A CONSTRUÇÃO NIETZSCHIANA DO FILÓSOFO EM ECCE HOMO: O ANTI-SÓCRATES Louise Cristina Vieira (PIBIC/CNPq/UNIOESTE), Wilson Antônio Frezzatti Junior (Orientador), e-mail: [email protected] Universidade Estadual do Oeste do Paraná /Centro de Ciências Humanas Palavras-chave: Autossuperação, Sócrates, vivências. Resumo: O filósofo alemão Friedrich Nietzsche ataca a filosofia socrática e conseqüentemente a tradição metafísica pela desvalorização da vida e a supervalorização da razão em detrimento de si próprio enquanto humano. Deste modo, propõe uma filosofia antípoda à socrática, superando os valores absolutos e imutáveis vigentes e tendo como máxima expressão de sua filosofia as vivências da existência, num exercício de heautognose e amor pela própria existência. Assim, o filósofo nietzschiano deve filosofar a partir de seu próprio modo de existência e não por meio de conceitos ahistóricos, eternos e fixos. Introdução Na filosofia socrática, o corpo e todas as experiências advindas por intermédio deste são tidos como obstáculos na busca pelas verdades imutáveis, que só são atingidas pela alma; por isso, tem como uma de suas principais máximas a sentença: "Filosofar é aprender a morrer em vida”. Isso significa separar a alma das vivências corpóreas. Sócrates é a figura que institui a busca de verdades imutáveis que só são possíveis para um além do corpo. O otimismo teórico socrático é a crença de que podemos conhecer verdades absolutas sobre o mundo, a qual, em ultimo caso, acaba por gerar uma concepção da existência que culmina num viver para a morte, colocando a relação homem/mundo como um obstáculo e não como a fonte de seus conhecimentos. Deste modo, essa crença socrática denuncia a decadência em seu pensamento, um adoecimento psicológico: o exercício de negação constante da própria posição, que, para a filosofia nietzschiana, só pode criar com vistas para a destruição. Este é o estereótipo de filósofo e filosofia que influenciou a tradição metafísica. É contra essa postura, que valora através da negação da vida, que a filosofia de Nietzsche se desdobra. Através da ótica que valora a partir da própria vida, o filósofo alemão crítica as raízes deste tipo de pensamento e, neste mesmo processo crítico, erige a fisiopsicologia da antítese socrática. Nietzsche aparece, no século XIX, com uma filosofia contrária que valora a partir das próprias vivências, que percebe no mundo, e na própria condição humana, a possibilidade de um sentido na existência. É a partir da superação das próprias condições conflitantes, a partir de soluções que não estejam impregnadas do ressentimento pela própria existência, admitindo-se enquanto parte do mundo, como mutável, transitório, contraditório e, acima de tudo, se fazendo Anais do XVIII EAIC – 30 de setembro a 2 de outubro de 2009 sincero consigo mesmo, não temendo a superação dos próprios preceitos, que se faz uma filosofia saudável, expressão da melhor efetivação de si enquanto parte do movimento do próprio mundo. Materiais e Métodos Esta pesquisa e sua elaboração suscitaram a leitura das seguintes obras: O Nascimento da Tragédia, que trata da cultura grega e sua decadência; Além de Bem e Mal, que trata em suma da crítica à moral; Crepúsculo dos ídolos, em especial às críticas a Sócrates, e Ecce Homo, uma autobiografia críticofilosófica. Dos diálogos platônicos, Fédon e Mênon para a compreensão da filosofia de Sócrates. Assim como alguns comentadores para o complemento das discussões. Resultados e Discussão A filosofia socrática se caracteriza pelo uso da dialética, numa tentativa de alcançar os conhecimentos que os homens já têm determinados em sua alma, a qual é a única detentora das Verdades Imutáveis. Por isso, para Sócrates, o corpo é um empecilho na busca do conhecimento absoluto. O corpo é o grande mal, pois dele provêm as afecções e as paixões que só nos fazem distanciar do sentido próprio do homem, o conhecimento da verdade; ou seja, a filosofia socrática está em seu todo preenchida pelo desprezo da própria vida, e pelo que é instintivo no humano. Ao negar o corpo e a vida, nega a transitoriedade comum ao próprio mundo, e, buscando conhecimentos absolutos, dá ao homem um falso sentido: o de buscar necessariamente o conhecimento das verdades na alma. Sócrates também é considerado a grande influencia sobre Eurípides, um clássico poeta trágico, que, ao aplicar a filosofia socrática ao drama trágico, retira o elemento musical, ou seja, erradica o conhecimento intuitivo acerca da condição humana e expande a explicação racional dialética (discurso), destruindo assim as relações que caracterizam o sentido próprio do conhecimento trágico (a transitoriedade da existência). Deste modo, Sócrates foi um destruidor da cultura grega que valorizava as vivencias, a beleza e a arte. Ele, enquanto grego decadente, exacerbava o sentido lógico acima de tudo: o que não pode ser explicado racionalmente deve ser desprezado. Desta maneira, foi o criador de uma nova cultura, que influenciaria não só seu tempo, mas perpassaria as tradições filosóficas, dando ao homem o ideal de que o uso da razão imperativa a buscar verdades é o justo sentido do homem. A filosofia nietzschiana é vista como um martelo no embate contra a filosofia tradicional, neste sentido é construída como modelo antípoda ao da tradição metafísica, que tem em Sócrates, o filósofo grego, a raiz de seus expoentes. Para Nietzsche, o desígnio próprio da filosofia é um exercício de vida, no qual se assume a condição humana em toda sua contradição e transitoriedade, justamente o contrário da filosofia socrática, entendida pelo filósofo alemão como decadente. Nietzsche se vê como aquele que veio para propiciar, para a filosofia, o renascimento do movimento do mundo e da efemeridade humana, e, com isso, um necessário assumir-se como parte dos processos Anais do XVIII EAIC – 30 de setembro a 2 de outubro de 2009 de criação e destruição da própria existência. Não existem verdades absolutas, pois, assim como Heráclito, Nietzsche percebe o mundo como um constante devir. Ao assumir essa concepção de mundo, e com ela a concepção de que a filosofia depende antes de uma heautognose, e das próprias vivências, aponta para o que considera de valor inestimável e será o pilar de sua filosofia: a vida. Assim, toma como ascendente a filosofia, que tem em seus pressupostos a valoração da existência e a aceitação da transitoriedade, bem como a superação constante de si, no sentido de conhecer a si mesmo e superar o que há de doente em si próprio, ou seja, todas aquelas concepções e valorações assentadas no que significa o desprezo pela vida. Portanto, verdade, bem e mal e todos os conceitos que se pretendem absolutos nada mais significam que a afirmação da parte decadente dos homens. Em seu ultimo livro, Nietzsche deixa claro: “fiz de minha vontade de saúde, de vida, a minha filosofia” (cf. Nietzsche, 2007, p.25). Conclusões Concluímos que Nietzsche propõe um novo tipo de filosofia, que valora a partir das próprias vivências, assim como uma nova concepção de sujeito para a filosofia, que deixa de ter como necessário o dever do conhecimento absoluto, e passa a ter como máxima imperativa a superação de si, a afirmação do constante movimento do mundo, enfim, o reconhecimento do valor inestimável da vida. O pensamento nietzschiano é uma linha inovadora nas concepções filosóficas, porém, mesmo criando uma filosofia antípoda à socrática e, conseqüentemente, da tradição filosófica, Nietzsche e Sócrates se encontram no ponto no qual ambos foram homens que criaram concepções inovadoras e influenciaram a cultura e a filosofia, cada um a seu tempo e a seu modo. Dessas duas formas de filosofar é que se dará a estereotipagem de dois modos de filósofos, o estereótipo socrático e o estereótipo nietzschiano ou anti-socrático, que, apesar de parecerem extremos, também se encontram enquanto filósofos que revolucionaram o modo de entender a filosofia e a busca do próprio homem para um sentido de si. Entretanto, o próprio Nietzsche deixa claro em seus escritos que sua filosofia é um exercício para a própria vida enquanto a filosofia socrática é um exercício de constante decadência, um exercício para a morte. Agradecimentos Agradecemos ao apoio financeiro do Programa Institucional de Iniciação Cientifica (PIBIC) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para a elaboração desta pesquisa. Referências NIETZSCHE, F. W.; Ecce homo. Companhia das Letras, 2ª ed. Tradução: P. C. de Souza.São Paulo, 2007; Anais do XVIII EAIC – 30 de setembro a 2 de outubro de 2009