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Propaganda
Marketing Cultural
Julia Zardo e Fabio Silveira
1. Considerações Iniciais
É consenso o fato de que um dos papéis centrais das incubadoras é a orientação de
empresas incubadas em relação às suas estratégias de marketing. Se o marketing constitui
um alicerce fundamental à inserção de uma empresa no mercado, quando a instituição em
questão atua na área cultural essa ferramenta tem a sua importância superlativizada. Isso
acontece, em grande parte, pela maior dificuldade das empresas de cultura em gerar a
percepção do impacto da inovação de seus produtos e serviços, uma vez que, com muita
freqüência, estes são intangiveis. Essa dificuldade de conquistar a percepção do valor
pelo público, por sua vez, pode ser suprida essencialmente por um planejamento de
marketing.
Essa não é, contudo, a única lacuna que o marketing deve ser capaz de preencher; a
identificação, a conquista e a fidelização da clientela1 são, também, algumas das maiores
dificuldades dos empreendedores da área cultural. Dentre todos os problemas presentes
nesse setor, merecem destaque:
1) A falta de flexibilidade do empreendedor, principalmente aquele que desenvolve algum
tipo de atividade de criação artística, em adaptar ou modificar o seu produto com o
objetivo de aumentar sua inserção no mercado;
2) A falta de informações quanto ao comportamento do consumidor e do mercado da
cultura;
3) A dificuldade de diálogo entre o produtor e o cliente, que, por sua vez, nem sempre
encontra um vendedor com experiência no trato comercial;
4) O difícil estabelecimento de parâmetros de precificação dos produtos, uma situação
decorrente do alto grau de intangibilidade material deles;
1
Entre outras que estão citadas e desenvolvidas no livro Incubadoras Culturais do Negócio da Cultura à
Cultura dos Negócios. ZARDO, Julia e Colaboradores. Rio de Janeiro, ANPROTEC & SEBRAE, 2005.
159p.
5) A insuficiência de canais de distribuição desses produtos.
É importante lembrar que o empreendedor cultural está costumeiramente ligado mais à
criação do que à inovação. A diferença entre estas instâncias está no fato de que a criação
é o ato de apresentar ou gerar uma coisa nova sem se preocupar com o mercado, ao passo
que a inovação estabelece um vínculo biunívoco com este. Esse perfil de criação é
decorrente do espírito artístico e de produção artesanal – quase exclusiva –, enquanto o
espírito inovador se relaciona mais facilmente com o empreendedor, o mercado e a
produção seriada. Por isso, torna-se fundamental a orientação da incubadora em relação
ao posicionamento dos empreendedores e sua viabilidade mercadológica.
Além da questão inovação X criação, a solução das três últimas questões pontuadas
acima reside basicamente em um trabalho intenso de preparação desse empreendedor
durante o período de pré-incubação. Precificação, distribuição e marketing de
relacionamento são tópicos que exigem a atenção das incubadoras culturais,
principalmente para suprir uma das principais demandas de empresas desse setor: a
organização dos seus processos. Uma sistematização das ações nessas três linhas permite
que os principais defeitos desde a produção até a comercialização apareçam claramente e
sejam corrigidos de forma sistêmica.
Ainda assim, o pleno sucesso de empresas culturais depende principalmente dos dois
primeiros pontos citados e da percepção pelo público da inovação presente no produto ou
serviço prestado. Esse capítulo representa um esforço no sentido de desenvolver essas
questões e de conceituar, com base na prática e na apresentação de casos, o que é o
marketing cultural e de que forma ele é capaz de impulsionar as atividades de uma
empresa.
2. Problematização
Quando foi aprovada, em 1991, a Lei Rouanet ou Lei de Incentivo à Cultura (Lei
8.313/91) acentuou um fenômeno que já se tornava comum no Brasil: a dependência da
atividade cultural em relação aos interesses de grandes empresas. Se, por um lado, ela
permitiu que os investimentos em cultura aumentassem de forma decisiva para a
economia desse setor, por outro, fomentou o vício de vincular a realização de qualquer
atividade de cunho social, cultural e/ou ambiental à busca de patrocínio.2
Tal conseqüência enraizou-se nas práticas comuns do mercado da cultura e, atualmente, o
termo “marketing cultural” é visto por muitos como sinônimo de “toda ação de marketing
que usa a cultura como veículo de comunicação para se difundir o nome, produto ou fixar
imagem de uma empresa patrocinadora”.
3
O foco central, portanto, não é mais aquele
que a palavra “marketing” originalmente designava – “estudo do mercado que visa a
planejar possíveis lançamentos de produtos (...) e que leva em consideração as
necessidades existentes ou possíveis”4 – mas um outro, completamente desvirtuado e
capaz de desviar a atuação dos agentes sociais para uma prática de êxito altamente
duvidoso.
Todos aqueles com mínima experiência na área sabem o quanto a captação de recursos
constitui um processo árduo que não confere garantia alguma de sucesso, principalmente
quando o agente captador em questão pertence ao grupo das Micro e Pequenas Empresas.
O posicionamento do marketing cultural deve ser o exato oposto do que tem sido feito
por diversos agentes hoje: uma atividade que deve estar ligada à comercialização de
produtos e serviços dotados de valores agregados oriundos da cultura do seu local de
origem ou do grupo social a que estão ligados.
2
Hoje, existem Legislações Federais, Estaduais e Municipais de incentivo à cultura.
As Legislações Federais são: Lei Rouanet; Lei 9.874 - Altera dispositivos da Lei Rouanet; Lei do
Audiovisual; Lei do Audiovisual II e Resoluções; Lei do Direito Autoral.
Os Estados que possuem legislação a este respeito são: Acre, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande
do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
Os Municípios que possuem legislação a este respeito são: Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Cabedelo,
Caxias do Sul, Contagem, Curitiba, Florianópolis, Goiânia, Itajaí, João Pessoa, Juiz de Fora, Londrina,
Maceió, Maringá, Ponta Grossa, Porto Alegre, Rio Branco, Rio de Janeiro, Santa Maria, Santo André, São
José dos Campos e São Paulo. Disponível em www.cultura.gov.br
3
www.marketingcultural.com.br
4
www.sebrae.com.br
Esse capítulo tem como objeto central a discussão sobre alguns dos conceitos e caminhos
necessários para a implantação de ações de marketing cultural com o intuito de
desenvolver atividades economicamente sustentáveis e/ou lucrativas, que possam,
inclusive, ser capazes de promover o desenvolvimento de um local ou um setor. Em um
primeiro momento, é importante, contudo, apontar que tipos de produtos e serviços estão
inclusos nesse processo; uma delimitação que por sua vez é determinada de forma
decisiva pelo modo como se compreende o significado do termo “cultura”.
3. Definição de cultura
O termo cultura é derivado do latim (“cultura”) e significa “cultivar o solo”, “cuidar”.
Sua origem está diretamente ligada ao fato de que, na Antigüidade Clássica, cada povo
afastado geograficamente de outros promovia o cultivo de um tipo único de semente,
sendo identificado exatamente por essa cultura. Pode-se afirmar, desta forma, que a
palavra teve a sua origem associada a um elemento único capaz de identificar
determinado grupo social pelo que este possuía de particular diante dos outros.
Para além desta definição mais imediata, existem múltiplas conceituações do significado
do termo. O campo da filosofia, por exemplo, atribui à cultura o status de manifestações
humanas capazes de nos distinguir dos outros animais. Já a antropologia defende que a
cultura engloba todas as práticas e costumes aprendidos e desenvolvidos pelo homem.
Recentemente, cultura passou a ser empregada popularmente, principalmente no
Ocidente, como sinônimo de erudição, como se representasse automaticamente um
modelo único de conhecimento que deveria ser idealmente adotado por todos.
Essa palavra passa, ainda, por novos processos de significação à medida que é aplicada
no cotidiano. Ao se abrir um caderno de cultura de qualquer jornal, por exemplo, pode-se
notar que os temas em questão nas matérias estarão todos relacionados às indústrias
criativas da arte e do entretenimento. A Recomendação da Década Mundial do
Desenvolvimento Cultural, que resultou da Conferência do México, em 1982, conceitua,
por sua vez, “Cultura como o conjunto de características espirituais e materiais,
intelectuais e emocionais que definem um grupo social. (...) engloba modos de vida, os
direitos fundamentais da pessoa, sistemas de valores, tradições e crenças.”5
Certamente, diversos são os conceitos empregados na interpretação do termo. Segundo
Schimitt (1992) “assim como cada nação tem um conceito próprio de nação e encontra
em si mesma as notas constitutivas da nacionalidade, e não nos outros, assim também
toda Cultura e toda época cultural tem seu próprio conceito de Cultura”. 6 Este é um
pressuposto fundamental para que se compreenda a forma de trabalhar o marketing
cultural e como ele sofreu alterações historicamente.
De uma forma geral, a definição de Muylaert (2000) ecoa forte para uma análise
contemporânea desse tipo de marketing, justamente por ser a mais abrangente,
englobando todas as áreas de atuação das Micro e Pequenas Empresas tal como se
observa atualmente: “A Cultura, tal qual os cientistas sociais a concebem, refere-se ao
modo de vida de um povo, em toda a sua extensão e complexidade. Um conceito que
procura designar uma estrutura social no campo das idéias, das crenças, costumes, artes,
linguagem, moral, direito, leis, etc., e que se traduz nas formas de agir, sentir e pensar de
uma coletividade que aprende, inova e renova o seu próprio modo de criar e fazer as
coisas, numa dinâmica de constantes transformações.”7
4. Marketing Cultural
4.1 Histórico
Da mesma forma que é importante entender como foi concebido historicamente o
conceito de cultura, também é um requisito compreender de que forma o marketing
5
In: Políticas Culturais para o Desenvolvimento. UNESCO - Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura. Políticas culturais para o Desenvolvimento: uma base de dados para a
cultura. Brasília: UNESCO Brasil, 2003. p. 9
6
SCHMITT, Carl. O conceito do político. Tradução de Álvaro L. M. Valls. Petrópolis: Vozes, 1992.
(Clássicos do pensamento político; 33). Original em alemão. p. 111
7
MUYLAERT, Roberto. Marketing cultural & Comunicação dirigida. 5. ed. São Paulo: Globo, 2000.
p.17
cultural surgiu e foi desenvolvido. Na Antigüidade Clássica, mais especificamente na
Grécia Antiga, a produção cultural estava restrita exclusivamente à criação artística de
esculturas e pinturas que tinham como funcionalidade básica serem representações na
Terra das divindades da religião politeísta.
Tratava-se de peças que não tinham sido elaboradas para a admiração de consumidores,
mas para compor templos como o Parthenon. As obras de arte passariam, então, a
permanecer em segundo plano durante a Idade Média. O objetivo delas continuaria a ser
o da representação/ornamentação religiosa. O Renascimento provocaria, então, uma
grande mudança neste quadro. Conhecido por ser, dentre outras características, um
momento de revalorização das artes e do homem, no Renascimento as obras de arte
passaram a ser consumidas, apreciadas com base no conceito de beleza.
Se o uso das obras para a ornamentação continuava, pelo menos era algo realizado com
fins de consumo estético. É neste período que surge a figura do Mecenas, investidor cujas
motivações se restringem à admiração que sente por certas obras e à vontade que
manifesta de permitir que 1) o artista continue produzindo e; 2) o mundo tenha acesso à
fruição destas obras. Ao contrário do patrocinador, as motivações do Mecenas passam
pela identificação estética com a obra e pelo fato de não desejar em troca a publicidade
em cima do seu nome.
A visão mitificada do artista, tal qual fora construída durante o Renascimento, é reforçada
no Iluminismo, sendo ele considerado gênio criador justamente por utilizar a razão e a
imaginação. Durante o próprio Renascimento, ainda, pôde-se iniciar o processo de
ampliação das atividades culturais, principalmente pela invenção da imprensa de
Guttenberg. A produção mais ágil de livros e de jornais permitiu, além de melhorias de
comunicação, a formação posterior de uma indústria de editoras. O final do século XIX
define o desenvolvimento da gastronomia e o crescimento da indústria da moda. O século
XX, por sua vez, marca o início do desenvolvimento acentuado das atividades
audiovisuais.
Todas essas novas atividades se juntavam a outras já existentes, como o artesanato e a
pintura, e fortaleciam a economia de bens simbólicos da cultura.Todas as produções
artísticas desse século, todavia, passariam por momentos de reavaliação e de crise nos
padrões de consumo. As artes, por exemplo, encontravam formas menos palatáveis de
fruição estética durante o Modernismo e a Contemporaneidade; logo a sua transformação
em produtos comercializáveis tornava-se mais difícil. Ao mesmo tempo, a economia da
cultura englobava novas atividades, com as de memória e resgate, de preservação
ambiental, de eventos, de mapeamento geográfico, dentre muitas outras.
A esta altura, muitas dessas atividades já eram encarnadas sob a forma de produtos (a que
as últimas décadas do século passado acrescentariam com expressividade a categoria de
serviços). Ao mesmo tempo, o lazer, que envolve usualmente investimentos, tornou-se
um item obrigatório no cardápio de atividades sociais. Nesse sentido, uma das melhores
definições sobre Marketing disponíveis e capazes de carregar o adjetivo “cultural” é a da
American Marketing Association, que define o termo como “o processo de planejamento
e execução da concepção, da definição de preço, da promoção e da distribuição de idéias,
produtos, serviços, organizações e eventos para criar trocas que irão satisfazer os
objetivos das pessoas e empresas”. 8
Como se pode observar por esta definição, as atividades do marketing cultural
encontram-se profundamente subaproveitadas quando este é utilizado como sinônimo de
captação de recursos. Atividades dependentes inteiramente deste tipo de ação não
apresentam resultados eficazes na sua manutenção a longo prazo, além de prejudicarem
gravemente a inserção sócio-econômica dos agentes, que acabam apenas reforçando as
suas condições de produtores de bens secundários e descartáveis.
Um marketing cultural realmente eficaz em todas as suas aspirações, sejam elas a de
mera divulgação de uma marca através do apoio a uma atividade artística ou a de
comercialização de produtos e serviços baseados em certos costumes e tradições, deve,
antes de tudo, identificar-se com as manifestações culturais que promove. Em outras
8
www.ama.org
palavras, não basta que certa atividade cultural seja desenvolvida ou apoiada com fins
comerciais ou de promoção, mas que esse desenvolvimento seja pautado por uma
autenticidade em relação à cultura que difunde e em que se insere.
Nesse sentido, o marketing cultural deve ser considerado sinônimo de ações que
possibilitem a difusão e a comercialização de determinados costumes e tradições com o
intuito de promover a auto-sustentabilidade e/ou a lucratividade, permitindo,
prioritariamente, o desenvolvimento contínuo da atividade em questão. Para o pleno
sucesso dessa linha de atuação do marketing, devem-se considerar alguns pontos, com
destaque para a brasilidade e o desenvolvimento local, além de outros valores agregados,
como a autenticidade e o design exclusivo.
4.2 Global X Local
Frente a rápidas mudanças tanto em âmbito econômico – com incremento dos fluxos de
comércio e investimentos – quanto político – com a formação de blocos “transnacionais”
– e comunicacional – com o advento das novas tecnologias de informação e
Comunicação – a revisão de paradigmas produtivos e de consumo deve ser feita. Temos
assistido à fragilização das fronteiras entre os territórios, a uma reconfiguração
dos circuitos de produção e consumo que coloca o Marketing Cultural como um tópico de
grande importância para a reflexão quanto à sua utilização. Como coloca Nadya
Guimarães, “essas mudanças redefiniram o modo de vida dos cidadãos e o modo de
operar das instituições” 9; e por isso a sugestão deste trabalho em pensar o papel do
Marketing Cultural neste novo ambiente.
Teóricos como Maffesoli (1999) já tratavam do resgate das questões locais, quando o
lugar volta a servir de vínculo, como irreversível neste contexto de globalização. O
retorno ao local e a importância da “tribo” em oposição ao entusiasmo bastante
“integrado” de alguns quanto às inúmeras possibilidades da tecnologia de promover
9
GUIMARÃES, Nadya Araújo; MARTIN, Scott (orgs.). Competitividade e Desenvolvimento: Atores e
instituições locais. São Paulo, Editora Senac, 2001. p. 3
“relações virtualizadas” retomam discussões bastante atuais como a da “identidade
cultural na pós-modernidade10 (HALL, 1997)” e sobre se “é possível, de algum modo, em
tempos globais, ter-se um sentimento de identidade coerente e integral11”. (CASTELLS,
2000)
Hoje, inclusive, as discussões sobre a fragmentação das identidades apontam a cultura
como um dos poucos fatores que conseguem mobilizar um grupo em função de algo,
posicionamento que o marketing procura recriar. Conforme afirma Gonçalves, “é a
dimensão cultural que fortalece, potencializa e pereniza valores culturais, saberes
populares, códigos de relacionamento do grupo humano focalizado”. Em função disso,
ações concebidas e implementadas com base nesse compromisso tendem a ser melhor
assimiladas pelos beneficiários e contribuem para o fortalecimento de identidades e perfis
tanto na produção quanto no consumo.
O autor complementa sua afirmação citando que “são numerosos os exemplos de
experiências bem-sucedidas de inclusão social e de promoção de alternativas sustentáveis
de Desenvolvimento econômico local que se fundamentam em processos de resgate das
identidades culturais. Programas de inclusão de jovens por meio da oferta de
oportunidades de educação artística, muitas vezes no âmbito do folclore, ou esportiva, e
programas de geração de renda, baseados na valorização de atividades artesanais, por sua
vez apoiados em conhecimentos e técnicas dos mais idosos das localidades, têm logrado
resultados efetivos e sustentáveis para o Desenvolvimento socialmente inclusivo e
sustentável das localidades”. (GONÇALVES, p. 8)12
Nesse mundo de mudanças permanentes, confusas e incontroláveis, as pessoas tendem a
reagrupar-se em torno de identidades primárias: religiosas, étnicas, territoriais, nacionais.
“Em um mundo de fluxos globais de riqueza, poder e imagens a busca pela identidade,
coletiva ou individual, atribuída ou construída, torna-se a fonte básica de significado
10
HALL, Stuart. Identidades culturais na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro, DP&A, 1997.
CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. Tradução Klauss Brandini Gerhardt. 2. ed. São Paulo:
Paz e Terra, 2000. 530 p. (A era da informação: economia, sociedade e cultura; 2).
12
O MUNICÍPIO e o desenvolvimento local sustentável. In: GONÇALVES, Marcos Flávio R. (Coord.).
Manual do Prefeito. 12. ed. ver., aum. E atual. Rio de Janeiro: IBAM, 2005. p. 123-200.
11
social. Essa tendência não é nova, uma vez que a identidade e, em especial, a identidade
religiosa e étnica tem sido a base do significado desde os primórdios da sociedade
humana. No entanto, a identidade está se tornando a principal e, às vezes, única fonte de
significado em um período histórico caracterizado pela ampla desestruturação das
organizações,
deslegitimação das
instituições,
enfraquecimento
de importantes
movimentos sociais e expressões culturais efêmeras. Cada vez mais, as pessoas
organizam seu significado não em torno do que fazem, mas com base no que elas são ou
acreditam que são.” (CASTELLS, p. 23)13
A questão da identidade ocupa, como se pode observar, uma posição central atualmente.
Passamos por uma reafirmação destas identidades no âmbito local. Por isso, neste
momento, o marketing cultural pode servir como ferramenta para tratar da busca pela
afirmação de uma identidade, de elementos distintivos, de uma reputação própria, de
características singulares que diferenciem o local dentro do universo da globalização.
Como coloca Juarez, este pode ser “um esforço que parte da descoberta, do
reconhecimento e da valorização dos ativos locais, quer dizer, das potencialidades,
vocações, oportunidades, vantagens comparativas e competitivas de cada território.”
(JUAREZ, 2005)14
5. Cultura como valor
No contexto do Marketing Cultural, a dimensão cultural ganha grande destaque uma vez
que é uma das saídas para a diferenciação de produtos de comunidades ao se articularem
com um mercado global. Conforme coloca Pereira, “dentre as diversas ações que podem
funcionar como catalisadoras do processo de dinamização de um aglomerado
empresarial, a indução da diferenciação de produtos e serviços através da incorporação de
fatores culturais de uma localidade que sejam capazes de interagir com as atividades
13
CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. Tradução Klauss Brandini Gerhardt. 2. ed. São Paulo: Paz
e Terra, 2000. 530 p. (A era da informação: economia, sociedade e cultura; 2).
14
O MUNICÍPIO e o desenvolvimento local sustentável. In: GONÇALVES, Marcos Flávio R. (Coord.).
Manual do Prefeito. 12. ed. ver., aum. E atual. Rio de Janeiro: IBAM, 2005. p. 123-200.
econômicas predominantes pode gerar efeitos dinâmicos que redundem no aumento da
capacidade inovativa e associativa das empresas locais.” (PEREIRA, 2003)15
Citamos Cultura aqui como a dimensão simbólica da existência social de cada povo,
como eixo construtor das identidades, como espaço privilegiado de realizações da
cidadania e de inclusão social e, também, como fato econômico gerador de riquezas.
(Gilberto Gil, p. 9)16
Tendo o processo de diferenciação em torno da Cultura, diversas ações têm sido
realizadas tanto por grandes empresas, quanto movimentos sociais passando inclusive por
órgãos de fomento à indústria brasileira. Um destes exemplos pode ser o estudo realizado
em 2003 – promovido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae) – pela empresa S3.Studium, cujo objetivo central era a criação de uma imagem
nacional para os produtos e serviços brasileiros que fortalecesse a exportação das MPE’s
do País.
O Marketing cultural com foco territorial teve seu início nos Distritos Industriais da Itália
e vem sendo incorporado às ações de desenvolvimento também no Brasil. A hipótese,
totalmente convergente com as afirmações de nosso artigo, é a de que o marketing do
país fundamentado na Cultura – tendo a valorização das identidades locais como resposta
às tendências globalizantes – é um dos mecanismos econômicos hoje emergentes.
Porém, existe um caminho que deve ser percorrido entre a Cultura local e os produtos
baseados em sua identidade. Para o trabalho de criar territórios competitivos através de
sua identidade, faz-se necessário mapear as tipicidades, ícones naturais, símbolos e as
15
PEREIRA, Carlos Alberto Messeder; HERSCHMANN, Micael. Comunicação, cultura e gestão de
organizações privadas e públicas na perspectiva do Desenvolvimento local sustentável. In: XXVI
CONGRESSO INTERCOM, 2003. Anais eletrônicos. Disponível em: www.intercom.org.br. Acesso em:
05 jan. 2005
16
In: Políticas Culturais para o Desenvolvimento. UNESCO - Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura. Políticas culturais para o Desenvolvimento: uma base de dados para a
cultura. Brasília: UNESCO Brasil, 2003. p. 9
referências culturais do local, fazendo com que essas sejam apropriadas pelas
comunidades e contribuam para o reconhecimento de um território. (BRAGA, 2003)17
A questão que diz respeito ao reforço das identidades locais como estratégia de
resistência e valorização individual é um dos fundamentos para as possíveis novas
maneiras de enxergar o marketing cultural. Segundo Jorge Werthein, a Cultura pode ser
considerada como um estímulo ao capital social de uma comunidade por fomentar “o
sentimento de pertencimento a um projeto coletivo, a participação, a promoção de
atitudes que favoreçam a paz e o Desenvolvimento sustentado, o respeito a direitos,
enfim, a capacidade da pessoa humana e das comunidades de regerem o seu destino”.
É interessante lembrar que esta característica da Cultura pode produzir os padrões de
confiança, cooperação e interação social que resultam em uma economia mais vigorosa e,
possivelmente, mais democrática. Outra forma de enxergar também, de percepção muitas
vezes rara e difícil para muitos, e interessante para ser levantada é a possibilidade da
Cultura ser encarada como uma real fonte de geração de renda em um território.
Além disso, é justamente esta a postura que permite que as manifestações culturais
representadas em produtos e serviços adquiram aos olhos do consumidor um elevado
grau de autenticidade. Um produto dotado de uma certa identidade local – seja ela de teor
exótico ou não – supre a lacuna que o cliente procura nesse produto: a experimentação do
diferente. A autenticidade do produto, por sua vez, está fortemente ligada a um design
próprio, capaz de conferir a ele uma imagem que, ao mesmo tempo em que ressalta o que
há de diferente nele, permite uma identificação de clientes de diferentes culturas.
6. Casos
Trataremos a partir de agora de casos e exemplos nos quais a cultura é a característica
fundamental e primeira para a diferenciação de uma empresa ou produto e serviço. Estes
17
BRAGA, Christiano. In: UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura. Políticas culturais para o desenvolvimento: uma base de dados para a cultura. Brasília:
UNESCO Brasil, 2003. p. 57
exemplos se colocam como uma construção social de interação entre a subjetividade do
uso da cultura e as possibilidades de infra-estrutura e recursos existentes.
Nós do Cinema
Com intuito de formar uma Oficina de Interpretação para Cinema destinada a 200 jovens,
moradores de uma comunidade de baixa renda no Rio de Janeiro, selecionados para
fazerem parte do elenco do filme Cidade de Deus, foi criada uma oficina. Esta oficina,
com o apoio dos cineastas Kátia Lund e Fernando Meirelles, evoluiu e tornou-se a Escola
de Educação Audiovisual Nós do Cinema18.
Os filmes trabalhados ou selecionados para serem exibidos pela Nós do Cinema tentam
mostrar as diferentes realidades sociais do Rio de Janeiro, retratando, assim, assuntos de
interesse da comunidade, gerando discussões e, conseqüentemente, o crescimento dos
jovens participantes do processo.
Segundo a organização da ONG, seu objetivo é “desmistificar e esclarecer dúvidas
referentes ao universo das favelas, a organização comunitária, a história urbana que
provocou sua eclosão, entre outros; contribuir para a diminuição de preconceitos e o
abismo proveniente da falta de informação entre os diferentes ambientes culturais como,
por exemplo, o asfalto e a favela; desconstruir o imaginário massificado e estereotipado
projetado pela mídia, de modo geral, provocando um imaginário mais livre e a expansão
dos horizontes estéticos; e despertar nos jovens o interesse pelo produto audiovisual de
qualidade, estimulando a criação de um novo público para o cinema, além de valorizar as
produções nacionais”19.
18
19
Empresa associada à Incubadora Cultural Gênesis da PUC-Rio.
www.nosdocinema.org.br
Fruto das produções da Escola, a Nós do Cinema desenvolveu uma produtora com fins
comerciais, desenvolvendo, na maior parte das vezes, curtas e médias metragens. Estes,
sempre com posicionamento ideológico e de defesa da identidade de seus componentes e
de suas comunidades como: Vida Nova com Favela, que mostra a relação dos negros com
a história das favelas e suas diferentes visões sobre esta; e O Cego, o Diabo e o Bom
Pastor que, adaptado da literatura de cordel, trata da diversidade religiosa do Brasil e foi
gravado na favela da Rocinha.
A ONG incorporou a identidade existente nas favelas cariocas e as dificuldades vividas
pelos moradores para desenvolver seus filmes, levando os produtos das discussões acerca
desta realidade não só às localidades onde foram desenvolvidas as filmagens, mas
também ao restante do Brasil e a alguns países como França, Peru, Estados Unidos,
Portugal e Inglaterra.
Zóia
A identidade entre cliente e produto baseada em design exclusivo e autenticidade é uma
das principais diretrizes que orientam os produtos da Zóia20. A empresa formada pelos
sócios Vanessa Wagner (designer) e Laurent Alves (comercial e produção) foi constituída
em 2005 e, desde então, encontra-se incubada na Incubadora de Design de Jóias Gênesis,
da PUC-Rio. Como se pode observar pelo próprio nome – uma variação em torno da
palavra “jóia” – a proposta da empresa é um tanto diferente e ousada.
Primeiramente porque partiu da constatação de que faltava ao mercado brasileiro uma
empresa de design de jóias capaz de oferecer um produto simples, diferente e acessível,
dotado, ao mesmo tempo, de uma linguagem muito própria de design artístico. O
20
Para mais informações, visite o site www.zoia.com.br
diferencial começa na associação à marca de uma identidade local: a palavra “Brazil”,
geralmente veiculada na parte inferior da logomarca, remete imediatamente ao país; o uso
da grafia com um “z”, contudo, permite uma identificação dela com um público amplo,
ou seja, confere à marca um alcance internacional.
O posicionamento do produto trata-se do destaque do exótico aplicado a uma estratégia
de não-estranhamento por um público em geral. Nesse sentido, a empresa, inclusive,
desenvolve toda a sua campanha com base no estabelecimento de um estilo de vida com
o qual os seus clientes se identifiquem (através, por exemplo, de slogans como “Seja
Zóia!”). As linhas de produtos da Zóia – CoreZ e FibraZ – foram pensadas de tal forma
que privilegiassem matérias-primas de forte identificação com o Brasil, com destaque
para fibras naturais e sementes.
Outro forte aspecto da moda do brasileiro que a empresa captou e aplicou em seus
produtos foi o uso de cores alegres e vibrantes. Esse é o mote da coleção CoreZ, que
utiliza cerâmica plástica para criar jóias simples e, ao mesmo tempo, sofisticadas,
justamente por apresentarem um design único e extremamente moderno. Ao aliar um
design artístico das jóias, muito particular com matérias-primas naturais essencialmente
brasileiras, e um posicionamento de marketing que vende, antes de tudo, a identificação
do cliente com um estilo de vida, a Zóia vem conquistando uma parcela significativa do
mercado carioca de jóias.
No dia 14 de Junho de 1962 surge a “mais simples resposta à necessidade de proteger os
pés”: as Havaianas. O calçado é um produto natural e 100% nacional. Inspirado na
sandália Japonesa, onde tirar os sapatos e colocar sandálias antes de entrar em casa é
considerado um ato de respeito, as Havaianas traziam um diferencial: eram feitas
totalmente em borracha.
Desde o início as sandálias Havaianas foram um surpreendente sucesso de vendas. Sua
primeira campanha nos anos 70 utilizou o slogan: "legítimas, só as havaianas" como uma
tentativa para fazer com que os consumidores continuassem a usar as Havaiana e, não, as
cópias, cada vez mais comuns. Anos depois, sem inovações, as sandálias perderam o
interesse dos consumidores e transformou-se em um artigo popular, vendida a baixos
preços e gerando uma baixa margem de lucro para o fabricante. Neste cenário, a entrada
da forte concorrência dos chinelos de PVC poderia parecer o fim das Havaianas, mas
surpreendentemente esta ameaça tornou a principal força da marca. Em 1994 a empresa
passou a investir no design. Criou novas linhas, voltou a ter prestígio e ganhou o mundo.
Foi a partir de 2001 que a empresa ganhou status “marca nacional de alta classe”. Neste
ano, as exportações cresceram significativamente e a marca utilizou-se da brasilidade
para expandir suas vendas. Suas peças foram inspiradas no conceito de identidade
tupiniquim, utilizando-se de objetos indígenas na sua composição.
Nos anos que se seguiram, a empresa abusou das cores. Remetendo a alegria brasileira
buscou temas nacionalmente relevantes como a Copa do Mundo de futebol para reforçar
os valores nacionais e lançou linhas de sandálias com paisagens e animais da flora e
fauna do Brasil.
A marca alcançou o mais alto valor de empresa nacional ao criar propagandas que
colocam os brasileiros como privilegiados por terem um produto de qualidade, bonito,
sofisticados e mais barato que o mesmo material na Europa. Este conceito favorece a
criação de uma identidade nacional, especialmente por fortalecer a idéia de que quando se
vai ao exterior, encontrar pessoas com as sandálias, significa, em certa medida, encontrar
a nossa cultura.
6. Conclusão
Diversas formas de marketing cultural podem ser utilizadas: Ao patrocinar um show, por
exemplo, uma empresa pode não só associar sua marca àquele tipo de música e público
como pode também oferecer amostras de produto (promoção); distribuir ingressos para os
seus funcionários (endomarketing); eleger um dia exclusivo para convidados especiais
(marketing de relacionamento); enviar mala-direta aos consumidores/clientes informando
que o show está acontecendo e é patrocinado pela empresa (marketing direto); mostrar o
artista consumindo o produto durante o show (merchandising); levantar informações
gerais sobre o consumidor por meio de pesquisas feitas no local (database marketing);
fazer uma publicação sobre o evento (marketing editorial); realizar uma campanha
específica destacando a importância do patrocínio (publicidade) e muitas outras ações
paralelas que têm o poder de ampliar o raio de alcance da ação de marketing cultural.
Porém, o que foi discutido neste capítulo trata-se de um diferente posicionamento do
marketing cultural. Todos os elementos citados acima compõem ações de marketing
conhecidas, mas devemos considerá-los como ferramentas e não como posicionamento
estratégico de uma marca ou empresa. Ou seja, conhecer os instrumentos e meios é
importante, mas tratando-se do marketing cultural, um planejamento eficiente de inserção
no mercado significa fortalecer a identificação gerada pelo produto ou serviço com o
consumidor. A valorização do aspecto imaterial neste caso pode ser tão fundamental para
um produto quanto a eficiência de seu processo produtivo.
O marketing cultural deve valorizar a esfera local e buscar diferenciação, consciente de
que isso não gera somente beneficios econômicos. Relendo seus patrimônios, grupos
retomam a sensação de pertencimento ao território e à comunidade e a vontade de buscar
o desenvolvimento socio-economico destas regiões.
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