Ivan Fortunato_GT 06

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ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR
Abordagens interdisciplinares na pesquisa em música popular: arte, mercado e sociedade.
26 a 28 de maio de 2010 – Campus do Bancanga – São Luis-MA
1
TOCA RAUL!:1
Intertextualidades nas músicas do Maluco Beleza
Ivan Fortunato2
Universidade de Sorocaba, Sorocaba/SP
Resumo: Esse artigo tem como objeto de estudo as letras das músicas do cantor e compositor
brasileiro Raul Seixas, cuja obra sobrevive mais de quatro gerações e continua presente nas
rádios, nos repertórios de bandas famosas e não-famosas (reproduzidas na íntegra ou em
novas versões/adaptações) e principalmente na divisa ‘Toca Raul’, que é frequentemente
gritada por fãs nos concertos de diversas bandas. A produção musical de Raul Seixas levou-o
ao lugar de mito na mídia, status conferido a personagens/atores/cantores capazes de atrair
grande audiência por período de tempo que ultrapassa uma década. O recorte aqui proposto
busca indicar diversas intertextualidades latentes ou veladas nas suas músicas, que provocam
remissões a outras obras que também são irreverentes e postulam alguma quebra de
paradigma. Popularmente conhecido como ‘Maluco Beleza’, Raul Seixas é mito porque sua
voz ressoa no imaginário cultural pela tese de que há algo no ser humano que ultrapassa os
condicionantes da hegemonia dominante; é na constante batalha pela liberdade e nas
expressões que revelam o encanto do ser humano que as músicas de Raul estabelecem
vínculos entre seus ouvintes que extrapolam gerações.
Palavras-chave: Raul Seixas 1, música 2, vínculo 3, intertextualidade 4 e Comunicação 5.
Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!3
Esse artigo tem como objeto de estudo as letras das músicas do cantor e
compositor brasileiro Raul Seixas, cuja obra sobrevive mais de quatro gerações e continua
presente nas rádios, nos repertórios de bandas famosas e não-famosas (reproduzidas na
íntegra ou em novas versões/adaptações) e principalmente na divisa ‘Toca Raul’, que é
frequentemente gritada por fãs nos concertos de diversas bandas.
1
Trabalho apresentado ao GT (6): Metodologias de análise em mídia e música, do II Musicom – Encontro de
Pesquisadores em Comunicação e Música Popular, realizado no período de 26 a 28 de maio de 2010, no Campus
da UFMA, em São Luis – MA.
2
Possui graduação em pedagogia pela Universidade Estadual Paulista (2005) com aperfeiçoamento em
Administração de RH pelo SENAC (2005), pós-graduação em Psicodrama Sócio-Educacional (FEBRAP 2008) e
MBA em Administração (2008). Professor universitário, consultor em educação escolar e empresarial e
pesquisador
em Educação,
Administração
e
Comunicação.
Link para
currículo
lattes:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4256699J4. Contato: [email protected]
3
Ao invés da clássica introdução, esse artigo começa com a onomatopéia, que imita um riff de bateria, gritada
primeiro por Little Richard e depois por Elvis Presley (primeira fonte musical de Raul Seixas).
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A partir de uma leitura semiológica das letras de algumas músicas, busca-se aqui
intertextualidades entre as canções do cantor/compositor Raul Seixas e obras da literatura
internacional e outras expressões culturais, como feriados e festividades.
A comunicação de Raul com seus ouvintes é, principalmente, a música. A música
tem a mídia como aliada na sua propagação, como explicam Cardoso Filho e Janotti Júnior
(2006):
[...] o aumento do consumo da música por uma parcela da população que não possui
conhecimento da notação musical está diretamente ligado ao aparecimento dos
primeiros aparelhos de reprodução sonora: o gramofone, o fonógrafo, o rádio e o
toca-disco, e que por outro lado, a popularização de expressões musicais, como o
Rock a partir da década de cinqüenta, está ligada não só a indústria fonográfica, bem
como à televisão e ao cinema. (Cardoso Filho; Janotti Júnior, 2006, pp. 2-3)
Esse movimento que desenham os autores foi categorizado por Frith (1996) em
três estágios: folk, artístico e pop. No estágio folk, explica Frith, a música era armazenada
somente no corpo (humano e dos instrumentos); no artístico, a música era armazenada em
partituras e; no pop, armazenada em produtos industriais eletrônicos. Há duas características
nessa evolução4 que interessam à relação música/mídia: primeiro a capacidade de amplificar
os fenômenos e audiência através do armazenamento e distribuição eletrônicos; segundo, a
capacidade da mídia de estabelecer vínculos.
O artista Raul Seixas, através da massiva audiência de sua obra, assume posto de
mito midiático, segundo definição de Contrera (2003, p. 105). Para a autora, um mito
midiático é aquele criado pela/para a veiculação na mídia de massa que, assim como as
imagens arquetípicas do inconsciente coletivo, adentra e amplia o repertório do imaginário
cultural. As imagens arquetípicas sempre retornam (ainda que revisitadas e atualizadas) nas
manifestações humanas; logo, os mitos midiáticos também retornam.
Raul Seixas, seja pelas letras, seja pela irreverência, atraiu um sem número de fãs
(inclusive póstumos), que se reúnem ao redor das músicas do ícone e cantam juntos e
celebram sua sociedade alternativa5. Esse grupo que admira Raul Seixas se encontra nos
4
Evolução no sentido que há etapas sobrepostas. Não afirmo que o estágio pop seja mais (nem menos) elevado
que os anteriores.
5
Essa congregação ao redor da imagem de Raul Seixas expressa a característica da mídia de estabelecer
vínculos, isto é, a veiculação de elementos de construção da socialização. A definição que relaciona
comunicação e vínculo pode ser encontrada no Dicionário de Comunicação, organizado por Marcondes Filho em
2009, p. 353: “significa “laço, liame, algemas, prisão. De um significado original muito concreto o conceito de
vínculo foi se transformando em um conceito amplo e abstrato para ligação, elo, relação”.
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diversos shows de música, sempre exigindo que o artista/intérprete, que está no palco, execute
canções de Raul, gritando ‘Toca Raul!6’. Esse grito irá permanecer nas manifestações
musicais por um longo período de tempo, até ser substituído por uma versão revista e/ou
atualizada.
Quem é Raul Seixas
Vê se me entende, olha o meu sapato novo
Minha calça colorida o meu novo way of life
Eu tô tão lindo porém bem mais perigoso
Aprendi a ficar quieto e começar tudo de novo
O que eu quero, eu vou conseguir
O que eu quero, eu vou conseguir
Pois quando eu quero todos querem
Quando eu quero todo mundo pede mais
E pede bis
(Raul Seixas, 1973)
Esse trabalho não discute a vida de Raul Seixas; há inúmeras publicações
bibliográficas que merecem ser lidas7. Nasceu em Salvador (Bahia) no ano de 1945 e faleceu
na capital São Paulo no ano de 1989. Em pouco mais de meio século de vida e 30 anos de
carreira, Raul compôs e gravou mais de 200 canções, publicadas em mais de 20 álbuns.
O início de sua carreira foi marcada pela expressa influência no rock’n’roll de
Elvis Presley. Carreira que encerrou na parceria com o músico brasileiro Marcelo Nova,
cantor da banda Camisa-de-Vênus, na turnê A Panela do Diabo8. Entre Elvis e a Panela, Raul
teve inúmeros parceiros musicais e escreveu canções em diversos estilos e ritmos musicais.
Como ascendeu ao ponto de mito midiático, fica difícil desvincular Raul de sua
atuação no mundo comercial de venda de discos, videoclipes, camisetas e outros acessórios
que veiculam sua imagem, fãs-clubes oficial e extra-oficiais. Assim, Raul torna-se conhecido
do grande público pelas músicas que fizeram sucesso no rádio e na televisão. O disco
ganhador do disco de ouro Gita, inclusive, viu sua música de mesmo nome (Gita) virar tema
de abertura do programa Fantástico, da rede Globo de televisão.
Esse acesso ao status de notável fez com que o nome de Raul fosse associado a
diversos fenômenos ao longo de sua carreira, como o exílio aos Estados Unidos na época da
6
O grito que clama pelas músicas de Raul Seixas durante os mais variados shows foi imortalizado por Zeca
Baleiro na música ‘Toca Raul’ (2008).
7
Remetemos o leitor às obras de Passos e Buda (2000), Kika Seixas (1992a) e Alves (1993), que serviram de
base para esse artigo.
8
Nome do último disco de Raul Seixas.
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ditadura brasileira, a parceria com o mago e escritor Paulo Coelho, seus vícios que lhe
custaram diversas internações, dentre outros.
Dentre esses outros fenômenos está aquele que mais representa a imagem de Raul
Seixas: o Maluco Beleza. Esse apelido dado a Raul tem origem na música chamada Maluco
Beleza, que ele compôs com Cláudio Roberto e gravou no álbum O dia em que a Terra Parou
(Raul Seixas, 1977). Nessa música, Raul canta: “Controlando minha maluques, misturada
com minha lucidez...Vou ficar, ficar com certeza Maluco beleza”.
Essa afirmação, adicionada à irreverência do cantor – que falava em discos
voadores, sonhava com uma sociedade utópica, compunha versos que se opunham ao modelo
de governo em voga e/ou que falavam ao indivíduo, principalmente provocando para tirar do
comum e da zona de conforto – rendeu-lhe a imortalidade como o Maluco Beleza.
Há algo nas músicas de Raul que chamam a atenção dessa grande audiência
porque espelha no imaginário. O exercício que aqui fazemos é ‘cavar’ as letras de suas
músicas, saindo da superfície (que agrada na sonoridade), e mergulhando nas
intertextualidades, que resgatam imagens representativas no imaginário. Nesse mergulho,
buscamos esse ‘algo’ que ressoa no imaginário.
Intertextualidades do Maluco Beleza
O recorte aqui proposto busca indicar diversas intertextualidades, latentes ou
veladas, nas suas músicas de Raul Seixas, que provocam remissões a outras obras que
também são irreverentes e postulam alguma quebra de paradigma. Dado tamanho do acervo
do cantor, não é possível, neste trabalho, esgotar todas as referências possíveis. Por isso,
trazemos um ponto de partida para metodologias mais profundas.
Primeiro é preciso esclarecer que não se pode confundir intertextualidade com
plágio ou cópia. Intertextualidade, no dicionário de Charadeau e Maingueneau (2004), é
aquilo que “designa ao mesmo tempo uma propriedade constitutiva de qualquer texto e o
conjunto de relações explícitas ou implícitas que um texto ou um grupo de textos determinado
mantém com outros textos” (2004, pp. 288-289).
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Neste trabalho, entendemos que músicas também são textos9. Assim, a
composição de músicas, na letra e na melodia, segue esse movimento descrito por Charadeua
e Maingueneau. Essa dinâmica de produzir sempre a partir de um referencial é, para Calbucci
(1999), faculdade humana. O autor postula que “os seres humanos são seres intertextuais e
sempre o foram: a cultura, em sentido muito amplo, é a intertextualidade por excelência”
(CALBUCCI, 1999, p. 106).
A tese de Calbucci indica que a cultura é, dialeticamente, produto e produtora de
fenômenos
intertextuais.
Trata-se,
então,
de
um
circuito
complexo
repleto
de
entradas+saídas+retroalimentações sem começo, meio e fim identificáveis, porque o começo
de um texto está no meio de outro que está no fim de um terceiro, e assim por diante. É o que
Foucault explica sobre os livros:
As fronteiras de um livro nunca são bem definidas: por trás do título, das primeiras
linhas e do último ponto final, por trás de sua configuração interna e de sua forma
autônoma, ele fica preso num sistema de referências a outros livros, outros textos,
outras frases: é um nó dentro de uma rede. (FOUCAULT apud HUTCHEON, 1991,
p.167).
O interesse está nesse nó de redes. Há na produção de Raul Seixas c/seus parceiros
um sem número de redes, cujos nós estão ora mais soltos (quando a remissão é óbvia), ora
mais apertados (quando a remissão não é óbvia, mas está embutida nas letras), exigindo um
mergulho mais profundo nas conotações/denotações das palavras utilizadas pelo
compositor/cantor/escritor.
Começamos, então, pelo caminho mais fácil: identificar as intertextualidades mais
evidentes, que são expressas no título dado à canção. As intertextualidades que apresentamos
a seguir são alguns exemplos, dentro inúmeros outros que podem ser encontrados na extensa
obra de Raul Seixas, e foram selecionados pela nitidez das remissões:
O álbum Gita (Raul Seixas, 1974; 1989a) contém música homônima.
Essa música, escrita com Paulo Coelho, faz referência ao livro hindu
9
Segundo Savioli e Fiorin (2006, p. 18), um texto é “um todo organizado de sentido, delimitado por dois brancos
e produzido por um sujeito num dado espaço e num dado tempo”. E como uma música é um todo que gera
sentido, é produção de um sujeito e é limitada por dois brancos, afirmamos que uma música é, também, um
texto.
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Bhagavad Gita (ROHDEN, 1996), que traz ensinamentos da filosofia
bramânica10.
A música Um Messias Indeciso, faixa do álbum Metrô Linha 743 (Raul
Seixas, 1984), composta com a filha Kika Seixas, remete à obra de
Richard Bach (2004): Ilusões. O subtítulo do livro de Bach dá nome à
música de Raul e Kika: as aventuras de um messias indeciso. Nesse
livro, Richard Bach narra seu encontro com Donald Shimoda, um
messias que, por livre escolha, decidiu seguir o caminho da felicidade.
O dia da Saudade, música composta com Jay Vaquer e publicada no
álbum Há dez mil anos atrás (Raul Seixas, 1976) não é apenas
referência, mas crítica aos feriados nacionais. Raul e Jay partem do dia
de cinzas para discutir o Carnaval e outros feriados/festividades: “Hoje
é feriado é o dia da saudade. Para o campeão do melhor glutão, Um pé
de macarrão pra ele. O palhaço que come lixo, Limpa a avenida para o
bloco do chorão passar”.
Após identificar que os nomes de algumas canções de Raul fazem referência a
obras da literatura e outras manifestações culturais (como os feriados religiosos), iremos nos
ocupar das intertextualidades embaciadas, já que há remissões embutidas nas letras de suas
músicas que estão embutidas em parágrafos de obras literárias11.
Importante lembrar que não se trata de uma pesquisa que esgota as
intertextualidades na extensa obra de Raul Seixas, mas que procura indicar que há nas letras
do Maluco Beleza remissões a conteúdos anteriores, que já estão presentes no imaginário
cultural:
Na música Let me sing, let me sing – no álbum Caroço de Manga (Raul
Seixas, 1987) –, escrita com Nadine Wisner, Raul canta: “Não quero
ser o dono da verdade. Pois a verdade não tem dono, não. Se o ‘V’ de
10
Ao leitor interessado em análise de conteúdo, há profunda discussão sobre a música Gita na tese de doutorado
de Luiz Boscato, 2006, pp. 189-203.
11
Raul afirmou na música Metrô linha 743 (álbum homônimo, 1984): “trabalho em cartório, mas sou escritor”.
Esse sonho implícito do canto/compositor foi realizado três anos após a sua morte graças aos esforços de sua
filha Kika e seus dois parceiros Paulo Coelho e Sylvio Passos – o primeiro colaborando nas composições e o
segundo, amigo pessoal, idealizador do primeiro e oficial fã clube Raul Rock Club.
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verde é o verde da verdade. Dois e dois são cinco, não é mais quatro,
não”. Essa estrofe pode conter uma crítica à ditadura e/ou à censura que
impedia veiculação de músicas por conta das letras (que levaram ao
exílio de Raul). O exercício de analisar e concluir é longo e admite
inúmeras possibilidades; independente de qual conclusão chegamos,
esse trecho da música de Raul e Nadine está no livro 1984, escrito por
George Orwell. Esse livro é uma crítica a uma forma de poder
dominante e alienadora. Escreveu Orwell: “No fim, o Partido
anunciaria que dois e dois são cinco, e todos teriam que acreditar. Era
inevitável que o proclamasse mais cedo ou mais tarde: exigi-o a lógica
de sua posição12”.
No álbum Novo Aeon (Raul Seixas, 1975; 2002), Raul Seixas compôs
com Paulo Coelho a música Caminhos. Nessa música, Raul canta:
“Você me pergunta: Aonde eu quero chegar. Se há tantos caminhos na
vida. E pouca esperança no ar. E até a gaivota que voa. Já tem seu
caminho no ar”. Sempre crítico ao modus operandi social ditado por
regras limitantes, Raul propõe em suas letras sair do lugar-comum, não
como um ‘rebelde sem causa’, mas por acreditar que todo homem e
toda mulher é uma estrela13, que pode e merece brilhar. Nesse
romantismo, Raul encontrou ressonância em outro trabalho de Richard
Bach (1988): o livro Fernão Capelo Gaivota. Na história de Bach,
Fernão é uma gaivota que não aceita seguir seu destino imposto pela
tradição e acaba sendo expulso do grupo de gaivotas, como ilustra o
trecho a seguir: “... pela sua desastrada irresponsabilidade — entoava
a voz solene —, por violar a dignidade e a tradição da família das
gaivotas... Ser chamado ao centro por vergonha significava que seria
banido da sociedade das gaivotas, desterrado para uma vida solitária
nos Penhascos Longínquos. ... um dia Fernão Capelo Gaivota
aprenderá que a irresponsabilidade não compensa. A vida é o
12
Tradução do original: “In the end the Party would announce that two and two made five, and you would have
to believe it. It was inevitable that they should make the claim sooner or later: the logic of the position demanded
it”.
13
Raul canta esse trecho na música Sociedade Alternativa (Seixas, 1974; 1989b).
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desconhecido e o desconhecível, mas não podemos esquecer que
estamos neste mundo para comer e para nos mantermos vivos tanto
quanto pudermos. Uma gaivota nunca contesta o conselho do bando”
(BACH, 1988, pp. 47-48). Mesmo expulso do bando, Fernão não
desiste de perseguir seu sonho – assim como Raul.
Quando acabar o maluco sou eu!
“Mas aí eu paro penso e reflito
como é poderoso esse Raulzito
Puxa vida esse cara é mesmo um mito”
(ZECA BALEIRO, 2008)
Popularmente conhecido como ‘Maluco Beleza’, Raul Seixas é mito porque sua
voz ressoa no imaginário cultural pela tese de que há algo no ser humano que ultrapassa os
condicionantes da hegemonia dominante; é na constante batalha pela liberdade e nas
expressões que revelam o encanto do ser humano, que as músicas de Raul estabelecem
vínculos entre seus ouvintes que extrapolam gerações.
Ao introduzir a questão da intertextualidade, apresentamos uma breve revisão
bibliográfica que indica que não há produção cultural que não seja configurada em rede. O
exercício de identificar os mais variados nós no tecido musical de Raul é longo e desafiador.
Ao mergulhar na produção do compositor/cantor (e escritor) ‘Maluco Beleza’ – que foi, à sua
época, causador de polêmicas (que lhe custou inúmeras censuras e um exílio) –, identificamos
que sua inspiração bebia de diversas fontes, de diversas culturas e diversas épocas, resultando
em fortes emaranhados de significantes. Quanto mais plurais esses emaranhados, mais
imagens arquetípicas eles contem e, assim, açambarca as víceras do imaginário cultural. E
quanto mais um fenômeno toca o imaginário, mais ele se perpetua no tempo/espaço.
Raul Seixas foi um compositor que sempre esteve à frente do seu tempo. Para citar
um exemplo desse avanço, Raul visualizou as expressivas privatizações dos serviços públicos
no Brasil, uma década antes do fenômeno tornar-se expressivo14, ao compor com Cláudio
Roberto a música Aluga-se, que indicava que a “a solução é alugar o Brasil”. E há outros
exemplos!
14
Conforme tabela divulgada pelo Ministério do Planejamento/SE/DEST em 01.09.2006, mais de 40
privatizações aconteceram no Brasil entre 1991 e 2006.
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Ao fim e ao cabo, esse trabalho não comporta conclusão ou comentários finais; há
uma infinidade de tesouros semiológicos e intertextuais escondidos nas letras do Maluco
Beleza. Letras que ecoam no imaginário e estabelecem vínculos. Ainda, por muito tempo,
escutaremos durante os shows musicais alguém na platéia aproveitar o vácuo entre as músicas
para emitir um sonoro ‘Toca Raul!’. Essa sonora divisa nos remeterá às inquietações de Raul.
REFERÊNCIAS
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1993.
BACH, Richard. Ilusões: as aventuras de um messias indeciso. Tradução de Luzia Machado
da Costa. 29ª. ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2004.
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Madalena Rosález. 88ª. ed. São Paulo: Círculo do Livro S.A., 1988.
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Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2006.
CALBUCCI. Eduardo. Saramago: um roteiro para os romances. São Paulo: Ateliê Editorial,
1999.
CARDOSO FILHO, Jorge; JANOTTI JÚNIOR, Jeder. A música popular massiva, o
mainstream e o underground trajetórias e caminhos da música na cultura midiática. Intercom
– Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXIX Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação – UnB – 6 a 9 de setembro de 2006.
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CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do
Discurso. São Paulo, Contexto, 2004.
CONTRERA, M. S. Publicidade e Mito. In: Malena Segura Contrera; Osvaldo Takaoki
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FRITH,
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HUTCHEON, L. A poética do pós-modernismo: história, teoria, ficção. Tradução de R.
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MARCONDES FILHO, C. (org.) Dicionário da Comunicação. São Paulo: Paulus, 2009.
ORWELL, George. 1984. New York: New American Library (Penguin Group), 1977.
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ROHDEN, Humberto (trad). Bhagavad Gitá. São Paulo: martin Claret, 1996.
SAVIOLI, Francisco Platão; FIORIN, José Luiz. Lições de texto: leitura e redação. 5ª. ed.
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SEIXAS, Kika (org.). O baú do Raul. São Paulo: Editora Globo, 1992a.
____________ (org.). As aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor. São Paulo: Shogun
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SEIXAS, Raul. Caminhos. Composição Raul Seixas e Paulo Coelho. Disco sonoro: Novo
Aeon, Universal, (1975) 2002.
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____________. Gitá. Composição Raul Seixas e Paulo Coelho. Disco sonoro: Gitá,
Gravadora Universal, (1974) 1989a.
____________. Sociedade Alternativa. Composição Raul Seixas e Paulo Coelho. Disco
sonoro: Gitá, Gravadora Universal, (1974) 1989a.
____________. Let me sing, let me sing. Composição Raul Seixas e Nadine Wisner. Disco
sonoro: Caroço de Manga, Polygram Records, 1987.
____________. Um messias indeciso. Composição Raul Seixas e Kika Seixas. Disco sonoro:
Metrô linha 743, Gravadora Som Livre, 1984.
____________. Maluco Beleza. Composição Raul Seixas e Cláudio Roberto. Disco sonoro:
O dia em que a Terra parou, Gravadora Warner Chappell, 1977.
____________. O dia da saudade. Composição Raul Seixas e Jay Vaquer. Disco sonoro: Há
dez mil anos atrás, Philips Polygram, 1976.
____________. Rockixe. Composição Raul Seixas e Paulo Coelho. Disco sonoro: Krig-há
Bandolo!, Philips Polygram, 1973.
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