EIXO TEMÁTICO 2: ESTRATÉGIAS, MATERIAIS E RECURSOS DIDÁTICOS NA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA MODALIDADE: COMUNICAÇÃO ORAL – CO.97 RELATO DE EXPERIÊNCIA EM EXCURSÃO MULTIDISCIPLINAR DE BIOLOGIA COM ALUNOS DO ENSINO MÉDIO DE ESCOLA PARTICULAR DE BELO HORIZONTE – MINAS GERAIS: FLORA, FAUNA E ECOLOGIA DE ECOSSISTEMAS LITORÂNEOS E EMBRIOLOGIA DE EQUINODERMOS EM ANGRA DOS REIS – RIO DE JANEIRO, BRASIL Annalice Chandoha Ferraz de Mello, (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG), [email protected] RESUMO: O trabalho realizado é consequência de uma experiência de monitoria em uma excursão-viagem de alunos da rede privada do Ensino Médio de Belo Horizonte - MG para Angra dos Reis – RJ que aborda vários temas dentro de Biologia. Tendo como ponto de partida o ambiente litorâneo, foram trabalhados temas como fauna, flora e ecologia dos ecossistemas. Introdução à comparação de características entre grupos por meio de embriologia comparada é abordada e associada ao trabalho de inseminação artificial de ouriços do mar (Echinodermata). O trabalho é sustentado pela necessidade de diversificação de recursos didáticos a fim de proporcionar aos alunos situações de melhor interação entre conceitos e práticas, garantindo melhor assimilação do conteúdo e valorização de experiências pessoais. Palavras-chave: saída de campo; ecossistemas litorâneos; multidisciplinaridade. INTRODUÇÃO E BASE TEÓRICA: A busca pela diversificação de atividades e recursos didáticos, em alternativa às aulas teóricas expositivas, vem se tornando parte do cotidiano de vários professores e escolas e que, segundo Sanmartí (2002) e Bueno (2003) têm como objetivo garantir mais oportunidades para construção do conhecimento por parte dos alunos, auxiliando-os a compreender melhor o tema estudado. Dentre os recursos didáticos, afirma Krasilchik (2004) que a excursão (ou saída de campo), deve ter objetivos específicos que exijam a busca de informações em ambientes naturais, extrapolando o conteúdo das aulas teóricas e das atividades laboratoriais, propiciando uma experiência educacional única. Além disso, a curiosidade natural do adolescente permite que seu contato com ambientes estimulantes fora do meio escolar incite sua capacidade de observação, formulação de questionamentos e desenvolvimento de ideias, articulando-os com temas abordados em sala de aula. Ainda sobre a consonância entre os objetivos curriculares e a experimentação de um ambiente alheio aos espaços restritos à escola, Lowman (2004) ressalta: “As tarefas de observação e as experiências práticas podem enriquecer a interação dos estudantes com o conteúdo do curso regular e ajudá-los a ver a relevância do curso para as questões da vida real e das experiências humanas. [...] As atividades de observação e de experiência prática terão mais valor educacional se forem planejadas para serem integradas com os objetivos globais do curso e ativamente relacionadas ao que está ocorrendo em classe. [...] Quando estas atividades representam apenas uma pequena parte de um curso, elas podem, como temperos na comida, enriquecer grandemente o todo, se forem perfeitamente combinados” (p. 233-234). A saída de campo relatada neste trabalho, da qual participei como monitora, faz parte de um projeto denominado “Curso de Biologia Marinha”, que existe em uma escola particular de Belo Horizonte, Minas Gerais e é desenvolvida com alunos do primeiro ano do Ensino Médio. A saída de campo dura quatro dias, sendo que ao total um dia é gasto com a viagem e nos outros três são, de fato, desenvolvidas as atividades. A excursão tem caráter introdutório e multidisciplinar, adotando atividades teóricas e práticas, que buscam inserir o aluno em um ambiente de conhecimento sobre trabalhos de campo, ecossistemas da área de estudo (marinho, litorâneo, manguezal), flora e fauna da região, ação do homem sobre o meio ambiente, noções de embriologia comparada e, além disso, trabalha as facetas de atividades em grupo. Vale ressaltar que como os estudantes são de um estado que não possui litoral, a proposta da atividade aproxima-os de uma realidade não tão comum a seu cotidiano, introduzindo-os em um ambiente de estudo “novo” que pode trazer maior motivação de aprendizado e interesse na realização das atividades propostas. O universo de uma excursão-viagem estreita o contato entre os alunos e professores, o que é extremamente favorável para a construção de uma experiência em comum, permitindo uma situação mais propícia a discussões saudáveis e câmbio de opiniões entre os sujeitos envolvidos. Essa atmosfera de companheirismo pode auxiliar a continuação do trabalho desenvolvido em sala de aula, como resultado de uma convivência agradável fora do ambiente escolar. Tapia e Fita (1999) corroboram essa ideia afirmando que ao envolver aspectos afetivos e emocionais positivos, uma atividade de campo favorece a motivação intrínseca, despertando uma atração que impulsiona o estudante a aprofundar-se nos aspectos estudados e a vencer os obstáculos que se interpõem à aprendizagem. RESUMO DESCRITIVO DA SAÍDA DE CAMPO: 1º DIA A excursão contou com dois monitores e dois professores, responsáveis por um total de quarenta alunos. O local selecionado para hospedagem foi uma pousada, chamada Pousada Biscaia (Angra dos Reis, Rio de Janeiro) na qual ocorriam as aulas teóricas, experimentos práticos e a maioria das refeições do grupo. Os alunos previamente selecionaram seus companheiros de quarto, organizando-se em grupos não mistos de três ou quatro integrantes. Chegamos à pousada às 8h da manhã, após aproximadamente dez horas de viagem. Os alunos foram direcionados para seus quartos a fim de guardar as malas e logo depois tomar café da manhã. Após a acomodação e o lanche, o professor responsável reuniu o grupo e todos foram informados sobre o planejamento das atividades ao longo da excursão. Passeio de Escuna: esse passeio possibilitou a visualização do ambiente marinho e regiões litorâneas, além da vegetação predominante de Mata Atlântica. A escuna faz paradas em ilhas ao longo do passeio para observação de corais, nado com cardumes e outras atividades de reconhecimento e lazer do local. É feita também uma coleta de ouriços pelos próprios alunos com auxilio dos professores, para uso posterior em experimento. Ao longo de todo o percurso, os professores e monitores instigaram os alunos a compartilharem suas observações sobre os ecossistemas com os quais entraram em contato. Inseminação de ouriços do mar (Lytechinus variegatus): mais tarde, de volta a pousada, os alunos são reagrupados para a realização das atividades práticas de inseminação artificial de ouriços. O objetivo desse experimento, além de proporcionar aos alunos uma prática interessante e dinâmica, é estudar o desenvolvimento embrionário desse exemplar de Equinodermos paralelamente ao desenvolvimento embrionário humano, estabelecendo relações de semelhança entre os grupos (Echinodermata e Chordata). o Metodologia da inseminação artificial: - Coleta de ouriços - Manuseio dos ouriços pelos grupos - Injeção de KCl (0,5 M) para liberação de gametas - União de gametas masculinos e femininos (diferenciados pela cor) e manutenção destes em incubadora oxigenada - Observação das fases embrionárias - Devolução das larvas formadas para o ambiente natural Zoologia de Equinodermos: com a injeção de KCl para obtenção dos gametas, os ouriços morrem. Aproveitando seu sacrifício, sua morfologia interna é analisada pelos alunos, seguindo um roteiro impresso com desenhos esquemáticos deste e de outros representantes do grupo dos Equinodermos. Nesse trabalho, é possível identificar algumas estruturas e conhecer a função que desempenham neste organismo. 2º DIA Aula teórica sobre os ecossistemas marinhos, litorâneos e de mangues, abordando características físicas e de vegetação típicos de cada um deles. Desenvolvimento de atividades em grupo sobre os ambientes visitados no dia anterior. Resolução de atividades propostas e caracterização dos vários ambientes visitados sob a perspectiva do grupo. Visita a um manguezal: no caminho para o manguezal, a escuna passa próximo às usinas nucleares de Angra dos Reis. Esse momento é aproveitado para discussão, no próprio barco, sobre tipos de energia, preservação ambiental, possíveis impactos ambientais causados pelo uso de energia nuclear, etc. O mangue é um ecossistema muito peculiar e essa visita é importante para a compreensão por parte dos alunos sobre a complexidade e magnitude desse ambiente para o desenvolvimento de várias espécies, tanto marinhas quanto dulcícolas. Além disso, surge uma oportunidade de discussão sobre a importância de preservação das regiões de mangue, e a consequência do impacto ambiental em uma área como esta. Grande atenção também é prestada para o tipo de vegetação do manguezal, que se destaca por conter várias espécies com raízes aéreas. Observação das fases de desenvolvimento embrionário: com uma câmera acoplada ao microscópio e conectada a uma televisão, os alunos podem assistir in vivo as fases do desenvolvimento embrionário do ouriço, relacionando-as com as fases de desenvolvimento humano impressas no roteiro. 3º DIA Saída para mergulho livre na praia da pousada e observação da fauna local: essa atividade faz com que os alunos tomem conhecimento sobre morfologia e ecologia de alguns animais típicos do ecossistema marinho/litorâneo como ouriços, pepinos do mar, estrelas do mar (Equinodermos), corais e anêmonas (Cnidários), alguns crustáceos e peixes. Observação das larvas já formadas pela inseminação artificial: como o desenvolvimento embrionário é curto, ao fim do terceiro dia já é possível ver a formação das larvas de Lytechinus variegatus. Devolução das larvas formadas ao mar: nessa fase as larvas já podem ser devolvidas ao seu habitat natural, com o objetivo de se desenvolverem em ouriços do mar adultos. Atividades finais: realização de atividades sobre os aspectos abordados na excursão. Visam captar a capacidade de aprendizado e interação de novos conhecimentos adquiridos com conhecimentos já aprendidos anteriormente. DISCUSSÃO: Os estímulos que os alunos receberam nessa viagem, além de potencializar a capacidade de compreensão do ambiente ao redor, podem despertar uma vontade de se aprofundar em alguns conhecimentos sobre a área: alguns alunos, depois dessa viagem e de edições anteriores, demonstraram interesse em seguir a carreira na área de Biologia, Geografia, Oceanografia, entre outras correlacionadas. Esse não é o objetivo do trabalho, mas sem dúvida é importante que jovens estudantes tenham acesso a experiências associadas a possíveis áreas de atuação profissional, já que quanto maior for o contato com diversas áreas, mais esclarecedoras serão as opções para seu futuro profissional. Ademais, o trabalho feito é bem articulado e consegue utilizar um único tipo de macroambiente para desenvolver atividades distintas, porém relacionadas e complementares entre si, possibilitando aos alunos uma visão mais ampliada e integrada dos temas em questão. Segundo Fracalanza et al (1986), há vários aspectos que permitem que o processo de ensino seja efetivado e dentre eles estão a existência de problematizações prévias do conteúdo como ponto de partida inicial, que podem permitir a associação do conteúdo adquirido ao cotidiano vivenciado. Isso estabelece situações nas quais há estímulo de raciocínio para a formulação e resolução de questionamentos próprios. Os diversos temas abordados dentro do grande campo da Biologia são geralmente pouco vinculados de forma que a compreensão do todo fica prejudicada. Segundo Phillipi Júnior, et al. (2000), é comum na estruturação escolar que os alunos adquiram conhecimento como se fossem unidades separadas sem conseguir conectá-los. Isso se transforma em um grande problema, já que pode bloquear a compreensão ampla dos sistemas estudados, impedindo o conhecimento verdadeiro. Uma atividade que envolva vários temas e suas interações, tal qual a excursão descrita, permite uma visão amplificada do ambiente e de seu funcionamento, inibindo a inconexão entre os aspectos abordados, estudados e vivenciados. Retomando outro aspecto abordado durante a excursão, que se mostra bem peculiar, é o estudo do desenvolvimento embrionário de Lytechinus variegatus (Echinodermata), em paralelo ao desenvolvimento embrionário humano (Chordata). Essa pincelada em embriologia comparada se dá utilizando como base experimental a inseminação artificial e acompanhamento do desenvolvimento das fases embrionárias in vivo dos ouriços e comparação com material impresso das fases embrionárias semelhantes em humanos. Piaget (1979) destaca como a embriologia descritiva colabora com uma possível avaliação sobre homologias, conduzindo a um avanço da comparação sistemática pelos alunos, ou seja, esse raciocínio utilizado abre margem para discussões posteriores mais profundas como embriologia comparada e evolução. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A oportunidade de participar de uma experiência como essa foi imensamente enriquecedora para minha vida profissional. O propósito da excursão aparentemente funciona muito bem: os alunos se mostraram muito interessados nas atividades e curiosos em relação a novos espaços/situações. Não só as saídas de campo e os experimentos garantem o sucesso desse trabalho. A introdução aos temas em sala de aula e as próprias atividades teóricas realizadas na viagem são componentes fundamentais para unir as experiências em um grande entendimento geral. Dessa forma, as excursões facilitam a compreensão por parte dos alunos, que vivenciam os cenários, os aproximam dos professores e ainda conseguem trazer a parte do lazer, que conquista a atenção dos jovens. Sabe-se que uma excursão dessa complexidade não é viável a grande parte das escolas, mas a ideia do projeto desempenhado pode ser adaptada ou sintetizada, atingindo objetivos semelhantes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUENO, A. de P. La construcción del conocimiento científico y los contenidos de ciencias. In: ALEIXANDRE, M. P. J. (Coord.) Enseñar ciencias. Barcelona: Editorial GRAÓ, p. 33-54, 2003. FRACALANZA, H. et al. O Ensino de Ciências no 1º grau. São Paulo: Atual. 1986. p.124 KRASILCHIK, M. Prática de Ensino de Biologia. São Paulo: Edusp. 2008 LOWMAN, J. Dominando as Técnicas de Ensino. São Paulo: Atlas. 2004. MORAES, R. O significado da experimentação numa abordagem construtivista: O caso do ensino de ciências. In: BORGES, R. M. R.; MORAES, R. (Org.) Educação em Ciências nas séries iniciais. Porto Alegre: Sagra Luzzato. 1998. p. 29-45. PHILLIPI JÚNIOR, A. et al. Interdisciplinaridade em ciências ambientais. In: Série textos básicos para a formação ambiental. São Paulo: Signus, 2000. PIAGET, Jean. Introducción a la epistemologia genética: el pensamiento biológico, psicológico y sociológico. Buenos Aires: Paidós, 1979. SANMARTÍ, N. Didáctica de las ciencias en la educación secundaria obligatoria. Madrid: Sintesis Educación, 2002. TAPIA, J. A.; FITA, E. C. A motivação em sala de aula: o que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 1999.