1 UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE ESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE DA FAMÍLIA ANA PAULA PETRY UM OLHAR SOBRE A HIPERTENSÃO ARTERIAL E O DIABETES MELLITUS NA ATENÇÃO BÁSICA A PARTIR DE DOIS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE NO ESTADO DE SANTA CATARINA EM 2006 BLUMENAU 2007 2 ANA PAULA PETRY UM OLHAR SOBRE A HIPERTENSÃO ARTERIAL E O DIABETES MELLITUS NA ATENÇÃO BÁSICA A PARTIR DE DOIS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE NO ESTADO DE SANTA CATARINA EM 2006 Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Saúde da Família, na Universidade Regional de Blumenau, Centro de Ciências da Saúde. Prof. Carmen Liliam Brum Marques Baptista – Orientadora BLUMENAU 2007 3 UM OLHAR SOBRE A HIPERTENSÃO ARTERIAL E O DIABETES MELLITUS NA ATENÇÃO BÁSICA A PARTIR DE DOIS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE NO ESTADO DE SANTA CATARINA EM 2006 Por ANA PAULA PETRY Monografia apresentada para obtenção do título de Especialista em Saúde da Família à Banca Examinadora formada por: ______________________________________________________________________ Presidente: Prof. Carmen Liliam Brum Marques Baptista – Orientadora, FURB ____________________________________________________________ Membro: Enf. Maria Catarina da Rosa, Msc, SES/SC Blumenau, 23 de junho de 2007. 4 “Nada me surpreende mais que o homem. Ele acaba com sua saúde para conseguir dinheiro. Depois, gasta todo seu dinheiro para recuperar a saúde. Vive como se nunca fosse morrer. E morre sem ter vivido.” DALAI LAMA 5 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1 – Regionais de Saúde e Municípios com SIAB implantados em dezembro de 1998....................................................................................................................................... 37 Quadro 2 – Componentes para a estratificação do risco individual dos pacientes em função da presença de fatores de risco e de lesão em órgãos-alvo........................................ 41 Quadro 3 – Drogas que podem elevar os níveis pressóricos................................................. 43 Quadro 4 – Medicamentos anti-hipertensivos padronizados pelo MS.................................. 45 Quadro 5 – Fatores indicativos de maior risco para DM tipo 2............................................ 47 Quadro 6 – Avaliação laboratorial de pacientes com diabetes recém diagnosticados.......... 48 Quadro 7 – Classificação da insulina de acordo com sua origem e período de ação............ 51 Quadro 8 – Medicamentos para o tratamento da hiperglicemia do diabetes tipo 2.............. 51 Figura 1 – Regiões de Santa Catarina.................................................................................... 53 Gráfico 1: Prevalência de Diabetes mellitus, segundo regional de saúde – Santa Catarina, 2006.............................................................................................................. 63 Gráfico 2: Prevalência de Hipertensão Arterial, segundo regional de saúde – Santa Catarina, 2006.............................................................................................................. 63 Gráfico 3 – Número de municípios no HIPERDIA, segundo regional de saúde – Santa Catarina, 2006........................................................................................................................ 65 Quadro 9 – Número de municípios no HIPERDIA com e sem informações........................ 66 Gráfico 4 – Número de pacientes cadastrados no HIPERDIA, segundo regional de saúde e sexo em Santa Catarina, 2006............................................................................................. 67 Gráfico 5 – Número de pacientes cadastrados no HIPERDIA, segundo faixa etária – Santa Catarina, 2006.............................................................................................................. 68 Quadro 10 – Valores encontrados em dois relatórios do HIPERDIA, 2006......................... 68 Gráfico 6 – Número de hipertensos segundo fator de risco – Santa Catarina, 2006............. 69 6 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Evolução da implantação e cobertura populacional de Equipes de Saúde da Família no Brasil................................................................................................................... 31 Tabela 2 – Evolução da implantação e cobertura populacional de Equipes de Saúde da Família em Santa Catarina..................................................................................................... 32 Tabela 3 – Evolução da implantação do SIAB nos municípios de Santa Catarina, segundo as Regionais de Saúde, 1998 – 2006..................................................................................... 38 Tabela 4 – Classificação da pressão arterial em pessoas maiores de 18 anos....................... 40 Tabela 5 – Orientação terapêutica baseada na estratificação do risco e nos níveis pressóricos............................................................................................................................. 42 Tabela 6 – Valores de glicose plasmática para diagnóstico de DM...................................... 48 Tabela 7 – Cobertura populacional do SIAB por regional de saúde – Santa Catarina, 2006....................................................................................................................................... 59 Tabela 8 – Número de diabéticos cadastrados e acompanhados pelas Unidades de Saúde, segundo regionais de saúde de Santa Catarina, 2006............................................................ 60 Tabela 9 – Número de hipertensos cadastrados e acompanhados pelas Unidades de Saúde, segundo regionais de saúde de Santa Catarina, 2006................................................ 61 Tabela 10 – Número e percentual de atendimentos realizados nas Unidades de Saúde, segundo regionais de saúde em Santa Catarina, 2006........................................................... 62 Tabela 11 – Número de hipertensos classificados por risco, segundo regionais de saúde de Santa Catarina, 2006......................................................................................................... 70 7 RESUMO O principal objetivo deste estudo busca verificar a cobertura do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e do Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Pacientes Hipertensos e Diabéticos (HIPERDIA) em Santa Catarina no ano de 2006. A revisão de literatura traz os temas políticas de saúde, modelos de atenção à saúde, sistemas de informação em saúde e os agravos selecionados quais sejam, diabetes e hipertensão. Metodologicamente, o cenário do estudo compreende o estado de Santa Catarina e suas regionais de saúde, tratando-se de uma pesquisa exploratória, de caráter quanti-qualitativa, cuja coleta dos dados foi realizada através de fontes secundárias, configurando-se como subsídios, as informações contidas no SIAB e no HIPERDIA. Ao analisar os dados, verificouse que o SIAB não atinge a totalidade da população, podendo gerar informações que não correspondem à realidade de Santa Catarina. No HIPERDIA foi observado que nem todos os municípios do estado aparecem neste sistema e, dos municípios que constam, mais da metade têm seus dados zerados. Muito ainda pode-se pesquisar sobre os itens abordados neste estudo, principalmente no que se refere aos sistemas de informação em saúde e aos agravos selecionados, que estão modificando o cenário epidemiológico nacional. Palavras-chave: Atenção Básica à Saúde. Sistemas de Informação em Saúde. Diabetes mellitus. Hipertensão Arterial. 8 ABSTRACT The main objective of this study search to verify the covering of the System of Information of the Basic (SIAB) Attention and of the System of Register and Follow-up of Patient Hipertensives and Diabetics (HIPERDIA) in Santa Catarina in the year of 2006. The literature revision brings the themes policies of health, models of attention to the health, systems of information in health and the selected offences which are diabetes and hypertension. In methodology, the scenery of the study understands the state of Santa Catarina and their regional of health, being treated of an exploratory search, of quanti-qualitative character, whose collection of the data was accomplished through secondary fonts, being configured as subsidies, the information contained in SIAB and in HIPERDIA. When analyzing the data, it was verified that SIAB doesn't reach the totality of the population, could generate informations that don't correspond to the reality of Santa Catarina. In HIPERDIA it was observed that nor all of the municipal districts of the state appear in this system and, of the municipal districts that consist, more of the half they have their unset data. It can very still search on himself the items approached in this study, mainly in what he/she refers to the systems of information in health and to the selected offences, that are modifying the national epidemic scenery. Word-key: Basic attention to the Health. Systems of Information in Health. Diabetes mellitus. Arterial hypertension. 9 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 10 2 OBJETIVOS............................................................................................................. 13 2.1 Objetivo Geral............................................................................................................ 13 2.2 Objetivos específicos................................................................................................. 13 3 REVISÃO DE LITERATURA............................................................................... 14 3.1 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE................................................................ 14 3.1.1 O que antecede o SUS................................................................................................ 14 3.1.2 Como se configura o SUS.......................................................................................... 17 3.2 MODELOS DE ATENÇÃO À SAÚDE................................................................... 22 3.2.1 Atenção Básica........................................................................................................... 23 3.2.2 Programa de Saúde da Família.................................................................................. 25 3.3 SISTEMA DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE........................................................... 33 3.3.1 Sistema de Informação da Atenção Básica................................................................ 35 3.3.2 Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Pacientes Hipertensos e Diabéticos.................................................................................................................. 39 3.4 AGRAVOS SELECIONADOS................................................................................. 40 3.4.1 Hipertensão Arterial Sistêmica.................................................................................. 40 3.4.2 Diabetes mellitus........................................................................................................ 45 4 MARCO CONCEITUAL........................................................................................ 53 5 METODOLOGIA.................................................................................................... 56 5.1 O CENÁRIO DO ESTUDO...................................................................................... 56 5.2 TIPO DE ESTUDO.................................................................................................... 57 5.3 COLETA DOS DADOS............................................................................................ 57 5.4 ANÁLISE DOS DADOS........................................................................................... 58 5.5 ASPECTOS ÉTICOS................................................................................................ 58 6 RESULTADOS........................................................................................................ 59 6.1 SOBRE O SIAB......................................................................................................... 59 6.2 SOBRE O HIPERDIA............................................................................................... 64 7 CONCLUSÕES E CONSIDREAÇÕES................................................................ 71 REFERÊNCIAS....................................................................................................... 73 10 1 INTRODUÇÃO O setor saúde no Brasil vem sofrendo importantes transformações nas últimas décadas, merecendo grande destaque a criação, com a promulgação da Constituição de 1988, do Sistema Único de Saúde (SUS), tendo como princípios fundamentais universalidade, integralidade, eqüidade e participação da comunidade. Na expectativa de colocar em prática estes princípios, em 1994 é instituído o Programa de Saúde da Família. Para o Ministério da Saúde (MS) (BRASIL, 2007), a Saúde da Família é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde. Estas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada, caracterizando a área de abrangência. As equipes atuam com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais freqüentes, e na manutenção da saúde da comunidade. Com o intuito de agregar as informações de saúde geradas pelas equipes de Saúde da Família, em 1998 é lançado o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) que permite aos profissionais de saúde, gestores e pesquisadores conhecer a realidade sóciosanitária da população acompanhada, avaliar a adequação dos serviços de saúde oferecidos e readequá-los sempre que necessário, permitindo assim, melhorar a qualidade dos serviços de saúde (BRASIL, 1998). O SIAB lista algumas prioridades no que diz respeito à saúde da população acompanhada pelas equipes e, dentre elas estão, o controle da hipertensão arterial (HAS) e do diabetes mellitus (DM), sendo que estes agravos constituem os principais fatores de risco para as doenças do aparelho circulatório. Entre suas complicações mais freqüentes decorrentes destes agravos encontram-se o infarto agudo do miocárdio, o acidente vascular cerebral, a insuficiência renal crônica, a insuficiência cardíaca, as amputações de pés e pernas, a cegueira definitiva, os abortos e as mortes perinatais. Pensando nisso, o MS, em parceria com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) e outras instituições relacionadas à HAS e ao DM, elaborou o Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e ao Diabetes Mellitus. Uma das ações desenvolvidas pelo Plano foi a criação do Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Pacientes Hipertensos e Diabéticos, o HIPERDIA, cujo objetivo é orientar os gestores públicos e gerar informações com relação aos hipertensos e diabéticos acompanhados na rede ambulatorial do SUS. 11 As doenças do aparelho circulatório representam um importante problema de saúde pública em todo o mundo, e no Brasil não é diferente. Nos últimos 50 anos ocorreram significativas mudanças no perfil da mortalidade da população brasileira, com diminuição dos óbitos por doenças infecto-parasitárias e aumento das mortes por causas externas e doenças crônico-degenerativas, tendo as doenças do aparelho circulatório como principal causa de óbito, segundo dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). Segundo o Ministério da Saúde (2006,b), a HAS é um dos mais importantes fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, cerebrovasculares e renais, sendo responsável por pelo menos 40% dos óbitos por acidente vascular cerebral (AVC) e por 25% das mortes por doença arterial coronariana. As doenças do aparelho circulatório são responsáveis por uma média de 15% das internações realizadas no SUS, na faixa etária entre 30 e 69 anos e por 65% dos óbitos nesta mesma faixa de idade, atingindo a população adulta em plena fase produtiva. Tendo vista o caráter crônico e incapacitante dessas doenças, podem deixar seqüelas para o resto da vida, que são de grande importância. Dados do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) demonstram que 40% das aposentadorias precoces decorrem das doenças cardiovasculares (BRASIL, 2001a). Além das doenças cardiovasculares, a HAS e o DM respondem por 50% dos casos de doença renal crônica terminal (DRC), sendo estimado que 1.628.025 indivíduos sejam portadores de DRC no Brasil, e 65.121 estão em diálise (BRASIL, 2006,a). Segundo dados do Ministério da Saúde, a HAS tem prevalência estimada em cerca de 20% da população adulta (≥ 20 anos) e o DM atinge em torno de 11% dos indivíduos com idade igual ou superior a 40 anos. Em Santa Catarina, no ano de 2005, 31,7% do total de óbitos foi por doenças do aparelho circulatório. Já as doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas são responsáveis por 5% dos óbitos, sendo que o DM é considerado o principal causador de 78,2% das mortes deste grupo no estado (SES-SC, 2006). A probabilidade de associação das duas doenças é da ordem de 50%, o que demanda, na grande maioria dos casos, o manejo das duas patologias num mesmo paciente. A abordagem conjunta justifica-se pela apresentação dos fatores comuns às duas patologias, tais como: etiopatogenia, fatores de riscos, cronicidade, necessidade de controle permanente, entre outras (BORGES, 2005). A HAS e o DM são condições inicialmente assintomáticas, altamente prevalentes, de alto custo social e de grande impacto no perfil de morbimortalidade da população 12 brasileira, trazendo um desafio para o sistema público de saúde, sendo que a cronicidade dessas condições torna este desafio ainda maior. Pensando nisto, em 2002 é desenvolvido, pelo Ministério da Saúde, um sistema de informação em saúde específico, o Sistema HIPERDIA, que destina-se ao cadastramento e acompanhamento de portadores de HAS e/ou DM atendidos na rede ambulatorial do SUS. A identificação precoce e oferta de assistência e acompanhamento adequados aos portadores de HAS e DM e o estabelecimento do vínculo com as unidades básicas de saúde, em especial com as unidades de Saúde da Família, são elementos indispensáveis para o sucesso do controle desses agravos, prevenindo as complicações, reduzindo o número de internações hospitalares e a mortalidade por doenças cardiovasculares, além de reduzir o custo social e o custo que incorre ao SUS associado às doenças crônicas (BRASIL, 2004). Tendo por base estas informações, este estudo tem como questão norteadora: QUE INFORMAÇÕES SÃO FORNECIDAS PELO SIAB E PELO HIPERDIA COM RELAÇÃO AOS HIPERTENSOS DIABÉTICOS EM SANTA CATARINA NO ANO DE 2006? 13 2 OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Verificar a cobertura do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e do Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Pacientes Hipertensos e Diabéticos (HIPERDIA) em Santa Catarina no ano de 2006. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Listar os dados relacionados à hipertensão e ao diabetes encontrados no SIAB Estadual e no HIPERDIA. • Enumerar as informações contidas nos consolidados do SIAB e do HIPERDIA. • Relatar a cobertura populacional tanto do SIAB quanto do HIPERDIA. • Apontar as falhas que possam existir nestes sistemas de informação em saúde. 14 3 REVISÃO DE LITERATURA 3.1 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE Para que seja compreendida a situação atual do setor saúde no Brasil, se faz necessária uma recapitulação de acontecimentos que marcaram a história do país, alterando os rumos da atenção á saúde da população, configurando o sistema de saúde como é conhecido hoje. 3.1.1 O que antecede o SUS Para que seja compreendida a situação atual do setor saúde no Brasil, se faz necessária uma recapitulação de acontecimentos que marcaram a história do país, alterando os rumos da atenção á saúde da população, configurando o sistema de saúde como é conhecido hoje. No século XX, o sistema de saúde brasileiro transitou do sanitarismo campanhista para o modelo médico-assistencial privatista, até chegar, na década de 80, ao projeto neoliberal. Com isto, no início dos anos 90, tendo como cenário uma profunda crise econômica e política, apresentam-se, na arena sanitária brasileira, dois projetos alternativos em permanente tensão: um, sendo portador de nítida hegemonia, o projeto neoliberal e, outro, contra-hegemônico, a reforma sanitária. Estabelece-se, entre eles, uma constante luta nos planos político, ideológico e técnico, que faz com que qualquer proposta de saúde seja decodificada, por um ou por outro, de acordo com seus pressupostos e interesses (MENDES, 1995). Durante o período mais repressivo do autoritarismo – final da década de 60 e início da década de 70 – que se transformou a abordagem dos problemas de saúde e se constituiu a base teórica e ideológica de um pensamento médico-social, que teve início dentro dos departamentos de medicina preventiva. O processo de desenvolvimento da abordagem socialista do campo da saúde iniciou durante a ditadura militar, através de uma prática política nas universidades (ESCOREL, 1998). Ao final da década de 70 surgem diversas entidades de diversos setores da sociedade civil, que se organizam em oposição ao autoritarismo do regime militar e em prol da democratização do país. 15 Neste contexto, inscreve-se o processo de reestruturação do setor da saúde com a proposta da Reforma Sanitária Brasileira, tendo como liderança intelectual e política o “Movimento Sanitário”, que era composto por um grupo restrito de intelectuais, médicos e lideranças políticas do setor da saúde. Este grupo influenciou fortemente o âmbito acadêmico e pode ser considerado o mentor do processo de reformulação do setor saúde. Sofreu grande influência do modelo da Reforma Sanitária italiana e desempenhou um importante papel em organismos internacionais como a Organização Panamericana da Saúde (OPS) (GERSHMAN, 1995). O projeto reformador sustentou-se sobre uma ampla crítica ao modelo prevalecente, baseado no crescimento do setor privado à custa do setor público (o primeiro sendo financiados pelo segundo), o que levou à falência, deterioração, ineficiência e crise do sistema público de saúde. (OLIVEIRA&TEIXEIRA apud GERSHMAN, 1995, p.42). A partir de 1983, o movimento sanitário pôs em prática uma de suas estratégias, a nominada ‘ocupação dos espaços institucionais’. Ao tentar modificar o direcionamento da política pública, passou a fazer das instituições um “palco” de construção da contrahegemonia (ESCOREL, 1998, p.189). Paralelamente a esta movimentação da sociedade civil, o governo também buscava saídas oficiais para a crise do setor saúde, tanto que em outubro de 1980, os Ministérios da Saúde e da Previdência Social apresentam o Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde, o PREV-SAÚDE, que acabou ruindo diante do recuo do próprio governo federal, sob alegação de falta de recursos financeiros para sua implantação. A seguir, o regime implanta o chamado “Pacote da Previdência”, que estabeleceu o aumento da contribuição previdenciária e instituiu o Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária (CONASP), que é criado com o objetivo de racionalizar as despesas e controlar gastos. Dentro desta estratégia racionalizadora, o principal desdobramento do CONASP foi a implantação das Ações Integradas de Saúde (AIS), que buscavam a reorganização institucional as assistência à saúde, com o intuito de evitar ações paralelas e simultâneas entre as instituições de saúde. Pela primeira vez as prefeituras iriam receber recursos federais provenientes da Previdência, mediante pagamento por serviços prestados realizados pelo município. As AIS foram reconhecidas como um marco indiscutível, de amplitude considerável, demonstrado por avanços em vários estados possibilitando o fortalecimento da rede básica ambulatorial, aumento da capacidade de atendimento à demanda, possibilitando a contratação de recursos humanos, a revisão do papel dos serviços privados e até, em alguns casos, da população na gestão dos serviços (CARVALHO, PETRIS e TURINI, 2001). 16 O crescimento das propostas e do processo de reformulação da política adquiriu sua forma mais acabada com a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) em 1986, onde se definiu o projeto da “Reforma Sanitária Brasileira”, que introduziu mudanças no setor da saúde, de forma a torná-lo democrático, acessível, universal e socialmente eqüitativo. (GERSHMAN, 1995). A VIII CNS/86 foi o exemplo máximo da utilização do espaço ocupado no aparelho do Estado para possibilitar a discussão democrática da das diretrizes políticas setoriais. Durante a plenária, reuniram-se por volta de cinco mil pessoas, dentre as quais mil pessoas eram delegados, onde discutiu-se e aprovou-se a unificação do Sistema de Saúde. E mais, aprovaram-se definições de propostas relativas ao conceito ampliado de saúde, ao direito de cidadania e dever do Estado e às bases financeiras do sistema. Dotada de grande representatividade social, mesmo sem a presença dos prestadores de serviços privados de saúde, esta Conferência Nacional de Saúde passou a significar, através de seu relatório final, a consolidação das propostas do Movimento Sanitário original acrescido de novos integrantes e parceiros (ESCOREL, 1998). No momento da efetiva implantação da reforma, em 1987, foi aprovado o Decreto de criação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) que tinha o objetivo de contribuir para a consolidação e o desenvolvimento qualitativo das AIS. O SUDS contemplava: o encurtamento da máquina previdenciária de nível estadual, a transferência dos serviços de saúde e dos recursos financeiros para os Estados e municípios, o estabelecimento de um gestor único de saúde para cada esfera do governo e a transferência para os níveis estadual e municipal dos instrumentos de controle sobre o serviço privado. (ESCOREL apud GERSHMAN, 1995). Neste contexto de descentralização, através de mecanismos políticos, contábeis e burocráticos no Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) e no Ministério da Saúde, formaram-se barreiras à implementação do SUDS, dentre os quais o mais gritante foi o desaparecimento dos recursos nos meandros das máquinas federais, estaduais e municipais. Com certeza as unidades locais de saúde, destino final do financiamento do setor, viveram em permanente crise por não terem condições de pagar aos profissionais, bem como pela falta de instrumental, manutenção dos equipamentos e medicamentos. (GERSHMAN, 1995). A Plenária Nacional de Entidades de Saúde teve importantes avanços em termos de articulação de um movimento social de caráter nacional em torno da questão saúde, conseguindo introduzir na Constituição Federal os princípios da Reforma Sanitária. A 17 Plenária Nacional foi constituída em meados de 1987, fomentadas pelas Plenárias Estaduais que surgiram imediatamente após a VIII Conferência Nacional de Saúde. Era composta de entidades representativas do movimento popular em saúde, do movimento sindical, dos partidos políticos de esquerda, dos profissionais de saúde, de representantes do Movimento Sanitário e da Academia, bem como de entidades estaduais e municipais da saúde favoráveis à Reforma. (GERSHMAN, 1995). A constituição Federal de 1988 incorporou mudanças no papel do Estado e alterou profundamente a estrutura jurídico-institucional do sistema público de saúde, criando novas relações entre as diferentes esferas de governo, dando origem, enfim, ao Sistema Único de Saúde. A Carta Magna apresenta-se na forma de nove grandes títulos, divididos em capítulos, sendo que alguns são divididos em seções. O Título III, no Capítulo II, o da Seguridade Social, é composto por quatro seções: Disposições Gerais, da Saúde, da Previdência Social e da Administração (CARVALHO, PETRIS e TURINI, 2001). “A Constituição estabeleceu os direitos e deveres básicos dos cidadãos brasileiros, mas, em geral, para que estes direitos e deveres possam ser usufruídos ou exercidos necessitase de outros atos legislativos que os regulamentem” (Ibidem, 2001, p. 41). 3.1.2. Como se configura o SUS A Constituição Federal de 1988 incorporou as principais propostas da VIII CNS/86 e resolve em seus artigos 196 a 200 a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), cuja regulamentação ocorreu através das Leis Orgânicas da Saúde (LOS) nº. 8.080/90 e nº. 8.142/90. O SUS surge com a finalidade de alterar a situação de desigualdade na assistência à saúde da população, tornado obrigatório o atendimento público a qualquer cidadão. A Constituição, em seu artigo 196, consagrou o princípio de que “a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (CARVALHO e SANTOS, 1992). Da mesma forma como pregava o movimento pela reforma sanitária, a concepção de saúde é ampliada, atingindo o contexto do individuo como um todo, conforme a LOS 8.080/90 artigo 3º: 18 A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer, e o acesso aos bens e serviços essenciais (Brasil, 2007). Não se pode discutir a saúde, sem discutir suas determinantes e condicionantes. A concepção de saúde como resultante de questões extra-setoriais mais abrangentes se contrapõe à concepção de que a doença (falta de saúde) é a causa de distúrbios e desvios em outros setores. A causalidade é exatamente o contrário: a pobreza, a deficiência na alimentação, a moradia, o saneamento, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação o transporte, o lazer são as causa básicas da doença, ou da falta de saúde (CARVALHO E SANTOS, 1992). Constitucionalmente o SUS é organizado de acordo com as seguintes diretrizes: a descentralização, com direção única em cada esfera de governo, o atendimento integral, abrangendo atividades assistenciais curativas e, prioritariamente, as atividades preventivas e a participação popular, ou seja, o exercício do controle social sobre as atividades e os serviços públicos de saúde (CARVALHO E SANTOS, 1992). Segundo Carvalho e Santos (1992), o SUS obedece, de acordo com essas diretrizes, ainda, os seguintes princípios: • Universalidade do acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; • Integralidade da assistência; • Preservação da autonomia da pessoa na defesa da sua integridade física e moral; • A igualdade de assistência; • Direito à informação; • Divulgação de informações sobre o potencial dos serviços de saúde; • Utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática; • Participação da comunidade. • Descentralização político-administrativa; • Integração, em nível executivo, das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; • Conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população; • Capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; 19 • Organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos. A instituição do SUS produziu resultados imediatos. O mais importante foi o fim da separação que havia no sistema público de saúde brasileiro entre os incluídos e os não incluídos economicamente. Para os incluídos havia a Saúde Previdenciária a que tinham direito os portadores da “carteirinha” do INAMPS; para os não incluídos restava a atenção ambulatorial provida por unidades de medicina simplificada e a atenção hospitalar prestada por entidades filantrópicas aos indigentes (BRASIL, 2006a). Mesmo com a regulamentação do SUS pelas LOS 8.080/90 e 8.142/90, ainda eram observadas algumas dificuldades operacionais para possibilitar, na prática, a execução de todos os seus aspectos constitucionais, uma vez que a realidade do trabalho na área da saúde variava conforme a situação de cada governo na esfera estadual e municipal. Para contornar essas dificuldades, passaram-se a editar as nominadas Normas Operacionais Básicas (NOBs) do SUS, com o intuito de normatizar as formas de trabalho conjunto entre as três esferas do governo, buscando a aplicação dos princípios legais para as diferentes realidades locais. As NOBs são editadas pelo Ministério da Saúde e vão sendo reformuladas conforme a construção do SUS vai se aperfeiçoando (CARVALHO, PETRIS e TURINI, 2001). Em 1991 é editada a NOB nº 01/91. Apesar de tentar instituir o arranjo institucional previsto na legislação para a gestão descentralizada do SUS, na prática, esta norma descaracteriza os principais objetivos do SUS ao redefinir a lógica de transferência de recursos a estados e municípios. Estados e municípios passaram a receber por produção de serviços de saúde, nas mesmas tabelas nacionais existentes para o pagamento de prestadores privados, impondo um modelo de atenção à saúde voltada para a produção de serviços e avaliado pela quantidade de procedimentos executados, independentemente da qualidade e dos resultados alcançados. Ou seja, continuou prevalecendo a estrutura de compra de serviços privados de saúde do INAMPS, agora aplicado aos gestores públicos estaduais e municipais (OLIVEIRA apud CARVALHO, PETRIS e TURINI, 2001, p.44). Em 1993 é editada a Norma Operacional Básica n º 01/93 (NOB 01/93), fruto de ampla discussão, em especial da IX Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em 1992 (CARVALHO, PETRIS e TURINI, 2001). Mesmo com os avanços conquistados com a NOB 01/93, grande parte dos recursos federais destinados ao custeio da assistência à saúde, ainda eram repassados através do pagamento por produção de serviço, igualando estados e municípios, aos prestadores privados. Diante disto, e buscando superar outros limites da descentralização, da gestão e do financiamento, surge a NOB nº. 01/96 (NOB/96). As principais mudanças ocorreram na 20 forma dos repasses financeiros, com transferência regular e automática de fundo para fundo, possibilitando autonomia aos municípios e estados para a gestão descentralizada, além de prever câmbios no modelo de atenção à saúde, e avaliação dos resultados. A NOB/96 começou a ser implantada somente em janeiro de 1998, com algumas modificações do texto original. Este atraso ocorreu devido a grande discussão sobre a falta de recursos adicionais para implantação da norma, que só foi viabilizada após a criação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) em 1997 (Ibidem). No que diz respeito aos municípios, a NOB/96 prevê duas modalidades de gestão: a) Gestão Plena de Atenção Básica, onde o município assume a responsabilidade pela gestão e execução da assistência ambulatorial básica e das ações de vigilância epidemiológica e sanitária; gestão de todas as unidades básicas de saúde, tanto públicas como privadas, vinculadas ao SUS; elaboração da PPI; autorização das internações hospitalares (AIH) e procedimentos ambulatoriais especializados; controle e avaliação da assistência básica. b) Gestão Plena do Sistema Municipal, onde cabe ao município a responsabilidade de gerir todas as ações e serviços de saúde no município; gerir todas as unidades e serviços de saúde (públicas e privadas) com vínculo ao SUS; controlar, avaliar, fazer auditorias e pagamentos das ações e serviços de saúde no município; operar o Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS) e o Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA/SUS); elaborar a PPI; administrar a oferta de procedimentos de alto custo/complexidade para os quais é referência. Quanto aos estados, a NOB/96 também prevê duas modalidades de gestão: a) Gestão Avançada do Sistema Estadual, onde o estado assume a responsabilidade por: elaboração da PPI junto com os municípios; detalhamento da programação da Fração Assistencial Especializada (FAE); elaboração e execução do Plano Estadual de Investimentos, negociado na Comissão Intergestores Bipartite (CIB) e aprovado no Conselho Estadual de Saúde; coordenação da política de alto custo/complexidade, medicamentos excepcionais e tratamento fora do domicílio; formulação da política de sangue e medicamentos; organização do sistema de referência e a câmara de compensação; contratação, controle e auditoria dos serviços sob gestão estadual. b) Gestão Plena do Sistema Estadual, onde, além das atividades da Gestão Avançada, o estado ainda se responsabiliza pela gestão dos serviços de saúde, excetuando os municípios em gestão plena do sistema municipal e dos serviços básicos em municípios em gestão plena da atenção básica; operação do sistema de Informação Ambulatorial (SIA/SUS) 21 e Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS) (BRASIL apud CARVALHO, PETRIS e TURINI, 2001). No final do ano 2000, a habilitação nas condições previstas pela NOB/96 atingia mais de 99% dos municípios do país. Porém, com o grande processo de descentralização que ocorre a nível municipal, vão se tornando evidentes alguns problemas de inter-relação dos sistemas municipais e estaduais de saúde. Percebe-se que os municípios são extremamente heterogêneos, sendo alguns pequenos demais para gerirem em seu território um sistema funcional completo, outros que demandam a existência de mais de um sistema em sua área de abrangência e simultaneamente são pólos de atenção regional (Ibidem). Com o intuito de enfrentar estes problemas, em janeiro de 2001 é proposta, a Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS-SUS 01/2001). Esta norma tem como objetivo geral: “promover maior eqüidade na alocação de recursos e no acesso da população às ações e serviços de saúde em todos os níveis de atenção”. Para atingir esse objetivo, a NOAS adotou a regionalização como macro-estratégia fundamental para o aprimoramento do processo de descentralização, nesse momento específico da implantação do SUS, e propôs três grupos de estratégias articuladas, como forma de promover a descentralização com eqüidade no acesso: 1. Elaboração do Plano Diretor de Regionalização e diretrizes para a organização regionalizada da assistência, visando à conformação de sistemas de atenção funcionais e resolutivos nos diversos níveis. 2. Fortalecimento das capacidades gestoras do SUS, que compreende um conjunto de estratégias voltadas para consolidar o caráter público da gestão do sistema, por meio da instrumentalização dos gestores estaduais e municipais para o desenvolvimento de funções como planejamento, programação, regulação, controle e avaliação, incluindo instrumentos de consolidação de compromissos entre gestores. 3. Atualização dos critérios e do processo de habilitação de estados e municípios às condições de gestão do SUS, visando torná-lo coerente com o conjunto de mudanças propostas. No que diz respeito à organização da assistência, se enfatizou a importância de qualificar e melhorar a resolutividade da atenção básica em todos os municípios brasileiros, a partir da identificação de áreas estratégicas mínimas, relacionadas a problemas de saúde de abrangência nacional (saúde da mulher, saúde da criança, saúde bucal, controle da hipertensão e diabetes, controle da tuberculose e eliminação da hanseníase). Complementarmente, os 22 gestores estaduais e municipais podem definir outras áreas estratégicas, de acordo com as especificidades locais. Recentemente, em 2006, deu-se o Pacto pela Saúde – um movimento de mudança que não é uma norma operacional, mas um acordo interfederativo, que articula o Pacto pela Vida, o Pacto em Defesa do SUS e o Pacto de Gestão. O Pacto pela Saúde introduz um sentido de gestão pública por resultados e de responsabilização sanitária, estende a discussão da saúde para fora dos limites setoriais e aprofunda a descentralização do SUS para Estados e municípios de forma compartilhada. Os maiores desafios do SUS estão ligados com a estruturação de um novo modelo de atenção à saúde que, a partir das grandes funções da Saúde Pública, subordine os conceitos programas da assistência médica individual aos preceitos e programas dos interesses coletivos e direitos da cidadania, e realize de fato, as atividades de promoção e proteção à saúde, às vistas dos Princípios Éticos da Universalidade, Equidade e Integralidade. Neste ínterim, os desafios referem-se à melhoria da qualidade da atenção, aumento da resolutividade da rede de unidades básicas de Saúde e do seu papel de porta de entrada do SUS e à garantia de acesso aos serviços de médios e altos custo/complexidade, cuja escala de operação cobertura ao contingente populacional que, geralmente, supera as esferas municipal ou microrregional, com o objetivo de, gradativamente, superar as desigualdades de acesso existentes (BRASIL, 2002). O SUS, entendido como um processo social em marcha, não se iniciou em 1988, com a consagração constitucional de seus princípios, nem deve ter um momento definido para seu término, especialmente se esse tempo está dado por avaliações equivocadas que apontam para o fracasso desta proposta. Assim, o SUS nem começou ontem e nem termina amanhã (MENDES, 1996). 3.2 MODELOS DE ATENÇÃO À SAÚDE Existem vários modelos de atenção à saúde em diversos países. Estes se diferem ou se assemelham em vários aspectos, seja em nível de atenção, organização, financiamento, etc. No presente trabalho, será abordada somente a atenção básica à saúde, por se entender esta como prioridade do Ministério da Saúde para reorganização da atenção á saúde. 23 3.2.1. Atenção Básica Em 1920, na Grã-Bretanha, aparecem os primeiros documentos sobre Atenção Básica 1 na tentativa de organizar os sistemas de saúde, que os distinguia em três níveis de principais: centros de saúde primários, centros de saúde secundários e hospitais-escola, sendo estes vinculados entre si e com suas funções descritas. Esta formulação foi base para o conceito de regionalização, ou seja, “um sistema de organização de serviços planejado para responder aos vários níveis de necessidade de serviços médicos da população” (STARFIELD, 2004). A efetivação da atenção básica à saúde como doutrina universal ocorreu na Conferência Internacional de Cuidados Primários, realizada em Alma-Ata no ano de 1978, coordenados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), ficando conhecida como “Saúde para todos no ano 2000”. O consenso alcançado nesta conferência foi confirmado pela Assembléia Mundial de Saúde, em 1979 e a atenção básica foi definida como: Atenção essencial à saúde baseada em tecnologia e métodos práticos, cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis, tornados universalmente acessíveis a indivíduos e famílias na comunidade por meios aceitáveis para eles e a um custo que tanto a comunidade como o país possa arcar em cada estágio de seu desenvolvimento, um espírito de autoconfiança e autodeterminação. É parte integral do sistema de saúde do país, do qual é função central, sendo o enfoque principal do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. É o primeiro nível de contato dos indivíduos, das famílias e da comunidade com o sistema nacional de saúde, levando a atenção à saúde o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento do processo de atenção continuada à saúde (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE apud STARFIELD, 2004, p.30 e 31). A conferência de Alma-Ata apontou ainda de forma mais precisa, os componentes fundamentais da atenção básica à saúde, quais sejam, educação em saúde; saneamento ambiental, especialmente de águas e alimentos; programas de saúde materno-infantis, inclusive imunização e planejamento familiar; prevenção de doenças endêmicas locais; tratamento adequado de doenças e lesões comuns; fornecimento de medicamentos essenciais; promoção de boa nutrição; e medicina tradicional (STARFIELD, 2004). Segundo Mendes (2002) o correto entendimento do conceito de atenção básica à saúde se dá pelo conhecimento e operacionalização de seus princípios ordenadores: 1 O conceito de Atenção Básica à Saúde (AB) é mais encontrado na literatura internacional, como Atenção Primária à Saúde (APS). Alguns autores, como Gil (2006), diferenciam a conceituação de AB e AP. Neste trabalho, o termo utilizado será Atenção Básica, entendido como sinônimo da APS. 24 • O primeiro contato, que implica a acessibilidade e o uso de serviços para cada novo problema ou novo episódio de um problema para os quais se procura a atenção à saúde. • A longitudinalidade, que requer a existência do aporte regular de cuidados pela equipe e seu uso consistente ao longo do tempo, num ambiente de relação mútua e humanizada entre equipe de saúde, indivíduo e famílias. • A integralidade exige a prestação, pela equipe de saúde, de um conjunto de serviços que atendam as necessidades mais comuns da população adscrita, a responsabilização pela oferta de serviços em outros pontos de atenção à saúde e o reconhecimento adequado dos problemas biológicos, psicológicos e sociais que causam doenças. • A coordenação implica a capacidade de garantir a continuidade da atenção, através da equipe de saúde, com o reconhecimento dos problemas que requerem seguimento constante. • A focalização na família torna indispensável considerara a família como o sujeito da atenção, o que exige uma interação da equipe de saúde com essa unidade social e o conhecimento integral de seus problemas de saúde. • A orientação comunitária pressupõe o reconhecimento das necessidades familiares em função do contexto físico, econômico, social e cultural em que vivem, o que exige uma análise situacional das necessidades de saúde das famílias na perspectiva da saúde coletiva. Só haverá uma atenção básica à saúde de qualidade quando esses seis princípios estiverem sendo obedecidos, em sua totalidade. É o que mostra um estudo realizado por Starfield no ano de 1994 em onze países desenvolvidos, onde os sistemas orientados pela atenção básica à saúde estão associados com menores custos, maior satisfação da população, melhores níveis de saúde e menor uso de medicamentos. Ainda Starfield (2004), em estudo do sistema de saúde dos Estados Unidos, onde não predomina a organização do sistema pela atenção básica à saúde, mas do modelo hospitalocêntrico, constatou que, apesar de serem o país que mais gasta recursos no setor, sua população não colhe os benefícios disso em termos de uma melhor saúde. A proposta da atenção básica à saúde busca romper com a idéia de atenção básica centrada na assistência de baixo custo, simplificada e com poucos equipamentos. Segundo o Ministério da Saúde “a atenção básica é um conjunto de ações, de caráter individual e 25 coletivo, situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas de saúde, voltadas para a promoção da saúde, a prevenção de agravos, o tratamento e a reabilitação”. No Brasil, a evolução da atenção básica à saúde está diretamente ligada ao caminho percorrido pelo setor saúde como um todo, ganhando maior notoriedade com a criação do SUS em 1988, tendo adotado como uma de suas diretrizes a descentralização. Esta foi feita, principalmente, através de um processo de municipalização da saúde que começou pela transferência da rede de atenção básica estadual para os municípios, provocando uma expansão da atenção básica, que decorreu da criação de novas unidades básicas de saúde pelos municípios. Com o SUS, não só aumentou o número de unidades básicas de saúde, como mudou sua qualidade, uma vez que um dos princípios do SUS é o da integralidade da atenção. Em virtude disto, buscou-se um modelo de atenção básica que desse conta de concretizar a integralidade das ações e dos serviços de saúde e pudesse colocar-se como alternativa ao modelo convencional vigente (MENDES, 2002). Tendo por base o conceito de ‘distrito sanitário’, centrados na idéia de territorialização, surgiram, no Brasil, várias propostas alternativas ao modelo convencional hegemônico, para organização da atenção básica à saúde, sendo as mais importantes, a da Medicina Geral e Comunitária, desenvolvida em Porto Alegre, a partir de 1993; a da Ação Programática em Saúde, que surgiu no movimento de programação da Secretaria Estadual de São Paulo, nos anos 70; a do Médico da Família, implantado em Niterói, em 1992; a da Defesa da Vida, desenvolvida no final dos anos 80, no Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Ciência Médicas da Unicamp; e a do Programa de Saúde da Família, em 1993. Todas essas propostas foram importantes, continuam vigentes e representam alternativas bem sucedidas de proporcionar atenção básica de qualidade à população e de concretizar os princípios do SUS, porém não se concretizaram como políticas públicas de corte nacional, com exceção do Programa de Saúde da Família (MENDES, 2002). 3.2.2. Programa de Saúde da Família O Programa de Saúde da Família (PSF) teve sua implantação iniciada em 1994, porém suas raízes estão no Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), que iniciou em 1991. 26 O PACS, na ocasião de seu início, tinha como objetivo contribuir para o enfrentamento dos alarmantes indicadores de morbimortalidade infantil e materna na região Nordeste do Brasil. Este programa já estava pautado em princípios indutores da mudança de modelo, ou seja, vincular os indivíduos e as famílias com as unidades básicas de saúde. Pela primeira vez a família é vista como unidade de ação programática de saúde e não somente o indivíduo, sendo também introduzida a noção de área de cobertura. O agente comunitário de saúde (ACS) veio a representar o ‘elo’ entre a comunidade e o serviço de saúde e, sendo uma pessoa da própria comunidade, se identifica com seus valores e costumes. O ACS passou a contribuir significativamente no resgate e na valorização do saber popular (SOUZA, 2000). Pode-se afirmar que o PACS é um precursor do PSF, pois, além de enfocar a família e não só o indivíduo, também introduziu uma visão ativa da intervenção em saúde, de não ficar ‘esperando’ a demanda ‘aparecer’ para agir, mas atuar sobre ela preventivamente, constituindo-se assim, em instrumento real de reorganização da demanda. Além disso, outro diferencial são as concepções de integração com a comunidade e um enfoque menos reducionista sobre a saúde, não centrado apenas na intervenção médica (VIANA e DAL POZ, 1998). Apesar de todas as suas potencialidades, o PACS percorria um caminho marginal no próprio espaço institucional e foi avaliado externamente com muitos preconceitos. No nível de execução local, havia um limitante importante para a continuidade e o impacto de suas ações: as unidades básicas de saúde continuavam intervindo conforme o modelo tradicional vigente, sem nenhuma vinculação com a população, com baixa resolutividade e com um enfoque predominantemente curativo. Porém, na medida em que o PACS se fortalecia nos municípios, demonstrando resultados concretos nos indicadores de mortalidade infantil e sendo bem visto pela própria população, estas contradições cresciam e passaram a pressionar as unidades básicas de saúde. O PACS também trouxe importantes contribuições para a organização dos sistemas locais de saúde através de uma significativa interiorização de profissionais enfermeiros e de estimular a criação dos conselhos municipais de saúde e dos fundos municipais de saúde, requisitos para a implantação do programa no município (SOUZA, 2000). O Programa de Saúde da Família foi concebido a partir de uma reunião ocorrida nos dias 27 e 28 de dezembro de 1993, em Brasília, sobre o tema Saúde da Família. Participaram deste encontro, além do ministro da Saúde, técnicos do MS, de secretarias estaduais e municipais de Saúde, consultores internacionais e especialistas em atenção básica 27 (OPAS e Unicef), como o objetivo de discutir uma nova proposta para a atenção básica à saúde (VIANA e DAL POZ, 1998). No início de 1994, finalmente o Ministério da Saúde lança o PSF que tem como objetivo principal “contribuir para a reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica, em conformidade com os princípios do Sistema Único de Saúde, imprimindo uma nova dinâmica de atuação nas unidades básicas de saúde, com definição de responsabilidades entre os serviços de saúde e a população” (BRASIL, 1997). O PSF valoriza os princípios de eleger a família e seu espaço social como núcleo básico de abordagem no atendimento ä saúde, de territorialização, de estabelecer vínculo entre equipe de saúde e população, de garantia da integralidade na atenção, de trabalho em equipe com enfoque multidisciplinar, de ênfase na promoção da saúde com fortalecimento das ações intersetoriais e de estímulo à participação da comunidade. Em setembro do mesmo ano, foi divulgado pelo MS o primeiro documento sobre o PSF, definindo o convênio entre o MS, estados e municípios com o mecanismo de financiamento, exigências de contrapartidas e critérios de seleção de município 2 , obedecendo aos seguintes fatores: interesse da comunidade, necessidades locais de saúde, oferta de serviços, estudo da demanda, existência de apoio diagnóstico terapêutico e disposição da administração municipal. Para assinatura do convênio era essencial que estivessem em funcionamento tanto o Conselho Municipal de Saúde quanto o Fundo Municipal de Saúde. Contudo, o mecanismo de convênio, mostrou-se bastante limitado, burocrático e pouco flexível, se chocando com os propósitos descentralizadores do próprio sistema de saúde. Assim sendo, fica claro para os técnicos do MS os limites de implantação, devido à forma convencional de transferir recursos, e a necessidade de romper com este modelo (BRASIL, 2002). Propunha-se no PSF a ‘produção social da saúde’ com um modelo de financiamento que remunerava procedimentos executados, em detrimento de todas as ações de prevenção de doenças e promoção da saúde. Não se pautou no MS, naquele momento, o desenvolvimento de uma política de recursos humanos que pudesse fomentar ou recuperar profissionais com perfil para este modelo. Desta forma, fica claro que o PSF nasce em condição completamente desfavorável. A questão de recursos humanos aliada ao financiamento, foram apontados como os maiores ‘nós’ críticos à sustentabilidade do programa (SOUZA, 2000). 2 Foi definido que as implantações do PSF ocorreriam, prioritariamente, em áreas de risco. Como critério de seleção destas áreas, foi utilizado o Mapa da Fome, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). 28 Em 1995, o programa foi transferido a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) para a Secretaria de Assistência à Saúde (SAS), o que significou um rompimento com a idéia de programa vertical, operado através de convênios e sinalizando sua maior importância dentro do MS. Neste momento iniciaram as discussões para que o PSF fosse remunerado pela tabela do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA/SUS), o que ocorreu em janeiro de 1996, com a ressalva que as remunerações do PSF são diferenciadas, sendo que a consulta do PSF equivale ao dobro da consulta do SUS. O PSF começou então a perder o caráter de programa e passa a ser visto como estratégia, ou seja, passou a ser claramente um instrumento de reorganização ou reestruturação do SUS, pois se desejava que este servisse como exemplo de um novo tipo de assistência, distinto do modelo dominante (VIANA e DAL POZ, 1998). Apesar da mudança de Programa para Estratégia de Saúde da Família, esta ficou conhecida e continua sendo chamada popularmente de PSF. A partir da operacionalização da NOB-SUS/96, além do que já foi discutido anteriormente, foi criado o Piso da Atenção Básica (PAB) que previa remuneração per capita, com transferências regulares e automáticas – fundo a fundo – dos recursos federais para os municípios habilitados como gestores da atenção básica, gerando maior autonomia para a execução das ações e atividades da atenção básica consideradas de responsabilidade municipal. O PAB é composto por uma parte fixa, destinada aos municípios que desenvolvessem ações básicas de saúde, e uma parte variável que se referem aos incentivos de ACS e Equipes de Saúde da Família, de combate às carências nutricionais, de epidemiologia e controle de doenças, às ações básicas de vigilância sanitária e assistência farmacêutica básica (SOUZA, 2000). Com a NOAS-SUS 01/01, que também já foi abordada anteriormente, foi proposta a estratégia de ‘Ampliação da Atenção Básica’. Verificam-se no âmbito dessa estratégia, portanto, as seguintes inovações: • Do ponto de vista do acesso, o estabelecimento de diretrizes para a organização do primeiro nível de referência, voltado para a resolução dos problemas de saúde mais freqüentes da população brasileira; • Do ponto de vista da gestão, o estímulo ao planejamento integrado entre gestores municipais, a introdução de novos mecanismos para a garantia da referência e a responsabilização dos estados no apoio aos municípios para a organização dessas redes e coordenação do sistema de referência; 29 • Do ponto de vista financeiro, o aumento do aporte de recursos diretamente aos municípios em uma base per capita nacional, propiciando mais um avanço em termos de eqüidade na alocação de recursos. Em 2006 o então Ministro da Saúde, Saraiva Felipe, lança a Portaria n° 648/ GM de 28 de março de 2006 que “aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS)” (BRASIL, 2006b, p.7). Foi definido como prioridade consolidar e qualificar a estratégia Saúde da Família como modelo de Atenção Básica e centro ordenador das redes de atenção à saúde no SUS. A nova política aponta para redefinição dos princípios gerais, responsabilidades de cada esfera de governo, infra-estrutura e recursos necessários, características do processo de trabalho, atribuições dos profissionais, e as regras de financiamento, incluindo as especificidades da estratégia da Saúde da Família. Além dos princípios gerais da Atenção Básica, a estratégia Saúde da Família deve: I. Ter caráter substitutivo em relação à rede de Atenção Básica tradicional nos territórios em que as Equipes Saúde da Família atuam. II. Atuar no território, realizando cadastramento domiciliar, diagnóstico situacional, ações dirigidas aos problemas de saúde de maneira pactuada com a comunidade onde atua, buscando o cuidado dos indivíduos e das famílias ao longo do tempo, mantendo sempre postura pró-ativa frente aos problemas de saúde/doença da população. III. Desenvolver atividades de acordo com o planejamento e a programação, realizados com base no diagnóstico situacional e tendo como foco a família e a comunidade; IV. Buscar a integração com instituições e organizações sociais, em especial em sua área de abrangência, para o desenvolvimento de parcerias. V. Ser um espaço de construção de cidadania (BRASIL, 2006b). A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB/2006) estabelece como itens necessários para a implantação das equipes de Saúde da Família: 1. A existência de equipe multiprofissional responsável por, no máximo, 4.000 habitantes, sendo a média recomendada de 3.000 habitantes, com jornada de trabalho de 40 horas semanais para todos os seus integrantes e composta por, no mínimo, médico, enfermeiro, auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde, sendo os ACS em número suficiente para cobrir 100% da população cadastrada, com um máximo de 750 pessoas por ACS e de 12 ACS por equipe de Saúde da Família; 2. Existência de Unidade Básica de Saúde inscrita no Cadastro Geral de Estabelecimentos de Saúde (CNES) do Ministério da Saúde, dentro da área para o atendimento das Equipes de Saúde da Família, com condições mínimas de 30 atendimento (consultório médico e de enfermagem, sala de vacina, local para recepção e arquivo, sanitários, equipamentos e materiais adequados às ações programadas); 3. Garantia dos fluxos de referência e contra-referência aos serviços especializados, de apoio diagnóstico e terapêutico, ambulatorial e hospitalar; 4. Existência e manutenção regular de estoque dos insumos necessários para o funcionamento da UBS. Sobre o processo de trabalho, é preconizado pela PNAB/2006 como atribuições da equipe de Saúde da Família: manter atualizado o cadastro das famílias e dos indivíduos e utilizar, de forma sistemática, os dados para a análise da situação de saúde, considerando as características sociais, econômicas, culturais, demográficas e epidemiológicas do território; definir de forma precisa do território de atuação, mapeamento e reconhecimento da área adstrita, que compreenda o segmento populacional determinado, com atualização contínua; realizar diagnóstico, programação e implementação das atividades segundo critérios de risco à saúde, priorizando solução dos problemas de saúde mais freqüentes; utilizar a prática do cuidado familiar ampliado, efetivada por meio do conhecimento da estrutura e da funcionalidade das famílias, visando à proposição de intervenções que influenciem os processos de saúde-doença dos indivíduos, das famílias e da própria comunidade; trabalhar de modo interdisciplinar e em equipe, integrando áreas técnicas e profissionais de diferentes formações; promover e desenvolver ações intersetoriais, buscando parcerias e integrando projetos sociais e setores afins, voltados para a promoção da saúde, de acordo com prioridades e sob a coordenação da gestão municipal; valorizar os diversos saberes e práticas na perspectiva de uma abordagem integral e resolutiva, possibilitando a criação de vínculos de confiança com ética, compromisso e respeito; promover e estimular a participação da comunidade no controle social, no planejamento, na execução e na avaliação das ações; acompanhar e avaliar de forma sistemática as ações implementadas, visando à readequação do processo de trabalho (BRASIL, 2006b). A PNAB/2006 estabelece que o financiamento da atenção básica se dê em composição tripartite. “O Piso da Atenção Básica (PAB) constitui-se no componente federal para o financiamento da Atenção Básica, sendo composto de uma fração fixa e outra variável” (BRASIL, 2006b, p.29), sendo que a soma das partes fixa e variável do PAB compõe o Teto Financeiro do Bloco Atenção Básica. Para as equipes de Saúde da Família implantadas, os valores serão transferidos a cada mês, tendo como base de cálculo o número de equipes e profissionais cadastrados no 31 Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB), no mês anterior da respectiva competência financeira. São estabelecidas duas modalidades de financiamento para as ESF: 1. ESF Modalidade 1: são as ESF que atendem aos seguintes critérios: I - estiverem implantadas em municípios com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) igual ou inferior a 0,7 e população de até 50 mil habitantes nos Estados da Amazônia Legal e até 30 mil habitantes nos demais Estados do País; ou II - estiverem implantadas em municípios que integraram o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS) e que não estão enquadrados no estabelecido na alínea I deste item; e III - estiverem implantadas em municípios não incluídos no estabelecido nas alíneas I e II e atendam a população remanescente de quilombos ou residente em assentamentos de no mínimo 70 (setenta) pessoas, respeitado o número máximo de equipes por município, publicado em portaria específica. 2. ESF Modalidade 2: são as ESF implantadas em todo o território nacional que não se enquadram nos critérios da Modalidade 1 (BRASIL, 2006b, p. 34). Todas as alterações propostas para a estratégia de Saúde da Família, através de normas e portarias, parecem estar dando resultados positivos. Isto pode ser observado através da Tabela 1, que mostra a evolução do número de equipes de PSF no Brasil de 1998 a 2006. Tabela 1: Evolução da implantação e cobertura populacional de Equipes de Saúde da Família no Brasil, 1998-2006. Anos N° de Equipes de Saúde Pop. Coberta por População da Família Implantadas Equipes de Saúde da estimada (IBGE)* Família (%) 3.083 6,55 159.644.929 1998 4.254 8,78 159.644.929 1999 8.613 17,43 163.957.179 2000 13.318 25,43 172.385.826 2001 17.122 31,87 172.385.826 2002 19.202 35,69 174.648.205 2003 21.364 38,99 177.243.280 2004 24.673 44,35 177.256.093 2005 27.000 46,19 185.619.807 2006 Fonte: Ministério da Saúde, 2007. * Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Em Santa Catarina, os municípios precursores na implantação da estratégia da Saúde da Família foram: Ascurra, Blumenau, Chapecó, Criciúma, Florianópolis, Joinville e Lages. Estes assinaram convênios de adesão em meados de 1994 e as primeiras equipes foram implantadas ao longo do ano de 1995. No mesmo ano os municípios de Canoinhas, Cocal do Sul, Itapoá e Xanxerê assinaram o convênio e receberam recursos para iniciar o PSF/PACS. No ano de 1994, o PSF possuía 29 equipes no estado, já em 1996, eram 64, o que representa um aumento de mais de 100%. O PACS, no entanto, teve sua implantação mais acelerada somente durante o ano de 1998, sendo considerado como uma estratégia transitória para o 32 estabelecimento de vínculos entre serviços de saúde e a população. Em 1999, houve um crescimento do número de ACS, devido à implantação de equipes de PACS. O financiamento do MS foi um fator importante, visto que cobria boa parte dos gastos com os agentes. Em novembro de 1999, a nova modalidade de financiamento estimulou a implantação das equipes de PSF, havendo conversão de equipes de PACS para equipes de PSF. Esse crescimento acelerado foi até o ano de 2002. “Em dezembro de 2002, 9,1% das equipes qualificadas não tinham sido implantadas, mas esse percentual caiu para 7,4% no ano seguinte. Em dezembro de 2003, somente um município do Estado não havia apresentado projeto para a implantação da estratégia” (SES/SC, 2006). A Tabela 2 mostra a evolução da cobertura da estratégia de Saúde da Família no estado de Santa Catarina nos anos de 1998 a 2006. Tabela 2: Evolução da implantação e cobertura populacional de Equipes de Saúde da Família em Santa Catarina, 1998-2006. Anos N° de Equipes de Saúde Pop. Coberta por População da Família Implantadas Equipes de Saúde da estimada (IBGE)* Família (%) 102 6,99 4.958.339 1998 164 11,12 4.958.339 1999 381 24,14 5.098.448 2000 674 39,05 5.448.736 2001 886 51,70 5.448.736 2002 1.000 56,89 5.527.707 2003 1.062 59,05 5.610.207 2004 1.147 63,61 5.610.207 2005 1.202 64,08 5.872.978 2006 Fonte: Ministério da Saúde, 2007. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Para a Enfermagem, o PSF também representa uma mudança do modelo assistencial e da gestão do cuidado. Esta profissão tem sua origem em práticas voltadas para famílias sem recursos para cuidar de seus doentes, portanto uma enfermagem independente da medicina, pois suas ações não pressupunham ordens médicas ou planos terapêuticos e sim a finalidade de cunho comunitário, religioso. Medicina e enfermagem trilharam caminhos separados durante muito tempo, começando a se reconfigurar a partir do início do século XIX, onde o aparato hospitalar abrigou o saber e prática médica, subordinando os “outros” saberes. A internação de doentes para tratamento e assistência em hospitais proporcionou a institucionalização da enfermagem hospitalar, prática esta que cresceu em ritmo acelerado até a década de noventa, configurando-se como modelo hegemônico, onde todas as categorias de profissionais de 33 saúde adotam um arquétipo caro, desumano e pouco resolutivo. Esta concepção gerou o culto à doença e não à saúde e a devoção à tecnologia, sendo esta considerada o centro das atividades científicas e de assistência à saúde (SOUSA, 2000). Para reversão deste quadro foram adotados princípios da atenção básica à saúde, onde o objetivo era a construção social de ‘saúde para todos’. Vários foram os programas, projetos e estratégias que propunham uma mudança no modelo assistencial, com destaque ao PACS que, como foi dito anteriormente, pode ser considerado precursor do PSF, além de ter o (a) profissional enfermeiro(a) como orientador e supervisor das atividades dos ACS. A consolidação do PSF expandiu os ‘horizontes’ da Enfermagem, pois os principais focos de atenção passam a ser a família, a promoção à saúde e as práticas educativas e não mais somente a cura de doenças. O fato de ter, obrigatoriamente, pelo menos um(a) enfermeiro(a) na equipe mínima de Saúde da Família também pode ser considerada ‘expansão’ da Enfermagem na saúde pública. Segundo a PNAB/2006, são atribuições do enfermeiro(a) no âmbito do PSF: I - Realizar assistência integral (promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da saúde) aos indivíduos e famílias na USF e, quando indicado ou necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas, associações etc.), em todas as fases do desenvolvimento humano: infância, adolescência, idade adulta e terceira idade; II - Conforme protocolos ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo gestor municipal ou do Distrito Federal, observadas as disposições legais da profissão, realizar consulta de enfermagem, solicitar exames complementares e prescrever medicações; III - Planejar, gerenciar, coordenar e avaliar as ações desenvolvidas pelos ACS; IV - Supervisionar, coordenar e realizar atividades de educação permanente dos ACS e da equipe de enfermagem; V - Contribuir e participar das atividades de Educação Permanente do Auxiliar de Enfermagem, ACD e THD; VI - Participar do gerenciamento dos insumos necessários para o adequado funcionamento da USF (BRASIL, 2006b, p. 44-45). Outra implicação do PSF para a Enfermagem seria na área da educação. Há necessidade de reformulação nas grades curriculares dos cursos da graduação e de formação técnica, pois cada vez mais a família se torna o centro das atenções de saúde, além do próprio SUS, que necessita cada vez mais de mão de obra de qualidade para atender as necessidades da população brasileira. 3.3 SISTEMA DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE Historicamente, a produção das informações em saúde no país iniciou-se de forma centralizada. Este fato, possivelmente, deve-se a quatro razões principais. Primeiro, no início 34 dos anos 60 a centralização da produção das informações foi tomada como estratégia nacional para a padronização e melhoria da qualidade das estatísticas disponíveis no país. Segundo, a tecnologia de informática disponível no momento da criação dos sistemas de informações baseava-se nos mainframes (supercomputadores revolucionários, de grande porte e com uma incrível capacidade de processamento), fato que já colaborava para uma forte centralização da produção de dados. Terceiro, a existência de poucos recursos humanos disponíveis para a gestão e produção das informações. Quarto, porém não menos importante, houve uma forte centralização política nos anos de ditadura militar, época em que vários destes sistemas foram criados (FRANÇA, 2001). Com a Lei Orgânica da Saúde, em 1990, acelerou-se o processo de descentralização das ações em saúde, bem como a organização de um sistema nacional de informação para o setor. A questão dos dados sobre as condições de saúde da população e sua informatização, é considerada um dos temas prioritários para a gestão do Ministério da Saúde desde 1995. A partir de então é constituído, conforme Portaria Ministerial n.º1311 de 17/07/95, editada pelo Ministério da Saúde , um grupo de trabalho com o objetivo de estudar e propor soluções com vistas a organização de um Sistema Nacional de Informações de Saúde e a informatização das instituições integrantes da rede de ações e serviços de saúde do país (FRANÇA, 2001). Com a NOB/96, o repasse financeiro aos municípios em gestão plena ficou vinculado à operação dos sistemas de informação ao nível local, o que gerou importante impulso para a descentralização dos sistemas de informação. Atualmente, os principais sistemas de informação em saúde são: • Sistema de Informação de Mortalidade – SIM • Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN • Sistema de Nascidos Vivos – SINASC • Sistema de Informações de Vigilância Alimentar e Nutricional – SISVAN • Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS - SIA/SUS • Sistema de Informações Hospitalares - SIH/SUS • Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (PNI) - SI-PNI • Sistema de Informação da Atenção Básica – SIAB • HIPERDIA, entre outros. 35 O SIAB e o HIPERDIA, por suas especificidades e relevância neste estudo, serão abordados de forma mais detalhada a seguir. 3.3.1 Sistema de Informação da Atenção Básica O trabalho do porte do que é feito pelo Programa de Saúde da Família gera uma significativa quantidade de dados. Com o crescimento do número de equipes de PSF e do número de famílias acompanhadas por este programa, o material recolhido e arquivado manualmente já se mostrava insuficiente para o aproveitamento dos dados coletados. Por este motivo, a Coordenação de Saúde da Comunidade (COSAC) - atual Departamento de Atenção Básica (DAB/SAS/MS) - solicitou ao DATASUS 3 o desenvolvimento de um sistema informatizado para gerenciamento das informações obtidas no PACS e PSF. Com base nisto, foi implantado em 1998 o Sistema de Informação da Atenção Básica – SIAB, em substituição ao Sistema de Informação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde - SIPACS, para o acompanhamento das ações e dos resultados das atividades realizadas pelas equipes do PSF, bem como do PACS. O SIAB foi desenvolvido como instrumento gerencial dos Sistemas Locais de Saúde e incorporou em sua formulação conceitos como território, problema e responsabilidade sanitária, completamente inserido no contexto de reorganização do SUS no país, o que fez com que assumisse características distintas dos demais sistemas existentes. Assim sendo, o SIAB foi desenvolvido para: • Dar suporte operacional e gerencial ao trabalho de coleta de dados realizados pelos agentes comunitários de saúde e das equipes de saúde da família. • Gerar informações essenciais para as Secretarias Municipais de Saúde, Secretarias Estaduais de Saúde e para o Ministério da Saúde. • Auxiliar e agilizar tomada de decisões referentes a indivíduos e famílias, tornando disponível um conjunto de informações às equipes de saúde da família, coordenadores e gestores locais de saúde. • Apoiar a priorização de ações dirigidas às comunidades dos municípios ou a distritos específicos. 3 O DATASUS, sendo um órgão de informática de âmbito nacional, representa um papel importante como centro tecnológico de suporte técnico e normativo à montagem de sistemas de informática e de informação da saúde. Suas extensões estaduais constituem a linha de frente no suporte técnico às SES e SMS. 36 • Permitir uma avaliação do trabalho dos agentes comunitários e de toda a equipe de saúde. • Observar os impactos das ações de saúde desenvolvidas junto à comunidade. No mesmo ano foi publicada a primeira edição do Manual do SIAB que define: “O SIAB é um sistema idealizado para agregar e para processar as informações sobre a população visitada. Estas informações são recolhidas em fichas de cadastramento e de acompanhamento e analisadas a partir de consolidação dos dados” (BRASIL, 1998, p.8). Para França (2001), através do SIAB é possível acompanhar o número de famílias cadastradas, sua condição de moradia e saneamento e a participação comunitária. Pode-se acompanhar, ainda, a situação de saúde para as doenças crônicas, tais como diabetes, hipertensão, tuberculose, hanseníase, além de gestantes e crianças, bem como a produção da unidade de saúde e os indicadores de assistência, entre outros. São instrumentos para realização da coletas dos dados: • Ficha A – Cadastramento das famílias. • Ficha B-GES – Acompanhamento de gestantes. • Ficha B-HA – Acompanhamento de hipertensos. • Ficha B-DIA – Acompanhamento de diabéticos. • Ficha B-TB – Acompanhamento de pacientes com tuberculose. • Ficha B-HAN – Acompanhamento de pacientes com hanseníase. • Ficha C – Acompanhamento de crianças, através do cartão da criança. • Ficha D – Referente à produção da equipe de saúde. Para a consolidação dos dados são utilizados como instrumentos os relatórios de consolidado anual das famílias cadastradas (Relatórios A1, A2, A3 e A4), os relatórios de situação de Saúde e acompanhamento das famílias (Relatórios SSA2 e SSA4) e o relatório de produção e marcadores para avaliação (Relatório PMA2 e PMA4) 4 . Segundo o Ministério da Saúde (2006a), para que seja possível ter equipes de PSF nos municípios, um dos critérios mínimos é a implantação do SIAB, incluindo recursos humanos e materiais para operá-lo. São também, através dos dados oriundos do SIAB que são repassados os incentivos financeiros do Ministério da Saúde para os municípios. Conforme Portaria n° 648/2006: 4 Os números 1,2,3 e 4 nos relatórios indicam os níveis de agregação correspondentes: mcroárea (1), área (2), segmento (3) e município (4). 37 A efetivação da transferência dos recursos financeiros que compõem os incentivos relacionados ao PAB variável da SF, dos ACS e da SB tem por base os dados de alimentação obrigatória do SIAB, cuja responsabilidade de manutenção e atualização é dos gestores do Distrito Federal e dos municípios (BRASIL, 2006b, p. 33). Em Santa Catarina, o SIAB começou a ser utilizado a partir da metade de 1998. Em dezembro deste mesmo ano, o quadro de Regionais de Saúde e municípios pertencentes as mesma, que utilizavam este sistema de informação em saúde era o seguinte: Quadro 1: Regionais de Saúde e Municípios com SIAB implantados em dezembro de 1998. Regionais de Saúde Municípios Regional de Araranguá Sombrio Regional de Blumenau Blumenau Regional de Canoinhas Canoinhas Regional de Chapecó Chapecó, Coronel Freitas, Novo Horizonte Regional de Criciúma Cocal do Sul, Criciúma, Siderópolis Regional de Florianópolis Florianópolis Regional de Joinville Joinville, São Bento do Sul Regional de Rio do Sul Ibirama, Rio do Sul Regional de Tubarão Laguna, Santa Rosa de Lima Regional de Videira Fraiburgo Regional de Xanxerê Abelardo Luz, Galvão, Ipuaçu, Passos Maia, São Domingos Fonte: SES/SC (mimeo). Com a operacionalização do SIAB atrelada ao repasse financeiro para as equipes de PACS e PSF dos municípios, a implantação deste sistema evoluiu de forma análoga com as equipes de PACS e PSF. Na Tabela 3 possível observar a expansão do número de municípios com o SIAB implantado e que enviam suas informações para o banco de dados do SIAB Estadual. 38 Tabela 3: Evolução da implantação do SIAB nos municípios de Santa Catarina, segundo as Regionais de Saúde, 1998 – 2006. N° mun./ N° de Municípios com SIAB Regionais regional 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 1. Xanxerê 17 05 08 17 17 17 17 17 17 17 2. Videira 18 02 03 11 14 17 17 18 17 18 3. Concórdia 16 00 04 09 13 16 16 16 16 16 4. Rio da Sul 28 02 02 06 24 26 28 28 28 28 5. S. Miguel do Oeste 22 00 06 12 18 20 22 22 22 22 6. Araranguá 15 01 06 14 14 15 15 15 15 15 7. Itajaí 11 00 02 08 10 11 11 11 11 11 8. Joaçaba 20 00 04 08 17 19 20 20 20 20 9. Blumenau 14 01 06 08 12 14 14 14 14 14 10. Chapecó 37 03 06 21 37 37 37 37 37 37 11. Mafra 04 00 00 04 04 04 04 04 04 04 12. Criciúma 10 03 03 09 10 10 10 10 10 10 13. Joinville 09 02 05 06 08 08 09 09 09 09 14. Tubarão 18 02 07 13 15 16 17 18 18 18 15. Lages 18 00 07 11 14 17 18 18 18 18 16. Canoinhas 07 01 00 02 04 07 07 07 06 07 17. Jaraguá do Sul 07 00 01 01 02 05 07 07 07 07 18. Florianópolis 22 01 01 20 21 22 22 22 22 22 Santa Catarina 293 23 71 180 254 281 291 293 291 293 Fonte: SIAB/SC (2006). Apesar de o SIAB ser imprescindível para o repasse financeiro, este não dever ser utilizado e compreendido apenas para este fim. O SIAB é parte necessária da Estratégia de Saúde da Família, pois contém dados mínimos para diagnóstico de saúde da comunidade, das intervenções realizadas pela equipe e os resultados sócio-sanitários alcançados. Assim sendo, todos os profissionais das equipes de Saúde da Família devem conhecer e utilizar os dados do SIAB a fim de traçar estratégias, definir metas e identificar intervenções que se fizerem necessárias na atenção da população de suas respectivas áreas de cobertura, bem como avaliar o resultado do trabalho desenvolvido pelas equipes. Além disso, o SIAB serve como fonte para vários tipos de pesquisas, não só para órgãos governamentais, mas também para a comunidade acadêmica da área da saúde, em especial da área de enfermagem e medicina, que utilizam os dados do sistema para compor monografias, dissertações, etc. 39 A disponibilização da base de dados do SIAB na internet, faz parte das ações estratégicas da política definida pelo Ministério da Saúde com o objetivo de fornecer informações que subsidiem a tomada de decisão pelos gestores do SUS, e a instrumentalização pelas instâncias de Controle Social, divulgando, assim, os dados para o uso de todos os atores envolvidos na consolidação do SUS. Atualmente, para que o sistema se transforme, de fato, num sistema que permita o monitoramento e favoreça a avaliação da atenção básica, o DAB/SAS em conjunto com o DATASUS, vem investindo em sua reformulação, articulada com os demais sistemas de informação dos outros níveis de atenção, sendo que este processo envolve todas as áreas técnicas do Ministério da Saúde que programam ações básicas de saúde. 3.3.2 Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Pacientes Hipertensos e Diabéticos O Ministério da Saúde, com a intenção de reduzir a morbimortalidade associada à Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e ao Diabetes mellitus (DM), assumiu o compromisso de executar ações em parceria com estados, municípios, Sociedades Brasileiras de Cardiologia, Hipertensão, Nefrologia e Diabetes, Federações Nacionais de Portadores de Hipertensão Arterial e Diabetes, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) para apoiar a reorganização da rede de saúde, objetivando a melhoria da atenção aos portadores desses agravos, através do Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e ao Diabetes Mellitus 5 (BRASIL, 2001b). Nesta perspectiva, muitas ações foram desenvolvidas no Brasil. Uma delas foi a criação, através do DATASUS, do Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Pacientes Hipertensos e Diabéticos – HIPERDIA – para estados e municípios, que permite o cadastramento de hipertensos e/ou diabéticos e o seu acompanhamento em toda a rede ambulatorial do SUS. O HIPERDIA tem como objetivos, orientar os gestores públicos, gerar informações para a aquisição, dispensação e distribuição de medicamentos de forma regular e sistemática a todos os pacientes e conhecer o perfil epidemiológico da hipertensão arterial e do diabetes mellitus na população. 5 O Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e ao Diabetes Mellitus aprovado pela Portaria/GM n° 16, de 03/01/2002, estabelece a organização da assistência, prevenção e promoção à saúde, a vinculação dos usuários à rede, a implementação de programa de educação permanente em hipertensão arterial, diabetes mellitus e demais fatores de risco para doenças cardiovasculares. 40 O HIPERDIA pode ser uma ferramenta útil para profissionais da rede básica de saúde e para gestores do SUS no enfrentamento destes agravos. 3.4 AGRAVOS SELECIONADOS Como neste trabalho será abordada a atenção à saúde dos hipertensos e diabéticos, será feita uma breve revisão sobre estes agravos. 3.4.1 Hipertensão Arterial Sistêmica A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é definida como uma pressão arterial sistólica igual ou superior a 140 mmHg e uma pressão arterial diastólica igual ou maior que 90 mmHg, em indivíduos que não fazem uso de medicação anti-hipertensiva, durante um período sustentado – no mínimo duas aferições (BRUNNER, SMELTZER, BARE e SUDDARTH, 2002). É necessário considerar no diagnóstico da HAS, além dos níveis prossóricos – níveis de pressão arterial sistólica e diastólica –, o risco cardiovascular global estimado pela presença dos fatores de risco, a presença de lesões em órgãos-alvo e as comorbidades associadas. É preciso ter prudência antes de rotular alguém como hipertenso, tanto pelo risco de um diagnóstico falso-positivo, como pela repercussão na própria saúde do indivíduo e o custo social resultante. Em indivíduos sem diagnóstico prévio e níveis de pressão arterial elevada em uma aferição, aconselha-se repetir a aferição de pressão arterial (PA) em diferentes períodos, antes de caracterizar a presença de HAS (BRASIL, 2006d). Tabela 4: Classificação da pressão arterial em pessoas maiores de 18 anos. Pressão Arterial Pressão Arterial Classificação Diastólica – PAD Sistólica – PAS (mmHg) (mmHg) < 80 < 120 Ótima < 85 < 130 Normal 85-89 130-139 Limítrofe 90-99 140-159 Hipertensão Leve (estágio 1) 100-109 160-179 Hipertensão moderada (estágio 2) ≥ 110 ≥ 180 Hipertensão grave (estágio 3) < 90 ≥ 140 Hipertensão sistólica isolada Fonte: V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial (2006). São definidos três estágios de hipertensão – estágios 1, 2 e 3 – que estão diretamente relacionados com o risco de morbidade e mortalidade advindas desta patologia. 41 Quanto maior for a pressão, seja sistólica ou diastólica, maior será o risco (BRUNNER, SMELTZER, BARE e SUDDARTH, 2002). O diagnóstico da hipertensão arterial é basicamente estabelecido pela constatação de níveis pressóricos permanentemente elevados, acima dos limites de normalidade, quando a pressão arterial é determinada por meio de métodos e condições apropriados. Portanto, a medida da pressão arterial é o elemento-chave para o estabelecimento do diagnóstico da hipertensão arterial. A aferição da pressão arterial, pela sua importância, deve ser estimulada e realizada em toda avaliação de saúde, pelos profissionais de saúde habilitados para este fim, que compõe a equipe. O esfigmomanômetro de coluna de mercúrio é o ideal para essas medidas. A medida da pressão arterial deve ser realizada na posição sentada, mantendo o braço paciente no mesmo nível do coração. Deve-se deixar o paciente descansar por 5 a 10 minutos em ambiente calmo, com temperatura agradável. É importante se certificar de que o paciente não está com a bexiga cheia, não praticou exercícios físicos, não ingeriu bebidas alcoólicas, café, alimentos, ou fumou até 30 minutos antes da medida (III CBHA. 1998). A decisão com relação à abordagem de portadores de HAS não deve ser fundamentada apenas nos níveis de pressão arterial, mas também na presença de outros fatores de risco e doenças concomitantes. Deve-se também considerar os aspectos familiares e socioeconômicos. Os fatores de risco e os problemas cardiovasculares ligados à hipertensão são apresentados no Quadro 2. É importante salientar que a tabela usada para classificar o estágio de um indivíduo hipertenso (Tabela 1) não estratifica o risco do mesmo. Portanto, um hipertenso classificado no estágio 1, se também for diabético, pode ser estratificado como grau de risco muito alto (BRASIL, 2001a). Quadro 2: Componentes para a estratificação do risco individual dos pacientes em função da presença de fatores de risco e de lesão em órgãos-alvo. Principais Fatores de Risco(Além da HAS) Lesões em Órgão-alvo → Tabagismo →Doenças cardíacas: → Dislipidemia - hipertrofia ventricular esquerda; → Diabetes mellitus - angina ou infarto prévio do miocárdio; → Idade acima de 60 anos - revascularização miocárdica prévia; → Sexo (homens e mulheres pós-menopausa) - insuficiência cardíaca. → História familiar de doença cardiovascular em: → Episódio isquêmico ou acidente vascular - mulheres com menos de 65 anos de idade encefálico - homens com menos de 55 anos de idade → Nefropatia → Doença vascular arterial periférica → Retinopatia hipertensiva 42 Com base nestas informações, os pacientes podem ser classificados em três grupos: • Grupo A: sem fatores de risco e sem lesões em órgãos-alvo. • Grupo B: presença de fatores de risco (não incluindo diabete melito) e sem lesão em órgão-alvo. • Grupo C: presença de lesão em órgãos-alvo, doença cardiovascular clinicamente identificável e/ou Diabetes mellitus. A Tabela 5 apresenta a orientação terapêutica baseada na estratificação do risco e nos níveis da pressão arterial. É importante ressaltar que as medidas de modificação de estilo de vida podem ser recomendadas à população em geral, como forma de promoção da saúde, bem como aos portadores de hipertensão, para manutenção dos níveis pressóricos e prevenção de complicações. Tabela 5: Orientação terapêutica baseada na estratificação do risco e nos níveis de pressão. Pressão Arterial Grupo A Grupo B Grupo C Normal Limítrofe (130-139 mmHg/85-89 mmHg) Hipertensão leve (estágio 1) (140-159 mmHg/90-99 mmHg) Hipertensão moderada e severa (estágios 2 e 3) Modificação no estilo de vida Modificação no estilo de vida Modificação no estilo de vida* Modificação no estilo de vida (até 12 meses) Modificação no estilo de vida ** (até 6 meses) Terapia medicamentosa Terapia medicamentosa Terapia medicamentosa Terapia medicamentosa (> 160 mmHg/> 100 mmHg) Fonte: III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial * Tratamento medicamentoso deve ser instituído na presença de insuficiência cardíaca, insuficiência renal, ou diabetes mellitus. ** Pacientes com múltiplos fatores de risco podem ser considerados para o tratamento medicamentoso inicial. Como foi visto na Tabela 5, o tratamento da hipertensão inclui estratégias como educação em saúde, modificação no estilo de vida e, se necessário, terapia medicamentosa. Segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, o tratamento não-medicamentoso tem, como principal objetivo, diminuir a morbidade e a mortalidade cardiovasculares por meio de modificações do estilo de vida que favoreçam a redução da pressão arterial. É recomendado para todos os hipertensos e aos indivíduos que, mesmo normotensos, apresentem alto risco cardiovascular. Dentre essas modificações, as que comprovadamente reduzem a pressão arterial são: redução do peso corporal, da ingestão do sal e do consumo de bebidas alcoólicas, prática de exercícios físicos com regularidade, e a não-utilização de drogas 43 que elevam a pressão arterial. As razões que tornam as modificações do estilo de vida úteis são: • Baixo custo e risco mínimo; • Redução da pressão arterial, favorecendo o controle de outros fatores de risco; • Aumento da eficácia do tratamento medicamentoso; • Redução do risco cardiovascular. No Quadro 3, são apresentados algumas drogas que podem causar aumento da pressão arterial, devendo ser evitadas ou descontinuadas. Quadro 3: Drogas que podem elevar os níveis pressóricos. Î Anticoncepcionais orais Î Antiinflamatórios não-esteróides Î Anti-histamínicos descongestionantes Î Antidepressivos tricíclicos Î Corticosteróides, esteróides anabolizantes Î Vasoconstritores nasais Î Carbenoxolona Î Ciclosporina Î Inibidores da monoaminoxidase (IMAO) Î Chumbo, cádmio, tálio Î Alcalóides derivados do “ergot” Î Moderadores do apetite Î Hormônios tireoideanos (altas doses) Î Antiácidos ricos em sódio Î Eritropoetina Î Cocaína Î Cafeína Fonte: III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial. A mudança no estilo de vida pode ser alcançada se houver um incentivo constante em todas as consultas, por parte de toda a equipe de saúde ao longo do acompanhamento. Com base na estratificação do risco individual associada, não unicamente aos níveis pressóricos, mas também aos fatores de risco e às co-morbidades, pode-se decidir pelo uso de medicamentos que devem levar em conta os seguintes critérios: • O medicamento deve ser eficaz por via oral. 44 • Deve ser bem tolerado. • Deve permitir a administração do menor número possível de tomadas diárias, com preferência para aqueles com posologia de dose única diária. • O tratamento deve ser iniciado com as menores doses efetivas preconizadas para cada situação clínica, podendo ser aumentadas gradativamente e/ou associar-se a outro hipotensor de classe farmacológica diferente (deve-se levar em conta que quanto maior a dose, maiores são as probabilidades de surgirem efeitos indesejáveis). • Respeitar um período mínimo de 4 (quatro) semanas para se proceder o aumento da dose e ou a associação de drogas, salvo em situações especiais. • Instruir o paciente sobre a doença, sobre os efeitos colaterais dos medicamentos utilizados e sobre a planificação e os objetivos terapêuticos. • Considerar as condições socioeconômicas. Os medicamentos anti-hipertensivos exercem sua ação terapêutica através de diferentes mecanismos que interferem na fisiopatologia da HAS. Basicamente, os fármacos podem ser listados em cinco classes: diuréticos, inibidores adrenérgicos, vasodilatadores diretos, antagonistas do sistema renina-angiotensina e bloqueadores dos canais de cálcio. Entre os medicamentos mais estudados e que se mostraram benéficos em reduzir eventos cardiovasculares, cerebrovasculares e renais maiores, estão os diuréticos em baixas dosagens. Se for considerando ainda o baixo custo e larga experiência de empregabilidade, são indicados como primeira opção anti-hipertensiva na maioria dos pacientes hipertensos. Os diuréticos devem ser prescritos em monoterapia inicial, especialmente para pacientes com hipertensão arterial em estágio 1 que não responderam às medidas não-medicamentosas. Entretanto, a monoterapia inicial é eficaz em apenas 40% a 50% dos casos. Muitos pacientes necessitam a associação com anti-hipertensivo de outra classe, como inibidores da ECA, betabloqueadores, antagonista do cálcio (BRASIL, 2006d). A dosagem do ou dos medicamentos devem ser ajustada até que se consiga redução da pressão arterial a um nível considerado satisfatório para cada paciente – geralmente inferior a 140/90 mmHg. O ajuste deve ser feito buscando-se a menor dose eficaz, ou até que surjam efeitos indesejáveis, porém, como já citado, os esquemas terapêuticos instituídos devem procurar conservar a qualidade de vida do paciente, resultando em melhor adesão às recomendações médicas. 45 No Quadro 4 estão descritos os medicamentos disponíveis na rede básica do SUS. Fármacos anti-hipertensivos adicionais previstos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME). Quadro 4: Medicamentos anti-hipertensivos padronizados pelo MS. Classe Tipo Dose Habitual Local de ação (mg/dia) Hidroclorotiazida/ 12,5 – 50 Néfron Diuréticos Furosemida* 20 – 320 Betabloqueadores Propranolol 80 – 320 Sistema nervoso central Inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) Captopril 25 – 150 Sistema nervoso central Enalapril 5 – 40 Fonte: Plano de Reorganização da Atenção a Hipertensão Arterial e o Diabetes mellitus (BRASIL, 2001a). *Pacientes com insuficiência cardíaca e insuficiência renal crônica (creatinina = 1,5 mg/dl) deverão usar a furosemida, ao invés da hidroclorotiazida (Brasil, 2001a). Mesmo sendo assintomática, a hipertensão arterial é responsável por complicações cardiovasculares, encefálicas, coronarianas, renais e vasculares periféricas. Estima-se que 40% dos acidentes vasculares encefálicos e que 25% dos infartos ocorridos em pacientes hipertensos poderiam ser prevenidos com terapia anti-hipertensiva adequada. No entanto, uma parcela importante da população adulta com hipertensão não sabe ser portador deste agravo, e muitos dos que sabem não estão sendo adequadamente tratados. A redução do AVE e do IAM, por meio da identificação dos portadores de hipertensão e do controle adequado dos níveis pressóricos, poderá ter grande impacto no Sistema Único de Saúde, em termos de redução da morbimortalidade e de diminuição dos custos sociais e financeiros (BRASIL, 2004). 3.4.2. Diabetes mellitus O diabetes mellitus (DM) é um grupo de doenças metabólicas caracterizadas por níveis elevados de glicose no sangue (hiperglicemia), podendo ser resultante de defeitos de secreção de insulina e/ou ação desta. O DM se caracteriza por hiperglicemia crônica com distúrbios do metabolismo de carboidratos, lipídeos e proteínas (BRASIL, 2006e). A insulina é um hormônio produzido pelo pâncreas, que controla o nível de glicose no sangue ao regular a sua produção e armazenamento. Em portadores de DM, as células podem parar de responder à insulina ou o pâncreas pode parar totalmente de produzi- 46 la. Isso leva a hiperglicemia, que pode resultar em complicações agudas, como cetoacidose diabética e a síndrome hiperglicêmica hiperosmolar não-cetótica. As conseqüências da hiperglicemia em longo prazo incluem complicações macrovasculares como doença coronariana, doença vascular cerebral e doença vascular periférica, bem como complicações microvasculares crônicas (doenças renal e ocular) e complicações neuropáticas (BRUNNER, SMELTZER, BARE e SUDDARTH, 2002). Existem diversos tipos distintos de diabetes mellitus, podendo diferir quanto à etiologia, evolução clínica e tratamento. De acordo com o Ministério da Saúde, as principais classificações do DM são: • Tipo 1, previamente referido como diabetes mellitus insulino-dependente. • Tipo 2, previamente referido como diabetes mellitus não-insulino-dependente. • Diabetes mellitus associado a outras condições ou síndromes. • Diabetes mellitus gestacional (DMG). O DM tipo 1, anteriormente conhecido como diabetes juvenil, resulta primariamente da destruição das células beta pancreáticas e tem tendência à cetoacidose 6 . Esse tipo ocorre em cerca de 5 a 10% dos diabéticos. Acredita-se que a combinação de fatores genéticos, imunológicos e, possivelmente, ambientais (virais) contribua para a destruição das células beta. O desenvolvimento do diabetes tipo 1 pode ocorrer de forma rapidamente progressiva, principalmente, em crianças e adolescentes (pico de incidência entre 10 e 14 anos), ou de forma lentamente progressiva, geralmente em adultos, (LADA, latent autoimmune diabetes in adults; doença auto-imune latente em adultos). Esse último tipo de diabetes, embora se assemelhando clinicamente ao diabetes tipo 1 auto-imune, muitas vezes é erroneamente classificado como tipo 2 pelo seu aparecimento tardio (BRASIL, 2006e). O DM tipo 2 resulta, em geral, de graus variáveis de resistência à insulina e de deficiência relativa de secreção de insulina. A resistência à insulina refere-se à sensibilidade diminuída dos tecidos a este hormônio, ou seja, ocorre menor captação de glicose por tecidos periféricos, em especial muscular e hepático. Em resposta a essa resistência tecidual há uma elevação compensatória da concentração plasmática de insulina com o objetivo de manter a glicemia dentro dos valores normais, forçando as células beta a produzirem mais hormônio. Contudo, quando as células beta não conseguem responder ã demanda aumentada de insulina, o nível de glicose aumenta e o diabetes do tipo 2 se desenvolve (SMELTZER&BARE, 2002). 6 Os corpos cetônicos, altamente ácidos, são formados resultando em acidose. Normalmente requer hospitalização para tratamento e é geralmente causada pela não adesão ao esquema de insulina, doença concomitante ou infecção (SMELTZER&BARE, 2002). 47 O DM gestacional se caracteriza pela diminuição da tolerância à glicose, de magnitude variável, diagnosticada pela primeira vez na gestação, podendo ou não persistir após o parto. Abrange os casos de DM e de tolerância à glicose diminuída, detectados na gravidez. Seu diagnóstico é controverso. A OMS recomenda detectá-lo com os mesmos procedimentos diagnósticos empregados fora da gravidez, considerando como diabetes gestacional valores referidos fora da gravidez como indicativos de diabetes ou de tolerância à glicose diminuída (BRASIL, 2006e). Segundo Brasil (2001a), existem outros tipos específicos que incluem várias formas de DM, decorrentes de defeitos genéticos associados com outras doenças ou com o uso de fármacos diabetogênicos, ou seja, defeitos genéticos da função da célula beta, defeitos genéticos na ação da insulina, doenças do pâncreas exócrino (pancreatite neoplásica, hemocromatose, fibrose cística, etc.) e aqueles induzidos por drogas ou produtos químicos (diuréticos, corticóides, betabloqueadores, contraceptivos, etc.). Cerca de 50% da população com diabetes não sabe que são portadores da doença, algumas vezes permanecendo não diagnosticados até que se manifestem sinais de complicações. Os principais sintomas de diabetes são: poliúria, polidipsia, polifagia e perda involuntária de peso. Outros sintomas que levam à suspeita clínica são: fadiga, fraqueza, letargia, prurido cutâneo e vulvar, balanopostite (inflamação do prepúcio e glande) e infecções de repetição. Em algumas situações o diagnóstico é feito a partir de complicações crônicas como neuropatia, retinopatia ou doença cardiovascular aterosclerótica. Todavia, como já mencionado, o diabetes é assintomático em proporção significativa dos casos, a suspeita clínica ocorrendo então a partir de fatores de risco para o diabetes. Quadro 5: Fatores indicativos de maior risco para DM tipo 2. • Idade > 45 anos. • Sobrepeso (Índice de Massa Corporal IMC >25). • Obesidade central (cintura abdominal >102 cm para homens e >88 cm para mulheres, medida na altura das cristas ilíacas). • Antecedente familiar (mãe ou pai) de diabetes. • Hipertensão arterial (> 140/90 mmHg). • Colesterol HDL d”35 mg/dL e/ou triglicerídeos e”150 mg/dL. • História de macrossomia ou diabetes gestacional. • Diagnóstico prévio de síndrome de ovários policísticos. • Doença cardiovascular, cerebrovascular ou vascular periférica definida. Fonte: Caderno de Atenção Básica n °16 (BRASIL,2006d). 48 A presença de níveis de glicose sanguínea anormalmente elevados é o principal critério para fundamentar o diagnóstico do DM. Os testes mais comumente utilizados para suspeita de DM ou regulação glicêmica alterada são: glicemia de jejum (nível de glicose sanguínea após um jejum de 8 a 12 horas), teste oral de tolerância à glicose (TTG-75g) e glicemia casual (tomada sem padronização do tempo desde a última refeição). A Tabela 6 mostra valores de referência para níveis de glicose sanguínea. Tabela 6: Valores de glicose plasmática para diagnóstico de DM. Categorias/ Glicemia de jejum Glicemia pósDiagnóstico Ao acaso prandial Normal < 110 < 140 y Glicemia de jejum alterada Tolerância à glicose diminuída Diabetes mellitus ≥ 110 e < 126 y y < 126 ≥ 140 e < 200 y > 126 ≥ 200 ≥ 200 com sintomas clássicos Fonte: Caderno de Atenção Básica n °16 (BRASIL,2006d). É importante ressaltar que, com limites de corte para o diagnóstico de DM cada vez menores, existe disglicemia em níveis menores que 126 mg/dl, e que indivíduos que apresentam este quadro podem ter risco aumentado para complicações cardiovasculares (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2005). Após ter se confirmado o diagnóstico de diabetes, é prioritário determinar se existe algum problema associado que demande tratamento imediato ou investigação mais detalhada, como por exemplo, presença de infecção. Também é necessário realizar uma bateria de exames laboratoriais, que estão listados no Quadro 6. Quadro 6: Avaliação laboratorial de pacientes com diabetes recém diagnosticados. » Glicemia de jejum. » Hemoglobina glicada ( AIC e HbAIC). » Colesterol total, HDL-C (para avaliar risco Framingham) e triglicerídeos. » Creatinina sérica em adultos. » Exame de urina: • Infecção urinária. • Proteinúria. • Corpos cetônicos. • Sedimento. » Microalbuminúria (DM tipo 2, se proteinúria negativa). » TSH (DM tipo 1). » ECG em adultos. Fonte: Caderno de Atenção Básica n °16, (BRASIL, 2006e). 49 A meta principal do tratamento do DM é normalizar a atividade da insulina e os níveis sanguíneos de glicose para reduzir o desenvolvimento de complicações vasculares e neuropáticas. Existem cinco componentes do tratamento do DM: terapia nutricional, exercício, monitorização, terapia farmacológica e educação. O tratamento varia através da evolução da doença, devido a alterações no estilo de vida e nos estados físico e emocional. Desta forma, o tratamento do DM envolve a avaliação constante e a modificação do plano de tratamento pelos profissionais de saúde, bem como os ajustes diários na terapia pelo paciente. Embora a equipe de saúde dirija o tratamento, é o paciente que está lidando com a carga diária de controle das particularidades de um plano terapêutico complexo. Por esse motivo, a educação do paciente e de sua família é um elemento essencial do tratamento do DM, sendo igual em importância a outros componentes do esquema (BRUNNER, SMELTZER, BARE e SUDDARTH, 2002). Os portadores de DM tipo 1, devido a maior complexidade do cuidado, em geral são acompanhados por especialista endocrinologista. Os pacientes com DM tipo 2 geralmente são acompanhados pela equipe de saúde da unidade básica. A mudança no estilo de vida é uma componente fundamental no plano terapêutico do diabetes, que engloba terapia nutricional e atividade física. Sendo a dieta e o controle de peso questões cruciais para o controle do DM, a terapia é voltada para as seguintes metas: • Fornecer todos os constituintes alimentares essenciais. • Atingir e manter um peso razoável (IMC 7 ≤ 25 kg/m²). • Satisfazer as necessidades de energia. • Evitar amplas flutuações diárias nos níveis sanguíneos de glicose, mantendo-os o mais próximo possível da normalidade de forma segura e prática. • Diminuir os níveis de lipídeos séricos, quando elevados. Para os pacientes que necessitam de insulina para ajudar a controlar os níveis sanguíneos de glicose, a manutenção da maior consistência possível na quantidade de calorias e carboidratos ingeridos em diferentes horários é importante para o controle da glicose sanguínea. Além disso, a consistência nos intervalos de tempo aproximados entre as refeições, com a adição de pequenos lanches, quando necessário, ajudam na prevenção de hipoglicemias 8 e no controle global da glicemia. 7 Índice de Massa Corporal, obtido pela fórmula: peso (kg)/altura² (m). Glicemia baixa (inferior a 50 mg/dl) em uma pessoa com diabetes em conseqüência da insulina excessiva, medicamento, alimento reduzido e/ou exercício em excesso que não foi compensado com alimento. 8 50 A prática regular de atividade física é aconselhada a todos os pacientes com diabetes, pois, melhora o controle metabólico, reduz a necessidade de hipoglicemiantes, ajuda a promover o emagrecimento nos pacientes obesos, diminui os riscos de doença cardiovascular e melhora a qualidade de vida. Assim, a promoção da atividade física é considerada prioritária. As orientações de exercícios seguem as recomendações para adultos saudáveis observando, no entanto, algumas especificidades: - O exercício deve ser iniciado de forma gradual, como caminhadas por 5 a 10 min em terreno plano, aumentando semanalmente até alcançar 30 a 60 min diários, 5 a 7 dias por semana. Nesse processo, qualquer aumento de atividade física deve ser valorizado como um ganho de saúde e não como uma meta final não alcançada. - Os calçados devem ser confortáveis, evitando bolhas e calosidades. - A intensidade de atividade física deve ser aumentada progressivamente, tendo como objetivo atingir intensidade moderada (60 e 80% da freqüência cardíaca máxima). Na prática, a mudança progressiva da intensidade pode ser orientada pelo teste da fala da seguinte maneira: a intensidade é leve quando ainda é possível cantar, moderada quando ainda é possível conversar confortavelmente, e intensa quando a pessoa fica ofegante, limitando a conversação. - Indivíduos com perda significativa de sensibilidade nos pés devem evitar caminhar em esteiras ou ao ar livre, correr, etc. Nesses casos, os exercícios mais recomendados são natação, ciclismo, remo e exercícios realizados na posição sentada. Casos com retinopatia proliferativa não tratada ou tratada recentemente devem evitar exercícios que aumentam a pressão intra-abdominal, que têm efeito semelhante à manobra de Valsalva, que englobam movimentos rápidos da cabeça ou que envolvem risco de traumatismo ocular. - Antes de iniciar um exercício vigoroso, é necessário afastar complicações como retinopatia proliferativa, neuropatia autonômica e doença cardíaca importante. - Indivíduos com risco cardiovascular >10% em 10 anos ou com sintomas de neuropatia autonômica que desejam praticar exercício vigoroso, se eram anteriormente sedentários, devem ser encaminhados ao cardiologista para orientação. - As atividades ao gosto do paciente, como caminhar e dançar, devem ser incentivadas, especialmente quando programas estruturados não estão disponíveis (BRASIL, 2006e, p. 24). O tratamento farmacológico para o diabetes inclui terapia com insulina e outro hipoglicemiantes orais. A escolha dos fármacos varia de acordo com o tipo de DM (tipo 1 e tipo 2), e com a necessidade do paciente. No diabetes tipo 1, o corpo perde a capacidade de produzir insulina e, consequentemente, a insulina exógena deve ser administrada sob uma base de longo prazo. O uso do hormônio em portadores deste tipo de DM deve considerar a fase de crescimento e desenvolvimento em que o paciente se encontra, a secreção residual de insulina, a fase da doença, o estilo de vida e a atividade profissional. As necessidades diárias de insulina variam de 0,5 a 1,0 U/kg/dia, sendo que na puberdade ou na ocorrência de infecções, a necessidade pode chegar a 1,5 U/kg/dia e na prática de atividades físicas, pode chegara 0,5 U/kg/dia (BRASIL, 2001a). 51 As insulinas geralmente são classificadas de acordo com: sua origem (podem ser bovinas, suínas ou humanas), grau de purificação e período de ação (podem ser ultra-rápidas, rápidas, intermediárias, lentas, NPH (Neutral Protamine Hagedorn) e ultra lentas). Quadro 7: Classificação da insulina de acordo com sua origem e período de ação. Insulinas Período de ação (em horas) humanas Início Pico Duração da ação Pico máximo Ultra rápida (UR) < 0,25 0,5 – 1,5 3–4 4–6 Rápida (R) 0,1 – 1,0 2–3 3–6 6–8 NPH (N) 2–4 6 – 10 10 – 16 14 – 18 Lenta (L) 2–4 6 – 12 12 – 18 16 – 20 Insulinas Período de ação (em horas) animais Início Pico Duração da ação Pico máximo Ultra rápida (UR) 0,5 – 2,0 3–4 4–6 6 – 10 Rápida (R) 4–6 8 – 14 16 – 20 20 – 24 NPH (N) 4–6 8 – 14 16 – 20 20 – 24 Lenta (L) 8 – 14 Mínimo 24 – 36 24 – 36 Fonte: Consenso Brasileiro sobre Diabetes (2003). O diabetes tipo 2 é considerada uma doença progressiva e, com o decorrer dos anos, quase todos os pacientes demandam terapia farmacológica com antidiabéticos orais conjugados com mudança de estilo de vida, sendo que, muitos destes pacientes, terão que complementar seu tratamento com insulina. Quadro 8: Medicamentos para o tratamento da hiperglicemia do diabetes tipo 2. Medicamento Mecanismo de ação Redução da glicemia Efeito sobre o de jejum (mg/dl) peso corporal Sulfoniluréias Aumento da secreção de 60 – 70 Aumento Nateglinida* insulina Repaglinida* Aumento da sensibilidade à insulina 60 –70 Diminuição Metformina predominantemente no fígado Retardo da absorção de 20 – 30 Sem efeito Acarbose* carboidratos Aumento da sensibilidade 35 – 40 Aumento Tiazolidinedionas à insulina no músculo Fonte: Consenso Brasileiro sobre Diabetes (2003). * Atuam predominantemente na redução da glicemia pós-prandial. Podem reduzir a glicemia de jejum a médio e longo prazo. 52 Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes, o rastreamento do DM na gravidez é realizado na primeira consulta, aplicando os mesmos procedimentos e critérios diagnósticos empregados fora da gravidez. O rastreamento do diabetes gestacional é realizado entre a 24ª e 28ª semanas da gravidez, podendo ser realizado em uma ou duas etapas. Em uma etapa, é aplicado diretamente o teste oral de tolerância à glicose (TTG com 75 g). Em duas etapas, inicialmente é aplicado um teste de rastreamento incluindo glicemia de jejum ou glicemia de uma hora após ingestão de 50 gramas de glicose (jejum dispensado), sendo os testes considerados positivos quando a glicemia de jejum ≥ 85 mg/dl ou glicemia uma hora após 50 g ≥ 140 mg/dl. Somente nos casos considerados positivos é aplicado o TTG com 75 g de glicose. Os critérios diagnósticos para o DM gestacional baseados no TTG com 75 g compreendem: • Glicemia de jejum ≥ 126 mg/dl e/ou glicemia duas horas após 75 g ≥ 140 mg/dl. • No rastreamento com o teste de 50 g de glicose, valores de glicose plasmática de uma hora muito elevados, como 185 mg/dl ou maiores, podem ser considerados diagnósticos de DM gestacional. O estágio clínico denominado “glicemia de jejum alterada” (glicemia de jejum ≥ 110 mg/dl e inferior a 126 mg/dl) não foi incluído nos critérios diagnósticos do DM gestacional. No entanto, recomenda-se que, ao empregar a glicose plasmática de jejum como teste de rastreamento na gravidez, a detecção de uma glicemia compatível com esse estágio requer confirmação diagnóstica imediata através do TTG com 75 g. Considerando a elevada carga de morbi-mortalidade associada ao DM, a prevenção deste e de suas complicações é hoje prioridade de saúde pública. Na atenção básica, ela pode ser efetuada através da prevenção de fatores de risco, da identificação e tratamento de indivíduos de alto risco para diabetes, da identificação de casos não diagnosticados de diabetes para tratamento e intensificação do controle de pacientes já diagnosticados visando prevenir complicações agudas e crônicas. O cuidado integral ao paciente com diabetes e sua família é um desafio para a equipe de saúde, especialmente para poder ajudar o paciente a mudar seu modo de viver, o que estará diretamente ligado à vida de seus familiares e amigos. 53 4 MARCO CONCEITUAL Para nortear o desenvolvimento deste estudo, optou-se por utilizar conceitos de diferentes autores, visando uma melhor adequação ao tema de pesquisa proposto. Os conceitos apresentados a seguir são: saúde, atenção básica à saúde, programa de saúde da família, sistemas de informação em saúde, hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus, os quais expressam o entendimento acerca dos principais aspectos que compõe o contexto deste trabalho. SAÚDE De acordo com a Lei n° 8.080 de 19 de setembro de 1990, em seu Art. 2°: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.” A mesma Lei ainda afirma, no Art. 3° que: A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País (BRASIL, 2007). Também diz respeito à saúde as ações que garantem condições de bem-estar físico, mental e social (BRASIL, 2007). ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE A Atenção Básica à Saúde, também conhecida com Atenção Primária à Saúde é definida como: Atenção essencial à saúde baseada em tecnologia e métodos práticos, cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis, tornados universalmente acessíveis a indivíduos e famílias na comunidade por meios aceitáveis para eles e a um custo que tanto a comunidade como o país possa arcar em cada estágio de seu desenvolvimento, um espírito de autoconfiança e autodeterminação. É parte integral do sistema de saúde do país, do qual é função central, sendo o enfoque principal do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. É o primeiro nível de contato dos indivíduos, das famílias e da comunidade com o sistema nacional de saúde, levando a atenção à saúde o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento do processo de atenção continuada à saúde (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE apud STARFIELD, 2004, p.30 e 31). Para Starfield (2004) a atenção básica aborda os problemas mais comuns na comunidade, oferecendo serviços de prevenção, cura e reabilitação, organizando e 54 racionalizando o uso de todos os recursos, tanto básicos como especializados, voltados para a promoção, manutenção e melhora da saúde. PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA De acordo com o Ministério da Saúde A Saúde da Família é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde. Estas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. As equipes atuam com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais freqüentes, e na manutenção da saúde desta comunidade. A responsabilidade pelo acompanhamento das famílias coloca para as equipes saúde da família a necessidade de ultrapassar os limites classicamente definidos para a atenção básica no Brasil, especialmente no contexto do SUS (BRASIL, 2007). SISTEMA DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE Um Sistema de Informação (SI) pode ser definido como um conjunto de procedimentos organizados que, quando executados, provêem informação de suporte à organização. Um SI em geral processa dados, de maneira informatizada ou não, e os apresenta para os usuários, individuais ou grupos, que são os responsáveis pela sua interpretação. Em saúde, os SI compõem obrigatoriamente os sistemas informativos das condições dos doentes, do meio ambiente onde estes indivíduos se inserem, além de outros fatores que interferem no processo saúde-doença do coletivo, constituindo assim, os Sistemas de Informação em Saúde (SIS) (CARVALHO, 1998). HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA Em 1978, a Organização Mundial da Saúde definiu a hipertensão arterial sistêmica (HAS) como “uma doença caracterizada por uma elevação crônica da pressão arterial sistólica e/ou diastólica” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1978). O III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial, elaborado em 1998, designou a (HAS) como uma entidade clínica multifatorial, conceituada como síndrome caracterizada pela presença de níveis tensionais elevados, associados à alteração metabólica e hormonal e a fenômenos tróficos (hipertrofias cardíaca e vascular) (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA). 55 DIABETES MELLITUS O diabetes é um grupo de doenças metabólicas caracterizadas por hiperglicemia e associadas a complicações, disfunções e insuficiência de vários órgãos, especialmente olhos, rins, nervos, cérebro, coração e vasos sangüíneos. Pode resultar de defeitos de secreção e/ou ação da insulina envolvendo processos patogênicos específicos, por exemplo, destruição das células beta do pâncreas (produtoras de insulina), resistência à ação da insulina, distúrbios da secreção da insulina, entre outros (BRASIL, 2006e). 56 5 METODOLOGIA 5.1 O CENÁRIO DO ESTUDO O Estado de Santa Catarina está localizado no centro da região sul do Brasil e tem como limites os estados do Paraná ao norte e do Rio Grande do Sul ao sul, o Oceano Atlântico no leste e a Argentina a oeste, ocupando uma área de 95.442,9 km² e tendo como capital a cidade de Florianópolis. A organização político-administrativa compreende 293 municípios, agrupados em 8 macrorregiões e, pela política de descentralização do atual governo, divididos em 36 Secretarias de Desenvolvimento Regional. Segundo estimativas do IBGE para o ano de 2006, a população de catarinense é de 5.961.936 habitantes, localizados majoritariamente na região urbana (82,0%) e apresenta uma densidade demográfica de 61,46 hab/ km². Figura 1: Regiões de Santa Catarina. Fonte: Governo do Estado de Santa Catarina (2007). A colonização foi amplamente efetuada por imigrantes europeus: os portugueses oriundos da Ilha dos Açores ocuparam o litoral no século XVIII, os alemães colonizaram o Vale do Itajaí e o norte catarinense em meados do século XIX e os italianos colonizaram o sul do estado no final deste mesmo século. O oeste catarinense foi colonizado por gaúchos de origem italiana e alemã. Atualmente, a população do estado é formada por mais de cinqüenta etnias, sendo predominantes os descendentes dos primeiros colonizadores e, em menor quantidade, poloneses, ucranianos, lituânios, judeus, holandeses, suíços austríacos, franceses, ingleses, irlandeses, suecos, dinamarqueses, tchecos, eslovacos, gregos, sírios, malteses, etc. 57 Os índices sociais do estado estão entre os melhores do país; o PIB per capita catarinense é de 9.271,51 reais, o maior da região sul e supera a média nacional, que é de 7.630,92. Segundo informações do governo estadual, Santa Catarina tem uma taxa de mortalidade de crianças < 1 ano de 12,08 em cada mil nascidos vivos e apresenta um dos menores índices de analfabetismo do país, em tono de 5% (PES, 2006). A economia se fundamenta no extrativismo, na pecuária e na atividade industrial, em especial na área têxtil, cerâmica, metal-mecânica e agroindústria. O estado de Santa Catarina é o maior exportador de frangos e carne suína do Brasil e, no que diz respeito às indústrias, sedia uma das maiores empresas fabricantes de motores elétricos do mundo, além de expressiva produção de eletrodomésticos, contando com marcas de projeção nacional. Santa Catarina é o sétimo estado mais rico do país e, juntamente com Paraná e Rio Grande do Sul, controla 18,2% da economia nacional. O estado também tem importante papel no mercado internacional, sendo um dos maiores exportadores do Brasil. 5.2 TIPO DE ESTUDO Trata-se de uma pesquisa exploratória, de caráter quantitativo que pode ser entendido com “Método que se apropria da análise estatística para o tratamento dos dados” (SANTOS e CLOS apud FIGUEIREDO, 2004, p.106). As unidades analisadas foram as 18 regionais de saúde, de Santa Catarina, sendo importante ressaltar que a divisão por regionais do SIAB difere da divisão político-administrativa do estado, onde o SIAB informa 18 regionais de saúde e o estado, 36 Secretarias de Desenvolvimento Regional. 5.3 COLETA DOS DADOS A coleta de dados foi feita através de fontes secundárias, sendo que todas as informações são referentes ao ano de 2006. As informações do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) foram obtidas através da base de dados da Coordenação Estadual do Programa de Saúde da Família, ou seja, do programa SIAB v. 4.2. Já os dados do Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Pacientes Hipertensos e Diabéticos (HIPERDIA) foram coletados através do banco de dados do DATASUS/MS. 58 5.4 ANÁLISE DOS DADOS Com o intuito de facilitar a análise, foram criados instrumentos específicos no editor de texto WORD, onde os dados coletados foram lançados. No SIAB, os relatórios são agrupados por regional de saúde e seus respectivos municípios, bem como dados de Santa Catarina. No HPERDIA, foi necessário agrupar os dados por regional de saúde, uma vez que os relatórios são apresentados por estados ou por municípios de cada unidade federativa. Primeiramente foram codificados os dados relacionados à HAS e ao DM que aparecem no SIAB e, posteriormente, compilados os dados obtidos a partir de relatórios do HIPERDIA, quais sejam “Número de Diabéticos, Hipertensos e Diabéticos com Hipertensão por sexo tipo e risco”, “Número de Pacientes por Sexo e Faixa Etária” e “Relatório de envio de dados por município”. Em todo o percurso da análise dos dados, foi levado em conta o que preconizam os estudos do Ministério da Saúde, Sociedade Brasileira de Diabetes mellitus, Sociedade Brasileira de Hipertensão Arterial e Sociedade Brasileira de Cardiologia. 5.5 ASPECTOS ÉTICOS Com relação aos aspectos éticos envolvidos em uma pesquisa, este estudo não apresenta preocupação especial com este item, uma vez que não envolve seres humanos e os dados apresentados são de domínio público, podendo ser acessados através de sites e home pages. 59 6 RESULTADOS 6.1 SOBRE O SIAB Com relação ao SIAB, os dados levantados foram: número de municípios que compõe cada regional de saúde, população cadastrada no sistema, número de diabéticos e hipertensos cadastrados no sistema e acompanhados pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS), percentagem de diabéticos e hipertensos acompanhados em relação aos cadastrados, número e percentagem de atendimentos de diabéticos e hipertensos nas UBS e prevalência do Diabetes mellitus (DM) e da Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) em Santa Catarina. Todos os 293 municípios do estado fazem a alimentação sistemática do SIAB, sendo que são agrupados em 18 regionais de saúde. Sobre as informações populacionais foram encontrados os seguintes dados: Tabela 7: Cobertura populacional do SIAB por regional de saúde – Santa Catarina, 2006. Regionais População População % Cobertura IBGE* cadastrada no SIAB do SIAB 01 – Xanxerê 151.827 138.537 91,25 02 – Videira 271.702 174.511 64,23 03 – Concórdia 47.286 103.876 70,52 04 – Rio do Sul 249.623 245.172 98,21 05 – São Miguel do Oeste 161.226 324.782 + de 100 06 – Araranguá 175.779 146.221 83,18 07 – Itajaí 485.739 319.741 65,83 183.109 167.626 91,54 08 – Joaçaba 09 – Blumenau 616.242 416.577 67,60 10 – Chapecó 374.926 347.799 92,77 976.86 80.302 82,20 11 – Mafra 12 – Criciúma 359.334 299.826 83,44 724.306 384.897 53,14 13 – Joinville 14 – Tubarão 351.802 324.961 92,37 15 – Lages 302.928 249.311 82,30 16 – Canoinhas 130.504 73.119 56,03 17 – Jaraguá do Sul 223.290 92.436 41,40 18 – Florianópolis 954.627 652.875 68,39 Santa Catarina 5.961.936 4.542.569 76,19 * Estimativa para 01/07/2006. Entende-se como população do SIAB, aquela cadastrada em algum modelo de atendimento da atenção básica, podendo ser PACS, PSF ou outro. Na Tabela 7 nota-se que há grande variação entre as regionais de saúde quanto à cobertura do SIAB, merecendo destaque a regional de Jaraguá do Sul, que apresenta a menor cobertura populacional, com apenas 41,40% e a regional de São Miguel do Oeste, que tem 60 uma cobertura superior a 100% da população. Observa-se, contudo, que a população cadastrada nesta regional é expressivamente maior que a estimada pelo IBGE, supondo algum tipo falha, seja no cadastro, seja na estimativa, porém esta questão não será abordada neste trabalho. Como foi dito nos capítulos anteriores, este trabalho busca observar a HAS e o DM na Atenção Básica em Santa Catarina. Neste quesito, o SIAB apresenta algumas informações, conforme segue. Tabela 8: Número e percentual de diabéticos cadastrados e acompanhados pelas Unidades de Saúde, segundo regionais de saúde de Santa Catarina, 2006. Regionais N° de diabéticos N° de diabéticos % de diabéticos cadastrados acompanhados acompanhados no SIAB pelas US em relação aos cadastrados 01 – Xanxerê 1.720 1.634 95,00 02 – Videira 2.606 2.357 90,45 03 – Concórdia 1.100 1.076 97,82 04 – Rio do Sul 4.089 3.941 96,38 05 – São Miguel do Oeste 1.567 1.546 98,66 06 – Araranguá 3.066 2.916 95,11 07 – Itajaí 5.824 5.503 94,49 08 – Joaçaba 2.304 2.258 98,00 09 – Blumenau 5.263 4.889 92,89 10 – Chapecó 4.403 4.054 92,07 11 – Mafra 1.540 1.444 93,77 12 – Criciúma 6.080 5.634 92,66 8.239 7.564 91,81 13 – Joinville 14 – Tubarão 7.959 7.716 96,95 4.908 4.682 95,40 15 – Lages 16 – Canoinhas 752 696 92,55 17 – Jaraguá do Sul 1.478 1.451 98,17 15.583 13.438 18 – Florianópolis 86,23 Santa Catarina 78.481 72.799 92,76 De acordo com os dados descritos na Tabela 8, o número de diabéticos cadastrados difere do número de diabéticos acompanhados, registrando que 92,76 dos diabéticos cadastrados no sistema em Santa Catarina são acompanhados pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Situação semelhante acontece com portadores de hipertensão arterial, onde 92,21% são acompanhados nas UBS do estado. Ocorrência esta, exposta na Tabela 9. 61 Tabela 9: Número e percentual de hipertensos cadastrados e acompanhados pelas Unidades Básicas de Saúde, segundo regionais de saúde de Santa Catarina, 2006. Regionais N° de hipertensos N° de hipertensos % de hipertensos cadastrados no acompanhados acompanhados em SIAB pelas US relação aos cadastrados 01 – Xanxerê 10.280 9.546 92,86 02 – Videira 12.198 11.082 90,85 03 – Concórdia 7.610 7.362 96,74 04 – Rio do Sul 21.573 20.799 96,41 05 – São Miguel do Oeste 11.807 11.605 98,29 13.586 12.910 95,02 06 – Araranguá 07 – Itajaí 22.480 21.206 94,33 08 – Joaçaba 12.751 12.480 97,87 09 – Blumenau 27.485 25.061 91,18 10 – Chapecó 29.214 27.614 94,52 11 – Mafra 6.915 6.426 92,93 12 – Criciúma 26.191 24.303 92,79 13 – Joinville 29.385 27.001 91,89 14 – Tubarão 31.317 29.001 92,60 15 – Lages 21.886 19.954 91,17 16 – Canoinhas 3.956 3.686 93,17 17 – Jaraguá do Sul 8.718 7.215 82,76 18 – Florianópolis 53.352 46.117 86,44 Santa Catarina 350.704 323.368 92,21 Estas diferenças podem ser explicadas por três proposições: a primeira seria a não adesão ao tratamento e às atividades em grupos oferecidos pelas UBS, por parte do pacientes; a segunda seria por falta de programação das equipes de saúde para atender a esta demanda; e a terceira seria divido ao número de pessoas cadastradas no SIAB e que possuem planos de saúde, sejam particulares ou através de empresas empregadoras. Esta última hipótese toma por base que, de acordo com o próprio SIAB, 11,59% dos catarinenses cadastrados neste sistema de informação têm plano de saúde, o que corresponde a 526.402 pessoas em Santa Catarina. No que diz respeito aos atendimentos específicos para a condição de hipertensão e diabetes realizados pelas UBS, o SIAB apresenta algumas informações, sendo descritas a seguir. 62 Tabela 10: Número e percentual de atendimentos realizados nas Unidades Básicas de Saúde, segundo regionais de saúde em Santa Catarina, 2006. Regionais Atendimentos nas Unidades de Saúde Diabetes mellitus Hipertensão Arterial Número % Número % 01 – Xanxerê 13.084 4,18 48.302 15,43 02 – Videira 15.402 42.488 8,37 23,08 03 – Concórdia 12.110 4,33 51.189 18,31 04 – Rio do Sul 20.170 5,71 74.885 21,19 05 – São Miguel do Oeste 9.463 2,55 46.579 12,54 06 – Araranguá 13.475 6,96 37.511 19,38 29.295 4,79 84.628 13,85 07 – Itajaí 08 – Joaçaba 12.362 3,72 42.639 12,82 09 – Blumenau 25.493 3,65 110.869 15,88 10 – Chapecó 29.939 2,80 148.497 13,91 11 – Mafra 3.397 4,55 15.727 21,08 12 – Criciúma 33.081 4,29 112.682 14,62 13 – Joinville 10.030 5,46 28.421 15,46 14 – Tubarão 30.434 5,43 94.305 16,83 15 – Lages 17.229 4,84 50.983 14,33 16 – Canoinhas 4.777 6,75 15.229 21,53 17 – Jaraguá do Sul 7.453 4,75 29.672 18,92 18 – Florianópolis 53.301 4,31 144.587 11,69 Santa Catarina 340.495 4,36 1.179.193 15,09 Com relação aos atendimentos realizados pelas equipes da saúde das UBS, destaca-se a regional de Videira, cujo percentual de atendimentos de diabéticos é quase o dobro do percentual apresentado pelo estado bem como o atendimento de hipertensos que também supera largamente a média de Santa Catarina. Outro item apresentado pelo SIAB é a prevalência do DM e da HAS. Estas informações são fornecidas pelo próprio sistema, que utiliza para o cálculo, a população cadastrada com idade superior a 15 anos. De acordo com o SIAB, a prevalência do DM em Santa Catarina é de 2,87%. O gráfico abaixo mostra os valores relacionados às regionais de saúde. 63 3,59 1,95 2,41 2,81 1,92 2,45 2,69 3,32 1,82 3,16 3,6 2,88 3,3 3,02 2,25 2,97 1,92 2,34 Xanxerê Videira Concórdia Rio do Sul São Miguel do Oeste Araranguá Itajaí Joaçaba Blumenau Chapecó Mafra Criciúma Joinville Tubarão Lages Canoinhas Jaraguá do Sul Florianópolis Gráfico 1: Prevalência de Diabetes mellitus, segundo regional de saúde – Santa Catarina, 2006. Com relação à HAS, a prevalência deste agravo no estado, segundo o SIAB, é de 12,84%. As regionais de saúde apresentam variações em seus índices de prevalência, conforme mostra o gráfico a seguir. 14,24 12,27 11,65 13,13 13,26 12,88 14,2 14,8 13,68 14,15 14,01 11,77 11,1 13,01 13,33 12,75 12,2 12,43 Xanxerê Videira Concórdia Rio do Sul São Miguel do Oeste Araranguá Itajaí Joaçaba Blumenau Chapecó Mafra Criciúma Joinville Tubarão Lages Canoinhas Jaraguá do Sul Florianópolis Gráfico 2: Prevalência de Hipertensão Arterial, segundo regional de saúde – Santa Catarina, 2006. 64 As regionais de saúde que apresentam, de acordo com o SIAB, os maiores índices de prevalência de DM e HAS são, respectivamente, Reg. Tubarão e Reg. Lages. Já as que apresentam os menores índices são, também respectivamente, as regionais São Miguel do Oeste e Itajaí. Como é possível observar, tanto no Gráfico 1 como no Gráfico 2, os valores apresentados não correspondem ao que é preconizado na literatura. Segundo o Ministério da Saúde, a prevalência do Diabetes mellitus varia de 6% a 11% na população adulta e, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia em seu documento V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial (2006), a prevalência da HAS varia de 22,3% a 43,9%, dependendo da cidade onde o estudo foi realizado. As divergências encontradas entre os dados do SIAB e os preconizados na literatura abrem pontos de discussão sobre a confiabilidade do SIAB e/ou o cadastramento e acompanhamento adequados dos portadores destes agravos. 6.2 SOBRE O HIPERDIA O HIPERDIA, através do DATASUS/MS, fornece vários relatórios sobre o cadastramento e acompanhamento de hipertensos e diabéticos, não só de Santa Catarina, mas também de outros estados, além do consolidado nacional. As informações coletadas no HIPERDIA para este estudo foram: envio de dados por município, número de diabéticos, hipertensos e diabéticos com hipertensão por sexo, tipo e risco e número de pacientes por sexo e faixa etária. Ao realizar a coleta dos dados, percebeu-se que nem todos os municípios de Santa Catarina constavam nos relatórios do HIPERDIA, ou seja, dos 293 municípios que compõe o estado, apenas 238 aparecem no programa. O Gráfico 3 ilustra, de acordo com a respectiva regional de saúde, o número de municípios que constam no HIPERDIA. 65 4 01 – Xanxerê 13 4 14 02 – Videira 3 03 – Concórdia 13 7 04 – Rio do Sul 21 8 14 05 – São Miguel do Oeste 4 06 – Araranguá 07 – Itajaí 08 – Joaçaba 09 – Blumenau 11 2 9 1 19 0 14 6 10 – Chapecó 11 – Mafra 0 31 4 0 10 12 – Criciúma 13 – Joinville 1 8 0 14 – Tubarão 8 15 – Lages 16 – Canoinhas 17 – Jaraguá do Sul 18 – Florianópolis 2 18 10 5 1 6 4 18 Não constam no HIPERDIA Constam no HIPERDIA Gráfico 3: Número de municípios no HIPERDIA, segundo regional de saúde – Santa Catarina, 2006. Segundo o “Relatório de envio de dados por município” do HIPERDIA, o número de municípios que aparece no programa totaliza 245, porém foram feitas várias verificações, tanto nos dados fornecidos pelo IBGE e Secretaria Estadual de Saúde – SC, quanto nos próprios relatórios do programa, que confirmam o número de 238 municípios constantes no sistema de cadastramento de hipertensos e diabéticos. Outra questão observada foi o significativo número de municípios que, apesar de fazerem parte do HIPERDIA, não apresentam números nos relatórios do programa, ou seja, seus dados estão zerados. O Quadro 9 explicita o número de municípios que apresentam e os que não apresentam dados no sistema. 66 Número de Municípios com Municípios sem municípios no informações informações HIPERDIA 01 – Xanxerê 13 8 5 02 – Videira 14 4 10 03 – Concórdia 13 9 4 04 – Rio do Sul 21 5 16 05 – São Miguel do Oeste 14 7 7 06 – Araranguá 11 6 5 07 – Itajaí 9 8 1 08 – Joaçaba 19 5 14 09 – Blumenau 14 9 5 10 – Chapecó 31 15 16 11 – Mafra 4 1 3 12 – Criciúma 10 7 3 13 – Joinville 8 5 3 14 – Tubarão 18 7 11 15 – Lages 10 4 6 16 – Canoinhas 5 3 2 17 – Jaraguá do Sul 6 2 4 18 – Florianópolis 18 5 13 Santa Catarina 238 115 123 Quadro 9: Número de municípios no HIPERDIA com e sem informações. Regionais Ao considerar as informações do Quadro 9, se observa que em nove regionais de saúde o número de municípios sem informações no HIPERDIA é superior ao número de municípios que possuem estes dados, o que já pode ser um indicativo de que o HIPERDIA não pode ser considerada uma fonte fidedigna para coleta de dados. Outros itens observados no HIPERDIA se relacionam especificamente com a hipertensão e o diabetes. Segundo este sistema de informação, no estado de Santa Catarina estão cadastrados 31.418 pacientes (tanto hipertensos quanto diabéticos e diabéticos com hipertensão), sendo que destes, 11.790 são do sexo masculino e 19.628 são do sexo feminino, o que corresponde, respectivamente, a 37,5% e 62,5% do total de pessoas cadastradas. O Gráfico 4 faz uma comparação do número de pacientes do sexo masculino e feminino cadastrados no programa, de acordo com as regionais de saúde. 67 01 – Xanxerê 02 – Videira 180 958 03 – Concórdia 04 – Rio do S ul 05 – S ão Miguel do Oeste 06 – Araranguá 883 461 346 620 71 157 409 231 338 193 2431 07 – Itajaí 1534 726 08 – Joaçaba 355 2500 09 – Blumenau 10 – Chapecó 11 – Mafra 1430 127 2900 12 – Criciúma 1971 13 – Joinville 901 907 14 – Tubarão 15 – Lages 16 – Canoinhas 17 – Jaraguá do S ul 2733 1677 173 544 171 106 181 1398 391 343 188 1864 18 – Florianópolis 1020 Masculino Feminino Gráfico 4: Número de pacientes cadastrados no HIPERDIA, segundo regional de saúde e sexo em Santa Catarina, 2006. Considerando a ilustração acima, nota-se que em todas as regionais, bem como nos dados de Santa Catarina, o número de pacientes do sexo feminino é superior aos do sexo masculino. Destacam-se: Regional Itajaí, onde a proporção de mulheres é de 61,3%, Regional Blumenau, com proporção de 63,3%, Regional Chapecó com 62% e Regional Criciúma, que apresenta um índice proporcional de 59,5% de pacientes do sexo feminino. Com base nestas informações, é possível deduzir que as mulheres freqüentam mais as Unidades de Saúde do que os homens, mesmo porque, a literatura consultada não faz diferenciação de gênero para estudos destes agravos. Também foi observada a faixa etária dos pacientes cadastrados no HIPERDIA. Nos consolidados do programa, a idade dos pacientes é considerada a partir dos 15 anos de 68 idades e limitada aos 80 anos e mais, sendo apresentada em intervalos de cinco em cinco anos. Ao analisar estes relatórios, os dados encontrados foram tabulados de maneira que facilitasse, para a autora, a leitura destas informações. Assim sendo, a faixa etária dos pacientes foi redimensionada, conforme o gráfico a seguir. 6294 651 1968 5892 15 - 29 30 - 39 40 - 49 50 - 59 60 - 69 7846 70 e mais 8767 Gráfico 5: Número de pacientes cadastrados no HIPERDIA, segundo faixa etária – Santa Catarina, 2006. O Gráfico 5 demonstra um maior número de pacientes nas faixas etárias entre 50 – 59 anos e 60 – 69 anos, porém a faixa etária entre 40 e 49 anos e com 70 anos ou mais também é bastante significativa perante o total de pacientes cadastrados no estado. É possível determinar o número de cadastros no HIPERDIA de acordo com o agravo, ou seja, número de diabéticos (tipo 1 e 2), número de hipertensos e número de diabéticos com hipertensão. O estado de Santa Catarina registrou, no ano de 2006, 1.185 diabéticos (tipos 1 e 2), 23.939 hipertensos e 6.379 diabéticos com hipertensão, o que corresponde a 31.503 pessoas segundo o relatório “Número de Diabéticos, Hipertensos e Diabéticos com Hipertensão por sexo, tipo e risco”, contudo o relatório “Número de Pacientes por sexo e faixa etária” traz outros valores, informando que 7.522 indivíduos são diabéticos (tipos 1 e 2), 30.263 são hipertensos e 6.367 são diabéticos com hipertensão. O Quadro 10 faz uma comparação dos dados encontrados neste dois relatórios. Categoria “Número de Diabéticos, “Número de Pacientes por Hipertensos e Diabéticos sexo e faixa etária.” com Hipertensão por sexo, tipo e risco.” Diabéticos 1.185 7.522 Hipertensos 23.939 30.263 Diabéticos com hipertensão 6.379 6.367 TODOS 31.503 31.418 Quadro 10: Valores encontrados em dois relatórios do HIPERDIA, 2006. 69 Observando o quadro acima nota-se o que há uma grande contradição, pois no “Número de Pacientes por sexo e faixa etária” a soma dos valores de cada agravo, que totaliza 44.152 pessoas, não corresponde ao número total de pacientes mostrados neste mesmo relatório, que é de 31.418, bem como não corresponde ao valor mostrado no relatório “Número de Diabéticos, Hipertensos e Diabéticos com Hipertensão por sexo, tipo e risco”, que é de 31.503 pessoas. Questões como estas dão margem para novas dúvidas quanto à confiabilidade do HIPERDIA, pois, independentemente do tipo de relatório solicitado ao sistema, o somatório do número de pessoas cadastradas deveria ser igual, uma vez que se trata do mesmo período – 2006, dos mesmos agravos e por sexo, se diferenciando somente no item faixa etária. Ainda foi considerado outro tema com relação ao HIPERDIA, que é o número de hipertensos de acordo com o fator de risco, classificados como baixo, médio, alto e muito alto. O Gráfico 6 explicita estes dados em relação ao estado de Santa Catarina. 2258 4567 Baixo Médio Alto 7440 Muito alto 5116 Gráfico 6: Número de hipertensos segundo fator de risco – Santa Catarina, 2006. De acordo com o gráfico acima, o fator de risco classificado como médio é o que apresenta maior número, representando 38,4% dos hipertensos classificados por risco no estado. Contudo, o risco classificado como alto também agrega uma parcela significativa dos portadores de hipertensão, compreendendo 26,4% destes pacientes. É importante ressaltar que, segundo o relatório “Número de Diabéticos, Hipertensos e Diabéticos com Hipertensão por sexo, tipo e risco” do HIPERDIA, o número total de hipertensos classificados por risco, que é de 19.381 pessoas, não contempla o total absoluto de cadastros, pois existem alguns indivíduos considerados como sem riscos. Em virtude disto pode-se constatar que os 70 hipertensos considerados ‘sem risco’ abrangem 19% do total de hipertensos cadastrados no HIPERDIA. Os dados referentes à classificação dos hipertensos de acordo com o fator de risco também foram tabulados segundo as regionais de saúde. Tabela 11: Número de hipertensos classificados por risco, segundo regionais Santa Catarina, 2006. N° de hipertensos por risco Regionais Baixo Médio Alto Muito alto 01 – Xanxerê 108 429 214 180 02 – Videira 29 126 101 81 03 – Concórdia 245 313 189 118 04 – Rio do Sul 22 36 27 52 05 – São Miguel do Oeste 110 169 54 81 06 – Araranguá 66 158 70 95 07 – Itajaí 195 941 644 645 08 – Joaçaba 99 227 134 143 09 – Blumenau 186 932 707 667 10 – Chapecó 290 1.160 661 390 11 – Mafra 9 90 38 57 12 – Criciúma 268 1.078 786 960 13 – Joinville 129 555 451 238 14 – Tubarão 127 283 274 308 15 – Lages 24 67 32 29 16 – Canoinhas 156 134 142 17 17 – Jaraguá do Sul 23 114 94 119 18 – Florianópolis 172 628 498 387 Santa Catarina 2.258 7.440 5.116 4.567 de saúde de Total 931 337 865 137 414 389 2.425 603 2.492 2.501 194 3.092 1.373 992 152 449 350 1.685 19.381 As informações desta tabela possibilitam uma visualização mais detalhada acerca dos hipertensos classificados de acordo com fatores de risco em Santa Catarina. Considerando os dados supracitados, destaca-se a Regional Rio do Sul onde o índice, que é proporcional a esta regional, de hipertensos com risco muito alto é de 38%, sendo o maior entre as regionais de saúde. A Regional Canoinhas igualmente se destaca, mas por apresentar o menor índice proporcional de hipertensos com risco muito alto, o que corresponde a 3,7% dos hipertensos cadastrados naquela regional. 71 7 CONCLUSÕES E CONSIDREAÇÕES A proposta do presente estudo baseou-se, principalmente, no objetivo de verificar a cobertura do SIAB e do HIPERDIA em Santa Catarina no ano de 2006. A Atenção Básica à Saúde foi adotada como doutrina universal a partir da Conferência de Alma-Ata em 1978. No Brasil, a Atenção Básica, que já permeava toda a história do setor saúde, ganhou maior notoriedade com o advento do SUS em 1988 com a criação das leis 8.080/90 e 8.142/90. A escolha do tema para a construção deste trabalho foi fruto de ampla discussão entre autora, orientadora e membros da equipe técnica da Coordenação Estadual de Saúde da Família – Secretaria Estadual de Saúde/SC (SES/SC). Ao acompanhar e vivenciar a rotina dos profissionais deste setor foi percebido a importância dos sistemas de informação em saúde, em especial o SIAB, para o repasse de recursos financeiros aos municípios. O HIPERDIA não tem relação com o repasse financeiro, porém, tanto o SIAB quanto o HIPERDIA, representam importantes ferramentas de planejamento e acompanhamento de ações em saúde por parte de profissionais e gestores, bem como fonte de pesquisa para vários tipos de estudos. Durante a análise dos dados obtidos através destes dois sistemas, muitas questões foram observadas, gerando certa preocupação quanto às informações produzidas pelo SIAB e pelo HIPERDIA, principalmente no que se refere à confiabilidade destas informações. De acordo com os resultados encontrados neste estudo, é possível concluir que o SIAB e, principalmente, o HIPERDIA não podem ser consideradas fontes fidedignas para a coleta de dados. Na análise do SIAB, a principal desvantagem é a baixa cobertura que não atinge 100% da população catarinense, gerando um dado irreal. Apesar disto, o SIAB abrange a totalidade dos municípios do estado, o que pode ser justificado pelo vínculo entre a operacionalização deste sistema e o repasse do Piso da Atenção Básica (PAB). Outra questão de reflexão quanto a este sistema se relaciona com os índices de prevalência do diabetes e da hipertensão que não conferem com o que preconiza a literatura consultada. Com relação ao HIPERDIA, vários foram os problemas encontrados e que são listados a seguir: • Nem todos os municípios de Santa Catarina aparecem nos relatórios do HIPERDIA; 72 • Dentre os municípios que constam no HIPERDIA, apenas 48,8% apresentam algum tipo de informação, enquanto que 51,2% têm seus dados zerados, ou seja, não alimentam o sistema. • Há conflito de informações entre os próprios relatórios gerados pelo HIPERDIA, que apresentam uma grande diferença nos números de pacientes cadastrados, principalmente quando feita a seleção por agravos. • A cobertura do HIPERDIA é muito baixa, mostrando que, além de não ser uma fonte confiável de coleta de dados, não está sendo utilizado para os propósitos que geraram a sua criação, ou seja, cadastramento e acompanhamento de hipertensos e diabéticos. Muito ainda pode-se pesquisar sobre os itens abordados neste estudo. Os sistemas de informação em saúde são uma realidade no Brasil, porém relativamente recentes, oferecendo várias opções para futuras pesquisas. A HAS e o DM igualmente oferecem subsídios para novos estudos, uma vez que a situação epidemiológica atual tem colocado estes agravos em posição de destaque no cenário nacional. A realização deste trabalho mostrou-se gratificante e ao mesmo tempo preocupante. Gratificante no sentido de aprofundar o conhecimento sobre a temática dos sistemas de informação em saúde, que podem ser considerados instrumentos fundamentais para o planejamento, acompanhamento e avaliação de ações em saúde, e preocupante, porque estes sistemas de informação não estão sendo alimentados e utilizados para os fins aos quais se propõe, colocando em dúvida a qualidade da atenção prestada, não só aos hipertensos e diabéticos, mas também a todos os usuários da rede básica de saúde do SUS. 73 REFERÊNCIAS BORGES, Paulo César dos Santos. 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