Revista Ciencia & Inovação - FAM - V.3, N.1 - SET - 2016 Impactos da convêrgia às normas internacionais de contabilidade no Brasil: um breve estudo Patrícia Andréa Victório Camargo de Matos Mestra em Controladoria e Contabilidade pela FEA-USP Contadora Resumo Abstract Em meio à convergência das normas internacionais de contabilidade que permeia o ambiente dos negócios nacional, muito se discute sobre questões de elaboração e disclosure das demonstrações contábeis. No Brasil, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC – vem tentando compatibilizar seus Pronunciamentos com IASB e FASB, numa busca de que os reflexos contábeis sejam os mesmos. Esse exercício tem demandado profundas reflexões acerca de todo o arcabouço teórico que fundamenta a Contabilidade. Alguns assuntos que aparentemente estavam consolidados, como os Princípios Contábeis, vêm recebendo correções e ratificações, tudo buscando o ideal de compatibilização de sustentáculos e procedimentos. Nesse contexto, o presente artigo busca levantar alguns dos principais pontos que têm impactado na forma e entendimento da Contabilidade Brasileira, em seus aspectos fundamentais. Salientese que os tópicos aqui abordados não se esgotam e representam pequena parcela de contribuição para o entendimento dessa nova realidade contábil. Amidst the convergence of international accounting standards that permeates the national business environment, much is discussed on issues of preparation and disclosure of financial statements. In Brazil, the Accounting Pronouncements CommitteeCPC -have been trying to reconcile its with the IASB and FASB Pronouncements, on a quest that the accounting reflexes are the same. This exercise has required deep reflections about the whole theoretical structure that underlies the accounting. Some issues that apparently were consolidated, as accounting principles have been receiving corrections and ratifications, all searching for the optimal matching of supporters and procedures. In this context, this article seeks to raise some key points that have impacted on the way and understanding of Brazilian Accounting nits fundamental aspects. It should be noted that the topics discussed here are not exhausted and represent small share of contribution to the understanding of this new reality accounting. Keywords: Accounting, Standards, Convergence, Framework. Palavras-chave: Contabilidade, Normas Internacionais, Convergência, Estrutura Conceitual. 1.Introdução Na atual conjuntura econômica, possuir informação precisa é fator determinante na obtenção de vantagem competitiva. Mais que informações precisas, os usuários têm a preocupação em obter informações fidedignas. Escândalos - como os vistos na Enron – têm impactado na forma como a contabilidade é tratada, revestindo-lhe da sua real importância. “O grau de desenvolvimento das teorias contábeis e de suas práticas está diretamente associado, na maioria das vezes, ao grau de desenvolvimento comercial, social e institucional das sociedades, cidades ou nações.” (IUDÍCIBUS, 2009, p.16). A contabilidade, como ciência social aplicada, recebe influências da sociedade e do meio em que interage, o que proporciona mudanças de procedimentos e conceitos, em busca de um aprimoramento que atenda às necessidades observadas. Dilatando o rol elencado, tem-se a crescente concorrência internacional e conseqüentemente uma economia interligada mundialmente. Esses são alguns dos fatores que têm permitido, senão obrigado, à Contabilidade passar um processo de análise e reinvenção permanente. No Brasil, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC – vem tentando compatibilizar seus Pronunciamentos com IASB e FASB, numa busca de que os reflexos contábeis sejam os mesmos. É a chamada convergência às normas internacionais de contabilidade, que permeia o ambiente nacional dos negócios. 12 Revista Ciencia & Inovação - FAM - V.3, N.1 - SET - 2016 2.1. A convergência contábil é processo iniciado, representa um caminho sem volta, e o presente artigo objetiva analisar os fatos e fatores oriundos desse processo. A pesquisa justifica-se pela relevância dos impactos causados com a adoção das normas internacionais. A metodologia utilizada está embasada em bibliografia para fundamentar os argumentos utilizados. O modelo de mercado econômico do país interfere diretamente na maneira como a Contabilidade é utilizada pela entidade. Em um mercado “comandado” apenas pelo governo, o foco contábil certamente não seria o de proporcionar informações úteis para os investidores tomarem suas decisões, já que toda e qualquer ação seria privativa do Estado. Já em um mercado predominantemente privado, como o brasileiro, onde as empresas possuem acionistas e são dirigidas com o propósito de gerar lucro e fluxo de caixa, a Contabilidade atua como base para o fornecimento de informações úteis para os investidores – no caso de usuários externos – e também como ferramenta indispensável de gerenciamento, já que fornece dados úteis para a previsão e monitoramento da situação econômica da empresa. O artigo é dividido em 6 (seis)sessões. A presente introdução constitui a sessão de número um; já a segunda sessão trata do objetivo da Contabilidade e seu mercado de atuação. Na sessão de número três encontram-se as conceituações de uniformização, padronização e convergência, e os argumentos favoráveis e contrários à convergência. A sessão número quatro relata a história do processo de convergência no Brasil, e na quinta sessão encontrase uma breve descrição das mudanças provindas com a convergência. Na sexta e última sessão encontra-se a conclusão do trabalho. 2. O mercado de atuação da Contabilidade É fato que a economia mundial tem se globalizado, novas economias, como as da China e do Brasil, têm ganhado destaque e outras, como a da Grécia, tem passado por crises econômicas e perdido espaço. Nesse contexto, é natural que novos investidores, de vários países, busquem novos mercados para aplicar seu dinheiro. Objetivo da Contabilidade Há indícios que datam desde os primórdios sobre a utilização da contabilidade, seja nos hieróglifos de registros contábeis, ou até mesmo na Bíblia, o fato é que a Contabilidade constitui uma ciência de grande importância na gestão dos negócios e também na esfera social. Paton ensina que “a função da contabilidade e das explicações de princípios e procedimentos contábeis deve ser exposta em termos de necessidades e das finalidades dos proprietários...” (1922, p.16). Seguindo o mesmo raciocínio, Iudícibus afirma que o principal objetivo da contabilidade é “fornecer informação econômica relevante para que cada usuário possa tomar suas decisões e realizar seus julgamentos com segurança.” (2000, p.28). Tal definição é corroborada no Pronunciamento Conceitual Básico (R1), que afirma que as demonstrações contábeis “objetivam fornecer informações que sejam úteis na tomada de decisões econômicas e avaliações por parte dos usuários em geral...”. Acompanhando a evolução da economia, a Contabilidade tem buscado, na adoção de regras internacionais, utilizar um modelo de evidenciação que possa ser lido por qualquer investidor de qualquer lugar do mundo, diminuindo assim o custo da informação e proporcionando maior competitividade entre as empresas, já que as barreiras criadas com a falta de comparabilidade tendem a ser superadas ao se adotar as normas internacionais. 2.2. A Informação Contábil O Pronunciamento Conceitual Básico (R1), emitido pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), cujo conteúdo foi elaborado conjuntamente pelo IASB e pelo FASB (US Financial Accounting Standards Board), diz que o objetivo das demonstrações contábeis é “fornecer informações contábil-financeiras acerca da entidade que reporta essa informação (reporting entity)...”. Pode-se acrescentar aqui que a informação contábil também busca ser útil de alguma forma para seus usuários, o que é atingido se ela for relevante e representada com fidedignidade o que se propõe a representar. Mas a contabilidade “... não é um instrumento engendrado unicamente no seio das organizações, de maneira isolada.” (FILHO e MACHADO, 2005, p.46). A contabilidade interfere e também sofre interferência do meio em que existe, seja nas estruturas sociais, seja nas relações entre as pessoas, seja no modo de gerenciar um negócio. Nesse aspecto, às demonstrações contábeis cabe o papel de apresentar aos usuários as informações pertinentes à entidade que lhes sejam de alguma forma, úteis e cujo custo não supere o benefício que ela proporcionará. Importante mencionar que não é qualquer informação que deve ser levada ao conhecimento do público; informações que não agreguem valor ou cuja representatividade seja insignificante não são objetos de divulgações. O pronunciamento conceitual básico visa justamente auxiliar o construtor da informação, no sentido de validador e mensurador da informação, a compreender e classificar quais tipos de informações são adequadas, bem como a melhor forma de sua apresentação. 13 Revista Ciencia & Inovação - FAM - V.3, N.1 - SET - 2016 Sabe-se que a sintetização dos fatos em informações adequadas constitui tarefa complexa, onde fatores como intelecto, experiência, e utilização de ferramentas gerenciais adequadas são de grande valia. É fato também que, para efeitos de comparabilidade e até mesmo segurança do usuário, alguns critérios devem ser observados. Visando assegurar a informação dada, o CPC e demais órgãos reguladores, tem trabalhado em conjunto para harmonizar a base conceitual, de maneira que toda a sociedade seja servida com informações obtidas sob os mesmos princípios. negócios e se não houver harmonização de padrões contábeis essa comunicação não será possível, ou será muito difícil, já que não permite a comparabilidade das informações. Os críticos à convergência defendem que a liberdade de julgamento, provinda da utilização da estrutura conceitual que embasa toda a norma internacional, pode ser nociva, uma vez que “além de sujeitas a controvérsias as aludidas normas, como se encontram, são portas abertas ao subjetivismo, este que enseja a fraude, diversas lesões à doutrina científica da Contabilidade e até à lei civil.” (SÁ, 2009). 3. Harmonização, Padronização e Convergência É fato, porém, que nesse mundo globalizado, onde a economia gira num ritmo alucinante, custa caro fazer vários balanços de um mesmo exercício social para atender a diversos critérios impostos. Mais que isso, balanços diferentes podem mostrar desempenhos diferentes, patrimônios diferentes, e, uma decisão baseada nesses números pode ser desastrosa. (MARTINS, et al, 2007). Para Heráclito (500 a.C),“a única coisa permanente é a mudança.” Essa afirmativa continua presente e com força na Contabilidade, que tem buscado incessantemente atender às necessidades dos usuários. Recentemente o caminho trilhado tem sido a busca pela convergência das normas internacionais contábeis. Nessa caminhada os esforços se alternaram: hora em busca de padronização, hora em busca de harmonização e, finalmente, em busca da convergência. De modo simplista pode-se tomar a harmonização como um processo que busca a diminuição das diferenças nas normas contábeis, enquanto que a padronização objetiva a unificação dos padrões. 4. Breve histórico convergência no Brasil do processo de Os esforços para a convergência à norma internacional contábil no Brasil, sob a perspectiva histórica, podem ser vistos como o resultado da abertura da economia brasileira para o exterior, que proporcionou às empresas brasileiras um contato direto com economias mais avançadas, bem como o alcance dos investidores sediados em diversos países. Assim, a troca de informações e as diferentes práticas contábeis entre as várias economias representavam um significativo custo extra. Surgiu então a necessidade da harmonização das normas contábeis. Instalou-se então, através da Resolução CFC nº 1.055/05, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis, cujo objetivo é Harmonização significa que diferentes padrões podem existir em diferentes países, desde que estejam em harmonia com a norma internacional. Enquanto processo, a harmonização é um movimento em direção contrária a total diversidade de prática. Sob a ótica de um estado, harmonia indica um “agrupamento” de companhias em torno de um ou poucos métodos disponíveis. (TAY, 1990, apud POHLMANN, 1995). “Padronização significa que deve existir um único padrão ou regra aplicável a todas as situações. Utopia.” (LISBOA, 1998, apud AMENÁBAR, 2001). Pohlmann (1995) afirma que a padronização, enquanto processo, é um movimento em direção à uniformidade (um estado). “o estudo, o preparo e a emissão de Pronunciamentos Técnicos sobre procedimentos de Contabilidade e a divulgação de informações dessa natureza, para permitir a emissão de normas pela entidade reguladora brasileira, visando à centralização e uniformização do seu processo de produção, levando sempre em conta a convergência da Contabilidade Brasileira aos padrões internacionais”. Em 2002, quando o IASB e o FASB assinaram o “Memorando de Entendimento”, surgiu o termo Convergência, designado com o objetivo de cingir o conjunto de normas contábeis nacionais com as normas do IASB. Embora o memorando tenha nascido objetivando a eliminação das diferenças entre os princípios do IASB e do FASB, bem como a melhoria na apresentação das demonstrações contábeis nos EUA, vários países adotaram o processo de conversão das demonstrações contábeis. O Pronunciamento Conceitual Básico do CPC, a partir de sua aprovação do pela CVM, em 14 de março de 2008, se transformou, ou ao menos deveria ter se transformado, segundo Iudícibus (2009, p.80) na Bíblia Conceitual do contador, já que os próprios pronunciamentos posteriores, do CPC e da CVM, não poderão ir contra a Estrutura Conceitual concebida no pronunciamento mencionado. 3.1. Por que convergir? Os autores que são favoráveis ao processo de convergência elencam algumas particularidades e favorecimentos com esse processo. Niyama (2005) afirma que a Contabilidade é a principal linguagem dos A Estrutura Conceitual trouxe ao Brasil uma nova tônica à percepção e elaboração das demonstrações contábeis: a essência sobre a forma ganhou corpo 14 Revista Ciencia & Inovação - FAM - V.3, N.1 - SET - 2016 5. e importância. Anteriormente, por exemplo, bastava a Lei determinar a alíquota da depreciação anual de determinado imobilizado, para que os contadores seguissem à risca tal percentual, sem preocuparse com a essência econômica subjacente ao fato. A própria Lei, ao impedir a postergação da utilização do valor depreciável, em hipótese da depreciação ser inferior ao percentual discriminado na legislação, inibia os contadores demonstrarem de fato o que ocorria nas empresas. 4.1. Impactos da convergência no Brasil Esta seção visa demonstrar as alterações conceituais pelas quais o país tem passado nesse processo de convergência. A busca pelos princípios contábeis cedeu espaço às características da informação contábil. A mudança de paradigmas consolidados, como a abolição da prudência e o fortalecimento da essência sobre a forma constituem outros exemplos de alterações provocadas pela convergência às normas internacionais. É sabido, porém, que esse processo, que ainda é relativamente recente no país, é contínuo, de modo que sua “evolução” caminhará conforme a evolução da própria sociedade, trazendo constantes adaptações e melhorias. Code Law e Common Law Diversos autores, ao tratarem do sistema legal dos países do mundo, dividiram o globo em dois grandes blocos: um chamado Code Law e outro Common Law. 5.1. Dos Princípios às Características da Informação Contábil 4.1.1. Code Law A dificuldade em se definir Princípios Contábeis é assunto que permeia a Contabilidade há tempos. A contabilidade tal qual como era concebida antes da adoção das normas internacionais, sofria grande influência do Fisco, de modo que tinha seu “... foco voltado principalmente para o lucro como base para a distribuição de dividendos e cálculo do Imposto de Renda.” (FUJI e SLOMSKI, p.38). Sob o poder da figura do Code Law encontra-se a normatização detalhada e extensiva sobre todos os direitos e todas as obrigações, bem como a exigência de seu cumprimento fiel à regra. Derivado do sistema de direito romano, o sistema Code Law prescreve a exigência do cumprimento de tudo que está escrito exatamente da forma como está escrito (MARTINS et al, 2007). Os julgamentos, não apenas os contábeis, consideram a relação entre os fatos e os fundamentos contidos nas leis. Neste sistema há a predominância da forma sobre a essência (IUDÍCIBUS, 2007). As mudanças econômicas ocorridas nas últimas décadas revelaram uma nova necessidade de mercado: os investidores buscam informações preditivas, tais como fluxos de caixa futuros. Nesse novo contexto surge a Estrutura Conceitual, que, dentre outros fatores, prioriza as características da informação contábil. Comparando-se o Pronunciamento Conceitual Básico com os antigos documentos da Ipecafi e do CFC sobre Princípios Contábeis observa-se que este possui as mesmas informações que aqueles, porém insere as definições dos principais elementos contábeis: ativo, passivo, despesa e receita, sendo que a grande diferença entre eles “reside na sua muito maior aderência ao conceito da Primazia da Essência Sobre a Forma...” (IUDÍCIBUS et al, 2010, p.31). Em países Code Law, o processo de normatização contábil se caracteriza por emanar do alto dos poderes executivo e/ou legislativo. As “leis determinam como se dá o processo de normatização, e leis dão as normas contábeis propriamente ditas ou determinam quais órgãos governamentais têm o poder para tanto. O Estado é quase que absoluto nesse processo.” (MARTINS et al, 2007). Martins e Lisboa argumentam que a cultura Code Law, bem como a forte influência fiscalista presentes no Brasil, são fatores impeditivos para a rápida adesão às normas internacionais (2005, p.65). Em dezembro de 2011 o CPC divulgou o Pronunciamento Conceitual Básico (R1), revisto, que tratava, dentre outros fatores, da retirada formal da condição de componente separado da representação fidedigna da característica essência sobre a forma. A explicação é dedutiva: se a representação pela forma legal for diferente da substância econômica, o resultado não será uma representação fidedigna. 4.1.2. Common Law Formado pelo bloco de países anglo-saxônicos, cuja filosofia remete ao direito consuetudinário, dos direitos dos costumes. Nesses países os julgamentos são fundamentados na jurisprudência, cultura e na tradição. A preocupação maior não é se ater a detalhes da lei, mas sim aplicar o conceito do que é justo (MARTINS et al,2007). Também a característica prudência (conservadorismo), nesta mesma revisão, foi retirada da condição de aspecto da representação fidedigna, já que tal definição é inconsistente com a neutralidade. Nos países com características Common Law, diferentemente dos países Code Law, o processo de normatização é “de baixo para cima”, ou seja, a lei exige que se façam demonstrações contábeis, deixando o modus operandi a cargo dos preparadores das demonstrações – os contadores. (MARTINS et al,2007). Na definição de Iudícibus et al (2010, p.32) a Estrutura Conceitual comporta um conjunto básico de princípios a serem seguidos na elaboração e aplicação das Normas e dos Pronunciamentos que balizarão a informação contábil produzida e divulgada. 15 Revista Ciencia & Inovação - FAM - V.3, N.1 - SET - 2016 5.2. Os Usuários da Informação Contábil É sabido que os usuários são diversos e heterogêneos, logo, suas necessidades de informação também são divergentes. Assim, a informação que pode ser considerada de grande utilidade para um, pode não o ser para outro. A elaboração de relatórios contábeis sob medida para cada tipo de usuário é algo inviável se observado sob a ótica do custo que seria gerado frente ao provável benefício. O Pronunciamento Conceitual Básico (R1), emitido pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), afirma que “as demonstrações contábeis são elaboradas e apresentadas para usuários externos em geral, tendo em vista suas finalidades distintas e necessidades diversas.”. O termo usuários externos em geral é, de fato, muito abrangente, no qual estão inseridos o Governo, os fornecedores, os concorrentes, e demais outros interessados. Aqui se encontra um dos desafios da contabilidade: atender a necessidade do usuário; mas, uma vez que o usuário pode ser qualquer pessoa, física ou jurídica, que tem algum interesse, seja investir ou financiar, as informações demandadas também podem ser diferentes. Hendriksen (1999) enaltece que a informação a ser divulgada será relevante se os custos de sua produção e divulgação forem menores que os benefícios obtidos com a informação. Existe, porém, grande dificuldade em se mensurar não só os custos de produção da informação, mas também os benefícios que ela pode produzir. Dado que os usuários são heterogêneos, seus objetivos e focos de utilização da informação também o serão. Assim, para minimizar o custo da informação, a entidade pode optar por divulgar alguns dados por meio de outras fontes, sejam periódicos financeiros, entrevistas a jornais, revistas e afins. Mais adiante, o pronunciamento afirma que o “...objetivo do relatório contábil-financeiro de propósito geral é fornecer informações contábilfinanceiras acerca da entidade que reporta essa informação (reportingentity) que sejam úteis a investidores existentes e em potencial, a credores por empréstimos e a outros credores, quando da tomada decisão ligada ao fornecimento de recursos para a entidade. Essas decisões envolvem comprar, vender ou manter participações em instrumentos patrimoniais e em instrumentos de dívida, e a oferecer ou disponibilizar empréstimos ou outras formas de crédito.” Buscando sanar, ou ao menos, minimizar esse rol gigantesco de informações que seriam adequadas para cada usuário, o CPC emitiu a Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório ContábilFinanceiro. Procuram-se então, nas características qualitativas da contabilidade, as premissas da informação para atender ao maior número de usuários. Esse pronunciamento visa fornecer as bases para a edificação de toda e qualquer informação, cujo objetivo é satisfazer as necessidades comuns da maioria dos usuários das informações contábeis, não priorizando finalidade ou propósito específico de determinados grupos de usuários. Ou seja, o âmago das informações é prover os credores e investidores para a tomada de decisão. O Pronunciamento ainda afirma que a finalidade da divulgação das informações não tem o propósito de atender finalidade específica de determinados grupos de usuários (R1). 5.3. Características da Informação Contábil As características qualitativas podem ser definidas como as propriedades da informação que são necessárias para torná-la útil (HENDRIKSEN, 1999, p.95) Nesse contexto, “a utilidade da informação contábil-financeira é melhorada se ela for comparável, verificável, tempestiva e compreensível.” (CPC 00 R1). É fato que o foco financeiro-econômico é base para os relatórios, porém, vagarosamente, alguns aspectos, como o social e ambiental, estão recebendo mais atenção, como se observa nos atuais relatórios das entidades que contemplam, além dos tradicionais Balanço Patrimonial, DRE, DVA, informações relacionadas à comunidade, à sustentabilidade, influência social, etc. O fator custo-benefício é uma limitação das informações contábeis. Os benefícios decorrentes da informação devem exceder o custo de produzi-la. É fato, porém, que os custos podem não recair, necessariamente, sobre os mesmos usuários que usufruem os benefícios, bem como os benefícios não se restrinjam a classes de usuários. Espera-se na elaboração e divulgação de relatório contábil-financeiro, informações que sejam relevantes, cuja representação seja fidedigna ao que se propõem representar, de modo a auxiliar os usuários a tomarem decisões com grau de confiança maior, o que por conseqüência resultará em um funcionamento mais eficiente dos mercados de capitais e em custo menor de capital para a economia como um todo. (CPC 00 R1). Mas afinal, quem são os usuários? Hendriksen e Van Breda mencionam que a definição do grupo principal de usuários é o primeiro problema (1999, p.94) encontrado quando se tenta segregar os tipos de usuários. Os objetivos de cada grupo de usuários também diferem uns dos outros, de modo que determinada informação pode ser considerada irrelevante para uns, mas de grande valia para outros. O governo, por exemplo, vê na contabilidade, sua base de verificação e evidenciação do valor dos tributos, obtidos através dos relatórios financeiros. O credor encontra nas demonstrações dados para verificar a capacidade de pagamento da empresa. Os acionistas buscam verificar quão rentável seus investimentos são, e assim por diante. 16 Revista Ciencia & Inovação - FAM - V.3, N.1 - SET - 2016 As qualidades da informação formam o alicerce que sustenta toda a Estrutura Conceitual proposta pelo CPC. O pronunciamento conceitual dividiu as características da informação em dois grupos: O CPC 00 R1, por sua vez, afirma que a informação relevante é aquela capaz de fazer a diferença nas decisões, independente de já serem conhecidas ou não. A informação é capaz de fazer a diferença se tiver valor preditivo, confirmatório ou ambos. O valor preditivo é aquele que possibilita o aumento da probabilidade de prever corretamente o resultado de eventos (SFAC 2); O valor confirmatório - denominado feedback por Hendriksen (1999, p.98) – é aquele que permite a confirmação ou correção de expectativas levantadas anteriormente. 1. Características qualitativas fundamentais (fundamental qualitative characteristics – relevância e representação fidedigna – anteriormente denominada confiabilidade), ditas as mais críticas; e 2. Características qualitativas de melhoria (enhancing qualitative characteristics – comparabilidade, verificabilidade, tempestividade e compreensibilidade), ditas menos críticas, mas ainda assim altamente desejáveis. 5.3.1.2. Representação Fidedigna (antes chamada Confiabilidade) Hendriksen menciona que a confiabilidade é a qualidade que garante que a informação representa fielmente o que visa representar, está razoavelmente livre de erro e viés (1999, p.99). Para o CPC, a representação, para ser fidedigna, contempla três atributos: ser completa, ou seja, inclui toda a informação necessária para a compreensão do fenômeno retratado; ser neutra, atributo relacionado a não manipulação da informação ou de seu modo de apresentação, ou seja, não apresenta viés na direção de um resultado predeterminado; e livre de erro no sentido de que o processo utilizado na produção da informação foi devidamente selecionado e aplicado livre de erros. Cabe esclarecer que as características qualitativas fundamentais formam a base para o desenvolvimento das informações contábil-financeira; são essas características que servirão como indicadores para determinar se a informação é útil ou não. Já as características qualitativas de melhoria são aquelas que buscam melhorar a utilidade da informação, seja no auxílio a determinar a melhor alternativa, dentre duas ou mais que sejam equivalentes, que retrate o fenômeno, seja na escolha dos métodos válidos que respeitem a fidedignidade e relevância do acontecimento. 5.3.1. AS CARACTERISTICAS FUNDAMENTAIS 5.3.2. CARACTERÍSTICAS QUALITATIVAS DE MELHORIA QUALITATIVAS 5.3.2.1.Comparabilidade Considerando-se que um dos atributos da informação contábil é proporcionar ao usuário a possibilidade de predizer tendências, a comparabilidade é a qualidade que fornece aos usuários a base para analisar períodos anteriores, bem como comparar empresas de segmentos semelhantes, propiciando um arcabouço que permita ao interessado na informação avaliar o desempenho da entidade, bem como suas mutações patrimoniais e financeiras. A comparabilidade não se resume a uniformidade, haja vista que a empresa pode alterar sua política contábil e rever suas práticas contábeis, caso existam alternativas mais confiáveis e relevantes. No caso de alteração de política, por exemplo, a entidade deve divulgar os efeitos de tais mudanças e reapresentar as demonstrações contábeis em períodos corrente e anterior, a fim de que os usuários tenham informações suficientes para avaliar os resultados das mudanças. Segundo o CPC 00 R1, o “objetivo do relatório contábilfinanceiro de propósito geral é fornecer informações contábil-financeiras acerca da entidade que reporta essa informação (reporting entity) que sejam úteis a investidores existentes e potenciais, a credores por empréstimos e a outros credores, quando da tomada de decisão ligada ao fornecimento de recursos para a entidade.” Definido o objetivo, os esforços convergem para o modus operandi, ou seja, a maneira pela qual tal objetivo será alcançado. Observa-se então a necessidade de se fornecer os atributos essenciais às informações que resultem em demonstrações úteis a seus usuários, as chamadas características qualitativas. 5.3.1.1.Relevância A relevância constitui a importância da informação em dado momento. Para Hendriksen a relevância está ligada ao conhecimento inédito de determinado dado, de modo que, se o dado já for conhecido, não constitui informação e, portanto, não podem ser relevantes (1999, p.99). Da mesma forma, se a informação não transmitir ao usuário uma mensagem com valor superior a seu custo, ou ainda, se alguma fonte alternativa fornecer a informação, a informação não é considerada relevante. 5.3.2.2.Verificabilidade Essa característica tem como finalidade assegurar aos usuários que a informação representa fidedignamente o fenômeno econômico que se propõe representar (CPC 00 - R01). Na definição do FASB a verificabilidade é “a capacidade de assegurar, através de um consenso entre mensuradores, que a informação representa o que se destina a representar, ou que o método de mensuração foi utilizado sem viés2.” 17 Revista Ciencia & Inovação - FAM - V.3, N.1 - SET - 2016 A verificação pode ser feita de maneira direta, isto é,por meio de observação direta ou de maneira indireta, ou seja, através de recálculo dos resultados obtidos por meio da aplicação da mesma metodologia (CPC 00R1). cabe à classe contábil adequar-se à nova realidade, o que, por si só já constitui um esforço gigantesco. O caminho trilhado pela ciência aplicada contábil agora busca encontrar as qualidades das informações que seriam adequadas para embasar toda a contabilidade, derivando daí a estrutura conceitual que ampara a elaboração dos reportes financeiro-contábeis. 5.3.2.3.Tempestividade É fato que a Estrutura Conceitual aprovada pelo CPC fornece um arcabouço robusto de definições, formando um conjunto de informações que alicerça a Contabilidade. Porém, como a humanidade, a ciência Contábil vai se modificar/desenvolver ao longo do tempo, e, passo a passo, tal como tem sido com a convergência das normas internacionais, outros novos desafios surgirão, fazendo com que o bem comum seja uma contínua e incessante busca. É o ciclo da vida, é o ciclo do conhecimento que se renova, se revigora, e enriquece a sociedade. A tempestividade diz respeito a ter a informação disponível a tempo de influenciar a tomada de decisão, ou seja, está relacionada ao momento adequado da disponibilização da informação. A tempestividade também é conhecida na literatura como oportunidade e corresponde a um elemento classificatório na constatação de uma informação como útil. A oportunidade é uma restrição à publicação das informações, pois, embora a oportunidade não garanta a relevância da informação, não há informação relevante se a mesma não for divulgada em momento oportuno. (HENDRIKSEN, 1999, p. 97 e 99). Referência Bibliográfica 5.3.2.4.Compreensibilidade AMENÁBAR, Ana Maria Hinojosa. Harmonização contábil em cinco países da América do Sul. 2001. 221 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Contabilidade, Departamento de Contabilidade e Atuária, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. Disponível em: <www. teses.usp.br >. Acesso em: 08 jun. 2012. Um dos objetivos das informações contábeis apresentadas nas demonstrações contábeis é ser entendida pelo usuário que a lê. Assim, “presume-se que o usuário tenha um conhecimento razoável dos negócios, das atividades econômicas e disposição para estudar as informações com razoável diligência” (CPC 01). Isso quer dizer que, em hipótese de a entidade se deparar com informações de grande complexidade cuja relevância para a tomada de decisão seja alta, ela deve divulgar a informação, independentemente da dificuldade que o usuário possa ter para entendê-la. CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Dispõe sobre a nova redação à NBC TG ESTRUTURA CONCEITUAL – Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório ContábilFinanceiro. Resolução nº. 1374 de 08 de dezembro de 2011. Disponível em <www.cfc.org.br/sisweb/sre/docs/ RES_1374.doc > Acesso em: 05 abr. 2012. 6.Conclusão A abertura do mercado brasileiro trouxe à tona a necessidade de se produzir informações contábeis de qualidade para um vasto número de usuários. Uma das formas encontradas para solucionar esta problemática equação é denominada convergência às normas internacionais de contabilidade. A partir de então, a contabilidade tem centrado seus empenhos na busca por uma composição conceitual que sustente as informações produzidas. Tal estrutura tem seus fundamentos enraizados na cultura Common Law, cujo foco está em estabelecer diretrizes gerais das normas, não seu minucioso detalhamento. Nesse sentido, o Brasil, originariamente Code Law, tem emanado seus ânimos na busca para quebrar esse paradigma extremamente legalista em prol das normas principiológicas, flâmula imperativa do IASB. CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Atualiza e consolida dispositivos da Resolução CFC nº 750/93, que dispõe sobre os princípios fundamentais da contabilidade. Resolução n.º 1.282, de 28 de maio de 2010. Disponível em: <http:// www.crcsp.org.br/portal_novo/legislacao_contabil/ resolucoes/Res1282.htm>. Acesso em 07mar. 2012. CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Dispõe sobre os Princípios de Contabilidade (PC). Resolução nº. 750 de 29 de dezembro de 1993. Disponível em <www.cfc.org.br/sisweb/sre/docs/ RES_750.doc> Acesso em: 07 mar. 2012. FASB, Financial Accounting Standards Board, Statements of Financial Accounting Concepts nº 2: Qualitative Characteristics of Accounting Information. Disponível em <http://www.fasb.org>. Acesso em: 22 mar. 2012. A adoção das normas internacionais tem sido alvo de inúmeras discussões no Brasil. Há os que apoiam fervorosamentee os que igualmente fervorosos, se opõem, cada qual com seus argumentos. É sabido, porém, que o processo de convergência é etapa iniciada e dificilmente será destituído, de modo que 18 Revista Ciencia & Inovação - FAM - V.3, N.1 - SET - 2016 FUJI, Alessandra Hirano e SLOMSKI, Valmor. Subjetivismo responsável: necessidade ou ousadia no estudo da contabilidade. Revista Contabilidade & Finanças. São Paulo, v.14, n.33, p. 33-44, 19 nov. 2003. Quadrimestral. 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