NOVAS ESPACIALIDADES GEOGRÁFICAS EM REGIÕES DE REPRODUÇÃO MUNDIALIZADA.1 Gilda Maria Cabral Benaduce2 e Vera Maria Favila Miorin3 Resumo Os desequilíbrios inerentes a expansão capitalista trouxe consigo permanente movimento que tornou muitas regiões dinâmicas, em contraposição às regiões estagnadas, comuns em países em desenvolvimento como o Brasil. Estudos apontam que espaços estagnados ocorrem em países de tecnologia avançada e nos menos desenvolvidos, colocando em duvida o pressuposto sobre estágios de desenvolvimento como também sobre terminologias usadas até agora. Defende-se que o principal elemento de equacionamento dos desafios encontra-se na dinâmica dos sistemas produtivos e na estruturação de relações econômicas e sociais, no tempo e no espaço. Tais relações ocorrem no interior das regiões tendo um ou mais, centro urbano de caráter comercial absorvedor do meio rural. As unidades produtivas do meio rural se voltam para os mercados adotando tecnologias e estratégias, convertendo a produção em vantagens econômicas e promovendo diversidade no fornecimento de mercadorias. A relação fundamental passa a ser entre capital e trabalho, baseada na inovação tecnológica, na capacidade de gerar os excedentes necessários a intensificação dos mercados e das mercadorias, como da divisão do trabalho. As relações de caráter rururbanas podem promover um urbano altamente dinâmico e desestruturado do meio rural, como também promover relações articuladas que contenham graus de dinamismo menor, equilíbrio e articulados com seu entorno. Palavras-chave: Novas espacialidades, Mundialização da economia, Rururbano, redes regionais, Terceirização e pluriatividade. 1 Artigo produzido a partir de discussões e reflexões sobre transformações que ora ocorrem em espaços rurais e urbanos. Laboratório de Estudo e Pesquisa Regional – LEPeR/ DGCC/CCNE/UFSM. 2 Profª Adjunta, Drª em Geografia junto ao DGCC/CCNE./PPGGeo/UFSM. [email protected] 3 Profª Associada, Drª em Geografia junto ao DGCC/CCNE./PPGGeo/UFSM. [email protected] 1. Introdução O presente texto tem como proposta contribuir com as recentes discussões a cerca das dinâmicas espaciais que envolvem o urbano e o rural introduzindo neles novas feições que vão determinar a presença de novas formas, funções e estruturas quer no urbano quanto no rural. Tais questões envolvem a ação do processo de reprodução mundializada atuando e interferindo em regiões geográficas, de maneira mais ou menos intensa, dependendo da intensidade da dinâmica da ação advinda do processo de interferência. O texto se propõe apresentar, ainda que de forma incompleta em seus estudos, de observação e análise, as novas inserções do urbano e do rural no processo de mundialização da economia4 e as conseqüentes alterações que resultam destas inserções, nos espaços de vivências. Não menos importante, se faz analisar as conceituações e determinações que envolvem tais temas, entretanto, não é objeto deste estudo determinar as conceituações relativas ao rural e ao urbano, para isso ver o trabalho de Endlich5. O momento corresponde a um período histórico que vem sendo marcado pela intensificação das relações econômicas provenientes das dinâmicas resultantes do processo de distensão do sistema capitalista, que recebe a denominação de mundialização6 econômica. A expansão elástica necessária ao centro hegemônico da economia mundializada tem sido entendida como tentativa de imposição de valores da sociedade ocidental e, por sua vez, recebe a denominação de globalização. 4 O texto de Benko (2002) aprecia de forma crítica, como lhe é peculiar, os vários significados do termo mundialização e dentre eles ressalta “Um termo que encerra os debates, de maneira abrupta, será útil para o conhecimento das relações sociais contemporâneas? Um termo espetacular, imposto, no centro de toda e qualquer análise? Este termo é a “mundialização”, em parte noção, em parte imagem, que leva à representação de uma totalidade sem diferenças – o mundial – destinada a dar a chave de todos os fenômenos econômicos, desde os mais dramáticos (desemprego, exclusão) até os mais apreciados nesse plano (os ganhos financeiros dos golden boys). Consideramos essa situação como uma arrogância cega. Mas o recurso à noção de “mundialização” é formulado essencialmente como um álibi e desvia e esconde ora uma certa preguiça do pensamento, ora um desconhecimento global do fenômeno.” 5 Endlich, Ângela discute amplamente esta temática, retoma os trabalhos de alguns dos principais estudiosos e ainda vai contemporaneizando as idéias sobre o rural e o urbano. 6 Benko (2002) ainda acrescenta que “A mundialização não é de fato, uma novidade: Para os economistas e a maioria dos pesquisadores em ciências sociais, as análises retrospectivas referem-se, no máximo, a um período de uma a duas décadas. Nesse horizonte, não há duvida de que a economia internacional tenha registrado transformações consideráveis. O diagnóstico, porém, é bem diferente se considerarmos o tempo longo do capitalismo. Os anos 1990 são novos em relação aos anos 1960, embora numerosas características contemporâneas já pudessem ser observadas na véspera da Primeira Guerra Mundial” p. 49. Esses processos são marcados pela rapidez das mudanças e pelos transportes cada vez mais velozes. A volatilidade dos interesses passando de importante e necessário, em um momento, para se tornar supérfluo, em outro imediato momento, caracterizam a sociedade como de consumo colocada sob um constante processo de mudança que avança e se impõe em nível de complexidade tal que se torna capaz de homogeneizar espaços geográficos anteriormente marcados pela diversidade e de imprimir heterogeneidade a outros espaços, determinados por relações socioculturais únicas, marcadas por sua homogeneidade. Decorrente da aceleração das relações produtivas – normalmente via redes de produção - que impõem modificações nas significativas categorias geográficas, urbano e rural – procura-se, insistentemente, o entendimento do que se processa, para entender não apenas as dinâmicas oriundas deste processo de produção que historicamente transforma o espaço gerando dicotomias, mas reconhecer e qualificar as ressonâncias do processo atual nas feições que se modelam no presente. Toma-se como exemplo uma microrregião geográfica que, por si só, apresenta enorme diversidade e complexidade de relações impossibilitando comparações. As novas feições que são assumidas pela totalidade de seu espaço regional, ora centradas no urbano ou ora no meio rural, tem promovido diferenças em suas funções, formas e estruturas, obviamente alterando seus processos e gerado outras relações, em outro nível de relações, que permitem maior aproximação entre as categorias geográficas, mas de maneira distinta do modo de relações que ocorria em um passado próximo. Escapa, muitas vezes, a observação sobre o social, e isto decorre de sua complexidade, pois são também diferenciados os grupos humanos e os espaços que ocupam o que permite a existência de interesses e comportamento distintos, mas que devem ser observados. Sob estas influências e lançando o olhar sobre este novo, que se apresentam nas formas, funções e estruturas urbanas e/ou rurais, fica-se contemplativamente buscando respostas a indagações sobre o futuro do urbano e do rural e construindo perspectivas sobre que reprodução social e econômica dispõe os elementos de produção e as forças produtivas regionais - os grupos humanos - que tem sua vida e seu trabalho em uma destas categorias: rural e urbano. 2. Ressonâncias do processo de reprodução mundial no espaço urbano. Na atualidade as transformações em se tratando do espaço urbano vêm sendo amplamente investigadas pelos geógrafos, e é consenso que tais transformações tem se processado a uma velocidade que bem caracteriza a atualidade sob este meio técnico-científico informacional como definiu Santos (1997). As transformações que ocorrem em um lugar nem sempre são originárias daquela dinâmica sob a influência do processo de reprodução também ali locado, mas pode estar ocorrendo ressonâncias que se propagam pelas redes de produção. Daí a dificuldade do entendimento sobre as mudanças que se opera no cotidiano e pode apresentar dificuldades para seu discernimento, uma vez que o nível de complexidade processado no espaço pode até obstruir, por vezes, o entendimento dos limites de sua ação. Estaria relacionado às atividades que nem sempre são fáceis de serem atribuídas ao espaço urbano e/ou ao espaço rural - vindo a se constituir em um desafio a pesquisa e também as metodologias. Outro elemento é acrescido para melhor entendimento de que as transformações envolvem mudanças na divisão social do trabalho, as quais são manifestações oriundas do aumento dos papéis urbanos na divisão territorial do trabalho de um processo mundial da economia, cujas manifestações ocorrem no espaço geográfico. Tais manifestações podem alterar o urbano, em se tratando da produção do espaço urbano verificam-se diversos atores capazes de definir, mediar seus interesses que certamente se conjugam com os de outros espaços urbanos. Isso significa dizer que os nexos entre os diversos atores estão na relação direta com a hegemonia do poder econômico de uma determinada região. Em se tratando da morfologia urbana observam-se no tecido urbano fragmentações, descontinuidades, disparidades na distribuição e acesso aos serviços públicos, com infra-estrutura na maior parte das vezes concentrada em setores cujos serviços são mais dinâmicos ou onde funcionalmente são mais eficazes. As mudanças, os espaços são eleitos muito mais relacionados aos fluxos do que propriamente a localização desses espaços. No que diz respeito à reestruturação do espaço urbano pode estar relacionado com as novas dinâmicas da periferia das cidades (normalmente muito precárias); pode estar relacionado às novas formas de moradia (condomínios fechados)7 e, ainda com as novas localizações dos equipamentos comerciais e de serviços, como é o caso dos hipermercados, shoppings centers, lojas de conveniências entre outros. Duas questões são estruturais e pesam significativamente para tais comportamentos, a saber: A separação entre gestão e produção econômica mundializada. Estabelecida pela intensificação e pela aceleração dos fluxos atribuídos aos novos papéis e aprofundamento da divisão territorial do trabalho. Nesse patamar, as atividades se dividem territorialmente, e assim, a desconcentração, a fragmentação territorial e as descontinuidades se fazem presentes nesse processo. Geram-se territórios gestores cuja localização se dá prioritariamente nas cidades mundiais e, os locais cuja funcionalidade é a de produção, territorialmente são estabelecidos, em áreas dinâmicas (pode ser um setor da cidade ou uma parte considerável do rural). Ora o adensamento das grandes cidades, o acirramento por melhores setores da cidade e o agravamento dos transportes dos fluxos nestas cidades tem inviabilizado a instalação de plantas industriais sendo que a preferência tem recaído por territórios cuja fluidez seja o quesito atração. A urbanização não está necessariamente ligada à existência de uma cidade. O aumento dos papéis urbanos e seus desdobramentos extrapolam os limites do tecido urbano. A paisagem já não estabelece mais os limites para o urbano e o rural, uma prática comum entre geógrafos de décadas passadas. Esse processo se estabelece claramente em regiões dinâmicas inseridas no movimento de mundialização da economia cuja globalização permeia vários segmentos da sociedade e cujo comportamento tem se estendido pelo mundo ao longo dos anos de 1990 e início deste século XXI. A presença destas transformações também provoca atitudes de mudanças nas diretrizes das políticas governamentais para suas regiões procurando adequar as políticas regionais aos “novos tempos”; e também assegurar novos entendimentos para suas regiões produtivas, como é o caso da França em que sobre estas questões Benko (2002) relata a atitude do Governo nacional: 7 Sobre essa questão são interessantes alguns trabalhos como o de Maria Encarnação B. Sposito, Oscar Sobarzo, o da Vanda Ueda. ”O novo ministro do Planejamento do Território na França, Dominique Voynet (do Partido Verde), adotou em 1998 uma estratégia diferente daquela dos seus predecessores. Tradicionalmente, as medidas de planejamento do território concediam compensações para as zonas rurais isoladas ou para as regiões economicamente sinistradas. A ministra quer romper com esta visão ruralista, considerada por ela como assistencial, ou de migalhas clientelistas, e ‘favorecer a emergência de novos pólos de desenvolvimento a partir das aglomerações’. ‘A ajuda econômica e os programas de infra-estrutura’ deveriam doravante ser dirigidos, principalmente, para as cidades que concentram 80% da população, para que cumpram, mais intensamente e melhor, o seu papel de impulso em relação às zonas peri-urbanas e às cercanias rurais.” (BENKO, 2002, p.51) Certamente, as políticas governamentais soam como indicativas destes novos empreendimentos, cujos papéis são importantes no estudo do urbano e do rural. É certo também que as lógicas da reprodução mundializada não dispensam as escalas nacionais, regionais e locais como se vê a seguir. 3. Ressonâncias do processo de reprodução mundial no espaço rural. No momento em que as relações entre meio rural e urbano se intensificaram e ganharam volume a partir do processo de consolidação da economia, da política e da sociedade cultural, detinha-se a concepção de um rural segundo as suas funções, suas paisagens e relações bem definidas. A intensificação das atividades de reprodução8 no sistema capitalista, trazendo maior integração entre os espaços pertencentes ao rural, que se apresentava, pelo menos deixando esta impressão de estar bem estruturado e em equilíbrio suas relações internas, referentes à função primordial de produzir para manter a vida social organizada e atender aos mercados, normalmente situados nas cidades e mantinha sua paisagem, oriunda das relações que a natureza lhe permitia estabelecerem. A influência da economia mundializada não chegou de pronto ao meio rural, mas tem percorrido um longo caminho há tempos, cujos estágios mais característicos estão situados nos significativos períodos de evolução da produção agrícola em muitos espaços rurais, porém nem todos eles a conheceram e, também, nem todos eles tiveram mudanças com a mesma intensidade, caracterizando a contradição do processo de mundialização no espaço rural, destacam-se os novos espaços rurais 8 O termo é empregado em sua forma genérica envolvendo as relações de produção simples, ampliada e ampliada composta, de acordo com Miorin, 1989. que se construíram e os velhos que se reconstruíram, sob novas formas e recriando, em alguns casos, as velhas formas a partir dos processos internos que se adaptaram aos novos tempos das atividades de produção econômica mundializada. Estas mudanças foram tão diversas, por exemplo, em muitas regiões agrícolas brasileiras o jogo das contradições das mudanças permitiu se formar a grande contradição da mudança com permanência que caracterizou o período da modernização da agricultura. Naqueles espaços em que o meio rural o movimento das mudanças foram capaz de reconstruir novas relações sociais de produção, alterar profundamente as relações sociais produtivas existentes, evidentemente se construiu e se reconstruíram, igualmente, novas formas com capacidade até de modificar a feição da paisagem rural. O comportamento da sociedade rural se alterou pela introdução do novo e suas atividades se apresentaram de tal sorte alterada pela introdução de novas atividades, que se imprimiu o termo: “nova ruralidade”9. Os estudos realizados até aqui permitem reconhecer que o rural alterado em muitas de suas atividades, que ganharam níveis de complexidade e no comportamento de sua sociedade que em algumas atividades se aproxima para estabelecer um diálogo com o urbano; pois o leque de atividades não agrícola que se introduzem no meio rural, utilizando o trabalho social e que se somam as ali existentes estão plenamente voltadas a compor um mesmo mercado urbano e um mesmo cenário econômico. A visão de um rural homogêneo, contextualizado e interconectado assume um comportamento bem diferente, hoje ele se desarticula e se descaracteriza frente às mudanças e introdução do novo, cedendo às alterações que se colocam sobre seus padrões de sociedade integrada e culturalmente unificada e, de uma paisagem consolidada. Este é o panorama de algumas regiões agrícolas históricas em sua organização e produção. Considerando que os processos não se estabeleceram uniformemente, há ainda um espaço rural deteriorado contendo uma parcela social excluída e que se encontra especialmente desvinculada do acelerado processo de produção. Esta parcela social, por imaginar a cidade como lugar de satisfação e como fonte de emprego e de que nela há possibilidades imensas de ocorrer à inserção de mão-de-obra, ainda 9 Terminologia derivada do termo “novo rural” de Campanhola e Silva (2000) que, aqui se aplica a dimensão do rural. que não qualificada, permitem que ainda ocorra o movimento de deslocamento daquelas massas humanas de excluídos para fora do meio rural. Assim comunidades rurais empobrecidas, desarraigadas do seu habitat, dependentes de trabalhos de baixa qualificação se deterioram progressivamente, seja em relação à paisagem rural seja em relação as suas próprias vidas. Por outro lado, em um movimento contrário, muitos citadinos buscam por moradias em ambientes mais naturais e que possibilite a adição ou possibilidades de trabalho, criando-se um urbano no meio rural. Estas moradias podem também ter dupla função a forma espontânea de moradia, a de recreação ou a segunda moradia. Esta visão alterada observável nos tempos atuais, também é fruto do crescimento demográfico, da ocupação nem sempre ordenada do espaço, permitindo que o caráter complexo das relações sociais de produção, da ânsia da sobrevivência cotidiana humana e da luta pela reprodução da sociedade. Alguns autores como Campanhola e Silva (2000) ao observar tais construções entenderam estar diante de um “novo rural”, pois via nestas novas funções o delineamento de novas formas em um ambiente historicamente reconhecido como desempenhando atividade de uso da terra, ou seja, o meio como recurso, objeto de exploração e de reprodução humana. Igualmente via neste ambiente a presença de formas muito distintas do tradicional e isto levou a entender que estava diante de algo novo. Outros foram mais longe entendendo que se tratava de algo diferente distante de suas estruturas tradicionais como se meio rural houvesse abdicado de seu passado endossando outros processos e assumindo outras funções que evidentemente lhe proporcionariam ao menos modelar novas feições em velhas formas. Porém, deixa subjacente, ou despercebido que a sociedade pouco tem variado e que as atividades evoluíram para um estágio de relações sociais produtivas no objetivo de alcançar a reprodução das formas de vida e de organização social dos grupos humanos que constituem o de trabalho no meio rural. Na verdade admite-se que o espaço rural em seu estágio de produção comporta, hoje, distintas atividades que lhe imprimem formas de existência de sua sociedade no geral. Deve-se também reconhecer que no seio desta complexidade também há espaço para a ocorrência de disparidades locais e regionais. Observando a complexidade e as disparidades, destaca-se a mais clara contradição existente no meio rural. - De um lado a agropecuária moderna, baseada em commodities e intimamente ligada às agroindústrias, constituindo o agronegócio, o qual se desenvolve sobre grandes extensões de terra com alto emprego de tecnologia e capital, compondo as empresas agrícolas. - De outro lado encontra-se a pequena produção, ocupando frações mínimas de terra e concentrando significativo contingente social que no mais-trabalho e na diversificação das atividades, procura realizar a reprodução de vida e a inserção na circulação dos mercados, o que nem se faz possível. Este lado também agrega um conjunto de atividades não-agrícolas, ligadas à moradia, ao lazer e a várias atividades industriais e de prestação de serviços. No interior da complexidade de funções e formas que dominam no meio rural é possível reconhecer atividades que se desenvolvem e se caracterizam por "novas" atividades quer no agro como na pecuária, constituindo nichos especiais e dedicados a satisfação dos mercados, constituindo-se em atividades provenientes de relações entre rural e urbano de caráter predominantemente econômico. No entanto, ainda se tem uma visão das atividades reconhecidas verdadeiramente como seculares no meio rural, mas que não tinham, até recentemente, importância econômica, pois eram atividades caseiras ou mesmo desenvolvidas no “galpão” ou ainda de "fundo de quintal". Para muitos se constituíam em hobbies pessoais ou pequenos negócios agropecuários intensivos que foram transformados em importantes alternativas de emprego e renda no meio rural nos anos mais recentes. Antes se determinavam por atividades, pouco valorizadas e dispersas, hoje integram verdadeiras redes de produção e até de cadeias produtivas envolvendo, na maioria dos casos, não apenas transformações agroindustriais, mas também serviços pessoais e produtivos, relativamente complexos e sofisticados, abrangendo atividades rurais não agrícolas. Estes processos resultariam de uma nova configuração econômica e social derivadas das especificidades crescente do meio rural em relação direta com o urbano. Muitos entendem que se trata da penetração da urbanização no meio rural e as atividades decorrentes desta penetração também serviriam à preservação do meio ambiente, além de um amplo conjunto de atividades que tornariam o rural um local pluriativo. Deste modo, as relações entre o urbano e o seu meio rural produtivo imediato nem sempre se apresentam estruturadas e equilibradas por concentrarem quantidades significativas de produto excedente proveniente de outras áreas. Normalmente o meio rural, colabora para a promoção de um urbano altamente dinâmico que por força desta aceleração se desestrutura de seu meio rural. Outras vezes, ocorrem relações articuladas que permitem um urbano, ainda que contenha um grau de dinamismo menor, melhor equilíbrio em articulação com o seu rural, mas isto não é regra, tudo depende da organização social contida em ambos, pois não se deve esquecer que [...] “o espaço é condição tanto de reprodução do capital quanto da vida humana, de outro ele é produto e nesse sentido é trabalho materializado.”[...] conforme assevera CARLOS (1994, p.24). Entretanto, poucos são os casos em que se determina a harmonia de relações socioeconômicas entre os dois espaços – urbano e rural - de produção, reprodução de vida e de mercadorias e consumo, pois normalmente o centro de mercado, no urbano, tende a ser ultrapassado por outros centros mais dinâmicos que o definirão até mesmo como estagnado. É reconhecido que a interiorização de tecnologias de transformação aproxima o meio rural do urbano e de produção de matéria elaborada. Isto significa que a otimização e a competitividade da produção rural, ao agregar valores ao produto, considerando a locação de novas tecnologias e de ganhos, elas se tornam capaz de reverter à dinâmica até então vinculada apenas ao urbano que lhe é imediato. Por outro lado a integração competitiva da produção locada no meio rural com a respectiva transformação que vem se operando, nem sempre tem oportunizado dinamização do meio onde se instala e da região onde se insere. 4. Algumas reflexões no contexto das novas espacialidades geográficas Trabalhar novas espacialidades geográficas em regiões que por sua dimensão espacial se caracterizam por apresentar distintos níveis de complexidade em suas atividades e população, por vezes numerosa e heterogênea em sua base cultural, devido aos processos imigratórios que se destinavam a construir o meio rural e, igualmente, devido ao processo contínuo de deslocamento de pessoas e de grupos de pessoas - frentes pioneiras - determinando a mobilidade demográfica comum nos espaços regionais. Tais deslocamentos se dirigem para regiões que se apresentam como focos de emprego ensejando um futuro aos que se encontram as margens das possibilidades de manutenção da própria vida. Tais condições se constituem em um desafio permitindo, no máximo, que sejam selecionados alguns aspectos desta realidade e que se podem considerar os mais representativos acordos com os interesses maiores para o quais se realiza o estudo. Nesta perspectiva destacam-se algumas categorias de análise como a diversidade da estrutura fundiária como categoria pode ser analisada pela perspectiva da necessidade de uma reforma estrutural fundiária que tem sido adiada ao longo dos anos e resulta na grande disparidade existente entre as classes de dimensão de área que se colocam no presente. Outra categoria seria a produção resultante do uso da terra no meio rural e suas articulações com os mercados, envolvendo pessoas e produtos e se articulando com a categoria nacional de caráter produtivo e distributivo espacialmente heterogêneo, pois resulta de uma repartição desigual das terras, concentradora em algumas áreas e dispersa - extensiva em outras comprometendo não só as possibilidades de geração de alimentos, como também, as oportunidades de geração de renda local - municipal - por conta dos impostos de circulação de mercadorias (ICM) e de outras formas, como a de agregar processos de transformação nos produtos in natura. A diversidade que ocorre no meio rural faz como que se dê continuidade também ao processo de reprodução social permitindo não apenas o crescimento da economia, mas das oportunidades da organização social se realizar em si mesma, dando continuidade a sociedade cultural rural. Para que isto seja possível é necessário, hoje, não perder de vista as principais formas sociais de produção: a patronal – agronegócio - referente a seu caráter empresarial e a de base no trabalho familiar agricultura familiar – que nem sempre possibilita a continuidade da vida social. Resultante das relações de produção e dos mercados quer interna como externamente está a oferta de alimentos e as possibilidades de oferecer segurança alimentar tratando-se de uma perspectiva de análise voltada, principal, a atender o direito a alimentação de qualidade a todos os demais setores da sociedade em geral e especificamente ao que diz respeito aos aspectos econômicos e sociais. Também se exige mudanças profundas na estrutura de dominação política, referente a abordagem das políticas públicas de abastecimento interno e atendimento externo aos mercados mundializados que procuram se estabelecer normalmente em regiões agrícolas de alta produção e de geração de bens, bem como comandar os mercados existentes em regiões urbanas detentoras de atividades rurais e de áreas rurais adaptadas as demandas urbanas, a tempos Santos (1993) em seus estudos sobre o evolução dos territórios reconhecia de maneira ampla a presença destas duas categorias de regiões. Por outro lado a ruralidade discutida, hoje, em termos da espacialidade brasileira, especialmente do regional sul do País, tem amplo apóio na defesa do desenvolvimento, além da esfera econômica, alcançando o social e por isso considerar que o País deve diversificar a sua política agrícola e agrária, diante da ocorrência da diversificação dos sistemas agrários, dos grupos socioculturais e da manutenção dos espaços sociais, ainda que complexos em sua constituição e em suas atividades compreendendo a sociedade rural e a sociedade urbana que criam, recriam, se transformam e transformam o seu próprio território e, por extensão o território nacional. As propostas mais ousadas defendem com fortes argumentos a necessidade da formação de uma política para o espaço nacional compreendendo o segmento que responde pelo maior percentual de produção de consumo interno e, que as atuais políticas voltadas para as culturas de exportação, estariam representando o cumprimento de um dispositivo que se sustenta sobre bases que se caracterizam historicamente, em nível nacional, determinado pelo primário exportador e configurado na entrada de divisas e/ou formação do superávit, o qual novamente sai do País buscando honrar compromissos externos, às vezes nem se soma ao conjunto da renda nacional, pois, em vez de entrar no território nacional cumpre, lá fora, o seu papel de honrar o endividamento. Outra característica básica que o meio rural tem cumprido no conjunto nacional diz respeito ao caráter da grande produção que hoje se define pelo agronegócio. Perfeitamente integrado aos demais setores da produção econômica, se caracteriza pelo emprego de insumos e maquinaria, estabelece relações entre o setor rural e o industrial, cumprindo as relações iniciadas no período de industrialização, a qual, uma vez formada, a ligação, mantém-se garantindo o entrosamento dos ramos da economia e construindo o capitalismo nacional que no momento se articula com a reprodução do capital em nível mundial. 5. Considerações Considera-se que o movimento da reprodução mundializada, através de suas relações aciona seus processos e se estende sobre os espaços; sejam eles: urbano e rural ou de cidade e campo e os capturam em direção ao interior de sua esfera de produção e reprodução sob uma dinâmica tal que admite outros processos e contradições, - como os derivados das relações sociais, da vida humana, dos conflitos, das lutas de classe. A outros que consideram que antes de se vincular a reprodução mundializada, portanto independentemente das necessidades do capital em seu processo de produção e de reprodução há a satisfação das necessidades da sociedade como um todo. Ela ao produzir suas condições de vida, a partir da relação capital-trabalho e na cotidianidade deste processo de trabalho, produz o espaço geográfico e com ele um modo de vida, de pensar, de sentir. Ao que se acrescenta que quanto mais completo for e mais organizado estiver o sistema, mais dominado pelo processo mundial ele será. Por outro lado, procurando tecer considerações em nível regional entende-se que os desequilíbrios inerentes a expansão do capitalismo trouxe consigo permanente movimento nas categorias mais amplas de estudo em geografia: o urbano e o rural que tem possibilitado a organização de regiões agrícolas complexas e dinâmicas e de ampliação dos espaços de abrangência das regiões urbanas e em contraposição à presença de regiões que devido a razões outras, aguardam estudos que as caracterize se apresentando estagnadas. Contudo se ressalta que isto não se trata de uma particularidade, mas bastante comum em países em desenvolvimento como o Brasil e, a presença de espaços estagnados também ocorre em países de tecnologia avançada e não apenas nos menos desenvolvidos. É certo que não se pode classificar o rural brasileiro como: atrasado, arcaico ou tradicional. Ele hoje se apresenta moderno, articulado com o urbano participando de significativos mercados e amplamente diversificado em suas atividades o que permite que sua organização sociocultural estabeleça amplas relações. Igualmente o urbano se amplia espacialmente ocupando maior dimensão polarizando atividades e mercados, se diversifica e homogeneíza relações por se apresentar com elevado nível de complexidade. Mantendo uma perspectiva geográfica deve-se entender que no interior de uma região transitam relações mútuas como explanou Castells (1975, p.62), sobre o rural e o urbano entendendo serem eles “pólos opostos de um mesmo continuum” em cujo interior poderia ser constatar, “empiricamente, situações completamente diferentes e matizadas, mas que por fim” possuiriam “em comum dois traços essenciais:” situando-se “todas nesse continuum e” evoluindo “todas do rural para o urbano.” Analisando-se o sentido dos “traços” reconhecidos por Castells (op. cit.) conclui-se que de fato o espaço geográfico, onde se situam das categorias, é um só; o que muda e os diferencia são as dinâmicas das relações socioculturais e de produção, seus processos e seus elementos, como reconhecidos pelo autor. Também se é concordante em que, de fato, estas categorias possuem relações complexas e diferentes entre si e entre categorias espaciais, quer urbana quanto rural. O fato de elas evoluírem do rural para o urbano permite deduzir que a integração estabelecida tem caráter funcional e locacional, centrado nos serviços e na infra-estrutura dos centros urbanos, podendo servir de indutores de desenvolvimento rural e, assim, marcando a polarização dos centros urbanos em relação ao seu entorno. Mesmo diante de tais revelações não se pode anular em estudos regionais, estas categorias e nem suas relações tão próximas, sob pena de não ser alcançado o entendimento que se deseja atingir nos estudos regionais, principalmente aqueles que tratam das dinâmicas cujas manifestações alteram as estruturas dos espaços nas suas funções e formas. 6. Bibliografia BAGLI, P. Rural e urbano: harmonia e conflito na cadência da contradição. In: Cidade e Campo: relações e contradições entre urbano e rural. Sposito, M. E. B. e Whitacker, A. M. São Paulo: Expressão Popular. 2006, p.81-109. BENADUCE, G. M. C. 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