Pneumonite aguda induzida por silicone após procedimento

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Pneumonite aguda induzida por silicone após procedimento coméstico
ilegal: um relato de caso
Campinas, SP
2011
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Pneumonite aguda induzida por silicone após procedimento coméstico
ilegal: um relato de caso
Chelna Paolichi Ferro Elias Graduação em Medicina na Universidade de Taubaté; Residência Médica
em Clínica Médica no Hospital Municipal Doutor José de Carvalho Florence - São José dos Campos SP; curso de pós graduação lato sensu em Medicina Intensiva Adulta no Instituto Terzius - Campinas
Rua Padre Diogo Antônio Feijó, 125 apartamento 12, CEP: 12030-160 Taubaté-SP
Telefones: (12) 36325625
[email protected]
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Campinas, SP
2011
Resumo. Silicone injetável tem sido amplamente utilizado em procedimentos estéticos e até
ilegais, principalmente em mulheres e transsexuais, desde a década de 60. Muitas reações
adversas tem sido relatadas após aplicações subcutâneas desta substância. O
envolvimento pulmonar induzida pelo silicone é considerado circunstância excepcional.
Este artigo relata caso de transsexual masculino, 39 anos, que apresentou hipoxemia
grave, dispneia e febre 72 horas após aplicação ilegal de 600mL de silicone industrial em
região lateral de ambas as coxas. O quadro clínico, exames laboratoriais e evolução do
caso sugere fortemente envolvimento pulmonar secundário a pneumonite aguda induzida
por silicone.
Palavras-chave: Embolia; Pulmonar; Silicone.
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Summary. Injectable silicone has been widely used in cosmetic procedures and even illegal,
especially in women and transgender people, since the 60's. Many adverse reactions have
been reported after subcutaneous infusions of this substance. The silicone-induced
pulmonary involvement is considered an exceptional circumstance. This article reports a
case of male transsexual, 39 years, with severe hypoxemia, dyspnea, and fever 72 hours
after application of 600 mL of illegal industrial silicone into the lateral region of both thighs.
The clinical, laboratory exams and medical evolution suggest strongly pulmonary
involvement secondary to acute pneumonitis induced by silicone.
Key-words: Embolism; Pulmonary; Silicone.
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1. INTRODUÇÃO
Silicone é um elemento semi-metálico descoberto em 1824 por Jons Jacob Berzelius
(Zamora et al, 2009). O silicone injetável (dimetilpolisiloxane líquido) é um polímero obtido
pela combinação de oxigênio e silício (Zamora et al, 2009), o qual é usado em
procedimentos estéticos, médicos e até ilegais, principalmente em mulheres e transsexuais,
desde a década de 60 (Parikh et al, 2008; Pastor et al, 2005; Schimd et al, 2005; Zamora et
al, 2009), devido a suas características de estabilidade térmica e física, e reação tecidual
mínima (Kim et al, 2003; Parikh et al, 2008; Pastor et al, 2005; Zamora et al, 2009).
Entretanto, estudos em animais e humanos com injeções subcutâneas de silicone
demonstraram que seu uso nem sempre é inofensivo (Parikh et al, 2008; Zamora et al,
2009). Isto porque pode causar intensas reações, tanto locais (infecção, necrose tecidual,
reação de corpo estranho), como sistêmicas (hepatite granulomatosa, linfadenopatias,
reação febril aguda, hepatite granulomatosa, esplenomegalia e mastite) (Kim et al, 2003;
Pastor et al, 2005; Zamora et al, 2009), e até a morte (Parikh et al, 2008).
O envolvimento pulmonar induzida pelo silicone é considerado circunstância
excepcional (Pastor et al, 2005). A embolia pulmonar induzida pelo silicone líquido tem sido
implicada como causa de pneumonite aguda com hemorragia alveolar (Gurvits, 2006). As
lesões que podem ser encontradas são: pneumonite associada a injeção da substância via
subcutânea, ruptura de silicone em gel ocasionando enfusões pleurais, hemangiotelioma
pulmonar multi-nodular (Paredes et al, 2009).
O objetivo deste estudo é apresentar um relato de caso de embolismo pulmonar por
silicone em paciente transsexual masculino, após injeções subcutâneas clandestinas em
laterais de ambas as coxas.
2. RELATO DE CASO
Paciente 39 anos, masculino, transexual, sabidamente portador do vírus HIV há 10 anos
(contagem CD4 600cel/µL), tabagista (30 maços/ano), deu entrada no serviço de
emergência apresentando, há três dias, quadro de intensa dispnéia ao repouso com piora
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progressiva, ortopnéia e febre. Os sintomas tiveram início 48h após ter feito, ilegalmente,
aplicação subcutânea de 600 ml de silicone industrial em região lateral de ambas as coxas e
relatou ter ocorrido durante o procedimento, acidente de punção em variz de coxa esquerda.
O mesmo fazia uso regular do silicone industrial em glúteos e mamas há 12 anos, com uma
dose acumulada de aproximadamente 1litro.
Ao exame físico na admissão, encontrava-se taquicárdico (frequência cardíaca de
110bpm), taquidispneico (frequência respiratória de 28irpm), febril (temperatura axilar de
38,5°C), consciente, pressão arterial não invasiva de 120x90mmHg e ausculta respiratória
sem alterações. Iniciada macronebulização com oxigênio, 10L/min. Exames laboratoriais
mostraram hematócrito = 40,8%; leucograma = 11.300mil/mm³ (1% bastões; 84%
segmentados; 9% linfócitos); coagulograma sem alterações. Gasometria arterial revelou pH
= 7,44; pCO2 = 26,5mmHg; PO2 = 52,2mmHg; HCO3 = 17,8mmol/L; BE = -4,3 e SatO2 =
88,4%, em ar ambiente. Radiografia de tórax inicialmente dentro dos padrões de
normalidade. Estabelecido protocolo para sepse preconizado pelo Surving Sepse Campain,
solicitado 02 amostras de hemoculturas, urinocultura e iniciado tratamento empírico para
Pneumocystis jiroveci, com Bactrim associado à Cefepime. Os principais diagnósticos
diferenciais iniciais incluíam: pneumonia adquirida na comunidade forma grave, doença
pulmonar intersticial, principalmente pneumocistose pulmonar e síndrome da resposta
inflamatória sistêmica sem foco determinado.
Após 12 horas da internação, paciente evoluiu com insuficiência respiratória franca,
necessitando de intubação orotraqueal e suporte de unidade de terapia intensiva. Ao exame
físico, nesse momento, apresentava cianose periférica, pressão arterial não invasiva de
80x40mmHg e ausculta respiratória com murmúrio vesicular universalmente diminuído com
estertores crepitantes difusos bilateralmente. O hematócrito havia caído para 32,05%;
leucograma = 16.700mil/mm³ (1% bastões; 87% segmentados; 6% linfócitos). Solicitada,
então, avaliação da cirurgia geral para descartar processo infeccioso no local da aplicação
do silicone e uma tomografia computadorizada (TC) de tórax.
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FIGURA 1. Imagem de tomografia de tórax demonstrando intensa opacidade em ambos os pulmões,
sobretudo em lobos posteriores e na periferia pulmonar
A TC demonstrou intensa opacidade difusa, sobretudo em lobos posteriores e na
periferia de ambos os pulmões.
Os novos exames revelaram: lactato arterial = 1,8mmol/L e gasometria: pH = 7,25;
pCO2 = 38,8mmHg; PO2 = 121,6mmHg, HCO3 = 16,7mmol/L; BE = 16,7 e SatO2 = 98,1%.
Paciente sedado, Ransay IV, em modalidade ventilatória assisto-controlado, FiO2=0,8,
PEEP = 12, relação PaO2/FiO2 = 152, estabelecendo diagnóstico de Síndrome do
Desconforto Respiratório do Adulto. Solicitado cultura de aspirado traqueal e associado
corticóide sistêmico em altas doses.
Avaliação da cirurgia geral afastou qualquer processo infeccioso em coxas, inclusive
com ultrassonografia do local sem evidencias de abscessos.
Devido à piora clínica e ventilatória do paciente, optado por ampliar o espectro
antimicrobiano para Oxacilina e Levofloxacino, a fim de oferecer cobertura para pneumonia
comunitária por Staphilococcus aureus.
No terceiro dia de internação, paciente apresentou oligoanúria, elevação dos
parâmetros ventilatórios e hipotensão, não responsiva a volume, concluindo o quadro de
choque séptico com disfunção de múltiplos órgãos, no início da tarde. Iniciada noradrenalina
e solicitada avaliação da nefrologia para iniciar diálise, além de broncoscopia com lavado e
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biópsia. Porém, paciente evoluiu para óbito no início da manhã do quarto dia de internação,
não sendo possível a realização das avaliações solicitadas.
Recebemos resultados das culturas dois dias depois da morte do paciente, sendo
todas negativas.
3. DISCUSSÃO DO CASO
O uso da injeção de silicone líquido para fins cosméticos ilegais foi iniciado na Ásia e
depois introduzido na Europa, particularmente entre grupos sociais que não tem acesso a
cirurgia plástica convencional (Parikh et al, 2008). O envolvimento pulmonar associado à
injeção de silicone é raramente reportado na literatura (Kim et al, 2003), sendo o primeiro
caso de pneumonite descrito em 1975 (Pastor et al, 2005).
A embolia pulmonar por silicone pode ocorrer de várias maneiras, mas em casos de
aplicação ilegal, pode estar relacionada à alta pressão necessária para administração de
doses grandes, massagem local, efeito de migração ou injeção acidental na circulação
venosa (Parikh et al, 2008). O grau de obliteração do leito vascular determina o estado
clínico do paciente (Pastor et al, 2005).
A pneumonite aguda consiste de reação inflamatória ao silicone levando a
hemorragia e edema alveolar (Parikh et al, 2008). Duas formas de pneumonite são
descritas. A forma aguda consiste em hipoxemia (achado de 92% dos casos), dispnéia
(88%), febre (70%), taquicardia, taquipnéia, tosse seca e ocasionalmente, dor torácica e
hemoptise (Gurvits 2006; Paredes et al, 2009; Parikh et al, 2008; Pastor et al, 2005; Zamora
et al, 2009). Raramente os pacientes podem apresentar petéquias e confusão mental, o que
é um fator de mau prognóstico que indica hipóxia cerebral (Parikh et al, 2008; Zamora et
al,2009). Os sinais/sintomas aparecem cerca de 24 a 72 horas após injeção do silicone
(Paredes et al, 2009; Parikh et al, 2008; Pastor et al, 2005; Zamora et al, 2009).
A forma tardia ocorre de 6 a 13 meses após a injeção de silicone, cujo
sinais/sintomas são edema no local da aplicação associado à hipoxemia (Gurvits 2006;
Paredes et al, 2009; Parikh et al, 2008; Pastor et al, 2005). O volume de silicone injetado
descritos pelos artigos pode variar de 100 a 250 mL (Pastor et al, 2005) ou até de 30 a 500
mL (Zamora et al, 2009).
O caso descrito neste artigo corresponde à fase aguda da pneumonite, sendo que o
quadro clínico iniciou-se 72 horas após o procedimento clandestino, havendo relato de
acidente de punção venosa (variz), considerada como uma das causas da embolia pulmonar
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por silicone. Observou-se hipoxemia na admissão hospitalar do paciente, sendo que a
insuficiência respiratória franca ocorreu após 12 horas de evolução.
A série de casos realizada por Zamora et al, em 2009, mostrou valores de pressão
parcial de oxigênio entre 45 a 58 mmHg e saturação de oxigênio entre 76 a 90%, enquanto
a variação observada em nosso paciente foi de 52,2 a 121,6 mmHg e 88,4% a 98,1%
respectivamente.
O diagnóstico pode ser comprovado com lavado brocoalveolar que demonstra
número aumentado de macrófagos alveolares, neutrófilos e eosinófilos, além de inclusões
globulares de silicone no interior de macrófagos (Pastor et al, 2005).
No caso do paciente relatado, não foi possível a comprovação citológica da
pneumonite secundária ao embolismo pulmonar, uma vez que, mesmo com as medidas
necessárias instituídas (ventilação mecânica e uso de corticóides), o paciente faleceu antes
da realização da broncoscopia.
A imagem radiológica mais característica é o infiltrado alveolar bilateral com áreas de
condensação e opacidades em vidro-fosco (Gurvits, 2006; Parikh et al, 2008; Pastor et al,
2005). Em alguns casos foram observadas imagens em forma de cunha, sugerindo uma
possível origem embólica (Zamora et al, 2009). No caso relatado, inicialmente a radiografia
de tórax apresentava-se dentro da normalidade, porém após a piora clínica significativa, a
tomografia de tórax evidenciou imagem radiológica compatível com o descrito na literatura.
O tratamento consiste em oferta de oxigênio suplementar, e se necessário suporte
de ventilação mecânica (Parikh et al, 2008; Pastor et al, 2005). A eficácia terapêutica dos
corticosteróides sistêmicos não é bem estabelecida (Paredes et al, 2009; Parikh et al, 2008;
Zamora et al, 2009), embora a maioria dos pacientes apresentem reversão do quadro após
sua instituição precoce (Parikh et al, 2008; Zamora et al, 2009). É possível que o silicone
possa ser redistribuído e/ou eliminado ao longo do tempo independentemente da terapia
levando a resolução do quadro (Zamora et al, 2009).
Na maioria dos casos, os sintomas tem remissão sem deixar sequelas (Pastor et al,
2005; Zamora et al, 2009), mas fibrose pulmonar tem sido descrita em pacientes que
sobrevivem a um evento agudo (Parikh et al, 2008) sendo que a mortalidade estimada é de
24% (Paredes et al, 2009).
Há similaridade entre a apresentação clínica da embolia pulmonar por silicone e a
gordurosa, sugerindo mecanismos fisiopatológicos envolvendo obstrução de capilares
alveolares e consequentemente, alterações bioquímicas que levam a toxicidade pulmonar e
aumento da permeabilidade capilar (Paredes et al, 2009; Schmid et al, 2005; Zamora et al,
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2009). Porém, o mecanismo preciso da pneumonite por silicone ainda é desconhecido (Kim
et al, 2003; Zamora, et al 2009).
Profissionais da área médica precisam estar cientes desta complicação e considerar
o diagnóstico quando o paciente apresenta uma doença respiratória subaguda e achados
radiológicos sugestivos, após procedimentos estéticos incomuns envolvendo silicone. É
desconhecida a variação de risco de acordo com o sítio de administração (Zamora et al,
2009).
No caso descrito, a principal hipótese é de embolia pulmonar por silicone, mesmo
sem evidencia citológica da afecção. Isto baseado na história clínica do paciente e
correlação temporal precisa entre aplicação do silicone e inicio dos sintomas. Além do que,
o exame clínico é compatível com os sinais/sintomas descritos pela literatura, assim como a
imagem presente na tomografia de tórax.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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