Evangelho segundo S. Lucas 16,1-13. Disse ainda Jesus aos discípulos: «Havia um homem rico, que tinha um administrador; e este foi acusado perante ele de lhe dissipar os bens. Mandou-o chamar e disse-lhe: 'Que é isto que ouço a teu respeito? Presta contas da tua administração, porque já não podes continuar a administrar.' O administrador disse, então, para consigo: 'Que farei, pois o meu senhor vai tirar-me a administração? Cavar não posso; de mendigar tenho vergonha. Já sei o que hei de fazer, para que haja quem me receba em sua casa, quando for despedido da minha administração.' E, chamando cada um dos devedores do seu senhor, perguntou ao primeiro: 'Quanto deves ao meu senhor?' Ele respondeu: Cem talhas de azeite.' Retorquiu-lhe: 'Toma o teu recibo, senta-te depressa e escreve cinquenta.' Perguntou, depois, ao outro: 'E tu quanto deves?' Este respondeu: 'Cem medidas de trigo.' Retorquiu-lhe também: 'Toma o teu recibo e escreve oitenta.' O senhor elogiou o administrador desonesto, por ter procedido com esperteza. É que os filhos deste mundo são mais sagazes que os filhos da luz, no trato com os seus semelhantes.» «E Eu digo-vos: Arranjai amigos com o dinheiro desonesto, para que, quando este faltar, eles vos recebam nas moradas eternas. Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é infiel no pouco também é infiel no muito. Se, pois, não fostes fiéis no que toca ao dinheiro desonesto, quem vos há-de confiar o verdadeiro bem? E, se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso? Nenhum servo pode servir a dois senhores; ou há-de aborrecer a um e amar o outro, ou dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.» São Francisco Xavier (1506-1552), missionário jesuíta Carta de 15.01.1544 Viver como bom gestor dos dons de Deus Sobre estas regiões [a Índia e o Sri Lanka] não sei o que escrever-vos, a não ser o seguinte: tão grandes são as consolações comunicadas por Deus Nosso Senhor àqueles que se instalam junto dos pagãos para os converter à fé em Cristo que, se há alegria nesta vida, é esta. Acontece-me muitas vezes ouvir dizer a alguém que se instala junto destes cristãos: «Oh Senhor, não me deis tantas consolações nesta vida! Mas já que, na Vossa bondade e misericórdia infinita, mas dais, levai-me para a Vossa santa glória! Com efeito, é muito doloroso viver sem Vos ver, depois de assim Vos terdes mostrado à Vossa criatura.» Ah! Se aqueles que procuram o saber nos estudos se empenhassem em procurar as consolações do apostolado como se empenham, noite e dia, na busca do saber! Se um estudante procurasse as alegrias que retira do que aprende fazendo sentir ao próximo aquilo de que precisa para conhecer e servir a Deus, quão mais consolado ficaria e mais bem preparado para dar contas de si mesmo, quando Cristo voltar e lhe pedir: «Dá-Me contas da tua gestão»! [...] Termino pedindo a Deus Nosso Senhor [...] que nos reúna a todos na Sua santa glória. E, para nos obter este benefício, tomemos por intercessores e advogados todas as almas santas das regiões onde me encontro. [...] Peço a todas estas almas santas que nos obtenham de Deus Nosso Senhor, durante o tempo que resta da nossa separação, a graça de sentirmos no íntimo da nossa alma a Sua santíssima vontade e de a cumprirmos na perfeição. Pregador do Papa: somos «administradores», não proprietários da vida Comentário do Pe. Cantalamessa sobre a liturgia do próximo domingo ROMA, sexta-feira, 21 de setembro de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, ofmcap. – pregador da Casa Pontifícia – sobre a liturgia do próximo domingo, XXV do tempo comum. *** XXV Domingo do tempo comum [C] Amós 8, 4-6; Timóteo 2, 1-8 Lucas 16, 1-13 Usai o dinheiro para fazer amigos O Evangelho deste domingo nos apresenta uma parábola em certo modo bastante atual, a do administrador infiel. A personagem central é o administrador de um proprietário de terras, figura muito popular também em nossos campos, quando regiam sistemas usufrutuários. Como as melhores parábolas, esta é como um drama em miniatura, cheio de movimento e de mudanças de cena. A primeira tem como atores o administrador e seu senhor e conclui com uma dispensa taxativa: «Já não podes ser administrador». Este não esboça sequer uma autodefesa. Tem a consciência suja e sabe perfeitamente que o que o patrão ficou sabendo é certo. A segunda cena é um solilóquio do administrador que acaba de ficar só. Não se dá por vencido; pensa em seguida em soluções para garantir um futuro. A terceira cena – o administrador e os camponeses – revela a fraude que idealizou com esse fim: «‘Tu, quanto deves?’ Ele respondeu: ‘Cem sacos de trigo’. O administrador disse: ‘Pega a tua conta e escreve: oitenta’». Um caso clássico de corrupção e de falsa contabilidade que nos faz pensar em freqüentes episódios parecidos em nossa sociedade, ainda que em uma escala muito maior. A conclusão é desconcertante: «O senhor elogiou o administrador desonesto, porque agiu com esperteza». Será que Jesus aprova ou estimula a corrupção? É necessário recordar a natureza totalmente especial do ensinamento nas parábolas. A parábola não deve ser trasladada em bloco e com todos seus detalhes ao plano do ensinamento moral, mas só naquele aspecto que o narrador quer valorizar. E está claro qual é a idéia que Jesus quis incutir com esta parábola. O senhor elogia o administrador por sua sagacidade, não por outra coisa. Não se afirma que volta atrás em sua decisão de despedir este homem. E mais ainda, visto seu rigor inicial e a prontidão com a qual descobriu a nova estafa, podemos imaginar facilmente a continuação, não relatada, da história. Após ter elogiado o administrador por sua astúcia, o senhor deve terlhe ordenado que devolvesse imediatamente o fruto de suas transações desonestas, ou pagá-las com a prisão se não pudesse saldar a dívida. Isso, ou seja, a astúcia, é também o que Jesus elogia, fora de parábolas. Acrescenta, de fato, quase como comentário às palavras desse senhor: «Os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios que os filhos da luz». Aquele homem, frente a uma situação de emergência, quando estava em jogo seu porvir, deu prova de duas coisas: de extrema decisão e de grande astúcia. Atuou pronta e inteligentemente (ainda que não honestamente) para salvar-se. Isso – Jesus vem dizer a seus discípulos – é o que deveis fazer também vós para pôr a salvo não o futuro terreno, que dura alguns anos, mas o futuro eterno. «A vida – dizia um filósofo antigo – não é dada a ninguém em propriedade, mas a todos em administração» (Sêneca). Todos nós «administradores»; por isso, devemos fazer como o homem da parábola. Ele não deixou as coisas para amanhã, não dormiu. Está em jogo algo mais importante que não pode ser confiado à sorte. O Evangelho com freqüência faz diversas aplicações práticas desse ensinamento de Cristo. Aquele no qual se insiste mais tem a ver com o uso da riqueza e do dinheiro: «Eu vos digo: usai o ‘dinheiro’, embora iníquo, para fazer amigos. Quando acabar, eles vos receberão nas moradas eternas». É como dizer: fazei como aquele administrador; fazei-vos amigos daqueles que um dia, quando vos encontreis em necessidade, possam acolher-vos. Esses amigos poderosos, sabemos, são os pobres, já que Cristo considera dado a Ele em pessoa o que se dá ao pobre. Os pobres, dizia Santo Agostinho, são, de certa forma, nossos correios e transportadores: eles nos permitem transferir, desde agora, nossos bens na morada que se está construindo para nós no céu. [Tradução realizada por Zenit] Bento XVI: O reto uso dos bens terrenos Palavras por ocasião do Angelus CASTEL GANDOLFO, domingo, 23 de setembro de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos a intervenção de Bento XVI ao introduzir este domingo a oração mariana do Angelus, que rezou junto a vários peregrinos no pátio da residência pontifícia de Castel Gandolfo. *** Queridos irmãos e irmãs! Esta manhã visitei a diocese de Velletri, da qual fui cardeal titular durante vários anos. Foi um encontro familiar que me permitiu reviver momentos do passado ricos de experiências espirituais e pastorais. No curso da solene celebração eucarística, comentando os textos litúrgicos, detive-me a refletir sobre o reto uso dos bens terrenos, um tema que este domingo o evangelista Lucas, de vários modos, volta a propor à nossa atenção. Contando a parábola de um administrador desonesto, e também astuto, Cristo ensina a seus discípulos qual é a melhor maneira de utilizar o dinheiro e as riquezas materiais, isto é, compartilhá-las com os pobres, procurando assim sua amizade, em vista do Reino dos Céus. «Usem as riquezas deste mundo – afirma Jesus – para conseguir amigos a fim de que, quando as riquezas faltarem, eles recebam vocês no lar eterno» (Lc 16, 9). O dinheiro não é «desonesto» em si mesmo, mas, mais que qualquer outra coisa, pode fechar o homem em um cego egoísmo. Trata-se portanto de realizar uma espécie de «conversão» dos bens econômicos: em lugar de usá-los só por interesse próprio, há que pensar também na necessidade dos pobres, imitando o próprio Cristo, o qual – escreve Paulo – «sendo rico se fez pobre para enriquecer a nós com sua pobreza» (2 Co 8, 9). Parece um paradoxo: Cristo não nos enriqueceu com sua riqueza, mas com sua pobreza, isto é, com seu amor que o impulsionou a dar-se totalmente a nós. Aqui se poderia abrir um vasto e complexo campo de reflexão sobre o tema da riqueza e da pobreza, também no âmbito mundial, onde se confrontam duas lógicas econômicas: a lógica do lucro e a da eqüitativa distribuição dos bens, que não estão em contradição uma com a outra, com tal que sua relação esteja bem ordenada. A doutrina social católica sempre sustentou que a distribuição eqüitativa dos bens é prioritária. O lucro é naturalmente legítimo e, na justa medida, necessário para o desenvolvimento econômico. João Paulo II escreveu na Encíclica Centesimus annus: «A moderna economia de empresa comporta aspectos positivos, cuja raiz é a liberdade da pessoa, que se expressa no campo econômico e em outros campos» (n. 32). Contudo, acrescenta, o capitalismo não deve ser considerado como o único modelo válido de organização econômica (n. 35). A emergência da fome e a ecologia denunciam, com crescente evidência, que a lógica do lucro, se é predominante, quando aumenta a desproporção entre ricos e pobres de compartilhar e da solidariedade, é possível endereçar a rota e orientá-la para um desenvolvimento eqüitativo e sustentável. Que Maria Santíssima, que no Magnificat proclama: o Senhor «aos famintos cumula de bens, aos ricos os despede vazios» (Lc 1, 53), ajude os cristãos a usar com sabedoria evangélica, isto é, com generosa solidariedade, os bens terrenos, e inspire aos governos e aos economistas estratégias de vistas amplas que favoreçam o autêntico progresso dos povos. [Traduzido por Zenit © Copyright 2007 - Libreria Editrice Vaticana] Santo Ambrósio (c. de 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja Sobre o Evangelho de S. Lucas, 7,244 sg "Tendes só um Mestre, ... o Cristo" (Mt 23,8) «Nenhum servo pode servir a dois senhores». Não quer dizer que haja dois: há um único Mestre. Porque, mesmo se há pessoas que servem o dinheiro, este, contudo, não possui qualquer direito para ser seu mestre; elas é que querem carregar o jugo da escravatura. Na verdade, não se trata de um poder justo mas de uma escravatura injusta. É por isso que Jesus diz: «Arranjem amigos com o dinheiro desonesto» para que, pelas nossas prodigalidades para com os pobres, obtenhamos o favor dos anjos e dos outros santos. O intendente não é criticado: aprendemos assim que não somos senhores, mas apenas intendentes das riquezas de outrem. Embora tenha cometido uma falta, ele é louvado porque, dando aos outos em nome do seu senhor, conseguiu apoios. E Jesus bem fala de «dinheiro enganador», porque a avareza tenta as nossas inclinações pelas variadas seduções das riquezas, a ponto de nos querermos tornar seus escravos. É por isso que ele diz: «Se não sois dignos de confiança com os bens dos outros, quem vos dará o vosso?» As riquezas são-nos estranhas porque estão fora da nossa natureza; não nascem connosco, não nos seguem quando morrermos. Cristo, pelo contrário, é nosso porque é a vida... Não sejamos escravos dos bens exteriores porque apenas devemos reconhecer a Cristo como nosso Senhor. S. Gregório Magno (c. 540-604), papa e doutor da Igreja Escritos morais sobre Job, 34 «Não se pode servir a dois senhores» Querer pôr a esperança e a confiança em bens passageiros é querer fazer fundações em água corrente. Tudo passa ; Deus permanece. Agarrarmo-nos ao que é transitório é desligarmo-nos do que é permanente. Quem, portanto, levado no turbilhão agitado de um rápido, consegue manter-se firme em seu lugar, nessa torrente fragorosa? Se quisermos recusar-nos a ser levados pela corrente, temos de nos afastar de tudo o que corre ; senão o objecto do nosso amor constranger-nos-á a chegar ao que precisamente queremos evitar. Aquele que se agarra aos bens transitórios será certamente arrastado até onde vão ter, à deriva, essas coisas a que se apega. A primeira coisa a fazer é pois abstermo-nos de amar os bens materiais ; a segunda, não pormos total confiança naqueles bens que nos são confiados para ser usados e não para ser desfrutados. A alma que se prende a bens perecíveis, apenas, depressa perde a sua própria estabilidade. O turbilhão da vida actual arrasta quem nele se deixa ir, e é uma tonta ilusão, para aquele que é levado nesta corrente, nela querer manter-se de pé. Santa Teresa do Menino Jesus (1873- 1897), carmelita, doutora da Igreja Manuscrito autobiográfico O bom uso das riquezas Ó Jesus, eu sei que o amor só se paga com amor. Procurei, pois, e encontrei o meio de consolar o meu coração, dando-Te Amor por Amor. «Usai as riquezas que vos causam iniquidade para fazerdes amigos que vos recebam nas tendas eternas» (Lc 16,9). Eis, Senhor, o conselho que dás aos teus discípulos depois de lhes teres dito que «os filhos das trevas são mais hábeis em seus assuntos que os filhos da luz». Filha da luz, compreendi que os meus desejos de ser tudo, de abraçar todas as vocações, eram riquezas que bem poderiam tornar-me injusta, então servi-me delas para fazer amigos. Recordando a prece de Eliseu a seu pai Elias, quando este decidiu pedir-lhe o dobro do seu espírito (2R 2,9), apresentei-me diante dos anjos e dos santos, e disse-lhes: «Sou a mais pequena das criaturas, reconheço a minha miséria e a minha fraqueza, mas sei também como os corações nobres e generosos gostam de fazer o bem, suplico-vos, pois, ó bem-aventurados habitantes do Céu, suplico-vos que me a dopteis como filha. Só para vós será a glória que me fizerdes adquirir, mas dignai-vos atender a minha prece; ela é temerária, eu sei-o, mas atrevo-me a pedir-vos que me concedeis o dobro do vosso Amor.» Concílio Vaticano II "Gaudium et Spes" "Enchei a terra e dominai-a" O homem, criado à imagem de Deus, recebeu a missão de dominar a terra e tudo o que ela contém, de governar o cosmos em santidade e justiça e, reconhecendo Deus com Criador de todas as coisas, de orientar para Ele o seu próprio ser e todo o universo: de tal forma que, estando tudo dominado pelo homem, o nome de Deus seja glorificado por toda a terra. Este ensinamento vale também para as actividades quotidianas. Porque os homens e as mulheres que, ganhando a sua vida e a da sua família, desempenham as suas actividades de forma a bem servirem a sociedade, são chamados a ver no seu trabalho um prolongamento da obra do Criador, um serviço aos seus irmãos, um contributo pessoal para a realização do plano providencial na História. Longe de oporem as conquistas da inteligência e da coragem do homem ao poder de Deus e de considerar a criatura racional como uma espécie de rival do Criador, os cristão estão, pelo contrário, bem persuadidos de que as vitórias do género humano são um sinal da grandeza divina e uma consequência do seu desígnio inefável. Evangelho segundo S. Lucas 16,9-15. «E Eu digo-vos: Arranjai amigos com o dinheiro desonesto, para que, quando este faltar, eles vos recebam nas moradas eternas. Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é infiel no pouco também é infiel no muito. Se, pois, não fostes fiéis no que toca ao dinheiro desonesto, quem vos há-de confiar o verdadeiro bem? E, se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso? Nenhum servo pode servir a dois senhores; ou há-de aborrecer a um e amar o outro, ou dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.» Os fariseus, como eram avarentos, ouviam as suas palavras e troçavam dele. Jesus disse-lhes: «Vós pretendeis passar por justos aos olhos dos homens, mas Deus conhece os vossos corações. Porque o que os homens têm por muito elevado é abominável aos olhos de Deus. S. Gregório de Nazianzo (330-390), bispo e doutor da Igreja Homilia sobre o amor aos pobres "Arranjai amigos com o dinheiro desonesto para entrardes nas moradas eternas": socorrer os pobres Meus amigos e meus irmãos, não sejamos maus gestores dos bens que nos foram confiados para não ouvirmos dizer: "Envergonhai-vos, vós que guardais o que não vos pertence; imitai a justiça de Deus e não haverá mais pobres". Não nos esgotemos a juntar e a pôr de reserva enquanto outros estão esgotados pela fome; só assim não mereceremos a acusação amarga e a ameaça do profeta Amós: "Cuidado, vós que dizeis: 'Quando acabará este mês para que possamos vender o nosso trigo? Quando acabará o sábado para podermos vender a nossa farinha?'" (8,5)... Imitemos a lei sublime e primordial de Deus "que faz cair a chuva sobre justos e pecadores e também para todos faz nascer o sol" (Mt 5,45). A todos os que vivem na terra Ele cumula de imensas extensões de pastos, de nascentes, de rios e de florestas. Aos pássaros dá os ares e a água a todos os animais aquáticos. Para a vida de todos, dá em abundância os recursos naturais que não podem ser nem agarrados pelos fortes, nem medidos pelas leis, nem delimitados pelas fronteiras; mas dá-os a todos de modo a que nada falte a ninguém. Assim, pela partilha igual dos seus dons, ele honra a igualdade natural de todos e mostra toda a generosidade da sua bondade... Por isso, também tu, imita esta misericórdia divina. Disse ainda Jesus aos discípulos: «Havia um homem rico, que tinha um administrador; e este foi acusado perante ele de lhe dissipar os bens. Mandou-o chamar e disse-lhe: 'Que é isto que ouço a teu respeito? Presta contas da tua administração, porque já não podes continuar a administrar.' O administrador disse, então, para consigo: 'Que farei, pois o meu senhor vai tirar-me a administração? Cavar não posso; de mendigar tenho vergonha. Já sei o que hei de fazer, para que haja quem me receba em sua casa, quando for despedido da minha administração.' E, chamando cada um dos devedores do seu senhor, perguntou ao primeiro: 'Quanto deves ao meu senhor?' Ele respondeu: Cem talhas de azeite.' Retorquiu-lhe: 'Toma o teu recibo, senta-te depressa e escreve cinquenta.' Perguntou, depois, ao outro: 'E tu quanto deves?' Este respondeu: 'Cem medidas de trigo.' Retorquiu-lhe também: 'Toma o teu recibo e escreve oitenta.' O senhor elogiou o administrador desonesto, por ter procedido com esperteza. É que os filhos deste mundo são mais sagazes que os filhos da luz, no trato com os seus semelhantes.» Santo Ambrósio (c.340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja Sobre Abraão, I, 5, 32-35 «Arranjai amigos com o dinheiro desonesto» «O Senhor apareceu a Abraão junto dos carvalhos de Mambré, quando ele estava sentado à porta da sua tenda, durante as horas quentes do dia» (Gn 18,1), conta-nos a Escritura. Enquanto os outros descansavam, ele vigiava, esperando a eventual chegada de viajantes. Bem merecia que Deus viesse ter consigo junto aos carvalhos de Mambré, ele que tanto desejava exercer a hospitalidade [...]. Sim, a hospitalidade é boa, ela traz uma recompensa singular: em primeiro lugar, atrai a gratidão dos homens; e recebe também – o que é mais importante – um salário da parte de Deus. Todos somos, nesta terra de exílio, hóspedes de passagem. Por algum tempo, temos um tecto onde nos abrigar; mas, em breve, será preciso deixá-lo. Tomemos cautela! Se tivermos sido duros ou negligentes no acolhimento aos estrangeiros, uma vez percorrido o curso desta vida, poderão os santos, por sua vez, recusar-se a acolher-nos. «Arranjai amigos com o dinheiro desonesto, para que, quando este faltar, eles vos recebam nas moradas eternas», diz o Senhor no Evangelho. [...] Como saberás tu, aliás, se não é a Deus quem tu recebes, ainda que penses estar apenas frente a homens? Abraão acolhe viajantes; na realidade, recebe em sua casa o próprio Deus e seus anjos. Também tu, quando recebes um estrangeiro, é a Deus que recebes. O Senhor Jesus o atesta no Evangelho: «Era peregrino e recolhestes-me. [...] Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes» (Mt 25,35.40). S. Gaudêncio de Brescia (? - depois de 406), bispo Sermão 18 "Arranjai amigos com o dinheiro desonesto" Os amigos que obterão a nossa salvação são evidentemente os pobres porque, segundo a palavra de Cristo, é Ele mesmo, o autor da recompensa eterna, quem recolherá neles os serviços que a nossa caridade lhes proporcionar. Portanto, os pobres hão-de acolher-nos, não em seu nome, mas em nome daquele que, neles, saboreia o fruto refrescante da nossa obediência e da nossa fé. Aqueles que cumprirem este serviço de amor serão recebidos nas moradas eternas do Reino dos Céus pois a eles Cristo dirá: "Vinde, benditos do meu Pai, recebei em herança o reino que vos está preparado desde o princípio do mundo. Porque tinha fome e destes-me de comer; tinha sede e destes-me de beber" (Mt 25,34)... O Senhor acrescenta finalmente: "Se não fostes dignos de confiança no alheio, quem vos dará o que é vosso?" Com efeito, nada do que está neste mundo nos pertence verdadeiramente. Porque nós, que esperamos a recompensa futura, somos convidados a proceder aqui como hóspedes e peregrinos, de tal forma que possamos todos dizer com razão ao Senhor: "Sou um estrangeiro, um viandante como todos os meus antepassados" (Sl 38,13). Mas os bens eternos pertencem verdadeiramente aos crentes. Eles estão no céu, lá onde, como sabemos, "está o nosso coração e o nosso tesouro" (Mt 6,21) e onde - acreditamo-lo no fundo de nós mesmos - habitamos desde já pela fé. Pois, segundo o ensinamento de S. Paulo, "nós somos cidadãos dos céus" (Fl 3,20). Isaac de l’Étoile (?- c. 1171), monge cisterciense Sermão 31: Pl 194, 1792-1793 Perdoar sete vezes por dia «Suportai-vos uns aos outros com amor» (Ef 4,2). É esta mesmo a lei de Cristo (Gl 6, 2). Quando noto, no meu irmão, alguma coisa de incorrigível, consequência de dificuldades ou enfermidades físicas ou morais, porquê não o suportar com paciência, porquê não o consolar de todo o coração, segundo a palavra da Escritura: « Os seus filhos serão levados ao colo e consolados sobre os joelhos» ( Is 66,12)? Será que me falta essa caridade que suporta tudo, que é paciente para aguentar, indulgente para amar? (cf 1 Co 13,7). E esta é, em todo o caso, a lei de Cristo. Na sua Paixão, Ele «tomou verdadeiramente sobre si os nossos sofrimentos», e, na sua misericórdia, «carregou as nossas dores» (Is 53, 4), amando aqueles que levava, levando aqueles que amava. Aquele que, pelo contrário, se mostra agressivo para com o seu irmão em dificuldade, aquele que arma uma ratoeira à sua fraqueza, qualquer que ela seja, submete-se manifestamente à lei do diabo e cumpre-a. Sejamos pois mutuamente comp assivos e cheios de amor fraterno, suportemos as fraquezas e persigamos os vícios... Todo o tipo de vida que permite dedicar-se mais sinceramente ao amor de Deus e, por Ele, ao amor do próximo,-- quaiquer que sejam o hábito e a observância--, é também mais agradável a Deus. S. Clemente de Alexandria (150- cerca de 215), teólogo “Não podeis servir ao mesmo tempo a Deus e ao dinheiro” Há uma riqueza que semeia a morte em toda a parte em que domina: libertai-vos dela e sereis salvos. Purificai a vossa alma; tornai-a pobre para poder ouvir o apelo do Salvador que vos repete: “Vem e segue-me” (Mc 10,21). Ele é o caminho em que avança aquele que tem o coração puro; a graça de Deus não penetra numa alma ocupada e dividida numa grande quantidade de pertences… Quem olha para a sua fortuna, para o seu ouro e para a sua prata, para as suas casas, como sendo dons de Deus, esse testemunha a Deus o seu reconhecimento vindo com os seus bens em auxílio dos pobres. Sabe que os possui mais para os seus irmãos do que para si mesmo. Continua dono das suas riquezas em vez de se tornar escravo delas; não as fecha na sua alma, tal como não nelas não encerra a sua vida, mas continua, sem se cansar, uma obra que é divina. E se, um dia, a sua fortuna vier a desaparecer, aceita a sua ruína com um coração livre. Esse homem, Deus o declara “bem-aventurado”; chama-lhe “pobre em espírito”, herdeiro seguro do Reino dos Céus (Mt 5,3)… Pelo contrário, há quem encerre a sua fortuna no coração, no lugar do Espírito Santo. Esse guarda em si as suas terras, acumula sem fim a fortuna, só se preocupa em acrescentar sempre mais. Não levanta nunca os olhos ao céu; atola-se no material. De fato, ele não é mais do que pó e voltará ao pó (Gn 3,19). Como pode então experimentar o desejo do Reino aquele que, em vez de coração, tem dentro de si um campo ou uma mina, aquele a quem a morte surpreenderá sempre no meio das suas paixões? “Porque onde estiver o teu tesouro, estará também o teu coração” (Mt 6,21). Evangelho segundo S. Lucas 16,19-31. «Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino e fazia todos os dias esplêndidos banquetes. Um pobre, chamado Lázaro, jazia ao seu portão, coberto de chagas. Bem desejava ele saciar-se com o que caía da mesa do rico; mas eram os cães que vinham lamber-lhe as chagas. Ora, o pobre morreu e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado. Na morada dos mortos, achando-se em tormentos, ergueu os olhos e viu, de longe, Abraão e também Lázaro no seu seio. Então, ergueu a voz e disse: 'Pai Abraão, tem misericórdia de mim e envia Lázaro para molhar em água a ponta de um dedo e refrescar-me a língua, porque estou atormentado nestas chamas.' Abraão respondeu-lhe: 'Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em vida, enquanto Lázaro recebeu somente males. Agora, ele é consolado, enquanto tu és atormentado. Além disso, entre nós e vós há um grande abismo, de modo que, se alguém pretendesse passar daqui para junto de vós, não poderia fazê-lo, nem tão pouco vir daí para junto de nós.' O rico insistiu: 'Peço-te, pai Abraão, que envies Lázaro à casa do meu pai, pois tenho cinco irmãos; que os previna, a fim de que não venham também para este lugar de tormento.' Disse lhe Abraão: 'Têm Moisés e os Profetas; que os oiçam!' Replicou-lhe ele: 'Não, pai Abraão; se algum dos mortos for ter com eles, hão-de arrependerse.' Abraão respondeu-lhe: 'Se não dão ouvidos a Moisés e aos Profetas, tão-pouco se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dentre os mortos.'» São João Crisóstomo (c. 345-407), bispo de Antioquia, depois de Constantinopla, doutor da Igreja Homilia sobre Lázaro “Não vos esqueçais da hospitalidade” A propósito desta parábola, convém perguntarmos a nós próprios por que motivo o rico vê Lázaro no seio de Abraão e não em companhia de outro justo. É que Abraão foi hospitaleiro. Aparece, pois, ao lado de Lázaro, para acusar o rico de não ter sido hospitaleiro. Com efeito, o patriarca procurava reter os mais simples transeuntes, dando-lhes acesso à sua tenda (Gn 18, 1ss.). O rico, pelo contrário, apenas mostrara desdém por aquele que vivia diante de sua casa. Ora, tratava-se de um homem que, dispondo de tanto dinheiro, podia dar segurança ao pobre. Mas continuou a ignorá-lo, dia após dia, não lhe proporcionando a ajuda de que ele tinha necessidade. O patriarca não agiu desta forma, bem pelo contrário! Sentado à entrada da tenda, estendia a mão a quantos passavam, qual pescador que lança a rede ao mar para apanhar o peixe, apanhando muitas vezes também ouro e pedras preciosas. Assim, apanhando os homens na sua rede, aconteceu a Abraão apanhar também anjos, e – coisa espantosa! – sem disso se precaver. O próprio Paulo se mostra espantado, tendo-nos deixado a seguinte exortação: “Não vos esqueçais da hospitalidade, porque, por ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos” (Heb 13, 2). E Paulo tem razão em dizer “sem o saberem”. Se Abraão tivesse sabido que aqueles que acolhia com tanta benevolência eram anjos, nada teria feito de extraordinário ou de admirável em assim os acolher. Se recebe este elogio é, pois, porque ignorava a identidade daquelas personagens. Com efeito, tomou por homens vulgares estes viajantes que tão generosamente convidou para sua casa. Também tu sabes mostrar-te apressado em receber uma personagem célebre, mas tal não é motivo de espanto. […] Em contrapartida, é realmente admirável reservar um acolhimento cheio de bondade à gente normal que não conhecemos. S. Basílio (cerca de 330-379), monge e bispo de Cesareia na Capadócia, doutor da Igreja Homilia 6 contra a riqueza "Feliz o homem que se compadece e empresta, ...que dá aos pobres; a sua justiça permanecerá para sempre" (Sl 111) Que responderás ao juiz soberano, tu que revestes as tuas paredes e não vestes o teu semelhante? tu que enfeitas os teus cabelos e não tens sequer um olhar para o teu irmão na sua aflição?... tu que escondes o teu ouro e não vens em socorro do oprimido?... Diz-me: o que é que te pertence? de quem é que recebeste tudo o que levas através desta vida?... Não saiste nu do seio da tua mãe? Não regressarás à terra igualmente nu? (Jb 1,21) Os bens presentes, de quem os obtiveste? Se responderes: "do acaso", és um ímpio que recusa conhecer o seu criador e agradecer ao seu benfeitor. Se concordas que foi de Deus, diz-me então por que razão os recebeste. Seria Deus injusto ao repartir de forma desigual os bens necessários à vida? Porque é que vives na abundância e aquele na miséria? Não é apenas para que, um dia, pela tua bondade e gestão desinteressada, recebas a recompensa, quando o pobre receber a coroa prometida à paciência?... Ao faminto pertence o pão que tu guardas; ao homem nu o manto que escondes no teu armário... Desse modo, cometes tantas injustiças quantas são as pessoas que poderias ajudar. S. Gregório de Nissa (cerca de 335 - 395), monge e bispo Sermão 1 sobre o amor aos pobres Vivamos segundo Deus Apesar de, por cada palavra da divina Escritura, sermos convidados à imitação do Senhor que na sua benevolência nos criou, eis que nos preocupamos apenas com o que nos é útil, tudo medindo de acordo com o que nos convém. Atribuimo-nos bens para a nossa própria vida e pomos o resto de reserva para uso dos nossos herdeiros. Quanto àqueles que estão na miséria, nem sequer fazemos questão deles. Tal como não nos preocupamos com os pobres. Ó corações sem misericórdia! Se um homem vê o seu próximo com falta de pão e sem possibilidades de obter o alimento indispensável, longe de se apressar a oferecer-lhe a sua ajuda para o tirar da miséria, observao como se observasse uma planta verdejante a secar por falta de água. E, no entanto, esse homem transborda de riquezas e seria capaz de prestar ajuda a muitos utilizando os seus bens. Assim como a água de uma só nascente pode regar numerosos campos numa vasta extensão de terreno, assim a opulência de uma só casa é capaz de salvar da miséria um grande número de pobres, a menos que a mesquinhez e a avareza do homem lhe faça obstáculo, tal como um rochedo caído num regato lhe desvia o curso. Não vivamos apenas segundo a carne, vivamos segundo Deus. Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (África do Norte) doutor da Igreja Narrações, Salmo 85,3 A verdadeira riqueza e a verdadeira pobreza Meus irmãos, quando digo que Deus não inclina os seus ouvidos para o rico, não deduzais que Deus não atende os que possuem ouro e prata, criados e patrimónios. Se eles nasceram nessas condições e ocupam esse lugar na sociedade, que se lembrem desta palavra do apóstolo Paulo: “Recomendo aos ricos deste mundo que não sejam orgulhosos” (1 Tim. 6,17). Aqueles que não são orgulhosos são pobres diante de Deus, que inclina os seus ouvidos para os pobres e os necessitados (Sl 85,1). Com efeito, eles sabem que a sua esperança não está no ouro ou na prata, nem nas coisas de que gozam por algum tempo. Basta que as riquezas não os levem à perdição e que, se elas nada podem para os salvar, que, ao menos, não lhes sirvam de obstáculo. Quando um homem despreza tudo quanto alimenta o seu orgulho, então é um pobre de Deus; e Deus inclina-se para ele, porque conhece o tormento do seu coração. Sem dúvida, irmãos, o pobre Lázaro coberto de chagas, que permanecia à porta do rico, foi levado pelos anjos ao seio de Abraão; é isto que nós lemos e acreditamos. Quanto ao rico, que se vestia de púrpura e de linho fino e se festejava cada dia esplendidamente, foi precipitado nos tormentos do inferno. Terá sido, realmente, o mérito da sua indigência que valeu ao pobre ter sido levado pelos anjos? E o rico terá sido entregue aos tormentos do inferno por causa da sua opulência? É preciso reconhecer que, ao pobre, foi a humildade que o dignificou e, ao rico, foi o orgulho que o condenou. Bento XVI: povos famintos interpelam opulentos Intervenção durante o Ângelus CASTEL GANDOLFO, domingo, 30 de setembro de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos a intervenção de Bento XVI ao rezar, neste domingo, a oração mariana do Ângelus na residência pontifícia de Castel Gandolfo. *** Queridos irmãos e irmãs: Hoje, o evangelho de Lucas apresenta a parábola do homem rico e do pobre Lázaro (Lucas 16, 19-31). O rico personifica o uso iníquo das riquezas para um luxo desenfreado e egoísta, pensando somente em satisfazer a si mesmo, sem preocupar-se nem um pouco com o mendigo que está à sua porta. O pobre, pelo contrário, representa a pessoa de quem só Deus cuida: ao contrário do rico, ele tem um nome, Lázaro, abreviação de Eleazar, que significa precisamente «Deus o ajuda». Quem é esquecido por todos não é esquecido por Deus; quem não vale nada diante dos olhos dos homens é precioso aos olhos do Senhor. A narração mostra como a iniqüidade terrena é transtornada pela justiça divina: após a morte, Lázaro é acolhido «no seio de Abraão», isto é, na felicidade eterna, enquanto o rico acaba no «inferno, entre tormentos». Trata-se de uma nova situação inapelável e definitiva. Por este motivo, é preciso se arrepender em vida, pois depois já não adianta nada. Esta parábola serve também para uma interpretação de cunho social. É memorável a que o Papa Paulo VI ofereceu precisamente há quarenta anos na encíclica «Populorum progressio». Falando da luta contra a fome, ele escreveu: « Trata-se de construir um mundo em que todos os homens... possam viver uma vida plenamente humana... em que o pobre Lázaro possa sentar-se à mesa do rico» (47). O que causa numerosas situações de miséria, segundo recorda a encíclica, por um lado é «a servidão que vem dos homens» e por outro, «uma natureza mal domada» (ibidem). Infelizmente, certas populações sofrem de ambos fatores unidos. Como não pensar neste momento especialmente nos países da África subsaariana, afetados em dias passados por graves inundações? Mas tampouco podemos esquecer outras muitas situações de emergência humanitária em diferentes regiões do planeta, nas quais os conflitos pelo poder político e econômico agravam realidades de sofrimento ambiental, que já em si são duras. O chamado que Paulo VI lançou, «os povos da fome dirigem-se hoje, de modo dramático, aos povos da opulência» (Populorum progressio, 3), continua conservando hoje toda a sua urgência. Não podemos dizer que não conhecemos o caminho que é preciso percorrer: temos a Lei e os profetas, diz-nos Jesus no Evangelho. Quem não quer escutá-los, não mudaria, ainda que alguém voltasse dos mortos para adverti-lo. Que Nossa Senhora nos ajude a aproveitar o tempo presente para escutar e colocar em prática esta palavra de Deus. Que nos permita prestar cada vez mais atenção aos irmãos necessitados, para compartilhar com eles o muito ou o pouco que temos, e contribuir, começando por nós mesmos, coma difusão da lógica e do estilo da autêntica solidariedade. [Tradução realizada por Zenit. © Copyright 2007 - Libreria Editrice Vaticana] João Paulo II: Justiça e solidariedade, caminhos para garantir a paz Comenta a passagem evangélica do rico e do pobre, Lázaro CASTEL GANDOLFO, domingo, 26 de setembro de 2004 (ZENIT.org).- Publicamos a intervenção que João Paulo II pronunciou este domingo ao meio-dia antes de rezar a oração mariana do Angelus junto aos peregrinos congregados no pátio da residência pontifícia de Castel Gandolfo. *** 1. O Evangelho deste domingo propõe a parábola do «rico» e do pobre, Lázaro (Cf. Lucas 16, 19-31). O rico vive na opulência e no luxo, sem se preocupar com o mendigo que jaz faminto junto a sua porta. Mas, depois da morte, a situação se transforma. Lázaro é acolhido no paraíso, enquanto que o rico acaba sofrendo tormentos. O ensinamento que se tira da parábola é claro: cada um deve utilizar os próprios bens sem egoísmo e de maneira solidária. 2. Esta famosa página evangélica é mais apropriada que nunca para fazer referência ao problema do desequilíbrio entre riqueza e pobreza no mundo de hoje. Precisamente nos dias passados celebrou-se em Nova York um importante encontro de chefes de Estado e de governo a favor de uma ação mais solidária e eficaz «contra a fome e a pobreza». Interveio no evento o cardeal secretário de Estado, Angelo Sodano, oferecendo a adesão da Santa Sé a esta nova iniciativa. A Igreja Católica garante todo seu compromisso para desarraigar do mundo o flagelo da fome e as demais conseqüências da miséria. Neste contexto, agrada-me recordar também a reunião de todos os núncios apostólicos na África, celebrada nos dias passados no Vaticano. 3. Pedimos ao Senhor que apóie os esforços da comunidade internacional a favor da justiça e do desenvolvimento solidário. Este é o caminho que pode garantir um futuro de paz para o mundo. Pedimos isso por intercessão da bem-aventurada Virgem Maria, a quem encomendamos de maneira particular as famílias e os povos mais provados pela iníqua distribuição dos bens que Deus destina a todos seus filhos. [Tradução do original italiano realizada por Zenit] ZP04092601 Pregador do Papa: «Deus quer salvar os ricos de sua riqueza» Comentário do padre Cantalamessa à liturgia do próximo domingo ROMA, sexta-feira, 28 de setembro de 2007 (ZENIT.org).-Publicamos o comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, ofmcap. – pregador da Casa Pontifícia – à liturgia do próximo domingo, XXVI do tempo comum. *** XXVI Domingo do tempo comum [C] Amós 6, 1. 4-7; I Timóteo 6, 11-16; Lucas 16, 19-31 Um homem rico vestido de púrpura e linho O tema principal que se deve trazer à luz, a propósito da parábola do rico que se lê no Evangelho do próximo domingo, é sua atualidade, isto é, como a situação se repete hoje, entre nós, tanto no âmbito mundial como no local. No âmbito mundial, os dois personagens são os dois hemisférios: o rico representa o hemisfério norte (Europa ocidental, América, Japão); o pobre Lázaro, com poucas exceções, o hemisfério sul. Dois personagens, dois mundos: o primeiro mundo e o «terceiro mundo». Dois mundos de desigual tamanho: o que chamamos «terceiro mundo» representa de fato «dois terços do mundo». Está se afirmando o costume de chamá-lo precisamente assim: não de «terceiro mundo» (Third world), mas de «dois terços do mundo» (two-third world). O mesmo contraste entre o rico e o pobre Lázaro se repete dentro de cada uma das duas agrupações. Há ricos que vivem lado a lado com pobres Lázaros nos países do terceiro mundo (aqui, de fato, seu luxo solitário resulta ainda mais estridente em meio à miséria geral das massas), e há pobres Lázaros que vivem lado a lado com ricos nos países do primeiro mundo. Em todas as sociedades chamadas «do bem-estar», algumas pessoas do espetáculo, do esporte, do setor financeiro, da indústria, do comércio, contam seus rendimentos e seus contratos de trabalho só em bilhões, e tudo isso ante o olhar de milhões de pessoas que não sabem como chegar com seu escasso salário ou seguro-desemprego para pagar o aluguel, os remédios, os estudos de seus filhos. A coisa mais horrível, na história relatada por Jesus, é a ostentação do rico, que este faça alarde de sua riqueza sem olhar para o pobre. Seu luxo se manifestava sobretudo em dois âmbitos, a comida e a roupa: o rico celebrava grandes banquetes e se vestia de púrpura e linho, que eram, naquele tempo, tecidos de rei. O contraste não existe só entre quem reinventa de comida e quem morre de fome, mas também entre quem troca de roupa diariamente e quem não tem um farrapo de roupa. Aqui, em um desfile de modas, apresentou-se uma vez um vestido feito de lâminas de ouro; custava bilhões das antigas liras. Temos de dizer-lhes sem reticências: o êxito mundial da moda italiana e o negócio que determina nos afetaram; já não prestamos atenção a nada. Tudo o que se faz neste setor, também os excessos mais evidentes, gozam de uma espécie de trato especial. Os desfiles de moda que em certos períodos enchem os noticiários vespertinos à custa de notícias muito mais importantes, são como representações da parábola do rico. Mas até aqui não há, no fundo, nada de novo. A novidade e aspecto único da denúncia evangélica dependem do todo desde o ponto de vista de observação do sucesso. Tudo, na parábola do rico, se contempla retrospectivamente, desde o epílogo da história: «Um dia o pobre morreu e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado». Se fôssemos levar a história à tela, bem se poderia partir (como se faz freqüentemente nos filmes) deste final de ultratúmulo e mostrar toda a história em flashback. Fizeram-se muitas denúncias similares da riqueza e do luxo ao longo dos séculos, mas hoje todas parecem retóricas ou superficiais, anacrônicas. Esta denúncia, depois de dois mil anos, conserva intacta sua carga negativa. O motivo é que quem a pronuncia não é um homem que defende os ricos ou pobres, mas que está acima das partes e se preocupa tanto com os ricos quanto com os pobres, inclusive talvez mais com os primeiros que com os segundos (a estes ele sabe que estão menos expostos ao perigo!). A parábola do rico não se sugere pelo ódio aos ricos ou pelo desejo de ocupar seu lugar, como tantas denúncias humanas, mas por uma preocupação sincera por sua salvação. Deus quer salvar os ricos de sua riqueza. [Tradução realizada por Zenit] Concílio Vaticano II Constituição sobre a Igreja no mundo do nosso tempo, « Gaudium et Spes », § 69 "Um pobre... estava deitado junto ao portão" Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os bens criados devem chegar equitativamente às mãos de todos, segundo a justiça, secundada pela caridade. Sejam quais forem as formas de propriedade, conforme as legítimas instituições dos povos e segundo as diferentes e mutáveis circunstâncias, deve-se sempre atender a este destino universal dos bens. Por esta razão, quem usa desses bens, não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si mas também aos outros. De resto, todos têm o direito de ter uma parte de bens suficientes para si e suas famílias. Assim pensaram os Padres e Doutores da Igreja, ensinando que os homens têm obrigação de auxiliar os pobres e não apenas com os bens supérfluos. Aquele, porém, que se encontra em extrema necessidade, tem direito de tomar, dos bens dos outros, o que necessita. Sendo tão numerosos os que no mundo padecem fome, o sagrado Concílio insiste com todos, indivíduos e autoridades, para que, recordados daquela palavra dos Padres - «alimenta o que padece fome, porque, se o não alimentaste, mataste-o» - repartam realmente e distribuam os seus bens, procurando sobretudo prover esses indivíduos e povos daqueles auxílios que lhes permitam ajudar-se e desenvolver-se a si mesmos. Nas sociedades econòmicamente menos desenvolvidas, o destino comum dos bens é frequentes vezes parcialmente atendido graças a costumes e tradições próprias da comunidade, que asseguram a cada membro os bens indispensáveis. Mas deve evitar-se considerar certos costumes como absolutamente imutáveis, se já não correspondem às exigências do tempo actual; por outro lado, não se proceda imprudentemente contra os costumes honestos, que, uma vez convenientemente adaptados às circunstâncias actuais, continuam a ser muito úteis. De modo análogo, nas nações muito desenvolvidas econòmicamente, um conjunto de instituições sociais de previdência e seguro pode constituir uma realidade parcial do destino comum dos bens. Deve prosseguir-se o desenvolvimento dos serviços familiares e sociais, sobretudo daqueles que atendem à cultura e educação. Na organização de todas estas instituições, porém, deve atender-se a que os cidadãos não sejam levados a uma certa passividade com relação à sociedade ou à irresponsabilidade e recusa de serviço.