Evangelho segundo S. Lucas 16,1

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Evangelho segundo S. Lucas 16,1-13.
Disse ainda Jesus aos discípulos: «Havia um homem rico, que tinha um administrador; e este
foi acusado perante ele de lhe dissipar os bens. Mandou-o chamar e disse-lhe: 'Que é isto que
ouço a teu respeito? Presta contas da tua administração, porque já não podes continuar a
administrar.' O administrador disse, então, para consigo: 'Que farei, pois o meu senhor vai
tirar-me a administração? Cavar não posso; de mendigar tenho vergonha. Já sei o que hei de
fazer, para que haja quem me receba em sua casa, quando for despedido da minha
administração.' E, chamando cada um dos devedores do seu senhor, perguntou ao primeiro:
'Quanto deves ao meu senhor?' Ele respondeu: Cem talhas de azeite.' Retorquiu-lhe: 'Toma o
teu recibo, senta-te depressa e escreve cinquenta.' Perguntou, depois, ao outro: 'E tu quanto
deves?' Este respondeu: 'Cem medidas de trigo.' Retorquiu-lhe também: 'Toma o teu recibo e
escreve oitenta.' O senhor elogiou o administrador desonesto, por ter procedido com
esperteza. É que os filhos deste mundo são mais sagazes que os filhos da luz, no trato com os
seus semelhantes.» «E Eu digo-vos: Arranjai amigos com o dinheiro desonesto, para que,
quando este faltar, eles vos recebam nas moradas eternas. Quem é fiel no pouco também é fiel
no muito; e quem é infiel no pouco também é infiel no muito. Se, pois, não fostes fiéis no que
toca ao dinheiro desonesto, quem vos há-de confiar o verdadeiro bem? E, se não fostes fiéis
no alheio, quem vos dará o que é vosso? Nenhum servo pode servir a dois senhores; ou há-de
aborrecer a um e amar o outro, ou dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a
Deus e ao dinheiro.»
São Francisco Xavier (1506-1552), missionário jesuíta
Carta de 15.01.1544
Viver como bom gestor dos dons de Deus
Sobre estas regiões [a Índia e o Sri Lanka] não sei o que escrever-vos, a não ser o seguinte:
tão grandes são as consolações comunicadas por Deus Nosso Senhor àqueles que se instalam
junto dos pagãos para os converter à fé em Cristo que, se há alegria nesta vida, é esta.
Acontece-me muitas vezes ouvir dizer a alguém que se instala junto destes cristãos: «Oh
Senhor, não me deis tantas consolações nesta vida! Mas já que, na Vossa bondade e
misericórdia infinita, mas dais, levai-me para a Vossa santa glória! Com efeito, é muito
doloroso viver sem Vos ver, depois de assim Vos terdes mostrado à Vossa criatura.» Ah! Se
aqueles que procuram o saber nos estudos se empenhassem em procurar as consolações do
apostolado como se empenham, noite e dia, na busca do saber! Se um estudante procurasse as
alegrias que retira do que aprende fazendo sentir ao próximo aquilo de que precisa para
conhecer e servir a Deus, quão mais consolado ficaria e mais bem preparado para dar contas
de si mesmo, quando Cristo voltar e lhe pedir: «Dá-Me contas da tua gestão»! [...]
Termino pedindo a Deus Nosso Senhor [...] que nos reúna a todos na Sua santa glória. E, para
nos obter este benefício, tomemos por intercessores e advogados todas as almas santas das
regiões onde me encontro. [...] Peço a todas estas almas santas que nos obtenham de Deus
Nosso Senhor, durante o tempo que resta da nossa separação, a graça de sentirmos no íntimo
da nossa alma a Sua santíssima vontade e de a cumprirmos na perfeição.
Pregador do Papa: somos «administradores», não proprietários da vida
Comentário do Pe. Cantalamessa sobre a liturgia do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 21 de setembro de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe.
Raniero Cantalamessa, ofmcap. – pregador da Casa Pontifícia – sobre a liturgia do próximo
domingo, XXV do tempo comum.
***
XXV Domingo do tempo comum [C]
Amós 8, 4-6; Timóteo 2, 1-8 Lucas 16, 1-13
Usai o dinheiro para fazer amigos
O Evangelho deste domingo nos apresenta uma parábola em certo modo bastante atual, a do
administrador infiel. A personagem central é o administrador de um proprietário de terras,
figura muito popular também em nossos campos, quando regiam sistemas usufrutuários.
Como as melhores parábolas, esta é como um drama em miniatura, cheio de movimento e de
mudanças de cena. A primeira tem como atores o administrador e seu senhor e conclui com
uma dispensa taxativa: «Já não podes ser administrador». Este não esboça sequer uma
autodefesa. Tem a consciência suja e sabe perfeitamente que o que o patrão ficou sabendo é
certo. A segunda cena é um solilóquio do administrador que acaba de ficar só. Não se dá por
vencido; pensa em seguida em soluções para garantir um futuro. A terceira cena – o
administrador e os camponeses – revela a fraude que idealizou com esse fim: «‘Tu, quanto
deves?’ Ele respondeu: ‘Cem sacos de trigo’. O administrador disse: ‘Pega a tua conta e
escreve: oitenta’». Um caso clássico de corrupção e de falsa contabilidade que nos faz pensar
em freqüentes episódios parecidos em nossa sociedade, ainda que em uma escala muito maior.
A conclusão é desconcertante: «O senhor elogiou o administrador desonesto, porque agiu com
esperteza». Será que Jesus aprova ou estimula a corrupção? É necessário recordar a natureza
totalmente especial do ensinamento nas parábolas. A parábola não deve ser trasladada em
bloco e com todos seus detalhes ao plano do ensinamento moral, mas só naquele aspecto que
o narrador quer valorizar. E está claro qual é a idéia que Jesus quis incutir com esta parábola.
O senhor elogia o administrador por sua sagacidade, não por outra coisa. Não se afirma que
volta atrás em sua decisão de despedir este homem. E mais ainda, visto seu rigor inicial e a
prontidão com a qual descobriu a nova estafa, podemos imaginar facilmente a continuação,
não relatada, da história. Após ter elogiado o administrador por sua astúcia, o senhor deve terlhe ordenado que devolvesse imediatamente o fruto de suas transações desonestas, ou pagá-las
com a prisão se não pudesse saldar a dívida. Isso, ou seja, a astúcia, é também o que Jesus
elogia, fora de parábolas. Acrescenta, de fato, quase como comentário às palavras desse
senhor: «Os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios que os filhos da luz».
Aquele homem, frente a uma situação de emergência, quando estava em jogo seu porvir, deu
prova de duas coisas: de extrema decisão e de grande astúcia. Atuou pronta e inteligentemente
(ainda que não honestamente) para salvar-se. Isso – Jesus vem dizer a seus discípulos – é o
que deveis fazer também vós para pôr a salvo não o futuro terreno, que dura alguns anos, mas
o futuro eterno. «A vida – dizia um filósofo antigo – não é dada a ninguém em propriedade,
mas a todos em administração» (Sêneca). Todos nós «administradores»; por isso, devemos
fazer como o homem da parábola. Ele não deixou as coisas para amanhã, não dormiu. Está em
jogo algo mais importante que não pode ser confiado à sorte.
O Evangelho com freqüência faz diversas aplicações práticas desse ensinamento de Cristo.
Aquele no qual se insiste mais tem a ver com o uso da riqueza e do dinheiro: «Eu vos digo:
usai o ‘dinheiro’, embora iníquo, para fazer amigos. Quando acabar, eles vos receberão nas
moradas eternas». É como dizer: fazei como aquele administrador; fazei-vos amigos daqueles
que um dia, quando vos encontreis em necessidade, possam acolher-vos. Esses amigos
poderosos, sabemos, são os pobres, já que Cristo considera dado a Ele em pessoa o que se dá
ao pobre. Os pobres, dizia Santo Agostinho, são, de certa forma, nossos correios e
transportadores: eles nos permitem transferir, desde agora, nossos bens na morada que se está
construindo para nós no céu.
[Tradução realizada por Zenit]
Bento XVI: O reto uso dos bens terrenos
Palavras por ocasião do Angelus
CASTEL GANDOLFO, domingo, 23 de setembro de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos a
intervenção de Bento XVI ao introduzir este domingo a oração mariana do Angelus, que
rezou junto a vários peregrinos no pátio da residência pontifícia de Castel Gandolfo.
***
Queridos irmãos e irmãs!
Esta manhã visitei a diocese de Velletri, da qual fui cardeal titular durante vários anos. Foi um
encontro familiar que me permitiu reviver momentos do passado ricos de experiências
espirituais e pastorais. No curso da solene celebração eucarística, comentando os textos
litúrgicos, detive-me a refletir sobre o reto uso dos bens terrenos, um tema que este domingo o
evangelista Lucas, de vários modos, volta a propor à nossa atenção. Contando a parábola de
um administrador desonesto, e também astuto, Cristo ensina a seus discípulos qual é a melhor
maneira de utilizar o dinheiro e as riquezas materiais, isto é, compartilhá-las com os pobres,
procurando assim sua amizade, em vista do Reino dos Céus. «Usem as riquezas deste mundo
– afirma Jesus – para conseguir amigos a fim de que, quando as riquezas faltarem, eles
recebam vocês no lar eterno» (Lc 16, 9). O dinheiro não é «desonesto» em si mesmo, mas,
mais que qualquer outra coisa, pode fechar o homem em um cego egoísmo. Trata-se portanto
de realizar uma espécie de «conversão» dos bens econômicos: em lugar de usá-los só por
interesse próprio, há que pensar também na necessidade dos pobres, imitando o próprio
Cristo, o qual – escreve Paulo – «sendo rico se fez pobre para enriquecer a nós com sua
pobreza» (2 Co 8, 9). Parece um paradoxo: Cristo não nos enriqueceu com sua riqueza, mas
com sua pobreza, isto é, com seu amor que o impulsionou a dar-se totalmente a nós.
Aqui se poderia abrir um vasto e complexo campo de reflexão sobre o tema da riqueza e da
pobreza, também no âmbito mundial, onde se confrontam duas lógicas econômicas: a lógica
do lucro e a da eqüitativa distribuição dos bens, que não estão em contradição uma com a
outra, com tal que sua relação esteja bem ordenada. A doutrina social católica sempre
sustentou que a distribuição eqüitativa dos bens é prioritária. O lucro é naturalmente legítimo
e, na justa medida, necessário para o desenvolvimento econômico. João Paulo II escreveu na
Encíclica Centesimus annus: «A moderna economia de empresa comporta aspectos positivos,
cuja raiz é a liberdade da pessoa, que se expressa no campo econômico e em outros campos»
(n. 32). Contudo, acrescenta, o capitalismo não deve ser considerado como o único modelo
válido de organização econômica (n. 35). A emergência da fome e a ecologia denunciam, com
crescente evidência, que a lógica do lucro, se é predominante, quando aumenta a
desproporção entre ricos e pobres de compartilhar e da solidariedade, é possível endereçar a
rota e orientá-la para um desenvolvimento eqüitativo e sustentável.
Que Maria Santíssima, que no Magnificat proclama: o Senhor «aos famintos cumula de bens,
aos ricos os despede vazios» (Lc 1, 53), ajude os cristãos a usar com sabedoria evangélica,
isto é, com generosa solidariedade, os bens terrenos, e inspire aos governos e aos economistas
estratégias de vistas amplas que favoreçam o autêntico progresso dos povos.
[Traduzido por Zenit
© Copyright 2007 - Libreria Editrice Vaticana]
Santo Ambrósio (c. de 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja
Sobre o Evangelho de S. Lucas, 7,244 sg
"Tendes só um Mestre, ... o Cristo" (Mt 23,8)
«Nenhum servo pode servir a dois senhores». Não quer dizer que haja dois: há um único
Mestre. Porque, mesmo se há pessoas que servem o dinheiro, este, contudo, não possui
qualquer direito para ser seu mestre; elas é que querem carregar o jugo da escravatura. Na
verdade, não se trata de um poder justo mas de uma escravatura injusta. É por isso que Jesus
diz: «Arranjem amigos com o dinheiro desonesto» para que, pelas nossas prodigalidades para
com os pobres, obtenhamos o favor dos anjos e dos outros santos.
O intendente não é criticado: aprendemos assim que não somos senhores, mas apenas
intendentes das riquezas de outrem. Embora tenha cometido uma falta, ele é louvado porque,
dando aos outos em nome do seu senhor, conseguiu apoios. E Jesus bem fala de «dinheiro
enganador», porque a avareza tenta as nossas inclinações pelas variadas seduções das
riquezas, a ponto de nos querermos tornar seus escravos. É por isso que ele diz: «Se não sois
dignos de confiança com os bens dos outros, quem vos dará o vosso?» As riquezas são-nos
estranhas porque estão fora da nossa natureza; não nascem connosco, não nos seguem quando
morrermos. Cristo, pelo contrário, é nosso porque é a vida... Não sejamos escravos dos bens
exteriores porque apenas devemos reconhecer a Cristo como nosso Senhor.
S. Gregório Magno (c. 540-604), papa e doutor da Igreja
Escritos morais sobre Job, 34
«Não se pode servir a dois senhores»
Querer pôr a esperança e a confiança em bens passageiros é querer fazer fundações em água
corrente. Tudo passa ; Deus permanece. Agarrarmo-nos ao que é transitório é desligarmo-nos
do que é permanente. Quem, portanto, levado no turbilhão agitado de um rápido, consegue
manter-se firme em seu lugar, nessa torrente fragorosa? Se quisermos recusar-nos a ser
levados pela corrente, temos de nos afastar de tudo o que corre ; senão o objecto do nosso
amor constranger-nos-á a chegar ao que precisamente queremos evitar. Aquele que se agarra
aos bens transitórios será certamente arrastado até onde vão ter, à deriva, essas coisas a que se
apega.
A primeira coisa a fazer é pois abstermo-nos de amar os bens materiais ; a segunda, não
pormos total confiança naqueles bens que nos são confiados para ser usados e não para ser
desfrutados. A alma que se prende a bens perecíveis, apenas, depressa perde a sua própria
estabilidade. O turbilhão da vida actual arrasta quem nele se deixa ir, e é uma tonta ilusão,
para aquele que é levado nesta corrente, nela querer manter-se de pé.
Santa Teresa do Menino Jesus (1873- 1897), carmelita, doutora da Igreja
Manuscrito autobiográfico
O bom uso das riquezas
Ó Jesus, eu sei que o amor só se paga com amor. Procurei, pois, e encontrei o meio
de consolar o meu coração, dando-Te Amor por Amor. «Usai as riquezas que vos causam
iniquidade para fazerdes amigos que vos recebam nas tendas eternas» (Lc 16,9).
Eis, Senhor, o conselho que dás aos teus discípulos depois de lhes teres dito que «os filhos das
trevas são mais hábeis em seus assuntos que os filhos da luz». Filha da luz, compreendi que os
meus desejos de ser tudo, de abraçar todas as vocações, eram riquezas que bem poderiam
tornar-me injusta, então servi-me delas para fazer amigos. Recordando a prece de Eliseu a seu
pai Elias, quando este decidiu pedir-lhe o dobro do seu espírito (2R 2,9), apresentei-me diante
dos anjos e dos santos, e disse-lhes: «Sou a mais pequena das criaturas, reconheço a minha
miséria e a minha fraqueza, mas sei também como os corações nobres e generosos gostam de
fazer o bem, suplico-vos, pois, ó bem-aventurados habitantes do Céu, suplico-vos que me a
dopteis como filha. Só para vós será a glória que me fizerdes adquirir, mas dignai-vos atender
a minha prece; ela é temerária, eu sei-o, mas atrevo-me a pedir-vos que me concedeis o
dobro do vosso Amor.»
Concílio Vaticano II
"Gaudium et Spes"
"Enchei a terra e dominai-a"
O homem, criado à imagem de Deus, recebeu a missão de dominar a terra e tudo o que ela
contém, de governar o cosmos em santidade e justiça e, reconhecendo Deus com Criador de
todas as coisas, de orientar para Ele o seu próprio ser e todo o universo: de tal forma que,
estando tudo dominado pelo homem, o nome de Deus seja glorificado por toda a terra.
Este ensinamento vale também para as actividades quotidianas. Porque os homens e as
mulheres que, ganhando a sua vida e a da sua família, desempenham as suas actividades de
forma a bem servirem a sociedade, são chamados a ver no seu trabalho um prolongamento da
obra do Criador, um serviço aos seus irmãos, um contributo pessoal para a realização do plano
providencial na História.
Longe de oporem as conquistas da inteligência e da coragem do homem ao poder de Deus e
de considerar a criatura racional como uma espécie de rival do Criador, os cristão estão, pelo
contrário, bem persuadidos de que as vitórias do género humano são um sinal da grandeza
divina e uma consequência do seu desígnio inefável.
Evangelho segundo S. Lucas 16,9-15.
«E Eu digo-vos: Arranjai amigos com o dinheiro desonesto, para que, quando este faltar, eles
vos recebam nas moradas eternas. Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é
infiel no pouco também é infiel no muito. Se, pois, não fostes fiéis no que toca ao dinheiro
desonesto, quem vos há-de confiar o verdadeiro bem? E, se não fostes fiéis no alheio, quem
vos dará o que é vosso? Nenhum servo pode servir a dois senhores; ou há-de aborrecer a um e
amar o outro, ou dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e ao
dinheiro.» Os fariseus, como eram avarentos, ouviam as suas palavras e troçavam dele. Jesus
disse-lhes: «Vós pretendeis passar por justos aos olhos dos homens, mas Deus conhece os
vossos corações. Porque o que os homens têm por muito elevado é abominável aos olhos de
Deus.
S. Gregório de Nazianzo (330-390), bispo e doutor da Igreja
Homilia sobre o amor aos pobres
"Arranjai amigos com o dinheiro desonesto para entrardes nas moradas eternas":
socorrer os pobres
Meus amigos e meus irmãos, não sejamos maus gestores dos bens que nos foram confiados
para não ouvirmos dizer: "Envergonhai-vos, vós que guardais o que não vos pertence; imitai a
justiça de Deus e não haverá mais pobres". Não nos esgotemos a juntar e a pôr de reserva
enquanto outros estão esgotados pela fome; só assim não mereceremos a acusação amarga e a
ameaça do profeta Amós: "Cuidado, vós que dizeis: 'Quando acabará este mês para que
possamos vender o nosso trigo? Quando acabará o sábado para podermos vender a nossa
farinha?'" (8,5)...
Imitemos a lei sublime e primordial de Deus "que faz cair a chuva sobre justos e pecadores e
também para todos faz nascer o sol" (Mt 5,45). A todos os que vivem na terra Ele cumula de
imensas extensões de pastos, de nascentes, de rios e de florestas. Aos pássaros dá os ares e a
água a todos os animais aquáticos.
Para a vida de todos, dá em abundância os recursos naturais que não podem ser nem agarrados
pelos fortes, nem medidos pelas leis, nem delimitados pelas fronteiras; mas dá-os a todos de
modo a que nada falte a ninguém. Assim, pela partilha igual dos seus dons, ele honra a
igualdade natural de todos e mostra toda a generosidade da sua bondade... Por isso, também
tu, imita esta misericórdia divina.
Disse ainda Jesus aos discípulos: «Havia um homem rico, que tinha um administrador; e este
foi acusado perante ele de lhe dissipar os bens. Mandou-o chamar e disse-lhe: 'Que é isto que
ouço a teu respeito? Presta contas da tua administração, porque já não podes continuar a
administrar.' O administrador disse, então, para consigo: 'Que farei, pois o meu senhor vai
tirar-me a administração? Cavar não posso; de mendigar tenho vergonha. Já sei o que hei de
fazer, para que haja quem me receba em sua casa, quando for despedido da minha
administração.' E, chamando cada um dos devedores do seu senhor, perguntou ao primeiro:
'Quanto deves ao meu senhor?' Ele respondeu: Cem talhas de azeite.' Retorquiu-lhe: 'Toma o
teu recibo, senta-te depressa e escreve cinquenta.' Perguntou, depois, ao outro: 'E tu quanto
deves?' Este respondeu: 'Cem medidas de trigo.' Retorquiu-lhe também: 'Toma o teu recibo e
escreve oitenta.' O senhor elogiou o administrador desonesto, por ter procedido com
esperteza. É que os filhos deste mundo são mais sagazes que os filhos da luz, no trato com os
seus semelhantes.»
Santo Ambrósio (c.340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja
Sobre Abraão, I, 5, 32-35
«Arranjai amigos com o dinheiro desonesto»
«O Senhor apareceu a Abraão junto dos carvalhos de Mambré, quando ele estava sentado à
porta da sua tenda, durante as horas quentes do dia» (Gn 18,1), conta-nos a Escritura.
Enquanto os outros descansavam, ele vigiava, esperando a eventual chegada de viajantes.
Bem merecia que Deus viesse ter consigo junto aos carvalhos de Mambré, ele que tanto
desejava exercer a hospitalidade [...].
Sim, a hospitalidade é boa, ela traz uma recompensa singular: em primeiro lugar, atrai a
gratidão dos homens; e recebe também – o que é mais importante – um salário da parte de
Deus. Todos somos, nesta terra de exílio, hóspedes de passagem. Por algum tempo, temos um
tecto onde nos abrigar; mas, em breve, será preciso deixá-lo. Tomemos cautela! Se tivermos
sido duros ou negligentes no acolhimento aos estrangeiros, uma vez percorrido o curso desta
vida, poderão os santos, por sua vez, recusar-se a acolher-nos. «Arranjai amigos com o
dinheiro desonesto, para que, quando este faltar, eles vos recebam nas moradas eternas», diz o
Senhor no Evangelho. [...]
Como saberás tu, aliás, se não é a Deus quem tu recebes, ainda que penses estar apenas frente
a homens? Abraão acolhe viajantes; na realidade, recebe em sua casa o próprio Deus e seus
anjos. Também tu, quando recebes um estrangeiro, é a Deus que recebes. O Senhor Jesus o
atesta no Evangelho: «Era peregrino e recolhestes-me. [...] Sempre que fizestes isto a um
destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes» (Mt 25,35.40).
S. Gaudêncio de Brescia (? - depois de 406), bispo
Sermão 18
"Arranjai amigos com o dinheiro desonesto"
Os amigos que obterão a nossa salvação são evidentemente os pobres porque, segundo a
palavra de Cristo, é Ele mesmo, o autor da recompensa eterna, quem recolherá neles os
serviços que a nossa caridade lhes proporcionar. Portanto, os pobres hão-de acolher-nos, não
em seu nome, mas em nome daquele que, neles, saboreia o fruto refrescante da nossa
obediência e da nossa fé. Aqueles que cumprirem este serviço de amor serão recebidos nas
moradas eternas do Reino dos Céus pois a eles Cristo dirá: "Vinde, benditos do meu Pai,
recebei em herança o reino que vos está preparado desde o princípio do mundo. Porque tinha
fome e destes-me de comer; tinha sede e destes-me de beber" (Mt 25,34)...
O Senhor acrescenta finalmente: "Se não fostes dignos de confiança no alheio, quem vos dará
o que é vosso?" Com efeito, nada do que está neste mundo nos pertence verdadeiramente.
Porque nós, que esperamos a recompensa futura, somos convidados a proceder aqui como
hóspedes e peregrinos, de tal forma que possamos todos dizer com razão ao Senhor: "Sou um
estrangeiro, um viandante como todos os meus antepassados" (Sl 38,13).
Mas os bens eternos pertencem verdadeiramente aos crentes. Eles estão no céu, lá onde, como
sabemos, "está o nosso coração e o nosso tesouro" (Mt 6,21) e onde - acreditamo-lo no fundo
de nós mesmos - habitamos desde já pela fé. Pois, segundo o ensinamento de S. Paulo, "nós
somos cidadãos dos céus" (Fl 3,20).
Isaac de l’Étoile (?- c. 1171), monge cisterciense
Sermão 31: Pl 194, 1792-1793
Perdoar sete vezes por dia
«Suportai-vos uns aos outros com amor» (Ef 4,2). É esta mesmo a lei de Cristo (Gl 6, 2).
Quando noto, no meu irmão, alguma coisa de incorrigível, consequência de dificuldades ou
enfermidades físicas ou morais, porquê não o suportar com paciência, porquê não o consolar
de todo o coração, segundo a palavra da Escritura: « Os seus filhos serão levados ao colo e
consolados sobre os joelhos» ( Is 66,12)? Será que me falta essa caridade que suporta tudo,
que é paciente para aguentar, indulgente para amar? (cf 1 Co 13,7). E esta é, em todo o caso, a
lei de Cristo. Na sua Paixão, Ele «tomou verdadeiramente sobre si os nossos sofrimentos», e,
na sua misericórdia, «carregou as nossas dores» (Is 53, 4), amando aqueles que levava,
levando aqueles que amava.
Aquele que, pelo contrário, se mostra agressivo para com o seu irmão em dificuldade, aquele
que arma uma ratoeira à sua fraqueza, qualquer que ela seja, submete-se manifestamente à lei
do diabo e cumpre-a. Sejamos pois mutuamente comp assivos e cheios de amor fraterno,
suportemos as fraquezas e persigamos os vícios... Todo o tipo de vida que permite dedicar-se
mais sinceramente ao amor de Deus e, por Ele, ao amor do próximo,-- quaiquer que sejam o
hábito e a observância--, é também mais agradável a Deus.
S. Clemente de Alexandria (150- cerca de 215), teólogo
“Não podeis servir ao mesmo tempo a Deus e ao dinheiro”
Há uma riqueza que semeia a morte em toda a parte em que domina: libertai-vos dela e sereis
salvos. Purificai a vossa alma; tornai-a pobre para poder ouvir o apelo do Salvador que vos
repete: “Vem e segue-me” (Mc 10,21). Ele é o caminho em que avança aquele que tem o
coração puro; a graça de Deus não penetra numa alma ocupada e dividida numa grande
quantidade de pertences…
Quem olha para a sua fortuna, para o seu ouro e para a sua prata, para as suas casas, como
sendo dons de Deus, esse testemunha a Deus o seu reconhecimento vindo com os seus bens
em auxílio dos pobres. Sabe que os possui mais para os seus irmãos do que para si mesmo.
Continua dono das suas riquezas em vez de se tornar escravo delas; não as fecha na sua alma,
tal como não nelas não encerra a sua vida, mas continua, sem se cansar, uma obra que é
divina. E se, um dia, a sua fortuna vier a desaparecer, aceita a sua ruína com um coração livre.
Esse homem, Deus o declara “bem-aventurado”; chama-lhe “pobre em espírito”, herdeiro
seguro do Reino dos Céus (Mt 5,3)…
Pelo contrário, há quem encerre a sua fortuna no coração, no lugar do Espírito Santo. Esse
guarda em si as suas terras, acumula sem fim a fortuna, só se preocupa em acrescentar sempre
mais. Não levanta nunca os olhos ao céu; atola-se no material. De fato, ele não é mais do que
pó e voltará ao pó (Gn 3,19). Como pode então experimentar o desejo do Reino aquele que,
em vez de coração, tem dentro de si um campo ou uma mina, aquele a quem a morte
surpreenderá sempre no meio das suas paixões? “Porque onde estiver o teu tesouro, estará
também o teu coração” (Mt 6,21).
Evangelho segundo S. Lucas 16,19-31.
«Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino e fazia todos os dias esplêndidos
banquetes. Um pobre, chamado Lázaro, jazia ao seu portão, coberto de chagas. Bem desejava
ele saciar-se com o que caía da mesa do rico; mas eram os cães que vinham lamber-lhe as
chagas. Ora, o pobre morreu e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o
rico e foi sepultado. Na morada dos mortos, achando-se em tormentos, ergueu os olhos e viu,
de longe, Abraão e também Lázaro no seu seio. Então, ergueu a voz e disse: 'Pai Abraão, tem
misericórdia de mim e envia Lázaro para molhar em água a ponta de um dedo e refrescar-me
a língua, porque estou atormentado nestas chamas.' Abraão respondeu-lhe: 'Filho, lembra-te
de que recebeste os teus bens em vida, enquanto Lázaro recebeu somente males. Agora, ele é
consolado, enquanto tu és atormentado. Além disso, entre nós e vós há um grande abismo, de
modo que, se alguém pretendesse passar daqui para junto de vós, não poderia fazê-lo, nem tão
pouco vir daí para junto de nós.' O rico insistiu: 'Peço-te, pai Abraão, que envies Lázaro à casa
do meu pai, pois tenho cinco irmãos; que os previna, a fim de que não venham também para
este lugar de tormento.' Disse lhe Abraão: 'Têm Moisés e os Profetas; que os oiçam!'
Replicou-lhe ele: 'Não, pai Abraão; se algum dos mortos for ter com eles, hão-de arrependerse.' Abraão respondeu-lhe: 'Se não dão ouvidos a Moisés e aos Profetas, tão-pouco se deixarão
convencer, se alguém ressuscitar dentre os mortos.'»
São João Crisóstomo (c. 345-407), bispo de Antioquia, depois de Constantinopla, doutor da
Igreja
Homilia sobre Lázaro
“Não vos esqueçais da hospitalidade”
A propósito desta parábola, convém perguntarmos a nós próprios por que motivo o rico vê
Lázaro no seio de Abraão e não em companhia de outro justo. É que Abraão foi hospitaleiro.
Aparece, pois, ao lado de Lázaro, para acusar o rico de não ter sido hospitaleiro. Com efeito, o
patriarca procurava reter os mais simples transeuntes, dando-lhes acesso à sua tenda (Gn 18,
1ss.). O rico, pelo contrário, apenas mostrara desdém por aquele que vivia diante de sua casa.
Ora, tratava-se de um homem que, dispondo de tanto dinheiro, podia dar segurança ao pobre.
Mas continuou a ignorá-lo, dia após dia, não lhe proporcionando a ajuda de que ele tinha
necessidade.
O patriarca não agiu desta forma, bem pelo contrário! Sentado à entrada da tenda, estendia a
mão a quantos passavam, qual pescador que lança a rede ao mar para apanhar o peixe,
apanhando muitas vezes também ouro e pedras preciosas. Assim, apanhando os homens na
sua rede, aconteceu a Abraão apanhar também anjos, e – coisa espantosa! – sem disso se
precaver.
O próprio Paulo se mostra espantado, tendo-nos deixado a seguinte exortação: “Não vos
esqueçais da hospitalidade, porque, por ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos” (Heb
13, 2). E Paulo tem razão em dizer “sem o saberem”. Se Abraão tivesse sabido que aqueles
que acolhia com tanta benevolência eram anjos, nada teria feito de extraordinário ou de
admirável em assim os acolher. Se recebe este elogio é, pois, porque ignorava a identidade
daquelas personagens. Com efeito, tomou por homens vulgares estes viajantes que tão
generosamente convidou para sua casa. Também tu sabes mostrar-te apressado em receber
uma personagem célebre, mas tal não é motivo de espanto. […] Em contrapartida, é realmente
admirável reservar um acolhimento cheio de bondade à gente normal que não conhecemos.
S. Basílio (cerca de 330-379), monge e bispo de Cesareia na Capadócia, doutor da Igreja
Homilia 6 contra a riqueza
"Feliz o homem que se compadece e empresta, ...que dá aos pobres; a sua justiça
permanecerá para sempre" (Sl 111)
Que responderás ao juiz soberano, tu que revestes as tuas paredes e não vestes o teu
semelhante? tu que enfeitas os teus cabelos e não tens sequer um olhar para o teu irmão na sua
aflição?... tu que escondes o teu ouro e não vens em socorro do oprimido?...
Diz-me: o que é que te pertence? de quem é que recebeste tudo o que levas através desta
vida?... Não saiste nu do seio da tua mãe? Não regressarás à terra igualmente nu? (Jb 1,21) Os
bens presentes, de quem os obtiveste? Se responderes: "do acaso", és um ímpio que recusa
conhecer o seu criador e agradecer ao seu benfeitor. Se concordas que foi de Deus, diz-me
então por que razão os recebeste.
Seria Deus injusto ao repartir de forma desigual os bens necessários à vida? Porque é que
vives na abundância e aquele na miséria? Não é apenas para que, um dia, pela tua bondade e
gestão desinteressada, recebas a recompensa, quando o pobre receber a coroa prometida à
paciência?... Ao faminto pertence o pão que tu guardas; ao homem nu o manto que escondes
no teu armário... Desse modo, cometes tantas injustiças quantas são as pessoas que poderias
ajudar.
S. Gregório de Nissa (cerca de 335 - 395), monge e bispo
Sermão 1 sobre o amor aos pobres
Vivamos segundo Deus
Apesar de, por cada palavra da divina Escritura, sermos convidados à imitação do Senhor que
na sua benevolência nos criou, eis que nos preocupamos apenas com o que nos é útil, tudo
medindo de acordo com o que nos convém. Atribuimo-nos bens para a nossa própria vida e
pomos o resto de reserva para uso dos nossos herdeiros. Quanto àqueles que estão na miséria,
nem sequer fazemos questão deles. Tal como não nos preocupamos com os pobres. Ó
corações sem misericórdia!
Se um homem vê o seu próximo com falta de pão e sem possibilidades de obter o alimento
indispensável, longe de se apressar a oferecer-lhe a sua ajuda para o tirar da miséria, observao como se observasse uma planta verdejante a secar por falta de água. E, no entanto, esse
homem transborda de riquezas e seria capaz de prestar ajuda a muitos utilizando os seus bens.
Assim como a água de uma só nascente pode regar numerosos campos numa vasta extensão
de terreno, assim a opulência de uma só casa é capaz de salvar da miséria um grande número
de pobres, a menos que a mesquinhez e a avareza do homem lhe faça obstáculo, tal como um
rochedo caído num regato lhe desvia o curso.
Não vivamos apenas segundo a carne, vivamos segundo Deus.
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (África do Norte) doutor da Igreja
Narrações, Salmo 85,3
A verdadeira riqueza e a verdadeira pobreza
Meus irmãos, quando digo que Deus não inclina os seus ouvidos para o rico, não deduzais que
Deus não atende os que possuem ouro e prata, criados e patrimónios. Se eles nasceram nessas
condições e ocupam esse lugar na sociedade, que se lembrem desta palavra do apóstolo Paulo:
“Recomendo aos ricos deste mundo que não sejam orgulhosos” (1 Tim. 6,17). Aqueles que
não são orgulhosos são pobres diante de Deus, que inclina os seus ouvidos para os pobres e os
necessitados (Sl 85,1). Com efeito, eles sabem que a sua esperança não está no ouro ou na
prata, nem nas coisas de que gozam por algum tempo. Basta que as riquezas não os levem à
perdição e que, se elas nada podem para os salvar, que, ao menos, não lhes sirvam de
obstáculo. Quando um homem despreza tudo quanto alimenta o seu orgulho, então é um
pobre de Deus; e Deus inclina-se para ele, porque conhece o tormento do seu coração.
Sem dúvida, irmãos, o pobre Lázaro coberto de chagas, que permanecia à porta do rico, foi
levado pelos anjos ao seio de Abraão; é isto que nós lemos e acreditamos. Quanto ao rico, que
se vestia de púrpura e de linho fino e se festejava cada dia esplendidamente, foi precipitado
nos tormentos do inferno. Terá sido, realmente, o mérito da sua indigência que valeu ao pobre
ter sido levado pelos anjos? E o rico terá sido entregue aos tormentos do inferno por causa da
sua opulência? É preciso reconhecer que, ao pobre, foi a humildade que o dignificou e, ao
rico, foi o orgulho que o condenou.
Bento XVI: povos famintos interpelam opulentos
Intervenção durante o Ângelus
CASTEL GANDOLFO, domingo, 30 de setembro de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos a
intervenção de Bento XVI ao rezar, neste domingo, a oração mariana do Ângelus na
residência pontifícia de Castel Gandolfo.
***
Queridos irmãos e irmãs:
Hoje, o evangelho de Lucas apresenta a parábola do homem rico e do pobre Lázaro (Lucas
16, 19-31). O rico personifica o uso iníquo das riquezas para um luxo desenfreado e egoísta,
pensando somente em satisfazer a si mesmo, sem preocupar-se nem um pouco com o mendigo
que está à sua porta. O pobre, pelo contrário, representa a pessoa de quem só Deus cuida: ao
contrário do rico, ele tem um nome, Lázaro, abreviação de Eleazar, que significa precisamente
«Deus o ajuda».
Quem é esquecido por todos não é esquecido por Deus; quem não vale nada diante dos olhos
dos homens é precioso aos olhos do Senhor. A narração mostra como a iniqüidade terrena é
transtornada pela justiça divina: após a morte, Lázaro é acolhido «no seio de Abraão», isto é,
na felicidade eterna, enquanto o rico acaba no «inferno, entre tormentos». Trata-se de uma
nova situação inapelável e definitiva. Por este motivo, é preciso se arrepender em vida, pois
depois já não adianta nada.
Esta parábola serve também para uma interpretação de cunho social. É memorável a que o
Papa Paulo VI ofereceu precisamente há quarenta anos na encíclica «Populorum progressio».
Falando da luta contra a fome, ele escreveu: « Trata-se de construir um mundo em que todos
os homens... possam viver uma vida plenamente humana... em que o pobre Lázaro possa
sentar-se à mesa do rico» (47).
O que causa numerosas situações de miséria, segundo recorda a encíclica, por um lado é «a
servidão que vem dos homens» e por outro, «uma natureza mal domada» (ibidem).
Infelizmente, certas populações sofrem de ambos fatores unidos. Como não pensar neste
momento especialmente nos países da África subsaariana, afetados em dias passados por
graves inundações?
Mas tampouco podemos esquecer outras muitas situações de emergência humanitária em
diferentes regiões do planeta, nas quais os conflitos pelo poder político e econômico agravam
realidades de sofrimento ambiental, que já em si são duras.
O chamado que Paulo VI lançou, «os povos da fome dirigem-se hoje, de modo dramático, aos
povos da opulência» (Populorum progressio, 3), continua conservando hoje toda a sua
urgência. Não podemos dizer que não conhecemos o caminho que é preciso percorrer: temos a
Lei e os profetas, diz-nos Jesus no Evangelho. Quem não quer escutá-los, não mudaria, ainda
que alguém voltasse dos mortos para adverti-lo.
Que Nossa Senhora nos ajude a aproveitar o tempo presente para escutar e colocar em prática
esta palavra de Deus. Que nos permita prestar cada vez mais atenção aos irmãos necessitados,
para compartilhar com eles o muito ou o pouco que temos, e contribuir, começando por nós
mesmos, coma difusão da lógica e do estilo da autêntica solidariedade.
[Tradução realizada por Zenit.
© Copyright 2007 - Libreria Editrice Vaticana]
João Paulo II: Justiça e solidariedade, caminhos para garantir a paz
Comenta a passagem evangélica do rico e do pobre, Lázaro
CASTEL GANDOLFO, domingo, 26 de setembro de 2004 (ZENIT.org).- Publicamos a
intervenção que João Paulo II pronunciou este domingo ao meio-dia antes de rezar a oração
mariana do Angelus junto aos peregrinos congregados no pátio da residência pontifícia de
Castel Gandolfo.
***
1. O Evangelho deste domingo propõe a parábola do «rico» e do pobre, Lázaro (Cf. Lucas 16,
19-31). O rico vive na opulência e no luxo, sem se preocupar com o mendigo que jaz faminto
junto a sua porta. Mas, depois da morte, a situação se transforma. Lázaro é acolhido no
paraíso, enquanto que o rico acaba sofrendo tormentos.
O ensinamento que se tira da parábola é claro: cada um deve utilizar os próprios bens sem
egoísmo e de maneira solidária.
2. Esta famosa página evangélica é mais apropriada que nunca para fazer referência ao
problema do desequilíbrio entre riqueza e pobreza no mundo de hoje. Precisamente nos dias
passados celebrou-se em Nova York um importante encontro de chefes de Estado e de
governo a favor de uma ação mais solidária e eficaz «contra a fome e a pobreza». Interveio no
evento o cardeal secretário de Estado, Angelo Sodano, oferecendo a adesão da Santa Sé a esta
nova iniciativa.
A Igreja Católica garante todo seu compromisso para desarraigar do mundo o flagelo da fome
e as demais conseqüências da miséria. Neste contexto, agrada-me recordar também a reunião
de todos os núncios apostólicos na África, celebrada nos dias passados no Vaticano.
3. Pedimos ao Senhor que apóie os esforços da comunidade internacional a favor da justiça e
do desenvolvimento solidário. Este é o caminho que pode garantir um futuro de paz para o
mundo.
Pedimos isso por intercessão da bem-aventurada Virgem Maria, a quem encomendamos de
maneira particular as famílias e os povos mais provados pela iníqua distribuição dos bens que
Deus destina a todos seus filhos.
[Tradução do original italiano realizada por Zenit]
ZP04092601
Pregador do Papa: «Deus quer salvar os ricos de sua riqueza»
Comentário do padre Cantalamessa à liturgia do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 28 de setembro de 2007 (ZENIT.org).-Publicamos o comentário do Pe.
Raniero Cantalamessa, ofmcap. – pregador da Casa Pontifícia – à liturgia do próximo
domingo, XXVI do tempo comum.
***
XXVI Domingo do tempo comum [C]
Amós 6, 1. 4-7; I Timóteo 6, 11-16; Lucas 16, 19-31
Um homem rico vestido de púrpura e linho
O tema principal que se deve trazer à luz, a propósito da parábola do rico que se lê no
Evangelho do próximo domingo, é sua atualidade, isto é, como a situação se repete hoje, entre
nós, tanto no âmbito mundial como no local. No âmbito mundial, os dois personagens são os
dois hemisférios: o rico representa o hemisfério norte (Europa ocidental, América, Japão); o
pobre Lázaro, com poucas exceções, o hemisfério sul. Dois personagens, dois mundos: o
primeiro mundo e o «terceiro mundo». Dois mundos de desigual tamanho: o que chamamos
«terceiro mundo» representa de fato «dois terços do mundo». Está se afirmando o costume de
chamá-lo precisamente assim: não de «terceiro mundo» (Third world), mas de «dois terços do
mundo» (two-third world).
O mesmo contraste entre o rico e o pobre Lázaro se repete dentro de cada uma das duas
agrupações. Há ricos que vivem lado a lado com pobres Lázaros nos países do terceiro mundo
(aqui, de fato, seu luxo solitário resulta ainda mais estridente em meio à miséria geral das
massas), e há pobres Lázaros que vivem lado a lado com ricos nos países do primeiro mundo.
Em todas as sociedades chamadas «do bem-estar», algumas pessoas do espetáculo, do esporte,
do setor financeiro, da indústria, do comércio, contam seus rendimentos e seus contratos de
trabalho só em bilhões, e tudo isso ante o olhar de milhões de pessoas que não sabem como
chegar com seu escasso salário ou seguro-desemprego para pagar o aluguel, os remédios, os
estudos de seus filhos.
A coisa mais horrível, na história relatada por Jesus, é a ostentação do rico, que este faça
alarde de sua riqueza sem olhar para o pobre. Seu luxo se manifestava sobretudo em dois
âmbitos, a comida e a roupa: o rico celebrava grandes banquetes e se vestia de púrpura e
linho, que eram, naquele tempo, tecidos de rei. O contraste não existe só entre quem reinventa
de comida e quem morre de fome, mas também entre quem troca de roupa diariamente e
quem não tem um farrapo de roupa. Aqui, em um desfile de modas, apresentou-se uma vez
um vestido feito de lâminas de ouro; custava bilhões das antigas liras. Temos de dizer-lhes
sem reticências: o êxito mundial da moda italiana e o negócio que determina nos afetaram; já
não prestamos atenção a nada. Tudo o que se faz neste setor, também os excessos mais
evidentes, gozam de uma espécie de trato especial. Os desfiles de moda que em certos
períodos enchem os noticiários vespertinos à custa de notícias muito mais importantes, são
como representações da parábola do rico.
Mas até aqui não há, no fundo, nada de novo. A novidade e aspecto único da denúncia
evangélica dependem do todo desde o ponto de vista de observação do sucesso. Tudo, na
parábola do rico, se contempla retrospectivamente, desde o epílogo da história: «Um dia o
pobre morreu e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico e foi
sepultado». Se fôssemos levar a história à tela, bem se poderia partir (como se faz
freqüentemente nos filmes) deste final de ultratúmulo e mostrar toda a história em flashback.
Fizeram-se muitas denúncias similares da riqueza e do luxo ao longo dos séculos, mas hoje
todas parecem retóricas ou superficiais, anacrônicas. Esta denúncia, depois de dois mil anos,
conserva intacta sua carga negativa. O motivo é que quem a pronuncia não é um homem que
defende os ricos ou pobres, mas que está acima das partes e se preocupa tanto com os ricos
quanto com os pobres, inclusive talvez mais com os primeiros que com os segundos (a estes
ele sabe que estão menos expostos ao perigo!). A parábola do rico não se sugere pelo ódio aos
ricos ou pelo desejo de ocupar seu lugar, como tantas denúncias humanas, mas por uma
preocupação sincera por sua salvação. Deus quer salvar os ricos de sua riqueza.
[Tradução realizada por Zenit]
Concílio Vaticano II
Constituição sobre a Igreja no mundo do nosso tempo, « Gaudium et Spes », § 69
"Um pobre... estava deitado junto ao portão"
Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos; de
modo que os bens criados devem chegar equitativamente às mãos de todos, segundo a justiça,
secundada pela caridade. Sejam quais forem as formas de propriedade, conforme as legítimas
instituições dos povos e segundo as diferentes e mutáveis circunstâncias, deve-se sempre
atender a este destino universal dos bens. Por esta razão, quem usa desses bens, não deve
considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como
comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si mas também aos outros. De resto,
todos têm o direito de ter uma parte de bens suficientes para si e suas famílias. Assim
pensaram os Padres e Doutores da Igreja, ensinando que os homens têm obrigação de auxiliar
os pobres e não apenas com os bens supérfluos. Aquele, porém, que se encontra em extrema
necessidade, tem direito de tomar, dos bens dos outros, o que necessita. Sendo tão numerosos
os que no mundo padecem fome, o sagrado Concílio insiste com todos, indivíduos e
autoridades, para que, recordados daquela palavra dos Padres - «alimenta o que padece fome,
porque, se o não alimentaste, mataste-o» - repartam realmente e distribuam os seus bens,
procurando sobretudo prover esses indivíduos e povos daqueles auxílios que lhes permitam
ajudar-se e desenvolver-se a si mesmos.
Nas sociedades econòmicamente menos desenvolvidas, o destino comum dos bens é
frequentes vezes parcialmente atendido graças a costumes e tradições próprias da
comunidade, que asseguram a cada membro os bens indispensáveis. Mas deve evitar-se
considerar certos costumes como absolutamente imutáveis, se já não correspondem às
exigências do tempo actual; por outro lado, não se proceda imprudentemente contra os
costumes honestos, que, uma vez convenientemente adaptados às circunstâncias actuais,
continuam a ser muito úteis. De modo análogo, nas nações muito desenvolvidas
econòmicamente, um conjunto de instituições sociais de previdência e seguro pode constituir
uma realidade parcial do destino comum dos bens. Deve prosseguir-se o desenvolvimento dos
serviços familiares e sociais, sobretudo daqueles que atendem à cultura e educação. Na
organização de todas estas instituições, porém, deve atender-se a que os cidadãos não sejam
levados a uma certa passividade com relação à sociedade ou à irresponsabilidade e recusa de
serviço.
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