Introdução ao Pensamento Antropológico

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Introdução ao Pensamento
Antropológico
Autor: Prof. Amauri Tadeu Barbosa Nogueira
Colaboradoras: Profa. Glaucia Aquino
Profa. Amarilis Tudella Nanias
Profa. Angélica L. Carlini
Professor conteudista: Amauri Tadeu Barbosa Nogueira
Amauri Tadeu Barbosa Nogueira, natural de São Paulo/SP, tem graduação em História pela Universidade de
Sorocaba (UNISO), é Doutorando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP) e Mestre em Geografia
Humana pela Universidade de São Paulo (USP). Lecionou por 15 anos as disciplinas de História e Geografia para o
Ensino Fundamental e Médio em escolas públicas estaduais. Desde 2005 leciona nos Cursos de Graduação e PósGraduação, período esse em que também exerceu atividades de Coordenação e Cursos de Formação de Professores,
principalmente relacionados à implementação da Lei 10.639/03, sobre a obrigatoriedade do Ensino da História da
África e da Cultura afro-brasileira.
Nos últimos 7 anos, participou de diversos eventos na área de Geografia, História e Educação como palestrante,
debatedor, organizador e coordenador das atividades, divulgando informações e experiências relacionadas à temática.
Em 2008 publicou um livro sobre a Memória de afro-brasileiros em Itu e foi um dos organizadores da I Feira afrobrasileira de Itu. Participou de banca examinadora de TCC em Serviço Social e tem inúmeros artigos publicados e
participações em seminários nacionais e internacionais relacionados à area.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
N778i
Nogueira, Amauri Tadeu Barbosa
Introdução ao Pensamento Antropológico. / Amauri Tadeu
Barbosa Nogueira - São Paulo: Editora Sol, 2011.
120 p., il.
Notas: este volume está publicado nos Cadernos de
Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-001/11,
ISSN 1517-9230.
1.Cultura 2.Identidade 3.Diversidade. I. Título.
CDU 572
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Unip Interativa – EaD
Profa. Elisabete Brihy
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Profa. Melissa Larrabure
Material Didático – EaD
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Aileen Nakamura
Sumário
Introdução ao Pensamento Antropológico
Apresentação.......................................................................................................................................................7
Introdução............................................................................................................................................................7
Unidade I
1 Campos de Estudos da Antropologia..............................................................................................9
1.1 Diferentes correntes da antropologia........................................................................................... 13
1.1.1 Evolucionismo........................................................................................................................................... 13
1.1.2 Funcionalismo........................................................................................................................................... 14
1.1.3 Culturalismo............................................................................................................................................... 14
1.1.4 Estruturalismo........................................................................................................................................... 15
2 PRINCIPAIS ANTROPÓLOGOS E SUAS OBRAS...................................................................................... 19
2.1 Malinowski (1884-1942).................................................................................................................... 19
2.2 Radcliffe-Brown (1881-1995).......................................................................................................... 20
2.3 Claude Lévi-Strauss (1908-2009)................................................................................................... 20
2.4 Franz Boas (1858-1942)..................................................................................................................... 21
3 O Imperialismo do Século XIX: O Nascimento da Antropologia................................. 21
3.1 Colonialismo tardio: imperialismo................................................................................................. 22
3.2 A partilha da África.............................................................................................................................. 23
3.3 As Américas: a Doutrina Monroe e o poder político dos EUA na América Latina...... 32
4 Imperialismo e antropologia............................................................................................................. 33
4.1 Como o imperialismo moldou o pensamento antropológico............................................. 33
4.2 A etnografia como método da antropologia............................................................................. 35
Unidade II
5 Descolonização da África, Imigração e multiculturalismo...................................... 43
5.1 O novo olhar da antropologia.......................................................................................................... 43
5.2 As identidades no processo de descolonização........................................................................ 48
5.3 A Diáspora Negra como revanche.................................................................................................. 54
5.4 Imigração e multiculturalismo......................................................................................................... 57
5.4.1 Estigma........................................................................................................................................................ 61
5.4.2 Laços sociais............................................................................................................................................... 67
6 O contexto global e DO BRASIL ATUAL............................................................................................ 68
6.1 Conflitos em metrópoles e o surgimento “oficial” de políticas para grupos
dentro de um Estado-Nação.................................................................................................................... 68
6.2 O contexto do Brasil atual: uma introdução.............................................................................. 68
6.2.1 As marcas na formação da cultura brasileira............................................................................... 68
6.2.2 Migrantes do Nordeste.......................................................................................................................... 72
6.2.3 Afro-descendentes.................................................................................................................................. 72
6.2.4 Povos indígenas........................................................................................................................................ 73
6.3 O assistente social dentro do mundo multicultural................................................................ 76
6.3.1 O movimento cultural e a contribuição do Serviço Social..................................................... 76
Unidade III
7 DISCRIMINAÇÃO E DESIGUALDADE......................................................................................................... 88
7.1 Políticas públicas no Brasil atual..................................................................................................... 88
7.2 Relativismo cultural: uma visão crítica........................................................................................ 89
7.3 Ação afirmativa: cotas........................................................................................................................ 90
7.3.1 Os estudos sobre o Movimento Negro no Brasil......................................................................... 91
7.3.2 Da Declaração de Durban até a Lei 10.639/03............................................................................ 92
7.3.3 A dívida social do Brasil com a população negra após o 13 de maio................................ 93
7.3.4 Prós e contras: uma reflexão.............................................................................................................. 94
8 Antropologia e a teoria da ação comunicativa: o trabalho prático.................. 98
8.1 A Declaração Universal dos Direitos Humanos: uma conclusão......................................100
Apresentação
Nessa disciplina você terá a oportunidade de entrar em contato com a história do imperialismo da
África e das Américas contemporâneas e com conceitos da antropologia, tais como diversidade cultural,
etnocentrismo, relativismo cultural, identidade cultural, multiculturalismo, direitos humanos e ações
afirmativas. Neste contato, você poderá perceber como tais elementos se aplicam à nossa vida cotidiana
e ao mundo do trabalho e das relações interpessoais.
Iniciando com o conhecimento sobre as origens do pensamento social moderno, chegaremos a
questões atuais, como a globalização e as relações entre diferentes povos.
Na Unidade I, passaremos pelas diversas correntes da antropologia e pelos seus principais
representantes, juntamente a suas respectivas obras. Abordaremos também a questão do imperialismo
do século XIX, estritamente ligado ao nascimento dessa ciência, de modo a situar o aluno nos caminhos
percorridos pelo pensamento social em paralelo aos fatos históricos.
Dessa forma, tendo em mente o extenso contato entre povos de culturas distintas, fato este decorrido
da aproximação com o continente africano, temos a antropologia (que, em muitos casos, mescla-se
com o serviço social na prática e na filosofia) lidando com minorias étnicas mulçumanas na Inglaterra
anglicana e com migrantes nordestinos na cidade de São Paulo, e a mesma antropologia (e o mesmo
serviço social) lidando com ações afirmativas para povos indígenas e afro-descendentes no Brasil.
Qual é o pano de fundo para que nós – que nos propomos a trabalhar dentro dessa diversidade
cultural, indicando soluções a conflitos – possamos nos embasar para dar suporte a nossas escolhas?
É com estas questões em mente que pretendemos caminhar na segunda unidade: quais são os
pensamentos em voga nos dias de hoje, qual sua validade e o que tais pensamentos podem nos fornecer
como ferramentas para enfrentarmos os dilemas que possivelmente nos serão apresentados? Ainda
nesta unidade, discutiremos a descolonização da África, a imigração e o multiculturalismo, tanto no
âmbito global como no brasileiro, nos dias atuais.
Na unidade final, abordaremos o relativismo cultural de forma crítica, analisando as ações afirmativas
e, por fim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esse percurso nos guiará para uma análise
clara do momento atual em que vivemos e nos auxiliará a tomar decisões de cunho social que visem
compreender o contexto de cada pessoa, no mundo globalizado.
Introdução
A antropologia social é uma das ciências da sociedade, voltada à compreensão da cultura e de sua
influência no comportamento humano. Essa ciência preocupa-se em analisar as diferenças existentes
neste contexto do comportamento humano e elaborar propostas de ações que busquem transformar a
realidade. A origem da antropologia social, no período da expansão do mundo colonial, está inserida no
contexto em que os europeus se confrontam com outros povos e culturas, nas Américas e na África.
7
Aprofundar-nos nessa trajetória cronológica do pensamento social permite compreender a nossa
vida em sociedade como uma fonte inesgotável de mudanças que podem ser orientadas de acordo com
objetivos pessoais e de grupos. Desenvolver análises sobre o conceito de cultura possibilita-nos uma
discussão sobre as muitas situações por uma perspectiva enriquecida pela diversidade.
Tendo em vista a integração do mundo na atualidade, temos que a diversidade cultural é uma
constante. Seja na Europa ou no Brasil, os cientistas sociais têm de lidar com pessoas oriundas de
contextos sociais muitas vezes distintos radicalmente dos seus próprios. Torna-se desnecessário viajar
para se defrontar com a diferença: ela se faz presente em todos os âmbitos de nossas vidas.
Historicamente, foi com a descolonização da África que a antropologia começou a se questionar como
ciência. Uma vez que os africanos começaram a falar de si, sem necessitar do intermédio da antropologia
para divulgar, analisar e refletir sobre sua própria cultura, ou seja, uma vez que os povos nativos passaram
a ser encarados não mais como objetos de pesquisa, mas como atores responsáveis por seus próprios
destinos, a antropologia (e o pensamento social) começou uma jornada de autocriticismo.
As correntes de imigrações e migrações são uma constante na história da humanidade, assim
como correntes de conquistas e dominações. Nesse meio de interações entre as pessoas, hoje em dia,
vemos uma intensidade e uma velocidade jamais concebidas na história da humanidade. Atualmente,
um número maior de pessoas interage entre si das maneiras mais variadas, e um número maior de
culturas que jamais se cruzaram, hoje, coabitam o mesmo espaço geográfico. Interessa-nos, com isso,
compreender e analisar os caminhos que as ciências sociais estão encontrando para travar um diálogo
harmonioso entre povos diversos que vivem sob um mesmo Estado.
Assim, podemos dizer que a antropologia possibilita o desenvolvimento de muitas habilidades
profissionais e pessoais por meio de seus conceitos, estendendo-os para compreender a vida cotidiana
e atingir um enriquecimento social, cultural, afetivo e cognitivo do estudante. Da mesma forma,
podemos comparar, contrastar e desenvolver temáticas ou perspectivas presentes em outras áreas do
conhecimento, assim como promover a integração e o aproveitamento de saberes, de tradições e de
experiências dos vários membros componentes das comunidades de seu trabalho, moradia ou lazeres.
Por meio dessa ciência podemos também desenvolver potencialidades, como ampliação da
participação cidadã do estudante e autonomia para seleção, avaliação e utilização das informações
obtidas, possibilitando um maior aprofundamento de capacidades críticas tanto para avaliar a
importância das mudanças e das reproduções de situações no mundo atual, quanto para a tomada de
decisões em vários contextos da vida.
Dessa maneira, torna-se clara a valorização da diversidade cultural, do conhecimento mútuo e da
autonomia, visando incrementar a consciência da diferença e o respeito por ela.
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Introdução ao Pensamento Antropológico
Unidade I
1 Campos de Estudos da Antropologia
A Antropologia se vale da observação e do discurso, além de atualmente identificar a subjetividade
como fator de extrema relevância para o seu trabalho, fator esse proveniente das relações espaçotemporal de aproximação dos possíveis confrontos, encontros e reencontros.
Por meio de instrumentos de análise que envolvem teoria, método e técnica de pesquisa de forma
decisiva e determinada, o antropólogo procura trabalhar em um processo dialético, em uma unidade
contraditória e desigual de aproximação e distanciamento, de forma simultânea.
A Antropologia se divide basicamente em dois campos de estudos, a saber:
1. Antropologia Física: reúne algumas temáticas como somatologia, raciologia, paleontologia
humana e outras, ou seja, é concernente à natureza e ao desenvolvimento físico/biológico dos
seres humanos;
2. Antropologia Cultural: reúne algumas temáticas como arqueologia, etnografia, linguística e
outras, ou seja, é concernente às produções simbólicas e concretas dos seres humanos.
A partir dos campos referidos, podemos afirmar em linhas gerais que antropólogos utilizam como
fontes de pesquisa livros, imagens, objetos, depoimentos, sociedades e instituições, vestígios deixados
pelos seres humanos nas rochas, nas artes, entre outras.
Nesse sentido, para a Antropologia o distanciamento entre povos, indivíduos, sujeitos, estados e
nações proporciona encontros, reaproxima o outro e permite a construção de um saber específico.
Desta forma, a Antropologia busca na aproximação a partir de seus instrumentos a possibilidade de
apreender e compreender, fertilizando um modo de se relacionar com o outro por meio de encontros e
acolhimentos.
A Antropologia tem como ponto de partida de estudo e interpretação as dimensões do Homem
como ser biológico, social e cultural e a sua aventura por sobre o espaço planetário, ou seja, o gênero
humano e suas múltiplas facetas.
“Uma das tarefas da antropologia moderna tem sido a reconstrução do conceito
de cultura, fragmentado por numerosas reformulações.” (LARAIA, 2001, p. 31).
Esta tarefa ganha relevo quando o antropólogo estuda a práxis humana que vai conformando as
ações do homem sob suas práticas, as quais dão sentido e significado tanto às suas criações, sejam
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Unidade I
elas estéticas, poéticas religiosas, intelectuais, artísticas, quanto às ações econômicas, sociais, políticas
e outras. A Cultura nesta perspectiva torna o homem mais humano, pois é a partir das ações humanas
que ele se transforma ao mesmo tempo em que transforma o mundo ou a Natureza à sua imagem e
semelhança. Nesse sentido, Laraia (2001) afirma que
a posição da moderna antropologia é que a cultura age seletivamente, e
não casualmente, sobre seu meio ambiente, explorando determinadas
possibilidades e limites ao desenvolvimento, para o qual as forças decisivas
estão na própria cultura e na história da cultura. (LARAIA, 2001, p. 14)
Para isso os estudos antropológicos
buscam algo que demarque o momento da separação humano-natureza
como instante de surgimento da Cultura. Esse algo é uma regra ou norma
humana que opera como lei universal, isto é, válida para todos os homens e
para a comunidade. (CHAUÍ, 1999, p. 294).
Nesse sentido, sob o prisma cultural, Laraia (2001) nos informa que para Sahlins
o homem vive num mundo material, mas de acordo com um esquema
significativo criado por ele próprio. Assim, a cultura define a vida não através
das pressões de ordem material, mas de acordo com um sistema simbólico
definido, que nunca é o único possível. A cultura, portanto, é que constitui
a utilidade. (LARAIA, 2001, p. 34)
Os agrupamentos humanos desde seus primórdios buscam se organizar de uma maneira ou de outra,
mas para que isto aconteça é necessário que sejam criadas regras, normas e leis. Segundo Laraia (2001),
Claude Lévi-Strauss, o mais destacado antropólogo francês, considera que
a cultura surgiu no momento em que o homem convencionou a primeira
regra, a primeira norma. Para Lévi-Strauss, esta seria a proibição do incesto,
padrão de padrão de comportamento comum a todas as sociedades humanas.
Todas elas proíbem a relação sexual de um homem com certas categorias de
mulheres, entre nós, a mãe, a filha e a irmã. (LARAIA, 2001, p. 29)
Estas normas, regras e leis são maneiras de delimitar as ações de cada sujeito, indivíduo, grupo,
estados e nações. Estas por seu turno produzem efeitos na divisão social do trabalho, nos conflitos
de gêneros, nos bairros, nas ruas, casas e famílias, levando em consideração que estas normas podem
ser contrariadas pelos envolvidos, o que implica um outro desafio: o de criar as punições para os
transgressores. Sob estas normas, regras e leis os seres humanos se organizam, se reproduzem, criam
suas instituições e transcendem o mundo da natureza criando um ordenamento simbólico que permite
pensar o mediato e o imediato.
Quando dizemos que a cultura é a invenção de uma ordem simbólica,
estamos dizendo que nela e por ela os humanos atribuem à realidade
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Introdução ao Pensamento Antropológico
significações novas por meio das quais são capazes de se relacionar com
o ausente: pela palavra, pelo trabalho, pela memória, pela diferenciação
do tempo (passado, presente e futuro), pela diferenciação do espaço
(próximo, distante, grande, pequeno, alto, baixo) pela diferenciação
entre o visível e o invisível (os deuses, o passado, o distante no espaço)
e pela atribuição de valores às coisas e aos homens (bom, mau, belo,
feio, possível, impossível, necessário, contingente). (CHAUÍ, 1999, p.
294)
Isto possibilita a criação das memórias individual e coletiva, que podem ser preservadas de
forma escrita ou oral e transmitida/comunicada de geração para geração, de modo a possibilitar
biografias individuais, a preservação da espécie humana ou animal, além de permitir o acúmulo
do conhecimento que pode ser apropriado tanto pelo indivíduo comum como pelo cientista
profissional.
Em sentido antropológico, não falamos em Cultura, no singular, mas
em culturas, no plural, pois a lei, os valores, as crenças, as práticas e
as instituições variam de formação social para formação social. Além
disso, uma mesma sociedade, por ser temporal e histórica, passa por
transformações culturais amplas e, sob esse aspecto, Antropologia
e História, se completam, ainda que os ritmos temporais das várias
sociedades não sejam os mesmos, algumas mudando mais lentamente e
outras mais rapidamente. A esse sentido histórico-antropológico amplo,
podemos acrescentar um outro, restrito, ligado ao antigo sentido de
cultivo do espírito: a Cultura com criação das obras da sensibilidade e
da imaginação, as obras de arte, com a criação de obras da inteligência
e da reflexão, as obras do pensamento. É esse segundo sentido que
leva o senso comum a identificar Cultura e escola (educação formal)
de um lado e, de outro lado, a identificar Cultura e belas-artes (música,
pintura, escultura, dança, literatura, teatro, cinema etc.). (CHAUÍ, 1999,
p. 295)
Nesse sentido podemos afirmar que a cultura vai sendo produzida em conjunto com a fisiologia
humana, conformando um processo biocultural em que “o homem é o único ser possuidor de cultura.”
(LARAIA, 2001, p. 16)
A Antropologia como ciência ganha contornos fortes a partir da segunda metade do século XIX,
época na qual se conforma a denominada Teoria Clássica, em que se configura seu corpus científico.
Para maior esclarecimento, a palavra Antropologia traz como significado antropo = homem e logia =
estudo.
A partir dos confrontos possibilitados pelo expansionismo europeu com os povos do continente
africano e do continente americano, a Antropologia passou a se desenvolver no sentido de
compreender e buscar respostas para uma transformação da realidade. Assim, a preocupação passou
11
Unidade I
a ser com o outro a partir do conceito de alteridade (o ser humano essencialmente diferente de
mim).
Segundo Chauí (1999), estes encontros com o outro não são somente de simpatias, mas encontros
que geram confrontos por legitimidade, subordinação, opressão para a ampliação dos meios de produção,
sua força de trabalho e o domínio simbólico.
Que é o Outro? Antes de mais nada, é a Natureza. A naturalidade é o
Outro da humanidade. A seguir, os deuses, maiores do que os humanos,
superiores e poderosos. Depois, os outros humanos, os diferentes de
nós mesmos: os estrangeiros, os antepassados e os descendentes, os
inimigos e os amigos, os homens para as mulheres, as mulheres para
os homens, os mais velhos para os jovens, os mais jovens para os mais
velhos etc. Em sociedades como a nossa, divididas em classe sociais,
o Outro é também a outra classe social, diferente da nossa, de modo
que a divisão social coloca o Outro no interior da mesma sociedade e
define relações de conflito, exploração, opressão, luta. (CHAUÍ, 1999,
p. 295)
A diversidade cultural possibilita ao antropólogo se debruçar sobre os comportamentos sociais e
culturais e realizar estudos sobre os seres humanos que vivem ou que viveram na Terra. Na tentativa
de melhor analisar as sociedades e grupos de pessoas, a Antropologia lança mão de mecanismos para
pesquisa que a instrumentalize e forneça informações de modo que possa exercer suas necessidades.
São eles, a saber: fontes de pesquisa de livros, imagens, objetos, depoimentos materiais e imateriais,
fazendo a chamanda observação participativa, ou seja, o antropólogo passa um tempo com os povos ou
comunidades que deseja estudar.
Os estudos da Antropologia podem versar também sobre diversos outros assuntos, como: instituições
sociais e políticas, meios técnicos científicos, racismo, multiculturalismo, diversidade cultural, filosofia
dos grupos, representações, usos e costumes, organização coletiva, divisão do trabalho, divisão sexual,
linguagem, filosofia, etinias, artes, formas e maneiras de comer e se vestir, discurso, meios de produção,
forças de produção, domesticação de animais, como produzir, utilizar e preservar a terra, ritos, festas,
danças, mitos, religiões, profano e o sagrado, culinária, valores, normas e outras formas de manifestação
humana e social dos povos do planeta.
A esta altura é importante enfatizar que o ser humano é produto e produtor de Cultura.
Lembrete
Cultura: processo que varia de uma sociedade para outra, segundo leis,
instituições, estratégias, práticas, valores e normas. Esta torna o homem
mais humano, pois o possibilita reunir informações e conhecimento em
ordens simbólicas.
12
Introdução ao Pensamento Antropológico
1.1 Diferentes correntes da antropologia
1.1.1 Evolucionismo
Na busca de interpretar as diferenças entre os grupos humanos, a cultura exerce papel fundamental
para o olhar antropológico, já que esta passa a ser compreendida como prática significante que distingue
o homem da natureza e do animal, além de ser responsável pelas diversas formas de visões de mundo.
Segundo Gusmão (1999), “A cultura opera como rede simbólica que toma por base a experiência humana
vivenciada, experimentada e concebida”.
De acordo com Laraia (2001), inicialmente o conceito de cultura esteve vinculado à ideia de evolução
e progresso, como um conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o
direito, os costumes e as outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da
sociedade. (LARAIA, 2001, p. 25).
Nesse sentido, o evolucionismo que surge com a ciência antropológica no século XIX busca as origens
e conduz à concepção etnocêntrica do mundo, isto é, parte-se da ideia de que as diferenças entre grupos
e sociedades possuem uma escala evolutiva, considerando o mundo europeu como modelo único de
sociedade. O evolucionismo busca se municiar das informações dos povos que os antropólogos chamavam
de primitivos, tendo como ponto de partida a sociedade europeia, que leva as sociedades primitivas ao
movimento civilizatório considerando os outros povos mais inferiores, selvagens e bárbaros.
Para os evolucionistas do século XIX a evolução se desenvolvia através de uma
linha única; a evolução teria raízes em uma unidade psíquica através da qual
todos os grupos humanos teriam o mesmo potencial de desenvolvimento,
embora alguns estivessem mais adiantados que outros. Esta abordagem
unilinear considerava que cada sociedade seguiria o seu curso histórico
através de três estágios: selvageria, barbarismo e civilização. Em oposição a
essa teoria, e a partir de Franz Boas, surgiu a ideia de que cada grupo humano
desenvolve-se através de caminho próprio, que não pode ser simplificado na
estrutura tríplice dos estágios. Esta possibilidade de desenvolvimento múltiplo
constitui o objeto da abordagem multilinear. (LARAIA, 2001, p. 25)
Esta visão afirma que a desigualdade se efetiva em razão da inferioridade, ou melhor, ao estágio a
qual estes povos pertenciam, ou seja, a infância da humanidade.
Segundo esta abordagem, todas as culturas deveriam passar pelas mesmas etapas de evolução,
o que tornava possível situar cada sociedade humana dentro de uma escala que ia da menos à mais
desenvolvida. (LARAIA, 2001, p. 25)
Alguns autores e suas obras que expressam este ramo da Antropologia:
• E. Tylor: A Cultura Primitiva (1871);
• Herbert Spencer: Princípios de Biologia (1864).
13
Unidade I
1.1.2 Funcionalismo
Esta vertente surgiu no século XX, por volta dos anos 1920, como herdeiro do evolucionismo. Os
pesquisadores filiados a esta linha de pensamento procuravam dar resposta aos questionamentos
provindos em parte das críticas que se fazia por seu eurocentrismo e etnocentrismo.
De acordo com a concepção funcionalista, cada sociedade deve ser estudada como
um organismo constituído por partes interdependentes e complementares, cuja função
é satisfazer as necessidades essenciais dos seus integrantes. Os estudos funcionalistas
permitiram que sociedades não europeias passassem a ser compreendidas naquilo dentro de
suas especificidades.
Os antropólogos, se valendo de monografias, levam em conta a observação participante em que o
pesquisador orientado por informações colhidas do grupo se insere nele para interpretar seus signos e
símbolos, o chamado trabalho de campo. Ou seja, os investigadores que foram influenciados por esta
corrente de pensamento buscavam analisar os povos que estavam fora da esfera europeia a partir de
suas realidades.
O funcionalismo proporcionou a reorganização do conceito de sistema e passou a centralizar as
interpretações e as considerações deste ramo de pensamento (funcionalista). Motivado pela antropologia
que sistematizou este método sob o segmento do macrofuncionalismo, o funcionalismo se designa pela
unidade orgânica que privilegia fundamentalmente os esquemas em larga escala.
Este ramo da Antropologia legitimou o colonialismo, estimulou a ideia de progresso pela sociedade
europeia e, a partir desta ótica, justificava a subordinação dos povos diferentes. Segundo Sahlins (1997),
a cultura por esse motivo estava sob suspeita.
Nesse sentido, a antropologia originalmente partilhava com os senhores
coloniais a mesma crença na inexorabilidade do progresso, ainda que
eventualmente a lamentasse.(...) Ou, falando de modo mais geral, a ideia
antropológica de cultura, por conspirar para a estabilização da diferença,
legitimaria as múltiplas desigualdades, inclusive o racismo — inerentes ao
funcionamento do capitalismo ocidental. (SHALINS, 1997, p. 42).
Entre os adeptos do funcionalismo estão os antropólogos culturais Bronislaw Malinowski:
Argonautas do Pacífico Ocidental (1922) e Radcliffe Brown: Estrutura e função na sociedade primitiva
(1952).
1.1.3 Culturalismo
Tendo sua origem no início do século XX, por volta dos anos 1930 a chamada Antropologia cultural
substituiu a visão de que as diferenças biológicas determinariam as diferenças culturais. Ao fazerem
críticas à ideia da evolução cultural, os estudiosos passaram a defender que cada sociedade teria sua
história e seu valor particular.
14
Introdução ao Pensamento Antropológico
A cultura e a história, e não mais a “raça”, seria a causa das diferenças entre as populações, conjugada
pela investigação de leis no desenvolvimento das culturas. Neste sentido, por meio dos estilos de vida,
esta corrente se vale da busca de identificação de padrões comparativos, ou seja, características em
comum. Esses padrões agem como dispositivos reguladores, organizadores e balizadores de valores
construídos pelos grupos culturais, tendo o grupo ou os membros do grupo o poder de aceitá-los ou
rejeitá-los.
Autores que contribuíram para esta corrente antropológica:
• Franz Boas: Os objetivos da etnologia (1888);
• Margaret Mead: Sexo e temperamento em três sociedades primitivas (1935);
• Ruth Benedict: Padrões de cultura (1934).
1.1.4 Estruturalismo
Segundo o autor Marcondes (2006), o estruturalismo foi uma das principais correntes originadas
no pensamento francês. Formado no início do século XX pelo linguista suíço Ferdinand de Saussure
(1857-1913) e retomado e desenvolvido posteriormente pelo antropólogo Lévi-Strauss (1908-2009), o
estruturalismo tem como características fundamentais normas, regras e valores que se conformam sob
estruturas ou sistemas simbólicos.
As estruturas que analisa são autônomas, objetivas independentes do
pensamento ou da mente dos indivíduos, sendo constitutivas da realidade
em seus diferentes domínios, biológico, físico, cultural, linguístico. O papel da
ciência para o estruturalismo passa a ser então cientificar, explicar e descrever
essas estruturas e suas regras e princípios constitutivos. (MARCONDES, 2006,
p. 271).
Chauí (2001) em seu estudo sobre a antropologia diz que:
o estruturalismo permitiu que as ciências humanas criassem métodos
específicos para o estudo de seus objetos, livrando-as das explicações
mecânicas de causa e efeito, sem que por isso tivessem que abandonar a
ideia de lei cientifica. (CHAUÍ, 2001, p. 274)
A concepção estruturalista foi apropriada pela Antropologia Social, que formulou e confirmou em
seu estatuto científico que os fatos humanos se conformam em forma de estruturas, ou melhor, em
forma de sistemas que criam seus próprios elementos, dando significado e sentido a cada status que
cada sujeito ou indivíduo ocupa na hierarquia social. Chauí afirma que as estrutura se conformam em
totalidades, ou seja,
as estruturas são totalidades organizadas segundo princípios internos que
lhes são próprios e que comandam seus elementos ou partes, seus modos
15
Unidade I
de funcionamento e suas possibilidades de transformação temporal ou
históricas. Nelas, o todo não é a soma das partes, nem um conjunto de
relações causais entre elementos isoláveis, mas um princípio ordenador,
diferenciador e transformador. Uma estrutura é uma totalidade dotada de
sentido. (CHAUÍ, 1999, p. 274)
Lévi-Strauss (1908-2009), a partir deste esforço epistemológico, conseguiu questionar, demonstrar e
romper com a ideia de que a Antropologia Positivista anunciava, pregava e tentava fazer crer que existiam
sociedades primitivas e que estas deviam passar por um estágio evolutivo até alcançar o progresso da
história da sociedade humana que tinha como paradigma a sociedade europeia. Isto possibilitou a LéviStrauss demonstrar e evidenciar em suas análises que cada sociedade tem suas próprias normas, leis e
regras. Assim, a partir delas, vão dando forma, sentido e significado em suas formas de agir, pensar e se
relacionar (os membros do grupo) de forma objetiva e distinta umas das outras, desenvolvendo sistemas,
ou melhor, estruturas culturais.
O antropólogo Claude Lévi-Strauss, por exemplo, mostrou que as estruturas dessas sociedades são
baseadas no princípio do valor ou da equivalência, o qual permite a troca e a circulação de certos seres,
organizando todas as relações sociais: a troca e a circulação das mulheres (estrutura do parentesco como
sistema social de aliança), a troca ou circulação de objetos especiais (estrutura do dom como sistema
social da guerra e da paz) e a troca e circulação da palavra (estrutura da linguagem como sistema do
poder religioso e político).
O modo como cada um desses sistemas ou estruturas parciais se organizam e se relacionam com
os outros define a estrutura geral e específica de uma sociedade “primitiva” que pode, assim, ser
compreendida e explicada cientificamente. (CHAUÍ, 1999, p. 275)
Um dos autores que contribuíram para esta corrente antropológica:
• Lévi-Strauss, C. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1975.
Algumas informações básicas sobre os principais paradigmas e escolas de pensamento antropológico:
Formação de uma literatura “etnográfica” sobre a diversidade cultural
Período
Séculos XVI a XIX
Características
Relatos de viagens (cartas, diários, relatórios etc.) feitos por missionários, viajantes, comerciantes,
exploradores, militares, administradores coloniais etc.
Temas e conceitos
Descrições das terras (fauna, flora, topografia) e dos povos “descobertos” (hábitos e crenças).
Primeiros relatos sobre a alteridade.
Alguns
Pero Vaz Caminha – “Carta do Descobrimento do Brasil” (séc. XVI).
representantes e
obras de referência Hans Staden – “Duas Viagens ao Brasil” (séc. XVI).
Jean de Léry – “Viagem a Terra do Brasil” (séc. XVI).
Jean Baptiste Debret – “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil” (séc. XIX).
16
Introdução ao Pensamento Antropológico
Escola/Paradigma
Evolucionismo Social
Período
Século XIX
Características
Sistematização do conhecimento acumulado sobre os “povos primitivos”.
Predomínio do trabalho de gabinete.
Temas e conceitos
Unidade psíquica do homem.
Evolução das sociedades das mais “primitivas” para as mais “civilizadas”.
Busca das origens (perspectiva diacrônica).
Estudos de parentesco / religião / organização social.
Substituição do conceito de raça pelo de cultura.
Alguns
Maine – “Ancient Law” (1861).
representantes e
obras de referência Herbert Spencer – “Princípios de Biologia” (1864).
E. Tylor – “A Cultura Primitiva” (1871).
L. Morgan – “A Sociedade Antiga” (1877).
James Frazer – “O Ramo de Ouro” (1890).
Escola/Paradigma
Escola Sociológica Francesa
Período
Século XIX
Características
Definição dos fenômenos sociais como objetos de investigação socio-antropológica.
Definição das regras do método sociológico.
Temas e conceitos
Representações coletivas.
Solidariedade orgânica e mecânica.
Formas primitivas de classificação (totemismo) e teoria do conhecimento.
Busca pelo Fato Social Total (biológico + psicológico + sociológico).
A troca e a reciprocidade como fundamento da vida social (dar, receber, retribuir).
Alguns
Émile Durkheim – “Regras do método sociológico” (1895); “Algumas formas primitivas de
representantes e
classificação” – com Marcel Mauss (1901); “As formas elementares da vida religiosa” (1912).
obras de referência
Marcel Mauss – “Esboço de uma teoria geral da magia” – com Henri Hubert (1902-1903); “Ensaio
sobre a dádiva” (1923-1924); “Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a noção de
eu” (1938).
Escola/Paradigma
Funcionalismo
Período
Século XX – anos 20
Características
Modelo de etnografia clássica (monografia).
Ênfase no trabalho de campo (observação participante).
Sistematização do conhecimento acumulado sobre uma cultura.
Temas e conceitos
Cultura como totalidade.
Interesse pelas Instituições e suas funções para a manutenção da totalidade cultural.
Ênfase na Sincronia x Diacronia.
17
Unidade I
Alguns
Bronislaw Malinowski – “Argonautas do Pacífico Ocidental” (1922).
representantes e
obras de referência Radcliffe Brown – “Estrutura e função na sociedade primitiva” (1952); “Sistemas Políticos
Africanos de Parentesco e Casamento”, org. com Daryll Forde (1950).
Evans-Pritchard – “Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande” (1937); “Os Nuer” (1940).
Raymond Firth – “Nós, os Tikopia” (1936); “Elementos de organização social (1951).
Max Glukman – “Ordem e rebelião na África tribal” (1963).
Victor Turner – “Ruptura e continuidade em uma sociedade africana” (1957); “O processo ritual”
(1969).
Edmund Leach – “Sistemas políticos da Alta Birmânia” (1954).
Escola/Paradigma
Culturalismo Norte-Americano
Período
Séc. XX – anos 30
Características
Método comparativo.
Busca de leis no desenvolvimento das culturas.
Relação entre cultura e personalidade.
Temas e conceitos
Ênfase na construção e identificação de padrões culturais (patterns of culture) ou estilos de
cultura (ethos).
Alguns
Franz Boas – “Os objetivos da etnologia” (1888); “Raça, Língua e Cultura” (1940).
representantes e
obras de referência Margaret Mead – “Sexo e temperamento em três sociedades primitivas” (1935).
Ruth Benedict – “Padrões de cultura” (1934); “O Crisântemo e a espada” (1946).
Escola/Paradigma
Estruturalismo
Período
Século XX – anos 40
Características
Busca das regras estruturantes das culturas presentes na mente humana.
Teoria do parentesco/lógica do mito/classificação primitiva.
Distinção Natureza x Cultura.
Temas e conceitos
Princípios de organização da mente humana: pares de oposição e códigos binários.
Reciprocidade.
Alguns
Claude Lévi-Strauss:
representantes e
obras de referência “As estruturas elementares do parentesco” (1949).
“Tristes Trópicos” (1955).
“Pensamento selvagem” (1962).
“Antropologia estrutural” (1958).
“Antropologia estrutural dois” (1973).
“O cru e o cozido” (1964).
“O homem nu” (1971).
18
Introdução ao Pensamento Antropológico
Escola/Paradigma
Antropologia Interpretativa
Período
Século XX – anos 60
Características
Cultura como hierarquia de significados.
Busca da “descrição densa”.
Interpretação x Leis.
Inspiração Hermenêutica.
Temas e conceitos
Interpretação antropológica: leitura da leitura que os “nativos” fazem de sua própria cultura.
Alguns
Clifford Geertz:
representantes e
obras de referência “A interpretação das culturas” (1973).
“Saber local” (1983).
Escola/Paradigma
Antropologia Pós-Moderna ou Crítica
Período e obra
Século XX – anos 80
Características
Preocupação com os recursos retóricos presentes no modelo textual das etnografias clássicas e
contemporâneas.
Politização da relação observador-observado na pesquisa antropológica.
Crítica dos paradigmas teóricos e da “autoridade etnográfica” do antropólogo.
Temas e conceitos
Cultura como processo polissêmico.
Etnografia como representação polifônica da polissemia cultural.
Antropologia como experimentação/arte da crítica cultural.
Alguns
James Clifford e Georges Marcus – “Writing culture - The poetics and politics of ethnography”
representantes e
(1986).
obras de referência
George Marcus e Michel Fischer – “Anthropoly as cultural critique” (1986).
Richard Price – “First time” (1983).
Michel Taussig – “Xamanismo, colonialismo e o homem selvagem” (1987).
James Clifford – “The predicament of culture” (1988).
2 PRINCIPAIS ANTROPÓLOGOS E SUAS OBRAS
2.1 Malinowski (1884-1942)
Bronislaw Kasper Malinowski, polonês que nasceu na Crácovia, foi o grande fundador da
Antropologia Social. Com doutorado pela Universidade de Londres em ciências exatas, destacou-se como
um dos mais importantes antropólogos do século XX com seus estudos fundamentados nos aborígines
australianos.
Dando continuidade aos seus estudos, foi para a Alemanha e para a Inglaterra, onde se tornou
professor. Entre 1914 e 1918 desenvolveu seu grande estudo de campo entre os habitantes das ilhas
Trobriand, localizadas a sudoeste do Pacífico e próximas à nova Guiné, estudo a partir do qual pôde
observar os habitantes locais e perceber seus costumes, sua forma de organização enquanto grupo,
19
Unidade I
além de suas instituições, divisão do trabalho, divisão sexual, relações de parentesco, casamentos e
vizinhança.
Esta permanência entre os aborígines proporcionou a Malinowsk um desenvolvimento de estudos
que acabaram por fundamentar a Antropologia Social. Dessa forma, desenvolveu diversas obras, dentre
as quais a primeira, “Argonautas do Pacifico Ocidental”, apresenta uma análise de Kula, instituição
responsável pela integração cultural daqueles povos à Inglaterra.
Em 1927 Malinowsk volta à Inglaterra para lecionar na Antropologia na Universidade de Londres e
em 1938 vai para o México com a intenção de realizar pesquisas com os indígenas. No mesmo ano volta
aos EUA, onde se fixa e onde veio a falecer.
2.2 Radcliffe-Brown (1881-1995)
Alfred Reginald Radcliffe-Brown, nascido em Birmingham, Inglaterra, foi o fundador do estudo
das sociedades humanas. Iniciou os estudos em sua cidade natal, orientando-se para as ciências médicas.
Mais tarde ingressou em Cambridge, entrando em contato com a economia e a psicologia experimental.
Foi com W.H.R. Rivers, um dos primeiros grandes antropólogos britânicos, que Radcliffe-Brown se
encaminhou para a antropologia.
Suas primeiras pesquisas de campo de cunho antropológico ocorreram entre os nativos das ilhas
Andaman, no Golfo de Bengala, a sudoeste da Birmânia, onde se destacou por meio de seus estudos. A
partir daí, tornou-se um importante antropólogo funcionalista.
Ao estudar as tribos australianas, afirmou que suas organizações de parentesco, casamento e outras
podem ser analisadas como um conjunto de sistemas. Tornou-se professor de etnologia na London School
of Economics, assumiu postos universitários na Austrália e na África do Sul, lecionou na Universidade de
Chicago e entre 1942 e 1944 esteve na Universidade de São Paulo, como professor visitante.
2.3 Claude Lévi-Strauss (1908-2009)
Na escola francesa destaca-se Claude Lévi-Strauss, antropólogo belgo-francês nascido em Bruxelas,
Bélgica, em 1908, que ganhou notoriedade mundial ao se tornar o principal mentor do Estruturalismo
com seus estudos da linguística estrutural. Iniciou seus estudos em Versalhes e depois em Paris, onde
permaneceu até o bacharelado (Direito e Filosofia) e onde, em 1932, assume o lugar de professor no
liceu Mont-de-Marsan, em 1932.
Em 1934 recebe um convite para lecionar na Universidade de São Paulo, o que se realiza no início de
1935. Chega no Brasil acompanhado de Fernand Braudel, Jean Maugüé e Pierre Monbeig, e em 1936, na
companhia de sua esposa, Dina Lévi-Strauss, convivem um período de tempo com os índios Bororo. No
mesmo ano, publica o seu primeiro artigo no Journal: Contribution à l’Étude de l’Organisation Sociale
des Indiens Bororo. Posteriormente já em 1938, na companhia de seu amigo Vellard, faz uma visita aos
índios do estado do Mato Grosso.
20
Introdução ao Pensamento Antropológico
Em 1950 Claude Lévi-Strauss atua como professor visitante nos Estados Unidos e de 1950 a 1974
como diretor associado do Museu do Homem, em Paris. Logo depois é indicado a diretor na École
Pratique des Hautes Études. Em 1982 se aposenta no Collége de France, onde ocupou a cátedra de
Antropologia na Universidade de Paris desde 1959.
Algumas obras publicadas por Claude Lévi-Stauss:
• Tristes Trópicos. São Paulo: Anhembi, 1957 [1955].
• O que a Etnologia Deve a Durkheim. In: Antropologia, 1976 [1958].
• Estrutural II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. pp. 52-56.
• Palavras Dadas. São Paulo: Brasiliense, 1986 [1984].
• Saudades do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1994.
• Saudades de São Paulo. São Paulo: Cia. das Letras, 1996.
2.4 Franz Boas (1858-1942)
Franz Boas, nascido no ano de 1858 em Minden, na Vestefália, Alemanha, mudou-se para os Estados
Unidos em 1886, onde estudou diversos povos indígenas. De início, estudou Filosofia, Geografia e Física
nas universidades de Heidelberg, Bonn e Kiel. Se destacou ao sistematizar e conceituar a considerada
cultura moderna, se transformando no fundador da moderna antropologia cultural.
No início do século XX lutou contra o racismo provindo das teorias evolucionistas da espécie humana,
que pregava em seus estudos as determinações raciais, geográficas e econômicas. Para tal crítica, Boas
afirmava que o conceito de cultura deveria ser a explicação das diversidades sociais. Já em 1896, passou
a lecionar Antropologia na Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque
Lembrete
Antropologia: antropo = homem, logia = estudo. Ciência que estuda o
homem em suas múltiplas conformações e na formação do gênero humano
durante sua trajetória planetária: biológica, social, política, econômica e
cultural.
3 O Imperialismo do Século XIX: O Nascimento da Antropologia
Qual é a relevância da história recente da África para a formação do pensamento social
contemporâneo?
A história da colonização recente da África, período histórico conhecido por Imperialismo, foi o
motor principal da consolidação da antropologia como ciência e como método de pesquisa, além de ter
21
Unidade I
servido como solo fértil para o desenvolvimento de conceitos fundamentais como cultura, etnocentrismo,
relativismo cultural. A postura dos povos europeus em relação a suas colônias na África foi o campo da
consolidação das ciências sociais dos dias de hoje, que certamente refletem a forma como o pensamento
social se formou no Brasil.
As ciências sociais se consolidaram na Europa no final do século XIX, e a antropologia como ciência
dos “povos exóticos” nasceu junto ao imperialismo. Diversos países europeus literalmente fincaram
raízes em quase todo o globo, de modo que nascia, assim, uma ciência que visava compreender culturas
totalmente diversas da cultura europeia.
Ao pensarmos nos caminhos com que os assistentes sociais terão de se defrontar, é crucial que se
tenha em mente o diálogo fundamental que a antropologia coloca: a relação entre o pesquisador e o
pesquisado. Nas próximas unidades, continuaremos nessa jornada, discutindo assuntos contemporâneos
que darão ferramentas práticas para que o serviço social encontre um espaço de modo que todas as
vozes sejam, de fato, levadas em consideração.
3.1 Colonialismo tardio: imperialismo
Imperialismo é uma política pela qual uma nação exerce poder e impõe domínio territorial, cultural
e econômico sobre outra. O imperialismo do século XX é também conhecido por neocolonialismo, por
possuir muitas semelhanças com o colonialismo – regime em vigor nos séculos XV e XVI.
A economia mundial, ao fim do século XIX e início do século XX, vivenciou mudanças bruscas. A
tecnologia gerada pelos avanços da Revolução Industrial aumentou a produção, gerando a necessidade
de acesso a mercados consumidores para os novos produtos e, igualmente, gerou uma busca desenfreada
por matéria-prima. O modelo mercantilista e os consequentes impérios oficiais derivados de sua prática
estavam vivendo momentos de crise – consequência dos vários movimentos de independências que
ocorriam nas colônias americanas.
A expansão global fez-se legítima por meio de diplomacia e por meios econômicos. Esse tipo de
prática expansionista conhecida por “livre-comércio” e incentivada principalmente pelos interesses
liberais industriais teve curta duração. No final do século XIX, todas as potências europeias que haviam
expandido domínios na Ásia e na África já haviam voltado a praticar uma forma de colonialismo: o
neocolonialismo ou o imperialismo moderno, que, mesmo com nova roupagem e novas justificativas,
continuava tendo uma atuação relacionada com a anexação territorial e com um controle monopolista
sobre os domínios.
O imperialismo como conceito foi legitimado por economistas alemães e ingleses no início do
século XX. São duas as características fundamentais do conceito que, de certa forma, é utilizado até
os dias de hoje: (1) investimento externo e (2) criação de monopólio. Por dominar economicamente
outros países, o imperialismo gerava uma riqueza invejável; a anexação de países dominados, o
monopólio de produção/exportação/exploração, o acesso à mão de obra barata e o acesso a um
mercado consumidor abundante formaram o alicerce do novo colonialismo, formando as bases
centrais do imperialismo.
22
Introdução ao Pensamento Antropológico
Os países imperialistas dominaram muitos povos, compreendendo grande parte da superfície
terrestre: a quase totalidade dos países africanos e das ilhas do Pacífico e uma grande parte dos países
asiáticos. Para isso, dispunham de duas bases teóricas com as quais foi possível encontrar mecanismos
de legitimação:
• o etnocentrismo, usado como uma ferramenta conceitual baseando-se na ideia de que existem
povos superiores a outros (europeus superiores a asiáticos, indígenas e africanos);
• o darwinismo social, que, baseado de forma errônea na teoria da evolução de Darwin,
afirmava a supremacia de alguns povos sobre outros pela seleção natural; ou seja,
encontra base científica para justificar que a evolução dos povos ocidentais justifica a
subjugação de outros povos tidos como menos evoluídos ( ligação com homem e sociedade:
evolucionismo).
O final do século XIX e o começo do XX testemunharam uma corrida fugaz dos países com ambições
imperialistas pela conquista do maior número de territórios possíveis, desencadeando uma rivalidade
entre eles que os encaminhou à Primeira Guerra Mundial.
3.2 A partilha da África
Segundo o historiador Eric Hobsbawn, entre os anos de 1880 e 1914 a maior parte do mundo, com
exceção da Europa e das Américas, foi formalmente dividida em territórios sob o governo direto, ou
sob dominação política indireta de um ou outro Estado pertencente a um seleto grupo: Grã-Bretanha,
França, Bélgica, Holanda, EUA e, parcialmente, Itália e Japão (HOBSBAWN, 1988 p. 88). Os alvos desse
processo foram, até certo ponto, os antigos impérios europeus pré-industriais sobreviventes da Espanha
e de Portugal.
Uma região do mundo foi propriamente dividida: a África. Por volta de 1914, este continente
pertencia inteiramente aos impérios britânico, francês, belga, alemão, holandês, português e, até certo
ponto, espanhol, com exceção da Etiópia (que resistiu à Itália), da pequena Libéria e parte do Marrocos,
que ainda resistia à conquista completa.
Segundo Dopke (1999), os atuais 54 Estados africanos estão divididos por 109 fronteiras internacionais
que perfazem cerca de 50.000 milhas (aproximadamente 80.000 km). Em uma visão comparativa, a
África é o continente mais dividido do mundo.
As fronteiras atuais da África contemporânea são passíveis de gerar diversas interpretações, algumas
um tanto polêmicas. Segundo o autor, as fronteiras atuais “são apontadas, tanto no discurso acadêmico
quanto na opinião pública, como um dos principais culpados pela instabilidade política e pelos conflitos
no continente (DOPKE, 1999, p. 77).
Considerando-se que, ao desenhar as fronteiras, não foram consideradas as diversas realidades locais,
étnicas, geográficas, ecológicas, culturais, estas “teriam criado as raízes do maior problema desenvolvido
pelo Imperialismo Europeu” (DOPKE, 1999, p. 77).
23
Unidade I
As fronteiras foram oficializadas na Conferência de Berlim de 1884, evento conhecido como a Partilha
da África. Dopke coloca que este evento está entre os acontecimentos históricos mais bem-explicados
da história mundial contemporânea; contudo, o autor coloca que foi criado um mito que vaga sobre a
Conferência, o qual, para muitos passa despercebido.
Segundo o autor,
a visão popular sobre a Conferência tem as suas origens, em parte,
na encenação do acontecimento: os delegados, em número de 15, e
Bismarck como anfitrião, reuniram-se na residência oficial de Bismarck na
Wilhemstrasse, junto a uma mesa em forma de ferradura sob um enorme
mapa do continente africano. As ideias populares e públicas de que
na Conferência foi realizada a Partilha da África, e de que os delegados
desenharam no grande mapa com uma régua as linhas retas que delimitaram
as esferas de influência entre as potências europeias foram influenciadas
por esta encenação (DOPKE, 1999, p. 82).
Se a Conferência vive no imaginário como uma encenação, perguntamo-nos com o autor qual foi o
seu propósito real. As quinze nações participantes tinham algum interesse comercial para com a África
e estavam representadas pelos seus embaixadores. Segundo o autor,
a razão inicial da Conferência foi a recusa da França e da Alemanha em
reconhecerem o acordo anglo-português de junho de 1884. Neste acordo,
que foi precedido por uma disputa entre a França, Portugal e a Associação
Internacional da África do Rei Leopoldo II sobre a região do rio Congo e a
sua foz, a Inglaterra reconheceu as antigas e constantes reivindicações de
Portugal de exercer hegemonia histórica sobre a região do Congo. Por meio
deste acordo, a Grã-Bretanha intencionava colocar Portugal como barreira
contra possíveis investidas coloniais de outros Estados, sobretudo da França
(DOPKE, 1999, p. 82).
A Conferência de Berlim de 1884 (novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885) foi considerada
um dos acontecimentos históricos mais dramáticos e mais violentos, cuja brutalidade não encontra
parâmetros na história recente da humanidade, de modo que seus efeitos ainda são sentidos nos
continentes africano, asiático e na Oceania. A partir de declarações dos participantes podemos apreender
qual foi o mote do intento imperialista que regia a Conferência. De acordo com o rei da Bélgica Leopoldo
II em seu discurso de abertura da Conferência,
abrir para a civilização a única parte do globo ainda infensa a ela, penetrar na
escuridão que paira sobre povos inteiros é, eu diria, uma cruzada digna deste
século de progresso. Pareceu-me que a Bélgica, um país central e neutro,
seria o lugar adequado para um tal encontro. Será que preciso dizer que,
ao trazer os senhores a Bruxelas, não fui guiado por nenhum sentimento
egoísta? Não, cavalheiros, a Bélgica pode ser um país pequeno, mas está
24
Introdução ao Pensamento Antropológico
feliz e satisfeita com seus rumos; e eu não tenho outra ambição que não
seja a de servi-la bem. (HOCHSCHILD, 1999, p. 54).
Segundo o primeiro-ministro Jules Ferry, a partilha dos continentes é uma necessidade imperiosa
não só econômica, mas uma ótima oportunidade de civilizá-los e, por conseguinte, tirá-los da barbárie,
ou seja, da escuridão:
Para os países industriais exportadores, a expansão colonial é uma questão
de salvação. Em nosso tempo, e diante da crise que atravessam as indústrias
europeias, a fundação de colônias representa a criação de uma válvula
de escape para nossos problemas. Devemos dizer abertamente que nós,
pertencentes às raças superiores, temos direitos sobre as raças inferiores.
Mas, também temos dever de civilizá-los. (FERRY, 1960, p. 73)
A partir desta conferência que foi organizada sob a orientação do chanceler alemão Bismarck e do
primeiro ministro francês Jules Ferry (1832-1893), o continente africano e asiático foram repartidos em
territórios sob o comando dos países imperialistas, fato este que produziu efeitos nefastos em ambos
os continentes.
No continente africano, por exemplo, somente o Egito, a Libéria e a Etiópia não entraram nesta
partilha, o que representou um número muito pequeno em vista dos países invadidos pelos europeus
daquele período. Isso representou no seu todo uma junção da ciência, da técnica, da produção e do
capital em favor do imperialismo.
Hernandez (2005) destaca em sua obra intitulada “A África na sala de aula” os quatros principais
motivos que promoveram a origem desta conferência que se desdobrou na partilha dos dois
continentes:
O primeiro deles, verificado na conjuntura de 1865 até a primeira metade
dos anos de 1890, refere-se aos interesses do rei Leopoldo II, da Bélgica,
em fundar um império ultramarino; o segundo por sua vez foi sem dúvida
a frustrada corrida de Portugal por seus interesses em torno do já referido
fato da conquista do mapa cor de rosa anunciado em outubro de 1883 e
materializado em 1886; o terceiro foi o expansionismo da política francesa
expresso na participação da França com a Grã-bretanha no controle do
Egito, em 1879; o quarto motivo foi devido aos interesses em torno da livre
navegação e do livre comercio nas bacias do Níger e do Zaire (HERNANDEZ,
2005, p. 59).
Neste sentido, segundo uma das regras tiradas na conferência ficava estabelecido que cada país do
continente europeu tinha o direito de ocupar uma parte do território africano e que, uma vez ocupado,
tinha de ser em definitivo. Somente estando em um território do continente africano em definitivo os
países imperialistas de origem europeia teriam o direito de reivindicá-lo para sua exploração econômica
e material.
25
Unidade I
Não obstante, foram produzidos leis, artigos emendas e tratados cujos objetivos visavam à partilha
dos territórios em questão.
A Ata Geral da Conferencia de Berlim, assinalada em 23 de Fevereiro de 1885, é composta de seis
pontos fundamentais formalizados em capítulos. Os principais objetivos eram assegurar as vantagens
de livre navegação e livre comércio sobre os dois principais rios africanos que deságuam no Atlântico,
quais sejam o Níger e o Congo. (HERNANDEZ, 2005, p. 62).
Tais ações condicionaram esta tomada de decisão arbitrária que, por sua vez, impactou o processo
de desestruturação das sociedades asiáticas e africanas no tocante às suas formas de governos políticos.
Inclusive, impuseram o sistema ocidental de estados e nações, que desarticulou as tribos, os clãs, os
grupos familiares, os impérios africanos e asiáticos e também as hierarquias políticas tradicionais dos
continentes.
Desestruturou também pela violência simbólica e concreta não somente a econômica, mas todo o
sistema ambiental, além de desarticular a organização da agricultura tradicional e introduzir ao solo
(terra) um valor de uso e valor de troca em função da especulação capitalista, ou seja, jogou a terra
comunal, de grupo ou de famílias herdadas da tradição e do costume, para a privatização, sob o processo
de urbanização e o poder imobiliário que produziu a ampliação do capital.
Também desrespeitou as línguas nativas, os dialetos, os cultos africanos e asiáticos, os ritos de
passagem, os ritos religiosos, as cosmogonias, as noções cosmológicas, as relações de gênero, as
relações sexuais, as formas de casamentos, as relações de parentesco, os mitos que deram origem
a construção do universo segundo o pensamento africano e asiático etc. Ou seja, desrespeitou,
desarticulou e em alguns momentos destruiu, em partes ou por completo, as culturas africanas e
asiáticas.
Desta forma, ambas as culturas foram sufocadas e desorganizadas em sua pluralidade e em sua
diversidade. O imperialismo, ao destruir os valores, normas e regras das sociedades africanas e asiáticas
de forma avassaladora, passou a implantar e introduzir o trabalho assalariado e o sistema monetário em
detrimento da economia de troca e escambo que predominava no continente africano e no asiático, de
modo a obter lucro e vantagem em suas empresas.
Na busca de ampliar o capital a partir da concorrência econômica estabelecida pelos países
europeus imperialistas em razão da necessidade e da premência da expansão econômica a partir
de 1880, deu-se início a uma corrida econômica entre os países que estavam em franco processo
de industrialização, desencadeando uma concorrência para obtenção e preservação de mercados
e criando uma zona de influência sob os protetorados e as colônias no continente africano e
asiático.
Nesta corrida entre as economias industriais, os países europeus não tomaram conhecimento
nem de fronteiras naturais, nem das fronteiras culturais. Conformaram uma expansão territorial,
no recolhimento de matérias primas, na espoliação e na expropriação dos continentes de múltiplas
maneiras e formas. Esta concorrência se fundamentou não só nos aspectos econômicos e políticos, mas,
26
Introdução ao Pensamento Antropológico
sobretudo, ideológicos. Ou seja, não só bastava arrancar os bens materiais econômicos, era necessária
uma justificativa moral para subjugar os povos africanos e asiáticos.
Segundo Cotrin (2007), esta missão de civilização se fundamentava em um tripé conceitual de
superioridade econômica, religiosa e científica, a saber:
- as características biológicas da raça branca;
- a fé religiosa (cristianismo);
- o desenvolvimento técnico e científico (a Revolução Industrial).
Para que possamos compreender os efeitos desta Conferência de Berlim de 1884, que desencadeou o
imperialismo como processo desagregador das sociedades pela partilha da África e da Ásia, tomaremos
dois exemplos:
1. No continente africano, a exploração e a espoliação da África do Sul foram a forma mais dramática
e a que carregou maior carga simbólica, pela sua violência em todos os sentidos culminado com
o Apartheid. Os conflitos se iniciaram a partir da invasão dos holandeses no território conhecido
hoje como África do Sul, onde instalaram uma república de natal, a qual foi questionada pela
Inglaterra. Os conflitos se tornaram uma guerra sangrenta, pois se descobriu que neste território
africano havia diamantes, de modo que em 1889 iniciou-se uma guerra que perdurou por três anos.
Em 1910 foi criada a União Sul Africana, que deu um poder sem limites aos bôeres (holandeses e
ingleses). Servindo-se deste poder, os bôeres instalaram o Apartheid, uma política segregacionista
que instalou na África do Sul a superioridade do povo branco sobre o povo negro, terminando
com a independência africana após a libertação do líder negro Nelson Mandela (1918-).
Mandela foi membro do Congresso Nacional Africano (CNA) e preso em 1962. Quando liberto em
1990, após quase trinta anos, tornou-se o primeiro presidente negro da África do Sul (1991-2000)
e comandou o processo de transição para a democracia e a derrubada do regime em definitivo da
apartheid.
2. No continente asiático, a expansão imperialista deixou seu rastro de pólvora e sangue na Índia.
Houve a Guerra dos Cipaios (1857-1858), passando pela luta da não violência por Gandhi (18691948). A chamada Guerra dos Cipaios se deu em razão da rebelião dos soldados indianos que
trabalhavam para os ingleses; no entanto, foram destruídos em dois anos de luta, de modo que a
Inglaterra passou a Índia de protetorado a Colônia.
A não violência foi um projeto de Gandhi que observou a divisão que se instalou na Índia, ou
seja, de um lado os ingleses desfrutando de regalias, como colégios bons para a educação de seus
filhos, as melhores terras de plantio, as melhores empresas etc. Do outro lado, a população indiana
na mais plena miséria instalada pelo regime inglês na colônia da Índia.
Diante dessa situação, o indiano Mahatma Gandhi propôs a todo o povo indiano que não reagissem
às prisões, nem aos espancamentos manifestados pelos policiais ingleses. Também propôs que
27
Unidade I
os comerciantes indianos não comprassem mais o sal que a Inglaterra os obrigava a comprar.
Essas ações denominadas contrárias à violência transformaram o país, que teve reconhecida sua
independência no ano de 1947. Após a independência, a Índia ficou dividida em três estados
soberanos:
• Índia: simpatizantes e seguidores em sua maioria hinduísta;
• Paquistão: simpatizantes e seguidores em sua maioria muçulmana;
• Ceilão: simpatizantes e seguidores em sua maioria budista. Se transformou a partir de 1972 em
Sri Lanka.
O imperialismo deixou um rastro de pólvora e sangue por onde se instalou, além de ter dividido
o mundo entre os que se apoderaram de riquezas e garantido a expansão e a ampliação do capital.
Disso, os que sofreram com os usos, abusos e desmandos é o que podemos apreender o texto de Eric
Hobsbawm (1979) intitulado “A Era do Capital”:
Para milhares de pobres, transportados para um novo mundo frequentemente
através de fronteiras e oceanos, isto significou uma mudança de vida
cataclísmica. Para os indivíduos do mundo fora do capitalismo, que eram
agora atingidos e sacudidos por ele, significou a escolha entre uma resistência
passiva em termos de suas antigas tradições e formas de ser, ou então um
traumático processo de tomada das armas do Ocidente para voltá-las contra
os conquistadores: a compreensão e a manipulação do progresso por eles
mesmos. O mundo deste período da história foi um mundo de vitoriosos
e vitimas. Seu drama consistiu nas dificuldades não dos primeiros, mas
principalmente dos últimos. (HOBSBAWM, 1979, p. 24)
A expansão capitalista sob a orientação Imperialista
Colonialismo Europeu do Século XVI
Neocolonialismo do Século XIX
Área principal de dominação
América
África, Ásia e Oceania
Fases do capitalismo
Capitalismo mercantilista (comercial)
Capitalismo financeiro e monopolista
(industrial)
Patrocinadores
Burguesia comercial e Estados
metropolitanos europeus.
Burguesia financeiro-industrial e
Estados da Europa, América do Norte
(EUA) e Ásia e Japão.
Objetivos econômicos
- Garantia de mercado consumidor
- Reserva de mercado para a
para a produção econômica europeia;
produção industrial;
Justificativa ideológica
- Garantia de exploração de produtos
coloniais, como artigos tropicais e
metais preciosos.
- Garantia de fornecimento de
matérias-primas, como carvão,
ferro, petróleo e metais nãoferrosos.
Expansão da fé cristã
Missão civilizadora de espalhar o
progresso técnico-científico pelo
mundo.
Fonte: Gilberto Cotrin (2007, p. 331)
28
Introdução ao Pensamento Antropológico
Domínios coloniais
Fonte: L’etios jeune afrique du continent african. Paris, Les Éditions du Jaguar, 1993.
Sobre o pan-africanismo, que teve repercussão mundial entre os afro-descendentes espalhados
mundo afora, Dopke coloca que:
O Pan-africanismo, como filosofia e programa políticos, tem suas origens
na diáspora negra, especialmente no Caribe e na América do Norte, já no
século XIX. Foi, principalmente, um fenômeno do mundo anglófono, apesar
de vínculos ocasionais com o Brasil ou com a África francófona. Não foi um
29
Unidade I
movimento de massa, mas reuniu uma pequena elite intelectual na diáspora,
na Europa e nas colônias da África Ocidental. O Pan-africanismo tinha como
um dos seus referenciais principais a unidade dos africanos, seja racial,
cultural ou no sofrimento como escravos, seres humanos discriminados ou
súditos coloniais (DOPKE, 1999, p. 87).
Ativistas do movimento negro, a exemplo do jamaicano Marcus Garvey, consideravam a África a
terra natal de todos os negros que estariam em diáspora pelo mundo, por razões do tráfico negreiro;
sonhavam com a independência de toda a África e a criação dos “Estados Unidos da África”.
Com isso, a atualidade dos 54 países africanos é bastante conturbada. Uma vez que cada país
conta com diversos grupos étnicos em seu território e alguns grupos étnicos foram divididos em
vários países (como é o caso do povo Ioruba – parte de seu território é hoje na Nigéria, e outra parte,
em Benin), temos que cada grupo étnico luta por hegemonia política contra outros grupos dentro de
um mesmo país.
Cronologia da independência dos países africanos
30
•África do Sul 1910
•Chade 1960 (Independência da França)
•Rodésia (Zimbábue) 1965 (Independência do Reino Unido)
•Egito 1922 (Independência do Reino
Unido)
•Congo 1960 (Independência da França)
•Botsuana 1966 – (Independência do
Reino Unido)
•Líbia 1951 (Independência da Itália)
•Gabão 1960 (Independência da França)
•Lesoto 1966 (Independência do Reino
Unido)
•Sudão 1956 (Independência do Reino
Unido)
•Mali 1960 (Independência da França)
•Maurícia 1968 (Independência do Reino
Unido)
•Marrocos 1956 (Independência da
França)
•Nigéria 1960 (Independência do Reino
Unido)
•Suazilândia 1968 (Independência do
Reino Unido)
•Tunísia 1956 (Independência da França)
•Mauritânia 1960 (Independência da
França)
•Guiné 1968 (Independência da Espanha)
•Gana 1957 (Independência do Reino
Unido)
•Serra Leoa 1961 (Independência do
Reino Unido)
•Guiné-Bissau 1973 (Independência de
Portugal)
•Guiné 1958 (Independência da França)
•Somália 1961 (Independência do Reino
Unido e da Itália)
•Ilhas Comorres 1975 (Independência da
França)
•Camarões 1960 (Independência da
França)
•Tanganika 1961 (Independência do
Reino Unido)
•Moçambique 1975 (Independência de
Portugal)
•Togo 1960 (Independência da França)
•Burundi e Ruanda 1962 (Independência
da Bélgica)
•Cabo Verde 1975 (Independência de
Portugal)
•Senegal 1960 (Independência da França) •Argélia 1962 (Independência da França)
•São Tomé e Príncipe 1975
(Independência de Portugal)
•Madagáscar 1960 (Independência da
França)
•Uganda 1962 (Independência do Reino
Unido)
•Angola 1975 (Independência de
Portugal)
•Benin 1960 (Independência da França,
com o nome de Daomé)
•Zanzibar 1963 (Independência do Reino
Unido)
•Seychelles 1976 (Independência do
Reino Unido)
•Níger 1960 (Independência da França)
•Malawi 1964 (Independência do Reino
Unido)
•Djibout de 1977 (Independência da
França)
•Burkina Faso 1960 (Independência da
França)
•Zâmbia 1964 (Independência do Reino
Unido)
•Namíbia 1990 (Independência da África
do Sul)
Introdução ao Pensamento Antropológico
•Costa do Marfim 1960 (Independência
da França)
•Gâmbia 1965 (Independência do Reino
Unido)
•Eritreia 1993 (Independência da Etiópia)
As linhas retas do continente africano
No mapa a seguir, observe que a maior parte das fronteiras são linhas retas.
Fonte: <http://tudosobreangola.blogspot.com/>.
31
Unidade I
atingidos e sacudidos por ele, significou a escolha entre uma resistência
passiva em termos de suas antigas tradições e formas de ser, ou então um
traumático processo de tomada das armas do Ocidente para voltá-las contra
os conquistadores: a compreensão e a manipulação do progresso por eles
mesmos. O mundo deste período da história foi um mundo de vitoriosos
e vitimas. Seu drama consistiu nas dificuldades não dos primeiros, mas
principalmente dos últimos. (HOBSBAWM, 1979, p. 24)
Saiba mais
Diamante de Sangue. Direção: Edward Zwick, duração: 138 minutos
(2006). Site oficial: <http://www.diamantedesangue.com.br/>.
Hotel Ruanda. Direção: Terry George. Duração: 121 minutos (2004). Site
oficial: <http://www.mgm.com/ua/hotelrwanda/>.
Tiros em Ruanda. Direção: Michael Caton-Jones. Duração: 115 minutos.
Site oficial: <http://www.shootingdogsfilm.blogspot.com/>.
Você concorda com o argumento de que a divisão imperialista é a causa dos problemas atuais?
Os Estados africanos contemporâneos encontram em seus limites diversos grupos étnicos que,
anteriormente à divisão imperialista, não dividiam um mesmo espaço político. Quais são as consequências
disso?
Existem diversos grupos étnicos dentro de um mesmo Estado (mais de duzentos no caso da Nigéria),
de modo que diversos grupos étnicos são divididos em dois ou mais Estados.
3.3 As Américas: a Doutrina Monroe e o poder político dos EUA na América
Latina
Apenas uma das regiões do mundo não foi afetada de forma direta pelo processo de divisão e
anexação territorial colocado pelo imperialismo dos séculos XIX e XX: as Américas. Era perfeitamente
claro que, do ponto de vista econômico, e até certo ponto cultural e mesmo político, esses países do
bloco conhecido como América Latina eram dependentes dos países europeus.
Na América Latina, a dominação econômica e a pressão política, quando e sempre que necessárias,
eram articuladas sem que uma conquista formal ou anexação territorial fosse necessária. Com
exceção da Grã-Bretanha, que possuía colônias no Caribe (Jamaica, diversas ilhas menores e a
Guiana Inglesa) e da França (com territórios do Caribe, das Ilhas de Guadalupe e Martinica, e na
América do Sul na Guiana Francesa), nenhum outro país europeu possuía resquícios do período
colonial dos séculos XV a XVIII. Nenhum país via boas razões para hostilizar os Estados Unidos
desafiando a Doutrina Monroe.
32
Introdução ao Pensamento Antropológico
A Doutrina Monroe foi enunciada pelo presidente estadunidense James Monroe (presidente de 1817
a 1825) em sua mensagem ao Congresso em 2 de dezembro de 1823 (Hobsbawn, 1988 p. 90). Nessa
ocasião, o presidente declarou:
Julgamos propícia esta ocasião para afirmar, como um princípio que afeta os
direitos e interesses dos Estados Unidos, que os continentes americanos, em
virtude da condição livre e independente que adquiriram e conservam, não
podem mais ser considerados, no futuro, como suscetíveis de colonização
por nenhuma potência europeia (...) (Site Brasil Escola).
A doutrina tinha como alicerce a não criação de novas colônias nas Américas pelos europeus e
reafirmava a posição dos Estados Unidos contra o colonialismo europeu, além de se embasar no notório
pensamento de Thomas Jefferson, segundo o qual “a América tem um hemisfério para si mesma”, o
que tanto poderia significar a América para todos os americanos no continente ou a América como
continente para os norte-americanos, somente. Inicia-se, nesse momento, a política imperialista pela
América Latina.
De qualquer maneira, a formulação da doutrina frustrou os planos das potências imperialistas europeias
de recolonizar o continente americano e permitiu que os Estados Unidos continuassem a ampliar as suas
fronteiras na marcha rumo ao oeste (Califórnia e os outros estados ainda não explorados), sem ameaças
nem competições. Com isso, os EUA tornaram-se a principal força política e econômica do continente.
4 Imperialismo e antropologia
4.1 Como o imperialismo moldou o pensamento antropológico
A relação entre antropologia e imperialismo é parte de uma narrativa que possui uma vasta gama
de características, mas um enredo único. Para a antropologia, o colonialismo não é um objeto histórico,
passível de ser estudado como algo externo ao observador. A disciplina é descendente do colonialismo e
ainda utiliza técnicas de observação e controle que emergiram da dialética colonial ocidental.
Quando a Europa conquistou, dominou e, por fim, governou o mundo, seus habitantes tiveram de
engajar-se em relações com inúmeros povos e lugares. Mercadores, soldados, missionários, administradores
e colonizadores – juntamente com pessoas que ficaram na Europa – ajudaram a transformar os “súditos”
não europeus, com graus variáveis de violência, em uma direção rumo à modernidade. E como não
poderia deixar de ser, esses “súditos” não eram passivos.
A história nos conta como esses súditos compreenderam e absorveram o encontro com os europeus
em seus próprios termos culturais, como resistiram, se adaptaram, cooperaram ou modificaram seus
novos senhores. Além disso, conta como empreenderam-se na tarefa de reinventar a vida que se
encontrava desorganizada.
Mas a história também nos conta que essa empreitada de reinventar os modos de vida era definida
pelo novo esquema imposto pelos colonizadores, baseada nas novas formas de poder, trabalho e
33
Unidade I
conhecimento; conta-nos sobre a dominação europeia não somente como uma repressão temporária
das populações, mas como um processo irrevogável de transmutação, no qual desejos antigos e modos
de vida foram destruídos e novos modos de vida tomaram lugar – numa história de mudanças sem
precedentes na sua velocidade, no escopo global e na difusão.
Foi nesse ambiente que a antropologia emergiu e se desenvolveu como uma disciplina acadêmica.
Interessada, primeiramente, em ajudar a classificar povos (não europeus), antropólogos saíram
da Europa para as colônias com o intuito de observar e descrever as particularidades dos povos
colonizados.
Não é novidade que o conhecimento antropológico era parte da expansão do poder europeu,
apesar de ter um consenso geral de que as implicações dessa afirmação devam ser mais delimitadas.
A questão é se a antropologia de hoje quer preencher o vácuo que existe em sua história – que nos
é bastante familiar, ou seja, o passado nem sempre agradável da disciplina – ou se é possível iluminar
pela antropologia os aspectos da transformação do mundo, em que a disciplina não é mais do que uma
pequena parte.
É possível lidar diretamente com alguns dos maiores desentendimentos sobre a antropologia como
disciplina. O papel dos antropólogos em manter as estruturas de dominação coloniais, a despeito de
algumas ideologias contrárias, foi sempre trivial; o conhecimento produzido pela antropologia foi sempre
muito exótico para uso governamental, e mesmo em lugares em que se fazia útil, era sempre marginal
em comparação com o corpo vasto de informações acumuladas rotineiramente pelos mercadores,
missionários e administradores. Logicamente alguns antropólogos foram contratados como experts da
vida social dos povos subjugados, mas seu conhecimento jamais foi indispensável para a legitimação do
processo de dominação.
Porém, se o papel da antropologia no colonialismo não foi assim tão importante, o oposto não é
verdadeiro. A antropologia como disciplina foi intrinsecamente dependente do colonialismo. O processo
de poder europeu global foi central para a incumbência antropológica de registrar e analisar formas
de vida das populações subjugadas, mesmo quando uma consideração séria sobre as relações de poder
exercidas pela antropologia fosse teoricamente excluída.
Não é somente o fato de a prática da antropologia, ou seja, o trabalho de campo, ter sido
facilitado pelo poder colonial europeu; é o fato de o poder europeu, como discurso e como prática,
ter sido sempre parte integrante da realidade a qual a antropologia visa apreender e ter sido sempre
parte da forma pela qual a antropologia busca apreender o mundo (link com homem e sociedade:
etnocentrismo).
Porém, a antropologia criou mecanismos pelos quais foi capaz de exercer uma visão crítica de
si mesma. Ao analisar outras culturas, outros povos, imediatamente se exerce o contrário: a análise
de seu próprio mundo e cultura. O relativismo cultural (link com homem e sociedade) proporcionou
à antropologia um olhar mais próximo ao dos povos colonizados, e a antropologia teve um papel
importante no processo de independência dos povos colonizados.
34
Introdução ao Pensamento Antropológico
Lembrete
Imperialismo: política pela qual uma nação exerce poder e impõe
domínio territorial, cultural e econômico sobre outra, na conquista de
protetorados e coloniais. O Imperialismo se organizou a partir do final do
século XIX.
4.2 A etnografia como método da antropologia
Bronislaw Malinowski, na introdução de seu clássico estudo “Os argonautas do Pacífico ocidental”
(1922), marcou a história da antropologia ao propor uma nova forma de pesquisa etnográfica, envolvendo
detalhada e atenta observação participante.
Para descrever, compreender e conceituar todo o universo cultural humano, os pesquisadores
desenvolveram o que chamamos de “pesquisa de campo”. Basicamente, o pesquisador permanece
durante um longo período de tempo convivendo com a cultura que deseja conhecer, abandonando
sua mera condição de “observador alheio”. O antropólogo é aquele que participa, aprende a língua,
mergulhando profundamente na visão de mundo e no cotidiano do “outro”.
Lembrete
Etnografia: método de observação participante adotado para
compreender o comportamento humano. É onde o antropólogo descreve,
compreende e conceitua o espaço cultural das sociedades ou grupo
social.
Esse método possibilita uma mudança na forma de interpretar o mundo por parte do
pesquisador, pois ele deixa de ver o mundo com suas lentes anteriores e passa a ver o mundo
por meio da perspectiva do outro, ou seja, ele busca se colocar no lugar do outro. Ao menos era
essa a intenção.
Após esse período de permanência em um universo completamente estranho, o pesquisador se
retira e coloca em avaliação tudo o que conseguiu registrar daquela cultura por meio de anotações,
fotos, filmes, entrevistas, memórias, que, normalmente, concentram-se no que se chama de “caderno de
campo”. De volta ao seu mundo, e não mais influenciado pelo objeto de estudo, porém, capaz de refletir
sobre ele, o pesquisador apresenta ao leitor uma nova forma de interpretar essa cultura, baseada nos
princípios científicos de objetividade e experimentação.
Esse tipo de pesquisa é que apontou as falhas que davam margem à legitimação do etnocentrismo e
foi capaz de dar condições de teorizar e conceitualizar o relativismo cultural como ferramenta conceitual
de análise, apresentando ao mundo uma nova forma de nos relacionarmos com a diferença. Saindo do
35
Unidade I
campo frio das estatísticas e mergulhando em análises mais profundas acerca do comportamento do
outro, passamos a ter uma nova compreensão sobre a diversidade cultural.
Atualmente, a pesquisa antropológica é utilizada inclusive como recurso de exploração de nichos
de mercado, para lançamento de novos produtos ou mudança de imagem institucional. Conhecendo a
forma como o outro vê o mundo, é possível lhe apresentar soluções muito mais bem aceitas e adequadas
aos seus padrões e valores.
A etnografia, portanto, é o trabalho de campo adicionado à análise posterior do material coletado,
das experiências vividas, das impressões e teorizações do campo. É a descrição de uma cultura, que
pode ser a de um pequeno grupo indígena, uma exótica religião africana ou um grupo de hip-hop da
periferia, sendo que o papel do etnógrafo é o de buscar compreender a maneira de viver o mais próximo
possível do ponto de vista dos nativos.
Portanto, é considerada um método, no sentido de prática e ferramenta conceitual do trabalho
antropológico, além de certamente ser o trabalho de campo que, no imaginário das ciências humanas,
dá a especificidade à antropologia, pois um antropólogo somente o é após ir a campo, como um rito
de passagem. Nesse rol de atitudes e intensa interação com o “objeto” de estudo – interação esta que,
muitas vezes, é apresentada pelos antropólogos como marca fundamental da disciplina –, a fronteira
entre método e atitude nem sempre é clara.
Com isso, o fazer etnográfico remete a uma postura e não somente a um método, uma técnica
específica de pesquisa. Uma postura por ter na sua base a busca pelo ponto de vista dos povos estudados,
ou seja, buscar não somente uma descrição da realidade em que se encontra, mas compreender o que as
pessoas compreendem por suas realidades particulares. Nos próximos capítulos, discutiremos com mais
profundidade a abrangência desse método.
Saiba mais
Leitura:
CLIFFORD, J. Sobre a autoridade etnográfica. In: A experiência etnográfica.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998.
CUNHA. M. C. Antropologia do Brasil. São Paulo: Mestre Jou, 1973.
GEERTZ, C. Obras e vidas. O antropólogo como autor. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 2003.
LAPLANTINE, F. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1988.
SPERBER, D. O saber dos antropólogos. Lisboa: Edições 70, 1992.
Documentário:
Xingu. Direção: Washington Noves, Brasil. Duração: 120 minutos (1985).
36
Introdução ao Pensamento Antropológico
Nosso objetivo nesta unidade foi o de situar os caminhos percorridos pelo pensamento social em
paralelo com fatos históricos, ou seja, explanar que o pensamento social existe em função de fatos
concretos, e não ao contrário: a história cria teoria social.
Nesse percurso, o contato com a África cristalizou um momento que, por razões dos avanços
tecnológicos (como os avanços na navegação), possibilitou um contato extenso entre povos de culturas
muito distintas. Essa situação de contato foi o marco fundamental para a elaboração de teorias sociais,
muitas das quais ainda com bastante vigor nos dias de hoje.
Com isso, ao pensarmos os caminhos que a antropologia como ciência do homem seguiu,
temos que é fundamental situar historicamente as teorias que nos são apresentadas; a história,
seja aquela formal, escrita em livros didáticos, seja aquela apresentada por conversas, entrevistas,
é fundamental para as pessoas que almejam trabalhar com situações de conflitos. Acreditamos que
a história e a antropologia sejam ferramentas de base para que o assistente social possa se ater
e se embasar nas formulações de respostas nas situações que o campo de trabalho, sem dúvidas,
apresentará.
Resumo
A Antropologia se vale da observação e do discurso e tem como ponto
de partida de estudo e interpretação as dimensões do homem como ser
biológico, social e cultural e a sua aventura por sobre o espaço planetário,
ou seja, o gênero humano e suas múltiplas facetas.
Podemos dividi-la basicamente em dois campos de estudos: Antropologia
Física e Antropologia Cultural. Como fonte de pesquisa, os estudiosos
da área se utilizam de livros, imagens, objetos, depoimentos, sociedades,
instituições, vestígios deixados pelos seres humanos (em rochas, imagens,
objetos, depoimentos etc.), observação participativa, ou seja, um período
de tempo que o antropólogo passa na presença de povos ou comunidades
que deseja estudar, entre outras.
Assim, a Antropologia buscou se preocupar com o outro a partir do
conceito de alteridade (o ser humano essencialmente diferente de mim).
Vejamos alguns dos ramos dessa linha de estudo:
• Evolucionismo: busca se municiar das informações dos povos que os
antropólogos chamavam de primitivos e tem como ponto de partida
a sociedade europeia, que leva às sociedades primitivas o movimento
civilizatório considerando os outros povos mais inferiores, selvagens
e bárbaros.
37
Unidade I
• Funcionalismo: de acordo com a concepção funcionalista, cada
sociedade deve ser estudada como um organismo constituído
por partes interdependentes e complementares, cuja função
é satisfazer as necessidades essenciais dos seus integrantes.
Os estudos funcionalistas permitiram que sociedades não
europeias passassem a ser compreendidas dentro de suas
especificidades.
• Culturalismo: a cultura e a história, e não mais a “raça”, seriam a causa
das diferenças entre as populações, conjugadas pela investigação de
leis no desenvolvimento das culturas.
• Estruturalismo: permitiu que as ciências humanas criassem métodos
específicos para o estudo de seus objetos, livrando-as das explicações
mecânicas de causa e efeito, sem que por isso tivessem que abandonar
a ideia de lei científica.
Em termos antropológicos, podemos então definir a cultura como
tendo três sentidos principais:
1. Criação da ordem simbólica da lei, isto é, de sistemas de interdições
e obrigações, estabelecidos a partir da atribuição de valores a
coisas (boas, más, perigosas, sagradas, diabólicas), a humanos e
suas relações (diferença sexual e proibição de incesto, virgindade,
fertilidade, puro-impuro, virilidade; diferença etária e forma de
tratamento dos mais velhos e mais jovens; diferença de autoridade
e formas de relação com o poder etc.) e aos acontecimentos
(significado da guerra, da peste, da fome, do nascimento e da
morte, obrigação de enterrar os mortos, proibição de ver o parto
etc.);
2. Criação de uma ordem simbólica de linguagem, do trabalho,
do espaço, do tempo, do sagrado e do profano, do visível e do
invisível. Os símbolos surgem tanto para representar quanto
para interpretar a realidade, dando-lhe sentido pela presença do
humano no mundo;
3. Conjunto de práticas, comportamentos, ações e instituições pelas
quais os humanos se relacionam entre si e com a Natureza e dela
se distinguem, agindo sobre ela ou através dela, modificando-as.
Este conjunto funda a organização social, sua transformação e sua
transmissão de geração a geração.
Fonte: Marilena Chauí, Convite à Filosofia (2001, p. 296)
38
Introdução ao Pensamento Antropológico
Exercícios
Questão 1. Leia o texto a seguir:
A política de cotas visa a combater uma histórica distorção existente na educação brasileira.
Do total de 1,8 milhão de alunos que conclui o ensino médio anualmente, 80% são de escolas
públicas. Contudo, nas universidades mantidas pelo Estado, eles são minoria. Para o ministro da
Educação, a adoção de cotas pode reduzir esse descompasso e não trará prejuízos a segmentos da
sociedade: os brancos que estudaram na escola pública têm direitos tão resguardados quanto os
negros e indígenas que estudaram em escola pública. Um grupo não está sendo privilegiado em
detrimento do outro, já que a distribuição é proporcional.
De acordo com o Ministério da Educação, as instituições de ensino superior mantidas pelo governo
federal ofereciam 127 mil vagas em 2003. Hoje ofertam mais de 227 mil, um número pequeno
diante da gigantesca demanda, mas o suficiente para compensar ao menos 80% das vagas que
podem ser restringidas aos alunos de escolas particulares com a adoção da medida.
Das 59 universidades federais, ao menos 16 estabeleceram algum tipo de cota no vestibular.
O exemplo que mais se aproxima do projeto de lei que está em discussão no Senado é o da
Universidade Federal da Bahia (UFBA). Desde 2005, a instituição reserva 45% das vagas aos alunos
egressos de escolas públicas. As cadeiras são preenchidas de acordo com a proporção de cada etnia
na região metropolitana de Salvador. Os afrodescendentes, por exemplo, têm direito a ocupar
85% das vagas destinadas a cotistas.
Fonte: Rodrigo Martins. Critérios indefinidos. In: Carta Capital, nº 257, 24.12.2008, p. 36-7 (com adaptações).
A política de cotas sociais e/ou raciais tem merecido intenso debate na sociedade brasileira, sendo
expressivo o número de pessoas que se manifestam de forma contrária a qualquer tipo de política de
cotas e, ainda mais expressivo, o número de pessoas que se coloca contra as cotas raciais por entendêlas como discriminatórias contra a própria população racial para a qual se pretende facilitar o acesso à
universidade pública.
Nesse contexto, considere as alternativas a seguir:
I. A análise antropológica do fenômeno social da implementação de políticas públicas de cotas
raciais ou sociais exige, necessariamente, a compreensão do outro, dos conflitos e formas de
exploração e opressão a que ele esteve sujeito em seu percurso histórico.
II.A análise antropológica do fenômeno social da implementação de políticas públicas de cotas
raciais ou sociais exige que o estudioso da antropologia se coloque em uma relação de comparação
com o mesmo fenômeno em outras culturas e sociedades, para aferir qual foi a que resolveu de
forma mais efetiva o conflito.
39
Unidade I
III.A análise antropológica do fenômeno social da implementação de políticas públicas de cotas
raciais ou sociais exige que o pesquisador utilize um método histórico-narrativo, para que a
análise do discurso permita a compreensão dos anseios culturais que cada raça desenvolve como
seu próprio projeto.
Está(ão) correta(s) a(s) afirmativa(s):
a) III
b) I e III
c) II e III
d) I
e) I e II
Resposta correta: Alternativa D
Análise das alternativas:
A) Incorreta.
Justificativa: A alternativa não está correta porque a implementação de políticas públicas não pode
ser realizada apenas a partir da análise do discurso das pessoas que estão em uma dada sociedade, como
se afirma em III. O pesquisador deve utilizar múltiplos instrumentos de análise para poder apresentar
conclusões sobre os anseios culturais de uma determinada raça.
B) Incorreta.
Justificativa: A alternativa não está correta porque utiliza a afirmação I que está correta e a afirmação
III que está incorreta.
C) Incorreta.
Justificativa: não está correta porque utiliza as afirmações II e III que não estão corretas. A afirmação
II é incorreta porque a comparação do fenômeno de uma dada sociedade com o mesmo ou semelhante
fenômeno social ocorrido em outra não dá medida de acerto ou de erro, vez que precisam ser respeitadas as
bases históricas, sociais, culturais, econômicas e políticas que permitiram que cada fenômeno ocorresse em
um dado momento e de uma determinada forma, com peculiaridades próprias de cada grupo social ainda
que por vezes sejam semelhantes. A afirmação III está comentada anteriormente e também está incorreta.
D) Correta.
Justificativa – Conforme consta da apostila: “(...) para a Antropologia o distanciamento entre os povos,
indivíduos, sujeitos, estados e nações proporciona encontros, reaproxima o outro e permite a construção
de um saber específico. Desta forma, a Antropologia busca na aproximação a partir de seus instrumentos
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Introdução ao Pensamento Antropológico
a possibilidade de apreender e compreender, fertilizando um modo de se relacionar com o outro por meio
de encontros e acolhimentos. A Antropologia tem como ponto de partida de estudo e interpretação as
dimensões do Homem como ser biológico, social e cultural e a sua aventura por sobre o espaço planetário,
ou seja, o gênero humano e suas múltiplas facetas.” Portanto, a afirmativa I está correta.
E) Incorreta.
Justificativa: A afirmação I está correta, mas a II é incorreta, conforme justificativa da alternativa C.
Questão 2. José Fiuza Neto, na Revista História Viva, relata que
Em fevereiro de 1990, Nelson Rolihlahla Mandela deixou os portões da prisão, após 27 anos de
encarceramento e de uma luta política que constitui um dos capítulos mais extraordinários da
história do século XX. Aos 71 anos, caminhou rumo à liberdade em um acontecimento midiático
que mesclava o mito e o homem na figura do principal protagonista da luta contra o apartheid
sul-africano. (Revista História Viva, Ano VI, n.º 76, Duetto Editorial, p.48)
Recordando esse importante momento histórico parece inacreditável que até o século XX a
Humanidade tenha convivido com a segregação racial, e ainda mais constrangedor que até o século XXI
não tenha resolvido adequadamente a questão da igualdade racial em muitos lugares do mundo.
Leia a notícia a seguir referente a fatos ocorridos em 2010, na África do Sul.
RFI
O presidente Jacob Zuma pediu calma depois da morte do líder Terre’Blanche no último sábado,
na África do Sul. O Movimento de Resistência Africâner (AWB) afirmou nesta segunda-feira que
não haverá represálias violentas. O país, que acolhe dentro de dois meses a Copa do Mundo de
Futebol, teme uma possível onda de conflitos raciais.
As autoridades sul-africanas tentaram acalmar neste domingo as tensões provocadas pelo
assassinato do líder de movimento extremista AWB, Eugene Terre’Blanche, por dois jovens negros,
a dois meses da Copa do Mundo. O presidente da África do Sul, Jacob Zuma, fez um pronunciamento
pela televisão, neste domingo, pedindo tranquilidade e a unidade do país, diante dos anúncios
de vingança que haviam sido feitos pelos partidários do AWB. Segundo o professor de direito
da Universidade da África do Sul, André Thomashausen, o país desconhece quantos integrantes
fazem parte do movimento e seu poder bélico. “Existem indicações de que este e outros grupos
extremistas possam aproveitar da Copa do Mundo para chamar a atenção”, garante.
Os dois jovens, entre eles um menor de idade, funcionários da fazenda de Terre’Blanche, foram
acusados pelo assassinato, depois de uma briga por salários não pagos. Eles devem comparecer
ao tribunal nesta terça-feira. Forças policiais foram deslocadas para Ventersdorp, cidade a cerca
de 100km de Johannesburgo, onde serão realizados os funerais até o fim da semana. O chefe de
governo da região deve se encontrar com a família do líder de Terre’Blanche.
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Unidade I
Andre Visagie, secretário-geral do AWB, grupo paramilitar que defende a supremacia da raça
branca, do qual Terre’Blanche foi o cofundador, desmentiu, nesta segunda-feira, o risco de
represálias para vingar sua morte. No domingo, entretanto, Visagie pediu aos times de futebol
que desistissem de participar do Mundial, dizendo que as próximas ações seriam discutidas num
Congresso previsto para o dia 1° de maio. O movimento, que defende a criação de um “Estado
branco” independente, possui cerca de 5 mil integrantes. Na África do sul os brancos representam
apenas 9,5% da população.
Fonte: <http://www.portugues.rfi.fr/esportes/20100405-morte-de-lider-pro-apartheid-reaviva-tensoes-raciais-na-africa-do-sul>.
Acesso em: 23 maio 2011.
Assinale a alternativa correta:
a) Os conflitos raciais na África do Sul e também em outros países da África têm origem na expansão
europeia e na norte-americana no século XVIII e decorrem da busca pelo ouro e demais riquezas
minerais que aqueles países tinham a oferecer para o mundo. Em troca, eles receberam a cultura
européia e norte-americana, facilitando assim o caminho de sua evolução.
b) A situação dos países africanos de modo geral ainda é de desequilíbrio no aspecto racial, porque a
influência do racismo norte-americano está bastante presente na cultura e na educação daqueles
países.
c) Os estudos contemporâneos sobre a expansão europeia para o continente africano demonstram
que não houve influência sobre os conflitos raciais, que são locais, resultado apenas das lutas
entre os diferentes grupos étnicos.
d) Os conflitos raciais ocorridos na África do Sul e em outros países do continente africano têm
causas exógenas e endógenas, marcadas as primeiras pelo colonialismo europeu dos séculos XIX e
XX e, a segunda, pelas disputas entre os diferentes grupos étnicos existentes e descontentes com
os arranjos geográficos da Conferência de Berlim.
e) Os conflitos raciais do continente africano estão relacionados com questões históricas e culturais
muito complexas, não sendo possível apontar as causas com precisão e nem os caminhos
que deverão ser percorridos para uma solução. A intervenção da ONU se impõe como forma
de minimizar os conflitos e buscar caminhos que conduzam a uma solução única para todo o
continente.
Resolução desta questão na Plataforma.
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