HIV-1 e HBsAg reagente (14,2/1.000), em relação àqueles apenas infectados pelo HIV-1 (1,7/1.000; p < 0,001) ou apenas infectados pelo HBV (0,8/1.000; p < 0,001)6. Em indivíduos coinfectados, a mortalidade relacionada à hepatopatia foi mais elevada em indivíduos com número de células CD4+ nadir mais baixos e duas vezes mais elevada após 1996, quando o tratamento antirretroviral de alta potência (TARV) foi introduzido. Reconstituição imune relacionada ao TARV tem sido associada à recuperação espontânea da infecção pelo HBV, mas alguns estudos relatam subsequente exacerbação da infecção pelo HBV. Os efeitos da infecção pelo HBV na história natural da infecção pelo HIV são menos aparentes, mas podem incluir uma maior incidência de elevação de enzimas hepáticas com o TARV8. 83 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Transmissão vertical Transmissão entre pessoas Eliminação do HBsAg 0,5% ao ano A maloria com anti-HBs Fase de imunotolerância Fase imuno-ativa Portador crônico inativo Cirrose Carcinoma hepotocelular Figura 1. História natural da hepatite B crônica. História natural e diagnóstico A infecção pelo HBV, em curso, pode ser diagnosticada pela detecção de antígenos virais e do HBV DNA no sangue. Quando a infecção é aguda, anticorpos de imunoglobulina M (IgM) contra a proteína do core são detectados, geralmente com antígeno do HBV e HBV DNA9. Quando a infecção foi estabelecida por mais de 12 meses, anticorpos imunoglobulina G (IgG) (mas não IgM) contra a proteína do core são detectáveis, assim como o HBV DNA. A infecção crônica pelo HBV é caracterizada pela presença de HBsAg com ou sem antígeno e HBeAg. Na transmissão vertical, frequentemente, por imaturidade do sistema imunológico da criança, ocorre a fase de tolerância imunológica, com altos níveis de HBV DNA, mas sem alterações de transaminases e sem progressão da fibrose hepática. Quando já há maturidade imunológica, particularmente na transmissão sexual, ocorre a fase imunoativa, com elevação de transaminases e progressão de fibrose (Fig. 1). Durante o curso da infecção, a perda do HBeAg e a formação de anti-HBe são, usualmente, associados à redução dos níveis de HBV DNA no soro e a um prognóstico favorável (portador crônico inativo). Nesses pacientes não ocorre progressão da doença. No entanto, a perda do HBeAg também pode estar associada à emergência do HBV HBeAg negativo com mutações precore e core promoter, que alteram a síntese habitual de HBeAg. Nessa situação, a replicação do HBV se mantém ativa, como indicada pela detecção de HBV DNA em níveis elevados no soro. Em consequência, pacientes com HBsAg positivo e HBeAg negativos devem ser avaliados quanto à replicação ativa do HBV através de ensaios que quantifiquem a carga viral10. Todo paciente com HBsAg detectável deve ser submetido ao rastreamento de carcinoma hepatocelular, a cada seis meses, com ultrassom abdominal e dosagem de a-fetoproteína no soro. Se os pacientes apresentam resolução espontânea de infecção aguda pelo 84 Coinfecção HBV-HIV Tabela 1. Marcadores imunológicos da infecção pelo HBV Marcador HBsAg Hepatite B aguda + (pode desaparecer) Anti-HBs Hepatite B crônica HBeAg positivo HBeAg negativo + + + Anti-HBc IgM + Anti-HBc IgG + HBeAg + Anti-HBe Resolução espontânea da hepatite B + Vacinação contra hepatite B + + + + + + HBV, o HBsAg e o HBeAg se tornam indetectáveis no soro, mas o HBV DNA ainda pode ser detectado em baixos níveis, com ensaios sensíveis11. Com a resolução da infecção, anti-HBs, anti-HBe e anti-HBc se tornam detectáveis (Tabela 1). Como a vacina contra hepatite B é elaborada com HBsAg recombinante, a boa resposta imune resulta na produção isolada de anti-HBs, no soro. Anti-HBc pode ser detectado em alguns pacientes, sem a presença de HBsAg, HBeAg ou anticorpos contra esses antígenos. O padrão sorológico de anti-HBc isolado ocorre, frequentemente, em usuários de drogas ilícitas (que, geralmente, são também portadores de hepatite C), em portadores do HIV ou em não portadores do HIV12. A possibilidade de que um resultado com anti-HBc isolado represente infecção pelo HBV (versus uma reação falso-positiva) está realcionada à prevalência da infecção pelo HBV na população do indivíduo avaliado e aos títulos de anti-HBc12,13. Em se tratando de pacientes portadores do HIV, com anti-HBc isolado, recomenda-se a vacinação contra a hepatite B14 e a pesquisa do HBV DNA quantitativo no soro15,16. Vacinação contra hepatite B A vacinação e a observância de precauções padrão de prevenção de infecção representam as principais medidas de saúde pública para previnir a infecção pelo HBV em adultos17 e em crianças, incluindo os adolescentes18. A vacinação contra o HBV também está indicada para todas as crianças e adultos que tenham risco elevado de contraírem hepatite B, incluindo pacientes portadores do HIV, indivíduos com múltiplos parceiros sexuais, homens que fazem sexo com homens e usuários de drogas ilícitas. A vacina mais comumente utilizada consiste na composta de HBsAg recombinante expresso em leveduras. Quando utilizada conforme recomendado (três doses administradas 85 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 no músculo deltoide), na população geral, mais de 95% dos adultos apresentam resposta anticórpica, considerada protetiva. A pesquisa de anticorpos pós-vacinal é recomendada 1-2 meses após a última dose para indivíduos com alto risco de exposição. Em pacientes infectados pelo HIV, a vacina contra o HBV é segura, sem risco de elevação do HIV RNA e progressão da doença. No entanto, a imunogenicidade da vacina contra o HBv está reduzida em pacientes infectados pelo HIV, especialmente, nos com número baixo de células CD4+19,20. Estudo recente achou maior resposta positiva à vacina em (80%) pacientes portadores do HIV vacinados antes da infecção pelo HIV, quando comparados aos que receberam a vacina após a infecção (41%)21. Melhora da resposta vacinal, em portadores do HIV, tem sido descrita quando se usa o dobro da dose e quatro aplicações, tal qual recomendado no Brasil19,22,23. Medicamentos para o tratamento da hepatite B Atualmente, existem sete fármacos aprovados para o tratamento da hepatite B24-31; porém, seu uso em coinfectados HBV-HIV deve ser realizado com critério diferenciado em relação aos monoinfectados pelo HBV, dada a ação simultânea de alguns fármacos em ambos os vírus e a potencial emergência de resistência11. Independentemente da escolha terapêutica, todos os pacientes tratados devem ter seu HBV DNA, sorologia e provas hepáticas monitorados regularmente a cada seis meses, no mínimo (Tabela 2). Tanto o interferon convencional e peguinterferon a-2a são aprovados para tratamento da hepatite B. Poucos estudos avaliaram a eficácia do interferon convencional em coinfectados HBV-HIV. A forma peguilada do interferon a foi avaliada em um pequeno número de estudos em coinfectados HBV-HIV e parece ser mais efetiva que o convencional. No entanto, não há dados comparativos publicados nessa população. Dois estudos sugerem que o interferon peguilado a-2a seja relativamente inefetivo em pacientes coinfectados HBV-HIV32,33. As diretrizes americanas e europeias recomendam a utilização de interferon peguilado para tratamento da hepatite B, dentro de critérios específicos11,34. Adefovir O adefovir é um análogo de nucleotídeo que, em sua forma ativa difosfato, inibe a DNA polimerase e reduz os níveis de HBV DNA em média 3,5 log10 cópias/ml na semana 48 de tratamento35. Apesar de recomendado para indivíduos que apresentem resistência à lamivudina, pela sua baixa potência não é recomendado para uso em monoterapia nem como primeira linha no tratamento da hepatite B crônica11,34,. Um estudo em 35 pacientes coinfectados HBV-HIV mostrou que o tratamento com adefovir por 192 semanas levou a uma substancial redução dos níveis de HBV DNA (> 4 log10 cópias/ml)24. Dados desse estudo e de outros, realizados em monoinfectados pelo HBV, denotam uma menor incidência de resistência do HBV, quando comparado aos estudos com lamivudina. No entanto, o uso prolongado de adefovir em pacientes sem infeccão pelo HIV, com HBeAg negativo, leva a uma prevalência acumulativa de resistência 86 Coinfecção HBV-HIV Tabela 2. Medicamentos aprovados para o tratamento da hepatite B crônica Medicamento Dose e duração* Atividade contra o HIV Interferon convencional 5 MU/dia ou 10 MU três vezes por semana SC, por 16-48 semanas Não Interferon peguilado a-2a 180 mcg por semana SC, ou por 48 semanas Sim Adefovir 10 mg/dia VO Não† Entecavir‡ 0,5 mg/dia VO em virgens de lamivudina 1,0 mg/dia VO em experimentados à lamivudina Sim Lamivudina 300 mg/dia em portadores do HIV Sim Telbivudina 600 mg/dia em virgens de lamivudina Não Tenofovir‡ 300 mg/dia em virgens de tratamento e em experimentados à lamivudina Sim *Duração ideal dos nucleos(t)ídeos não determinada †Não considerado ativo contra o HIV na dose de 10 mg/dia ‡Recomendados como primeira linha de tratamento de 0, 3, 11 e 29% em um, dois, três e cinco anos, respectivamente36. Em consequência, o uso de adefovir em coinfectados HBV-HIV pode, teoricamente, levar a risco de seleção de mutantes do HIV com potencial resistência cruzada ao tenofovir, já que o adefovir em doses mais elevadas tem ação contra o HIV. Apesar disso, até o momento, não há relatos dessa ocorrência. Emtricitabina A emtrecitabina é um análogo de nucleosídeos com atividade contra o HIV e o HBV. Pode gerar resistência em ambos os vírus e, particularmente, para o HBV, com resistência cruzada à lamivudina e ao entecavir37-39. Esse fármaco não foi incorporado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, o que limita seu uso em nosso meio. Entecavir O entecavir é um análogo de guanosina, que inibe três funções da HBV polimerase: priming de bases, transcrição reversa da fita negativa e síntese da fita positiva de DNA. A presença de mutações de resistência à lamivudina causa redução da susceptibilidade ao entecavir; em consequência, há a recomendação de uso de 1 mg ao dia para pacientes experimentados à lamivudina e 0,5 mg para os virgens4,11,34,40. 87 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Em um estudo randomizado, controlado com placebo, foram incluídos 68 pacientes coinfectados HBV-HIV com resistência prévia do HBV à lamivudina. Após 24 semanas de tratamento com entecavir, houve redução dos níveis de HBV DNA de 3,65 log10 cópias/ml, o que é similar à redução em monoinfectados pelo HBV27. No entanto, após 48 semanas de entecavir, apenas 8% dos pacientes atingiram a supressão do HBV DNA (< 300 cópias/ml). Até o momento, a taxa de resistência, entre pacientes monoinfectados pelo HBV, virgens de tratamento, foi de apenas 1,2% após seis anos de seguimento41. Entretanto, resistência ao entecavir ocorreu em 7% dos monoinfectados pelo HBV, com resistência prévia à lamivudina, após 48 semanas de tratamento e em 39% após quatro anos40. Consequentemente, apesar de parcialmente ativo contra cepas resistentes à lamivudina, o entecavir não deve ser usado em monoterapia nesses casos. Apesar dos relatos iniciais indicarem que o entecavir não era ativo contra o HIV, observações clínicas de redução substancial dos níveis de HIV RNA em três pacientes coinfectados que receberam entecavir para o tratamento do HBV, na ausência de tratamento para a infecção pelo HIV. A seguir, foram realizados experimentos adicionais in vitro que confirmaram a atividade anti-HIV do entecavir e o seu potencial para suscitar resistência ao HIV8,42. Assim, o entecavir só pode ser usado em coinfectados HBV-HIV que estejam recebendo TARV completamente efetivo4. Lamivudina A lamivudina é um análogo de nucleosídeo que, em sua forma ativa, é trifosfatado, inibe a polimerase do HBV e a transcriptase reversa do HIV. Esse é um fármaco apropriado para tratar o HBV e a coinfecção HBV-HIV, se administrado em combinação com outros agentes ativos contra o HBV, no esquema de TARV. A lamivudina não deve ser utilizada isoladamente para tratar o HBV ou a coinfecção HBV-HIV37. Apesar dos níveis de HBV DNA reduzirem em média 2,7 log10 cópias/ml em coinfectados utilizando lamivudina por um ano, a incidência de HBV resistente a esse fármaco é de, aproximadamente, 20% ao ano, em pacientes infectados com HIV, e atinge 90% em quatro anos43-45. Quando as variantes à lamivudina emergem, os níveis de HBV DNA se elevam, enzimas hepáticas se elevam e pode haver exacerbação da hepatite B, em alguns casos fatal46. Além disso, vários dados sugerem que o benefício do tratamento com lamivudina em previnir a progressão da hepatite B está substancialmente reduzido na presença de cepas do HBV resistentes. Por esses motivos, a lamivudina não é considerada para primeira linha de tratamento da hepatite B e sempre deve ser usada associada a outro antiviral ativo11,34. Telbivudina A telbivudina é um análogo de timidina capaz de inibir a ação da polimerase do HBV. Apesar da redução no HIV RNA ter sido relatada em um caso de paciente portador da coinfecção HBV-HIV, tratado com telbivudina47, evidências atuais sugerem que a telbivudina não tem atividade contra o HIV48,49. Uma limitação importante para seu uso é o fato de haver 88 Coinfecção HBV-HIV resistência cruzada com lamivudina e emtricitabina30,51. Essa medicação também não foi incorporada pelo SUS no Brasil. Assim, a utilização desse fármaco torna-se muito pouco adequada em coinfectados HBV-HIV. Tenofovir O tenofovir é um análogo de nucleotídeos, estruturalmente relacionado ao adefovir, diferindo-se apenas por um grupo metil. Apresenta ação contra ambos os vírus, HBV e HIV. Em pacientes coinfectados HBV-HIV, nos quais havia resistência do HBV à lamivudina, a atividade do tenofovir contra o HBV não foi inferior à do adefovir. O ACTG5127 foi um estudo randomizado controlado com placebo que envolveu 52 pacientes coinfectados HBV-HIV, a maioria (74 a 80%) havia previamente utilizado lamivudina e recebeu tanto tenofovir quanto adefovir24. Em relação à queda de HBV DNA, na semana 48, não houve inferioridade entre os dois braços do estudo. Em meta-análise recente, o tenofovir foi considerado mais efetivo que o entecavir, o adefovir ou a lamivudina, após um ano de tratamento, em HBsAg positivos, previamente virgens de tratamento52. Outra revisão de estudos mostrou o mesmo resultado53. O desenvolvimento de resistência do HBV ao tenofovir não foi observado; nenhum dos 34 pacientes do estudo de fase III com HBV DNA detectável, após acompanhamento por 144 semanas de monoterapia com tenofovir apresentou mutações de resistência na polimerase54. Indicações para tratamento da coinfecção HBV-HIV Pacientes que necessitam de tratamento antirretroviral de alta potência mas não de tratamento para a hepatite B A combinação de tenofovir e lamivudina deve ser usada como base para o TARV, o qual será ativo contra ambos os vírus. Para evitar o aparecimento de mutantes de resistência do HBV, nenhum desses agentes deve ser usado isoladamente. É importante considerar que esse TARV não deve ser descontinuado sem a cuidadosa consideração da possibilidade de exacerbação da hepatite B. No estudo SMART, alguns pacientes coinfectados HBV-HIV foram alocados no braço do estudo em que foi realizada a descontinuação do tratamento de acordo com o número de CD4+55. Elevação maior que 1 log no HBV DNA foi observada em um terço dos pacientes nesse grupo, e 12 pacientes apresentaram recidiva maior que 3 log10. Pacientes que necessitam de tratamento da hepatite B mas não de tratamento antirretroviral de alta potência As diretrizes do US Department of Health and Human Services (DHHS) recomendam o início do TARV, independentemente do número de células CD4+ em coinfectados HBV-HIV, 89 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 HBsAg-positivo* HBV DNA positivo Níveis de HBV DNA < 2.000 UI/ml Considere biópsi hepática‡ se – HDV positivo – HBeAg positivo com ALT elevada > 2.000 UI/ml ALT normal† ALT elevada† Biópsia hepática‡ Monitorar a cada 6-12 meses Tratar se biópsi hepática‡ Metavir > A2 e/ou> F2 Tratar *Infecção crônica pelo HBV é definida como HBSAg ou HBv DNA positivo > 6 meses. † É considerada ALT normal <19 UI/l para mulheres e <31 UI/l para homens ‡ Pacientes com replicação do HBV e enzimas hepáticas normais podem ter fibrose hepática clinicamente significante. Consequentemente, considere a avaliação de fibrose hepática. Isto pode ser feito pela biópsia ou testes não invasivos, incluindo marcadores séricos (biomarcadores) ou elastografia hepática transitória. Os métodos não invasivos não estão completamente validados em portadores de hepátite B, especialmente naqueles com transaminases normais. Os pontos de corte propostos são diferentes dos da hepatite C. Apesar de a biópsia hepática fornece dados adicionais como a atividade inflamatória, esteatose, os testes não invasivos tema vantagem de poderem ser repetidos periodicamente. Figura 2. Algorítimo de tratamento da Hepatite B - EASL (reproduzido com permissão do European AIDS Clinical Society). se o tratamento da hepatite B é recomendado37. A European AIDS Clinical Society também sugere a instituição precoce do TARV completo que inclua tenofovir e lamivudina, se é recomendado tratamento da hepatite B (Fig. 2)14. A diretriz brasileira determina que seja iniciado o TARV se o paciente apresentar número de CD4+ menor que 500 cel/mm3 2. É importante ressaltar que tenofovir e lamivudina devem ser combinados entre si e com uma terceira classe de antirretrovirais (por exemplo, inibidores de protease e inibidores de transcriptase não análogos de nucleosídeos) para que haja adequada ação contra o HIV e não ocorra o aparecimento de resistência a esse vírus. 90 Coinfecção HBV-HIV Coinfecção HIV/HBV CD4 > 500/μl e sem indicação para TARV CD4 < 500/μl ou simtomáticopelo HIV ou cirrótico Tratamento do HBV indicado Tratamento do HBV não indicado Experimentado com 3TC – TARV precoce incluindo TDF + FTC ou 3TC – PEG-IFN se genótipo A ALT elevada HBV DNA baixo Monitorar intensivamente Adicionar ou substituir ITRN com TDF como parte do TARV Virgem de 3TC TARV incluindo FTC ou 3TC e TDF no TARV Figura 3. Algorítimo de tratamento de pacientes com coinfecção HBV-HIV - EACS 2011 (reproduzido com permissão do European AIDS Clinical Society). O racional para essa recomendação é que o controle da infecção pelo HIV representa um importante passo na prevenção da hepatopatia relacionada ao HBV. Para pacientes com infecção crônica pelo HBV, para os quais ainda não haja indicação para o TARV ou esse não seja desejável (por exemplo, por toxicidade ou intolerância ao tenofovir), mas que necessitam de tratamento da hepatite B, as diretrizes internacionais recomendam evitar as medicações com ação antirretroviral (emtricitabina, lamivudina, entecavir e tenofovir) e preferir as restantes (interferons, adefovir e telbivudina). Pacientes que necessitam de tratamento para a hepatite B crônica e de tratamento antirretroviral de alta potência O tratamento da hepatite B em pacientes que também têm indicação de tratamento da infecção pelo HIV é menos controverso: a diretriz do DHHS recomenda tratamento antirretroviral totalmente supressivo que inclui o uso de dois medicamentos ativos contra ambos os vírus (tenofovir e lamivudina), associadas a um inibidor de protease ou ao efavirenz. Se o tenofovir não puder ser usado, outro agente com ação contra o HBV deverá ser associado à lamivudina (Fig. 3)14. O uso de lamivudina e tenofovir como único agente ativo contra o HBV deve ser evitado pelo risco de resistência ao HBV. O tratamento do HIV deve ser continuado com uma combinação para possibilitar a máxima supressão. 91 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Pacientes que necessitam de tratamento da hepatite B mas têm o HBV resistente Para pacientes com infecção por mutantes do HBV resistentes à lamivudina, a recomendação é a associação de tenofovir14 ou tenofovir associado a entecavir4. Bibliografia 1. Zhou J, Dore GJ, Zhang F, Lim PL, Chen YM. Hepatitis B and C virus coinfection in The TREAT Asia HIV Observational Database. J Gastroenterol Hepatol. 2007;22:1510-18. 2.Programa Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais, Ministério da Saúde, Brasil; www.aids.gov.br. Acessado em 14 de janeiro de 2012. 3. Rodriguez-Mendez ML, Gonzalez-Quintela A, Aguilera A, Barrio E. Prevalence, patterns, and course of past hepatitis B virus infection in intravenous drug users with HIV-1 infection. Am J Gastroenterol. 2000;95:1316-22. 4.Soriano V, Puoti M, Peters M, et al. 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A infecção por HVA apresenta uma distribuição mundial (Fig. 1), causando hepatite aguda e sendo responsável por considerável morbidade e mortalidade ocasional, especialmente quando a infecção é adquirida na vida adulta. Virologia O HAV é um vírus de RNA de 27 nm de diâmetro, não‑envelopado, icosaédrico, de cadeia positiva, classificado no gênero Heparnavirus da família Picornaviridae. O genoma HAV compreende 7.474 nucleótidos, que são divididos em três regiões: um 5’ fragmento não traduzido (742 nucleótidos); um quadro de leitura única longa aberta (ORF) que codifica um aminoácido polipéptido 2.227 (6.681 nucleótidos) e uma 3’ região não codificante (63 nucleótidos). O polipéptido codificado pelo ORF é cotraducionalmente processado por uma protease viral, resultando em quatro proteínas estruturais e sete não estruturais. Há quatro genótipos, sem grandes diferenças biológicas entre eles2. O ciclo de infecção das células começa quando o vírus se liga a um receptor encontrado na superfície dos hepatócitos. Após a infecção, o RNA viral no citoplasma de hepatócitos sofre replicação usando uma RNA polimerase dependente de RNA codificada pelo próprio vírus Quando um número suficiente de RNA viral e proteínas de viriões é produzido, a montagem viral começa, formando viriões maduros. O ciclo de replicação todo dura de 5 a 10h. Ao contrário de outros picornavírus, o HAV não causa citólise ao sair da célula. Assim, a citopatologia na hepatite A é principalmente devido a respostas imunes celulares induzidas pelo HAV. 95 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Paises ou áreas com risco moderado ou alto. Figura 1. Áreas com risco aumentado para a infecção por Hepatite A. (Fonte: Organização Mundial de Saúde. http://gamapserver.who.int). Epidemiologia O VHA se espalha pela via fecal‑oral e é mais prevalente em áreas com menos condições socioeconômicas, onde a falta de higiene e de saneamento adequado facilitam o contágio. A exposição ao HAV pode ocorrer esporádica ou epidemicamente, com uma tendência para surtos periódicos em todo o mundo. Cerca de 1,5 milhão de pessoas são infectadas pelo VHA a cada ano. Em alguns países em desenvolvimento, o risco permanente de infecção pelo VHA é maior que 90%, ocorrendo, a maioria dos episódios, na primeira infância. Surtos epidêmicos não são frequentes nos países em desenvolvimento, na medida em que adolescentes e adultos já estão imunizados. Em contraste, nas regiões em desenvolvimento com melhores condições sanitárias, a infecção pelo HAV é incomun na infância, e a hepatite A aguda ocorre principalmente em adultos, causando surtos ocasionais, com consideráveis consequências socioeconômicas. Nos países desenvolvidos, onde as condições de higiene são boas, a infecção pelo HAV é rara, sendo mais frequente em adolescentes e pessoas com comportamentos de alto risco, tais como usuários de drogas injetáveis e não injetáveis, homens que fazem sexo com homens e pessoas que viajam para áreas endêmicas do HAV. Manifestações clínicas A infecção por HAV geralmente resulta em uma doença aguda, autolimitada e raramente leva à falência hepática fulminante3. Indivíduos com doença hepática subjacente, 96 Infecções por outros vírus de hepatite: A, D e E incluindo a hepatite C, são mais propensos a desenvolver formas graves de hepatite A. Em um estudo feito em 163 pacientes com hepatite crônica B e em 432 pacientes com hepatite crônica C seguidos prospectivamente por sete anos4, superinfecção por hepatite A ocorreu em 27 pacientes. Considerando os sintomas e os sinais clínicos, esses foram leves em nove de cada dez pacientes com hepatite crônica B que adquiriram hepatite A; insuficiência hepática fulminante foi desenvolvida por sete dos 17 pacientes com hepatite crônica C que adquiriram hepatite A, e seis desses pacientes faleceram. As manifestações clínicas da hepatite A aguda variam com a idade. É geralmente silenciosa ou subclínica em crianças, enquanto que, em adultos, tende a ser mais sintomática, fazendo com que uma síndrome gripal leve à hepatite fulminante. Em geral, a mortalidade aproxima‑se, em adultos, de 1,8%. O período de incubação varia de duas a seis semanas, após o que a doença começa em doentes sintomáticos. O HAV está ocasionalmente associado a um episódio de surto ou colestática. Além disso, pode servir como um gatilho para a hepatite autoimune em indivíduos geneticamente suscetíveis. O curso da hepatite A não parece ser pior em pacientes infectados por HIV5, embora a viremia do HAV seguido de hepatite aguda possa durar por mais tempo nessa população6. Prevenção Indivíduos infectados com HAV transmitem a doença durante o período de incubação e permanecem assim durante uma semana após a icterícia aparecer7. A prevenção pode ser auxiliada pela adesão a práticas sanitárias, como lavar as mãos, cozinhar os alimentos de forma adequada e evitar água e alimentos provenientes de áreas endêmicas. A lavagem das mãos é altamente eficaz na prevenção da transmissão do HVA, uma vez que o vírus pode permanecer infeccioso por até 4h nas pontas dos dedos8. Cloração e certas soluções de desinfecção (água sanitária diluição 1:100) são suficientes para inativar o vírus em pacientes internados. O uso de luvas por parte dos trabalhadores da área da saúde e um tratamento apropriado do material biológico de pacientes também são fortemente recomendados. Para além das medidas de higiene, a ferramenta mais importante e eficaz para a prevenção da infecção pelo HAV é a imunização. Vacinas feitas a partir de HAV inativo e atenuado têm sido desenvolvidas9. Apenas vacinas feitas a partir de HAV inativo foram lançadas no mercado10. As vacinas contendo o antigênio HAV atualmente licenciadas são a HAVRIX (GSK) e a VAQTA (Merck) e a combinação das vacinas A + B TWINRIX (GSK). Em pessoas soronegativas, a vacina de HAV é altamente imunogênica e eficaz. Níveis protetores de anticorpos desenvolveram‑se em > 97% dos indivíduos dentro de um mês após a primeira dose e em praticamente todos os indivíduos após a segunda dose. O nível de proteção contra a hepatite clínica é > 80% após uma dose11 única. A vacina combinada A + B também é altamente eficaz10. Taxas de anticorpos anti‑HAV > 97% foram encontradas em pacientes com HIV‑negativo vacinadas para o HAV há 15 anos12. A imunidade parece durar ao longo da vida. As taxas de resposta à vacina contra o HAV são geralmente reduzidas em pessoas infectadas com HIV e inversamente correlacionadas com contagens de CD4 no momento da vacinação13. As taxas são de 50 a 95% em geral, mas variam de 9% quando a contagem 97 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 de CD4 é <200 cel/µl a > 95% quando a contagem de CD4 é > 500 cel/µl. A supressão do RNA do HIV no plasma em terapia antirretroviral ativa está associada à melhor resposta de títulos de anticorpos anti‑HAV14 Aumentando o número de anticorpos, pode‑se também melhorar as respostas15. Um estudo que envolveu 99 pacientes infectados com HIV mostrou que no grupo avaliado com uma programação de três doses de vacina anti‑HAV houve, em comparação ao padrão de duas doses16, um aumento nos títulos de anticorpos. Não foram encontradas diferenças significativas em termos de eventos adversos. A duração da proteção em pessoas infectadas pelo HIV pode ser mais curta do que em pessoas HIV‑negativas. As baixas taxas de resposta anti‑HAV em pacientes infectados pelo HIV com baixas contagens de CD4 torna aconselhável medir os anticorpos anti‑HAV após a vacinação para saber se o paciente desenvolveu títulos de anticorpos protetores ou não. Doses de vacinas complementares podem ser propostas em doentes não respondedores. A interleucina 2 (IL‑2) foi utilizada como potenciador da resposta imune em um estudo, sem benefícios significativos17. A vacina contra o HAV é segura e bem tolerada em indivíduos infectados pelo HIV18. Reações no local da injeção são os efeitos colaterais mais frequentes. Mal‑estar e dor de cabeça podem ocorrer ocasionalmente entre um e dois dias. Reações alérgicas graves são muito raras. A vacinação para o HAV é recomendada em todos as pessoas suscetíveis ao HAV e para pacientes infectados com HIV. Alguns pacientes, como aqueles com doença hepática crônica, homossexuais (MSM) ou ou usuários de drogas injetáveis (UDI) ou pessoas que viajam para áreas de endemicidade alta ou intermediária, estão em risco especial, e a imunização deve ser particularmente recomendada para eles19. Pessoas infectadas pelo HIV com CD4 > 300 cel/µl podem seguir o calendário de vacinação padrão e receber duas doses nos meses 0 e entre seis e 12 meses. Em pacientes com contagens de CD4 < 300 cel/µl uma terceira dose pode ser aconselhável. Pessoas infectadas pelo HIV em situação de risco para a infecção pelo HAV devem receber uma dose de reforço a cada cinco anos. Finalmente, em pacientes infectados pelo HIV com contagens de CD4 < 200 cel/µl, a imunoglobulina humana normal (HNIG) pode ser considerada juntamente com a vacina contra o HAV antes de viagens para áreas endêmicas. Hepatite D O vírus da hepatite D (HDV) é um vírus defeituoso, identificado pela primeira vez em 197720, que requer a presença do vírus da hepatite B (HBV) para a sua replicação e expressão. A infecção pelo HDV pode ocorrer simultaneamente com o VHB (coinfecção) ou como uma superinfecção em pacientes já infectados com o HBV. A hepatite D aguda está ocasionalmente associada à hepatite fulminante. A infecção crônica pelo HDV está associada a altos índices de cirrose hepática. Virologia O HDV foi classificado no gênero vírus delta21. Ele compartilha algumas semelhanças com viroides e vírus satélites de plantas, principalmente em termos de organização genômica e 98 Infecções por outros vírus de hepatite: A, D e E mecanismos de replicação22. O virião HDV é uma partícula grande, de aproximadamente 36 nm de diâmetro, com um envelope de lipoproteína externo em que o HBsAg é incorporado. Abaixo desse envelope, a cápside viral, formada por uma estrutura de delta antigênio (HDAg), pode ser encontrada. Essa cápside contém o genoma do HDV, formada por um RNA de cadeia única longa, circular, com 1.700 nucleotídeos. O RNA do HDV tem seis ORFs, três na costa genômica e três na vertente antigenômica. Uma ORF codifica o HDAg, enquanto as outras parecem não ser ativamente transcritas. Dois antigênios diferentes: um HDAg 24 kDa pequeno, 155 aminoácidos de comprimento, e um grande 27 HDAg kDa, 214 aminoácidos de comprimento. Enquanto o HDAg pequeno acelera a síntese do RNA do HDV, o grande a inibe. No entanto, a presença do HDAg grande é necessária para a morfogênese do virião23. O genoma do RNA do HDV é altamente variável, com uma divergência de até 16% dentro do mesmo genótipo, em comparação com 20‑40% entre os diferentes genótipos de RNA do HDV24. A replicação do HDV ocorre através de um modelo duplo de círculo rolante no qual o filamento genômico é replicado por uma polimerase de RNA hospedeiro para produzir uma estrutura multimérica linear que é clivada autocataliticamente em monômeros lineares e ligada na progênie viral do RNA circular do HDV. O receptor do HDV em hepatócitos humanos permanece não identificado, mas acredita‑se ser o mesmo que o do HBV por causa da sua identidade de revestimento exterior partilhada. Epidemiologia À semelhança do HBV, o HDV se espalha principalmente através de exposição parenteral e sexual. Estima‑se que mais de 350 milhões de pessoas no mundo estão cronicamente infectadas com o HVB, das quais, cerca de 15 a 20 milhões estão superinfectadas com HDV25. Diversas áreas, incluindo a bacia do Mediterrâneo, o Oriente Médio, a África Central e a região amazônica, são endêmicas para o HDV (Fig. 2). Em países com baixa prevalência de infecção pelo HBV, a transmissão ocorre principalmente em grupos limitados, tais como o UDI. Estudos realizados nas décadas de 1980 e 1990 mostraram uma alta prevalência de infecção por HDV próxima a 20% entre os indivíduos HBsAg positivo26. Após a implementação dos programas de vacinação para o HBV, a prevalência da infecção pelo HDV diminuiu dramaticamente27, um fato particularmente notável no sul da Europa e sudeste da Ásia27,28. Uma maior sensibilização sobre o vírus e seu modo de transmissão levaram à melhor implementação de medidas preventivas, tais como a utilização de agulhas, seringas e outros equipamentos médicos descartáveis e uma melhoria geral das condições socioeconômicas. No entanto, o HDV permanece como um importante problema de saúde pública mundial, com taxas de acima de 10% de portadoras do HBsAg em algumas regiões, como África Ocidental, Índia e Asia Central29‑31. Outro fator importante que explica a falta de um declínio significativo na prevalência de HDV em todo o mundo é a imigração de indivíduos jovens de regiões com prevalência alta de HDV para países com baixas taxas do vírus, onde a infecção por HDV estava confinada a grupos de risco específicos, como o UDI32. Pelo menos oito genótipos de HDV foram identificados32. O genótipo 1 é o mais comum e está distribuído em todo o mundo, especialmente na Europa, Oriente Médio, 99 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Taiwan Ilhas do Pacífico HDV prevalência Alta Intermédia Baixa Muito baixa Sem dados Figura 2. Distribuição do HDV ao redor do mundo. (Fonte: http://www.cdc.gov/ncidod/diseases/ hepatitis/slideset/hep_d/slide_6.htm). América do Norte e norte da África. O genótipo 2 predomina na Ásia Oriental, e o genótipo 3 é visto na parte norte da América do Sul. Os genótipos de 4 a 8, na sua maioria, foram identificados em pacientes africanos29. Características clínicas As sequelas clínicas da infecção pelo VHD abrangem um espectro de manifestações que vão de insuficiência hepática fulminante ao estado de portador assintomático. As características clínicas variam, dependendo da cronificação da infecção pelo HDV. A coinfecção aguda por HBV e HDV leva a concluir a limpeza viral em mais de 90% dos casos, mas pode causar hepatite aguda grave com potencial para um curso fulminante da doença. Em contraste, apenas uma minoria dos portadores crônicos de HBsAg com superinfecção por HDV alcança a eliminação espontânea do vírus23. A hepatite delta aguda ocorre após um tempo de incubação de três a sete semanas. A fase pré‑ictérica é caracterizada clinicamente por sintomas não específicos, tais como fadiga, anorexia ou náuseas, juntamente com elevado níveis séricos de alanina aminotransferase (ALT) e aspartato aminotransferase (AST). A fase ictérica, que não está sempre presente, é caracterizada por elevações de bilirrubina. A hepatite viral fulminante D deve ser sempre excluída em pacientes de hepatite aguda B.A necrose hepatocelular maciça 100 Infecções por outros vírus de hepatite: A, D e E leva à insuficiência hepática aguda, com uma alta taxa de mortalidade, a menos que um transplante hepático de urgência seja realizado33. Surtos de hepatite D aguda graves têm sido relatados ao redor do mundo34,35. No entanto, a incidência global da infecção aguda pelo HDV diminuiu significativamente durante as últimas duas décadas que se seguiram à implementação dos programas de vacinação para o HBV. A infecção crônica pelo HDV leva mais a uma doença hepática grave do que a uma monoinfecção crônica por HBV e está associada a um curso acelerado para cirrose36. Um estudo realizado com 299 pacientes acompanhados por até 28 anos descobriu que a replicação persistente do HDV foi associada a taxas anuais de desenvolvimento de cirrose e câncer de fígado de 4 e 3%, respectivamente37. O único preditor de mortalidade do fígado relatado foi a replicação persistente do HDV. Além disso, a sobrevida é reduzida em pacientes cronicamente infectados com o HDV, independentemente da causa da morte38. Existe controvérsia sobre a virulência de genótipos distintos do HDV. O genótipo 1 tem sido associado a piores prognósticos que os do genótipo 238. Os genótipos 2 e 4 foram encontrados no Extremo Oriente e geralmente causam doença relativamente leve do fígado35. No entanto, uma variante do genótipo 2b foi apontada como causadorara de rápida progressão para a cirrose40. O genótipo 3 tem sido relacionado com surtos de hepatite aguda grave, especialmente em certas áreas do Brasil41. O genótipo F do HBV tem sido ocasionalmente associado a episódios de hepatites mais virulentas42. É digno de nota que, enquanto o genótipo do HBV não parece afetar as interações do HBsAg e HDV, o genótipo desse último pode influenciar a eficácia da montagem de HBsAg em viriões. Por outro lado, as variações de sequências de aminoácidos no HBsAg também podem influenciar a eficácia da montagem nos genótipos 2 e 4 do HDV43. Em pacientes submetidos a transplante de fígado pelo HDV, a administração de imunoglobulina hiperimune (HBIG) leva à rápida diminuição dos níveis de RNA tanto do HBsAg quanto do HDV33 A reinfecção do enxerto é prevenida com a administração prolongada de HBIg, proporcionando um resultado favorável na maioria dos pacientes44, com taxas de sobrevida de > 80% em 5 anos45. Diagnóstico Devido à dependência do HDV em relação ao HBV, a presença de HBsAg é necessária para o diagnóstico da infecção pelo HDV. A presença adicional de anticorpos IgM para hepatite B (IgM anti‑HBc) é necessária para o diagnóstico de coinfecção HBV/HDV aguda. Todos os pacientes infectados pelo HIV positivos para HBsAg devem ser testados para anticorpos anti‑HDV IgG. Também é aconselhável repetir o teste para o vírus delta anualmente em todos os pacientes com hepatite B crônica, caso continuem com as práticas de risco ou largas experiências de ALT46. Neste momento, não é clara a utilidade do teste de RNA do HDV. Quase todos os transportadores anti‑HDV apresentam viremia, embora ele flutue ao longo do tempo. É importante considerar, no entanto, que um resultado positivo para anticorpos anti‑HDV não indica necessariamente a hepatite D crônica ativa, uma vez que indivíduos coinfectados com HBV e HDV geralmente eliminam ambos os vírus após o episódio agudo. Leva anos para a perda de anticorpos anti‑HDV nesses casos, mesmo após a soroconversão de HBsAg23. Várias técnicas de laboratório estão atualmente disponíveis para o diag101 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 nóstico de infecção por HDV. O RNA do HDV pode ser detectado no soro por reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa (RT‑PCR)47. O RNA de HDV é um marcador precoce e sensível da replicação do HDV na hepatite aguda D48. Dada a heterogeneidade da sequência extensiva dos diferentes HDV isolados, o desempenho de iniciadores adequados para a amplificação de RNA do HDV é muitas vezes subótimo. Além disso, as estruturas secundária e terciária do RNA do HDV podem prejudicar a amplificação eficiente mesmo de regiões genômicas altamente conservadas49. Os exames RT‑PCR podem também ser úteis para monitorar e avaliar a erradicação da infecção pelo HDV em pacientes com remissão da doença do fígado após a terapia, para a diferenciação de genótipos de HDV ou para rastrear fontes comuns de infecção50. Em um estudo transversal recente de pacientes com infecção crônica por hepatite delta51, os perfis replicativos flutuantes e de interferência viral do HBV e do HDV foram confirmados testando a viremia longitudinalmente para ambos os vírus. A detecção de anticorpos anti‑HDV, tanto IgM e IgG, pode ser feita usando EIA ou RIA. O total de anticorpos anti‑HDV geralmente aparece após quatro semanas de exposição na hepatite D aguda; portanto, seu valor clínico é limitado, a menos que testes repetidos sejam efetuados52. No entanto, a soroconversão anti‑HDV pode ser a única maneira para diagnosticar a infecção aguda pelo HDV na ausência de outros marcadores de infecção. Altos títulos de anti‑HDV IgG estão presentes na infecção crônica pelo HDV e tendem a regredir em um pequeno subconjunto de pessoas que eliminam o HDV. O anti‑HDV IgM também pode ser detectado por exame imunoenzimático (EIA) ou RIA, mas a disponibilidade de tais técnicas é limitada. O anti‑HDV IgM está presente em títulos elevados durante a infecção crônica por HDV e tende a correlacionar‑se com episódios de replicação de HDV aumentada e gravidade da doença do fígado53 . O anti‑HDV IgM desaparece gradualmente a partir do soro em pacientes que têm remissão persistente após a terapia bem sucedida ou o transplante de fígado. Finalmente, o RNA do HDAg e do HDV pode ser detectado em tecidos do fígado rotineiramente processados para avaliação histológica. No entanto, até 50% dos espécimes de biópsia do fígado de doentes que estiveram infectados por dez ou mais anos com HDV podem apresentar níveis baixos ou ser negativo para o HDAg, sugerindo que a replicação do HDV pode diminuir com o tempo54 . Em pacientes com imunodeficiências, como aqueles com infecção por HIV avançada, o HDAg também pode ser reconhecido no soro. De uma perspectiva clínica, em países com alta prevalência de infecção pelo VHD, bem como em UDI, todos os pacientes HBsAg positivo devem ser testados para infecção pelo VHD antes de iniciar o tratamento antiviral para o HBV. O teste inicial deve começar com anti‑HDV total. Quando possível, o diagnóstico deve ser confirmado por RT‑PCR para a comprovação de RNA de HDV no soro. É importante considerar que um teste negativo para o anti‑HDV total não exclui, necessariamente, o diagnóstico de coinfecção aguda por HBV/HDV. Se um teste individual for positivo para soro de RNA do HDV, uma avaliação posterior deve incluir o estágio da doença hepática e considerar o tratamento antiviral. Não há evidência de que níveis séricos de RNA de HDV se correlacionam com a fase da doença do fígado55. A biópsia hepática não é atualmente obrigatória na hepatite delta, exames não invasivos e ferramentas para medir a fibrose hepática, como a elastrometria, não foram validados, mas são cada vez mais utilizados para informar sobre a gravidade da doença do fígado56. Índices com base em biomarcadores séricos, como o APRI, não apresentaram um bom desempenho em pacientes de hepatite D57. 102 Infecções por outros vírus de hepatite: A, D e E Tabela 1. Principais estudos clínicos para o tratamento do HDV Estudo N Contextos clínicos Tratamento Resultado Yurdaydin, et al48 15 CHD FCV Sem efeito no soro de RNA de HDV Niro, et al49 31 CHD LAM vs placebo Sem efeito no soro de RNA de HDV Yurdaydin, et al50 39 CHD LAM vs LAM + IFNα vs somente IFNα SVR em 41%. Nenhum benefício na adição de LAM Sheldon, et al58 16 HDV/HIV coinfecção HAART com tenofovir Ligeiro declínio no HDV RNA Castelnau, et al95 14 CHD PegIFNα SVR em 43% Niro, et al52 38 CHD PegIFNα vs PegIFNα + RBV SVR em 21%. Nenhum benefício na adição de RBV Yurdaydin, et al69 90 CHD PegIFNα vs PegIFNα + adefovir vs adefovir SVR em 25% com PegIFNα. Nenhum benefício na adição de adefovir Tratamento O principal objetivo da terapia para hepatite D é atingir, a longo prazo, a supressão de ambos os vírus, HDV e HBV. O objetivo primário é a supressão da replicação do HDV, que é geralmente acompanhada pela normalização das enzimas hepáticas e pela melhora na atividade necroinflamatória histológica. A supressão da replicação do HDV é documentada por perda de RNA de HDV detectável no soro e da soroconversão de HDAg no fígado. O objetivo secundário é a eliminação da infecção pelo VHB, com HBsAg para soroconversão anti‑HBs. Na última situação, o desenvolvimento de anti‑HBs irá proteger o indivíduo da reinfecção com HBV, bem como com HDV. Pacientes que tenham eliminado o HDV, mas permanecem HBsAg positivo, ainda correm o risco de reinfecção com HDV. Embora esse fenômeno só tenha sido observado em modelos animais, a reexposição ao HDV parece causar apenas uma hepatite leve e autolimitada. Não há nenhum tratamento bem estabelecido para a infecção por HDV. Várias estratégias terapêuticas têm sido propostas (Tabela 1). Dados os diferentes padrões de dominância viral entre o HDV e outros vírus existentes, os diferentes resultados clínicos correspondentes podem exigir diferentes abordagens terapêuticas. Dada a flutuação dos padrões virais dominantes ao longo do tempo, as considerações de tratamento devem ser atualizadas periodicamente. 103 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Vários nucleotídeos análogos foram avaliados como terapia para a infecção pelo HDV. Alguns deles têm mostraram nenhuma atividade contra o HDV. Tal é o caso do famciclovir, que não apresentou qualquer benefício em 15 pacientes tratados durante seis meses, seguido por outros seis meses58. A lamivudina foi também ineficaz como monoterapia59 ou em combinação com interferon α60. Embora a ribavirina tenha exibido alguma eficácia in vitro contra o HDV, nenhum efeito foi ainda reconhecido in vivo61, nem em combinação com interferon peguilado α62. Mais recentemente, um estudo de seis anos de acompanhamento observacional de 16 pacientes coinfectados com HIV, HBV e HDV63 que receberam terapia antirretroviral à base de tenofovir mostrou resultados mais promissores. No geral, 13 pacientes mostraram uma redução média, no soro, de 7 a 5,8 log10 de RNA de HDV, e três pacientes alcançaram níveis normais de ALT e RNA de HDV indetectável no soro. Essa foi a primeira evidência de que o tratamento prolongado com potentes inibidores da polimerase do HBV pode trazer efeitos benéficos em pacientes com hepatite D. As terapias baseadas em interferon são atualmente a opção preferida para o tratamento da infecção por HDV. O mecanismo de ação do Interferon α no HDV permanece desconhecido, assim como o interferon α não mostrou qualquer atividade antiviral contra o HDV in vitro64. Assim, o interferon α poderia agir suprimindo o HBV ou todos os efeitos imunomoduladores65. O maior estudo multicêntrico realizado até hoje para testar o interferon α como terapia para a hepatite D foi conduzido na Itália. Um total de 61 pacientes foi distribuído aleatoriamente para receber interferon α a 5 MU/m2 três vezes por semana durante quatro meses, seguido de 3 MU/m2 três vezes por semana durante um adicional de oito meses, ou placebo66. Os pacientes foram seguidos por mais 12 meses. Taxas de normalização da ALT foram significativamente maiores no grupo que recebeu interferon α. No entanto, a taxa de RNA de HDV indetectável no soro ou a melhoria histológica no final do período de seguimento não diferiram significativamente entre os grupos. Outro estudo menor foi realizado com 42 pacientes com hepatite D crônica aleatoriamente designados para receber duas doses diferentes (9 versus 3 MU três vezes por semana) de interferon α por 48 semanas ou placebo67. Doses mais elevadas de interferon α foram associadas a maiores taxas de normalização da ALT e RNA de HDV indetectável no soro ao fim do tratamento. Taxas de melhoria na histologia do fígado, incluindo a reversão da cirrose, também foram maiores no grupo com 9 MU. Mais recentemente, interferon peguilado α, em vez de interferon α, foi avaliado para o tratamento da hepatite D. O maior estudo feito incluiu 38 pacientes que foram tratados com interferon peguilado α sozinho ou em combinação com a ribavirina durante 48 semanas60. Todos os pacientes foram seguidos fora da terapia durante 24 semanas. As taxas de resposta não diferiram em ambos os braços do tratamento, sugerindo que a ribavirina não teve efeito sobre o HDV. Vários estudos clínicos de combinação avaliaram a eficácia da interferon peguilado α mais nucleotídeos análogos. Um dos maiores estudos controlados incluiu 90 pacientes com infecção crônica por HDV, aos quais foram aleatoriamente atribuídos interferon peguilado α sozinho, ou em combinação com adefovir, ou monoterapia com adefovir68. Após 48 semanas, os dois grupos de interferon peguilado α demonstraram supressão significativamente maior do HBV do que a monoterapia com adefovir. No geral, a supressão do HDV ocorreu em um quarto dos pacientes com interferon peguilado α, mas os pacientes que receberam 104 Infecções por outros vírus de hepatite: A, D e E a terapia combinada tiveram um declínio significativamente maior nos níveis de HBsAg, com dois eliminando o HBsAg. A terapia combinada não oferece nenhuma vantagem sobre a monoterapia com interferon peguilado α. O tratamento da infecção crônica por HDV com interferon peguilado α por pelo menos um ano é geralmente recomendado23. O tratamento prolongado deverá ser considerado se os pacientes forem capazes de tolerar os efeitos adversos da terapia e não houver evidência de respostas bioquímicas e virológicas ao tratamento. Potentes inibidores da polimerase do HBV, como tenofovir, são indicados apenas se as terapias com interferon α não forem viáveis e não houver a replicação elevada do HBV. Novas drogas contra o HDV, incluindo agentes tais como inibidores de prenilação, estão sendo desenvolvidos69. Além disso, as moléculas de interferon α alternativas, tais como λ‑IFN, justificam uma investigação adicional como agentes anti‑HDV. Hepatite E Similar à hepatite A, a hepatite E (HEV) se espalha por via fecal‑oral. O HEV foi isolado pela primeira vez em 1955 durante um surto de hepatite aguda na Índia. Entre suas características clínicas, o HEV tem sido associado à hepatite fulminante durante a gravidez70. Atualmente, a infecção por HEV é um importante problema de saúde pública nos países em desenvolvimento e, recentemente, se tornou um patógeno relevante para indivíduos imunocomprometidos que vivem em regiões desenvolvidas. Virologia O HEV é o único membro do gênero Hepevirus na família Hepeviridae. O HEV é um vírus de RNA de cadeia simples, icosaédrico, não envelopado, com 27‑34 nm de diâmetro. Seu genoma é constituído por uma única fita de RNA fechada, positiva, de aproximadamente 7.200 kb de comprimento. Três ORFs têm sido descritas. A ORF1, localizada na extremidade 5’ do genoma, codifica poliproteínas não estruturais virais que estão envolvidas no processamento e na replicação viral.Ainda não está claro se a poliproteína ORF1 funciona como uma única proteína com múltiplas domínios funcionais ou se está individualmente clivada a proteínas menores71. A ORF2, localizada na extremidade 3’ do genoma, codifica a proteína da cápside viral e três locais de glicolisação potenciais. As mutações nesses locais de glicolisação limitam a formação de partículas de vírus infecciosas72. A ORF3 codifica um pequeno citoesqueleto associado a fosfoproteína73, assim como a uma proteína que é essencial para a infecciosidade do vírus in vivo74, embora sua expressão não seja necessária à replicação do vírus, à montagem do virião ou à infecção in vitro75. Epidemiologia A infecção por HEV é umas das causas mais frequentes de hepatite viral aguda ao redor do mundo. Até um terço da população mundial está infectada pelo HEV76. A soroprevalência 105 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Altamente endêmico (contaminação da água ou infeção confirmada HEV em ≥ 25% de esporádicos não-A, não-B hepatites) Endêmico (infeção confirmada HEV em < 25% esporádicos não-A, não-B hepatites) Não endêmico Figura 3. Níveis de endemicidade para o HEV. (Fonte: CDC. Disponível em http://www.cdc.gov/ hepatitis/HEV/). do HEV é maior em países onde o saneamento da água é insatisfatório, como na Ásia Central, no Sudeste e Norte da África e no Oriente Médio. Nessas regiões, a soroprevalência do HDV pode ser maior que 25%77. Nos países ocidentais, a soroprevalência do HEV na população geral é de 1 a 3%78 (Fig. 3). Ocasionalmente, grandes diferenças nas taxas de anti‑HEV IgG têm sido o resultado de diferenças na sensibilidade e especifidade dos testes de laboratório79. Uma maior soroprevalência de HEV em países desenvolvidos é inesperada, especialmente quando considerado que a hepatite E sintomática é frequente nessas regiões, e pode refletir exposição a animais infectados, infecção por HEV antes subclínico, reatividade sorológica cruzada com outros agentes ou falsos resultados sorológicos positivos. Diferentes perfis epidemiológicos podem ser considerados, dependendo da endemicidade do HEV. Em regiões altamente endêmicas, como os países tropicais e subtropicais da Ásia, África e América Central, a infecção por HEV é mais comumente transmitida pela via fecal‑oral, geralmente através da água contaminada. Outras formas de transmissão incluem alimentos contaminados, transfusão de sangue contaminado, transmissão vertical ou mesmo direta de pessoa a pessoa80. Grandes surtos de HEV são comuns nessas áreas, especialmente devido à contaminação da água. Durantes esses surtos, um grande número de indivíduos pode se infectar, especialmente os mais jovens. Mulheres grávidas correm maior risco de desenvolver falência hepática fulminante e de óbito durante esses surtos. 106 Infecções por outros vírus de hepatite: A, D e E Em regiões de baixa endemicidade, como a América do Norte e a Europa Ocidental, a hepatite E é incomum e geralmente associada a viajantes para regiões endêmicas. No entanto, as reservas animais desempenham um papel importante nos casos autóctones devido à ingestão de carne mal cozida e ao contato com animais infectados, especialmente os suínos. Na Europa, a soroprevalência do HEV mostra uma variação geográfica, com a maior taxa encontrada no sul da França. Quatro diferentes genótipos de HEV têm sido descritos81. Os genótipos 1 e 2 são restritos de humanos para humanos e são os principais responsáveis pelas grandes epidemias de veiculação hídrica nas regiões endêmicas82.Os genótipos 3 e 4 são ambos encontrados em humanos e em animais. Eles são os principais responsáveis pelos casos esporádicos de hepatite E. Enquanto o genótipo 3 é encontrado principalmente na Europa, nos USA e no Japão, o genótipo 4 do HEV está presente principalmente na Ásia83. Manifestações clínicas O HEV geralmente causa infecção aguda autolimitada, embora a hepatite fulminante possa se desenvolver. A hepatite crônica não se desenvolve após a infecção aguda por HEV, exceto no contexto de transplante e, ocasionalmente, em pacientes imunossuprimidos, como na infecção avançada por HIV. A hepatite aguda autolimitada é a condição clínica mais comum associada à infecção pelo HEV. Embora as características clínicas não se diferenciem muito entre países industrializados e em desenvolvimento, a taxa de mortalidade é mais alta nesses últimos, onde pode chegar a mais de 11%84,85. Na história prévia da doença do fígado, o abuso do álcool pode levar a desfechos fatais. O período de incubação da infecção por HEV varia de 15 a 60 dias, com um espectro clínico variando de formas assintomáticas à hepatite ictérica aguda. Os sintomas clínicos não são específicos e incluem febre, dor, mialgia, anorexia, icterícia e prurido79. A infecção pelo genótipo 4 do HEV está associada a manifestações clínicas mais severas83. A viremia e a excreção viral nas fezes são observadas durante o período de incubação, entre uma e duas semanas antes do início dos sintomas clínicos. De alguns dias a duas semanas após o início dos sintomas, o RNA do HEV não é mais detectável no sangue. A hepatite E crônica é uma condição rara, observada principalmente em pacientes imunocomprometidos como os transplantados, os infectados por HIV ou pacientes com doenças hematológicas malignas86,87. A infecção crônica por HEV foi originalmente identificada na forma de elevações inexplicáveis das enzimas hepáticas em pacientes transplantados na França. Casos esporádicos de transporte persistente de HEV têm sido relatados em indivíduos infectados por HIV88. A presença de RNA de HEV no soro e nas amostras de fezes pode ajudar a fazer o diagnóstico, sendo anti‑HEV IgM e IgG persistentemente positivos. A metade dos pacientes transplantados nos quais a infecção crônica por HEV é diagnosticada são assintomáticos. Alguns poucos pacientes relatam sintomas inespecíficos, tais como astenia ou dor nas articulações. Os pacientes com infecção crônica por HEV podem apresentar taxas elevadas de enzimas hepáticas, viremia de HEV persistente e lesões fibrótico‑inflamatórias na biópsia do fígado. Manifestações extra‑hepáticas são incomuns79. 107 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Baixas taxas de infecção pelo HEV foram encontradas em pacientes infectadas por HIV com elevações inexplicáveis de enzimas hepáticas, mesmo entre os indivíduos com imunodeficiência avançada. Em uma série de 50 pacientes espanhóis infectados pelo HIV com contagem de CD4 < 200 cel/µl e enzimas hepáticas elevadas, não foi encontrada viremia de HEV em nenhum deles89. Em outro estudo que examinou 245 indivíduos infectados por HIV na França88, três deles desenvolveram hepatite E aguda e 15 mostraram anti‑HEV IgG, o que representou uma soroprevalência global de 6%. Um estudo de controle de caso em indivíduos infectados com HIV no Reino Unido encontrou soroprevalência global de anti‑HEV IgG de 9,4%90. Nenhum dos pacientes envolvidos tinha RNA de HEV detectável ou anticorpos anti‑HEV IgM. Finalmente, outro estudo feito nos EUA envolvendo 194 pacientes infectados com HIV91 encontrou uma incidência global de infecção por HEV de 4%, sem nenhum caso de hepatite E crônica. Em um todo, esses resultados sugerem que a infecção pelo HEV entre pacientes HIV‑positivos é rara. Mulheres grávidas formam uma população na qual a infecção por HEV ainda é um importante problema de saúde pública. Por razões desconhecidas, a insuficiência hepática fulminante devido ao HEV ocorre mais frequentemente durante a gravidez, resultando em um alto índice de mortalidade que pode ultrapassar 25%, principalmente em mulheres no terceiro trimestre de gravidez92. Por outro lado, mulheres que apresentam icterícia e hepatite viral aguda causada pela infecção por HEV parecem ter pior experiência obstétrica e resultado fetal93. Este curso da infecção por HEV durante a gravidez não foi confirmado em todos os lugares, com episódios leves de hepatite sendo a regra no Egito e no sul da Índia94. Por essa razão, alguns autores concluíram que não há correlação entre gravidez e a severidade do HEV95 e que a gravidez não complica episódios de hepatite viral aguda, independentemente da sua etiologia. O papel das variantes do HEV na severidade da doença ainda precisa ser investigado96. Diagnóstico O diagnóstico da hepatite E aguda baseia‑se na detecção de RNA de HEV no soro ou nas fezes por PCR ou pela detecção de anticorpos IgM para HEV97. Os testes de anticorpos para o HEV, sozinhos, são menos acurados para o diagnóstico, uma vez que resultados positivos e negativos falsos têm sido relatados98. Testes anti‑HEV IgG e IgM para o diagnóstico estão disponíveis comercialmente. O RNA do HEV pode ser detectado nas fezes aproximadamente uma semana antes do início da doença e persiste por mais de duas semanas após. Porque o HEV é transmitido entericamente, os pacientes são infectados durante a eliminação fecal. A viremia do HEV é geralmente de curta duração, mas a persistência por até quatro meses tem sido descrita99. O anti‑HEV IgM aparece durante a fase inicial da doença clínica e desaparece rapidamente entre quatro e cinco meses100. A resposta do IgG aparece logo após a do IgM, permanecendo positiva por anos após o episódio agudo. O anti‑HEV IgM medido por EIA tem demonstrado sua precisão no diagnóstico em surtos de HEV101. Testes de ácido nucléico e sorológicos (qualitativos e quantitativos para RNA de HEV) representam o padrão ouro para a testagem do HEV. Ambos têm sido usados com fins 108 Infecções por outros vírus de hepatite: A, D e E epidemiológicos e de diagnóstico. Mais recentemente, a disponibilidade de testes PCR em tempo real melhorou a sensibilidade e a especificidade dos diagnósticos de HEV, permitindo uma maior diferenciação de genótipos de HEV102. Tratamento Não há tratamento específico para a hepatite E, sendo a terapia de suporte a única estratégia terapêutica para a infecção aguda severa por HEV. Um estudo piloto avaliou a eficácia do ribavirina103 em seis pacientes infectados por HIV com hepatite E crônica que haviam sido submetidos a transplantes renais mais de três anos antes. Eles receberam monoterapia com ribavirina por três meses a doses de 600‑800 mg/dia de acordo com a função renal. O RNA de HEV tornou‑se indetectável no soro em todos os pacientes, quatro deles mostraram resposta virológica sustentada e outros pacientes reincidiram após a suspensão da ribavirina. Todos os pacientes normalizaram o ALT durante a terapia. Profilaxia Várias vacinas contra o HEV estão sendo desenvolvidas, com resultados muito promissores104. Um largo estudo na fase III recentemente testou uma vacina HEV recombinante105. Mais de 110.000 indivíduos foram recrutados e randomizados para receber três diferentes doses de vacina ou placebo nas semanas 0, 4 e 24. Uma alta imunização foi obtida em todos os braços de antígeno em comparação ao placebo. Além disso, os sintomas, associados à vacina, quando presentes foram leves, sem eventos adversos graves. Enquanto espera‑se pela chegada de vacinas contra o HEV, a implementação de medidas de higiene é crucial para evitar a transmissão via fecal‑oral. Pessoas que viajam para áreas endêmicas devem se engajar em práticas para diminuir a exposição ao HEV, evitando o consumo de água de pureza desconhecida e de mariscos, frutas ou vegetais crus. Bibliografia 1. Feinstone S, Kapikian A, Purcell R. Hepatitis A: detection by immune electron microscopy of a virus‑like antigen associated with acute illness. Science. 1973;182:1026‑8. 2.Lemon SM, Jansen RW, Brown EA. 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Ao final de 2004, foi aprovada, para uso clínico a enfuvirtida, da classe dos inibidores de fusão (IF) e, mais recentemente, medicamentos de duas novas classes de ARV, a dos antagonistas de receptores da quimiocina CCR5 e a dos inibidores da integrase (INI). Neste capítulo, descrevemos as principais características dos ARVs disponíveis comercialmente agrupados por classe terapêutica, estando representado esquematicamente na figura 1 o ciclo de replicação do HIV e como cada classe atua nas etapas desse ciclo. Informações adicionais estão compiladas nas tabelas 1 (nome comercial e genérico, fabricante e ano de aprovação nos EUA, de acordo com a classe terapêutica), 2 (doses recomendadas de cada ARV, incluindo recomendações para uso em insuficiência renal), 3 (interações medicamentosas) e 4 (ARV em desenvolvimento). O tratamento antirretroviral (TARV) eficaz deve ser feito com uma combinação de medicamentos de diferentes classes, escolhidos de acordo com o histórico de uso de ARV, existência de comorbidades, hábitos e estilo de vida de cada paciente. Em função do constante aumento de conhecimentos no campo dos ARVs, sugerimos revisão periódica das informações e, para tal, recomendamos os seguintes sites: –www.anvisa.gov.br/medicamentos/banco_med.htm –www.hivdruginteractions.org –www.aids.gov.br –www.kydney.org 113 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Inibidores de protease APV, ATV, DRV, IDV, LPV, NFV, SQV, TPV Inibidor de fusão ENF Envelope proteico Fusão Maturação CD4 Inibidores de TR NRTI: 3TC, ABC, AZT, d4T, DDI, FTC, TDF NNRTI: EFV, NVP, ETR, RPV Receptor de quimiocina Clivagem proteolítica Transcrição reversa Antagonista de receptor de quimiocina - MVC Complexo Pré-integração Tradução Inibidores de integrase RAL, ELV Transcrição Integração DNA hospedeiro DNA viral Figura 1. Ciclo replicativo do HIV, com destaque dos locais de ação das classes de antirretrovirais disponíveis. Inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos e nucleotídeos Os medicamentos dessa classe são análogos dos nucleosídeos e nucleotídeos existentes nas células humanas, nas quais penetram e sofrem tripla fosforilação, gerando substratos sintéticos da enzima transcriptase reversa do HIV. No processo citoplasmático de transcrição reversa, que ocorre logo após a entrada do HIV na célula e resulta em uma molécula de DNA complementar ao RNA viral, o fármaco compete com os substratos naturais e, ao ser incorporado, interrompe essa etapa do ciclo replicativo do vírus. Os ITRNN disponíveis são zidovudina (ZDV ou AZT) e estavudina (d4T), análogos de timidina, didanosina (ddI), análogo de adenosina, abacavir (ABC), análogo de guanina, lamivudina (3TC) e emtricitabina (FTC), análogos de citosina e o tenofovir (TDF), análogo de nucleotídeo. Na maior parte dos pacientes, usam-se dois ITRNs na composição do TARV. A maioria dos ITRNs sofre eliminação primariamente por excreção renal, exceto a ZDV e o ABC, que são metabolizados por glicuronidação hepática. Os análogos de nucleosídeos trifosforilados inibem também a DNA polimerase g, enzima responsável pela síntese de DNA mitocondrial, causando uma série de eventos 114 Classificação dos antirretrovirais Tabela 1. Nome comercial e genérico, fabricante e data de aprovação de uso nos EUA dos ARVs aprovados para comercialização até março de 2012, de acordo com a classe Nome comercial Nome genérico Fabricante Data da aprovação Inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos Retrovir Zidovudina, azidotimidina GlaxoSmithKline 19-Mar-87 Videx Didanosina, dideoxinosina Bristol Myers-Squibb 09-Out-91 Hivid Zalcitabina, dideoxicitidina* Hoffmann-La Roche 19-Jun-92 Zeritavir Estavudina† Bristol Myers-Squibb 24-Jun-94 Epivir Lamivudina GlaxoSmithKline 17-Nov-95 Ziagen Sulfato de abacavir GlaxoSmithKline 17-Dez-98 Videx EC Didanosina de revestimento entérico Bristol Myers-Squibb 31-Out-00 Viread Tenofovir disoproxil fumarato Gilead Sciences 26-Out-01 Emtriva Entricitabina Gilead Sciences 02-Jul-03 Inibidores da transcriptase reversa não-análogos de nucleosídeos Viramune Nevirapina Boehringer Ingelheim 21-Jun-96 Rescriptor Delavirdina‡ Pfizer 04-Abr-97 Stocrin/ Sustiva Efavirenz Bristol Myers-Squibb 17-Set-98 Intelence Etravirina Tibotec Therapeutics 18-Jan-08 Edurant Rilpivirine Tibotec Therapeutics 20-Mai-11 Inibidores da potease (IP) Invirase Mesilato de saquinavir§ Hoffmann-La Roche 06-Dez-95 Norvir Ritonavir Abbott Laboratories 01-Mar-96 Crixivan Indinavir† Merck & Co., Inc. 13-Mar-96 Agouron Pharmaceuticals 14-Mar-97 Hoffmann-La Roche 07-Nov-97 GlaxoSmithKline 15-Abr-99 Viracept Mesilato de Fortovase Saquinavir nelfinavir‡ § Agenerase Amprenavir Kaletra Lopinavir e ritonavir Abbott Laboratories 15-Set-00 Reyataz Sulfato de atazanavir Bristol-Myers Squibb 20-Jun-03 Lexiva Fosamprenavir GlaxoSmithKline 20-Out-03 Tabela continua 115 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 1. Nome comercial e genérico, fabricante e data de aprovação de uso nos EUA dos ARVs aprovados para comercialização até março de 2012, de acordo com a classe (continuação) Nome comercial Nome genérico Fabricante Data da aprovação Aptivus Tipranavir Boehringer Ingelheim 22-Jun-05 Prezista Darunavir Tibotec Therapeutics 23-Jun-06 Inibidores de fusão Fuzeon Enfuvirtida Hoffmann-La Roche & Trimeris 13-Mar-03 Inibidores de CCR5 Selzentry Maraviroc Pfizer 06-Ago-07 Inibidores de Integrase Isentress Raltegravir Merck & Co., Inc. 12-Out-07 Combinações de antirretrovirais Combivir/ Biovir Lamivudina e zidovudina GlaxoSmithKline 27-Set-97 Trizivir Abacavir, zidovudina, e lamivudina GlaxoSmithKline 14-Nov-00 Epzicom Abacavir e lamivudina GlaxoSmithKline 02-Ago-04 Truvada Tenofovir disoproxil fumarato e entricitabina Gilead Sciences 02-Ago-04 Atripla Efavirenz, entricitabina e tenofovir disoproxil fumarato Bristol-Myers Squibb and Gilead Sciences 12-Jul-06 Complera Entricitabine, rilpivirina e tenofovir disoproxil fumarato Gilead Sciences 10-Ago-11 *Não é mais comercializado devido ao perfil de toxicidade (principalmente neuropatia periférica), além de menor comodidade posológica (necessidade de uso a cada 8h). †Atualmente não é mais recomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil, devido ao perfil de toxicidade. ‡Não é mais comercializado devido à curta meia-vida, grande número de comprimidos por dose e baixa barreira genética. §Não é mais comercializado nesta formulação. Adaptado de http://www.fda.gov/ForConsumers/byAudience/ForPatientAdvocates/HIVandAIDSActivities/ucm118915.htm adversos (EA) por toxicidade mitocondrial, mais frequentemente relacionados aos medicamentos mais antigos da classe, como ZDV, d4T e ddI, incluindo anemia, granulocitopenia, miopatia (fraqueza muscular, fadiga, mialgia e elevação dos níveis da CPK no sangue), neuropatia periférica, pancreatite, acidose lática e esteatose hepática. FTC, 3TC e TDF apresentam baixa afinidade pela DNA polimerase ϕ e, portanto, menor grau de toxicidade mitocrondrial. 116 Classificação dos antirretrovirais Os ITRNs não têm interações significativas com outros medicamentos, por não serem substratos importantes das enzimas do citocromo P450 (CYP); porém, deve-se evitar uso concomitante com fármacos que podem causar os mesmos tipos de efeitos adversos, como etambutol, isoniazida, vincristina, cisplatina, pentamidina (pancreatite ou neuropatia periférica) e quimioterápicos mielotóxicos. O uso de ZDV, ddI e d4T em combinação com ribavirina e interferon (IFN), usados no tratamento da hepatite C crônica, resulta em maior risco de anemia grave, descompensação hepática, neuropatia periférica, pancreatite e acidose lática; portanto, o rastreio da infecção pelo vírus da hepatite C (HCV) deve ser feito idealmente antes da escolha dos ARVs, para que se possa optar por TARV composto por outros ITRNs. 3TC, FTC e TDF reduzem substancialmente as concentrações plasmáticas de DNA do vírus da hepatite B (HBV) e é necessário cuidado com sua interrupção devido ao risco de aumento exponencial da replicação do HBV e exacerbação de hepatite. Os dois análogos timidínicos (ZDV e d4T) não devem ser usados concomitantemente, pois competem entre si, causando menor resposta ao TARV. O ZDV, primeiro ARV disponibilizado, ainda é largamente utilizada nos países em desenvolvimento pelo seu baixo custo, embora as recomendações mais recentes o classifiquem como opção alternativa de TARV, pela maior toxicidade mitocondrial em relação aos medicamentos mais recentes dessa classe, mantendo a indicação de uso para prevenção da transmissão materno-infantil e profilaxia pós-exposição em profissionais de saúde expostos ao HIV. A anemia é o EA que mais frequentemente causa a interrupção do uso de ZDV, e macrocitose eritrocitária ocorre em cerca de 90% dos pacientes. Hiperpigmentação das unhas pode ser associada ao uso crônico de ZDV. Probenecida, fluconazol, atovacona e ácido valproico podem aumentar a concentração plasmática desse ITRN e, consequentemente, sua toxicidade. A ddI é pouco usada nos países desenvolvidos devido a disponibilidade de outros ARVs menos tóxicos. A formulação de absorção entérica, enteric coat (ddI-EC), permite o uso de uma cápsula em dose única diária, que deve ser ingerida intacta. Apesar das recomendações da bula para ingestão com estômago vazio, sua administração com alimentos não parece afetar de modo significativo a eficácia. Os EAs mais associados ao ddI são neuropatia periférica (o mais frequente), alterações retinianas, neurite ótica, hepatotoxicidade, hiperuricemia assintomática e pancreatite potencialmente fatal. O uso concomitante de ganciclovir pode aumentar a concentração plasmática de ddI e o risco de toxicidade. O TDF aumenta a exposição ao ddI em 44-60%, levando à maior toxicidade de ambas os fármacos, mesmo com doses ajustadas de ddI, além de queda paradoxal da contagem de células TCD4+, e, portanto, essa combinação deve ser evitada. O d4T não é mais utilizado nos países desenvolvidos. A dose diária de 40 mg, recomendada inicialmente, está proscrita pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Seu perfil de toxicidade é considerado o pior da classe com 12% de incidência de neuropatia periférica e é o ITRN mais fortemente associado a alterações metabólicas e lipodistrofia. Seu uso deve ser interrompido assim que sinais e sintomas de toxicidade comecem a aparecer, caso contrário, os danos podem ser irreversíveis. O d4T não é mais considerado como opção para TARV em nosso meio. O 3TC é ativo na inibição de HIV-1, HIV-2 e HBV e pode ser usado em dose única diária. Possui baixa toxicidade, com descrição de raros casos de exantema, pancreatite e neuropatia associados ao seu uso. 117 118 Dose diária 300 mg comprimido 100 mg cápsula 10 mg/ml VI solução 10 mg/ml solução oral 15, 20, 30 e 40 mg cápsula 1 mg/ml solução oral (200 ml) 150, 300 mg comprimido 10 mg/ml solução oral Estavudina Lamivudina Tabela continua Adultos: 150 mg 2x/dia ou 300 mg 1x/dia Pediátrico: 14-21 kg = 150 mg; 21-30 kg = 225 mg; 30 kg = 300 mg; solução oral (3 meses até 16 anos) = 2 mg/kg (2x/dia) Alimentos: administrar com ou sem alimentos Insuficiência renal: Clearence de creatinina ≥50 ml/min: sem ajuste de dose Clearence de creatinina 30-49 ml/min: 150 mg 2x/dia Clearence de creatinina 15-29 ml/min: primeira dose de 150 mg, depois 100 mg 2x/dia Clearence de creatinina 5-14 ml/min: primeira dose de 150 mg, depois 50 mg 2x/dia Clearence de creatinina < 5 ml/min; hemodiálise ou diálise peritoneal: primeira dose de 50 mg, depois 25 mg 2x/dia Adultos: 30 mg (2x/dia) Neonatos (< 13 dias de vida): 0,5 mg/kg a cada 12h Pediátrico (14 dias até peso ≤ 30 kg): 1 mg/kg a cada 12h Alimentos: administrar com ou sem alimentos Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose Adultos: 300 mg 2x/dia. Pediátrico (4 semanas até < 18 anos): 4-9 kg = 24 mg/kg/dia; 9-30 kg = 18 mg/kg/dia; > 30 kg = 600 mg/dia (2-3x/dia) Grávidas: igual adulto; durante o parto, 2 mg/kg IV por 1h, seguido por infusão venosa de 1 mg/kg/h (sobre o peso total) até cortar o cordão umbilical. Se solução VI não disponível usar 300 mg VO no começo do trabalho de parto e de 3/3h até clampear o cordão umbilical Neonatos: 2 mg/kg VO a cada 6h (iniciar nas primeiras 12h de vida) ou 1,5 mg/kg VI por 30min a cada 6h Alimentos: administrar com ou sem alimentos Insuficiência renal: Clearence de creatinina ≥ 15 ml/min: sem ajuste de dose Clearence de creatinina < 15 ml/min, hemodiálise ou diálise peritoneal: 100 mg a cada 6-8h Inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos (ITRN) Apresentação Zidovudina Nome genérico Tabela 2. Dosagem recomendada dos antirretrovirais utilizados na prática clínica Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Apresentação 300 mg comprimido 20 mg/ml solução oral 125, 200, 250 e 400 mg 200 mg cápsula 10 mg/ml solução oral (170 ml) Nome genérico Abacavir Didanosina EC Entricitabina Tabela continua Adultos: 200 mg 1x/dia Pediátrico: 0 a 3 meses = 3 mg/kg; 3 meses a 17 anos = 6 mg/kg até no máx. 240 mg (24 ml) ou crianças com peso > 33 kg = 200 mg cápsula (1x/dia) Alimentos: administrar com estômago vazio Insuficiência renal: Clearence de creatinina ≥ 50 ml/min: sem ajuste de dose Clearence de creatinina 30-49 ml/min: 200 mg a cada 48h Clearence de creatinina 15-29 ml/min: 200 mg a cada 72h Clearence de creatinina ≤ 15 ml/min ou hemodiálise: 200 mg a cada 96h Diálise peritoneal: desconhecido; usar com precaução < 25 kg = 200 mg; 25-59 kg = 250 mg; ≥60 kg = 400 mg (1x/dia) Alimentos: administrar ≥ 30min antes ou ≥ 2h após alimentação. Não precisa ser mastigado nem dissolvido Insuficiência renal: Peso > 60 kg Clearence de creatinina ≥ 60 ml/min: sem ajuste de dose Clearence de creatinina 30-59 ml/min: 200 mg 2x/dia Clearence de creatinina ≤ 29 ml/min; hemodiálise ou diálise peritoneal: 125 mg 2x/dia Peso < 60 kg Clearence de creatinina ≥ 60 ml/min: sem ajuste de dose Clearence de creatinina 10-59 ml/min: 125 mg 2x/dia Clearence de creatinina ≤ 10 ml/min; hemodiálise ou diálise peritoneal: não usar DDI EC; usar DDI sem revestimento entérico Adultos: 300 mg 2x/dia ou 600 mg 1x/dia Pediátrico: 14-21 kg = 300 mg; 21-30 kg = 450 mg; 30 kg = 600 mg; solução oral (3 meses até 16 anos) = 8 mg/kg (1x/dia) Alimentos: administrar com ou sem alimentos Insuficiência renal: comportamento desconhecido durante diálise peritoneal, usar com precaução Dose diária Tabela 2. Dosagem recomendada dos antirretrovirais utilizados na prática clínica (continuação) Classificação dos antirretrovirais 119 120 150, 200, 250 e 300 mg comprimido 400 mg/g de pó oral Tenofor vidisoproxil fumarato Adultos: 300 mg 1x/dia Pediátrico: 17-22 kg = 150 mg; 22-28 kg = 200 mg; 28-35 kg = 250 mg; 35 kg = 300 mg; pó oral = 8 mg/kg (2 anos ou mais) (1x/dia) Alimentos: administrar com ou sem alimentos Insuficiência renal: Clearence de creatinina ≥ 50 ml/min: sem ajuste de dose Clearence de creatinina 30-49 ml/min: 300 mg a cada 48h Clearence de creatinina 10-29 ml/min: 300 mg a cada 72h Hemodiálise: 300 mg a cada 7 dias Diálise peritoneal: desconhecido; usar com precaução Dose diária 200 mg comprimido 50 mg/ml solução oral (240 ml) 50 e 200 mg cápsula 600 mg comprimido 25, 100 e 200 mg comprimido 25 mg comprimido Nevirapina Efavirenz Etravirina Rilpivirina Adultos: 25 mg 1x/dia Pediátrico: ainda não aprovado pelo FDA Alimentos: administrar com alimentos Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose Tabela continua Adultos: 200 mg 2x/dia Pediátrico (6-18 anos e > 16 kg): 16-19 kg: 100 mg; 20-24 kg: 125 mg; 25-29 kg: 150 mg; ≥ 30 kg: 200 mg (1x/dia) Alimentos: administrar com alimentos Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose Adultos: 600 mg 1x/dia Pediátrico (> 3 anos e >10 kg): 10-14 kg = 200 mg; 15-19 kg = 250 mg; 20-24 kg = 300 mg; 25-32,4 kg = 350 mg; 32,5-39 kg = 400 mg; ≥ 40 kg = 600 mg (1x/dia) Alimentos: administrar com ou sem alimentos, evitando somente refeições muito gordurosas. Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose Adultos: 200 mg 1x/dia por 2 semanas, depois 200 mg 2x/dia Pediátrico (> 15 dias): 150 mg/m2 1x/dia por 2 semanas, depois 150 mg/m2 2x/dia Alimentos: administrar com ou sem alimentos Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose Inibidores da transcriptase reversa não-análogos de nucleosídeos (ITRNN) Apresentação Nome genérico Tabela 2. Dosagem recomendada dos antirretrovirais utilizados na prática clínica (continuação) Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Apresentação 200, 333 ou 400 mg 200, 625 mg comprimido 50 mg/ml pó oral 200 mg cápsula gel dura 500 mg comprimido revestido 100 mg comprimido 100 mg cápsula soft-gel 100/25mg e 200/50 mg comprimido 80/20 mg/ml solução oral 100, 150, 200 e 300 mg cápsula Nome genérico Indinavir Nelfinavir Saquinavir Ritonavir Lopinavir/ ritonavir Atazanavir Tabela continua Adultos: 400 mg 1x/dia (pacientes virgem de TARV); ATV/r: 300/100 mg 1x/dia; ATV/r + EFV: 400/100 mg 1x/dia Pediátrico (6 a 18 anos): 15-19 kg = 150 mg; 20-39 kg = 200 mg; > 40 kg = 300 mg (1x/dia) Alimentos: administrar com alimentos Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose Adultos: 400/100 mg ou 5 ml 2x/dia; 800/200 mg ou 10 ml 1x/dia em pacientes com menos de 2 mutações relacionadas ao lopinavir Pediátrico (> 14 dias): 14 dias a 6 meses: 16/4 mg/kg ou 300 mg/m2 2x/dia; 6 meses a 18 anos: = 230/57,5 mg/m2 2x/dia (Sem EFV, NVP, AMP e NFV concomitantes); 300/75 mg/m2 2x/dia (Com EFV, NVP, AMP e NFV concomitantes). Até no máximo a dose para adultos Alimentos: Administrar com alimentos Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose Usado como indutor farmacocinético (booster) com os demais IPs Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose Adultos: SQV/r 1.000/100 mg 2x/dia ou 400/400 mg 2x/dia Alimentos: quando associado ao RTV, não é necessário administrar com alimentos gordurosos Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose Adultos: 1.250 mg 2x/dia (comprimido) ou 750 mg 3x/dia; 25 ml 2x/dia (solução oral) Alimentos: administrar com alimentos Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose Adultos: 800 mg a cada 8h ou IDV/r 800/100 mg 2x/dia Alimentos: administrar ≥ 1h ou ≥ 2h após alimentação quando usado sem RTV. Associado com RTV: administrar com ou sem alimentos Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose Inibidores da potease (IP) Dose diária Tabela 2. Dosagem recomendada dos antirretrovirais utilizados na prática clínica (continuação) Classificação dos antirretrovirais 121 122 Apresentação 700 mg comprimido 250 mg cápsula 100 mg/ml solução oral 75, 150, 400 e 600 mg comprimido 108 mg em pó liofilizado (suficiente para dose de 90 mg) para ser reconstituído em 1,1ml de água destilada 150 e 300 mg comprimido Nome genérico Fosamprenavir Tipranavir Darunavir Enfuvirtida Maraviroc Tabela continua Adultos: com potentes inibidores CYP3A (com ou sem indutores CYP3A) incluindo IP (exceto TPV/r) = 150 mg 2x/dia; com ITRNN, TPV/r, NVP, RAL e outros medicamentos que não são potentes indutores ou inibidores CYP3A = 300 mg 2x/dia; com potentes indutores CYP3A incluindo EFV (sem um potente indutor CYP3A) = 600 mg 2x/dia Inibidores de CCR5 Adultos: 90 mg (1 ml) SC a cada 12h, no antebraço ou abdômen, variando os sítios da injeção Pediátrico (6-16 anos): 2 mg/kg até no máximo 90 mg 2x/dia Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose Inibidores de fusão Adultos: 800/100 mg ou 600/100 mg (pacientes com pelo menos 1 mutação associada ao DRV) 2x/dia Pediátrico (> 6 anos): 20-29 kg = 375 mg DRV + 50 mg RTV; 30-39 kg = 450 mg DRV + 60 mg RTV; ≥ 40 kg = 600 mg DRV + 100 mg RTV (2x/dia) Alimentos: administrar com alimentos Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose Adultos: TPV/r: 500/200 mg 2x/dia Pediátrico (2 a 18 anos): 14 mg/kg (375 mg/m2) + 6 mg/kg (150 mg/m2) RTV (2x/dia) Não deve excer a dose para adultos Alimentos: administrar com alimentos Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose Adultos: FPV/r: 1400/100 mg ou 1400/200 mg 1x/dia (pacientes virgem de TARV); FPV/r 700/100 mg 2x/dia (pacientes experimentado de IP) Pediátrico (4 semanas a 18 anos): < 11 kg = 45 mg/kg FPV + 7 mg/kg RTV; 11-14 kg = 30 mg/ FPV + 3 mg/kg RTV; 15-19 kg = 23 mg/kg FPV + 3 mg/kg RTV; ≥ 20 kg = 18 mg/kg FPV + 3 mg/kg RTV (1x/dia). Não deve exceder a dose para adultos Alimentos: administrar com ou sem alimentos Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose Dose diária Tabela 2. Dosagem recomendada dos antirretrovirais utilizados na prática clínica (continuação) Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Apresentação 400 mg comprimido 25 e 40 mg comprimido mastigável 150/300 mg comprimido 300/300/150 mg comprimido 600/300 mg comprimido Nome genérico Raltegravir Lamivudina e zidovudina (Combivir) Abacavir, zidovudina, e lamivudina (Trizivir) Abacavir e lamivudina 1 comprimido 1x/dia 1 comprimido 2x/dia 1 comprimido 2x/dia Combinações Tabela continua Adultos: 400 mg ou 800 mg (com rifampicina) 2x/dia Pediátrico: 2-6 anos: 10-13 kg = 75 mg comprimido ou 3 x 25 mg comprimido mastigável; 14-19 kg = 100 mg comprimido ou 1 x 100 mg comprimido mastigável; 20-27 kg = 150 mg comprimido ou 1,5 x 100 mg comprimido mastigável; 28-39 kg = 200 mg comprimido ou 2 x 100 mg comprimido mastigável; ≥ 40 kg = 300 mg comprimido ou 3 x 100 mg comprimido mastigável Alimentos: administrar com ou sem alimentos Insuficiência renal: sem necessidade de ajuste de dose Inibidores de integrase Pediátrico: ainda não aprovado pelo FDA Alimentos: administrar com ou sem alimentos Insuficiência renal: Clearence de creatinina ≥ 30 ml/min: sem ajuste de dose Clearence de creatinina ≤ 30 ml/min: 300 mg 2x/dia (sem potentes inibidores ou indutores de CYP3A) Doença renal terminal ou hemodiálise: 300 mg 2x/dia (sem potentes inibidores ou indutores de CYP3A Dose diária Tabela 2. Dosagem recomendada dos antirretrovirais utilizados na prática clínica (continuação) Classificação dos antirretrovirais 123 124 300/200 mg cápsula 600/200/300 mg comprimido 200/25/300 mg comprimido Tenofovir disoproxil fumarato e entricitabina (Truvada) Efavirenz, entricitabina e tenofovir disoproxil fumarato (Atripla) Entricitabina, rilpivirina e tenofovir disoproxil fumarato (Complera) 1 comprimido 1x/dia 1 comprimido à noite Alimentos: administrar com estômago vazio de preferência 1 cápsula 1x/dia Insuficiência renal: Clearence de creatinina ≥ 50 ml/min: sem ajuste de dose Clearence de creatinina 30-49 ml/min: 1 cápsula a cada 48h Clearence de creatinina < 30 ml/min: desconhecido; não usar esta combinação Dose diária Adaptado de Bartlett, J.G.; et al. Medical Management of HIV infection 2009-2010. 15th edition, Johns Hopkins University School of Medicine. Bulas mais recentes de cada medicamento, consultadas em 03 de junho de 2012. Guidelines for the Management of Chronic Kidney Disease in HIV-Infected Patients: Recommendations of the HIV Medicine Association of the Infectious Diseases Society of America; Samir K. Gupta, Joseph A. Eustace, Jonathan A. Winston, Ivy I. Boydstun, Tejinder S. Ahuja, Rudolph A. Rodriguez, Karen T. Tashima, Michelle Roland, Nora Franceschini, Frank J. Palella, Jeffrey L. Lennox, Paul E. Klotman, Sharon A. Nachman, Stephen D. Hall, Lynda A. Szczech; Guidelines for Management of Chronic Kidney Disease in HIV/AIDS. CID 2005:40,1559-85. Apresentação Nome genérico Tabela 2. Dosagem recomendada dos antirretrovirais utilizados na prática clínica (continuação) Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Classificação dos antirretrovirais O ABC apresenta meia-vida de até 21h, permitindo dose única diária. O EA mais importante é a síndrome de hipersensibilidade que acomete indivíduos HLAB57+, caracterizada por febre, dor abdominal, náuseas, exantema maculopapular, mal-estar ou fadiga e queixas respiratórias (tosse, faringite, dispneia), aparecendo em média 11 dias após o início do tratamento. Caso haja essa reação, o ABC deve ser interrompido e não deve ser mais reintroduzido devido à possibilidade de hipotensão e risco de morte. Não é associado a interações medicamentosas significativas, mas doses altas de etanol (0,7 g/kg) retardam a sua eliminação, podendo aumentar a toxicidade. Dados associando o ABC a risco de doença cardiovascular foram publicados; porém, não foram confirmados em outras pesquisas. O TDF é aprovado para o tratamento da infecção pelo HIV-1, HIV-2 e HBV em adultos e crianças acima de dois anos. Recentes estudos clínicos demonstraram a eficácia de seu uso associado ao FTC (Truvada) na prevenção da infecção pelo HIV (PrEP), sendo esta combinação aprovada nos EUA como PrEP em homens que fazem sexo com homens (MSM) com alto risco de adquirir o vírus. O TDF pode ser administrado apenas uma vez ao dia, é eliminado tanto por filtração glomerular quanto por secreção tubular ativa e necessita correção de dose se a função renal estiver reduzida. Leve declínio do clearence de creatinina pode ocorrer em alguns pacientes, e raramente ocorrem acidose tubular aguda (síndrome de Fanconi) e nefropatia perdedora de potássio, condições cujo diagnóstico precoce é de extrema importância, por serem reversíveis se a interrupção da droga se der em tempo hábil. Cansaço, anemia e glicosúria, na ausência de hiperglicemia, são sinais de alerta, e os pacientes devem ser monitorados pelo menos duas vezes por ano (cálculo estimado da função glomerular, fósforo sérico e pesquisa de glicosúria e proteinúria). Também foi encontrada associação de uso do TDF com decréscimo da densidade mineral óssea, especialmente nos dois primeiros anos de exposição. Pacientes com histórico de fraturas patológicas ou com outros fatores de risco para osteoporose e perda óssea devem ser monitorados, bem como aqueles com mais de 50 anos. Fármacos que reduzem a função renal ou competem pela secreção tubular ativa podem aumentar a concentração sérica de TDF e/ou aumentar a concentração de outros compostos eliminados por via renal (cidofovir, aciclovir, valaciclovir, ganciclovir e valganciclovir). O FTC é um análogo quimicamente relacionado ao 3TC, apresentando muitas de suas propriedades farmacodinâmicas e sendo ativo também contra o HBV. O FTC não está registrado no Brasil como formulação isolada e é mais frequentemente usado na apresentação coformulada com TDF (Truvada). Seu uso prolongado está associado à hiperpigmentação da pele, especialmente em áreas expostas ao sol. Inibidores da Protease Em 1995, a aprovação dos IPs possibilitou a primeira combinação de medicamentos de diferentes classes para o tratamento da infecção pelo HIV que ficou conhecida como terapia antirretroviral altamente potente (HAART). Os medicamentos dessa classe atuam bloqueando o processo final de clivagem da protease viral antes da saída do vírus da célula, resultando em produção de vírus incompletos e incapazes de infectar novas células. 125 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 3. Interações medicamentosas significativas dos ARVs Antirretroviral ARVs contraindicados Medicamentos contraindicados ABC Precaução com TPV por diminuição dos níveis séricos do ABC N/A ATV IDV ETV NVP Evitar com EFV TPV (não recomendado) Astemizol Bepridil Bosentana (ATV sem booster) Diidroergotamina Ergotamina Esomeprazol Flecainida Irinotecam Lansoprazol Lumefantrina Omeprazol Pantoprazol Propafenona Quinidina Rabeprazol Rifampicina Terfenadina Sildenafil (hipertensão arterial pulmonar) DRV LPV/r SQV Amiodarona Bepridil Ecstasy (MDMA) Fenobarbital Fenitoína Fluticasona inalada Lidocaina sistêmica Metanfetamina Quinidina Rifampicina Sertindol Sildenafil (hipertensão arterial pulmonar) ddI d4T TDF Alupurinol Hidroxiurea Ribavirina EFV ETV SQV sem RTV Amodiaquina Astemizol Bepridil Cisaprida Diidroergotamina Ergotamina Ergometrina Erva de São João (Hypericum perforatum) Midazolam (oral e parenteral) Tabela continua 126 Classificação dos antirretrovirais Tabela 3. Interações medicamentosas significativas dos ARVs (continuação) Antirretroviral ARVs contraindicados Medicamentos contraindicados Pimozida Terfenadina Triazolam Voriconazol (ajustar dose) FTC 3TC N/A d4T ZDV ddI Doxorrubicina (recomenda-se o uso com controle estreito da carga viral) Hidroxiurea ETV NNRTI IP sem RTV TPV + RTV f-AMP + RTV ATV + RTV Astemizol Carbamazepina Diidroergotamina Ergotamina Ergometrina Erva de São João (Hypericum perforatum) Fenitoína Fenobarbital Rifampicina Rifapentina Terfenadina f-AMP ETV LPV/r TPV Amiodarona Bepridil Flecainida Propafenona Qunidina Rifampicina IP medicamentos não recomendados em associação a todos os ARVs desta classe N/A Astemizol Cisaprida Colchicina (caso de insuficiência renal ou hepática) Dabigatran Diidroergotamina Erva de São João (Hypericum perforatum) Ergotamina Ergometrina Halofantrina Lecarnidipina Lovastatina Midazolam (oral) Pimozida Rivaroxaban Sinvastatina Triazolam 3TC FTC Cotrimoxazol (doses altas) Precauções com fármacos eliminados por via renal Tabela continua 127 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 3. Interações medicamentosas significativas dos ARVs (continuação) Antirretroviral ARVs contraindicados Medicamentos contraindicados LOP DRV f-AMP TPV Amiodarona Ecstasy (MDMA) Flecainida Metanfetamina Rifampicina Sildenafil (Hipertensão Arterial Pulmonar) MVC Verificar dose de acordo com o AR Erva de São João (Hypericum perforatum NVP ATV ETV Cetoconazol Erva de São João (Hypericum perforatum) Itraconazol Rifampicina RAL N/A N/A RPV N/A Carbamazepina Dexametasona Erva de São João (Hypericum perforatum) Esomeprazol Fenitoína Fenobarbital Lansoprazol Omeprazol Oxcarbazepina Pantoprazol Rabeprazol Rifabutina Rifampicina Rifapentina RTV N/A Amiodarona Alfuzosin Bepridil Disulfiram (com RTV CAP) Extasy (MDMA) Flecainida Metanfetamina Metronidazol (com RTV CAP) Piroxicam Propafenona Quinidina Sildenafil (Hipertensão Arterial Pulmonar) Voriconazol (quando RTV 400mg 2x/dia) SQV DRV TPV Alfuzosin Alho (suplemento) Tabela continua 128 Classificação dos antirretrovirais Tabela 3. Interações medicamentosas significativas dos ARVs (continuação) Antirretroviral ARVs contraindicados Medicamentos contraindicados Amiodarona Bepridil Flecainida Propafenona Quinidina Rifampicina TDF ATV sem RTV (booster) ddI (ajustar dose de ddI) Adefovir TPV ETV F-AMP LPV/r SQV Amiodarona Bepridil Ecstasy (MDMA) Flecainida Fluticasona inalada Lumefantrina Metanfetamina Metoprolol Propafenona Quinidina Rifampicina Sildenafil (Hipertensão Arterial Pulmonar) ZDV d4T Precaução com uso de TPV por diminuir os níveis séricos da ZDV Ribavirina Interferon-α-2a Adaptado de Panel de expertos de Gesida y Plan Nacional sobre el Sida. Documento de consenso Gesilda/ Plan Nacional sobre el Sida respecto al tratamiento antirretroviral en adultos infectados por el virus de la immunodeficiencia humana (actualización enero 2011). Enferm Infecc Microbiol Clin 2011;29(3): 209.e1-209.e103. Bartlett, J.G.; et al. Medical Management of HIV infection 2009-2010. 15th edition, Johns Hopkins University School of medicine. http://hivinsite.ucsf.edu/InSite?page=md-rr-24, acessado em 28 de maio de 2012. http://www.hiv-druginteractions.org/Interactions.aspx, acessado em 28 de maio de 2012. Os IPs apresentam diferentes graus e tipos de interferência nas CYP hepáticas e intestinais, e sua depuração é feita principalmente por metabolismo oxidativo hepático. A classe tem grande potencial de interações medicamentosas e de causar alterações metabólicas (dislipidemias, lipodistrofia e diabetes). Diferentes distúrbios cardíacos (prolongamento dos intervalos PR e QT até bloqueio cardíaco completo) e casos de anemia hemolítica podem ocorrer especialmente quando outras drogas que atuam no CYP são associadas aos IP. Sintomas gastrintestinais (GI) como náuseas, vômitos, desconforto abdominal, flatulência e diarréia são comuns a praticamente todos os IP e regridem geralmente em até 4 semanas após seu início. Toxicidade hepática ocorre com maior freqüência entre pacientes apresentando co-infecção com hepatites virais. O metabolismo envolvendo CYP hepáticos é importante também para interações entre substâncias fitoterápicas, como a erva de São João (Hypericum perforatum) usada para depressão, que reduz substancialmente os níveis de IP. No sentido oposto, os Inibidores da HMG-CoA 129 130 Fabricante Bristol Tobira Chimerix Gilead GSK ViiV/ Shionogi Gilead BMS Gilead GSK Potencial Fármaco BMS-663068 Cenicriviroc (TBR-652) CMX-157 Cobicistat (GS 9350) CTP-518 Dolutegravir (GSK-1349572) Elvitegravir Festinavir (OBP-601) GS-7340 GSK2248761 (IDX-12899) ITRNN Pro-farmaco do TDF ITRN smilar a d4T, mas com menor toxicidade INI INI IP Indutor farmacocinético ITRN análogo ao TDF Inibidor de CCR5 Inibidor de adesão Classe de AR Tabela 4. Medicamentos ARV em desenvolvimento Fase II Fase II Fase II Fase III Fase II Fase I Fase III Fase II Fase II Fase II Status Tabela continua GSK notificou ao FDA que a pesquisa estava temporariamente suspensa devido à toxicidade (4 casos de epilepsia) Estudos sobre potencialização com Cobicistat e sobre co-formulação com FTC, DRV e cobicistat, permitindo dose única de um comprimido – Em estudo também a co-formulação TDF + FTC + Elvitegravir + Cobicistat Desenhado para ser eficaz contra HIV resistente a RAL. Em estudo também a co-formulação com ABC e 3TC, comprimido de dose única IP baseado no deuterium Há estudos para avaliar o papel potencializador sobre diversos AR, incluindo ATV, DRV, elvitegravir e GS-7340 Poucos dados de Fase I divulgados na literatura Em estudo o uso associado a TDF/FTC com ou sem EFV em virgens de TAR Inibe a gp120, proteína da superfície do HIV envolvida na adesão do vírus ao receptor CD4 da superfície celular Comentário Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 TaiMed bilogicals ViiV MSD MSD Pfizer/ViiV Sequoia Tibotec Tibotec Ibalizumab (TMB-355, antigo TNX-355) Lersivirina (UK-453061) MK-4965 MK-6186 PF-3716539 SPI-251 TMC-310911 TMC-558445 Indutor Farmacocinetico IP Indutor Farmacocinetico Indutor Farmacocinetico ITRNN ITRNN ITRNN Anticorpo monoclonal humanizado IgG4 especifico para CD4 Classe de AR Fase I Fase I Fase II Fase I In vitro In vitro Fase II Fase IIb Status – – – Sem atualizacoes desde que foi adiquirido pela ViiV Nova geração de ITRNN; análogo de piridona Nova geração de ITRNN; análogo de piridona – Anticorpo monoclonal humano IgG4 CD4 específico, administrado a cada duas ou quatro semanas Comentário Adaptado de http://i-base.info/htb/13395 Gomez R, Jolly S, Williams T, Tucker T, Tynebor R, Vacca J, McGaughey G, Lai MT, Felock P, Munshi V, DeStefano D, Touch S, Miller M, Yan Y, Sanchez R, Liang Y, Paton B, Wan BL, Anthony N. Design and synthesis of pyridone inhibitors of non-nucleoside reverse transcriptase. Bioorg Med Chem Lett. 2011 Dec 15;21(24):7344-50. Fabricante Potencial Fármaco Tabela 4. Medicamentos ARV em desenvolvimento Classificação dos antirretrovirais 131 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 redutase, tais como lovastatina e sinvastatina, apresentam um aumento acentuado de suas concentrações plasmáticas quando usadas concomitante com IP, bem como os inibidores da enzima PDE5 (sildenafila, tadalafila e vardenafila), com grande risco de toxicidade. O saquinavir (SQV) é disponibilizado em cápsulas gelatinosas, e o uso potencializado por baixas doses de ritonavir (RTV) permite sua administração uma ou duas vezes ao dia. Primeiro IP disponibilizado comercialmente, ainda é empregado nos países em desenvolvimento em TARV de resgate, devido à disponibilidade do genérico, de menor custo; porém, vem sendo progressivamente substituído por IP de maior comodidade posológica. O uso concomitante de rifampicina e doses aumentadas de SQV/RTV foi preconizado; no entanto, está associado a maior risco de hepatoxicidade, grande intolerância GI e difícil adesão. O RTV não é mais utilizado como IP para tratamento, mas sim como um indutor farmacocinético (potencializador ou booster) por ser um potente inibidor de CYP3A4. Esta inibição proporciona maiores níveis séricos e/ou menor eliminação dos outros IPs, resultando em níveis mais estáveis desses. A recomendação atual de uso dos demais IPs é de que sejam administrados com no mínimo 100 mg de RTV a cada tomada. A formulação em comprimidos, recentemente disponibilizada, não requer refrigeração, tornando seu uso mais prático. Os EA GI podem ser reduzidos se o RTV for administrado com alimentos. O RTV causa elevações dose-dependentes de colesterol e de triglicerideos e outros sinais de lipodistrofia, o que pode aumentar a longo prazo o risco de aterosclerose. O RTV é o mais potente inibidor de CYP3A4 conhecido, exigindo precaução quando coadministrado com fármacos de baixo índice terapêutico, como midazolam, triazolam, fentanil e derivados de ergot. Cápsulas de RTV contêm álcool, não podendo ser administradas com disulfiram ou metronidazol devido ao risco de reação antabuse, mas os comprimidos não têm este inconveniente. O indinavir (IDV) é hoje pouco utilizado devido principalmente a efeitos colaterais, como cristalúria e nefrolitíase. O IDV não é mais considerado como opção para TARV em nosso meio, assim como o nelfinavir (NFV), ambos sem vantagens frente aos demais IPs. O fosamprenavir (f-APV) é o pró-fármaco fosfonoxi do amprenavir (APV), IP a partir do qual foi desenvolvido, permitindo redução significativa do número de cápsulas por tomada e uso em dose única diária para pacientes virgens de IP, potencializado por RTV. Estudos clínicos demonstraram a efetividade a longo prazo no tratamento de pacientes virgens de TARV e nos experimentados. Os EAs mais comuns são GI, podendo-se observar também hiperglicemia e exantema. O lopinavir (LPV) é um IP estruturalmente similar ao RTV, mas 3-10 vezes mais potente na inibição do HIV-1 in vitro. É o único IP disponível em coformulação com baixa dose de RTV, o que facilita a adesão ao tratamento, apresentando potente atividade antirretroviral tanto no tratamento inicial quanto em pacientes que falharam a esquemas prévios contendo outros IPs. Nos países desenvolvidos, é atualmente considerado como opção alternativa devido aos seus EAs metabólicos; porém, é amplamente usado nos países em desenvolvimento por ter menor custo que os IPs mais recentemente disponibilizados. A formulação em solução oral permite o uso em crianças a partir de 14 dias de idade. Diarreia é a queixa mais frequente e pode ter caráter crônico, o que muitas vezes leva à sua interrupção. Alterações laboratoriais que podem ocorrer são 132 Classificação dos antirretrovirais aumento de colesterol total e dos triglicerídeos. Seu uso com rifampicina na coinfecção com tuberculose é possível, mas de difícil tolerabilidade e adesão, uma vez que doses maiores de RTV são necessárias. A combinação de atazanavir (ATV) e RTV mostrou-se eficaz em estudos clínicos, permitindo seu uso em pacientes experimentados ou virgens de tratamento. A absorção é dependente de pH e por isso uso concomitante de inibidores da bomba de próton e de agentes antiácidos deve ser evitado. O EA mais comum é hiperbilirrubinemia não-conjugada, consequência da inibição UDP-glicuronosil transferase pelo ATV, mais predominante em pacientes com deficiência desta enzima (Síndrome de Gilbert). Análise de farmacovigilância pós-comercialização identificou outros EA relacionados ao ATV, como colecistite, colelitíase, colestase e outras anormalidades na função hepática, além de nefrolitíase. Pacientes em uso de ATV apresentaram menor aumento das taxas de triglicerideos e colesterol que pacientes tratados com NFV, LPV e EFV. O ATV é um inibidor moderado da enzima UGT 1A1, responsável pela metabolização do raltegravir (RAL) e, portanto, aumenta a exposição a esse ARV se usado concomitantemente, mas nenhuma recomendação de ajuste de dose foi estabelecida, apenas cautela no monitoramento de possíveis toxicidades. O tipranavir (TPV) é aprovado para uso em pacientes adultos experimentados e em crianças infectadas por HIV resistente a um ou mais IP. No Brasil, é recomendado apenas para tratamento de resgate em pacientes pediátricos. O TPV requer maior dose de RTV (200 mg por dose), sendo este um dos principais inconvenientes do medicamento, aumentando a propensão para dislipidemia e os efeitos GI. Aproximadamente 10% dos pacientes apresentam exantema devido à porção sulfa na molécula de TPV. Formulações disponíveis contêm altas concentrações de vitamina E, devendo ser evitados suplementos contendo essa vitamina. Seu uso foi associado a maior incidência de eventos vasculares cerebrais. O darunavir (DRV) apresenta capacidade de se ligar fortemente ao sítio ativo da protease do HIV e tem vantagens quanto aos mecanismos de resistência viral. Aprovado para uso em adultos e crianças a partir dos seis anos de idade, no Brasil seu uso é restrito a pacientes em tratamento de resgate e com resistência a outros IPs. Devido à porção sulfa na molécula, mais de 10% dos pacientes apresentam exantema, geralmente benigno e reversível. O aumento de lipídeos séricos é observado menos frequentemente durante o tratamento com DRV que com LPV/RTV. Tem sido associado a episódios de hepatotoxicidade, especialmente em pacientes com hepatites virais. Inibidores da transcriptase reversa não análogos de nucleosídeos Apesar de atuarem de modo semelhante aos ITRNs, os ITRNNs possuem estrutura química bastante diferente e não requerem fosforização ou processamento intracelular para se tornarem ativos, inibindo a transcrição reversa do genoma do HIV de modo não competitivo. Os ARVs dessa classe não são ativos contra o HIV-2, o que limita seu uso nas regiões onde esse vírus ocorre. Os representantes dessa classe disponíveis são nevirapina (NVP), efavirenz (EFV), etravirina (ETR) e rilpivirina (RPV). 133 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 São eliminados do organismo por metabolização hepática e diminuem a concentração plasmática de etinilestradiol e noretindrona, sendo aconselhados outros métodos de contracepção nos pacientes em tratamento com essa classe de AR. Todos os ITRNNs, com exceção da ETR, são suscetíveis à resistência causada pela alteração de um único aminoácido (normalmente nos códons 103 ou 181). Resistência a ETR requer mutações especificas ou múltiplas combinações de mutações que em geral são avaliadas na forma de um score de pontos. NVP é substrato do CYP3A4, enquanto que EFV é substrato dos CYP 2B6 e 3A4. ETR, EFV e NVP são potentes indutores de enzimas hepáticas metabolizadoras de fármacos, como CYP3A4; por isso, interações farmacocinéticas representam potencial para toxicidade. É alta a incidência de exantema, principal EA da classe. Elevação das transaminases pode ocorrer enquanto que hepatite clínica ocorre com menor frequência. Aumento do colesterol, lipodistrofia e lipoatrofia são outros EA descritos. O NVP atravessa bem a placenta, é detectado no leite materno, não tem potencial teratogênico e tem baixo custo, razões pelas quais é ainda amplamente utilizado na prevenção da transmissão vertical do HIV em países com poucos recursos. O NVP induz o seu próprio metabolismo e se recomenda iniciar seu uso com metade da dose diária normal (200 mg) por 14 dias, aumentando para 400 mg ao dia se nenhuma reação adversa tiver ocorrido. Exantema ocorre em aproximadamente 16% dos pacientes e na maioria dos casos regride sem interrupção do NVP (necessária em cerca de 7% dos pacientes que apresentam esse EA), sendo rara a Síndrome de Stevens-Johnson (0,3%). Pode ocorrer hepatite, mais grave e potencialmente fatal, em pacientes com CD4 > 250 cél/mm3, especialmente durante a gravidez. As toxicidades mais importantes do EFV são relacionadas ao sistema nervoso central (SNC). Mais de 53% dos pacientes relatam algum EA desse tipo, apesar de menos de 5% deles interromperem o uso de EFV por este motivo. Geralmente os sintomas ocorrem desde a primeira dose do medicamento e duram algumas horas, os mais graves se resolvem em cerca de quatro semanas e incluem tontura, comprometimento da concentração, disforia, sonhos vívidos e pertubadores, além de insônia. Episódios de franca psicose, depressão, alucinações e/ou mania foram descritos, bem como pensamentos suicidas; entretanto, não existe evidência de aumento do risco de suicídio ou comportamento perigoso. Exantema pode ocorrer nas primeiras duas semanas de uso e raramente requer interrupção. A exposição ao EFV no primeiro trimestre de gestação foi associada à presença de anomalias congênitas, observando-se risco relativo de 0,85 (IC 95% 0,61-1,20) ao comparar esquemas contendo EFV com esquemas sem esse ARV. Idealmente deve ser evitado por mulheres que desejam engravidar e no primeiro trimestre da gestação. A rifampicina diminui levemente as concentrações de EFV, mas não interfere em sua eficácia, podendo ser utilizada no tratamento da coinfecção HIV-tuberculose. Quase todos os IPs têm suas concentrações reduzidas por EFV, o que em geral é compensado pelo uso de RTV em baixas doses. O ETR é aprovado apenas para tratamento de resgate em adultos e crianças acima dos seis anos de idade e pesando pelo menos 16 kg, devendo ser associado a um IP potencializado por RTV. Pode ser combinado com DRV, LPV e SQV sem necessidade de ajuste de dose e não deve ser administrado com TPV, f-APV ou ATV, por não haver dados que 134 Classificação dos antirretrovirais permitam definir a dosagem correta. Precisa ser utilizado em duas tomadas diárias. Exantema foi visto em ensaios clínicos, iniciado poucas semanas após o início do tratamento e regredindo em 1-3 semanas, resultando em interrupção do uso em 2% dos pacientes. Síndrome de Stevens-Johnson grave e necrólise epidermal tóxica foram descritos. Neuropatia periférica é outro EA possível. O RPV está aprovado nos EUA para o tratamento de pacientes adultos virgens de tratamento. Estudos demonstraram sua não inferioridade comparada ao EFV, porém em pacientes com carga viral inicial > 100.000 cópias/ml oferece maior risco de desenvolvimento de resistência em caso de falha de tratamento, especialmente se a adesão for inferior a 95%. É bem tolerado e apresenta menos efeitos adversos que o EFV. Doses altas (75-150 mg) podem ser cardiotóxicas. Fármacos que aumentam o pH gástrico podem reduzir substancialmente as concentrações séricas de RPV (inibidores da bomba de próton não devem ser coadministrados, ou devem ser administrados 12h antes ou pelo menos 4h após; antiácidos devem ser administrados 2h antes ou pelo menos 4h depois). Os IPs aumentam a concentração de RPV e não há dados clínicos desta associação. Inibidores de fusão A enfuvirtida é um peptídeo sintético composto por 36 aminoácidos, cuja sequência é derivada de uma parte da gp41 do HIV-1, envolvida na fusão da membrana viral com a membrana celular do hospedeiro, processo bloqueado pelo medicamento. É aprovado para uso em resgate terapêutico de pacientes adultos e de crianças acima dos seis anos de idade, idealmente associado a um IP ativo ou outro fármaco ativo de nova classe. A via de eliminação ainda não foi elucidada. É de uso parenteral (subcutâneo), sendo necessárias duas doses diárias, fatores que dificultam a adesão e limitam o uso desse ARV. Os eventos adversos mais comuns estão relacionados a reações no local da injeção, que ocorrem em 98% dos pacientes, mas causam interrupção do tratamento em apenas 4-5% deles. Não é largamente metabolizado nem se conhece interações com outros fármacos. Antagonistas de correceptores O interesse no desenvolvimento de fármacos capazes de bloquear o receptor de quimiocina R5, uma proteína de superfície celular que atua como um dos correceptores para o HIV, surgiu a partir da observação de que pessoas homozigotas para deleção do CCR5 D32 apresentavam resistência contra a infecção por algumas variedades do HIV. O maraviroque (MVC) é aprovado para uso em adultos experimentados ou virgens de TARV com evidência de infecção por vírus com tropismo para o coreceptor R5, que pode ser identificado pela realização de teste de tropismo viral. Atualmente, é registrado no Brasil apenas para tratamento de resgate. A eliminação é feita principalmente via CYP3A4. Deve-se suspeitar de toxicidade hepática se houver aumento de transaminases e exantema associado a sintomas sistêmicos. O MVC é suscetível a complexas interações farmacocinéticas com indutores ou inibidores do CYP3A4. 135 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Inibidores de integrase Os INIs bloqueiam a atividade catalítica da integrase do HIV, impedindo a integração do DNA viral com o cromossomo do hospedeiro. É metabolizado primariamente por glicuronidação e não é indutor, inibidor ou substrato conhecido do CYP450. A eliminação ocorre predominantemente via glicuronidação pela UGT1A1. O RAL, único medicamento dessa classe aprovado no momento, pode ser usado por adultos e crianças maiores de dois anos e pesando pelo menos 10 kg, em TARV inicial ou de resgate (no Brasil, seu uso está restrito ao resgate). Os EAs mais comuns são insônia, cefaleia, náuseas, astenia e fadiga, tendo sido relatados mais raramente aumento da creatininocinase, miopatia e rabdomiólise. O RAL é suscetível à interação com inibidores e indutores de UGT1A1. O ATV, inibidor moderado de UGT1A1, aumenta a área sob a curva (AUC) do RAL em 41-72%. O TDF aumenta a AUC de RAL em 49%, mas o mecanismo de interação ainda não foi elucidado, nem são recomendados ajustes de doses. Um estudo clínico envolvendo centros de pesquisa no Brasil e na França se encontra em andamento e está avaliando a eficácia e a segurança de diferentes doses de RAL associadas à rifampicina em pacientes com infecção por HIV e tuberculose. Medicamentos em fase de pesquisa Diversos medicamentos ARV estão em desenvolvimento atualmente. A tabela 4 mostra os fármacos em pesquisa, assim como a classe que pertencem e a fase de desenvolvimento em que se encontram. 136 Capítulo 9 Tratamento antirretroviral inicial Érico Antônio Gomes de Arruda e Ricardo Sobhie Diaz Quando iniciar o tratamento? Para responder essa difícil pergunta, é necessário que entendamos quais são as exatas consequências da infecção pelo HIV. Há alguns anos, diríamos que a infecção pelo HIV proporciona uma paulatina e contínua perda da imunidade celular, podendo culminar com consequente desenvolvimento de manifestações oportunistas, como as infecções e neoplasias relacionadas à AIDS. Esta definição, apesar de correta, é incompleta. Hoje se sabe que a infecção pelo HIV leva a complexo processo inflamatório, que proporciona envelhecimento prematuro, propiciando uma aceleração na atrofia encefálica com suas consequentes alterações cognitivas, processos ateroscleróticos, insuficiência renal/hepática, osteopenia com fraturas patológicas e outros distúrbios metabólicos relacionados; que ocorreriam natural e mais lentamente ao longo do envelhecimento normal do ser humano. A sequência desses eventos patológicos inicia-se no trato gastrintestinal, logo após a infecção primária. O trato gastrintestinal contém o maior reservatório linfoide do corpo humano, com mais de 50% dos linfócitos, para propiciar a proteção contra patógenos veiculados pelos alimentos e contra enterobactérias. A destruição do contingente celular desse órgão é intensa, em uma magnitude em que os níveis periféricos de linfócitos T CD4+ não conseguem informar. A perda progressiva dessa barreira leva ao processo de translocação bacteriana, que pode ser detectada pela presença de lipopolissacárides bacterianos (LPS) na circulação sanguínea, com consequente processo inflamatório sistêmico, que pode ser inferido pelos níveis elevados de provas inflamatórias inespecíficas, como proteína C reativa (PCR) ultrassensível, fibrinogênio, dímero D, interleucina-6 (IL-6), cistatina e, principalmente, os marcadores de ativação celular1-3. As células ativadas também proporcionam maior viremia e decréscimo acelerado de células T CD4+. Os níveis mais baixos de LT CD4+ estão associados à mortalidade por AIDS e a doença hepática, cardiovascular ou neoplasias não relacionadas à AIDS. Sabe-se atualmente também que a viremia está relacionada, de forma independente, a processos patogênicos. Assim sendo, a mortalidade, de uma forma geral, entre os pacientes infectados pelo HIV, é diretamente proporcional aos níveis de carga viral, bem como as mortalidades 137 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Risco ajustado (95% IC) 10 5 Geral AIDS Fígado Doença cardiovascular Neoplasia não relacionado a AIDS 1 0.5 0.1 CD4 < 2,6 Por incremento de 100 células > 2,6 <4 4-5 >5 Carga viral (log c/ml) Figura 1. Risco de morte de acordo com os níveis de CD4 e carga viral (adaptado de C. Smith4). por AIDS, doença hepática e cardiovascular (Fig. 1)4. Apesar de não ser identificada como causa de mortalidade, doença renal também se encontra associada a baixos níveis de CD4 e/ou viremia5. As neoplasias não relacionadas à AIDS que acometem os indivíduos com baixos níveis de CD4 são as pulmonares6 e as ginecológicas7. Há que se destacar que alguns indivíduos não recuperam os níveis normais de CD4, a despeito do tratamento virologicamente eficaz. A dificuldade na recuperação dos níveis de CD4, por ocasião do tratamento, é dependente de dois fatores: o nadir de CD4 ao início da terapia e a idade, como visto nas figuras 2 e 38,9. Desta forma, quanto mais 1.000 800 ≥ 500 600 350-500 200-350 400 50-200 <50 200 0 0 48 96 144 192 240 288 336 Semanas após início do TARV Figura 2. Probabilidade de obtenção de níveis normais de CD4 dependendo dos níveis de CD4 no início do tratamento. Resultados do ATHENA National Cohort (adaptado de Grass, et al. 2007). 138 Média do CD4 Tratamento antirretroviral inicial 1.100 1.000 900 800 700 600 500 400 300 200 100 0 ≥ 500 350-500 200-350 50-200 < 50 0 1 2 3 4 5 6 7 Anos após o início do HAART Figura 3. Incremento de CD4 a partir do início do TARV. As linhas sólidas replesentam indivíduos com menos de 50 anos de idade e as tracejadas os com mais de 50 anos. Resultados do ATHENA National Cohort (adaptado de Grass, et al. 2007). baixo o nadir, menores os níveis finais de CD4 após o tratamento. De forma geral, pode-se especular que as pessoas que atingem CD4 muito baixo, após longo período de infecção e replicação viral contínua, têm maior fibrose de linfonodos e reservatórios celulares, propiciando uma exaustão definitiva deste contingente linfocitário. As pessoas que apresentam queda de CD4 mais rápida teriam hipoteticamente a condição de recuperação dos níveis normais ou próximos do normal mais rapidamente, com consequente risco de síndrome de reconstituição imune. Aparentemente, as pessoas com mais de 50 anos apresentam também maior dificuldade para o incremento do CD4, quando comparadas aos indivíduos mais jovens9, risco este também evidenciado na maior chance de ocorrência de eventos relacionados à AIDS e maior mortalidade, a despeito do tratamento efetivo10. Infelizmente, o tratamento efetivo da infecção pelo HIV não elimina riscos mais elevados de mortalidade ou processos degenerativos, quando comparados à população não infectada pelo HIV. Assim sendo, pessoas tratadas que apresentam carga viral inferior aos níveis de detecção continuam apresentando maior incidência de doença cardiovascular11, neoplasias não relacionadas à AIDS, osteopenia e fraturas ósseas12,13, insuficiência hepática14, insuficiência renal, declínio cognitivo15 ou lassidão16. De fato, apesar de a ativação celular diminuir entre indivíduos infectados pelo HIV sob tratamento antirretroviral (TARV) que propicie carga viral indetectável, esta ativação celular continua ainda sendo, em média, mais elevada do que a ativação celular encontrada em pessoas não infectadas pelo HIV (Fig. 4)17. A expectativa de vida das pessoas infectadas pelo HIV vai depender do nível de CD4 por ocasião do início do TARV. Se um indivíduo com 20 anos de idade iniciar o TARV com níveis de CD4 inferiores a 100, sua expectativa de vida será de 32 anos18. Se o início do tratamento se der com níveis de CD4 entre 100 e 200, esta expectativa aumentará para 42 anos. Já com níveis de CD4 superiores a 200 na ocasião do início de tratamento, a expectativa de vida se eleva para 50 anos. É possível que o início do tratamento em 139 % CD38+ HLA-DR+CD8 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 75 p < 0,001 p < 0,001 50 25 0 HIV+ Não tratado n = 13 HIV+ Não tratado n = 99 HIV– n=6 Figura 4. Ativação imune e infecção pelo HIV, conforme mensurado pela % de CD38, HLA-DR+ em células CD8. Comparação entre os infectados pelo HIV sem antirretrovirais, infectados tratados com carga viral indetectável e os não infectados pelo HIV (adaptado de Hunt, et al.17). pacientes que apresentam níveis de CD4 realmente elevados possa levar a uma sobrevida bastante semelhante a dos indivíduos não infetados pelo HIV. Como demonstrado na observação da coorte AQUITAINE, a mortalidade entre pessoas que iniciam tratamento com níveis de CD4 superiores a 500 é semelhante ao da população geral não infectada até o sexto ano de TARV19. Desta forma, a partir dos resultados aqui apresentados, as diretrizes sobre quando iniciar o tratamento têm-se alterado em todo o mundo, com a evidente tendência em recomendar o início de tratamento mais precocemente, ou seja, com níveis de CD4 mais elevados (Tabelas 1 e 2). Entre os fatores que mais influenciam a decisão de médicos e pacientes para que o tratamento não seja iniciado precocemente estão, obviamente, o fato da necessidade de uso de medicação diariamente, por período de tempo que hoje é considerado como sendo pela vida toda. Além disso, a toxicidade, o risco de emergência de variantes do HIV-1 com resistência aos antirretrovirais e, para alguns gestores ou em algumas situações, o custo financeiro do tratamento. Aparentemente, o “peso” do tratamento está diminuindo atualmente. Isto se deve ao fato de que as opções de medicamentos usados atualmente no tratamento inicial apresentam combinações que são mais potentes, duráveis e seguras em relação aos efeitos adversos e menos complexas. Em alguns locais do mundo, o tratamento inicial pode ser instituído com uma única pílula diária, contendo a associação de tenofovir (TDF), emtricitabina (FTC) e efavirenz (EFV), medicamento este denominado Atripla. Outras características dos tratamentos iniciais atuais são a menor chance de emergência de vírus resistentes e maior número de opções subsequentes. A análise de mais de 30.000 pacientes em tratamento a partir do estudo NA-ACCORD revela uma tremenda queda na proporção de pacientes experimentando mais do que duas falhas virológicas, como visto na figura 520. Isso se deve especialmente ao fenômeno do uso de inibidores de protease (IPs), com o incremento proporcionado pelo ritonavir (RTV), posto que, nestes casos, não costuma 140 Tratamento antirretroviral inicial Tabela 1. Recomendação de TARV de acordo com as diversas diretrizes mundiais Consenso Brasileiro 2012* EACS 2011† Condições Clínicas e/ou CD4 Recomendações Sintomáticos ou CD4<350 Tratamento recomendado CD4 350-500 Tratamento recomendado CD4>500 Recomendar/considerar/oferecer o tratamento em algumas situações clínicas CD4<350 Tratamento recomendado CD4 350-500 Tratamento recomendado Tratamento deve ser considerado DHHS 2012‡ CD4>500 Oferecer tratamento se pelo menos 1 dos critérios§ CD4<350 ou aids Tratamento recomendado Gravidez Tratamento recomendado Nefropatia do HIV Tratamento recomendado HBV necessitando de tratamento Tratamento recomendado CD4 350-500 Tratamento recomendado CD4 >500 Tratamento recomendado *http://www.aids.gov.br/publicacao/2012/consenso-adulto-2012 †www.europeanaidsclinicalsociety.org/images/stories/EACS-Pdf/EACSGuidelines-v6.0-English.pdf ‡www.aidsinfo.nih.gov/contentfiles/lvguidelines/adultandadolescentgl.pdf §Infecçoes por HCV ou HBV, nefropatia relacionada ao HIV ou outras deficiências orgânicas. CV > 100.000, declínio de CD4 >50 cel/ano, idade >50 anos, gravidez, risco cardiovascular elevado, neoplasias. ocorrer resistência aos IPs, por ocasião da falha, e a incidência de resistência aos análogos aos nucleosídeos também se reduz21. Outros fatores a favor de início do tratamento mais precocemente estão o acúmulo de conhecimento sobre os fatores deletérios relacionados à viremia do HIV e a diminuição do risco de transmissão do HIV entre os pacientes tratados, este último especialmente interessante na abordagem de casais discordantes. Hipoteticamente, com a carga viral indetectável, os riscos de transmissão do HIV estariam muito próximos a zero22. Mais recentemente, resultados de modelagem matemática sugeriram que, se testada toda a população e prontamente instituído o tratamento aos infectados, poderia abolir-se a transmissão do vírus e, desta forma, erradicar a epidemia pelo HIV23. Esta abordagem tem sido conhecida como “testar e tratar” e vem sendo implementada como pesquisa em comunidades fechadas pequenas. Arbitrariamente, mas com grande aplicabilidade clínica, podemos dividir os pacientes infectados pelo HIV em três grupos: –Sintomáticos, independentemente do valor de CD4+, e assintomáticos com CD4+ < 350 cél/mm3; 141 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 2. Recomendações de tratamento antirretroviral de acordo com as diretrizes do Brasil Status clínico e imunológico Recomendação Sintomáticos – Independentemente da contagem de CD4 Iniciar TARV Assintomáticos – Contagem CD4 ≤ 500 cels/mm3 – Contagem CD4 > 500 cel/mm3 • Coinfecção pela hepatite B e com indicação de tratamento da hepatite • Pacientes com risco elevado ou doença cardiovascular • Pacientes com neoplasias que necessitam de tratamento imunossupressor – Sem contagem de CD4 disponível Iniciar TARV Iniciar TARV Considerar início de TARV Considerar início de TARV Não iniciar TARV Gestantes – Independente da contagem de CD4 Iniciar TARV Paciente com parceria sorodiscordante – Independentemente da contagem de CD4 Oferecer TARV, para redução da transmissibilidade do HIV Incidência por 100 pessoas/anos –Assintomáticos com CD4+ entre 350 e 500 cél/mm3; –Assintomáticos com CD4+ > 500 cél/mm3. Os pacientes do grupo 1 necessitam de tratamento imediato e há várias e robustas informações que sustentam, indubitavelmente, o benefício dessa intervenção, inclusive com ensaios clínicos randomizados (ECR)24. 120 113,8 80 70,7 60 41,5 17,9 30 15,1 0 1996-97 1998-99 2000-01 2002-03 2004-05 Ano Figura 5. Proporção de pacientes apresentando falha a mais de dois esquemas antirretrovirais distintos. Resultados do NA-ACCORD < 2009 com análise de mais de 30.000 pessoas em tratamento. 142 Tratamento antirretroviral inicial Os paciente do grupo 2, para maioria dos guias Internacionais, devem iniciar terapia, especialmente se apresentam alguma comorbidade associada, como hepatites virais, nefropatia relacionada ao HIV, idade maior que 50-55 anos, doença cardiovascular instalada ou alto risco para mesma. A maior quantidade de dados provém de estudos prospectivos com grandes grupos de pacientes, acompanhados ao longo de certo período (coortes de pacientes), em países desenvolvidos25,26. Há uma subanálise, inicialmente não prevista no desenho do estudo, originária de um ECR27, que mostrou benefício em iniciar o tratamento com CD4 maior que 350 cél/mm3. Um estudo mais recente, HTP052, randomizado, também evidenciou menos eventos no grupo de pacientes tratados com CD4 entre 350 e 550, em comparação ao grupo no qual o tratamento foi postergado até um CD4 menor que 35028. Para o terceiro grupo descrito acima, a maioria dos guias não recomenda tratamento. Aqueles que o recomendam admitem tratar-se de opinião de especialistas, menos embasadas em evidências clínicas (DHHS Guideline, 2012, http://www.aidsinfo.nih.gov/contentfiles/lvguidelines/adultandadolescentgl.pdf). Os mesmos estudos de coortes que subsidiam o tratamento com CD4 entre 350 e 500 cél/mm3 têm permitido considerar o início de tratamento ainda mais precoce. Desta forma, o estudo conhecido como NA-ACCORD avaliou 9.174 pacientes nos EUA e Canadá e demonstrou que a mortalidade era inferior naqueles que iniciavam o tratamento com níveis de CD4 superiores a 500 (p < 0,001). Esse estudo tem algumas dificuldades de avaliação, por ser observacional, não controlado, com grandes perdas quanto às causas de morte e com uma discussão internacional quanto à correta análise estatística dos dados. Mesmo assim, ajustando a análise para fatores que pudessem afetar a decisão para iniciar o tratamento (incluindo motivação pessoal) ou quando se ajusta para gênero, idade, carga viral, ou ainda quando se excluem os usuários de drogas injetáveis, a mortalidade continua sendo inferior quando se inicia o tratamento com níveis de CD4 superiores a 50026. A cura, apesar das perspectivas concretas, desde o relato do caso do “paciente de Berlim”29, ainda não está de fato disponível. Por isso, o tratamento da infecção é por longo período e, talvez, por toda vida. Ademais, os medicamentos têm efeitos adversos, alguns potencialmente graves. Dessa combinação de fatores, contrapostos aos benefícios clínicos e laboratoriais (marcadores de desfecho clínico, como contagem de CD4+ e viremia), é que se busca a correta equação para a definição do melhor momento para início do tratamento, que tem-se mostrado útil quando iniciado cada vez mais precocemente. Com que medicamentos iniciar o tratamento antirretroviral? Desde o princípio, com a disponibilização de mento aprovado para uso clínico, em 1986, a tratamento e com que medicamentos tornou-se mendações sobre abordagem clínica de pessoas zidovudina (AZT) como primeiro medicadecisão sobre o momento do início do um dos campos mais mutáveis das recoinfectadas pelo HIV. É nesse cenário que 143 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Pacientes sem falha virológica (%) 100 80 83,4 85,3 89,0 89,8 ATV/RTV EFV 60 40 20 0 ABC/3TC TDF/FTC Figura 6. ACTG 5202: falha virológica aos antirretrovirais após 96 semanas de tratamento nos grupos tratados com EFV ou ATV/RTV em comparação a grupos que utilizam ABV/3TC ou TDF/FTC. melhores definições foram sendo elaboradas a partir de sólidas informações oriundas de estudos clínicos, muitos dos quais ECR. Ressalta-se que importantes questões desse aspecto ainda não foram de todo compreendidas e outras pesquisas estão em andamento para oferecer melhores respostas. Entre seis classes de antirretrovirais atualmente disponíveis (inibidores de transcriptase reversa análogos de nucleosídeos; inibidores de transcriptase reversa não análogos de nucleosídeos; IPs; inibidores de integrase; inibidor de entrada e inibidor de fusão), cinco destas (as primeiras ordenadas) são elencadas como opções para terapia inicial, com grande variedade de medicamentos e combinações possíveis. A diretriz americana do Department of Health and Human Services (DHHS) de 2012 sugere os esquemas iniciais preferenciais com base no que eles consideram como os esquemas com “eficácia ótima e durável”, “perfis de tolerabilidade e toxicidade favoráveis” e “uso fácil”. Para isto, sugerem que o tratamento inicial contenha duas classes de medicamentos em uma combinação de três medicamentos, sendo que dois destes seriam análogos aos nucleosídeos. Sugere o DHHS que os análogos aos nucleosídeos contenham a associação de TDF e FTC com um terceiro medicamento que poderia ser o EFV, um IP com RTV, como o atazanavir (ATV) ou darunavir, ou um inibidor da integrase, no caso o raltegravir. Cabe destacar um dos resultados recentes mais interessantes, que foi divulgado pelo ACTG 520230. Este estudo não foi patrocinado pela indústria farmacêutica, mas sim pelo National Institute of Health americano. Tratava-se de um ECR que avaliou prospectivamente 1.857 indivíduos, alocados para tratamento com TDF/FTC ou abacavir (ABV)/lamivudina (3TC), tendo como terceiro medicamento EFV ou ATV/RTV, perfazendo quatro braços de estudo. Os resultados revelaram não haver diferença no desempenho entre os braços com ATV/RTV ou EFV nos resultados gerais ou quando se analisavam separadamente os braços onde eram usados TDF/FTC ou ABV/3TC (Fig. 6). Já na comparação entre o desempenho dos braços do TDF/FTC ou ABV/3TC, documentou-se vantagem da dupla TDF/FTC. 144 Tratamento antirretroviral inicial Esta vantagem foi irrelevante quando a carga viral na triagem do estudo era inferior a 100.000 cópias/ml, mas o tempo para a falha era significantemente menor na dupla ABV/3TC quando a carga viral era elevada. Interessante questionar sobre o porquê disto, já que a potência destes análogos aos nucleosídeos é semelhante. Uma possibilidade não comentada no artigo original seria que a mutação que emergiria primeiramente, a qualquer um dos esquemas, é a mutação M184V, que é igualmente selecionada pelo 3TC ou FTC. Isto ocorrendo, como se sabe, levaria à perda parcial da eficácia do ABV pela resistência cruzada, enquanto o TDF aumentaria a sua atividade. Seria possível inferir, portanto, que a barreira genética da “dupla” ABV/3TC seria inferior à da TDF/3TC. Obviamente, a chance de aparecimento da mutação M184V estaria aumentada entre pessoas com carga viral mais elevada. Outro resultado interessante do estudo foi encontrar colesterol total mais elevado nos braços do ABV quando comparados ao TDF, mas sem diferença entre EFV e ATV. Outra novidade que poderia modificar futuramente o panorama do tratamento inicial é o desenvolvimento de medicamentos que possam substituir o RTV como incrementadores dos níveis dos IPs ou outros medicamentos que os necessitem, como inibidores de integrase (elvitegravir) ou antagonistas de CCR5. Um medicamento que se mostrou eficaz neste sentido foi o GS-9350 ou colbicistat, que se demonstrou eficaz incrementando níveis séricos do ATV ou elvitegravir28. No Brasil, as combinações de análogos aos nucleosídeos que têm sido mais populares incluem a dose fixa de AZT com 3TC, TDF associado ao 3TC e, como alternativas, podemos ter ainda o uso de ABV com 3TC ou didanosina (ddI) com 3TC. Prefere-se ainda como segunda classe dos medicamentos os não análogos de nucleosídeos (EFV ou nevirapina [NVP]) ou, alternativamente, IPs, como visto na tabela 3. Em resumo, existe a crescente tendência mundial de iniciar o tratamento mais precocemente em relação ao que se fazia antigamente. Obviamente, alguns fatores devem ser levados em consideração e a individualização caso a caso sempre é sábia. Pode-se, por exemplo, optar-se por retardar o início do tratamento quando se suspeita que o paciente não tenha boa adesão, quando ele está relutante em se tratar, em casos onde o CD4 é muito elevado e a carga viral baixa ou naqueles indivíduos em que se evidencia uma queda lenta de CD4 ao longo do tempo. Por outro lado, alguns fatores estariam associados a uma maior urgência para o início de tratamento. Seriam os casos onde o CD4 está baixo, casos em que a carga viral é muito elevada e naqueles em que se evidencia queda rápida dos níveis de CD4. Outros fatores poderiam incluir gravidez, portadores de doença renal relacionada ao HIV, coinfecções com vírus da hepatite B (HBV) ou da hepatite C (HCV), casais discordantes, indivíduos engajados em atividade de alto risco, indivíduos querendo iniciar o tratamento ou quando se detecta vírus mais citopático. Com relação a este último, tem sido demonstrado que, na emergência das variantes virais conhecidas com X4, existe um risco de queda mais acelerada dos níveis de CD4 ao longo do tempo. Nosso grupo avaliou 72 indivíduos com infecção recente, há menos de seis meses, todos com níveis basais de CD4 acima de 500. Entre estes indivíduos, 12 tinham vírus que foram caracterizados como X4, enquanto o restante era portador de variantes R5. Pôde ser observado que a progressão da doença, caracterizada como queda de CD4 a níveis inferiores a 350 durante o seguimento, foi bem superior entre os indivíduos infectados por variantes X4, como pode ser visto na figura 7 (p < 0,002)31. 145 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 3. Antirretrovirais preferenciais para início de tratamento no Brasil Terceiro Medicamento Preferencial Alternativa com IP-r TDF + 3TC (TDF 300 mg – 1 cp ao dia) (3TC 150 mg – 1cp de 12/12h OU 2 cp 1×/dia) EFV OU NVP (EFV 600 mg - 1cp/noite) (NVP 200 mg - 1cp de 12/12h) LPV-r OU ATV-r (LPV-r 200/50 mg – coformulado - 2 cp de 12/12h ou 4 cp 1×/dia) (ATV-r 300 mg – 1 cp + 1 cp de 100 mg de RTV 1×/dia) AZT/3TC (300/150 mg – coformulado 1 cp de 12/12h) EFV OU NVP (doses descritas no quadro acima) LPV-r OU ATV-r (doses descritas no quadro acima) ABC + 3TC (ABC 300 mg – 1 cp de 12/12h OU 2 cp 1×/dia) (3TC 150 mg – 1 cp de 12/12h OU 2 cp ao dia) EFV OU NVP (doses descritas no quadro acima) LPV-r OU ATV-r (doses descritas no quadro acima) ddI + 3TC (ddI 250 mg e 400 mg – 1 cp 1×/dia, em jejum) (3TC 150 mg – 1 cp de 12/12h OU 2 cp 1×/dia) EFV OU NVP (doses descritas no quadro acima) LPV-r OU ATV-r (doses descritas no quadro acima) Porcentagem de pacientes com CD4 < 350 ITRN 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 R5 X4 0 10 20 30 40 50 60 Semanas 70 80 90 100 Figura 7. Progressão da doença entre indivíduos brasileiros com infecção recente pelo HIV. Avaliação da proporção de pacientes que evolui para queda de CD4 em níveis inferiores a 350 a partir de níveis normais (superiores a 500). Doze de 72 indivíduos apresentavam variante X4. 146 Tratamento antirretroviral inicial O tratamento inicial continua em todas as diretrizes que contêm três medicamentos, sendo que dois deles são análogos aos nucleosídeos e incluem sempre um análogo citozínico como o 3TC ou seu derivado FTC. Continua tendo destaque o EFV, como terceiro medicamento do tratamento inicial. Bibliografia 1. Paton N, The INSIGHT SMART Study Group. The INSIGHT SMART Study Group Association between activation of inflammatory and coagulation pathways and mortality during long-term follow up in SMART MRC Clinical Trials Unit, London, United Kingdom. The 65h IAS Conference on HIV Pathogenesis, Treatment and Prevention 2009. Abstract MOPEA034. 2. 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Independentemente da razão, a falha pode resultar em resistência viral, e a terapia de resgate é fundamental para buscar novamente a supressão, impedindo piora imunológica, progressão clínica e morte. O surgimento de mutações de resistência é decorrente da pressão seletiva exercida pelo tratamento antirretroviral (TARV) vigente. No entanto, ao ser avaliado o grau de resistência, devem ser considerados todos os esquemas prévios, pois podem existir mutações arquivadas relacionadas a terapias anteriores que poderão reaparecer se forem reutilizados determinados medicamentos. Falhas sucessivas limitam as opções terapêuticas, pois resistência cruzada entre medicamentos da mesma classe é esperada. Como o objetivo da terapia de resgate passou a ser atingir novamente a supressão viral máxima e sustentada, devem ser incluídos medicamentos ativos, conforme bem demonstrado nos estudos de casos com múltiplas falhas. Medicamentos de classes novas têm maior impacto e devem ser associados a outros com atividade plena ou, pelo menos, parcial para compor o esquema de resgate. Falha virológica Define-se como supressão viral a manutenção da carga viral (CV) abaixo dos limites de detecção, geralmente inferior a 50 cópias/ml, embora em algumas técnicas o limiar de detecção seja de 40 ou até de 20 cópias/ml. A falha virológica é definida como duas cargas virais detectáveis, confirmadas, acima de 50 cópias/ml após 24 semanas do início do TARV ou, em outra situação, quando a CV está indetectável durante o tratamento e apresenta rebote. 149 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 A realização dos testes de resistência para avaliar as mutações otimiza a escolha do esquema e permite alcançar maior eficácia terapêutica. Os resultados mais fidedignos são obtidos quando o exame é executado na vigência do tratamento. A ausência de mutações no exame de genotipagem sugere que a não adesão é a causa mais provável do aumento da CV durante o tratamento. Objetivo do tratamento após falha virológica O objetivo da terapia de resgate é retornar à supressão viral máxima. Para isso, deve ser estabelecido um esquema com o maior número de medicamentos ativos. São considerados, na maioria dos estudos e recomendações, dois ou, preferencialmente, três medicamentos ativos para compor o resgate. Quando a resistência for detectada precocemente e ainda não estiver extensa, alguns esquemas poderão ser potentes com apenas dois medicamentos plenamente ativos associados a outros com atividade intermediária, mas é necessário ter cautela para evitar falhas sucessivas. Dados do estudo TORO estabeleceram fatores associados à eficácia da terapia de resgate, entre eles a recuperação da contagem de CD4 acima de 100 cel/µl e da CV abaixo de 50 cópias/ml. Em todos os estudos de resgate, foram identificados fatores que contribuíram para a resposta ineficaz, destacando-se CV elevada (na maioria considerada acima de 100.000 cópias/ml) e níveis baixos de CD4. Mudança do tratamento antirretroviral após falha do esquema inicial Mudanças precoces, logo que a falha é detectada, evitam acúmulo de mutações e, assim, na sequência da troca, medicamentos de uma mesma classe poderiam ainda ser utilizados, conforme a classe e o grau de resistência. A mudança deve ser, sempre que possível, baseada no teste de genotipagem. Um inibidor da transcriptase reversa não análogo de nucleosídeo (ITRNN) não deve ser usado em resgate sem associar um inibidor da protease potencializado com ritonavir (IP/r), além de outros medicamentos, pois a barreira genética da classe é baixa e pode ocorrer falha precoce. Se tiver havido falha prévia a algum ITRNN de primeira geração (nevirapina [NVP] ou efavirenz [EFV]), esses não deverão ser reutilizados. A etravirina (ETR), que pertence à classe, poderá ser usada nos resgates associada a IP/r ou outras classes novas quando houver comprovada sensibilidade (atividade plena ou, em algumas circunstâncias, intermediária), pois há resistência cruzada conforme o número e o peso das mutações. O padrão de mutações é um pouco diferente para NVP: Y181C, K103N, G190A, K101E, A98G; e para EFV: K103N, L100I, Y188L, G190A, K101E. O tratamento prévio com NVP pode comprometer mais a utilização posterior de ETR, o que não é comum com o uso exclusivo de EFV, quando surge apenas a mutação K103N. Os IP/r têm elevada barreira genética, e o desenvolvimento de resistência é um processo gradual que exige o acúmulo de várias mutações. Há mutações especificamente selecionadas 150 Terapia de resgate por determinado IP que podem ou não causar resistência cruzada com os demais: D30N (nelfinavir [NFV]); I47A e L76V (lopinavir [LPV]); G48V (saquinavir [SQV]); I50L (atazanavir [ATV]) ou I50V (fosamprenavir [FPV] e darunavir [DRV]). A terapia de resgate com dois inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos (ITRN) e IP/r tem sido indicada após a primeira falha, quando foram usados apenas ITRN ou ITRN + ITRNN, mas, a fim de evitar nova falha, é importante avaliar cuidadosamente o grau de resistência para definir se há indicação de associar outra classe. Para escolher o IP/r, devem ser considerados vários aspectos, como quais e quantas mutações para IP estão presentes, qual a CV, o grau de imunodeficiência e todos os fatores relacionados à resposta terapêutica, incluindo quais IP já foram usados e quais razões levaram à mudança (mesmo se por intolerância para evitar repetir o medicamento). O estudo STAR, que avaliou pacientes virgens de IP com falha virológica ao primeiro esquema antirretroviral, contendo dois ITRN e um ITRNN (86% NVP, 14% EFV), mostrou, na semana 48, índices de CV abaixo de 50 cópias/ml, sendo 61,2% no braço que usou lopinavir potencializado com ritonavir (LPV/r) em monoterapia e 82,5% no braço que associou dois ITRN. Portanto, LPV/r em monoterapia não deve ser a melhor escolha para resgate após a falha do primeiro esquema mesmo para virgens de IP. O estudo CONTEXT comparou eficácia de fosamprenavir potencializado com ritonavir (FPV/r) e LPV/r, associados a dois ITRN, em pacientes previamente tratados com um ou dois IP. Os resultados mostraram que FPV/r (1.400/100 mg) uma vez ao dia foi inferior a LPV/r no resgate; porém, não foi inferior quando usado na dose de 700/100 mg duas vezes ao dia. O FPV/r não é escolha para resgates avançados. O estudo AI424 045 apresentava três braços: atazanavir associado a ritonavir (ATV/r); ATV com SQV e LPV/r. Na inclusão do estudo, deveriam ter sido tomados, ao menos, dois esquemas prévios e já haver experiência com algum medicamento das três classes (ITRN, ITRNN e IP). Todos receberam tenofovir e outro análogo de nucleosídeo. Na semana 24, foi demonstrada eficácia inferior de ATV/SQV em relação a LPV/r, e os pacientes tiveram a terapia modificada. Nas semanas 24 e 48, o ATV/r não foi inferior a LPV/r; porém, a proporção de pacientes com CV abaixo de 50 cópias/ml foi de 38% para o ATV/r e 45% para o LPV/r. Na semana 96, as eficácias de ATV/r e LPV/r foram semelhantes. A proporção de indivíduos com CV indetectável foi semelhante em ambos os braços. Quando havia mais de cinco mutações, nenhum paciente (0/9) do grupo do ATV/r e cinco de dezoito (28%) do grupo de LPV/r alcançaram CV indetectável. O ATV não é escolha para resgate quando a resistência é alta. O estudo TITAN avaliou pacientes que já haviam apresentado falha, mas sem resistência avançada. Na semana 48, 77% dos tratados com darunavir associado a ritonavir (DRV/r) e 67% do grupo com (LPV/r) atingiram CV abaixo de 400 cópias/ml. Quando foi considerada a CV abaixo de 50, o DRV/r preencheu os critérios para superioridade ao LPV/r (71 vs 60%), também sendo superior quando o CD4 basal estava mais baixo, a CV estava acima de 100.000 cópias/ml e quando havia uma ou mais mutações para IP ou fold change para DRV menor do que 10. A falha virológica foi de 10% com DRV/r e 22% com LPV/r. Na análise de mutações de resistência, 21% (6/28) daqueles com DRV/r desenvolveram mutações adicionais na protease comparados a 36% (20/56) no grupo do LPV/r. As mutações dos ITRN foram menos frequentes no grupo do DRV/r (14 vs 27%). 151 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Mudança do tratamento antirretroviral em casos de resistência mais avançada Estudos clínicos têm avaliado terapias de resgate quando há resistência às três classes (ITRN, ITRNN e IP). A grande maioria inclui IP/r, dupla de ITRN e um medicamento novo a ser analisado. Dificilmente são comparáveis entre si devido à heterogeneidade da população, aos tratamentos anteriores, aos critérios de eficácia, ao tempo de tratamento e ao tipo de esquema otimizado, que depende do que há disponível no momento de execução do estudo. Os medicamentos tipranavir potencializado com ritonavir (TPV/r), darunavir potencializado com ritonavir (DRV/r), etravirina (ETR), maraviroque (MVC), raltegravir (RAL) e enfuvirtida (ENF) demonstraram superioridade nos parâmetros de eficácia nos respectivos ensaios clínicos, sempre em combinação com o melhor tratamento otimizado no momento. Os estudos RESIST compararam TPV/r e outro IP/r escolhido pelo investigador. Um dos critérios de inclusão era ter uma ou mais mutações nos códons D30, M46, G48, V82, I50, I84 e L90 e/ou pelo menos duas nos códons L33, V82, I84 ou L90. No RESIST-1, a maioria com IP comparador usou LPV/r (61%), e, no RESIST-2, os mais utilizados foram APV/r (40%) e LPV/r (38%). A ENF foi indicada em 36% no RESIST-1 e 12% no RESIST-2 (anteriormente, uma parte desses pacientes já havia sido tratada com esse medicamento). Os resultados combinados dos dois estudos após 48 semanas mostraram uma proporção de pacientes com CV abaixo de 50 cópias/ml de 22,8% com TPV/r e de 10,2% com IP/r, demonstrando a superioridade do TPV/r. A ENF melhorou os resultados em ambos os braços, atingindo 52% de CV abaixo de 400 cópias/ml e 35,8% abaixo de 50 cópias/ml no braço do TPV/r. Foram identificadas 19 mutações para o TPV em 14 posições de aminoácidos (L10V, L24I, M36I,K43T, M46L, I47V, I50L/V, I54A/L/M/V, I54L, Q58E, T74P, L76V, V82L/T, N83D, e I84V). Analisando as mutações de acordo com o peso na resposta ao tratamento, foram dados valores em uma pontuação atualizada (escore), favorecendo a resposta e reduzindo o impacto sobre a resistência (L10V, 1; L24I, –2; M36I, 2; K43T, 2; M46L, 1; I47V, 6; I50L/V, –4; I54A/M/V, 3; I54L, –7; Q58E, 5; T74P, 6; L76V, –2; V82L/T, 5; N83D, 4, e I84V, 2). Na preparação do escore, foi levada em conta a eficácia do medicamento que acompanhava o TPV. Quando o escore estava ≤ 3, a resposta foi máxima nas semanas 8 e 48 e mínima quando o escore era > 10. O perfil de mutações de resistência ao TPV difere um pouco do DRV e, por isso, pode ser considerada a indicação em alguns casos de falha do DRV. O TPV é usado com dose maior de ritonavir em relação àquela indicada com DRV, tem mais interações medicamentosas e não deve ser associado à ETR. Os estudos POWER compararam a eficácia e a tolerabilidade de diferentes doses de DRV/r com um IP comparador associado a uma seleção otimizada de medicamentos. Entre os critérios de inclusão, deveria haver tratamento prévio com pelo menos dois antirretrovirais das três classes e ter uma ou mais mutações para IP. A randomização foi pelo número de mutações, pela CV e pelo uso de ENF. Ao fim da semana 24, a dose de DRV/r foi unificada em 600/100 mg duas vezes ao dia. A redução da CV foi alcançada em 61% naqueles com DRV/r e em 15% no grupo comparador. A proporção de CV inferior a 50 cópias/ml foi de 45% nos tratados com DRV/r e de 10% no grupo controle. A eficácia do DRV/r foi superior ao IP/r comparador, independentemente do uso de ENF, da CV basal, das mutações para IP e do número de medicamentos ativos na terapia otimizada. Na semana 96, 152 Terapia de resgate 39% daqueles tratados com DRV/r e 9% do grupo comparador persistiam com CV abaixo de 50. O POWER 3 confirmou os resultados dos estudos POWER 1 e 2. Na semana 144, 37 e 9% dos pacientes, respectivamente, persistiam com a CV abaixo de 50 cópias/ml. Foram identificadas onze mutações na protease (V11I, V32I, L33F, I47V, I50V, I54L/M, T74P, L76V, I84V, L89V) associadas à perda de sensibilidade ao DRV. A resposta virológica é reduzida de acordo com o número de mutações. As taxas de resposta (CV < 50 cópias/ml na semana 48) com 0, 1, 2 e 3 mutações foram de 72, 53, 37 e 29%, respectivamente. Vale ressaltar, que há interação de darunavir/ritonavir com efavirenz, com maior risco de falha por redução de níveis séricos de darunavir e maior toxicidade de efavirenz. Em relação à associação com nevirapina, não foi demonstrada interação, mas há poucos dados e pouca experiência. Os ensaios clínicos DUET analisaram a eficácia e a segurança da ETR nos casos em que já havia uma ou mais mutações para ITRNN e três ou mais mutações para IP. Todos receberam DRV/r e ITRN, conforme a terapia otimizada escolhida. O uso de ENF era opcional. Os resultados em relação à CV abaixo de 50 cópias/ml foram 56 e 62% no grupo tratado com ETR (DUET-1 e DUET-2) contra 39 e 44% no grupo com placebo, respectivamente. Entre os pacientes que receberam ETR e ENF que estavam no grupo otimizado, 60 e 73% alcançaram CV < 50 cópias/ml, em comparação a 56 e 68% no grupo com placebo. Os resultados combinados dos dois estudos após 48 semanas confirmaram os dados anteriores, e, na semana 96, a análise combinada de ambos os estudos apontou que a eficácia da terapia com ETR foi superior ao grupo comparador: 57 e 36%, respectivamente (p < 0,001). Foram identificadas 17 mutações em sua pontuação ponderada com menor taxa de resposta: V90I, A98G, L100I, K101E/H/P, V106I, E138A, V179D/F/T, Y181C/I/V, G190A/S e M230L. Entre todas as mutações, as Y181I/V/C, L100I, K101P e M230L são as que geram maior resistência. A Monogram desenvolveu um escore de pontuação para atribuir um valor para cada mutação (valor 4: L100I, K101P, Y181C/I/V; valor 3: E138A/G, V179E, G190Q, M230L, K238N; valor 2: K101E, V106A/I, E138K, V179L, Y188L, G190S; e valor 1: V90I, A98G, K101H, K103R, V106M, E138Q, V179D/F/I/M/T, Y181F, Y189I, G190A/E/T, H221Y, P225H, K238T). A pontuação obtida com a soma dos pontos de cada mutação é correlacionada ao fenótipo. Se o resultado for abaixo de 4, a ETR terá 90% de chance de ser eficaz (fold change < 2,9). Cabe salientar que, mesmo quando a única mutação preexistente é a K103N, podem existir populações minoritárias que apresentam outras mutações e até 45% dos casos podem ter mutações específicas para ETR não visualizadas. Os estudos TORO avaliaram a atividade da ENF em combinação com esquema otimizado em pacientes com múltiplas falhas. A CV basal era maior que 100.000 cópias/ml e CD4 abaixo de 100 cel/µl. Na semana 24, a diminuição da CV foi maior no grupo tratado com ENF. No braço com ENF houve decréscimo de –0,93 log10 da CV no TORO I e –0,78 log10 no TORO II. Na semana 48, a análise combinada dos dois estudos, demonstrou redução da CV de –1,48 log10 cópias/ml (ENF) e de –0.63 log10 cópias/ml no tratamento otimizado comparador (p < 0,0001). A probabilidade de alcançar resposta foi mais do que o dobro no grupo com ENF (redução CV > 1 log10: 37 vs 17%; CV < 400 cópias/ml: 30 vs 12%; CV < 50: 18 vs 8% [p < 0,0001]). O tempo até a falha no grupo com ENF triplicou, comparado ao grupo controle (32 e 11 semanas, p < 0,0001). Foram identificadas mutações na região HR1 da gp41 do vírus que reduzem a sensibilidade à ENF (G36D/S, I37V, 153 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 V38A/M/E, Q39R, Q40H, N42T, N43D). Outras mutações ou polimorfismos em outras regiões do vírus, tais como a região HR2, poderiam reduzir a sensibilidade à ENF. A barreira genética da ENF é tipicamente baixa, e o desenvolvimento de resistência ocorre rapidamente, bastando uma mutação. Os estudos MOTIVATE (1 e 2) avaliaram o MVC, e a estratificação foi de acordo com a CV basal e o uso de ENF. Deveria haver resistência ao menos a um medicamento ou a dois ou mais IP. Os resultados combinados na semana 48 mostraram que a queda da CV foi de –1,68 log com MVC uma vez ao dia; –1,84 log com MVC duas vezes ao dia; e –0,78 log com placebo, sendo a proporção de pacientes com CV abaixo de 400 cópias/ml: 51,7, 56,1 e 22,5% respectivamente (p vs placebo < 0,0001) e CV abaixo de 50 cópias/ml: 43,2; 45,5 e 16,7%. A inclusão da ENF no esquema aumentou as taxas de resposta. O aumento de células CD4 foi significativamente maior e mais precoce nos grupos que receberam MVC. Essa vantagem na recuperação imunológica tem sido demonstrada, independentemente da eficácia virológica. A eficácia (CV < 50 cópias/ml) foi maior (64%) quando ENF foi usada pela primeira vez: 61% nos grupos que receberam MVC e 27% nos que receberam placebo. Na semana 96, 41,3% dos que receberam MVC duas vezes ao dia mantiveram CV inferior a 50 cópias/ml, enquanto apenas 7,2% dos pacientes com placebo. Em dois terços dos casos de falha, houve mudança do tropismo para duplo (R5/X4). Pode ter ocorrido seleção da população viral com tropismo duplo já existente e não detectada no início do tratamento. A mudança foi observada em 7,5% dos que falharam com MVC e em apenas 1,9% no grupo placebo. Após a retirada do MVC, rapidamente as cepas reverteram para o tropismo R5. Alguns casos de falha virológica durante o tratamento com o MVC correspondem a um aumento excessivo de populações de vírus trópicos X4 preexistentes e não detectados pela baixa sensibilidade do teste inicialmente disponível. Os estudos BENCHMRK 1 e 2 foram desenhados para analisar a eficácia do RAL. Dentre os critérios de inclusão, deveria haver resistência genotípica ou fenotípica ao menos a um medicamento de cada uma das três classes de ARV. Os pacientes tinham doença avançada (82%, com critérios de AIDS) e haviam recebido uma média de 9,9 anos de TARV. Nos resultados combinados de ambos os estudos na semana 48, a proporção de CV < 400 cópias/ml foi de 72,1% no grupo de RAL e 37,1% no grupo placebo (p < 0,001). Carga viral < 50 cópias/ml foi de 62,1% no grupo RAL e 32,9% no grupo placebo (p < 0,001). A eficácia de raltegravir foi superior ao placebo, independentemente da CV e do CD4. Quando a terapia foi associada com DRV/r e ENF, a proporção de CV < 400 cópias/ml foi de 98% (RAL) e 87% (placebo). A análise combinada nas semanas 96, 156, e 192 nos estudos BENCHMRK mostraram a eficácia duradoura do RAL. Estudos in vitro têm identificado até 41 mutações no gene da integrase associadas à resistência ao RAL. As mutações detectadas apresentaram três padrões de resistência: padrão 1: N155H + L74M, E92Q, T97A, V151I, G163R, padrão 2: Q148K/R/H + G140S/A E138K e padrão 3: Y143R/C + L74A/I, T97A, I203M, S230R. A barreira genética é baixa, e, com apenas duas mutações, pode ocorrer resistência completa. A resistência cruzada com outros medicamentos da mesma classe (elvitegravir) é frequente; porém, com dolutegravir é bem menor, sendo, desse modo, possível sua utilização no resgate de falhas com RAL. O estudo TRIO, não comparativo e aberto, avaliou a eficácia e a segurança de um esquema antirretroviral contendo RAL + DRV/r + ETR. Entre os critérios de inclusão, 154 Terapia de resgate deveriam existir três ou mais mutações de resistência para IP, três ou mais mutações para ITRN, pelo menos três mutações para DRV e pelo menos três mutações para ITRNN. Os 103 pacientes receberam ITRN (83%) e ENF (12%). Na semana 24, 93 pacientes (90% dos pacientes, IC 95%, 85-96%) e na semana 48, 89 pacientes (86% dos pacientes, IC 95%, 80-93%) alcançaram CV abaixo de 50 cópias/ml. A redução média da CV do início do estudo até 48 semanas foi de –2,4 log (IQR: –2,9 a –1,9). O aumento médio nas células CD4 foi de 108 (IQR: 58-169). Conclusão Com os medicamentos atualmente disponíveis, a supressão viral máxima e duradoura (< 50 cópias/ml) deve ser o objetivo da terapia de resgate na grande maioria dos casos de falha virológica. Os esquemas devem ser escolhidos, preferencialmente, com base nos resultados dos testes de resistência e devem considerar, além dos tratamentos prévios, todos os fatores conhecidamente relacionados à eficácia da terapia de resgate. É importante, também, avaliar a tolerância e a toxicidade dos medicamentos, pois podem interferir na adesão e, portanto, na eficácia. Bibliografia 1. Taiwo B, Gallien S, Aga E, et al. 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AIDS. 2010;24(4):503-14. 14. Bunupuradah T, Chetchotisakd P, Ananworanich J, et al. Second line lopinavir/ritonavir monotherapy was inferior to tenofovir/ lamivudine/lopinavir/ritonavir in patients who failed NNRTI-regimen: HIV STAR study. 18th Conference on Retroviruses and Opportunistic Infections (CROI); 2011 February 27-March 2; Boston, MA. [abstract 58442] 15. Imaz A, del Saz SV, Ribas MA, et al. Raltegravir, etravirine, and ritonavir-boosted darunavir: a safe and successful rescue regimen for multidrug-resistant HIV-1 infection. J Acquir Immune Defic Syndr. 2009;52(3):382-6. 155 Capítulo 11 A interpretação da resistência aos antirretrovirais Simone de Barros Tenore, Vicente Soriano e Ricardo Sobhie Diaz Resumo O Brasil tem a característica peculiar de ser um país em desenvolvimento com acesso universal sem custo para o paciente a quase todos os antirretrovirais (ARVs) licenciados em países desenvolvidos. A terapia sequencial em pacientes sendo tratados por longos períodos propiciou resistência e resistência cruzada do HIV a um grande número de ARVs. Mais recentemente, a resistência transmitida também surge como obstáculo que ameaça o desempenho do tratamento inicial. O entendimento do perfil de resistência em diversas situações, especialmente do perfil de resistência a medicamentos novos e de novas classes torna-se fundamental na boa prática do médico ao tratar a infecção pelo HIV. Introdução Como parte da evolução do tratamento antirretroviral (TARV) inicial atual temos a possibilidade de usar esquemas mais potentes com medicamentos mais toleráveis e menor possibilidade de emergência de variantes resistentes do HIV. Para quem inicia o tratamento hoje, a resistência não deverá ser um problema sério. O que se espera em termos virológicos do TARV iniciado hoje é que ele seja eficaz para sempre. Normalmente, a escolha recai na associação de dois inibidores da transcriptase reversa análogos aos nucleosídeos (ITRN) e um inibidor da transcriptase reversa não análogo aos nucleosídeos (ITRNN). Eventualmente, e principalmente relacionada à interrupção mais prolongada dos esquemas contendo dois ITRN e um ITRNN, pode ocorrer a resistência. Nesses casos, a resistência ocorrerá ao ITRNN e eventualmente (cerca de metade dos casos com resistência aos ITRNN) resistência à lamivudina (3TC) ou entricitabina (FTC) pela emergência da mutação M184V 1,2. Nesse caso, o próximo passo será o resgate cujo esquema deve conter inibidores da protease incrementados pelo ritonavir (IP-r). Nesse caso, como explorado a seguir, espera-se que, mesmo na falha virológica, a classe dos inibidores da protease (IPs) esteja preservada. Na América do Norte, esses benefícios levaram à diminuição dramática no número de 157 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 pacientes necessitando de um terceiro resgate ao longo do tempo3. Entretanto, não devemos negligenciar a existência de um grande número de pacientes que foram submetidos à terapia sequencial e desenvolveram resistência aos ARVs, por vezes resistência muito extensa. Esse fato per se obriga o médico infectologista que trata da infecção pelo HIV a entender bem a resistência aos ARVs e saber como manuseá-la. Esta revisão tem a intenção de esclarecer detalhes sobre os desfechos da seleção da resistência aos ARVs e orientar no raciocínio para a construção da terapia de resgate. O impacto dos testes de resistência no resgate É inegável o benefício dos testes de resistência no desempenho virológico do resgate4-9 ou mesmo em relação à sobrevida das pessoas10. Alguns estudos apontam que a diferença no desempenho da resposta virológica entre o resgate empírico e o resgate dirigido por genotipagem é maior quanto mais precoce é o resgate7,11. Ou seja, apesar de um resgate de uma primeira falha ser mais efetivo quando feito empiricamente do que um resgate de uma segunda falha e assim sucessivamente, a diferença no desempenho entre o uso de testes de genotipagem e o resgate empírico é maior na primeira falha quando comparada à segunda falha ou da segunda quando comparado a três ou mais falhas. Esses dados sugerem, portanto, que, apesar de nos parecer intuitivo que um resgate mais precoce possa prescindir de um teste de resistência, seria exatamente este o momento em que o teste nos ofereceria mais auxílio. Existe, entretanto, uma observação que se deve fazer com relação a esse conceito. Na época que esses estudos foram conduzidos, a prática do uso de IPs incrementados com pequenas doses de ritonavir não era tão comum. Levando-se em consideração que, atualmente, o tratamento inicial preferencial tem sido feito com ITRNN, o resgate na falha destes indivíduos deverá, na maioria dos casos, conter um IP-r. À luz do conhecimento atual, percebe-se que pacientes nunca expostos a IPs apresentam um efeito máximo da inibição da protease quando tratados com IP-r. Uma evidência disso consiste no fato de que, na falha a esquemas contendo IP-r entre indivíduos não expostos previamente a IPs, não existe resistência na protease ou essa resistência é extremamente rara12-16. Isso ocorre mesmo entre indivíduos tratados com IP-r em monoterapia17. A bem da verdade, a chance de supressão viral para níveis indetectáveis utilizando-se IP-r em monoterapia varia entre 85 a 95%17,18. Dessa forma, considera-se que a chance de supressão viral no primeiro resgate entre indivíduos virgens de IP seja bastante elevada ao se levar em conta a ação exclusiva do IP-r. É concebível, portanto, que, atualmente, a diferença entre a chance de sucesso no primeiro resgate entre indivíduos abordados com e sem testes de resistência possa ser semelhante. Independentemente do que foi dito acima, os testes de resistência têm um papel fundamental tanto no momento da falha aos ARVs quanto no tratamento inicial em locais de alta prevalência de resistência transmitida aos ARVs. Os testes de resistência atualmente fornecem mais segurança a médicos e pacientes no momento em que o tratamento é iniciado ou substituído. De fato, testes de resistência como genotipagem e fenotipagem virtual têm um grande impacto na conduta médica19. Um estudo desenhado para avaliar a influência de testes de resistência aos ARVs na conduta do infectologista demonstrou que, em resgate avançado, 79% dos 158 A interpretação da resistência aos antirretrovirais esquemas propostos empiricamente por médicos experientes na área seriam modificados por esses mesmos médicos por ocasião da análise de um teste de genotipagem19. Ao avaliar uma fenotipagem virtual, 75% dos esquemas propostos por esses médicos, baseados em genotipagem comuns, seriam também alterados pelos mesmos médicos. Importante também, o número de medicamentos ativos propostos no resgate aumenta de 1,8 para 2,2 quando se compara o resgate empírico com o resgate baseado em genotipagem para os mesmos pacientes (p = 0,0004) e de 2,2 para 2,8 quando se compara o resgate utilizando genotipagem comum e fenotipagem virtual (p = 0,0001). Aparentemente, a existência de parâmetros como fold change e cut-off biológicos presentes na fenotipagem virtual forneceriam maior segurança ao médico e, hipoteticamente, maior eficácia no resgate de acordo com o maior número de medicamentos ativos, a ser utilizados. Esse mesmo estudo demonstrou que, em 51% e 145 dos casos, os médicos consideram a genotipagem muito útil e extremamente útil respectivamente enquanto que em 25 e 34% dos casos, os médicos consideram a fenotipagem virtual muito e extremamente útil respectivamente19. A resistência transmitida aos antirretrovirais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define como baixa a prevalência de resistência transmitida quando ela é inferior a 5%; intermediária quando está entre 5 e 15% e elevada quando é superior a 15%. Em um estudo brasileiro, foram realizadas análises genotípicas de todas as amostras obtidas em 2001 originadas de indivíduos com teste positivo para o HIV em 13 Centros de Testagem e Aconselhamento distribuídos no Brasil. Foi detectada inicialmente, em casuística de 535 amostras de plasma, a prevalência global no Brasil de 6,5% de resistência transmitida, curiosamente com o predomínio de resistência aos análogos aos nucleosídeos e sem prevalência de resistência a múltiplas classes de ARVs20. Uma análise subsequente que utilizou a mesma estratégia em amostras coletadas em 2007-8 mostrou que a incidência global de resistência transmitida no Brasil aumentou para 8,1%, sendo que, dessa vez, ao modelo que se observa entre países desenvolvidos, a prevalência de resistência foi superior aos ITRNNs21. De fato, a prevalência de resistência transmitida tem sido considerada como intermediária no Brasil, mas com variações regionalizadas. Prevalência muito elevada de resistência transmitida entre as pessoas com infecção recente foi detectada na cidade de Santos, São Paulo (36%)22, sendo também considerada alta na cidade de Salvador, Bahia (18,9%)23. Existe um debate a respeito do real impacto da resistência transmitida com relação ao TARV. Alguns estudos demonstram que o impacto pode não ser tão relevante, levando somente a um retardamento no tempo decorrido entre o início de tratamento e a indetecção da carga viral24. Para contribuirmos com o entendimento dessa questão, desenhamos um estudo de caso controle entre pacientes que estavam recebendo seu primeiro TARV na cidade de Santos, em São Paulo, onde, como mencionado anteriormente, apresenta altíssima prevalência de resistência transmitida. Nesse estudo, foram analisados dois grupos de pacientes que apresentavam sucesso ou falha virológica após um ano do primeiro TARV, e a amostra pré-tratamento foi avaliada de forma retrospectiva. A única 159 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 variável entre todas as demográficas e virológicas/imunológicas que se associou à falha virológica foi a presença de mutações de resistência transmitida25. Adicionalmente, o estudo demonstrou que as mutações de resistência são detectadas nesses pacientes que necessitaram de tratamento e, portanto, em um momento temporalmente distante da infecção primária, posto que, de acordo com as diretrizes nacionais, pacientes se intitulam ao tratamento quando a doença progride e o CD4 está reduzido. Estudos explorando a persistência das mutações de resistência transmitida ao longo do tempo têm sido realizados em coorte de pacientes portadores de infecção recente pelo HIV que têm vírus com resistência transmitida. Confirmou-se que, em contraste do que ocorre com a resistência secundária à pressão seletiva dos ARVs, as mutações de resistência transmitida tendem a persistir ao longo do tempo. De forma diferencial, a mutação do códon 184 da transcriptase reversa tende a voltar ao perfil selvagem26. Um estudo para detecção de resistência transmitida entre pacientes cujo TARV é indicado foi recentemente conduzido no Brasil em cidades representativas das quatro macrorregiões brasileiras: Manaus, Brasília, Salvador, Rio de Janeiro, Santos, Porto Alegre e Itajaí. Foram analisadas 251 amostras nos pacientes imediatamente antes do início do TARV. A média de CD4 foi de 206,6 céls/mm3, e a média de carga viral foi de 5,1 log10. A prevalência geral de resistência transmitida foi de 12,3 e 7,6% aos ITRNs, 4,4% aos ITRNNs e 4% aos IPs. Deve se ressaltar que 3,6% das pessoas apresentavam vírus com resistência a duas classes de ARVs. As prevalências de resistência transmitida encontradas nesse estudo foram de 8,5% na região norte, 10,6% na região centro-oeste, 19,1% na região nordeste, 12,8% na região sudeste e 9% na região sul27. Pode-se concluir desse estudo que a resistência transmitida aos ARVs varia entre as regiões em níveis intermediários a elevados. A partir dos resultados expostos acima, pode-se considerar que a realização de testes de resistência antes do início do TARV tem papel fundamental. Levando-se em consideração a maior fragilidade em termos de desenvolvimento de resistência do tratamento inicial composto de dois ITRNs e um ITRNN, a resistência a qualquer um desses medicamentos, que ocorreria em média em 12,3% dos casos, refletiria potencial dano a uma parcela considerável da população iniciando o tratamento. Na impossibilidade da realização de testes de resistência antes do TARV, deveria considerar-se a possibilidade de iniciar o tratamento com esquemas iniciais contendo IP-r, posto que (i) a resistência transmitida mais frequente tem sido a resistência aos ITRNNs e (ii) pela eficácia dos IPs-r mesmo na ausência de atividade completa dos ITRNs, como discutido anteriormente. A resistência aos antirretrovirais A presença de viremia confirmada deve motivar o ajuste do tratamento. Nesses casos, um resgate imediato pode limitar o acúmulo de mutações de resistência e permitir um resgate mais eficaz. Além disso, sabe-se atualmente que a ativação celular proporcionada pelo HIV, que leva à deterioração de tecidos e órgãos e ao envelhecimento prematuro, aumenta na viremia detectável e é proporcional aos níveis de replicação viral28,29. Com relação à replicação viral e à seleção de novas mutações de resistência, dever-se ter em mente que o risco do aparecimento de novas mutações de resistência é quantificável, 160 A interpretação da resistência aos antirretrovirais sendo de 1,6 mutações novas ao ano30. Além disso, o número de mutações selecionadas durante a viremia é proporcional não só ao tempo de falha, mas ao nível dessa viremia. Ou seja, quanto menor a viremia menor a possibilidade de seleção de novas mutações de resistência30. De qualquer forma, tem sido relatado que, mesmo nos casos em que a viremia é baixa, pode existir uma considerável emergência de vírus com mutações de resistência, sendo extremamente recomendável que se ajuste prontamente o TARV assim que possível, especialmente se a viremia for elevada. O perfil de resistência esperado na primeira falha aos inibidores da transcriptase reversa análogos aos nucleosídeos Tem sido atualmente ressaltado que o tratamento inicial com ITRN tende a ser substituído por tratamentos iniciais contendo dois medicamentos, eventualmente medicamentos de classes novas, sem a presença de ITRN. Isso tudo em decorrência da toxicidade de médio e longo prazo característica desta classe de medicamentos. Entretanto, tem sido também demonstrado que o uso de ITRN no resgate é fundamental na resposta ao tratamento, mesmo quando esses ITRNs têm atividade bastante reduzida31. A definição dos próximos análogos após a falha inicial faz parte da decisão mais difícil a ser tomada. O resgate empírico nestes casos deverá se basear no perfil provável de mutações selecionadas pela combinação de ITRN, na duração da falha e no mecanismo de resistência específico para os ARVs em questão. A barreira genética das associações também será considerada nas discussões. De uma forma geral, a barreira genética refere-se à facilidade ou a rapidez com que a resistência emerge. Os ITRNs são falsos nucleotídeos. Os nucleotídeos são a matéria prima do acido nucleico, e a enzima trascriptase reversa faz a polimerização do genoma do HIV incorporando os nucleotídeos adenosina, guanosina, citosina e timidina de acordo com o molde da fita de acido nucleico complementar do vírus. Os ITRNs não têm a hidroxila no carbono no qual se ligaria o próximo nucleotídeo, e, com a sua incorporação, a polimerização do ácido nucleico do vírus é interrompida. A zidovudina (ZDV) e a estavudina (d4T) são análogos à timidina; a didanosina (ddI) e o tenofovir à adenosina, 3TC e FTC à citosina e abacavir à guanosina. Com relação à resistência aos ITRNs, observa-se que existem dois mecanismos. Um deles é o da diminuição da incorporação dos ITRNs. Nesse mecanismo, as mutações de resistência fazem com que a trascriptase reversa discrimine entre os análogos aos nucleosídeos e os nucleotídeos verdadeiros a favor dos nucleotídeos verdadeiros e em detrimento dos ITRNs. O outro mecanismo é o da excisão. Neste caso, as mutações de resistência não diminuem a incorporação dos ITRNs em vez dos nucleotídeos verdadeiros, mas entra em atividade uma fosfodiesterase que subtrai o último fósforo do análogo incorporado, e, assim, o medicamento sai da cadeia dando lugar à ligação do nucleotídeo verdadeiro e permitindo a continuação da polimerização mediada pela transcriptase reversa. As mutações dos análogos da timidina (TAM) são responsáveis pela resistência relacionada à excisão, enquanto que as mutações dos análogos nucleosídeos (NAM) têm como mecanismo de resistência a diminuição da incorporação. Ocorre um fato interessante aqui: 161 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 algumas mutações cuja resistência se relaciona à diminuição da incorporação podem reverter a resistência provocada pelas mutações que aumentam a excisão do fármaco. É o caso das mutações M184V ou L74V. Em tempo, com relação às TAMs, existem duas vias mutacionais descritas: a via TAM1, que inclui as mutações nos códons 41, 210 e 215, e a via TAM2, que conta com as mutações nos códons 67, 70 e 219. Aparentemente, a possibilidade de seleção das vias TAM1 ou TAM2 é a mesma, sendo que as mutações nos códons 41 e 210 da via TAM1 levam à resistência cruzada ao tenofovir. Sabe-se também que pacientes em falha aos análogos da timidina por período muito prolongado podem ter até seis TAMs, em que, obviamente, as duas vias TAM1 e TAM2 estarão envolvidas32. Com relação à resistência aos ITRNs, deve-se levar também em consideração que alguns perfis mutacionais levam à resistência cruzada ampla, culminando no que chamamos de resistência a múltiplos fármacos (MDR). Gostaria de chamar a atenção aqui para a MDR proporcionada pelo acúmulo de TAM, levando ao comprometimento de todos os ITRNs, e para a mutação K65R, levando também à MDR, mas poupando a ZDV33. Outra característica que deve ser levada em consideração relaciona-se à atividade residual dos ITRNs. Em outras palavras, mesmo na presença de mutações de resistência a um determinado ITRN, a perda de atividade não seria total, sendo possível sempre algum grau de inibição proporcionado pelo medicamento em questão34. A lista dos ITRNs e as mutações que causam resistência a esses medicamentos estão na tabela 1. Deve-se chamar a atenção para o fato de que as mutações que levam a MDR aos ITRNs de forma mais intensa são a inserção no códon 69 ou o complexo Q151M. Apesar de raras, a resistência proporcionada por essas mutações é muito elevada e, justamente por serem raras, é difícil prever quando elas podem emergir em um paciente em falha. Para essas mutações especificamente, os testes de resistência são fundamentais. Um resumo das principais mutações selecionadas pelas duplas de ITRN mais comuns pode ser visualizado na tabela 2. Falha a esquemas iniciais contendo inibidores da transcriptase reversa não análogos aos nucleosídeos Como mencionado anteriormente, os esquemas contendo dois ITRNs e dois ITRNNs são bastante utilizados atualmente como tratamento inicial. Sabe-se que as mutações aos ITRNNs emergem rapidamente na falha virológica por se tratar de uma classe com medicamentos de baixa barreira genética, como pode ser visto na tabela 3. Vale a pena notar que, quando ocorre a interrupção dos ARVs contendo ITRNN de forma não programada em pacientes com carga viral indetectável, existe uma chance próxima a 40% de seleção de mutações de resistência aos ITRNNs35. Quando metodologias para detecção de mutações de resistência mais modernas são utilizadas, como o sequenciamento paralelo maciço (ultra deep sequencing), percebe-se que praticamente todos os pacientes nos quais houve a interrupção de esquemas contendo ITRNN apresentarão vírus com mutações de resistência mesmo que seja em populações virais minoritárias36. De fato, o sequenciamento paralelo maciço é a metodologia cuja vocação é detectar populações minoritárias, sendo que, enquanto uma genotipagem normal detecta populações virais que estejam 162 A interpretação da resistência aos antirretrovirais Tabela 1. Localização dos códons principais e acessórios na protease relacionados à resistência aos IPs Medicamento Códons principais Códons acessórios Indinavir M46I/L, V82A/F/I/S/T, I84V/A/C L10I/R/F/V, K20M/R/T/I, L24I, V32I, E35D, M36I/L/V, G48V, I54L/T/V, Q58E, L63A/I/P/Q/V/Y/T, A71T/V, G73S/T/C/A, V77I, L89M/V, L90M, I93L Ritonavir V82A/F/I/S/T, I84V/A/C L10I/R/F/V, G16E, K20M/R/T/I, L24I, V32I, L33I/F/V, E34K, M36I/L/V, G48V, F53L, I54L/T/V, Q58E, D60N, I62V, L63A/I/P/Q/V/Y/T, A71T/V, L90M Saquinavir G48V, L90M L10I/R/F/V, T12I, K20M/R/T/I, D30N, V32I, M36I/L/V, M46I/L, I54L/T/V, R57K, Q58E, D60N, I62V, L63A/I/P/Q/V/Y/T, A71T/V, G73S/T/C/A, T74S, L76M, V82A/F/I/S/T, I84V/A/C, N88D/S Nelfinavir D30N, L90M L10I/R/F/V, I13V, K20M/R/T/I, M36I/L/V, M46I/L, G48V, I54L/T/V, Q58E, D60N, I62V, L63A/I/P/Q/V/Y/T, V77I, V82A/F/I/S/T, I84V/A/C, N88D/S, I93L (Fos)amprenavir I50V, I84V/A/C L10I/R/F/V, V32I, L33I/F/V, R41K, M46I/L, I47A/V, I54L/T/V, G73S/T/C/A, V82A/F/I/S/T, L90M Lopinavir L10I/R/F/V, G16E, K20M/R/T/I, L24I, V32I, L33I/F/V, M36I/L/V, M46I/L, I47A/V, I50V, F53L, I54L/T/V, Q58E, L63A/I/P/Q/V/Y/T, A71T/V, G73S/T/C/A, T74S, V82A/F/I/S/T, I84V/A/C, L89M/V, L90M, T91S Atazanavir I50L, N88S, I84V/A/C L10I/R/F/V, K20M/R/T/I, L24I, V32I, L33I/F/V, M36I/L/V, M46I/L, G48V, I54L/T/V, L63A/I/P/Q/V/Y/T, A71T/V, G73S/T/C/A, V82A/F/I/S/T, L89M/V, L90M Tipranavir L33I/F/V, V82T, I84V/A/C, L90M L10I/R/F/V, I15V, K20M/R/T/I, E35D, M36I/L/V, N37D, R41K, I47A/V, I54L/T/V, D60N, A71T/V, T91S (Darunavir) TMC 114 L33F, I47F I54L/M, L89V L11L, I15V, V32I, I50V, G73S, L76V, I84V Tabela continua 163 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 1. Localização dos códons principais e acessórios na protease relacionados à resistência aos IPs (continuação) Medicamento Códons principais Códons acessórios Raltegravir N155H/S, Q148H/K/R Y143R/H/C N17S, H51Y, V54I, T66A/L/K, L74M, E82Q, E92Q, Q95K, T97A, H114Y,F121Y, T124A, T125K, A128T, G136R, E138A/K, G140A/S/C, P145S, Q146P, S147G, V151I, S153A/Y, E157Q, G163K/R, I203M, I204T, D232N, R263K. Elvitegravir E92Q, Q148K/H/R, N155H Dolutegravir G118R, T124A, S153Y/L/F Q148H/K/R T66I/A/K, L68I/V, V72A, E92V/Q, F121Y, T124A, A128T, E138A/K, G140A/S, P145S, Q146L,S147G/G, S153Y, R263K presentes em proporções superiores a 25 ou 30%, o sequenciamento paralelo maciço detecta populações virais em proporções de ate 1%37. Nos casos de interrupção de tratamento contendo os ITRNNs de primeira geração (nevirapina e efavirenz), na maioria das vezes haverá resistência somente aos ITRNNs e não aos outros ARVs que compunham o esquema que foi interrompido. Assim, é prudente que se considere a possibilidade de resistência aos ITRNNs quando ocorrer qualquer tipo de interrupção prolongada e abrupta dos ARVs. É especialmente interessante a observação de que a falha ao efavirenz leva à resistência primariamente associada à mutação K103N, que normalmente é acompanhada das mutações L100I e P225H, enquanto que a resistência relacionada à nevirapina vem normalmente associada à mutação Y181C, que estará acompanhada das mutações K101E e G190A32. Interessante notar que as mutações que estão Tabela 2. Perfil mutacional provável após a primeira falha com duplas diferentes de ITRN Dupla de ITRN ZDV/3TC ABV/3TC TDF/3TC ddI/3TC Mutações prováveis M184V TAM (?) M184V M184V K65R (?) M184V + K65R, ou L74V/I ,ou T69A/D/N Resgate possível TDF/3TC ZDV(d4T)/3TC ou TDF/3TC ZDV/3TCT ZDV (d4T)/3TC Medicamentos que não devem ser usados ddI, ABV ddI ddI, ABV, d4T ddI, ABV 164 A interpretação da resistência aos antirretrovirais Tabela 3. Barreira genética individual dos ITRN e ITRNN Baixa Média Alta Lamivudina (3TC) ZDV ou AZT Didanosina (ddI) Entricitabina (FTC) não disponível no BR Abacavir Estavudina (d4T) Nevirapina (NVP) Tenofovir (TDF) Efavirenz (EFV) descritas anteriormente como relacionadas à nevirapina levariam a maior possibilidade de resistência cruzada ao ITRNN de segunda geração, a etravirina. A etravirina é um novo ITRNN que quebra vários paradigmas construídos baseados nos ITRNNs de primeira geração, pois apresenta barreira genética maior, atividade residual e menor resistência cruzada dentro da classe. De fato, a etravirina foi concebida com a vocação principal de resgate a falha com resistência dos ITRNNs de primeira geração39. A hipotética resistência cruzada à etravirina, portanto, ocorreria com menor frequência quando o fármaco usado fosse o efavirenz. Por se tratar de molécula mais flexível, a etravirina pode ligar-se em posições distintas próximas do sítio ativo da transcriptase reversa. Dessa forma, tal medicamento quebra o paradigma próprio da classe dos ITRNNs, que é a ausência de atividade residual e resistência cruzada ampla. A emergência de novas mutações de resistência ocorrerá, aproximadamente, na metade dos pacientes que apresentam falha a esquemas contendo esse medicamento no resgate, sendo que as mutações mais frequentemente selecionadas com repercussão fenotípica serão as V179F, V179I e Y181C, embora as mutações nos códons K101 e E138 também apareçam com uma certa frequência39. A falha aos esquemas iniciais (primeiro esquema ARV) contendo ITRNN deveria então conter um IP-r. Em pacientes virgens de IP ou que nunca tenham falhado ao IP sem ritonavir, a chance de que se obtenha uma ótima eficácia com esquema contendo IP-r é muito grande. O que corrobora isso é o fato de que pacientes que falham a IP-r como seu primeiro IP não desenvolvem resistência na protease, sendo que esse fato já foi comprovado na falha ao lopinavir-r40, atazanavir-r41, fosamprenavir-r1 e saquinavir-r12, mesmo nos casos em que a monoterapia com IP-r foi utilizada, como visto em estudos de monoterapia com lopinavir-r17 e atazanavir-r18. Outro fator corroborador deve-se ao fato de que estudos de monoterapia com IP-r mostram que aproximadamente 90% ou mais dos pacientes mantêm a carga viral indetectável por períodos de 48 semanas17,18. Falha a esquemas iniciais contendo inibidores da protease Como discutido anteriormente, se a escolha para tratamento inicial for esquema contendo IP-r, não se espera, na falha, a presença de mutações de resistência na protease. 165 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 4. Localização dos códons principais e acessórios na transcriptase reversa relacionados à resistência aos ITRN e nucleotídeo Medicamento Códons principais Códons acessórios AZT T215F/Y E40F, M41L, D67N/E/G, K70R/G/E/N, L210W, T215C/D/S/I/E/N/V, K219Q/E/N/R 3TC M184V/I, P157S E44A/D, V118I d4T I50T, V75M/S/A/T M41L, D67N/E/G, K70R/G/E/N, M184V/I, L210W, K219Q/E/N/R ddI K65R, T69A/D/S/N/G, L74V/I M41L, D67N/E/G, K70R/G/E/N, M184V/I, L210W, K219Q/E/N/R ddC K65R, T69A/D/S/N/G, L74V/I, M184V/I M41L, D67N/E/G, K70R/G/E/N, L210W, K219Q/E/ N/R ABV Y115F K65R, L74I/V, M184I/V, T215F/Y TDF K65R M41L, D67N/E/G, K70R/G/E/N, L210W, K219Q/E/ N/R MDR Ins 69, Q151L/M*, del 67 *A62V, 75M/S/A/T, F77L, F116Y *Códons acessórios relacionados ao códon Q151L/M Medicamento Códons Nevirapina A98G, L100I, K101E/P, K103N/A/S/T/Q, V106A/M, V108I, V179D/E, Y181C/I/V, Y188L/H/C, G190A/E/Q, F227L/C, M230L Delavirdina L100I, K101E/P, K103N/A/S/T/Q, V106A/M, V108I, Y181C/I/V, Y188L/ H/C, M230L, P236L Efavirenz L100I, K101E/P, K103N/A/S/T/Q, V106A/M, Y181C/I/V, Y188L/H/C, G190A/E/Q, P225H, M230L Etravirina A98G K101P/E/H E138A V179D/T/F Y181C G190A/S M230L Normalmente, a falha a esses esquemas está associada à má adesão ao tratamento, e existe uma boa chance de que se consiga a supressão viral com a melhora da adesão. Dessa forma, não haveria a necessidade de substituição do IP, ou esse poderia ser substituído com segurança por qualquer outro IP-r. No entanto, na falha a esquemas iniciais contendo IP sem ritonavir, existe uma clara chance de progressão genética na protease e acúmulo de mutações de resistência. Nesses casos, discutiremos a falha aos IPs sem ritonavir no contexto das mutações mais frequentes, que podem ser vistas na tabela 4. Portanto, todas as considerações a seguir estão relacionadas à falha virológica dos pacientes que por algum motivo foram tratados com IP sem o ritonavir. Nota-se que a falha será com a seleção de uma mutação principal e várias mutações acessórias, mas, nesse caso, 166 A interpretação da resistência aos antirretrovirais sempre devemos discutir a repercussão da presença da mutação principal. Nota-se que na perspectiva do uso do darunavir-r em um futuro resgate, de forma geral deveremos considerar que se evite o uso de amprenavir ou fosamprenavir sem o uso do ritonavir, visto que as mutações selecionadas por este fármaco tem perfil semelhante às mutações do darunavir com potencial risco de resistência cruzada42. A mesma cautela valeria entre pacientes que apresentassem vírus com mutações na protease, em que o fosamprenavir poderia acrescentar novas mutações com potencial resistência cruzada ao darunavir. Claro que essa cautela não faz sentido nos casos de tratamento com fosamprenavir-r quando não há resistência na protease, o que ocorre entre os pacientes virgens de IP ou naqueles nunca expostos a IP sem ritonavir. Apesar disso, pode-se notar que a resistência cruzada ao darunavir entre os pacientes que apresentam vírus com mutações aos IPs é muito baixa, sendo que somente 2,1% dos pacientes apresentam mais de três mutações específicas a este medicamento32. Os comentários a seguir referem-se aos perfis de resistência aos inibidores de protease mais utilizados atualmente Falha a esquema contendo atazanavir Nessa situação, a resistência ocorre exclusivamente no contexto da mutação I50L praticamente em todos os casos. É muito interessante notar que essa mutação leva à hipersensibilidade a todos os outros IPs44. Não se sabe na verdade qual a repercussão dessa hipersensibilidade na prática clínica, mas pelo menos existe a indicação de que o resgate com um IP-r não será dificultado nessa situação. Falha a esquema contendo amprenavir ou fosamprenavir Nessa situação a mutação principal é a I50V, que é uma mutação na mesma posição na protease que a mutação selecionada pelo atazanavir; entretanto, com a emergência de um aminoácido diferente. Essa mutação leva a uma hipersensibilidade ao atazanavir, e é peculiar o fato de que a mutação I50L do atazanavir leve à hipersensibilidade ao amprenavir, enquanto a I50V do amprenavir leva à hipersensibilidade ao atazanavir. Novamente, não se sabe ao certo a repercussão clínica da hipersensibilidade na protease. Falha a esquemas contendo tipranavir O tipranavir foi o primeiro IP não peptídico desenvolvido, tendo sido usado de forma mais extensa há alguns anos na Europa Ocidental e na América do Norte e não tendo sido incluído nas diretrizes nacionais para uso em adultos. Dessa forma, espera-se que a quantidade de pacientes falhando a esse ARV seja mínima no Brasil. Uma análise baseada em 167 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 resultados de dados de fenotipagem (Monogram) demonstrou que, de 935 isolados, revelando perda de susceptibilidade ao tipranavir, 658 (70%) ainda manteriam sensibilidade ao darunavir, sendo este o resgate mais óbvio para a situação44. Em uma análise brasileira de 2.474 pacientes falhando ARVs, 54% apresentavam mutações principais na protease32. Desses, 19,3% apresentavam resistência genotípica ao tipranavir, sendo que desses, 90% apresentavam sensibilidade ao darunavir. Da mesma forma, analisamos 266 fenotipagens virtuais de pacientes brasileiros altamente experimentados e com algum nível de resistência na protease e constatamos que 61% apresentavam resistência ao tipranavir, sendo que 55,7% desses ainda apresentavam susceptibilidade plena ao darunavir (dados não publicados). Falha a esquema contendo darunavir As mutações que mais frequentemente emergem por ocasião da falha virológica ao darunavir são V32I, L33F, I47V, I54L, e L89V45. Da mesma forma do que foi discutido para o tipranavir, é concebível que o IP com sensibilidade aos pacientes com resistência ao darunavir após falha a esse medicamento seja o tipranavir. Foi demonstrado que as mutações novas mais frequentes após a falha com esquemas contendo darunavir entre 25 pacientes muito experimentados foram L89I/M/V (32%), V32I (28%), V11I (20%), I47V/A (20%), I54L/M (20%), L33F/I (16%) e I50V (16%), sendo que, após a falha, a prevalência de sensibilidade ao tipranavir caiu da análise pré-tratamento de 76 para 60%, sugerindo que, mesmo após a falha ao darunavir, o resgate com tipranavir seria possível46. A exemplo do que foi citado anteriormente, de 586 isolados com diminuição de susceptibilidade fenotípica ao darunavir, 53% continuavam sensíveis ao tipranavir44. Entre 1.336 pacientes brasileiros falhando ARVs e com resistência na protease, 2,2% somente apresentavam resistência genotípica ao darunavir, sendo que 82,8% desses pacientes com resistência ao darunavir ainda apresentavam susceptibilidade ao tipranavir32. Entre 266 fenotipagens virtuais de pacientes brasileiros com resistência na protease, 32% apresentavam resistência ao darunavir, sendo que 15,6% desses ainda apresentavam susceptibilidade plena ao tipranavir (dados não publicados). Falha a esquemas contendo raltegravir O raltegravir é o primeiro representante da classe dos inibidores da integrase. Trata-se de medicamento bastante potente e com diminuição bastante rápida da viremia 47. A barreira genética não é muito alta comparado a dos IP-r, como demonstrado pelos estudos de switch48. Tem importância fundamental no tratamento de resgate por se tratar de medicamento de nova classe em que a transmissão de vírus resistentes ainda é muito rara49. Em diretrizes e consensos americanos e europeus, esse medicamento encontra-se também apontado como opção para tratamento inicial. A falha virológica nem sempre está acompanhada de resistência, que ocorre em cerca de 50% dos casos, o que indica que os testes de resistência sejam fundamentais nesses casos47. Apresenta notoriamente três vias 168 A interpretação da resistência aos antirretrovirais mutacionais para seleção de variantes do HIV com resistência, as vias envolvendo o códon 155 da integrase, 143 e 14850. Durante a falha precoce, a maioria dos pacientes com vírus resistentes apresentará vírus com mutações no códon 155 (45%), enquanto que a prevalência de mutações nos códons 143 e 148 é semelhante, sendo de aproximadamente 25% cada. A resistência cruzada ao novo inibidor de integrase que está mais próximo do registro, o elvitegravir, é grande, posto que qualquer uma dessas três vias mutacionais pode ter impacto no medicamento. Já o dolutegravir, também inibidor de integrase, apresenta potencial para resgatar a falha ao raltegravir quando as vias mutacionais se relacionam aos códons 155 e 14351. É importante salientar que os vírus com a mutação no códon 155 poderão evoluir para o vírus com a mutação no códon 148 se a pressão seletiva do raltegravir for mantida por períodos estendidos de tempo50, o que potencialmente dificultaria o futuro resgate com o dolutegravir. Dessa forma, é interessante recomendar que a resistência ao raltegravir seja detectada rapidamente e que, na medida do possível, o tratamento com raltegravir seja substituído no intuito de se preservar futuras opções terapêuticas. Falha a esquemas contendo maraviroque Os antagonistas de CCR5 necessitam de um teste de suscetibilidade antes de serem utilizados, ensaios estes conhecidos como testes para determinação do tropismo do HIV ou, simplesmente, testes de tropismo. Esses testes visam determinar que a maioria das variantes virais presentes na população de vírus infectando um determinado hospedeiro seja variantes que utilizam o receptor a ser antagonizado: o CCR5. Sabe-se que, alternativamente, o HIV pode passar a utilizar o receptor CXCR4 por ocasião do fenômeno conhecido como mudança de tropismo. Dessa forma, um novo teste de tropismo deve ser realizado no momento da falha virológica em esquemas com maraviroque. O maraviroque tem sido mais extensivamente usado em resgate precoce em países desenvolvidos e na diretriz americana conhecida como IAS-USA e está também recomendado como opção para tratamento inicial. Especulamos que o maraviroque tenha uma barreira genética elevada, posto que somente a minoria, cerca de 1/3 dos pacientes em falha virológica, apresenta vírus com a mudança do tropismo para o uso do receptor CXCR4. Nesses casos, especula-se que o medicamento ainda possua atividade e que o maraviroque não seja o responsável pela falha virológica em questão. Em alguns casos mais raros, um vírus com uma pequena diminuição de susceptibilidade ao maraviroque pode emergir sem a respectiva mudança de tropismo. Essas variantes virais podem apresentar mutações na alça V3 da GP120 como A316T ou I323V52. Um teste de genotropismo pode também identificar os casos em que houve a perda de ação desse medicamento. Falha a esquemas contendo enfuvirtida A enfuvirtida é um medicamento que inibe a fusão da membrana celular com o envoltório viral pela ligação com a região HR1 da gp41 do HIV. A barreira genética para 169 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 desenvolvimento de resistência a esse medicamento é extremamente baixa, sendo que duas semanas de viremia é suficiente para proporcionar resistência a esse medicamento em praticamente todos os casos53. Dessa forma, os tratamentos contendo enfuvirtida não devem perdoar a replicação viral, sendo a indetectabilidade da carga viral condição fundamental. As mutações de resistência aparecem justamente na região HR1 da gp41 sendo frequentemente acompanhadas de mutações na região HR2 que se contrapõe à região HR1. Entende-se que as mutações da região HR2 sejam selecionadas para recuperar o fitness perdido pelas mutações selecionadas na região HR1. A importância dos testes de resistência para pacientes usando a enfuvirtida relaciona-se a dois fatores fundamentais. O primeiro é de que tratamentos revelando mutações de resistência a enfuvirtida deveriam normalmente ser interrompidos, posto que não existe atividade residual desse medicamento. A não detecção de mutações de resistência durante falha virológica significa má adesão ao medicamento. O segundo é de que a presença da mutação V38A no HR1 acompanhada de N140T ou T18A pode estar associada a benefício imunológico a despeito da falha virológica54. Nesse contexto, a discussão sobre a manutenção da enfuvirtida mesmo na falha ao tratamento poderia ser reaberta para aqueles pacientes sem outras opções terapêuticas disponíveis. Interessante notar que alguns pacientes virgens de tratamento podem apresentar as mutações da região HR255. Isso poderia ser considerado um polimorfismo natural, posto que é mais frequente, em variantes não b, o B de regiões fora do hemisfério norte. Essas mutações da região HR2 não repercutem na susceptibilidade natural à enfuvirtida, mas pode-se especular que, nesses casos, a barreira genética para resistência esteja diminuída. Conclusão Fica relativamente claro atualmente que a resistência aos ARVs continua sendo um problema, e a escolha dos melhores medicamentos é uma arte que exige experiência e conhecimento. Como desafio, temos não só a falha virológica, mas a própria resistência transmitida, que pode ser uma causa não anunciada de falha. O desenvolvimento contínuo de novos medicamentos com melhor perfil para o resgate é bastante promissor, mas, em alguns casos, a resistência cruzada pode ser um obstáculo a ser detectado e vencido. Bibliografia 1.Sax PE, Tierney C, Collier AC, et al. Abacavir-lamivudine versus tenofovir-emtricitabine for initial HIV-1 therapy. 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AIDS Res Hum Retroviruses. 2010;26(3):307-11. 172 Capítulo 12 AIDS pediátrica Marinella Della Negra, Wladimir Queiroz e Yu Ching Lian Aspectos epidemiológicos Não obstante a comunicação à comunidade científica de que uma nova epidemia havia iniciado em 1981, gerando rápido esforço e investimentos para estudar o agente causal (HIV), as formas de transição, o diagnóstico e o tratamento, tal epidemia, a AIDS, continua acometendo de forma substancial os povos. –Mais de 7.000 novos casos por dia (2009). –Mais de 97% em países de baixo e médio recursos. –Cerca de 1.000 em crianças menores de 15 anos. –A maioria por transmissão vertical. –Cerca de 6.000 casos em indivíduos maiores de 15 anos de idade. –Porcentual de 51% entre as mulheres. –Porcentual de 41% entre os jovens (15‑24 anos). A incidência entre crianças vem diminuindo de modo global devido ao aumento dos programas de profilaxia da transmissão materno fetal (PTMF). A diferença na incidência entre os povos se deve especialmente às grandes diferenças socioculturais entre eles. Hoje a epidemia se concentra principalmente em países com baixos recursos. Podemos dizer, em relação às crianças, que existem duas epidemias do HIV (Fig. 1). Embora o Brasil faça parte do grupo de países em desenvolvimento, muito cedo se deu conta de que, pelas características do país, a epidemia de HIV/AIDS teria todas as condições para se tornar devastadora e montou programas de prevenção, diagnóstico e tratamento, sendo considerado internacionalmente um modelo no enfrentamento da epidemia. A transmissão do HIV é a maior causa da infecção em crianças no nosso país ainda hoje, apesar de normas para o controle dessa via de transmissão estarem sendo implementadas em todo território nacional pelo Ministério da Saúde e pelos órgãos regionais de saúde. Mas, assim como as diferenças entre os países interferem nos resultados na luta contra a epidemia, o Brasil, por ser um país de dimensões continentais e com diferenças socioculturais entre seus estados, tem diferentes taxas de transmissão vertical em suas regiões (Tabelas 1 e 2). 173 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Prevalência de adultos (%) 15,0-28,0% 5,0-< 15,0% 1,0-< 5,0% 0,5-< 1,0% 0,1-< 0,5% < 0,1% Dados não disponíveis Países em desenvolvimento Alta incidência de casos novos, progressão rápida da doença, infecção perinatal em curso, acesso limitado a ARTV. Prioridades: melhorar diagnóstico, acesso universal à medicação, monitoramento, eliminar transmissão materno fetal. Países desenvolvidos Crianças mais velhas, poucos casos novos. Alta especificidade e individualização do tratamento. Prioridades: uso de novos fármacos e simplificação de esquema antirretroviral. Figura 1. Distribuição mundial da epidemia de HIV em crianças. Mesmo em uma mesma região do Brasil, há diferenças entre os estados que a compõe. Na região sudeste, a mais industrializada e com maior concentração populacional, o estado de São Paulo tem taxa de transmissão diferente das taxas da região. A taxa de transmissão vertical do estado de São Paulo está entre as menores do país (Fig. 2). Essas diferenças de incidência só nos confirmam o que já se sabe há algum tempo: o resultado do enfrentamento da epidemia deve levar em conta todas as diferenças que existem entre as populações. Tabela 1. Cobertura (%) referida de teste de HIV no pré‑natal segundo região. Brasil, 2006 Norte Nordeste Sudeste Sul C-Oeste Brasil 8,4 5,4 3,5 2,6 2,0 4,1 42,4 45,4 11,0 5,7 7,5 21,0 1,1 8,8 2,1 0,6 0,6 3,4 Pré‑natal, pedido de teste, concordãncia da gestante, desconhecimento do resultado 12,9 9,1 7,4 12,7 6,2 9,0 Todas etapas cumpridas 35,3 31,3 76,0 78,3 83,7 62,5 Não fez pré‑natal Pré‑natal, não houve pedido de teste Pré‑natal, pedido de teste, recusa da gestante Adaptado de Estudo‑Sentinela Parturiente, 2004. Elaborado por Szwarcwald CL, 2005. 174 AIDS pediátrica Tabela 2. Taxas de transmissão vertical do HIV por Região. Brasil, 2004 Região TV (%) Norte 13,40 Nordeste 7,7 Centro‑oeste 4,3 Sudeste 7,6 4,9 Brasil 6,8 Percentual de transmissão (%) Sul 3,00 2,50 2,00 1,50 1,00 0,50 0,00 Coorte francesa Reino Unido 1997-2004 e Irlanda 2000-2006 Estudo colaborativo Europeu 2001-2003 Coorte americana 2001-2005 São Paulo, Brasil 2002 Figura 2. Baixas taxas de transmissão vertical da Europa, Estados Unidos e Brasil (adaptado de Warszawski, AIDS 2008; Townsend, AIDS 2008; European Collaborative Study, CID 2005; Katz, JAIDS 2010; Matilda; AIDS 2005). Patogênese Estudos recentes mostram que há um importante paradoxo na patogênese da infecção pelo HIV: de um lado, o grande marcador da infecção pelo HIV, a perda de células CD4, que leva a uma imunodeficiência e a condições relacionadas à AIDS (infecções oportunistas); por outro lado, a hiperatividade imunológica (inflamação), que é a maior responsável pelo direcionamento da patogênese do HIV, inclusive a perda de células CD4. Alguns fatores parecem contribuir para a disfunção imune e a ativação do processo inflamatório. –Efeito direto e indireto do vírus e produtos virais. –Resposta do hospedeiro à infecção pelo HIV. –Lesões intestinais produzidas pelo HIV levam à translocação microbiana. 175 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 –Coinfecções com tuberculose (TB). –Fármacos antirretrovirais. –Abuso de droga (cocaína). –Replicação residual do vírus apesar da supressão pelos antirretrovirais (evidente no intestino). Na fase aguda da infecção, o organismo, naturalmente, ativa a resposta imune. A resposta imune inata é mediada por sensores das células do sistema imune, denominados receptores toll. Existem diferenças entre a ativação do sistema imune da infecção pelo HIV e outras infecções. Na maioria das doenças infecciosas, inclusive aquelas cujo patógeno persiste indefinidamente, como a hepatite C, causada pelo HCV, a ativação imune diminui drasticamente após a fase aguda. Na infecção pelo vírus da imunodeficiência símia (SIV) e por HIV, a ativação imune persiste durante a fase crônica. Estes cenários são bem descritos em adultos; porém, o que deve ocorrer em crianças? –O processo inflamatório é variável, mais ou menos severo, associado ao perfil imunológico que varia com a idade. –A inflamação parece estar associada a todas as causas de mortalidade. – Evidência de complicações tardias, como resistência à insulina, dislipidemia, hipertensão e desmineralização óssea. –Estudos do processo inflamatório devem ser feitos em cenários clínicos variados, especialmente em crianças de transmissão vertical progressoras lentas. A evolução para a progressão da doença parece ser o resultado do balanço entre a ativação e a exaustão imune. Diagnóstico da infecção pelo HIV Assim como entre adultos, a pesquisa de anticorpos anti‑HIV compõe o padrão para o diagnóstico da infecção pelo HIV entre crianças e adolescentes. Entretanto, os testes sorológicos devem ser interpretados com extrema cautela em crianças com idade inferior a 18 meses nascidas de mães infectadas pelo HIV, graças à transferência transplacentária dos anticorpos maternos. A maioria dos estudos revela que os anticorpos maternos anti‑HIV permanecem detectáveis na circulação da criança até o primeiro ano de vida; porém, algumas crianças não infectadas pelo vírus podem apresentar níveis detectáveis desses anticorpos até os 18 meses de idade. Os testes sorológicos tradicionais podem apresentar alguma utilidade quando apresentam resultados repetidamente negativos nessa faixa etária, afastando o diagnóstico da infecção pelo HIV. Por outro lado, o teste rápido, que também detecta a presença de anticorpos anti‑HIV, pode ser extremamente útil quando a sorologia materna se encontra indisponível, e medidas profiláticas para a transmissão vertical do HIV devem ser instituídas o mais rapidamente possível. Nesses casos, o teste rápido pode revelar a exposição à transmissão vertical; porém, o diagnóstico da infecção pelo HIV deverá utilizar outras técnicas. Recomenda‑se que o teste rápido esteja disponível em maternidades e unidades neonatais por essas razões. O diagnóstico apropriado da infecção pelo HIV entre crianças expostas à transmissão vertical com idade inferior a 18 meses depende, essencialmente, de testes de amplificação de 176 AIDS pediátrica ácido nucleico (NAAT). Os NAATs que detectam o RNA viral ou o DNA pró‑viral representam, atualmente, o padrão ouro para o diagnóstico da infecção pelo HIV‑1 nessa população. A técnica de amplificação do DNA pró-viral detecta a presença do material genético do vírus em células sanguíneas mononucleares periféricas (PBMC) quiescentes ou que estejam ativamente replicando o HIV e apresenta sensibilidade e especificidade superior a 90% em crianças com 30 dias de idade expostas à transmissão vertical e não submetidas ao aleitamento materno. Resultados falso‑positivos são raros e supostamente decorrentes de contaminação laboratorial. Diversas técnicas de amplificação do RNA viral no plasma são atualmente licenciadas, fornecendo resultados quantitativos expressos em número de cópias do HIV‑1 por mililitro de sangue (cópias/ml). A sensibilidade dessas técnicas varia de 25 a 50% quando as amostras são coletadas em recém‑nascidos de poucos dias de vida, até 100% nas amostras coletadas em crianças com idade superior a seis semanas. Sua especificidade é comparável à técnica de amplificação do DNA pró‑viral. Resultados com valores inferiores a 10.000 cópias/ml sugerem resultado falso‑positivo, uma vez que crianças infectadas pelo HIV‑1 e não submetidas à terapia antirretroviral frequentemente apresentam valores superiores a 100.000 cópias/ml. Alguns fatores podem prejudicar a análise dos resultados dos testes de amplificação do ácido nucleico viral: –O momento da infecção: crianças infectadas durante o parto podem apresentar testes negativos nos primeiros dias ou semanas de vida. A sensibilidade desses testes aumenta com a idade da criança. A despeito do alto custo desses testes, recomenda‑se que sejam coletadas três amostras: aos 14 dias de vida, entre um e dois meses e entre três e seis meses de idade. –Exposição aos antirretrovirais: a maioria dos estudos relata que a administração de antirretrovirais para a mãe e/ou a criança, como profilaxia da transmissão vertical, não altera significativamente os resultados do NAAT viral realizado durante os primeiros seis meses de vida. Entretanto, a atual variedade de esquemas profiláticos com antirretrovirais sugere que novos estudos sejam realizados para aferição da sensibilidade e da especificidade desses testes nessa população. –Aleitamento materno: o aleitamento materno, contraindicado quando a mãe é infectada pelo HIV, constitui em constante fonte de infecção pelo vírus após o nascimento. Quando a criança foi submetida ao aleitamento materno, a cronologia das coletas dos testes deve obedecer ao término do período de aleitamento e não ao nascimento da criança. –Características do vírus: o HIV‑1 pode ser classificado em três grupos: M (responsável por mais de 90% das infecções no mundo), O e N. As cepas do grupo M apresentam subtipos A, B, C, D, E, F, G, K e O. Mais de 50% das infecções pelo HIV no mundo são causadas pelo subtipo C, predominante na África subsaariana e na Índia. Nas Américas e Europa predominam as infecções pelo subtipo B. Além dessas classificações, existem ainda as cepas recombinantes e o HIV‑2. As diversas técnicas de amplificação de ácido nucleico podem não detectar todas as diferentes cepas virais, ainda que novos kits comerciais, capazes de identificar diferentes cepas, estejam em desenvolvimento, especialmente os de amplificação do RNA viral. 177 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 –Momento da coleta: o sangue coletado do cordão umbilical ou na primeira semana de vida não deve ser utilizado para diagnóstico através das técnicas de NAAT, pelo risco de contaminação e resultados falso‑positivos. De uma maneira geral, considera‑se infectada a criança que apresenta pelo menos dois NAATs positivos dentre as três coletas preconizadas (14 dias, um a dois meses e três a seis meses de idade). O diagnóstico de infecção pelo HIV pode ser excluído na criança não submetida ao aleitamento materno que apresenta dois NAATs negativos, um coletado após quatro semanas de vida e o segundo após quatro meses de idade. Alternativamente, dois testes sorológicos negativos, colhidos em amostras separadas, após os seis meses de vida, também excluem o diagnóstico de infecção. Em qualquer situação laboratorial, o diagnóstico de infecção pelo HIV somente poderá ser excluído na ausência de qualquer outra evidência clínica (Doença Definidora de AIDS) ou laboratorial de infecção pelo HIV. Apresentação clínica Nos últimos anos, com o avanço e os benefícios dos novos antirretrovirais, a evolução clínica das crianças infectadas pelo HIV tem apresentado mudanças importantes. No período anterior ao amplo uso de antirretrovirais, as crianças portadoras de HIV apresentavam infecções graves, com alta taxa de mortalidade e internações hospitalares frequentes, e muitas crianças apresentavam quadro neurológico de evolução lenta, porém, progressiva, causando distúrbios neuropsicomotores severos. Sem dúvida, o diagnóstico precoce de infecção pelo HIV e o melhor conhecimento das infecções oportunistas também contribuíram para a queda significativa da mortalidade nas crianças infectadas pelo HIV. As infecções bacterianas não oportunistas ainda são as principais intercorrências clínicas observadas nos pacientes pediátricos, as mais comuns são infecções das vias superiores, como otite média crônica, sinusopatias e mastoidites. A pneumonia pneumocócica é a infecção pulmonar mais comum. A sepse bacteriana também é observada com frequência nos pacientes internados, os cocos gram‑positivos, como estreptococo e estafilococo, e os gram‑negativos, como pseudomonas, são os agentes bacterianos mais encontrados. Os agentes responsáveis são semelhantes aos observados nas crianças sem infecção pelo HIV. Em geral, os pacientes apresentam evolução clínica satisfatória com a administração do antimicrobiano específico. Com a imunossupressão, as manifestações clínicas de infecção bacteriana podem ser menos intensas e atípicas, a febre não é observada em muitos casos e a disseminação sistêmica da infecção ocorre rapidamente. As infecções bacterianas ainda são causa importante de internação hospitalar e óbito. A doença causada pela micobactéria, principalmente a M. tuberculosis, deve ser afastada nos pacientes que apresentam infecções pulmonares de repetição ou outros sinais clínicos sugestivos, como febre vespertina e perda de peso. É raro encontrar formação de caverna pulmonar nos pacientes com grau avançado de imunodeficiência. A coinfecção HIV e M. tuberculosis é alarmante no mundo todo. Doenças causadas por outras micobactérias devem ser consideradas, principalmente os pacientes que apresentam contagem de linfócitos CD4 menor do que 50 células. As manifestações clínicas não são específicas, e as mais observadas são febre, anemia, dor abdominal e alterações das enzimas hepáticas. 178 AIDS pediátrica Figura 3. Herpes simples de face. As doenças causadas pelo citomegalovírus (CMV) e virus varicela zóster são consideradas as infecções oportunistas virais mais encontradas nas crianças com AIDS. O CMV pode acometer o trato digestivo desde a boca até o reto, além de causar retinite, encefalite, neurite periférica, hepatite e pneumonite intersticial. A doença é mais observada no paciente com imunossupressão muita severa. O virus varicela zóster pode causar doença nos diversos estágios da imunossupressão. Sem dúvida, a gravidade da doença pode estar relacionada ao grau de imunossupressão, sendo comum a recorrência da doença. O herpes simples é o outro vírus que observamos com frequência nas crianças, a apresentação clínica pode ser atípica, e a forma crônica é comum, sendo que, não raro, a quimioprofilaxia com antiviral é necessária (Fig. 3). O sarcoma de Kaposi é mais observado nos pacientes adultos e nas crianças das regiões endêmicas, ainda são poucos os relatos de casos pediátricos no país. Entre as doenças fúngicas, a candidíase é a mais observada, muitas vezes como a primeira manifestação clínica da infecção pelo HIV. A mucosa da boca e do esôfago são os locais em que mais encontramos lesões. O aparecimento da candidíase está relacionado à piora da imunidade do paciente. Outra doença fúngica de grande importância é a criptococose, sendo a meningite criptocóccica a forma mais encontrada da doença. A cefaleia pode ser a única manifestação clínica. A criptococose está relacionada à imunossupressão severa. As outras doenças fúngicas que não podemos esquecer são histoplasmose e aspergilose. A toxoplsmose e a criptosporidiose são as parasitoses mais observadas. Na toxoplasmose, a forma cerebral é mais comum, e a manifestação clínica mais observada é a crise convulsiva ou déficit motor de forma súbita (Fig. 4). Com o tratamento específico, a evolução da toxoplasmose é boa, mas o paciente pode apresentar recaída da doença com a queda de imunidade celular. A criptosporidiose é a doença intestinal oportunista mais observada nas crianças com diarreia crônica, podendo causar distúrbios metabólicos e desnutrição grave. Infelizmente, a resposta às antiparasitárias disponíveis atualmente é ruim, e a recuperação da imunidade é imprescindível para o controle da doença. Na era do tratamento com antirretrovirais potentes, a sobrevida das crianças infectadas pelo HIV melhorou de forma significativa; porém, surgiram várias novas preocupações nos 179 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Figura 4. Toxoplasmose cerebral. últimos anos: os efeitos adversos das medicações, as alterações metabólicas, as doenças cardiovasculares, distúrbios neurológicos e comportamentais. As maiores preocupações cardiometabólicas nas crianças portadoras de HIV incluem perfil lipídico elevado, resistência à insulina, inflamação cardiovascular e lipodistrofia. Diferentes dos pacientes adultos, a maioria das crianças foi infectada e exposta aos antirretrovirais e HIV na fase muito precoce da vida, isto é, antes de nascer. Os estudos observaram que o próprio HIV pode contribuir para o aumento de risco de doenças cardiovasculares, e sabemos que alguns antirretrovirais apresentam efeitos adversos graves, como hipertrigliceridemia e lipodistrofia. As crianças infectadas pelo HIV devem receber avaliação regular de perfil lipídico, de glicemia, pressão arterial, peso corpóreo e possível doença renal. Ao escolher o esquema terapêutico, o médico deve considerar os efeitos adversos dos antirretrovirais, assim podemos minimizar as possíveis complicações futuras. Também é importante incentivar as crianças e adolescentes a praticar exercícios, alimentação saudável e não fumar. Com o aumento de sobrevida das crianças infectadas pelo HIV, acredita‑se que aumentará o número de adolescentes e adultos jovens com doença cardiovascular no futuro próximo. Apesar da supressão de replicação viral, da recuperação considerável de imunidade e da queda significativa de incidência de infecções oportunistas, inclusive do sistema nervoso central, os distúrbios neurocognitivos relacionados ao HIV ainda chamam atenção entre os médicos que acompanham esses pacientes. Os estudos mostraram que, com o uso precoce de antirretrovirais de melhor penetração no sistema nervoso central, a taxa de encefalopatia relacionada ao HIV apresentou uma queda de 50%, mas, apesar do declínio, a forma leve de alterações neurocognitivos persiste, e alguns pacientes desenvolveram doenças na ausência de imunossupressão severa. Existem inúmeras hipóteses, como injúria direta pelo HIV, efeito deletério da proteína viral, efeito indireto de citocina pró‑inflamatória, ativação crônica e outras. Acredita‑se que o início precoce do tratamento da infecção pelo HIV pode 180 AIDS pediátrica minimizar os distúrbios neurológicos. Os números significativos de pacientes acompanhados no nosso ambulatório apresentam alguns tipos de distúrbio neurológico, essas alterações dificultam a inserção do paciente na escola, na sociedade e, muitas vezes, na própria família. Com o crescimento das crianças, os números de adolescentes aumentaram nos últimos anos, com isso, também aumentaram algumas preocupações no acompanhamento desses pacientes. A adolescência é um período de transição, caracterizada por insegurança, conflitos e prepotência, além da mudança física, psicológica e sexual. Esse período é mais conturbado para adolescentes portadores de HIV, que, muitas vezes, são órfãos, ou moram em instituições. A grande dificuldade frente a esses pacientes é a revelação do diagnóstico, pois seu desconhecimento contribui para a não aderência ao tratamento. O trabalho conjunto com os profissionais multidisciplinares é fundamental. Outro ponto crucial é a sexualidade e a prevenção. Muitas vezes, com a liberdade conquistada pela adolescência ou emancipação antecipada, os adolescentes iniciam a atividade sexual precocemente e, assim, adquirem outras doenças sexualmente transmissíveis e gravidez. Algumas gestações são desejadas; porém, muitas não são, mas o ponto comum entre todas é a falta de condições socioeconômicas adequadas para cuidar do filho. Felizmente, a transmissão vertical do HIV entre as adolescentes portadoras de HIV é quase zero. Sem dúvida, o acompanhamento regular e especializado durante a gestação é muito importante. O acompanhamento das crianças e dos adolescentes com infecção pelo HIV vai muito além do exame clínico e da prescrição médica, o apoio emocional e a inserção social e profissional são muitos importantes junto aos antirretrovirais. Tratamento antirretroviral Apesar de termos um grande arsenal de antirretrovirais disponíveis para adultos, o número de medicamentos disponíveis para crianças é infinitamente menor. Esse fato se deve à necessidade de estudos em crianças somente após o conhecimento da ação do medicamento em adultos, pois a biodisponibilidade de um fármaco é diferente em crianças devido, principalmente, às diferenças no seu metabolismo. As diferenças metabólicas nessa faixa etária necessitam do estabelecimento de posologias diferenciadas, e os objetivos do tratamento são: –Alcançar e sustentar a completa supressão de carga viral de HIV-RNA. –Minimizar a curto e longo prazo a toxicidade do antirretroviral. –Minimizar a farmacorresistência viral. –Normalizar a função imunológica na progressão da doença. –Impedir infecções oportunistas. –Reduzir o aumento da mortalidade. –Atingir o potencial de desenvolvimento como adultos. –Maximizar a qualidade de vida. Quando introduzido o tratamento antirretroviral em crianças, devem‑se ter muito claro os seguintes dados: –Crianças não são pequenos adultos. –A resposta de ART difere em adultos e crianças. 181 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 –A idade é um fator‑chave. –Virologia: cargas virais elevadas. –Imunologia: sistema imunológico imaturo; aumento da atividade do Timo. –Farmacocinética: evolução das vias metabólicas. –Crescimento: frequente necessidade de mudança das doses. –Aceitabilidade/tolerabilidade: necessidade de formulações adequadas. Além dos problemas já descritos, outra particularidade torna o tratamento dessa faixa etária muito particular: –Escassez de dados de farmacocinética. –Alguns dados sobre o impacto da raça, estado nutricional: • Necessidade frequente de alterações da dose em crianças pequenas. • Rápido clareamento de muitos antirretrovirais. –Impacto do crescimento: • Recomendações de dose por peso ou superfície corporal. • As doses correspondentes ao peso e superfície corpórea podem não ser equivalentes. • A World Health Organization (WHO) simplificou doses através de faixas de peso. Por outro lado, particularidades nas posologias das medicações oferecem mais dificuldades: diferentes formulações da mesmo fármaco podem não ter a mesma biodisponibilidade; o inibidor de protease necessita de reforço com ritonavir; disponibilidade de líquido ou grandes cápsulas, as opções pediátricas tradicionalmente são líquidas ou fracionamento de medicação de adulto. A indústria farmacêutica acredita que as crianças preferem xaropes. Essas dificuldades se associam a outros questionamentos, como quando começar o tratamento em crianças, já que os parâmetros utilizados em adultos não são adequados para crianças. Quando começar? Após um estudo realizado na África e denominado como CHER (The Children with HIV Early Antiretroviral Therapy), foi demonstrado que a utilização de antirretrovirais em crianças menores de um ano de idade reduziu a mortalidade em 76% e diminuiu a progressão para doença em 75%, estabelecendo‑se que toda criança com menos de um ano de idade que tem diagnóstico de infecção pelo HIV deve receber tratamento antirretroviral com lopinavir e dois nucleosídeos. Após um ano de idade, os consensos internacionais não são unânimes quanto aos marcadores que indicariam o início do tratamento (Tabela 3). Outra importante questão é com que iniciar. Uma série de pesquisas foi realizada com a finalidade de se estabelecer se, na terapia inicial, havería vantagem em incluir um inibidor não nucleosídeo. A resposta a essa pergunta depende, porém, dos vários esquemas utilizados na gestante na profilaxia de transmissão vertical, que, por se diferenciar de país para país, acabou sendo normatizada pela WHO. Para crianças infectadas pelo HIV que não foram expostas a inibidor de transcriptase reversa não nucleosídeos ou para as quais não se sabe se houve exposição da mãe ou da criança a antirretrovirais, a terapia inicial pode conter nevirapina Para crianças infectadas pelo HIV com 182 AIDS pediátrica Tabela 3. Indicações do Consenso Brasileiro para o início do tratamento Idade Critérios Recomendação < 12 meses Independentemente de manifestações clínicas CD4 e carga viral Tratar ≥ 12 e < 36 meses Critérios clínicos: categoria CDC B* ou C Critérios laboratoriais – CD4: < 25% ou < 750 cels/mm3 – Carga viral: > 100.000 cópias/mm3 Tratar Critérios clínicos: categoria CDC B* ou C Critérios laboratoriais: – CD4: <20% ou < 500 cels/mm3 – Carga viral: > 100.000 cópias/mm3 Tratar Criterios clínicos: categoria CDC B* ou C Critérios laboratoriais: – CD4: < 15% ou < 350 cels/mm3 – Carga viral: > 100.000 cópias/mm3 Tratar ≥ 36 e < 60 meses > 5 anos Tratar Considerar tratamento Tratar Considerar tratamento Tratar Considerar tratamento *Exceto LIP, plaquetopenia, tuberculose pulmonar, febre persistente e episódio único de pneumonia Crianças virgens de tratamento R a n d o m i z a ç ã o 1.ª linha Critérios de troca 2.ª linha alteração da carga de antirretroviral viral após sem. 24 fortemente indicados CDC-C IP+ 2 ITRN Troca com CV > 1.000 c/ml ITRNN + 2 novos ITRN IP + 2 ITRN Troca com CV > 30.000 c/ml ITRNN + 2 novos ITRN ITRNN + 2 ITRN Troca com CV > 1.000 c/ml IP + 2 novos ITRN ITRNN + 2 ITRN Troca com CV > 30.000 c/ml IP + 2 novos ITRN Segmento mínimo de 4 anos Objetivo primário Mudança da carga viral após 4 anos Figura 5. Protocolo multicêntrico para o tratamento do HIV. história de exposição a uma única dose de nevirapina ou cujas mães usaram inibidor de transcriptase reversa não nucleosídeos para prevenção da transmissão materno‑fetal, o regime inicial para a criança deve conter inibidor de protease, caso não seja possível usar nevirapina. Na tentativa de estabelecer qual seria o esquema mais potente e o melhor momento de troca de terapia frente à falha, um protocolo multicêntrico, denominado PENPACT1, que 183 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Esquema preferencial 2 ITRN + 1 ITRNN NVP: crianças < 3 anos EFV: crianças > 3 anos e adolescentes Esquema alternativo 2 ITRN + 1 IP/r IP preferencial: LPV/r IP alternativos: ATV/r*, FPV†, FPV/r*, NFV Uso em situações especiais 2 ITRN + SQV/r em adolescentes em estágio Tanner 4‑5 AZT + 3TC + ABC como tratamento inicial na coinfecção HIV/tuberculose *Para maiores de 6 anos de idade. †Para maiores de 2 anos de idade. Figura 6. Esquemas recomendados pelo Consenso Brasileiro. envolveu o grupo europeu PENTA e o grupo americano PACTG (Pediatric AIDS Clinical Trials), seguiu um grupo de pacientes por 4 anos. Seu esquema está demonstrado na figura 5. Não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos quanto ao esquema terapêutico inicial e o valor da carga viral para a troca de terapia antirretroviral. O Consenso Brasileiro indica o esquema terapêutico da figura 6 para o início da terapia. Bibliografia Blanco F, San Román J, Vispo E, et al. Management of metabolic complications and cardiovascular risk in HIV‑infected patients. AIDS Rev. 2010;12(4):231‑41. Burgard M, Blanche S, Jasseron C, et al. Performance of HIV‑1 DNA or HIV‑1 RNA tests for early diagnosis of perinatal HIV‑1 infection during anti‑retroviral prophylaxis. J Pediatr. 2012;160(1):60‑6. Crawford JR. Advances in pediatric neurovirology. Curr Neurol Neurosci Rep. 2010;10(2):147‑54. Lujan‑Zilbermann J, Rodriguez CA, Emmanuel PJ. 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Diagnosis of HIV‑1 infection in children younger than 18 months in the United States. Pediatrics. 2007;120(6):e1547‑62. Sims A, Hadigan C. Cardiovascular complications in children with HIV infection. Curr HIV/AIDS Rep. 2011;8(3):209‑14. Tan IL, McArthur JC. HIV‑Associated neurological disorders: A guide to pharmacotherapy. CNS Drugs. 2012;26(2):123‑34. Violari A, Cotton MF, Gibb DM, et al. Early Antiretroviral Therapy and Mortality among HIV‑Infected Infants. N Engl J Med. 2008; 359(21):2233‑44. 184 Capítulo 13 Manuseio de gestantes infectadas pelo HIV Jorge Figueiredo Senise e Simone Bonafé Introdução A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que aproximadamente 34 milhões de pessoas viviam com HIV/AIDS no mundo até dezembro de 2010, com 2,7 milhões de novas infecções ao ano, sendo 390.000 em crianças com menos de 15 anos, a grande maioria por transmissão vertical. As mulheres já representam metade do total de pessoas vivendo com o vírus HIV e seu percentual é crescente em vários países1. No Brasil, até junho de 2011 haviam sido notificados 608.230 casos de AIDS, e a relação sexual foi a principal forma de transmissão. A taxa de incidência de AIDS no Brasil foi de 17,9 casos por 100 mil habitantes. Nas mulheres acima de 13 anos, a infecção pelo HIV ocorreu pela via heterossexual em 87,6% dos casos. A proporção entre homens e mulheres notificados com AIDS vem diminuindo com o passar dos anos, sendo que hoje ela é praticamente de 1,5 homem para uma mulher. Quando analisamos somente as faixas etárias de 13 a 19 e de 20 a 24 anos, observamos que essa relação já se inverteu, ou seja, estão sendo infectadas mais mulheres jovens do que homens. Esses dados demonstram que as mulheres formam o grupo que mais se infectou nos últimos anos, com predomínio das mulheres mais jovens em idade reprodutiva2. Embora tenha sido notificado o número de 6.104 grávidas infectadas pelo HIV no ano de 2010, o Programa Nacional de DST/AIDS (PN-DST/AIDS) do Ministério da Saúde estima que o número real de infectadas anualmente no Brasil seja de 17,2 mil. Transmissão materno-fetal do HIV Sem tratamento, as gestantes infectadas pelo HIV transmitirão a infecção para seus filhos em 25 a 50% dos casos. A transmissão ocorre em 75% no período periparto e em 25% no intrauterino, tendo seu risco acrescido de 14 a 29% pela amamentação3,4. A primeira tentativa de se interferir na transmissão materno-fetal do HIV pelo tratamento antirretroviral (TARV) foi feita pelo Pediatric AIDS Clinical Trial Group protocolo 076 185 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 (PACTG 076)5. Esse estudo avaliou 363 mulheres grávidas infectadas pelo HIV que entraram no protocolo entre a 14.a e a 34.a semanas de gestação. Foi um estudo duplo cego randomizado que dividiu as gestantes em dois grupos. Um deles usou zidovudina 100 mg via oral cinco vezes ao dia a partir da 14.a semana de gestação; no trabalho de parto, 2 mg/kg via intravenosa (IV) na 1.a hora e 1 mg/kg/h até o clampeamento do cordão umbilical. Para o recém-nascido (RN), zidovudina xarope 2 mg/kg a cada 6h durante seis semanas. O segundo grupo usou placebo em todas as fases citadas acima. O resultado foi uma redução de 67,5% no grupo que usou AZT. Esse resultado levou à conclusão de que o uso de zidovudina a partir de 14 semanas de gestação reduz em quase 70% o risco de transmissão materno-fetal do HIV. Porém, quando se avalia com detalhes esse estudo, nota-se que metade dos casos, em cada grupo, iniciou o protocolo antes de 26 semanas de gestação e a outra metade, a partir da 26.a semana. A mediana das idades gestacionais de entrada no estudo foi de 26 semanas e do tempo de tratamento com zidovudina monoterapia foi de 11 semanas. Quando foram analisadas as variáveis de risco, incluindo o momento de entrada no estudo, a fim de se relacionar com a transmissão materno-fetal do HIV, o único fator que se mostrou significante foi o uso ou não da zidovudina durante a gestação. Sendo assim, parece correto concluir que o uso da zidovudina a partir da 14.a semana de gestação (antes ou após a 26.ª semana) e não com 14 semanas de gestação reduziu a transmissão vertical do HIV em quase 70%. Estudos realizados posteriormente identificaram fatores de risco para a transmissão vertical do HIV, como parto prolongado, ruptura da bolsa amniótica por mais de 4h, carga viral no parto, corioamnionite histológica e prematuridade. Após análise multivariada desses fatores, ficou evidenciado que o mais importante preditor de transmissão vertical é a carga viral no momento do parto6. Garcia, et al, estudando mulheres grávidas infectadas pelo HIV em uso de zidovudina monoterapia ou sem TARV, categorizou as cargas virais no parto e observaram que, abaixo de 1.000 cópias/ml, não houve transmissão; porém, após esse valor, quanto mais alta a carga viral no momento do parto, maior foi o risco de transmissão materno-fetal do HIV7. Essas evidências mostram que o uso de esquemas duplos e a associação de uma dose de nevirapina no momento do parto devem ser evitados pois, apesar de reduzirem a transmissão materno-fetal do HIV, induzem o aparecimento de resistência aos antirretrovirais, prejudicando posterior tratamento. Estudo do grupo Women Infant Transmission Study (WITS) (analisando mais de 3.000 pares mãe-filho), demonstrou que as gestantes sem TARV transmitiram a infecção a seus filhos em 20%, as que usaram somente AZT em 8%, com esquema duplo em 3% e com terapias antirretrovirais altamente potentes (Highly Active Antiretroviral Therapy [HAART]) em 1,6%. Isso demonstra que, quanto mais potente o esquema antirretroviral, menor a taxa de transmissão materno-fetal do HIV. Porém, quando as cargas virais foram estratificadas no parto, mulheres com quantidades semelhantes de HIV transmitiram, em relação àquelas que usaram esquemas menos potentes, menos infecção para seus filhos quando usaram HAART. Tal resultado sugere que, mesmo quando o esquema antirretroviral falha, o risco de transmissão materno-fetal do HIV é menor com HAART do que com esquema duplo ou monoterapia com zidovudina8. A amamentação aumenta o risco de transmissão materno-fetal do HIV. Estudos realizados na África, onde a mortalidade no primeiro ano de vida é maior para as crianças que 186 Manuseio de gestantes infectadas pelo HIV usaram aleitamento artificial do que nas crianças que foram amamentadas devido a diarreia ou septicemia, demonstram redução do risco de transmissão através do TARV materno, do RN ou de ambos. No entanto, esse risco, apesar dessas condutas, permanece em torno de 1%. Assim, as Recomendações Americana, Europeia, Britânica e Francesa contraindicam a amamentação do RN9-11. Tratamento antirretroviral da gestante infectada pelo HIV Quando as gestantes infectadas pelo HIV são sintomáticas ou apresentam CD4 < 350 cel/ml, elas necessitam de TARV devido à sua situação imunológica. Este tratamento, sempre que possível, deve ser iniciado após as primeiras 14 semanas de gestação, porém se a imunodepressão estiver muito acentuada, ele deverá ocorrer ainda no primeiro trimestre. O antirretroviral contraindicado no primeiro trimestre da gravidez é o efavirenz, pois estudos realizados em macacos demonstraram risco de má-formação do sistema nervoso central. A associação de estavudina e didanosina deve ser evitada devido ao risco de acidose láctica. O tenofovir é classificado como categoria B pelo Food and Drug Administration (FDA). No Antirretroviral Pregnancy Registry, já há número suficiente de exposições ao tenofovir no primeiro trimestre de gestação em humanos para detectar o aumento de até 2 vezes do risco global de defeitos congênitos. A prevalência de defeitos congênitos relacionados à exposição de tenofovir no primeiro trimestre foi de 2,3% (intervalo de confiança [IC] 95%: 1,3-3,9%), comparada a 2,7% na população americana, de acordo com o CDC. Estudos demonstram passagem placentária do tenofovir, com relação sangue de cordão/ sangue materno, de 0,60 a 0,99. Sua segurança para uso na gestação, principalmente no primeiro trimestre, ainda não está bem estabelecida. Nas gestantes infectadas pelo HIV assintomáticas e que não tenham indicação de TARV pela sua situação imunológica, a terapia deve ser usada como prevenção da transmissão materno-fetal do HIV. O início do tratamento deve ocorrer entre 14 e 28 semanas de gestação, no melhor momento para a paciente, uma vez que a carga viral no primeiro e segundo trimestres não se relaciona com aumento da transmissão intraútero a menos que a paciente tenha sífilis, toxoplasmose aguda, citomegalovirose aguda ou seja usuária de drogas pesadas12. Após a gestação, o tratamento deve ser interrompido conforme a meia-vida dos antirretrovirais envolvidos. Monoterapia com zidovudina ou terapias antirretrovirais altamente potentes para profilaxia antirretroviral em gestantes infectadas pelo HIV Ioannides, et al., analisando estudos de gestantes infectadas pelo HIV que tinham carga viral menor que 1.000 cópias/ml, observou que aquelas que usaram zidovudina monoterapia tiveram taxa de transmissão de 0,98%, enquanto as que não usaram nenhum 187 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 TARV transmitiram 9,8%20. Este estudo deixou o conceito de que “toda gestante infectada pelo HIV deve receber tratamento antirretroviral independentemente da sua situação imunológica e virológica” Shapiro, et al, estudando mulheres grávidas com carga viral menor que 1.000 cópias/ml, observaram que o uso de duas ou mais fármacos antirretrovirais foi um fator de proteção contra a transmissão materno- fetal do HIV em relação ao uso da monoterapia com AZT (OR: 0,2)21. Esses estudos demonstram que a monoterapia com zidovudina não tem mais suporte científico para ser indicada, mesmo a gestantes infectadas pelo HIV com cargas virais menores que 1.000 cópias/ml. Terapias antirretrovirais altamente potentes na gestação A melhor opção para tratamento de gestantes infectadas pelo HIV é o uso de HAART. Sendo assim, podemos montar esquemas antirretrovirais com dois análogos de nucleosídeos mais um inibidor de protease com booster (associado ao ritonavir), ou dois análogos de nucleosídeos mais nevirapina. Nevirapina Estudos demonstraram que mulheres com CD4 maior ou igual a 250 cel/ml tiveram 10 a 12 vezes mais risco de hepatotoxicidade à nevirapina, podendo levar à hepatite fulminante mesmo após a suspensão do fármaco25. Essa hepatotoxicidade está relacionada, de forma estatisticamente significante, com o aparecimento prévio de reação exantemática. Sendo assim, para iniciar um tratamento profilático em gestantes infectadas pelo HIV usando esquemas antirretrovirais contendo nevirapina, deve-se pesar riscos e benefícios e discuti-los claramente com as pacientes26. As recomendações europeia e britânica de 2012 não indicam seu uso e apenas sugerem manutenção nas pacientes que já engravidaram tomando nevirapina, enquanto as recomendações brasileira de 2010 e americana de 2011 indicam o uso da nevirapina apenas em mulheres com a contagem de CD4+ menor que 250 cel/mm3. Efavirenz O FDA classifica o efavirenz como categoria D devido à má-formação relatada em crianças expostas a esse fármaco no primeiro trimestre13,14. Nas recomendações do consenso brasileiro de 2010, esse fármaco deve ser evitado durante toda a gestação e, nas do americano de 2011, ele deve ser evitado somente durante o primeiro trimestre da gravidez. Entretanto, o novo consenso britânico de 2012 libera seu uso durante toda a gestação9-11. Essa recomendação de uso do efavirenz na gestação, pelos britânicos, tem seu embasamento na revisão de vários estudos que sugerem evidências insuficientes para recomendar a proibição do fármaco durante a gestação. 188 Manuseio de gestantes infectadas pelo HIV Uma metanálise que avaliou 16 estudos que compararam nascidos vivos expostos (1.132) e não expostos (7.163) ao efavirenz no primeiro trimestre da gestação não mostrou aumento no número de más-formações entre um grupo e outro. Adicionalmente, só foi relatado um caso de defeito no tubo neural nos RNs de mães que utilizaram efavirenz na gestação, com uma prevalência de 0,08%. Essa prevalência é similar à da população geral15. A atualização dessa metanálise até 2011, avaliando 21 estudos que apresentam crianças expostas ao efavirenz no primeiro trimestre da gestação, manteve o mesmo resultado citado acima16. Knapp, et al., avaliando a prevalência de defeitos congênitos relacionados à exposição aos antirretrovirais observada em 1.112 crianças do PACTG, protocolo P1025, nascidas entre 2002 e 2007, observou a prevalência de defeitos congênitos de 5,49 por 100 nascidos vivos, o que é maior do que a da população geral, e somente a exposição ao efavirenz no primeiro trimestre foi associada com um significante aumento de risco de anomalias congênitas (OR: 2,84; IC 95%: 1,13-7,16). Nenhuma outra associação foi observada com outro fármaco isolado nem com uma classe de antirretrovirais17. Embora muitos estudos apontem a falta de fortes evidências para contraindicar o uso do efavirenz no primeiro trimestre da gestação, existem relatos, em humanos, de alteração do fechamento do tubo neural em crianças expostas no primeiro trimestre18, e o FDA mantém sua classificação como categoria D. Dessa forma, ainda é arriscado indicar o tratamento no primeiro trimestre com essa fármaco, a menos que não haja outra possibilidade terapêutica, e os riscos e benefícios devem ser cuidadosamente discutidos com a paciente. Inibidores da protease Os inibidores da protease são uma opção importante nos esquemas antirretrovirais em gestantes. Esses fármacos passam pouco a barreira placentária e, portanto, devem ser mais seguros para os fetos; porém, por esse motivo, eles não apresentam uma ação adequada como profilaxia pré-exposição. Esse grupo de fármacos está relacionado a algumas complicações, tais como prematuridade, baixo peso, muito baixo peso, resistência insulínica e diabetes gestacional. Prematuridade, baixo peso e muito baixo peso Estudos sugerem que o uso de inibidor de protease aumenta o risco de prematuridade; porém, isso ocorre principalmente em gestantes que engravidaram em uso destes medicamentos ou o iniciaram precocemente durante a gestação27. Esses dados não se confirmam em outras séries em que os inibidores da protease estiveram mais relacionados com a presença de muito baixo peso e não com prematuridade e baixo peso27,28. Estudo realizado em mulheres grávidas infectadas pelo HIV que usaram esquemas antirretrovirais contendo lopinavir com incremento do ritonavir (lopinavir/r) não mostrou aumento de prematuridade, baixo peso, nem muito baixo peso19. 189 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Diabetes gestacional e resistência insulínica Em relação ao aumento do risco de diabetes gestacional e de resistência insulínica, ainda não está definida a relevância desses fármacos. Inibidores da protease mais utilizados em gestantes Saquinavir O saquinavir/ritonavir foi muito utilizado em gestantes e seu uso não esteve relacionado com más-formações congênitas20. Estudos de farmacocinética demonstram não haver alteração significativa na concentração sérica do saquinavir potencializado com ritonavir na gestação21,22, porém existe uma dificuldade na aderência ao tratamento com este medicamento no Brasil23 devido ao grande número de comprimidos utilizados por dia (5 cápsulas de saquinavir 200 mg mais 1 comprimido de ritonavir 100 mg de 12/12h), uma vez que não temos a apresentação em comprimido de 500 mg. Alguns estudos sugerem risco aumentado de hepatotoxicidade durante a gestação24. Indinavir O indinavir, além de seus efeitos adversos, principalmente litíase renal e risco de aumento de bilirrubina indireta no final da gestação, apresentou redução muito significativa da sua concentração sérica no terceiro trimestre da gravidez, comprometendo o resultado do tratamento25,26. Praticamente não é mais utilizado no Brasil. Lopinavir/r O lopinavir/r, hoje o inibidor da protease mais utilizado em gestantes infectadas pelo HIV, também não se relacionou, até o momento, com o aparecimento de má-formações congênitas. Estudos demonstram redução significativa em sua concentração no segundo e terceiro trimestres da gestação, porém não está claro se esta redução é importante o suficiente para pôr em risco o TARV. Um estudo apresentado no Conference on Retroviruses and Opportunistic Infections (CROI) de 2008 sugere que o aumento da dose do lopinavir/r talvez seja mais justificado em pacientes com história de falha prévia a algum inibidor da protease, e não de forma generalizada. Estudo observou que o nível plasmático de lopinavir/r cápsulas em 101 mulheres infectadas pelo HIV foi menor durante a gestação que no período puerperal, principalmente durante o terceiro trimestre. Houve associação entre carga viral detectável no parto, com baixa concentração de lopinavir/r no último trimestre14. Pesquisa realizada em 21 mulheres determinou o nível sérico de lopinavir/r quando usado: 1) na dose habitual (400/100 mg duas vezes ao dia) no segundo trimestre; 2) em 190 Manuseio de gestantes infectadas pelo HIV dose aumentada (600 mg/150 mg duas vezes ao dia) no terceiro trimestre e 3) em dose habitual duas semanas após o parto. Com a dose habitual, a concentração no segundo trimestre estava 50% menor que a obtida no período pós-parto e, mesmo com a dose aumentada no terceiro trimestre da gestação, a concentração do lopinavir/r ficou menor que no pós-parto. Outro estudo analisou 36 grávidas infectadas pelo HIV que receberam cápsulas de lopinavir/r na dose de 400/100 mg duas vezes ao dia no segundo trimestre e 533/133 mg duas vezes ao dia no terceiro trimestre e até duas semanas após o parto. A dose aumentada no terceiro trimestre apresentou área sob a curva (AUC) semelhante às de mulheres não grávidas que usaram a dose habitual da medicação. Esta dose aumentada nas duas primeiras semanas do período puerperal se associava com concentração de lopinavir/r consideravelmente mais elevada que a dose habitual. Este estudo sugere que a dose aumentada deveria ser utilizada no terceiro trimestre e considerada durante o segundo trimestre, principalmente nas mulheres previamente expostas a IP, e que a dose aumentada deveria ser diminuída no pós-parto17. Comparação entre as duas formulações do lopinavir/r (cápsula x comprimido) conclui que a melhor biodisponibilidade oral do comprimido pode compensar a redução da exposição do lopinavir/r no terceiro trimestre. Não existem, até o momento, estudos que demonstrem a indicação do aumento da dose do lopinavir/r como regra durante o terceiro trimestre da gestação, portanto, o conceito atual é o do aumento da dose somente em pacientes experimentadas para os inibidores da protease. Atazanavir/r O atazanavir com incremento do ritonavir (atazanavir/r) aparece nos consensos americano e britânico como opção para o Lopinavir/r, junto com o saquinavir/r. Na recomendação da Sociedade Europeia de AIDS (EACS) de 2011, o atazanavir/r, o lopinavir/r e o saquinavir/r são as opções para o tratamento de gestantes infectadas pelo HIV. Sua passagem placentária é de aproximadamente 10%, e seu risco é devido ao aumento da bilirrubina indireta causada pela inibição da enzima uridina-difosfato-glicuronil-transferase, que pode acarretar em risco de hiperbilirrubinemia no RN e, consequentemente, Kernicterus. Até o momento, nenhum estudo demonstrou aumento significativo de bilirrubina nos RNs expostos ao atazanavir27. No Brasil, tem sido usado como opção para pacientes intolerantes ao lopinavir/r. Fosamprenavir Existem poucos estudos do fosamprenavir em gestantes. É classificado como categoria C pelo FDA, e não existem estudos para definir a segurança de seu uso em gestantes28. Embora a concentração sérica nas mulheres grávidas esteja um pouco diminuída em relação ao pós-parto, parece que esta redução não é significativa a ponto de comprometer a 191 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 supressão viral. A concentração do ritonavir fica mais reduzida do que a do fosamprenavir e, portanto, alguns especialistas sugerem o aumento da dose do ritonavir, o que parece não ser necessário, pelos estudos realizados. A passagem placentária é baixa mantendo o padrão de outros inibidores da protease29,30. Seu uso em gestantes deve ocorrer somente quando os benefícios superarem os riscos. Darunavir, tipranavir Não apresentam estudos em gestantes que permitam indicação terapêutica com segurança, somente alguns relatos em mulheres grávidas multirresistentes31-34. Inibidores de fusão Enfuvirtide O enfuvirtide (T-20) é classificado pelo FDA como categoria B. Não existem evidências de danos fetais nos estudos realizados em animais expostos a doses altas deste medicamento28. Relatos de casos de uso de T-20 no final da gestação, em mulheres com múltiplas resistências, com a finalidade de reduzir a carga viral do HIV (HIV-RNA) a níveis não detectáveis para o parto, não demonstraram alterações no binômio mãe-filho35-38. Alguns estudos sugerem que o T-20 não passa à placenta e, provavelmente, apresenta baixa concentração em secreção vaginal, o que obriga a realização de parto cesárea eletiva, mesmo quando a carga viral sérica está indetectável para 50 cópias/ml, a fim de reduzir o risco de transmissão materno-fetal do HIV39-41. Inibidores de CCR5 Estudo realizado em macacas Rhesus grávidas que utilizaram dose única dessa medicação antes do parto mostrou reduzida passagem placentária do maraviroc e rápida eliminação do sangue dos RNs42. É classificado pelo FDA como categoria B, pois não apresentou alterações fetais em animais28. Não existem estudos em gestantes que permitam seu uso em humanos. Inibidores da integrase Raltegravir Em uma série de três mulheres que usaram o raltegravir no final da gestação, foram medidas a passagem placentária e a concentração no RN até 3h após o parto. O estudo observou excelente passagem placentária e concentrações 7 a 9,5 vezes maior nos 192 Manuseio de gestantes infectadas pelo HIV neonatos do que nas amostras pareadas das mães. O autor discute a possibilidade de elevadas concentrações nos RNs estarem relacionadas à imaturidade fetal da via metabólica do raltegravir através do sistema enzimático Uridine 5’-diphospho-glucuronosyltransferase (UGT1A1)43. Existem relatos de mulheres grávidas com múltiplas resistências do HIV que utilizaram raltegravir durante a gestação. Todos confirmaram a excelente passagem placentária e nenhum apresentou alterações nas mães ou nos RNs44-46. É classificado como categoria C pelo FDA. Apesar desses casos, ainda não existem estudos adequados em gestantes que permitam definir segurança para sua indicação28. AZT no parto O uso da zidovudina IV por até 4h antes do parto tem como finalidade melhorar a profilaxia pré e pós-exposição do feto no período de maior risco de contato do sangue materno com o fetal. Essa conduta foi proposta pelo PACTG 076 publicado em 1994 que usava apenas a zidovudina para tratamento das gestantes infectadas pelo HIV. Hoje, vários estudos já demonstraram que a carga viral materna do HIV, principalmente no terceiro trimestre, é o fator de risco mais significativo para a transmissão vertical do HIV e que, quanto maior o RNA-HIV, maior o risco de transmissão materno-fetal do HIV. A recomendação britânica, desde 2008, sugere que as gestantes em HAART com RNA-HIV abaixo de 50 cópias/ml com 36 semanas de gestação poderiam não fazer a profilaxia periparto com zidovudina. Embora não existam estudos randomizados prospectivos para referendar esta conduta, o racional é que, com a redução do RNA-HIV a níveis abaixo de 50 cópias/ml e com o uso de dois inibidores da transcriptase reversa nucleosídeos no esquema terapêutico, a profilaxia pré e pós-exposição do feto não necessite de reforço, pois essas medicações apresentam excelente passagem placentária e já exercem essa função. As Recomendações Americana de 2011 e a Brasileira de 2010 mantêm o uso da zidovudina IV periparto semelhante ao PACTG 076. Interrupção do tratamento em gestantes sem indicação de tratamento Existe, atualmente, uma tendência ao início precoce do TARV devido aos efeitos inflamatórios causados pela presença do HIV no organismo e também para reduzir o risco de transmissão horizontal do HIV, diminuindo o impacto da epidemia em determinada região. A recomendação britânica sugere manter o TARV quando foi iniciado durante a gestação com CD4 abaixo de 350 cel/mm3; porém, também mantém o tratamento quando esse foi iniciado com CD4 entre 350 e 500 cel/mm3. Para mulheres que iniciaram o tratamento durante a gestação com CD4 igual ou maior que 500 cel/mm3, ele deve ser suspenso após o parto, a menos que seja um casal sorodiscordante e exista o desejo de manter a medicação. Isso também ocorre com a Recomendação Americana de 2011, que segue proposta semelhante. 193 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Na Recomendação Brasileira de 2010, gestantes que iniciaram TARV com CD4 acima de 350 cel/mm3 devem ter seus tratamentos suspensos após o parto. Essa orientação deve ser modificada seguindo estudos recentes que demonstraram risco aumentado para pessoas que iniciaram TARV tardio; porém, será importante individualizar caso a caso, principalmente nas mulheres com CD4 igual a 500 cel/mm3 ou mais. A importância da via de parto A via de parto é uma importante ferramenta na redução da transmissão vertical do HIV. O parto cesáreo eletivo, por si só, reduz a transmissão materno-fetal do HIV em 50% e, portanto, é indicado em todas as gestantes que chegam ao período periparto com cargas virais detectáveis. A Recomendação Brasileira e a Americana indicam a cesárea eletiva em mulheres com carga viral acima de 1.000 cópias/ml, enquanto a Britânica a indica acima de 400 cópias/ml. Na era HAART, não existem estudos que mostrem redução do risco de transmissão vertical do HIV entre cesárea eletiva e parto vaginal eutócico em gestantes que chegam ao período periparto com carga viral abaixo de 50 cópias/ml. Dessa forma, nas gestantes com RNA-HIV abaixo de 50 cópias/ml, a via de parto é conduta obstétrica e, naquelas com carga viral detectável, sempre que possível, deve-se realizar o parto através da cesárea eletiva. Bibliografia 1. UNAIDS. 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Aparentemente, isto também não acontecerá em curto prazo, dada as barreiras para que se encontre uma vacina que estimule ao mesmo tempo a imunidade celular e a presença de anticorpos neutralizantes. O próprio hospedeiro não se torna naturalmente imune à infecção pelo HIV, e, desta forma, a imunidade adquirida de uma forma artificial pelo uso de vacinas parece ser um desafio formidável. Entretanto, outras abordagens têm surgido e se mostrado eficazes, como descrito a seguir. Circuncisão A história da circuncisão como intervenção biomédica para prevenção de transmissão é muito interessante. As primeiras evidências de que a circuncisão pudesse de fato diminuir a aquisição e transmissão do HIV vieram de estudos observacionais na África. Por um motivo religioso, assume-se que em determinadas populações africanas, metade das pessoas é circuncidada1. Foi então realizada uma metanálise que foi publicada em 2005 incluindo resultados de 19 análises de corte seccional (cross sectional) onde se avaliam os resultados da soropositividade para o HIV em um único ponto. Foram incluídos também 5 estudos com a metodologia caso controle, 3 estudos de coorte e um estudo com parceiros. A metanálise concluiu o que a maioria destes estudos já haviam definido: a circuncisão 197 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 diminui a chance de adquirir ou de transmitir o HIV. Mais precisamente, as pessoas circuncidadas têm 44% a menos de chance de adquirir o HIV. A maior proteção era vista nos homens engajados em atividades de alto risco para aquisição do HIV, como aqueles que procuravam as clínicas de doenças sexualmente transmissíveis, onde a redução da transmissão chegava a ser de 71%. Outros estudos também demonstraram que parceiras sexuais de homens HIV positivos circuncidados tinham menor prevalência de infecção pelo HIV2-4. Com estes resultados, ficou interessante entender o mecanismo pelo qual isto poderia estar ocorrendo e mesmo definir se a “proteção” tem relação com a circuncisão propriamente dita ou se isto estaria relacionado a alguma variável comportamental que coincidentemente estaria associada às pessoas circuncidadas da região estudada. A circuncisão é a retirada do prepúcio, a pele que recobre a glande do pênis, que é normalmente feita em recém-nascidos por motivos religiosos ou em crianças por motivos médicos/higiênicos. Ocorre que quase que na totalidade das vezes, a aquisição do HIV ocorre através de micro lesões nesta região do pênis pela vulnerabilidade desta5. O HIV normalmente não infecta o homem através de sua entrada pela uretra ou meato uretral. A glande do pênis é intensamente queratinizada, o que dificulta a entrada do HIV nesta região. A queratina é a deposição de uma proteína fibrosa e impermeável e resistente. O corpo do pênis e coberto por pele normal que também serve como uma barreira eficiente para a aquisição do HIV. A região do prepúcio, entretanto, é composta de mucosa com muito pouca queratina, é friável sofrendo micro lesões6 durante a relação sexual e possui uma quantidade grande de células dendríticas propícias à captação do HIV7,8. As células dendríticas são as células alvo para que se inicie a infecção pelo HIV. Além disto, a maior parte de doenças ulcerativas sexualmente transmissíveis dos homens como sífilis, herpes, cancro mole etc, vão causar ulcerações justamente nesta região do prepúcio9. A circuncisão retira este excesso de pele friável e a substitui por uma cicatriz bem queratinizada, resistente e impermeável ao HIV (Fig. 1). Os primeiros estudos realizados em Uganda para confirmar de forma prospectiva e randomizada foram desencorajadores10. Especulou-se inicialmente que os homens adultos que sofreram a circuncisão tiveram mais infecção pelo HIV do que o grupo controle. Da mesma forma, as mulheres parceiras de homens HIV positivo circuncidados estiveram sujeitas maior risco. Alguma razão para a falha nesta hipótese deveria ser investigada e logo as observações concluíram. Mais de 80% dos homens que sofriam a circuncisão não respeitaram o período de abstinência sexual necessário para a cicatrização da ferida cirúrgica. Com uma ferida cruenta, obviamente a entrada do HIV fora facilitada. A boa notícia viria logo a seguir. Três outros estudos prospectivos e randomizados tiveram que prematuramente ser interrompidos, não por falha na estratégia da circuncisão, mas porque a proteção se mostrava inequívoca. Dos três estudos clínicos, um conduzido na África do Sul foi interrompido em 2005 pelos motivos acima, evidenciando 76% de proteção entre as pessoas que foram circuncidadas em comparação com o grupo alocado para não sofrer a circuncisão11. Os outros dois estudos foram interrompidos em 2006, um no Quênia demonstrando 60%12 de proteção e outro em Uganda com 55% de proteção13. Os estudos observacionais sobre circuncisão também demonstravam que os homens circuncidados apresentavam proteção contra outras doenças sexualmente transmissíveis, como infecções por herpes e vírus do papiloma humano (HPV)14,15. Alguns estudos demonstram 198 Abordagens biomédicas para prevenção da transmissão do HIV Corpo do pênis Prepúcio Glande peniana Meato uretral Figura 1. Locais indicando a probabilidade de aquisição do HIV após exposição do pênis a fluidos contendo HIV. A aquisição do HIV não ocorreria via corpo peniano ou glande e raramente através do meato uretral e uretra. A área mais vulnerável estaria relacionada à região do prepúcio peniano. que a circuncisão diminui em cerca de 75% a chance do homem adquirir o HPV e 50% na chance de transmitir o vírus. O mais interessante é que nós sabemos disso há milhares de anos. Não sabíamos que sabíamos, mas na verdade sabíamos. Há milhares de anos a circuncisão é praticada por motivos religiosos. De longa data, sabe-se que as parceiras sexuais dos judeus que são circuncidados têm menor incidência de câncer de colo de útero. Hoje sabemos que o causador e grande vilão para o câncer de colo de útero é o HPV, que será menos incidente entre homens circuncidados e parceiras de homens circuncidados. Ainda não foi possível provar que a circuncisão masculina possa ter algum efeito na prevenção da transmissão pelo HIV em homens que fazem sexo com homens em estudos prospectivos16, apesar de certa proteção ter sido confirmada em estudos observacionais17,18. Além disto, a circuncisão, quando realizada em adultos, não é totalmente isenta de riscos. Em crianças nos EUA, as complicações destes procedimentos cirúrgicos variam entre 0,2 e 2%19-21, sendo normalmente complicações leves, enquanto que, em estudos na África, estas complicações variaram entre 2 a 8%22,23. De qualquer forma, a circuncisão potencialmente pode proteger a parcela da população mais vulnerável à infecção pelo HIV nos dias atuais, que é a população feminina, em que a incidência é explosiva especialmente nos países subdesenvolvidos. Profilaxia pós-exposição ao vírus do papiloma humano Nós temos evidências claras de que o uso de medicamentos antirretrovirais pode impedir a transmissão do HIV. A mais trivial destas evidências vem da transmissão vertical. Sabe-se que é eficaz o uso de medicamentos antirretrovirais pela mãe durante a gravidez e pelo recém-nascido por um período relativamente curto imediatamente após o nascimento24. Este conceito vem, portanto, sendo transferido a outras áreas onde há exposição de forma acidental ao HIV, exposições estas pelas vias parenterais ou sexuais, seja a fonte da exposição sabidamente soropositiva ou com status desconhecido. Assim sendo, um dos grandes avanços médicos tem sido a preconização do uso de medicamentos para pessoas que se expõem por material biológico, como sangue entre os profissionais de saúde ou através da exposição sexual. Neste último caso, a fonte pode ser sabidamente infectada, 199 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Figura 2. A primeira evidência documentada sobre circuncisão é do Egito, a partir dos desenhos na tumba da sexta dinastia (2345-2181 AC), mostrando o rito realizado entre homens adultos (período Ankh Mahor). Na versão bíblica (Genesis 17:11), o rito entre judeus teve origem em Abraão, que viveu aproximadamente em 2000 AC. o que ocorre em “acidentes” entre casais discordantes. Por vezes, como em caso de estupro ou mesmo relacionamentos casuais, não é possível que se obtenha a informação precisa sobre a presença da infecção pelo HIV na pessoa que foi fonte da exposição, e uma das tendências das diretrizes internacionais e mesmo nacional é que se flexibilize o uso dos medicamentos para a prevenção nestes casos. O mesmo ocorreria com uma pessoa que trabalha em ambiente hospitalar e se acidenta com material contaminado de procedência desconhecida, como uma agulha no lixo, por exemplo. A efetividade da prevenção com uso de antirretrovirais foi inicialmente estabelecida em modelos animais, mostrando que a infecção pode ser abortada com o uso de medicamentos iniciados o mais precocemente possível e preferencialmente com o uso por quatro semanas. Os estudos, na verdade, são escassos, testam um pequeno número de animais. Desta forma, como exemplo 4 entre 4 macacos ficaram protegidos quando a profilaxia era iniciada após 24 horas da exposição e mantida por 28 dias,3 em 4 ficaram protegidos quando a mesma era iniciada após 48 horas e mantida por 28 dias, enquanto os 4 macacos nas mesmas condições se infectaram quando iniciada a terapia em 72 horas da exposição (os 4 macacos do grupo controle também se infectaram)1. A manutenção de somente 10 dias de tratamento deixou de proteger dois macacos em quatro quando a profilaxia foi iniciada em 24 horas após a exposição e não protegeu nenhum dos 4 quando 200 Abordagens biomédicas para prevenção da transmissão do HIV a profilaxia foi iniciada em 24 horas e mantida por três dias25. A crítica que posso fazer a estes estudos em modelo animal relaciona-se ainda à dose infectante usada pela via parenteral, que é muita acima da que ocorreria em um acidente ocupacional. Além disso, somente o tenofovir foi usado nestes testados. Fica óbvio também que nunca obteremos uma resposta conclusiva a partir de estudos em humanos, desde que não seria considerado ético um grupo controle usando placebo ou o planejamento do tempo para o inicio do tratamento após o acidente (ninguém gostaria de ficar esperando até 48 horas para inicio do tratamento, por exemplo). Além disso, a quantidade de pessoas a serem recrutadas para este tipo de estudo seria inviavelmente grande. Desta forma, as estratégias têm que se valer dos modelos animais e do conhecimento sobre o ciclo de replicação do HIV. Este último detalhe tem sido negligenciado em minha opinião. Outro estudo de profilaxia pós-exposição explorando o modelo animal e a exposição intravaginal ao HIV-2 e profilaxia por 28 dias com tenofovir demonstrou que 3 em 4 macacas se infectaram no grupo controle, nenhuma macaca em grupos de 4 se infectou quando a profilaxia foi iniciada 12 horas ou 36 horas após a exposição. Quando a profilaxia foi iniciada 72 horas após a exposição, 1 em 4 macacas faleceu de causas não relacionadas e outra se infectou pelo HIV-226. Neste tipo de estudos, há que se ressaltar a falta da representatividade da vida real, já que a dose intravaginal de vírus é bem superior a fisiológica, haja visto a porcentagem de macacas infectadas no grupo controle. No mundo ideal, deveríamos ter um nível elevado de medicamentos na circulação sanguínea do paciente no momento em que o vírus tentasse infectar as células e deveríamos usar medicamentos que impedissem os vírus de semear a infecção em todas as células suscetíveis. Para que se mantenham níveis adequados e estáveis na circulação sanguínea e tecidos, são necessárias, por vezes, três a quatro semanas, ou seja, a pessoa já deveria estar usando medicamentos antes da exposição, o que é impossível neste contexto. Entretanto, a explosão da viremia ocorre em média 17 dias após a exposição (entre 7 e 21 dias) a despeito da via de infecção27. Teoricamente, este seria o tempo em que as células dendríticas que apresentam os antígenos demorariam para levar o HIV capturado até os tecidos linfoides, valendo este modelo para a transmissão sexual ou parenteral. Desta forma, é concebível que, durante este período, que varia entre 7 e 21 dias e é conhecido como período de eclipse, a infecção não tenha ainda se estabelecido de forma definitiva, já que a célula dendrítica carrega o vírus sem ser necessariamente infectada. Aqui a primeira lição: níveis séricos de medicamentos devem estar presentes entre o 7.º e o 21.º dias após a exposição. Provavelmente por este motivo a infecção foi prevenida em somente 1 macaco em 4 quando a profilaxia durou somente 10 dias25. Outro conceito importante de ser entendido relaciona-se ao momento do estabelecimento da infecção de forma crônica. Isto ocorre quando o vírus integra o seu genoma junto ao genoma humano no núcleo da célula e esta célula entra em latência. Desta forma, uma profilaxia adequada deveria impedir a integração do genoma, e medicamentos como os inibidores da protease perderiam esta chance, já que eles não previnem a infecção da célula em que estão atuando. Os inibidores da protease classicamente impedem a saída de vírus viáveis da célula e, na profilaxia, agiriam quando a infecção já tivesse ocorrido. 201 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Desta forma, os medicamentos com potencial para prevenção seriam os inibidores da transcriptase reversa, inibidores de entrada ou inibidores de integrase (Fig. 3). Além disso, é notório que indivíduos usando antirretrovirais como profilaxia apresentem grande nível de intolerância e abandono precoce, sendo que as maiores intolerâncias possivelmente se relacionem aos inibidores da protease. Os não análogos de primeira geração não são candidatos óbvios à profilaxia; o efavirenz pela neurotoxicidade e a nevirapina pelo potencial hepatotóxico entre pessoas com altos níveis de CD4. Os antagonistas de CCR5 podem não ser adequados pelo risco hipotético de seleção de variantes com tropismo duplo que são mais citopáticas. Os inibidores de integrase poderiam hipoteticamente retardar a infecção, mantendo o vírus na sua forma pré-integrativa28-30. Desta forma, sobram os análogos aos nucleosídeos em esquemas duplos ou triplos. Na verdade, de acordo com o discutido acima, dois análogos teriam a mesma eficácia que dois análogos associados a um inibidor da protease (este último sem ação para prevenir a infecção celular na profilaxia) com menores níveis de efeitos colaterais. Um esquema razoável e sinérgico, em meu ver, usando três análogos seria a associação de zidovudina (AZT) com tenofovir (TDF) e lamivudina (3TC), sendo improvável que, em curtos períodos de tempo, como na duração da profilaxia, os efeitos dos análogos timidínicos, como lipoatrofia, ocorram. Na prevenção da exposição sexual, o uso de análogos aos nucleosídeos é mais óbvio ainda, já que efavirenz, nevirapina e inibidores da protease consistentemente apresentam baixos níveis (inferiores aos séricos) em tratos genitais masculino e feminino31-33, os análogos (emtricitabina [FTC], TDF, AZT e 3TC) apresentam níveis duas a seis vezes superiores aos séricos nas secreções genitais masculino e feminino31-35 e TDF apresenta níveis no plasma seminal semelhantes aos níveis intracelulares do difosfato de TDF nos linfócitos do plasma seminal36,37. Entretanto, as diretrizes da maior parte do mundo, de forma quase que intuitiva, mantêm inibidores da protease como parte do arsenal para prevenção da infecção pelo HIV, tendência esta que, em minha opinião, deverá mudar no futuro. Microbicidas A definição de microbicidas refere-se a qualquer substância capaz de reduzir o risco de aquisição ou de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV, quando inserida na vagina ou canal retal/anal. Estas substâncias têm o aspecto de várias outras substâncias ou medicamentos na forma de gel ou supositório, que têm sido usados por vários anos, e normalmente contam com a mesma formulação destes cremes e supositórios acrescido da substância ativa. Existem pesquisas para que se desenvolvam, por exemplo, anéis vaginais que teriam ação contínua e prolongada, idealmente com proteção estendida a até um mês. Outra possibilidade que tem sido estudada é o uso de microbicidas em associação com alguns contraceptivos de barreira, como diafragmas ou capuz cervical, por exemplo. O que se sabe é que o orifício uterino e o próprio cérvix uterino são especialmente vulneráveis a infecções, mais do que a própria parede vaginal, já que o cérvix é a porta de entrada natural do útero, das tubas uterinas e da própria cavidade abdominal. Desta forma, o uso de microbicidas em diafragmas ou capuz cervical parece ser uma estratégia protetora altamente eficiente. A grande maioria dos microbicidas sendo testados até hoje se constitui de cremes com antirretrovirais. 202 Abordagens biomédicas para prevenção da transmissão do HIV Janela de oportunidade para impedir a infecção celular Infecção celular definitivamente estabelicida Entrada RNA Transcriptase reversa RNA-ase H RT vif RNA RNA Proteinas gag protease RNA DNA DNA Integrase DNA Provirus RNA pol II Figura 3. Ciclo replicativo do HIV com as oportunidades de inibição com o uso de antirretrovirais. Os medicamentos como os inibidores de entrada. Inibidores da transcriptase reversa, inibidores da integrase e, potencialmente, os futuro inibidores da RNA-ase H e de Vif impediriam a infecção celular por não permitirem a formação de provírus. A partir da formação de provírus, a célula pode entrar em latência e perpetuar a infecção. Os inibidores da protease e os potenciais futuros inibidores da maturação (Gag) e RNA polimerase II agiriam após a formação do provírus, hipoteticamente não garantindo a erradicação da infecção celular. As melhores notícias sobre esta estratégia foram anunciadas em 19 de julho de 2010 com os resultados do estudo conhecido como CAPRISA, apresentados no Congresso Mundial da Sociedade Internacional de AIDS realizado em Viena. Este estudo recrutou e acompanhou 989 mulheres da África do Sul que foram randomizadas para uso de gel contendo o antirretroviral TDF a 1%. Estas mulheres eram soronegativas para o HIV, sexualmente ativas com idade variando entre 18 e 40 anos, sendo recrutadas em duas cidades diferentes, Durban e Vulindlela no distrito de KwaZulu-Natal. No geral, houve uma redução de 39% de infecções no grupo de mulheres recebendo o gel com TDF comparado ao grupo placebo. O estudo vinha sendo conduzido desde maio de 200738. A redução nas chances de infecção parece (e é) modesta. De qualquer forma, é superior ao desempenho que qualquer vacina conseguiu até hoje. Abre também um caminho para esta nova etapa na prevenção da transmissão da infecção pelo HIV. Profilaxia pré-exposição ao HIV Novamente aqui estamos abordando, no conceito de profilaxia, o uso de medicamentos não para tratar, mas para prevenir a ocorrência de uma doença. Este tipo de conceito 203 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 já tem sido usado em outras áreas médicas. A profilaxia contra malária, por exemplo. Viajantes podem usar medicamentos quando visitam áreas de alta densidade de malária, e, quando ocorre a picada do mosquito, a chance de aquisição da infecção fica enormemente reduzida. No próprio caso da AIDS, pacientes com deficiência imunológica grave apresentam riscos de desenvolvimento de infecções como pneumonias por pneumocistis, toxoplasmose encefálica e infecções por micobactérias, sendo que o uso de antimicrobianos reduz de forma significativa a chance de aquisição destas infecções. Outro exemplo clássico é o uso de contraceptivos hormonais, ou as chamadas pílulas anticoncepcionais. As mulheres podem usar hormônios na forma de pílulas, implantes ou injeções e reduzir enormemente a chance de engravidarem. Os hormônios basicamente “enganam” o corpo feminino como se já houvesse uma gravidez. Desta forma, não haverá liberação de novos óvulos e, assim, não haverá nada que um espermatozoide possa fertilizar; havendo, portanto, a prevenção da gravidez. Existem exemplos também de prevenção de aquisição ou prevenção de recrudescência de infecções virais com o uso contínuo e prolongado de antivirais, o que ocorre no caso do herpes simplex ou citomegalovírus entre transplantados. Desta forma, tornou-se concebível que se usasse antirretrovirais para prevenção da aquisição do HIV entre pessoas engajadas em atividades com alto risco de exposição a este vírus. O racional a partir de modelo animal já existia. Aliás, no caso da profilaxia pré-exposição (PrEP), a situação ideal estaria ocorrendo com relação ao uso de antirretrovirais no contexto da prevenção, ou seja, níveis adequados do medicamento já estariam presentes no organismo da pessoa exposta no momento da exposição, detalhe este que não podemos garantir nos casos de profilaxia pós-exposição (PEP). Isto desde que a pessoa que fizer profilaxia esteja usando os medicamentos de forma correta e contínua. Aqui outro detalhe. Como a PrEP pressupõe o uso continuado e ininterrupto da medicação, trata-se de fato de profilaxia pré e pós-exposição. Estudos foram e estão sendo conduzidos nos EUA usando o TDF entre homens que fazem sexo com homens (estudo do CDC [Center of Disease Control and Prevention]), em usuários de drogas injetáveis com TDF na Tailândia (estudo do CDC), entre homens que fazem sexo com homens em grande estudo multicêntrico no Brasil, Equador, Peru, EUA, Tailândia e África do Sul usando a associação de dois medicamentos em uma única pílula (TDF e FTC ou truvada) no estudo conhecido como iPrEX, em homens e mulheres heterossexuais em Botsuana usando truvada (estudo do CDC), entre casais sorodiscordantes (homens e mulheres) em Uganda e no Quênia usando TDF ou truvada (estudo denominado Partners PrEP), em mulheres no Quênia, Tanzânia e África do Sul usando truvada no estudo chamado FEMPrEP e em mulheres na África do Sul, Uganda, Zâmbia e Zimbábue usando TDF (pílulas e gel) ou truvada no estudo VOICE39. Os resultados mais contundentes vieram do estudo iPrEx. Este estudo começou a recrutar os primeiros pacientes em 2007 e três anos depois se tornou o primeiro estudo a apresentar evidências de que a PrEP era eficaz também em humanos40. Este estudo recrutou 2.499 participantes dos diversos países descritos acima. Todos os candidatos, HIV negativos, foram testados para infecção pelo HIV mensalmente e receberam continuamente instruções sobre como se engajar em sexo seguro. Receberam também 204 Abordagens biomédicas para prevenção da transmissão do HIV preservativos masculinos e tratamento para doenças sexualmente transmissíveis. Metade dos candidatos foi sorteada para receber truvada, enquanto a outra metade recebeu placebo. Foram detectadas 64 novas infecções pelo HIV entre os 1.248 participantes que receberam placebo comparados a 36 infecções entre os 1251 que receberam o truvada, confirmando uma redução de 43,8% do risco de infecção com o uso da medicação. Quando foi aferida a quantidade de medicamento disponível consistentemente na circulação sanguínea nos que adquiriram a infecção, houve uma correlação entre baixos níveis de medicamento e menor proteção, confirmando o óbvio, a proteção só existirá se a profilaxia for feita de forma adequada. Fazer a profilaxia de forma adequada era não deixar de tomar as doses do medicamento. A partir das evidências deste estudo, que obviamente terão que ser confirmadas pelos estudos subsequentes, fica óbvio que se trata de uma intervenção biomédica muito promissora. Claro que existem riscos do uso continuado da medicação antirretroviral. Riscos estes que não gostaríamos que ocorressem em pessoas saudáveis que não possuam o HIV. De qualquer forma, os pacientes portadores do HIV fazem uso de medicamentos de forma contínua há muitos anos, e estas pessoas continuam tendo uma vida razoavelmente boa e, com os antirretrovirais mais modernos, com mínimos efeitos colaterais. Hipoteticamente, o tratamento poderia possibilitar que pessoas se infectassem por vírus resistentes ao TDF e FTC contidos nestes medicamentos. Se isto ocorrer, o tratamento pode ser facilmente ajustado, sendo igualmente eficaz com o uso de outros medicamentos. Claro, os medicamentos devem ser usados de forma profilática após estar confirmado que o candidato não apresenta infecção pelo HIV ou hepatite B. Os exames laboratoriais de segurança, como em qualquer uso mais prolongado de medicação, devem ser também realizados. De qualquer forma, mais uma intervenção com eficácia superior à das vacinas emergiu. Aparentemente, algumas pessoas também demonstram mais facilidade para aderir aos medicamentos aqui do que propriamente aderir a uso de preservativos. Mais uma vez também, uma intervenção controversa pelos potenciais riscos que ela representa. De qualquer forma, para algumas pessoas engajadas em atividades de risco alto para aquisição do HIV, possivelmente passa a não ser ético impedir o uso do PrEP após os resultados do iPrEx. Bibliografia 1.Weiss HA, Quigley MA, Hayes RJ. Male circumcision and risk of HIV infection in sub- Saharan Africa: a systematic review and metaanalysis. AIDS. 2000 Oct 20;14(15):2361-70. 2.Siegfried N, Muller M, Volmink J, et al. Male circumcision for prevention of heterosexual acquisition of HIV in men. Cochrane Database Syst Rev. 2003;(3):CD003362. 3. Gray RH, Kiwanuka N, Quinn TC, et al. Male circumcision and HIV acquisition and transmission: cohort studies in Rakai, Uganda. AIDS. 2000 Oct 20;14(15):2371-81. 4.Halperin DT, Bailey RC. Male circumcision and HIV infection: 10 years and counting. Lancet. 1999;354(9192):1813-5. 5.Patterson BK, Landay A, Siegel JN, et al. Susceptibility to human immunodeficiency virus-1 infection of human foreskin and cervical tissue grown in explant culture. 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Preexposure chemoprophylaxis for HIV prevention in men who have sex with men. N Engl J Med. 2010;363(27):2587-99. 206 Capítulo 15 Vacinas preventivas Anti-HIV/AIDS Paulo Feijó Barroso Introdução Poucos anos após a descrição dos primeiros casos da nova doença, posteriormente denominada de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), esforços para o desenvolvimento de uma vacina preventiva foram iniciados pela comunidade científica mundial. A rápida produção de testes diagnósticos e a descrição do agente etiológico nos anos seguintes criaram uma expectativa otimista com relação à capacidade de rápida obtenção de uma vacina preventiva segura e eficaz. Mais de 30 anos se passaram e apenas uma combinação de produtos candidatos à vacina preventiva antivírus da imunodeficiência humana HIV/AIDS demonstrou algum efeito protetor, embora pequeno, em estudo clínico de eficácia. A UNAIDS estimava que 33 milhões de indivíduos vivessem com HIV/AIDS ao final de 2009. As estimativas eram de que aproximadamente 2,6 milhões de pessoas foram infectadas pelo HIV e que 1,8 milhão morreu por complicações desta infecção neste mesmo ano1. Os últimos anos criaram uma perspectiva otimista com relação ao controle da epidemia de HIV/AIDS. A primeira demonstração de provável cura da infecção por HIV, através de procedimentos terapêuticos complexos que envolveram um transplante de medula óssea, foi apresentada ao mundo2. Adicionalmente, diferentes modalidades de prevenção da infecção se mostraram efetivas em ensaios clínicos. A demonstração da eficácia do uso de antirretrovirais para a redução da transmissão sexual do vírus3, o emprego da circuncisão masculina, a adesão a mudanças comportamentais, em especial através do uso de preservativos e mudanças nos hábitos de uso de drogas ilícitas, compõem, junto com outras modalidades, o promissor conjunto de estratégias para a prevenção da transmissão do HIV. Algumas destas propostas preventivas, embora adequadas no contexto de investigação científica e aplicáveis em determinadas áreas e contextos do mundo, exigem uma complexidade logística e emprego contínuo de altos volumes de recursos financeiros para um real impacto no controle da epidemia nas comunidades mais atingidas. Algumas delas exigem mudanças comportamentais contínuas e de difícil adesão às prescrições médicas. Consequentemente, uma solução global para a grande ameaça à saúde 207 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 pública que é a pandemia de HIV/AIDS dependerá, sem dúvida, do desenvolvimento de um produto vacinal, ou uma combinação de produtos vacinais, que seja seguro, eficaz e acessível às comunidades e aos governos dos países mais atingidos. Da mesma maneira, exigirá a construção de mecanismos de acesso a sistemas de saúde eficazes e a participação ativa de membros das comunidades, devendo estar amplamente disponível às jovens populações de maior risco para aquisição desta infecção, antes da possível exposição. A resposta à pergunta “Quando uma vacina preventiva anti-HIV/AIDS segura, barata e efetiva estará disponível para uso pelas comunidades que mais as necessitam?” continua sendo uma das mais atuais e relevantes no campo da saúde pública e um dos mais difíceis desafios que a comunidade científica internacional, governos e comunidades atingidas pela epidemia já tiveram que enfrentar. Obstáculos ao desenvolvimento de vacinas A complexidade patogênica da infecção pelo HIV determinou diversos obstáculos, científicos ou não, ao desenvolvimento de vacinas preventivas anti-HIV. Entre outros obstáculos, podemos citar o desconhecimento de respostas imunes específicas capazes de conter a replicação do HIV, a variabilidade genética do HIV e a inexistência de modelos animais adequados para desenvolvimento de testes pré-clínicos. Mecanismos imunes na infecção pelo HIV O desenvolvimento de vacinas objetiva a criação de respostas imunológicas ao agente infeccioso que impeçam o estabelecimento da infecção, ou de doença, quando da exposição humana ao mesmo. As vacinas eficazes atualmente em uso conseguem deter a replicação do agente infeccioso antes que os eventos patogênicos sejam estabelecidos ou tragam grandes consequências clínicas aos vacinados. Isso é obtido, em geral, através da indução de anticorpos neutralizantes contra o agente infeccioso alvo pelo uso de antígenos específicos ou pelo uso de cepas atenuadas do agente infeccioso que desencadeiam uma variedade de respostas protetoras. O estudo desta última estratégia, pelas características do HIV, um retrovírus capaz de se integrar ao genoma da célula humana, não foi alvo de grandes investimentos da comunidade científica nas últimas décadas. Os indivíduos infectados pelo HIV não conseguem controlar esta infecção ou interromper a progressão para doença embora seja verificável a produção de diversos mecanismos imunológicos de reação a este vírus. A despeito dos impressionantes avanços no conhecimento no campo da virologia, patogênese e tratamento da infecção por HIV, os mecanismos protetores contra essa infecção (e os seus correlatos) não são conhecidos. Na interação do HIV com o homem, a prevenção da integração do genoma viral na célula do hospedeiro humano deveria ocorrer em uma janela de tempo muito curta, de horas a poucos dias, após a exposição para evitar o estabelecimento da infecção persistente. A viremia pode ser detectada cerca de sete dias após a exposição ao HIV, e a replicação 208 Vacinas preventivas Anti-HIV/AIDS viral aumenta até um momento de pico que acontece cerca de três a quatro semanas após esta. Adicionalmente, alguns dias após a infecção primária é possível detectar um grupo de células CD4+ latentes já infectadas pelo HIV que se integra ao seu genoma4. Embora anticorpos neutralizantes sejam os marcadores mais comuns de proteção em outras infecções preveníveis por vacinas, o mesmo não ocorre na infecção por HIV. Embora sejam descritos diversos anticorpos neutralizantes específicos contra o HIV, eles são incapazes de controlar a progressão da infecção. A enorme variabilidade genética entre cepas de HIV circulantes dificulta a construção de antígenos vacinais específicos. Esta capacidade de mutação faz com que o vírus rapidamente consiga evadir a resposta imune mediada por anticorpos dirigidos contra os epítopos virais vacinais. Há evidências de que a imunidade celular teria um papel importante no controle da replicação viral inicial. Nas primeiras semanas após a infecção, a imunidade celular mediada por linfócitos CD8+ é responsável pela redução do pico de viremia que ocorre nas 3-4 primeiras semanas5. Adicionalmente, estudos avaliando indivíduos com infecção por HIV que têm progressão prolongada mostram a importância da imunidade celular no controle da mesma6. A observação de que as respostas imunes celulares modificavam a evolução da infecção por HIV-1, associada à incapacidade de resposta com a produção de anticorpos neutralizantes, levou à busca de vacinas baseadas na capacidade de estimular respostas imune celulares na última década. Essa estratégia, que empregava as chamadas vacinas de células T (T-cell vaccines) foi testada em diversos estudos clínicos, inclusive em um estudo de Fase IIB (estudo de prova de conceito), e não esteve associada a nenhum grau de proteção contra a aquisição do HIV. Após o insucesso destas estratégias, a busca de anticorpos neutralizantes e de produção de imunidade celular parcialmente efetiva, o campo de vacinas anti-HIV mudou suas estratégias. Esforços têm sido feitos no sentido de tentar identificar anticorpos monoclonais amplamente neutralizantes como o VRC01, capaz de neutralizar, em laboratório, cerca de 90% dos isolados de HIV encontrados na natureza7. Surpreendentemente, no único estudo de vacinas com alguma eficácia, as análises de correlatos de proteção mostraram que a presença de anticorpos não neutralizantes de classe IgG que se ligaram a alças V1:V2 do envelope do HIV-1 correlacionaram-se com uma redução na chance de aquisição da infecção pelo HIV8. Passando da terceira à quarta década, a comunidade científica ainda tenta compreender quais são as respostas imunes que podem levar a um efeito protetor contra a aquisição e a progressão da infecção se esta for estabelecida. Admite-se que uma resposta imune efetiva incluirá anticorpos e células T que neutralizem as partículas virais circulantes e que também reconheçam e erradiquem células infectadas com o HIV antes que a infecção esteja irreversivelmente estabelecida9. Modelos animais Outro obstáculo que acompanha os esforços para o desenvolvimento de vacinas preventivas é a dificuldade de realizar os estudos pré-clínicos em modelos animais adequados. Como não é possível reproduzir a infecção por HIV em pequenos animais, primatas não humanos são os animais utilizados para tal. A utilização de primatas não humanos é 209 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 dispendiosa, os animais têm longevidade considerável e estão disponíveis em pequeno número. Chipanzés, por exemplo, podem ser infectados pelo HIV; porém, a infecção nestes animais não replica os eventos patogênicos observados em seres humanos. Os modelos mais usados nos últimos anos para o estudo de candidatos a produtos vacinais utilizam, entre outros, os macacos Rhesus. Um dos problemas é que, após a vacinação experimental, é inoculado nestes animais, para avaliar a capacidade protetora, o vírus da imunodeficiência símia (SIV), que é um vírus geneticamente relacionado ao HIV, ou o vírus produzido por engenharia genética SHIV, que é um vírus recombinante dos vírus SIV e HIV. De qualquer maneira, esses modelos não necessariamente serão preditivos do que ocorrerá entre humanos. Preparação de testes de vacinas preventivas anti-HIV/AIDS Outro grande obstáculo ao desenvolvimento de vacinas anti-HIV é a preparação de comunidades e voluntários para os testes de vacina. A experiência dos últimos anos mostra que esse é um dos obstáculos que pode ser vencido. A preparação de voluntários é trabalhosa. Além de todos os cuidados com produtos em investigação clínica em seres humanos como conhecimento de efeitos adversos conhecidos e não conhecidos, os estudos de vacinas anti-HIV envolvem riscos novos. Os voluntários devem compreender e aceitar esses riscos. Os estudos para avaliar segurança e capacidade de induzir respostas imunes (Fases I e II) recrutam, em geral, indivíduos com baixo risco de aquisição de infecção pelo HIV. Em contraste, os estudos de eficácia (Fase III) privilegiam grupos populacionais de risco acrescido para a infecção por HIV. Neste contexto, os voluntários devem ser estimulados a manter as medidas já conhecidas (como o uso de preservativos e seringas limpas) para a prevenção da infecção. Os voluntários devem ter o conhecimento de que produtos em investigação não garantem a prevenção e que essas medidas não podem ser relaxadas. Os voluntários devem ter o conhecimento, e aceitar, a possibilidade de que, embora não infectados, poderão apresentar evidências sorológicas de infecção por HIV nos testes diagnósticos de rotina clínica. Esses testes podem permanecer reativos por longos períodos e criar dificuldades psicológicas, sociais e clínicas para os participantes dos estudos. Não só durante os anos de condução dos estudos, mas também por anos e talvez décadas após a finalização dos estudos, os participantes dos estudos clínicos de vacinas preventivas anti-HIV/AIDS devem ter acesso a protocolos de diferenciação entre anticorpos reativos aos produtos vacinais e infecção pelo HIV. Adicionalmente, é importante que os indivíduos infectados pelo HIV durante a participação em estudos de vacina tenham adequado acesso aos sistemas de saúde e à terapia antirretroviral de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde. O recrutamento das populações de risco acrescido para a infecção por HIV para estudos clínicos de eficácia de vacinas preventivas motivou grandes debates éticos nas duas últimas décadas. A vulnerabilidade em que estas populações se encontram e que por muitos é considerada limitadora da capacidade de decisão para participação em ensaios clínicos aumentou o desafio para o desenvolvimento destes maiores estudos. Sem dúvida, este foi um dos obstáculos superados na luta pelo desenvolvimento de vacinas preventivas anti-HIV/AIDS. 210 Vacinas preventivas Anti-HIV/AIDS A comunidade científica associada às organizações comunitárias, organismos regulatórios e governos foram capazes de, nos últimos anos, conduzir ensaios com dezenas de milhares de voluntários em ambiente da alta adesão às boas práticas clínicas e laboratoriais. Histórico de testes de vacinas preventivas anti-HIV/AIDS Dezenas de ensaios clínicos, envolvendo dezenas de milhares de voluntários em diversos países, de diversos continentes, e usando diversos protótipos vacinais e/ou combinação dos mesmos foram conduzidos nas últimas três décadas. A grande maioria destes estudos não avançou de Fases I e Fase II para as etapas posteriores. Apenas três produtos e/ou combinação de produtos candidatos a estudos foram empregados em estudos conduzidos com o objetivo de avaliar a eficácia de candidatos à vacina preventiva anti-HIV. Nestas três décadas de busca por uma vacina preventiva anti-HIV/AIDS, são definidos três momentos, ou três ondas, na busca por uma vacina preventiva10. No primeiro momento, os estudos caracterizavam-se pela busca de indução de anticorpos neutralizantes. Acreditava-se que esses anticorpos seriam suficientes para determinar proteção contra a infecção pelo HIV ou progressão para AIDS. Estudos com candidatos à vacina baseados em recombinantes de glicoproteinas do envelope viral, gp120 e gp160, e peptídeos sintéticos das regiões V3 de gp120 foram realizados. Os primeiros testes de vacina anti-HIV em seres humanos usaram esses produtos ainda na década de 1990. No final da década de 1990, dois estudos de fase III usando vacinas baseadas em gp120 monomérico foram conduzidos nos EUA, Canadá, Porto Rico, Holanda e Tailândia11,12. No chamado segundo momento, ou segunda “onda” de estudos, o objetivo era a utilização de produtos vacinais para estimular a imunidade celular, observada como importante no controle da replicação viral. Foram desenvolvidos produtos compostos de vetores virais recombinantes vivos, especialmente poxvirus (vaccinia, canaypox, fowlpox) e que apresentavam expressão de genes de env, gag e outros genes regulatórios (Pol, tat, nef) protótipos de DNA, lipopetídeos e combinações de vacina seguida de reforço (prime-boost) com vetores vivos e antígenos de genes do envelope viral. Na chamada terceira “onda”, o objetivo era obter respostas imunes mais fortes e amplas. Estas incluiriam a produção de anticorpos capazes de neutralizar cepas virais clínicas de todos os subtipos do HIV e (ou) induzir fortes e duradouras respostas de linfócitos T citotóxicos (CTLs) capazes de reagir contra diversas proteínas estruturais e regulatórias do HIV. Nesta fase, que foi extremamente rica e promissora no início da década passada, foram testados diversos vetores virais (VEE, AAV, adenovírus com replicação incompetente) produtos de DNA, e outras combinações vacina e reforço (prime-boost) entre outros. Os primeiros estudos para avaliar a eficácia de candidata à vacina anti-HIV foram iniciados em 1998 (EUA, Canadá, Porto Rico e Holanda) e 1999 (Tailândia). Os ensaios conhecidos como AIDSVAX (AIDSVAXB/B e AIDSVAX B/E respectivamente) utilizaram produtos vacinais contendo proteína recombinante de envelope de HIV1. Estes estudos 211 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 recrutaram 5.403 e 2.546 voluntários, respectivamente, em populações de alto risco para aquisição de HIV-1 por via sexual ou parenteral. As taxas de infecção foram de 6,7 e 8,4% entre os indivíduos que receberam os produtos candidatos à vacina nos estudos AIDSVAXB/B e AIDSVAXE/E respectivamente. As taxas de infecção foram de 7,0 e 8,3% entre os indivíduos que receberam placebo, respectivamente, nos dois estudos citados. Esses produtos vacinais foram incapazes de induzir a produção de anticorpos neutralizantes contra as cepas virais circulantes ou proteger os indivíduos da aquisição do HIV11,12. Durante muitos anos, a proposta de utilização de estratégias vacinais baseadas na indução de imunidade celular foi considerado o caminho a seguir. Essas vacinas não necessariamente determinariam imunidade esterilizante. Ao contrário, era admitido que uma parcela dos vacinados tivesse documentação de aquisição de infecção por HIV. Era esperado, entretanto, que esses indivíduos tivessem a infecção controlada pela imunidade induzida pela vacinação. A carga viral do HIV seria proporcionalmente menor entre os infectados vacinados quando comparados aos recipientes de placebo. O tempo de progressão para AIDS seria maior entre os vacinados do que nos indivíduos que tivessem a infecção sem a experiência vacinal. Como ganho adicional, e fundamental para impacto a médio e longo prazo na evolução da epidemia, os indivíduos vacinados teriam probabilidade menor de transmitir essa infecção. Os dados obtidos em modelos de primatas não humanos sugeriam todas essas possibilidades13,14. Um destes protótipos de vacina chegou a testes de Fase II-B (prova de conceito) com aproximadamente 3.000 voluntários considerados de alto risco para infecção por HIV, em vários países, inclusive no Brasil. O estudo conhecido internacionalmente como Estudo Step (HVTN 502/Merck023) utilizava antígenos de gag, pol e nef inseridos num vetor de adenovírus 5 transformado em incompetente para replicação (vetor rAd5). Em paralelo a este estudo, um protocolo similar, usando o mesmo produto vacinal foi conduzido na África do Sul entre homens e mulheres heterossexuais (Estudo Phambili). Esses estudos foram interrompidos antes do previsto devido aos resultados das análises de eficácias intermediárias do estudo Step, que mostraram ausência de proteção e nenhum efeito na carga viral inicial dos vacinados que foram infectados pelo HIV15. Análises posteriores sugeriram um aumento de risco de infecção pelo HIV em subgrupos participantes, em particular entre os indivíduos com infecção prévia pelo adenovírus 5 e com história de circuncisão que receberam o produto vacinal16. Apenas um estudo de Fase III conseguiu demonstrar eficácia, embora pequena, de uma estratégia vacinal para prevenção da infecção pelo HIV. Esse estudo foi conduzido na Tailândia, conhecido como RV144, e contou com a participação de 16.402 voluntários divididos entre recipientes de produtos vacinais e recipientes de placebo. Ao contrário dos estudos de eficácia citados anteriormente, neste estudo não foram recrutados apenas indivíduos com risco acrescido de infecção por HIV. Os voluntários receberam inicialmente o produto vCP1521 (ALVAX - vetor de canarypox recombinante) expressando diversos genes do HIV e depois recebiam o reforço do mesmo vetor associado a uma proteína gp120 recombinante (AIDSVAX B/E). No momento em que este estudo era planejado, outras estratégias vacinais eram consideradas mais promissoras (em particular a usada no estudo Step) e ambos os produtos em uso já haviam sido testados previamente 212 Vacinas preventivas Anti-HIV/AIDS com resultados desanimadores nos estudos conhecidos como Vax004 e Vax003 (REF). Embora houvesse importante ceticismo na comunidade científica, os resultados deste estudo mostraram segurança dos produtos e uma eficácia modesta de 31,2%, com um intervalo de confiança de 95% amplo (IC: 95% de 1,1-51%, p = 0,04) nas análises por intenção de tratamento modificada. Essa foi a primeira demonstração da produção de proteção ao HIV por um candidato a produto vacinal17. As análises preliminares posteriores de correlatos de proteção indicam que a presença de anticorpos não neutralizantes de classe IgG que se ligaram às regiões variáveis 1 e 2 (V1 e V2) da glicoproteína 120 do envelope (env) do HIV-1 correlacionaram-se com uma redução em 43% de chance de infecçao pelo HIV18. Em contraste, a presença de níveis elevados de anticorpos de classe IgA dirigidos especificamente contra env foram correlacionados diretamente com maior risco de aquisição da infecção19. Ao contrário da eficácia demonstrada para aquisição, não foi observada nenhuma diferença nos valores de carga viral entre os infectados, tenham eles recebido o protocolo vacinal ou placebo. Conclusões A vacina preventiva ideal contra o HIV-1 deve ser segura em pessoas não infectadas pelo HIV. Deve determinar a produção de respostas imunitárias humorais e mediadas por células que sejam duradouras contra as múltiplas cepas do HIV. Adicionalmente, é necessário que ela seja acessível, com custo adequado, as populações em risco de todo o mundo. Menos de quatro décadas após a descrição desta nova doença, a comunidade internacional já demonstrou possuir a capacidade de conduzir estudos de eficácia com milhares de voluntários, em diversos países, respeitando os princípios éticos e de boas práticas clínicas e laboratoriais. Dezenas de produtos candidatos, utilizando diversas estratégias de vacinação, já foram usados em estudos clínicos. Embora haja alguns avanços no campo de tratamento e prevenção da transmissão do HIV, não há dúvidas de que o desenvolvimento de uma vacina preventiva eficaz e segura continua sendo uma das maiores prioridades no campo da saúde pública global. Bibliografia 1.UNAIDS Report on the Global AIDS Epidemic. Progress Report 2010 2. Hütter G, Nowak D, Mossner M, et al. Long-term control of HIV by CCR5 Delta32/Delta32 stem-cell transplantation. N Engl J Med. 2009;360(7):692-8. 3.Cohen MS, Chen YQ, McCauley M, et al. Prevention of HIV-1 infection with early antiretroviral therapy. N Engl J Med. 2011 Aug 11;365(6):493-505. Epub 2011 Jul 18. 4. Cohen MS, Shaw GM, McMichael AJ, Haynes BF. Acute HIV-1 Infection. N Engl J Med. 2011 May 19;364(20):1943-54. 5. Borrow P, Lewicki H, Hahn BH, Shaw GM, Oldstone MB. Virus-specific CD8+ cytotoxic T-lymphocyte activity associated with control of viremia in primary human immunodeficiency virus type 1 infection. J Virol. 1994;68(9):6103-10. 6.Walker BD. Elite control of HIV Infection: implications for vaccines and treatment. Top HIV Med. 2007;15(4):134-6. 7.Kwong PD, Mascola JR, Nabel GJ. The changing face of HIV vaccine research. J Int AIDS Soc. 2012 ;15(2):1-6. 8. Haynes BF, Gilbert PB, McElrath MJ, et al. Immune-correlates analysis of an HIV-1 vaccine efficacy trial. N Engl J Med. 2012;366(14):1275-86. 213 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 9. Haynes BF, Shattock RJ. Critical Issues in mucosal immunity for HIV-1 vaccine development. J Allergy Clin Immunology. 2008;122:39quiz 10-11 10.Esparza J, Osmanov S. HIV Vaccines: a Global perspective. Curr Mol Med. 2003;3(3):183-93. 11. Pitisuttithum P, Gilbert P, Gurwith M, et al. Randomized, double-blind, placebo-controlled efficacy trial of a bivalent recombinant glycoprotein 120 HIV-1 vaccine among injection drug users in Bangkok, Thailand. J Infect Dis. 2006;194(12): 1661-71. 12. Flynn NM, Forthal DN, Harro CD, et al. Placebo-controlled phase 3 trial of a recombinant glycoprotein 120 vaccine to prevent HIV-1 infection. J Infect Dis. 2005;191(5):654-65. 13. Hansen SG, Ford JC, Lewis MS, et al. Profound early control of highly pathogenic SIV by an effector memory T-cell vaccine. Nature. 2011;473(7348):523-7. 14. Wilson NA, Reed J, Napoe GS, et al. Vaccine-induced cellular immune responses reduce plasma viral concentrations after repeated low-dose challenge with pathogenic simian immunodeficiency virus SIVmac239. J Virol. 2006;80(12):5875-85. 15. Buchbinder SP, Mehrotra DV, Duerr A, et al. Efficacy assessment of a cell-mediated immunity HIV-1 vaccine (the Step Study): a double-blind, randomised, placebo-controlled, test-of-concept trial. Lancet. 2008;372(9653):1881-93. 16.Duerr A, Huang Y, Buchbinder S, et al. Extended Follow-up Confirms Early Vaccine-Enhanced Risk of HIV Acquisition and Demonstrates Waning Effect Over Time Among Participants in a Randomized Trial of Recombinant Adenovirus HIV Vaccine (Step Study). J Infect Dis. 2012;206(2):258-266. 17. Rerks-Ngarm S, Pitisuttithum P, Nitayaphan S, et al. Vaccination with ALVAC and AIDSVAX to prevent HIV-1 infection in Thailand. N Engl J Med. 2009;361(23):2209-20. 18. Montefiori DC, Karnasuta C, Huang Y, et al. Magnitude and Breadth of the Neutralizing Antibody Response in the RV144 and Vax003 HIV-1 Vaccine Efficacy Trials. J Infect Dis. 2012;206(3):431-41. 19. Haynes BF, Gilbert PB, McElrath MJ, et al. Immune-correlates analysis of an HIV-1 vaccine efficacy trial. N Engl J Med. 2012;366(14):1275-86. 214 Capítulo 16 O HIV-2 e sua biologia e patogênese Celina Monteiro Abreu e Amilcar Tanuri Introdução Após a descoberta do HIV, em 1986, amostras de dois pacientes do oeste da África com características de imunossupressão, foram enviadas ao Instituto Pasteur por médicos portugueses. Essas amostras apresentavam testes sorológicos com resultados repetidamente negativos para o HIV que havia sido isolado na França e nos EUA em 1984. Após analise genômica, essa nova variante tinha uma diferença de até 50% na composição do seu genoma quando comparado com a da cepa LAI do HIV-11. Esse novo vírus foi denominado vírus da imunodeficiência humana do tipo 2 ou HIV-2, enquanto seu antecessor recebeu o nome de vírus da imunodeficiência do tipo 1 ou HIV-1. O HIV-2 é um lentivírus intimamente relacionado com o vírus da imunodeficiência símia (SIV) e mais distante, do ponto de vista evolutivo, do HIV-1. Tal como o HIV-1, o HIV-2 pode causar AIDS em seres humanos. No entanto, a progressão da doença ocorre muito mais lentamente no HIV-2, com baixas taxas de perda de células CD4+ anualmente. A infecção pelo HIV-2 encontra-se predominantemente em países da África Ocidental, como Guiné-Bissau, Gâmbia, Senegal, Cabo Verde, Costa do Marfim, Mali, Serra Leoa e Nigéria. Na década de 1980, cada um desses países tinha uma prevalência relatada de > 1%. Estima-se que 1 a 2 milhões de pessoas na África Ocidental estão infectadas com o HIV-2. No entanto, nos últimos anos, a prevalência do HIV-2 vem diminuindo em vários países do Oeste Africano, particularmente entre os indivíduos mais jovens2. Em estudo realizado em uma área rural do noroeste da Guiné-Bissau, a prevalência do HIV-2 caiu de 8,3% em 1990 para 4,7% em 2000, durante o mesmo período, a prevalência do HIV-1 cresceu de 0,3 para 3,6%3. Na verdade, essa tendência vem se consolidando e hoje temos uma proporção igual de HIV-1 e HIV-2 na Guiné-Bissau com aproximadamente 1,5% de coinfecções HIV-1 HIV-2. Esse fenômeno pode estar relacionado à baixa eficiência de transmissão do HIV-2 quando comparado com o HIV-1. Por outro lado, a infecção HIV-2 também foi relatada em países com laços históricos e sócio-econômicos com a África Ocidental. O HIV-2 pode ter se espalhado a partir da Guiné-Bissau para Portugal durante a guerra da independência. Além de Portugal, a presença do HIV-2 também tem sido relatada em países 215 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 com relações históricas com Portugal, como Angola, Moçambique, Goa, Maharashtra e Macau e em partes da Índia e China. Em Portugal, o HIV-2 é responsável por 4,5% dos casos de AIDS4. Na França, de 10.184 novos diagnósticos de HIV entre 2003 e 2006, 1,8% estavam infectados pelo HIV-2 (1,6% monoinfecção HIV-2 e 0,2% prováveis de coinfecções HIV-1/HIV-2)5. Na Espanha, essa taxa é ainda mais baixa, tendo sido diagnosticados somente 56 casos confirmados por HIV-2 desde 1995. Nos EUA, o primeiro caso de infecção de HIV-2 foi descrito em uma mulher em 1987, proveniente do Oeste Africano, que foi diagnosticada com toxoplasmose no sistema nervoso central. Embora o número total de casos conhecidos de HIV-2 nos EUA seja pequeno, em relatos recentes, foram catalogados 62 casos confirmados de infecção pelo HIV-2 em Nova York desde 20006. A maioria desses casos relaciona imigrantes vindos da África Ocidental, como os cabo-verdianos, que constituem um grande contingente populacional na região de Massachusetts e Rhode Island, e dos ganenses em Chicago. O modo de transmissão do HIV-2 é semelhante ao do HIV-1, e se dá através do contato sexual, exposição a sangue (transfusão de sangue, compartilhamento de agulhas etc.) e transmissão perinatal. No entanto, o HIV-2 tem uma infecciosidade bem menor quando comparada com o HIV-1. Em um estudo feito no Senegal com profissionais do sexo, foi mostrado que a transmissão heterossexual do HIV-2 foi mais lenta do que a do HIV-17. Outro estudo prospectivo em mulheres, na Costa do Marfim, no início de 1990, mostrou que a taxa de transmissão perinatal do HIV-2 foi de 1,2% em comparação com 24,7% para o HIV-1 (OR > 21 no HIV-1)8. Em um estudo realizado na Gâmbia, mostrou-se que a taxa de transmissão mãe-filho do HIV-2 era de 4%, seis vezes menor que a taxa de transmissão do HIV-1, que resultou em 24,4%. Esta taxa menor de transmissão sexual e vertical pode ser relacionada à menor carga viral dos indivíduos infectados com HIV-2. Esse mesmo estudo feito na Gâmbia, a média geométrica da carga de plasma nas mulheres grávidas infectadas com HIV-2 antes do parto foi de 410 cópias/ml, 37 vezes mais baixa do que a carga viral observada nas mulheres infectadas com HIV-1 (15.100 cópias/ml). No mesmo estudo, as taxas de transmissão se equalizavam quando comparados indivíduos com carga viral semelhante sem levar em conta o vírus infectante9. Origem e variabilidade do HIV-2 Análises filogenéticas mostraram que, enquanto o HIV-1 é mais relacionado com o SIV oriundo de chimpanzés (SIVCPZ) o HIV-2 está intimamente relacionado ao SIV isolado de macacos verdes africanos, sooty mangabeys, (SIVSM). Tanto a infecção pelo HIV-1 quanto a infecção pelo HIV-2 representam infecções zoonóticas. O HIV-2 possui homologia de 75 a 85% nas sequências de aminoácidos em relação ao SIVSM, sendo que os produtos codificados pelo gene env apresenta apenas 30 a 40% de homologia, já em relação ao HIV-1 possui cerca 60% de homologia com os produtos codificados pelos genes gag e pol. Do ponto de vista de variabilidade genética, o HIV-2 também apresenta um alto grau de diversidade e pode ser separado em sete subtipos de A a G, sendo que os A e B são os mais prevalentes na epidemia do Oeste Africano e nos países fora do continente africano. Em estudos feitos com macacos verdes vivendo na natureza, amostras de SIV isoladas dos macacos 216 O HIV-2 e sua biologia e patogênese A HIV-1 gag vif nev vpu env vpr 5’LTR B tat rev pol 3’LTR HIV-2 gag 5’LTR pol vif vpx vpr tat rev nef env 3’LTR Figura 1. Representação esquemática do vírus HIV-1 (A) e do HIV-2 (B) integrado na célula hospedeira (DNA províral) (adaptado de Woude SV, Apetrei C, 200610). verdes fuligentos tinham o genoma muito mais próximo ao HIV-2 dos subtipos D e E, sugerindo diferentes passagens zoonóticas macaco – homem para explicar cada grupo do HIV-2. Como no HIV-1, o genoma do HIV-2 é constituído de duas moléculas de RNA, polaridade positiva e com cerca de aproximadamente 9.200 pares de bases (pb), e possui as três regiões principais presentes em todos os retrovírus gag, pol e env. O HIV-2 difere do HIV-1 por apresentar um gene extra, que codifica a proteína Vpx, e por não carregar em seu genoma o gene que codifica a proteína Vpu. O gene vpx parece ter evoluído a partir de uma duplicação do gene vpre codifica para a proteína Vpx. Esta proteína favorece a libertação de viríons da célula infectada. As funções da Vpu do HIV-1 são desempenhadas em HIV-2 por vpre vpx (sendo sua principal função promover a importação do DNA viral para o núcleo). A função do gene vpu é desempenhada em HIV-2 pelo vpx, permitindo que a glicoproteína do invólucro desse vírus aumente a capacidade de produção de partículas virais de uma forma idêntica a vpu em HIV-1. No entanto, foram também descritos efeitos desta proteína ao nível da transcrição reversa e no acúmulo de DNA viral antes da sua importação nuclear. A homologia entre os tipos de HIV-1 e 2 em relação aos nucleotídeos é de cerca de 60% para as regiões mais conservadas dos genes pol e gag, mas apenas de 30 a 40% para os outros genes, incluindo o gene env (Fig. 1). O ciclo replicativo dos HIV-2 segue as mesmas etapas do HIV-1 e pode ser dividido, arbitrariamente, em duas fases distintas: inicial e tardia. As fases iniciais se referem às primeiras etapas da infecção desde a fusão do vírus à célula até o fenômeno de integração do cDNA viral ao genoma celular. Já a fase tardia do ciclo replicativo começa com a expressão dos genes virais e continua até a liberação e a maturação das progênies virais infecciosas (Fig. 2)10. História natural A Infecção causada pelo HIV-2 apresenta uma fase assintomática mais longa e uma progressão mais lenta para AIDS quando comparada ao HIV-111. Em uma coorte de mulheres 217 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 gp105 gp36 CD4 Receptor de CCR5 quimiocina Microcúbulos Fusão Brotamento e maturação Env RT cDNA flap Rev Tat vif Vpu Transporte e Nef montagem das Vpr pin virais RI MA Vpr Transcrição reversa Gag Pol ssRNA AAA AAA RNA genómico Rev PIC cDNA 5’LTR 3’LTR Pol Nef Protease Tradução Integrase Gag splicing Rev Tat Transcrição Figura 2. Ciclo Replicativo do HIV-2. Entrada do HIV nas células hospedeiras. A ligação da gp105 ao receptor CD4 promove uma mudança conformacional, o que permite a interação com o correceptor de quimiocina (CCR5 ou CXCR4). A interação gp105-CD4 promove uma segunda mudança conformacional, ocasionando a liberação do peptídeo de fusão na gp36, proporcionando a fusão entre membranas celulares e envelope viral, que permite a entrada do nucleocapsídeo no citoplasma. As etapas seguintes são retrotranscrição (RNA-cDNA), integração, transcrição dos RNAm virais (processamentos alternativos), transporte dos RNAm para o citoplasma para posterior tradução destes RNAs nas proteínas virais, montagem, brotamento e maturação da partícula viral (GAG e GAGPOL) (adaptado de Peterlin BM, Trono D, 2003). senegalesas profissionais do sexo, a probabilidade de sobrevida livre de AIDS após cinco anos da soroconversão foi de 100% nas mulheres infectadas pelo HIV-2 em comparação com apenas 67% para a contraparte infectadas com HIV-1. Além disso, a taxa de progressão para AIDS em pacientes infectados com HIV-2 é altamente variável, e somente alguns pacientes desenvolvem complicações avançadas de imunodeficiência relacionadas com a AIDS. Em termos clínicos, é importante distinguir pacientes que tendem a evoluir mais rapidamente para dar início ao tratamento antirretroviral mais precocemente12. Outro aspecto interessante da infecção pelo HIV-2 são as contagens quase normais de células CD4 e níveis mais baixos de RNA viral do que os observados em infecção pelo HIV-1. As cargas virais são em média 28 vezes mais baixas que as do HIV-1 em indivíduos com soroconversão recente. No entanto, uma vez chegando ao estado de imunodeficiência avançada, os doentes infectados com o HIV-2 apresentam uma alta taxa de mortalidade semelhante à do HIV-1. Em um estudo feito na Gâmbia, os doentes infectados com HIV-1 e HIV-2 pareados com a contagem de células CD4 < 200/mm3 tinham uma mortalidade semelhante13. 218 O HIV-2 e sua biologia e patogênese Devido ao HIV-2 ser um vírus menos virulento do que o HIV-1, tem havido um interesse na possibilidade de que o HIV-2 possa proteger contra a infecção pelo HIV-1, através de uma imunidade cruzada ou um fenômeno de interferência viral. Um estudo prospectivo de senegalesas trabalhadoras do sexo sugeriu que a infecção pelo HIV-2 pode dar um grau significativo de proteção cruzada ao HIV-1 e que talvez essa proteção pudesse ser mediada pela expressão de b-quimiocina induzida pela infecção do HIV-2. No entanto, outros estudos feitos em outras coortes concluíram que o HIV-2 não protege contra a aquisição de infecção pelo HIV-1 ou até mesmo possa aumentar sua taxa de infecção14. Manifestações clínicas Como citado acima, há uma fase prolongada assintomática entre os pacientes infectados com HIV-2. No entanto, se os pacientes não recebem tratamento específico para bloquear os declínios na contagem de células CD4, eles desenvolvem doenças similares àquelas observadas em pacientes infectados com o HIV-1. Por exemplo, doenças como tuberculose, candidíase esofágica, doença por citomegalovírus, infecção por Mycobacterium avium ou acellulare, toxoplasmose cerebral disseminada, criptococose, criptosporidiose, sarcoma de Kaposi, demência relacionada à AIDS, pneumonia bacteriana recorrente e leucoencefalopatia multifocal progressiva têm sido relatadas em pacientes infectados pelo HIV- 2. Um estudo feito na Gâmbia comparando pacientes infectados com ambos os vírus revelaram padrões similares de eventos definidores de AIDS nos dois grupos analisados15. Houve também relatos de outras complicações menos comuns na infecção pelo HIV-2, incluindo a neuropatia craniana múltipla e trombocitopenia não imune no contexto de linfoma de células T/NK16. Há ainda uma sugestão de que a encefalite pode ocorrer com mais frequência em pacientes infectados pelo HIV-2 do que naqueles com infecção HIV-1, embora não esteja claro se esse achado é devido à maior sobrevida dos pacientes infectados pelo HIV-2 ou porque o HIV- 2 tende a ser mais neurotrópico. A tabela 1 mostra algumas diferenças entre a infecção do HIV-1 e do HIV-2. Testes e diagnóstico A maior diferença sorológica entre o HIV-1 e o HIV-2 encontra-se nas glicoproteínas do envelope. Os anticorpos contra o HIV-2 podem reagir cruzadamente contra as proteínas codificadas pelo gene gag e pelo gene pol do HIV-1, mas não com as codificadas pelo gene env e vice-versa. Por essa razão, os bancos de sangue passaram a ser obrigados a usar testes para a pesquisa dos dois tipos. O Center for Disease Control and Prevention (CDC) aconselha testar para HIV-2 os indivíduos HIV-1 negativos com uma doença que sugira infecção por HIV. O algoritmo de testagem do HIV feito pelo Departamento de DST AIDS e Hepatites Virais do Ministério da Saúde editado pela Portaria n.° 151, de 14 de outubro de 2009, preconiza que, havendo persistência de resultado indeterminado nos testes sorológicos e suspeita clínica ou epidemiológica de infecção, pode-se coletar uma nova amostra para investigação da infecção pelo HIV-2 ou, ainda, para realização de outros testes indicados para o diagnóstico. 219 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 1. Comparação entre HIV-1 e HIV-2 HIV-1 HIV-2 Evolução da doença A maioria evolui para AIDS ~20-25% evoluem para AIDS Carga viral plasmática Elevada durante a fase aguda e na progressão da doença (105 e 107 cópias de RNA por ml), pode ser indetectável na fase assintomática Elevada nos que progridem para AIDS 103 e 104 cópias de RNA por ml), indetectável na maioria dos casos Contagem de CD4+ Raramente retorna a níveis normais Normal em LTNPs; menor nos progressores Transmissão vertical Cerca de 40% (sem tratamento) < 4% (sem tratamento) Ativação imune Elevada, mesmo em amostras com carga viral indetectável Aumentada nos progressores e prevê a evolução da doença Proliferação das células T Aumentado turnover de ambas células CD4+ e CD8+ Não conhecido Apoptose Aumentada Menor que em HIV-1 Adaptado de De Silva TI, Cotten M, Rowland-Jones SL, 2008. Atualmente, os testes de ELISA aprovados pelo Food and Drug Administration (FDA) dos EUA são capazes de detectar infecção tanto por HIV-1 como por HIV-2. Embora esses imunoensaios detectem tanto o HIV-1 como o HIV-2 com boa sensibilidade, eles não são capazes de discriminar entre os dois tipos de infecção por HIV. Alguns testes rápidos podem diferenciar sorologicamente a infecção do HIV-1 e HIV-2, como o Multispot HIV-1/HIV-2 (BioRad) e teste rápido da alka tecnologia (Fig. 3) através de peptídeos sintéticos ou antígenos recombinantes específicos dos dois vírus como a gp36 e gp41 do envelope dos dois vírus17. Os testes ELISA que utilizam peptídeos imunodominantes da gp41\gp36 com sequências vindas do HIV-1 e do HIV-2 podem diferenciar a infecção pelos dois vírus. Mesmo assim, temos alguns problemas de reação cruzada entre o HIV-1 e o HIV-2 que podem dificultar o poder discriminatório desses ensaios no caso de coinfecção HIV-1 e HIV-2. Um resultado sorológico reativo para HIV-2 deve ser confirmado com um teste de anticorpos suplementar, tais como um western blotting contendo antígenos virais específicos de HIV-2 Blot, versão 1.2 (Biomedicals MP, LLC) ou alguns imunoblots com múltiplas proteínas recombinantes na tira de reação, como o INNO-LIA do HIV I/II (Innogenetics NV). Contudo, o diagnóstico de certeza deve ser feito com a utilização de testes moleculares, nos quais é identificado o material genético do HIV-2. Neste tocante, deve-se utilizar o DNA pró-viral como material de teste porque as cargas virais do HIV-2 sendo muito baixas, nos casos de coinfecções HIV-1/HIV-2, podem dar resultados falso negativos quando pesquisadas por RT-PCR (reação em cadeia da polimerase com transcriptase inversa). A quantificação da carga viral em pacientes infectados com o HIV-2 é um problema sério, visto que não existem testes aprovados pelo FDA para tal finalidade. Os testes 220 O HIV-2 e sua biologia e patogênese Primeira resposta a HIV Teste de cartão 1-2.0 Primeira resposta a HIV Teste de cartão 1-2.0 Primeira resposta a HIV Teste de cartão 1-2.0 C 2 I C 2 I C 2 I C T C T C T Primeira resposta a HIV Teste de cartão 1-2.0 C 2 I C T S S S S Negativo Positivo HIV 1 Positivo HIV 2 Positivo HIV 1&2 Figura 3. Teste rápido para detecção de anticorpos anti-HIV no soro, plasma ou sangue total: Negativo, a banda colorida aparecerá só na área de controle, o que indica um resultado negativo. Positivo para HIV-1: duas faixas aparecerão, uma na área de controle (C) e uma na área de ensaio (1). Positivo para HIV 2: duas faixas aparecerão, uma na área de controle (C) e uma na área de ensaio (2). Positivo para HIV 1 e 2: três faixas aparecerão, na área de ensaio 1 e na área de ensaio 2. Ocorrerá o aparecimento de uma faixa na área controle (C). Inválido: se a faixa de cor não é visível dentro da área de controle após a realização do teste, o resultado é considerado inválido. corriqueiros como o AMPLICOR Roche HIV-1 Monitor e Nuclisens EasyQ (versão 1.1) podem, por vezes, detectar o RNA do HIV-2 em algumas amostras, mas com uma carga muito menor que a real, ou seja, não serve como um teste quantitativo. Por causa da falta de um teste comercialmente disponível, os níveis de RNA do HIV-2, ou seja, a carga viral, não podem geralmente ser monitorizados em doentes que são iniciados em tratamento antirretroviral (TARV). O desenvolvimento de um teste de carga viral para o HIV-2 é necessário para melhorar o monitoramento dos pacientes infectados pelo HIV-2 na África e nos países desenvolvidos onde esse vírus é encontrado. Tratamento da infecção Devido ao escasso número de estudos sobre a infecção pelo HIV-2, é evidente a carência de meios e de conhecimentos enfrentada pelos profissionais de saúde para seguir estes doentes, recorrendo à extrapolação dos conhecimentos adquiridos para a infecção pelo HIV-1 e/ou à sua experiência clínica. Contudo, está mais do que provado que a infecção pelo HIV-2 é significativamente diferente da infecção pelo HIV-1. A falta de estudos de acompanhamento longitudinal observacionais de indivíduos infectados com HIV-2 torna difícil determinar qual o melhor TARV a ser iniciado nesses pacientes. Dada a lenta perda de células CD4 na fase assintomática e a lenta recuperação 221 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 depois do início do tratamento, é importante iniciar a terapia antes que o estado de imunodeficiência avançada se desenvolva. Embora a mais recente recomendação do Department of Health and Human Services (DHHS), EUA, seja para iniciar a terapia antirretroviral altamente ativa (HAART) com a contagem de CD4 mínima de 500 cél/mm3 no caso da infecção pelo HIV-1, não temos uma diretriz para os indivíduos infectados com o HIV-2. Uma vez que a decisão for feita para tratar a infecção pelo HIV-2, a próxima questão é qual TARV deve ser ministrado? Neste caso, os dados de testes in vitro feitos com isolados do subtipo A e B do HIV-2 e informações de ensaios clínicos podem ajudar a informar essa decisão. Os inibidores da transcriptase reversa análogos aos nucleosídeos (ITRNs) são ativos contra o HIV-2, mas devido a polimorfismos naturais presentes na transcriptase reversa (TR), pode haver variação na potência de diferentes agentes18. A figura 4 mostra as diferenças encontradas na sequência da protease (A) e da TR (B) quando comparados os protótipos de HIV-1(HXB2) e HIV-2 (ROD) que são representativos de sequências selvagens destes vírus, alguns polimorfismos encontrados no HIV-2 estão associados à resistência em HIV-1, e isso pode diminuir a barreira genética para aquisição de mutações de resistência e, consequentemente, a diminuição da susceptibilidade a um determinado TARV. Embora alguns estudos indiquem que concentrações semelhantes de ITRNs são necessárias para inibir a replicação do HIV-1 e do HIV-2, outros acham que são necessárias concentrações mais elevadas de zidovudina (AZT) para suprimir a replicação do HIV-2. Os perfis de resistência selecionados para o AZT mais encontrados em pacientes infectados com HIV-2 não é a via mais selecionada pelo HIV-1, que são as mutações de análogos de timidina (TAM), no lugar destas mutações (M41L, D67N, K70R, L210W, T215Y e K219Q/E), encontrou-se a mutação Q151M, que ocorre mais rapidamente e sua frequência é muito mais elevada do que no HIV-1, esta mutação provoca multirresistência aos ITRNs em HIV-2. Além disso, as mutações relacionadas à resistência a esta classe, tais como a M184V e a própria Q151M, foram encontradas em indivíduos virgens de tratamento infectados pelo HIV-2 em Burkina Faso, sugerindo a possibilidade de que essas mutações primárias possam ocorrer como polimorfismos naturais ou resistência ao fármaco transmitida19. A fragilidade potencial dos atualmente disponíveis ITRN para utilização em terapia de HIV-2 é realçada pela constatação de que Q151M combinada com a mutação K65R ou M184V resulta em alto nível de resistência ao AZT, lamivudina (3TC), entricitabina (FTC) e abacavir (ABC), em que a presença destas três mutações (Q151M, K65R e M184V) em combinação confere resistência cruzada a esses ITRNs; contudo, a seleção da K65R resulta apenas em baixo nível de resistência (4-5vezes) a estavudina (d4T) e tenofovir (TDF), diferente do abservado em HIV-1. Vários estudos demonstraram que o HIV-2 é resistente à primeira geração de inibidores da transcriptase reversa não análogo aos nucleosídeos (ITRNNs), a resistência natural do HIV-2 para esses fármacos é devido a diferenças nos resíduos de aminoácidos que fazem contato com o ITRNN na bolsa de ligação do HIV-1 e do HIV-2, particularmente polimorfismos naturais, como Y181I e Y188L são vistos em HIV-2 (Fig. 4), que reduzem significamente a atividade do enfavirez e da nevirapina. Além disso, a presença das mutações Y181I e V179I e de outras diferenças encontradas, como polimorfismo da TR do HIV-2 diminuem a barreira genética contribuindo para seleção de cepas resistentesà etravirina e a rilpivirina. Por conta destes polimorfismos naturais encontrados no HIV-2, os INNTRs não são utilizados na clínica para tratamento da infecção pelo HIV-2, por serem menos eficientes. 222 O HIV-2 e sua biologia e patogênese Outra classe utilizada na clínica são os inibidores da protease (IP), que se ligam ao sítio ativo da enzima impedindo a clivagem das proteínas precursoras, tornando o vírus imaturo. Os IPs são altamente ativos contra o HIV-1; contudo, têm uma variação na eficácia contra o HIV-2. Diferentes subtipos desse vírus apresentam variação na susceptibilidade a essa classe de TARV, possivelmente relacionada à presença de polimorfismos no gene da protease (Fig. 4 A). As proteases do HIV-1 e do HIV-2 têm uma semelhança de sequência de aminoácidos de cerca de 50%, tendo uma menor homologia do que a observada quando comparada às suas enzimas TR. Essas diferenças de sequência refletem em muito os distintos polimorfismos naturais entre as proteases do HIV-1 e HIV-2; contudo, a maioria ocorre fora do sítio ativo da enzima. Os polimorfismos encontrados na proteasedo HIV-2 podem encurtar o tempo necessário para a seleção de mutações de resistência no HIV-2 aos IPs. Entre as mutações encontradas, a M46I está relacionada à resistência ao indinavir (IDV), outras mutações secundárias, L10V, V32I, M36I, I47V, A71V, e G73A podem diminuir a susceptibilidade ao nelfinavir (NFV) e ao amprenavir (APV). Vários ensaios em culturas de células ou enzimáticos usando IP sugerem que, enquanto IDV, saquinavir (SQV), lopinavir (LPV), darunavir (DRV) e tipranavir (TPV) podem exercer a atividade contra HIV-2 selvagem, NFV, atazanavir (ATV) e APV mostram uma redução na sua eficácia. Dada a possibilidade de redução da atividade, o consenso francês de 2008 aconselha que o uso do ATV, fosamprenavir, e TPV em doentes com infecção pelo HIV-2 deva ser feita com muita precaução. Entre os novos agentes antirretrovirais, os inibidores da integrase, agem bloqueando a integração do vírus no cromossomo das células hospedeiras. Apesar da similaridade de 40% no gene da integrase entre HIV-1 e HIV-2, os motivos funcionalmente importantes (a tríade catalítica DDE, o RCDH, e RKK) são 100% conservados em HIV-1 e HIV-2. Os inibidores raltegravir e elvitegravir são igualmente eficazes contra HIV-1 e HIV-2. Contudo, pouco se sabe da susceptibilidade da integrase do HIV-2 ao dolutegravir, TARV de segunda geração de inibidores de integração. O inibidor de fusão enfurvitide (T-20) bloqueia a entrada do vírus. Essa classe de inibidores de entrada foi licenciada para uso na clínica contra HIV-1 em 2003; porém, não foi observada qualquer atividade contra o HIV-2, o que não é surpreendente, uma vez que o HIV-1 e o HIV-2 apenas compartilham em sequência de aminoácidos similaridade de 30-40% na proteína do envelope viral. Consequentemente, esses agentes não devem ser usados na terapia dos pacientes infectados com HIV-2. Dado o fato de que o HIV-2 pode utilizar correceptores alternativos para a entrada na célula alvo, além dos já descritos (CCR5 eCXCR4), incluindo-se o CCR1-5, GPR15, e CXCR6, a potência do inibidor antagonista do CCR5, denominado maraviroque no bloqueio da entrada do HIV-2 na célula é incerto e deve ser demonstrada através de estudos in vitro e clínicos. Contudo, apesar de sabermos quais os TARVs são efetivos contra o HIV-2 in vitro, uma das principais limitações em nosso conhecimento de como tratar a infecção pelo HIV-2 é a ausência de ensaios clínicos randomizados. Uma razão para essa falta de informação é o baixo número de pacientes infectados pelo HIV-2 nos EUA e na Europa. Além disso, uma grande proporção dos doentes infectados pelo HIV-2 não tem viremia detectável, fazendo com que a carga viral não seja o único endpoint primário para os estudos de tratamento HIV-2 e dificultando a análise dos resultados dos ensaios. Muitos dos estudos publicados 223 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 A Protease B Transcriptase reversa Figura 4. Diferenças entre a protease (A) e o domínio de DNA polimerase da TR (B) de HIV-1 (HXB2) e HIV-2 (ROD) em aminoácidos. Rachurados, os polimorfismos encontrado no HIV-2 que são posições envolvidas com resistência aos IPs e aos ITRN/ ITRNN descritos em HIV-1. Os pontos significam homologia (adaptado de Ntemgwa ML, et al. 2009). sobre o tratamento do HIV-2 têm sido relativamente pequenos estudos observacionais. A ANRS CO5 Cohort HIV-2 avaliou a resposta ao tratamento em 29 pacientes infectados com HIV-2 a partir LPV/ritonavir em combinação com dois ITRNs20. Antes do tratamento, a contagem de células CD4 foi 142 cél/mm3, e apenas 16 pacientes tinham carga viral para HIV-2 detectáveis (nesses indivíduos, a mediana da carga viral foi 2.189 cópias/ml). O aumento médio na contagem de células CD4 após início do tratamento foi de 71 cél/mm3 na semana 24 (n = 28) e 122 cél/mm3 na semana 48 (n = 19). Na semana 24, 20 pacientes tiveram uma carga viral indetectável, e cinco pacientes teriam tido falência virológica. Outro estudo observacional concluiu que a supressão viral pode ser obtida por um regime de 2 ITRNs e potencializado com ritonavir/IDV. No entanto, os regimes contendo NFV parecem ter benefício virológico limitado em pacientes infectados com o HIV-2. A Organização Mundial da Saúde (OMS), no guia do tratamento da AIDS publicado em 2010, afirmou que um regime de análogos de nucleosídeo triplo pode ser considerado em pacientes com infecção pelo HIV-2. No entanto, existem preocupações sobre a potência desse tipo de regime terapêutico. Assim, muitos especialistas defendem o uso de 2 ITRNs mais um IP potencializado com ritonavir (IP-r) para o tratamento de infecção pelo HIV-2. O DHHS dos EUA sugere iniciar um regime com IP-r, mas não especifica quais fármacos devem ser usados. Com base em estudos in vitro e informações oriundas de ensaios clínicos descritos, o regime contendo LPV ou DRV 224 O HIV-2 e sua biologia e patogênese potencializado com o ritonavir é uma escolha razoável para o componente IP, e o TDF mais FTC ou 3TC poderia ser usado como o componente ITRN do regime. A resposta ao tratamento é geralmente avaliada utilizando uma combinação de resposta imunológica e critérios virológicos. A resposta de células T CD4 à terapia em doentes infectados com HIV-2 parece ser menor do que a resposta em pacientes infectados com o HIV-1. Dados do grupo de estudos ANRS com coortes de pacientes infectados com HIV-2 na França mostraram que esses indivíduos apresentaram menor recuperação de células CD4 do que a esperada, apesar do fato de que a maioria dos pacientes atingiu supressão viral, carga viral indetectável, medida por um teste caseiro de PCR (reação em cadeia da polimerase) em tempo real21. A monitorização de resistência aos fármacos é difícil porque não existem testes de genotipagem comerciais disponíveis para o HIV-2. Uma rápida aquisição de mutações no gene da integrase também tem sido relatada durante o tratamento com raltegravir. Emergência da resistência aos fármacos multiclasse também foi detectada em uma coorte de 23 pacientes no Senegal22, onde foi encontrada uma grande proporção (30%) que desenvolveu mutações de resistência multiclasse a fármacos (incluindo M184V e Q151M) e múltiplas mutações associadas aos IPs durante o tratamento com ITRN. Um aspecto interessante no tocante ao TARV está presente nos indivíduos coinfectados HIV-1 e HIV-2. Como mencionado anteriormente, na África Ocidental, 0,3-1% dos pacientes está duplamente infectada com HIV-1 e HIV-2. A taxa de mortalidade em pacientes coinfectados é semelhante ao do HIV-1 em todos os extratos de contagem de células CD4. Uma grande preocupação no diagnóstico se dá ao fato de que falhas no tratamento têm sido observadas em pacientes coinfectados que foram colocados sobre o esquema terapêutico de HIV-1 e foram encontrados depois com HIV-2, que era resistente ao esquema antirretroviral em uso para o HIV-1. Assim, pacientes coinfectados, virgens de tratamento, devem ser tratados com um IP-r mais 2 ITRNs. Se a falha do tratamento for identificada, os padrões de resistência de ambos os vírus devem ser avaliados. Embora haja debate a respeito de quando a terapia deve ser iniciada e qual o regime deve ser escolhido, estudos recentes têm fornecido informações importantes sobre opções de tratamento para a infecção do HIV-2. Nesta era de integração global, os clínicos devem estar cientes de quando considerar o diagnóstico de infecção pelo HIV-2 e como testar para esse vírus e tratá-lo eficientemente. Desenvolvimento de uma vacina O desenvolvimento de uma vacina eficaz de amplo espectro contra o HIV-1 e todos os subtipos e suas formas recombinantes circulantes (CRFs) continua sendo um dos grandes desafios científicos e de saúde pública. Uma das principais barreiras para o desenvolvimento de uma vacina contra o HIV-1 é a falta de compreensão dos correlatos de imunidade protetora contra o vírus. Neste contexto, a investigação centrou-se no grupo de controladores espontâneos da infecção pelo HIV-1, em grupos referidos como não progressores de longo prazo e controladores de elite, juntamente com estudos de primatas não humanos, tais como mangabeys fuligentos e macacos verdes africanos, infectados com SIV, em que a maioria dos animais tolera níveis elevados de replicação viral, sem desenvolvimento de imunodeficiência ou doença. Muito menos atenção tem sido dada a seres humanos infectados 225 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 com a estirpe não progressora de HIV-2, a maioria dos quais se comporta como não progressores a longo prazo ou controladores virais, enquanto que uma minoria desenvolve a doença clinicamente indistinguível da AIDS causada por HIV-1. A pesquisa em indivíduos infectados com HIV-2 poderia aumentar o esforço de investigação de uma vacina contra o HIV-1. Estudos indicam que os indivíduos infectados com HIV-2 têm uma forte resposta imune a uma região específica da proteína gag. A ausência de progressão da doença ou a replicação viral detectável no plasma na presença de uma resposta imune eficaz na maioria dos pacientes com HIV-2 representa uma oportunidade para decifrar a adaptação evolutiva do vírus com os hospedeiros humanos e compreender as correlações de resposta imune mais eficazes, tornando esse vírus um modelo humano natural de infecção pelo HIV atenuado. Além de contribuir com a infecção contra o HIV-1, ensaios utilizando o HIV-2 são importantes para o desenvolvimento de uma vacina contra este próprio vírus, uma vez que, o tratamento e o monitoramento dessa infecção ainda são bastante complexos23. Bibliografia 1.Clavel F, Guétard D, Brun-Vézinet F, et al. Isolation of a New Human Retrovirus from West African Patients with AIDS. Science. 1986;233(4761):343-6. 2. Da Silva Z, Oliveira I, Andersen A, et al. 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J Gen Virol. 2002;83(Pt 6):1253-65. 226 Capítulo 17 Coinfecção HIV/HTLV e suas consequências Carlos Brites, Celia Pedroso e Fabianna Bahia Introdução O HIV-1 e os vírus da leucemia-linfoma de células T do adulto (HTLV-1/2) apresentam características biológicas distintas, apesar de compartilharem vias de transmissão e o tropismo para as mesmas células (HIV-1 e HTLV-1). Além disso, enquanto o HIV-1 tem estimativa de seu surgimento há aproximadamente 100 anos, os vírus HTLV têm idade estimada em torno de 30.000 anos. As tabelas 1 e 2 sumarizam as principais semelhanças e diferenças entre esses retrovírus humanos1. A infecção pelo HIV-1 tem distribuição mundial, e sua prevalência se sobrepõe em algumas áreas geográficas à infecção pelo HTLV-1/2. Essa ocorrência simultânea em algumas regiões, somada ao fato de que esses vírus compartilham as mesmas vias de infecção (sexual, parenteral, vertical) torna a coinfecção um achado frequente, sobretudo em regiões da África, do Caribe e da América do Sul. Enquanto no hemisfério norte a coinfecção é associada ao HTLV-2 (devido principalmente à transmissão por via parenteral, através do compartilhamento de seringas entre usuários de drogas injetáveis), nas demais áreas citadas ela é predominantemente associada ao HTLV-1. A prevalência da coinfecção é bastante variável, sendo quase inexistente em locais como Londres (0,6%), mas atingindo níveis de 11% em Accra (Gana) e até 23% em pacientes internados em Salvador (Brasil). A Bahia é o estado brasileiro com a maior taxa de prevalência para o HTLV-1 na população geral (1,8%), com predomínio para indivíduos do sexo feminino (2%) em comparação ao masculino (1,2%)2. Em 1997 detectamos a coinfecção pelo HTLV-1/2 em 16% de 895 pacientes com AIDS em Salvador, cidade que registra a maior população de afrodescendentes do país. A prevalência da coinfecção era maior entre indivíduos do sexo feminino (19,6%) em relação ao sexo masculino (11%)3. Dados mais recentes sugerem que, na população geral de infectados pelo HIV, em Salvador, a prevalência de coinfecção chega a 12%. Essas taxas fazem da coinfecção HIV/HTLV-1/2 um problema de grande relevância no nosso estado. Contrariando o que é observado no hemisfério norte, em regiões da América Latina existe uma clara associação entre coinfecção e uso de drogas injetáveis, sugerindo ser essa 227 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 1. Características das infecções por retrovírus humanos HTLV-1/2 HIV-1 – Replicação clonal – Replicação ativa – Estimula proliferação de linfócitos – Intenso efeito citopático – Ausência de efeito citopático – Depleção linfocitária – Tropismo por linfócitos T – Tropismo por linfócitos T – Doença clínica em minoria dos infectados – Doença clínica na quase totalidade dos infectados Tabela 2. HIV e HTLV: divergências biológicas HIV-1 HTLV-1 – Origem: ~100 anos – ~27.000 anos – Infecciosidade: elevada – Baixa – Taxa de mutação: alta – Baixa – Recombinação: sim – Não – Replicação: elevada – Baixa – Evolução: 90% doença em 10-15 anos – < 5% doença em 30-40 anos – Apoptose: elevada – Baixa – IL-2: baixa – IL-2: alta a principal via de infecção simultânea por ambos os agentes. Outros dados mostram que a utilização prévia de sangue é fator significativo. Recentemente, foram identificados os HTLV-3 e HTLV-4, mas até o presente os poucos relatos sobre esses novos retrovírus humanos são restritos a populações de algumas regiões da África Central, não havendo registro de coinfecção com o HIV. Quais as consequências da coinfecção HIV/HTLV? O real impacto da coinfecção por esses agentes ainda é motivo de controvérsia, mas alguns pontos parecem mais bem definidos. Sabemos que o HTLV-2 aparentemente não propicia qualquer impacto significativo sobre a evolução da infecção pelo HIV-1, mas esse pode aumentar as chances de ocorrência de doença neurológica causada pelo HTLV. A tabela 3 sumariza os estudos existentes sobre a coinfecção pelo HIV-1 e pelo HTLV-2, mostrando claramente que o impacto observado sobre o HIV é nulo, ou mesmo protetor1. No que diz respeito à coinfecção HIV/HTLV-1, por outro lado, o quadro é bem mais complexo, com estudos demonstrando impacto significativo do HTLV-1 sobre o curso da infecção pelo HIV, enquanto outros negam essa associação. Os efeitos da coinfecção sobre 228 Coinfecção HIV/HTLV e suas consequências Tabela 3. Sumário dos principais trabalhos sobre a coinfecção HIV/HTLV-2 Autor Ano Tipo estudo N Efeito sobre a AIDS Turcci M 2006 Longitudinal 96 Proteção Bassani S 2007 Lab.Imunol – Proteção Beilke M 2004 Longitudinal 141 Proteção Bonovolenta R 2002 Lab -STAT1 – ↓STAT1 Willy RJ 1999 Relato caso 1 Proteção Guenthner PC 2001 Lab tropismo 17 Nenhum Montefiori DC 1997 Lab – Nenhum Visconti A 1993 Longitudinal 22 Nenhum Beilke M 1994 Clin/Lab 8 Nenhum Hershou RC 1996 Longitudinal 61 Nenhum Giacomo M 1995 Transversal 9 Nenhum Bessinger R 1997 Transversal Goedert JJ 2001 Caso-controle 25 Nenhum 120 Nenhum a infecção pelo HTLV-1 parecem mais consistentes ao sugerirem que os pacientes coinfectados têm maiores probabilidades de desenvolvimento de doença neurológica, acelerando a evolução para paraparesia espástica, causada pelo HTLV-14,5. Um ponto de concordância entre todos os estudos é de que a coinfecção (pelo HTLV-1 ou HTLV-2) promove uma elevação significativa do número de linfócitos T CD4+, embora esse incremento não pareça trazer qualquer benefício imunológico para o paciente, servindo mais para confundir o clínico sobre o exato estado imunológico do paciente coinfectado. Tal fato pode ocasionar retardo na introdução da terapia antirretroviral (TARV), elevando o risco de morbimortalidade, fato antecipado por Schechter no relato inicial sobre esse fenômeno6. O que dizem os estudos sobre o impacto da coinfecção HIV/HTLV-1 na história natural da AIDS? Impacto da coinfecção sobre a história natural de cada doença Uma carta ao editor, publicada no início da década de 1990, relacionava a coinfecção em homossexuais masculinos em Trinidad e Tobago com maior risco de AIDS7. O trabalho era um corte transversal, e poucas inferências sobre causa e efeito podiam ser retiradas de suas conclusões. Um trabalho publicado por Schechter em 1994 mostrava que pacientes coinfectados tinham uma maior contagem média de células CD4+ do que os monoinfectados, sendo aventada a possibilidade de que esse fato poderia dificultar a escolha do momento ideal para o início da TARV e/ou da profilaxia para infecções oportunistas6. 229 Sobrevivência cumulativa Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 1,0 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0,0 Caso HIV apenas HIV + HTLV 0 1.000 2.000 3.000 Tempo de sobrevida 4.000 Figura 1. Análise de sobrevivência de pacientes com infecçao HIV e HIV/HTLV. Em 1997, avaliamos aproximadamente 900 pacientes infectados pelo HIV-1, em Salvador, Bahia, observando que 16% deles estavam coinfectados pelo HTLV. Nessa população, os maiores riscos encontrados para coinfecção eram uso de drogas injetáveis e transfusão de sangue, havendo mais risco para o sexo feminino. Além disso, foi observada uma maior probabilidade de AIDS entre as mulheres coinfectadas, quando comparadas às monoinfectadas pelo HIV-13. Outro estudo na mesma coorte, em 2004, revelou que coinfectados tinham maior risco para estrongiloidíase (odds ratio [OR] = 8,5) e uma probabilidade significativamente menor de receberem TARV, independentemente do quadro clínico, confirmando as previsões de Schechter8. Um ponto importante na coinfecção diz respeito ao possível impacto sobre a mortalidade desses pacientes: em 2001, um estudo caso-controle que conduzimos em Salvador mostrou que pacientes coinfectados apresentavam risco significativamente maior de morte (38 vs 19%, p = 0,004) do que os monoinfectados pelo HIV-19. A sobrevida para coinfectados era, em média, de 1.849 dias, comparada a 2.430 dias para monoinfectados (p = 0,001). A figura 1 mostra a curva de sobrevida para esses pacientes, de acordo com o status sorológico para o HTLV-1. Dados semelhantes foram encontrados por Sobesky, na Guiana Francesa, mas um outro estudo realizado por Beilke, em Nova Orleans, EUA, com maior volume de pacientes mostrou resultados divergentes, com nenhum impacto detectado sobre a evolução clínica dos pacientes10. Entretanto, algumas questões metodológicas, como a utilização de resumos epidemiológicos sem avaliação direta dos pacientes e a utilização da contagem de células CD4+ como parâmetro de avaliação foram potenciais viéses neste trabalho. Outro estudo publicado em 2002 mostrou que a coinfecção HIV/HTLV-1 estava fortemente associada à sarna Norueguesa e que 100% dos pacientes com esse quadro eram infectados pelo HTLV-111. O impacto da coinfecção sobre a replicação viral de ambos os agentes foi objeto de vários estudos, mas a maioria deles falhou em demonstrar qualquer impacto significativo sobre a carga viral plasmática (HIV-1) ou carga pró-viral (HTLV-1). Entretanto, em laboratório, um trabalho (Beilke, 1998) mostrou maior expressão de HTLV-1/2 em pacientes coinfectados. Na mesma linha, Moriuchi M, et al. (1998) demonstrou que a coinfecção poderia ter um efeito sobre a replicação desses vírus, na dependência da secreção de determinados fatores pelas células em cultura ou, como mostrado em outro trabalho, do tipo de células utilizadas (Szabó J, et al. 1999). 230 Coinfecção HIV/HTLV e suas consequências Por outro lado, o efeito da coinfecção sobre a ocorrência de doença neurológica parece mais visível: Casseb JS, mostrou em uma pequena coorte, em São Paulo, uma prevalência de paraparesia espástica tropical (PET) de até 30%. Harrison, no Rio de Janeiro, detectou uma frequência extremamente elevada de mielopatia entre coinfectados (73%) comparada à observada entre monoinfectados (16%)5. Em 2005, Beilke também publica artigo mostrando prevalência de quase 10% de PET, entre coinfectados, em Nova Orleans4. Todos esses valores são significativamente mais elevados do que aqueles observados para populações infectadas apenas pelo HTLV-1, nas quais a ocorrência de PET é usualmente inferior a 5% dos infectados por esse agente. Resposta imune em pacientes coinfectados Existem poucos dados na literatura sobre a resposta imune em pacientes coinfectados. Um estudo in vitro, publicado em 2003 por Nyland SB, revelou que a coinfecção em culturas de células era capaz de modular a resposta imune, na presença de morfina, de modo diferente daquele observado para culturas infectadas apenas pelo HIV-1. Enquanto nas culturas monoinfectadas a adição de morfina levava à redução da produção de interleucina 2 (IL-2) e de interferon g (IFN-g), nas culturas infectadas pelos dois agentes ocorria o oposto, e esse fato era associado a maior atividade transcricional da transcriptase reversa do HIV-1. Além disso, as células coinfectadas permaneciam viáveis, mesmo na presença de elevados níveis de IFN-g. Esses achados poderiam explicar porque a prevalência de coinfecção é mais elevada em usuários de drogas injetáveis. Em estudo recente, confirmamos parte desses achados, com culturas de células mononucleares de sangue periférico de pacientes coinfectados apresentando maiores níveis de produção espontânea de IL-2 e IFN-g. Esses níveis eram semelhantes aos observados em pacientes monoinfectados pelo HTLV-1, sugerindo que a modulação imune na coinfecção seria dirigida pelo HTLV-112. Entretanto, o significado clínico dessas alterações ainda está por ser esclarecido. Em avaliação não publicada, observamos ainda que pacientes coinfectados apresentavam resposta a testes cutâneos de hipersensibilidade retardada para sete antígenos (tétano, sarampo, caxumba, rubéola, estreptococos, proteus e PPD) semelhantes aos pacientes monoinfectados pelo HIV-1, após ajuste para a contagem de células CD4+. A frequência de alergia cutânea a esses antígenos foi comparável entre os grupos. A coinfecção HIV/HTLV-1 em populações específicas Coinfecção em adolescentes e crianças Apesar de a maioria dos estudos mostrarem um predomínio de mulheres entre os pacientes coinfectados, até recentemente inexistiam estudos sobre sobre coinfecção em crianças, nascidas de mães coinfectadas. Em um estudo realizado recentemente por nosso grupo, registramos um impacto significativo da coinfecção no tocante à sobrevida de crianças e de adolescentes na Bahia13. Avaliamos 74 crianças e adolescentes com idade variando de 2 a 16 anos, nascidas entre 1988 a 2003, acompanhadas no ambulatório de AIDS 231 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 do Hospital Universitário Professor Edgard Santos em Salvador, das quais 35 (47,3%) eram coinfectadas pelos vírus HIV-1/HTLV-1; 17 (48,6%), do sexo masculino e 18 (51,4%), do sexo feminino. As outras 39 (52,7%) crianças eram monoinfectadas pelo HIV-1 e formaram o grupo controle com 18 (46,2%) do sexo masculino e 21 (53,8%) do sexo feminino. Não houve diferença quanto à frequência de aleitamento materno, que foi bastante semelhante entre os grupos analisados (64,9 vs 75%; p = 0,76). Estudos de Bittencourt, et al. 2002, com pacientes monoinfectados para HTLV-1 na Bahia, sugere que o tempo de amamentação está diretamente correlacionado ao nível de infecção, e as crianças que adquirem o vírus por via vertical têm maiores chances de desenvolverem dermatite infecciosa (DIH), evoluindo, posteriormente, de forma mais rápida e progressiva em comparação à forma adulta para mielopatia associada ao HTLV/paraparesia espástica tropical (MAH/PET) (Primo J, et al. 2005). Em nosso estudo, a presença de sintomas clínicos esteve presentes em 88% dos coinfectados, com maior frequência em crianças do sexo feminino, 62% delas com dermatite no momento da introdução de antirretroviral do que nos pacientes monoinfectados (48 [47,7%] vs 31 [88,6%]; p < 0,001). A contagem média de células CD4 no momento inicial foi de 1.125 ± 666 cel/mm3 (mediana = 967 cel/mm3). Os pacientes coinfectados tinham contagem mais elevada (1.502 ± 618 cel/mm3) que os monoinfectados (810 ± 532 cel/mm3, p < 0,001, teste T). Ao analisarmos a contagem média dessas células ajustadas para ocorrência de óbito, observamos não haver diferença significativa para os pacientes que evoluíram para óbito (1.049 ± 605 cel/mm3, para coinfectados, contra 1.302 ± 761 cel/mm3, para monoinfectados, p = 0,4, teste T). Esse dado pode sugerir que o aumento de células CD4+ decorrente da coinfecção pode ter levado os pediatras a subestimarem o grau de imunodepressão dessas crianças, com retardo na introdução de antirretrovirais, aumentando assim o seu risco de morte, conforme detectamos anteriormente em estudo semelhante com adultos (Brites, et al. 2011). A mortalidade foi maior no grupo de coinfectados (7,7%) do que no de monoinfectados pelo HIV (4,3%, risco relativo [RR] = 2,1, intervalo de confiança [IC] 95%: 1,4-3,1; p = 0,01). A sobrevida média observada entre os monoinfectados foi de 11,5 anos (IC 95%: 9,9-13,1 anos), comparada a 9,7 anos para coinfectados (IC 95%: 19,3-21 anos) (p < 0,001) (Fig. 2). A tabela 4 resume as principais diferenças entre crianças mono e coinfectadas. Esses dados sugerem que as crianças coinfectadas apresentam características clínicas e laboratoriais semelhantes às encontradas em adultos infectados pelos dois vírus (maior mortalidade, menor sobrevida, maior número de células CD4+). Há uma clara necessidade de avaliação da resposta imune nessas populações, além de outros fatores que permitam um maior entendimento sobre a patogenia e as resultantes da coinfecção. Coinfecção HIV/HTLV em portadores do vírus da hepatite C O vírus da hepatite C (HCV) e os retrovírus humanos (HIV e HTLV) apresentam vias semelhantes de transmissão, como parenteral, sexual e vertical (mãe para filho). Existem diferenças em relação à infectividade de cada um desses vírus, sendo o HCV transmitido principalmente pela via parenteral, através do sangue contaminado, do que por exposição de mucosa. A principal via de transmissão do HTLV em áreas endêmicas como o Brasil é a vertical, através 232 Coinfecção HIV/HTLV e suas consequências Funções de sobrevida Grupo Co-infectados Controle (HIV) Co-infectados-censored Controle (HIV)-censored Curva de sobrevida 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 0 5 10 15 20 Tempo de vida 25 Figura 2. Curva de sobrevida de uma coorte de crianças e adolescentes com infecção pelo HIV e HTLV pareadas por ano do diagnóstico, idade e sexo com pacientes infectados apenas pelo HIV em Salvador, Bahia, Brasil, entre 1988 e 2008. do aleitamento materno, e a transmissão sexual em adultos. Populações de alto risco de contaminação sexual ou parenteral podem apresentar coinfecções por esses três vírus. A infecção pelo HCV frequentemente é detectada em portadores do HTLV-1 e 2 e vice-versa. A coinfecção HTLV-2 em pacientes com HCV usuários de drogas tem sido registrada principalmente em coortes do hemisfério norte. No Brasil, estudo realizado no Paraná revelou forte associação entre esses dois patógenos, provavelmente refletindo compartilhamento de vias de transmissão (OR + 22,6)14. Recentemente, tem sido sugerido que o HTLV-1 reduz a chance do clearence do HCV após terapia com IFN, talvez através da disfunção imune. Estudo realizado no Japão revelou que a proteína Tax codificada pelo HTLV-1 promove a multiplicação do HCV, podendo contribuir para pior prognóstico da doença causada pelo HCV em pacientes coinfectados HCV/HTLV-115-17. Atualmente, a coinfecção pelos HIV e HCV tem sido motivo de crescente análise. A hepatite crônica pelo HCV, hoje em dia, é uma das maiores causas de morbidade e mortalidade entre pacientes infectados pelo HIV. A prevalência dessa coinfecção varia entre 15 a 70%, podendo atingir 90% entre usuários de drogas endovenosas (UDEV). A coinfecção com HIV pode piorar o curso da infecção pelo HCV, levando a uma rápida progressão para fibrose hepática e ao desenvolvimento de cirrose e carcinoma hepatocelular. Adicionalmente, pacientes coinfectados HIV/HCV apresentam piores taxas de resposta virológica sustentada após tratamento do HCV, comparados com pacientes monoinfectados com HCV. Um estudo longitudinal demonstrou uma acelerada progressão da doença pelo HCV, além de hepatocarcinogênese entre coinfectados HCV/HTLV-1, e, assim como na coinfecção com HIV, a chance de resposta virológica sustentada após terapia com IFN e ribavirina foi pior nesse grupo de pacientes. Poucos estudos têm descrito as características clínicas das populações triplamente infectadas por HIV, HCV e HTLV-1. Existem estudos em andamento sobre a progressão dessa doença e como essas viroses podem contribuir para alterações na história natural dessa infecção. A infecção por esses três vírus, HIV, HCV e HTLV-1 e 2 foi documentada nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. A coinfecção HIV/HTLV-1 e 2 é mais frequente entre 233 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 Tabela 4. Comparação entre os principais parâmetros de crianças mono e coinfectadas em Salvador, Brasil Características HIV (n = 39) HIV/HTLV (n = 35) OR 95% IC p Masculino 18 (46,2%) 17 (46,6%) 1,1 (0,4-2,7) 1,0 Amamentação 24 (75,0%) 24 (68,6%) 0,7 (0,2-2,1) 0,75 Sintomas 17 (35,4%) 31 (64,6%) 9,6 (2,8-32,5) < 0,001 3 (7,7%) 12 (34,3%) 6,3 (1,6-24,6) 0,01 1429 ± 608 928 ± 768 Mortalidade CD4 0,003 UDEV e está associada à infecção pelo HCV, assim como a soropositividade para o HTLV-1 e 2 está associada à coinfecção HIV/HCV. Estudo recentemente publicado sobre as características clínicas de uma população triplamente infectada não demonstrou uma pior evolução do dano hepático, nem dos desfechos imunológicos e virológicos da infecção pelo HIV, comparados a uma população coinfectada pelos HIV/HCV. Conforme o estudo, 75% dos pacientes tri-infectados tinham história de uso de drogas injetáveis ou inalatórias, comparados com 45,8% entre os coinfectados (HIV/HCV). A infecção pelo HTLV-1 não demonstrou nenhum impacto negativo na população estudada. Na amostra avaliada, uma grande proporção de pacientes com imunossupressão avançada (T CD4+ < 200 cel/mm3) apresentava fibrose hepática moderada a severa de acordo com a classificação Metavir. Alguns estudos mostram que pacientes coinfectados HIV/HCV e triplamente infectados HIV/HCV/HTLV-1 e 2, podem apresentar níveis normais de aminotransferases, mesmo com fibrose hepática avançada. Em contraste, Hisada, et al. descreveu que pacientes infectados pelos HIV, HCV e HTLV-2 apresentam níveis de HCV RNA mais elevados quando comparados com coinfectados HIV/HCV. Em trabalho recentemente publicado, demonstramos que, nos pacientes triplamente infectados, a fibrose tinha correlação inversa à contagem de células CD4+ e que havia uma maior elevação na média dos valores das aminotransferases entre duplamente infectados (HIV/HCV) do que entre os triplamente infectados18. A tabela 5 resume os achados desse trabalho. Um dado intrigante derivado de outro estudo sugere que pacientes triplamente infectados apresentam maior probabilidade de clearance espontâneo da infecção pelo HCV (23,8%) do que aqueles infectados apenas pelos HIV e HCV (7,8%, p = 0,001). Esse fato, caso confirmado por outros estudos, pode ser decorrente da maior produção de IFN-g por pacientes coinfectados, uma vez que se sabe que esta citocina tem papel fundamental no controle da infecção pelo HCV, e sua elevada produção pelos pacientes triplamente infectados propiciaria maior chance de controle desse processo. Entretanto, os dados disponíveis ainda são limitados, de modo que necessitamos maiores e melhores estudos para entender os fenômenos fisiopatológicos associados à tripla infecção. 234 Coinfecção HIV/HTLV e suas consequências Tabela 5. Características clínicas, laboratoriais e histopatológicas de pacientes triplamente infectados (HIV/HCV-HTLV) em Salvador, Brasil Grupo 1 HIV/HCV (n = 102) N.o % Grupo 2 HIV/HCV/HTLV (n = 39) N.o p % Status pré-terapia antirretroiviral Mediana da carga viral do HIV (IIQ) 4,6 (3,9-5,2) 5,0 (4,1-5,6) 0,15* Mediana de células CD4+ (IIQ) 324 (162-504) 339 (142-665) 0,38* 200 cel/mm3 ou menos 27 29,0 14 38,9 201-349 cel/mm3 27 29,0 4 11,1 305 cel/mm3 ou maior 39 41,9 18 50,0 0,10 Após terapia antirretroviral Mediana da carga viral do HIV (IIQ) 1,7 (1,7-1,7) 1,7 (1,7-2,4) 0,26* Mediana de células CD4+ (IIQ) 540 (338-737) 512 (329-779) 0,73* Carga viral do HCV (IU/ml) Menos que 850,000 17 32,1 4 23,5 850,000 ou maior 36 67,9 13 76,5 64 79 20 80 0,50† Genótipo do HCV 1 2 3 3,7 0 0 3 14 17,3 4 16 4 0 0 1 4 0,43‡ Mediana de ALT (IIQ) 71 (39-107) 48 (33-90) 0,05* Mediana de AST (IIQ) 60 (35-92) 50 (37-82) 0,81* Fibrose (escore histológico metavir): Fibrose 0-1 19 31,7 5 38,5 Fibrose 2-4 41 68,3 8 61,5 0,64‡ Resposta virológica sustentada 13 31,7 4 44,4 0,47‡ *Teste Kruskal-Wallis. †Teste exato de Fisher. ‡χ2 (Pearson). Conclusão A coinfecção pelos HTLV-1 e 2 em pacientes infectados pelo HIV-1 é um achado frequente, devido às vias de transmissão comuns a esses agentes e à sua prevalência nas 235 Infecção pelo HIV e terapia antirretroviral em 2012 mesmas áreas geográficas. Enquanto a coinfecção pelo HTLV-2 parece não resultar em qualquer consequência adversa para a evolução da infecção da doença pelo HIV, as evidências disponíveis sugerem que existe uma interação clinicamente significativa quando a coinfecção é devida ao HTLV-1. Embora os dados sejam discrepantes, algumas alterações são repetitivas em vários estudos, como maior mortalidade, menor sobrevida e possível retardo no início da TARV, devido à elevada contagem de células CD4+. A resposta a essas questões requer estudos longitudinais, com maior número de pacientes, além de avaliações mais detalhadas da resposta imune para os pacientes coinfectados. Por outro lado, na coinfecção pelo HCV, embora os dados existentes ainda sejam limitados, parece haver uma interação que favorece o clearance espontâneo do HCV, mas novamente nos deparamos com poucos estudos enfocando essa área. Bibliografia 1. Brites C, Sampalo J, Oliveira A. HIV/human T-cell lymphotropic virus coinfection revisited: impact on AIDS progression. AIDS Rev. 2009;11(1):8-16. 2. Dourado I, Alcantara LC, Barreto ML, da Gloria Teixeira M, Galvão-Castro B. HTLV-I in the general population of Salvador, Brazil: a city with African ethnic and sociodemographic characteristics. J Acquir Immune Defic Syndr. 2003;34(5):527-31. 3. Brites C, Harrington W Jr, Pedroso C, Martins Netto E, Badaro R. Epidemiological Characteristics of HTLV-I and II Co-Infection in Brazilian Subjects Infected by HIV-1. Braz J Infect Dis. 1997;1(1):42-7. 4.Beilke MA, Japa S, Moeller-Hadi C, Martin-Schild S. 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