protagonismo femino, semeando a equiparação de direitos

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PROTAGONISMO FEMINO, SEMEANDO A EQUIPARAÇÃO DE DIREITOS
NO MST: MULHER DIANTE DA VISIBILIDADE SOCIAL E CONSTRUÇÃO
DE UMA NOVA IDENTIDADE1.
Ranúzia Moreira de Lima Netta*
Rosânia Vitória Cardoso Melo Silva**
Rafaela Priscila da Silva Santos***
Allene Carvalho Lage (Orientadora)****
Resumo
Diante do cenário de lutas que são encontrados no Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra - MST, o protagonismo feminino, diante das novas relações de gênero
busca uma equiparação de direitos. Ganhando visibilidade e descaracterizando a
monopolização masculina. Assumindo desse modo um papel de protagonista na
história. Utilizamos como percurso metodológico a pesquisa qualitativa e o método do
caso alargado para subsidiar esse estudo diante de um caráter investigativo nos
Movimentos Sociais. Percebemos com isso que apesar da garantia de leis, de direitos
iguais ainda há uma resistência destacável e considerável para efetivar a equiparação de
direitos e, sobretudo reconhecer a mulher dos Movimentos Sociais como protagonistas e
militantes. No entanto, esses papéis atribuídos socialmente tanto para as mulheres
enquanto minoria quanto para os homens enquanto maioria tem ganhado uma (re)
significação, na qual a mulher está construindo sua identidade de forma política,
ideológica e participativa.
Palavras Chaves: Direitos. Gênero. Protagonismo Feminino. MST
1 INTRODUÇÃO
Este estudo surgiu como pré-requisito avaliativo da disciplina Pesquisa e Prática
Pedagógica III que visa compreender as práticas educativas dentro dos Movimentos
Sociais. Estes são diversificados e propõem uma mudança política, social, econômica,
cultural etc.. Através de uma ação coletiva, composta por ideários distintos, demandado
de peculiaridade e especificidades na reivindicação de direitos igualitários,
desconstruindo a opressão social criada nas relações de poder, entre hegemonia e
minorias.
Os Movimentos Sociais buscam direitos e emancipações tendo em vista à
construção da identidade do sujeito a luz das lutas políticas existentes nos diversos
1
Este trabalho faz parte de uma atividade do grupo de estudo: Movimentos Sociais Educação e
Diversidade, e está integrado ao Projeto de Pesquisa: A MULHER NOS MOVIMENTOS SOCIAIS DO
CAMPO – IDENTIDADES, SABERES DE LUTA E EDUCAÇÃO Um estudo comparado entre as
mulheres do Movimento Sem Terra e as do Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais. Financiado
pelo CNPq.
*
Acadêmica do Curso de Pedagogia UFPE/CAA. E-mail: [email protected]
**
Acadêmica do Curso de Pedagogia UFPE/CAA. E-mail: [email protected]
***
Acadêmica do Curso de Pedagogia UFPE/CAA. E-mail: [email protected]
****
Professora Adjunta da UFPE/CAA. Coordenadora do Grupo de Pesquisa: Movimentos Sociais
Educação e Diversidade. Professora permanente do Programa de Pós-graduação em Educação
Contemporânea do CAA/UFPE. Email: [email protected]
contextos sociais, pois a luta dar-se nas diferentes perspectivas; questionando a
subalternização, a exploração, a descriminação, o preconceito e outras formas de poder,
que deixam em evidência as desigualdades sociais permeadas nas relações entre grupos
sociais.
Nessa perspectiva, buscamos compreender o protagonismo feminino nos
Movimentos Sociais diante da construção da sua identidade, e conquistas de direitos a
qual a mulher sai de seu papel de minoria, lutando contra os papéis construídos
socialmente diante de pressupostos patriarcais.
2 PROTAGONISMO FEMININO; AS MULHERES, A LUTA E A FORMAÇÃO
DE IDENTIDADE.
A trajetória de luta das mulheres pelo reconhecimento social para romper com
múltiplas formas de preconceitos, dificuldades, e, sobretudo subalternização, tem sido
uma luta contra a repressão social da inferioridade. Sabido disto compreende-se que o
protagonismo feminino é justamente o seu ato de revogar, de reivindicar direitos, de
concordar, de discordar e de formar-se como ser político e social. Como explica Sales
(2007):
As mulheres reconhecem que não bastam serem produtoras,
trabalhadoras; é preciso serem reconhecidas como tal. [...] Ao
participar do campo político elas percebem que é preciso entrar no
jogo, e jogar é tratar como imprevisível, o novo e o desconhecido.
No século atual, os papéis das mulheres em distintas segmentações estão
acentuados e perceptíveis, diante disso percebemos que a mulher tem garantido e
conquistado espaço no meio social; revolucionando os aspectos políticos estabelecidos
pelas relações de poder, havendo respectivamente mudanças na construção da sua
identidade e no seu posicionamento efetivo enquanto a sua protagonização. Com isso,
Meyer e Soares (2004, p.98) destacam:
Esse processo permanente de construção de identidade reivindica
constantemente mecanismos de controle e de regulação que garantam
ao sujeito modos de condutas socialmente adequados. Todos os
procedimentos de saberes nesta direção também funcionam ao mesmo
tempo, como marcadores das identidades que vão ser colocadas fora
do campo da normalidade. De um modo geral, o objetivo é eliminar
duvidas e ambigüidades que porventura venham a exigir o respeito de
determinados sujeitos que se apresentam de maneira que fogem aos
padrões dominantes. Nesse caso, é necessário reforçar uma identidade
definitiva e, de algum modo, tentar eliminar as marcas das diferenças.
Concordamos com Meyer e Soares quando explica que a formação de identidade
segue padrões e é influenciada pelas desigualdades sociais, gerando assim, conflitos que
trazem a necessidade de luta feminina por reconhecimento social não aceitando as
diferenças e firmando, sobretudo sua identidade. Com isso, os Movimentos Sociais que
defendem a libertação, a integridade, e o atuar enquanto sujeitos políticos na formação
social. Teles (2003, p.12) coloca que:
A expressão “movimento de mulheres” significa ações organizadas de
grupos que reivindicam direitos ou melhores condições de vida e
trabalho. Enquanto ao “movimento feminista” refere-se às ações de
mulheres dispostas a combater a descriminação e a subalternidade das
mulheres e que buscam criar meios para que as próprias mulheres
sejam protagonistas de sua vida e de sua história.
Percebemos que o ideal dos Movimentos é propor a mulher consciência política
apta a questionar sua condição social, tonando-se perceptível através das mudanças ao
decorrer dos anos. Lutando contra a exclusão e a construção identitárias de uma
sociedade patriarcal, burlando o preconceito e o machismo mediante as ações
educativas. De acordo com Caldart (2001):
[...] Pensarmos o movimento social também como uma das matrizes
pedagógicas fundamentais na reflexão de um processo educativo que
se contraponha aos processos de exclusão social, e que ajude a
reconstruir a perspectiva histórica e a utopia coletiva de uma
sociedade com justiça social e trabalho para todos.
Constata-se, portanto, que moldar o ser feminino para que o mesmo construa
uma identidade política depende basicamente, da formação educacional. A qual é
trabalhada na perspectiva de mudança social, tratando de aspectos amplos e essenciais,
tais como: o posicionamento político, social, sexual, desconstruindo os tabus de gênero
na formação e moldando o ser feminino. Conforme Meyer e Soares (2004, p.97):
Nenhuma identidade sexual – mesmo a mais normativa – é
automática, autêntica, facilmente assumida; nenhuma identidade
sexual existe sem negociação ou construção. Não existe de um lado,
uma identidade sexual, lá fora, pronta, acabada, esperando para ser
assumida e, de outro, uma identidade sexual instável que deve se virar
sozinha.
Fica entendido que a mulher não precisa assumir identidades alheias, para se
posicionar politicamente e adquirir seu espaço no meio. Desenvolvendo seu
protagonismo e trabalhando novas relações de poder de acordo com a sua liberdade de
escolha, formando-se como sujeito crítico e apto a se posicionar perante uma nova
condição social.
Nessa perspectiva, percebemos como afirma Pinto (2003, p. 79) que desde a
década de 1980 as feministas tiveram papel decisivo na conquista de um conjunto
importante de direitos na Constituição de 1988, além disso, a mesma autora ressalta
que:
A constituinte foi um momento muito particular na história recente do
país, no qual houve um formidável movimento de participação da
sociedade que extrapolou, inclusive, os tradicionais limites partidários.
Tal mobilização, expressa nas emendas populares à constituinte,
possibilitou que o movimento feminista fosse protagonista em um
cenário muito particular e promissor no Brasil: o encontro da
sociedade civil organizada com instituições estatais e com o
Parlamento (PINTO, 2003, p.79).
A garantia de direitos na constituição, baseada diante de leis, é de fato uma
conquista para as mulheres do nosso país, não obstante, era uma conquista que não era
efetivada em sua prática, apesar da conquista de voto, de direitos e deveres nos setores
de trabalho, a mulher ainda era vista como a dona do lar, a que está submissa ao marido,
aos pais. Mas esse cenário tem se configurado em novas lutas hodiernas e com isso
mudanças nos setores sociais, e nos papéis pré-estabelecidos. Ganhando visibilidade
social, firmando-se enquanto construtora do conhecimento e de sua identidade, além de
descaracterizar outras construções, como a sexualidade, a militância nos Movimentos
Sociais etc..
3 METODOLOGIA
Na constante busca de compreender os fenômenos da realidade estudada bem
como práticas educativas e sociais que compõem esta realidade, optamos por uma
pesquisa do tipo qualitativa, pois a mesma nos possibilita a coleta de dados descritivos
partindo de uma relação direta com nosso objeto de estudo.
A pesquisa qualitativa possibilita ao/a pesquisador/a, a compreensão de
significados, traduzindo assim os fenômenos estudados, pois como afirma Minayo
(1994 p.21-22):
[...] ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem
ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
Desenvolvemos uma pesquisa do tipo exploratória e explicativa, pois através das
mesmas compreendemos de forma detalhada os aspectos que permeiam o contexto do
protagonismo feminino. Nessa perspectiva, a pesquisa do tipo exploratória:
Têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar
conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais
precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores (...) são
desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo
aproximativo, acerca de determinado fato. Este tipo de pesquisa é
realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado e
torna-se difícil sobre ele formular hipóteses precisas e
operacionalizáveis. (GIL, 2008, p.27)
Desta forma, a pesquisa exploratória familiariza o pesquisador com
determinados assuntos e contextos pouco conhecidos e analisados e possibilita uma
maior aproximação do pesquisador com seus sujeitos e campo de estudo.
Sendo uma pesquisa mais complexa, a pesquisa do tipo explicativa segundo Gil
(2008, p.28):
Têm como preocupação central identificar os fatores que determinam
ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos. Este é o tipo de
pesquisa que mais aprofunda o conhecimento da realidade, por que
explica a razão, o porquê das coisas. Por isso mesmo é o tipo mais
complexo e delicado, já que o risco de cometer erros aumenta
consideravelmente.
A mesma possibilita o/a pesquisador/a identificar os elementos de determinados
fenômenos, descrevendo-os e detalhando-os; aprofundando o conhecimento da
realidade.
O levantamento de dados da pesquisa ocorreu na sede do MST, e no
Assentamento Jardim, através de conversas informais, nas quais verificamos a luta das
dirigentes regionais e dos próprios assentados na busca de seus direitos, além de
realizarmos a observação do cotidiano dos/as mesmos/as, observações estas que
contribuíram para nossa compreensão a respeito dos processos de formação contínua da
mulher e os elementos que contribuem para a construção do protagonismo feminino
neste contexto social.
Segundo Lage (2009) “o melhor método a ser estudado não é aquele mais
conhecido e de domínio amplo, mas aquele que consegue investigar todos os pontos
relevantes para que os resultados da pesquisa sejam alcançados.” (LAGE, 2009, p.7)
Nessa perspectiva, para o desenvolvimento do nosso exercício de pesquisa utilizamos o
Método do Caso Alargado, pois o mesmo proporciona ao/a pesquisador/a compreender
a realidade, expandindo esse aprendizado a partir da teoria.
Este método nos proporciona a ampliação de nossos resultados do estudo de
caso, aprofundando nossas conclusões. Neste sentido Lage (2009) nos afirma que:
De fato, o Método do Caso Alargado propicia uma conclusão de maior
profundidade sobre a investigação realizada, incidindo não apenas
sobre os casos estudados – isoladamente ou comparados – mas por
que oferece uma estrutura metodológica capaz de ampliar o espectro
das reflexões, amplia o universo da análise, de modo que esta possa
discorrer acerca de questões importantes relacionadas com o tema e
presentes na sociedade. (LAGE, 2009, p.8-9)
Deste modo, o Método do Caso Alargado analisa com o máximo de descrição
nosso caso, apontando as especificidades do mesmo. Com isso, utilizamos como coleta
a observação ao mesmo tempo em que permite a coleta de dados de situações, envolve a
percepção sensorial do observador, distinguindo-se, enquanto prática científica da
observação da rotina diária (MARTINS, 2008, p. 23-24). Deste modo optamos por a
realização de uma observação participante, pois a mesma proporciona ao pesquisador o
conhecimento da vida da comunidade, do grupo ou de uma situação determinada.
(GIL,2008, p. 103).
Partindo da realização de conversas informais e da observação participante,
realizamos a entrevista informal e semiestruturada, pois a mesma é uma técnica que
possibilita ao/a observador/a ficar frente a frente ao objeto estudado, para a obtenção
dos dados que o interessam. Assim Gil (2008, p.109) nos apresenta que “a entrevista é,
portanto uma forma de interação social. Mais especificamente, é uma forma de diálogo
assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como
fonte de informação”.
4 O CASO DOS MOVIMENTOS DOS TRABALHADORES RURAIS SEM
TERRA.
O Movimento Sem Terra é um Movimento Social do Campo bastante respeitado, tendo
em vista sua história de lutas que decorrem desde a década de 1980. Antes de surgir o
movimento, a luta pela terra já existia, mas sempre foi muito desigual. Os latifundiários
tendo muito poder econômico e político utilizavam para perseguir, expulsar e até
mesmo matar os que ousassem ocupar terras privadas e improdutivas.
Entre os objetivos políticos da luta do MST estão à luta pela terra, a luta pela
reforma agrária e a luta por uma sociedade mais justa e fraterna2. Nesta direção o
Movimento surge para defender os ideais dos trabalhadores e das trabalhadoras rurais
vítimas da desigualdade social, lutando por uma sociedade socialista e igualitária que
defenda os direitos de todos/as e, sobretudo o direito de utilizar a terra como meio de
2
Site do MST. (mst.org.br)
trabalho e de existência de vida.
A dimensão educativa deste Movimento voltado desde a infância pelas escolas
nos assentamentos, preocupando-se não apenas com o ensinar a ler e escrever, mas com
a preocupação política e social, que são demarcadas nos ideários que constitui a luta e as
mobilizações do MST.
A educação perpassa desde a infância com os Sem Terrinhas, até a vida adulta,
com o Ensino Superior, constituindo-se pela Pedagogia da Alternância, que pontua os
questionamentos e constrói os conhecimentos de forma singular, e de acordo com o
calendário tanto da Universidade quanto do Movimento. Diante disso, trazemos a
conversação com quadro empírico, proporcionando-nos o contato de forma direta com a
realidade do MST.
Diante de todo ensaio de pesquisa, sobre as questões de educação no Movimento
e as discussões de Gênero e formação feminina acerca de toda compreensão do “Ser
mulher Sem Terra”, destacamos posicionamentos que enfatizam o papel da mulher
como dirigente a frente do Movimento e o respeito perante os valores femininos sobre a
sua luta por Reforma Agrária. Podemos perceber quando, a senhora Cássia, mulher
representante do Setor de Comunicação Sem Terra, aborda:
Ser dirigente rompe com as lógicas que fomos formadas, nós temos o
desafio que vai além de ser dirigente ou não. Na verdade o obstáculo
maior é a desconstrução dos valores em que fomos formados,
construindo um novo homem e uma nova mulher dentro do sistema
capitalista. Uma coisa é fazer isso quando toda uma sociedade é
voltada para esse ideal, e outra coisa é você fazer isso em uma
sociedade que está totalmente tomada por o sistema capitalista. É
romper com o que é estabelecido dentro do movimento e do próprio
sistema. (CÁSSIA, representante do setor de comunicação, diário de
Campo, 23 de Setembro de 2011)
A representante do setor de comunicação Senhora Cássia destaca que o desafio
de ser dirigente junto ao desafio de ser mulher já é um grande obstáculo, ressaltando que
o mesmo e a ideia de rotulação do ser feminino é predefinida pelo sistema capitalista.
Constata-se, portanto que o MST visa moldar politicamente seus sujeitos
propondo a mulher uma ''liberdade'' através da consciência político-social, assim como
continua trazendo a Senhora Cássia.
Eu entendo que a formação política se dá, principalmente por dois
caminhos, a formação teórica, através de encontros de formação
política a nível nacional, estadual; e a ação com a prática tem a certeza
que a luta pode. Como diz Lênin; “Não há teoria revolucionaria sem
movimento revolucionário, assim como não há movimento
revolucionário sem teoria revolucionária. ’’ Então para nós é assim
que se dá a formação política de qualquer militante, da nossa base, o
ingresso por motivos econômicos ela começa com a ocupação de
terra, que rompe as cercas, isso é um elemento de formação política
fundamental, que é o primeiro movimento com a propriedade privada.
(CÁSSIA, representante do setor de comunicação, diário de Campo,
23 de Setembro de 2011)
Formar politicamente uma pessoa, em outros tempos, poderia ser ainda algo
muito complicado a ser feito. Porém, hoje, com a abertura da consciência feminina
sobre seus direitos, percebemos que a transformação da realidade se da de forma lenta.
É importante sabermos que houve mudanças, no entanto, em “muitos mundos” o
homem ainda é o ser dominador, que tem a mulher como propriedade, próprio da
cultura patriarcalista. Observamos isso dentro do nosso exercício de Pesquisa quando a
senhora Ivonete, assentada do acampamento Paulo Freire afirma:
O meu marido tem ciúmes e não deixa sair para canto nenhum não. Eu
não tenho ciúmes dele. E Ele tem esses ciúmes de mim não sei por
quê. Eu acho que é porque eu não sou bem chegada a sair falando pra
ele ficar bem, sei lá. Ele não deixa sair não, pra longe assim. Eu tenho
que sair cm um filho, pra qualquer coisa aquele filho enredar a ele. Ele
não deixa conversar com homem nenhum, mesmo aqui, aqui só tem
homem. Mas ele não deixa sair. Pelejo come ele pra ir à casa de
Carminha e ele não deixa, e ela vive só. (IVONETE, assentada, diário
de Campo, 13 de Novembro de 2011)
É notória no depoimento a situação de submissão que não condiz com a
proposta de consciência política exposta pelo Movimento. É como se a intenção do
Movimento fosse formar aos sujeitos, homem e mulher, para um lugar na sociedade,
mas essa informação é deturpada quando a informação perpassasse os valores morais e
culturais ainda intrínsecos na cultura do campo.
Constatamos com isso que de nada adianta a teoria se na prática a mudança de
consciência não for efetivada. A mulher Sem Terra precisa compreender-se como
sujeito, firma-se socialmente e para isso se permitir ser moldada. Senhora Gilberta,
dirigente regional traz em sua contribuição:
Ser uma mulher Sem Terra pra mim é bom, ser uma mulher Sem Terra
é ser uma mulher disponível pra intensa jornada de trabalho, e a gente
também recebe muita critica porque não é dona de casa, porque não é
uma esposa, e ser uma mulher militante, mãe, avó, como no meu caso,
é muito difícil, mas é muito gostoso e gratificante. Eu me sinto uma
mulher Sem Terra, uma militante, agora, militante pra todo momento,
aí eu me sinto (GILBERTA, dirigente regional, diário de campo, 25 de
outubro de 2011).
Percebemos, portanto que ser Mulher Sem Terra é assumir uma identidade que
legitima seus valores perante todo e qualquer tradicionalismo cultural. Ser Mulher Sem
Terra é assumir um protagonismo para a vida, é não ter medo dos julgamentos de uma
sociedade machista que julga um/a negro/a, um/a índio/a, um/a pardo/a, um/a mestiço/a,
é não baixar a cabeça, enaltecendo a subalternização, mas ser uma militante que está
disponível nas várias formas de luta.
Para permitir-se viver o protagonismo na Luta por Reforma Agrária a mulher
precisa acima de tudo compreender e absorver a ideologia político-social do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, O Movimento faz sua parte, proporciona
formação e discussões críticas trabalhando a reflexão para uma prática transformadora,
partindo assim do interesse da mulher em atuar enquanto protagonista, e extrair o que
foi internalizado, o que foi construído e estabelecido socialmente.
5 ANÁLISE DO CASO: PROTAGONISMO FEMININO; AS MULHERES, A
LUTA E A FORMAÇÃO DE IDENTIDADE E O MST
Correlacionado ao que foi tratado anteriormente sobre protagonismo feminino, e
o que presenciamos através do ensaio de pesquisa sobre as relações de gênero e o
processo educativo para que a mulher desenvolva sua autonomia enquanto militante, no
processo de construção e efetivação do protagonismo. Analisamos de forma sucinta que
o protagonismo da mulher encontra-se interligado a luta pela forma que os ideais
políticos encontram para disseminar a desigualdade na organização.
Diante do estudo sobre a formação feminina para construção da sua identidade,
constatamos que como afirma Sales (2007):
As mulheres reconhecem que não bastam serem produtoras,
trabalhadoras, é preciso serem reconhecidas como tal[...] ao participar
do campo político elas percebem que é preciso entrar no jogo, e jogar
é tratar como imprevisível, o novo e o desconhecido (SALES, 2007).
Percebemos que a mulher passa a se reconhecer como sujeito social e travar
desafios constantemente devido à formação que foi desenvolvida culturalmente. Às
vezes se percebendo como preconceituosa e incapaz. No entanto, enquanto militante e
mulher do MST, desconstrói lentamente essas percepções que foram construídas
socialmente e assume o papel de dirigente no Movimento ou outro papel de comando,
firmando-se como agente ativo na luta pela Reforma Agrária. Senhora Cássia,
responsável pelo setor de comunicação do MST concorda com isso quando:
Ser dirigente rompe com as lógicas que fomos formadas, nós temos o
desafio que vai além de ser dirigente ou não. Na verdade o obstáculo
maior é a desconstrução dos valores em que fomos formados,
construindo um novo homem e uma nova mulher dentro do sistema
capitalista. Uma coisa é fazer isso quando toda uma sociedade é
voltada para esse ideal, e outra coisa é você fazer isso em uma
sociedade que está totalmente tomada por o sistema capitalista. É
romper com o que é estabelecido dentro do Movimento e do próprio
sistema (CÁSSIA, responsável pelo setor de comunicação, diário de
campo, 23 de setembro de 2011).
Torna-se desafiador romper com valores tão tradicionais, firmando-se como
obstáculos maiores na atuação da mulher na luta, na reivindicação, na fala. E
percebemos através das conversações que o mais difícil é tratar de questões
separadamente da sociedade, pois, enquanto o Movimento trata da descaracterização do
machismo, a sociedade tem acentuado na maioria das vezes implicitamente e
explicitamente o machismo. Denotando papéis subalternos para a mulher.
Nessa perspectiva fica evidente para nós, o quanto o MST precisa enfatizar com
mais frequência que a mulher junto com o homem exerce o mesmo papel social.
Travando batalhas na busca do rompimento das desigualdades sociais, culturais e
políticas. Pois, grandes avanços têm ocorrido, diante da posição da mulher atualmente
na luta de forma orgânica. A título de exemplo: frente de massa, brigadas, direções
regionais, papéis que eram especificamente de homens tem sido desconstruídos
lentamente, e, desenvolvendo reconfigurações nas ideologias e princípios políticos
norteadores do Movimento, dando visibilidade e voz a mulher.
Com isso, percebemos que o trabalho voltado para as relações de gênero
equiparadas não podem ser esquecidas e abandonadas, mas colocadas em efetivação
sempre que possível para que se possa romper com o que ainda está intrínseco aos
sujeitos. Para que haja um reconhecimento de fato verdadeiro da mulher enquanto
protagonista da sua história e da história de muitas outras pessoas, diante dos seus
direitos; voto, trabalho, luta, sexualidade.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em relação ao Protagonismo feminino, as mulheres, a luta e a formação de
identidade. O avanço se dá pelo progresso das novas discussões de gênero, pois quando
é refletido que a mulher tem direitos equiparados aos homens, fica evidente a liberdade
de agir e desenvolver o protagonismo feminino. Construindo sua identidade enquanto
mulher, militante, trabalhadora, mãe, esposa, e, sobretudo moldando a concepção
política através da conscientização. Reivindicando a legitimação de direitos e valores
que reconheçam a mulher como tal. Sabemos que esse reconhecimento de protagonista
ainda está paulatinamente se construindo, mas acreditamos que houve um avanço
significativo.
Através do método do caso alargado e dos elementos estruturantes da experiência,
compreendemos que os Movimentos Sociais precisam tratar das relações de gênero de
forma mais nítida e, sobretudo com amplitude e dinamismo. Para que o que foi construído
socialmente possa ser descaracterizado.
Os Movimentos Sociais diante das suas trajetórias tem construído caminhos para
trabalhar de forma equiparada correlacionando as atividades entre mulheres e homens,
pois a proposta das novas relações de gênero é incutir ambos em atividades iguais,
desenvolvendo a mesma força de trabalho e a utilização do conhecimento.
O processo de visibilidade social diante da construção da identidade feminina tem
sido um processo de luta marcado por contradições, no entanto, os processos sociais
diante das mobilizações, reflexões que os Movimentos Sociais têm promovido, tem
descaracterizado esse percurso binário, diante do papel e da ação do homem e da mulher,
mesmo que ainda tenha demarcações fortemente presentes no construto social.
Sendo assim, exercendo o protagonismo individual unificado ao coletivo,
partilhando dos mesmos ideários e das mesmas lutas, vivenciando os mesmos processos
educativos para que a relação entre o eu e o tu não se transforme em objeto, mas uma
relação marcada e pautada pelos ideais iguais e os diálogos travados para organização e
efetivação dos projetos e das reivindicações se dando de forma mais esclarecida e bem
sucedida diante das novas relações de gênero.
REFERÊNCIAS
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TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve História do feminismo no Brasil. Maria
Amélia de Almeida Teles – São Paulo: Brasiliense, 2003. (Coleção Tudo é
História;159)
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