Pró-Reitoria de Graduação Curso de Serviço Social Trabalho de Conclusão de Curso A QUESTÃO INDÍGENA NO BRASIL: LIMITES E DESAFIOS AO SERVIÇO SOCIAL NA BUSCA PELA EMANCIPAÇÃO SOCIAL DO ÍNDIO Autora: Rayani Maria de Oliveira Ramos Leite Orientadora: Profª Especialista Cássia Aparecida Guimarães RAYANI MARIA DE OLIVEIRA RAMOS LEITE RAYANI MARIA DE OLIVEIRA RAMOS LEIT Brasília 2013 RAYANI MARIA DE OLIVEIRA RAMOS LEITE A QUESTÃO INDÍGENA NO BRASIL: LIMITES E DESAFIOS AO SERVIÇO SOCIAL NA BUSCA PELA EMANCIPAÇÃO SOCIAL DO ÍNDIO Artigo apresentado ao curso de graduação em Serviço Social da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Cássia Aparecida Guimarães Brasília 2013 3 A QUESTÃO INDÍGENA NO BRASIL: LIMITES E DESAFIOS AO SERVIÇO SOCIAL NA BUSCA PELA EMANCIPAÇÃO SOCIAL DO ÍNDIO RAYANI MARIA DE OLIVEIRA RAMOS LEITE Resumo O objetivo desse artigo é apresentar um estudo sobre a questão indígena e as políticas sociais indigenistas para beneficiar a compreensão do assistente social ao atuar nesta questão. Foi utilizada a metodologia de pesquisa bibliográfica, a partir de material já elaborado, constituído por livros, dissertações de mestrado em Políticas Sociais do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília, artigos de outras universidades do país disponíveis na biblioteca da UNB e em formato digital pelo site scielo e laced, a Constituição Federal de 1988, a Lei nº 6001 de 1973 (Estatuto do Índio), o Código de Ética do Serviço Social de 2011e os Planos Pluri Anual 2008-2011 e 20122015. O estudo comprovou a hipótese levantada de que o Serviço Social encontra limites e desafios para uma atuação emancipatória do índio ao mediar a questão através de políticas sociais que não reúnem instrumentos para o desenvolvimento de ações que contribuam ao para a emancipação social do índio. O resultado da pesquisa aponta para a necessidade da participação indígena e valorização das especificidades étnicas para a eficiência das políticas públicas e alcance da emancipação social do índio. Palavras-chave: Questão Indígena Brasileira. Políticas Indigenistas. Serviço Social. 1. Introdução O presente artigo aborda o tema da questão indígena no Brasil, o Serviço Social na intervenção desta questão e as políticas públicas indigenistas brasileiras. A escolha desse tema foi motivada pela escolha pessoal em trabalhar na área indígena dentro do Serviço Social. O objetivo desse artigo é apresentar um estudo sobre a questão indígena e as políticas sociais indigenistas para beneficiar a compreensão do assistente social ao atuar nesta questão. A visível situação de extrema vulnerabilidade em que os povos indígenas se encontram atualmente noé preocupante. Além disso, o compromisso que Serviço Social assume na prática profissional através de seu Código de Ética (2011), em reconhecer a liberdade como valor ético central; buscar o desenvolvimento da autonomia, emancipação e expansão dos indivíduos sociais; o respeito à diversidade; a participação de grupos socialmente discriminados e a discussão das diferenças na construção de uma nova ordem societária, sem dominação exploração de classe, etnia e gênero, criou indagações quanto a sua aplicação junto aos povos indígenas brasileiros. O Serviço Social busca equacionar as questões sociais na mediação da relação Estado-sociedade através das políticas públicas. A questão indígena no Brasil, como expressão de uma questão social, faz necessária a intervenção do assistente social e é incluída na profissão pelo seu Projeto Ético Político Profissional quando vincula-se ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação de etnia. O estudo 4 do tema deste artigo pode ter grande contribuição na luta pela promoção e garantia dos direitos humanos e melhoria na prática profissional dos assistentes sociais que atuam na área indígena. Esta tem aumentado progressivamente no âmbito do Serviço Social, tornande-se necessária a discussão do tema na profissão. O encontro CFESS/CRESS de 2012 criticou a pouca discussão que o Serviço Social tem feito com relação à questão indígena e pautou essa necessidade. A partir de 2004 o Estado expandiu a prática da assistência social na questão indígena brasileira, através de medidas de minimização das desigualdades sociais. Porém a realidade atual dos povos indígenas no país e os pressupostos do Código de Ética Profisssional para a atuação assistencial junto à esses povos, gerou um questionamento. Quais são os limites e desafios ao Serviço Social brasileiro na busca por uma prática que promova a emancipação social do índio? Foi lançada a hipótese como resposta para este problema é que o Serviço Social brasileiro encontra limites e desafios para uma atuação emancipatória do índio ao mediar a questão através de políticas sociais que não reúnem instrumentos para o desenvolvimento de ações que contribuam para emancipação social do índio. Analisar a questão indígena no Brasil e as políticas públicas indigenistas são os objetivos principais deste artigo, por acreditar que sua apropriação teórica possibilitará a comprovação ou rejeição da hipótese levantada. Para explorar os objetivos, foi desenvolvia as análises do Serviço Social na questão indígena, da relação do Estado com os povos indígenas, das demandas desses povos ao Estado e ao Serviço Social, bem como dos limites e desafios ao Serviço Social para uma prática que promova a emancipação social do índio. A metodologia de pesquisa teórica qualitativa, com natureza exploratória documental foi aplicada no desenvolvimento deste trabalho. Esta escolha se deu por acreditar ser o melhor método para explorar o problema colocado. Minayo (1994), define a pesquisa qualitativa ao afirmar: “Responde as questões particulares. Ela se ocupa com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes. O que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.” A metodologia deste trabalho foi aplicada através da obtenção de informaçõesa partir de referencias bibliográficas de vários autores, da Constituição Federal da República de 1988, decretos e leis indigenistas aplicadas ao Brasil. O autor Gil (1999), define a pesquisa bibliográfica como um estudo desenvolvido a partir de material já elaborado, a exemplo de livros, artigos científicos e materiais em bibliotecas. Demo (1994) aponta que a pesquisa bibliográfica é orientada no sentido de reconstruir teorias, condições explicativas da realidade, polêmicas e discussões pertinentes. O autor coloca que “ o conhecimento teórico adequado acarreta rigor conceitual, análise acurada, desempenho lógico, argumentação diversificada e capacidade explicativa” (DEMO, 1994, p. 36), O tema foi pesquisado a partir de material já elaborado e referências bibliográficas, constituído por livros, artigos, monografia e dissertações de mestrado. Foram utilizadas 5 dissertações de mestrado em Políticas Sociais do Departamento de Serviço Social e de Antropologia da Universidade de Brasília, artigos de outras universidades do país disponíveis na biblioteca da UNB e em formato digital pelos cadernos científicos on line, pelo site scielo e laced. Duas monografias referentes ao tema foram disponibilizadas pelas próprias autoras, após contato feito. O estudo reporta à Constituição Federal de 1988, da Lei nº 6001 de 1973 (Estatuto do Índio), ao Código de Ética do Serviço Social (2011) e aos Planos Pluri Anuais de 2008-2011 e 2012-2015. Este artigo foi estruturado em seis seções, incluindo esta indrodução. Da segunda à quinta seção foram desenvolvidos os objetivos deste estudo, com base nos referenciais teóricos encontrados. A segunda seção dispõe sobre a questão indígena no Brasil, bem como o início de seu estudo no país. A terceira seção descreve a relação do Estado brasileiro com os povos indígenas, da colonização do país aos dias atuais, através das políticas sociais indigenistas e a política do Programa de Promoção e Proteção Social aos Povos Indígenas. A quarta seção diz respeito ao Serviço Social e a questão indígena no Brasil e expõe as demandas da questão indígena ao Estado ao Serviço Social. A quinta seção refere-se aos limites e desafios ao Serviço Social no Brasil para uma atuação que promova a emancipação social do índio. A sexta e útima seção aborda a conclusão que descreve de forma crítica os achados deste estudo. 2. A Questão Indígena no Brasil A questão indígena brasileira se expressa como o resultado de um processo histórico em que os índios desde a colonização até hoje, tiveram seus direitos violados, sofrendo a expropriação de suas terras, consequentemente dos modos de vida, próprias lógicas organizativas e diretrizes socioeconômicas. A partir da criação da disciplina Antropologia no Brasil em 1920 e seu engajamento na construção da nação brasileira, que a questão indígena no Brasil foi colocada em debate, envolvendo os antropólogos na luta pelos direitos dos povos indígenas (Peirano, 1991). Foi representativa na época, a presença de antropólogos cada vez mais inseridos na esfera pública, atuando na arena das políticas estatais e em órgãos destinados à defesa dos direitos indígenas (Lima, 2002). “A Antropologia no Brasil discute a questão indígena na medida em que sempre investigou as questões resultantes da relação entre o Estado e os povos indígenas no interior de suas vertentes mais clássicas e tradicionais, seja por meio da etnologia indígena, ou dos estudos sobre a política indigenista brasileira, os quais acabaram contribuindo para a defesa e garantia dos direitos indígenas.” (CUNHA, 1994) A disciplina Antropologia no Brasil desenvolveu-se em duas vertentes: na dedicação aos estudos sobre as “dimensões internas” dos povos indígenas e nos estudos dos processos de “contato interétnico” (Castro,1999). Segundo Rosa (2003), a etnologia contatualista foi tida como aquela mais comprometida com a questão indígena. Darcy Ribeiro (1970) se destacou no âmbito da questão com os estudos do “contato internético”. A partir de 1940 antropólogos como Heloísa Alberto Torres, Darcy Ribeiro, Roberto Cardoso de Oliveira, Eduardo Galvão entre outros passaram a atuar na formulação de políticas indigenistas brasileiras (PIB, 2012 apud Machado, 2012). 6 Em sua dissertação de mestrado, Machado (2012) aborda o processo de conformação da questão indígena brasileira, oriunda da colonização do país até suas expressões atuais. A autora mostra a importância da análise das relações principalmente entre o Estado e os povos indígenas, e entre esses e a sociedade para a compreensão desta questão social. [...]ao longo da história do Brasil os povos indígenas foram expropriados de seus territórios tradicionais, sofrendo as consequências de políticas indigenistas voltadas à assimilação e integração, as quais contribuíram para a conformação de um processo amplo de perdas culturais, sociais, econômicas e simbólicas.” (MACHADO, 2012) Segundo Iamamoto (2000) a raíz da produção/reprodução da questão social na sociedade capitalista está na acumulação da miséria gerada a partir da lógica de acumulação do capital. É uma questão estrutural que diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais encontradas na sociedade capitalista. Esta situação incita a luta pela cidadania e reconhecimento dos direitos sociais e políticos de todos os indivíduos sociais, através da mobilização de grupos que sofrem essas disparidades por estarem inseridos no processo capitalista. A intermediação do Estado através de políticas sociais é característica nesta questão. “A questão social expressa portanto disparidades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por relações de gêrero, características étnicoraciais e formações regionais e formações regionais , colocando a causa as relações entre amplos seguimentos da sociedade civil e poder estatal.” (Iamamoto, 2000) No dicionário Micheelis (2011), a palavra questão pode significar “discussão, tema, controvérsia, disputa, pendência, atrito, perturbação, dissidência, problema, quesito”. A situação atual dos povos indígenas no Brasil e a história de sua sobrevivência face às expropriações causadas pelo processo de expansão capitalista a que foram submetidos, expressa alguns dos sinônimos citados acima como resultado de relações assimétricas de poder entre grupos étnicos brasileiros, Estado e capital. “As consequências das perdas territoriais dos povos indígenas incidem e se misturam às manifestações da chamada questão social, da qual o processo de empobrecimento econômico é o exemplo mais visível, ao lado das perdas culturais” (MACHADO, 2012) A questão indígena gira entorno da problematização causada pela expropriação dos seus territórios tradicionais. Para os indígenas a terra de seus antepassados contém valores materiais e imateriais necessários a sua sobrevivência. Mas apesar de existirem políticas indigenistas brasileiras, muitas etnias indígenas não foram restituídas do direito às terras próprias e, com isso de autodeterminarem suas vidas de acordo com sua cultura, gerando diversas situações de vulnerabilidade social como a miséria, alcoolismo, depressão, prostituição entre outras. “As reivindicações territoriais continuam e sempre continuarão sendo uma “demanda consistente” por parte dos povos indígenas, pelo fato de que é justamente sobre os seus territórios que eles obtêm os elementos necessários ao desenvolvimento e à reprodução de suas atividades, sejam elas produtivas ou socioculturais, espirituais e/ou simbólicas” (SANCHEZ, 2009) 7 Abordar a questão indígena traz a dificuldade metodológica quanto a melhor maneira a fazê-la, considerando que existem diversas formas de relações entre etnias indígenas, Estado e Capital, como é o caso de povos isolados sem contato com a sociedade capitalista. Sanchéz (2009) em pesquisa com os povos indígenas, identifica desde minorias totalmente integradas às economias de mercado e ao capitalismo de seus respectivos países, até povos indígenas parcialmente integrados aos circuitos comerciais e econômicos, cujas formas produtivas e distributivas de bens são reguladas a partir de necessidades sociais e comunitárias. A dificuldade com relação à forma metodológica e teórica ao tratar sobre a questão indígena, inclusive na definição do que é pobreza para esses indivíduos, contribuiu por muito tempo para negar aos indígenas o direito de acessar políticas sociais destinadas a minimizar os efeitos gerados pelas desigualdades estruturais do capitalismo (Machado, 2012), expressas nas manifestações clássicas da questão social como a pobreza. Apesar da complexidade ao lidar com a questão indígena, o Brasil tem feito isto a partir do conceito de pobreza direcionado pelo Banco Mundial, segundo parâmetros monetários – renda per capta. Este critério tem sido usado para a inclusão dos indígenas nas políticas sociais, destinadas à erradicação da pobreza e “melhoria da qualidade de vida de forma arbitrária, ou seja, sem um processo de diálogo intercultural com comunidades que supostamente vão ser ‘beneficiárias’ dessas políticas” (MACHADO, 2012). O fato de os indígenas no Brasil sempre terem sido vistos como um estorvo para a integração econômica e política do país na ideia de problema a ser resolvido, faz com que “os setores que lidam com a questão indígena usem o lema de que o problema indígena é fundamentalmente político e econômico” (GALLOIS, 1998). Apesar dos indígenas brasileiros estarem atualmente classificados na situação de pobreza e extrema pobreza, abordar a questão indígena com base nesse conceito seria lançar um olhar simplista sobre a realidade. A situação indígena no Brasil abrange problemas de desnutrição e mortalidade materno-infantil, doenças infectocontagiosas e parasitárias (tuberculose e malária), carências de saneamento habitacional, baixa qualidade de ensino e a invasão de terras tradicionais (Alves, 2012). [...]a pobreza não é apenas condição de carência, passível de ser medida por indicadores sociais. É, antes de tudo, uma condição de privação de direitos, que define, formas de existência e modos de sociabilidade”. (TELLES, 1993) Recuperar a história política do indigenismo para situar a atuação do Estado e tentar vislumbrar a relação que ele tem estabelecido com indígenas ao longo da história e da atualidade, ajudará a compreender melhor a questão indígena no Brasil. Segundo Machado (2012), os vários projetos políticos que os Estados brasileiros destinaram à realização de uma gestão dos povos indígenas expressam elementos que constituem a questão indígena. 3. As Políticas Indigenistas no Brasil A dissertação de mestrado de Machado em 2012, apresentada ao Programa de PósGraduação em Política Social do Departamento de Serviço Social da Universidade de 8 Brasília, propôs um estudo criterioso sobre a políticas indigenistas dos Estados brasileiros. As informações discorridas ao longo deste capítulo tiveram como principais referências os apontamentos da autora citada. Segundo Machado, rever os caminhos que os Estados brasileiros tomaram frente à questão indígena, através do estudo dos projetos políticos dos Estados para os Povos Indígenas no Brasil, ajuda a entender o processo de negação à existência e aos direitos desses povos na história do país. Tais projetos desenvolveram políticas de genocídio, integracionismo, discriminação e etnofagia direcionadas à “eliminar e dissolver as entidades e os bens coletivos dos povos indígenas” (Sanchéz, 2009). A literatura indigenista mostra que as intervenções Estatais no trato das questões indígenas no Brasil são e sempre foram direcionadas pelo modelos econômicos e seus interesses de dominação étnica. A relação dos Estados brasileiros com esses povos sempre estiveram alinhadas aos paradigmas sociopolíticos vigentes de cada momento histórico, “possuindo em maior ou menor grau, um projeto político para essas populações”. (MACHADO, 2012) Diferente de outros países em que a maioria dos habitantes pertencem à etnias indígenas, como na Bolívia, o Brasil trata do tema como uma questão de minorias onde as políticas do Estado são desenvolvidas predominantemente por brancos para serem apliacadas aos indígenas, por isso a expressão políticas indigenistas, se refere “de branco para índio” (MARINO, 2010). “Com base na idéia de um problema a ser resolvido, principalmente porque os indígenas sempre foram vistos, no plano econômico, como entraves ao desenvolvimento, é que “a ação indigenista estatal foi desenvolvida em torno dos interesses e necessidades da sociedade dominante” (CARVALHO, 2008: 26) Lima (em 2002) atenta para o estudo das políticas indigenistas como um “campo fértil para a análise dos poderes estatais no Brasil, visto que por meio delas é possível observar os modos particulares que o Estado interagiu com os diversos povos indígenas desde a colonização até hoje.” Para facilitar a compreensão dos achados da literatura indigenista brasileira e a relação Estado-Povos Indígenas no Brasil, foi discorrido em uma sequencia de quatro fases, o seu processo de conformação. A primeira fase é iniciada com a colonização Brasil. Machado (2012) afirma ser esta uma fase caracterizada pela omissão do Estado frente às questões indígenas, até o começo do séc. XX. Neste período, a política indigenista no país esteve mais sob o controle da Igreja, através atuação missionária direcionada à conversão e catequização dos índios. Esses anos foram marcados pela “prática da escravidão indígena em que o objetivo da política era o de exercer controle e a domesticação do trabalho indígena para atender aos interesses econômicos da colônia” (MACHADO, 2012: 48). [...]apesar de pouco abordada na historiografia, a escravidão indígena desempenhou um papel de grande impacto não apenas nas populações nativas, como também na constituição da sociedade e economia coloniais”. (MONTEIRO, 1998: 105) O período de colonização foi marcado por um modelo comercial com “objetivos mercantis próprios da expansão ultramarina da Europa, que visava a exploração da natureza 9 para beneficiar o comercio europeu” (PRADO, 2000). A economia portuguesa chegou ao Brasil com intuito de expandir seu mercado para outros continentes, o que gerou forte desigualdade econômica, ao tornar negros e indígenas em escravos na busca da metrópole em acumular as riquezas do país. Segundo Prado (2000), essa conjuntura forçou os nativos e povos colonizados a negarem por séculos os seus costumes, falas e conhecimentos, fruto da mentalidade eurocêntrica. Suas identidades foram corrompidas pelos europeus que “projetavam a imagem dessas populações como inferiores e não civilizadas” (FANON, 1961). O contato entre brancos e indígenas, foi marcado pela presença de conflito e de escravidão. As nações europeias não tinham o menor interesse sobre as culturas ou religiões dos indígenas, somente pela exploração. Barbosa em 2011, afirma haver na época a ideia de civilizar os primitivos, levando à eles os costumes europeus como estratégia para obter melhores condições de aproveitar as riquezas naturais das terras “conquistadas”. A exploração brutal que forçava os índios à escravidão, os maltratos e massacre étnico realizado pelos colonos, além de guerras intermitentes, tornaram impossível uma convivência pacífica. Diante disso, Portugal interviu declarando a lei de Pombalina (1760) que trazia a tese de liberdade dos indígenas, e com isso a necessidade de educá-los (Sampaio, 2012). A indígena Naira Sampaio em sua monografia (2012) intitulada “Povos indígenas e o Estado Brasileiro: uma leitura cultural e política através da vivência com o povo guarani mbyáda da comunidade Araçaí”, faz apontamentos sobre a política de civilização da fase Brasil colônia, com orientação governamental ditada pela “utopia” de construir uma única nação. A imposição da língua portuguesa e a permissão para utilizar o indígena como trabalhador assalariado faz parte dessa política que trazia fortemente a ideia da miscigenação. Acreditavam que a transmissão dos “valores pregados por uma minoria pudessem servir a todos, como forma de homogeneizar e de dominar, acobertando tal violência com discursos patriotas e de caráter paternal”(SAMPAIO, 2012), ignorando os valores dos povos nativos. O projeto político colonizador português atuou com a ideia de “misturar esses seres considerados primitivos e em estágio atrasado de evolução, à população brasileira em geral” (Poutiguar & Streiff-Fenart , 1998), era o início da política integracionista. Essas políticas reforçavam o preconceito e a dominação sobre esses povos com o objetivo de assimilar a raça indígena à população brasileira, até promover sua dissolução. Com a ideia assimilacionista/integracionista do “povo brasileiro”, o Estado incentivou a realização de casamentos interétnicos com base em um projeto de evolução da sociedade (Araújo, 2010). Estas ações políticas, eleitas pelo Estado e sociedade ancoradas na ideia de desenvolvimento, conforme suas culturas e instituições sociais, incluiu os indígenas na prática mas os excluiu na escolha de participar. “Com a estrutura única de Estado-nação imposta à todos, aliada ao domínio do território, das ciências e das estruturas burocráticas de poder, a história se consolidou como fruto de dominação violenta e injusta”. (SAMPAIO, 2012) Em 1850 foi criada a Lei de Terras que fortaleceu a política assimilacionista no indigenismo brasileiro, em que os governos provinciais, diante do crescimento demográfico 10 das antigas vilas, criou a regularização de propriedades rurais para uso agrícola e pecuária a não-indígenas, “declarando extintos os antigos aldeamentos indígenas e incorporando seus terrenos a comarcas e municípios em formação” (OLIVEIRA, 1998). As primeiras formas de Estado não reconheciam os indígenas como sujeitos de direitos, em suas legislações, omitiram a existência dos índios e os expulsavam de suas terras (Sampaio, 2012). O segundo momento da ação indigenista estatal – 1910 até 1967 - foi influenciado pela ideia de que os indígenas pertenciam a “um estrato social concebido como transitório, futuramente incorporáveis à categoria dos trabalhadores nacionais” (LIMA, 1995: 120). Desta forma, o projeto político indigenista de caráter integracionista, transformaria os índios em trabalhadores rurais e/ou operários, através de “estratégias de pacificação e atração” (MACHADO, 2012 : 56). O Estado baseado no desenvolvimentismo, buscou incorporar os indígenas à sociedade nacional por meio de medidas protetivas e tutelares exercidas através do órgão nacional Serviço de Proteção ao Índio e Localização do Trabalhador Nacional – SPILTN – (Sampaio, 2012). O conceito de proteção considerava uma relativa incapacidade civil dos índios, com isso, a necessidade do Estado em mediar os interesses e direitos indígenas. A proteção exercida pelo SPI em torno de 1918, visava integrar os indígenas ao mercado de trabalho rural e à cultura da sociedade brasileira no projeto nacional de nação homogênea, excluindo a questão das desigualdades ou a participação dos povos indígenas no campo político (Machado, 2012). “A tutela foi posteriormente recepcionada no Código Civil de 1906, na Lei n° 5.484, de 27 de junho de 1928 e na Lei n° 6.001, de 1973, conhecida como Estatuto do Índio, legislação infraconstitucional ainda vigente que trata os indígenas como silvícolas relativamente incapazes e difunde a crença de uma hierarquia racial que confere superioridade aos brancos e prevê ou a assimilação de todos os indígenas à sociedade nacional e/ou o seu desaparecimento” (MACHADO, 2012: 51) Em 1967 foi criada a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), como órgão estatal indigenista. Segundo o autor Verdum (2010), essa fase foi composta por um “regime de proteção e assistência aos indígenas” com a ideia estatal de cidadania indígena restrita ao direito civil, mantendo a tutela do Estado. Um terceiro ciclo da política indigenista no Brasil se inicia em 1967 e vai até 2009. A partir da década de 1970, a mobilização da sociedade civil direcionou-se para a defesa dos direitos territoriais dos povos indígenas (Farage, 1991), o que causou maior interesse social pelas expressões da questão indígena diante do processo de empobrecimento em que viviam estes povos. Diante disto, foi colocada em pauta de discussão temas “relacionados à deficiência no acesso à saúde, educação e assistência social”(MACHADO, 2012: 53) e propostas de desenvolvimentos comunitários, sustentável e etnodesenvolvimento (idem). Na década de 1980 a participação de forças políticas e sociais na luta pela democratização do país, trouxe o reconhecimento dos direitos socias básicos, reivindicado o aumento da cidadania no Brasil (Machado, 2012). A autora Sampaio em 2012, pontua que a luta por representação dentro do Congresso Nacional levou os indígenas a ingressarem no âmbito político e a buscarem apoio junto a outras instituições como a União das Nações Indígenas - UNI, o Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC, a Secretaria de Estado da 11 Educação - SEED, o Serviço de proteção ao Índio de São Paulo – SPI/SP e a Associação Brasileira de Antropologia – ABA. O aumento da visibilidade sobre as questões indígenas no Brasil, gerou o reconhecimento de sua natureza multicultural e pluriétnica, “com o potencial de reestruturar as políticas do Estado brasileiro” (INESC, 2009 : 95-96). Nesta fase ocorre uma transição em relação às políticas indigenistas como parte da nova ordem social do Estado Democrático de Direito. A promulgação da Constituição Federal de 1988 muda o quadro indigenista estatal, reconhecendo as múltiplas formas de vida, afirmadas no art. 231 que declara a organização social, crenças, costumes, línguas e tradições próprias dos povos indígenas, de forma que as ações do governo devam respeitar os modos próprios de vida desses povos. A constituição revela-se como um avanço no âmbito da política indigenista estatal pois reconhece a capacidade civil dos povos indígenas o que põe fim à tutela. Consagra “o direito originário dos povos indígenas sobre suas terras tradicionalmente ocupadas, bem como a posse permanente e o usofruto exclusivo dos recursos naturais nelas existentes”(MACHADO, 2012), rompendo juridicamente com a tradição indigenista integracionista estatal. “O Estado reconhece o dever de promover e de proteger os direitos dos povos indígenas, por isso implementa políticas cultural, educacional, de saúde, ambiental, além da demarcação das terras para a continuidade da existência das 305 etnias indígenas existentes no Brasil” (SAMPAIO, 2012: 45). A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes em 1989, significou um avanço na política indigenista internacional, o que influenciou posteriormente no indigenismo brasileiro. O evento reconhece os direitos à terra e território, ao acesso sobre recursos naturais, o próprio direito consuetudinário, como também direitos relativos ao trabalho, saúde, comunicações, línguas, educação bilíngue intercultural.“Contou com a participação de alguns povos indígenas e aboliu definitivamente as políticas integracionistas ao optar por um novo modelo pluricultural”. (FAJARDO, 2009: 21) Na década de 90, a atuação não estatal e transnacional chamada de “indigenismo alternativo das Organizações Não Governamentais - ONG’s - de apoio à causa indígena” (SOUSA, 2000 apud MACHADO, 2012) e a atuação de agências internacionais voltadas ao etnodesenvolvimento e desenvolvimento de capacidades produtivas, influenciou a política indigenista do Brasil, configurando o “novo indigenismo” (Machado, 2012). Faziam parte dessa prática entes estatais/governamentais, diversos atores e recursos internacionais que muitas vezes tinham interesses opostos aos dos povos indígenas. O novo indigenismo intitulado pluralista e respeitador da diversidade cultural, apesar de trazer mudanças políticas positivas, trouxe também “formas renovadas, de integração econômica, cultural e política dos indígenas” (VERDUM, 2006) à organização societária vigente. A reforma administrativa estatal promovida pelo Governo Collor de Melo (1991) retirou a exclusividade da FUNAI sobre a gestão da política indigenista, pondo fim à “hegemonia política, ideológica, e administrativa no trato da questão indígena” (VERDUM, 2006). A gestão das políticas voltadas aos Povos Indígenas, foi compartilhada por pelo menos, quinze órgãos setoriais sobre os quais recaem, as responsabilidades pela educação e saúde indígena, entre outras (Souza Lima & Barroso-Hoffmann, 2004). 12 Em 2007 é criada pela Organização da Nações Unidas – ONU - a Declaração das Nações Unidas Sobre os Direitos dos Povos Indígenas, transformando o âmbito indigenista com o princípio dos direitos individuais e coletivos. O conceito de cidadania indígena proposto pela OIT 169 e pela declaração citada é integrado posteriormente na política indigenista brasileira. Estes dois documentos buscaram o reconhecimento dos direitos políticos indígenas incluindo: “A autonomia de decisão; o autogoverno e controle sobre os territórios e os recursos naturais nele existentes; o direito à representação política nas instâncias de poder legislativo do Estado; e o protagonismo na formulação e controle sobre as chamadas políticas públicas dos Estados em que estão inseridos por força do processo de colonização iniciado na região no final do sec. XV, no Brasil ainda nos encontramos distantes disso ser efetivado”. (INESC, 2009) As reformas políticas e institucionais posteriores a Constituição Federal de 1988 foram influenciadas pelo modelo neoliberal de economia, pela queda do modelo desenvolvimentista e pelo processo de redemocratização e consolidação das organizações indígenas (Machado, 2012). Isto reduziu os investimentos e recursos do Estado e da socidade destinados ao equacionamento da questão indígena no Brasil. Ações guiadas pela ideia de eficiência do setor público, por meio de políticas focalizadas na erradicação da pobreza, caracterizam a atuação estatal da época através de sobreposições de ações, descontinuidade, insuficiência e ausência de controle social (Silva e Silva, 2004). A reforma do Estado na década de 90 buscou reformular a política indigenista brasileira, dsndo origem ao Projeto de Promoção e Proteção Social dos Povos Indígenas. Neste momento, o Estado passa de provedor para facilitador/regulador da promoção e do desenvolvimento socioeconômico, cabendo às organizações públicas não estatais e instituições privadas a responsabilidade de realiza-las (Sousa, 2000), típico de um Estado neoliberal. Na quarta e atual fase da política indigenista estatal, o Brasil vota pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e assina a Convenção 169 Sobre os Direitos das Populações Autóctones e Tribais da OIT, visando superar o chamado “indigenismo integracionista clássico” (Verdum, 2006). Este era baseado na prestação de assistência e tutela, que acaba por ser substituído pela nova proposta de promoção e proteção social para os povos indígenas. Tal proposta é idealizada pelo conceito de cidadania indígena “na perspectiva dos direitos” voltado à garantia da igualdade (Machado, 2012). A reestruturação da FUNAI, iniciada em 2007 é uma marco importante na política indigenista brasileira. Se deu pela suposta ruptura com os projetos anteriores e influência do Plano Pluri Anual (PPA 2008-2011) que delegou à FUNAI a renovação da ação institucional para “coordenar o processo de formulação e implementar a política indigenista brasileira, instituindo mecanismos de controle social e de gestão participativa, com vista à proteção e à promoção dos direitos dos povos indígenas” (MACHADO, 2012). Antes de sua reestruturação, a FUNAI era responsável por execer a tutela dos índios e foi referência no “campo da assistência” para os povos indígenas com ações emergencialistas e clientelistas (Lima, 2011). É necessário analisar essa ruptura do novo projeto político indigenista estatal com relação aos projetos anteriores. Esta afirmação é baseada no fato de ser um projeto que se 13 ancora na implantação de uma Agenda Social Para os Povos Indígenas, com políticas de viabilização do acesso desses povos “a direitos sociais traduzidos em políticas sociais universais, ações e programas que os colocam em contato com mercados locais na qualidade de consumidores” (MACHADO, 2012: 40). Segundo a autora citada, as políticas públicas indigenistas incorporam as diretrizes do atual modelo econômico no Brasil, o neoliberalismo, trazendo assim a uma atualização do integracionismo na concepção de universalidade e na integração do índio no mercado. Ao analisar o Sistema Siga Brasil, Machado revela que muitos projetos indigenistas ainda privilegiam o extensionismo rural, a assistência técnica e a geração de renda, na perspectiva desenvolvimentista. 3.1. A política do Programa de Proteção Social aos Povos Indígenas O Programa 150 do Plano Pluri Anual de 2008 à 2011 do governo federal, define Programa de Promoção e Proteção Social dos Povos Indígenas no Brasi. Este busca efetivar uma cidadania indígena seguindo as diretrizes das ultimas leis assinadas nos últimos anos sobre os povos indígenas como a CF 88, a convenção 169 da OIT e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. O documento Ação 2384 – Proteção Social dos Povos Indígenas, inclui o Programa 0150, direcionando as ações do projeto político indigenista estatal à manutenção ou recuperação das condições objetivas de reprodução dos modos de vida indígenas, oferecendo-lhes oportunidades de superação das assimetrias com relação ao resto da sociedade brasileira. As ações do Estado na questão indígena são desenvolvidas através de programas de transferência de renda. A partir da criação do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) em 2004, o acesso dos povos indígenas às políticas sociais se focalizam em famílias pobres com o intuito de minimizar a pobreza, como o Programa Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada, entre outros. Estes programas utilizam critérios de elegibilidade baseados na renda mensal per capta, baseando-se nas recomendações dadas pelo Banco Mundial no Relatório Indigenous Peoples Development Plan de 2004, em que essas políticas afirmam a importância do acesso dos povos indígenas aos programas de transferência de renda para uma melhora da qualidade de vida e promoção de um desenvolvimento sustentável. “Quase sempre guiados por cartilhas de organismos internacionais, como o Banco Mundial ou agências da ONU, orientam-se por uma idéia de cidadania regulada, neoliberal, identificada com políticas universais adaptadas que alçam o indígena ao patamar de consumidor de baixa renda.”(MACHADO, 2012). A Ação 2384 criou a Coordenação Geral de Promoção dos Direitos Sociais da FUNAI, com o objetivo de “formular, organizar, coordenar, controlar, orientar, supervisionar e articular em conjunto com as instituições afins as políticas de promoção e proteção dos direitos sociais para os povos indígenas, fundamentadas na articulação intersetorial e com participação indígena, considerando as especificidades étnico-culturais e territoriais e as perspectivas geracional e de gênero desses povos” (FUNAI, 2011). 14 Outra ação de reestruturação dentro da FUNAI a partir da aplicação deste programa, foi a criação da Diretoria de Promoção e Desenvolvimento Sustentável, com o objetivo de levar uma “melhora da qualidade de vida, superação das assimetrias em relação à sociedade nacional e desenvolvimento segundo suas próprias necessidades” aos povos indígenas (FUNAI, 2011). O Plano Brasil sem Miséria (2011) do governo, relaciona as estratégias de ação do Estado frente a questão indígena com o objetivo principal de promover a inclusão social e produtiva da população extremamente pobre e diminuir o percentual dos que vivem abaixo da linha da pobreza. Prioriza a elevação da renda per capta, a ampliação do acesso aos serviços públicos e às oportunidades de ocupação e renda, através de ações de inclusão produtiva nos meios urbano e rural. O PPA (2012-2015), prescreve o Programa de Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas e relaciona ações direcionadas aos indígenas com a aplicação de políticas assistenciais universalizantes. Tais políticas tem tido entraves para chegarem a esses povos visto suas próprias formas de organização social e dinâmicas de relações. Com o “paradigma do desenvolvimento econômico como pressuposto de melhoria de qualidade de vida” (MACHADO, 2012), o Plano Brasil Sem Miséria estabelece metas para a diminuição das diferenças socioeconômicas da nação e insere os povos indígenas em suaus ações, o que pode anular as especificidades étnicas e culturais desses povos sem direcionar nenhuma adequação dos programas sociais para esses indivíduos. O Programa Bolsa Família é a principal estratégia de atuação para a garantia de renda à população pobre no Brasil, através de transferência monetária às famílias enquadradas no plano. Além do PBF o programa de Benefício de Prestação Continuada também insere os indígenas em suas ações sem levar em consideração suas particularidades sociais, econômicas e culturais, generalizando-os na população brasileira. Segundo Alves (2012), a falta de conhecimento sobre os programas assistenciais por parte dos indígenas, o desconhecimento dos critérios de concessão por parte dos profissionais do CRAS, a falta de orientação e encaminhamento por falha na comunicação e/ou falta de documentação, tem sido alguns dos motivos que dificultam ao acesso dos povos indígenas sobre seus benefícios. Para ultrapassar essas barreiras, os indígenas tem procurado advogados e terceiros para intermediarem as concessões porém , tais pessoas tem se apropriado indevidamente de parte dos benefícios destinados aos povos indígenas. Os programas de diminuição de vulnerabilidade não alcançam suas metas. Os CRAS Indígenas não têm funcionado em sua plenitude, junto a isso, ocorre “um desconhecimento por parte dos usuários sobre a Assistência Social como direito, o que facilita a prática clientelista e assistencialista”.(ALVES, 2012: 25) Os desrespeitos frente às leis brasileiras e tratados internacionais que regem os direitos dos povos originários no Brasil, a exemplo a construção da Usina Belo Monte e ações como a “política de demarcação de terras, a política social e aquelas que mantém os indígenas em uma situação de tutela” (AYLWIN, 2009: 6), faz alguns autores considerarem que o Estado continua até hoje, com práticas que geram o etnocídio dos povos indígenas (Machado, 2012). Essas políticas acabam por gerar grandes dificuldades para o Serviço Social ter uma prática eficaz, no sentido de garantia de seus direitos, no trato da questão indígena. 15 4. O Serviço Social e a Questão Indígena no Brasil A constituição da sociedade brasileira se deu com marcas profundas de desigualdade social, presentes até os dias atuais. O Serviço Social assume uma responsabilidade profissional para intervir nas expressões das violações de direitos em busca de uma equidade e justiça social. O Código de Ética Profissional – CEP - do Serviço Social de 2001 traz orientações profissionais voltadas à “defesa do trabalho e dos trabalhadores, do amplo acesso a terra para a produção dos meios, ao compromisso com a afirmação da democracia, da liberdade, igualdade e da justiça social”. A relação do Serviço Social com a questão indígena se faz presente nos princípios fundamentais do código de ética ao estabelecer para a profissão: “O reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; a defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo e o empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças; construção de uma nova ordem societária, sem dominação exploração de classe, etnia e gênero” (CEP, 2001) Segundo Iamamoto (2000), desde os anos 80 a questão social “indissociável das relações sociais capitalistas, nos marcos da expansão monopolista e de seu enfrentamento pelo Estado” encontra-se na base da profissionalização do Serviço Social. A questão indígena no Brasil, como expressão da questão social, demanda a intervenção do assistente social. A partir de 2003, “questões como a fome, pobreza e desigualdade passam a ser prioridade e ganham destaque na agenda pública” (ALVES, 2012: 11). As políticas e programas de combate a fome, transferências de renda e de assistência social foram unificados em 2004, com a criação do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (MDS) e a Política Nacional de Assistencia Social (PNAS), o que ampliou as políticas de benefício aos povos indígenas e a atuação do assistente social na área indigenista. Os povos indígenas foram integrados ao Programa Bolsa Família (PBF), Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e distribuição de cestas básicas nas aldeias. Além disso, foram expandidos à eles políticas já existentes, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC). A questão indígena está em crescimento dentro do âmbito do Serviço Social, isso se deu através da política desenvolvimentista que o Brasil assumiu nos últimos anos, expandindo os benefícios assistenciais focalizados no combate a extrema pobreza aos indígenas. O programa Fome Zero por exemplo, incluiu desde o início os povos indígenas, distribuindo cestas básicas em casos de situações críticas, fazendo ações emergenciais e investindo na produção sustentável de alimentos (Filho & Carvalho, 2008). Segundo o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS) em 2012, estas ações “estão muito aquém das necessidades básicas e interesses dos povos indígenas”. 16 O MDS iniciou a implementação dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) em comunidades indígenas - CRAS Indígenas - com o objetivo de aumentar o acesso desses povos à proteção social básica. Essa ação segue os objetivos da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS- de 1993, quanto a “contribuir com a inclusão e equidade dos usuários e grupos específicos, ampliando bens e serviços socioassistenciais em áreas urbanas e rurais”. Em abril de 2012 foi realizado o 40º Encontro Nacional CFESS-CRESS, onde foi reafirmado o compromisso com a questão indígena, expondo o avanço profissional do assistente social nas chamadas populações tradicionais (índios, ribeirinhos, quilombolas,pescadores, etc.) nas políticas sociais brasileiras. [...] intensificação da discussão, no Conjunto CFESS-CRESS, sobre a questão indígena no Brasil, a população quilombola e comunidades tradicionais, o aparato legal (legislação) que as regem, o estudo sobre o acesso desses segmentos às políticas públicas, apoiando a luta pela demarcação das terras e a articulação e apoio às lutas dos movimentos sociais pelo direito à terra, pela moradia digna, pelos direitos dos povos originários, quilombolas, população em situação de rua e catadores/as de materiais recicláveis. O CFESS, portanto, se manifesta a favor da necessidade de compreendermos essa realidade de múltiplas diversidades, como mais um desafio que se coloca para a defesa do nosso projeto éticopolítico profissional.” (CFESSCRESS, 2012) Segundo a autora Alves (2012), o papel desempenhado pela assistência social junto aos povos indígenas tem sido de muita importância. Cerca 90% das famílias da etnia Kaiowás-Guarani, participam do programa bolsa família, tendo neste benefício sua principal renda. Diante da falta de perspectiva com relação às suas próprias formas de sobrevivência, esse numero pode aumentar. Porém é necessário que haja um maior controle nas concessões dos benefícios, para tornar efetivo o seu acesso como também, uma avaliação aprofundada sobre os impactos dos benefícios aos beneficiários e suas famílias. Segundo MEC/UNESCO (2006), os programas assistenciais com relação aos povos indígenas, são incapazes de resolver um problema que é estrutural como os problemas territoriais e de sustentabilidade econômica dos povos indígenas. O MDS (2007) destaca a atual condição de risco dos indígenas em consequência de “condições de seca, confinamento a microterritórios, ausência de condições de plantio, conflitos interétnicos, conflitos com fazendeiros e posseiros, discriminação, entre outros fatores” (ALVES, 2012, 17). Yazbek (2012) informa pelos dados do Plano Brasil Sem Miséria, que dos 817.963 indígenas no país, 326.375 vivem em situação de extrema pobreza (40%). A carência de condições básicas de sobrevivência das comunidades indígenas, mostra o enorme desafio ao Estado para ampliar o acesso das famílias indígenas ao Cadastro Único e ao PBF (Matias & Andrade, 2008). São vários os fatores que levam os povos indígenas à vulnerabilidade, o que traz ao Serviço Social limitações em sua intervenção com relação a emancipação indígena frente a sociedade do capital. A situação dos indígenas é agravada pelos conflitos pelas retomadas de terras tradicionais que se encontram em posses dos fazendeiros. Embora tendo seus direitos étnicos e culturais reconhecidos pela CF/88, “a demarcação de terras consideradas indígenas deveria ser prioridade na estratégia erradicação da pobreza”. (ALVES, 2012) 17 4.1 - Demandas da questão indígena ao Estado ao Serviço Social As manifestações em defesa dos direitos indígenas no Brasil dizem respeito principalmente ao reconhecimento e reconquista de territórios tradicionais. Para os indígenas a terra de seus antepassados contém valores materiais e imateriais necessários a sua sobrevivência. Mas apesar de existirem políticas indigenistas brasileiras, muitas etnias indígenas não foram restituídas do direito às terras próprias e, com isso de autodeterminarem suas vidas de acordo com sua cultura, gerando diversas situações de vulnerabilidade social como a miséria, alcoolismo, depressão, prostituição entre outras (Alves, 2012). “As reivindicações territoriais continuam e sempre continuarão sendo uma “demanda consistente” por parte dos povos indígenas, pelo fato de que é justamente sobre os seus territórios que eles obtêm os elementos necessários ao desenvolvimento e à reprodução de suas atividades, sejam elas produtivas ou socioculturais, espirituais e/ou simbólicas” (SANCHÉZ, 2009 apud MACHADO, 2012) No que se refere às demandas dos povos e movimentos indígenas no Brasil, além da questão territorial, a busca pela restituição dos danos históricos através da sustentabilidade, autonomia, participação e autodeterminação nos projetos políticos indigenistas são destaque nas aspirações desses povos para a obtenção do acesso à igualdade perante a sociedade nacional, o que está pouco incorporado nas políticas (Machado, 2012). A pesquisa de Alves em 2012, sobre os impactos dos programas de transferência de renda aos povos indígenas Guarani-Kaowa, revela que apesar dos esforços governamentais em inserir os povos indígenas nos programas, essa ação pode ser considerada como contraditória aos interesses desses povos. Visto que a demanda dos movimentos indígenas sempre foi pela participação dos membros das comunidades e lideranças na formulação de um “programa especificamente direcionado ao atendimento das suas necessidades, o que nunca ocorreu” (MACHADO, 2012). Segundo Alves (2012), a atuação do Serviço Social em comunidades indígenas revela-se bastante complexa. A autora cita como um exemplo o conceito de vulnerabilidade utilizado pela assistência social contido nas Normas de Operação Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS), que é criticado pelo Grupo Técnico (GT) dos Povos Indígenas por ser definido de forma generalizada, sem considerar as especificidades desses povos, a diversidade de características das comunidades indígenas e suas multiplas formas de organização social. A demanda por melhor qualificação da equipe técnica para intervir com os povos indígenas e promover sua inclusão sem fragilizar seus valores éticos e culturais, traria uma melhora na atuação assistencial dentro da nova política indigenista. “A incorporação dos povos indígenas nos programas assistenciais tem se tornado um desafio para PNAS, no que concerne a implementação e gestão desses programas e tendo que considerar suas especificidades” (ALVES, 2012: 16) 18 Para que a assistência social alcance uma inclusão efetiva dos povos indígenas nas políticas sociais, é necessário que a PNAS desenvolva programas que respeitem suas especificidades quanto as concessões e aplicabilidade dos benefícios assistenciais. A concessão aos benefícios do BPC e PCD, por exemplo, são dadas por critérios de renda familiar per capita segundo o Banco Mundial. Esta aplicabilidade é um equivoco visto que as famílias indígenas diferem de uma família nuclear tradicional. As “parentelas” são as formações familiares dos indígenas, onde grupos grandes de índios moram no mesmo local em que nem todos são consanguíneos (Alves, 2012). Os movimentos indígenas em seus documentos e declarações expõem a busca pela manutenção de suas próprias formas se desenvolver e viver socioculturalmente, através de autogoverno ou regime particular (Sanchéz, 2009 apud Machado, 2012).O autor sistematizou as diversas visões sobre autonomia nos contextos dos movimentos indígenas latinoamericanos, em que os povos indígenas consigam o direito à livre determinação sob seus respectivos Estados. Para isso, é necessário o reconhecimento jurídico e político dos povos indígenas como coletividades políticas, afirmando o respeito e reconhecimento à diversidade sociocultural do Estado. “As nossas terras não são demarcadas, então, é muito difícil acreditar em direitos indígenas se não tem uma política voltada para a questão indígena. Não temos direito à terra, não temos direito à alimentação, a não ser essa cesta básica né? Eles criaram a lei mas não a respeitam, isso o mais grave no nosso país. Não é chegar lá e despejar: ó, tá com fome, joga lá, tipo tratar como animal, depeja lá a cesta básica sem uma discussão, você não promove um povo sem discussão. Precisa ser discutido, então, quanto mais o governo entra na nossa vida, pior fica, então precisa discutir mesmo a fundo isso aí. Eu tenho pesquisa, de colega, numa região nossa, a violência começou e aturma parou de trabalhar depois que começou a entrar dinheiro pra aposentado, começou a exploração de idoso, de pessoas da própria cidade, taxistas, mercados, então isso precisa ser discutido, porque a gente tem experiência onde alguns países que o governo não ajuda com nada e os nossos parentes garani vivem muito bem e feliz da vida. Eu queria que todo o povo brasileiro entendesse que nós, indígenas, principalmente guarani-kaiowá, faz parte desse país e precisa ser considerado como ser humano e ser respeitado como cidadão brasileiro.” (Liderança Indígena Guarani Kaiowá e Membro do Conselho Nacional da Política Indigenista – CNPI in Machado, 2012). 5. Limites e desafios ao Serviço Social para uma atuação que promova a emancipação social do índio Foi visto que no plano Estatal, a política indigenista brasileira e o projeto de promoção e proteção social dos povos indígenas buscam romper com o integracionismo clássico baseado na tutela, a partir de um novo referencial ancorado na ideia de cidadania ligada à incorporação desses povos em políticas sociais universais. Porém, o conceito de cidadania em que o Estado tem direcionado essas políticas, apoia-se em uma ideia de cidadania mercantil, inserindo-os em programas de acesso à benefícios associados à renda e à capacidade de consumo (Reis, 1997: 13). 19 As políticas do Estado o coloca economicamente no papel de provedor mantendo uma relação hierárquica com as classes “necessitadas”, ao invés de valorizar o provimento tradicional, familiar e grupal desses povos (Machado, 2012). Tais ações podem ser identificadas com a ideia de cidadania tutelada ou passiva em que Demo (1995) e Chauí (1990) expõem a ação tutelar do Estado, no critério econômico como garantidor dos direitos sociais através de uma “concessão de cima” para classes populares, universalizando e igualando as especificidades dos indivíduos. É o paternalismo estatal atuando diante da emergência da pobreza. Nessa ação é característica do Estado promover um direito assistencial com o intuito de amenizar o impacto da pobreza na sociedade, gerando também a dependência dos assistidos aos benefícios e rendas estatais. Chauí em 1990, conceitua a cidadania ativa em contraposição à passiva, trazendo a importância da participação dos sujeitos coletivos de direitos nas decisões políticas, convergindo à concepção de cidadania emancipatória de Demo (1995), que valoriza a capacidade crítica do indivíduo e organização coletiva para intervir na realidade social. Bicalho (2011) afirma essas duas concepções de cidadania “na perspectiva da autonomia do sujeito histórico, criador de direitos, capaz de constituir no social e no político um projeto coletivo e de fiscalizar e controlar a ação do Estado”. O fato de as políticas sociais para os povos indígenas do Brasil estarem baseadas em uma renda per capita, enfraquece o potencial emancipatório dos povos inserindo-os em programas que não atendem suas demandas, visto que a fome no universo indígena associase menos à renda e mais ao não reconhecimento/garantia, de territórios tradicionais, depredação de recursos naturais e políticas descomprometidas com a causa indígena (Verdum, 1995). Na Nota Técnica – Proposições à Elaboração de uma Agenda Conjunta entre FUNAI e MDS no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria - 2011, o conceito de autonomia é usado nos documentos da Funai apenas ao fazer referencia ao Convênio 169 porém não o define em nenhum momento. O Plano Brasil Sem Miséria 2011 insere os povos indígenas ancorado na ideia do desenvolvimento econômico como melhoria da qualidade de vida, com o intuito de diminuir as diferenças econômicas e sociais, o que pode trazer aos povos indígenas anulação de suas especificidades étnicas e culturais. A Constituição de 88 e o Convênio 169 trouxeram avanços para a conquista dos direitos dos povos indígenas mas segundo um líder indígena Guarani Kaiowá, “ falta no país fazer valer a lei. As leis são aplicadas através de políticas e as políticas indigenistas do Brasil são criadas por brancos e para brancos e não concretizam a lei na prática.” (in Machado, 2012). Limitações sobre o conceito de pobreza, a dificuldade de inserir critérios como a sustentabilidade, participação e a autonomia, além da demarcação das terras indígenas nas políticas públicas são os maiores desafios para o Estado equacionar a questão indígena brasileira. Segundo Verdum (2011), as políticas sociais são feitas e aplicadas de acordo com critérios de elegibilidade pela Administração Pública Federal e, contraditório aos discursos oficiais que usam os argumentos de direitos, promoção, participação, autonomia e transparência, na realidade, não consideram a participação dos indígenas. 20 “A dificuldade de equacionar a questão indígena, o reconhecimento e demarcação das terras indígenas faz com que o Estado e seu projeto político indigenista busque, no campo das políticas universais, medidas e políticas compensatórias. Estas ao invés de buscarem resgatar a condições para que os povos indígenas vivam conforme suas concepções organizativas e econômicas, compõem práticas que contribuem para a reprodução das relações assimétricas de poder entre o Estado e povos tradicionais.”(SOUZA, 2011) A categoria da cidadania como protagonista do atual projeto de promoção e proteção dos povos indígenas não considera as demandas dos movimentos indígenas. Sua orientação é viabilizar a inclusão dos indígenas em políticas universais para a erradicação da miséria, ancorada em uma ideia de cidadania que despreza a identidade do índio e o respeito às alteridades que os povos indígenas reivindicam. Torna-se necessário o dialogo do Estado com os povos indígenas, para equacionar a questão da autonomia desses povos que além de econômica, inclui “a questão da sustentabilidade nos territórios tradicionais como condição para o exercício da autonomia em suas diversas variações.” (MACHADO, 2012) Examinando a política indigenista no atual projeto político do Estado brasileiro para os povos indígenas, sua realização se dá por meio da articulação interinstitucional, onde esses povos são incluídos em políticas universais, as quais foram feitas para atender o conjunto da população pobre brasileira, sem considerar a participação e autonomia dos indígenas na elaboração dessas políticas. Nestas ações, percebe-se que a política indigenista brasileira traz marcas do indigenismo integracionista clássico. Este, até o século XXI, buscou integrar os indígenas à nação brasileira por meio do desenvolvimento, principalmente o rural. “O projeto indigenista estatal limita-se as ‘diretrizes econômicas que o Brasil prescreve para o avanço econômico do país como o melhor para o desenvolvimento e formação de uma nação competitiva internacionalmente’”.(MACHADO, 2012) Escobar em 2005, afirma que os projetos do integracionismo e do desenvolvimentismo, em roupagens diferentes, estiveram sempre presentes nas políticas indigenistas brasileiras em todas as suas fases com a estratégia de levar aos povos indígenas uma ideia hegemônica de “progresso”. O fato de até hoje existir o modelo integracionista na relação do Estado com os povos indígenas, atrela-os a concepção sócio econômica da nação e exclui as especificidades étnicas culturais. O serviço social ao atuar mediante essas políticas encontra um enorme desafio para uma atuação emancipatória do índio, o que limita a sua prática. É necessário incluir a multiculturaliadade e a participação indígena na formulação das políticas a eles aplicadas, valorizado-os como indivíduos autônomos. Dessa forma fica mais visível ao Serviço Social, equacionar as reais necessidades indígenas e conquistar uma atuação mais condizente com a emancipação desses povos. Boaventura (2008), afirma que os conhecimentos tradicionais dos indígenas e camponeses foram secularizados pela “busca incessante da modernidade” e afirma a valorização desses conhecimentos lembrando de considerar que essas comunidades há séculos sobrevivem com modos próprios de resolução de conflitos, técnicas de agricultura, entre outros saberes. 21 A autora Ana Katrine (2010) em sua dissertação de mestrado aborda o multiculturalismo como ferramenta para a revisão das políticas públicas atuais e sua utilização na gestão das políticas públicas para responder as particularidades locais. Segundo a autora, “o termo multiculturalismo abarca as variadas formas de pluralismo cultural, cada qual com especificidades e desafios Dessa forma, é potencializada a eficácia dos programas”. Segundo Santos & Nunes (2003), o multiculturalismo pode funcionar como teoria descritiva ou como um projeto. Na teoria descritiva, ocorre o reconhecimento da diversidade cultural no mundo dentro de um Estado-nação e a possibilidade de influência que uma pode ter sobre a outra e no projeto, as políticas públicas valorizam essas diferenças. O multiculturalismo como projetos bifurca-se entre o conservador, ressaltando as diferenças e favorecendo uma cultura em detrimento das outras – integracionista - e o emancipatório que reconhece igualitariamente, as diferenças e as identidades. Os autores afirmam que o multiculturalismo emancipatório não gera ambiguidade e promove uma “criação de políticas sociais voltadas para a redução das desigualdades, a redistribuição de recursos e a inclusão”, através do reconhecimento das diferenças, atentando para que não gere distinções. Santos em 2003, fala sobre a utilização dos direitos humanos no modelo do multiculturalismo emancipatório podendo contribuir para criar uma “política emancipatória” pois enquanto forem universais, criarão um localismo globalizado com as consequências de um “choque de civilização”. Martuccelli (1996) traz a crítica à democracia social que indifere o problema identitário, considerando-o via direitos universais como, um problema civil ou um problema social. “A noção de cidadão com a ideia de um ser abstrato cujas necessidades são universais, não o considera como uma pessoa com identidade própria ou de grupo” (MARTUCCELLI, 1996). Taylor (1994), fala do multiculturalismo nas políticas publicas partindo da ideia de que não é possível garantir o tratamento igualitário às diferentes culturas dentro de um Estado. O autor fala das políticas igualitárias como “inóspitas às diferenças” pois aplicam uniformemente à nação, regras de conceitos de direitos, suspeitando de metas coletivas aplicadas à esses conceitos na intenção de privivegiar interesses hierárquicos. Desta forma Taylor ressalta que tais políticas não procuram eliminar as diferenças culturais, pois excluem o que os membros de sociedades distintas aspiram, a sobrevivência de sua cultura. “A visão do multiculturalismo está intimamente ligada à democracia, aos direitos e à cidadania, que adquire o significado de inclusão de populações excluídas, porque, nas palavras de Ruth Cardoso, ‘os direitos garantidos a um indivíduo abstrato – o cidadão – continua a encobrir todas as diferenças’ culturais, de costume, de tradições. Muitas vezes os direitos são previstos para as minorias, mas não exercidos por elas.”(KATRINE, 2010) Para que as políticas de reconhecimento se realizem, é necessário o diálogo entre Estados democráticos e as diferentes culturas valorizando as diferenças em cada comunidade, a proposta é pensar em uma transformação do conceito e das práticas dos direitos humanos como política emancipatória. 22 6. Conclusão O artigo discutiu a questão indígena no Brasil como o resultado de processo de genocídio, dilapidação da cultura, costumes e modos de vida que os indígenas vem sofrendo desde a colonização do pais até os dias atuais. A expansão comercial sobre as terras indígenas, colocada através de uma relação assimétrica de poder entre indígenas e capital, gerou a desapropriação das terras tradicionais desses povos e os levou à situação de extrema vulnerabilidade social, expressando-se como uma questão social. No estudo da literatura antropológica foi identificado que os vários projetos políticos indigenistas dos Estados brasileiros foram direcionados à assimilação indígena e sua integração na nação. O Estado buscou inseri-los nos contextos sócio econômicos de cada época através de projetos políticos, o que contribuiu para um processo de perda de suas especificidades sociais, econômicas e simbólicas, mostrando que em todas as suas fases, os projetos do integracionismo e o do desenvolvimentismo atuou, se atualizou como meta estratégica para levar aos povos indígenas uma ideia hegemônica de progresso. Apesar das conquistas nas leis pelo respeito às diferenças e demandas indígenas, principalmente com a Constituição Federal de 88, permanecem no interior das políticas estatais valores etnocêntricos que reformulam as relações assimétricas de poder entre Estado e Povos Indígenas. A hipótese levantada no início do trabalho foi confirmada, pode-se dizer que o Serviço Social brasileiro encontra limites e desafios para uma atuação que promova a emancipação social do índio, ao mediar a questão através de políticas assistenciais de cunho paternalista e integracionista, as quais não reúnem instrumentos para o desenvolvimento de ações que contribuam para o respeito à diversidade étnica-cultural dessa população e sua emancipação social. Apesar de o projeto político indigenista brasileiro ter o discurso do índio como cidadão, com acesso aos direitos sociais, inclusão em políticas sociais universais, na ideia de respeito à diversidade étnico-cultural, as políticas indigenistas do Brasil carregam uma cultura paternalista, com ações baseadas nos programas de transferência de renda que utilizam critérios universais de inserção para combater da pobreza extrema e inserir os povos indígenas no mercado na qualidade de consumidores. Essas políticas ao invés de proporcionar a emancipação indígena, os atrela à uma cultura sócio-econômica ditada pelo modelo neoliberalista capitalista. Os povos indígenas foram incluídos nessas políticas assistenciais, porém suas diferenças sociais e culturais são foram desconsideradas o que acaba gerando à esses povos o enfraquecimento de sua autonomia, a dilapidação de seus costumes-identidade e dependência econômica. Os movimentos indígenas reivindicam por autonomia, autogoverno e sustentabilidade dos povos como forma de emancipação na possibilidade de criar um futuro mais igualitário baseado em seus próprios valores e decisões, porém isto não é incorporado nas políticas indigenistas do Brasil. Se incorporassem as demandas indígenas, a demarcação de terras tradicionais seria prioridade na estratégia de equacionamento da questão. A orientação atual da política social indigenista está em viabilizar a inclusão dos indígenas em políticas para de erradicação da miséria, desprezando a identidade do índio principalmente quando usa a categoria de cidadania, a qual não respeita às alteridades que os povos indígenas reivindicam. O assistente social, como profissional que utiliza as políticas públicas como instrumentos para suas ações e intervenções nas questões sociais, fica 23 limitado a uma prática baseada em um indigenisimo integracionista, onde a visão de emancipação indígena dificilmente pode ser vislumbrada. O multiculturalismo surge como característica de uma política que possibilita a promoção e emancipação social dos diferenciados grupos culturais de forma eficiente. Através de políticas específicas que aceitam a participação dos grupos sociais chamados minorias, valorizam suas perspectivas e próprias demandas de acordo com as suas particularidades. Um desdobramento interessante deste artigo seria o estudo da aplicabilidade do conceito de multiculturalismo nas políticas indigenistas vigentes no Brasil. Resumen El objetivo de este trabajo es presentar un estudio sobre las cuestiones indígenas y las políticas sociales en beneficio de la comprensión indígena del trabajador social para actuar en este tema. Se utilizó la metodología de la investigación bibliografica, a partir de material ya preparado, que consta de libros, tesis en Política Social del Departamiento del Trabajo Social de la Universidad del Brasilia, artículos de otras universidades del país disponible en formato digital en la página web de scielo, la Constitución Federal del 1988, la Ley No. 6001 de 1973 ( Estatuto del Índio), el Código de Ética de Servicio Social 2011 e los Planes Pluri Anuales 2008-2011 y 2012-2015. La hipótesi del trabajo es que lo Servicio Social encuentra límites y desafíos para el papel emancipador del indio en la mediación de la cuestión a través de las políticas sociales que no cumplen con los instrumentos para el desarrollo de acciones que contribuyan al emancipación social del esta población . El resultado de la investigación demuestra la necesidad de la participación indígena y el reconocimiento de las especificidades étnicas de la eficiencia de las políticas públicas y el ámbito de la emancipación social de los índios. Palabras clave: Cuestiones Indígenas Brasileñas. Las Políticas Indígenas. Trabajo Social. Bibliografia ALVES, Jucelina de Carvalho. OS IMPACTOS DOS BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS PARA OS INDÍGENAS- Estudo de Caso Com Indígenas Com Deficiência das Aldeias Jaguapirú, do Município de Dourados – MS Universidade Católica de Brasília. Brasília, 2012 ARAÚJO, Ana Valéria & LEITÃO, Sérgio. Direitos Indígenas: Avanços e Impasses Pós1988. AYLWIN, José. 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