Maria da Conceicao Clarindo Cavalcante da Silva - PUC-SP

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Maria da Conceição Clarindo Cavalcante da Silva
A SAÚDE DO SERVIDOR PÚBLICO EM SUA DIMENSÃO SOCIAL: Política de
Saúde do Servidor, Relações Sociais, Protagonismo e Determinantes Sociais
DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL
São Paulo
2012
2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Maria da Conceição Clarindo Cavalcante da Silva
A SAÚDE DO SERVIDOR PÚBLICO EM SUA DIMENSÃO SOCIAL: Política de
Saúde do Servidor, Relações Sociais, Protagonismo e Determinantes Sociais
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), como
exigência parcial para obtenção do título de Doutorado
em Serviço Social, sob orientação da Profa. Dra. Maria
Carmelita Yazbek.
DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL
São Paulo
2012
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BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
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DEDICATÓRIA
Aos trabalhadores da saúde que no cotidiano
enfrentam as precárias condições de trabalho,
para promoção e cuidado da população
brasileira.
5
AGRADECIMENTOS
O processo de elaboração do trabalho de uma tese é uma etapa solitária,
porém resultado do apoio e colaboração de orientadora, professores, estudantes,
colegas, amigos e parentes. Um coletivo de pessoas muito especiais e
imprescindíveis. A todos meu eterno agradecimento.
A Deus, e nossa Mãe Maria, pela vida e renovação diária da força que me
conduziu a mais uma conquista pessoal, profissional e intelectual.
Aos trabalhadores brasileiros: empregados/desempregados, ativos/inativos,
públicos/privados, que financiaram o estudo por meio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), na concessão de bolsas
para estágio no exterior, em Portugal, e na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP).
À Profa. Dra. Carmelita Yazbek, por aceitar a orientação, pela contribuição,
pelo respeito e pela confiança dispensada em todas as etapas de elaboração da
tese.
Aos integrantes das bancas de qualificação e defesa de tese, pelas
contribuições que muito enriqueceram nosso trabalho.
À
professora
Maria
Emilia
Ferreira,
da
Universidade
Lusófona
de
Humanidades e Tecnologia (ULHT), por todo apoio e orientação concedidos durante
o estágio em Lisboa, Portugal.
À secretária do Programa de Pós-Graduação de Serviço Social da PUC-SP,
Vânia, e a todos os colegas de curso pelos momentos de crescimento pessoal,
profissional e intelectual.
Aos entrevistados, servidores públicos, auxiliares e técnicos de enfermagem,
gestores, profissionais da Unidade de Saúde do Servidor, e sindicalistas.
Aos estagiários de Serviço Social da Unidade de Saúde de Servidor Público,
da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), pela colaboração nos levantamentos dos
dados, entrevistas e digitação de documentos.
A UFAL e todos os colegas de trabalho, na pessoa de Rosineide Siqueira,
pelo apoio a esta caminhada.
A todos(as) os(as) amigos(as) pelas orações, incentivos, companheirismo e
amizade.
6
Aos meus pais, Zenaide e Nezinho (in memorian), pilares espirituais, eterna
gratidão e saudades.
Aos meus irmãos, Salete, Gilberto e Bastinho, sustentáculo familiar para
todos os momentos.
Aos amados sobrinhos, pelo incentivo e força afetiva, Fernando (in
memorian); Tárcia Maria; Hulda Rafaela; Fernanda Catarina; Victor Rafael; Taciane;
Manuella (de coração); Manuel Henrique; Manuel Fernando.
Combati o bom combate, completei a obra guardei a fé. (Paulo 1:7)
Fé que nos conduz a continuar a caminhada por uma vida digna:
saúde, trabalho, casa, transporte, comida, diversão, arte e amor...
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SILVA, Maria da Conceição Clarindo Cavalcante da. A SAÚDE DO SERVIDOR
PÚBLICO EM SUA DIMENSÃO SOCIAL: política de saúde do servidor, relações
sociais, protagonismo e determinantes sociais. 318p. Tese (Doutorado em Serviço
Social) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.
RESUMO
Esta tese pretende investigar e analisar a saúde do servidor e a Política de Atenção
Integral à Saúde do Servidor Público Federal (Pass), desenvolvida pela unidade de
Referência do Subsistema Integral de Atenção à Saúde do Servidor Público (Siass),
implantada na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), responsável pelas ações de
saúde direcionadas ao servidor público e preconizadas pela Pass. Conhecer e
analisar as situações de saúde e as condições sociais e de trabalho às quais estão
expostos os servidores públicos no aparelho do Estado brasileiro, personificado no
Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (Hupaa) da referida universidade.
Por se tratar de uma categoria social fragmentada e hierarquicamente estratificada
da classe trabalhadora dominante e dominada, selecionou-se um dos cargos com os
quais seria desenvolvida a pesquisa. Utilizou-se como parâmetro, para a escolha
desses sujeitos sociais, aqueles que mais necessitam de afastamento do trabalho
por licença de saúde e, consequentemente, apresentam agravos e doenças.
Chegou-se, então, aos auxiliares e técnicos de enfermagem do Hupaa-Ufal. Traçouse o perfil socioeconômico e cultural desses trabalhadores e verificou-se quais são
as possibilidades do seu protagonismo como determinante social na efetivação da
Pass, de maneira a promover as transformações nas relações sociais do trabalho,
superando as condições precárias e de subalternidade vigentes. Apresentam-se
sugestões, para efetivar uma política que tenha centralidade nas relações de
trabalho e na participação desses trabalhadores. Sem esse protagonismo, conclui-se
que o Estado, por meio da Pass, cumprirá o papel no controle de saúde do servidor,
mas a saúde do trabalhador não se efetivará na sua integralidade, trazendo à tona
os processos de trabalho e os determinantes sociais, ou seja, a dimensão social da
saúde do servidor público.
Palavras-Chave: 1) Servidor público. 2) Saúde. 3) Trabalho. 4) Saúde do
trabalhador. 5) Política de saúde do trabalhador. 6) Política de saúde do servidor
público.
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SILVA, Maria da Conceição Clarindo Cavalcante da. The Health of the Public
Servant on its social dimension, Health Care Politics to Public Servant, Social
relations, Leading Role and social determinants. 318p. (Doctorate of Social Work
Thesis). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012, Brazil.
ABSTRACT
This thesis aims to investigate and analyze the health of the Public Servant
and the Integral Health Care Politics to Federal Public Servants (IHCPFPS)
concerning these Servants developed by the Reference Unit of Integral Health Care
Subsystem of Servants, deployed at the Federal University of Alagoas (Ufal),
responsible for health actions directed to the Public Servants and recommended
byIHCPFPS. To investigate and analyze the situations of health and work social
conditions to which public servants are exposed in the Brazilian state apparatus,
placed in the University Hospital Professor Alberto Antunes (Hupaa) of that
university. Because it is a social category fragmented and stratified hierarchy of
dominant and dominated the working class, was selected one of the positions with
which the research would be developed. It was used as a parameter for the selection
of social subjects, those who needed most to be absent at work due to health issues,
therefore they have health issues and diseases. Assistants and Nurses
fromUniversity Hospital - hupaa-Ufal- were interviewed. The socioeconomic and
cultural profiles of these workerswere designed as well as it was found what are the
possibilities of their role as a social determinant in the effectiveness of the IHCPFPS,
so as to promote changes in social relations of work, overcoming the precarious
conditions and present subalternity. Suggestions are presented to effect a policy
which focus on labor relations and the participation of these workers. Without a
leading role, it is concluded that the State, through the IHCPFPS, will fulfill its role on
control the health of the public servants, but their health shall not become effective in
its entirety, bringing up the work processes and social determinants, as it means, the
social health of the public servant.
Keywords: 1) Public servant. 2) Health. 3) Work. 4) Occupational health. 5) Health
policy to Workers. 6) Health Policy to Public servant.
9
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 –
Perfil socioeconômico de saúde dos auxiliares e
técnicos de enfermagem entrevistados .......................
35
Quadro 2 –
Sintomas/Doenças declaradas pelos entrevistados.......
36
Quadro 3 –
Levantamento dos afastamentos por licença médica –
Siass-Ufal .................................................................
37
Quadro 4 –
Escolaridade dos servidores técnicos – Ufal/ 2007......
43
Quadro 5 –
Valores da participação da União no custeio da
assistência à saúde suplementar do servidor................
Quadro 6 –
Resumo das políticas de saúde do trabalhador
público/privado................................................................
Quadro 7 –
112
138
Serviços de referências de saúde do trabalhador em
Alagoas...........................................................................
141
Quadro 8 –
Servidores para a unidade Siass-Ufal ...........................
154
Quadro 9 –
Leitos disponíveis para o atendimento hospitalar..........
203
Quadro 10 –
Força de trabalho – 2009...............................................
204
Quadro 11 –
Carência
de
pessoal
técnico-administrativo
para
ativação de 116 .............................................................
Quadro 12 –
Número atual de pessoal de enfermagem no Hupaa –
abril/2010........................................................................
Quadro 13 –
206
207
Distribuição do pessoal de enfermagem para o
funcionamento do Hupaa com 290 leitos – Quantitativo
ideal por clínica...............................................................
208
10
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 –
Organograma do Ministério do Planejamento, Gestão e
Orçamento...................................................................
Figura 2 –
Figura 3 –
142
Organograma da Universidade Federal de Alagoas
(Ufal).................................................................................
145
Organograma da unidade Siass-Ufal...............................
155
11
LISTA DE SIGLAS
Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Adufal – Sindicato dos Docentes da Ufal
ANS – Agência Nacional de Saúde
AOSD – Agente Operacional de Serviços Diversos
APF – Administração Pública Federal
ASO – Atestado de Saúde Ocupacional
Assufal – Associação dos Servidores da Ufal
Atufal – Associação dos Técnicos Administrativos da Ufal
BNH – Banco Nacional de Habitação
Cacon – Centro de Alta Complexidade de Oncologia
CD – Cargo de Direção
Cebes – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
Ceig – Coordenação de Estudos e Informações Gerenciais
Cerest – Centros Regionais de Referências
Cerest-AL – Centro de Referência de Saúde do Trabalhador em Alagoas
CF – Constituição Federal
Cfess – Conselho Federal de Serviço Social
CGCAR – Coordenação de Carreiras e Análise do Perfil da Força de Trabalho
CGNES – Coordenação de Negociação e Relações Sindicais
CIB – Comissão Intergestora Bipartite
Cipa – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
Cissp – Comissão Interna de Saúde do Servidor Público Federal
Cist – Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNS – Conselho Nacional de Saúde
CNST – Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador
Cofen – Conselho Federal de Enfermagem
Cogig – Coordenação de Estudos e Informações Gerenciais
Cogss – Coordenação de Seguridade Social e Benefícios do Servidor
Conasems – Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde
Conass – Conselho Nacional dos Secretários de Saúde
12
Consuni –
Conselho Universitário
Cora – Complexo Regulador da Assistência (Sistema de Marcação de Consulta
do Sistema Único de Saúde - SUS)
Coren – Conselho Regional de Enfermagem
CQVT – Coordenação de Qualidade de Vida no Trabalho
Cress – Conselho Regional de Serviço Social
CTTP – Comissão Tripartite Partidária
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DAP – Departamento de Administração de Pessoal
DCE – Diretório Central dos Estudantes
DE – Direção de Enfermagem
DOU – Diário Oficial da União
DRU – Desvinculação das Receitas da União
Enasspf – Encontro Nacional de Saúde do Servidor Público Federal
EPI – Equipamento de Proteção Individual
Epis – Empresa Privada de Interesses Públicos
Fasubra – Federação dos Sindicatos das Universidades Públicas Brasileiras
FG – Função Gratificada
FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FIRJAN – Federação das Indústrias do Rio de Janeiro
FMI – Fundo Monetário Internacional
Funabem – Fundação Nacional do Bem Estar Social
Fundeps – Fundação de Desenvolvimento de Pesquisa de Alagoas
Geap – Fundação de Seguridade Social
Geisat – Grupo Executivo Interministerial de Saúde do Trabalhador
GT – Grupo de Trabalho
HGE – Hospital Geral e Emergência
HU – Hospital Universitário da Ufal
Hupaa – Hospital Universitário Professor Alberto Antunes
Iapas – Instituto de Administração e Previdência e Assistência Social
IBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
13
Inamps – Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social
INPS – Instituto Nacional da Previdência Social
LBA – Legião Brasileira de Assistência
LER-Dort – Lesão por Esforço Repetitivo e Doenças Osteomusculares
Relacionadas ao Trabalho
LEST – Laboratório de Economia e Sociologia do Trabalho
MEC – Ministério da Educação
MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social
MPOG – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
MS – Ministério da Saúde
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
NA – Nível de Apoio
NM – Nível Médio
Noss – Norma Operacional de Saúde do Servidor Público Federal
Nost – Norma Operacional de Saúde do Trabalhador
NS – Nível Superior
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMS – Organização Mundial de Saúde
ONG - Organização Não Governamental
OS – Organização Social
Oscip – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
Pass – Política de Atenção à Saúde do Servidor Público Federal
PC do B – Partido Comunista do Brasil
PIB – Produto Interno Bruto
PIS/Pasep – Programa de Integração Social/Programa de Formação do
Patrimônio do Servidor Público
PNSST – Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador
PNST – Política Nacional de Saúde do Trabalhador
POS – Perícia Oficial em Saúde
PRODRH – Pró-Reitoria de Desenvolvimento de Recursos Humanos
PROGEPT – Pró-reitoria de Gestão de Pessoas e do Trabalho
PT – Partido dos Trabalhadores
14
Reuf – Programa de Reestruturação dos Hospitais Universitários
RH – Recursos Humanos
RJU – Regime Jurídico Único
Same – Serviço de Arquivo Médico
Sesau – Secretaria de Saúde de Alagoas
SESMT – Serviço de Segurança de Medicina do Trabalho
Siape – Sistema de Informação e Administração de Pessoal
Siapenet-Saúde – Sistema de Informação e Administração de Pessoal e de
Saúde
Siass – Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor Público
Siass-AL – Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor Público em
Alagoas
Siass-Ufal – Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor Público da
Ufal
Sicaf – Sistema de Contabilidade e Administração de Finanças
Sinan – Sistema de Informação de Agravos de Notificação
Sinpas – Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social
Sinteseal – Sindicato dos Trabalhadores de Educação Superior de Alagoas
Sintufal – Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de Alagoas
Sisosp – Subsistema de Saúde Ocupacional do Servidor Público Federal
SRH – Secretaria de Recursos Humanos
SSO – Serviço Social
SSST – Serviço de Saúde e Segurança do Trabalho
Suds – Sistema Único e Descentralizado de Saúde
SUS – Sistema Único de Saúde
Taes – Técnico Administrativo do Ensino Superior
TCU – Tribunal de Contas da União
Ufal – Universidade Federal de Alagoas
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Uncisal – Universidade das Ciências da Saúde de Alagoas
UNE – União Nacional dos Estudantes
Unimed – Cooperativa Médica de Assistência à Saúde
15
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................
CAPÍTULO I
1. SERVIDOR PÚBLICO: UM TRABALHADOR SOCIAL...................
1.1. O Servidor Público: Conceito, Características, Natureza do
Trabalho ......................................................................................
1.1.1. A Nomenclatura Servidor Público ...............................................
1.1.2. O que é o servidor público?.........................................................
1.1.3. Carreira Profissional: Ilusão, Desilusão, Realização...................
1.1.4. Burocracia Estatal - Traço comum entre os servidores públicos.
1.2. A Dimensão Social do Processo Trabalho, Doença e Saúde .....
1.3. A Saúde Relacionada com a Condição de Vida e Trabalho do
Trabalhador: Uma Análise Social ................................................
1.4. As Condições Sociais de Saúde e as Desigualdades Sociais ....
1.5. O Sentido do Trabalho – criação, realização, alienação e
exploração ...................................................................................
1.6. Setor público hospitalar – um setor de serviços .........................
1.6.1. Traços do trabalho no setor da saúde ........................................
1.7. Considerações gerais .................................................................
CAPÍTULO II
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DA POLÍTICA SOCIAL .................
2.1. Noções Conceituais de Política Social ........................................
2.1.1. Traços da política social – pós 1930 no Brasil.............................
2.1.2. A política social no neoliberalismo pós-crise dos anos 60 ..........
2.1.3. Características da política social no período da ditadura militar..
2.1.4. A política social no Brasil contemporâneo ..................................
2.2. Política de Atenção à Saúde e Segurança do Trabalho do
Servidor Público Federal .............................................................
2.3. Perícia em Saúde do Servidor: uniformização, multidisciplinar e
multiprofissional...........................................................................
2.4. Vigilância e Promoção à Saúde do Servidor Público Federal .....
2.5. Conceitos que fundamentam a Noss-Pass .................................
2.6. Saúde Suplementar do Servidor .................................................
2.7. Concepção sobre o controle social..............................................
2.8. História do Controle Social na Saúde .........................................
2.9. O Controle Social na Saúde do Trabalhador – Formas do
controle social na Política de Saúde do Trabalhador
Público/Privado............................................................................
2.9.1. Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador .......................
2.9.2. O Grupo Executivo Interministerial de Saúde do Trabalhador.....
2.9.3. A Comissão Tripartite Paritária .................................................
2.9.4. Comissão Interna de Saúde do Servidor Público Federal ..........
18
38
38
40
44
50
53
58
61
67
71
81
83
84
87
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92
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96
99
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104
105
110
115
117
121
126
127
128
130
16
2.10. Considerações gerais..................................................................
135
CAPÍTULO III
3. OS SERVIÇOS DE SAÚDE DO TRABALHADOR EM ALAGOAS
E DO SERVIDOR PÚBLICO NA UFAL............................................
3.1. Serviços de Saúde na Atenção Integral ao Servidor Público
Federal em Alagoas.....................................................................
3.1.1. O Centro de Referência de Saúde do Trabalhador em Alagoas.
3.2. A implantação do Sistema Integrado de Atenção à Saúde do
Servidor Público Federal em Alagoas .........................................
3.2.1. Histórico da Universidade Federal de Alagoas ...........................
3.2.2. Análise da proposta do Siass-Ufal...............................................
3.2.3. Atribuições da equipe multiprofissional da perícia de saúde da
unidade de referência Siass-Ufal.................................................
3.2.4. Atribuições da vigilância e promoção da Unidade Siass-Ufal......
3.3. O Sintufal na conquista de Educação, Saúde e Salários em
Alagoas........................................................................................
3.4. Gestão da Unidade do Siass-Ufal em Alagoas............................
3.5. A Participação do Serviço Social na Equipe de Saúde do
Servidor do Siass-Ufal.................................................................
3.5.1. O assistente social na atuação do controle social.......................
3.5.2. Análise da atuação do assistente social em relação às
especificidades atribuídas no Siass-Ufal....................................
3.6. Considerações gerais..................................................................
CAPÍTULO IV
4. SUBJETIVIDADE DA SAÚDE DO SERVIDOR PÚBLICO
FEDERAL DO EXECUTIVO: AUXILIARES E TÉCNICOS DE
ENFERMAGEM.................................................................................
4.1. Histórico e estrutura do Hospital Universitário Professor Alberto
Antunes .......................................................................................
4.2. Quadro de pessoal do Hupaa......................................................
4.2.1. Quadro de necessidade de pessoal técnico-administrativo.........
4.2.2. Dimensionamento do Pessoal de Enfermagem...........................
4.3. Gestão do Hupaa ........................................................................
4.4. Financiamento do Hupaa.............................................................
4.5. Características gerais do Hupaa – um hospital público ..............
4.5.1. Estrutura administrativa e política do hospital-ensino público.....
139
139
140
142
145
150
158
165
168
175
176
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193
198
200
204
205
206
208
209
210
216
4.6.
Serviço Social no Hupaa .............................................................
218
4.7.
Subjetividade Coletiva dos Sujeitos Pesquisados ......................
220
4.7.1. O envelhecimento do trabalhador público e privado....................
221
4.7.2. A feminização da força de trabalho na saúde..............................
4.7.3. Sofrimento Social do Trabalhador Público na Saúde..................
4.8. Auxiliares e Técnicos de Enfermagem: relações de trabalho,
230
238
17
248
saúde, Pass-Siass.......................................................................
4.8.1. Carga horária do trabalho no hospital público: Processo,
organização de trabalho dos auxiliares e técnicos de
enfermagem.................................................................................
4.8.2. Salário e carreira profissional dos auxiliares e técnicos de
enfermagem.................................................................................
4.8.3. Grau de satisfação com o que fazem dos auxiliares e técnicos
de enfermagem............................................................................
4.8.4. Insatisfações manifestadas nos processos de trabalho...............
4.8.5. Organização e participação nas decisões dos setores dos
auxiliares e técnicos de enfermagem...........................................
4.8.6. Relações de trabalho entre chefia, colegas, pacientes................
4.8.7. Doenças declaradas e possíveis causas relacionadas ao
trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem no Hupaa.....
4.8.8. Sofrimentos vividos pelos auxiliares e técnicos de enfermagem
no trabalho...................................................................................
4.8.9. Tecnologias e equipamentos utilizados pelos auxiliares e
técnicos de enfermagem..............................................................
4.8.10. O sentido do trabalho e da aposentadoria dos auxiliares e
técnicos de enfermagem........................................................
4.8.11. As mudanças na instituição e os impactos no trabalho dos
auxiliares e técnicos de enfermagem.....................................
4.8.12. A Pass-Siass - os serviços de saúde segundo os auxiliares
e técnicos de enfermagem.....................................................
4.8.13. Infraestrutura: condições de transporte, alimentação e
ambiente físico dos servidores auxiliares e técnicos de
enfermagem...........................................................................
4.8.14. Modo e qualidade de vida dos auxiliares e técnicos de
enfermagem...........................................................................
4.8.15. Vínculos de trabalho com o Estado e participação sindical
dos auxiliares e técnicos de enfermagem..............................
4.8.16. Sugestões para melhoria das condições de trabalho e
saúde dos auxiliares e técnicos de enfermagem...................
4.9. Considerações gerais..................................................................
277
278
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................
283
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................
289
ANEXOS .....................................................................................................
295
251
253
254
255
257
259
261
264
266
267
269
270
272
274
275
18
INTRODUÇÃO
Em meados da década de 2000, o Estado brasileiro apresentou a Política de
Atenção à Saúde do Servidor Público Federal (Pass) dirigida aos servidores públicos
que trabalham na instância federal dos estados federativos.
A partir de então, os servidores que atuam nas áreas de recursos humanos e
nos serviços de saúde das instituições públicas, para atender às demandas próprias
nas questões de saúde e garantia de direitos sociais, vêm reavaliando as ações de
saúde e os serviços periciais oferecidos.
Anteriormente, não havia uma política de saúde do trabalhador que
contemplasse as especificidades e necessidades dessa categoria social, que
compõe a força de trabalho do Estado brasileiro. Inexistia, nesse sentido, qualquer
política de saúde, emanada pelo Estado, para a universalidade dos servidores
públicos federais.
Em nosso País, a construção de uma política de saúde do trabalhador vinha
sendo reivindicada desde os primórdios da reforma sanitária, nos anos 1980, mas
apenas no início do século 21, por meio dos movimentos e das conferências
específicas de saúde do trabalhador, é que se efetiva a construção da Política
Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador (PNSST). São recentes conquistas
as políticas de saúde do trabalhador e do servidor público.
Por que, então, uma política de saúde do trabalhador voltada especificamente
ao servidor público? Quais são as nuances, os objetivos e as ações de saúde dos
servidores públicos que podem não estar contemplados na PNSST? Onde estão as
diferenças? Nos processos de trabalhos? Nos agravos e adoecimentos?
Essas, entre outras indagações, provocaram a curiosidade investigativa da
pesquisadora em aprofundar o tema em geral e chegar às particularidades da
atenção à saúde do servidor público.
Logo, este estudo é de natureza teórica e prática. Reproduz uma reflexão da
práxis desta pesquisadora na atuação no serviço de saúde e nas ações da Pass em
Alagoas. Considera-se essa política em processo de implantação/implementação e
direcionada ao enfrentamento das situações de adoecimento do servidor público
contidas nos processos de trabalhos, e seus determinantes sociais.
Na análise do conteúdo bibliográfico, ao se observar a prática dos serviços de
saúde do servidor, outras questões foram sendo postas, aproximando a
19
pesquisadora da realidade dos determinantes sociais e do trabalho contidos na
questão saúde do trabalhador e advindos das relações do trabalho: processos e
organizações do modo de produção desse trabalhador público, e na sua dimensão
social, que abrange as condições trabalhistas, a vida e saúde desses sujeitos
coletivos.
Esta tese pretende demonstrar que a área de saúde do trabalhador, mais do
que dar visibilidade à dimensão social da questão, necessita deixar o papel de
coadjuvante, de colaboradora, efetivando, nesse aspecto, seu protagonismo social.
Assumir o seu lugar, nessa construção coletiva, implica a participação dos
servidores públicos organizados, se não, deixa de ser saúde do trabalhador.
Analisar a Pass torna-se imprescindível, para conhecer seus protagonistas, o
servidor público, não apenas como consumidores e usuários da política, mas a
possibilidade de serem construtores. Utiliza-se o método de análise marxista, que
considera o trabalho vivo, humano, construtor de toda a riqueza social, mas mercê
do processo de exploração e dominação do trabalhador, no qual o trabalho deixa de
ser realização e criação para tornar-se meio de alienação e dominação.
A tese compõem-se de introdução, quatro capítulos e considerações finais.
Nesta introdução, são feitos apontamentos acerca da metodologia aplicada, tanto
teórica quanto investigativa, na construção do processo empírico. Traz à tona o
contexto social e de saúde dos sujeitos sociais, trabalhadores da saúde pública e as
realidades social, econômica e política do estado de Alagoas.
O primeiro e o segundo capítulos contêm referenciais teóricos que
fundamentam os outros dois capítulos e as considerações finais. O capítulo 1,
portanto, analisa/reflete, a partir dos autores Poulantzas, Giffonni, Dallari, França,
Nogueira, R. entre outros estudiosos, sobre a categoria servidor público, também
denominado de funcionário público. A opção pela nomenclatura servidor público
deve-se à alteração na lei que rege a categoria desde 1990, quando deixa de ser
estatutária e celetista, para ser regida pelo Regime Jurídico Único (RJU), e adota a
denominação. As vezes em que se utiliza o termo funcionário público, referem-se à
citação dos autores aqui invocados. Permanece, até hoje, o tema servidor público,
pouco explorado por pesquisadores. França (1993) chama a atenção para o
preconceito sobre o tema por parte, até mesmo, da sociologia. Considera-a uma
questão heterogênea e complexa.
20
Aliás, um ponto comum, encontrado nos autores pesquisados, diz respeito à
burocracia na execução de suas atividades. Giffoni (1993), referindo-se à visão que
se tem do funcionário público, afirma que é bem diferente daquela imagem clássica
apresentada por Weber, na qual são eles movidos por uma vocação, no exercício de
suas funções. O que fica notório, nessa atividade, são as ações desarticuladas,
fragmentadas, o clientelismo, o autoritarismo, o arbítrio, a confusão políticoinstitucional, entre outras características.
Poulantzas (2000) diz que o “pessoal do estado” compõe uma categoria social
específica, com divisões internas, as quais resultam de suas divisões de classes,
mas que traduz a estrutura organizacional do aparelho do Estado capitalista.
As considerações gerais, estabelecidas no final do capítulo, trazem algumas
afirmativas após as reflexões teóricas. O servidor público vende sua força de
trabalho ao Estado; pertence à classe que vive do trabalho, é um assalariado;
portanto, é um trabalhador social, suas atividades coletivas visam ao bem-estar
social para toda a população; e assim contribui para o desenvolvimento
socioeconômico e político do País, seja qual for a função ou a profissão/atribuição
que estiver exercendo. O engenheiro da função pública, ao construir saneamento,
estradas e rodagens, o faz para benefícios de todos, atende ao capital e às classes
populares.
O capítulo 2 trata da política social, de sua trajetória histórica, e dos
fundamentos teóricos que possibilitam um aprofundamento das políticas sociais, o
qual nos leva a afirmar que seus caminhos, percursos e conquistas são construídos
pelas lutas da classe trabalhadora, protagonista das políticas sociais.
Essa análise reflexiva é realizada com a contribuição de autores que estudam
o tema, como Behring e Boschetti, Potyara, Nogueira, M. entre outros, e fazem uma
análise histórica e crítica, na qual se verificam os movimentos contraditórios de
avanços/recuos, ganhos/perdas das políticas sociais em torno dos interesses dos
trabalhadores, em detrimento do capitalismo, na sua fase de encurtamento do
Estado.
Nesse movimento, constam as necessidades e os interesses das classes
antagônicas, pois o Estado ora pende mais em direção aos interesses do capital, ora
aos da classe trabalhadora, ou seja, não há neutralidade nessa correlação de forças.
O Estado, nas suas funções política e social, é resultado das forças que
caracterizam a sociedade brasileira.
21
Após a revisão literária, nas análises sobre a política social, foram
identificadas algumas concepções: umas visam separar a produção e reprodução
social capitalista, e as convocam como solução para o problema de distribuição de
renda, numa visão reducionista e idealista de manutenção da ordem e não contra a
ordem. Outra concepção de política social a reduz à vontade política dos sujeitos
sociais na busca de amortecer conflitos e legitimar a ordem, configurando-o no
processo de luta de classes, subestimando as determinações econômicas, com forte
traço de ecletismo teórico, na análise da política social, da matriz de tradição
marxista, sem considerar o circuito valor, e pela insuficiência e precisão de termos e
conceitos sobre cidadania. Outra concepção é a que identifica a política social
apenas com o Estado, enquanto direito universal, mas também é verdade que ela
envolve instituições públicas e privadas.
Com base nesses traços, Behring e Boschetti (2009) apontam, nas políticas
sociais, a necessidade de recusar a falsa questão do economicismo versus
politicismo e a consciência de que o ambiente contemporâneo possui forte tendência
não redistributiva e que há fragilidade no movimento operário e popular, mas não
imobilismo; qualificar a ideia de cidadania na radicalização da democracia; a recusa
do conceito de escassez, naturalizando-o nas políticas sociais, pois este é marcado
pelo desperdício, em meio à abundância; e a necessidade de maior precisão do
conceito de Estado na fase do capitalismo maduro.
Afirma Potyara (2008) que a política social é um processo contraditório, caso
se queira que tenha serventia para as classes que vivem do trabalho ou teimem em,
viver de qualquer jeito.
Ademais, o capítulo 2 contém, ainda, a PNSST. Vasconcellos (2007) resgata
a trajetória histórica dos movimentos da saúde e sindical na sua construção. Traz
também um estudo sobre o controle social feito por meio dos conselhos de saúde,
enquanto espaço democrático, no acompanhamento dos gastos públicos com a
saúde. Correia (2005) afirma, que, para que o controle social exista de fato, é
necessário controlar os recursos, pois é em sua alocação que se define a política de
saúde.
O capítulo 3 diz respeito às relações entre teoria e prática, e parte do geral
contido nos capítulos anteriores. Verifica as especificidades da Política de Atenção à
Saúde do Servidor Público Federal (Pass) e sua operacionalização pelo Subsistema
Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (Siass) em todo o território brasileiro.
22
Andrade (2009) analisa como vem sendo implementada a Pass na cidade do
Rio de Janeiro e em que medida esse processo tem facilitado ou dificultado a
consolidação do modelo de atenção integral à saúde do servidor. O processo teve
início em nove estados brasileiros, dentre eles, Alagoas. Uma análise da construção
da Pass/Siass identifica os limites e as possibilidades de efetivação naquele estado,
especificamente na implantação da Unidade de Referência da Universidade Federal
de Alagoas, denominada Siass/Ufal.
Em sua fase atual, constata-se pleno processo de efetivação, de
recuos/avanços, parafraseando Potyara (2009), na teimosia daqueles que estão
construindo, revelados nos depoimentos coletados de gestores, profissionais da
saúde dos trabalhadores, que colaboram para a efetivação na perspectiva
multiprofissional e intersetorial.
O capítulo 4 apresenta os sujeitos sociais a quem são dirigidas as ações de
saúde da Pass/Siass. Trazer o trabalhador para o protagonismo dessa construção
coletiva é um dos desafios postos para transformar a política de saúde para os
trabalhadores em política dos trabalhadores, que participam de todo o processo de
planejamento, execução, avaliação, e decisão sobre as ações de saúde que
atendam às suas reais necessidades.
O capítulo 4 traz, ainda, investigação sobre as condições do trabalho, as
relações sociais, os percursos e a organização do trabalho, e dos determinantes
socioeconômicos dos servidores do setor público. Indica a existência de precárias
condições de saúde e trabalho. Três categorias comuns foram identificadas: a
feminização da força de trabalho, o envelhecimento, e o sofrimento. Essas são
vistas em suas dimensões ético-política, de saúde e social.
As considerações finais apresentam uma reflexão respaldada nos quatro
capítulos. Não são respostas, ao contrário, várias outras interrogações foram
surgindo. Algumas sugestões foram construídas coletivamente, com base nos
depoimentos dos trabalhadores, nos estudos bibliográficos e documentais, na
análise interpretativa e metodológica que permearam a pesquisa.
23
-
A trajetória metodológica do estudo
-
Território da pesquisa
O estudo foi realizado no estado de Alagoas, cuja capital é Maceió, onde
moram e trabalham os protagonistas deste estudo e a pesquisadora.
Um estado cujo traço marcante é a “federalização”, caracterizada pela
transferência dos recursos federativos para a promoção das políticas sociais nas
áreas de saúde, educação, segurança, habitação, financiamentos na economia, etc.
As políticas públicas e os recursos federais são determinantes para a manutenção e
o desenvolvimento do estado. A conjuntura socioeconômica de Alagoas não tem
atraído investimentos empresariais.
As ações das políticas sociais, em sua maioria, são executadas pelo estado
mediante o trabalho dos servidores nos níveis estadual, municipal e federal;
trabalhadores que também necessitam de políticas destinadas ao bom desempenho
funcional, às adequadas condições de trabalho e saúde. Vejamos o contexto social
de Alagoas.
-
Realidade socioeconômica e histórico-política de Alagoas
Localizado na região Nordeste, Alagoas tem o litoral recortado, rico em
belezas naturais, com muitas áreas de mangues e lagoas. A principal via de acesso
ao estado é a rodovia BR-101, que acompanha toda a costa de Sergipe e Bahia, na
região Sul, e continua, ao Norte, em direção ao estado de Pernambuco. Maceió,
capital do estado, é o município mais populoso, com 932.748 habitantes, conforme
dados da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010).
Segundo a revista Informativo Conjuntural da Secretaria da Fazenda - AL
(2007), a economia de Alagoas é baseada na cultura de cana-de-açúcar, sendo o
maior produtor do nordeste, o segundo maior produtor de açúcar no Brasil e sexto
colocado na produção de álcool. Sobressai, também a produção de mandioca,
laranja, banana, milho, feijão, arroz e coco-da-baía.
A trajetória do açúcar e álcool em Alagoas se confunde com a própria
história do Estado. Alagoas nasceu cana, se fez engenho, virou açúcar e
álcool. A moenda deixou o burro, moveu-se à água. E assim surgiu a
movida a vapor, evoluindo para a indústria, empreendedora moderna,
pautada na responsabilidade Social Corporativa. O Polo Agroindustrial
24
Canavieiro de Alagoas surgiu da força de homens que desbravaram a terra
e souberam construir riquezas (p. 14).
De apenas três pequenos engenhos, o setor sucroalcooleiro de Alagoas
cresce, chegando a contar com 36 unidades industriais em funcionamento
na década de 80. Com o passar do tempo, com as turbulências advindas do
mercado e o aumento da competitividade muita coisa se transformou.
Atualmente o Polo Agroindustrial Canavieiro de Alagoas é formado por 27
unidades produtoras. Destas, 4 somente produzem álcool e 20 produzem
açúcar e álcool (Idem, p. 37).
 Setor sucroalcooleiro e o capitalismo periférico em Alagoas: “fortunas”
e “tragédia social”
A agroindústria sucroalcooleira alagoana não significa a industrialização do
campo, mas a ruralização da indústria. Constitui-se em verdadeiro dinossauro
econômico; a sua calda agrícola extensiva embarga-lhe o passo, esmaga gerações
de trabalhadores alagoanos, atravanca a divisão social do trabalho e inibe o
desenvolvimento dos traços mais positivos do capitalismo.
Nas condições alagoanas, esse setor econômico tem o inconveniente de
possuir um grande potencial de reproduzir-se por séculos. Isso acontece não porque
Alagoas tem vocação genética, cultural ou metafísica para produzir açúcar, mas
porque essa agroindústria inibe radicalmente a divisão social do trabalho e, portanto,
dificulta muito o surgimento de atividades econômicas que possam superá-la. Há
séculos o litoral nordestino, o alagoano em particular, é dominado pelos canaviais e
pelo subdesenvolvimento radical que se impõem (LESSA, 2006).
Lessa mostra-nos a diferença entre o capitalismo clássico e o periférico,
usando como exemplo a economia agrícola em Alagoas, concentrada nas mãos de
poucos.
Não se pode confundir o desenvolvimento agrícola do capitalismo clássico
com o desenvolvimento agrícola do capitalismo periférico. Por exemplo, a grande
propriedade agrícola nos Estados Unidos da América de hoje, que tira vantagens do
uso da economia de larga escala, é resultado do desenvolvimento da pequena
propriedade rural capitalista.
No caso alagoano, a grande propriedade é a expressão do mais completo
atraso; representa a negação do caminho progressista e democrático trilhado pelos
Estados Unidos. A economia de grande escala das usinas alagoanas não expressa
a modernidade, mas o desperdício em escala aumentada e representa uma enorme
muralha que paralisa a verdadeira modernidade capitalista na agricultura. O autor,
25
em
sua
análise
crítica,
demonstra
a
inexistência
de
uma
economia
desenvolvimentista no estado, mesmo nos modos do capitalismo periférico regional.
Lessa revela os contrastes socioeconômicos e políticos advindos da cultura
exploratória da cana-de-açúcar em Alagoas. De um lado, produz riqueza, e, de
outro, tragédia social, contribuindo para a alta concentração da riqueza.
Apesar de todas as debilidades econômicas que possuem e de se
constituírem na causa principal do atraso do capitalismo alagoano, as usinas criam
fortunas milionárias para seus proprietários e impõem-se com a perenidade das
pirâmides. Isso é possível devido à colaboração dos governos federal e estadual e,
principalmente, pelo fato de que a sociedade alagoana é essencialmente organizada
no sentido de doar todos os seus recursos, de todas as suas esferas, para que
essas empresas possam dar a maior massa de lucro possível aos seus proprietários.
Por um lado, diz Lessa (2006), que o governo federal, por meio de subsídios
generosos, reserva parte do mercado exterior (a chamada cota americana) e
nordestina para o açúcar alagoano; afasta o máximo possível a concorrência e todos
os outros mecanismos de mercado que representem perigo para esses capitais; por
outro lado, a sociedade e seu aparelho estatal são utilizados por essas empresas
como um vasto campo de concentração, no qual podem encontrar ilimitados
sacrifícios humanos de toda a ordem e magnitude. Alagoas tem hoje os piores
indicadores sociais, segundo o IBGE (2010).
A taxa de analfabetismo é a mais alta do Brasil, com 24,3%. O saneamento
básico é outro grave problema, pois apenas 31,7% tem rede de esgoto. Alagoas
registra a mais alta taxa de mortalidade infantil do País. A cada mil crianças
nascidas vivas, 46,4 morrem antes de completar um ano de idade.
Outro suporte básico dessas empresas é a monopolização da renda da terra,
ou seja, daquele ganho proveniente não do capital empregado, mas do simples fato
de deter um monopólio geográfico. Como as propriedades rurais dessas empresas
são imensas, grandes parcelas dos seus ganhos são provenientes desse monopólio
de largos pedaços da natureza, ganhos que não custam nenhum investimento. As
grandes propriedades impedem que os trabalhadores rurais desenvolvam até
mesmo a cultura de subsistência e a criação de animais para sustento próprio.
A maioria da população alagoana, ao contrário, não ganha absolutamente
nada, por ser mero instrumento da lucratividade desses capitais; cada centavo dos
lucros das usinas é constituído pelo fato concreto das tragédias social, cultural e
26
política vividas pela maior parte do povo alagoano. Tragédia que perpassa por todos
os âmbitos da vida humana.
As precárias condições de vida decorrentes desse modelo econômico,
(LESSA, 2006) tendem a tirar a legitimidade ideológica da burguesia agroindustrial;
mesmo gastando muito em várias formas de propaganda ideológica, essa classe
está sempre na iminência de ficar desmoralizada e desacreditada diante da opinião
pública e da classe popular. O seu domínio, geralmente, sustenta-se muito mais na
coerção do que no consenso, ou seja, mais na força bruta do que em sua
capacidade de convencer as outras classes sociais das positividades do modelo de
sociedade que propõe aos alagoanos.
Lessa (2006) analisa que a superação do atraso, em Alagoas, só se dará
mediante a radicalização dessa classe. Nenhum membro dessa classe dominante
pode propor o progresso, a democracia e a defesa dos interesses de Alagoas e da
soberania nacional, porque não representa o polo moderno no estado, mas a união
indissolúvel de um moderno atrasado, em relação ao moderno das regiões. Para
essa classe social, combater o atraso seria combater a si mesma, o que certamente
não está disposta a fazer.
Além de construir, pela utilização da mais-valia absoluta, uma sociedade de
miseráveis, a agroindústria alagoana, por seu caráter exportador, cria uma
sociedade sem estabilidade econômica, sem mercado interno substancial e carente
de qualquer grau significativo de divisão social do trabalho. A atual economia
alagoana superou a escravidão, porém conserva, de maneira modernizada, os
outros traços do período colonial, ou seja, ainda se baseia na monocultura, na união
entre agricultura e indústria, e na exploração dos seus principais produtos.
Pelo fato de exportar a maior parte de seus produtos, Alagoas entra em um
círculo perverso, segundo Lessa (2006), porque, quanto mais exporta, mais fica
dependente de poucos produtos e de poucos mercados. Por outro lado, mais inibe a
diferenciação interna da sua economia e mais reproduz o modelo exportador. O
estado ergue, então, o mesmo tipo de economia na qual o Brasil estava submerso
antes do processo de substituição de importações, iniciado nos anos 1930. O País
exportava café e outros produtos tropicais e importava todos os outros bens de
necessitava. E o que ocorre, ainda hoje, em Alagoas, é que o estado importa outras
formações sociais (principalmente de estados brasileiros), quase todos os produtos
industrializados e agrícolas, bem como grande parte dos serviços de que necessita.
27
Essa situação inviabiliza qualquer desenvolvimento capaz de tornar a economia
autossustentável e de possibilitar melhor distribuição dos recursos econômicos entre
as várias classes e setores sociais da população. Enfim, a grande propriedade
agroindustrial é a principal protagonista do atraso da Zona da Mata alagoana.
Depois da produção agrícola, a atividade que mais cresce é o turismo.
Segundo dados da Organização Mundial do Turismo (OMT), em 2005, o Brasil foi o
36o destino mais procurado do mundo. Nesse ano, o País recebeu 5,4 milhões de
turistas. Já conforme os dados do IBGE (2007), em Alagoas, um dos estados mais
visitados tanto por brasileiros como por turistas estrangeiros de diversas
nacionalidades, o turismo corresponde a 65,9% da economia. Necessita de
investimento em infraestrutura, principalmente no saneamento, que compromete a
qualidade das águas do mar, dos rios e das lagoas.
Dos 102 municípios do estado, 40 possuem potencial turístico, devido às
belezas naturais, às águas, à história e, atualmente, às fazendas, que estão sendo
transformadas em hotéis, atraindo turistas que não querem apenas apreciar o mar,
mas aproveitar o verde e as opções diversas que a natureza oferece. Com essa
atividade, o estado verifica um aumento da rede hoteleira e, juntamente, de toda a
indústria do turismo, aumentando a oferta de empregos (sazonais).
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no estado de Alagoas apresenta
as mais baixas taxas, quando comparadas ao restante dos estados da federação,
tendo sido estimado, pelo Banco Central, em 0,677, no encerramento do ano de
20091. Apesar de suas belezas naturais, da alta produtividade agrícola e do
desenvolvimento da zona canavieira, com destaque nacional, e o crescimento da
atividade turística, verifica-se alto índice da concentração da riqueza nas mãos de 27
famílias, aproximadamente, que detém a riqueza, desde os primórdios da história do
Brasil, conforme se constata nas análises de Lessa (2006).
Os dados indicam a pouca distribuição dessas riquezas, a intensa
desigualdade social e os rankings negativos que apontam os graves e sérios
problemas decorrentes desse tipo de organização social, econômica e política que
predomina no estado de Alagoas.
1
O IDH do ano de 2009, para Alagoas, foi de 0.677, tendo sido divulgado, pelo Banco Central, a título de
estimativa. Segundo esse dado, o estado possui o pior índice do Brasil. Disponível em:
<http://www.bcb.gov.br/PEC/boletimregional/port/2009/01/br200901b1p.pdf>.
28
Outro fator da realidade contemporânea na sociedade brasileira, que se
manifesta também em Alagoas, são os altos índices de violência e de uso de drogas
psicoativas, fazendo com que o estado lidere o ranking nacional da violência.
Alagoas aparece, segundo os dados do IBGE (2009), com a seguinte taxa de
homicídios: para cada 100 mil habitantes, 59,3 homicídios.
Segundo o secretário de Segurança de Alagoas, José Paulo Rubin, em
entrevista à Folha de S. Paulo (2009), esse alto índice “explica-se por uma cultura
de ‘pistolagem, matadores de aluguel’ e muito crack na área de exclusão social”
(sic). Além disso, é alto o índice de excluídos nas periferias de Maceió. Pode-se
relacionar essas taxas ao envolvimento com drogas, principalmente com o crack,
que é mais usada entre os jovens com idades de 16 a 25 anos, faixa etária
demarcada pela falta de emprego e de ações na saúde e educação.
Refletindo sobre esses dados estatísticos de baixo índice de desenvolvimento
humano, detecta-se a perversa e desumana realidade advinda do sistema capitalista
periférico, atrasado, na sua mais reveladora expressão de espoliação da vida
humana e da ideologia dominante que governa o estado, da economia concentrada
na agricultura da cana-de-açúcar, que mantém esse quadro de miséria social.
Alagoas apresenta quadro social perverso e desumano, em que se
manifestam as expressões sociais dos grandes centros urbanos brasileiros,
agregando – no caso da capital alagoana – as formas primitivas da exploração da
força de trabalho nos canaviais, o desemprego estrutural, e aqueles advindos das
metamorfoses do trabalho, a partir da introdução da tecnologia, da robótica e da
informática, que são acrescentados à incidência de drogas e de diversas doenças.
Historicamente, Alagoas é um espaço controlado pelas relações oligárquicas
de dominação. Esse controle teve a regra quebrada apenas em dois momentos: no
período do governo de Muniz Falcão, que sofreu o primeiro impeachment da história
do País, ao tentar taxar o açúcar para financiar a educação; e no período de
Ronaldo Lessa (1999-2006), que venceu as eleições de 1998, após o levante
popular de 17 de julho de 1997.
Esse fenômeno foi fruto de grave crise, quando a máquina pública estadual
faliu, após as suas finanças serem exauridas por perversa combinação de perda de
receita pela aplicação do Acordo dos Usineiros, com o brusco endividamento público
provocado pelo Plano Real (endividamento que consome ainda hoje 15% das
receitas estaduais). Foi um momento ímpar de crescimento da contestação pelos
29
movimentos sociais, e de resposta política pelos partidos e forças de esquerda, que
apresentaram duas lideranças com capacidade de interlocução direta com a
população (Ronaldo Lessa/Partido Socialista Brasileiro - PSB, na época, e hoje, do
Partido Democrático Trabalhista - PDT, para governador; e Heloísa Helena/Partido
dos Trabalhadores - PT, na época, e hoje do Partido Socialismo e Liberdade - Psol,
para senadora).
Contudo, a chapa vitoriosa nas eleições majoritárias não elegeu base
parlamentar, e as dificuldades nas relações com o Legislativo e com o Judiciário
pautaram o início do governo Lessa, em 1999. É preciso fazer um balanço crítico e
autocrítico do período, pesando as dificuldades do contexto e os equívocos, que
produziram um período de derrotas subsequentes.
Destaca-se que, após oito anos de gestão desse bloco político, predominou a
fragmentação das forças de esquerda e o apoio de parte dessas forças e lideranças
ao retorno da oligarquia dos usineiros ao governo, em 2006, propiciando a vitória da
chapa do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB)/Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB) (Téo Vilela/José Wanderley), atual governador, e a
vitória de Collor (Partido Trabalhista Brasileiro - PTB) ao Senado, derrotando o então
favorito Ronaldo Lessa (PDT). O PT lançou candidatura própria naquele contexto Lenilda Lima – recusando-se a compor com os dois candidatos usineiros (João Lyra
– PTB e Téo Vilela – PSDB), ainda assim manteve duas vagas de deputado
estadual (Judson Cabral e Paulão), mas não avançou para a eleição de
representação federal.
O governo Téo Vilela foi iniciado, em 2007, com um decreto de redução dos
salários de servidores públicos, respondido com vigorosa greve, que recebeu apoio
dos movimentos sociais do campo. Mas, após o período inicial de rejeição, Vilela
vem conduzindo seu governo com relativa habilidade, ao mesmo tempo em que
aplica o receituário tucano neoliberal, e evita qualquer confronto direto com o
governo federal. Ao inverso, aproveita todos os programas federais para melhorar
sua imagem perante a população, ora maquiando os programas como ações
estaduais, ora utilizando sua imagem ligada à Presidência da República em atos
oficiais como se fossem atos políticos de apoio à sua gestão.
A reeleição de Vilela, em 2010, mesmo que na versão neoliberal, representou
nova recomposição das forças políticas no estado, em especial com a ruptura da
aliança de quase 30 anos entre Renan Calheiros (PMDB) e Téo Vilela (PSDB) e o
30
alinhamento nacional reproduzido no plano local PSDB/Democratas (DEM) (chapa
Vilela/Thomáz Nonô). Manteve o PSB no governo estadual e trouxe o Partido
Progressista (PP) para sua área de influência.
Renan, candidato ao Senado, teve mais dificuldades em reeleger-se, pois
disputava com Heloísa Helena (Psol) e Benedito Lira (PP). Este negociou com a
frente oposicionista, mas terminou compondo com o governador Vilela, e coube a
ele a tarefa de derrotar Heloísa Helena, que contava com o apoio do próprio
Presidente Lula. Aliás, a presença da imagem de Lula na chapa de Vilela só
contribuiu para confundir ainda mais o eleitorado e fixar uma ambígua imagem de
que a chapa PSDB/DEM, em Alagoas, não era oposição a Lula/Dilma. Outro que
negociou com a frente e rompeu foi o prefeito Cícero Almeida (PP) que apoia
abertamente o governo Vilela, também com o discurso de que apoia os governos
federal e estadual ao mesmo tempo.
Com todo esse cenário difícil e em visível desvantagem do ponto de vista da
estrutura material de campanha, já que a campanha de Vilela foi a mais cara do País
(declarada oficialmente), Ronaldo Lessa teve um desempenho eleitoral vigoroso e
perdeu as eleições com pequena diferença de votos.
A composição da Assembleia Legislativa continua conservadora, com um
segmento às voltas com a Justiça por acusações de crimes de mando e desvios de
recursos públicos. A maioria mantém-se ligada ao governo estadual. O PT elegeu
três deputados estaduais (Judson Cabral, Ronaldo Medeiros e Marcos Madeira
Filho), mas continuou não elegendo deputado federal, apesar de ter contribuído para
que a coligação indicasse mais um parlamentar2.
As tendências e perspectivas socioeconômicas e políticas, para Alagoas,
segundo Carvalho (2010) indicam a necessidade de manter aliança estratégica com
a União, uma saída para enfrentar os graves problemas sociais e criar ambiente
favorável ao desenvolvimento da economia.
Essa aliança com o governo federal resulta, entre outros aspectos, na
inserção de mais de um milhão de crianças e jovens nas escolas; no acesso da
população pobre à saúde pública e aos programas de renda mínima; na
incorporação de milhares de famílias à previdência social; e no benefício aos
créditos agrícolas cedido aos pequenos produtores rurais e urbanos. São incentivos
2
Essa análise conjuntural, histórico e política de Alagoas é de autoria do deputado estadual Judson Cabral
(PT/AL).
31
que apontam para a democratização dos bens públicos, a distribuição de renda e a
construção da cidadania.
Com essa articulação, a população vem aumentando o consumo e o
crescimento da economia popular, do comércio, das feiras livres, tornando possível
a modernização democrática de Alagoas, rompendo com o modelo excludente por
meio do crescimento econômico com distribuição. Um fato novo, na economia do
estado, é a federalização – que está permitindo a ampliação do mercado interno e a
articulação da economia nos bairros populares e municípios.
O estado mantém a tendência nacional, ou seja, o crescimento econômico do
setor de serviços: redes de supermercados, shoppings, hotéis, escolas, faculdades
do ensino superior, entre outros. Segundo Carvalho (2010), esse fator “novo”, a
federalização, na economia alagoana, abre as janelas para superar o atraso de um
modelo de crescimento desigual e excludente.
 Instituição de realização da pesquisa
O estudo foi realizado na Ufal, na unidade do Hospital Universitário Professor
Alberto Antunes (Hupaa). A Ufal tem o terceiro maior orçamento do estado, o que
contribui também para o movimento da economia estadual e na sua federalização.
No capítulo 3, em que serão analisados os serviços de saúde prestados aos
servidores públicos e sua condição de trabalho na Hupaa, serão apresentadas a Ufal
e o hospital. A escolha deste local para a pesquisa deve-se à implantação de uma
unidade de referência do Siass na referida universidade, que objetiva acompanhar
as ações de saúde integral ao servidor e a administração dos serviços de saúde na
efetivação da Pass.
 Seleção dos sujeitos da pesquisa
A escolha dos sujeitos entrevistados ocorreu a partir de estudos preliminares.
O primeiro foi um levantamento sobre os determinantes sociais, de saúde e cultural
do trabalho, com os participantes do I Encontro Sobre a Saúde do Servidor Público
Federal, em Alagoas, ocorrido em 2010, organizado e coordenado por esta
pesquisadora. Diante dos dados desse levantamento, estabeleceram-se os
32
determinantes mais significativos e comuns entre a maioria dos entrevistados: a
feminização, o envelhecimento, e o sofrimento em suas várias dimensões.
Era preciso melhor delimitar os sujeitos da nossa pesquisa o servidor público
federal. Quem faria parte da investigação? Pois essa é uma categoria social
bastante fragmentada, diversificada, tanto em nível de escolaridade, quanto aos
cargos e posição social, do reitor ao servidor da manutenção. Foi feito então um
levantamento no serviço da perícia da saúde da UFAL, no período de 2007 a 2010,
sobre os afastamentos do trabalho do servidor público ocasionados por licença para
tratamento de saúde. Constatou-se que era maior o número de afastamento por
motivo de doença na área da saúde e da enfermagem, principalmente entre
auxiliares e técnicos de enfermagem que desenvolvem as mesmas atribuições, nos
cuidados com os pacientes no Hospital Universitário da Ufal, ficando assim
selecionados esses dois cargos.
Três outros sujeitos foram necessários à pesquisa deste estudo, uma vez que
se pauta na saúde do trabalhador e na política de saúde que atenda a esses
trabalhadores/servidores públicos. Decidiu-se então entrevistar os gestores (chefias
de enfermagem e Recursos Humanos das unidades de saúde da Ufal); a equipe
multiprofissional, que atua nos serviços de saúde do servidor da universidade; e
membros do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de Alagoas
(Sintufal).
Gestores de serviços, profissionais de saúde e membros do movimento
sindical, juntamente com os auxiliares e técnicos de enfermagem, são protagonistas
de fundamental relevância para promover as transformações necessárias à melhoria
das condições de trabalho e saúde e à efetivação de políticas de saúde do servidor
na sua integralidade.
 Instrumentos de investigação
Com
todos
os
sujeitos
selecionados,
foram
utilizadas
entrevistas
semiestruturadas, baseadas em quatro tipos de questionários, com perguntas
abertas, respeitando a vontade e disponibilidade de cada um em querer responder a
todas as indagações. Participaram vinte auxiliares e técnicos de enfermagem,
escolhidos de forma aleatória, que trabalham nas diversas clínicas - médica,
cirúrgica, maternidade e pediátrica -, e em ambulatórios do HU. Os aspectos
33
socioeconômicos e de saúde desses sujeitos da pesquisa são apresentados no
Quadro 1.
O roteiro das entrevistas com os auxiliares e técnicos de enfermagem tinham
cinco questões centrais: processo de trabalho desses profissionais; o sentido do
trabalho (realização/alienação); as condições de vida, saúde e sociais desses
trabalhadores; as ações de saúde estabelecidas pela Pass-Siass-Ufal; e a
participação sindical e social.
As entrevistas com os profissionais de saúde da Ufal envolveram cinco
sujeitos: médico do trabalho, psicólogo, assistente social, fisioterapeuta, engenheiro
de segurança do trabalho. O tema central das entrevistas referiu-se ao processo de
trabalho; às queixas e doenças mais frequentes (Quadro 2); ao desgaste físicomental e social advindo das condições ambientais do trabalho; aos equipamentos de
segurança; à política de atenção à saúde do servidor; às ações realizadas nos
serviços de saúde; e à avaliação do Siass diante das possibilidades operacionais e
em relação à participação do sindicato nas ações e construção da saúde do servidor
público.
Com os gestores de pessoal (recursos humanos e enfermagem) e dos
serviços de saúde do servidor/trabalhador, foram feitas sete entrevistas sobre as
condições de trabalho, avaliação do desempenho do servidor, limites e os potenciais
humanos; reivindicações e reclamações do servidor, expressas pela gestão, chefias
e nos serviços de saúde; avaliação da política de atenção à saúde do servidor
público (Pass-Siass); limites e possibilidades da participação do servidor na
construção a efetivação da política de saúde do servidor público.
Na aplicação das entrevistas abertas, foi aplicada a técnica do depoimento,
em que, após o consentimento, era acompanhado de um relator, que, após
digitação, retornava para os entrevistados aprovarem o teor coletado.
As entrevistas com sindicalistas envolveram três sujeitos: um ex-presidente e
dois coordenadores da atual direção sindical, durante as quais verificaram-se as
seguintes questões: as condições de trabalho na Ufal, os processos de trabalho, as
demandas de saúde, reclamações e reivindicações do servidor, a participação do
sindicato no controle social da saúde do servidor via Pass-Siass.
Outros instrumentos utilizados foram a pesquisa documental e a bibliográfica.
O método de análise crítica marxista norteou a análise dos dados empíricos da
pesquisa, assim como o material documental e bibliográfico, tendo como categorias
34
centrais o trabalho, a saúde do trabalhador e o trabalhador (servidor público federal),
e a política de saúde do trabalhador. Falar em processo de trabalho implica a
relação capital–trabalho mesmo que esta esteja na estrutura do Estado brasileiro, na
qualidade representativa legal do patrão, uma vez que o patrão é a população
brasileira para quem trabalhamos.
A intenção do estudo foi analisar a dimensão social da saúde do servidor,
visibilizando os determinantes sociais que interferem nas relações sociais e no
protagonismo do servidor na política de atenção à saúde para efetivar ações de
integralidade, proporcionando, assim, o bem-estar físico, mental e social, as
condições dignas de trabalho, a valorização do servidor, participação nas decisões
no trabalho e na saúde, entre outros.
Enfim, construir a política de saúde do servidor de forma que contemple suas
reais necessidades sociais e de bem-estar.
35
No
Sexo
Idade
Estado
Civil
Tempo
no HU
(anos)
Salário
(R$)
Plano
de
Saúde
Transporte
Trabalho
Vínculos
Trabalho
Casa
Própria
Carro
Atividade
Fisica
Doença
Relacionada
ao Trabalho
Grau de
Escolaridade
Provedor
Família
Lazer
Satisfação
Trabalho
1
F
44
Divorciada
20
3.900,00
Geap
Coletivo
Sim
Não
Sim
Às vezes
Sim
Médio
Sim
Sim
30h
Sim
2
F
67
Casada
31
3.000,00
Geap
Coletivo
Não
Sim
Sim
Sim
Sim
Médio
Não
Praia/Leitura
Passeio com a
família
Sim
30h
Sim
3
F
64
Divorciada
33
3.350,00
Geap
Coletivo
Sim
Sim
Sim
Não
Não
Médio
Sim
Praia
30h
Sim
4
F
58
Viúva
27
3.200,00
Geap
A pé
Não
Sim
Sim
Não
Sim
Médio
Sim
Casa/Igreja
Não
respondeu
Sim
30h
Sim
5
6
F
F
42
59
Casada
Casada
8
32
2.300,00
3.000,00
Geap
Geap
Carro
Coletivo
Sim
Não
Sim
Sim
Sim
Sim
Às vezes
Sim
Sim
Sim
Superior
Superior
Sim
Sim
Praia
Às vezes
Sim
Sim
30h
30h
Sim
Sim
7
F
32
Solteira
8
2.000,00
Unimed
Coletivo
Sim
Sim
Não
Não
Não
Sim
Ficar em casa
Sim/Não
30h
Sim
8
F
58
Solteira
29
3.500,00
Geap
Coletivo
Não
Sim
Não
Não
Sim
Sim
Ler/Música/TV
Sim
30h
Sim
9
F
52
Casada
30
2.500,00
Geap
Coletivo
Não
Sim
Não
Não
Sim
Superior
Cursando
Superior
Médio
Casa
Sim
30h
Sim
10
F
37
Casada
13
3.400,00
Geap
Coletivo
Não
Financiada
Sim
Não
Não
Superior
Praia
Sim
30h
Sim
11
F
42
Casada
13
2.300,00
Geap
Coletivo
Não
Financiada
Não
Não
Sim
Médio
Shopping/Casa
Sim
30h
Sim
12
F
50
Casada
13
2.300,00
Geap
Coletivo
Não
Sim
Sim
Sim
Sim
Superior
Sim
Divide com
marido
Sim
Divido com
marido
Casa/Rua/Ler/Filmes
Sim
30h
Sim
13
F
56
Divorciada
31
3.000,00
Não
Resp.
Não
respondeu
Não
respondeu
Sim
Sim
Sim
Sim
Médio
Sim
Igreja/Viagens
Sim/Não
30h
Sim
14
F
39
15
F
16
Carga Sindicalização
Horária
12
3.000,00
Geap
Ônibus
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Superior
Sim
Cuidar da casa
Sim
30h
Sim
56
União
estável
Solteira
31
3.000,00
Geap
Ônibus
Não
Sim
Sim
Sim
Sim
Superior
Ler/Família/Viajar
Sim
30h
Sim
F
62
Casada
31
1.500,00
Geap
Coletivo
Não
Sim
Não
Não
Sim
Médio
Igreja/Viagens
Sim
30h
Sim
17
M
54
Casado
27
Geap
Carro
Não
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
30h
Sim
M
45
Solteiro
17
SUS
Coletivo
Não
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Jogar/Passear
Sim
30h
Sim
19
20
M
M
64
52
Casado
Casado
17
20
Geap
Geap
Ônibus
Carro
Sim
Sim
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Superior
Superior
incompleto
Superior
Superior
Família/Praia/Igreja
18
3.600,00
Não
declarou
2.400,00
2.200,00
Sim
Divide com
marido
Sim
Sim
Sim
Casa
Casa/Praia/Igreja
Sim
Sim
30h
30h
Sim
Sim
Quadro 1: Perfil socioeconômico e de saúde dos auxiliares e técnicos de enfermagem entrevistados
Fonte: Elaborado pela autora com a colaboração dos estagiários do Setor de Saúde - Serviço Social 2010-2011 da UFAL
36
Alergia
Angústia
Ansiedade
Cardíaca
Coluna
Depressão
Dermatológico
Diabetes
Dor
Dor corporal
Dor no joelho
Estresse
Hipertensão
Insônia
Labirintite
Sofrimento
Tendinite
Tristeza
Quadro 2: Sintomas/Doenças declarados pelos entrevistados
Fonte: Elaborado pela autora com a colaboração de estagiários do Setor de Saúde – Serviço Social
0-2011 da UFAL
37
Ano-base 2007
Jan. Fev. Mar.
Técnico e auxiliar de
enfermagem
Assistente e auxiliar
administrativo
Enfermeira
Médico
Professor
Outros
Total
Abr.
Mai.
Jun. Jul.
Ago.
Set.
Out.
Nov.
Dez.
22 23
18
19
24
19
18
5
4
1
3
9
3
27
18
33
27
34
9
6
8
4
4
3
0
2
1
42
0
6
4
11
45
11
5
13
9
79
8
7
8
10
64
8
1
12
5
64
7
7
4
2
10
8
6
7
52 52
7
6
7
5
47
4
2
4
3
33
3
1
10
16
57
5
1
12
7
53
4
5
4
7
41
Jan. Fev. Mar.
Abr.
Mai.
Jun. Jul.
Ago.
Set.
Out.
Nov.
Dez.
3
Ano-base 2008
Técnico e auxiliar de
enfermagem
Assistente e auxiliar
administrativo
Enfermeira
Médico
Professor
Outros
Total
20
19
24
32
32
54 33
29
46
40
28
20
4
1
10
8
8
6 10
5
7
8
3
2
5
9
2
6
46
7
9
7
8
51
6
4
4
9
57
11
0
8
11
70
11
6
5
11
73
12
1
11
0
7
0
9
0
99 44
0
0
0
0
34
0
0
0
0
53
0
0
0
0
48
0
0
0
0
31
0
0
0
0
22
Jan. Fev. Mar.
Abr.
Maio
Jun. Jul.
Ago.
Set.
Out.
Nov.
Dez.
22 23
36
28
31
28
14
2
5
6
6
4
5
Ano-base 2009
Técnico e auxiliar de
enfermagem
Assistente e auxiliar
administrativo
Enfermeira
Médico
Professor
Outros
Total
25
18
24
23
18
2
0
4
8
5
4
6
3
4
44
3
7
8
12
48
6
7
12
10
63
6
7
9
12
65
10
7
8
20
68
6
4
6
6
4
4
17 11
63 50
7
11
13
17
89
12
3
19
19
87
12
6
13
21
89
6
3
15
17
73
2
7
5
9
42
Jan. Fev. Mar.
Abr.
Mai.
Jun. Jul.
Ago.
Set.
Out.
Nov.
Dez.
8
Ano-base 2010
Técnico e auxiliar de
enfermagem
Assistente e auxiliar
administrativo
Enfermeira
Médico
Professor
Outros
Total
7
17
9
11
11
5
5
8
19
9
16
4
1
8
7
4
10
8
9
6
6
6
4
8
2
2
2
10
24
1
1
7
12
46
6
2
15
12
51
4
4
16
10
49
4
5
19
10
59
6
4
3
4
10 10
7 12
39 44
6
5
14
15
54
5
7
15
13
65
2
4
13
7
41
3
6
10
10
49
4
1
5
11
33
Quadro 3: Levantamento dos afastamentos dos servidores por licença médica - Siass/Ufal
Fonte: Elaborado pela autora com a colaboração dos estagiários do Setor de Saúde - Serviço Social
2010-2011 da Ufal
38
CAPÍTULO I
1. SERVIDOR PÚBLICO: UM TRABALHADOR SOCIAL
1.1.
O Servidor Público: Conceito, Características, Natureza do Trabalho
Neste capítulo, são apresentados os conceitos teóricos sobre o servidor
público e as relações de trabalho mantidas no Estado. É importante introduzir a
concepção de Estado, que norteará as interpretações dos demais conteúdos
teóricos, como a política social e da saúde, e do trabalho, em que se materializam as
atividades e atribuições do servidor público. A compreensão desse espaço político,
físico e social e as relações sociais que o Estado mantém com o seu pessoal, o
servidor público.
Que Estado é esse? Como acontecem as relações de trabalho? Reproduz a
relação capital e trabalho? Essas e outras questões poderão levar a uma melhor
análise do seu papel de patrão nas relações de trabalho estabelecidas com os
servidores públicos e as políticas de saúde voltadas ao atendimento desse
segmento.
O conceito de Estado é amplo, complexo e existem divergências sobre sua
caracterização, enquanto que outros negam essas discordâncias. Nesse sentido,
devido aos vários aspectos que o constituem, torna-se tarefa difícil defini-lo.
Segundo Potyara (2009, p. 292), o Estado é uma arena tensa e contraditória,
na qual interesses e objetivos diversos e opostos se confrontam. No contexto
capitalista, coexistem, nessa arena, interesses tanto dos representantes do capital,
em reproduzir e ampliar a custo de trabalho, quanto dos trabalhadores, em partilhar
da riqueza acumulada e influir no bloco no poder.
O Estado representa uma complexa estrutura de poder, com autoridade para
tomar decisões e com o poder coercitivo, pois se configura também como uma
relação de dominação, que deve ser controlada pela sociedade organizada.
Potyara (2009) diz que o Estado é mais do que governo, pois se, por um lado,
seus sistemas administrativos, legais e coercitivos (policiais) o diferenciam da
sociedade e estabelecem formas particulares de relações com ela, por outro lado,
esses mesmos sistemas penetram na sociedade influenciando a formação de
relações no seu interior.
39
É por isso que: “O Estado é ao mesmo tempo uma relação de dominação, ou
a expressão política da dominação de bloco no poder, e um conjunto de instituições
mediadoras e reguladoras dessa dominação” (PEREIRA, 2009, p. 293).
Por fim, com base em Poulantzas, afirma que o Estado é uma arena de lutas,
contendo contradições de classes e atravessada pelo movimento da sociedade.
Legitima-se não só por meio dos aparelhos coercitivos, mas por sua forte presença
na economia (PEREIRA, 2009).
Como se trata de um estudo da saúde do servidor público e da política do
setor voltada a esse trabalhador, esses conceitos serão retomados nos mais
diversos momentos de análise nos capítulos desta tese, ora identificando o papel de
dominação e coerção, ora na democratização das relações de poder por meio da
efetivação das políticas sociais.
A visibilidade e as ações efetivas do Estado ocorrem mediante o trabalho do
servidor público, que executa, e administra, entre outras funções, o aparelho do
Estado. Quem é o servidor público, qual é a natureza do seu trabalho, a
característica desse trabalhador público?
Assim, neste capítulo, busca-se entender quem é o servidor público, a
natureza do seu trabalho, o contexto social do seu trabalho no Estado, as condições
de saúde e social. Verifica-se quais são as relações de trabalho estabelecidas e o
rebatimento nos agravos à saúde e também as ações desenvolvidas pelas políticas
de saúde na intervenção dessas questões.
Poucos são os estudos encontrados sobre o tema, tanto aqueles que partem
de uma análise sociológica, quanto os que seguem uma perspectiva crítica sobre
essa categoria social. O que se pode dizer é que esse sujeito social tem no
desenvolvimento de suas atividades nos serviços públicos formas particulares e
singulares de executá-los.
Ora, observa-se que essas particularidades e singularidades atendem à
legalidade, nem sempre racional, e ora, por outro lado, observa-se a cultura
organizacional burocrática no poder e na direção da Administração Pública.
Pretende-se contribuir para a compreensão e análise dessa classe
trabalhadora distinta, repensando esse fazer profissional, suas condições de
trabalho e os determinantes sociais que podem interferir na saúde. Essa parcela da
classe trabalhadora, no começo do século 21, percebe que não tem espaços para
velhas práticas, submersas em ordens, papéis que não acompanham os avanços
40
tecnológicos e de conhecimento, que atenda à sociedade em suas necessidades,
em busca de políticas e serviços sociais públicos, com qualidade e quantidade, que
atendam à maioria dos mandatários.
Nesse contexto, é necessária uma categoria profissional competente, ágil,
motivada, e que disponha de condições de trabalho, de vida digna e saúde, que
perpassa pelas relações sociais estabelecidas pelo Estado brasileiro.
1.1.1. A Nomenclatura Servidor Público
Com a implantação do Regime Jurídico único (RJU), pela Lei 8.112, de 11 de
dezembro de 1990, unificam-se as duas principais modalidades de vínculos
empregatícios nos Estados brasileiros, sejam eles o “funcionalismo público” e
“aqueles regidos pela CLT” – respectivamente, os estatutários e os celetistas. A
partir da publicação dessa lei, todo trabalhador em exercício profissional, segundo o
RJU, passou a ser denominado de “servidor público”, e foi colocada em desuso a
nomenclatura “funcionário público”.
Portanto, servidor público é todo trabalhador que exerce uma função ou cargo
público, mediante a aprovação em concurso público. A condição de aprovação em
um processo seletivo de caráter público, conforme Dallari (1989), torna-se
importante estratégia para superar a imagem negativa antes existente e que, em
muitos lugares, ainda permanece, configurando-se como um traço dentre os mitos e
as verdades sobre o servidor público.
Dallari (1992, p.14) adota a classificação proposta por Celso Antônio (1984) e
os identifica por meio de duas características: a “profissionalidade” e a relação de
dependência típica de quem presta serviço sem caráter de eventualidade. Esses
elementos proporcionam uma conceituação sobre servidores públicos, qual seja:
“todos aqueles que mantêm com o poder público relação de trabalho, de natureza
profissional e caráter não eventual sob vínculos com o Estado, através de nomeação
a um cargo público mediante aprovação em concurso público” (DALLARI). Salientase que não há um consenso conceitual sobre o termo servidor público, mas este é o
que mais se aproxima do estudo em pauta.
O concurso público, portanto, além de ser uma ordem constitucional, é
também reconhecido universalmente como a forma mais justa de ingresso no
41
serviço público, exatamente por assegurar a igualdade de condições de ingresso,
prevista na Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU), a qual afirma
que cada indivíduo tem o direito ao ingresso, sob condições iguais, no serviço
público de seu país.
Ressalte-se que, durante esta investigação, utiliza-se a denominação servidor
público e não funcionário público, a fim de marcar a atualidade constante nos
diversos documentos e legislações que subsidiam a abordagem de nosso objeto –
qual seja, as relações de trabalho do servidor público e seu rebatimento nas
condições de saúde desse trabalhador. Hoje, esse é o termo utilizado para
referenciar o trabalhador público, concursado, já com estabilidade/efetivação
adquirida ou em processo de efetivação.
Vale salientar que, legalmente, no serviço público, existe apenas essa
modalidade de trabalhador com vínculo empregatício direto com o Estado, muito
embora haja uma diversidade de vínculos empregatícios que “prestam serviços ao
Estado”. Esses últimos vínculos são onde se encontram, principalmente, a
reprodução da precarização do trabalho, bem como as metamorfoses do mundo do
trabalho, como a terceirização de serviços de limpeza, vigilância; a contratação de
serviços “temporários”; a prestação de serviços para consertos e manutenção de
equipamentos, etc.
Ainda a título de incitar preliminarmente a discussão, é notório que os vários
autores que cursionam sobre o tema do servidor público são unânimes em destacar
a imagem negativa desse trabalhador público. Dallari (1989) inicia seus estudos
dizendo que esse é um assunto tão comentado e, ao mesmo tempo, tão
desconhecido, mas que, na quase totalidade dos casos divulgados na imprensa
diária (tevê, jornais, revistas, etc.) - envolvendo o serviço público e/ou a atuação de
algum funcionário -, a análise da midiática aponta sempre algum ponto negativo, do
tipo: denúncia de corrupção, mau funcionamento dos serviços, favorecimentos,
desperdício de bens ou recursos, pagamentos excessivos a certos funcionários,
nepotismos, entre outros.
Já França (1993), na introdução que faz sobre o tema funcionalismo público,
chama a atenção para “os preconceitos”, mesmo no interior da sociologia,
identificando pouca aproximação científica das questões que ele envolve, e afirma
que:
42
A ausência de estudos sistemáticos que busquem aprofundamento teórico e
metodológico no campo das ciências sociais e provavelmente a maior
responsável pela permanência de mitos e lugares comuns sobre o
funcionário do Estado. A imagem popular ganha ares de verdade científica:
rotina, ineficiência, desinteresse, complicação de procedimentos,
burocracia, classe média, parasitas, conformistas. Assim como as coisas
públicas, eles “não funcionam” e recebem até demais pela estabilidade e o
pouco que trabalham (p.11-12).
Aqui a autora ressalta a escassez de um aprofundamento teóricometodológico, das ciências sociais, movida por certo desprezo, pois não dá
relevância às questões complexas que envolvem o tema, saindo do lugar comum e
favorito da mídia nacional. Assim, a imagem popular do funcionário público torna-se
conhecimento científico. O tema do “servidor público” não é simples e nem singular,
ao contrário, é um campo heterogêneo e de complexa compreensão.
Giffoni (1993), referindo-se à imagem que se tem do funcionário público,
indica que é bem diferente daquela classicamente apresentada por Weber, qual
seja, de indivíduos movidos por uma vocação no exercício de suas funções,
conforme destacam Merton e Hall (1992, apud GIFFONI, 1993), que é a imagem de
um burocrata moderno, que coloca sua ação em procedimentos impessoais, em
relacionamentos orientados e sistematizados.
Pelo contrário, a imagem do funcionário público é de um indivíduo marcado
pela incompetência; entre outros fatores, Giffoni (1993) acrescenta a desarticulação,
o clientelismo político, o autoritarismo, o arbítrio, a confusão político-institucional, e
assim sucessivamente.
Nesse sentido, aponta para uma inadequada prestação de serviços públicos,
a desconfiança da população em relação a eles, o desprestígio do funcionalismo
público registrado nas últimas décadas e a dispersão de esforços e recursos na
ação governamental. Reconhece que essa explicação é genérica demais e que não
dá conta da complexidade da questão do funcionalismo público.
Não há aqui a intenção de endossar, tampouco denegrir ainda mais a imagem
do servidor público no Brasil, mas assinalar o quanto é difícil definir o que é o
servidor público, tendo em vista a abrangência de sua ação, que poderá ir de uma
função menos complexa, como a de um gari de rua, tão necessária e importante à
saúde pública, como funções de alta complexidade, como a de um professor, dos
bancários, do médico, do cientista social de universidade pública. Quase sempre, a
imagem de servidor público, para a sociedade vincula-se a uma função de nível
43
médio, com traços intermediários e de “burocrata” diante de um computador em sua
mesa de trabalho, com muitos papéis.
Não se trata de deixar de reconhecer as particularidades desse fazer público,
mas não basta entendê-lo apenas pela imagem, ou mitos, de um trabalhador que
não gosta de trabalhar, que será demonstrado no decorrer da análise desta tese.
Nem sempre o que se coloca como apenas culpa do servidor público é
verdade, pois não se avalia a situação institucional, na qual estão inseridos cortes de
verbas, redução de investimentos, como também o mau uso dos bens públicos, dos
recursos, de administração eficaz sem uma explícita direção social das ações
voltadas ao bem comum.
Dito isso, pergunta-se: Essa imagem ainda permanece, nos dias de hoje?
Reclama-se mais da falta de recursos ou dos poucos recursos para as políticas
públicas, ou da qualidade, ou quantidade, dos serviços públicos? Fala-se dos
serviços ou dos servidores? Os dois referem-se às mesmas coisas? Qual o sentido
do trabalho público para o servidor?
A partir das constatações dos autores pesquisados, e na pesquisa empírica e
documental realizada, verificam-se as possíveis mudanças no perfil do servidor
público.
No primeiro indicativo, do ponto de vista da formação escolar, da capacitação
e da qualificação, pode-se considerar que o servidor público possui bom nível
técnico, o que pode representar a perspectiva de melhoria na qualidade dos serviços
prestados a população.
Hoje, no serviço público da Ufal, observam-se os níveis de escolaridade
apontados no Quadro 4.
Escolaridade
Quantidade
%
Alfabetização sem cursos regulares
24
1,73
Ensino fundamental Incompleto
94
6,79
Ensino fundamental completo
60
4,33
Ensino médio
546
39,42
Graduação
287
20,72
Especialização/ Aperfeiçoamento
334
24,12
Mestrado
38
2,75
Doutorado
02
0,14
1.385
100
Total
Quadro 4: Escolaridade dos servidores técnicos – Ufal/ 2007
Fonte: DAP/Ufal, dez. 2007
44
1.1.2. O que é o servidor público?
Nas aproximações da concepção sobre servidor público, em Poulantzas
(2000), o conceito é o de “pessoal de estado”, uma categoria social específica, com
divisões internas, as quais resultam de suas classes, mas que, ao mesmo tempo,
apresenta uma unidade própria, efeito da estrutura organizacional do aparelho do
Estado capitalista. Adverte ainda que as decisões do bloco no poder e as lutas
populares podem causar outras rupturas e divisões no seu interior, mas apenas até
o limite em que a continuidade do próprio Estado não seja ameaçada.
O servidor público, apesar de sua especificidade enquanto trabalhador público
do Estado, e regido por um Regime Jurídico Único próprio, parece ter pouca clareza
e consciência do seu papel social a serviço do bem comum, mediante a execução
das políticas públicas de saúde, educação, segurança, entre outras.
Neste sentido, nota-se que há uma visível falta de identidade com o seu cargo
de servidor público, em suas divisões de classe; aqueles que pertencem e atuam
como profissionais, nos cargos de nível superior, não se apresentam enquanto
servidor. Vejamos: caso perguntemos a um médico, um assistente social, um
professor universitário sobre seu cargo, em sua maioria, dirá qual profissão exerce,
e dificilmente mencionará o cargo público3 da investidura, ou seja, o de servidor
público.
Essa falta de pertencimento poderá trazer algumas consequências, de ordens
política e social, no seu modo de trabalhar no serviço público, expressa na atuação
própria e com a compreensão profissional, política e social, dando ênfase aos seus
objetivos particulares, acima das necessidades sociais da população usuária dos
serviços.
Tomemos como exemplo as pautas das greves, que são recheadas de
intenções de melhoria dos serviços, qualidade do ensino, etc. No contexto de lutas,
os servidores públicos, ao conquistarem reajustes salariais – que se configuram
como parte apenas de suas reivindicações –, ainda que não seja o que pretendiam,
contentam-se e retornam ao trabalho, deixando esvaziada a luta pelo restante das
reivindicações. Mesmo diante das precárias condições de trabalho e dificuldades,
3
A Lei 8.112/1990, no art. 3o define cargo público como um conjunto de atribuições e responsabilidades
previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.
45
geralmente voltam aos postos de serviços. Pergunta-se: Onde ficaram os interesses
dos usuários?
Giffoni (1993, p. 50) aponta que os funcionários públicos, ao tratarem as
demandas da sociedade, o fazem de acordo com a compreensão própria que têm
das necessidades sociais, das responsabilidades do Estado, relacionadas a elas e
dos interesses diferenciados que podem assumir enquanto grupos corporativos, ou
categoria social diferenciada.
Ressalte-se que o papel político do pessoal do Estado, além da história da
burocracia, envolve a presença mais acentuada do patrimonialismo e clientelismo4
nos setores sociais. Diga-se, também, que não é apenas nesses setores que isso
fica evidenciado, mas em todos os demais setores, desde a infraestrutura, até a
política social e a cultural. Essa afirmação resulta da constatação de que quase toda
a população brasileira, ao buscar atendimento em uma repartição ou setor público,
antes de procurá-lo, examina se existe algum servidor naquela instituição que
poderá facilitá-lo, evitando as longas esperas, ou para burlar a burocracia, tentando
obter melhor atendimento e esclarecimentos.
É necessário compreender as influências das mudanças de regime, no
comportamento do funcionalismo, pois provocam alterações nas funções e
estruturas da burocracia e resistências de segmentos de funcionários que podem se
opor à implementação dessas mudanças por se sentirem prejudicados no seu status
quo.
Pode-se afirmar, sem medo de errar, que projetos bem elaborados e
intencionalmente corretos, propondo mudanças para a melhoria dos serviços, não
faltam, na Administração Pública. Entretanto, a concretização desses projetos
depende muito das prioridades estabelecidas pelo governo, dos investimentos, da
articulação política dos administradores, entre outros fatores colocados no cotidiano
de nossos serviços. O servidor público pode ser muito bem capacitado e consciente
da relevância daquele projeto, que não sairá da fase de planejamento, caso não
obtenha os recursos financeiros e a decisão político-administrativa.
No interior da categoria profissional de servidor público, há uma divisão de
classes que reproduz a divisão social do trabalho no capitalismo: os mandatários,
gestores, administradores, chefes, etc., e os que executam (os dominados). No
4
Sobre os conceitos de patrimonialismo e clientelismo, ver Giffoni (1993).
46
entanto, a imagem que a sociedade tem dessa categoria é unívoca e corporativista
na defesa dos próprios interesses. Mesmo que suas ações e lutas incluam a defesa
de políticas públicas gratuitas de qualidade para toda a população.
Esse lado positivo deve-se, de certa maneira, à relativa autonomia que goza o
servidor público, o que lhe permite construir práticas que favoreçam não apenas seu
exercício e a categoria profissional, mas também promovam ganhos para os
cidadãos. Essa autonomia pode estar relacionada à perspectiva de politização
impressa nas ações dos servidores públicos.
Para Poulantzas (2000), a magnitude da politização do “pessoal do Estado”
depende do contexto social, embora esteja limitada - na sua essência - pelo quadro
material do próprio Estado, pelas relações entre as classes a ele inerentes, e entre
as classes dominantes e o Estado. E há sempre uma pressão, no interior do Estado,
para se propagar aos funcionários “a imagem de um Estado neutro, representante
dos interesses gerais, árbitro dos conflitos entre as classes, instrumentos da ordem,
da justiça e do equilíbrio, em favor dos fracos e acima das classes” (p. 158).
Por outro lado, vários são os instrumentos legais que favorecem certa
pressão e controle do Estado sobre o servidor. Dentre eles, podem ser citados o
Código de Ética do Servidor Público, o próprio Regime Jurídico, e os instrumentos
avaliativos usados para a efetivação do servidor, em que são endossados os
princípios de impessoalidade, responsabilidade, compromisso e zelo, considerando
as forças políticas existentes na administração do Estado. Esses se aliam às
políticas governamentais, no sentido de ampliar os direitos sociais de quem dela
necessitar, ou são cumpridores, “guardiões e zeladores”, da ordem pública, no
cumprimento da lei, conforme preconiza o Estado.
França (1993) também analisa o funcionário público como uma categoria
social, embora o situe como parte integrante da estrutura de classes brasileira. Isso
significa que a interpretação das suas mentalidades, ou dos modos de compreender
a si e aos outros, passa pela análise das posições em que se encontram nas
relações de produção, incluindo aí a fábrica, o sindicato, o partido, as outras classes
sociais e os governantes (IANNI, 1975, apud FRANÇA, 1993, p.15).
No foco utilizado pela autora, a categoria social não se define pelo lugar que
ocupa no processo de produção capitalista, mas em relação à sua posição política.
47
Enfim, em sua análise a categoria servidor público expressa sua
consciência política no grau de compromisso com suas organizações
coletivas com os partidos políticos, na participação ou não em greves, mas
também nas suas relações de trabalho, manifestações culturais, lazer,
sonhos para o futuro [...] (FRANÇA, 1993, p.16).
É nas relações sociais, no trabalho, que o servidor expressa sua consciência
social relacionada aos usuários de sua ação, que pode estar caracterizada com
compromisso, ética e responsabilidade no cotidiano ou, ao contrário, pois, apesar
dos deveres estabelecidos, há certa tolerância no trabalho do servidor que Giffoni
(1993) chama de “disciplina frouxa”.
Suas decisões e escolhas permitem que se posicione conforme sua
consciência política, pois “não é a consciência que determina a vida, mas a vida que
determina a consciência” (MARX e ENGELS, 1987). Portanto, é no cotidiano que se
identifica para que lado está direcionada a ação.
Nesse contexto, fica notório que o Estado não é neutro, entre outros fatores a
intervenção do servidor por meio do exercício profissional. Não obstante, é ética e,
acima de tudo, correta, a impessoalidade exercida nas funções públicas, no sentido
de não favorecer algo ou alguma coisa a alguém, ou seja, quando se trata de não
apadrinhamento.
Há de se considerar também que a relevância da participação social do
servidor nas manifestações públicas, é uma das forças que ainda prevalecem,
principalmente hoje, quando os movimentos sociais enfraqueceram suas lutas em
defesa das políticas públicas com qualidade. Por conseguinte, nota-se que os
servidores públicos talvez sejam uma das poucas classes trabalhadoras que ainda
detêm grande potencial para provocar a retomada da mobilização dos seus
membros, muito embora seu movimento organizacional esteja perdendo fôlego,
parecendo seguir a mesma dinâmica de desmobilização e desmotivação da classe
trabalhadora em geral.
Apesar das peculiaridades empregatícias com o Estado, percebe-se um
grande número de jovens e adultos que almejam o serviço público, a fim de garantir
a tão desejada estabilidade por parte da maioria dos trabalhadores. Em tempos de
desemprego e da precarização das relações de trabalho, existentes no começo do
século XXI, por conta de vários fatores estruturais da forma de organização do
trabalho, do avanço tecnológico e da própria lógica da sociedade capitalista, o
48
serviço público passa a ser um dos poucos setores com favoráveis condições de
trabalho, principalmente a estabilidade no emprego.
Existe hoje, no mercado educacional, um grande número de cursos
preparatórios
para
concursos
públicos.
Os
candidatos
são
denominados,
popularmente, de concurseiros, aqueles que vivem se submetendo a concursos
públicos. Esse é um mercado em ascensão. No início de 2010, São Paulo sediou a I
Feira, cujo tema central era o Mercado do Concurso, em que se discutiu e
divulgaram-se material didático, apostilas, palestras motivacionais, etc.
Os jovens e adultos que concluem o ensino básico e entram nas faculdades,
começam a se preparar para prestar concursos. Há quem até estimule a entrada no
serviço público, deixando os estudos universitários para depois do serviço público. A
maioria dos servidores públicos de nível médio são detentores do diploma
universitário ou estão frequentando o curso superior.
Os estudos de Dallari (1989) e França (1993), sobre os funcionários, apontam
para um cenário desolador, em relação a esses trabalhadores, pois, naquele
momento histórico, prevalecia a crença de que o serviço público era para quem “não
conseguia outro emprego”; para quem não dispunha de “muita vontade de
trabalhar”; e para quem tinha sido derrotado na competição profissional dentro do
setor privado. Essa crença não condiz com a realidade social de hoje, visto que o
emprego público está cada vez mais concorrido, não só em número de candidatos
como também em relação ao grau de qualificação.
Quando da realização de concursos em alguns estados, municípios e mesmo
no nível federal, direcionados para cargos de nível médio (NM) ou nível de apoio
(NA), a mídia frequentemente chama a atenção para o número de candidatos
possuidores de cursos universitários.
Já no tocante à questão salarial, é complicado afirmar que o salário hoje é “de
fome”. Alguns estudos mostram que o valor salarial do servidor público de NM está
compatível com o mercado, enquanto outros o apontam como acima da média dos
trabalhadores de escritórios privados no Brasil. França (1993), referindo-se ao
ingresso no serviço público, diz que
Há aqui todo um processo de reprodução das classes sociais e de suas
frações: o jovem pobre e com pouca instrução, oriundo a maioria das vezes
de famílias não operárias, que também não vai à procura de um trabalho
operário desqualificado, menos valorizado socialmente e mais distante de
suas relações concretas da vida. Ao mesmo tempo, não tem formação
49
suficiente para obter um trabalho operário qualificado. Mercadoria barata e
muito ofertada, esta força de trabalho enfrenta grande rotatividade de
público, seja se aproveitando da existência de alguma situação clientelista
[na época, antes da CF 88 era possível esta forma de ingresso no serviço
público], torna-se funcionário público, um trabalhador raramente demitido (p.
33).
Claro que, passados pouco mais de 20 anos da promulgação constitucional
de 1988 e da reflexão da autora, o serviço público mudou. Hoje, o servidor chega
com um grau de formação mais elevado do que é solicitado para o desempenho do
cargo; sua classe social de origem, em sua maioria, não se refere à classe popular,
nem sua formação, no ensino fundamental e no médio, foi realizada na escola
pública. Esses indicativos configuram-se como hipóteses a serem demonstradas
mais adiante nos resultados da pesquisa. Hoje, o servidor público vem, em sua
maioria, da classe média e da média alta, tendo no serviço público a possibilidade
de se qualificar e capacitar-se ainda mais e de forma subsidiada pelo Estado.
O servidor jovem que entra no serviço público com formação superior não tem
o desejo, nem a intenção, de permanecer no cargo de NM. Igualmente, seu desejo é
fazer uma carreira que o leve ao nível superior, no mínimo. Pressupondo que o
servidor NM, com formação superior, ou que está cursando, não tenha interesse de
continuar no cargo, portanto, não demonstre a vontade de ser servidor público, seu
projeto é buscar o que o serviço público lhe oferece de mecanismos para que possa
dar seus voos, dentro ou fora do Estado e, se possível, conciliando-os.
Frequentemente, nota-se que, se o servidor permanece em cargos de NM, é
por falta de oportunidade de emprego que garanta estabilidade e proteção social, o
que poderá levá-lo a certo desinteresse pelo serviço público ou até à somatização
de doenças. Podem-se citar alguns distúrbios ocupacionais contidos no modo de
trabalho cotidiano que favorece o adoecimento: repetição continuada de tarefas,
sedentarismo no desempenho ocupacional, déficit de atenção, estresse, monotonia,
disfunções afetivas e sociais.
Há necessidade de que os setores que trabalham com as políticas de
Recursos Humanos estabeleçam para o servidor um plano de capacitação, não
voltado apenas para “o fazer técnico”, mas que contemple o seu desenvolvimento
na totalidade.
Alguns dados sobre satisfação do servidor demonstram elevado grau quanto
à rotina de trabalho. Em levantamento realizado pelo Ministério de Planejamento,
50
Orçamento e Gestão (MPOG), num total de mil servidores entrevistados, 638,7
responderam ser boa sua rotina de trabalho. Contraditoriamente, os distúrbios acima
apresentados aparecem nesse mesmo levantamento, feito e apresentado pelo
MPOG em seminário sobre saúde do servidor público, realizado em 2007.
As atividades desenvolvidas por esses servidores de NM continuam existindo
na chamada burocracia estatal e coexistindo com as novas tecnologias, como o
computador, a Internet, o correio eletrônico. É fato que parte dessa burocracia
automatizou-se, mas o seu caráter de emitir parecer, fazer cumprir a lei, normatizar
serviços, padronizar serviços, ainda permanecem. Ou seja, cumpre-se; registre-se;
tenho dito; salvo melhor juízo, são expressões utilizadas nas emissões e conclusões
dos pareceres.
Há também a situação em que o servidor de NM é muito mal aproveitado, ou
seja, em que não é utilizado seu potencial e, não raro, às vezes, busca as unidades
de Recursos Humanos para reclamar da desqualificação dos serviços que lhes são
solicitados e, consequentemente, por ele prestado.
Os fatores observados são elementos que compõem essa categoria social e
poderão interferir no processo de trabalho, alterando o estado de saúde do servidor
público.
1.1.3. Carreira Profissional: Ilusão, Desilusão, Realização
Segundo Poulantzas (2000, p.156), analisando as contradições de classe no
seio do Estado, por meio das divisões internas do pessoal – em amplo sentido –
identificam-se diversas burocracias estatais, administrativas, judiciária, militar,
policial, etc. Essas divisões internas favorecem o surgimento de várias carreiras
profissionais e dificultam a unificação do movimento social pelos interesses dessa
categoria social, como também complexificam a burocracia estatal.
Mesmo que forme uma categoria social detentora de unidade própria e de
autonomia relativa, não deixa de ter um lugar de classe, na divisão social de
trabalho; não se trata de um grupo social à parte, ou acima das classes. Conforme a
posição que ocupe na divisão do trabalho no Estado, poderá aliar-se aos interesses
das classes que vivem do trabalho de reproduzir os valores da burguesia,
demonstrando representação do Estado.
51
Com relação à divisão social do trabalho, Poulantzas (2000) coloca como se
especifica a reprodução no Estado, como trabalho intelectual, trabalho manual, e no
próprio seio do trabalho intelectual concentrado no Estado: incumbência ou lugar de
classe burguesa, para as altas esferas desse pessoal; pequena burguesia, para os
escalões intermediários; e os subalternos dos aparelhos de Estado.
No âmbito das universidades, a materialidade dessa divisão entre o trabalho
intelectual e o trabalho manual está sedimentada com a criação de carreiras e
cargos distintos: cargo de professor universitário e carreira específica; bem como os
cargos dos técnicos administrativos, subdivididos em três níveis: 1) Nível superior
(NS); 2) Nível médio (NM); e 3) Nível de apoio (NA). Dessa subdivisão, pode-se
representá-los, como sendo os servidores de NS, a pequena e a alta burguesias; os
servidores de NM, os pequenos burgueses e a classe subalterna; e os servidores de
NA, como aqueles que se encontram em processo de extinção desses cargos no
Estado.
França (1993) afirma que, na consciência política do pequeno funcionário
público, são visíveis as destituições de classes dentro do espaço do serviço público.
Por exemplo, as heterogeneidades do real, em que o almirante brigadeiro é muito
distinto dos soldados, ou do aprendiz de marinheiro; a de um juiz togado do Tribunal
Federal Superior, ou um ministro, que são muito diferentes do serventuário de
justiça, etc. Outro exemplo, mais próximo de nosso objeto de investigação, é a
universidade, em que as relações de trabalho entre o reitor e um motorista são muito
diferentes, em diversos aspectos da vida e das condições de trabalho.
A reprodução das classes sociais antagônicas, especialmente daquelas que
representam o poder estatal (os chefes, assessores, diretores) também traz valores
e ideologias da classe burguesa. Muito embora considere predominantemente os
interesses da classe dominante, não exclui os interesses das demais classes
sociais, os quais se encontram em permanente jogo de poder. Assim se estabelece
a correlação de forças entre as classes, entrando na disputa os interesses
antagônicos da categoria de servidores e segmentos.
Há, no interior da divisão de classes no espaço do Estado, uma tensão
política por estar, cada qual, defendendo interesses e carreiras distintas, mesmo que
atuando na esfera do Estado, e em uma mesma instituição, com os mesmos
objetivos comuns.
52
Considerando todos os aspectos até aqui discutidos, pergunta-se: É possível
ter uma definição que se aproxime dessa categoria polissêmica, de origens
diferentes e com cargos tão específicos e particulares dentro da esfera estatal?
França (1993, p. 57), relembra que Mills (1969) havia apontado como “traço
característico” desta categoria social o fato de proclamarem um prestígio mais
elevado do que o do operário e também quanto à massa anônima do público.
As afirmações de Poulantzas (2000) são visíveis na prática, quanto à
reprodução social de classes do servidor que no seu cotidiano poderá assumir a
ideologia dominante do Estado neutro. Este reproduz e inculca, tendo igualmente a
função de constituir o cimento interno dos aparelhos de Estado e da unidade de seu
pessoal. Essa ideologia dominante, na defesa dos interesses da sociedade civil, dos
cidadãos, se diz impessoal e isenta nos julgamentos e arbítrio do bem-estar geral de
todos.
O
pessoal
do
Estado,
segundo
Poulantzas (2000), reivindica uma
descolonização do Estado em relação aos interesses econômicos, o que, segundo o
autor, significa o retorno a uma virgindade supostamente possível do Estado, que
lhe permite assumir seu próprio papel de direção política.
O autor, em sua análise sobre o papel político do pessoal, vislumbra a
possibilidade da transformação do Estado capitalista, considerando que os limites
dessa politização não passam de enfeites do arcabouço material do Estado e são,
consequentemente, consubstanciáveis ao lugar próprio desse pessoal na divisão
social do trabalho. Afirma que a tendência esquerdizante de apenas uma parte do
pessoal não basta para transformar a relação entre o Estado e as massas
populares.
Atualizando essa tendência que defende, hoje, os direitos universalistas das
políticas de saúde, educação, de participação nas decisões políticas, econômicas e
sociais, encontra-se em todas as camadas ou segmentos do serviço público, porém
há certo deslocamento ou desmobilização que acompanha o movimento societário,
caracterizando a política neoliberal de minimizar a execução das políticas sociais,
pulverizando-as, privatizando-as, com o mercado e o terceiro setor.
Outra característica do pessoal de Estado identificada por Poulantzas (2000)
são as resistências ao papel que assume de “cão de guarda” do bloco no poder.
Essa resistência, às vezes, tende para os interesses das classes populares, para a
descontinuidade das práticas do Estado e para a defesa dos chamados privilégios
53
corporativos. O exemplo dado pelo autor é a estabilidade do Estado e do seu
pessoal. Nesse sentido, o estudioso reconhece que, apesar das críticas, esse é um
fator que favorece incontestavelmente suas politizações. Acrescenta-se a autonomia
no fazer do pessoal, que proporciona uma intencionalidade não apenas técnica, mas
na política, em benefício da população por ela atendida.
Após a constatação de que houve significativa mudança no nível de
escolaridade do servidor público de NM, no cotidiano, não se evidencia a
predominância da consciência de que seu trabalho tem uma direção social e política.
Ou seja, não se coloca em questionamento o papel de defender os interesses da
população enquanto usuária dos serviços, muito embora essa mesma defesa
apareça nas pautas reivindicatórias das greves, ambas as tendências acontecem na
prática.
Nas pesquisas de França (1993, p. 51), pouco mais dos 50% dos
entrevistados reconhecem a natureza especial do seu trabalho naquilo que ele tem
de coletivo. Desses, 15% se reconhecem administradores do povo e 35% como
funcionários do governo, sendo que, para os outros 25%, esse é um trabalho igual
aos demais, respeitando a responsabilidade de cada qual.
1.1.4. Burocracia Estatal - Traço comum entre os servidores públicos
Um dos traços comuns encontrados em quase todos os estudos sobre o
servidor público e que caracteriza o seu trabalho - principalmente dos que estão
exercendo cargo de NM, na administração pública - é relativo à incorporação da
burocracia estatal em seu fazer profissional.
No sentido mais amplo - a burocracia está na forma como o servidor exerce
sua função política nos diversos âmbitos do poder estatal. Giffoni (1993) utiliza a
tipologia adotada por Guerreiro (1990), e que, neste trabalho, será reproduzida a fim
de esclarecer o entendimento sobre burocracia e como funciona a rotina dos
servidores públicos.
Com base nesses estudiosos, o funcionalismo público está dividido em cinco
estratos: burocracia eleita ou política propriamente; burocracia diretorial e quase
política; burocracia técnica e profissional; burocracia auxiliar; e burocracia proletária.
54
A burocracia eleita ou propriamente política, composta pelo Presidente da
República e os titulares das funções dos níveis das Administrações federal, estadual
e municipal, isto é, ministros de Estado, governadores, prefeitos, secretários
estaduais e municipais.
O que caracteriza esse estrato é seu caráter eminentemente político, ao
mesmo tempo em que transitório, pois sua ação dura o período do mandato dessas
autoridades.
Dois traços dessa burocracia eleita são o caráter político, acrescido do
partidário, que dará a tônica daquele mandato, ao mesmo tempo em que a direção
de planos, programas e projetos daquele período não tem continuidade,
caracterizando o segundo caráter, o da transitoriedade.
Não significa dizer resistência às mudanças, mas o político-partidário
predomina quase sempre sem considerar as avaliações e interesses coletivos.
Esses dois traços vão interferir diretamente na ação do servidor público e nem
sempre de forma positiva, fazendo a descrição das mudanças e resistências a estas.
Quase sempre é vista como uma onda, um modismo, portanto, transitória como o
mandato.
A burocracia diretorial e quase sempre política, não está sujeita apenas ao
mandato, pois seu status não é obtido propriamente pela ligação de fidelidade ao
chefe do Executivo. São servidores públicos de distintas profissões e categorias, que
permanecem nos altos cargos e funções por força da competência específica ou de
alianças informais. Constituem o mais político dos estratos da burocracia, pois
ajustam as decisões do estrato superior às circunstâncias concretas.
A burocracia diretorial como aquela onde os servidores públicos, que alcança
os altos cargos ou funções denominadas de Cargo de Direção (CD) e Funções
Gratificadas (FG), demonstram ter mais do que competência técnica, e sim política,
para manter-se nos cargos de mando. Estão sempre em dia com as notícias e
alterações do Diário Oficial da União (DOU), hoje de forma eletrônica, e sempre
procuram reunir-se em comissões, comitês e grupos para estabelecer estratégias e
elaborar documentos que dêem sustentação à política superior.
Podemos destacar também, nessa burocracia diretorial, aquelas instituições
em que predominam a democracia e a consciência de cidadania, em busca da
participação na direção político-administrativa, como é o caso das universidades
públicas, em que a escolha dos altos cargos, os chamados primeiro escalão - cargo
55
de reitor, vice-reitor -, se dá pela consulta eletiva, onde a comunidade universitária:
professores, estudantes e os técnicos administrativos, manifestam suas opções pelo
voto, reproduzindo a burocracia eletiva.
Destacam-se ainda, nesse tipo de burocracia diretorial, os servidores que
detêm experiências adquiridas na execução do trabalho e uma exoneração em
massa poderia acarretar um “desastre administrativo”.
Segundo os autores estudados, em certos contextos, aderem às mudanças
propostas pela burocracia eleita para a administração, se forem trazer algumas
vantagens materiais, prestígio e poder, caso contrário, podem resistir.
Com o advento da informática e da tecnologia eletrônica e a criação dos
sistemas de pessoal, financeiro, etc., funcionando em rede nacional, um desastre
administrativo está cada vez mais próximo da burocracia eletiva central, pois a
maioria das instituições repassa e alimenta os dados da rede, que são controlados
por um sistema único.
Enfim, a impressão que se tem é que não existe mais a ameaça de um
desastre administrativo local, no entanto, pode ter um deslocamento muito maior, de
uma desenvoltura de dimensão proporcional ao Estado.
A burocracia técnica profissional é composta por ocupantes de cargos e
funções
profissionais,
como
médicos,
engenheiros,
juristas,
técnicos
de
administração, assistentes sociais, professores, etc. É um estrato operacionalmente
necessário, mas não é possível prever seu comportamento em relação às propostas
de mudança. Estão sempre em conflito com a burocracia diretorial, se portam como
“especialistas”, cujos interesses profissionais se opõem às mudanças.
Resistem ao que possa ameaçar sua liberdade de ação, ao que enfraqueça
seu poder de negociar, diminua a importância de seu saber técnico para o
funcionamento da organização. Costumam permanecer na defensiva e sua ação é
conservadora.
Entre os tipos de burocracia aqui analisada, talvez seja a mais heterogênea,
dos grupos que compõem a burocracia estatal, por ser composta por profissionais
com formações e saberes específicos, bem como possuem projetos profissionais,
sociais e seus aparatos legais, que orientam o exercício de cada profissional, o que
lhes proporcionam certo grau de autonomia e liberdade de ação.
A possibilidade de esse estrato fazer alianças com a burocracia diretorial
dependerá de várias reuniões de negociações, e entendam que as mudanças ou
56
projetos preteridos lhes trarão certos benefícios materiais, privilégios e manterão seu
status quo.
Esses profissionais da burocracia técnica não se denominam “servidor
público”, quando fazem referência ao cargo que ocupam, sempre se referem ao
cargo da formação profissional, ou comprovam a superioridade da profissão ao de
servidor público.
A atitude de demonstrar a superioridade da profissão ao estatuto de servidor
público, poderá levá-los a pensar que estão acima do Estado, e assim assumir a
função pública a serviço do bem comum passa a não ter prioridade, colocando seus
interesses em primeira instância.
A burocracia auxiliar é constituída pela maioria dos servidores públicos
contínua, servente, (os denominados Agentes Operacionais de Serviços Diversos –
AOSD). São os servidores públicos que têm pouca participação nas propostas
inovadoras do trabalho, apresentando-se em geral como agentes passivos de
programas
de
modernização,
sendo
sua
estratégia
limitada
ao
domínio
circunstancial em que realizam suas atividades.
A
burocracia
proletária,
composta
pelos
denominados
funcionários
operacionais de limpeza, cozinha, construção, etc., é o estrato mais passivo e pouco
participativo diante das propostas de mudanças na Administração Pública.
Hoje, na realidade do serviço público, vários cargos e funções foram extintos
no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), no início dos anos 90. Praticamente
parte da burocracia auxiliar, como os cargos da burocracia proletária, saíram da rede
pública, passando, os serviços, a serem executados pelas empresas prestadoras de
serviços de limpeza, segurança, lavanderia, cozinha, etc., e deixando de pertencer
ao quadro estatal.
Nessa tentativa de aproximação de um conceito sobre o servidor público, de
suas principais características, entre outros traços marcantes, como a burocracia,
tornaram evidentes que a concepção sobre o servidor público é muito fragmentada,
tanto para legistas, como para estudiosos sobre o assunto, que observam a
complexidade e a heterogeneidade do tema.
Muito embora algumas características os tornem próximos - um regime
estatutário que rege as categorias; a entrada mediante
concurso público,
ressalvadas as particularidades das exigências do cargo público; a estabilidade
garantida por lei - o que os diferencia dos demais trabalhadores em geral - o Estado
57
- no papel de patrão e a natureza política e burocrática dessa atividade. São esses
traços que conferem forma a essa categoria social.
São essas algumas características marcantes, no desenvolver do trabalho, e
outras serão agregadas, mas constatam-se também alguns distanciamentos
existentes nessa categoria social que compõem o quadro de trabalhadores públicos.
Um é o que reproduz o conceito de classe social, nos moldes do sistema capitalista
de dominantes e dominados, em que a classe que compõem a burocracia diretorial
incorpora o próprio patrão, e a classe dos NMs, a classe auxiliar, executora dos
serviços de escritório etc.
Percebe-se também que a classe da burocracia técnica, no exercício de um
cargo de nível superior, possui maior grau de autonomia e, ao mesmo tempo, não se
denomina como servidor público; sua identidade é a profissão que exerce no cargo
público.
Por outro lado, um dado que chama a atenção, e que merece melhor
verificação, na prática, diz respeito à imagem negativa do servidor público, a
midiática, o senso comum de um profissional que não gosta de trabalhar. Esse é um
dado relevante para se trabalhar na pesquisa de campo, pois o objeto tratado é a
saúde do servidor, e a imagem, como o servidor se vê, diz muito do estado de bemestar social e da saúde. Os estudos aqui citados mostram o que se fala a respeito do
servidor, portanto saber como ele é, assim como a imagem que faz de si próprio, é
relevante para definir sua saúde mental e, consequentemente, a repercussão no
trabalho.
Além disso, mais um traço que chama a atenção pela objetividade de
expressão (reconhecimento) é o corporativismo dessa categoria social. Nos
capítulos que se seguem, o tema será relacionado com os direitos sociais desses
trabalhadores, vistos hoje pela sociedade como privilégios.
Atualmente, o servidor público não possui uma única identidade, tanto no
fazer profissional como nas ações a ele atribuídas. A maioria continua em busca da
estabilidade no emprego.
Essa situação poderá levá-lo a desenvolver alguns sintomas que prejudiquem
sua saúde e o desenvolvimento no trabalho, por causa da apatia, desinteresse pelo
trabalho, estresse proveniente da monotonia do trabalho com o qual não possui
identificação. Preliminarmente, indica-se que o fato ocorre principalmente com os
servidores de NM, no caso em estudo, os auxiliares e técnicos de enfermagem.
58
Os servidores de NS utilizam-se do status quo que lhe confere o ingresso
numa universidade, demonstrando ter competência técnica na investidura do cargo.
É bom ter consciência de que o servidor público tem como patrão o público, que
paga impostos, tributos de todas as espécies, e possui o direito de retorno por meio
da prestação de bons serviços públicos.
1.2.
A Dimensão Social do Processo Trabalho, Doença e Saúde
A abordagem do processo saúde e doença do trabalhador será fundamentada
nos estudos de Laurell (1989) e outros, os quais agregam ao tema a dimensão
coletiva dos fatores e elementos que contribuem para o desgaste do operário,
baseados em estudos numa siderúrgica na cidade do México.
A pesquisa citada demonstra a existência, nessa área de trabalho, de uma
problemática comum nos limites do trabalho e fora dele, potencializando as
reivindicações dos trabalhadores pela saúde e pela vida.
Segundo Laurell, a saúde dos trabalhadores, de qualquer forma, é uma área
prioritária de investigação, pois se mostra como um tema privilegiado para a
construção de um novo modo de entender e analisar a “saúde - doença coletiva”
desse grupo, enquanto um processo social. Posto o elemento social na saúde e no
trabalho, significa entender e explorar a relação entre ambos, para compreender
como se articula e expressa a saúde enquanto processo social. É no processo de
trabalho que se percebe a materialidade das relações sociais de extração de maisvalia em determinada sociedade capitalista.
O estudo da saúde do trabalhador remonta a Revolução Industrial, da Europa,
contexto em que Marx e Engels tratam da questão da espoliação da vida e, por
conseguinte, abordam a saúde do operário como uma das expressões concretas da
exploração capitalista, sobretudo naquela época, na Inglaterra.
A situação era tão grave e séria que colocava em perigo a reprodução da
força de trabalho, pois as taxas de mortalidade superavam as de natalidade. Para
amenizá-la, surgiram as primeiras medidas da burguesia, dona do capital, com foco
na atenção médica e nos “riscos do trabalho”. Ou seja, ocorre a parcialização da
questão da saúde e doença do operário, em que a doença passa a ser vista como
59
resultado da ação de agentes específicos, os riscos, e a solução é centrada na ação
curativa, caracterizando o domínio do Modelo Médico.
Essa visão parcial obscurece o complexo entendimento da relação no
processo de trabalho-saúde, visto que uma parte dela é colocada fora do âmbito do
trabalho e passa a ser compreendida como “doença natural ou geral”, portanto, um
problema pessoal do indivíduo. Quanto à parte reconhecida como trabalho,
restringe-se à compreensão apenas para os riscos físicos, químicos, biológicos e
mecânicos. Estes poderiam, e assim o eram - às vezes -, ser abordados com ações
de prevenção e até mesmo indenização, de alguma forma.
No final da década de 1960 e início de 1970, com os movimentos operários e
o questionamento do mundo capitalista, renasce a discussão contra a parcialização
do processo trabalho-saúde, pela lógica da individualização do problema. Essa visão
recupera o processo de trabalho como espaço concreto de exploração, e a saúde do
operário como expressão igualmente concreta dessa exploração.
Esse olhar gera, no campo da Medicina do Trabalho, uma crise do paradigma
científico dessa prática e do campo profissional. Observa-se que hoje, passadas
algumas décadas, o modelo da Medicina do Trabalho que ainda prevalece é a
hegemonia do saber e do fazer médico, muito embora seja possível verificar que as
outras ciências vêm participando na construção do conhecimento, assim como as
ciências sociais, a psicologia e o próprio Serviço Social, quando se volta para a
execução das políticas de saúde.
Nesse sentido, Laurell (1989, p. 23) coloca que o retorno à fábrica tornou-se
necessário para decifrar a realidade, sair do hospital, para entender a doença. Esses
movimentos permitiram retomar a exploração da relação trabalho-saúde e
compreender o caráter social do processo de saúde-doença, para sustentar uma
nova prática social com relação à saúde do operário, exigida pelos movimentos
sociais.
Conhecer o modo de produção do trabalhador, verificar suas condições
físicas, psíquicas, os maquinários, entre outros elementos, é uma forma de decifrar a
realidade social em que desenvolve sua produção e a exploração de sua força de
trabalho, o bem precioso de que dispõe a classe trabalhadora. Desvendar essa
realidade é uma das condições para conhecer o caráter social da relação trabalhosaúde.
60
O elemento teórico metodológico que analisa o social no processo trabalhosaúde, recorrente na América Latina, é o marxismo – corrente hegemônica na
perspectiva crítica das ciências sociais – constituindo eixos analítico e crítico da
exploração desse espaço particular da realidade. A análise do processo da saúde
com base no marxismo possibilita a abordagem social, dando visibilidade às
relações sociais, permitindo que o trabalhador conheça os fatores sociais e de risco
que interferem na saúde, desmistificando e desnaturalizando-os.
Outra forma de exterioridade do social, na saúde, é que, mesmo quando não
se opõe a reconhecer a historicidade da doença, a explica como fatores
biopsicológicos humanos, mais do que como formas históricas vividas. A
exterioridade da análise social do processo trabalho-saúde traz outra questão
relacionada, enquanto noção como atividade humana básica e que assume formas
específicas como expressão das relações sociais, sob as quais se realiza.
Também não está presente como processo de produção, mas como ambiente
de trabalho, em que os homens entram em contato com determinados riscos: físicoquímico-biológicos e mecânicos. Em análises como essa, sem priorização da
dimensão social, mas voltada para o ambiente - espaço delimitado no trabalho -, o
importante é controlar e manter os riscos com medidas de segurança e médicas.
Não obstante, não há qualquer preocupação, no processo, em relação à sua
totalidade, fato que poderia repercutir numa ação que permitisse dar conta da
articulação complexa do processo produtivo e saúde.
Enfim, a saúde explica-se em si mesma, por meio da medicação dos riscos,
do atendimento de insalubridade dos ambientes, de medidas de higiene e
segurança. Os processos sociopolíticos estabelecidos no modo de produção são
deixados à parte, e analisados como exteriores à saúde. Não se considera a
historicidade dos sujeitos enquanto trabalhadores e construtores da produção social,
de sua vida e de experiências que podem contribuir para um melhor conhecimento
da saúde e, coletivamente, buscar melhores condições de vida e saúde da classe
trabalhadora.
61
1.3.
A Saúde Relacionada com a Condição de Vida e Trabalho do Trabalhador:
Uma Análise Social
A saúde, relacionada à condição de trabalhador, surge como expressão
concreta do conjunto das relações e contradições que vive a classe operária. A
investigação social oferece uma visão diferente ao estudo do processo trabalhosaúde.
A inclusão da condição de vida do trabalhador entre os fatores que
contribuem para o conhecimento dos problemas de saúde da classe operária,
apesar de não apresentar preconceito da hegemonia médica, ocasiona algumas
complicações, segundo Laurell (1989, p. 29), ao se tentar precisar a especificidade
do objeto de estudo do processo saúde-doença.
Vários estudos buscam analisar o contexto social relacionado à saúde do
trabalhador. Laurell (1989) exemplifica com algumas experiências vivenciadas no
México, como é o caso da indústria moageira, investigada por Carrillo, com o
enfoque central em constituir uma categoria analítica a partir da sua particular
constituição econômica, legal, política e características de seu processo de trabalho.
Daí analisa os riscos do trabalho.
Considera os riscos definidos pela legalidade daquele país, ainda que os
elementos sociais, como monotonia, altos ritmos, supervisão estrita, tenham sido
coletados separadamente dos riscos derivados dos instrumentos de trabalho e dos
elementos tóxicos, são assinalados como “doença geral”. Duas observações
importantes resultaram desse estudo. A primeira mostra alta frequência de sinais e
sintomas inespecíficos como expressão de dano no trabalho, mas que não chegam
a formar um quadro reconhecidamente médico como enfermidade. A segunda
confirma que os riscos de trabalho se comportam diferentemente, na indústria
investigada, e nas demais indústrias, ainda que de um mesmo ramo.
Pode-se considerar que os riscos físicos, químicos e biológicos variam
conforme os ambientes, mesmo dentro do mesmo espaço e que, apesar da
constatação dos elementos sociais, estes não são analisados como fatores que
interferem nos danos à saúde do trabalhador na experiência relatada.
Laurell (1989), ainda sobre a produção do trabalhador, citando estudo de
Mertens, a respeito da Teoria da Revolução Tecnológica, tem o mérito de
sistematizar suas possíveis implicações na saúde do operário. Centraliza sua
62
análise na microeletrônica e assinala quanto a robotização tende a ser um processo
desigual dentro de determinado centro de trabalho, gerando nova constelação de
elementos nocivos, quando deveria eliminar os riscos tradicionais, como a exposição
ao ruído, ao calor e aos tóxicos. Essas novas tecnologias tendem a aprofundar a
tensão nervosa, pois aumentam o trabalho por turno, a monotonia, os altos ritmos, o
isolamento e a falta de controle. A indústria da microeletrônica enfatiza o uso
abundante de produtos químicos que têm efeitos na saúde: intoxicações agudas e
crônicas, irritação das vias respiratórias e câncer.
Essa análise leva-nos a refletir sobre as novas tecnologias e a sua forma de
expressão na saúde, pois, apesar de libertarem o trabalhador de parte da força
física, de movimentar cargas pesadas, não proporcionam melhoria na saúde. Além
dos riscos tradicionais, agregam outros elementos, que isolam o trabalhador,
dificultando suas relações de classe, geram mais competitividade na indústria e,
consequentemente, exploração da força de trabalho. Essas expressões, que se
refletem na saúde, vão além de um problema puramente de enfermidade, pois
tornam-se também sociais.
No plano latino-americano, Laurell (1989) analisa a “classe operária e
condições de trabalho” - especialmente a experiência de um grupo de argentinos,
que define o estudo das condições de trabalho, bem como do processo de trabalho,
segundo seu significado marxista, privilegiando enquanto referência empírica a
saúde dos trabalhadores.
Na perspectiva marxista, o grupo desenvolve uma proposta inovadora,
utilizando o método Laboratório de Economia e Sociologia do Trabalho (Lest), à
medida que pretende abranger desde os riscos tradicionais até os elementos
psicossociológicos.
Ao focalizar a análise nas características do posto do trabalho, não capta a
lógica global do mesmo processo e sua relação com o processo de valorização.
Nesse método, a saúde aparece mais como indicador do que como um problema em
si. Em todas as experiências estudadas por Laurell (1989), há um ponto comum a
todos que pretendem investigar a saúde no processo de trabalho, mas que não dão
conta da problemática em sua totalidade, que é o fato de focalizar o espaço restrito,
ou seja, o posto de trabalho. Perde-se, assim, a visão das relações sociais que
permeiam todos os demais fatores condicionantes do processo trabalho-saúde.
Nesse sentido, há indicativos de que um dos elementos que precisam ser mais
63
explorados, e que dará visibilidade ao processo, é o elemento social historicamente
determinado.
Outra contribuição para o estudo da saúde do operário, proveniente das
ciências sociais, trata de uma investigação stricto senso, a qual segue um modelo
teórico. O dado inovador desse modelo é a tentativa – bem-sucedida - de
desenvolver o conceito de “alienação” relacionado especificamente com a doença.
As dificuldades próprias desse conceito derivam de suas diferentes
interpretações e se intensificam ao tentar incluí-lo na análise da saúde do
trabalhador, quando explícita ou implicitamente torna a categoria alienação
equivalente ao significado de doença.
Há de se considerar também que o conceito de alienação tem dúbio
significado, na psiquiatria e no marxismo. O estudo de Laurell (1989) considera tanto
no sentido de alienação mental como no de falta de consciência social. Assim, o
significado relaciona-se com as formas de danos à saúde do trabalhador. Entretanto,
o conceito de alienação, utilizado numa perspectiva de doença, é pouco elucidativo.
Enfim, os conceitos de saúde e doença não são neutros, nem existem à
margem da sociedade. Compreender o processo de saúde e de doença não passa
necessariamente num câmbio de olhar da medicina para a ciência social, mas
requer visão ampliada em relação à complexidade do processo saúde-trabalho, na
totalidade contida nas relações sociais da produção na sociedade capitalista.
Vários são os estudos sobre saúde e trabalho, nas perspectivas sociopolítica
e histórica, que se fundamentam no marxismo, principalmente nas décadas de
1960/1970, com os movimentos sociais e sanitaristas. Numa aproximação com o
tema, várias categorias foram investigadas e estabelecidas no estudo do tema.
Assim, na relação saúde-trabalho, a principal categoria analítica é o processo
de produção. Chega-se a essa categoria, ao considerar que, na sociedade
capitalista, o processo de produção organiza toda a vida social, porque é simultâneo
ao processo de valorização do capital e dos modos específicos de trabalhar, do
processo de trabalho. Essa categoria permite estudar uma realidade concreta sob a
lógica de acumulação (processo de valorização) e seu meio, o processo de trabalho,
como um modo específico de trabalhar (desgastar-se).
Nessa concepção, não há separação entre o social e o biopsíquico, que se
unem por um vínculo de mediação externa, pois o processo de trabalho é, ao
mesmo tempo, social e biopsíquico. Os elementos que determinam os desgastes
64
biopsíquico e social são de ordem particular e variável e não mediações gerais entre
um fator social externo e um fator biológico interno.
Um clima de tensão, por exemplo, proveniente de um processo externo de
trabalho advindo da relação com a chefia, os colegas e a atividade, pode ser
classificado como tensão social, externa à dimensão biopsíquica da saúde do
trabalhador, entretanto, esse fator social poderá causar danos e desgastes
biológicos ao trabalhador. Não há como separar os aspectos biopsicossociais do
processo de trabalho.
O trabalho é uma categoria central para a compreensão do ser social, e
indispensável à sua sobrevivência. O desenvolvimento econômico-social de
qualquer sociedade, por conseguinte, também tem relação direta com o trabalho,
através do qual o homem modifica e domina a natureza e, consequentemente,
modifica-se. Para Marx e Engels (1987), o trabalho põe o homem em relação com a
natureza, e a ele cabe exercer sua criatividade, mediante a produção, e reprodução
social e material.
Historicamente, o trabalho concreto, voltado para a satisfação das
necessidades humanas, portador apenas de valor de uso, antecede o sistema
econômico capitalista. A partir da instalação da sociedade capitalista, Marx identifica
as relações de exploração do trabalho que ocorrem na produção e reprodução de
riquezas (material), desenvolvidas pelo modo de produção capitalista, advindo da
Revolução Industrial, na Inglaterra, ocorrida no início do século 19. Com esse modo
de produção, desenvolve-se o processo de alienação estabelecida na relação entre
o trabalhador e o produto social de seu trabalho.
Uma das formas de alienação (estranhamento) ocorre pela apropriação
indevida do excedente por ele produzido, o que ocorre na divisão social do trabalho.
Outra forma se dá pelo alheamento (separação) do trabalhador de seu produto final
e, por fim, via as relações sociais, políticas, econômicas e culturais estabelecidas no
modo de produção capitalista. Porém, o estranhamento do trabalho não é apenas
uma característica do fazer produtivo ou fabril stricto senso, mas é inerente à lógica
e aos princípios do sistema capitalista e envolve todas as relações sociais: material,
econômica, objetiva, subjetiva, ou seja, envolve a totalidade da vida em sociedade.
Nesse contexto societário, o trabalho realizado na esfera do Estado,
considerado como prestação de serviços públicos, não é reconhecido como
produtivo, por não estabelecer uma relação direta com o capital, não estando o
65
trabalho a ele subsumido (IAMAMOTO, 2007, p. 86). Isso não significa dizer que não
é trabalho útil, mas que não possui em sua natureza a lógica de acumulação do
capital, ou seja, não produz mercadorias para serem trocadas no mercado.
Iamamoto (2007, p. 86) afirma que o trabalho do servidor público, da polícia,
dos soldados, do sacerdote, não pode ser relacionado ao trabalho produtivo, Não
porque não seja “útil”, ou porque não se materialize “em coisas”, mas porque está
organizado segundo os princípios do direito público e são sob a forma de empresas
capitalistas privadas.5
Mesmo que se parta da concepção de que o servidor público não desenvolve
diretamente trabalho produtivo, considera-se que também o processo em que está
envolvido o desempenho de suas atividades produz alienação, gerando uma relação
complexa, que faz com que a organização da sua atividade seja – frequentemente pouco compreendida e visibilizada no resultado final, inclusive, por seus próprios
pares. Assim, o desempenho de atividades sem comprometimento consciente com
os usuários dos serviços e com aqueles que lhes pagam os salários.
Ainda segundo Iamamoto (2007), “no ambiente dos serviços, a produção
capitalista era reduzida a um grau mínimo na época de Marx, algo distinto do que
ocorre na atualidade, com o crescimento dos serviços sob a órbita do capital” (p. 87).
Por isso, reafirma-se que o trabalho é um elemento central na vida humana e
na social. Entretanto, do modo como se processa, favorece as precárias condições
que levam a enfermidades e/ou agravamento.
A crise do sistema capitalista, na atual fase de financeirização, tem afetado o
mundo do trabalho, provocando desemprego estrutural, subemprego e precarização
das condições trabalhistas e, por outro lado, sofisticando o seu processo, com o
desenvolvimento de novas tecnologias.
Antunes (1995) afirma que o trabalho concreto mantém o estatuto ontológico
na práxis humana, sem o qual não se realiza a emancipação do ser social. Portanto,
sugere que a crise no trabalho não significa o seu desaparecimento, mas a sua
complexificação, haja vista que não estão eliminadas as formas de alienação social
do trabalho.
5
Para aprofundamento, Iamamoto sugere recorrer diretamente a Rubin (1987).
66
A categoria trabalho, do ponto de vista da saúde, considera tanto o aspecto
quantitativo, o gasto da força de trabalho, quanto o aspecto qualitativo, que interfere
também no corpo, assim como as condições de vida.
Outra categoria presente no processo, diz respeito às condições de vida,
tendo como uma das principais características a generalidade, vendo o
processo de trabalho como parte destas. O problema que se enfatiza é que
o trabalhador não fica doente só na fábrica, mas também fora dela
(LAURELL, 1989, p. 39).
A ideologia dominante é de que os problemas externos ficam fora do trabalho
e não devem interferir na relação trabalhista, como se fosse possível suprimi-los
“roboticamente”. Os fatores sociais e biológicos dizem respeito às condições de vida
socioeconômico-política do servidor. Os aspectos internos e externos podem
produzir efeitos negativos na saúde.
Outros estudos que merecem destaque por sua contribuição para a discussão
do processo social do trabalho-saúde, são aqueles realizados pelos sindicatos que,
motivados a lutar por reivindicações mais complexas no campo da saúde do
trabalhador, colocam na pauta de suas assembleias pontos de discussão, como as
condições de trabalho. São estudos que têm relevância no processo de tomada de
consciência sobre os desgastes dos trabalhadores. A respeito dessa situação,
articula-se, a partir de vários elementos, a compreensão de que a doença e os
acidentes não são acontecimentos aleatórios, individuais, mas uma condição da
coletividade; a democratização do que é a função e o fazer sindical; e a
possibilidade real de lutar e conseguir mudanças (LAURELL, 1989, p. 86).
Os sindicatos são os espaços democráticos de expressão social que mais se
aproximam da classe trabalhadora e defendem seus interesses, nesse sentido, os
acontecimentos ocorridos no cotidiano do trabalho são levados para discussão e
busca de solução aos representantes do patronato, nem sempre favoráveis a
entendê-los. Com as equipes de saúde do trabalhador, procuram solucionar os
riscos, desde que não interfiram no processo de produção, como é exemplo a
redução do processo produtivo sem redução salarial. Na busca de melhores
condições de vida e da transformação social almejada pela classe trabalhadora, os
interesses dos sindicatos sobre as condições de trabalho se sobrepõem àqueles dos
indivíduos,
proporcionando
acordos
coletivos
pertinentes à saúde da totalidade dos trabalhadores.
relacionados
aos
elementos
67
Finalmente, segundo Laurell (1989, p. 53) os estudos sindicais apontam para
o fato de que os elementos concretos da organização social operária, no processo
de trabalho, são elementos-chave para interpretar o processo de desgaste.
Portanto, os movimentos sindicais têm o papel preponderante de denunciar e
reivindicar adequadas condições de trabalho e melhoria de vida; manter a
organização social dos trabalhadores, fortalecendo a classe trabalhadora – qualquer
que seja sua identidade profissional - em busca do bem-estar social, pela via do
controle social dessa mesma classe.
1.4.
As Condições Sociais de Saúde e as Desigualdades Sociais
A análise das condições sociais, um dos fatores que interferem na saúde da
classe trabalhadora no processo da produção, perpassa pela discussão sobre as
desigualdades sociais advindas das crises das sociedades capitalistas. Assim, de
antemão, é necessário considerar que o capitalismo - em sua forma globalizante
contemporânea, sob a égide do capital financeiro, que tem como alvo o trabalhador,
reduzindo, postos de serviços, o que reflete na organização dos trabalhadores,
enfraquecendo sua luta - provoca retrocesso na direção dos direitos sociais,
aumenta a precarização dos ambientes de trabalho, e fragiliza as relações sociais.
Essas situações favorecem os desgastes das condições de saúde dos
trabalhadores e, consequentemente, em sua vida como um todo. Frequentemente,
aparecem os danos, os sintomas biopsicossociais, como cansaço, estresse, medo,
sensação de insegurança, vulnerabilidade a todo tipo de violência.
Nesse cenário, os elementos complexificam-se e sobrepõem-se de forma
que não bastam apenas ações focadas na medicina do trabalho, em cima do
controle dos riscos, mas de políticas sociais que possibilitem a melhoria nas
condições
de
trabalho
e
que
reduzam
os
danos
à
saúde;
condições
socioeconômicas que tragam melhor padrão de vida; e ações de saúde que
contribuam para a promoção e prevenção de danos e desgastes do trabalhador.
No entanto, é necessário considerar que essas ações envolvem a construção
coletiva da classe trabalhadora por meio de sindicatos, da instituição, ou empresa do
trabalho público ou privado, mediante a formação de equipes de saúde responsáveis
68
pelo tema; o qual não dispensa a participação dos trabalhadores, numa perspectiva
social.
O elemento coletivo do processo de saúde é composto de vários outros
elementos sociais, mesmo que não sejam internos à saúde, como a carga de
trabalho, o desgaste em sua múltipla dimensão, as epidemiologias decorrentes do
processo de produção, as desigualdades sociais e econômicas. Todas tão nocivas
não só para a classe trabalhadora, mas para a população em sua totalidade.
As desigualdades sociais manifestam-se aumentando a disparidade entre
países ricos (centrais) e pobres (periféricos) e o distanciamento entre os capitalistas
reflete nas condições de vida da população, mais especificamente na área da saúde,
o que eleva as dimensões da vida e as compromete, como a baixa qualidade da
educação, a escassez e falta de saneamento, a precariedade dos transportes, entre
outros.
Os efeitos dos processos de desigualdade social datam ainda do início do
século colonizador, quando se implantou no Brasil o modo de produção
escravocrata, com a expropriação de mão de obra, e desprovida de todo tipo de
atendimento às necessidades sociais.
Nesse período aparecem as epidemiologias socialmente constituídas,
provenientes das precárias condições de vida na senzala, as cargas exaustivas de
trabalho forçado, a tensão do capital, do modo como controlava todo o processo do
trabalho. O negro escravo no Brasil, que sobrevivia às precárias e desumanas
condições de trabalho, era muitas vezes acometido do banzo, que Sawaia (2002)
classifica como a doença da tristeza, proveniente do sofrimento que é ético e político
advindo do modo social da expropriação não apenas da mão de obra como da
alegria, da vida e do espírito do negro.
As desigualdades manifestam-se nos diversos espaços geográficos e
socioculturais oriundos das diferenças regionais e locais, daí a relevância de estudos
que analisem as situações específicas, das regiões, contribuindo para o
conhecimento da totalidade. Outras disparidades sociais, como a concentração de
renda e de propriedade das terras, o acesso desigual às políticas sociais e os
processos discriminatórios relacionados às questões de gênero e etnia vão contribuir
para a acentuada discriminação social no País.
Esse processo pode gerar efeitos em áreas do desenvolvimento humano e
social com repercussões nas condições de vida da população e dos trabalhadores,
69
especialmente no processo de saúde-trabalho, que tem como natureza a atenção
das necessidades humanas; nos elementos biológico-mental e social, e conformase, assim, como uma das principais políticas sociais em função da demanda.
Os
efeitos
da
desigualdade
social
na
saúde
estão
evidenciados
internacionalmente nos diversos segmentos populacionais. O aumento da taxa de
desemprego, o trabalho precarizado, a desfiliação da proteção social, vivenciados
tanto nos países ricos como naqueles pobres, mesmo considerando que nestes
últimos a situação torna-se mais grave, por não ter se constituído o Estado de BemEstar Social, acumulando-se os efeitos perversos das desigualdades.
Tais desigualdades geram também um excedente de danos, como
mortalidade precoce, demandas acentuadas por serviços sociais e pouca mobilidade
social, entre outros fatores, principalmente nos segmentos mais vulneráveis e na
própria classe trabalhadora, que sente, no dia a dia, as precárias condições sociais e
os efeitos da redução do emprego e trabalho e, consequentemente, de seus direitos
trabalhistas.
Alguns
estudos
epidemiológicos
têm
contribuído
para
o
debate
e
desvendamento das relações que permeiam as desigualdades socioeconômicas e
os danos à saúde, assim como as condições de vida e de trabalho. Observa-se que,
na maioria das vezes, os baixos salários impedem que a classe trabalhadora resida
nas proximidades do seu local de trabalho, e esse distanciamento para as periferias
eleva a perda de energia corporal, antes mesmo do início do trabalho propriamente,
das atividades em lócus. A situação conduz a outro fator, que é o tempo de
locomoção, e aos altos custos, devido ao número de transportes necessários e
preço, nem sempre subsidiado pelo Estado. Essa é uma realidade para a maioria
dos trabalhadores brasileiros.
O tempo utilizado para o trajeto até o trabalho, apesar de deliberado como a
caminho do local da atividade, não é computado, nem remunerado (ida/volta), mas,
caso aconteça algum acidente durante o percurso, a medicina do trabalho assim o
registra, garantindo os direitos trabalhistas.
Braga e Canoas (2009) manifestam que o tempo é concebido sempre a partir
da relação com o trabalho, e o tempo livre vem da noção de que é isento da ação
laborativa. Logo, o tempo gasto no deslocamento, ou em qualquer outra atividade, é
tempo livre. Por conseguinte, o trabalhador que possuir melhores condições
70
socioeconômicas poderá ter mais disponibilidade de tempo livre para descanso e
reposição das forças.
Nota-se que a desigualdade existe também nas relações sociais contidas no
modo de produção, conforme a divisão do trabalho. Assim, para uns, falta tempo de
repouso, de relaxamento e também de sono, elementos que produzem as boas
condições de saúde e de trabalho do homem. Nesse sentido, o tempo é também
elemento que acentua as desigualdades sociais. A redução das horas dedicadas ao
sono e ao relaxamento encontra-se cada vez mais condicionada ao ritmo de vida
imposto pela sociedade capitalista, na extração de mais-valia.
Braga e Canoas (2009) chamam a atenção para o fato de que o tempo social
é o tempo de não trabalho, dedicado ao cuidado com a saúde, educação, o lazer, a
cultura e convivência com familiares, vizinhos, amigos, enfim, e também de
participação política e comunitária. O tempo social favorece a reposição das forças
da classe trabalhadora, mas está cada vez mais escasso, como estão escassas as
condições sociais e econômicas, que não favorecem os cuidados com a saúde e de
convivência, pois o espírito do capitalismo suga todas as horas livres do trabalhador
a serviço dos seus interesses, seja enquanto consumidor seja como trabalhador,
não lhe restando tempo para a melhoria de condições de vida. Rifikin (1997 apud
BRAGA e CANOAS, 2009) diz que antigamente o homem trabalhava para viver, e
hoje vive para trabalhar.
A violência crescente dessas mudanças sociais no modo de produção
capitalista aumenta a vulnerabilidade social, resultado dos vários condicionantes
sociais, econômicos, políticos, espirituais e culturais aos quais está exposta a
população em geral, muito embora os mais pobres estejam sujeitos a ela
cotidianamente.
Como os aspectos aqui estudados estão especificamente voltados ao
processo de trabalho, às condições sociais e de vida dos trabalhadores, vale
registrar que, hoje, muitos trabalhadores morrem por causa da violência no trânsito,
estatisticamente um número em crescimento. Outro tipo de violência é o proveniente
de assaltos, roubos, balas perdidas dos confrontos de policiais e marginais, do
tráfico de drogas, entre outros.
Logo, a violência não é apenas urbana, mas se destaca também no cotidiano
do trabalhador, precarizado, não remunerado ou mal remunerado, na falta de
políticas públicas que melhorem as condições dos transportes - onde acontecem
71
todos os tipos de agressões por um lugar para acomodar-se - e nas perdas de
direitos trabalhistas e sociais.
A esses elementos, acrescenta-se a falta e/ou escassez de políticas públicas
voltadas ao enfrentamento da questão do meio ambiente, componente da saúde da
população e dos trabalhadores, como a poluição do ar, da água; a falta de
saneamento básico, ausência de estruturas de lazer e cultura; presença de
agrotóxicos nocivos à saúde nas plantações; o desmatamento, entre outros.
Enfim, no processo de saúde-trabalho - em uma sociedade capitalista, que
tem um modo de produção em que explora a mão de obra – verificam-se vários
componentes biopsíquico-físico-químico socioeconômico que interferem na vida
cotidiana do trabalhador e que precisam ser mais bem estudados pelas áreas afeitas
à sua saúde. Portanto, o processo de produção de trabalho se dá nas relações
sociais, constituídas em um determinado tempo histórico, político e econômico, que
interferem nas condições de vida, saúde e de trabalho e lhe conferem um sentido
social.
1.5.
O Sentido do Trabalho – criação, realização, alienação e exploração
Neste processo de estudo sobre a saúde do trabalhador o servidor público, é
necessário analisar a categoria do trabalho relacionada com a sua concretização
pois é uma categoria social que efetivamente tem vínculo com o Estado, para quem
executa atividades relacionadas às políticas públicas de saúde, educação,
segurança, entre outras. É um trabalhador das relações sociais públicas, cuja
natureza é política e social.
O trabalho apresenta-se de várias formas, natureza e sentidos, para cada
momento histórico e ordem societária. Mas é sempre um momento de construção de
relações sociais, determinando a produção e a reprodução social da humanidade.
Nesse sentido, o trabalho é uma condição para a existência do ser humano e
desenvolvimento de qualquer sociedade.
Assim, Lukács (1981, apud ANTUNES, 2009) apresenta a categoria trabalho,
como a primeira forma do agir humano, em que a essência é a expressão da ação
teleológica existente em toda a práxis humana.
72
Todo trabalho humano é necessário à sociedade, à humanidade. Não há
trabalho sem sentido social, por que, em sua essência, atende a uma finalidade da
práxis humana, ou seja, busca conhecer e transformar a realidade em que vive e
habita.
Segundo Antunes (2009, p.139), o trabalho, em seu sentido mais genérico e
abstrato, como produtor de valores de uso, expressa uma relação metabólica entre o
ser social e a natureza, no seu sentido primitivo e limitado, por meio do ato
laborativo, em que objetos naturais são transformados em coisas úteis. Mais tarde,
nas formas mais desenvolvidas da práxis social, com a complexificação do homem e
da natureza, multiplicam-se as inter-relações com outros seres sociais, com os
mesmos objetivos de produção de valores de uso.
Assim emergem as relações sociais, nas interações com os seres, que se
inter-relacionam para realizar determinada ação teleológica. Isso ocorre porque a
base das posições teleológicas intersubjetivas tem como finalidade a ação entre os
seres sociais.
Conforme a formulação de Lukács (1981, apud Antunes, 2009), o problema
surge assim que o trabalho se torna suficientemente social, passando a depender da
cooperação entre muitas pessoas e isso independentemente do fato de já ter
emergido o problema do valor de troca ou se a cooperação é ainda orientada
apenas para a produção de valores de uso.
Desde as plataformas do trabalho humano que as pessoas reuniram-se, a
princípio, com o intuito de sobrevivência, a exemplo da caça, enfrentando os
animais, abrigando-se em cavernas, construindo ferramentas para a caça, pesca e
roupas de peles de animais para proteger o corpo.
Baseando-se justamente na divisão social do trabalho é que Lukács (1981,
apud Antunes, 2009) diz que, nessas formas da práxis social, a posição teleológica
não é mais dada pela relação direta com a natureza, mas atua e se inter-relaciona
com outros seres sociais, visando à realização de determinadas posições
teleológicas.
O objeto agora posto não é mais um elemento próprio da natureza, mas a
consciência de um grupo social (humano), que tem como objetivo a transformação
direta do objeto natural. Ao contrário, tem como finalidade alguns objetos naturais,
ou seja, os meios já não são intervenções imediatas sobre objetos naturais, mas
pretendem provocar essas intervenções por parte de outras pessoas.
73
As posições teleológicas secundárias estão muito mais ligadas à práxis social
nos níveis mais evoluídos do que o próprio trabalho, no seu sentido mais genérico. A
consciência humana deixa de ser, então, uma mera adaptação ao meio ambiente e
configura-se como atividade planejada.
Para o ser social primitivo, ou contemporâneo, o planejamento que antecede
e orienta o agir é uma reflexão, uma construção do pensamento, de conjunção de
ideias, ou seja, uma prévia imaginação dos fatos decorridos da relação que são
idealizadas subjetivamente na consciência, antes mesmo de se operacionalizarem.
Portanto, o trabalho não é um mero ato decisório, mas o processo de
contínua cadeia temporal, que busca sempre novas alternativas. Afirma Lukács
(1981, apud Antunes, 2009), que o desenvolvimento do trabalho, a busca das
alternativas contidas na práxis humana, encontra-se fortemente apoiado sobre
decisões entre elas. O ir além das animalidades, por meio do salto humanizador
conferido pelo trabalho; o ir além da consciência epifenomênica, determinada de
modo meramente biológico, adquire, então, com o desenvolvimento do trabalho, um
momento de refortalecimento, uma tendência em direção à sua universalidade
(LUKÁCS,1981, apud ANTUNES, 2009).
Complementando a ideia do trabalho, como possibilidade de liberdade do ser
social, Lukács (1981, apud ANTUNES, 2009) afirma que, se concebemos o trabalho
gênese, original – como produtor de valores de uso, como forma “eterna” que se
mantém por meio das mudanças nas formações sociais, isto é, do metabolismo
entre homem (sociedade) e natureza, torna-se claro que a intenção que define o
caráter da alternativa está direcionada para as transformações nos objetos naturais,
desencadeadas pelas necessidades sociais.
Teleologicamente, o trabalho, em sua origem, atende às necessidades
básicas de sobrevivência social, ao construir as relações entre os seres.
O trabalho é, portanto, o elemento mediador entre a necessidade e a sua
realização. Dá-se uma vitória do comportamento consciente sobre a mera
espontaneidade do instinto biológico, quando o trabalho intervém como mediador
entre necessidade e satisfação imediata (LUKÁCS, 1981, apud ANTUNES, 2009).
A práxis social ocorre quando o trabalho, categoria mediadora, transforma a
realidade, a natureza, atendendo às necessidades dos seres envolvidos no processo
social laborativo. O trabalho mostra-se, assim, como uma experiência elementar da
vida cotidiana nas respostas que oferece às carências e necessidades sociais.
74
Portanto, atende as carências no nível das subjetividades, como as necessidades
sociais do cotidiano, para a satisfação do ser social.
Reconhecer o papel fundante do trabalho na gênese e no fazer-se do ser
social nos remete diretamente à dimensão decisiva dada pela esfera da vida
cotidiana, como ponto de partida da generecidade para si dos homens (ANTUNES,
2009, p.166).
No cotidiano da vida e trabalho é que são geradas as experiências, as formas
de labutar, a construção das relações entre os seres sociais no atendimento das
necessidades e carências em todas as sociedades, portanto, o cotidiano é complexo
e rico em suas múltiplas determinações socialmente construídas.
Ao tratar sobre o cotidiano, Lukács (1981, apud ANTUNES, 2009) indica a
seguinte apresentação:
A sociedade só pode ser compreendida em sua totalidade, em sua dinâmica
evolutiva, quando se está em condições de entender a vida cotidiana em
sua heterogeneidade universal. A vida cotidiana constitui a mediação
objetivo-ontológica entre a simples reprodução espontânea da existência
física e as formas mais altas de genericidade agora já conscientes,
precisamente porque nela de forma ininterrupta as constelações mais
heterogêneas fazem com que os dois polos humanos apropriados da
realidade social, a particularidade e a generecidade, atendem em sua interrelação imediatamente dinâmica (p. 166).
Consequentemente, um estudo apropriado dessa esfera da vida pode
também lançar luzes sobre a dinâmica interna do desenvolvimento da generecidade
do
homem,
precisamente
por
tornar
compreensíveis
aqueles
processos
heterogêneos que, na realidade social, dão vida às raízes6.
Na análise sobre o cotidiano de Lukács (1971, apud ANTUNES, 2009),
observa-se a gênese do ser histórico social agindo e interagindo no cotidiano,
transformando a realidade e por ela sendo transformado. A partir desse universo,
pode-se compreender a realidade social em sua totalidade.
A história da sociedade mostra que esse ir mais além da genericidade muda
biologicamente e objetiva-se nas formas mais elevadas, dadas pela ciência, filosofia,
arte, ética, etc. (HELLER, 1971, apud ANTUNES, 2009).
Portanto, as inter-relações e interações entre o mundo da materialidade e a
vida humana encontram, no universo da vida cotidiana, nessa esfera do ser, sua
“zona de mediação”, capaz de superar o abismo entre a generecidade em si,
6
Citação do prefácio de Lukács em A Sociologia da Vida Cotidiana, de Agnes Heller (1971).
75
marcada pela relativa mudez, e a genericidade para si, espaço da vida mais
autêntica e livre (ANTUNES, 2009, p. 167).
No cotidiano dão-se as mediações entre a esfera do homogêneo e a
heterogeneidade, e estas só acontecem a partir da negociação dos interesses e no
atendimento
às
necessidades
sociais
objetivadas
entre
os
seres
sociais
historicamente determinados. Desde o início que o trabalho, em seu sentido
ontológico, tem a concretização
estabelecida considerando a possibilidade de
liberdade, de uma vida mais livre.
Em Lukács, portanto, o fundamental é, além de compreender o papel
ontológico do trabalho, aprender a sua função na construção do ser social, dotado
de autonomia e, por isso, completamente diferente das forças anteriores do ser préhumano (apud ANTUNES, 2009, p.141)
A referência à vida cotidiana e suas conexões com o mundo do trabalho e da
reprodução social, é imprescindível, quando se pretende aprender as dimensões do
ser social que trabalha e vive do trabalho. No cotidiano do trabalhador pode-se
compreender a totalidade das relações sociais que permeiam o trabalho e a
reprodução do ser social.
Estudar o trabalho do servidor público é percebê-lo enquanto parte do
universo dessa categoria social, como resultado de trabalho humano vivo,
heterogêneo e possível de ser transformador da realidade social em que está
inserido.
Antunes (2009, p. 142) coloca que o trabalho realiza, materialmente, o
relacionamento novo metabolismo com a natureza, enquanto as formas mais
complexas da práxis social, em seu metabolismo com a natureza, têm na
reprodução humana em sociedade a sua insuperável precondição.
O trabalhador possui força criadora, enquanto ser social, histórico que, no
relacionamento com a natureza e outros elementos, gera novos mecanismos de
ação de instrumentos e de relações que complexificam, mas que não dispensa nem
supera o ser humano, ontologicamente o ser social. O trabalho, quer em sua gênese
quer em seu desenvolvimento, em seu ir sendo e em seu vir-a-ser (devir), representa
uma intenção ontologicamente voltada para o processo de humanização do homem
em seu sentido amplo (ANTUNES, 2009, p.142).
76
Ontologicamente, o sentido do trabalho, mesmo que tenha uma forma de não
criação, de repetição, seu objetivo final é a realização e a libertação humana, em
seu significado mais amplo, de não exploração humana.
Tem-se, por meio do trabalho, um processo que simultaneamente altera a
natureza e autotransforma o próprio ser que trabalha. A natureza humana é também
transformada, a partir do processo laborativo, dada a existência de uma finalidade e
de uma realização prática.
Nas palavras de Lukács (1981 apud ANTUNES, 2009), o homem que trabalha
deve planejar cada momento com antecedência e permanentemente conferir a
realização de seus planos, crítica e conscientemente, se pretende obter no seu
trabalho um resultado concreto o melhor possível. Esse domínio do corpo humano
pela consciência, que afeta uma parte da esfera da consciência, isto é, dos hábitos,
instintos, emoções, etc., é um requisito básico até no trabalho mais primitivo e deve
dar uma marca decisiva na representação que o homem forma de si mesmo.
O trabalho, em qualquer instância e nível hierárquico, exige direção
teleológica, que lhe dê racionalidade e organização. Toda ação humana requer a
definição de sua intencionalidade, crítica e consciente de seus resultados para a
sociedade em geral.
Uma vida cheia de sentido, no dizer de Antunes (2009, p. 143), encontra na
esfera do trabalho seu primeiro momento de realização, o que é diferente de dizer
que uma vida cheia de sentido se resume exclusivamente ao trabalho; o que seria
um completo absurdo, ou seja, uma vida incompleta de sentido. Na busca por uma
vida plena de sentido, a arte, poesia,
pintura,
convivência com os amigos, vizinhos, o esporte,
literatura,
lazer,
música, o teatro, a
momento de criação e
inspiração, têm um significado muito especial, cheio de liberdade, verdadeiramente o
sentido humano de realização no trabalho e plena vida.
Se o trabalho se torna autodeterminado, autônomo e livre, e por isso dotado
de sentido, será também (decisivamente) por meio da arte, poesia, pintura, literatura,
música, do uso da autonomia do tempo livre e da liberdade, que o ser social poderá
se humanizar e se emancipar em seu sentido mais profundo. Mas isso nos remete a
pensar, no nível de abstração, nas conexões mais profundas existentes entre o
trabalho e a liberdade (ANTUNES, 2009, p. 243).
Essa excursão pela categoria trabalho no nível de abstração leva-nos a refletir
sobre o sentido humano na realização de um fazer social que o conduza a
77
estabelecer relações de trabalho de interação com o outro, suprimindo limites
subjetivos, agregando saberes profissionais, para que, na labuta do cotidiano,
conforme o desenvolvimento se complexifica, se concretize o trabalho, pleno de
sentido de criação, humano e social.
Outra reflexão versa sobre a concepção da atividade do servidor enquanto
possibilidade de relativa autonomia e certo poder de criação, na sua labuta no
Estado. Segundo Antunes (2009), na exposição em sala de aula, o professor
universitário detém certa autonomia, e relativa liberdade na execução de suas
atividades de pesquisa, extensão e ensino. Supõe-se que no serviço público, a
exemplo do professor, outras categorias também gozem de alguns momentos de
suspensão, no fazer profissional cotidiano, e de certa autonomia em suas ações, a
exemplo do médico, em seu consultório,; do assistente social; em suas análises e
organização das políticas na instituição pública, sem o fantasma da produção em
massa, da possibilidade da perda do emprego, etc.
Elemento positivo para que aconteça, de fato, a relativa autonomia, é a
garantia da estabilidade no emprego. Talvez o principal instrumento que garante
autonomia e certa liberdade de escolha por uma ação que leva a uma verdadeira
emancipação da humanidade por meio da conquista dos direitos sociais e do
atendimento, pelas políticas públicas, das carências e necessidades.
Mas a sociedade complexificou-se e as relações sociais, nos tempo atuais,
são permeadas pelos interesses capitalistas da manutenção da ordem vigente, no
atendimento da sua fase de financeirização, em que o Estado tem o papel de
estrategicamente garantir esse processo do capital financeiro, e as metamorfoses,
apesar da “liberação de mão de obra” do trabalho, não significam tempo livre para
criação, arte, música, lazer do ser social trabalhador. Mais uma vez se vê obrigado
a postergar seus sonhos de uma vida plena de sentido de prazer e satisfação, para
quando chegar à aposentadoria e os filhos não mais dependam financeiramente.
Assim constroem-se utopias, que alavancam a classe que vive do trabalho na
contínua busca da plena realização.
As mudanças que vêm ocorrendo no mundo do trabalho, têm afetado tanto os
países capitalistas avançados como os países do Terceiro Mundo, muito embora,
nos últimos, isso ocorra de forma mais perversa, devido ao processo de
industrialização aqui implantado, que não trouxe a desconcentração de renda, nem
mesmo uma melhor redistribuição da riqueza produzida pelos trabalhadores.
78
Antunes (2009, p. 205) mostra que essas transformações, com repercussões
significativas nos países de Terceiro Mundo dotados de uma industrialização
intermediária,
têm
um
processo
múltiplo:
de
um
lado,
verificou-se
a
desproletarização do trabalho industrial tradicional e paralelamente efetivou-se
significativa subproletarização do trabalho, decorrência das formas diversas de
trabalho parcial, precário, terceirizado, subcontratado, vinculado à economia
informal,
ao
setor
de
serviços,
etc.
Verifica-se,
portanto,
significativas
heterogeneização, complexificação e fragmentação do trabalho.
Mas o autor chama a atenção para a supressão de empregos e eliminação ou
redução da classe trabalhadora em seus moldes tradicionais, para a centralidade do
trabalho enquanto fonte e reprodutor do processo de produção nas sociedades
capitalistas. Também aponta que durante a década de1980 a classe trabalhadora
viveu a mais aguda crise deste século, que não só atingiu a sua materialidade, como
ocasionou profundas repercussões na sua subjetividade e no íntimo interrelacionamento desses níveis, afetando a sua forma de ser (ANTUNES, 2009, p.
206).
Década de grande salto tecnológico, a automação e as mutações
organizacionais invadiram o universo fabril, inserindo-se e desenvolvendo-se nas
relações de trabalho. Novos processos emergem, em que o cronômetro e a
produção em série são substituídos pela flexibilização, por novos padrões de
produtividade, por novas formas de adequação da produção e lógica do mercado
(ANTUNES, 2009, p. 206)
Presenciam-se formas transitórias de produção, cujos desdobramentos são
também agudos, no que dizem respeito aos direitos do trabalho. Estes são
desregulamentados, flexibilizados, de modo a dotar o capital dos instrumentos
necessários para adequar-se à sua nova fase (ANTUNES, 2009, p. 206).
Alguns desses elementos das mudanças organizacionais também são
incorporados pelos serviços públicos, a exemplo da flexibilização da carga horária,
que pode ser reposta em outro momento, mas nem sempre é possível aplicá-la em
todas as escalas hierárquicas, como é o caso da telefonista, e de não haver
substituição. Mas a flexibilização no serviço público não segue a lógica
mercadológica, não tem como objetivo a produtividade em grande escala, ao
contrário, é um instrumento facilitador, que tanto beneficia o servidor/trabalhador
público quanto o serviço, que não se acumulará.
79
As desregulamentações de alguns direitos trabalhistas também vêm
ocorrendo, particularmente quanto à previdência social, pois o servidor público
perdeu o direito de se aposentar antes dos 55 anos, se mulher, e 60 anos, no caso
do homem. Deixou de ser computado o tempo fictício para a aposentadoria,
adquirido de licenças-prêmio não usufruídas, e contadas como tempo de serviço
total etc.
Identificam-se mudanças também nas várias formas de trabalho no serviço
público, como os terceirizados, prestadores de serviços, contratos eventuais,
parciais, entre outros, representados pelo setor privado, que atua executando
serviços de segurança, limpeza, jardinagem, lavanderia, etc.
E entre esses também se verificam formas precarizadas, serviços mal
remunerados, trabalhadores expostos aos danos à saúde e às condições impróprias,
pois não há acompanhamento da saúde dos trabalhadores terceirizados, por parte
das equipes dos profissionais do Estado, nem da rede de saúde dos trabalhadores
em geral, nem dos servidores públicos.
Assim,
serviços
como
saúde,
energia,
educação,
telecomunicação,
previdência, etc., também sofreram, como não poderia deixar de ser, significativo
processo de reestruturação, que vem afetando fortemente os trabalhadores dos
setores estatal e público (ANTUNES, 2009, p. 249).
O resultado parece evidente: intensificam-se as formas de exploração do
trabalho, ampliam-se as terceirizações, metamorfoseiam-se as noções de tempo e
de espaço e tudo isso muda sobremaneira o modo como o capital produz as
mercadorias, sejam elas materiais ou imateriais, corpóreas ou simbólicas
(ANTUNES, 2009, p. 249).
Outro tipo de trabalho precarizado, que aflora da telemática, é o conectado
em rede, realizado em casa, etc., com as mais distintas formas de improvisação. As
repercussões nos planos organizativo, valorativo, subjetivo e ideológico-político do
mundo do trabalho são evidentes.
O trabalho extrapolou os muros das empresas, sentou-se à mesa de nossas
casas. O espaço não é apenas o institucional, ele nos acompanha pelo celular,
aonde formos; nos solicita por e-mails; por mensagens nas esperas nos aeroportos,
nos shoppings, nas viagens; em qualquer momento que for necessário somos
encontrados e convocados; participamos de reuniões on-line, etc., ou seja, é
80
trabalho fulltime: são formas de trabalhos virtuais, não pagos, mas que podem
também provocar danos à saúde.
O trabalho em rede também é comum nos serviços públicos e quase todo o
sistema administrativo na instância federal funciona em rede, por exemplo, o
Sistema de Administração de Pessoal (Siape), o Sistema de Contabilidade e
Administração de Finanças (Sicaf), entre outros. Os trabalhadores das unidades
locais, em cada estado, cidade, município, alimentam os dados, as informações
pertinentes ao setor próprio de Recursos Humanos, Financeiro, etc.
Servidores que inserem dados reclamam que os sistemas estão sempre
congestionados, ou saem do ar durante o envio de informações, por exemplo, para
a folha de pagamento, pois o período é o mesmo para todos os estados. Esses
setores estão sempre fazendo horas extras, e trabalham dentro e fora da instituição,
em fins de semana, para alimentar as bases de dados.
Esse mesmo aspecto virtual está presente no trabalho intelectual, em sala de
aulas virtuais, no ensino a distância, em especializações e orientações de alunos via
Internet. São horas de trabalho que extrapolam as cargas horárias remuneradas;
formas precarizadas de trabalho, que causam desgastes físico e mental invisíveis, e
não são computados como trabalho vivo comum nas universidades públicas e
privadas.
Outra alteração contida no trabalho das empresas públicas como nas
empresas privadas diz respeito às múltiplas transversalidades relacionadas ao
gênero, geração e etnia. O mundo do trabalho vivencia um aumento significativo do
contingente feminino, que atinge mais de 40%, ou mesmo mais de 50% da força de
trabalho, em diversos países avançados, e tem sido absorvido pelo capital, de
preferência no universo part time, precarizado e desregulamentado (ANTUNES,
2009, p. 256).
Entretanto, a expansão do trabalho feminino tem significado inverso, quando
se trata da temática salarial e dos direitos, pois a desigualdade do ganho das
mulheres contradita sua crescente participação no mercado de trabalho. O mesmo
ocorre frequentemente com os direitos e as condições de trabalho.
No serviço público, o percentual de trabalhadoras chega a 50%, ou mais.
Apesar de sua conquista do mundo do trabalho, mediante comprovação da
qualificação educacional e aprovação em concurso público, e salários relativamente
iguais aos de seus colegas homens, a maioria não está em postos de gestão. Sua
81
condição de gênero feminino exige cargas sobrepostas, não remuneradas, não
reconhecidas como trabalho que agrega valor.
No que concerne ao traço geracional, Antunes registra a exclusão dos jovens
e idosos do mercado de trabalho: os primeiros acabam muitas vezes engrossando
as fileiras de desempregados e quando atingem a idade ente 35 a 40 anos, uma vez
desempregados, dificilmente conseguem novo emprego.
Em relação a esse traço, no serviço público, a legislação que rege a
contratação (nomeação) do pessoal do Estado só permite a investidura no cargo a
partir dos 18 anos completados no ato da nomeação e seu efetivo exercício até os
70 anos de idade, quando ocorre compulsivamente a aposentadoria, não sendo
possível ocupar novo cargo no serviço público. A lei não limita a idade máxima para
o ingresso, desde que não ultrapasse os 70 anos de idade.
As clivagens e transversalidades existem hoje entre trabalhadores estáveis e
precários, homens e mulheres, jovens e idosos, nacionais e imigrantes, brancos,
negros e índios, qualificados e não qualificados, “excluídos” e “incluídos” dentre
outros exemplos que configuram a nova morfologia do trabalho (ANTUNES, 2009, p.
257).
Essa morfologia também caracteriza o serviço público, onde se encontram os
trabalhadores públicos e estáveis, em sua maioria qualificados, homens e mulheres,
heterossexuais e homossexuais, brancos e negros, brasileiros, estrangeiros natos
ou naturalizados, jovens (a partir dos 18 anos), idosos (até 70 anos). São
trabalhadores públicos que constroem e executam as políticas públicas; alimentam
os sistemas; administram e aplicam as leis; estabelecem relações sociais e políticas
dentro do Estado e fora dele, interagindo e construindo um sentido do trabalho,
pendular, criativo, alienante, produtivo, improdutivo, material e imaterial. No entanto,
esta pesquisa foi realizada em um hospital-escola público federal, e passa-se a
analisar as mudanças ocorridas nesse setor de serviços segundo estudos de Pires
(2008).
1.6.
Setor público hospitalar – um setor de serviços
O setor de prestação de serviços vem aumentando, neste final de século,
enquanto o setor industrial sofre retração desde o pós-segunda guerra. Os avanços
82
tecnológicos liberam mão de obra e operários, com o consequente desemprego,
visto que são excluídos postos de serviço e trabalhos.
Em contrapartida, o setor de serviços, entre esses o de saúde, vem
crescendo e especializando a mão de obra que nele atua. Faz parte desse grupo,
também chamado de setor terciário, os servidores públicos, um grupo diversificado
tanto na formação quanto nas funções e cargos. Essa terceira força de trabalho
inclui “desde o office boy até os gerentes, os funcionários públicos, os trabalhadores
dos serviços privados, do setor financeiro e do comércio. Sendo que, na sua
composição, destaca-se a expressiva participação de mulheres e de jovens” (PIRES,
2008, p. 61). No setor público, constata-se o predomínio da força de trabalho
feminina, principalmente nos setores de educação e saúde.
Há oscilações na oferta de empregos no setor público, visto que, diante da
crise dos anos 70-80, o Estado, nos níveis nacional, estaduais e municipais, com
dificuldades financeiras e a adoção de políticas de cunho neoliberal, mostra
crescimento, no final dos anos 70, em torno de 2%, e apresenta queda de 1,1%,
entre 1979-89 (PIRES, 2008, p. 62).
As alterações no quadro de pessoal do setor público dependem, além dos
aspectos financeiros do Estado, das políticas governamentais, que podem ou não
priorizar a realização de concursos públicos e a nomeação de novos servidores,
ampliando o número de postos de serviços, ou apenas substituindo a força de
trabalho por causa de aposentadorias, demissões etc.
Esse grupo diversificado de trabalhadores tem sido representado e entendido
de forma contraditória: “Para alguns como proletários em potencial e para outros
como sinal de solidez e vigor da classe média” (PIRES, 2008, p. 63).
Deter-nos-emos na força de trabalho no setor de saúde, pois este estudo se
desenvolve com os servidores públicos que atuam no hospital público e, segundo
Nogueira R. (1983, p. 13), há duas formas distintas de tratar os profissionais no setor
da saúde: enquanto força de trabalho e enquanto recursos humanos, aparentemente
próximos, mas diferentes. Força de trabalho é termo consagrado pela economia
política, em diversos campos científicos, a um uso que é simultaneamente descritivo
e analítico, no processo de conhecimento de fenômenos demográficos e
macroeconômicos.
Recursos Humanos é expressão advinda da Ciência da Administração, como
conceito de recurso, em função de seu propósito explícito de intervir em dada
83
situação para produzir e aprimorar ou, ainda, administrar esse recurso específico
que é a capacidade de trabalho dos indivíduos. Enquanto recursos, como as
matérias de marceneiros, são suscetíveis de utilização mais racional (NOGUEIRA,
R. 1983, p. 13).
Uma das diferenças fundamentais entre a visão sistêmica e a marxista é que
a
teoria de sistemas, ao fazer abstração do trabalho humano, a não ser como
elemento contribuinte para um processo físico, envolve os diversos tipos de
recursos, visto como insumos que conduzem a determinados produtos.
Ignora algo tão básico quanto a oposição entre capital e trabalho
(NOGUEIRA, R. 1983, p. 13).
Por outro lado, a teoria da economia clássica, principalmente o marxismo, nos
traz a natureza do processo de trabalho, a divisão técnica do trabalho e a relação
com o produto das outras unidades.
A abordagem que considera os profissionais de saúde como recursos
humanos é perfeitamente válida, segundo Nogueira, R. (1983, p. 14), desde que
realize também sua análise enquanto força de trabalho; de outra forma, a visão de
recursos humanos constitui-se num esforço do utilitarismo institucional, a serviço dos
interesses políticos dominantes.
1.6.1. Traços do trabalho no setor da saúde
A assistência à saúde integra o conjunto dos chamados serviços de consumo
coletivo, dos quais também fazem parte a educação, as formas organizadas de
lazer, e outras atividades que dependem da existência de equipamentos sociais e
estão incluídos no setor terciário da economia.
Na atualidade, uma das características mais relevantes do processo de
trabalho em saúde é a crescente coletivização dos agentes prestadores desses
serviços (NOGUEIRA, R. 1983, p. 14) o que leva ao aparecimento do trabalho
associado, realizado por diferentes tipos de profissionais, em regime de cooperação
técnica, numa rede de atenção à saúde.
A coletivização nas ações de serviços de saúde assinala a superação de
práticas liberais (NOGUEIRA, R. 1983, p. 14) através da intervenção estatal e da
entrada do capital no setor, da fase histórica em que praticamente a totalidade da
84
assistência à saúde era assumida por profissionais autônomos (profissionais liberais
das práticas na área).
Mas, ainda hoje, permanece tanto o exercício de profissionais autônomos
quanto de assalariados; no entanto, nos serviços públicos, predominam as relações
do trabalho assalariado. Outras particularidades do trabalho em saúde para
absorção da força de trabalho podem ser resumidas em: dinamismo tecnológico e
trabalho intensivo; as inovações tecnológicas implicam mudanças, mas não liberam
mão de obra, e exigem pessoal adicional para sua prestação; a produtividade
depende da ação coletiva entre vários tipos de profissionais; ao pessoal de nível
superior, especialmente os médicos, são atribuídas funções mais complexas:
gerência, chefia, supervisão; ao pessoal auxiliar, as funções menos complexas, que
as executam em cumprimento a normas de trabalho mais ou menos rígidas; por fim,
as forças produtivas da ciência e tecnologia atuam no sentido de elevar a
produtividade de processo de trabalho, mas limitados a uns poucos procedimentos
terapêuticos e diagnósticos (NOGUEIRA, R. 1983, p. 15).
As atividades de cunho social, como a assistência à saúde, entre outras,
constitui-se num setor que absorve proporções crescentes da força de trabalho total,
nas sociedades capitalistas contemporâneas.
Esta tendência é parte do fenômeno de terceirização da economia, que
marca o desenvolvimento capitalista em suas etapas mais avançadas,
conforme vêm demonstrando cientistas de variadas correntes (NOGUEIRA,
R. 1983, p. 16).
Isso acontece também em função das já citadas características do trabalho
em saúde, associadas à expansão relativamente constante da oferta e demanda
desse conjunto de serviços, sob o influxo de uma complexa rede de determinantes
econômicos e políticos.
1.7.
Considerações gerais
Algumas afirmações feitas no decorrer deste capítulo introdutório têm a
pretensão de desvelar a realidade social sobre o servidor público e as relações de
trabalho nos serviços de saúde hospitalar, que poderão ser confirmadas ou
85
refutadas na medida em que aprofundamos a análise. Outros elementos teóricos e
técnicos acrescentados proporcionarão fundamentos que derrubam ou explicam
mitos sobre o servidor público que não gosta de trabalhar.
À exemplo da burocracia, mais adiante verifica-se que o sucateamento dos
serviços de saúde, assim como a morosidade burocrática nos processos
administrativos, são fatores que interferem na qualidade dos serviços prestados à
população, assim como nas precárias condições de trabalho, e afetam a saúde dos
trabalhadores públicos.
Essa categoria social é bastante fragmentada e diversificada, pois abrange
tanto cargos de nível elementar até os de nível superior, enquanto que os cargos
hierárquicos de nível médio, auxiliares e técnicos, subordinam-se aos que possuem
cargos de nível superior, a exemplo dos médicos e enfermeiros. As atividades de
assistência à saúde, educação, entre outras políticas sociais do Estado, são de
natureza social e executadas por profissionais especializados, entre outros que, ao
prestarem seus serviços, promovem ações direcionadas ao bem-estar físico, mental
e social. Logo, um dos traços desse trabalhador é social.
Nogueira, R. coloca que é um trabalhador da coletividade; sua ação é
coletivizada. Outro componente que caracteriza esse trabalhador de natureza
política social é o assalariamento dessa força de trabalho.
A produtividade do servidor público não tem escopo de produção com fins
lucrativos, mas de prestação de serviços à população. O Estado, enquanto
articulador de políticas, que atende aos interesses antagônicos do capital e das
classes que vivem do trabalho, tem, na efetivação dessas políticas, seu pessoal, que
Poulantzas (2000) reconhece exercer funções social e política.
O servidor público, nas atividades de assistência social, jurídica, educativa e
de saúde, assume posição social, ética e política, que não é neutra, mas está a
serviços de todos que compõem a sociedade brasileira. Portanto, é um trabalhador
social, que vive e vende sua força de trabalho ao Estado brasileiro, onde suas
atividades são de interesse da população.
Vale salientar que, em alguns momentos, pode-se referir a eles como
funcionários, ou recursos humanos, considerando o uso do termo pelo autor citado,
e devido à utilização na organização e no planejamento da administração pública, o
que é válido, segundo Nogueira, R. desde que os considere como força de trabalho.
86
Segundo Codo (2007), o mito do trabalhador que não gosta de trabalhar do
servidor público não se esgota na compreensão e explicação da burocracia, mas do
próprio papel do Estado, ou seja, fazer política (...).
Consideram-se
também
as
interferências
advindas
das
prioridades
governamentais, dos gastos e investimentos públicos, e da direção administrativa na
condução das políticas, e na ação e atividades do servidor público.
87
CAPÍTULO II
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DA POLÍTICA SOCIAL
2.1.
Noções Conceituais de Política Social
Este capítulo trará a fundamentação teórica e histórica sobre a política social
no Brasil que servirá como instrumento para análise da Pass, que ainda está em
processo de construção e efetivação na sua totalidade.
Após a introdução teórica da política social e de sua análise, fundamenta-se a
Pass com o intuito de entendê-la no processo de construção das políticas públicas
do Estado para seus trabalhadores, denominados de servidores públicos.
O conceito do termo política social está relacionado a todos os demais
conteúdos políticos, porém possui uma identidade. Segundo Potyara (2008, p. 171),
refere-se a uma política de ação que visa, mediante esforço organizado e pactuado,
a atender necessidades sociais, cuja resolução ultrapassa as iniciativas privada,
individual e espontânea. Requer deliberada decisão coletiva, regida por princípios de
justiça social que, por sua vez, devem ser amparados por leis impessoais e
objetivas, garantidoras de direitos.
A política social resulta da ação de atores sociais em busca dos seus
interesses antagônicos; envolve o exercício do poder praticado concomitantemente
por indivíduos e grupos profissionais, empresários, trabalhadores, entre vários
segmentos sociais, que tentam influir na sua constituição e direção (PEREIRA, 2008,
p. 171).
O futuro da política social como ação a ser também colocada a serviço da
equidade e justiça social dependerá do nível e das formas de luta de classes. E
nesse conflito contínuo e endêmico os conceitos e as teorias têm papel fundamental,
pois constituem as opções políticas (PEREIRA, 2008, p. 175). A política social que
convocamos para o atendimento da classe que vive do trabalho e suas
necessidades sociais e de saúde, encontra, na participação do trabalhador, o papel
de construção e realização de ações em prol da classe trabalhadora, seja privada
ou pública.
Behring e Boschetti (2009) afirmam que a política social e o Serviço Social
(SSO) surgiram, no Brasil, via intervenção estatal, na perspectiva de processos de
88
modernização conservadora, a partir dos anos 1930. Ambos nasceram como
resposta à questão social e suas expressões socioeconômicas7.
Desse modo, as políticas sociais deixaram de ser analisadas somente a partir
da sua expressão imediata e passaram a ser situadas como expressão contraditória
da realidade, da unidade dialética da manifestação do fenômeno e sua essência.
A análise da política social, na perspectiva da teoria social de Marx, deixa de
entendê-la numa visão unilateral e a foca como fenômeno complexo inserido na
realidade histórico-social.
Segundo Behring e Boschetti (2009, p. 39), para abordar as políticas sociais
em sua complexidade histórico-estrutural, supõe-se que exista algo suscetível de ser
conhecido como estrutura do fenômeno e como essência do fenômeno. Ou seja,
existe uma verdade oculta nas primeiras manifestações dos fenômenos.
A forma como se apresenta o fenômeno não corresponde à verdade em sua
totalidade, ou seja, a aparência não representa a essência.
Nessa perspectiva, a análise das políticas sociais deve considerar sua
múltipla causalidade, as convenções internas e as relações entre suas diversas
manifestações.
Historicamente, as políticas sociais estão relacionadas às expressões da
questão social: no plano da economia, estabelece relações com as estruturas
econômicas na produção e reprodução da sociedade capitalista; do ponto de vista
político, relaciona-se ao identificar as correlações de força em confronto; o papel do
Estado; as classes sociais determinantes nessa relação de força, a classe
trabalhadora e a dona do capital.
As autoras em tela colocam que as dimensões histórica, econômica, política e
cultural não devem ser entendidas como partes estanques, que se isolam, ou que se
complementam, mas como elementos da totalidade, profundamente imbricados e
articulados.
Ressaltam também sua dimensão fundamental e orientadora da análise, que
é a ideia de que a produção é o núcleo central da vida social e é inseparável do
7
Há um vínculo estrutural entre a constituição das políticas sociais e o surgimento dessa profissão na
divisão social e técnica do trabalho, como afirma Iamamoto (1982). Passados 70 anos do surgimento
da profissão,um dos principais campos de ação do SSO continua sendo o de políticas sociais.
Entretanto, a vertente conservadora, teórica e metodológica foi superada, a partir dos anos 80, com o
movimento de reconceituação, com a adoção da vertente marxista, assim, com uma nova abordagem
de política social, rompendo com o positivismo-funcionalista e com o idealismo culturalista.
89
processo de reprodução, no qual se insere a política social, seja como estimuladora
da realização da mais-valia socialmente produzida, seja como reprodução da força
de trabalho (econômica e política).
A análise das políticas sociais sob o enfoque dialético deve considerar alguns
elementos essenciais para explicar o seu surgimento e desenvolvimento. O primeiro
diz respeito à natureza do capitalismo, ao grau de desenvolvimento e às estratégias
de acumulação vigentes. O segundo refere-se ao papel do Estado na
regulamentação e implementação das políticas sociais e, o terceiro, ao papel das
classes sociais.
Nessa direção, não se pode explicar a gênese e o desenvolvimento das
políticas sem compreender sua articulação com a política econômica e a luta de
classes. Essas forças sociais tanto podem situar-se na defesa das necessidades dos
trabalhadores quanto na defesa dos interesses dos empregadores, assim como de
organizações não governamentais, que, às vezes, se colocam acima dos interesses
da classe que defendem.
Para Behring e Boschetti (2009, p. 46), se a política social é uma conquista
civilizatória e a luta em sua defesa permanece fundamental; ela não é a via de
solução da desigualdade intrínseca a esse mundo baseado na exploração do capital
sobre o trabalho. O sistema neoliberal, na atual fase do desenvolvimento capitalista,
mostra que houve um aumento da desigualdade em relação à conquista da
cidadania.
A origem das políticas sociais não é precisa, mas enquanto processo social é
possível relacioná-las aos movimentos de massa social-democratas nos Estados
Nação na Europa ocidental do final do século 19, mas sua generalização situa-se na
passagem do capitalismo concorrencial para o monopolista, em especial, na sua
fase tardia, após a Segunda Guerra Mundial (BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p.
49).
As autoras analisam a ação nefasta do liberalismo; a implantação das
políticas sociais; o predomínio do mercado, supremo regulador das relações sociais,
mas que só pode se realizar na condição de suposta ausência da intervenção
estatal. O papel do Estado, uma espécie de mal necessário na perspectiva do
liberalismo, resume-se a fornecer a base legal com a qual o mercado pode melhor
maximizar os benefícios aos homens.
90
O mercado como regulador das relações sociais é a própria negação da
política em sua amplitude e, consequentemente, da política social que se realiza
invadindo as relações de mercado, e regulando-as.
Fica evidente, assim, que a débil intervenção do Estado na garantia de
direitos sociais sob o capitalismo liberal não emana de uma natureza pré-definida do
Estado, mas foi criada e defendida deliberadamente pelos liberais, numa forte
disputa política com os chamados reformadores sociais.
Para os liberais, não deveria haver intervenção no processo de regular as
relações de trabalho, nem no atendimento das necessidades sociais. Entretanto,
paradoxalmente, se podia e devia agir firmemente para garantir os interesses do
livre mercado.
O predomínio dos princípios liberais, no Estado Capitalista, em face da
questão social no final do século 19 foi, sobretudo, repressivo, apresentando
respostas pontuais, à parte da população, aos trabalhadores. Não houve ruptura
radical do Estado liberal do século 19 e o Estado social capitalista do século 20. Mas
houve profunda mudança no Estado, com abrandamento dos princípios liberais que
passou a incorporar orientações social-democratas, num novo cenário de lutas de
classes, assumindo uma feição mais social com investimentos em políticas sociais.
A mobilização e a organização da classe trabalhadora foram determinantes
para a mudança da natureza do Estado liberal do século 19 e início do século 20, o
que culminou com a generalização dos direitos políticos, resultado da luta da classe
trabalhadora, na ampliação dos direitos sociais, provocando mudanças no papel do
Estado capitalista.
Assim, o surgimento das políticas sociais foi gradual e diferenciado, entre os
países, dependendo dos movimentos de organização e pressão da classe
trabalhadora, do grau de desenvolvimento das forças produtivas e das correlações e
composições de força no âmbito do Estado.
Ao analisar a origem da intervenção estatal nas políticas sociais, Pierson
(1991) reconhece que o desenvolvimento variado entre as nações tanto em termos
de alcance, critérios de gasto, constituição de fundos quanto de impostos sociais e
políticas, dificultam o estabelecimento de um padrão único (apud BEHRING e
BOSCHETTI, 2009, p. 66).
As iniciativas que indicam as situações de intervenção estatal no período de
predomínio do liberalismo apontam a Alemanha como o primeiro país a adotar a
91
lógica de seguro social, modelo bismarckiano - sistema estatal de compensação de
renda para trabalhadores na forma de seguros (1893-1914) -, na introdução das
políticas sociais, expandindo-se por todos os países europeus, seguidas de segurosaúde, pensão aos idosos e, em 1920, parte dos países europeus tinha alguma
forma de proteção ao desemprego.
A crise do capital (1929), nas suas bases materiais, sob a égide do
liberalismo, trouxe força política para o crescimento do movimento operário, tendo a
burguesia que reconhecer os direitos de cidadania, política e social, cada vez mais
amplos. Outro elemento que fez fortalecer os trabalhadores foi a vitória do
movimento socialista.
Com o capital, em busca de lucros, mediante a efetivação de mais-valia, ou
seja, pela exploração da força de trabalho, e com a pressão da organização do
movimento operário, as políticas sociais se generalizaram, compondo o rol das
medidas anticíclicas do período e trouxeram como resultados uma política social
estabelecida nos anos subsequentes do movimento operário.
No Brasil, o surgimento das políticas sociais, nas condições brasileiras, pode
ser identificado a partir das suas características estruturais – a primeira, é que seu
surgimento não acompanha o mesmo tempo histórico dos países de capitalismo
central. No Brasil escravista, no século 19, não houve radicalização das lutas sociais
e da questão social já existente em países de natureza capitalista. As manifestações
de pauperismo e injustiças só se colocaram como questão política a partir da
primeira década do século 20, com as primeiras lutas de trabalhadores e iniciativas
de legislação trabalhista. A criação dos direitos sociais no Brasil resulta da luta de
classe e expressa a correlação das forças predominantes.
É importante compreender que no final do século 19, início do 20, o
liberalismo à brasileira não comportava a questão dos direitos sociais, dos
trabalhadores com dificuldades para sua implementação e garantia efetiva.
2.1.1. Traços da política social – pós 1930 no Brasil
Com os acontecimentos mundiais das três primeiras décadas do século 20,
que culminaram na recessão de 1930, a economia e a política brasileira foram
abaladas, com a abertura e expansão do capitalismo de forma galopante e com
92
intensas repercussões para as classes sociais. Nesse contexto, o Estado oferece
respostas à questão social através de política específica. Os primeiros impactos
dizem respeito às expressões da organização sindical no País e às suas
manifestações de greves, quando se reconhece o direito de livre filiação dos
trabalhadores e suas organizações sindicais.
Entretanto, uma das principais características dessa época, no Brasil, referese à mudança de correlação de forças no exterior das classes dominantes, o
enfraquecimento da oligarquia do café, econômica e politicamente substituída pelas
oligarquias do gado, açúcar, que chegam ao poder político com uma agenda
modernizadora, mas sem mudanças democráticas.
Outro traço do desenvolvimento do Estado social brasileiro é o caráter
corporativo e fragmentado, sem perspectivas, naquela época, da universalização
dos direitos sociais. Em 1932, apenas os trabalhadores com carteira de trabalho e
emprego registrado eram possuidores de cidadania, com alguns direitos trabalhistas.
Segundo Behring e Boschetti (2009, p. 110), a política social, nesse cenário
complexo, teve expansão lenta e seletiva, marcada por alguns aperfeiçoamentos
institucionais, a exemplo da separação de ministérios, a criação de novos institutos
de assistência e previdência social, mas que se mantiveram no formato
corporativista e fragmentado na era do governo Vargas.
Com o golpe de 64, a sociedade brasileira encontrava-se em disputa pelo
poder, o projeto nacional-desenvolvimentista, com apoio do Partido Comunista
Brasileiro (PCB), de esquerda, e que incorporava o incremento das políticas sociais
e o projeto de desenvolvimento associado ao capital norte-americano, que culminou
com a ditadura militar, vigente durante 20 anos, com novo impulso da modernização
conservadora no Brasil e seu rebatimento na política social.
2.1.2. A política social no neoliberalismo pós-crise dos anos 60
No final dos anos 60, a fase expressiva do denominado capitalismo maduro,
começa a apresentar sinais de esgotamento, que levam a consequências
socioeconômicas avassaladoras nas condições de vida e de trabalho. No final do
século 20, rompendo com o pacto de crescimento, com o pleno emprego nos moldes
keynesiano-fordista e com a política social no desenho socialdemocrata, dá-se início
93
ao estado de welfare state, nos países europeus. No Brasil a crise trouxe sérias
consequências para a política social. O primeiro elemento
identificado é uma
pseudo falta de sincronia entre o tempo histórico brasileiro e os processos
internacionais nos quais se desencadeava a reação burguesa. Na ditadura militar
pós-64, vivia-se a esperança do “fordismo brasileiro”, por meio do chamado milagre
brasileiro, com a produção em massa de automóveis, eletrônicos e aparelhos
domésticos.
Essa iniciação à cultura do consumo em massa vinha acontecendo desde
1955, mas o plano de metas dos governos militares ganha um contorno mais
agressivo. As autoras Behring e Boschetti (2009, p. 133) dizem que, no Brasil da
lapidar frase “ame-o ou deixe-o”, tais mecanismos são introduzidos sem pacto
social-democrata e sem o consenso dos anos de crescimento na Europa e nos
Estados Unidos da América (EUA), com redistribuição muito restrita dos ganhos de
produtividade do trabalho, mas que ampliou o mercado interno, embora aquém de
suas possibilidades, entre os segmentos médios e de trabalhadores.
Por sua vez, expandia-se também a cobertura da política social brasileira,
conduzida de forma tecnocrática e conservadora de expansão dos direitos sociais
em meio à restrição dos direitos civis e políticos. Apesar da aparente ausência de
sincronia, o salto econômico promovido pela ditadura militar tem a ver com o projeto
de internacionalização da economia brasileira, para atender aos interesses desse
capital na restauração das taxas de crescimento dos esgotados “anos de ouro”.
Segmentos da população burguesa do País, associados aos representantes
do capital estrangeiro, perceberam a liquidez de capital no contexto da crise e o
trouxeram para o Brasil, num processo intensivo de substituição de importações,
incentivado e conduzido pelo Estado.
Assim, segundo Netto (1991, p. 136) a ditadura militar reeditou a
modernização conservadora como via de aprofundamento das relações sociais
capitalistas no Brasil, agora de natureza claramente monopolista, reconfigurando-se,
nesse processo, a questão social, que passa a ser enfrentada num mix de repressão
e assistência, de maneira a manter sob controle as forças do trabalho que
despontavam.
94
2.1.3. Características da política social no período da ditadura militar
No contexto de repressão, perda das liberdades democráticas, de censura,
prisões e torturas para os dissonantes da ditadura, o bloco militar e tecnocráticoempresarial busca adesão e legitimidade por meio da expansão e modernização de
políticas sociais e assistenciais.
A modernização das políticas sociais decorrentes dessas ações, com a
informatização, unificação e centralização da previdência social no Instituto Nacional
de Previdência Social INPS (1966), retiram os trabalhadores da gestão da
previdência social, que passa a ser tratada como questão técnica e atuarial.
Outra característica da política social, no período militar, refere-se ao seu
caráter redistributivo, que amplia a previdência aos trabalhadores rurais, por meio do
Funrural (1971). Em 1973, a cobertura previdenciária também passa a alcançar as
empregadas domésticas, os jogadores de futebol e os autônomos.
Em 1974, cria-se a renda mensal vitalícia para idosos e pobres, no valor de
meio salário-mínimo, para os que tivessem contribuído pelo menos por um ano para
a previdência.
Ainda na previdência, várias outras reformas administrativas aconteceram. O
Ministério de Previdência e Assistência Social (MPAS), criado em 1974, incorpora a
Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA) e Fundação Nacional do BemEstar do Menor (Funabem), sem alterar seu caráter punitivo nas ações com os
menores.
Em 1977, é criado o Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social
(Sinpas), que abrange o INPS, o Instituto Nacional de Assistência Médica e
Previdência Social (Inamps) e o Instituto de Administração Financeira da Previdência
e Assistência Social (Iapas). Nessa associação entre a previdência, assistência e
saúde, impôs-se forte medicalização da saúde, com ênfase nos atendimentos
curativo, individual e especializado.
Além dessas institucionalizações e reformas da previdência, da saúde e da
assistência, via a LBA, foi criada uma política nacional de habitação, por meio do
Banco Nacional da Habitação (BNH), período de crescimento das empreiteiras e da
área habitacional como um todo, financiado, em boa parte, pelo fundo de
participação dos trabalhadores - FGTS/PIS/Pasep -, mecanismos de poupança da
classe.
95
Uma das características que faz com que o modelo de política social no Brasil
se aproxime mais do sistema norte-americano de proteção social do que do welfare
state europeu, é a abertura, pelos militares, da empresa privada, nos espaços de
saúde, educação, previdência, entre outras áreas, configurando-se, assim, um
sistema dual de políticas sociais: pública/gratuita, privado-paga, ou seja, cria-se um
sistema excludente dos que podem pagar e quem não pode.
Nos anos 1980, no governo Sarney, chamado de Nova República, apesar de
anunciar prioridade na área social, o carro-chefe foi o programa de leite, voltado
para instrumentalizar as associações populares com fins clientelistas.
Assim, mantém-se o caráter compensatório, seletivo, fragmentado e
setorizado da política social brasileira, subsumida à crise econômica, apesar do
agravamento das expressões da questão social. A despeito da crise econômica, o
processo de redemocratização, no período, tinha avançado seu conteúdo reformista,
no sentido de desenhar na Constituição políticas orientadas pelos princípios da
universalização, responsabilidade pública e gestão democrática.
Nesse processo da elaboração constitucional, o movimento da reforma
sanitária teve destaque na luta institucional do Sistema Único e Descentralizado da
Saúde (Suds), pautado no conceito de saúde integral, relacionada às condições de
vida e trabalho da população. Foi árdua a luta da área de saúde na correlação de
forças com os interesses econômicos do setor privado, como a indústria
farmacêutica, os hospitais privados, entre outros setores da área.
Mas no texto constitucional não ficaram apenas os avanços, como espaço de
lutas política, ideológica, econômica, de interesses antagônicos. Essa correlação de
forças deu sustentação ao conservantismo no campo da política social. Um exemplo
é a contraditória convivência entre universalização e seletividade, bem como o
suporte legal ao setor privado, embora mantido o caráter de dever do Estado para
algumas políticas sociais, como saúde, educação e segurança.
A sustentação do pensamento conservador pautado no neoliberalismo
dificultou a implementação concreta dos princípios orientadores democráticos, dos
direitos e da política social brasileira.
96
2.1.4. A política social no Brasil contemporâneo
Os anos 80 registram variadas conquistas tanto no plano político de reformas
democráticas quanto nas propostas de política social. Embora a efetivação dessas
políticas fosse desfavorável, por causa das condições econômicas brasileiras e
internacionais.
Assim, dos anos 90 ao início do século 21, mantêm-se desfavoráveis e a
contra reforma do Estado dificulta, redirecionando a concretização dos direitos e
conquistas de 1988, até em relação à conjuntura política, por conta da expansão do
desemprego e da violência em todos os âmbitos da vida.
Aqueles anos foram mote as reformas do governo FHC, que vinham do
governo Collor; reformas essas orientadas pelo e para o mercado, no qual os
problemas na esfera do Estado eram vistos como causas centrais da profunda crise
econômica social instalada no país, na década de 1950. As reformas tinham ênfase
nas privatizações de empresas estatais e na previdência, sobretudo nas conquistas
da seguridade social. A Carta Constitucional, tida como atrasada, abriu caminho
para o “novo” projeto de modernidade em sintonia com o neoliberalismo à brasileira.
Behring e Boschetti (2009, p.150) afirmam que no Brasil, do ponto de vista da
reforma democrática anunciada na Constituição de 1988, em alguns aspectos
embebida da estratégia social-democrata, e do espírito welfariano, em especial no
capítulo da ordem social, pode-se falar de uma contrarreforma, que solapa a
possibilidade política de reformas mais profundas no País nos marcos de natureza
socialista. Essas tarefas e posições só poderiam ser realizadas e assumidas sob a
hegemonia dos trabalhadores.
Mas, o que se vê, nos anos 1990, é a entrega do patrimônio público ao capital
estrangeiro, a parcela mais rentável, bem como a não obrigatoriedade das empresas
privatizadas de comprarem insumos no Brasil, e da manutenção dos empregos
daquelas empresas, ocorrendo, assim, o desmonte de parte do parque industrial
nacional, a remessa de quantia enorme de dinheiro para o exterior, o desemprego e
desequilíbrio da balança comercial, etc. Com isso, acontece o inverso do anunciado
pelo governo FHC – o combate à crise fiscal e o equilíbrio das contas públicas
nacionais.
Outro aspecto da reforma do Estado foi o Programa de Publicização, que se
expressa na criação das agências executivas e das Organizações Sociais (OS), bem
97
como da regulamentação do terceiro setor para a execução de políticas públicas, em
parceria com Organizações Não Governamentais (ONGs) e instituições filantrópicas,
para implementação de políticas, principalmente na área social, agregando-se a
essa o trabalho voluntário, não pago, sem proteção social, desprofissionalizado sob
a égide da solidariedade.
Um traço forte da reforma está na tendência da desresponsabilização pela
política social, na qual é feita tal reforma à revelia do padrão constitucional de
seguridade social, capturada por uma lógica de adaptação ao contexto neoliberal na
ética mercadológica do social. Daí decorre, para as políticas sociais, o trinômio do
neoliberalismo – privatização, focalização/seletividade e descentralização –, o qual
tende a se expandir com o Programa de Publicização.
A tendência que permanece até hoje é a da restrição e redução de direitos,
transformando as políticas sociais em uma arena de luta entre as classes sociais, na
busca por ações pontuais e compensatórias, direcionadas aos efeitos perversos da
crise. As possibilidades preventivas e redistributivas tornam-se mais limitadas,
prevalecendo o trinômio do ideário liberal nas políticas sociais. A descentralização,
conforme o ideário liberal, não significa o partilhamento de poder entre esferas
públicas, mas mera transferência da responsabilidade para entes da federação,
instituições privadas e correlatas, assim como as ONGs, componente fundamental
das reformas e das orientações internacionais para a proteção social.
Essas tendências são determinadas e agravadas pela condição do orçamento
público destinado às políticas sociais que padece da histórica submissão à política
econômica. O orçamento da seguridade social e as demais políticas sociais só
podem ser compreendidos tendo como referência a estruturação da carga tributária
brasileira e o seu significado no âmbito da política macroeconômica. Mas, nos
últimos governos, de FHC e Lula, a política fiscal passou a ser fortemente orientada
pelas recomendações estabelecidas nos acordos firmados entre esses governos e o
Fundo Monetário Internacional (FMI), a partir de 1998.
No conjunto de medidas econômicas e conceituais sobre a carga tributária,
pode-se considerá-las regressivas, na medida em que os tributos e contribuições
incidem sobre os trabalhadores, visto que são remetidos ao consumo, de forma que
a tributação não promove redistribuição de renda e riqueza, contribuindo, ao
contrário, para a concentração de ambas (BEHRING, 2003, apud BEHRING e
BOSCHETTI, 2009, p. 165).
98
Outro aspecto importante para atender ao alocamento do fundo para as
políticas sociais é que o aumento da arrecadação tributária não significa que será
revertido em acréscimo para a política social e a seguridade social. Recursos da
seguridade social são apropriados pelo governo federal por meio de mecanismos
legais como a Desvinculação das Receitas da União (DRU), com vistas à
composição do superávit primário e pagamentos de juros da dívida. A apropriação
indevida causa os midiáticos “déficits previdenciários”, conforme apontam os
relatórios do próprio Tribunal de Contas de União (TCU), ao analisar as contas do
governo federal.
A receita seria muito maior se não incidisse a DRU. Nessa hipótese, a
seguridade social apresentaria saldo positivo. O relatório conclui que uma parcela
dos recursos desvinculados do orçamento da seguridade social financia despesas
do orçamento fiscal no exercício de 2005, contribuindo com 34% do superávit
primário alcançado pelo governo federal no exercício (RELATÓRIO DO TCU, 2005,
apud BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 167).
A perspectiva aqui desenvolvida sobre a relação entre política social e política
econômica e, especificamente, as implicações no orçamento da seguridade social é
que, desde o acordo assinado pelo governo federal com o FMI, em 1998, o Brasil
vem comprometendo significativas parcelas do orçamento, produzindo superávit,
percentuais crescentes do Produto Interno Bruto (PIB) e superando até as metas
estabelecidas pelo Fundo.
Por fim, a direita neoliberal quer acabar com as arenas (esferas públicas), a
fim de criar espaço para um Estado mínimo, numa clara tentativa de fazer com que o
fundo público atue apenas como pressuposto do capital. É a retomada de um Estado
caritativo e assistencialista, segundo Oliveira (1998, apud BEHRING e BOSCHETTI,
2009), é o
desmantelamento total da função do fundo público como antivalor (...). A
ofensiva neoliberal abala os fundamentos da democracia moderna,
convertendo o Estado a uma completa subordinação ao capital, num
verdadeiro ‘banquete dos ricos’, e atualizando mais do que nunca a crítica
marxiana do Estado (p. 177).
O capitalismo, sob a égide da financeirização, reduz a efetivação dos direitos
sociais e desarticula os movimentos sociais dos trabalhadores, para instalação de
um Estado de mal-estar.
99
Behring e Boschetti concluem que a trajetória das políticas sociais brasileiras,
conectadas à política econômica monetarista e de ajuste fiscal, enveredou pelos
caminhos da privatização, focalização e seletividade e desresponsabilização do
Estado, apesar das inovações de 1988.
Essa escolha teve impactos deletérios na sociedade brasileira, radicalizando
e dramatizando as expressões da questão social. Isto é comprovado por pesquisa
do MPOG, que revela um país dual e desigual.
O Radar Social8 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
reconhece que as respostas às situações das expressões sociais não vêm se dando
a partir de amplas, universais e sólidas políticas públicas, sociais e de geração de
emprego e renda. Ao contrário, são programas residuais e focalizados, sobretudo,
na assistência e previdência social.
Aponta que a política social, no contexto do capitalismo atual, não é capaz de
reverter esse quadro e nem é sua função estrutural. Debater e lutar pela ampliação
dos direitos da política social e emancipação humana é tarefa de todos - sociedade
civil, trabalhadores organizados, movimentos sociais -, assim como a participação na
disputa pelo fundo público, para manutenção, ampliação das políticas na perspectiva
da universalização da saúde, da educação e do bem-estar social em geral, para
melhoria das condições de vida, saúde e trabalho.
2.2.
Política de Atenção à Saúde e Segurança do Trabalho do Servidor Público
Federal
Após a análise teórica dos fundamentos e da história da política social no
Brasil e no mundo, a partir do final do século 19, início do século 20, a política social
vem contribuindo para a melhoria das condições de vida e trabalho da população e
das classes sociais que vivem do trabalho, ao mesmo tempo em que amplia o
capital, firmando-se hoje como sistema capitalista sob a égide do mercado
financeiro.
8
Radar Social é um documento de monitoramento das condições de vida no Brasil, produzido pelo Ipea, órgão
do MPOG, ou seja, é fonte de pesquisa governamental.
100
O Estado, na ótica neoliberal, busca, em sua esfera, minimizar as políticas
sociais, desobrigando-se de garantir os direitos sociais a toda a população brasileira.
A Pass “rema contra a maré”, sua construção vem ocorrendo no período de
descaminho das políticas sociais como um todo. Analisemos, então, as principais
características dessa política de saúde do trabalhador voltada ao servidor público.
A Pass integra o processo de democratização das relações de trabalho que
visa debater questões relativas à saúde e à promoção da saúde no trabalho do
servidor público federal, bem como estimular as organizações de saúde por locais
de trabalho, uma das estratégias para a melhoria das condições ambientais do
trabalho e de valorização do servidor público e a sensibilização de gestores e
servidores para as questões da saúde no trabalho que propiciem mudanças de
atitude e possibilitem tomadas de decisões.
Com essa chamada a Coordenação-Geral de Seguridade Social e Benefícios
do Servidor (COGSS), criada em 2003, subordinada à Secretaria de Recursos
Humanos (SRH) do – MPOG, vem implantando as unidades de saúde na instância
federal e implementando uma política de saúde para o servidor público em todo o
território nacional.
Cabe à COGSS a tarefa de propor e implementar uma política de seguridade
social e benefícios para o serviço público federal9.
Detemo-nos na Pass, por ser a política que norteia o desenvolvimento de
ações de saúde do servidor público e por ser objeto de investigação desta pesquisa,
muito embora não estejam dissociadas das políticas do trabalhador, mas cada qual
tem suas especificidades e particularidades. Essa discussão, construção e
implantação vêm acontecendo desde meados de 2007, mediante o uso de vários
mecanismos legais, que dão sustentação, o que veremos e analisaremos no
decorrer deste tópico.
Assim, pode-se dizer que a Pass é composta por decretos, portarias, normas
operacionais e sistemas que possibilitem a padronização e a racionalização de
recursos, com uso de informação para ação, projetos e rede de comunicação.
A Pass objetiva oferecer aos servidores em geral, gestores, e aos
profissionais de saúde da área, um conjunto de parâmetros e diretrizes para nortear
9
Segundo o MPOG, à Cogss compete propor e supervisionar a aplicação das políticas e diretrizes relativa à
saúde ocupacional, saúde suplementar, direitos previdenciários e assistência psicossocial, bem como benefícios
diretos e indiretos aos servidores da administração.
101
a elaboração de projetos e ações de atenção à saúde do servidor público federal. A
política é sustentada em três eixos: vigilância e prevenção à saúde, assistência à
saúde do servidor, e perícia em saúde.
Fundamenta-se
epidemiológica,
na
em
uma
inter-relação
abordagem
entre
os
biopsicossocial,
eixos,
no
em
trabalho
informação
em
equipe
multidisciplinar, no conhecimento transdisciplinar e na avaliação dos locais de
trabalho que considerem os ambientes e as relações.
Essa política vem sendo coletivamente construída e está baseada na
equidade,
universalidade de direitos e benefícios, na uniformatização de
procedimentos, na otimização de recursos e em medidas que produzam impacto
positivo na saúde dos servidores públicos federal.
O processo de construção coletivo da Pass ocorre por meio de Encontro
Nacional de Atenção à Saúde do Servidor (Enass), em 2008-2009, de oficinas e
reuniões, com a participação de representantes dos setores de recursos humanos,
técnicos e profissionais da saúde, e entidades sindicais, visando compartilhar
experiências,
dificuldades,
comprometer
gestores,
estabelecer
parcerias
intersetoriais, enfim, construir princípios, diretrizes e ações na área de saúde e
segurança do trabalho. É uma política transversal de gestão de pessoas, que
envolve diferentes órgãos da Administração Pública Federal (APF).
Essa proposta em construção da Pass, é motivada pelas recomendações dos
órgãos internacionais, a exemplo da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
que faz menção à saúde dos trabalhadores e das relações de trabalho, incluindo os
trabalhadores na função pública.
Proposta esta ainda não conclusa, a exemplo da falta de regulamentação e
implantação do controle social do servidor público através da Comissão Interna de
Saúde do Servidor Público Federal (Cissp), não nasce apenas da intenção
governamental e técnica da APF, mas sobre pressão da OIT, e das reivindicações
históricas das entidades representativas dos servidores públicos e das últimas
conferências nacionais de saúde do trabalhador, que faz recomendações à saúde do
servidor público.
A transversalidade e a intersetorialidade estabelecidas na Pass estão de
acordo com os princípios preconizados na Política Nacional de Segurança e Saúde
do Trabalhador (PNSST), objetivando superar a fragmentação, a desarticulação e a
102
superposição das ações pelos Ministérios do Trabalho, Previdência Social, Saúde,
Planejamento, Meio Ambiente, entre outros:
Para que o Estado cumpra seu papel na garantia dos direitos básicos de
cidadania é necessário que a formulação e implementação das políticas e
ações do governo sejam norteadas por abordagens transversais e
intersetoriais. Nessa perspectiva, as ações de segurança e saúde do
trabalhador exigem uma atuação multiprofissional, interdisciplinar e
intersetorial capaz de contemplar a complexidade das relações
produção/consumo/ambiente/saúde. (PNSST, 30/5/2005)
Em relação à PNSST, Andrade (2009, p. 39) diz que pouco se fez de suas
recomendações e suas ações ainda demonstram dificuldades no alcance de um de
seus principais objetivos que é o de superar a fragmentação, desarticulação e
superposição das ações por aqueles setores ministeriais. O mesmo ocorre com a
Pass, fato a ser demonstrado no decorrer do estudo.
Acrescenta que no texto da PNSST está a necessidade de interfaces com as
políticas das áreas de economia, agricultura, indústria e comércio, ciência e
tecnologia, educação e justiça, para alcance da articulação com os setores
organizados da sociedade civil, o que também ainda não se realizou.
Na Pass, o MPOG saiu à frente dos outros ministérios e coordena a política
de saúde para o servidor público, tradicionalmente, uma área dos Ministérios de
Previdência e Saúde; a articulação é um dos desafios postos na implantação dessa
política, acrescidos de outros setores de interface, como de transportes, habitação,
segurança, infraestrutura, que viabilizem uma proposta de saúde na integralidade,
ou seja, vigilância, promoção, prevenção e assistência para o bem-estar físico
mental e social.
Após a apresentação dos traços relevantes da construção dessa política e
dos princípios, objetivos, ao longo do estudo e análise, outros elementos serão
acrescentados, que levem a um aprofundamento dessa política na concretização em
que se deu a pesquisa empírica, é o que se espera.
O que dá sustentação à Pass, são as ações de vigilância e promoção,
assistência à saúde e perícia em saúde, que serão vistas a seguir, dando destaque
aos pontos-chaves para a efetivação dessa política de Estado para os trabalhadores
públicos.
103
2.3.
Perícia
em
Saúde
do
Servidor:
uniformização,
multidisciplinar
e
multiprofissional
Do ponto de vista da APF, a perícia em saúde é a chave para a implantação
da Pass, ao possibilitar o controle gerencial, estabelecer parâmetros para concessão
de licenças e direitos aos servidores, ao uniformizar e dar transparência às perícias
oficiais possibilitando a construção de um novo padrão para avaliar a capacidade
laborativa dos servidores públicos federais e racionalização de recursos.
As perícias em saúde, implantadas nas unidades de trabalho, visam, além da
uniformização de procedimentos, dar transparência aos critérios técnicos, a
eficiência administrativa, humanização no atendimento, racionalidade de recursos,
bem como o apoio multidisciplinar e as relações com as áreas de assistência e da
promoção à saúde.
A equipe multiprofissional, parte integrante do processo de avaliação da
capacidade laborativa, tem a função de subsidiar as decisões periciais, avaliar o
ambiente e o processo de trabalho, acompanhar servidores afastados por motivos
de saúde e dar suporte no tratamento e nas restrições de atividades, visando a uma
integração das ações (assistência, prevenção e promoção) da saúde para
possibilitar um retorno mais saudável e rápido ao trabalho.
Conta também, a perícia em saúde, com alterações na legislação - Lei
8.112/1990 - entre outras, que lhe dê respaldo legal na regularização de licenças,
adoção de novos critérios para atuação das perícias e juntas médicas, revisão de
aposentadorias por invalidez, além de instituir perícias odontológicas, entre outros.
Os pareceres social e psicológico são mecanismos técnicos e legais que
contribuem para a ampliação da avaliação do servidor em uma situação de saúde,
numa perspectiva de totalidade, onde participam o assistente social, e psicólogos da
equipe de saúde.
Some-se a isso a criação de prontuário eletrônico, unificado em um portal
Siass e o Sistema de Informação e Administração de Pessoal e de Saúde (SiapenetSaúde) para articulação de toda a rede nacional do servidor público federal.
104
2.4.
Vigilância e Promoção à Saúde do Servidor Público Federal
As ações de vigilância e promoção à saúde do servidor visam ao
acompanhamento e à prevenção dos agravos à saúde detectados, avaliar ambientes
e processos de trabalho e seus impactos na saúde do servidor, assim como detectar
precocemente doenças relacionadas ou não ao trabalho por meio de exames
clínicos, avaliações ambientais com base nos denominados riscos (físicos,
ergonômicos, mecânicos, psicossociais, entre outros), a que estão expostos os
servidores em suas atividades laborais.
As atividades de vigilância e prevenção à saúde estão sendo fundamentadas
e reguladas pela Norma Operacional de Saúde do Servidor (Noss), com diretrizes e
metodologias que orientam as avaliações e intervenções na saúde.
Assim, a Noss nortear-se-á pela universalidade e equidade, beneficiando a
todos que trabalham nas instituições públicas federais (servidor público) - pela
integralidade das ações articuladas, potencializando as ações de promoção,
prevenção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde e o acesso à informação
e
repasse aos servidores, sobretudo as relativas aos riscos e resultados de
pesquisas sobre a saúde, por meio da criação de canais de comunicação interna:
 Participação dos servidores: como um direito de participar de todas as etapas
do processo de atenção à saúde;
 Regionalização e descentralização: as ações de saúde, para o servidor,
devem ser planejadas e executadas pelos serviços de saúde dos órgãos e
entidades da APF, ou pelas unidades de referência do Siass, segundo as
prioridades e as necessidades dos servidores de cada estado ou região,
valendo-se do sistema de referência e contra referência.
 Embasamento epidemiológico: os estudos epidemiológicos deverão subsidiar
o planejamento, a operacionalização e a avaliação das ações de promoção e
vigilância à saúde;
 Transdisciplinaridade: as equipes de saúde devem pautar suas práticas numa
abordagem de compartilhamento de saberes em busca da compreensão da
complexidade humana, considerando os múltiplos fatores que influenciam a
condição de saúde dos servidores públicos federais em suas relações com o
trabalho;
105
 Pesquisa-intervenção: o conhecimento e a percepção que os servidores têm
do processo de trabalho e dos riscos ambientais deverão ser considerados
para fins de planejamento, metodologia e execução das ações de vigilância e
promoção à saúde, por meio de análise e decisões coletivas, dando à
comunidade participante uma presença ativa no processo, permitindo que o
conhecimento se construa com a integração do saber científico e do saber do
trabalhador.
Não se trata, aqui, apenas de nomear as diretrizes da Noss que norteiam as
ações de saúde, mas observar as semelhanças com normas e diretrizes
padronizadas na PNSST, o que demonstra a interface com a Pass, e que pode levar
à superposição de algumas ações e à desarticulação entre as políticas de saúde do
trabalhador, a Pass e os ministérios e unidades de saúde em todas as instâncias.
Conforme diz o coordenador da Cogss:
(...) a rede com os outros Ministérios, não está articulada. Nesse momento,
estamos articulando essa rede, identificando a legislação, fazendo
operações na legislação e nos apropriando muito das experiências que
existem para a iniciativa privada (...) Mas estamos a um passo atrás em
relação ao que está organizado para o trabalhador da iniciativa privada. No
entanto, é uma referência para nós (...) é uma referência técnica e legal do
ponto de vista das normas. Ela é uma referência na forma de organização.
Para nós, é uma referência de ponto de vista organizacional da política, dos
recursos, da legislação (...) Então, estamos nos apropriando um pouco
dessa experiência (COGSS, apud ANDRADE, 2009, p. 53).
A política social de saúde para o servidor, assim como nos moldes gerais da
política social, é tardiamente implantada e o próprio coordenador reconhece, ao
dizer que estamos um passo atrás em relação à política de saúde para o trabalhador
de iniciativa privada.
À medida que adentrarmos na análise e construção da Pass, vamos
identificando outros parâmetros legais, técnicos e organizativos semelhantes à
PNSST e verificando as especificidades e particularidades do servidor público que
possa justificá-la.
Atualmente, vem se concretizando as estruturas das organizações sociais
aprovadas no fim do mandato do governo Lula, para administração e reposição de
pessoal nos quadros dos hospitais universitários tendo como base as relações de
trabalho estabelecidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Com essa
outra modalidade de vínculo trabalhista, teremos a PNSST junto com a Pass
atuando no aparelho do Estado? Por exemplo, as normas de licenças e de
106
afastamentos, entre outras, são diferentes do setor privado, regidas pela legislação
do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Diz o coordenador da Cogss que
muitas vezes não se sabe o que fazer com essas situações:
(...) há peculiaridades e particularidades da organização disso no serviço
público, mas que do ponto de vista filosófico e conceitual não se separa ao
trabalhador que precisa de tratamento e apoio específico. Estamos tentando
estabelecer esses elos para que não se faça essa diferença entre o servidor
e o trabalhador (COGSS, apud ANDRADE, 2009, p. 54).
Ou seja, do ponto de vista filosófico, conceitual, das diretrizes, os conceitos e
princípios não se separam em ambas as políticas, mas a efetivação da Pass
necessita urgentemente arquitetar suas ações que contemplem esse sistema dual
de contratação e vínculo com o Estado: o RJU e a CLT. As particularidades e
especificidades não são antagônicas; as
diferenças
não
são
motivo
de
desarticulação, mas de aproximação de nossas conquistas e defesas dos direitos
sociais e saúde, especificamente a saúde do trabalhador.
As políticas de saúde, no caso a do trabalhador, enquanto espaço de
interesses e necessidades divergentes, entre as classes dos trabalhadores e dos
empregadores, espera-se que a classe que vive do trabalho público ou privado –
RJU/CLT – façam alianças para concretizar uma política de saúde na integralidade,
universalidade, e que seja equânime em sua totalidade das ações para todos os
trabalhadores, independentemente de vínculos.
2.5.
Conceitos que fundamentam a Noss-Pass
A Noss estabelece os conceitos e as categorias que norteiam as ações de
saúde do servidor público, dar-se-á destaque àquelas que estarão no corpo do
trabalho e que servirão para análise do tema em estudo.
 Ambiente de trabalho é o conjunto de bens, instrumentos e meios de
natureza material, no qual o servidor exerce suas atividades.
Representa o complexo de fatores que interligados, ou não, estão
presentes no local de trabalho e interagem com o servidor. Um
ambiente de trabalho no qual as relações entre os servidores, colegas,
chefias e usuários sejam hostis, as relações podem torná-lo não
107
favorável. O ambiente de trabalho ainda pode ser definido como o
espaço físico onde atuam e se inter-relacionam os servidores.
 Condições de trabalho: são as pressões físicas, mecânicas, químicas e
biológicas do posto de trabalho. Trata-se de uma mediação físicaestrutural entre o homem e o trabalho que pode afetar o corpo do
servidor, causando desgaste, doenças somáticas e pode mesmo
acelerar o envelhecimento. Designa, como parte da organização, a
divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa, na medida em que dela
derivam o sistema hierárquico, as modalidades de comando, as
relações de poder, as questões de responsabilidade, etc. Nesse
conceito, as condições de trabalho não dão visibilidade às expressões
sociais, já que a precarização está embutida nas pressões físicas e
mentais (sofrimentos) e as sociais sentidas pelo coletivo.
 Organização do trabalho é o modo como o trabalho é planejado e
gerenciando, desde sua concepção até sua finalização. Do processo
de seleção, recrutamento, premiação, até o desligamento das pessoas.
Inclui a divisão das tarefas, as relações de poder, o tempo, a rotina, o
ritmo e as exigências de produtividade para a realização das
atividades. Agrega o sistema de gestão, hierarquia, controle,
comunicação, formação e negociação das relações de um ambiente ou
processo. A organização do trabalho resulta na definição da tarefa e
influencia no processo saúde-doença no ambiente de trabalho. As
organizações nem sempre têm ou demonstram ter clareza das
finalidades de suas ações e atribuições, característica própria da
burocracia estatal, e isso é repassado para os que estão na execução.
Exemplo disso é a falta de entendimento e organização nas atribuições
e no desenvolvimento das rotinas de trabalho, que dificultam o
desempenho dos serviços prestados. As instituições públicas padecem
da falta de organização e, consequentemente, provocam sofrimento
aos servidores que estão na execução, isto é o que deve ser
demonstrado no decorrer deste estudo.
 Prevenção é a disposição prévia dos meios e conhecimentos
necessários para evitar danos ou agravos à saúde do servidor, em
108
decorrência do ambiente, dos processos de trabalho e dos hábitos de
vida.
 Uma das ações que podem contribuir para a prevenção é o estudo
epidemiológico feito através da pesquisa-intervenção, mediante a
participação do servidor, com o seu saber acumulado no trabalho, de
suas vivências e experiências, agregando-se ao conhecimento técnico
e ao científico, colocando-os à disposição da prevenção e promoção da
saúde.
 Processo de trabalho é a realização contínua de atividades
desenvolvidas individualmente ou em equipe, constituindo-se num
conjunto de recursos e atividades organizadas, inter-relacionadas, que
transformam insumos e produzem serviços e que podem interferir na
saúde do servidor.
 A saúde do servidor e os possíveis agravos a ela constroem-se
processualmente, na maioria das vezes, por meio da realização
contínua de certas atividades, e podem comprometer mentes e corpos,
provocando desgastes biopsicossociais. Hoje, a Lesão por Esforço
Repetitivo (LER/Dort) e as doenças osteomusculares, são as doenças
que mais afastam os trabalhadores em geral dos postos de trabalho,
devido ao uso contínuo de computador, entre outros equipamentos de
esforço repetitivo.
 Prevenção da saúde do servidor é o conjunto de ações orientadas que
propiciam saúde ao servidor, por meio da ampliação do conhecimento,
da relação saúde/doença e trabalho. Objetiva-se o desenvolvimento de
gestões, de atitudes e de comportamentos que contribuam para a
proteção da saúde nos âmbitos individual/coletivo. A prevenção
engloba ações efetivas de saúde, com vários componentes educativos;
requer ações da gestão, no sentido de facilitar o desenvolvimento dos
serviços e na decisão de proporcioná-los; envolve também a decisão
do servidor devidamente esclarecido de participar e contribuir na
promoção do seu bem-estar social e da saúde.
109
 Proteção de saúde é o conjunto de medidas adotadas com a finalidade
de reduzir e/ou eliminar os riscos decorrentes do ambiente, do
processo de trabalho e dos hábitos da vida.
Em linhas gerais, são esses os conceitos contidos na análise sobre a saúde
do servidor público, na sua dimensão social; a falta de visibilidade, estudos e sua
efetividade são desafios dessas ações e políticas, prevalecendo os determinantes
físicos, químicos, estruturais, ambientais e os efeitos perversos no corpo de
trabalhador.
Para Laurell (1989),
A dimensão coletiva (portanto social) dos fatores e elementos que
contribuem para o desgaste de trabalhador, estão nas cargas do trabalho,
no processo e no modo de organização do trabalho e no modo de vida do
trabalhador (...) a dimensão coletiva, enquanto um processo historicamente
construído nas relações, mas foca apenas a visão médica, da medicina
social (p. 21).
A autora ainda afirma que
(...) a realidade cotidiana do trabalho tem sido ponto cego não somente do
olhar do sanitarista, como também da maioria dos observadores e analistas
da sociedade. Chama-nos a atenção para extrapolarmos os muros do
trabalho, deixando de ser apenas o espaço dos trabalhadores
individualmente, mesmo que sua produção seja social, para espaços
coletivizados e legítimos de ação e transformação ((LAURELL, 1989, p.
21).
A visibilidade da dimensão social da saúde do trabalhador posta nas relações
sociais, é um dos instrumentos para a efetivação das políticas sociais de saúde via
as organizações sindicais. Dar-lhe visibilidade passa necessariamente pelas
análises das relações de trabalho contidas nos processos, nas organizações e
condições de trabalho; verificando ritmos, carga horária, divisão de trabalho,
instrumentos, produtividade, humanização e participação social dos trabalhadores,
desde a concepção, execução até a avaliação.
Outro elemento importante da Noss é o financiamento. Aliás, as políticas
sociais neste País sempre foram construídas com a participação dos empregadores
e empregados, conforme destacam Behring e Boschetti (2009).
Com os servidores públicos, acontece o mesmo, pois todos participam do
financiamento com uma contribuição num percentual em torno de 20%, que incide
sobre os salários e outras vantagens financeiras. Mas esses fundos de
110
financiamento aparecem como dádiva da União. Sobre o financiamento da Pass, diz
o MPOG:
 Cabe aos órgãos e entidades da APF viabilizar os meios e recursos
necessários para garantir as ações de vigilância e promoção à saúde, com
recursos próprios e/ou oriundos do MPOG;
 O financiamento das ações de vigilância e promoção é da União, mediante
orçamento específico destinado às despesas com ações de saúde, aquisição
de equipamentos e capacitação de servidores.
Segundo Andrade (2009, p. 55), a Cogss sempre contou com orçamento
próprio, não só para a saúde complementar, mas também para a reforma das
unidades e equipamentos com a possibilidade de financiar projetos específicos de
promoção, de capacitação, de treinamento. O sistema de informação Siape–Saúde,
por exemplo, está sendo instalado com recursos específicos da área.
Entende-se que a Cogss, unidade da SRH/MPOG da União, tem um dos
principais papéis, que é o de coordenar todo o orçamento de gestão pública e
redistribuídos entre todos; o que se está questionando é a omissão da participação
contributiva do trabalhador público. Claro que todos os pagadores de tributos, taxas,
fundos, contribuem para o funcionamento do Estado, assim como o próprio servidor.
O sistema previdenciário e seguridade social da rede privada são
redistributivos. Formam um sistema solidário, assim como na rede pública, dadas as
devidas particularidades, a exemplo, de que não havia a figura estrutural e
organizativa de uma unidade de previdência social pública assumida pela Cogss e a
organização do Siass, da seguridade social, e benefícios do servidor federal.
2.6.
Saúde Suplementar do Servidor
O terceiro eixo central da Pass é a saúde suplementar, considerada como a
provisão de recursos para a reparação do estado de saúde, com a finalidade de
mantê-la ou restabelecê-la, ou minimizar os danos decorrentes de enfermidades ou
acidentes. Tal cuidado necessita de serviços articulados em rede, com suporte
laboratorial e hospitalar capaz de responder de forma eficaz à demanda.
A Pass preconiza que a saúde suplementar é um benefício compartilhado
entre a APF e o servidor, além do Sistema Único de Saúde (SUS), que atende
111
todos os cidadãos brasileiros. Em relação à assistência à saúde, o Estado recorre à
participação do servidor no fundo, por se tratar de um benefício compartilhado, e
evoca também o SUS. A assistência à saúde do servidor engloba o sistema público
e o privado, o que prova que o Estado também incorpora no seu aparelho as
políticas sociais privatistas de viés modernizante do neoliberalismo.
Nogueira, M. (2009) diz que:
Não há e nem pode haver fronteiras rígidas entre as políticas públicas. Não
existem separações entre as políticas sociais e outras, ainda que tensões e
atritos entre os dois campos possam ser sempre diagnosticados (...) sempre
há uma coerência lógica e política (...) afinal toda sociedade e todo Estado
existem a partir de uma dada correlação de forças de um padrão de
hegemonia, que conformam um determinado pacto sociopolítico, um projeto
nacional (...), (pp. 53-54).
Na correlação de forças de construção dessa política, estão contemplados os
interesses, opostos, dos donos da previdência e planos de saúde privados, que têm
seus representantes políticos e também atuando no Estado, a exemplo de médicos
proprietários de clínicas, acumulando com o cargo de servidor
público,
farmacêuticos possuidores de laboratórios e que também trabalham no Estado, etc.
Assim, os servidores públicos acabam assumindo esse sistema dual que, em
nome da universalidade, não contempla a todos.
Na proposta de assistência à saúde do servidor, o benefício suplementar,
destina-se à assistência médico-odontológica e é universalizada para os servidores
federais. Transforma o benefício em despesa orçamentária obrigatória, evitando
contingenciamentos, recupera o valor per capita destinado aos servidores e
estabelece iniciativas para a isonomia no tratamento desse benefício entre todos os
entes do Poder Executivo.
Destaque, ainda, para a exclusão da política da assistência social aos
servidores, que só aparece nas atribuições e competência das equipes de saúde do
trabalhador e estabelece que seja efetivada mediante os recursos sociais existentes
naquela região onde estiver localizada, questão a ser retomada quando for
abordada, no próximo capítulo, a intervenção do Serviço Social na saúde do
trabalhador.
O valor repassado para esse benefício ao servidor, na prática, não dá para
pagar a metade da mensalidade de qualquer plano de saúde; corresponde
aproximadamente a 1/3 parte do valor mensal do plano Geap – Fundação da
112
Seguridade Social, ao qual quase 70% dos servidores da UFAL são filiados,
conforme levantamento realizado em 2009 pelo Setor de Recursos Humanos da
UFAL (Quadro 5).
Faixas
Por Remuneração (R$ 1,00)
0000 - 1.499
1.500 - 1.999
2.000 - 2.499
2.500 - 2.999
3.000 - 3.999
4.000 - 5.499
5.500 - 7.499
7.500 ou +
Por Idade
00 - 18
19 - 28
29 - 43
44 - 58
59 OU +
00 - 18
19 - 28
29 - 43
44 - 58
59 OU +
00 - 18
19 - 28
29 - 43
44 - 58
59 OU +
00 - 18
19 - 28
29 - 43
44 - 58
59 OU +
00 - 18
19 - 28
29 - 43
44 - 58
59 OU +
00 - 18
19 - 28
29 - 43
44 - 58
59 OU +
00 - 18
19 - 28
29 - 43
44 - 58
59 OU +
00 - 18
19 - 28
29 - 43
44 - 58
59 OU +
Valores Per Capita (R$1,00)
106
111
117
123
129
101
106
111
117
123
96
101
106
111
117
92
96
101
106
111
87
92
96
101
106
79
81
83
84
86
76
77
79
80
82
72
73
75
76
78
Quadro 5: Valores da participação da União no custeio da assistência à saúde suplementar do
servidor
Fonte: DOU, 30/12/2009
113
O benefício da saúde suplementar é regulamentado pela Portaria Normativa
SRH 3, de 15 de setembro de 2009, a qual rege que as operadoras de planos de
saúde devem oferecer cobertura mínima do rol de procedimentos estabelecidos pela
Agência Nacional de Saúde (ANS); exige a oferta de planos com coberturas e redes
credenciadas diferenciadas; e permite o pagamento de benefício por ressarcimento
para os servidores que optarem por plano diferente do estabelecido pelo órgão.
A assistência à saúde do servidor contribui para o financiamento e
crescimento do mercado privado de saúde, em que a maior parcela de contribuição
(2/3) sai do bolso do servidor. O Estado, enquanto regulador das ações e políticas
públicas, estabelece parceria na mercantilização de assistência à saúde ao servidor
público.
O VII Congresso dos Servidores Públicos do Judiciário, realizado no Rio
Grande do Sul, em 2009, chama a atenção para a necessidade da participação mais
efetiva dos sindicatos, quando, segundo manifestação por carta aberta, denuncia
que a Pass está sendo constituída à revelia do servidor público, o que contradiz a
fala do governo e os documentos dessa política.
O documento, emitido pela Federação Nacional da Justiça Federal (Fenajufe),
quando da realização do seu 7o Congresso, afirma que:
O movimento sindical precisa, com urgência, participar da mudança nessa
conjuntura que vem desenhando desde 2003, com a criada Cogss,
subordinada à SRH/MPOG. Mais recentemente, foram criados decretos e
normas regulamentadoras que compõem a Pass e que estão em plena
implementação pelo governo federal. É preocupante a ausência da
10
participação das entidades sindicais de servidores públicos .
Observa-se que as mudanças e reformas das políticas sociais vêm ocorrendo
não apenas do Estado para fora, ou seja, na rede privada, seguridade social, no
SUS, mas também dentro do Estado, a exemplo da Pass e sua política de
assistência à saúde, voltada para o servidor, que repassa à rede privada a
responsabilidade do Estado para com seus trabalhadores.
Várias instituições públicas contratam firmas para fazer as avaliações
ambientais das áreas insalubres. Andrade (2009), em sua pesquisa no Rio de
Janeiro, diz:
10
Recordando o que dizem Behring e Boschetti (2009), os movimentos sociais têm suas contradições, portanto,
não se pode ter uma visão romântica, ou seja, de que é um movimento hegemônico, como também satanizar o
Estado.
114
(...) os laudos técnicos são realizados por uma firma contratada e os
resultados dessa análise são encaminhados à área médica para emissão
dos laudos e definição dos percentuais de insalubridade a serem pagos.
Esta forma de organização do serviço dificulta as ações de vigilância, pois é
demorada, depende da compra de serviços e disponibilidade financeira para
este fim e leva a um retorno lento, dificultando ações imediatas de
intervenção (p. 65).
O mesmo acontece com os exames periódicos realizados no ano de 2009,
pela primeira vez na Ufal, quando a Geap foi contratada para realizá-los e também a
avaliação médica. Segundo relatório emitido pela unidade de saúde da Ufal,
aproximadamente 13% dos servidores, que se submeteram aos exames não os
concluíram; 75% submeteram-se à avaliação médica e à emissão do Atestado de
Saúde Ocupacional (ASO); isso demonstra o retorno lento, desarticulado, sem
infraestrutura, e no final a Geap recebeu por todos os serviços prestados, mesmo
que incompleto o resultado das avaliações.
A comprovação de que a política de assistência à saúde não contempla a
universalidade desse benefício, é o próprio processo de implantação da Pass e da
rede de assistência à saúde. Só será contemplado com o pecúnio, o servidor que
contribuir para o plano de saúde privado. Conforme destaca Andrade (2009), sobre o
processo de implantação da política de atenção à saúde do servidor em instituições
federais,
(...) a assistência à saúde suplementar é feita através do ressarcimento
parcial aos trabalhadores, repassado pelo Governo aos que comprovam
que tem plano de saúde e plano odontológico, de livre escolha, para o
servidor e para os dependentes. Não há um plano de saúde próprio ou
contratado pelo IBGE-RJ (p. 65).
Outra contradição do plano de assistência refere-se ao princípio que
preconiza de forma equânime que os servidores com menores salários e mais
idosos recebem um per capita maior do governo do que aqueles com maiores
salários e mais jovens.
Na prática, essa matemática equânime não funciona bem,
pois um grande número de servidores não pode bancar seus planos de saúde.
Segundo Andrade (2009):
Essa forma de cobertura da assistência médica, não se tem mostrado
resolutiva nem atendido às demandas dos trabalhadores, por serem os
planos privados caros e o valor do ressarcimento muito pequeno, o que faz
com que grande número de servidores não tenha cobertura de plano de
saúde, tendo como alternativa o SUS (p. 65).
115
Alguns sindicatos defendem a política de assistência à saúde privada e
realiza convênios com planos de saúde para os sindicalizados. Segundo Andrade
(2009), o sindicato tem convênio com plano de saúde para os servidores da
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do Rio de Janeiro (IBGE-RJ).
O processo de participação social exercido pelos movimentos sociais por
meio dos sindicatos e conselhos democráticos, não é homogêneo, pois são movidos
pelos interesses e tensões próprios de uma sociedade de classes, além de outras
contradições decorrentes dessa correlação de forças.
Os movimentos sociais que participam da esfera pública na relação com o
Estado o fazem em busca de suas demandas e aceitam a negociação e almejam a
ampliação de políticas sociais. O controle social é uma dessas formas de
participação para a garantia dos direitos sociais, e será analisado a seguir.
2.7.
Concepção sobre o controle social
Neste item, abordar-se-á o controle social a partir das autoras Correia,
Behring e Boschetti, Raichelis, entre outros, que vêm aprofundando o tema. O que,
na saúde, tem relevante papel na concretização das políticas públicas de saúde
mediante o SUS.
Será feito um paralelo entre as experiências do controle social realizado pelos
conselhos de saúde. Segundo Correia (2000), este só se concretiza com o controle
do fundo público e, consequentemente, sob o controle das ações do Estado na
saúde. Assim, reivindica-se a participação dos servidores nas comissões
institucionais de saúde.
Ainda será analisada a questão na fala dos representantes do sindicato,
profissionais da saúde do trabalhador, entre outros, fazendo-se os contrapontos
entre a teoria e a prática social desse segmento no aparelho do Estado.
Correia inicia os estudos sobre controle social destacando os conceitos
utilizados em sociologia, em que a expressão é tratada por diferentes autores para
designar “os processos de influência da sociedade ou coletivo, sobre o indivíduo”
(CARVALHO 1995, p. 9 apud CORREIA, 2000, p. 53). Mannheim (1971, p. 178,
apud CORREIA, 2000) o define como O “conjunto de métodos pelos quais a
116
sociedade influencia o comportamento humano, tendo em vista manter determinada
ordem” (p. 53).
Para esses autores, o controle que o Estado exerce sobre a sociedade por
meio de suas instituições tem como objetivo amenizar, ou mesmo evitar, conflitos
sociais. Essas instituições interferem no cotidiano de vida dos indivíduos, reforçando
a internalização de normas e comportamentos legitimados socialmente (IAMAMOTO
apud CORREIA, 2000, p. 53). A ação estatal exerce o controle no cotidiano dos
indivíduos legitimado formalmente, ou seja, a sociedade, ou o Estado, continua
exercendo o domínio sobre os indivíduos.
Na perspectiva de Correia (2000, p. 53), o controle social envolve a
capacidade que a sociedade civil tem de interferir na gestão pública, orientando as
ações do Estado e os gastos estatais na direção dos interesses da coletividade.
Consequentemente, implica o controle social sobre o gasto público.
O controle social nessa ótica não apenas controla as ações do Estado
mediante as políticas sociais, opinando, sugerindo, mas principalmente pelo controle
sobre o gasto público. Ainda segundo essa lógica democrática, quem paga impostos
direta e indiretamente na fonte pode e deve decidir onde, como e quando investir os
recursos públicos11.
Esses gastos na saúde buscam melhor qualidade e mais quantidade de
serviços, evitando o uso indevido do Estado, em suas instâncias – federal, estadual
e municipal – institucionais, e deixando-os à mercê dos interesses de grupos
clientelistas e privatistas.
Acompanhar a forma como está sendo gasto o tesouro do Estado é uma das
finalidades do controle social que traz à tona a possibilidade de a sociedade
organizada ter acesso ao orçamento público, interferindo na destinação dos seus
recursos. Trata-se de um processo de democratização do fundo público,
“ameaçando o monopólio que as classes dominantes exercem sobre os recursos
estatais” (OLIVEIRA apud CORREIA, 2000, p. 54).
Segundo Correia, o controle social sobre as ações e os recursos do Estado
tem como um dos requisitos essenciais as relações entre o Estado e a sociedade,
por meio de canais democráticos de participação social. Após o período ditatorial, no
Brasil, esses canais foram restabelecidos com a institucionalização dos conselhos
11
Behring e Boschetti (2009) dizem que, para analisar a experiência do controle democrático, há que
gramscianamente, aliar o pessimismo da razão ao da análise crítica, com o otimismo da vontade.
117
setoriais. Esses mecanismos são, ao mesmo tempo, resultado do processo de
democratização e dos pressupostos para a sua consolidação. O fortalecimento do
exercício do controle social sobre o Estado contribui para o alargamento da esfera
pública e consolidação da democracia.
Essa forma ampliada de conceber o controle social de participação e decisão
por meio de orientação e opinando sobre as ações do Estado e nos gastos públicos,
implica a organização dos movimentos sociais que, comprometidos com os
interesses da coletividade, busquem, na esfera pública12, a transparente
consolidação dos direitos sociais e da democracia brasileira constantemente
ameaçados pelo projeto societário neoliberal.
2.8.
História do Controle Social na Saúde
Segundo Correia (2000, p. 55), o tema da participação na gestão pública
surge na segunda metade da década de 1970, no período crítico da ditadura militar
no Brasil, a partir das experiências na gestão municipal em Lages (SC) e das
práticas construídas nos movimentos sociais – Conselhos Populares de Saúde, na
zona leste de São Paulo; Conselho Popular do Orçamento, de Osasco; Assembleia
do Povo de Campinas, entre outros. As experiências participativas multiplicaram-se.
Na área da saúde, as primeiras participações acontecem com os conselhos
criados na zona leste da capital paulista e o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
(Cebes), também em São Paulo.
A intervenção do Estado na melhoria da qualidade da rede e de serviços,
decorre da interação entre a população e a Secretaria de Saúde. O movimento, na
década de 1970, representa “a emergência de práticas que redefinem as relações
entre Estado e população, gerando demandas num espaço que apesar de regulado
pelo Estado, não controla plenamente a sua institucionalização” (JACOBI, apud
CORREIA, 2000, p. 59).
No processo de unificação dos movimentos populares, em São Paulo, surgiu
o de saúde, em 1976, aos quais se somaram parte da igreja mais progressiva;
estudantes de medicina e médicos sanitaristas, em busca de melhoria do setor,
12
Entende-se por esfera pública uma construção histórica tecida no interior da sociedade civil e política
(RAICHELIS, 2000).
118
devido ao descaso e à falta de investimento, e do rápido crescimento populacional.
Na gestão de Adib Jatene na Secretaria de Saúde de São Paulo, de 1978 a 1992, os
conselhos são reconhecidos como interlocutores do Estado que reage e investe na
expansão da rede.
Essa experiência com conselhos populares cresce, em São Paulo, e na
década de 1980, com o Partido dos Trabalhadores (PT) assumindo a prefeitura,
foram criados conselhos como parte da estratégia para democratizar a gestão
municipal.
Hoje, existem dois canais institucionais de participação social na política de
saúde – os conselhos e as conferências de saúde –, que tem suas raízes na
experiência da zona leste de São Paulo e na criação do Cebes e representam uma
conquista do movimento sanitário.
Essa forma de participação institucionalizada da sociedade civil organizada na
saúde foi concebida como controle social, intervenção na gestão, gasto público e
ações do Estado. Bergman (apud CORREIA, 2000) define o controle social como a
“fiscalização direta da sociedade civil nos processos de gestão da coisa pública” (p.
55). Considera-o como possibilidade de a sociedade civil interagir com o governo
municipal para estabelecer prioridades e definir políticas de saúde que atendam às
necessidades da população. Aponta os conselhos de saúde como canais que
podem viabilizar a relação entre as demandas da população e o controle social das
ações e a fiscalização da gestão pública.
Dessa forma, o controle social passa a existir como possibilidade de os
movimentos sociais influenciarem as políticas públicas para que atendam às suas
demandas, durante o processo de democratização do País, em que a
descentralização é o tema central contraposto ao processo de centralização do
Estado durante a ditadura militar.
O movimento sanitário sempre defendeu a descentralização dos serviços e a
municipalização, vista como estratégias de democratizar o sistema nacional de
saúde e como um dos princípios do SUS. Esse primeiro princípio leva à
desburocratização do sistema de saúde, aproxima a gestão pública da população
usuária e dos conselhos, podendo interferir de forma mais rápida e próxima da
política de saúde de seu município.
Correia (2000, p. 56) diz que essa via não é de mão única, pois a
descentralização é também uma estratégia neoliberal que responsabilizam os
119
municípios pela política de saúde sem repasse de recurso federal. São estratégias
do projeto liberal com fins de racionalizar e reduzir gastos públicos. Nessa lógica
econômica, a descentralização é uma das medidas a que se recorre para enfrentar a
crise fiscal do Estado, a instabilidade da moeda, o déficit e a dívida externa.
Na perspectiva da Reforma Sanitária, a descentralização é “entendida como
deslocamento de poder”, não só de nível central para o nível local, mas,
principalmente, como “um deslocamento do poder para os setores organizados da
classe trabalhadora, em aliança com o movimentos sociais de usuários e de
profissionais” (FLEURY apud CORREIA, 2000, p. 56).
A descentralização é um dos princípios que se preconiza nas políticas sociais
da saúde, educação, etc. Na perspectiva de “deslocamento de poder”, para a
instância mais próxima, a local, onde a população tenha acesso, no sentido de
cobrar, reclamar, solicitar, intervir e provocar mudanças nos serviços públicos.
Assim, qualquer proposta de descentralização tem de vir acompanhada da
participação social, para que se garanta o seu projeto democratizante. Isso é
possível graças ao caráter deliberativo atribuído legalmente ao Conselho de Saúde,
que possibilita aos setores populares, trabalhadores da saúde, nele representados,
certo poder para interferir na política de saúde descentralizada.
A Lei Orgânica da Saúde (8.080), que regulamenta o SUS definindo
atribuições e competências, em seu artigo 1o regulamenta a participação da
sociedade por meio de duas instâncias colegiadas.
I – a Conferência de Saúde reunir-se-á cada 4 anos com a representação
dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação da saúde e propor as
diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis
correspondentes, convocada pelo poder executivo ou extraordinariamente,
por este ou pelo Conselho de Saúde;
II – O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão
colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço,
profissionais da saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no
controle da execução da política de saúde na instância correspondente,
inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão
homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera.
Correia (2000, p. 65) apresenta dados sobre o número de Conselhos de
Saúde e afirma que a participação social por meio dessas instâncias é uma
realidade no Brasil: já existem em 5.201, dos 5.506 municípios nos 27 estados
brasileiros. No entanto, a garantia dessa participação social não significa um
120
controle imediato, mas um processo para conquista e ampliação dos serviços de
saúde.
Diz a autora que
(...) se por um lado os conselhos e conferências podem se constituír em
mecanismo de legitimação do poder dominante e de cooptação dos
movimentos sociais, por outro lado, podem ser espaços de participação e
controle social na perspectiva de ampliação da democracia (CORREIA,
2000, p. 63).
Ainda quanto à contradição do espaço de participação popular nos conselhos,
afirma que
Pode servir para legitimar ou reverter o que está posto. Porém não deixa de
ser um espaço democrático, em que vence a proposta do mais articulado,
informado e que tenha maior poder de barganha; é uma arena de lutas em
torno do destino da política de saúde nas três esferas de governo. Nos
conselhos de saúde, estão presentes diversos interesses: públicos, privados
corporativos, coletivos, individuais (CORREIA, 1996 apud CORREIA, 2000,
p. 64).
A autora destaca três critérios relevantes para efetivar o espaço democrático:
apresentar, debater e vencer a proposta, aquela que estiver mais articulada, ou seja,
estabelecer alianças entre os conselheiros e representantes; deter informações; uma
das condições é o acesso às informações sobre a política de saúde, sabendo
decifrá-la, interpretá-la e, por último, o poder de barganha, poder de negociação dos
interesses que se coadunem com a proposta apresentada. Isso não é fácil, para os
conselheiros, pois, no Brasil, a ditadura deixou marcas de repressão difíceis de
superar, principalmente nas classes populares, em que não há o exercício da
participação, decisão da política e ação governamental, e para reverter esse quadro
é preciso muita capacitação e exercício dos conselhos e conselheiros. Mas, como
diz a autora, o controle social na saúde é uma realidade, no Brasil, o que mostra que
esses pontos vêm sendo superados com a concretização da esfera pública.
Outro ponto apontado pela autora diz respeito ao dilema dos movimentos
sindicais e populares entre manter uma posição de “costas para o Estado” e de
interagir com este, tal dilema atravessou as décadas de 1970 e 80, reaparecendo
quando da constituição dos conselhos. Alguns movimentos, com a possibilidade de
assumir lugar nos conselhos, negam-se a ter participação institucionalizada.
121
Entretanto, esses movimentos, na IX Conferência Nacional de Saúde (1992),
decidiram compor os Conselhos de Saúde e defenderam sua autonomia e a
participação livre. O texto do relatório final da referida conferência diz que:
A participação, independente de sua forma, deve-se dar como uma prática
que busque a transformação da estrutura social. Neste sentido, é inegável a
importância da participação dos sindicatos, partidos políticos, e demais
organizações populares na luta por essas transformações. A preservação
da autonomia e independência dos movimentos sociais é fundamental para
evitar a sua instrumentalização. O controle social não deve ser traduzido
apenas em mecanismos formais, e sim refletir-se no real poder da
população em modificar planos e políticas não só no campo da saúde.
A noção de controle social como controle da sociedade sobre as ações do
Estado “passa a exigir a presença de organizações legitimas de representação de
interesses de diversos segmentos sociais na formulação de planos e políticas de
saúde e no redirecionamento dos investimentos públicos” (ABRASCO, 1993).
O controle social, na forma aqui defendida pela autora, é um exercício de
democracia, na decisão sobre a política de saúde, definição de ações e do fundo
público a favor da coletividade. Dessa forma, só se concretiza se houver um controle
sobre o fundo público de saúde, de outra forma, torna-se apenas formal. Reconhece
que o controle social sobre os recursos é um desafio para os conselheiros, pois são
inúmeras as dificuldades para sua efetivação. Primeiro, por ser uma prática recente,
que substitui uma prática e postura de submissão, restrita aos burocratas,
administradores e economistas. Esse é um exercício a ser seguido para tornar
acessível e objeto do controle social o que é público.
2.9.
O Controle Social na Saúde do Trabalhador – Formas do controle social
na Política de Saúde do Trabalhador Público/Privado
A análise do controle democrático na política social, segundo Behring e
Boschetti (2009, p. 179), vai além de números, pois deve observar como e para
quem está sendo efetivamente viabilizado o controle da política pública, a partir dos
princípios constitucionais e das legislações complementares, que apontam para o
caráter universal do acesso aos direitos de cidadania.
As autoras afirmam que a experiência dos conselhos como espaço
democrático espalhou-se territorial e politicamente, mas não significa uma
122
redemocratização efetiva do Estado brasileiro, mas se trata de um processo em
curso e em disputa com potencialidades democráticas.
Ao lado dos conselhos, reconhecem outras formas de controle, como o
Ministério Público, a imprensa, os conselhos de fiscalização das profissões, entre
outros. Sobretudo, as autoras em tela chamam a atenção para priorizar o
fortalecimento dos movimentos sociais, tão necessários em períodos de ofensiva
conservadora.
O controle social na política nacional de saúde do trabalhador, que por ora se
apresenta, não contemplará todos os canais e redes de organização e participação
social postos na saúde do trabalhador. Far-se-ão pontes com os que mais se
aproximam, na prática, com o estudo em pauta, à saúde do servidor público; assim,
entendemos que os conselhos, as conferências e as comissões de saúde do
trabalhador são espaços de participação e construção de políticas.
Após essa introdução teórica sobre o controle social, analisa-se como está
sendo o controle social na política de saúde do trabalhador. É bom lembrar que no
Conselho Nacional de Saúde (CNS) há, entre seus conselheiros, representantes
dos trabalhadores da saúde e da política de saúde do trabalhador. Como canais de
participação, o trabalhador têm também os sindicatos e as centrais. Atualmente, o
representante do CNS, é da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Outras
organizações, são as Comissões Intersetoriais de Saúde do Trabalhador (Cist),
existentes em todas as capitais e estados brasileiros, que têm a finalidade de
acompanhar as ações de saúde, situações de doenças e subsidiar a representação
dos trabalhadores no conselho.
Vejamos como se organiza a política representativa dos trabalhadores no
SUS e, particularmente, a Pass.
A Constituição Federal (CF) de 1988, em seu inciso II do artigo 200, indica
que a atribuição do SUS é “executar as ações de vigilância sanitária e
epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador”; apesar de ser vista numa
área especializada, não está desvinculada do contexto global da saúde, mas não
acompanha o desenvolvimento do SUS, embora ambos sofram constantes
turbulências advindas das investidas do neoliberalismo e sua lógica privatizante.
Aqui não vamos analisar o SUS e sim suas interfaces e articulações com a Política
Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador (PNSST).
123
Para tornar ainda mais complexo, a atenção à saúde do trabalhador envolve
três Ministérios da frente: Saúde, Trabalho e Emprego, e Previdência Social, sem
contar a participação de outros, como o da Educação, e da organização dos serviços
de saúde do trabalhador nas instâncias, estadual, municipal e local.
A articulação entre os ministérios e todo o sistema estadual, municipal e local
é insuficiente, sobrepondo-se informações, atribuições e ações, entre outras
situações que no decorrer da análise serão detectadas.
A estrutura, a seguir citada, objetiva dar visibilidade aos instrumentos e
espaços de controle social no cotidiano dos conselhos e nas organizações da
Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (CNST)13.
Nesses espaços de debates e luta para concretizar a Política Nacional de
Saúde do Trabalhador, foram realizadas três Conferências Nacionais de Saúde do
Trabalhador, nos anos de 1983, 1994 e 2005. Em
geral,
as
conferências
configuram-se em espaços ricos de debate, de formulação de propostas, mas com
pouca efetividade, segundo Vasconcelos (2007, p. 213).
A mobilização que antecede a CNST, com as conferências estaduais e
municipais, tem garantido a qualidade e o aprofundamento dos temas, com uma
participação plural e intensa dos movimentos sociais, particularmente dos sindicatos
dos trabalhadores.
A primeira CNST teve como temas centrais: diagnóstico da situação da saúde
e segurança dos trabalhadores, novas alternativas de atenção à saúde dos
trabalhadores, política nacional de saúde e segurança dos trabalhadores. A ênfase
fo dada à formulação da política nacional de saúde, até então não assumida nem
construída como política de Estado.
Segundo Vasconcelos (2007, p. 213), “o elenco de propostas nem
configurava um desenho mais acabado de política de Estado, nem seu relatório final
foi trabalhado nesse sentido”. Essa primeira CNST foi realizada no ano da XIII
Conferência Nacional de Saúde, ou seja, em um momento de efervescência do
13
A composição do conselho obedece ao critério de paridade da Lei 8.142/19. É constituída por 12 membros
titulares e 12 suplentes, distribuídos da seguinte forma: 50% de usuários (6), 25% de trabalhadores da saúde (3),
25% do governo e prestador de serviço de saúde (3). Tal composição atende às deliberações da IX CNS/1992 e
às recomendações da Resolução 33 do Conselho Nacional de Saúde/1992. Sua formação inclui um representante
da Secretaria Municipal de Saúde, um da Secretaria Municipal da Educação, um representante da IV
Coordenadoria Regional de Saúde, três dos trabalhadores de saúde (dois de nível superior e um de nível
médio/elementar), um representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, um representante do movimento
religioso, um dos clubes de serviço, um das associações de moradores e dois representantes das associações
comunitárias.
124
movimento de reforma sanitária, que arrebanhou os movimentos sociais em torno da
construção de uma política nacional de saúde como direito de todos e dever do
Estado, o que desembocou na efetivação do SUS.
Os movimentos sociais buscavam pela concretização de uma política de
Estado voltada para as necessidades dos trabalhadores. Mesmo assim, não trouxe
resultados, conforme acontece na II Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador,
realizada 11 anos depois da primeira, ocorrida em março de 1994 e que tinha como
tema central: Construindo uma Política de Saúde do Trabalhador,
(...) nesse evento foram definidas as linhas e estratégias de implementação
da Política Nacional de Saúde do Trabalhador. As principais marcas dessa
conferência foram a definição da unificação das ações de saúde do
trabalhador no SUS e a discussão das dimensões políticas, sociais,
econômicas, técnicas e gerenciais deste caso particular de política pública.
(SILVA, 2002, p.7, apud VASCONCELOS, 2007, p. 214)
A unificação é ponto que aparece e retoma a força na II CNST, e permanece
ainda hoje. Diz respeito à unificação das ações da política de saúde e de saúde do
trabalhador, cuja finalidade é fortalecer essas políticas e, dessa forma, evitar ações
paralelas, duplicidades e racionalização de recursos humanos, financeiros, físicos,
entre outros.
A expressiva participação social, na II CNST, de representantes institucionais,
profissionais da área e sindicais, mobilizou esforços para desencadear ações
concretas no SUS. No relatório final da conferência, no capítulo sobre os princípios,
destaca-se o seguinte:
Os participantes da II Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador
reiteraram e legitimaram os princípios e diretrizes básicas do SUS,
demandando sua efetiva implementação na área da saúde do trabalhador.
Devem ser incorporadas ao SUS todas as ações de saúde do trabalhador e
devem ser descentralizadas através da municipalização (MINISTÉRIO DA
SAÚDE/CNS, 1994, p.13).
As conferências enquanto canal de participação social dos trabalhadores,
profissionais, movimentos sociais, entre outros atores e construtores da política
nacional de saúde do trabalhador, se concretizam no espaço democrático na
realização da III CNST, em novembro de 2005, tendo como tema central: Trabalhar
sim, adoecer não.
Os temas abordados nessa terceira conferência foram criticados pelos
estudiosos da área por se desarticularem das anteriores, uma vez que não se tinha
125
efetivado a política nacional de saúde do trabalhador. Reconhece o ponto favorável
da participação social e coloca o desafio de repensar a praticidade ou efetividade da
conferência como espaço de formulação e acatamento, pelo Estado, de suas
resoluções.
Lacaz (2005) pronuncia-se da seguinte maneira:
(...) assim, se por um lado o controle social em saúde do trabalhador que é
anterior à existência do próprio SUS deve por isso ser considerado no
sentido de valorizar esta trajetória e especificidade, por outro a realização
de conferências no formato em que vem sendo realizadas e por temas
específicos, referindo-se a terceira conferência, deve ser repensada na
medida em que a fragmentação de temas não contribui para a reflexão
sobre os destinos do SUS num momento em que a focalização das políticas
sociais ganha mais força” (p. 48 apud VASCONCELOS 2007, p. 217).
A fragmentação e focalização ganham mais força nas ações de saúde,
educação nos estudos e pesquisas focais, descompromete-se com o todo, focando
apenas o emergente. Não se tem conhecimento nem compromisso com a totalidade
da saúde, nem com uma política social efetiva. Lacaz (2005) sugere que:
(...) se caminhe para a realização das conferências nacionais de saúde, nas
quais as temáticas específicas sejam embutidas, na perspectiva de sua
contribuição para a construção do SUS como o todo a ser cada vez mais
aperfeiçoado... como a única política de bem-estar social que logramos criar
com nossas lutas, embates e que remontam ao movimento da Reforma
Sanitária (p. 48 apud VASCONCELOS, 2007, p. 217).
As conferências contextualizadas vêm-se firmando como canais de
participação social, principalmente da classe trabalhadora, na discussão e debates
de propostas e a efetivação de uma política nacional de saúde do trabalhador que
fortaleça o SUS. A mobilização social tem correspondido às expectativas, mas a
falta de objetividade, praticidade e especificidade dos temas tem ocorrido com pouca
efetividade na construção de uma política nacional de saúde do trabalhador no
espaço do SUS, segundo Vasconcelos (2007, p. 218).
Para refletir sobre a conferência, Jacques (BRASIL, 2006) faz a seguinte
observação;
(...) o que falta é uma aliança com outros movimentos (...) todo mundo no
movimento sanitário sabe que as condicionantes da saúde, estão fora da
saúde – a segurança reflete na saúde, o trabalho reflete na saúde – e a
aliança com o movimento não foi feita suficientemente bem (...) enfim um
movimento forte nacionalmente, com um nome forte, uma marca, para
inclusive fortalecer os conselhos e sua atuação, penso ser uma lacuna na
conjuntura atual em que estamos vivendo (p. 233).
126
Vejamos
a
representação
dos
trabalhadores
e
outras
modalidades
organizativas de saúde do trabalhador no próximo item.
2.9.1. Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador
Essa comissão é vinculada ao CNS, conforme os artigos 12 e 13 da Lei
Orgânica da Saúde, e têm como objetivo assessorá-lo nas questões da área de
saúde do trabalhador. Seu poder está no nível da discussão, opinião, sugestão e
não tem poder deliberativo.
São espaços participativos de reflexão a respeito da política de saúde e suas
ações. É formada por representante das instituições ministeriais (saúde, previdência,
trabalho e emprego), Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass),
Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde – (Conasems), Associação
Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Central Única dos Trabalhadores (CUT),
Força Sindical e Instituto Ethos.
A Cist vem contribuindo na construção da política nacional de saúde do
trabalhador por meio das Instruções Normativas de Vigilância em Saúde do
Trabalhador, Norma Operacional de Saúde do Trabalhador (Nost/SUS), lista de
doenças relacionadas ao trabalho, proposta de preenchimento de autorizações de
internação hospitalar nos casos de acidentes de trabalho; contribuiu para a
construção do capítulo Princípios e Diretrizes de Saúde Ocupacional para o
trabalhador do SUS e na organização das conferências temáticas.
No desempenho da assessoria no CNS, a Cist tem participado de forma
efetiva na elaboração de instrumentos, normativas, de vigilância e controle de
situações específicas da saúde do trabalhador.
A Cist, por ser um canal de participação, na instância estadual, aproxima-se
das demandas municipais e locais, que a alimenta com dados e situações
vivenciadas pelos trabalhadores na labuta diária.
Mas, segundo Vasconcelos (2007, p. 219), isso não acontece na prática. O
pretenso objetivo de que as representações na Cist retornam as propostas para as
suas instituições de origem e delas trazem uma posição institucional, não se viabiliza
127
e nem se concretiza em nenhuma delas, pelo que este pesquisador observou, nos
anos de 1994/1995, como membro da comissão.
Acrescenta-se
que,
infelizmente,
isso
acontece
na
maioria
das
representações, ora por falta de repasse para as instituições, ora de envolvimento
das instituições que, ao delegar o representante, descompromete-se com o assunto
e fazem cumprir o legal.
Diz Vasconcelos, ainda sobre a Cist, que a relação com o CNS, por seu turno,
é excessivamente formal e depende de acomodações da agenda do conselho para
que as propostas sejam apresentadas e eventualmente aprovadas.
Para o autor, o controle social em saúde do trabalhador carece de
mecanismos mais representativos e mais articulados com outras instâncias, inclusive
entre o próprio controle social com ele mesmo, nas diversas instâncias, nacional,
estaduais e municipais, além de um encurtamento entre o tempo formulador e o
tempo executor.
2.9.2. O Grupo Executivo Interministerial de Saúde do Trabalhador
Outra modalidade organizativa de saúde do trabalhador é a criação do Geisat,
por portaria interministerial, dos Ministérios da Saúde; Trabalho; e Previdência
Social, com o propósito de estabelecer a integração ministerial para buscar “o
atendimento integral dos trabalhadores” (BRASIL, 1993b, apud VASCONCELOS,
2007, p. 220).
A integração entre os ministérios é um dos desafios para a realização da
política na saúde do trabalhador em sua integralidade, no âmbito de promoção,
prevenção e assistência, sem sobreposição de ações e paralelismo e a burocracia
técnica e o corporativismo14 dos técnicos e ministérios, em que cada qual carece
marcar e carimbar seus espaços ministeriais e poder.
Essa foi então a justificativa para a criação do Geisat (VASCONCELOS,
2007), para romper com as atribuições fragmentadas nas estruturas de saúde,
trabalho e previdência, mais visível pela CF de 1988, quando interpreta as
atribuições do SUS com as outras áreas.
14
O conceito de corporativismo pode ser visto em Giffoni.
128
O desvio que tomaram os trabalhos do Geisat, um grupo executivo
interministerial, em nível de poder decisório, fazia crer que avançaria nessa direção,
entretanto, com as mudanças governamentais ocorridas a partir de 1993 e 1994,
perdeu a força inicial e se transformou em espaço protocolar de nível técnico, sem
capacidade político-institucional de encaminhar propostas concretas de articulação
intergovernamental.
Por fim, os vários estudiosos, entre eles Lacaz (2005) e Vasconcelos (2007),
afirmam que a desarticulação interministerial permanece até hoje e outra situação
diz respeito às representações que são as mesmas no Gesait, Cist, conferências,
etc. e não possuem poder decisório para operacionalizar mudanças de nível
ministerial, consoante com seu objetivo original.
2.9.3. A Comissão Tripartite Paritária
Outra comissão tripartite e paritária, a CTTP é espaço de discussão das
políticas públicas de saúde e trabalho, mas não é um espaço ampliado, em vista de
sua missão institucional, restrita à CLT. O Ministério do Trabalho criou-a em 1996,
através da SSST/MTB 11, de 11 de abril de 1996, com base no sistema tripartite
paritário de regulamentações na esfera das relações de trabalho, preconizado pela
OIT.
A comissão é composta de cinco representantes em cada bancada: governo,
empregadores e trabalhadores e por força de sua natureza é um fórum restrito de
atuação centrada nas Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no
Trabalho, regidas pela Lei 6.514/1977 e Portaria 3.214/1978 e da CLT (Decreto-Lei
5.452, de 1o de maio de 1943).
Vasconcelos (2007, p. 222) critica o modelo tripartite preconizado pela OIT e
endossado pela burocracia técnica do Ministério do Trabalho, num corporativismo
refratário de raízes históricas profundas,
O modelo tripartite de formulação da política e da lei em segurança e saúde
é profundamente aético, na medida em que põe na mesa o Estado como
árbitro, o trabalhador com suas necessidades, e o patrão com sua posição
de fazer ou não concessões. Não há qualquer sentido democrático nessa
conformação, na medida de que a saúde e a vida são bens indisponíveis do
ponto de vista do direito nos Estados-Nação (p. 222).
129
O Estado, segundo Vasconcelos (2007), na posição de árbitro, assume uma
pseudo neutralidade, diante das classes representativas, patrão e trabalhadores, na
comissão tripartite, na qual se tecem interesses e necessidades inconciliáveis, como
vida, saúde, trabalho e condições dignas.
Ainda segundo Vasconcelos (2007, p. 222), uma política de Estado em saúde
do trabalhador e desenvolvimento necessariamente deve rever a formulação de
legislação, que não diz respeito diretamente à preservação da saúde e da vida no
trabalho. E acrescenta que, quanto à concepção da burocracia técnica do Ministério
do Trabalho, a sua posição antissaúde pública é evidente. O não reconhecimento da
missão constitucional do SUS na área da saúde do trabalhador é patente e patético.
Essa direção e posição do Ministério do Trabalho permanecem até hoje,
segundo Vasconcelos, em que o corporativismo é um exemplo emblemático, assim
como a burocracia técnica e legal do Ministério do Trabalho, que, em nome de uma
competência de área de atuação e de espaço de trabalho institucional e de
dominação, compromete a visão de totalidade do desenvolvimento da política de
saúde e trabalho.
Outras características sobre a representação governamental nos conselhos,
nos mostra Raichelis (1988):
Ao que tudo indica, as posições assumidas pelos funcionários dos
ministérios eram mais opiniões individuais, e não recebiam orientações do
seu órgão quanto as posições a serem defendidas, que dissessem respeito
a posição governamental (p. 204).
Os critérios de escolha dos representantes do governo federal não são claros;
às vezes, essa participação aparece como algo que atrapalha a rotina dos
ministérios. Outra dificuldade apresentada é a rotatividade da representação
governamental, maior do que a observada na sociedade civil (RAICHELIS, 2000).
Enfim, a esfera pública é uma construção histórica tecida no interior das
relações entre sociedade política e civil, que visa ultrapassar a dicotomia estatalprivado com a instauração de uma nova esfera, capaz de introduzir transformações,
nos âmbitos estatizados e privados da vida social, resultando daí um novo processo
de interlocução pública (RAICHELIS, 1988).
O controle social na PNST aponta os principais canais organizativos em que
acontecem a participação social do trabalhador, dada a natureza específica das
comissões tripartites e paritárias que se baseiam na CLT - mas, nem por isso deixam
130
de se relacionar com o sistema de saúde pública e do trabalhador via SUS, entre
outros.
Analisa-se a proposta de participação do servidor, pois ainda continua como
intenção
criar a Comissão Institucional de Saúde do Servidor Público Federal
(CISSP), não intencionalmente, para entender porque ainda não está concretizado o
controle social nas ações e nos fundos da política integral de atenção ao servidor
público: Por que não é prioritário o controle social? Essa proposta está em discussão
pública desde novembro de 2009, no portal www.siapenet.gov.br, no link saúde.
Mas não é apenas por meio da CISSP que o trabalhador público pode
participar. A representação sindical legalmente pode tornar-se um fórum de debates
e controle social das condições de saúde e trabalho do serviço público em tela. Após
a síntese dos objetivos, das atribuições da CISSP no controle social, verifica-se
como se dá a participação social por meio da representação sindical.
Vasconcelos
(2007)
alerta
para
os
impedimentos
burocráticos
e
corporativistas no controle social, mediante consulta da Federação das Indústrias do
Rio de Janeiro (Firjan), feita ao Ministério do Trabalho sobre a pertinência da
vigilância e fiscalização e saúde nos ambientes de trabalho do SUS, com a
participação de representação sindical – o Gabinete do ministro, por meio de ofício,
respondeu que as Secretarias de Saúde municipais ou estaduais não detêm
competência para atuar na inspeção. O Ministério do Trabalho não pode respaldar a
ilegalidade, autorizando a participação das secretarias, ou a representação sindical.
2.9.4. Comissão Interna de Saúde do Servidor Público Federal
A Pass vem sendo construída coletivamente por meio de encontros, oficinas,
reuniões e seminário desde 2007, com áreas de recursos humanos, técnicos de
saúde e entidades sindicais, com o objetivo de compartilhar experiências e as
dificuldades, comprometer gestores, estimular parcerias intersetoriais e construir
princípios, diretrizes e ações nas áreas da saúde e segurança do trabalho.
No texto introdutório da Pass, a organização de Comissões de Saúde do
servidor, por local de trabalho, ainda em regulamentação, possibilitará o incremento
de ações de promoção, pois essas organizações constituem espaços no qual o
131
servidor pode reconhecer os riscos à saúde e segurança, assim como negociar com
a administração mudanças no ambiente e na organização do trabalho.
A CISSP tem como finalidade contribuir para a gestão compartilhada de
questões relativas à saúde e segurança do servidor, com os seguintes objetivos:
I – propor ações voltadas a promoção da saúde e a humanização do
trabalho, em especial a melhoria das condições de trabalho, prevenção de
acidentes, de agravos à saúde e de doenças relacionadas ao trabalho;
II – propor atividades que desenvolvam atitudes de corresponsabilidades no
gerenciamento da saúde e da segurança, contribuindo dessa forma, para a
melhoria das relações e do processo de trabalho;
III – valorizar e estimular a participação dos servidores enquanto
protagonistas e detentores de conhecimento do processo de trabalho, na
perspectiva de agentes transformadores da realidade.
Lembremos que ainda é recente o processo democrático e participativo no
Brasil. Assim, afirmam os autores Correia, Vasconcelos, Andrade, entre outros, que,
após os longos anos de ditadura militar, seus resultados perversos na formação
social ainda se fazem presentes no processo de efetiva participação social.
Para alguns, pode parecer que o espaço de trabalho no Estado é diferente,
mais democrático, quanto ao processo de construção coletiva de uma política social
de atenção à saúde do trabalhador, e no exercício do controle social
institucionalizado, na presente proposta de criação da CISSP. A prova está no fato
de ainda não ter sido regulamentada a referida comissão. O controle social não se
efetivou na sua modalidade consultiva, opinativa, conforme preconiza a proposta,
muito menos no controle, em sua totalidade, das decisões e aplicação do fundo na
saúde do servidor público.
Estamos diante de interesses antagônicos? Estado de um lado e seus
trabalhadores de outro? Não é tão simples a resposta para essas questões. Até
porque o Estado ainda não tem noção de como está a saúde do trabalhador. O
servidor, na CISSP, está sendo estimulado a propor ações que melhorem as
condições de trabalho e saúde, a corresponsabilidade no gerenciamento, enfim,
assumir o papel de protagonista dessa história como o detentor do conhecimento a
respeito do processo de trabalho.
Esse é um dos desafios postos para a equipe de saúde, principalmente os
profissionais da medicina e engenharia do trabalho, que vêm de uma formação
acadêmica e intervenção profissional de detentores do saber e poder técnico
132
hegemônico na área e que podem resistir, a princípio, à participação do trabalhador
no processo com seu conhecimento do trabalho, interferindo e propondo ações.
Ao ser solicitada à Ufal, por exemplo, a escolha de representantes para
participar da CIST-AL, o profissional indicado, com formação de medicina, disse que
não tinha afinidades para trabalhar com o sindicato, ou outras formas de
organização, melhor seria que a entidade fosse representada por um assistente
social que goste da participação política.
O controle social não é papel exclusivo de nenhuma profissão, é um exercício
democrático, de participação social não apenas formal mas de decisão das políticas
sociais e de gastos do fundo público na garantia dos serviços e das ações.
A forma como está sendo construída, a CISSP não contempla a participação
no nível de decisão das ações mas de propor, opinar e socializar o conhecimento
sobre o processo de saúde e trabalho.
A participação da CISSP no processo de fiscalização e avaliação dos
processos de trabalho pode se tornar uma porta aberta de interferência nas decisões
das ações da política de saúde. O que demandará não só conhecimento, mas
principalmente articulação política com o movimento sindical dos servidores,
associações, entre outras formas organizativas que facilitarão as suas ações.
O controle social, canal da esfera pública, tem no bojo conceitual o princípio
de democracia ampla, extrapolando a participação institucionalizada do servidor via
CISSP e articulando-se com a sociedade civil organizada. A força política advinda
dessa relação pode ampliar o poder de participação dos servidores, pois propor sem
poder de decisão, como diz Correia (2000), é um controle de formalização. Um fazer
de contas que pode implicar a cooptação para legitimar uma política de saúde que
atenda mais aos interesses do Estado em reduzir gastos e aplicar o mínimo de
investimentos na saúde do servidor público.
Vejamos a relação das atribuições da CISSP:
I – realizar levantamento das condições de trabalho visando a detecção de
riscos ocupacionais nocivos à saúde e ao bem estar dos servidores, a
confecção e atualização de mapa de riscos e propor medidas preventivas
e/ou corretivas para substituir, neutralizar e reduzir os riscos existentes;
II – acompanhar e auxiliar as equipes de vigilância e promoção da saúde na
investigação das causas e consequências dos acidentes e das doenças
associadas ao trabalho, inclusive na investigação de denúncia, preservando
a identidade do denunciante;
133
III – levantar e analisar dados e propor medidas em conjunto com os
trabalhadores e equipe de vigilância e promoção da saúde para melhorar as
condições de trabalho;
IV – negociar com a direção da unidade ou do órgão e estabelecer termo de
compromisso de melhorias das condições de trabalho, com prazo para
implementação das devidas modificações, assinado pela autoridade
competente da unidade do órgão, por representantes da CISSP e da equipe
de vigilância e promoção;
V – acompanhar a execução das medidas corretivas até sua total
implementação;
VI – articular com os setores competentes a realização de eventos, cursos,
treinamentos e debates para estimular o interesse dos servidores quanto
aos cuidados com a saúde e segurança no trabalho;
VII – promover e participar de campanhas de promoção da saúde e
prevenção de doenças e acidentes de trabalho;
VIII – promover a divulgação das normas da saúde e segurança no trabalho,
zelando pela sua observância.
A materialização da proposta foi pautada em legislação trabalhista aplicada à
iniciativa privada, a exemplo da obrigatoriedade das Comissões Internas de
Prevenção de Acidentes (Cipas), através da Lei Municipal 13.174, de São Paulo, de
5 de setembro de 2001.
Aliás, a construção de toda a Pass tem sido pautada, em linhas gerais, na
política nacional de saúde do trabalhador, com as devidas adequações à legislação
específica que rege as relações de trabalho com o Estado brasileiro.
Registre-se também que, no início da discussão da Pass de 2006/2007, com
o Sisosp, agora Siass, este invocava a participação social do servidor mediante o
controle social, que hoje se reduziu às comissões internas – a CISSP, em nossa
análise, assume várias atribuições que podem implicar o ativismo de ações e
rotinas, perdendo a possibilidade de articulação com o movimento sindical, o da
saúde do trabalhador e do controle social na íntegra.
No artigo 30 dessa proposta, está previsto que as entidades sindicais
representativas dos servidores terão acesso às informações e aos relatórios das
inspeções realizadas pela CISSP, assim como poderão participar de inspeções e
negociações de processo de melhoria nos ambientes de trabalho, o que não
contempla ainda o controle social, ou seja, enquanto espaço de decisão dos gastos
e investimentos na saúde do servidor.
O Estado brasileiro permanece com postura política conservadora, ou seja, as
reformas neoliberais têm sua raiz nessa matriz positivista o que implica como ações
134
instalar uma política de controle social na saúde do servidor público de cooperação,
cooptação. Contrariamente, a CISSP deve buscar mais envolvimento e participação
dos sindicatos da categoria e aliança com o movimento social dos trabalhadores em
geral, extrapolando os muros institucionais.
Há pontos de avanços na CISSP que poderão ser instrumentos de
conhecimento, e legais, sobre a saúde do servidor, favorecendo a construção de
uma Pass nos interesses e necessidades de saúde do servidor público. Esse é um
dos desafios a ser enfrentados no começo do século 21 com suas políticas de
desmontes e de precarização das relações e condições de trabalho.
Um primeiro ponto é o acesso a relatórios de inspeções realizadas,
documentos e informações; e a CISSP poderá contribuir efetivamente para a
melhoria das condições de saúde e trabalho em articulação com o movimento
sindical.
E pode ir muito mais além, considerando que o Estado possui outros regimes
de trabalho, a CLT e o trabalho precarizado, sem as mínimas condições de
segurança e saúde, a exemplo dos terceirizados, bolsistas, etc. Todas essas
relações fazem parte das relações de trabalho no aparelho do Estado e interferem
na saúde do trabalhador.
Mas Behring e Boschetti (2009), entre outros estudiosos, chamam a atenção
para o momento de crise por que passam os movimentos sociais e sindicais, entre
outros fatores, o desmonte das políticas sociais, o desemprego e a precarização do
trabalho, os quais contribuem para a fragilidade e desmobilização das organizações
sindicais em busca de direitos sociais.
Os depoimentos dos sindicalistas que participaram da pesquisa em pauta
demonstram o desencantamento pela participação social e fragmentação dos
movimentos social e sindical.
A luta está bastante fragmentada, a categoria visa apenas o aumento de
salário; muitos não aderem ao movimento com o discurso de que ela se
encontra marginalizada e igualada ao movimento dos trabalhadores sem
terra (Representante Sindical).
Vasconcelos, Correia, entre outros, em estudos citados anteriormente,
discutem a fragmentação dos conselhos, das comissões, na saúde do trabalhador, o
que também identifica esses representantes sindicalistas, e torna o movimento
politicamente
fragilizado,
assim
reproduzindo
a
sociedade
contemporânea,
135
individualista e focal, visando ao retorno imediato, aumento de salário. A luta perde
a visão de totalidade quanto às condições de melhoria de trabalho: “Não existe a
participação dos servidores nas ações desenvolvidas pelo sindicato, não discutem
seus direitos, seus interesses são voltados apenas a questões jurídicas
(Representante Sindical)”.
Entende-se que a agenda sindical deve estar focada nas questões
trabalhistas, principalmente as relações de trabalho, garantia dos direitos,
democratização dessas relações. No momento atual, os sindicatos dos serviços
públicos têm participado na luta pela saúde, educação, no movimento dos
trabalhadores sem-terra – muito embora, não seja aceito pela categoria como um
todo, que se vê desqualificada quando assim é confundida. O que Behring e
Boschetti identificam como de movimento antidemocrático, no próprio movimento, o
que é uma verdade, na própria universidade, a fragmentação sindical é notória e
real; nos sindicatos de técnicos e dos professores, etc., não se faz a articulação da
luta dos trabalhadores em sua totalidade.
Daí a importância da regulamentação e implantação da CISSP para fomentar
a Pass e possíveis melhorias das condições de trabalho e saúde, denunciando as
precárias condições de trabalho, fiscalizando os ambientes e construindo uma Pass
na perspectiva do servidor público: “O sindicato não acompanha de perto os serviços
prestados pela equipe de saúde, esse tipo de serviço é muito tímido na universidade
e não tem controle social por parte dos servidores (Representante Sindical)”.
O controle social enquanto mecanismo social e político para efetivação da
Pass e controle das ações, investimentos, e administração do fundo, não está
previsto na lei. Mas se faz necessária a ampliação de suas ações para democratizar
e efetivar essas ações, o que só será possível com a participação da CISSP, dos
sindicatos, das associações e de todos os trabalhadores públicos e privados que
labutam nas instituições públicas.
2.10. Considerações gerais
No remate do capítulo, alguns pontos e reflexões endossam o pensamento
dos autores pesquisados, identificam contradições e debates com a teoria e a
136
análise conceitual por meio da proposta de política de saúde para o trabalhador
público, o servidor público.
As análises de Behring e Boschetti levaram-nos a perceber que a Política
Social, no atual momento sócio-histórico, econômico e político, sob a égide do
neoliberalismo, na versão da ditadura mercadológica nas áreas sociais, vêm
retrocedendo em termos da universalização, quanto à ampliação dos direitos, das
ações e da gratuidade das políticas, enquanto dever do Estado e direitos para todos
os brasileiros.
O mercado vem atuando e ampliando seu espaço, até mesmo para dentro do
Estado, a exemplo da política de saúde para o trabalhador público, na qual as ações
de assistência à saúde são realizadas no mix de pública e privada.
O debruçar sobre a Pass, levou-nos a identificar algumas características que
se assemelham ao conjunto das políticas sociais, por exemplo, a construção tardia,
um dos traços marcantes da política social brasileira em relação ao processo de
desenvolvimento e economia instalada no País.
O descompasso entre a PNSST e a Pass comprova o caráter tardio e as
propostas construídas separadamente da PNST operada pelo SUS. Vasconcelos
(2007) coloca o atraso mais ou menos de 40 anos para se colocar, na agenda do
governo, a saúde do trabalhador com ações efetivas.
Apesar de convocar a integralidade das ações em saúde do trabalhador
público, ela ainda não aconteceu, segundo Andrade (2009), no que se refere à
participação do servidor público como sujeito e protagonista da ação política-saúdeinstitucional, colocando seus conhecimentos e saberes na construção da Pass.
Assim como a intervenção nos processos de trabalho transformando-os, e do
controle do fundo de investimento na saúde do servidor.
Em relação ao controle social, os representantes dos sindicatos Sintufal e a
Fernajufe afirmam não participar da construção e controle da Pass. O Estado e
documentos da Pass indicam a participação dos servidores na construção de todo o
processo.
Essas falas mostram as duas faces do controle social. Segundo Correia
(2000), Behring e Boschetti (2009), Pereira (2009), a cooptação do Estado na busca
pela legitimação e domínio dos sujeitos sociais. Mas o controle social como espaço
democrático e de correlação de forças na defesa de propostas e interesses dos
trabalhadores, não apenas na discussão e consentimento, mas na decisão e no
137
acompanhamento das ações, principalmente sobre os investimentos do fundo na
saúde do servidor, o que ainda não aconteceu.
É importante destacar que os recursos e fundos para as políticas sociais são
sempre escassos e vulneráveis. No caso do fundo e financiamento para a Pass,
estão invisíveis, nas mãos de gestores do alto escalão, e tratados, como fundo
“próprio” do MPOG, como se não contassem com a participação dos servidores.
Lembrando que até hoje o controle social por meio da CISSP não foi
regulamentado, o Decreto-Lei encontra-se no prelo desde 2009/2010.
À medida que se for avançando na análise sobre as ações na saúde do
servidor público, serão postos e aprofundados outros traços e elementos que
contribuem para melhor conhecer e intervir na saúde desse trabalhador. Não se
trata, aqui, de avaliar a construção dessa política, dos pontos de vista metodológico
e teórico, mas a sua efetividade e estratégias de ação para melhoria das condições
de trabalho e saúde do servidor, envolvendo as relações sociais e de trabalho
construídas dentro do Estado com seus trabalhadores.
Enfim, o processo de produção do trabalho dá-se nas relações sociais,
constituídas em determinado tempo histórico, político e econômico, que interfere nas
condições de vida, saúde e de trabalho.
Na efetivação da Pass, é relevante o papel do servidor público, enquanto
protagonista dessa história. No dizer de Nogueira, M. (2009), as políticas sociais só
acontecem no Estado democrático e com a participação da sociedade civil
organizada.
Não pode haver Estado democrático sem cidadania ativa e sua participação,
ou seja, sem sociedade civil organizada. Dirigentes democráticos distinguem-se pelo
respeito aos direitos, aos interesses e à participação dos “dirigidos”.
Uma política de saúde do trabalhador, verdadeiramente democrática, integral
e socialmente justa, só se dará com a participação do servidor no controle dos
fundos, com o seu conhecimento e participação nas avaliações dos processos de
trabalho. Assim, poderá realizar-se uma Pass em sua totalidade, pois, para haver
saúde do trabalhador, se faz necessária a participação dos trabalhadores; dos
dirigentes, democraticamente; da equipe de profissionais de saúde; e da decisão do
Estado que priorize essa política.
138
Política
Abrangência
Responsabilidade
Governamental
Direta
Papel dos Atores
Governamentais
Diretamente
Envolvidos
Política Nacional de Saúde e
Segurança no Trabalho
(PNSST)
Universal
SUS
MTE
MPS
Regulador
Política Nacional de Saúde
do Trabalhador no SUS
(PNST)
Universal
SUS
Regulador
Política Nacional de
Promoção da Saúde do
Trabalhador do SUS
(PNPST)
Trabalhadores do
SUS nas três
esferas de gestão –
federal, estadual e
municipal
SUS
Regulador
Empregador
Política de Atenção à Saúde
e Segurança do Trabalho do
Servidor Público Federal
(Pass) (Subsistema
Integrado de Atenção a
Saúde do Servidor Público
Federal - Siass)
Servidores públicos
federais
MPOG
Empregador
Quadro 6: Resumo das políticas de saúde do trabalhador público/privado
Fonte: I Seminário Estadual de Vigilância à Saúde do Trabalhador - Maria da Graça Luderitz Hoefel Departamento Coletivo da UnB
139
CAPÍTULO III
3. OS SERVIÇOS DE SAÚDE DO TRABALHADOR EM ALAGOAS E DO
SERVIDOR PÚBLICO NA UFAL
3.1.
Serviços de Saúde na Atenção Integral ao Servidor Público Federal em
Alagoas
No capítulo 1, foram discutidos os referenciais conceituais e teóricos que
fundamentam os estudos da saúde do trabalhador, mediante leitura crítica e
discussão democrática e totalitária que possibilite a universalização e integralização
da atenção. Inclui-se nela o protagonismo social na área da saúde do trabalhador.
Abordou-se a categoria trabalho com base na Teoria Social de Marx, trazendo
elementos como o valor do trabalho, na perspectiva de realização e/ou alienação
das atividades humanas, exploração e a produção de mais-valia, e a relativa e
possível autonomia do servidor na execução das atividades produzidas, no seio do
Estado brasileiro.
Esses referenciais teóricos, entre outros, introduziram a análise do capítulo 2,
que apresenta reflexão sobre a construção de políticas sociais na sociedade
brasileira, nos diversos períodos de desenvolvimento do capitalismo, no Brasil, da
década de 1920/1930 até os dias atuais, início do século 21 - sob a égide do
neoliberalismo -, provocando crise não apenas financeira, mas principalmente social,
com desemprego e redução das políticas, que culmina na crise do Estado social ou
welfare state, na Europa e nos EUA, e rebate nos avanços, mesmo que tímidos, das
políticas de saúde, educação e de segurança aos cidadãos e trabalhadores
brasileiros.
No âmbito da política da saúde do trabalhador, colocam-se as interpretações
e análises sobre a construção dessa política; os principais debates, por meio das
conferências, encontros, seminários; e a mobilização dos trabalhadores para
participarem do controle social, sobre a ótica de estudiosos sobre o tema.
Em seguida, abre-se discussão, sobre os temas acima apresentados
relacionados com a Pass, voltada a atender as necessidades da saúde do servidor
140
público e do controle do Estado no desenvolvimento de uma política que favoreça
condições de saúde e do trabalho, reduzindo, licenças e afastamentos dos
servidores e, consequentemente, custos.
Se esses patamares da política estão sendo atingidos, pretende-se verificar
nos capítulos que se seguem. Como estão acontecendo, na prática, as ações
desenvolvidas por meio dos serviços de saúde do trabalhador em Alagoas (AL),
como um todo; as interfaces com a Pass, bem como a implantação do Siass nas
unidades que atendam aos servidores públicos federais, do Executivo, que
trabalham em AL, particularmente na unidade Siass-Ufal, atualmente em construção,
são temas deste capítulo.
3.1.1. O Centro de Referência de Saúde do Trabalhador em Alagoas
O Centro de Referência de Saúde do Trabalhador em Alagoas (Cerest-AL)
assim como em todo o País, desenvolve ações principalmente de vigilância à saúde
do trabalhador, o que envolve complexa visão de todas as áreas relacionadas, cujos
resultados possam impactar positivamente, em toda área de vigilância, a saúde da
população e, especificamente, a saúde do trabalhador.
Para a implementação e organização das ações, foi criada a Rede Sentinela
em Alagoas, com 21 unidades de referência distribuídas em 13 municípios
alagoanos, conforme pacto e aprovação pela Comissão Intergestora Bipartite (CIB).
As unidades de referência são divididas conforme agravo de notificação relacionada
ao trabalho e à capacidade de atendimento em Maceió e no Município de Arapiraca segundo maior em termos populacionais e econômicos. As demais unidades (no
total de 11) são referência apenas para acidente de trabalho grave, ou seja, fatal
com mutilação, em crianças e adolescentes, e intoxicação exógena.
Em Maceió, portaria da Secretaria de Saúde do Estado de Alagoas (Sesau
280), de outubro de 2008, determina que os serviços de referência (rede sentinela)
para cada agravo de saúde seja realizado pelos serviços de saúde discriminados no
Quadro 7.
141
Acidente de Trabalho
Grave
Intoxicação exógena
Acidente com exposição a
material biológico
Pneumoconioses
Dermatose ocupacional
LER/Dort
Câncer relacionado ao
trabalho
Pair
Câncer relacionado ao
trabalho
Transtorno mental
relacionado ao trabalho
Fatal com Mutilações, com
Crianças e Adolescentes
-
Hospital Geral e Emergência
(HGE)
HGE
HGE
-
Hospital Universitário (HU) da
Ufal
Universidade das Ciências da
Saúde de Alagoas (Uncisal)
Clínica de Fonoaudiologia
-
Uncisal
Santa Casa de Misericórdia de
Maceió
Hospital Estadual Portugal
Ramalho
-
Quadro 7: Serviços de referência de saúde do trabalhador em Alagoas
Fonte: Portaria Sesau 280, da Secretaria de Saúde do Estado de Alagoas, de 2008
Em Alagoas (2009), os serviços de saúde do trabalhador contam ainda com
três Centros Regionais de Referências (Cerest-AL), distribuídos no Município de
Maceió e abrangendo 42 municípios circunvizinhos: Arapiraca, que atende a 24
municípios regionais, e Santana do Ipanema, região do sertão, com mais 24
municípios. Há ainda 42 municípios sem centros de referência.
Os serviços de saúde do trabalhador em Alagoas contam com a existência de
uma rede sentinela, conforme preconiza o PNSST, em todo o território nacional,
enquanto que os Cerests são polos irradiadores, nos âmbitos regional e estadual, de
uma cultura especializada de saúde do trabalhador, que se concretiza em práticas
assistenciais especializadas, conforme demonstra essa rede sentinela.
O modelo de gestão em rede pode garantir mecanismos de controle,
resolução de conflitos e tomada de decisão, necessários para a efetividade da saúde
do trabalhador e sua promoção social e política.
Na gestão dessas redes, um dos desafios postos é a falta ou insuficiência de
informação/notificação dos serviços na alimentação do Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan), o que dificulta a real aproximação do quadro de
estudo epidemiológico da saúde do trabalhador em Alagoas pelos movimentos
sociais pertinentes, a fim de fortalecer seus interesses.
Outra constatação é a existência de serviços especializados em saúde do
trabalhador e a sua quase não utilização em ações da Pass, não previstos pelo
governo federal e não reivindicados por gestores e nem pelos trabalhadores
públicos.
142
As unidades de referência (rede sentinela) contam também com a
participação da rede privada para fornecer assistência. No caso de câncer
relacionado ao trabalho, a Santa Casa de Misericórdia de Maceió é referência e
comprova essa dupla face do sistema saúde do trabalhador, a pública/privada.
Fica também comprometida essa política quanto à inviabilidade do principio
da universalidade e integralidade, uma vez que aproximadamente 60 municípios
alagoanos não estão contemplados com a rede sentinela e outras ações.
Os profissionais de saúde não especializados da área desconhecem as ações
desenvolvidas pela rede e encaminham trabalhadores para assistência nos Cerests
em busca, por exemplo, de laudos, atestados, a fim de diagnosticar o problema de
saúde do trabalhador. Há necessidade tanto da participação social dos
trabalhadores, através dos sindicatos, quanto dos profissionais de saúde, na
notificação e melhor conhecimento e divulgação dos serviços e redes da saúde dos
trabalhadores.
3.2.
A implantação do Sistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor
Público Federal em Alagoas
Para melhor visualizar e localizar o Siass no ministério que o coordena,
apresenta-se, na Figura 1, a estrutura organizativa do MPOG, no qual se encontram
a Cogss/SRH, coordenadores da Pass/Siass.
Figura 1: Organograma do Ministério do Planejamento, Gestão e Orçamento (MPOG)
Fonte: Andrade (2009, p. 49)
143
Conforme se verifica na Figura 1, a SRH é composta por três Departamentos,
o de Relações de Trabalho, formado de quatro coordenações: Coordenação de
Negociação e Relações Sindicais (CGNES), Coordenação de Estudos e
Informações Gerenciais (CEIG), Coordenação de Carreiras e Análise do Perfil da
Força de Trabalho (CGCAR) e Coordenação de Seguridade Social e Benefícios do
Servidor (COGSS).
Nessa estrutura organizacional, percebe-se a fragmentação e focalização de
cada área, assim como a estrutura pesada e burocrática montada para fazer andar
um processo, como chama a atenção Vasconcelos (2007), que explicita a
necessidade de cada coordenação/departamento colocar seu carimbo e assinatura,
demarcando o poder que divide aquela estrutura.
Andrade (2009, p. 50) diz que, ao separar os processos de negociação e
relação sindical, os estudos e informações gerenciais, e a gestão de carreiras,
concentrando as ações voltadas para a saúde do trabalhador em coordenação
específica de seguridade social, aproxima-se mais do conceito de saúde
ocupacional, não contemplando a participação do servidor.
Sabe-se que a agenda de cada coordenação departamental de um ministério
é assoberbada, que não se conseguem facilmente reuniões, encontros, sem prévia
marcação, o que dificulta a integração e a visão de totalidade da saúde do
trabalhador na construção e efetivação da Pass, muito embora os encontros,
seminários e articulações venham acontecendo ao longo dessa construção, se não
com as coordenações, mas sim entre os setores de saúde, espalhados nas
instituições públicas e representações dos servidores, como informa o MPOG nos
documentos sobre a Pass.
Segundo Andrade (2009), o Siass, na sua organização do sistema, ainda tem
um viés da saúde ocupacional, embora represente um avanço no que se refere à
assistência à saúde desses trabalhadores, que até então não dispunham de
qualquer sistema de proteção no trabalho.
O coordenador do Cogss/SRH/MPOG, em entrevista a Andrade (2009),
coloca que o Siass é um processo de amadurecimento do Sistema Integrado de
Saúde Ocupacional do Servidor Público Federal (Sisosp). Criado em 2006, não vem
apenas para substituí-lo, mas considera-o a versão mais amadurecida de uma
política articulada na área de saúde do servidor público.
144
Justificando a mudança, em 2008, da nomenclatura de Sisosp para Siass, diz
que não se refere apenas ao nome, mas à concepção de saúde do trabalhador,
agora vista como um conjunto de atividades e ações que dizem respeito não só à
intervenção nos ambientes de trabalho, mas também da apropriação dessa saúde,
pelo servidor, de ter referências na área da assistência.
A discussão em torno do nome foi provocada pelo próprio “desuso” do
conceito de saúde ocupacional, que está ligado à ideia de que o problema de saúde
dos trabalhadores vincula-se ao modelo médico do engenheiro e técnico de
segurança, entre outros especialistas.
Tal visão restringe o conjunto de ações que extrapolam apenas esse aspecto
da saúde ocupacional, bem como a participação de equipe multidisciplinar. Apesar
da mudança de nomenclatura e de concepção, os multiprofissionais que operam
com o sistema constatam a hegemonia da visão médica e do engenheiro de
segurança, tendo acesso a poucos campos para operacionalizar no Siass, e
interferir no todo da saúde do servidor público.
Os médicos reclamam da pouca efetividade do sistema, no ato de
operacionalização, por causa dos muitos campos a serem preenchidos pelo
profissional, o que demanda tempo, enquanto que poderiam ser preenchidos por
outros servidores de nível médio.
O sistema objetiva uniformizar os benefícios e normatizar as relações saúdetrabalho no serviço público, que será operacionalizado pelo Sistema de Informação e
Administração de Pessoal e Saúde (Siape-Saúde), para tratamento dos dados sobre
a saúde do trabalhador, que está em fase de construção e experimentação nas
unidades. O registro dos dados alimenta os estudos epidemiológicos e produz ações
de saúde a partir de bases com informações fidedignas sobre a situação de saúde
do servidor público.
O modelo de organização e implementação do Siass previu atingir o maior
número de servidores espalhados pelo Brasil. Assim, oito estados seriam os
primeiros: Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília,
Pernambuco, Bahia e Pará. Mas houve demanda de Goiás, Alagoas, Santa Catarina
e Paraná, que se engajaram no processo.
O Rio Grande do Sul é o que está mais avançado, nesse processo, ou seja, já
tem definidas as unidades de referência do Siass, a coordenação, os convênios,
entre outras medidas.
145
Em Alagoas, as unidades de referência do Siass, implantadas ou em fase de
implementação, tem como objetivo efetivar a política de saúde para os servidores
públicos federais, segundo as especificidades, as diferenças regionais e os locais
das ações de saúde, estabelecendo a uniformização dos benefícios e a
normatização nas relações saúde-trabalho.
3.2.1. Histórico da Universidade Federal de Alagoas
Antes de apresentar a rede de referência do Siass-AL destinada a realizar as
ações da política de saúde do servidor público federal em Alagoas, é feita uma
apresentação da Ufal, com localização da unidade, e o organograma, que
representa o corpo administrativo superior (Figura 2).
Figura 2: Organograma da Universidade Federal de Alagoas (Ufal)
Fonte: http://www.ufal.edu.br/gestor/institucional/organograma-geral-daufal/Organograma
Detalhado.pdf>. Acesso em: 27 maio 2012
146
A Universidade Federal de Alagoas (Ufal) foi criada pela Lei federal 3.867, de
25 de janeiro de 1961, com sede e foro na cidade de Maceió (AL). Instituição federal
de educação superior pluridisciplinar, de ensino, pesquisa e extensão, é mantida
pela União, com autonomia assegurada pela Constituição, por legislação nacional e
seu próprio Estatuto, aprovado pela Portaria 4.067, de 29 de dezembro de 2003, que
homologa as alterações inseridas.
A Ufal teve início em um período efervescente da política brasileira, que
culminou no golpe de 64 dos militares, que ocuparam o poder. Estrategicamente, o
campus Maceió, sua sede, foi construído fora do perímetro urbano, a 15 quilômetros
do centro, próximo do aeroporto, com difícil acesso de transporte coletivo, situação
que perdura e agrava-se até hoje, visando à desarticulação do movimento estudantil,
pois vários estudantes alagoanos estiveram na liderança, na União Nacional dos
Estudantes (UNE), e na política partidária, como Vladimir Palmeira (PT-RJ); Aldo
Rebelo (PCdoB-SP); dentre outros, contra o governo ditatorial e populista da época,
que culminou na ditadura militar.
Contam, os servidores nomeados da Ufal, que alguns reitores da época eram
militares e que não havia eleição e muitos, no ato da nomeação, após aprovação em
concurso público e apresentados todos os requisitos necessários, iam ao gabinete
do reitor para cumprir seu primeiro ato civil, ou seja, cantar o hino nacional. Se o
concursado errava, ou não sabia toda a letra, voltava para aprender e só assumia o
efetivo exercício quando soubesse cantá-lo.
Além do reitor militar, Nabuco Lopes, no campus, segundo relatos da
comunidade universitária, existiam vários agentes infiltrados no meio estudantil para
identificar e delatar os revolucionários.
Após esse período ditatorial, a Ufal tem um processo eleitoral a cada quatro
anos e relativa autonomia15 de realizar eleições para escolha do reitor com a
participação paritária entre os três segmentos que compõem a comunidade
universitária: professores, estudantes e os técnicos administrativos.
A Ufal observa os princípios e as finalidades decorrentes de sua natureza de
instituição pública e gratuita: gestão democrática, descentralizada, princípios da
legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência, eficácia e publicidade de seus
15
Relativa autonomia porque, após a consulta eleitoral, o Conselho Universitário (Consuni) elabora a lista
tríplice de candidatos a reitor e vice-reitor, encabeçada pelo candidato eleito, para aprovação e homologação do
Presidente da República em exercício.
147
atos, da ética institucional em todas as relações; da indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão, liberdade de expressão do pensamento, criação e difusão e
socialização do saber, da Universidade do Conhecimento e do fomento à
interdisciplinaridade; do desenvolvimento científico, político, cultural, artístico e
socioeconômico do estado de Alagoas, da regulação da prestação de contas; da
articulação sistemática com as diversas instituições e organizações da sociedade.
Até meados de 1980, a Ufal era a única universidade de Alagoas que detinha
a hegemonia da formação do quadro de pessoal superior; sempre teve o concurso
vestibular como forma de entrada nos cursos, que, atualmente, são 34:
Administração, Agronomia, Arquitetura e Urbanismo, Ciências Biológicas, Ciências
da Computação, Ciências Contábeis, Biblioteconomia, Ciências Econômicas,
Ciências Sociais, Comunicação Social, Direito, Educação Física, Enfermagem,
Engenharia Ambiental e Sanitária, Engenharia Química e Civil, Farmácia, Filosofia,
Física, Geografia, História, Letras, Matemática, Medicina, Meteorologia, Música,
Nutrição, Odontologia, Pedagogia, Pedagogia a Distância, Psicologia, Química,
Serviço Social, Teatro e Zootecnia.
Os cursos oferecidos pela Ufal compõem-se das diversas áreas do saber
científico – as chamadas Ciências Exatas, Jurídicas, Sociais e Aplicadas, Educação,
Saúde, Agrárias, Tecnológicas, Humanas, Letras, Artes e Biológicas –, e dividem-se
em Unidades Acadêmicas: Institutos, Faculdades, Centros e Escolas.
Existem também os cursos na modalidade a distância, conforme o art. 36 do
Regimento Geral da Ufal, os cursos poderão ser oferecidos nas modalidades
presencial ou a distância (parágrafo único) – um curso oferecido na modalidade a
distância deve ter, quando couber, a definição das atividades realizadas na
modalidade presencial e da frequência mínima necessária para aprovação fixada em
vigor. Até o presente momento, os cursos oferecidos a distância, todos com o
ingresso efetivado por processo seletivo, são os de Pedagogia, Administração e
Matemática.
Outra característica é que esses cursos vêm atender a uma necessidade e
carência da sociedade alagoana por esses profissionais. Portanto, a oferta dos
cursos é periódica, conforme a demanda solicitada. Esse é o diferencial para os
demais cursos a distância oferecidos pela lógica mercadológica da educação e seus
critérios de acompanhamentos e supervisão pactuam com o descaso do Estado.
148
A Ufal, no exercício de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão,
objetiva:
I. Estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do
pensamento reflexivo;
II. Formar diplomados nas diferentes áreas do conhecimento, aptos para a
inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da
sociedade brasileira, colaborando na sua formação contínua;
III. Incentivar o trabalho de pesquisa e a investigação científica, visando ao
desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura,
e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;
IV. Promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que
constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber por meio do ensino,
de publicações ou de outras formas de comunicação;
V. Estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os
nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e
estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;
VI. Promover a extensão, aberta à participação da população visando à difusão
das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa
científica gerados na instituição.
A Ufal, no cenário alagoano, brasileiro, vem cumprindo seu papel na formação
de profissionais, na divulgação e incentivo cultural, onde mantém espaço para
manifestação, expressões artísticas e culturais e desenvolve pesquisas nas mais
diversas áreas de conhecimento, com destaque para as pesquisas que se mantêm
como principal produto da economia local, e, contraditoriamente, para manutenção
da precarização e miséria dos trabalhadores do cultivo da cana-de-açúcar.
A Ufal tem se destacado também com a criação e implementação dos
programas de pós-graduação, em cursos lato sensu em nível de aperfeiçoamento e
especialização, proporcionando a formação contínua dos graduados, e stricto sensu,
em níveis de mestrado e doutorado, perfazendo o total de 29 cursos de pósgraduação, seis de doutorado e 23 de mestrado. Os cursos de pós-graduação são
vinculados às Unidades Acadêmicas que os ofertam. A admissão nos cursos de pósgraduação é feita mediante aprovação em processo seletivo específico, conforme
definido no projeto pedagógico do curso.
149
Com relação ao patrimônio e
orçamento, segundo o Regimento da Ufal,
consta que
O patrimônio da Universidade, constituído de bens imóveis, móveis,
semoventes, títulos, direitos, fundos especiais, recursos financeiros
orçamentários e extraorçamentários, doações e legados será administrado
pela Reitoria, conforme o regimento (art. 110).
Ainda traz que o resultado líquido gerado no âmbito da Universidade,
mediante a exploração de seu patrimônio disponível e o emprego dos meios de que
disponha, será aplicado em atividades ligadas às finalidades da instituição.
§ 1o - Os recursos de que trata este artigo serão depositados em conta
individuada, nominalmente identificável, aberta em estabelecimento oficial
de crédito, podendo ser aplicado no mercado de capitais.
§ 2o - A aplicação e a movimentação dos recursos mencionados no caput
serão disciplinadas em resolução do Conselho Universitário (art. 112).
Como está dito no início da apresentação da Ufal, e segundo o Estatuto, a
União é a mantenedora, mas a Universidade disponibiliza de outros recursos
financeiros e orçamentários. Em suas ações nas três estâncias - ensino, pesquisa e
extensão -, pode-se angariar recursos (através do patrimônio) em benefício das
finalidades da instituição. Várias são as modalidades de impulsioná-los: a Ufal presta
serviços à sociedade alagoana na realização de concursos públicos para qualquer
instituição que solicitar; oferece cursos de línguas à população, mediante o
pagamento de mensalidades com preços mais acessíveis; mantém financiamento de
projetos com instituições de fomento à pesquisa pública e/ou privada; prestação de
assistência à saúde de alta e média complexidades, pagas pelo SUS, ao HU/Ufal;
entre outras frentes.
A aplicação dos recursos no mercado financeiro, através de capitais, é
também utilizada na rede pública, o que, mais uma vez, comprova a relação das
políticas sociais públicas com a lógica do capital, onde o sistema financeiro atua,
mesmo que haja a obrigatoriedade da aplicação financeira nos bancos do sistema
oficial. Ou seja, segue a direção e ordem do sistema privado, se não, pode
desregulamentar o mercado que rege os interesses dos donos do capital.
A participação da comunidade universitária no Conselho Universitário
(Consuni) e em outras modalidades da esfera pública garante a transparência do
uso dos bens e recursos financeiros públicos, assim como na definição e decisão do
150
que gastar, como gastar e com que finalidade pública e social, para o
desenvolvimento da Ufal, da sociedade e da comunidade universitária como um
todo. A Ufal, além de sua relevância para o desenvolvimento da ciência, tem o
terceiro maior orçamento do Estado, ou seja, a terceira maior renda que movimenta
a economia alagoana.
3.2.2. Análise da proposta do Siass-Ufal
O projeto institucional de criação da Unidade de Referência, denominado
Siass-Ufal, que visa integrar e sistematizar os procedimentos de implementação da
Pass, foi encaminhado, em 2010, ao MPOG, para assinatura e aprovação. Com
sede no campus da Ufal, em Maceió, até a presente data a unidade não foi
homologada.
Em Alagoas, vem se desenhando, até o momento, com duas unidades: SiassUfal, para servidores da Universidade regidos pelo RJU, e Siass-Ministério da Saúde
de Alagoas (MS-AL), composta pelo pessoal do extinto Inamps, e estão sendo
negociadas outras instituições, que queiram fazer parte dessa unidade, a exemplo
do INSS, da Polícia Federal, etc.
A Ufal, por si só, comporta uma unidade, devido ao número de servidores,
pois quase a metade dos servidores públicos federais do Poder Executivo
trabalham na universidade. Segundo informações da gestora da unidade do MS-AL,
o estado possui aproximadamente sete mil servidores.
Outras instituições demonstraram interesse em participar da unidade SiassUfal, mas alguns fatores, como a distância do campus, que dificulta o deslocamento
do centro da cidade, onde se encontra a maioria das instituições públicas federais,
fez com que não participassem, entre outros fatores, da organização burocrática, na
criação e homologação da unidade.
A unidade Siass-Ufal, do ponto de vista organizacional, está subordinada à
Pró-reitoria de Gestão de Pessoas e do Trabalho (PROGEPT), que coordena a
implantação da unidade Siass e a implementação da Pass com ações integradas de
saúde do trabalhador.
Atualmente, quem responde pela coordenação da unidade Siass-Ufal é uma
assistente social, que também participa do Grupo de Trabalho (GT), no qual assume
151
a vice-coordenação dos trabalhos de implantação das unidades de referência no
estado de Alagoas.
Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conforme estudos de
Andrade (2009), a Pró-reitoria de Pessoal, à qual está subordinada a coordenação
de Recursos Humanos (RH), facilita a prática da saúde do trabalhador na sua
integralidade, relacionando-a com a política de promoção de saúde e profissional.
A Siass-Ufal, na prática, tem problemas de espaço físico para o devido
funcionamento. A coordenação situa-se no prédio da administração central, na
Reitoria, e os serviços de saúde, no Hospital Universitário, o que dificulta a
comunicação mais rápida e os encaminhamentos de processos e decisões
operativo-administrativas.
A unidade Siass-Ufal visa articular a prestação do Serviço Especializado de
Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho aos servidores; a Perícia Médica
Oficial da Ufal, redesenhando esse modelo. As diretrizes preconizadas pelo Siass,
além de propor ações de intervenção mais amplas para o servidor, de forma integral,
contemplam aquelas que promovam à saúde, especialmente as de prevenção.
Uma das características da coordenação do Siass-Ufal é a polissemia dos
papéis e atribuições. Além de cuidar das ações, da articulação com os setores e
instituições para efetivar a Pass, assume funções administrativas de prover recursos
humanos e materiais para o funcionamento dos serviços de saúde, e executa
atividades técnicas, como reuniões, encaminhamento, entre outras, o que dificulta a
dedicação às atividades da coordenação. Por outro lado, facilita a comunicação da
universidade como um todo, ou seja, entre os três campi da Ufal
Outro objetivo da proposta será desenvolver ações de saúde do servidor nos
eixos de vigilância, promoção à saúde, assistência, previstos tanto na PNSST como
na Pass, exceto a organização da perícia médica voltada aos servidores públicos.
Para viabilizar a proposta Siass-Ufal, na integralidade, é necessário construir
um espaço físico no campus A. C. Simões-Maceió-AL. Atualmente, a unidade que
presta serviços de saúde à Ufal funciona de forma precária e fragmentada.
Compete à Ufal nomear o gestor responsável pelo funcionamento da unidade
Siass-Ufal, que tem as seguintes atribuições:
 Coordenar as ações desenvolvidas pela Perícia Oficial e pela Equipe
Multiprofissional;
152
 Articular a captação de recursos financeiros para construção da sede da
unidade;
 Viabilizar os meios e recursos necessários para o funcionamento das
atividades propostas pela equipe;
 Articular a participação da Comissão Interinstitucional no processo de
gestão da unidade, servindo como elo com a equipe de trabalho;
 Acompanhar a legislação relacionada à Pass, a fim de que as atividades
desenvolvidas estejam em consonância.
As atribuições do gestor da unidade no processo de intersetorialidade e
interinstitucionalidade na PNSST e Pass vêm acontecendo, como diz Vasconcellos
(2007), com dificuldades burocráticas e a necessidade de demarcação de poder.
Nessa relação do poder, existe o poder técnico dos profissionais de saúde,
principalmente dos médicos da perícia, dos médicos do trabalho, no poder do gestor
institucional local, e dos Ministérios de Educação e Planejamento.
A implantação do Siass, desde 2009, vem acontecendo em nível nacional por
meio de encontros e treinamentos em perícia, nos quais se apresentam os
instrumentos legais e técnicos para operacionalizar as perícias online, mas essas
mudanças vêm acontecendo a passos lentos e com baixo envolvimento da equipe
técnica, conforme declaram os gestores das unidades de referência em Alagoas:
“Há uma resistência enorme dos servidores do setor em trabalhar com o sistema
online. Entretanto, apesar de toda resistência, o trabalho está caminhando”.
Quanto aos recursos humanos, apesar da solicitação para ampliar a equipe
de saúde, segundo o gestor: “A unidade Siass-Ufal é a mais completa, em termos de
diversidade de cargos”. O MPOG, nos encontros e seminários, divulga que: não há
necessidade de ampliação, considerando o número de profissionais de saúde do
trabalhador referindo-se ao conjunto das unidades no território brasileiro.
O descompasso das falas entre o Ministério e os serviços de saúde existe,
mas o Ministério não descarta a possibilidade de liberar vagas e concursos para
suprir carências de pessoal, muito embora a três anos da implantação do Siass,
ainda não apontou nenhuma medida concreta, quanto à liberação de verba para a
construção de espaço físico, contratação de pessoal, etc.
Em outras unidades, sabe-se que será realizada licitação para contratar os
serviços terceirizados, a exemplo do IBGE-RJ, como nos mostra Andrade (2009).
153
Como o plano de carreira do IBGE não tem mais o cargo de médico, a
instituição optou por realizar um processo de licitação para contratação de
médicos e técnicos de enfermagem, numa tentativa de recompor seu
quadro na área da saúde e retomar os trabalhos nos programas de
prevenção (p. 68).
A Pass está sendo desenvolvida no território nacional na tentativa de
uniformizar as ações e os instrumentos legais, proporcionando o tratamento
equânime, respeitadas as peculiaridades institucionais, locais e regionais.
As unidades Siass que possuem recursos podem avançar em algumas ações
e medidas preventivas em saúde do trabalhador, enquanto outras ficam à mercê da
disponibilidade do MPOG e das iniciativas e arranjos institucionais, quando houver
interesse e envolvimento dos gestores em sua instância superior, e da pressão dos
servidores organizados.
A terceirização dos serviços de saúde do trabalhador faz parte da política
privada e é mantida pela pública, como é o caso do IBGE-RJ, entre outros. Outro
fator é a falta de articulação com a rede de saúde do trabalhador (Cerest, Renast),
instalada no País, o que contribui para o esfacelamento e a fragmentação das
políticas de saúde do trabalhador, assim como a instalação de serviços
precarizados.
Mas todas as instituições têm solicitado a realização de concurso público,
concomitante com a contratação terceirizada para a manutenção dos serviços
assistenciais, a exemplo dos exames ocupacionais, entre outros.
O MPOG necessita estabelecer parâmetros para dimensionar o número de
profissionais da saúde para cada equipe, nas unidades de referência do Siass, pois,
sem o estudo que possibilite o desenho das equipes multiprofissionais, pode-se
cometer abusos e superdimensionamentos, assim como inviabilizar a proposta.
O IBGE-RJ, até 1990, assim como no serviço público em geral, trabalhava
com um quadro de CLT, que definia o quantitativo dos profissionais médicos,
engenheiros do trabalho, enfermeiro, etc., com base nos critérios estabelecidos e
registrados no Ministério do Trabalho. A partir de 1990, com o RJU, deixa de existir a
obrigatoriedade dos serviços de medicina ocupacional no serviço público.
No caso da Ufal, até os anos 1990, havia dois quadros de pessoal: um
estatutário, outro celetista, regido pela CLT. Mas nunca existiu uma equipe de saúde
do trabalhador e, consequentemente, os critérios da CLT nunca foram adotados
para a formação da equipe de saúde do trabalhador.
154
A CLT tem um modelo de equipe de saúde do trabalhador nos moldes da
medicina ocupacional, que considera os graus de risco, o número de empregados
regidos por suas normas regulamentadoras. Mas isso não impede de estabelecer
análise comparativa que considere a saúde do trabalhador, além dos riscos e
ocupação projetando a definição e o parâmetro para formação de uma equipe,
qualitativa e quantitativamente, interdisciplinar, para que aconteça a integralidade de
ações de saúde do trabalhador.
A Constituição de 88 consolida a saúde do trabalhador nos textos legais e da
Lei Orgânica da Saúde (8.080/1990), que estrutura o sistema de saúde nos diversos
níveis: federal, estadual, municipal, configurando a diretriz de uma Política Nacional
de Saúde do Trabalhador.
Com isso, as relações entre saúde e trabalho são asseguradas por lei, mas,
quanto à política pública de saúde, ainda há um longo caminho a ser percorrido e
construído
coletivamente
com
a
equipe
de
saúde
dos
trabalhadores,
e
representantes sindicais. A Política de Saúde do Trabalhador no serviço público está
apenas começando.
Na proposta Siass-Ufal, a composição da equipe multiprofissional de saúde e
dos técnicos administrativos para atender à forte demanda das ações implantadas, e
a implementação na integralidade dos eixos prevenção, promoção e assistência, e a
ampliação dessa equipe, são determinantes administrativos para o funcionamento
da unidade, conforme o Quadro 8.
Profissional
Assistente social
Enfermeiro do trabalho
Técnico de enfermagem do trabalho
Médico do trabalho
Médico perito
Administrador
Odontólogos
Atendente de consultório odontológico
Psicólogo
Fisioterapeuta
Engenheiro do trabalho
Técnico em segurança
Assistente em administração
Terapeuta ocupacional
Educador
Nutricionista
Quadro 8: Servidores para a unidade Siass-Ufal
Fonte: Projeto de ação da unidade Siass/Ufal
Disponível
3
1
1
2
5
0
4
1
1
1
1
1
1
0
0
0
Solicitado (ideal)
5
3
3
3
5
1
4
2
2
2
2
4
6
1
1
1
155
Pela formação indicada no Quadro 8, percebe-se uma preocupação em
garantir equipe multiprofissional com vista à integralidade da saúde do trabalhador e
a interdisciplinaridade das ações, não centralizando a equipe em cima da hierarquia
médico–engenheiro–enfermeiro do trabalho, conforme os tradicionais serviços de
medicina ocupacional e segurança do trabalho; mas a definição dos critérios
adotados pode ser contestada. Não há parâmetros estabelecidos que dimensionem
o número de assistentes sociais, terapeutas, psicólogos, médicos, etc.
Ou, por
exemplo, o número de odontólogos, uma vez que não se trata de programa de
assistência odontológica, etc. Enfim, todos os números e especialidades
profissionais podem ser contestados ou aceitos.
A estrutura organizacional da unidade Siass-Ufal foi construída pela equipe da
gestão que propõe o organograma contido na Figura 3.
Figura 3: Organograma da Unidade Siass-Ufal
Fonte: Projeto da Unidade Siass-Ufal, 2011
156
Verifica-se, no organograma, que a direção nacional, todas as unidades de
referência Siass, independentemente da instituição, estão subordinadas ao MPOGSRH. Outro traço comum entre PNSST e a Pass é a transversalidade com os
Ministérios de Planejamento, Saúde e Educação, entre outros, que vem sendo
construído e nem sempre tem relação harmônica, mas uma verdadeira arena e luta
pelo poder decisório. É um processo em construção, e o MPOG tem a seu favor o
poder do orçamento, enquanto todos os demais ministérios dependem de sua
aprovação.
Na Ufal, assim como no IBGE-RJ e UFRJ, os setores de recursos humanos e
das pró-reitorias de pessoal centralizam as decisões das ações, normatização,
publicação e divulgação, ou seja, a gestão da unidade Siass, assim como na Ufal,
está por sua vez subordinada à PROGEPT.
Em relação à comissão interinstitucional, só será instalada quando
estabelecido o acordo de cooperação para compor a unidade Siass-Ufal. A
comissão é composta por, no mínimo, dois servidores efetivos de cada órgão
participante, com o objetivo de supervisionar as atividades desenvolvidas pela
unidade de referência e propor ao gestor responsável melhorias no processo de
gestão e condução das atividades realizadas.
Quanto às atividades estabelecidas na proposta do Siass-Ufal, estão em
consonância com as diretrizes do Pass, e o que tem sido o carro-chefe para os
demais eixos é o trabalho da Perícia Oficial em Saúde (POS), que consiste na
avaliação técnica de profissionais relacionados à saúde e à capacidade laboral,
realizada na presença do servidor por médico ou cirurgião-dentista formalmente
designado pelo responsável da instituição onde está instalada a unidade de saúde.
Assim, a perícia oficial de saúde na Ufal é oficialmente designada por portaria
assinada e homologada pelo(a) reitor(a) em exercício.
Há reivindicações ao MPOG, por parte das equipes de saúde, para que se
crie a carreira de peritos, com salários iguais aos de peritos do INSS,
proporcionando a isonomia salarial entre aqueles profissionais. Aliás, essa
reivindicação de isonomia salarial é um dos nós não resolvidos na área do SUS. Não
há tempo determinado para a permanência dos membros de perícia oficial que têm
autonomia em seus atos e avaliações.
157
Os profissionais da área de saúde podem contribuir para a avaliação pericial
com pareceres técnicos específicos de cada área de atuação, promovendo, assim,
uma ação multiprofissional na prática da Perícia Oficial de Saúde.
Para isso, a equipe da perícia em saúde é composta por médicos,
odontólogos, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas, e conta ainda com o
apoio de técnico de enfermagem e/ou de saúde bucal.
A atividade de perícia oficial em saúde é inerente ao médico e ao odontólogo,
designados peritos, cabendo aos demais profissionais da área da saúde e de
segurança no trabalho subsidiá-la por meio de parecer específico.
No I Encontro Nacional da Saúde do Servidor Público Federal (ENASSPF),
em 2008, os profissionais que atuam na referida área de saúde, assistentes sociais,
psicólogos, fisioterapeutas, reivindicaram seu espaço e o reconhecimento dos
pareceres técnicos e periciais legalmente. Legitimamente reconhecidos por aqueles
trabalhadores que deles necessitam, depende da solicitação médico-odontólogica,
se assim julgar necessário. Reivindicam ampliar o olhar pericial além da área médica
retirando-a do isolamento homologatório e inseri-la em uma análise técnica
humanitária, com a integração das atividades periciais, assistenciais, promoção e
vigilância.
Nesse encontro de 2008, em Brasília, foi também questionada a ênfase dada
nas ações de perícia e saúde suplementar em detrimento das ações de promoção e
vigilância. Os próprios peritos reconheceram que estão mais preocupados, o
governo e a gestão ministerial, com os gastos financeiros, em decorrência dos
afastamentos por motivo de adoecimento do servidor, do que com a promoção e
vigilância na sua totalidade. É sempre bom lembrar que os gastos com a previdência
do servidor vêm da contribuição do próprio servidor e de todos os cidadãos
brasileiros que contribuem com taxas, empréstimos e serviços públicos.
Vejamos o que diz este profissional da saúde do trabalhador que atua na
Siass-Ufal sobre a Pass-Siass:
No papel é uma beleza, mas na realidade têm muito a avançar, sendo
muito importante esse controle dos afastamentos por parte do governo, já
que tais afastamentos e aposentadorias precoces configuram-se como um
enorme gasto aos cofres públicos, observa-se que a grande preocupação
do governo é com o controle das licenças, assim, tem investido mais na
área pericial, ficando muito a desejar as áreas de prevenção, promoção e
assistência (Entrevista com Profissional de Saúde do Siass-Ufal).
158
Todos os profissionais envolvidos na implantação do Siass reconhecem o
maior interesse, da política do governo, na minimização de custos e pouca ênfase
nas ações que atendam às necessidades dos servidores públicos na promoção do
bem-estar físico, do mental e em melhorias nas relações e condições de trabalho.
A implementação da Pass, na integralidade das ações, só avançará se houver
mais pressão do trabalhador e engajamento nas discussões, encontros por
investimentos na saúde, e construção dos espaços democráticos. Enfim, em todos
os espaços coletivos promovidos pelo MPOG, no engajamento dos sindicatos, das
associações, dos grupos de trabalho que priorizem a agenda de saúde do servidor.
No momento atual, o movimento sindical está ausente na construção das ações de
saúde promovidas pela instituição em estudo.
3.2.3. Atribuições da equipe multiprofissional da perícia de saúde da unidade de
referência Siass-Ufal
Merece destaque a participação da equipe multidisciplinar nas ações periciais,
em que se encontram os avanços quanto à ampliação dos profissionais na busca de
melhor análise da situação de saúde sobre diversos ângulos dos saberes na
avaliação das relações e processos de trabalho e saúde. Segundo a proposta SiassUfal, as atribuições são as seguintes:
a) Fornecer parecer especializado, privilegiando a clareza e a concisão, para
subsidiar as decisões da equipe pericial;
b) Propor capacitação e atualização dos profissionais em perícia;
c) Encaminhar o periciado aos programas de promoção da saúde e
prevenção de doenças, como dependentes químicos, programas de
inclusão de deficientes, redução de estresse, controle de hipertensão
arterial e de obesidade, dentre outros;
d) Avaliar, dos pontos de vista social e psicológico, os servidores que
apresentam problemas de relacionamento no local de trabalho, assim como
de absenteísmo não justificado;
e) Avaliar os candidatos aprovados em concurso público quanto às aptidões
para o exercício do cargo, caracterização de deficiências físicas e
sugestões de lotação;
159
f) Acompanhar o tratamento de saúde do servidor ou de pessoa de sua
família, indicado pela perícia oficial em saúde;
g) Divulgar informações para o desenvolvimento de programas de prevenção;
h) Promover a integração da equipe pericial com ações de vigilância e com os
programas de promoção à saúde e prevenção de doenças;
i) Avaliar as atividades do periciado no local de trabalho;
j) Acompanhar o cumprimento das recomendações em caso de restrições de
atividades;
k) Orientar os gestores na adequação do ambiente e do processo de trabalho;
l) Realizar perícia oficial no corpo discente da Universidade, quando
solicitado pelo estudante, em sua situação de saúde;
m) Outras atribuições e competências que lhe forem delegadas.
Ressalta-se que os atestados ou pareceres dos psicólogos, fisioterapeutas,
fonoaudiólogos, terapeuta ocupacional e outros profissionais de saúde poderão ser
usados para fins de embasamento pericial, como documentos complementares. Tais
documentos, por si só, não são suficientes para justificar faltas por motivo de
doença.
Em relação às atribuições propostas para a equipe multiprofissional de perícia
oficial em saúde, observa-se que abrange as mais diversas áreas de atuação dos
profissionais de saúde já mencionados. Dois elementos são fundamentais para
ampliar as ações dessa equipe multidisciplinar para as relações estabelecidas nessa
construção coletiva: a descentralização do poder decisório sobre a hegemonia do
profissional médico, portanto, afirmando-se enquanto poder centralizador, decisão
das ações de saúde do trabalhador, os pareceres, ou atestados de outros
profissionais, por si só, não são suficientes para justificar o afastamento do servidor.
Outro elemento é a relativa autonomia dos demais profissionais de saúde do
trabalhador. Esses profissionais complementam, fundamentam, mas não decidem,
ou seja, não podem legalmente permitir o afastamento ou justificar a falta do servidor
por motivo de doença.
O processo de autonomia profissional, segundo estudos de Pires (2008),
segue na área da saúde uma hierarquia: médico, depois os profissionais de saúde
de nível superior, e, no grau mínimo, as equipes intermediárias - auxiliares e
técnicos de enfermagem, e assim sucessivamente.
160
Giffoni (1993) demonstra também a hierarquia burocrática do pessoal do
Estado nas estâncias federal, estadual e municipal, na qual o nível de disputa pelo
poder decisório passa por essa relação, que dificulta a agilidade e racionalidade dos
processos. Com isso, se reconhece que a mudança na formação das equipes de
peritos é um avanço multiprofissional. Mas grandes desafios colocam-se à frente,
para uma relação mais democrática e participativa, principalmente na visibilidade
dos processos de trabalho que podem provocar o adoecimento do servidor público.
Chama-nos a atenção, ainda, que, apesar da saúde do trabalhador, nos
moldes Siass, buscar superar o conceito de medicina ocupacional, na avaliação
pericial, o trabalhador é o periciado, o investigado, ou seja, a relação do sujeito é de
objeto da avaliação, no qual os documentos apresentados, os atestados, são
determinantes para a decisão do médico perito, em detrimento das necessidades
desse sujeito social.
A subjetividade de cada trabalhador deve ser considerada, assim como as
diferenças, o modo de vida e a história profissional, aspectos que serão analisados
com mais profundidade, por meio dos dados pesquisados, e que serão
apresentados no próximo capítulo.
Pontua-se a necessidade de os profissionais avaliarem o processo saúdetrabalho, de modo a não culpabilizar unicamente o trabalhador, e que a intervenção
da equipe multiprofissional favorece uma análise mais ampla, em todos os aspectos
biopsicossociais da saúde do trabalhador.
Sobre a falta de integração entre as ações de saúde e os demais setores,
afirma o entrevistado, profissional de saúde do Siass-Ufal:
Os exames admissionais não são completos, porque não existe uma
descrição das atividades/atribuições/cargo que os servidores vão exercer,
faltando exames específicos para cada cargo/função a ser desempenhada
(Entrevista com Profissional de Saúde do Siass-Ufal).
A desarticulação entre os serviços de saúde, a equipe multiprofissional e os
gestores é muito reclamada por todos, nas redes de referência do Siass, que
solicitam resolução por parte dos gestores.
Outros desejam que haja menos resistência das equipes de saúde que
discordam da implantação do Siass devido às precárias condições de trabalho
dessas unidades:
161
O SIASS foi implantado de qualquer maneira, sendo necessário avançar
para efetivar as diretrizes que são propostas, as condições de trabalho
ainda não são tão boas (falta de impressora, o sistema on-line ainda tem
dificuldades para se manter conectado, material, a estrutura física precisa
melhorar). Em relação à capacitação para o Siass, é considerada boa. Em
relação à equipe, os peritos são poucos, devido ao processo de
interiorização que vem ocorrendo na Ufal, o pessoal da interiorização está
praticamente sem atenção, falta carro para realização das perícias
(Entrevista com Profissional de Saúde do Siass-Ufal).
Conforme relatos dos servidores profissionais de saúde entrevistados, as
condições de trabalho da própria equipe da saúde do trabalhador são precárias, em
termos da falta de todo tipo de recurso: material, equipamentos, pessoal.
A falta de material é um dos maiores problemas encontrados no serviço
público, e todos os entrevistados a relatam como um dos condicionantes que
dificultam o fazer profissional e é fator de estresse, como não poderia ser diferente
nos serviços de saúde do servidor.
O que comprova mais uma vez a falta de investimento do MPOG na tão
preconizada
Pass.
Mas
os
profissionais
reconhecem
a
necessidade
da
implementação do Siass no controle dos gastos com licenças e afastamentos,
porém, é preciso que se invista na prevenção e promoção de saúde, como a melhor
política para reduzir as licenças e promover o bem-estar na vida do servidor público.
Outra diferença entre a política de saúde do trabalhador da área privada,
regida pela CLT-PNSST e a política do servidor público, regido pelo RJU-Pass, está
na realização dos exames admissionais, que são de responsabilidade do
empregador. No serviço público, os servidores são responsáveis por custear seu
exame ou devem fazê-lo nos serviços públicos de saúde, como SUS, Hospital
Universitário, etc.
As funções específicas dos profissionais que compõem a perícia oficial de
saúde encontram-se na íntegra no projeto Siass, nos anexos desta tese. A iniciativa
e a construção dessa equipe interdisciplinar é um dos pontos relevantes para o
processo avaliativo pericial em sua totalidade, o que possibilita a ampliação
avaliativa que considere os determinantes biopsicossocial.
Com isso, se reconhece que existem alguns abusos na concessão das
licenças, dos afastamentos e das aposentadorias, que poderão ser corrigidos e não
generalizados, como se essas exceções fossem regras e
todos os servidores
passassem a ser tratados como malandros, preguiçosos, que não gostam de
trabalhar, denegrindo a identidade do servidor público.
162
Não cabe aos profissionais assumirem a posição de fiscais, mas de promover
a saúde e até refletir sobre essas situações, se for o caso, com os servidores, e na
identificação dos motivos que levam a tais comportamentos.
O que vem ocorrendo, no serviço público, é que alguns servidores
possuem mais de um vínculo de trabalho. Ficam de licença e continuam
trabalhando no setor privado. (Entrevista com Profissional de Saúde do
Siass-Ufal).
Conforme ainda declara o profissional de saúde:
Instrumentos para resolver estas questões existem, o que falta é decisão
política - administração para fiscalizar aqueles que estão de licença médica
e continuam trabalhando nos hospitais, nos consultórios ... (Entrevista com
Profissional de Saúde do Siass-Ufal).
Espera-se que seja superada a visão fragmentada, focal, em cima da doença
(o periciado) apenas no que se refere à legalidade, para que venha à tona todo o
contexto social que permeia as condições de saúde do servidor, inclusive a
visibilidade das sobrecargas de trabalho no serviço público, prejudicando a
qualidade de vida e a saúde.
Instrumentos para resolver essas questões existem, o que faltam são
decisões político-administrativas para a fiscalização.
Explicitamente, é visível que, apesar dos três eixos que fazem a Pass, o que
mais centraliza esforços, por parte do MPOG/SRH/COGSS, são as ações de
implementação das perícias oficiais em saúde, principalmente quanto ao controle
das licenças/afastamentos e aos gastos com seguridade social do servidor, cuja
âncora está sendo o investimento na informatização das perícias, mediante o
sistema de administração Siapenet-Saúde, que alimentará os dados referentes a
licenças, doenças, etc., e o estabelecimento do perfil epidemiológico, subsidiando as
ações de vigilância e promoção à saúde.
A prioridade para o Estado está posta de forma nítida; os demais eixos
dependem muito das forças coletivas dos profissionais de saúde, dos servidores
organizados, para pressionar a liberação dos investimentos para a integralidade das
ações da saúde do servidor.
O eixo da vigilância e promoção à saúde necessita alavancar e fortalecer as
ações por parte da coordenação-geral das unidades Siass, enquanto executores, e a
participação dos servidores, com o seu conhecimento e controle social nas ações
na área.
163
A unidade Siass-Ufal seguiu as diretrizes do MPOG, considerando as
necessidades da realidade local, e a Noss 03, de 7 de maio de 2010, que define a
promoção à saúde como o conjunto de ações dirigidas à saúde do servidor, por meio
da ampliação do conhecimento da relação saúde-doença-trabalho. Visa ao
desenvolvimento de práticas de gestão, de atitudes e de comportamentos que
contribuam para a saúde nos âmbitos individual e coletivo.
A Siass-Ufal ainda tem como uma das principais estratégias, para efetivação
da Noss, as avaliações dos ambientes e processos de trabalho, o acompanhamento
da saúde do servidor e as ações educativas em saúde, pautadas nas metodologias
de pesquisa e intervenção.
Portanto, a promoção em saúde perpassa por todas as instâncias, no
compromisso administrativo dos gestores, na intervenção, extrapola a relação
saúde-doença para atingir o ambiente, as relações e os processos de trabalho onde
estão inseridos os trabalhadores. Não adianta tratar a doença sem provocar
mudanças na relação saúde-doença-trabalho, o que implica decisão administrativa.
Estabelecer metas, fazer propostas, as administrações são peritas,
mas
provocar mudanças, comprometer-se com realizá-las, vão além de planejá-las e
estabelecer decretos, resoluções. Passam por decisões administrativas, políticas e
culturais, e de introduzi-las nos ambientes de trabalho.
As falas dos profissionais mostram a necessidade da participação de todos os
sujeitos envolvidos no processo da Pass, que, ao ser implantada, não consegue
caminhar na totalidade por falta de condições de trabalho; no caso, depende do
gestor em todas as instâncias de resolução das providências: “A política foi
implantada num contexto muito precário, falta estrutura e pessoal qualificado para
pôr em prática o Siass” (Entrevista com Profissional de saúde do – Siass-Ufal).
No caso do serviço público, a reclamação da maioria dos setores refere-se às
decisões sobre realização de concursos e contratação de pessoal, que não
dependem exclusivamente da decisão da gestão da Ufal, mas da instância
ministerial que coordena o quadro de pessoal do Estado brasileiro, e muitas vezes
também está imbricado com a burocracia estatal, na criação de quadro qualificado,
por exemplo, pode-se ter uma vaga x para determinado cargo superior, mas não ter
a disponibilidade de transformá-lo em y.
Recentemente, com o número de profissionais que se aposentaram e a
ampliação dos campi da Ufal pelo interior do estado, há carência de assistentes
164
sociais no serviço de assistência aos estudantes e aos serviços de saúde do
trabalhador. Há vagas para o cargo de técnico em Assuntos Educacionais, de nível
superior, e a Ufal propôs ao MEC transformar uma vaga para nomeação de uma
assistente social, mas a resposta foi um ‘não’, baseado em argumentos legais,
burocráticos.
Ao se fazer a crítica, sabe-se das dificuldades legais, burocráticas, políticas e
culturais que permeiam as ações do Estado brasileiro, assim como as características
do trabalho e do trabalhador na sustentabilidade dessa política de Estado.
Quanto à atuação do profissional da saúde, este também sofre a falta de
condições adequadas de trabalho, fato que lhe provoca angústia, tensões, por causa
das restrições em sua prática de promoção à saúde.
As condições precárias de trabalho causam estresse, descrédito, pois as
intervenções, no momento, restringem-se à oralidade, ao detectar determinados
espaços inadequados para o trabalho. Há morosidade em obter respostas da
instituição, que venham a modificar o histórico detectado. Os servidores procuram
saber como anda o seu processo, e¸desse modo o profissional acaba sofrendo
pressões. Segundo o entrevistado, esse processo de respostas “é bastante truncado
e é característico do serviço público que não possui agilidade no atendimento das
demandas nem dos usuários dos serviços de saúde e nem dos profissionais”
(Entrevista com Profissional da Saúde do Siass-Ufal).
Os profissionais reconhecem que, apesar dos nós, desafios e limites, a
decisão de implantar o Pass, pelo Estado brasileiro, é um ganho para a saúde do
trabalhador e para a sociedade, mesmo com todos os entraves postos para a
efetivação da política da saúde do servidor.
Outro profissional da saúde declara:
Diz que as condições são precárias, mas salienta que esse primeiro passo é
muito válido, pois é melhor fazer algo do que não fazer nada. A praticidade
do sistema que concederá dados sobre o servidor em qualquer estado que
o mesmo venha a trabalhar. Porém, há muito que ser discutido e melhorado
para que haja uma verdadeira atenção à saúde do servidor (Entrevista com
Profissional da Saúde do Siass-Ufal).
Mas também, para acontecer as ações de promoção à saúde, salienta um
profissional de saúde da Siass-Ufal:
Deve trazer um comprometimento por parte dos profissionais em executar
suas funções com responsabilidade e pôr em prática o que manda o
165
decreto. A legislação deve ser seguida à risca, posto que é ela que rege as
atribuições dos profissionais em saúde... Tudo isto não deixa de ser um
grande desafio, tanto para profissionais em saúde, governo e o próprio
Estado brasileiro (Entrevista com Profissional da Saúde do Siass-Ufal).
Na visão desse profissional, fazer cumprir a lei, por parte dos profissionais de
saúde, é praticar uma boa política de saúde, e que é grande o desafio de concretizála, tanto por parte dos profissionais, quanto do governo e do País. Mesmo na
perspectiva de garantia de direitos a que se reporta o profissional, falta, nessa
convocatória, a participação social dos servidores públicos, principalmente nas
ações de promoção, vigilância e controle social. O Estado vem avançando com os
instrumentos legais sobre a saúde do trabalhador via a Perícia Oficial de Saúde, um
instrumento de controle do Estado sobre o servidor na captação dos interesses
puramente econômicos do que investimento na qualidade de vida e nas condições
de trabalho e saúde.
3.2.4. Atribuições da vigilância e promoção da Unidade Siass-Ufal
Em concordância com a proposta nacional de saúde e sua implantação
através do Siass, a unidade da Ufal prevê as ações na área de vigilância em
conjunto com as de promoção, em sua organização estrutural, ou seja, uma
vinculada à outra, embora tenham suas peculiaridades, conforme as atribuições
abaixo descritas:
1) Traçar perfil epidemiológico e socioeconômico dos servidores da Ufal e dos
órgãos cooperados;
2) Realizar exames periódicos considerando as atividades e os fatores de
riscos a que os servidores estão expostos;
3) Elaborar laudos e pareceres sobre as condições de trabalho físicoambiental e organizacional;
4) Elaborar laudos com vistas a concessões de adicionais de insalubridade e
periculosidade;
5) Sistematizar a notificação e o registro dos agravos, doenças e acidentes de
trabalho.
Os esforços teórico e técnico de criar uma Pass com a concepção de saúde
do trabalhador que não seja fundamentada nos marcos da saúde ocupacional e da
166
medicina e segurança do trabalho tem sido uma constante dos planos, dos
encontros, mas o que se percebe é a predominância da saúde ocupacional nas
ações, atividades e propostas realizadas, o que endossa a quase total ausência nos
processos de construção da política e da efetivação nas ações em saúde do
trabalhador,
a
participação
dos
servidores
com
os
seus
conhecimentos,
reivindicações e vivências nos ambientes do trabalho.
Nas atribuições acima descritas, vê-se nitidamente as atribuições do médico
do trabalho, engenheiro, técnico de segurança e dos enfermeiros, e uma atribuição
específica do Serviço Social, quanto ao perfil socioeconômico.
Falta firmar presença dos servidores públicos que poderão ser protagonistas
da Pass, contribuindo com seus conhecimentos a respeito dos ambientes de
trabalho, das condições e vulnerabilidades a que estão expostos na processualidade
das atividades e efetivação da política de saúde, considerando os determinantes
sociais que interfiram nos agravos à saúde do trabalhador.
A sensibilização do movimento sindical, a organização e implantação das
Comissões Institucionais do Servidor Público (Cissp) se faz urgente e fundamental
para que aconteça uma Pass-Siass-Ufal com e para o servidor público nas ações de
promoção, prevenção e vigilância coletivamente construídas, em que cada
participante assuma suas responsabilidades: Estado, Unidade Siass, profissionais
de saúde, servidores e gestores.
Caso isso não aconteça, ter-se-ão planos perfeitos inócuos. A história sobre a
trajetória das políticas sociais no País mostra que estas são resultado dos
movimentos sociais e sindicais, que enfrentam as adversidades políticas,
econômicas, e disputam com o Estado brasileiro seus espaços democráticos e a
concretização de política que se, por um lado, atende aos interesses econômicos e
da classe mandatária, por outro, garante a concessão de direitos sociais por meio de
políticas sociais à classe que vive do trabalho e é servidora pública.
Nas entrevistas, os representantes de sindicatos, servidores e profissionais de
saúde confirmam a ausência da participação social dos servidores.
Diz o profissional de saúde entrevistado, que o trabalhador público:
Não se preocupa com a saúde, a preocupação central é o ganho. Os
servidores exigem os laudos de insalubridade e periculosidade não como
uma forma de prevenção a acidentes, pois não possuem essa consciência.
O que existe de fato é a comercialização da saúde. Muitos servidores
querem trabalhar em lugares insalubres visando ao adicional e sem levar
167
em consideração os riscos à sua própria saúde (Entrevista com Profissional
da Saúde do Siass-Ufal)..
Indagado sobre a posição do sindicato em relação à saúde do trabalhador,
diz: “Nunca fui procurado pelo sindicato para falar sobre o assunto (saúde). A única
coisa que o sindicato procura saber é sobre os laudos de periculosidade e
insalubridade” (Profissional da Saúde SIASS/UFAL).
Relata esse outro profissional de saúde, que sente falta de fiscalização das
condições de trabalho e que a reclamação constante dos trabalhadores é em
relação aos ganhos adicionais:
As maiores reclamações dos servidores são ainda em relação ao ganho, no
que tange aos adicionais de insalubridade, das condições de trabalho e que
o sindicato nunca procura os serviços de saúde do trabalhador a fim de
conhecer a situação (Entrevista com Profissional da Saúde do Siass-Ufal).
Quem fiscaliza o Estado em relação às condições e aos ambientes de
trabalhos realizados no seu espaço? Segundo a Coordenação de Seguridade Social
do Ministério do Planejamento, que coordena as ações do Siass em nível nacional,
esse é um dos “nós” e um dos motivos da existência de uma política e de um
sistema específico para o servidor público federal, uma vez que as delegacias
regionais do trabalho, órgão fiscalizador dos ambientes e condições de trabalho da
empresa privada, não deveriam também fiscalizar os ambientes de trabalho no
Estado.
Existem algumas dificuldades práticas realmente. Por exemplo, quem tem
poder de intervir nos ambientes de trabalho no serviço público? A rede, em
geral, de saúde do trabalhador, fica sem uma perna até ser identificado um
problema em determinado órgão público que geraria, por exemplo, uma
interdição ou mesmo o fechamento de determinado serviço, mas aí tem as
questões de competências legais. E quem são os responsáveis em relação
a isso? Eu acho que isso dificulta um pouco esse atendimento do servidor
pela rede geral de saúde do trabalhador (Entrevista da coordenação Cogss
realizada em 2009).
Reconhece-se que há a necessidade de instrumentos legais que respondam
às especificidades do regime jurídico do servidor na garantia de direitos sociais e
que deem cobertura às relacionadas condições de saúde do trabalhador. Por
exemplo, não há nenhuma garantia de direitos, de indenizações, de cobertura de
seguro, em caso de invalidez parcial ou total do servidor. Caso seja acometido de
alguma doença, só lhe resta uma aposentadoria, se for o caso, conforme a
legislação em vigor e nenhum outro tipo de assistência.
168
Se ainda não há respostas legais para todas as questões, politicamente
poderão ser construídas, com a participação dos servidores e da mobilização
sindical, que, apesar do momento de retração por que passam os sindicatos em
geral e dos servidores públicos, têm, ao longo de sua história, relevantes conquistas
para os trabalhadores e a sociedade brasileira em geral.
Observam-se, em diversos depoimentos aqui relatados, que a participação
tem sido tímida, pelo menos a identificada na parceria da implantação da Pass
segundo os gestores/governo; na maioria dos depoimentos dos profissionais de
saúde e de alguns sindicatos, ela não vem acontecendo na prática.
Mas vale resgatar a presença do Sintufal na conquista e nas lutas por
melhores condições de trabalho, principalmente salariais, para o conjunto dos
trabalhadores da Ufal, técnicos administrativos, e da Adufal, com os docentes, pela
qualidade e gratuidade da educação e saúde pública para sociedade alagoana.
3.3.
O Sintufal na conquista de Educação, Saúde e Salários em Alagoas
Parte-se do princípio de que quase todas as conquistas na carreira dos
técnicos administrativos e docentes, e de políticas sociais, por meio de benefícios
como auxílio-alimentação, auxílio-transporte, plano de saúde, resultam de lutas dos
sindicatos dos trabalhadores públicos, com o movimento estudantil e o sindicato dos
docentes, a Adufal. Vejamos alguns momentos da construção dessa trajetória em
Alagoas.
Como apresentado, a Ufal nasceu em plena ditadura militar e a origem do
Sintufal está relacionada à Associação dos Servidores da UFAL (Assufal), criada em
10 de março de 1972, com caráter assistencialista até o início dos anos 1980, época
de ouro dos movimentos sociais. Entre os anos de 1984 e 1987, com a participação
nas greves desse período, surgem a crítica ao assistencialismo praticado pela
Assufal e um despertar político dos servidores da Ufal que concorreram às eleições
da associação, dando-lhe um caráter mais político no processo para a formação
sindical.
Em 21 de agosto de 1990, nasce o Sindicato dos Trabalhadores de Educação
Superior de Alagoas (Sinteseal), que, sob orientação da Federação dos Sindicatos
das Universidades Públicas Brasileiras (Fasubra), elege uma diretoria com mandato
169
de oito meses, para organizar os trabalhadores do ensino superior do estado, o que
não acontece, ficando sua atuação restrita aos técnicos da Ufal, e por isso passando
a denominar-se Sintufal. Alguns docentes da Ufal participam do Sintufal e do
sindicato exclusivo dos docentes, Adufal.
O Sintufal escolhe seus diretores, atualmente, pela eleição bienal; tem uma
coordenação-geral, composta por três sindicalistas eleitos, sendo um deles o
coordenador-geral, e no total possui 19 coordenações.
Participa das lutas pela democracia do Estado brasileiro desde os
movimentos pelas diretas, com passeatas e marchas, enviando representantes para
Brasília. Em articulação com os movimentos sociais, a luta política do sindicato não
fica restrita aos muros da Ufal, ao contrário, nas décadas de 1980/1990, na
efervescência dos movimentos sociais, teve participação expressiva dos servidores
da Ufal via sindicato.
A Ufal reconhece o papel político e de interlocutor dos interesses dos
servidores pelo Sintufal e Adufal, assim como da defesa do ensino público. Ambos
têm assentos no Conselho Superior da Universidade (Consuni), opinando,
deliberando, com vez e voto, assim como o movimento estudantil organizado, o
Diretório Central de Estudantes (DCE).
Apesar dos desmontes dos movimentos sociais em geral e dos sindicatos,
patrocinados pelas políticas neoliberais, na tentativa de banir da cena política os
trabalhadores, os sindicatos dos servidores resistem nas lutas e mobilizações pela
não privatização da saúde, educação,
etc. Reconhece-se, atualmente, a
despolitização dos sindicatos e sindicalistas e as reivindicações por políticas focais e
imediatistas, principais motivações para adesão ao movimento.
O desmonte vem de décadas, desde o governo FHC, que vem num
processo de desmobilização, principalmente com as pessoas mais
esclarecidas, as pessoas não se comprometem com as mobilizações, com
as greves, por exemplo, mesmo com as chamadas e incentivos...
(Entrevista com Representante Sindical)
Na fala do representante do sindicato, o descompromisso político da categoria
vem no processo de falência de décadas e passa por todos os servidores,
conscientes ou não conscientes do seu papel político e social de participação na luta
sindical, por uma educação e ambiente de trabalho de qualidade, etc. Em sua fala, o
sindicalista entrevistado traça um perfil dos seus pares que estão assumindo a
direção/coordenação do sindicato.
170
Em sua maioria, não tem estrutura familiar, tem um nível de escolaridade
baixo, participa só para elevar a autoestima e não tem consciência
política... São despolitizados, sem noção de participação, só participam
pelos seus interesses pessoais, status, está em busca de reconhecimento.
Geralmente, as coordenações são formadas sem nenhum tipo de
preparação, organização, e sempre estão envolvidos com questões
pessoais. (Entrevista com Representante Sindical)
A capacitação dos participantes do movimento sindical, do controle social e
outras esferas democráticas, é uma necessidade constante e deve fazer parte de
uma política de ação de instituições sindicais e dos espaços de participação, para
que contribuam efetiva e politicamente com os objetivos e a defesa dos interesses
coletivos, acima dos interesses individuais, corporativistas.
Nesse sentido, Correia (2005, p. 96), defende que as capacitações devem ter
metodologia participativa, para permitir que
conselheiros e sindicalistas sejam
sujeitos desse processo, inclusive apontando temas e conteúdos a serem
desenvolvidos.
Essa metodologia tem como ponto de partida o conhecimento, as dúvidas e
os questionamentos dos participantes conselheiros e sindicalistas16,
exteriorizados com a utilização de dinâmica de grupos. A capacitação
constitui-se em momento de informação e formação, onde educadores e
educandos trocam conhecimentos e experiências (CORREIA, 2005, p. 96).
Entende-se que a escolaridade mínima exigida no serviço público, atualmente
o ensino médio, não pode ser motivo da falta de análise política do servidor, mas,
sim, a falta de capacitação para a participação social. Entretanto, a história mais
recente do País mostra a presença de um metalúrgico na Presidência, um intelectual
orgânico da classe trabalhadora no poder. A capacitação, enquanto processo
contínuo, deve compor a política sindical, e ser patrocinada pelo próprio sindicato, a
federação, as centrais sindicais, enfim, os movimentos sociais. Não implica dizer que
a instituição não possa colaborar nos seus programas de capacitação, pois cabe-lhe
o desenvolvimento do pessoal na integralidade.
O sindicato, em sua trajetória, participou da luta salarial de todos os governos
pós-militares: Sarney, Collor, FHC, Lula e Dilma. Teve perdas e ganhos.
Infelizmente, o calendário de greve tornou-se anual e apesar de ser avaliado pelos
16
Grifo nosso. Considerando que a metodologia participativa evocada por Correia aplica-se a todo processo
educativo com os movimentos populares e sociais; e sindicais.
171
movimentos sociais como instrumento “de desgaste”, com pouca adesão, ainda não
se tem outro que continue a dar resultados e visibilidade à luta dos trabalhadores.
A participação na construção e controle da política de atenção à saúde do
servidor ainda não consta da agenda prioritária do Sintufal, como já constatado, mas
vem
participando
da
luta
pela
não
privatização
dos
serviços
públicos,
particularmente dos Hospitais Universitários (em Alagoas, o movimento tem como
uma das suas lideranças a professora Valéria Correia, do Departamento do Serviço
Social). Para isso, o sindicato sedia os encontros, reuniões e organiza
manifestações pela não implantação da gestão do Hospital Universitário Professor
Alberto Antunes (Hupaa) via as organizações sociais.
Em entrevista ao Sintufal, na comemoração dos 20 anos de luta e existência
do sindicato, Correia diz que a lógica que permeia uma OS não é a lógica do
atendimento das necessidades da saúde da população, ou seja, há outros
interesses e lógicas, que são a mercantilização e a privatização das políticas
públicas de saúde, o SUS. Questiona Correia (2011):
Qual seria o interesse de um grupo privado em assumir a gestão de um
serviço público que não seja o interesse econômico? Qual a lógica que rege
o setor privado que não seja a lógica do mercado e a busca do lucro? Está
posto o processo de privatização (Entrevista à revista Espaço Sindical,
2011, p. 9).
O processo de privatização vem ocorrendo por meio de Organizações Sociais
(OSs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), propostas
pelo governo
FHC, bem como pelas Fundações Estatais de Direito Privado,
instituídas no final do mandato do governo Lula. A presença de OS só fortalece o
mercado do setor privado da saúde, em detrimento dos direitos sociais da população
e dos trabalhadores públicos.
Todas têm os mesmos objetivos e lógica de mercado, mas as diferenças
estão nos seguintes aspectos:
As OSs são contratos de gestão como uma entidade privada “sem fins
lucrativos” o que já é uma incoerência, por que não existem entidades
privadas sem fins lucrativos. AS Oscips são termos de parceria. Nesse
caso a entidade é chamada para ser parceira, enquanto nas OSs há uma
entrega total da gestão. As Fundações Estatais por sua vez, também são
contratos de gestão, mas com algumas diferenças. No caso das fundações,
há concurso público e nas OSs não, se bem que a forma de contratação é
CLT, o que quebra a estabilidade do trabalhador público e tira direitos. Nas
fundações, também há licitação, diferentemente das OSs. (Ibid., 2011, p.
10)
172
Hoje, essa é uma das demandas prioritárias do Sintufal, visto que os
servidores estão vivendo momentos de incertezas e medos quanto à modalidade de
gestão que será ou não implantada no HU. Essa será uma decisão da instância
superior da UFAL, através do Consuni, com a participação de gestores, assessores,
técnicos, docentes, estudantes e suas entidades representativas: Sintufal, Adufal,
DCE. Enquanto espaço público democrático, as reuniões são abertas à participação
da sociedade civil na totalidade.
Conforme o exposto pela entrevistada, essas formas de gestões atingem
principalmente a extinção de cargos/vagas do serviço público federal, para os HUs,
o que representa atualmente quase a metade do quadro de pessoal da Ufal.
Conforme análise, há a possibilidade da criação de uma política clientelista de
contratação. Aliás, desde que foi ventilada a gestão via OSs que o Departamento de
Recursos Humanos recebe inúmeros currículos. Com a redução e extinção dos
cargos/vagas públicas, tem-se também a quebra dos direitos sociais dos
trabalhadores públicos, como a estabilidade, o plano de carreira como incentivo à
qualificação e capacitação, entre outros direitos sociais.
Outra questão que é séria e presente no serviço público, diz respeito à
licitação. Segundo os defensores das OSs, o instrumento agiliza a compra de
materiais, já que a gestão privada tem a liberdade de comprar o que quiser e de
quem quiser. Se, com o processo licitatório, conforme denúncias da mídia, existem
irregularidades e esquemas de corrupção de empresas privadas para venda de
produtos para os hospitais públicos, o que aconteceu nos hospitais do Rio de
Janeiro, 2012 divulgado pela mídia, não é prerrogativa apenas local, mas de quase
todo o sistema público. A falta de licitação também fere um dos princípios do direito
administrativo público.
As OSs, instituídas por lei, no governo FHC, para instrumentalizar o projeto de
reforma do Estado, têm como meta principal desresponsabilizar o Estado da
execução das políticas sociais, repassando para a empresa privada os recursos e a
gestão dos serviços de saúde, entre outros. Essa é uma forma de fortalecer o
projeto neoliberal, com incentivos ao capital no setor privado, contrapondo-se ao
projeto de reforma do setor público, num alargamento de direitos sociais e
trabalhistas.
173
Em Portugal, onde esta pesquisadora realizou estágio de doutorado, por meio
de visitas e entrevistas feitas nos setores de saúde ocupacional e Serviço Social na
saúde, o modelo utilizado assemelha-se à realidade atual no Brasil, com as
modalidades das OSs nas administrações públicas. Naquele país, optou-se pelas
Empresas Privadas de Interesses Públicos (EPIs), com objetivo semelhante ao
brasileiro, ou seja, reformar para agilizar e melhorar o serviço público, tornando-o
mais eficiente e competitivo na comunidade europeia. O que se nota, segundo
depoimentos dos trabalhadores públicos, é a instalação do processo de extinção do
servidor público:
Metade dos servidores do setor hospitalar é regido pelas EPIs, com
contratos determinados, seleção simplificada e os profissionais da função
pública estão sendo nivelados por baixo, ou seja, com perdas de salários e
direitos que se equiparam aos da EPIs (Entrevista com Profissional da
Saúde, em Portugal, 2011).
Segundo outro profissional, as reformas implementadas naquele país, em
nome da agilidade e superação da burocracia, não aconteceram: “A modalidade de
administração das EPIs não mudou quase nada, não há agilidade, não resolveram o
problema, ao contrário as condições de contratos dos novos trabalhadores...”
(Entrevista com Profissional de Saúde em Portugal, 2011).
Voltando ao Brasil, a título de ilustração da possível implantação de OS, seja
qual for a modalidade, por ter a mesma lógica privatista e de lucros da saúde. Hoje,
o Hupaa tem parte de seu pessoal terceirizado e contratado por uma fundação e o
que se observa é uma relação clientelista de favor, estabelecida entre servidores e a
administração hospitalar, o que prejudica a autonomia política dos servidores na
participação sindical em defesa da saúde pública, e na escolha dos diretores do
referido hospital, pela venda da consciência e votos dos que são contemplados por
essa relação.
O ambiente de trabalho não era democrático antes, hoje, melhorou um
pouco. A direção do hospital tende a render as malhas do governo federal,
colocando-o como aliado e escondendo as falhas de sua administração. O
que deveria se tornar público, com o intuito de que fosse melhorado, é
escamoteado por aqueles que deveriam defendê-lo, mas não o fazem por
conta da política de coleguismo e clientelismo que tanto desfavorece o
andamento e as atividades dos serviços públicos (Entrevista com
Representante Sindical).
174
A cooptação de servidores por parte dos que detêm o poder de conseguir a
contratação via fundação, terceirização, etc., já é realizada, embora não se configure
a extinção do quadro de servidor público. Após as OSs, assim como em Portugal,
tende-se para a extinção de boa parte dessa categoria.
Conforme a política neoliberal de minimizar o Estado, privatizando as políticas
sociais, a gestão realizada pelas OSs atinge quase todas as atividades do executivo
da área social: educação, saúde, assistência social, previdência, desporte, cultura,
ciência, tecnologia, agropecuária, e outras áreas. A lei federal das OSs, segundo
Correia (2011, p. 20), diz que “o órgão público será extinto e no lugar dele nascerá
uma organização privada”.
Esse é o questionamento dos servidores públicos que fizeram concurso e,
consequentemente, trabalham em um espaço público. Essa incerteza institucional
sobre as relações sociais e de trabalho estabelecida com uma instituição privada
como os afetará? No ritmo de trabalho, aumento da produtividade, em mais rigor e
controle administrativo e autoritarismo? Sem falar nas perdas de direitos sociais.
A participação do Sintufal no movimento contra as OSs, relaciona-se com
temas que dizem respeito à saúde do trabalhador, ou seja, o processo saúdedoença está diretamente imbricado no modo de produção e nas relações sociais de
trabalho estabelecidas. A vulnerabilidade das relações também gera sofrimento,
angústia, incertezas nos trabalhadores e na própria instituição, que culmina numa
atmosfera não salutar para todos os que atuam no hospital.
Registra-se a participação do sindicato em toda sua luta por melhores
salários, abertura dos espaços democráticos, na participação por uma universidade
ampliada e pública, por um hospital público gratuito mais humanizado e que melhor
atenda à população. Mas a luta pela não implantação do modelo de gestão está
apenas começando. Com a assinatura, no governo Lula (dando sequência à reforma
do Estado prevista por FHC), do programa de Reestruturação dos Hospitais
Universitários (Rehuf), para o qual o Banco Mundial anunciou investimento no valor
de R$ 320 milhões, inicialmente, uma vez que, em troca, os hospitais terão que
cumprir metas estabelecidas pelo programa, e uma delas refere-se ao modelo de
gestão dos HUs.
Na Ufal, a aprovação da entrada do HU no Rehuf deu-se em maio de 2010,
em reunião do Consuni. Vejamos o que diz um servidor sobre o Rehuf:
175
O Rehuf pode significar uma porta de entrada para as Fundações Estatais
de Direito Privado... Podemos, sim, falar na extinção dos serviços públicos
no País, em longo prazo. A população poderá, sim, começar a pagar por um
atendimento no SUS (Entrevista com Representante Sindical)
Concorda-se com o entrevistado pois, conforme vivenciado em Portugal com
as EPIs, nos serviços públicos, esses não são sinônimos de política pública gratuita
de saúde, ao contrário, a população portuguesa, para ter acesso aos serviços de
saúde, educação, entre outros, pagam taxas definidas e ajustadas pelo governo
daquele país.
Por fim, cabe aos segmentos de docentes, estudantis, técnicos, sindicais e
movimentos sociais, que fazem os serviços públicos de saúde, educação, participar
e ampliar o debate fora dos muros da Ufal, mobilizando todos os canais
democráticos, ministérios públicos, conselhos, para contenção desse projeto que
põe em risco os direitos sociais garantidos na CF de 88 e nem todos concretizados,
e que vai na contrarreforma dos trabalhadores, em detrimento dos interesses dos
organismos financeiros, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial.
Em particular, no que concerne à efetivação da Pass-Siass-Ufal, a ausência
do Sintufal, Adufal e dos servidores em geral, é a grande força motriz que está
faltando para alavancar e tirar do papel a política de saúde do trabalhador,
efetivando-a conforme a necessidade dos servidores da universidade em Alagoas.
Reafirma-se que saúde do trabalhador se faz com a participação do trabalhador.
3.4.
Gestão da Unidade do Siass-Ufal em Alagoas
A gestão da unidade Siass-Ufal está subordinada à área de recursos
humanos, o que pode contribuir para a ampliação das ações de saúde no contexto
integral de desenvolvimento humano. Conforme mostram as experiências do IBGE e
da UFRJ citadas nos estudos de Andrade.
A gestão da unidade na Siass-Ufal é composta pelo pró-reitor de pessoas,
pelo gestor de unidade e pelos responsáveis pelos serviços de pericia e medicina do
trabalho. Oficialmente, essas funções de chefias não são remuneradas, exceto os
dois primeiros cargos, que extrapolam as atividades da unidade; atualmente o gestor
176
de unidade responde pela Coordenação do Programa Qualidade de Vida e do
Trabalho (CQVT), que está sendo extinta com a implantação da Siass-Ufal.
Por questões burocráticas e decisão do MPOG/Cogss, o acordo de
cooperação para legalizar a unidade Siass-Ufal não foi sancionado ainda, o que
comprova a morosidade do governo em efetivar a criação das unidades. Isso poderá
implicar
assumir
compromissos
e
encargos
financeiros/orçamentais
para
desenvolver as ações da Pass.
Em geral, quase todas as unidades precisam ser construídas, pois, em
Alagoas, funcionam precariamente em um espaço do HU, como indicam as falas dos
profissionais de saúde e dos gestores dos serviços. A construção dessas unidades é
uma das prioridades para melhorar o funcionamento da Siass-Ufal, assim como a
realização de concurso público para complementar a equipe.
As perícias oficiais, para o MPOG/Cogss, são prioridades para os gestores,
por isso foi criado um sistema de informação Siape-Net-Saúde e mantido em nível
nacional, pelo Ministério. As unidades locais apenas operacionalizam tendo acesso
às áreas permitidas pelo sistema, para o que cada profissional cadastrado tem uma
senha.
A gestão ainda reconhece que, apesar dos esforços do governo em criar
espaços para a participação do servidor na construção coletiva da Pass-Siass,
esses foram insuficientes, talvez pela necessidade de o governo agilizar e
implementar essas políticas, faltando assim uma participação do servidor nessa
etapa, mas uma política de saúde voltada para o trabalhador público é um fato
inédito. A implementação dessa política só será possível a partir dos esforços de
todos.
3.5.
A Participação do Serviço Social na Equipe de Saúde do Servidor do
Siass-Ufal
Analisando a implantação de Política de Atenção à Saúde do Servidor na
unidade de referência Siass-Ufal, é possível conhecer a atuação do assistente
social, enquanto parte da equipe profissional interdisciplinar que compõe a saúde do
servidor público. Além das atribuições multiprofissionais, há as específicas, conforme
177
as elencadas a seguir, e fazem parte do plano Siass-Ufal. Ao assistente social que
atua na Perícia Oficial de Saúde, compete:

Emitir parecer social visando à análise dos aspectos sociais que interfiram na
situação de saúde do servidor e/ou de pessoa da família, considerando a
autonomia profissional na definição de instrumentos técnicos, como visitas e
entrevistas;

Conhecer os indicadores socioprofissional, econômico e cultural, dentre outros,
dos servidores em tratamento de saúde, utilizando instrumentos técnicos, como
entrevistas, visitas e pesquisas sociais;

Proceder à avaliação social para subsidiar o estudo de caso em análise;

Realizar atendimento ao servidor e sua família, por meio de orientação social,
nas questões relacionadas à saúde, visando à inserção deles em ações e
programas desenvolvidos pela instituição assim como encaminhamentos aos
recursos sociais disponíveis na comunidade;

Realizar orientação sobre os direitos sociais do servidor;

Proceder à avaliação social para subsidiar a decisão pericial, sobre a presença
indispensável do servidor em caso de licença para tratamento de pessoas da
família;

Outras competências que lhe forem delegadas, no seu âmbito de atuação.
Não se trata apenas de transcrever as atribuições do assistente social
propostas na Siass-Ufal, mas analisá-las à luz teórica de Bravo, Correia, entre outros
autores, que estudam a atuação do assistente social na saúde, possibilitando melhor
compreensão e intervenção do assistente social na saúde do trabalhador, trazendo
os processos e as condições sociais, econômicas do trabalho enquanto
determinantes sociais que interferem na saúde e qualidade de vida do trabalhador,
na perspectiva da garantia dos direitos sociais e da participação social do servidor
em todo o processo de construção e implementação da Pass-Siass.
Destacam-se os três eixos temáticos que permeiam a intervenção do
assistente social na saúde do servidor: Ação multiprofissional/interdisciplinar, o
controle social; e a efetivação dos direitos sociais na concessão de assistência
social e garantia de direitos ao afastamento e tratamento de saúde. Ao analisar
esses eixos, são trazidas situações sobre o cotidiano do Serviço Social.
178
Outro aspecto da intervenção do Serviço Social na saúde é a fragmentação
de sua intervenção, assim como as políticas sociais, acaba por reproduzi-las na
prática:
O Serviço Social, uma prática marcada pelo signo da fragmentação, que,
com frequência, não parte de uma totalidade prévia, nem aspira à
superação em termos de multiplicidade, o que a torna uma prática
esvaziada de determinações reflexivas, marcada por um certo morrismo
ritualístico (MARTINELLI, 1995, p. 140).
O assistente social em sua prática, assim como os demais profissionais vistos
como executores de políticas e ações nos cuidados de saúde, enfermeiros,
fisioterapeutas, etc., têm no seu cotidiano múltiplas tarefas que o sobrecarregam,
faltando-lhe tempo para uma prática reflexiva durante as horas trabalhadas.
Para que desenvolva uma prática técnica e teoricamente na totalidade, faz-se
necessário melhor definir seu tempo de trabalho, nele incluir a prática intelectual
mediante estudos e reflexões como prática do cotidiano, mas esbarra na falta de
tempo, na correria da sociedade contemporânea e tecnológica, na qual não se tem
mais tempo, mas tem-se que reinventá-lo.
Na prática profissional cotidiana é muito frequente observarmos um certo
traço de comportamento que se expressa pelo fato de o profissional
mostrar-se extremamente ocupado, atarefado, meramente reproduzindo, o
já produzido. É sem dúvida um comportamento reprodutivo que inibe a
criação, comportamento regido pela norma (MARTINELLI, 1995, p. 160).
A ocupação do assistente social com normas, rotinas, solicita ações criativas
e perspectivas de mudança na realidade em que está inserido, e que requer
respostas ágeis e efetivas, mas que, para ser criativo, necessita de tempo para si,
para estudar, para recriar.
O homem não mais ocupa o tempo, está sempre por ele ocupado, razão
pela qual é um homem pré-ocupado. É tão preocupado que perde a sua
própria capacidade criadora, transformando o ócio em culpa. Então, quando
não se está fazendo nada, sobrevém a culpa (...). Para tanto, é muito
importante se permitir viver esse momento do nada, esse momento do ócio,
da recriação (MARTINELLI, 1995, p. 162).
Como está se tratando de políticas de atenção à saúde do servidor público, é
preciso reconhecer que são trabalhadores, subjugados às condições de trabalho,
aos ritmos e cargas, assim, sofrem pressões inerentes aos processos de trabalho e
as consequências na saúde e na qualidade de vida. Os profissionais de saúde, ao
179
serem submetidos a precárias condições de trabalho, a sentem repercutir na
qualidade dos serviços prestados à população e na sua própria saúde.
A formação e qualificação dos profissionais de Serviço Social vêm se
alterando e ampliando-se na pós-graduação no País. Na Ufal, quase todos os
assistentes sociais são especialistas, mestres e doutorandos. O plano de carreiras
tem incentivado e investe na carreira dos técnicos, trazendo melhoria salarial. As
condições de trabalho são semelhantes à dos demais setores, em que faltam
espaço físico, material, equipamentos, etc.
Nas análises de Bravo (2007, p. 96), o processo de modernização
conservadora implantado naquela conjuntura engendrou um mercado nacional de
trabalho para os assistentes sociais, com a reestruturação do Estado, nacionalizado
para gerenciar o desenvolvimento em proveito dos monopólios, com a elaboração de
políticas setoriais.
Essas políticas setoriais, no interior do Estado, nas instituições públicas
iniciaram-se com o sistema previdenciário, que exigiu um profissional diferenciado e
especializado para atuar na gestão social.
Essa reformulação propiciou a extensão quantitativa de demanda dos
quadros técnicos do Serviço Social e um novo padrão de exigências para o seu
desempenho, compatível com a burocracia das estruturas organizacionais mais
complexas e com interconexões múltiplas.
Um segundo nível de interferência da autocracia burguesa no Serviço Social
refere-se à produção desse profissional que Netto (1991) denomina de “moderno”,
rompendo com as escolas confessionais de Serviço Social e incorporado pelas
universidades e na expansão de cursos. Essa expansão exigiu o recrutamento de
novo pessoal docente, jovens intelectuais, que puderam acumular forças e
engendrar uma massa crítica antes inexistente.
O Serviço Social na saúde, recebendo as influências de modernização, no
dizer de Bravo (2007, p. 105), que se operou no âmbito das políticas sociais, vai
sedimentar sua ação na prática curativa, primordialmente na assistência médica
previdenciária.
O sentido da prática ganhou terminologia nova e ênfase nas técnicas de
intervenção, a burocratização das atividades, a psicologização das relações sociais,
a concessão de benefícios concebidos como doação e não como direito, conforme o
modelo autoritário burocrático vigente à época.
180
As ações educativas de Serviço Social realizavam-se por meio das funções
terapêuticas, preventivas e promocionais, que visavam ao controle do trabalhador,
responsabilizando-o pela melhoria e restauração de sua saúde, reduzindo a ação a
modelos e técnicas pedagógicas desarticuladas dos determinantes da questão
social, resultante das relações sociais do trabalho.
As vertentes da reatualização do conservadorismo e a intenção de ruptura
com a prática tradicional, vão refletir no Serviço Social e nas forças que começam a
tencionar e dinamizar a sociedade brasileira na conjuntura, culminando na
realização de vários eventos científicos, políticos e sociais significativos para o
debate e o amadurecimento técnico e científico profissional.
Na análise histórica do Serviço Social na saúde, pontuam-se algumas
definições, ações do assistente social, para verificar sua processualidade e
compará-las às atuais, em estudos. Em 1975, os profissionais de Serviço Social das
unidades de saúde comunitária, médicos assistenciais do INPS, aparecem como
subsidiários, assim como outros serviços participantes, em que a função definida foi:
identificar os fatores psicossociais que interferem no aproveitamento integral do
tratamento ou desencadeiam situações-problema e estabelecer canais de
comunicação com a comunidade:
A saúde comunitária, segundo Bravo (2007, p. 113), poderia ser mais
enfatizada e aberta à participação popular na gestão das instituições públicas.
Apenas um reduzido número de assistentes sociais demonstrou interesse por esse
espaço.
Com esse fato, de acordo com Bravo (2007), é possível constatar que a ação
do Serviço Social na saúde continua sendo uma atuação psicossocial relacionada a
pacientes e familiares, de acordo com suas raízes históricas.
O documento que redefine a ação profissional, à época, no INPS, dá ênfase
aos aspectos curativos. O paciente continua sendo o responsável pela situação de
doença, cujo conceito de saúde que norteia a proposta é o da OMS (1948),
pautando-se no bem-estar físico, mental e social, baseada na perspectiva sistêmica.
Bravo (2007) mostra que os profissionais identificados com a vertente de
intenção de ruptura, não conseguiram definir um novo padrão de intervenção
profissional com estratégias teóricas político-ideológicas que colocassem o Serviço
Social em outro patamar, deslocando-o da execução terminal das políticas de saúde.
181
O que sustenta essa afirmação de Bravo é o não engajamento dos
assistentes sociais no movimento sanitário e alguns que participaram e se
especializaram em saúde pública, tornando-se sanitaristas. O assistente social, na
reelaboração do setor da saúde, ficou marginalizado, não participando nem sendo
solicitado para contribuir nas alterações ocorridas no aparelho do Estado.
Como condicionantes dessa omissão, cabe ressaltar a necessidade dos
adeptos da vertente “intenção de ruptura” de fazer um redimensionamento teóricometodológico, numa profissão desprovida, naquele momento, de domínio de
elaboração e investigação, precisando se construir sobre bases quase que
inteiramente novas, o que redundou na sua veiculação na universidade.
Outro aspecto refere-se à subalternidade do assistente social na área da
saúde, cujo principal protagonista é o médico, as demais profissões consideradas,
durante muito tempo, como “paramédicos”, situação decorrente da divisão social do
trabalho numa sociedade capitalista. Essa subalternidade do assistente social, assim
como dos profissionais de enfermagem, etc., está relacionada também à condição
feminina do profissional na divisão por gênero do trabalho.
Alguns assistentes sociais da área da saúde, no período de 1980, começaram
a sensibilizar-se com a saúde coletiva, visualizando a importância de atuar em
centros de saúde, ambulatórios, ampliando o espaço de intervenção coletiva,
enfocando os determinantes sociais da questão. Até então, os espaços
predominantes eram os hospitais e a abordagem se restringia aos “pacientes” e
familiares numa situação vivenciada, o problema.
Nessa abordagem, o Serviço Social na saúde fundamentava-se na
fenomenologia, sendo ressaltadas as relações dialógicas profissional-cliente, na
explicação dos fenômenos do campo da saúde.
A dimensão dessa vertente do Serviço Social na área da saúde pode ser
explicada pela influência da psicologia, fundamentada na ajuda psicossocial e no
modelo clínico.
Observa Bravo (2007) que alguns avanços acontecerem com o Serviço Social
na saúde, decorrentes da mobilização da sociedade e seu rebatimento na categoria
e para sua prática, embora tenham sido reduzidos, não acompanhando o movimento
desenvolvidos pelos sanitaristas, que traçaram estratégias de alteração das políticas
sociais via penetração no aparelho do Estado, o que vai efetivar-se com maior
organicidade na transição para a democracia.
182
Quanto à participação do Serviço Social na transição para a democracia, a
autora ressalta a mobilização da categoria, articulando-se com as entidades de
classe para reforçar sua prática, o que se comprava mediante os trabalhos
apresentados nos Congressos de Assistentes Sociais, na Abrasco, etc., sobre a
saúde, aprofundando conceitos como assistência, cidadania, políticas públicas.
Entretanto, os profissionais não ocuparam postos significativos no aparelho
do Estado em nenhuma das instâncias de governo. Segundo análise de Bravo
(2007), isso se deve à ausência de uma proposta consistente e de tática política
para a modificação das políticas sociais. A política de saúde na transição
democrática, ainda destaca a autora, tem três aspectos centrais: a politização da
saúde, a alteração da norma constitucional e a mudança do arcabouço e das
práticas institucionais.
A contribuição do Serviço Social, embora pequena, deu-se na politização da
saúde nos seus fóruns de discussão e nos trabalhos efetuados nas instituições e em
movimentos sociais.
Em relação à norma constitucional, refere-se ao julgamento das entidades e
dos profissionais de Serviço Social, embora tenha sido reduzido.
No terceiro elemento, as mudanças do arcabouço e das práticas
institucionais, no que se refere a modificações nas qualidades dos serviços e melhor
atendimento aos usuários, a participação dos assistentes sociais também foi
modesta, apesar de ser um espaço onde os profissionais têm atuado nos terminais
das políticas.
Consta também, no período, a demanda de assistentes sociais para curso de
saúde pública, o que teria revertido para melhoria da ação profissional, apesar da
negação da identidade profissional, exercendo outras atividades que o identificavam
como sanitarista.
Nesse sentido, Martinelli (1995), em seus estudos em relação à identidade e
debate sobre a interdisciplinaridade, diz que:
(...) os seres são inevitavelmente marcados por dualidade interna, neles
encontrando-se tanto a semente do novo quanto a presença do velho. Da
mesma forma, neles encontra-se também tanto a identidade como a
alteridade, uma vez que cada ser determina na relação com o outro e se
determina também na relação consigo mesmo (p. 141).
183
Essa “crise” de identidade por que passaram alguns assistentes sociais,
durante a reforma sanitária, pode ter ocorrido na tentativa de serem aceitos pelo
outro (profissionais de saúde) em condições de igualdade, superando o traço de
subalternidade da profissão, pois, ao incluir o conhecimento especializado da saúde
pública, passa a negar e a não agregar os conhecimentos do Serviço Social,
gerando uma relação com o outro de alteridade.
Outros aspetos podem ser as vantagens financeiras, de relações de trabalho
e status, que tem os profissionais de saúde, principalmente o médico, o médico
sanitarista e os demais especialistas. Os assistentes sociais, ao exercerem a função
de sanitaristas, assumiram postos de destaque, pelo menos em Alagoas, como a
superintendência de órgãos da saúde, coordenação de saúde e chefias.
Em Martinelli (1995), encontra-se a relação uno múltiplo da identidade,
quando a autora diz que:
Hegel introduz novos patamares para o estudo que permitem liberá-lo dos
reducionismos lógicos (...). É como categoria política, sócio-histórica, que
pulsa com o tempo e o movimento, que vamos encontrar a identidade dos
novos marcos de referência da dialética, onde a importância da categoria,
em relação às praticas sociais, reside no fato de expressar a sua forma de
ser e de aparecer, instituindo-se, portanto, como elemento definidor de sua
participação na divisão social do trabalho e na totalidade do processo
social (p. 145).
A categoria política é que produz espaço de negociação e de introdução dos
novos atores sociais, que poderão contribuir para a ampliação dos saberes em torno
das práticas sociais postas para as diversas profissões. Nenhuma profissão abrange
toda a área do conhecimento e ação social.
A construção de identidade na equipe interdisciplinar só se dará diante do
respeito às diferenças e competência técnica e política para que, na divisão social
do trabalho, se estabeleçam relações determinadas com o outro e consigo mesmo
sempre em condições de igualdade, em constante alteração de posições, conflitos
de ideias, mas aberto a negociação em prol do que se quer atingir: a totalidade do
processo social.
Assim, falar de identidade não significa unicidade das ideias, saberes e
práticas de forma harmoniosa, como se todos pensassem e agissem de forma
semelhante. Martinelli (1995, p. 145), afirma que: identidade hoje pressupõe a
superação da nostalgia do idêntico, a ruptura com o princípio da permanência que
nossas instituições, em muitos momentos, transmutaram-se em um verdadeiro
184
princípio de inércia, produzindo práticas sociais orientadas por um ritualismo
mimético, e eternas reprodutoras do já produzido.
A natureza de identidade, numa perspectiva crítica, está em constante
movimento do real, acompanha as mudanças operadas nas instituições, na
conjuntura social e que altera a realidade social. O profissional consciente rompe
com a mesmice do cotidiano na reprodução de normas e rotinas, perpetuando
práticas e ações subalternas em relação ao outro.
A
identidade,
numa
prática
multiprofissional,
interdisciplinar,
requer
enfrentamento da inércia que paralisa ações institucionais, que, em nome do poder
burocrático, dificulta as relações democráticas, e a ampliação de ações sociais
coletivamente construídas em novo olhar para o real, crítico:
É com o movimento do real que temos de aprender a dialogar, é em direção
a ele que precisamos lançar o nosso olhar, aguçar a nossa razão, estimular
a nossa consciência crítica, de forma a poder desvendá-lo, buscando as
raízes da possibilidade da construção de práticas múltiplas, plurais, capazes
de contribuírem efetivamente para produção do novo (MARTINELLI, 1995,
p. 145).
Dialogar com o diferente múltiplo, requer competências técnica, teórica e
necessita despir-se de vaidades e posições rígidas para entrar na seara do embate
de ideias e propostas unilaterais, a fim de construí-las na multiplicidade dos olhares
e do pluralismo teórico em torno dos objetivos determinados na prática social.
É importante ressaltar que, em uma prática interdisciplinar, plural, e
democrática, a percepção e orientação ético-política, não se perde, não se nega no
múltiplo, ao contrário, reafirmam-se os princípios de garantia de direitos, justiça
social e de cidadania, etc. Podem-se negociar estratégias, instrumentos, posições,
papéis, entretanto, os princípios éticos-políticos são inegociáveis, ao nosso olhar.
Chama-nos a atenção que, no cotidiano do assistente social, as diferenças de
interesses entre o empregador e as demandas dos trabalhadores são constantes e
desafiadoras; para os profissionais, a pluralidade de demandas dos usuários são por
vezes não atendidas.
Vivemos continuamente a questão da exclusão e a inclusão da exclusão,
trabalhamos continuamente com a diferença. Infelizmente o domínio
institucional da regulação pela homogeneidade termina fazendo com que
muitas práticas reguladoras do enquadramento, da expulsão da diferença e
não da possibilidade da diferença (SPOSATI, 1995, p. 76).
185
Os rumos que as políticas sociais vêm seguindo sob as orientações do
neoliberalismo, por meio dos organismos internacionais FMI, Banco Mundial, etc.,
são mais excludentes do que inclusivas, seletivas e expulsivas das diferenças:
gênero, idade, contributiva, burocrática, etc.
As contradições e as diferenças sempre proporcionam novos aprendizados, e
a possibilidade de romper com práticas reguladoras, normatizadoras, em detrimento
de práticas coletivas que se aproximam das demandas e da participação dos
trabalhadores.
É importante evidenciar o quanto há de vida na relação uno e múltiplo, e quão
fecunda é a relação entre as áreas do saber quando pensada como espaço
heterodoxo de encontro de signos, como construção coletiva, a partir de finalidades
socialmente determinadas, tanto pelos agentes institucionais como pela população
usuária.
O assistente social, quase que na totalidade de suas práticas, atua sob o
olhar coletivo, o uno e o múltiplo interdisciplinar, pois são suas as demandas do
outro, de múltiplos profissionais, e isso o torna sensível, aberto a trabalhar com o
diferente, plural, assim, manifesta essa necessidade quase que diariamente em seus
planos, programas e projetos. Se assim não fosse, como poderia articular alianças
com os trabalhadores, usuários, movimentos sociais e sindicais, em torno da busca
de políticas sociais que atendam a necessidades sociais na sua totalidade.
No início do século 21, um dos desafios postos é o de rearticular os
movimentos sociais, sindicais, para assegurar conquistas e direitos sociais. Esse
desafio só é possível com uma ação interdisciplinar coletivamente. Essa é a
proposta, essa é a identidade que precisamos construir, uma construção viva, em
movimento, é um exercício cotidiano, é um ato ético-político social.
Martinelli (1995) convida-nos a vislumbrar uma prática social, profissional,
consolidada
na
democracia
e
no
fortalecimento
da
cidadania,
em
seus
determinantes sociopolíticos, nas relações entre as áreas do saber em que se dá a
ação e que vai depender das articulações com os profissionais envolvidos, pois são
os seres humanos que dão vida às instituições e efetividade às políticas e práticas
sociais. Para tanto, é preciso aprender a visualizá-la a partir de uma perspectiva
histórica, reconhecendo-a como:
186

Expressão do saber: toda prática social é teoria em movimento, articulação de
saberes, construção coletiva em busca de objetivos socialmente determinados
e historicamente estabelecidos;

A construção do saber não se dá apenas nos livros, cursos, mas na troca de
saber com usuários, trabalhadores e profissionais com quem se relacionam e
se constroem saberes coletivos. Toda prática produz saber, não há prática
vazia de saber e de poder politicamente construído com a população usuária;

Prática educativa: toda prática social, na perspectiva anunciada é educativa. A
participação da população usuária enquanto construtora da ação social nela
envolvida, discutindo, opinando e decidindo o melhor possível para si, é uma
prática coletiva, de encontro, de diálogo e socializada;

A prática política é parte de toda prática social, pois aponta para uma direção
social que tenham horizontes e consolidação da democracia, garantia de
direitos e o fortalecimento da cidadania.
Mas, para que essa prática social efetivamente aconteça nas ações
desenvolvidas, seja qual a área de atuação, será necessário
produzir novas
práticas, fundadas em um saber múltiplo, plural, heterodoxo, que aspire à
construção coletiva, articuladas às demandas sociais e ao projeto singular dos
usuários:

Saber estabelecer uma nova relação com o passado: o passado não é exemplo
a ser imitado, mas uma lição a ser conhecida; nas práticas institucionais,
utiliza-se muito o passado, para justificar a mesmice, a inércia; o passado é
lição a ser refletida e repensado para a construção de um presente coletivo;

Saber estabelecer nova relação com a profissão: às vezes, nos esquecemos
de que somos protagonistas de nossa história, mesmo que se tenha uma
relativa autonomia, a construção da prática e as propostas são feitas pelos
profissionais
que
buscam
nos
usuários,
trabalhadores,
aliados,
para
concretização da política social, em conformidade com suas necessidades
básicas e sociais. Em toda prática, há um espaço de criatividade e
transformações a serem executadas.
Em geral, as relações sociais estabelecidas no ambiente de trabalho estão
em constante movimento e em determinados contextos sociais, assim, acompanhar
esse movimento organizativo, político, social, é fundamental para o exercício
187
profissional, buscando alianças com o usuário, razão e finalidade da instituição, no
atendimento de suas demandas e necessidades e, consequentemente, a razão do
espaço do profissional.
Por fim, saber estabelecer nova relação entre profissionais; a construção de
uma prática social interdisciplinar, está diretamente relacionada à concepção de
saber como espaço múltiplo do encontro de elos por uma nova relação e concepção
de profissionais. Nossas formações profissionais, nossas diferenças, não nos
separam, pelo contrário, são a força, o motivo, que nos proporcionam os
fundamentos para a construção do saber coletivo. “É como trabalhadores que temos
que nos reconhecer e juntos é que temos que atuar. Ao não identificarmos como
trabalhadores, sucumbimos à lógica do Capital que nos divide para nos fragilizar
(MARTINELLI, 1995, p. 150)”.
Ao fragilizar a identidade, fragmentando-as em áreas, assistente social,
psicólogo, médico, etc., deixa-se de pensar, atuar e construir uma prática social que
atenda aos usuários, trabalhadores, razão de existir da instituição e de espaços de
atuação, sem eles, não é solicitada nossa ação.
Se refletirmos bem, há muito mais semelhanças do que diferenças, pois se
construirmos coletivamente, seremos aliados e fortaleceremos os objetivos comuns
pela
democracia,
justiça
social,
equidade no
tratamento entre todos os
trabalhadores, até porque também o somos. Lutamos por causas comuns, pelos
interesses e necessidades de nossos usuários, das diferenças de nossas profissões
e que devem brotar as possibilidades de uma prática social na sua totalidade e
realidade social em que atuamos, que trarão melhores resultados aos interesses do
conjunto dos trabalhadores.
Em sequência, a reflexão histórica da construção do Serviço Social, e sua
trajetória na saúde e sobre a prática social na perspectiva de construção de uma
identidade interdisciplinar, será completada a análise sobre a atuação do assistente
social na saúde, campo que hoje concentra o maior número de profissionais e, por
conta dessa demanda, em que estudos e ações regulamentadoras foram realizados
pelas entidades de classe Cfess/Cress, que, juntamente com a categoria,
construíram parâmetros para nortear as ações na saúde e superação das atividades
meramente burocráticas no fazer do profissional.
Documento legitimamente construído e que fundamenta as ações, merece ser
analisado para respaldar estudos sobre a ação do assistente social no Siass-
188
Ufal.Intitulado de Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais, tem como
objetivo principal responder, portanto, a um histórico pleito da categoria em torno de
orientações gerais sobre as respostas profissionais a serem dadas pelos assistentes
sociais às demandas identificadas no cotidiano do trabalho no setor saúde e aquelas
que ora são requisitadas pelos usuários dos serviços, ora pelos empregadores
desses profissionais no setor de saúde (CFESS, 2010, p. 11).
O documento está dividido em quatro eixos de atuação do assistente social:
1. Ações de atendimento direto aos usuários: está vinculado à atenção básica de
saúde, aos serviços de média e alta complexidades, realizado nas estâncias
federal, estadual e municipal. Esse eixo contém as ações desenvolvidas no
cotidiano dessas unidades na execução e efetivação terminais da política de
saúde, nem por menos importante que os demais eixos, muito pelo contrário,
essas ações requerem um profissional técnico-politicamente competente.
2. Mobilização, participação e controle social: esse eixo compreende um conjunto
de ações que objetiva a mobilização e participação social dos pacientes,
(usuários dos serviços), familiares, trabalhadores em saúde, e os movimentos
sociais em espaços democráticos de controle social na luta por defesa e
garantia do direito à saúde pública e gratuita e no controle dos fundos
aplicados na saúde; uma das formas de participação dos usuários é a ouvidoria
que não é espaço exclusivo de atuação do assistente social.
3. Investigação, planejamento e gestão: tem por objetivo o fortalecimento da
gestão democrática participativa que realize ações em equipe intersetorial e
elaboração de propostas que visem a melhoria dos atendimentos e serviços
prestados aos usuários. Nessas atividades, o profissional, em equipe, pode e
deve buscar melhorar as condições de saúde substancialmente pois tem em
suas mãos o poder de planejar ações e propostas na totalidade.
4. Assessoria qualificação e formação profissional: visa ao aprimoramento
profissional e tem como resultado a melhoria dos serviços prestados à
população, o amadurecimento técnico-teórico que pode prestar assessoria à
gestão, aos movimentos sociais.
A prática social interdisciplinar vem acontecendo desde o início da
implantação das unidades Siass. No entanto, observamos a permanência de
algumas atividades burocráticas cartoriais no cotidiano das ações de saúde do
189
servidor público, por parte dos assistentes sociais que nela atuam, até mesmo pela
falta de pessoal administrativo.
3.5.1. O assistente social na atuação do controle social
O assistente social tem sido chamado e reconhecido como capacitado para
trabalhar com os mecanismos de controle social, nos quais vem atuando em vários
conselhos de gestores, saúde, assistência social, etc.
Essa atuação tem se dado na assessoria, criação, organização e no
acompanhamento desses conselhos, na capacitação de conselheiros, ou
ainda como pesquisador, representando sua categoria, ou segmento de
usuário, ou mesmo como gestor (CORREIA, 2005, p. 228).
Os conselhos têm se mostrado como espaços contraditórios, ambíguos, em
que se podem legalizar e legitimar as decisões e políticas de interesse do capital e a
mercantilização da saúde, como pode deliberar a favor dos interesses e
necessidades dos trabalhadores e da população em geral, no acompanhamento e
defesa das despesas com as políticas sociais.
Assim, diz Correia (2005),
com a possibilidade de que o controle social se exerça na perspectiva dos
interesses das classes subalternas, o assistente social pode passar de mero
executor das políticas previamente estabelecidas a colaborador da
efetivação do referido controle (p. 229).
É importante ressaltar o papel de colaborador nessas ações de efetivação do
espaço democrático nas etapas de planejamento, execução, avaliação e,
principalmente, nas decisões dos gestores públicos com saúde. Especificamente no
caso do servidor público, ainda não estão implementados esses espaços, tanto para
intervenção do assistente social, quanto para os trabalhadores no serviço público,
demarcando o controle que se quer, ou seja, na sua totalidade.
A ação do Serviço Social na participação social sempre existiu, e foi
requisitada, ora contribuindo com o Estado no controle sobre a sociedade, ora
colaborando com os movimentos sociais no controle das ações do Estado para que
políticas sociais atendam às necessidades da coletividade, que pagam impostos
direta e indiretamente; portanto, é a população que deve decidir onde e como os
recursos devem ser gastos.
190
Reconheçamos os limites na atual conjuntura, de minimização das políticas
sociais, desestímulo da criação dos espaços democráticos de participação dos
trabalhadores e da população, em que o controle dos gastos públicos necessita ter
mais visibilidade e coletividade, pois ainda está muito concentrado nas mãos dos
mandatários do poder.
Diante do exposto, alguns requisitos constituem-se em desafios para essa
nova demanda profissional, comprometida com os trabalhadores e as classes
subalternas. Na análise de Correia (2005, p. 229), o assistente social, como auxiliar
do controle social, denominado de colaborador, para não ser confundido com as
atribuições dos profissionais de carreira pública, como são exemplos o auxiliar de
enfermagem, auxiliar administrativo, auxiliar de laboratório, etc., e também por
considerar uma atividade da prática social, coletiva, não apenas especifica do
assistente social, embora reconheça a predominância desse profissional nos
conselhos, conforme demonstra Correia (2005), em Alagoas.
Assim essa prática do assistente social, segundo a autora (CORREIA, 2005,
p. 229) requer um profissional que, dependendo das exigências da realidade, deve
ter capacidades técnica e teórica para exercer o papel de colaborador, e para isso
necessita de aporte teórico, que seja referencial para sua prática na compreensão
histórica da política social específica na qual atua, observando os determinantes
sociais na sua totalidade numa sociedade de classes, articulando às determinações
macroestruturais.
Conhecimento dos aspectos legais e jurídicos que regem a política social
específica, e capacidade de análise conjuntural constante em todas as estâncias:
nacional, estadual e municipal. Compreensão de que os espaços de participação
são contraditórios (legitimação do gestor e cooptação dos movimentos ou ampliação
da democracia na garantia de direitos e avanços da política especifica). Capacidade
de elaborar planos, programas, projetos participativos e de elaborar e intervir nos
orçamentos, tornando-os acessíveis à população envolvida.
Além da competência técnica e teórica e política, requer habilidade para
exercer o papel de articulador e educador popular, promovendo a capacitação dos
conselheiros e da população usuária. Articulação com as demais políticas sociais
afins; informação sobre as práticas de outros profissionais que atuam na área para
possíveis alianças; habilidade para articular a composição dos conselhos sem a
ingerência do gestor. Estar atento para que a representatividade dos membros dos
191
conselhos não se descole de suas bases e traduza os reais interesses da
população.
Competência para capacitar conselheiros e/ou população usuária para o
exercício do controle social, como também a consciência dos limites e das
possibilidades da participação social em espaços institucionais, na perspectiva do
controle social sobre as ações do Estado e sobre o Fundo Social: o novo, nessa
prática social, exercida pela participação popular no controle, está no protagonismo
do coletivo, na sua totalidade, ou seja, não basta opinar, planejar, tem que decidir, e
definir, controlar o fundo social voltado para a política social específica, ou seja, a
saúde
do
trabalhador
público
independentemente
das
relações/vínculos
estabelecidos com o Estado.
A
conjuntura
atual
continua
sendo
desfavorável,
mas,
diante
das
circunstâncias, o assistente social e os demais profissionais precisam ter lucidez e
competência para o desenvolvimento de uma prática coerente, que, no caso do
assistente social, está expressa no compromisso ético-político assumido com as
necessidades e os interesses das classes subalternas excluídas das políticas
sociais.
Correia (2005, p. 231) alerta para que o controle social extrapole os espaços
instituídos, a exemplo de alguns conselhos, pois têm se constituído em espaços de
gestão da reprodução do capital, que vêm desvirtuando o legalmente assegurado,
para que aglutinem forças capazes de se contrapor à ordem vigente do capitalismo,
sob a égide do sistema financeiro internacional, que nega a verdadeira liberdade
humana e social em detrimento da liberdade do mercado, ou seja, “a guerra de
todos contra todos”, destruindo o sentido social do trabalho.
Sobre a atuação do assistente social nos Conselhos de Saúde, Correia
mostra o crescimento desse profissional na prática do controle social da população
sobre as políticas públicas e dos gastos sobre estes, juntamente com outros
profissionais, médicos, enfermeiros, psicólogos, dentistas, etc.
192
3.5.2. Análise da atuação do assistente social em relação às especificidades
atribuídas no Siass-Ufal
O assistente social está sendo chamado para atuar na Pass/Siass-Ufal
enquanto parte da equipe multiprofissional, nos três eixos em que está dividida:
perícia-oficial, nas ações de vigilância, e promoção de saúde e assistência social.
Da forma como estão sendo implantadas as unidades Siass, nos estados
brasileiros, a ênfase tem sido dada nas ações das perícias oficiais, o que vem
demonstrando a preocupação do Estado em controlar e minimizar as despesas com
as licenças, afastamentos e aposentadorias dos servidores, e as demais ações de
promoção à saúde do servidor vem acontecendo de forma mais lenta do que
almejam as equipes de saúde e as necessidades dos servidores.
As atribuições estabelecidas pela Pass-Siass aos profissionais de Serviço
Social, assim como as dos outros profissionais, estão também na proposta. Aqui nos
deteremos às referentes à dimensão social, enquanto um dos determinantes
socioeconômico, cultural e político que podem intervir nas condições de trabalho e
na saúde do trabalhador.
Conforme análise dos autores pesquisados, as ações do Serviço Social na
saúde, desde a sua gênese até hoje, podem contribuir para legitimação das políticas
sociais do Estado e do seu projeto de incentivo ao capital, como contribuir para
fortalecimento dos projetos dos trabalhadores e das classes populares, em busca da
garantia dos direitos sociais e do seu protagonismo na construção da política de
atenção integral à saúde dos trabalhadores no serviço público, entre outros.
Assim, o assistente social, ao realizar estudos sociais para elaboração do
parecer social, colaborando para a decisão dos peritos em saúde, poderá excluir os
servidores da concretização do direito ao qual estão solicitando, os serviços de
saúde, especificamente a perícia em saúde ou contribuindo para a garantia de
direitos.
Ao analisar os determinantes sociais, que fundamentarão os argumentos
teórico e técnico, com base nas relações sociais no trabalho e na realidade social do
servidor, o profissional de Serviço Social deverá fazê-lo considerando o
compromisso ético-político com a saúde do trabalhador, numa perspectiva integral
193
da saúde, que extrapola a relação saúde-doença-ambiente do trabalho e seus
riscos.
Na análise do assistente social crítico, as situações vulneráveis às quais
estão expostos os trabalhadores, antecedem e extrapolam os muros/ambientes de
trabalho. Um estudo social com base no contexto social, onde o servidor público se
insere, pode desvendar uma realidade social rica em múltiplas determinações. A
compreensão sócio-histórica-econômica e política da saúde trará a contribuição do
trabalhador no conhecimento da dimensão social das suas condições de saúde e
vida, especificamente do servidor público.
A saúde do trabalhador, na perspectiva do coletivo, não está centrada no
indivíduo, se assim o for, continuará culpabilizando exclusivamente o trabalhador por
suas doenças, afastamentos, riscos e acidentes de trabalho.
Ao atender as atividades legais institucionais, o assistente social poderá nela
incluir os interesses e as necessidades do servidor público, criando espaços
democráticos de controle social na efetividade de políticas sociais e da saúde.
O desafio está em trazer o protagonismo do servidor público na construção de
canais institucionais de participação social para que se efetive a Pass-Siass-Ufal, na
sua integralidade, promoção, prevenção e controle social, se não corre-se o risco de
endossar mecanismo de controle do Estado sobre o servidor.
O assistente social, na intervenção profissional, requer um posicionamento
que possua habilidades e competências técnica, teórica e política para o
atendimento das demandas, tanto a institucional como as dos usuários,
trabalhadores e da população.
3.6.
Considerações gerais
Este
capítulo
vislumbrou
mostrar
e
analisar
a
proposta
de
implantação/implementação da unidade de referência Siass-Ufal e que se encontra
no MPOG/Cogss para homologação do acordo de cooperação técnica com a Ufal
onde se instalou uma unidade Siass para atender a todos os três campi: Maceió,
Arapiraca, Santana de Ipanema, em Alagoas.
Vale salientar que, apesar da falta da homologação da unidade Siass-Ufal,
pelo MPOG, está funcionando conforme demonstrado nos depoimentos colhidos, e
194
vem trabalhando de forma precária, desde a falta de profissionais, equipe de apoio,
espaço físico, equipamentos, até falhas de funcionamento do Siapenet-Saúde,
sistema nacional de processamento dos dados epidemiológicos e dos afastamentos
e licenças médicas no nível nacional.
As questões mencionadas são justificadas, pelo ministério que coordena as
ações de saúde, como ajuste de compassos entre o próprio e as unidades, e da
natureza da implementação do sistema, que requer identificar falhas, corrigi-las e
aprimorá-las para seu funcionamento eficaz.
Os técnicos e gestores reconhecem esses limites e dificuldades no processo
de implantação, mas são unânimes em indicar que a iniciativa da criação de uma
política de atenção à saúde do servidor e de um sistema que administrará as
unidades de referência nos estados brasileiros é inédita. Essa decisão política por
parte do governo brasileiro trará à tona a saúde do trabalhador nas relações e
processos de trabalho no serviço público.
Pela primeira vez, essa política torna-se de Estado e voltada para seus
trabalhadores públicos, mas que enfrentam desafios para que
“saia do papel”,
conforme dizem seus gestores, profissionais que nela trabalham, e realmente
transformar-se em ações de promoção, prevenção e assistência à saúde na sua
integralidade.
Essa fase de implementação, como se viu na proposta, não está ainda
integralmente efetuada, principalmente as ações de promoção, vigilância e do
controle social, como a criação da Cissp. As ações que vêm merecendo
investimento e prioridade para o MPOG/Cogss são as pertinentes às atividades da
Perícia Oficial de Saúde (POS).
O investimento tem sido feito na criação dos sistemas Siapenet-Saúde e na
capacitação das equipes de profissionais que atuarão com esses sistemas. Mesmo
assim, ainda não tem sido satisfatório, segundo os entrevistados.
Outro
aspecto
avaliado
é
a
desarticulação
das
PNSST
e
Pass,
assemelhando-se com os princípios, diretrizes, ações propostas, mas que não são
articuladas em benefício do conjunto dos trabalhadores, fragmentando-os,
fragilizando, assim, as ações coletivas e criando políticas semelhantes paralelas
para atender ao trabalhador da rede pública federal e da privada.
A fala do coordenador do MPOG, para justificar tal falta, entre outros
aspectos, diz respeito à não identidade do servidor com o trabalhador e como ficaria
195
a relação e o processo fiscalizador das delegacias com o seu próprio empregador, o
Estado.
São questões postas e que precisam ser enfrentadas, pois, conforme as
alterações possíveis no modelo de administração, a serem implantadas através das
OSs nos HUs, inicialmente, e em outros serviços públicos, voltam os trabalhadores
públicos regidos pela CLT, o que implica dizer que as fiscalizações vão acontecer,
as precárias condições de trabalho e as situações vulneráveis a que poderão estar
expostos esses trabalhadores serão denunciadas, as entidades serão multadas e
tornam-se passíveis até de serem fechados seus serviços.
Esse é um dos pontos críticos a se enfrentar e construir respostas, pois
existirá uma dualidade de políticas de saúde do trabalhador operando no espaço
público de trabalho. A PNSST, para os servidores regidos pela CLT; a PASS, para
os trabalhadores do RJU. Como fazer? Serão dois serviços de saúde: as redes
Renast-Cerest-Cist para as da CLT; e as redes Siass-Siapenet-Saúde-Cissp para as
do RJU?
Assim, os sistemas tornar-se-ão complexos, confusos, burocráticos e poderão
ficar inviáveis, sobrepostos e inoperantes, ou, ao contrário, cooperativos,
intersetoriais, interdisciplinares e transversais a todo sistema de saúde.
Outro elemento fundamental e que está timidamente representado, segundo
os dados bibliográficos e as entrevistas, é a participação dos trabalhadores públicos
na construção e no controle social das ações políticas do trabalhador.
O sujeito central da política de atenção à saúde do trabalhador é o próprio
trabalhador, opinando, construindo, dirigindo as ações e controlando o investimento
dos programas e favorecendo as condições de trabalho. Sem essa participação, não
se tem saúde do trabalhador; pode ser saúde ocupacional, medicina e segurança no
trabalho, o que diferirá da proposta da Pass, é o protagonismo dos trabalhadores.
O Serviço Social é chamado a participar da equipe multiprofissional na
efetivação da Pass e tem dado seu contributo nos diversos âmbitos e eixos:
planejamento, gestão, assistência e em vários desafios, como o controle social, pois
reconhecidamente, pelos demais profissionais, tem a ver com o assistente social a
participação social, por ser uma prática política, que envolve habilidades e
competências técnicas e o profissional de Serviço Social vem enfrentando esse
desafio em tempos de Estado mínimo, de recessão a políticas sociais, e de retração
dos movimentos sociais e sindicais.
196
O Estado brasileiro vem demonstrando também essa resistência quanto à
participação social do servidor público, e, com uma dualidade retórica, propõe a
criação da Cissp, mas não a homologa desde 2009. O assistente social pode usar
os mecanismos legais existentes: o Sintufal, a Adufal, e a lei do SUS, que prevê a
participação e o controle social na saúde, entre outros.
Percebe-se também a ausência de uma proposta do Serviço Social para a
saúde do trabalhador. O que estão postas são as necessidades institucionais,
embora contemplem as especificidades do Serviço Social. Os assistentes sociais
envolvidos nos programas e unidades Siass precisam elaborar o seu plano com as
necessidades e interesses do servidor público na garantia dos direitos sociais que
contemple as diretrizes do projeto ético-político, pautando-se nos princípios da
democracia, justiça social, que se traduzam em relações e processos de trabalho
dos servidores, mais humanos, democráticos, criativos e participativos, em todas as
ações.

A questão do fundo, no que diz respeito ao financiamento de ações realizadas
nas unidades de referência do Siass, ainda é muito nebuloso, sigiloso, na
discussão coletiva sobre o quanto/quando e como, e em que investir.

Os fundos disponíveis no MPOG/Cogss, mesmo que alocado no próprio
ministério, como a ele se refere, sua origem, ou seja, a fonte de arrecadação, é
o servidor, a população que paga os impostos, entre outras taxas e tributos.
Como em toda relação de trabalho, o patrão e/ou o empregador também
contribui; no caso do serviço público, esse é um nó, não se sabe se o Estado
tem sua coparticipação e como se dá. Portanto, não há recurso próprio, há
recursos dos servidores, da população em geral, e da parte do Estado não se
tem clareza, visibilidade.

A participação dos servidores e representantes no controle social, na forma
aqui concebida e defendida, passará necessariamente pelo controle do
orçamento e fundo de despesas com a saúde do servidor público. Na proposta
de criação da unidade Siass-Ufal, não esta visível a Cissp, que poderia compor
o organograma como comissão participativa da Pass-Siass-Ufal.

Sabe-se que esse é um desafio, visto que não é pelo fato de essas relações
serem dentro do Estado que há mais facilidade na participação democrática em
decisões, ações e despesas da Pass. Ao contrário, o Estado tem mecanismos
197
burocráticos e técnico-burocráticos que são barreiras ao desenvolvimento e
distribuição desses fundos e na participação decisória.

O assistente social, ao fazer parte da equipe, está inserido em todos os três
eixos da unidade Siass – perícia oficial na garantia de direitos sociais e do
tratamento de saúde mediante análise e parecer com base na realidade social
do servidor e no contexto em que está inserido no trabalho e nas condições de
sua vida. Na promoção e prevenção, desenvolvendo ações educativas de
esclarecimentos e informações de direitos, socializando o saber coletivamente
construído na área da saúde do trabalhador.
Por fim, também pode exercer atividades de assessoria, planejamento e
gestão, no caso em tela, na condução da política social; E junto com os
trabalhadores
organizados,
introduzindo
seu
saber
construído
com
suas
experiências, trazendo processos de trabalhos e situações vulneráveis, analisandoos, opinando e definindo ações e política de saúde integral direcionadas ao interesse
e à necessidade do servidor público.
198
CAPÍTULO IV
4. SUBJETIVIDADE DA SAÚDE DO SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL DO
EXECUTIVO: AUXILIARES E TÉCNICOS DE ENFERMAGEM
Nos três primeiros capítulos, consta um aporte teórico sobre as categorias
fundantes para os estudos da saúde do trabalhador: o trabalho na perspectiva
marxista, analisando os processos; a organização e as relações sociais do trabalho,
seguidas de uma análise sobre a categoria do trabalhador na modalidade servidor
público, discutindo o significado do seu trabalho e a prestação dos serviços públicos
à sociedade civil que dela necessitar, por meio da execução das políticas sociais do
Estado brasileiro.
Também foi abordado, para facilitar a compreensão do Estado enquanto
espaço democrático, onde está a correlação de forças das classes dominante e
dominada, em defesa dos interesses antagônicos postos nessa área, em busca de
efetivação de direitos sociais de ambas as classes, embora opostos. Estado
democrático este que, sobre o jugo do neoliberalismo, vem reduzindo as conquistas
e os interesses dos trabalhadores, por meio das políticas sociais e de saúde, no
caso específico deste estudo.
Com base nos fundamentos teóricos, analisou-se historicamente a trajetória
das políticas sociais e sua origem no início do século 20, com o populismo da
década pós-guerra até o recuo dos Estados do bem-estar social nos países
europeus e nos EUA, e seu rebatimento nas décadas de 1970/1980, no Brasil, que
culminou com a CF de 88, denominada Constituição Cidadã.
Conforme a trajetória das políticas sociais no Estado brasileiro, e da
conjuntura internacional com o neoliberalismo, a estrutura econômica na
financeirização da economia e da lógica mercadológica estabelecida nas relações
globalizadas com os países (principalmente os do Primeiro Mundo, liderados pelos
sete mais “ricos”: Itália, França, Inglaterra, Alemanha, EUA, Japão e Espanha) vivese no momento a efervescência de uma crise financeira e social, do desemprego e
das perdas de direitos sociais, e que tem sérias consequências socioeconômicas
também nos países de economia periférica, como é o caso do Brasil.
199
O momento de crise econômica culmina, em nosso país, em uma série de
redução de direitos sociais, muitos ainda não efetivados pela CF-88, na retração de
políticas sociais não consolidadas, em sua maioria, como é o caso das políticas
sociais voltadas para atender a saúde do trabalhador em geral e do servidor,
especificamente a categoria objeto do nosso estudo.
Busca-se analisar a participação social do trabalhador no controle dos
espaços democráticos, na garantia de suas conquistas e na concretização da
política de saúde, que encontrará adversidades, em uma conjuntura econômica
desfavorável e de desestruturação das economias consolidadas nos países do
Primeiro Mundo, fato que rebate em nosso país.
Mas a história mostra que os avanços nas políticas sociais estão diretamente
relacionados aos movimentos sociais e ao dos trabalhadores, em diversas épocas e
sociedade, sob a égide do capitalismo.
Prosseguindo, a análise da política de saúde do servidor público, em sua
dimensão social, além de suas estruturas organizativas nos serviços públicos, traz
outros determinantes sociais contidos na subjetividade dos sujeitos, que são os
trabalhadores da saúde do Hupaa, local da nossa pesquisa empírica. Estes trazem à
tona a realidade social na qual estão inseridos facilitando a compreensão do
contexto, da saúde e do trabalho que rebatem na relação saúde-trabalho e nas
condições sociais de sua vida.
Neste capítulo, analisam-se os determinantes sociais desses trabalhadores e
as possíveis ações de promoção, prevenção e controle da saúde, observando as
relações e os processos de trabalho, os contextos social e institucional e a realidade
social dos protagonistas dessa história na construção da saúde do trabalhador.
Protagonismos nem sempre expressados na dimensão da prática social por
melhores condições de vida, nos espaços democráticos da construção política de
saúde, em que, conforme depoimentos colhidos, a própria representação sindical
tem pouco participado.
Mas, diante das adversidades socioeconômicas e políticas, na desarticulação
e desmobilização dos movimentos sociais, as políticas focais, fragmentadas,
dividindo os trabalhadores, individualizando-os, os consideramos sujeitos de suas
próprias histórias e trajetórias na conquista de seu trabalho e condições de vida.
Marx, sabiamente, diz que a história é feita por homens e mulheres, não há
salvador da pátria, heróis construtores no cotidiano; temos trabalhadores que
200
realizam suas atividades contribuindo assim para a efetivação das políticas sociais
de saúde no âmbito do serviço público, dentro do espaço do Estado, que nem
sempre favorece o desempenho profissional, com o máximo de qualidade para a
sociedade que dele necessita e por eles pagam com os impostos.
Neste capítulo, reproduz-se os depoimentos dos sujeitos entrevistados,
auxiliares e técnicos de enfermagem, sobre o que fazem, como fazem, se gostam do
que fazem, como vivem, como trabalham, etc. Enfim, ficaram à vontade para
expressar as relações do trabalho, a vida e seus sentimentos e sentidos sobre a
própria vida, o trabalho, a saúde, a partir de suas experiências e participação
coletiva.
Os sujeitos desta pesquisa sobre a saúde do servidor público federal
desenvolvem suas atividades no HU da Ufal. Todos os auxiliares e técnicos de
enfermagem entrevistados pertencem ao quadro permanente e são regidos pelo
RJU, portanto, são servidores públicos federais, da carreira dos Técnicos
Administrativos da Educação Superior (Taes).
Inicialmente, localizamos a instituição onde estão desenvolvendo seu
trabalho, fazendo uma retrospectiva histórica e apresentando os serviços que
prestam à comunidade alagoana e circunvizinhas que buscam atendimento
hospitalar público gratuito e de qualidade.
4.1.
Histórico e estrutura do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes
O Hupaa é uma unidade acadêmica vinculada à Ufal, portanto, tem sua
história voltada para a consolidação do ensino, pesquisa, extensão e assistência na
área de saúde. Sua origem está relacionada à Ufal, com a Lei 3.867, de 25 de
janeiro de 1961, que autorizou a criação do campus universitário e o espaço
destinado para a construção do HU.
Mas a Faculdade de Medicina, fundada em 1950, antecede a criação do
HU/Ufal, pois, inicialmente, o hospital-escola foi a Santa Casa de Misericórdia de
Maceió, com sua primeira turma, em 1954.
As obras de construção do HU remontam aos anos 1970 e foi concluída em
1992, quando, em meados dessa década, passou a ser chamada de Hospital
201
Universitário Professor Alberto Antunes, em homenagem ao professor de medicina,
diretor do hospital na década de 1980, e vice-reitor da Ufal quando veio a falecer.
A área construída do hospital tem 26.974,22 metros quadrados, distribuídos
em seis pavimentos, onde funcionam17 uma complexidade de especialidades
médicas, serviços de diagnósticos, terapias e várias outras ações de saúde
desenvolvidas pela equipe multidisciplinar como nutrição, psicologia, serviço social
etc.
Na atenção hospitalar no Estado de Alagoas é referência em Alta
Complexidade do sistema de saúde, com serviços do Centro de Alta Complexidade
em Oncologia (Cacon), Assistência à Gestante de Alto Risco, Neurocirurgia, entre
outros.
No ano de 2004, o Hupaa, foi certificado pelos Ministérios da Saúde e da
Educação como hospital de ensino universitário federal, após rigorosa avaliação
daqueles ministérios.
Em 2006, foi assinado o primeiro Convênio e Plano Operativo Anual,
pactuado entre a Prefeitura/Secretaria Municipal de Saúde de Maceió e a UfalHupaa, estabelecendo as atividades metas e orçamento para os serviços a serem
prestados pelo hospital, segundo as demandas e necessidades do município.
Com a Portaria ministerial 08, de 29 de agosto de 2008, da Subsecretaria de
Planejamento e Orçamento, o HU, como é chamado o Hupaa, foi transformado em
unidade gestora, passando a gerir seus processos administrativos e financeiros
independentemente da Ufal, entretanto, permanece o vínculo.
Um segundo convênio, celebrado no ano de 2009, entre Prefeitura/Secretaria
do Município de Maceió e a Ufal-Hupaa, retifica o papel da instituição como uma das
unidades/responsáveis pela assistência em média e alta complexidades, voltada às
demandas existentes no estado e município, na área da saúde hospitalar para o
fortalecimento do SUS, nas especialidades em que é referência, conforme o citado.
Os dados e informações aqui mencionados estão no plano diretor do Hupaa,
elaborado com base no Decreto 7.082, de 27 e janeiro de 2010, que atende o
Rehuf18, portarias, estudos de dimensionamento pessoal para o HU e seu
17
Os dados históricos sobre o Hupaa estão disponíveis no plano diretor do referido hospital, de 2010, e que se
encontra em vigência até 2014.
18
Programa de reestruturação dos hospitais de ensino, proposto pelo governo federal.
202
planejamento. Para cumprir o referido decreto, foram estabelecidas as seguintes
diretrizes:

Buscar sua vocação de hospital terciário e quaternário;

Ser referência em alta complexidade;

Redirecionar a baixa complexidade à rede de serviços do Município de
Maceió.
Atualmente, a política de governança do Hupaa tem como finalidade atingir as
metas e diretrizes estabelecidas pelo Rehuf.
Por seu caráter indissociável de Hospital de Ensino, é por excelência um
centro de assistência e formação de profissionais dos diversos cursos das áreas
tecnológica, humana e da saúde, a saber:

Na
Graduação:
Psicologia,
Medicina,
Serviço
Enfermagem,
Social,
Odontologia,
Administração,
Economia,
Farmácia,
Ciências
Contábeis, Engenharia e Arquitetura;

Pós-Graduação: Lato sensu/Especialização em estágio e residência
multiprofissional19
(2010),
Gestão
da
Organização
Hospitalar
(2008/2009);

Cursos de aperfeiçoamento e programas de aprimoramento profissional,
convênio com instituições do estado de Alagoas.
O Hupaa presta assistência aproximadamente para 50 especialidades
médicas, possui 141 consultórios, divididos em quatro ambulatórios e serviços, pelo
SUS de apoio ao diagnóstico e terapias, realizando cerca de 370 mil consultas e
procedimentos ambulatoriais por ano.
A assistência hospitalar dispõe de 174 leitos ativos e teve, em 2009, cerca de
sete mil internações, nas mais diversas clínicas especializadas: médica, obstetrícia,
pediátrica, unidade de tratamento intensivo adulto, unidade de tratamento neonatal e
hospital-dia.
Saliente-se
que
todas
as
ações
assistenciais
nesses
ambulatórios,
contemplam o ensino, a pesquisa e a assistência, atividades que envolvem a
participação dos docentes, técnicos administrativos e alunos nas diversas
atribuições: consultas, internações, ou, ainda, no desenvolvimento de programas
19
Além de contar com a participação do graduado em Serviço Social, é coordenado por uma assistente social do
Hupaa.
203
específicos de atenção ao paciente. Essas ações assistenciais e de ensino contam
com a participação dos demais profissionais na saúde: odontólogo, psicólogo,
assistente social, fisioterapeuta, nutricionista, terapeuta ocupacional, enfermeiro, etc.
O hospital é referência para os pacientes do SUS nas áreas de atendimento à
gestante de alto risco, unidade de terapia intensiva para adulto, neonatal, unidade de
cuidados intermediários neonatal, banco de leite humano, hospital-dia-aids,
cirurgias, o centro de oncologia e o de atenção à saúde do idoso.
Os leitos disponíveis ao atendimento hospitalar à sociedade alagoana estão
distribuídos como apresentado no Quadro 9.
Clínicas
Número de
Leitos
Leitos Desativados/ Projeto
de Ampliação
Número Total
de Leitos
Clínica cirúrgica
35
29
64
Clínica médica
23
41
64
Maternidade
60
0
60
Clínica pediátrica
20
12
32
Internação
138
82
220
UTI adulto
6
4
10
UTI pediátrica
0
10
10
UTI neonatal
10
0
10
Unidade de Cuidados
Intermediários (UCI)
12
08
20
Unidade semi-intensiva
0
12
12
Tratamento intensivo ou
intermediário
28
34
62
8
0
8
174
116
290
Hospital-dia
Total de Leitos
Quadro 9: Leitos disponíveis para o atendimento hospitalar
Fonte: Direção de Enfermagem (2010), disponível no Plano Diretor do Hupaa - 2010/2014
Com a previsão de ampliação dos 116 leitos distribuídos nas diversas clínicas
com base no dimensionamento e nas demandas de cada clínica, serão necessárias
em todas elas a adequação de suas instalações para atender a essas demandas
que perpassa por alterações e mudanças em toda a estrutura física, administrativa,
pessoal e em todos os ambientes externos e internos do Hupaa, para que atinja o
planejado.
Aqui salienta-se a força de trabalho do hospital, por ser o principal sujeito
desta pesquisa e usuária das ações da Saúde do Trabalhador, via Siass-Ufal. Com o
204
aumento de oferta de novos serviços de alta e média complexidades, entre outros,
para atender ao Programa de Reestruturação dos Hospitais de Ensino, e ainda por
ser referência na assistência, formação de profissionais, e no desenvolvimento
tecnológico e integração na rede SUS, vem sentindo dificuldades em manter o
quadro de pessoal que atenda a essas demandas.
Esse problema é sentido também por outros hospitais universitários federais
de ensino, em que a ampliação das ações de assistência não tem sido condicionada
à ampliação do quadro de pessoal, o que gera carência constante e crescente de
pessoal nas diversas unidades de trabalho do HU.
Assim, segundo o plano diretor do Hupaa, as alternativas encontradas foram
a contratação de trabalhadores com outros tipos de vínculos empregatícios para
complementar o quadro de pessoal e assim permitir seu funcionamento – celetistas
e prestadores de serviços etc. Ressalta-se ainda que setores administrativos como o
de Serviço de Arquivo Médico (Same), faturamento, financeiro, compras e
almoxarifado, funcionam essencialmente com esses trabalhadores, uma vez que
não dispõem de servidores públicos.
4.2.
Quadro de pessoal do Hupaa
O quadro de pessoal lotado no Hupaa, em 2009, tinha 1.305 trabalhadores:
servidores públicos, celetistas, cedidos de outros órgãos públicos, prestadores de
serviço, terceirizados e ainda estagiários que ocupavam postos de trabalho,
conforme apresenta o Quadro 10.
Vínculo
Servidor público – RJU
CLT – Fundepes
Cedidos – órgãos públicos
Serviços prestados
Terceirizados
Estagiários – em postos de trabalho
Total
Quantidade
683
221
39
18
208
136
1.305
Quadro 10: Força de trabalho - 2009
Fonte: Plano Diretor Hupaa-Ufal, abr. 2010
A força de trabalho do hospital é composta em 62% de servidores públicos;
pouco mais de 50% são profissionais de enfermagem; 17% da fundação estão nas
205
funções administrativa, de enfermagem, médica, etc.; dos serviços terceirizados,
16% estão na limpeza, vigilância, lavanderia, etc.; os estagiários somam 10%,
distribuídos em postos de trabalho nos diversos setores; o serviço prestado
representa 1%.
Chama a atenção, ainda, a previsão de aposentadoria de servidores públicos
do hospital, entre os anos de 2010/2011, contando o tempo de serviço prestado no
HU, sem considerar o tempo de serviço averbado, são 121 servidores, o que
corresponde a mais de 25%, o que elevará o aumento da carência de pessoal,
principalmente de médicos e profissionais de enfermagem.
O estudo sobre carência e reposição do quadro de pessoal do Hupaa foi
realizado entre o setor de RH e da Direção de Enfermagem (DE), sendo esta direção
responsável por realizar a análise técnica sobre a carência dos cargos de enfermeiro
e técnicos de enfermagem, e o setor de RH dos demais cargos.
O referido dimensionamento tem como parâmetro a ativação dos 116 leitos
sem uso, para operacionalizar a capacidade plena de 290 leitos hospitalares, assim
como a contratação por concurso público, inclusive a substituição dos funcionários
contratados pela Fundação, não contemplando o pessoal terceirizado e os cedidos.
Para realizar o diagnóstico de carência de pessoal técnico-administrativo para
o hospital, foram considerados os seguintes indicadores:
 Número de pessoal celetista, da Fundação;
 Pessoal cedido por outros órgãos;
 Estagiários que ocupam postos de trabalho profissional;
 A esse quantitativo foi acrescida uma reserva de 15%.
Assim, a equipe de RH do hospital estabeleceu o número de pessoal ideal
para suprir a carência de 375 técnicos administrativos, para operacionalizar a
capacidade hospitalar dos leitos existentes e os demais procedimentos.
4.2.1. Quadro de necessidade de pessoal técnico-administrativo
Para a ampliação operacional do Hupaa em mais 116 leitos, atingindo 290,
capacidade
plena
do
hospital,
será
necessário
contratar
152
técnicos
administrativos. Nesse montante, estão previstas oito vagas para o cargo de
206
assistente social, entre outros. O Quadro 11 apresenta o pessoal técnicoadministrativo (exceto enfermagem) necessário para ativar os 116 leitos inoperantes.
Cargo
Assistente administrativo
Assistente social
Auxiliar de farmácia
Auxiliar de laboratório
Auxiliar de nutrição
Biólogo
Biomédico
Digitador
Farmacêutico
Farmacêutico bioquímico
Fisioterapeuta motor
Fisioterapeuta respiratório
Fonoaudiólogo
Médico coloproctologista
Médico – especialista em medicina nuclear
Médico cirurgião de cabeça e pescoço
Médico cirurgião-geral
Médico cirurgião oncológico
Médico cirurgião plástico
Médico cirurgião torácico
Médico clínico-geral
Médico endoscopista intervencionista
Médico hematologista
Médico intensivista
Médico neuroclínico
Médico oncologista clínico
Médico oncopediátrico
Médico pediatra/neonatologista
Médico radiologista – raios x convencional
Médico radiologista – tomografia
Médico radiologista intervencionista
Médico radioterapeuta
Médico urologista
Nutricionista
Psicólogo
Técnico de laboratório
Técnico de radiologia
Técnico de radiologia – tomografia computadorizada
Técnico em radioterapia
Terapeuta ocupacional
TOTAL
Carência
49
8
8
3
2
1
1
1
5
1
1
9
2
1
1
1
3
1
1
1
6
1
3
3
1
2
1
8
2
1
1
2
1
3
5
2
5
1
3
1
152
Quadro 11: Carência de pessoal técnico-administrativo para a ativação de 116 leitos
Fonte: Plano Diretor Hupaa-Ufal, abr. 2010 (p. 81)
4.2.2. Dimensionamento do Pessoal de Enfermagem
O estudo realizado está fundamentado nos princípios da Reforma Sanitária,
pautada na assistência universal, integral e resolutiva, com o controle do Estado, e
207
tem como base a Resolução 293/2004 do Conselho Federal de Enfermagem
(Cofen), que fixa e estabelece parâmetros para o dimensionamento do quadro dos
profissionais de enfermagem nas unidades assistenciais das instituições de saúde e
assemelhados, atendendo aos diferentes níveis de formação.
O quadro atual de enfermagem conta com 71 enfermeiros e 293 profissionais
de nível médio (técnicos e auxiliares de enfermagem), perfazendo um total de 364
profissionais distribuídos nas diversas unidades assistenciais (Quadro 12). O
quantitativo ideal do pessoal de enfermagem é de 192 enfermeiros e 354 técnicos de
enfermagem, totalizando 546 profissionais, o que representa um déficit de 170% no
número de enfermeiros e de 21% no de técnicos de enfermagem.
Clínicas
Ambulatório
Clínica cirúrgica
Clínica médica
Maternidade
UTI adulto
Clínica pediátrica
UTI neonatal
UCI
Hospital-dia
Nefrologia
Radioterapia
Cacon
CME
Centro cirúrgico
Diretor de
enfermagem
Assistente de
materiais
Educação
permanente
Programa de
hanseníase
Medicina do
trabalho
Banco de sangue
Núcleo de
vigilância
epidemiológica
SCIH
Gerência de risco
Junta médica
Radiologia
TOTAL
Número
Atual de
Leitos
35
24
60
6
19
10
12
8
Quantitativo Atual de
Pessoal de Enfermagem
por Clínica
Nível
Enfermeiro
Total
Médio
4
22
26
Quantitativo Ideal de Pessoal de
Enfermagem por Clínica
4
Técnico de
Enfermagem
22
Enfermeiro
Total
26
22
61
20
16
20
13
4
10
3
2
24
37
-
25
78
26
18
26
15
5
11
5
10
26
39
2
14
36
18
12
30
15
3
4
29
72
17
23
28
21
7
16
-
3
17
6
2
6
2
1
1
2
8
2
2
2
12
7
5
2
7
24
38
-
43
108
35
25
58
36
10
20
0
19
31
43
2
-
1
-
1
1
-
1
-
2
-
2
2
-
2
-
1
-
1
1
-
1
-
-
1
1
-
1
1
-
1
1
1
1
2
1
1
1
1
2
174
2
1
71
1
2
2
293
3
1
2
2
364
2
1
192
1
2
2
354
3
1
2
2
546
Quadro 12: Número atual de pessoal de enfermagem no Hupaa – abril/2010
Fonte: Plano Diretor Hupaa/ Ufal, abr. 2010, p. 83.
208
Na realização do diagnóstico da carência do pessoal de enfermagem, além da
resolução Cofen, foi também utilizado o cálculo da Constante de Marinho (CM), cujo
resultado consta do Quadro 13.
Clínicas
Clínica cirúrgica
Clínica médica
Maternidade
UTI- adulto
Unidade semi- intensiva
Clínica pediátrica
UTI-pediátrica
UTI -neonatal
UCI- neonatal
Hospital-dia
Centro cirúrgico (salas)
CME
Nefrologia
Cacon
Ambulatório
Direção de enfermagem
Assessoria de materiais
Educação permanente
Programa hanseníase
Medicina do trabalho
Banco de sangue
Núcleo de vigilância epidemiológica
SCIH
Gerência de risco
Junta médica
Radiologia
TOTAL
Número de
Leitos
64
64
60
10
12
32
10
10
20
8
10
10
290
43
43
36
24
15
19
30
30
21
3
9
9
4
12
5
2
1
2
1
1
1
2
1
-
Técnicos de
Enfermagem
87
87
72
34
21
39
28
28
29
7
53
33
16
7
47
1
1
1
2
2
313
595
Enfermeiros
Total
130
130
108
58
36
58
58
58
50
10
62
41
20
19
52
2
1
2
1
1
1
2
3
1
2
2
908
Quadro 13: Distribuição do pessoal de enfermagem para o funcionamento do Hupaa com 290 leitos –
quantitativo ideal por clínica
Fonte: Plano Diretor Hupaa-Ufal – abril/2010 (p. 85)
Quanto à ampliação da capacidade operacional para os 290 leitos, além de
atender à demanda reprimida nos diversos serviços, serão necessários 313
enfermeiros e 595 técnicos de enfermagem, totalizando 908 profissionais de
enfermagem, como demonstrado.
4.3.
Gestão do Hupaa
O modelo de gestão do hospital é colegiado, de caráter consultivo. Além dos
gestores do hospital, tem direito a assento, em caráter consultivo, um representante
209
do gestor municipal de saúde de Maceió e um representante do Conselho Municipal
de Saúde do município, e ambos não participam dos processos deliberativos.
A gestão do Hupaa é composta de três direções. A direção-geral é
democraticamente eleita pela comunidade hospitalar, composta por técnicos
administrativos, docentes e estudantes da saúde que têm vínculo com o Hupaa. A
participação dos trabalhadores da Fundação é sempre controversa20, portanto,
depende da definição da Comissão Eleitoral, que convoca a eleição por edital
público. O resultado das eleições é sempre respeitado e homologado pelo reitor da
Ufal, que conduz o ato de nomeação. Os trabalhadores terceirizados não participam
do processo eleitoral.
As outras direções que compõem a gestão são escolhidas pelo diretor-geral:
uma é a direção de ensino, que coordena o processo de ensino-pesquisaassistência no hospital. A direção técnica coordena as ações de todas as unidades
técnicas profissionais, assim como os setores de clínicas, psicologia, serviço social,
nutrição, etc., estão subordinados a essa diretoria. A direção administrativa
coordena as ações dos setores administrativos de almoxarifado, recursos humanos,
compras, financeiro, transportes, etc. E a direção de enfermagem é responsável pela
coordenação e administração do pessoal da área, cuja diretoria é escolhida entre o
corpo de enfermeiros do hospital.
4.4.
Financiamento do Hupaa
O hospital é mantido exclusivamente pelo setor público, por meio dos Fundos
de Saúde: Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (Faec), Fator de Incentivo
ao Desenvolvimento do Ensino e Pesquisa (Fideps), Incentivo ao Atendimento
Ambulatorial e Hospitalar à População Indigente (Iapi), Rehuf e SUS. Enfim, o
financiamento do Hupaa é totalmente público.
O hospital não atende a rede privada, em tese, e não mantém convênio com
nenhum plano de saúde, apesar de atender à demanda desses setores via
20
A matéria dessa polêmica sobre a participação do pessoal da Fundação refere-se aos vínculos familiares com o
servidor, que tem na forma de admissão uma política clientelista com a direção gerando assim um voto de
agradecimento e troca de favores.
210
atendimento médico que chega dos consultórios particulares e conveniados para os
procedimentos mais onerosos a serem realizados pela rede hospitalar pública.
Os recursos financeiros mantenedores do hospital advêm ainda de outros
ministérios, a exemplo do Ministério de Educação e Cultura (MEC) ao qual pertence
o quadro de servidores públicos que lá atuam, além de despesas com salários e
capacitação, financiamento de pesquisa e do ensino, por ser um hospital-escola.
O agente financiador e mantenedor das ações públicas e do hospital é a
sociedade brasileira, que paga para a realização da política de saúde na sua
integralidade. Mas, apesar da direção hospitalar ser democrática, a participação do
Conselho Municipal de Saúde é apenas consultiva, ou seja, os fundos, o
financiamento, são públicos, o hospital é público, a direção é composta por
servidores públicos, mas a decisão é privada e restrita nas mãos de poucos.
Embora o financiamento no serviço público, assim como os recursos
humanos sejam deficitários e insuficientes, principalmente considerando os parcos
recursos destinados às políticas sociais em geral, especificamente em um hospital
público
com
suas
peculiaridades
administrativas,
burocrática
e
social,
a
democratização poderia muito contribuir na definição dos gastos e ações prioritárias
no atendimento da população e na articulação para a ampliação dos recursos.
4.5.
Características gerais do Hupaa – um hospital público
O Hupaa é um hospital de ensino destinado formação de profissionais de
saúde e produção de conhecimento na área e referência na saúde da região para
assistência de alta e média complexidades a toda a população, o que garante a
universalidade de ações: crianças, adolescentes, gestantes, adultos e idosos em
suas diversas clínicas especializadas. Mantém convênio com o SUS, não possui
leitos privados e nenhum outro tipo de convênio na atenção à saúde, portanto, é
100% público nas ações e financiamento.
Tem como princípios e valores a conduta ética e transparência, o
compromisso social, a humanização, o respeito às diferenças, aos princípios da
democracia, à sustentabilidade e educação e permanente. Portanto, segundo esses
princípios e valores, o hospital desenvolve suas ações, tendo como um dos canais
211
de comunicação com a população usuária o serviço de ouvidoria para apresentação
de queixas e denúncias sobre o atendimento, bem como satisfação, insatisfação e
reivindicação.
A eleição para escolha da direção, a participação do Conselho Municipal de
Saúde, do colegiado deliberativo e do serviço de ouvidoria são espaços públicos e
democráticos que podem ser utilizados por todos os segmentos: docentes, técnicos
administrativos, discentes e usuários (pacientes) na busca da qualidade e efetivação
das ações pautadas nos princípios e valores, transparentes e democráticos, e
universal.
Pires (2008, p. 108) demonstra que é possível manter o caráter público do
serviço, com o acesso universal, com a descentralização administrativa, com a
democratização gerencial e o processo de descentralização e horizontalização não
precisam ter a face da privatização.
Os espaços públicos de participação no HU estão construídos, exceto a de
seus servidores. Falta mobilização para que possam ter o controle social sem
restrição, em todos os momentos, principalmente na decisão dos custos/gastos, em
detrimento dos pacientes/usuários do hospital.
Apesar dessa autonomia política, administrativamente, é relativa, visto a falta
de autonomia financeira, do Hupaa; relacionada aos convênios, fundos e
financiamentos do sistema de saúde público, amarrados a artimanhas burocráticas
dos poderes estatal, municipal e federal, que acarreta a morosidade das ações.
O que se coloca para a agilização e autonomia nos processos administrativos
e financeiros é a criação das OSs em suas diversas modalidades. A viabilidade
dessas organizações encontra-se, no momento, em discussão e avaliação nas
instâncias colegiadas da gestão da Ufal e do Hupaa. Mas a criação das OSs pode
tornar vulnerável o princípio universal, público e gratuito, e não há garantia de
melhoria da qualidade no atendimento.
Essa forma de gestão, por meio de fundação, já acontece no próprio hospital
e não resolveu a situação de falta de agilidade e eficácia administrativa, muito pelo
contrário, criou-se uma estrutura densa. Segundo o documento do plano diretor em
vigência, os gastos contratuais com os funcionários da Fundepes atingem R$ 550
mil, sem contar com as taxas administrativas pagas à referida fundação. Os
contratos com pessoas jurídicas perfazem R$ 600 mil, e, desse montante,
212
aproximadamente 40% corresponde aos custos operacionais do hospital, que tem
um gasto mensal de R$ 2,632 milhões21.
Todos os serviços das atividades assistenciais à saúde, como clínica,
ambulatorial, laboratorial, banco de sangue, radiológico e os demais procedimentos,
não são terceirizados, o que não significa que funcionem apenas com a força de
trabalho do Estado.
A terceirização no Hupaa está mais centrada, como apresentado, nas áreas
de suporte administrativo, Same, almoxarifado, portaria, lavanderia, serviço de
nutrição e dietética em parte, manutenção, limpeza, etc.
Há diferença salarial, de carga horária, qualificação e capacitação e
benefícios sociais como vale-transporte, vale-alimentação, entre os do servidor
público e os demais vínculos de trabalho, em que a maioria trabalha de 40 a 44
horas semanais; não tem acesso aos programas de qualificação e capacitação, que
são exclusivos para servidores, e as exceções para os da CLT, contratados pela
Fundeps.
Os serviços terceirizados não saem a custos tão baixos, ao contrário, o
salário de um vigilante, por exemplo, se for um salário-mínimo o piso da categoria, a
Ufal paga em média o correspondente a três salários-mínimos à empresa
contratada.
O corpo do quadro de pessoal do Hupaa é composto pela força de trabalho
de servidores técnicos, administrativos, terceirizados, de contratos eventuais,
estagiários, docentes, prestadores de serviços, enfim, são complexas relações
sociais de trabalho, que vão de vínculos estáveis, pelo RJU, não estáveis, sob CLT,
e os vulneráveis, sem vínculo empregatício nem com o hospital nem pela firma que
os contrata, sujeitos a todo tipo de riscos, inclusive “acidentes graves de trabalho”.
Para Pires (2008), no hospital público, a terceirização também é uma
realidade, mas a sua estrutura aproxima-se mais das empresas verticalizadas do
modelo de desenvolvimento fordista, ou seja, os serviços de apoio são de nível
elementar, enquanto que no hospital privado aproximam-se mais da estrutura
empresarial capitalista, pois são mais pressionados pela concorrência para
modernizar-se, reduzir custos e ganhar mais pontos no mercado dos serviços de
saúde.
21
Esses valores foram extraídos do Plano Diretor do Hupaa 2010/2014.
213
Os serviços públicos e hospitalares são menos pressionados por essa lógica
de mercado, mas vêm sofrendo também para conseguir aumentar os Fundos de
Investimentos da Reuf, do SUS, etc., pois necessitam ampliar sua capacidade de
leitos e assistência integral para o atendimento da população usuária.
A redução de custos com terceirização só não acontece nos serviços
públicos, em que se percebem, ouve-se e vê, pelos meios de comunicação, jornais e
revistas, as denúncias de corrupção feitas por instituições privadas relacionadas aos
processos de licitações para instituições públicas, onde afirmam ser a ética do
mercado em relação ao setor público.
A imagem que se propaga dos serviços públicos é de corrupção, relações
ilícitas, como se não fosse resultado das relações espúrias de quem dela pratica do
privado/público e vice-versa. Outra característica do serviço público, que advém da
relativa autonomia político-administrativa, e que perpassa pelo processo decisório,
por exemplo, é fechar um serviço e abrir outros, o que implica conhecer as
necessidades da população, atitude que é muito positiva; por outro, as longas e às
vezes inócuas decisões, sem objetividade, e a burocracia estatal, podem prorrogar
por tempo indeterminado essas ações.
No dizer de Pires (2008, p. 117), alguns não podem simplesmente fechar.
Podem até ser sucateados, inclusive expondo em risco a população, mas o
fechamento põe em risco a credibilidade política de governo, do gestor público; além
disso, existem os preceitos legais e constitucionais que não podem ser facilmente
desconsiderados.
A lógica que predomina na administração do hospital público não é a do lucro,
mas, formalmente, é a de atender às demandas da população. Pires (2008, p. 118)
apresenta vários fatores que influenciam a tomada de decisões em cada momento.
a) Políticas de Estado: resultam do jogo político, definindo a visão de cada
governo sobre a questão da saúde e o orçamento destinado para o setor;
b) Situação financeira do Estado: implica definir cortes no orçamento, o que
está subordinado à política econômico-social adotada;
c) Correlação de forças representativas das classes sociais: estão presentes
nas instâncias legislativas, formulando leis mais ou menos democráticas
em relação às políticas sociais, decidindo os orçamentos dos governos;
d) Pressão dos diversos grupos corporativos, especialmente da categoria
médica e de grupos de especialistas que têm relativo poder para
214
influenciar na esfera administrativa: esses interesses podem ter múltiplas
determinações, desde a identificação das necessidades da população, até
os interesses econômicos de rendimentos, diretos ou indiretos, para
grupos ou médicos privados;
e) Problemas
de
saúde
que
assumem
uma
dimensão
de
risco
epidemiológico, fazendo com que a população reivindique pelo serviço ou
que o Estado decida enfrentar o problema.
A esses fatores que interferem nas decisões sobre a política e os
investimentos de saúde em cada conjuntura, acrescenta-se outro fator, que é a
participação dos movimentos sociais pela saúde por meio dos conselhos de saúde,
associações de pacientes, conselhos de classes e profissionais de saúde,
assistentes sociais, psicólogos e médicos, que defendem a política de saúde pública
e universal.
O Estado, espaço que opera com os interesses antagônicos dos empresários
da saúde privada, e os interesses da saúde pública, poderá, nessa área, pender
para o lado mais organizado e articulado politicamente. A classe popular organizada
fará pressão entre os deputados, senadores, formuladores de leis, articulando-se
aos grupos da classe médica, que defende as necessidades da população, e, por
meio dos movimentos sociais, que exercem o controle social, representando-os na
esfera do Estado para concretização das ações e políticas de saúde pública.
Quanto à decisão de terceirizar o hospital público, é o governo de Estado que
a impõe, na busca de reduzir os custos, como já apresentado.
No final dos anos 1980/1990, meados do governo FHC, foi implantado o
programa de demissão voluntária de servidor, exceto para as carreiras estratégicas
do Estado, entre elas, os cargos de médico, enfermeiro, etc., e a extinção da maioria
dos cargos de nível de apoio: copeiro, cozinheiro, vigilância, limpeza, etc. Com isso,
a saída foi a terceirização dos serviços em todas as instituições públicas,
principalmente o contingente de servidores de apoio hospitalar.
Tudo isso orquestrado pela política de neoliberalismo, na minimização do
Estado, que acarreta a redução das políticas sociais públicas, elevando a fatia mais
rentável das políticas de saúde via planos de saúde e previdência para a rede
privada, alimentando o mercado capitalista.
215
Entre as críticas feitas à terceirização, Pires (2008, p. 120), destaca as
seguintes: tentativa de burlar as conquistas trabalhistas das categorias mais
organizadas e de enfraquecer os movimentos reivindicatórios dos trabalhadores.
O governo, ao definir as carreiras para os cargos estratégicos que não
perderam seus espaços profissionais no Estado, enfraquece o movimento sindical
dos trabalhadores públicos, fragmentando-os entre os imprescindíveis e os
descartáveis. Outro exemplo, que existe no hospital público, é a flexibilidade da
jornada de trabalho de 30 horas, estabilidade no emprego, o direito à capacitação e
qualificação, que proporciona incentivo financeiro, entre outros direitos trabalhistas,
que os trabalhadores terceirizados, de contratos eventuais, etc. não têm. Trabalham
no mesmo espaço público, prestam serviços à população, e têm direitos e regimes
de
trabalho
específicos,
e,
consequentemente,
filiação
sindical
diferente,
fragilizando-os no conjunto das reivindicações por direitos sociais integrais aos
trabalhadores.
Essa fragmentação da classe trabalhadora no hospital público pode trazer
consequências para a qualidade dos serviços prestados à população usuária. No
caso de substituição imediata de mão de obra da enfermagem, por motivos de
adesão a greve declarada abusiva, a gestão pode demiti-los sem justa causa, o que
não acontece com o servidor público. O servidor público pode muito bem
estabelecer alianças com os pacientes e a população em geral, incentivando-os a
participar dos movimentos sociais por saúde, denunciar na ouvidoria o atendimento
dispensado, e procurar o Ministério Público. A mesma atitude pode não acontecer
com os trabalhadores da rede privada e os terceirizados, por medo de perder seus
empregos.
Por fim, a terceirização que existe e a que querem implantar via OSs, não é
sinônimo nem de melhoria da qualidade nos serviços, nem de significativa redução
de custos, nem mesmo garantia de efetivação e ampliação de ações de saúde
públicas e gratuitas.
Os serviços terceirizados ou as OSs são administrados por empresas cuja
lógica é o mercado capital, ou seja, privam pela lucratividade da saúde.
Em seus estudos, Pires (2008, p.122) aponta as desvantagens em vários
setores terceirizados, em um hospital público no Sul do País, por ela pesquisado. Na
nutrição, por exemplo, devido à necessidade de agilidade na adaptação às
216
intercorrências apresentadas pelos pacientes; na lavanderia, falta de roupas, roupa
errada, dobrada incorretamente, roupa de outro hospital, de setor trocado, etc.
Essas empresas, para obterem lucro máximo, diz Pires (ibid., p. 123) fraudam
o serviço público, atendem mal, e colocam em risco a vida das pessoas, e refere-se
ao caso da clínica de hemodiálise, em Caruaru (PE), onde morreram 60 pacientes
por hepatite tóxica. A clínica tinha terceirizado o atendimento, e ficou comprovado
que a economia de gastos com água foi a causa das mortes. Isso ocorreu devido à
lógica da privatização que rege a terceirização, recém-batizada pelos fraudadores de
licitação no Rio de Janeiro de a “ética do mercado” na busca do lucro à custa da
fraude, corrupção e do mau atendimento à população, que paga com trabalho,
impostos e a própria vida.
4.5.1. Estrutura administrativa e política do hospital-ensino público
Legalmente, quem responde pelos atos administrativos e políticos do hospital
público e de ensino é o diretor-geral, pois a decisão final dos atos administrativos
operacionais é realizada por ele, mesmo que tenham sido discutidos e aprovados no
colegiado, quem os sanciona é o diretor.
Mas as decisões mais importantes, no dizer de Pires (2008, p. 125), em
termos de estrutura organizacional, financiamento, política de pessoal, tipo de
assistência prestada, população-alvo e recursos disponíveis, estão fora do âmbito do
hospital.
O papel de um diretor de hospital público perpassa necessariamente pela
articulação com vários órgãos externos, numa relação transversal e transetorial, que
vai dos Ministérios de Educação, Saúde e Planejamento, às Secretarias de Saúde
estadual, municipal, em busca de financiamentos, convênios e orçamentos que
tornarão possível administrá-los.
Mas essa articulação poderá ir mais adiante, enquanto gestor da
administração pública, no sentido de buscar suporte político nos espaços
democráticos e representativos, em defesa dos interesses da população usuária dos
serviços de saúde, através dos conselhos de saúde, dos profissionais de saúde e
suas associações e conselhos de classes, assim como do movimento dos
trabalhadores do setor.
217
Um hospital público é um bem para todos e feito por todos: médicos,
enfermeiros, assistentes sociais, estudantes da saúde, docentes, e a população
usuária. Uma gestão democrática se faz com a mobilização coletiva dos sujeitos
neles envolvidos, para melhor realização das ações em saúde, com visibilidade e
transparência em todo o processo administrativo.
Os espaços democráticos existentes no hospital, como o conselho
deliberativo, têm uma participação excludente, a exemplo dos conselhos de saúde,
que opinam, mas não deliberam, ficando a decisão entre seus pares dirigentes, o
que pode favorecer a cooptação em torno dos interesses e objetos de quem detém
legalmente o poder institucional, retificando os interesses corporativos.
O poder hospitalar é relativo, devido à centralização burocrática do poder nas
instâncias superiores da Ufal, e as externas ao ambiente hospitalar, como os
ministérios, Secretarias de Saúde, etc., que decidem o orçamento/financiamento e
os recursos, e poderão deliberar para a administração do hospital, sem falar da
morosidade na resolução dos problemas financeiros, no pagamento e na compra de
materiais de consumo, medicamentos, etc., no atendimento ao processo licitatório
para adquirir tais produtos.
Por vezes, o processo licitatório é contestado por firmas concorrentes, que
solicitam revisão e suspensão do ato, e quando isso ocorre, mais tempo se perde e
a carência do material solicitado vai aumentando e agravando a situação. Outras
vezes, a compra do material é inadequada, de qualidade inferior ao solicitado, de
modo que nem sempre o mais barato resulta em qualidade de produto e menores
gastos.
Os mecanismos de descentralização e a horizontalização são necessários e
eficientes para o melhor desempenho gerencial do hospital. Assim como os
mecanismos de controle social na participação da administração pública, opinando e
decidindo sobre o gerenciamento hospitalar de forma transparente e com visibilidade
do que é público e de interesse de todos.
Quanto à participação da representação dos trabalhadores do próprio
hospital, não ficou visível no processo decisório, apesar da escolha de que
participam para eleger o diretor, o que vem se observando é uma relação clientelista
em torno de benefícios individuais, como a transferência de servidor para outro
setor, sem considerar as chefias e a necessidade dos serviços, prevalecendo
apenas o interesse daquele servidor. Outro exemplo comum, é a contratação de
218
parentes, amigos, pela Fundação, a prestação de serviços e de outras modalidades.
Essas relações reproduzem o processo eleitoral do País nas instâncias federal,
estadual e municipal, no qual o voto não se caracteriza pelos interesses da
coletividade, mas pela troca de favores e do interesse do indivíduo. O que fragiliza
os trabalhadores coletivamente na busca da participação no processo decisório
hospitalar.
Mas a luta por um hospital universitário público, gratuito e de qualidade faz
parte da agenda de luta e reivindicação de todas as greves, quase que anualmente,
feita pelos sindicatos da categoria de técnicos e docentes e do movimento estudantil
universitário, na qual denunciam o sucateamento das estruturas físicas, da escassez
e falta de material, da precarização do trabalho e pela não privatização do hospital
de forma indireta, com a implantação das OSs, Oscips, enfim, pela terceirização dos
serviços públicos. Esses movimentos sociais têm exercido importante papel político
na luta por melhores condições e investimentos nos hospitais públicos. Essas forças
políticas vêm mantendo acesos os ideais de uma política de saúde universal e
integral nas suas ações assistenciais e hospitalares.
Outro traço predominante da gestão hospitalar é a presença masculina e a
corporação médica. Até os anos 1980, o hospital foi administrado por professores do
curso de medicina. Com a instalação do processo eleitoral, no final de 1980, os
médicos passaram a concorrer no pleito e a conquistar espaços na administração do
hospital de ensino, onde dividem, com professores, a direção de ensino, e, com
enfermeiros, a direção de enfermagem. Apesar da importância da força de trabalho
feminino, tanto em número como na ocupação, em todo o espaço hospitalar, a
mulher ainda não assumiu cargo de direção-geral do hospital. Porém a Ufal, durante
os 50 anos de existência, teve duas reitoras eleitas pela comunidade universitária
alagoana.
4.6.
Serviço Social no Hupaa
Na maioria dos setores técnicos, a chefia das unidades é escolhida entre os
próprios profissionais. O Serviço Social escolhe um assistente social para chefiar o
setor, a nutrição escolhe uma nutricionista, e assim sucessivamente. Os critérios
219
dessa escolha ficam a cargo do setor que envia a indicação ao diretor-geral para
homologação, e este poderá aceitar ou não a referida indicação. Os cargos de
chefias e direção são considerados de confiança do diretor do hospital. Alguns
cargos de chefia são exercidos por trabalhadores da Fundação, a exemplo do Same.
O Serviço Social é um setor que abrange todas as clínicas e serviços
assistenciais do hospital. A partir do documento sobre os parâmetros da atuação do
assistente social na saúde, vem redimensionando suas ações de cunho meramente
burocrático para outros setores e ocupando-se das práticas socioeducativas, na
garantia de direitos sociais, na assistência à saúde hospitalar com qualidade, e na
humanização das relações com os serviços e com os profissionais médicos, dentre
outros.
A residência multiprofissional, desde sua criação, vem sendo coordenada por
uma assistente social, o que comprova o reconhecimento dessa categoria
profissional pela equipe de saúde do hospital e da competência técnica e teórica na
condição da residência multiprofissional hospitalar, onde, além de coordenar,
também participa nas atividades de formação dos residentes.
O Serviço Social do hospital tem ainda participação nos movimentos sociais e
sindical em defesa do hospital, posicionando-se contra a privatização dos HUs via
processos de administração por OSs. O movimento é coordenado por professores
da Ufal, assistentes sociais do hospital universitário que participam das mobilizações
dentro e fora do âmbito hospitalar.
É de responsabilidade de cada setor a elaboração das ações e do
planejamento de sua unidade. Esses setores estão subordinados hierarquicamente
à direção técnica, que sempre foi exercida por um professor de medicina ou um
médico do hospital, portanto, a hegemonia do poder de decisões está na categoria
dos médicos, com exceção da direção de enfermagem e da direção administrativa,
que é exercida por profissionais ou professores de administração da Ufal.
O hospital está subordinado à gestão superior da Ufal e é regido por seu
estatuto e regimento, assim como pelas normas e regras do regimento próprio do
hospital, da legislação do ensino da saúde, entre outras, e pauta-se principalmente
pela ética das ações de saúde, dos custos e despesas nos interesses e
necessidades da população usuária.
Aqui, o objetivo é conhecer analiticamente a subjetividade institucional do
Hupaa, onde se desenvolvem as ações da unidade de saúde Siass e dos sujeitos
220
sociais, a quem se direciona a política de atenção à saúde do servidor público
federal, que trabalham na Ufal, especificamente no Hospital de Ensino da respectiva
universidade.
Este estudo contempla a política social de saúde do trabalhador na totalidade,
as especificidades dessa política para o servidor público, as particularidades na
concretização das ações na rede de referência do Siass-Ufal, em que se verificam
as peculiaridades das ações de saúde com base nas necessidades dos sujeitos
sociais, conforme os determinantes socioeconômicos dos processos e relações do
trabalho e da organização sociopolítica institucional.
Foi caracterizado o hospital onde se realizou a pesquisa com os servidores
públicos técnicos e auxiliares de enfermagem. Hospital este de ensino e de
assistência à saúde de alta e média complexidades, terciário e quaternário na
divisão do sistema de saúde, público, exclusivamente mantido pelo Estado, nas
diversas fontes e convênios públicos, que tem como finalidade prestar assistência
universal à saúde da população; promover a formação superior de profissionais da
saúde e contribuir para a pesquisa e conhecimento na área.
Portanto, seu fim último não é legal e socialmente o lucro, nem o mercado
capital da saúde, embora contribua, mas prestar serviços de saúde à população, ou
seja, tem uma função social na efetivação das políticas de ensino, pesquisa e
assistência à saúde pública, gratuita e de qualidade. Pode-se assim reafirmar que
todo trabalhador público, ao exercer uma função pública, é social, ou seja, é um
trabalhador social.
4.7.
Subjetividade Coletiva dos Sujeitos Pesquisados
O diálogo, encontro com os sujeitos da pesquisa, ocorreu mediante alguns
estudos preliminares para adequar a aproximação e a delimitação desses. O
levantamento sobre os determinantes socioeconômico, cultural-lazer e saúde, entre
outros, com os servidores públicos, aleatoriamente escolhidos ocorreu quando da
realização do I Seminário Sobre a Saúde do Servidor Público, planejado,
coordenado e executado por esta pesquisadora em Alagoas, no ano de 2010.
221
Após análise dos dados levantados, definiram-se três categorias comuns ao
universo do servidor público e que foram confirmadas no decorrer da coleta dos
depoimentos dos servidores auxiliares e técnicos de enfermagem do Hupaa. São
elas: o envelhecimento do servidor público, a feminização dessa classe trabalhadora
e o sofrimento não apenas físico, emocional, mas ético, político e social, advindo das
condições precárias de trabalho institucional.
Por isso, optou-se por introduzir uma discussão teórica sobre os três
conceitos que contribuíram para o conhecimento e aprofundamento da dimensão
social enquanto um dos determinantes que interferem nas condições de saúde, vida
e trabalho dos servidores públicos na área da saúde, na prestação dos serviços e
cuidados com a saúde da população usuária do Hupaa.
4.7.1. O envelhecimento do trabalhador público e privado
Inicia-se, então, uma análise teórica e crítica sobre o envelhecimento do
trabalhador na sociedade brasileira, a partir dos estudos de Teixeira (2006).
A longevidade vem crescendo e aumentando a população de idosos, tanto em
números absolutos como relativos em um fenômeno tido como mundial e que
abrange todas as classes sociais. Esse crescimento também acontece nos países
em desenvolvimento, embora numa proporção inferior aos encontrados nos países
desenvolvidos.
Crescimento esse, segundo análise de Teixeira (2006, p. 12), decorrente da
ampliação da expectativa de vida; do declínio da taxa de fecundidade, graças aos
avanços da medicina; aos programas de esterilização em massa nas regiões
carentes; e às altas taxas de mortalidade da população jovem, dentre outros fatores.
A mortalidade da população jovem na sociedade contemporânea vem
crescendo assustadoramente, motivada pelo uso e tráfico de drogas, violência
urbana e do trânsito, falta de perspectiva e políticas de emprego e ações voltadas
aos jovens, entre outros fatores.
Com o crescimento da população idosa, vão surgindo políticas públicas e
privadas, instituições especializadas no ramo, etc., para enfrentar a vulnerabilidade
natural da idade, como as políticas de seguridade social. Amplia-se o mercado
222
especializado para essa etapa da vida, como viagens de turismo para idosos,
academias, estética, etc. Evidenciam-se também as pesquisas e estudos científicos
sobre o envelhecimento e as intervenções sociais em torno do idoso.
Referindo-se à definição sobre o envelhecimento, Teixeira (2006, p. 12) faz as
seguintes considerações: do ponto de vista demográfico e do individual, segundo a
autora, o envelhecimento é definido pelos anos vividos; assim, são considerados
velhos os que alcançam 60 anos de idade. Na dimensão biológica, o envelhecimento
é definido como o
processo de mudanças universais pautado geneticamente para a espécie e
para cada indivíduo, que se traduz em diminuição da plasticidade
comportamental, em aumento da vulnerabilidade, em acumulação de
perdas evolutivas e no aumento da probabilidade de morte. (NERI, 2001,
apud TEIXEIRA, 2006)
Todavia, com esse declínio biológico, físico, coexistem outros fatores de
natureza mental, cultural, econômica e social, e do trabalho, que configuram as
diferentes formas de envelhecer.
A compreensão do envelhecimento como um processo multidimensional, “ser
velho compreende um processo dialético capaz de inter-relacionar a diversidade dos
elementos que compõem a existência humana” (PAZ, 2001, apud TEIXEIRA, 2006,
p.195). A autora ainda destaca, com base em Beauvoir (1890), que se a velhice,
enquanto destino biológico, é uma realidade que transcende a história, não é menos
verdade que esse destino é vivido de maneira variável, segundo as condições
materiais de produção e reprodução social, que exprimem um estatuto social à
velhice, ou estatutos diferenciados, conforme as classes, status e hierarquias
sociais.
Essa compreensão considera que os determinantes sociais em que estão
situados os sujeitos vão interferir no processo de envelhecimento, logo, não se trata
de um processo semelhante para todos. As condições de vida e trabalho, assim
como as relações de produção e reprodução social, vão produzir desigualdades
sociais e de saúde, que interferem no processo de envelhecimento de forma
diferente, para o trabalhador, pelas condições a que se expõe, pelo modo como
ocorre sua produtividade.
É a partir das desigualdades sociais engendradas pelas estruturas produtiva e
social que se prioriza a condição de classe como um elemento central para
223
compreensão social do envelhecimento, sob a prevalência de um tipo de sociedade
capitalista, regida por relações sociais do trabalho que espolia o trabalhador e a
antecipação do processo de depreciação natural de sua capacidade de labor,
exclusão pelo critério de idade, desvalorização social, que atinge toda a classe
trabalhadora. “Principalmente quando envelhecida, exacerbando as experiências
negativas com o tempo, pela impossibilidade de controlá-lo, já que é expropriado
pelos capitalistas” (TEIXEIRA, 2006, p. 20).
O envelhecimento, como uma situação social vulnerável, é correlato das
reviravoltas econômicas que afetaram as estruturas familiares como espaço de
sociabilidade primária e de produção, ao expandirem a organização capitalista do
trabalho, que pressupõe a expropriação dos meios de produção e do tempo de vida
dos trabalhadores, inviabilizando sua sobrevivência sem o trabalho.
Dessa situação, decorreram as lutas operárias, no início do século 20, nos
países desenvolvidos, que deram origem às políticas públicas para condições do
acompanhamento do envelhecimento do trabalhador, antes assumidos pelas
famílias, associações filantrópicas, etc. Mas a ofensiva do projeto capitalista vem
rompendo e desconstruindo essas políticas de proteção social ao idoso em sua
dimensão pública, retornando, na pior forma possível, para as entidades e
organizações sociais privadas e de benemerência, tirando-lhe o status de política
social de Estado.
Chama-nos a atenção Teixeira (2006, p. 19) para a centralidade no
envelhecimento do trabalhador que advém do movimento real e não apenas de
pressupostos teórico-metodológicos. É a classe trabalhadora a protagonista da
tragédia no envelhecimento, considerando-se a impossibilidade de reprodução social
e de uma vida cheia de sentido e valor na ordem do capital, principalmente quando
perde o “valor de uso” para o capital, em função da expropriação dos meios de
produção e do tempo de vida.
Portanto, não é para todas as classes que o envelhecimento promove efeitos
imediatos de isolamento, exclusão das relações sociais, do espaço público, do
mundo produtivo, político, artístico, dentre outras expressões sociais dos processos
produtores de desigualdades sociais.
A pílula dourada dos anos da “melhor idade” que dominaram o mercado
voltado para vender as ilusões de “eterna juventude”, viagens, sonhos não realizado,
assim como o retorno ao trabalho voluntário e precarizado são formas que a
224
sociedade vem mostrando aos idosos, como se o envelhecimento fosse igual para
todos.
Envelhecimento
é
inerente
à
natureza
humana,
mas
os
efeitos
socioeconômicos, culturais, dentre outros, são bem mais perversos para a classe
trabalhadora.
Ao se sentir sem condições de ser o “velho ativo”, ou envelhecimento ativo
preconizado pela gerontologia, geriatria, entre outras disciplinas do ramo, o
trabalhador se culpa por seu estado físico-social deplorável. Sente agora que é um
“peso” sem valor social, pois não mais produz. Boa parte dos seus vencimentos são
gastos com a saúde, para manter-se vivo, outra parte mantém as famílias, não lhe
restando quase nada para viver a “melhor idade”, preconizada pelo mercado da
área. Se, por um lado, essas ações e programas melhoram as condições de vida
dos que podem pagar e ter acesso às ações, por outro, não são políticas universais
que chegam aos trabalhadores em geral.
Assim, o capitalismo, com as práticas temporais, espaciais e dos meios de
produção, no dizer de Teixeira (2006, p. 41), aloca e realoca o tempo de vida dos
trabalhadores, ou o tempo social, redefinido pelas necessidades reprodutivas
ampliadas do capital, seja enquanto tempo de trabalho, “tempo livre” ou tempo de
envelhecer.
O envelhecimento do trabalhador, enquanto tempo de vida associado aos
fatores sociais de desvalorização por não mais trabalhar, devido à pobreza, às
restrições físicas, econômicas, saúde e social, configuram parte dos problemas que
essa classe enfrenta na velhice.
Inclusive, hoje, com as restrições às políticas sociais, entre esses o da
proteção social, o envelhecimento do trabalhador e a longevidade de sua vida, é
vista como um dos agravantes do sistema previdenciário. Então, passam a ter cortes
nos salários e nos benefícios sociais, a exemplo da continuidade da contribuição
para a previdência, acima de determinados salários, a garantia de até 20 salários,
mesmo que sua contribuição seja feita em montante superior a esse valor.
São sempre os trabalhadores que pagam triplamente para ter os direitos
sociais com sua força de trabalho e contribuições na fonte dos salários, além dos
impostos direta ou indiretamente cobrados. No entanto, no envelhecimento, sentem
as dificuldades físicas, biológicas, afetivas e socioeconômicas para se manter de
forma digna, justa e humana, nessa etapa da vida.
225
Mas o mercado do capital está investindo nessa fatia, para mantê-los como
consumidores de bens materiais e financeiros. Assiste-se às constantes ofertas de
empréstimos, pelo sistema financeiro, aos aposentados pela previdência, garantia
líquida e certa de retorno. Muitos desses trabalhadores, aposentados, perdem quase
todo controle dos salários, ficando atados às amarras do sistema financeiro,
formando uma bola de neve de suas dívidas e empréstimos. Visualiza-se uma
relação perversa e desumana, numa verdadeira extorsão dos salários dos
trabalhadores.
Com o envelhecimento, não há que se isolar do convívio social nem do
consumo e manutenção dos bens materiais, conforme as necessidades sociais. O
que se está pontuando é o tratamento e as carências socioeconômicas, culturais e
biológicas da classe trabalhadora, nessa etapa da vida, em que o envelhecimento do
trabalhador é uma questão social presente em nossa sociedade, diferentemente do
envelhecimento da classe dominante.
Então,
se
a
classe
trabalhadora
envelhecida
tem
dificuldades
socioeconômicas, consequentemente, poderá também ter precárias condições de
saúde, agregadas aos determinantes biopsicológico e físico. Ou seja, há um
componente de classes que favorece ou dificulta as condições e a qualidade do
envelhecimento.
Não há uma teoria unívoca sobre o envelhecimento ou velhice, em nenhuma
das disciplinas e teorias na área, mas geralmente, na definição, há predominância
do aspecto biológico, pois o organismo/corpo físico sofre modificações visíveis, e
demonstra declínio na força, disposição e aparência, prevista na evolução dos seres
vivos. Não é sinal de invalidez, a não ser por motivos de envelhecimento por
doenças.
No entanto, apesar de um estado evolutivo da espécie, não obstante,
considerar um processo linear a todos os homens, independentemente das
condições sociais e objetivas a eles expostas. É pelo trabalho que a natureza se
transforma, transforma o homem e as relações sociais.
as circunstâncias socioeconômicas, e de forma nela determinadas, mais
ampla, a posição de classe, além dos fatores psicológicos, culturaisgenético-biológicas, criou distinções no modo como se envelhece, situações
que tornam o envelhecimento um fenômeno biopsicossocial (TEIXEIRA,
2006, p. 57).
226
Grande parte das doenças nessa faixa etária foi adquirida ou agravada pelas
condições de trabalho e de vida. A transformação do envelhecimento em problema
social, na análise de Teixeira (2006),
não está relacionada ao declínio biológico dos indivíduos, ou ao
crescimento demográfico, ao aumento por demandas por serviços públicos
devido às impossibilidades das famílias proverem os cuidados e proteção
social. Mas, sim, à vulnerabilidade em massa dos trabalhadores,
principalmente quando perdem o valor de uso para o capital, desprovido de
rendas de propriedades, dos meios de produção, de acesso à riqueza
socialmente produzida, capaz de proporcionar uma velhice digna (p. 58).
Para estabelecer as diferenças entre a velhice que vive à custa do seu
trabalho (pobre) e a que vive das rendas do capital (ricos), Teixeira (2006), por meio
dos estudos de Beauvoir, afirma que existem duas velhices: a explorada e a dos
exploradores:
Tanto ao longo da história como hoje em dia, a luta de classes determina a
maneira pela qual um homem é surpreendido pela velhice; um abismo
separa o velho escravo e o velho eupátrida, um antigo operário que vive de
pensão miserável e Onassis (p. 59).
Apesar de reconhecer as diferenciações das velhices individuais: genética,
física, mental, afetiva, familiar, trabalhista, dentre outros determinantes, a chave de
todos esses é a situação de classe. Mas são duas as categorias de velhos (uma
extremamente vasta, e outra reduzida a uma pequena minoria) que a oposição entre
exploradores e explorados cria. Qualquer afirmação que pretenda referir-se à velhice
em geral deve ser rejeitada, porque tende a mascarar esse hiato (TEIXEIRA, 2006).
Há um abismo entre a velhice pobre sem proteção social, parte da classe
trabalhadora com parcos salários e deficitários benefícios e política de proteção, e a
velhice rica e amparada pelas ações e projetos de especialistas no ramo, nos
diversos setores de moda, estética, turismo, clínicas, etc., da classe que detém o
capital. Até as relações com a família reproduzem-se em torno dos interesses
econômicos, que se produz pelo amparo, respeito e ao convívio social ou ao
abandono, desamparo e isolamento do convívio social.
Essa ambiguidade da velhice também está presente na perda das
capacidades para o trabalho, e no preconceito da incompetência comportamental
em decorrência dessa incapacidade, assim diz Lenoir (1998, apud TEIXEIRA, 2006):
227
A hierarquia das formas e graus de envelhecimento no campo das
profissões parece reproduzir a hierarquia social e respeitar, se podemos
falar assim, a hierarquia até mesmo no interior das empresas. É o que
ressalta de uma pesquisa na qual, segundo os empregadores, a mais
importante “deficiência” dos trabalhadores que estão envelhecendo é o
enfraquecimento das faculdades de adaptação às novas tarefas, métodos
ou técnicas, em seguida, é mencionada a “perda da ‘vivacidade intelectual’”,
da “habilidade” da “memória” e, em último lugar, a inaptidão para o
“comando”. Por outras palavras, isso significa que a diminuição, com a
idade, das qualidades julgadas necessárias pelos empregadores para o
exercício das diversas atividades profissionais ou, se preferirmos, a idade a
partir da qual as diferentes categorias começam a “envelhecer”, é mais
precoce para os membros das classes mais baixas: para os empresários, os
trabalhadores braçais são considerados 100% produtivos “somente até a
idade média de 51,4, os operários sem qualquer qualificação até 53,5, os
contramestres até 55,9, os executivos até 57,9, e nenhuma idade é fixada
para os empresários” (p. 60).
Embora esse estudo de Lenoir não trate da capacidade laboral dos serviços
públicos, pode-se estabelecer um comparativo com o trabalhos dos técnicos e
auxiliares de enfermagem no hospital público, em que a maioria das atividades é
eminentemente trabalho braçal, de esforço físico, de onde boa parte dos que se
aproximam dos 40/50 anos são afastados dos cuidados dos pacientes, nas clínicas,
por problemas de dores lombares, entre outros, pelo acúmulo e excesso do esforço
físico na labuta.
Outro elemento identificado no estudo de Lenoir, entre os servidores públicos,
naqueles que estão envelhecendo, diz respeito às novas tarefas, ao método, às
técnicas e tecnologias, que, como afirma a pesquisa, estão relacionadas ao
“enfraquecimento das faculdades”.
Assim como existe uma lógica hierárquica nas formas de envelhecimento, no
campo das profissões, que reproduz uma hierarquia social, e nas empresas, o
mesmo pode ser observado no serviço público. Aqueles que estão numa classe de
nível elementar (apoio), nas funções braçais, e no nível médio, que produz
manualmente, adoecem mais, e se aposentam tão logo completem seu tempo de
serviço. Os profissionais em sua maioria que exercem atividades intelectuais, os
hierarquicamente do nível superior, ficam mais tempo no serviço público, tanto que
chamam a aposentadoria compulsória de expulsória, como é o caso dos professores
universitários, entre outros profissionais.
Na empresa privada, não há limite de idade para os empresários, no Estado,
não há limite de idade para o exercício dos cargos políticos: vereadores, senadores,
228
deputados, governadores, prefeitos e presidente, ou seja, para a hierarquia do
poder, o envelhecimento não limita o exercício da alta hierarquia do poder político.
Mas, atualmente, com as reformas no estatuto que rege o serviço público, o
RJU, vislumbra-se o aumento da idade de 70 anos para a aposentadoria
compulsória. O trabalhador, após submeter-se a exames na perícia, se considerado
apto, poderá continuar a trabalhar, se assim o desejar.
Nesse processo hierárquico da capacidade laborativa pela idade verifica-se
mais uma vez que o envelhecimento decorre mais da diferença e das desigualdades
de classe, da posição que ocupa entre dominados e dominantes (os que mandam
e/ou detém capital) do que do conflito de gerações entre trabalhadores ativos e
inativos ou de uma visão romanceada da velhice.
Nessa perspectiva, o envelhecimento dá-se sob determinadas condições,
fruto do lugar que ocupa nas relações de produção e reprodução social. Não se
pode tratar a velhice na generalidade, mas como manifestação plural, em que sua
realidade social, as condições físicas, de vida e trabalho, têm sentidos e respostas
nas diferentes classes sociais a que pertençam.
Diante do exposto, a classe trabalhadora, especialmente o caso do servidor,
vem enfrentando as tentativas do Estado em romper/separá-los do conjunto dos
trabalhadores na ativa, fragmentando-os, uma vez que essa classe envelhecida é
hoje articuladora do movimento sindical.
Estão sempre atentos às manobras do governo relacionadas às perdas dos
direitos e garantias do conquistado anteriormente, que culmina em acréscimos
como: 13o salário, incentivo aos anos trabalhados, os quinquênios, etc. Assim como
pela luta de permanecer vinculada a instituição através de espaços, sala, para
atendimentos e atividades por eles definidos, e a permanência do recebimento dos
salários pela unidade pagadora, a Ufal.
O movimento sindical da Ufal, em sua fase atual, conta com essa classe de
trabalhadores aposentados, que tem uma coordenação de aposentados e
pensionistas, em todas as manifestações em busca de salários dignos, assistência à
saúde que os incluam; participação em projetos de educação, como Universidade
Aberta; entre outros, e as lutas comuns a todos, independentemente da idade e do
vínculo ativo ou inativo ao trabalho.
Mas essa nova sensibilidade, capaz de valorizar o ser humano, inclusive o ser
social que envelhece, como destaca Antunes (2009), só é verdadeiramente possível
229
por meio da demolição das barreiras existentes entre tempo de trabalho e de não
trabalho, impostos pela ordem do capital, com o fim da divisão hierárquica, que
subordina o trabalho ao capital, logo, em bases inteiramente novas e fundadoras de
uma
nova
sociabilidade,
capaz
de
gerar
atividade
vital
de
sentido
e
autodeterminada.
Enfim, o envelhecimento não é apenas resultado da natureza humana, mas
principalmente da exploração do capital, em busca de lucros. Expõe o trabalho
humano, vivo, às condições degradantes e subumanas, através de sobrecargas
física, horas de trabalho em excesso, condições precárias, relações de trabalho
precarizadas.
Uma nova sociabilidade não pode considerar apenas os critérios de idade e
do envelhecimento biológico, físico, mas as condições sociais e objetivas no
processo da velhice. O respeito às necessidades do idoso não apenas enquanto
consumidor de bens de consumo, mas em suas necessidades sociais e vitais de
sentir-se útil e ativo, no seu tempo, suas condições biológica, física, mental e social.
Reafirmamos a análise de Teixeira (2006) quanto ao reconhecimento do
processo de envelhecimentos, no plural, o da classe que detém o capital sem critério
de limites de idades para continuar suas atividades empresariais e explorador da
força de trabalho da classe trabalhadora, principalmente o trabalhador braçal; das
atividades de nível médio, do serviço público, como é o caso em estudo, que tem um
envelhecimento diferente, proveniente das condições socioeconômicas e da
submissão e exploração do trabalho, principalmente da força de trabalho feminina
com tripla jornada de trabalho e papéis não reconhecidos socialmente, conforme
indicam a invisibilidade das doenças e da condição feminina no trabalho.
Não
se
trata
de
endemonização
do
trabalho,
como
causador
do
envelhecimento e do sofrimento, mas das relações sociais postas pelo capitalismo,
que não contempla o lado humano de realização, criação do trabalho, que homem e
mulher sejam respeitados na sua totalidade, de realizador e idealizador de sua obra,
sentido humano, ao ver admirar o seu trabalho em todo o tempo de sua vida.
Tudo isso, agregado às condições de vida e às subjetivas, leva a um
envelhecimento precoce na ordem do capital e no Estado que reproduz a lógica,
embora de forma sutil, e amenas, na organização e nos processos de trabalho que
permanecem com os mesmos critérios do envelhecimento: a idade, tempo de
serviço associado à idade, e suas habilidades, também presentes no serviço público,
230
a exemplo dos programas de qualificação de pessoal que têm como um dos
principais critérios o tempo de serviço e a idade.
Caso o tempo de serviço, junto com a idade, implique o tempo de
aposentadoria, não há interesse da instituição em investir na capacitação do
servidor. A autodeterminação e o interesse do servidor em querer continuar
trabalhando é inerente aos critérios legais de idade e tempo de serviço. Reconhecese que existem abusos e interesses exclusivamente individuais, em detrimento do
retorno institucional em benefício do coletivo, e que acontecem independentemente
do critério de idade. O critério de capacitação hoje adotado nas instituições de
ensino superior contempla o interesse individual do servidor e o da instituição.
4.7.2. A feminização da força de trabalho na saúde
Pode-se afirmar que na área da saúde, independentemente de ser do setor
público ou privado, predomina a atuação feminina, principalmente na corporação da
enfermagem e, historicamente, por seus traços de submissão, entre outros. Posto
isso, verifica-se o que diz Carloto (2000) nos estudos sobre a saúde da trabalhadora
e as dificuldades do sistema previdenciário e das políticas de saúde do trabalhador
em reconhecer as doenças e os sofrimentos da mulher trabalhadora.
A feminização da força de trabalho é tida como um dos fenômenos
encontrados nos últimos censos da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). No levantamento de 2010, constata-se um significativo número
de mulheres trabalhadoras, no Brasil, e verifica-se, no serviço público em geral, o
equivalente a 64,1% de mulheres, e que se confirma também Alagoas, onde têm-se
o maior número de mulheres chefes de família.
Nas áreas de saúde e educação, em que se concentra o maior número de
trabalhadoras no serviço público, historicamente voltadas ao ensino da população e
os cuidados de saúde, as tarefas sempre foram realizadas pelas mulheres, antes de
entrarem no mercado de trabalho, com a revolução industrial, acrescidas das
atividades de benemerência com idosos, órfãos,
pobres e desamparados. As
atividades de donas de casa, de administração do lar e cuidados com a família,
ainda hoje não são reconhecidas como trabalho vivo e não pago.
231
O acúmulo das atividades laborativas da mulher trabalhadora por vezes não é
considerado nas avaliações da saúde da trabalhadora, por falta de uma nova
sensibilidade humana social, que torne visíveis as condições de vida e trabalho da
mulher, historicamente submissa.
Segundo Carloto (2000), por razões de ordem econômica e por discriminação
contra as mulheres, as suas queixas referentes à saúde não são vistas como
relacionadas ao trabalho. Ao procurar os serviços de saúde das empresas, do
serviço público, dos convênios e dos grupos de medicina privada, são tratadas como
muito queixosas e a tendência é menosprezar as queixas e não relacioná-las com o
trabalho que realizam.
Independentemente do serviço de saúde ser público ou privado, o não
reconhecimento dos determinantes sociais, como o trabalho de casa realizado antes
do início e após o retorno das atividades na empresa público-privada, o tempo de
deslocamento, as necessidades de realizar outras tarefas, como deixar os filhos na
escola, ir ao médico, etc., não são reconhecidos na análise das condições de saúde
da trabalhadora, uma vez que esses determinantes socioeconômicos são condições
para a concretização do trabalho na empresa, não há como suspendê-lo, pois são
condições subjetivas e objetivas da mulher trabalhadora.
A literatura médica e a legislação persistem, no dizer de Carloto (2000),
concentradas nas atividades ocupacionais, que associa problemas de saúde no
trabalho a acidentes que provocam mutilação e mortes. As doenças só são
reconhecidas como relacionadas ao trabalho quando provocam eventos dramáticos
(mortes e sequelas que incapacitam totalmente para as atividades) ou quando se
tornam epidemias, como é o caso das Lesões por Esforços Repetitivos (LER). É
importante destacar que o trabalho doméstico não é considerado trabalho, portanto,
o desgaste que as atividades provocam é associado a fatores puramente biológicos.
O que se observa é a persistência do olhar da Saúde Ocupacional na análise
e atuação da saúde do trabalhador, o que, mais uma vez, comprova a necessidade
da visibilidade da dimensão social, que se constitui de trabalho/sujeitos,
doenças/riscos. Sem considerar as condições sociais postas nesse contexto, os
desgastes sempre estarão relacionados aos aspectos biológicos e ao aumento de
trabalho, limitado pela visão da medicina e da legislação fragmentada.
O processo relacionado à saúde da mulher trabalhadora na sua atividade
produtiva, não visível e tratado como doença de mulheres, ou seja, sem nexo com a
232
organização do trabalho, no dizer de Carloto (2000, p. 2), parece duplamente
agravado pela conjunção da precariedade do emprego que as exigências das
empresas impõem às assalariadas, com as formas recentes de intensificação do
trabalho impostas pelas novas tecnologias e processos produtivos.
As reestruturações produtivas e as mudanças no mercado de trabalho e sua
organização, no contexto da globalização da economia, pautada no modelo
neoliberal, que reduz a políticas sociais que oferecem suporte social e condições
para a mulher trabalhadora são pouco analisadas do ponto de vista de gênero.
Entretanto, mostra Carloto (2000, p. 2) que os impactos das reestruturações
produtivas sobre o emprego, a atividade profissional, as condições de trabalho e a
saúde sofrem variações segundo o sexo e a mão de obra. Há que considerar as
diferenças desses ajustes entre os países do Norte e Sul, assim como as diferenças
regionais, locais e institucionais. É importante lembrar que estamos falando da
mulher da classe trabalhadora que tem tripla jornada, dentro e fora do local de
trabalho, com condições estruturais e sociais que provocam alterações na saúde e
vida.
A espécie animal, inclusive a humana, é composta de dois gêneros: o macho
e a fêmea, que garantem a reprodução da espécie biológica, e socialmente produz
as relações nos mais diversos âmbitos da vida econômica, cultural, espiritual, e do
trabalho, entre outros. Carloto (2000, p. 7) afirma que cada gênero representa uma
particular contribuição para a produção e reprodução da existência e do modo de
produção, que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento de suas
forças produtivas materiais.
O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da
sociedade, a base real, sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e
política à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência
(MARX, 1982 apud CARLOTO, 2000).
Não é a consciência dos homens que determina a realidade; ao contrário, a
realidade social é que determina sua consciência.
A questão de gênero é uma manifestação societária que, desde os
primórdios, estabelece uma relação de dominação sobre os diferentes, expressa na
divisão de responsabilidades na produção social da existência humana. Assim, cria
atribuições e responsabilidades alheias às necessidades e à vontade dos seres
233
humanos, pautadas em critérios, nessa divisão, que são sexistas, racistas e
classistas.
A construção de gêneros dá-se através da dinâmica das relações sociais e
humanas, e só se constroem como tal em relação com o outro. Cada ser humano é
a história de suas relações sociais, perpassadas por antagonismo e contradições de
gênero, raça, etnia e classe social.
Logo, a tentativa de naturalizar a mulher como um ser dócil, de não
contestadora. Submissa, portanto um ser subalterno, subordinado sempre às ordens
do outro, não corresponde com a realidade social, ou seja, é resultado das relações
sociais construídas em determinada sociedade na qual se estabelecem estereótipos
com bases biológicas e sociais, que reproduzem preconceitos de gêneros,
apoiando-se, sobretudo, na determinação biológica. As diferenças biológicas
transformam-se em desigualdades sociais, que toma a aparência de naturalidade.
Assim, esses estereótipos são levados para as relações sociais de trabalho,
onde são estudados cargos e funções típicas dos gêneros. Essas imposições de
papéis e normas vividas com conflitos e resistências no enfrentamento para superar
esse limite imposto, muitas vezes são expressadas pela violência doméstica, sexual,
no trânsito, com xingamentos e atitudes agressivas, e no trabalho.
Essa diferença de gênero carregada de poder sobre o outro, permanece
ainda hoje com a hegemonia do homem (masculino). Considerando as devidas
proporcionalidades, alteram-se os níveis dessa supremacia, que vem despencando
lentamente, mas ainda detém um elevado grau de poder em relação ao outro gênero
(feminino).
No último censo do IBGE, realizado em 2010 no Brasil, a mulher teve um
crescimento salarial, mas, apesar do crescimento da mão de obra feminina, na
produção social da riqueza, os salários dos homens continuam mais altos, com uma
diferença de 28%.
Sobre a relação de classe, gênero e raça, argumenta Carloto (2000, p. 12),
que existe uma simbiose entre patriarcado e capitalismo e acrescenta também o
racismo. O patriarcado, assim como o racismo, constituem antigas formas de
legitimação da discriminação social, integradas no capitalismo, e que, a partir dessa
simbiose, são estabelecidas formas de dominação/exploração mais intensa sobre as
mulheres.
234
Para Marx, a utilização no trabalho da força feminina, pelo capitalismo, foi
motivada pela introdução da maquinaria, que permitia o uso de trabalhadores com
pouca força muscular. O olhar sobre o trabalho das mulheres como seres indefesos,
e com pouca capacidade laborativa, faz com que os capitalistas diminuam o valor de
sua mão de obra, reduzindo o valor de seus salários em relação aos dos homens
adultos.
Diz Marx (1982): “Antes o trabalhador vendia o trabalho do qual dispunha
formalmente como pessoa livre. Agora, vende mulher e filhos. Torna-se traficante de
escravos” (apud Carloto, 2000, p. 12).
A exploração da mulher sempre foi maior do que a dos homens; desde o
começo do capital, além de ser explorada pelo capitalista, é também pelo marido,
que a vende como força de trabalho de sua propriedade, assim como os filhos que
trabalhavam. As relações sociais de gênero são mais espoliadas e degradantes para
as mulheres, no trabalho, porque a libera em parte dos afazeres caseiros, o que
provoca aumento das doenças e cuidados precários com as crianças,
situação
comum até hoje entre as mulheres das classes trabalhadoras mais baixas, e
condizente com o trabalho manual.
O conteúdo classista da questão de gênero está posto logo no início do
capitalismo industrial, quando os capitalistas excluíram suas mulheres do trabalho
produtivo, mas não dispensaram as mulheres dos trabalhadores. Essa relação de
dominação do trabalho feminino subalternizado à vontade e permissão do marido e
do patrão reforça as diferenças de exploração e seus efeitos mais perversos para a
trabalhadora.
Carloto (2000, p. 20), com base nos estudos de Safiotti (1999), analisa a
questão inicial da mão de obra feminina incorporada pelo capitalismo industrial, em
busca de produção e lucros desenfreados, numa relação selvagem com a produção
humana em ritmos acelerados pela maquinaria.
O primeiro contingente feminino que o capitalista maquinaliza do sistema
produtivo é constituído pelas esposas dos prósperos membros da burguesia
ascendente. A sociedade não prescinde, entretanto, do trabalho das
mulheres das camadas inferiores. Muito pelo contrário, a inferiorização de
que tinha sido alvo a mulher do século XX vai oferecer o aproveitamento de
imensas massas femininas no trabalho industrial. As desvantagens sociais
que gozavam os elementos do sexo feminino permitiam à sociedade
capitalista em formação arrancar das mulheres o máximo de mais valia
absoluta através simultaneamente, da intensificação do trabalho, da
extensão da jornada de trabalho e de salário mais baixos que os
masculinos, uma vez que o processo de acumulação rápida de capital era
235
insuficiente a mais valia relativa obtida através do emprego da tecnologia de
então. A máquina já havia sem dúvida, elevado a produtividade do trabalho
humano, não entanto, a ponto de saciar a sede de enriquecimento da classe
burguesa (SAFIOTTI, 1979 apud CARLOTO, 2000, p. 20).
Com as mudanças no processo produtivo do capitalismo, o trabalho sofre
alterações que levam à divisão social de tarefas e de mercado, e vão desenhando a
divisão sexual que o caracteriza. Mas não apenas como resultado dessa
distribuição, como nos mostra Carloto (2000, p. 23), a divisão sexual do trabalho
assume formas conjunturais e históricas, construídas como prática social, ora
conservando tradições que ordenam tarefas masculinas e femininas na indústria, ora
criando modalidades da divisão sexual das tarefas. A subordinação de gênero, a
assimetria nas relações de trabalho masculinas e femininas, manifestam-se não
apenas na divisão de tarefas, mas nos critérios que definem a qualificação das
tarefas, nos salários, na disciplina do trabalho. A divisão sexual não é somente
consequência da distribuição do trabalho por ramos ou setores de atividades,
também o princípio organizador da desigualdade no trabalho.
No interior do Estado, essas desigualdades na organização do trabalho
também são reproduzidas. Aparentemente, são mantidas iguais as relações entre os
dois sexos, masculino e feminino, assim como as tarefas, os salários, entre outros
critérios. Mas os mecanismos e instrumentos administrativos acabam adotando na
seleção das atividades do cotidiano pelo sexo, por exemplo, o atendimento ao
público dos setores sempre são tarefas de servidores femininos, os homens não se
sujeitam facilmente às relações de subordinação aos chefes sem contestá-las, e
percebe-se nas mulheres entrevistadas, auxiliares e técnicas de enfermagem, que
apesar da maioria da força de trabalho ser feminina, o poder da gestão concentra-se
nas mãos masculinas.
Não se trata de estabelecer uma relação de confronto entre as classes
trabalhadoras feminina e masculina, mas de um tratamento entre iguais,
respeitando-se as diferenças e habilidades, não em detrimento do sexo (CARLOTO,
2000, p. 23).
A divisão sexual do trabalho é um processo que não se resume a alocar
homens e mulheres em estruturas ocupacionais, com perfis de qualificação e tipos
de postos de trabalho já definidos. Da mesma maneira, a qualificação é uma
construção social fortemente sexuada, marcada pelos gêneros, e uma dimensão
236
fundamental do processo de constituição das categorias que vão estruturar a
definição dos postos de trabalho e perfis de qualificação e competências a eles
associados.
Enquanto resultado de uma construção social, a divisão sexual do trabalho e
os critérios de qualificação e perfis para o trabalho podem perpetuar formas de
seleção entre os sexos naturalizando-os e ocultando as relações sociais de trabalho
estabelecidas. A relação de trabalho como prática social traz embutida uma relação
de poder entre os sexos. Por isso mesmo a definição de qualificações, carreiras,
promoções não só é diferente para homens e mulheres, como resulta, em cada
situação concreta, das relações de forças. Não há neutralidade no processo de
escolha entre um trabalhador ou uma trabalhadora.
No cenário brasileiro, as transformações societárias com a expansão do
parque industrial no século 20, consolidando-se como País industrializado e
moderno, provocou mudanças no quadro social, agravando a questão social naquela
conjuntura com baixos salários, alta concentração de renda, assim como
provocando o desemprego, restritas proteção social no trabalho e formas
alternativas de trabalho, sem cobertura legal.
Para as trabalhadoras, as transformações importantes foram o aumento do
mercado para mulheres, principalmente na região urbana e sua permanência nesse
mercado, apesar da forte crise que marcou os anos 80. Mas, no dizer de Hirata
(1997 apud CARLOTO, 2000, p. 31) “o forte aumento da área de atividade feminina
no Brasil, coincide com o importante aumento da precariedade do emprego no
mesmo período”. Aliados a essas alterações econômicas no sistema capitalista,
entra em crise essa forma de produção industrializada, passando para a fase de
automatização da tecnologia robotizada, etc.
Outra característica da divisão sexual do trabalho envolve as questões
ocupacionais que mantêm a concentração dos trabalhadores em determinados
setores, profissões, atividades do trabalho público-privado, e que se expandiram,
apesar da crise econômica, como é o caso do setor terciário, da prestação de
serviços, onde se encontram alguns dos empregos de mais baixos “prestígio” e
remuneração. Assim nos diz Carloto (2000):
Segundo setor de atividade, as mulheres estão concentradas na prestação
de serviços, no setor social, na agricultura, no comércio, na indústria, outro
setor em expansão, marcado pela presença de mulheres foi o emprego
público, incluindo as atividades de previdência, ensino e saúde (p. 33).
237
A permanência das mulheres em nichos setoriais vem a partir dos anos
1970/1980, com as lutas dos movimentos feministas e, nos anos 1990 e início deste
século, com os movimentos pelas diversidades sexuais, gays, lésbicas, entre outros,
alterando, mesmo com crescimento tímido, esses guetos/nichos ocupacionais da
mulher, apesar de os homens continuarem recebendo maiores salários e ocupando
cargos de direção/chefia. Outro fator é o nível de escolaridade das mulheres que
vêm aumentando, na formação profissional. O Estado incentiva, através de
instrumentos legais, o aumento da participação de mulheres na gestão e na política:
A permanência da mulher em questões ocupacionais, apesar de uma
crescente participação em funções e setores antes pouco acessíveis, são
produto da socialização para os chamados papéis femininos que se
reproduzem na família, escola, meios de comunicação e que buscam
orientar as escolhas das ocupações próprias para as mulheres e o próprio
limite colocado para as mulheres ao tentar conciliar profissão e trabalho
doméstico (CARLOTO, 2000, p. 34).
A divisão sexual do trabalho e suas formas de submissão e discriminação não
é característica apenas das sociedades capitalistas, mas, com a lógica da
exploração da mão de obra desse sistema, as mulheres trabalhadoras sofrem muito
mais exploração do que os homens, pois têm salários baixos, e são
hierarquicamente, em sua maioria, subordinadas aos homens.
Assim como o envelhecimento tem consequências nas precárias condições
sociais de vida para a classe trabalhadora, a questão da mulher dessa classe
também apresenta problemas sociais advindos de sua condição de mulher,
principalmente na política de saúde da trabalhadora, em que pode ocorrer a
invisibilidade do seu adoecimento.
É preciso tomar cuidado com a relação que se faz entre dupla jornada das
mulheres e seu processo de adoecimento. A dupla jornada contribui, pela
sobrecarga de trabalho, para o agravamento das doenças, mas estas
surgem, fundamentalmente, em razão das condições de trabalho. Há
inúmeros casos de LER entre mulheres que não possuem afazeres
domésticos. Há exemplos de homens que adquirem LER quando
submetidos às mesmas condições de trabalho que provocaram LER em
mulheres (CARLOTO, 2000, p. 150).
Concomitantemente à ideia da dupla jornada, que provoca sobrecarga e o
adoecimento, tornando invisíveis os processos e as condições de trabalho a elas
apostas, está a culpabilização da trabalhadora por seu adoecimento, tendo como
238
causa suas atividades domésticas, se não o fosse, não teria adoecido, assim como
a ideia da natureza do trabalho feminino, adequada ao seu biotipo.
Essa análise, totalmente com base na medicina ocupacional, descarta os
aspectos sociais, organizacionais e políticos que ampliam a análise da saúde da
trabalhadora em sua dimensão social. Ao ser encaminhada a uma avaliação de
saúde e não ser reconhecida como doença relacionada ao trabalho, após passar por
todo tipo de espoliação física, mental e social, pode ser desencadeado um processo
de sofrimento físico-mental-social, entre outros, conforme será demonstrado, em que
o trabalho e a organização podem produzir sofrimento social, assim como nas
condições de vida que reproduzem.
4.7.3. Sofrimento Social do Trabalhador Público na Saúde
Motivos determinantes para classificar como social o sofrimento sentido pelos
entrevistados foram as queixas provenientes do esforço físico com os cuidados aos
pacientes; a relação de afetividade que desenvolvem com os pacientes, gerando
sofrimento psíquico quando da perda por morte, invalidez; ou pela própria dor
sentida pelos pacientes que estão sob seus cuidados.
Além desses, existe o sofrimento ético-político a que são submetidos os
trabalhadores nas relações e condições de trabalho que provocam uma sensação de
impotência profissional diante da realidade social da instituição. Nogueira, M. (2009)
denomina de sofrimento institucional o proveniente da instabilidade da crise
econômica global, que desestabiliza as empresas/instituições gerando um ambiente
tenso e incertezas quanto ao futuro daquela instituição, o que rebate no pessoal que
trabalha, ao significar desemprego, perdas de direitos sociais, sucateamento e
supressão de serviços, alterações nas relações sociais de trabalho, etc.
Agregue-se a esses, o sofrimento dos trabalhadores pela reprodução em sua
vida dos valores do homem burguês, que predomina em nossa sociedade de
consumo. Motivado pelas ideias do capital, que incentiva a economia a crescer no
enfrentamento à crise e na manutenção dos lucros, o trabalhador vende até sua
saúde, para depois comprá-la em produtos farmacêuticos, planos de saúde, etc.
Muitos entrevistados, mesmo que tenham completado o seu tempo para a
239
aposentadoria permanecem no trabalho para atingir seus objetivos de consumo,
entre outros, como continuar ajudando na manutenção da família, dos filhos e netos.
Entre todos esses aspectos do sofrimento identificados nesta pesquisa, ficou
clara a dimensão sociopolítica do sentimento que envolve a sociedade brasileira e
mundial, principalmente a classe trabalhadora. A pressão social que vivencia no seu
cotidiano e trabalho, pode levá-los ao sofrimento psíquico, a desenvolver transtornos
mentais, sendo, hoje, uma das causas de afastamento do trabalho e de
aposentadorias precoces no serviço público especificamente em estudo.
A título introdutório sobre o sofrimento provocado em nossa sociedade
burguesa, de consumo desenfreado, fetichizado, e que reproduz esses valores
através da escola, artes, religião, mídia e nas relações de trabalho e saúde, Konder
(2000) apresenta o tipo humano que ele produz, em benefício do sistema burguês:
Expliquemo-nos: uma coisa é o burguês, o proprietário dos grandes meios
de produção, o empresário, o banqueiro, o grande comerciante. Outra coisa
é o “tipo humano” que a burguesia, no exercício de sua hegemonia, permite
que se desenvolva na sociedade.
Não se trata de uma “modelagem” do burguês feita pela burguesia
(fenômeno que de fato existe, mas permanece restrito ao espaço da
classe): trata-se de um condicionamento promovido, não pela burguesia,
diretamente, mas pelo conjunto da sociedade burguesa, que dizer, pelas
características do “sistema” social estruturado sob a hegemonia da
burguesia (p. 15).
O homem recebe influência da forma como se estrutura a sociedade. Somos
motivados e reprodutores da ideologia da classe dominante, e hegemonicamente
guiados pela burguesia e seus canais produtores dos seus interesses.
O comportamento do burguês, para Konder (2000, p. 15), como tal,
corresponde de maneira mais ou menos direta aos grandes interesses de sua
propriedade; já os movimentos do homem burguês, como “tipo humano”,
apresentam enorme diversidade, uma riqueza bem mais surpreendente de
contradições.
À medida que a sociedade capitalista fragmenta o mercado de trabalho e as
políticas sociais, consequentemente, ao dividi-los, o faz também com os
trabalhadores, que reproduzem em sua forma organizativa sindical, muitas vezes
presentes numa instituição, a exemplo das universidades, onde existem duas
carreiras: docentes e técnicos administrativos; dois sindicatos: dos docentes, Adufal,
e dos técnicos, Sintufal. Acrescentem-se os sindicatos dos trabalhadores celetistas,
240
e os seus vínculos empregatícios precarizados. Essa diversidade contribui para
desmobilizar a classe trabalhadora, e os interesses comuns de todos por uma vida e
trabalho dignos.
Para Konder (2000, p. 109), ao longo do século 20, ficou claro que o homem
burguês sofre com as consequências perversas do individualismo, da pulverização
gerada pela competição generalizada, mas aprendeu a apreciar vivamente sua
autonomia individual. Nenhum de nós, conscientemente, se dispõe a abrir mão da
independência pessoal.
Konder (2000, p. 109) nos convida a refletir, a pensar em como poderão vir a
incentivar (os socialistas) meios de assegurar essa independência do processo de
construção de uma comunidade “não burguesa”. Essa combinação de liberdade
individual assegurada e a dimensão comunitária fortalecida se apresentam, hoje,
como um desafio que não estava posto para os socialistas do passado.
E traz essa reflexão para os atuais movimentos sindicais, que se colocam
como desafios reinventar meios de mobilizar o coletivo dos trabalhadores
empregados e desempregados em prol de garantia de direitos, sem perder os
interesses coletivos e as subjetividades em questão.
Entre os sofrimentos do homem burguês reproduzidos na sociedade neste
século está o consumismo que, por vezes, é tido como sinônimo de prazer: “se não
estou bem, vou às compras”, se não posso comprar, culpabilizo o mal-estar, a falta
do dinheiro. Essa reflexão sobre a relação com o consumo está presente em cada
sujeito, nas devidas proporcionalidades. Não se trata de proibir o consumo,
determinar valor, etc., mas o uso indistinto e sem controle do homem, podendo
chegar ao extremo da compulsividade, como nos adverte Konder, não é uma
questão moral.
Não tem sentido cedermos à tentação moralista de uma inócua declaração de
guerra ao consumo. Todos nós consumimos e o consumo pode nos trazer
momentos de alegria perfeitamente legítimos. O problema é outro. A distorção do
consumismo está em passar a consumir para viver; ao viver para consumir.
Enquanto uma nova ordem societária não se viabilizar, será sempre
necessário que o homem burguês se debruce, com espírito cada vez mais
autocrítico, sobre si mesmo, examinando as contradições com que se defronta com
seus valores ético-políticos.
241
Mas nos mostra Sawaia (2002, p. 102) o sofrimento ético-político produzido
nos sujeitos que têm como origem as injustiças sociais: o sofrimento é a dor
mediada pelas injustiças sociais. É o sofrimento de estar submetido à fome e à
opressão, e pode não ser sentido como dor por todos. É experimentado como dor,
apenas por quem vive a situação de exclusão ou por seres humanos genéricos e
pelos santos, quando todos deveriam estar sentindo-o, para que se implicassem
com a causa da humanidade.
Os sofrimentos advindos da fome, opressão, do fracasso, geram vergonha e
culpa nos sujeitos por eles acometidos. Por serem sociais, as emoções são
fenômenos históricos, cujo conteúdo e qualidade estão sempre em constituição.
Cada momento histórico prioriza uma ou mais emoções como estratégia de controle
e coerção social.
O sofrimento ético-político reproduz-se também no ambiente do trabalho,
nas formas adotadas pelas avaliações de desempenho e nas avaliações de
saúde do trabalhador com foco nos desafios de conduta no trabalho, riscos
nos ambientes, culpabilizando-os pelos erros e fracassos e no seu
adoecimento. Os processos organizativos de trabalho não são avaliados em
sua totalidade, é mais fácil delegar a culpa para quem executa, ou seja,
verificar os aspectos ético-políticos abrange as múltiplas afecções do corpo
e da alma que mutilam a vida de diferentes formas. Qualifica-se pela
maneira como sou tratada e trato o outro na intersubjetividade, face a face
ou anônima, cuja dinâmica, conteúdo e qualidade são determinados pela
organização social (SAWAIA, 2002, p. 104).
Enquanto processo histórico, o sofrimento ético-político é construído em
determinadas organizações sociais que reproduzem as relações sociais dominantes
naquela época. Portanto, não é estático, a-histórico e neutro, pois nele está contida
uma ideologia de manutenção da ordem vigente: a dor que surge da situação social
de ser visto como inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade
(SAWAIA, 2002, p.104).
O sofrimento, sob a ótica de Sawaia, revela a tonalidade ética da vivência
cotidiana da desigualdade social, da negação imposta socialmente às possibilidades
da maioria apropriar-se da produção material, cultural e social de sua época, de se
movimentar no espaço público e de expressar desejo e afeto.
Desejo este expresso no cotidiano do trabalho como reconhecimento do
trabalho bem feito, que poderá ser em forma de elogio, pela chefia, pelos colegas, e
o próprio paciente por ele cuidado, pois, no serviço público, nem sempre é possível
242
ter outros mecanismos de reconhecimento. Os erros e defeitos são expressos, mas
faltam espaços de revelar a humanidade do trabalho através de quem o fez.
Os sofrimentos gerados em torno do trabalho e nos ambientes onde se
organizam e efetuam a atividade humana, necessitam ser visibilizados, analisados e
enfrentados no cotidiano para que não venham a afetar o corpo e a mente humana,
gerando as doenças psíquicas causadas pelo sofrimento no trabalho, como nos
coloca Dejours (1994):
Sofrimentos que emerge quando todas as possibilidades de adaptação ou
de ajustamento à organização do trabalho pelo sujeito para colocá-la em
concordância com seu desejo, foram utilizadas, e a relação subjetiva com a
organização do trabalho está bloqueada (p. 127).
Em sua investigação sobre o sofrimento na psicodinâmica do trabalho Dejours
1994) analisa seu conteúdo, suas formas, seu significado e seus processos
defensores, focalizando-o na relação do trabalhador com a organização do trabalho,
dando ênfase ao coletivo e não à individualização do caso a caso. Em seus estudos
é utilizada a escuta do sofrimento psíquico dos trabalhadores, a partir de suas
vivências da dor e do prazer ocasionadas nos ambientes do trabalho.
A tentativa da classe dominante e seus adeptos teórico-ideológicos na defesa
de que o sofrimento no trabalho está amenizado e quase que eliminado com o
advento da tecnologia e de autorrobotização do maquinário, são recorrentes, hoje,
nas organizações, para torná-lo invisível.
Querer nos fazer acreditar espontaneamente que o sofrimento no trabalho
foi bastante atenuado ou mesmo completamente eliminado pela
mecanização e a robotização que teriam abolido as tarefas de manutenção
e a relação direta com a matéria que caracterizam as atividades industriais.
Quem dentre as pessoas comuns não é capaz de evocar as imagens de
uma reportagem de televisão ou a lembrança de uma visita guiada a uma
fábrica de aspecto asseado, new look? (DEJOURS, 2006, p. 25)
O mesmo cenário quando visualizamos a imagem dos ambientes hospitalares
privado, com maior investimento tecnológico, e o público, com menos recursos
automatizados. Por trás da vitrina, há o sofrimento dos que trabalham, dos que
assumem inúmeras tarefas arriscadas para a saúde, em condições pouco diferentes
daquelas de antigamente e por vezes agravadas por frequentes infrações das leis
trabalhistas: seja em indústrias ou em escritórios, hospitais, trens, aviões, etc.
Um dos traços característicos da tecnologia incorporada nos hospitais é que
não eliminou os trabalhos manuais, como é o caso do corpo de enfermagem, além
243
de permanecer o sofrimento físico, emocional, revelam os sofrimentos e riscos
advindos do uso da tecnologia que exige um profissional mais ágil, atento e rápido,
entre outros elementos, como: “Há o sofrimento dos que temem não satisfazer, não
estar à altura das imposições da organização do trabalho” (Dejours, 2008, p. 29):
imposições de horário, de ritmo, de formação, de informação, de aprendizagem, de
nível de instrução e de diploma, de experiências, de rapidez de aquisição de
conhecimentos teóricos e práticos, e de adaptação à “cultura” ou à ideologia da
empresa, às exigências do mercado, às relações com os clientes, os particulares, ou
os públicos.
Não se trata de satirizar as organizações sociais do trabalho, as particulares
ou públicas, mas dar visibilidades aos sentimentos de dor e prazer nas relações de
trabalho e de que forma esses sentimentos podem trazer prejuízos à saúde do
trabalhador. Dejours (2008) diz que: “Negar ou desprezar as subjetividades e a
afetividade é nada menos que negar ou desprezar no homem o que é sua
humanidade, é negar a própria vida” (p. 29).
A negação do sofrimento no trabalho, ou pela falta dele, questão tão presente
no início deste século, com o desemprego, mundialmente falando, ou pelas formas
de precarização das relações e condições de trabalho, mostra-nos o autor que este
também foi negligenciado pelos movimentos sindicais, antes mesmo de eclodir a
crise do emprego:
A questão do sofrimento no trabalho e, de modo mais geral, das relações
entre subjetividade e trabalho foi negligenciada pelas organizações sociais
muito antes de eclodir a crise do emprego... agora a saúde do corpo, as
preocupações relativas a saúde mental, ao sofrimento psíquico no trabalho,
ao medo da alienação, à crise do sentido do trabalho não só deixaram de
ser analisadas e compreendidas como também foram frequentemente
rejeitadas e desqualificadas (DEJOURS, 2006, p. 39).
A literatura e a análise sobre a saúde nos mostram o sofrimento no trabalho e
na saúde, e que o sistema de humanização das relações estabelecidas com os
pacientes e os trabalhadores da saúde do SUS, o Humaniza-SUS, propõe trabalhar
essas relações de sofrimento. Espera-se que não fique apenas como uma carta de
intenções, princípios e valores ético-políticos e que não escamoteiem a realidade
social, onde continuam trabalhando no limite da precarização das condições de
trabalho. O mesmo propõe a política de saúde do servidor, a humanização das
relações do trabalho. Não bastam ações de relaxamento, terapias, psicoterapia, se o
244
que está por trás dessa situação não são atacadas, ou seja, as condições precárias
do trabalho.
A proposta de atenção à saúde do servidor público apresenta dois programas
no enfrentamento à questão de saúde referente aos sofrimentos: o programa para
LER/Dort, doenças provenientes do esforço físico que provocam as lesões
osteomusculares, e o programa de saúde mental, para os que apresentam sintomas
desmotivacionais e os transtornos mentais, que têm contribuído para o adoecimento
e o sofrimento social dos trabalhadores.
Observa-se, hoje, uma tendência de tratar essas questões com a
medicalização, o que, segundo Dejours, é uma das formas de camuflar os
problemas sociais causados pelos processos de trabalho estabelecidos no modo de
produção, tornando-os invisíveis.
A organização do trabalho é, indubitavelmente, a causa de certas
descompensações, por exemplo, as decorrentes do aumento dos ritmos de trabalho.
Numa indústria eletrônica, foi verificado que a aceleração dos tempos e a exigência
de desempenhos produtivos crescentes conduziram a descompensações rápidas
que se desencadearam como epidemias. O pessoal, basicamente feminino,
descompensa em crises de choro, dos nervos e desmaios, que atingem, como uma
doença contagiosa, toda a seção de trabalho (DEJOURS, 2008, p. 120).
É interessante observar a situação citada por Dejours, pois são trabalhadoras
e a forma coletiva de vivência do sofrimento feminino, derivado da fadiga
proveniente do ritmo, da pressão, da natureza do trabalho. No caso em estudo, o
cuidar da dor/morte do outro, nos hospitais ou postos de saúde, pode levar a crises
nervosas.
Um quadro habitual, que surge no atendimento médico, é o das crises
nervosas, cujas raízes laborais raramente são identificadas, ou relevadas pelos
profissionais que os atendem, não provocando as mudanças possivelmente
necessárias na organização e relações do trabalho, levando ao conhecimento de
responsáveis, através de relatórios e estudos que não individualizassem as
situações, culpabilizando-os.
Essas crises são frequentemente encaradas como algo inerente a um
“nervosismo natural das mulheres”, portanto a uma “inferioridade nervosa”
própria do sexo feminino. A exploração desse nervosismo por certas chefias
pode ser constatada na pesquisa sobre bancários realizada em São Paulo
[...] as funcionárias consideradas “nervosas” recebiam maior volume de
245
trabalho e eram alvos de maiores exigências [...] o rótulo do nervosismo
isentava as chefias de culpa, quando da ocorrência de novas crises de
choro (SELIGMANN-SILVA, 2011, p. 227).
Ainda nos chama a atenção, Seligmann-Silva, para o preconceito que sofrem
“os nervosos”, “os acidentados” e “os adoecidos”, como um fator de desvalorização
e desqualificação desses trabalhadores.
A frustração, o rebaixamento da autoestima e muitas vezes as autoacusações pela precariedade em que se encontra, podem levar o
trabalhador explorado à revolta, ao desespero ou à procura de
compensação em bebidas alcoólicas ou drogas euforizantes (SELIGMANNSILVA, 2011, p. 231).
Na visão da autora, os movimentos sociais movidos pelos sentimentos de
indignação e revolta das populações e minorias excluídas do acesso ao trabalho
digno ou mesmo a qualquer tipo de trabalho já se estendeu a muitos países, com
visível expansão ao longo da crise econômica internacional.
A minoria a que se refere a autora vem se ampliando, inclusive ao serviço
público, através das relações de contratos precarizados de trabalho encontrados nos
hospitais públicos em geral.
Nesse sentido, Seligmann-Silva diz que a doença que se instalou na
sociedade contemporânea é o gerencialismo, gestão contemporânea que se tornou
uma epidemia, no setor público, e que está repercutindo na degradação da
sociabilidade e no adoecimento dos funcionários. O meio de conquistar o máximo de
vantagens e o aproveitamento máximo do mínimo de recursos financeiros e
materiais e a exploração de pessoas – que também são reduzidas à condição de
recursos humanos.
No caso brasileiro, no setor público, a redução vem se dando pelo não
preenchimento das vagas criadas pelos servidores que deixam cargos e funções por
aposentadoria, morte, etc. Assim como criando as OSs e Oscips, promovendo a
extinção dos cargos públicos e a privatização dos serviços públicos, na lógica do
neoliberalismo, que minimiza o estado, e a implementação de políticas sociais.
O consenso que se forma entre os que pesquisam o assunto é o de que a
precariedade do trabalho eclodiu em cheio nas atividades de todas as áreas
da economia – além de, atualmente, alcançar também os serviços públicos
e as empresas estatais (SELIGMANN-SILVA, 2011, p. 486).
Sob o signo de um serviço púbico ágil, moderno, vem sendo implantada a
gestão pública da racionalidade, modernização e excelência.
246
No Brasil, a expansão, no setor público, da terceirização dos serviços, no
dizer de Seligmann-Silva (2011), ocorreu principalmente através da contratação de
estagiários, nas empresas estatais e nos bancos públicos, bem como da instauração
de cooperativas, que proliferam na área da saúde, distorcendo o SUS, e pela
externalização ou transferência de múltiplos serviços públicos para o setor privado.
As múltiplas faces do sofrimento social, que desfavorece a classe
trabalhadora, através da correlação de forças entre capital/trabalho, que tanto atinge
o setor público como o setor privado, orquestradas pela minimização de recursos e
escassos investimentos na área social e maximização dos lucros à custa da maisvalia da mão de obra precarizada, que produz desgaste humano.
Mas o sofrimento que nos apresenta Nogueira, M. (2009, p. 70) indica que
essas metamorfoses constantes e simultâneas, na sociedade contemporânea, e
agravada pela crise econômica, provocam um sofrimento institucional que as tornam
vulneráveis à sorte da instabilidade do mercado financeiro que comanda os demais
setores da economia, atualmente. Para o autor:
O “sofrimento institucional” também é requalificado nas condições
periféricas. Passa a refletir um quadro em que certezas se convertem em
apostas, em que a perda de segurança é compensada pelo crescimento das
expectativas e das promessas em que a movimentação é ela mesma um
valor, em que a obsessão pela identidade produz mais fragmentação e se
combina com o aumento artificial dos controles. Isso cria inúmeros desafios
para a direção e administração cotidiana (NOGUEIRA, M. 2009, p. 70).
As organizações atolam-se em demandas e atividades que exigem processos
de gestão ágeis e com articulação “máxima e ao mesmo tempo desejam-se deliberar
a respeito de tudo. O ‘sofrimento’ reflete esse desencontro de expectativas”
(NOGUEIRA, M. 2000, p. 70).
Para acompanhar os ritmos frenéticos, deixam “soltos” os indivíduos,
entregues à própria sorte. “Agem olhando para dentro de si, seus objetivos,
convicções e sendo pressionados a tomar decisões sobre todas as coisas”
(NOGUEIRA, M. 2009, p. 71).
Por fim, diz o autor, o “sofrimento institucional” é somente um detalhe de um
quadro mais geral de “sofrimento” que atinge a vida social como um todo
(NOGUEIRA, M. 2009, p. 71).
247
Apesar de o texto de Nogueira, M. ser direcionado às alterações rápidas, sem
tempo de processá-las, isso repercute no cotidiano do trabalhador, gerando tensões
e sofrimentos.
A partir da análise plural feita sobre a subjetividade, enquanto resultado dos
determinantes sociais na construção dos sujeitos sociais que fazem a história da
instituição onde trabalham, suas próprias trajetórias de vida e social, se reconhece o
protagonismo dos trabalhadores e da população como um todo, lembrando que as
condições objetivas e subjetivas interferem nos rumos e na direção que constituem
essa trajetória no cotidiano.
Assim, é importante reforçar as ideias discutidas pelos autores que
pesquisaram o sofrimento nas várias dimensões. Em uma sociedade como a nossa,
a hegemonia ideológica burguesa predomina e entra em nossas vidas pela escola,
igreja, mídia, ética, trabalho, cultura, lazer a saúde. Enfim, o fato de se fazer uma
crítica sócio-teórica desse modo de produção não significa que se suspendeu essa
realidade e que estamos livres do tipo de vida dominada pelos valores ético-políticos
da sociedade capitalista. Esses sentimentos contraditórios geram sofrimentos na
criação, realização e na reprodução do processo de alienação.
O próprio poder de desenvolver uma atividade criativa, inovadora, existente
no ser humano precisa ser posto à venda como se fosse uma “coisa”,
transformado em força de trabalho, em mão de obra, deve apresentar-se no
mercado como uma mercadoria igual a todas as outras (KONDER, 2000, p.
20).
No dizer de Seligmann-Silva (2011), em nossa sociedade contemporânea,
nos setores público/privado, o ser humano, as pessoas, viraram recursos cada vez
mais expostos às condições precárias de trabalho, ou aos processos de
precarização nas relações de trabalho. O que provoca medo, vergonha e
insegurança dos trabalhadores em denunciar e defender condições de trabalho
dignas. Essas situações geram sentimentos de impotência e interferem na saúde
mental e na social, que repercutem na qualidade dos serviços prestados à
população.
Dejours (2006) convoca-nos a estarmos atentos aos mecanismos e
instrumentos utilizados pelas sociedades contemporâneas e organizações do
trabalho em tornar invisíveis os sofrimentos provocados pelos processos de trabalho
impondo ritmos, cargas, pressões, volumes de trabalho, vendendo uma face
248
humanizada, com um novo visual de que, com o advento da robotização, das
tecnologias modernas, da flexibilização nas relações de trabalho, entre outros, o
trabalhador tornou-se livre, autônomo, criativo, feliz, e não tem como humanizar as
relações sem considerar os sentimentos e as afetividades do conjunto dos
trabalhadores.
4.8.
Auxiliares e Técnicos de Enfermagem: relações de trabalho, saúde, PassSiass
A intenção, aqui, é trazer a “fala” dos servidores públicos: auxiliares e técnicos
de enfermagem do Hupaa, sujeitos de nossa história sobre a saúde do servidor
público, e as ações da Pass-Siass na integralidade dirigida aos trabalhadores
públicos federais do Poder Executivo da Ufal. A maioria desses trabalhadores é do
sexo feminino, têm dupla ou tripla jornada de trabalho e pouca visibilidade social nos
processos de adoecimento, entre outros fatores que interferem nas condições de
vida e saúde das trabalhadoras públicas nas atividades de cuidar da saúde do outro.
Qual será a realidade vivenciada por nossas protagonistas? Como vivem?
Trabalham? Como cuidam de sua saúde? O que pensam das ações da saúde do
trabalhador desenvolvidas pela unidade Siass-Ufal?
Mas do que entrevistadas(os), pesquisadas(os), são elas(es) que fazem
acontecer o dia a dia do hospital, portanto, têm a centralidade do seu protagonismo
no cotidiano. O que fazem? Gostam do que fazem? O que não gostam de fazer?
Esses sujeitos historicamente, sócio, econômica e politicamente determinados
no contexto social contemporâneo, são marcados pelas precárias condições de
trabalho e insuficiência de recursos materiais, humanos, etc. que fazem parte do
cotidiano do trabalho. De que forma essas condições interferem na qualidade do seu
trabalho e quais os impactos na satisfação/realização do sofrimento e da dor?
Até agora, tratou-se da Política de Atenção à Saúde do Servidor Público, foi
analisado o Siass, sistema de operacionalização das ações da Pass; analisados os
teóricos que estudam o tema saúde do trabalhador; e os determinantes sociais,
éticos, políticos e econômicos que interferem na saúde mental, espiritual e física dos
trabalhadores públicos e em geral; entre outros referenciais teóricos baseados na
matriz de análise crítica.
249
Os capítulos que antecedem são bases fundantes para estabelecer um
diálogo com os sujeitos da pesquisa, que detêm o conhecimento do saber-fazer e o
saber-técnico, como também o conhecimento das condições de trabalho e a forma
como se dão as relações sociais no ambiente do trabalho. Enfim, como trazer à tona
os processos e a organização do trabalho no hospital público.
Reafirma-se que, para que aconteça a saúde do trabalhador, é preciso a
participação social dos próprios no processo de trabalho, e nos espaços
democráticos de construção das ações de saúde na sua totalidade, Há espaços
coletivos para que planejem suas ações de trabalho e na saúde? Ou são apenas
executores de ordens e serviços?
Trazer o trabalhador público para assumir o seu papel de construtor de
políticas e ações de saúde é um desafio que se coloca nessa área; junto com as
equipes multiprofissionais da saúde, em todos os âmbitos que compõem a saúde do
trabalhador. Espera-se que esses trabalhadores participem efetivamente da política
de atenção à saúde, não apenas como objeto de ação e informação, quando
solicitados, mas que se efetivem os canais e mecanismos de participação e os
instrumentos de capacitação que os levem ao protagonismo social.
A dinâmica do local do trabalho, as vulnerabilidades dos ambientes, as
relações com os colegas, a chefia e os gestores, são elementos fundamentais para
avaliar as condições de trabalho e saúde daqueles que participam desse complexo
processo, e sabem reconhecer as situações de risco a que estão expostas nos
ambientes onde trabalham, associados aos conhecimentos científicos dos
profissionais de saúde, engenharia, social, etc. podem diagnosticar e revelar a
realidade de saúde e a social naquele contexto.
Mais do que entrevistados, são os protagonistas e possíveis interlocutores da
construção de uma política de atenção à saúde e que esta não invista apenas em
ações de saúde, mas que possibilite a transformações de processos de trabalho
recheados de sofrimentos e dominação, em criação, participação e realização, livres
de exploração.
Assim, segue-se o roteiro da entrevista feita com os auxiliares de enfermagem
e técnicos de enfermagem do serviço público. No início de intervenção com os
pesquisados, após a apresentação dos objetivos de estudo, estabeleceu-se a forma
da entrevista, deixando abertas suas respostas. Portanto, se não quisesse
responder, ou falar sobre determinados assuntos e perguntas, que não o fizesse.
250
Realizamos uma escuta sensível, e respeitando os momentos que iam além
do nosso interesse. Por exemplo, no período de realização de parte de algumas
entrevistas, estava se disseminando uma bactéria hospitalar resistente e, por isso,
várias clínicas suspenderam o atendimento, para evitar contaminação,
risco de
morte e infecção de pacientes, e risco à saúde do pessoal da enfermagem,
principalmente dos que cuidavam dos pacientes infectados e isolados.
Por causa dessa situação, algumas entrevistas demonstraram todo o
sentimento de raiva, indignação e sofrimento diante da exposição ao risco biológico,
sentimento de dominação e impotência em atender o paciente nas precárias
condições, etc. Algumas vezes, saía do roteiro da entrevista, mas não da relação
com o tema.
Estão em blocos as respostas sobre as questões relacionadas à organização
do trabalho, às condições de trabalho e de vida, sem identificá-las individualmente,
salvaguardando suas identidades, visto que o objetivo do estudo é conhecer e
analisar os sujeitos sociais, trabalhadores públicos, no processo de trabalho no
hospital público e as ações de saúde no atendimento a esses servidores, enquanto
resultado de uma construção social.
Nossa pesquisa visa conhecer a dimensão social, tripé da questão de saúde
do trabalho. Embora nela posto, há pouca visibilidade e efetiva integralidade, por
isso defende-se que essa dimensão necessita assumir seu protagonismo deixando
de ser um apêndice conceituado na saúde do trabalhador, mas de pouca efetividade
na mudança dessa concepção sob a dominação dos especialistas entre outros. E
isso só poderá acontecer mediante ação multiprofissional, em conjunto com os
trabalhadores e seus representantes.
Outro traço comum entre os sujeitos de nossa pesquisa refere-se ao processo
de envelhecimento em que se encontram, um dos fenômenos da sociedade
contemporânea que rebate na classe trabalhadora. Segundo o IBGE (2010), são
7,4% das pessoas, e que não poderia ser diferente no serviço público. As ações de
saúde consideram o perfil do envelhecimento?
Há necessidade de políticas de saúde que considerem essa realidade social,
repensando os processos e a organização de trabalho e que levem em consideração
os ritmos às vezes mais lentos, os problemas de saúde decorrentes da idade, e dos
acúmulos dos desgastes físico, mental e social provenientes das relações sociais de
trabalho, como também considerar o saber-fazer, o conhecimento institucional, o
251
trabalho e as experiências, que os tornam qualificados e conhecedores dos
processos do trabalho.
Os critérios de idade, tempo de serviço e produtividade, como meios de
seleção da mão de obra, para continuar a trabalhar, se o desejar, após completar o
tempo para a aposentadoria, são percebidos, pelos trabalhadores, como falta de
valorização do seu trabalho, descartando-o. O trabalhador em condições de saúde
poderá ter o direito de continuar a trabalhar.
Embora reconhecendo que a classe trabalhadora, cuja atividade requer
esforço físico e desgaste mental e social, advindo do sofrimento e de condições de
trabalho precários, vive sonhando com sua libertação do trabalho mediante a
aposentadoria. Vejamos então o processo de trabalho dos auxiliares e técnicos de
enfermagem pesquisados.
4.8.1. Carga horária do trabalho no hospital público: Processo, organização de
trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem
Trabalho aqui 30 horas, era para eu dar 40 horas e querem isso, mas
trabalhamos apenas 30 horas. Não dou plantão extra (Entrevista aux. e tec.
de enfermagem).
Trabalhava 8 horas por dia e estudava. Atualmente a carga horária de
trabalho é de 30 horas semanais sem plantão (Entrevista aux. e tec. de
enfermagem).
A carga horária é de 30 horas, mas como tem poucas pessoas na escala, é
sobrecarregada, é muita coisa para pouco tempo (Entrevista aux. e tec. de
enfermagem).
No HU minha carga horária é de 30 horas semanais (Entrevista aux. e tec.
de enfermagem).
Tanto no HU quanto no Samu, trabalho 30 horas semanais. No HU, dou
plantão e evito trabalhar à noite por causa do Samu (Entrevista aux. e tec.
de enfermagem).
A carga horária é de 40 horas semanais, mais trabalho 30 horas devido aos
acordos, mais existe ameaças para voltar a ser 40 horas (Entrevista aux. e
tec. de enfermagem).
Na questão carga horária, não se identifica nenhuma reclamação quanto às
horas trabalhadas, nem pressão de chefias quanto ao cumprimento. Constata-se até
certa flexibilidade. Os regimes de contrato, da categoria de enfermagem, tanto de
252
nível superior como técnico é de 40 horas semanais. Mas os mecanismos
institucionais, legais, permitem que o servidor trabalhe em turnos corridos, se o
serviço, devido à sua natureza, precisar ser ininterrupto, pode fazer 30 horas, como
é o caso dos auxiliares e técnicos de enfermagem, há até “ameaça”, como alguns
falaram, de voltar a 40 horas, mas o quadro de pessoal de enfermagem, proposto no
plano diretor, contempla a carga horária máxima de 30 horas.
A dupla e a tripla jornadas são justificadas pelos vínculos com outro local de
trabalho, privado ou estatal, conforme os depoimentos, além da jornada doméstica,
o que acarreta sobreposição de carga horária, fato que, com certeza, afeta a saúde
dessa trabalhadora, em sua maioria mulher. Das 20 entrevistas, quatro foram dadas
por pessoas do sexo masculino. Como atividade em que predomina o esforço físico,
há uma maior sobrecarga de trabalho.
Dos entrevistados, seis ainda permanecem com outro vínculo de trabalho:
estado, município e hospital privado, os demais tinham outros vínculos, deixados por
não suportarem a sobrecarga e por serem, as condições de cobrança, maiores na
empresa hospitalar privada, motivada pela busca de lucros e concorrência
mercadológica na saúde.
No hospital privado, a exigência é muito maior, principalmente, a família
exige demais e o funcionário não pode reclamar, até os minutos são
cobrados, se passar os 15 minutos de tolerância, não se podia mais assinar
o ponto e era descontado (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Observou-se ainda, o processo de dominação presente nas relações de
trabalho desses técnicos de enfermagem que gera um sentimento de desvalorização
e sofrimento que afeta a sua saúde mental e social, renegando seu valor enquanto
trabalhador e construtor da política de saúde deste País.
O médico tem uma carga horária de 20h. Chega 10h e sai 12h, volta às 3h,
sai 6h e o resto da semana desaparece. A enfermagem leva o HU nas
costas (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
As outras profissões, como médico, psicólogos, etc. têm muito mais valor do
que a enfermagem, não recomendo a ninguém fazer o curso de
enfermagem, se for por sonho faça, mas se for por estabilidade não faça
(Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Todos os demais profissionais têm carga horária de 30 horas exceto os
cargos administrativos, que fazem 36 horas semanais, ou seja, há certa flexibilidade
na carga horária para todos os servidores do hospital universitário.
253
4.8.2. Salário e carreira profissional dos auxiliares e técnicos de enfermagem
Como bem colocou Pires (2005), no hospital público, a contratação,
realização de concurso, política salarial e de carreira, assim como os salários, não é
de competência da gestão do Hupaa, conhecido como HU, nem da administração
superior da Ufal. É uma política do governo do Estado, que, de acordo com a
conjuntura e política governamental, estabelece os percentuais para aumentos
salariais e os benefícios sociais, assim como a realização de concurso e nomeação.
Mas, na atual política de redução de gastos e do estado mínimo, nessas três
últimas décadas, principalmente, estes têm sido resultado também da pressão e luta
por melhores salários e condições dignas de trabalho, dos movimentos sindicais dos
trabalhadores públicos, que desde o governo FHC perderam sua data-base de
reajuste salarial anual.
Esta realidade não mudou até hoje, com a presença dos governos,
“sensíveis” à causa da classe trabalhadora. A greve é parte da agenda anual nos
serviços públicos, mesmo que venha se mostrando como instrumento de pouca
efetividade, por causa da desmobilização do movimento, da fragmentação dos
trabalhadores, da precarização do trabalho.
Em sua maioria, os entrevistados são assalariados, concursados e efetivados
e não apresentaram nenhum comentário sobre o respectivo salário. Entre os que
permanecem com dois vínculos, o salário que ganham do hospital público federal é
bem maior do que dos outros. Mas reconhecem que entre os três poderes do
Estado, o Poder Executivo tem os salários mais baixos.
Minha faixa salarial no Estado é de 600 reais, é pouquinho, juntando o
estadual e o federal dá 3 mil reais (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Meu salário no Estado é pouco, só falta a gente pagar para trabalhar. No
HU recebo 1.800 e, no Estado, 1.200. Minha renda total é de 3 mil reais
(Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
A estabilidade nas relações de trabalho do serviço público é ainda uma das
motivações pela carreira pública, entre outros atrativos, como flexibilidade na carga
horária, e até salarial, visto a diferença entre os vínculos no universo pesquisado.
Outras formas de salários indiretos são as concessões de benefícios sociais,
como: auxílio-transporte, auxílio-alimentação e creche, e recebem o adicional de
insalubridade e/ou periculosidade. Em relação a esses dois últimos, são pagos
254
conforme o grau de exposição a risco, definidos pela medicina do trabalho com
bases legais. Os benefícios de transporte, auxílio a creche e os adicionais noturno e
insalubridade, precisam ser solicitados pelo servidor. Caso não o faça, não o recebe.
Hoje, muito desses instrumentos legais na concessão das gratificações de
insalubridade e periculosidade são mais de enquadramento dos trabalhadores do
que a ampliação e garantia desses direitos.
Um dos ganhos do plano de carreira dos técnicos administrativos que
abrange os auxiliares e técnicos de enfermagem são os incentivos financeiros
obtidos conforme o grau de escolarização, da capacitação e qualificação.
Entre os entrevistados, oito não têm curso superior, os demais 12 cursam ou
têm curso superior nas diversas áreas do conhecimento e, desses, apenas um tem
curso superior de Enfermagem. Isso mostra interesse para investir nos estudos,
embora não relacionados à carreira de enfermagem, que poderia traduzir-se em
qualidade na assistência ao paciente e possível crescimento profissional, mediante
concurso público para o cargo de enfermeiro superior.
Nesse aspecto, predominam o objetivo pessoal e a provável vontade de
mudar de cargo e não continuar na carreira de enfermagem, embora na fala
declarem gostar do que fazem, mas sentem que não há reconhecimento
profissional.
O incentivo financeiro obtido com a titulação do curso superior também os
motiva a continuar estudando e qualificando-se. Com isso, tem-se considerável
alteração no nível de escolaridade desses profissionais, de nível médio para alto
nível de escolaridade, em relação ao cargo que ocupam.
4.8.3. Grau de satisfação com o que fazem dos auxiliares e técnicos de
enfermagem
Não mando ninguém fazer enfermagem, é uma profissão que as pessoas
humilham bastante, mas a maioria dos auxiliares de enfermagem se sentem
humilhados as vezes é no ganho, carga horária que botam no chinelo.
(Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Gosto de lidar com o paciente... “o paciente é tudo” sem ele não existiria o
trabalho de enfermagem (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
255
O trabalho para mim significa independência, de forma alguma ficaria sem
trabalhar. Gosto tanto de trabalhar que tiro as férias parceladas. Não lembro
o tempo que tirei um mês de férias. (Entrevista aux. e tec. de enfermagem)
Gosto da minha profissão e do que faço, não gosto de fazer coisas que não
são da minha atribuição (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Ao fazer fisioterapia, nunca tive a intenção de me afastar da enfermagem,
mas sim de dedicar-me aos pacientes, pois o que mais gosto da minha
profissão é o contato com as pessoas (Entrevista aux. e tec. de
enfermagem).
No HU a valorização vem através dos pacientes, gera amizades entre a
enfermagem e o paciente, isso me satisfaz (Entrevista aux. e tec. de
enfermagem).
A relação e os cuidados prestados aos pacientes são os principais fatores que
dão satisfação no desenvolvimento de suas atribuições no cargo de auxiliar e
técnico de enfermagem, mas há um movimento contraditório nas falas, proveniente,
por exemplo, da escolha do curso superior que fazem, até nas áreas afins, como é
o caso de fisioterapia, psicologia, serviço social, e não enfermagem. Um dos motivos
posto no primeiro depoimento é a falta de valorização e reconhecimento da
profissão, conforme Dejours (2006) e Seligman-Silva (2011) afirmam, o não
reconhecimento gera sofrimentos e possível adoecimento mental.
Outras insatisfações citadas nos processos de trabalho são provocados pela
falta de material, da burocracia e da morosidade em resolver tais situações, como
colocam os sujeitos sociais.
4.8.4. Insatisfações manifestadas nos processos de trabalho
Às vezes, tem material, às vezes não, é que a burocracia atrapalha, é
complicado e o pregão não facilitou, tem dia que falta tudo, quando falta até
se improvisa, mas pode faltar tudo menos medicação... (Entrevista aux. e
tec. de enfermagem).
Aqui no hospital há muita burocracia com o funcionário, existe muito
protocolo. Colocar o privado no HU ta influenciando na burocracia e
atrapalhando. Eu aprendi a facilitar a vida do paciente e não atrapalhar
(Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Gosto da profissão, mas a falta de materiais, medicamentos, maca, cadeira
de rodas, atadura, isso gera constrangimento por falta desses materiais
incidindo na qualidade dos serviços e no aborrecimento nas relações de
trabalho (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Não gosto de fazer e lavar material, tricotomia nos pacientes... no trabalho,
têm momentos tensos, pela falta de material, de recursos humanos e
material (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
256
A questão mais citada por todos os entrevistados e que revela as precárias
condições de trabalho é a falta de material, a morosidade provocada pelos
processos burocráticos para resolução, o que faz com que muitos os reconheçam
como motivo de constrangimentos, aborrecimentos e tensões, determinantes estes
que funcionam como fatores que podem alterar sua saúde física, mental e social nas
relações de trabalho.
Uma discussão sobre o modo de trabalhar do servidor público, que busca
identificar
os
entraves
e
a
burocracia
para
execução
desses
serviços,
desmistificando o mito do trabalhador que não gosta de trabalhar é encontrada em
Codo (2007):
Parece ao cidadão comum que o servidor público é um ser dotado de
misteriosa propriedade de tornar difícil o que seria fácil, de criar dificuldades
ao invés de resolver problemas, um carimbo, uma assinatura, adquire
surpreendentemente o dom de se transformar em uma epopeia interminável
(p. 297).
Percebe-se que o próprio servidor também reclama do processo burocrático
em torno de suas atribuições, dificultando o “facilitar o acesso do paciente” aos
serviços de saúde. Outra questão presente nos processos de trabalho do servidor
público atrelada à burocracia é a morosidade na compra de materiais, apesar do uso
de modalidade simplificada de licitação, do Pregão, para a aquisição, não houve
mudanças significativas, conforme os depoimentos colhidos. Nesse sentido, Codo
(2007) explica a diferença entre a agilidade da empresa privada na compra de
material e a morosidade da pública:
Na empresa privada, basta alguém perceber que acabou o papel, telefona
para dois ou três fornecedores decide por um, faz a encomenda pelo fone
mesmo, recebe e paga o papel. Resolvido o problema. Na pública, é preciso
ter em mente que os cidadãos podem e devem ter acesso ao exame da
operação... Hoje e sempre em qualquer momento alguém poderá questionar
a compra do papel... Se na empresa privada o tempo necessário, digamos é
X, o tempo público é 10X... o que se observa é que se passam 50 dias,
digamos, até que o papel chegue ao setor, disponível para uso. Por mais
intrincada que seja a burocracia é preciso admitir: alguém não fez o que
deveria fazer. Mas quem? (p. 297).
Interessa-nos, aqui, analisar o processo de trabalho dos auxiliares e técnicos
de enfermagem que sofrem, no dia a dia, constrangimentos, tensões, por causa do
modo burocrático de adquirir materiais para uma boa assistência ao paciente,
prejudicando-os com improvisos na assistência e precarizando as condições de
trabalho.
257
Essa morosidade contribui para a imagem de que o servidor não trabalha e
complica a vida dos pacientes e da população porque não gosta do que faz, é
preguiçoso. Pelo fato de essas relações de trabalho serem um pouco mais flexíveis
quanto à carga horária, sobrecarga de serviços, melhores salários, etc., não dar ao
servidor autonomia para agilizar os processos de aquisição de material, alimentação,
medicamentos, etc., coisas aparentemente simples de resolver, no serviço público,
complexificam-se e provocam mal-estar no servidor e prejuízo para o paciente.
4.8.5. Organização e participação nas decisões dos setores dos auxiliares e
técnicos de enfermagem
Quanto às reuniões da enfermagem na direção não participa, apenas
somos comunicados... e às vezes chega tão depois que as decisões já
foram tomadas (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Existem vários fatores para melhorar o atendimento, no privado, o salário é
menor, mas é mais organizado. O serviço público do HU é um dos
melhores, até gringo vem aqui, mas falta mais assistência... ocorrem
reuniões no meu setor e há espaços para opiniões e decisões... (Entrevista
aux. e tec. de enfermagem).
Quanto à participação nas decisões e reuniões no setor, aqui a gente só
obedece. As pessoas têm o péssimo hábito de não fazerem sua função,
acho que no setor falta rotina (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Não participo das reuniões do planejamento das atividades. Isto é decidido
pela chefia e repassado para os demais, e tem que aceitar (Entrevista aux.
e tec. de enfermagem).
Precisa de uma melhor organização nos horários da visita dos estudantes,
residentes e médicos, pois geralmente, eles passam a visita pela manhã no
horário mais corrido para se realizar todos os procedimentos da
enfermagem, é também necessário estabelecer critérios para o horário de
realização dos exames (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Os entrevistados demonstram capacidade de identificar os problemas
existentes no processo de trabalho e relatam as dificuldades encontradas na
realização. Ao mesmo tempo em que demonstra reconhecer os nós na
administração e organização das atividades, boa parte não participa do
planejamento e da decisão das próprias ações. Confirmam o que Pires (2008) diz
sobre a subalternidade desses profissionais da enfermagem na execução de suas
ações. Subordinados ao médico, à enfermeira, à burocracia administrativa, etc.
258
A enfermagem é cobrada pelos médicos, por familiares, pelos pacientes,
pela administração. No entanto seu poder decisório é pequeno, depende de
outros setores e as regras de funcionamentos da instituição delimitam as
suas possibilidades de ação (p. 188).
O estado de dominação dessa mão de obra, quase que integralmente em
todas as suas ações, só pode trazer consequências para a saúde desses
trabalhadores, que sofrem com a natureza do seu trabalho “a dor humana” e a
pressão em forma de cobrança de ações e o sentimento de impotência pela pouca
ou quase nenhuma participação do processo decisório. Há que considerar esses
processos que muito interferem na saúde mental e na social provocando sensação
de pouca valorização do seu trabalho.
A Pass-Siass pode estabelecer várias ações em saúde de cunho assistencial,
preventivo e promocional, mas se não trouxer à tona os processos de trabalhos e as
alterações dessas relações, serão intervenções sem nenhuma ou pouca efetivação.
É mais do que necessário trazer à tona a participação desse trabalhador em todos
os âmbitos: na organização, planejamento de ações, avaliações dos ambientes e no
processo decisório, se não mantém-se um círculo vicioso no processo trabalhoadoecimento e vice-versa.
Essa forma de organização do trabalho da enfermagem, entre outras
profissões que separam as ações de pensar/planejar/decidir e as de executar/fazer,
baseia-se no modo da divisão do trabalho adotado no capitalismo e reproduzido na
lei que rege a profissão, o que reproduz os valores da sociedade burguesa quanto à
qualificação superior/inferior, e exploração da mão de obra:
Esse modelo reproduz o que está explicitado na lei – LEP 7.498/1986 – a
qual mantém as características básicas de cisão entre o saber e o fazer,
que surgem com a organização da enfermagem como profissão no final do
século passado (PIRES, 2008, p. 189).
É compreensível o pensamento contraditório apresentado pelos profissionais
quando dizem, quase a maioria absoluta, gostar do que fazem, mas não querem
fazer o curso superior de Enfermagem, como forma de negar a condição de
subalternidade a que estão sujeitos no cotidiano de suas atividades nos cuidados
assistenciais aos pacientes hospitalares. A realização de outro curso superior desde
que não seja Enfermagem, é a possibilidade de superar as relações de
subordinação, assim como a participação social nos movimentos sindicais e espaços
democráticos.
259
Nesta questão, apesar da maioria responder que não participam em alguns
setores, é possível consultar e dar opinião nas decisões.
4.8.6. Relações de trabalho entre chefia, colegas, pacientes
Nunca tive problemas nem com as colegas, nem chefia, quando tem algum
conflito, procuro contornar a situação. Respeito a hierarquia, mas acho que
todo servidor, dentro das atividades que exerce, é capaz de responder por
seus atos. É claro que há cobrança, que não são ordens (Entrevista aux. e
tec. de enfermagem).
Não tenho contato com a chefia, dessa forma a chefia não pressiona, não
me sinto explorado. O servidor é o estepe do serviço, nosso patrão é nossa
consciência de fazer aquilo certo. A principal pessoa do hospital é o
paciente (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Sempre tive boas relações com os pacientes, e as chefias, mas já fiz uma
mobilização, através de um abaixo-assinado para tirar uma chefe autoritária
e que causava problemas com os demais servidores e pacientes, e
consegui a transferência dessa chefe, ela fez anotações no livro chamando
uma servidora de maluca, esquizofrênica, como também veio me
desrespeitar na frente de um paciente, chamando-me de palhaço e assim
houve o desentendimento, muitas pessoas (colegas) adoeciam por causa
dessa chefe (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
A relação com a chefia é demais, não tem conflitos, nunca tive problemas
com ninguém, o estresse é por conta de muita gente para atender, para
uma só pessoa, até pela impaciência das pessoas. Os pacientes são mais
estressados que os colegas de trabalho. Mas o paciente é tudo, é ele que
mantém o hospital, sem ele não tinha trabalho, ele está em primeiro lugar
(Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Quanto ao clima nas relações dos auxiliares e técnicos de enfermagem, com
as colegas, chefias e os pacientes, denotam-se situações de conflitos, de
insatisfação pelas pressões de pacientes, famílias, e cobrança das chefias. Mas as
chefias, em geral, não foram colocadas como causadoras de estresse, e quando
acontece, como relatado, os servidores se mobilizaram e transferiram a chefe
autoritária para outra unidade. Há uma compreensão da importância do paciente
enquanto cidadão possuidor de direitos, pagador de impostos, mantenedor dos
serviços de saúde, porém, no dia a dia, suas “impaciências”, reivindicações,
reclamações, são motivo de estresse no trabalho.
Em relação aos colegas, alguns entrevistados falaram da competição, do
individualismo, e da falta de coleguismo em situações de trabalho, do
descompromisso no cumprimento de horário. Os estresses com os colegas, chefias
e pacientes ocorrem mais pela escassez de pessoal, sobrecarregando os demais, e
260
a constante falta de materiais, comum a todos os setores da Ufal e do HU, enfim, do
serviço público, é a campeã das reclamações.
Alguns têm consciência de suas responsabilidades e a capacidade de
responder por seus atos e sabem distinguir responsabilidades das chefias na
administração dos serviços, não confundindo nem se ofendendo quando são
chamados à prestação de contas dos seus serviços, o que demonstra alto grau de
responsabilidade.
Os processos de trabalho e as relações com chefias autoritárias, a pouca
participação e o diálogo são motivos de adoecimento coletivo, como Dejours (2008)
coloca, o caso de mulheres que trabalham sob tensão e os chamados ataques
nervosos que “contaminam” todos os demais componentes da equipe de trabalho. O
caso aqui exposto, que mobilizou o setor para a retirada da chefe, partiu de um
profissional do sexo masculino, que também sofreu assédio moral, sendo xingado de
“palhaço”. Outro xingamento e assédio moral relatados referem-se ao problema de
saúde: “Quando comecei a ter problemas de saúde fui vítima de assédio moral e
perseguição da chefia”. Ela dizia: “Você não serve para ser meu servidor”, “Tô cheia
de você”, “Não pode fazer isso”, “Não pode fazer aquilo”, “Às vezes ia ao banheiro
fazer exercício, relaxar e chorar de angústia e dor”.
O profissional de enfermagem contou que foi transferido para outro setor, mas
não gostava do que fazia, pois não era de sua função. Por causa disso, entrou em
depressão por mais ou menos dois anos, com uso de medicação antidepressiva, e
até hoje não conseguiu transferência do setor de que não gosta. Dejours (2008)
ressalta o uso da medicação para camuflar as relações de conflito no trabalho e
como resolução da situação.
No hospital público, às vezes, é difícil resolver certas situações, como, por
exemplo, a remoção de um servidor para outro setor, devido à escassez de pessoal,
por isso, é necessário uma política de saúde e humanização que busque trabalhar
continuamente as relações de trabalho e humanas, não apenas esporadicamente,
como individualmente.
Entende-se que o envelhecimento, a questão de gênero, o modo de vida
adotados, são determinantes que interferem no adoecimento e saúde do
trabalhador, mas o agravamento está posto nos processos e relações do trabalho, e
nas condições precárias do trabalho, muito presentes nos serviços públicos. Não
são os indivíduos que são doentes; as vulnerabilidades nos ambientes é que
261
provocam o adoecimento do trabalhador. Verifiquemos as reclamações sobre as
doenças dos servidores e o que dizem a respeito ao trabalho.
4.8.7. Doenças declaradas e possíveis causas relacionadas ao trabalho dos
auxiliares e técnicos de enfermagem no Hupaa
Sou hipertensa, diabética, por isso faço exercícios, caminhada, cuido da
minha saúde, mas as minhas doenças são agravadas constantemente no
setor do trabalho, pois o estresse constante é devido à falta do
companheirismo, por conta de servidores descompromissados (Entrevista
aux. e tec. de enfermagem).
Saí do setor porque tive problema de saúde, hérnia de disco, lombar e
artrose, por excesso de peso e esforço repetitivo, ia ao médico, fazia
fisioterapia, logo após 15 dias o problema voltava (Entrevista aux. e tec. de
enfermagem).
Quando entrei na Universidade não tinha problemas, ao longo dos anos
foram surgindo dores no joelho, fiz cirurgia na rótula do joelho, o médico não
disse se a doença tinha relação com o trabalho, mas acho que sim. Depois
surgiu glicose e pressão alta, acho que são relacionadas ao trabalho
(Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Fui transferido da Clínica Médica, devido o tempo de serviço e estava com a
imunidade baixa para cuidar dos pacientes e a carga de horário maior. A
clínica médica é onde acontece o maior número de adoecimento dos
servidores. Ver o paciente definhar e não evoluir... traz sofrimento devido ao
vínculo afetivo que se cria,... Em decorrência do contato com secreções de
um paciente tive problemas de doença (Entrevista aux. e tec. de
enfermagem).
As causas do adoecimento dos trabalhadores aqui relatado são de diversas
ordens: emocionais, acúmulo de anos de atividade, cargas genéticas agravadas
pelas relações de trabalho, processos e organização trabalho, assim como dos
riscos físico, biológico-químicos, da natureza do trabalho da saúde, acrescidos dos
determinantes sociais provenientes da realidade social em que vivem e trabalham.
Essa complexidade de situações e causas de vulnerabilidade e riscos afetam
a saúde do trabalhador da saúde, e seus efeitos são mais perversos, ainda, devido à
falta de participação nas decisões do cotidiano e nas relações de dominação sobre o
trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem. As possibilidades de superar a
dominação só é possível a partir da organização dos próprios trabalhadores para se
fazerem vistos e escutados; é assim que alguns se sentem invisíveis enquanto ser
humano e social.
262
A burocracia administrativa é um dos fatores que mais provocam tensões no
trabalho, devido à constante falta de materiais, de profissionais, e protocolos, a
morosidade na compra, o difícil acesso de pacientes aos serviços e dos próprios
servidores, quando solicitam consulta, ou outro tipo de atendimento, medicamento,
por causa da rigidez burocrática que desconhece a relação de trabalho do servidor
com a instituição, mesmo diante de uma doença proveniente do desgaste físico e
dos riscos químicos a que se expõe, são fatores de frustração, sofrimento e de
injustiça social.
Quando trabalhava na maternidade, na maioria das vezes tive que cobrir
plantões dos colegas que não podiam comparecer, não descansava, para
me manter acordada recorria ao café. Por conta disso, meu sono se tornou
tenso e perturbado, fiquei com o meu psicológico e físico perturbados,
quando dormia, ouvia constantemente choros de crianças. Por não aguentar
mais essa rotina fui transferida para outro setor, que não dava plantão,
melhorou minha vida e neste novo setor trabalhava com produtos químicos.
E quando fui submetida aos exames periódicos, foi constatado um problema
de saúde, por meio de biopsia, foi diagnosticada uma síndrome... eu estava
perdendo proteínas pela urina... um problema muito sério, quase morri. Tive
que me afastar do trabalho e fiz sessões de quimioterapia (Entrevista aux. e
tec. de enfermagem).
Prosseguindo o relato da servidora, observa-se o olhar da saúde ocupacional
que não reconheceu a doença como do trabalho, por falta de elementos médicos de
análise, exclusivamente dados que provassem os antecedentes históricos da saúde
da trabalhadora.
Desde aquele momento até hoje, faziam 25 anos que não tinha sido
submetida a exames admissionais, não específicos, e como a doença não
apresentava sintomas, só vim saber depois do setor medicina do trabalho, e
quando submeteu-me a exames,
só assim com os exames mais
específicos, tomei conhecimento da doença (Entrevista aux. e tec. de
enfermagem).
A falta de humanização por parte da administração, dos colegas e dos
serviços de saúde foi colocada pela entrevistada, como um sentimento de
insatisfação, da invisibilidade do trabalhador e da falta de ações mais efetivas que
facilitasse e a ajudasse na cura/controle do seu problema de saúde.
Nunca recebi uma visita de qualquer profissional da Ufal, nem ajuda, ainda
que meus medicamentos eram de alto custo. Mas certa vez, devido ao
atraso de meu remédio, fui orientada pelo meu médico para solicitar um
empréstimo em um hospital. Como trabalhava no hospital universitário há
alguns anos e sabia da disponibilidade no estoque, achei que fosse fácil
consegui-lo. Entrei em contato com a colega na farmácia, expliquei o
problema, disse que o médico tinha solicitado duas caixas a mais para eu
repor, devolver ao HU, onde estava pedindo emprestado. Mas a resposta foi
263
negativa, pois, de acordo com o regulamento do hospital, a medicação é
reservada exclusivamente ao paciente, portanto não podia aprovar o
empréstimo... fiquei chateada, pois quando recorri a outro hospital, consegui
sem problemas o medicamento, por isso o meu descontentamento com a
instituição (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Esse depoimento retrata as condições de trabalho e as relações a que estão
submetidos os servidores públicos do referido hospital; a sensação de falta de
humanidade e a injustiça social é tamanha, que torna invisível a doença do
trabalhador da instituição, provavelmente adquirida lá. Mesmo que não o fosse, as
normas, leis, regimento, a burocracia administrativa, desconhecem o ser humano em
condições precárias de saúde. Mas essa é uma realidade brasileira. Morre-se por
não apresentar comprovante de plano de saúde, do pagamento, etc. Como não ter
ataque de nervos, numa situação de total desrespeito à trabalhadora, e depois ainda
dizer que é coisa de mulher nervosa?
Essa não é uma situação isolada, mas social e presente nas relações de
saúde do trabalhador e na saúde no Brasil como coloca Barros de Barros e Santos
Filho (2007):
Relatos de trabalhadores que nos chegam a partir das situações vividas nos
serviços de saúde apontam, insistentemente, para a relação dor-desprazertrabalho. Tal relação, desde a muito merece ser posta em análise quando
acompanhamos as mudanças no modo de produção, pela contínua perda
de direitos de proteção social ao trabalhador [...] e pelos fracos vínculos que
os trabalhadores estabelecem nos e com os espaços, processos de
trabalho (p. 617).
Na maioria das vezes, essas questões são solucionadas através dos vínculos
de amizade ou de apadrinhamento, ou seja, como um atendimento individual, uma
concessão de “favor” e assim afirma Barros de Barros e Santos Filho (2007) que as
queixas e o adoecimento por causa dos processos e relações de trabalho são
constantes: “Chama-nos a atenção a sistemática/resiliência seja das queixas, seja
do modo como elas têm sido respondidas” (p. 61).
E complementa dizendo que é necessário trazer essas situações de saúde do
trabalhador e os processo de trabalhos para serem mais bem analisados em busca
de soluções coletivas:
Interferir nos processo de gestão do trabalho, trazer ao centro da cena não
apenas o trabalhador (indivíduo) ou sua categoria (conjunto), mas as
relações que estabelece com o processo produtivo, com os objetos de
investimento em (e de) seu trabalho, parecem-nos ser um importante
264
caminho a ser mais profundamente investigado (BARROS DE BARROS E
SANTOS FILHO, 2007, p. 62).
Os sentimentos aflorados pelos servidores acometidos por situações de
adoecimentos, das precarizações no trabalho, na desqualificação do seu trabalho, é
de não valorização do seu trabalho e negação do seu ser social integral, alma, corpo
e mente.
Quanto à relação trabalho-dor-prazer, Dejours (1992) afirma que o trabalho
prazeroso é aquele que o trabalhador tem importante participação na construção dos
processos, relações, rotinas, etc. O sofrimento, a dor, o desprazer, estão ligados aos
sentimentos de “indignidade
e irritabilidade e desqualificação” vividos pelos
trabalhadores ao executarem uma tarefa aquém de sua capacidade criativa,
inventiva. Vejamos o que dizem os trabalhadores sobre os sofrimentos vividos
no/pelo trabalho.
4.8.8. Sofrimentos vividos pelos auxiliares e técnicos de enfermagem no trabalho
A burocracia, ao invés de ajudar, complica. Isso me deixa angustiada,
quando não encontro materiais suficientes. Roubaria dinheiro para comprar
materiais se eu fosse o gestor do hospital, o que irrita é a burocracia que
trava tudo (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
O serviço público é deficiente, precário, algumas pessoas não acham
importante, não existem tantas cobranças aos médicos como na
enfermagem. O paciente é igual a mim, que sofre, sofro com o paciente,
não deveria, mas me apego ao paciente por ele estar nas minhas mãos
(Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
O que mais adoece muito é o envolvimento com o sofrimento dos pacientes,
por isso faço terapia, comecei quando fui trabalhar no hospital de
infectologia... Sentia muita angústia, dores no corpo e insônia e acabava
tendo um mau relacionamento com os demais servidores por me
compadecer dos pacientes e acreditar que os profissionais podiam
contribuir mais (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
A maior causa de adoecimento na enfermagem é a sobrecarga e o
sofrimento em tratar de outrem... Na clínica médica, se adoece mais do que
no ambulatório, onde não se tem uma maior frequência de pacientes, é
muito sofrimento ver o paciente morrer, lembro do primeiro paciente que vi
morrer (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Aqui notamos que o sofrimento dos que trabalham com os cuidados do
paciente não é somente por conta da natureza do próprio trabalho, mas dos
processos que dificultam e os impedem de prestar uma assistência de qualidade.
265
As precárias condições de trabalho das atuais políticas de saúde, em que os
profissionais são tão vítimas quanto os pacientes, acabam tornando-os o bode
expiatório da assistência à saúde. Como disse um dos entrevistados, “os serviços
públicos são precários, o médico não é tão cobrado, tudo sobra para a enfermagem,
eu sofro com o paciente”. Ou seja, coloca-se numa posição de impotência, e igualase ao doente, “vítimas” do sistema de saúde.
Dejours (2006, pp. 34-36) diz que se o sofrimento não se faz acompanhar de
descompensação psicopatológica, é porque contra ele o sujeito emprega defesas
que lhe permitem controlá-lo. Como conseguem, esses trabalhadores, não
enlouquecer, apesar das pressões que enfrentam no trabalho? Pode-se propor um
conceito de “normalidade sofrente”, sendo, pois, a normalidade não o efeito passivo
de um condicionamento social e sim o resultado alcançado na dura luta contra a
desestabilização psíquica provocada pelas pressões do trabalho.
O que faz sofrer também pode trazer prazer e alegria, são sentimentos
individuais, coletivos, que sentem os auxiliares e técnicos de enfermagem quando o
resultado do seu trabalho na cura e recuperação da saúde dos pacientes surge em
seus relatos, o que prova que a natureza do trabalho tem também o prazer, não
apenas a dor, o que o enrijece são as precárias condições de trabalho e os
processos de dominação.
A nossa satisfação é quando o paciente vai embora. Se eu não tivesse
problema no coração eu ainda ficava, apesar das condições. Quer queira,
quer não, isso me realiza (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Gosto de exercer minha função na saúde, trabalho com satisfação, mas
precisa ser mais valorizada (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
É ótimo trabalhar aqui, é como uma terapia, nas férias não paro, vou visitar
pacientes e fazer curativos. Aqui existe o básico, às vezes tem fartura, e
sofro com o paciente, mas o trabalho da enfermagem é ótimo. O problema é
o SUS (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Há um sentimento social entre os profissionais que cuidam dos pacientes, que
se traduz com o prazer, a alegria de ver os resultados positivos, quando da alta do
paciente em bom estado de saúde, o que os faz sentir o dever cumprido; a
valorização de seu trabalho está no reconhecimento da recuperação do paciente;
reconhecem as dificuldades para desenvolver o trabalho, mas sentem prazer, alguns
chegam a dizer que mesmo nas férias visitam pacientes.
266
A dor/prazer são faces de uma mesma moeda do trabalho. Trata-se de
reconhecer a dialética da atividade laboral. Na lógica do neoliberalismo, e das
precárias condições de vida, os vínculos de trabalho tendem a corroer ainda mais a
dignidade do ser humano, principalmente do trabalhador da saúde, exposto a toda
situação de vulnerabilidade do trabalho: “Os modos de dominação e exploração, por
um lado, e os dilaceramentos dos vínculos humanos e das subjetividades, por outro,
são faces da mesma moeda” (SELIGMAN-SILVA, 2011, p. 397). Em vez da
dominação pela dor, humilhação, superá-las pela valorização, por melhores
condições de trabalho e fortalecimento dos vínculos, na sua totalidade.
4.8.9. Tecnologias e equipamentos utilizados pelos auxiliares e técnicos de
enfermagem
Não utilizo novas tecnologias em meu setor, tudo continua como na época
em que iniciei na profissão. Têm equipamentos de segurança e somos bem
preparados antes de entrarmos no setor (Entrevista aux. e tec. de
enfermagem).
Os equipamentos disponíveis para realização do trabalho encontram-se
sucateados, e muitas vezes faltam até equipamentos para os exames
(Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Não tenho acesso às novas tecnologias, os procedimentos continuam
manual, continua escrito, a tecnologia iria otimizar o trabalho, podendo, os
prontuário, ser informatizados (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
A presença de novas tecnologias são poucas, e não mexo com o
computador (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Uso sim novas tecnologias, o glicosímetro (Entrevista aux. e tec. de
enfermagem).
O hospital público pesquisado ainda não funciona com tantas tecnologias, há
escassez dos aparelhos tecnológicos, predominando o trabalho vivo, manual, o
esforço físico, que traz consequências à saúde desses trabalhadores. Mas também
encontra-se, nas falas dos entrevistados, a referência ao sucateamento dos
equipamentos o que torna mais precárias a assistência aos pacientes e as
condições de trabalho. Quanto aos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) à
Saúde do Trabalhador, existem, e alguns falaram da qualidade - que não atendem
as necessidades de alguns, como é o caso de alergias a certos tipos de luvas, etc.:
267
No que se refere à minha alergia ao pó da luva, já conversei com a direção
sobre a possibilidade de comprar luvas antialérgicas, porém o pedido não
foi atendido devido ao custo financeiro ser maior (Entrevista aux. e tec. de
enfermagem).
O hospital privado está mais modernizado, por conta da pressão do mercado,
no hospital público, a modernização pode ser explicada por múltiplos fatores:
Tratando-se de uma instituição pública, as decisões que lhe dizem respeitos
dependem de decisões políticas, nas quais estão envolvidos a situação
financeira do Estado Nacional e das unidades federadas, bem como os
interesses das diversas forças políticas (PIRES, 2008, p. 209).
Acrescenta, ainda, que o uso de determinada tecnologia está diretamente
relacionado
às
posses
dos
pacientes,
mesmo
quando
consideradas
as
necessidades técnicas. A autora diz que, quando os pacientes se organizam
coletivamente e pressionam por melhoria na qualidade e ampliação dos serviços, os
resultados positivos aparecem, mas em ritmo muito lento. O mesmo é sugerido para
os trabalhadores, que se organizem para a ampliação dos equipamentos e obter as
tecnologias necessárias para melhor atendimento à população e condições de
trabalho e saúde, aliando-se à luta por uma saúde pública “gratuita e de qualidade”.
4.8.10.
O sentido do trabalho e da aposentadoria dos auxiliares e técnicos de
enfermagem
Meu trabalho é como lazer, me identifico demais com o que faço, a ideia de
me aposentar causa depressão (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Uma realização pessoal, consegui ser servidora pública, o que me atraiu
para o serviço público foi a estabilidade, o salário é bem mais, mas
comparando com outras instituições federais é bem menos (Entrevista aux.
e tec. de enfermagem).
O trabalho significa independência, de forma alguma ficaria sem trabalho
(Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
O trabalho é tudo na minha vida, pois foi através dele que consegui adquirir
tantos conhecimentos na vida profissional e os meios necessários para a
minha sobrevivência (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
O trabalho é realização, e terapia, fico pensativa se realmente quero me
aposentar, ainda estou indecisa... Será que vou me sentir isolada?
(Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Os sentidos e/ou significados do trabalho como realização pessoal,
profissional e de atendimentos às necessidades objetivas: financeira, estabilidade,
268
subsistência, consumo, etc., são também contraditórios, no sentido de alienação e
realização e o sofrimento quanto à falta de autonomia, subalternidade, dominação.
Um profissional que, na sua maioria, afirma realizar-se com o trabalho, mas, ao
mesmo tempo, é dependente dele socialmente. Como o sentido da própria vida.
Ao pensar na aposentadoria, sentem-se inseguros quanto ao afastamento do
trabalho, têm medo de depressão, do isolamento social. Ao afastar-se do trabalho,
deixar de ser útil e relevante para o local de trabalho e a sociedade. São as
representações que povoam o universo do envelhecimento da classe trabalhadora
contaminada pela sociedade burguesa que idolatra o trabalho útil.
Vejamos outros depoimentos que nitidamente mostram as contradições entre
trabalhar/aposentar. Mesmo que afetem as condições de saúde, vendem-na em
troca de mais valor monetário, para depois gastá-lo com medicamentos, entre outros
motivos.
Vejo colegas meus trabalharem doentes, eles estão tão cansados, mas não
querem deixar de trabalhar (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Tenho problema de saúde... a aposentadoria traz perda financeira... Gasto
muito com remédio e não tem genérico e mesmo se tivesse não confio... O
dinheiro que vou perder é o que gasto com os remédios (Entrevista aux. e
tec. de enfermagem).
O outro hospital é mais organizado, se tivesse que escolher, entre os meus
empregos, melhor local de trabalho é lá, mas pelo salário fico aqui mesmo
no HU (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
O número de licenças médicas foi reduzido... por conta dos plantões
extras... Só deveria ser dado plantão extra às pessoas que podem resolver
alguma coisa (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Vende-se a saúde, vendem-se a qualidade de vida, o descanso, as folgas,
enfim, a questão financeira é um dos principais determinantes para a continuidade
no trabalho, no dizer de Marx, o trabalhador não vende apenas a força de trabalho,
mas sua família, mulher e filhos, e sua própria vida e saúde. Esse dado, que relata o
entrevistado, sobre a redução do número de licenças médicas, foi também citado
pelos profissionais de saúde da Ufal, onde vários profissionais, afastados por
motivos de doença, voltaram ao trabalho para dar plantões extras e assim aumentar
o próprio salário e mais-valia.
O Estado mantém seus mecanismos de aumentar a exploração do trabalho,
ampliando a carga horária, em plantões extras, com o mesmo número de
269
trabalhadores e precárias condições de atendimento e trabalho. O trabalhador,
seduzido pelo fetiche financeiro, integra-se de corpo, mente e espírito às condições
de trabalho a eles impostos; mesmo que consuma parte dele com medicamentos.
4.8.11.
As mudanças na instituição e os impactos no trabalho dos auxiliares e
técnicos de enfermagem
O sistema Cora dificultou e desumanizou ainda mais o SUS, está cada vez
mais fragmentado e não permite ao paciente um atendimento constante e
de qualidade... a gente não pode mais facilitar a vida do paciente (Entrevista
aux. e tec. de enfermagem).
As marcações de consultas... o atual sistema de marcação de consultas
quase não melhorou em nada. O Cora, pois só “vive indisponível” em
relação ao número de vagas para consultas (Entrevista aux. e tec. de
enfermagem).
As OSs, criadas no final do governo Lula, vieram para piorar as condições
de trabalho, os contratos de trabalho são temporários, por dois anos
(Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
As alterações provocadas pelo sistema de marcação de consulta,
eletronicamente, pela Central de Regulação de Serviços de Saúde (Cora), é um
daqueles sofrimentos institucionais que atinge a todos: da direção à assistência, pois
as instabilidades na administração do processo atingem a todos, ao tirar de suas
mãos um controle da situação sem dar respostas para as necessidades de rotina. O
atendimento na marcação é impessoal, frio. Apesar da boa intenção de acabar com
as filas, o sistema não está facilitando o acesso a consulta. As linhas são
congestionadas e a maioria dos pacientes da classe popular não dispõe de recursos
e tecnologias que requer o Cora.
Essa instabilidade e perda de autonomia administrativa é vista pelos
profissionais como incapacidade do gestor, que apresenta uma certa “frouxidão” na
forma que conduz a situação diante dos conflitos gerenciais:
Como eu sou um diretor e não posso me envolver? A direção diz que não
se envolve... Para o paciente entrar no sistema tem que trazer certidão,
CPF, RG, pois tem alguns exames que exigem o CPF da criança... Ninguém
se envolve, ninguém resolve e tudo isso cai nas mãos da enfermagem. Pela
manhã o fluxo de trabalho é maior... (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Mas outra questão que está deixando a instituição em sofrimento, não apenas
o corpo da enfermagem, mas todos que trabalham no hospital, é a implantação das
270
OSs, gerando um “pânico institucional”, medo de serem administrados pela empresa
privada, medo do hospital passar a cobrar consultas, medo da perda do domínio do
público para o privado, na venda do atendimento à saúde. Conforme o princípio de
exequibilidade, ou seja, o hospital ser um arrecadador de incentivos financeiros que
o torne autossuficiente, segundo os interesses neoliberais, em vez de somente da
população que dele necessitar.
As reformas vêm sobre o signo da agilidade, modernidade tecnológica, e
incentivos financeiros, mas esses mecanismos podem ser utilizados sem
necessariamente alterar as relações de trabalho dos que lá estão efetivados.
Entretanto, a tendência é ampliar o quadro de pessoal sem concurso público,
criando trabalhadores celetistas, o que já existe, à medida que forem se
aposentando os servidores públicos, esses postos em geral desaparecerão. Essas
mudanças trazem à tona um sentimento de “impotência institucional”, um sofrimento
social, para Nogueira, M. (2009), que só o coletivo poderá contrapor-se por meio dos
espaços democráticos.
4.8.12.
A Pass-Siass - os serviços de saúde segundo os auxiliares e técnicos
de enfermagem
Se adoecer no HU, só consigo ser atendida mais por amizade. Nunca
precisei da Medicina do Trabalho, quando precisei da Junta Médica fui bem
atendida (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Quando precisei de licença médica, após uma cirurgia, fiquei 120 dias de
licença, não tive nenhum problema. Fui bem atendida, o SESMT – fui
quando tive problemas de pele... e foi sugerido a mudança de setor, mas a
situação foi resolvida na própria clínica, apenas saí do serviço que
precisava andar muito (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Não conheço os serviços de saúde da instituição direcionados aos
servidores, nunca precisei, fiz os exames periódicos, mas não fui entregar
ao médico do trabalho... Não conheço a Pass e nem o Siass (Entrevista
aux. e tec. de enfermagem).
Quando adoeço, recorro ao Plano de Saúde Geap, sobre os serviços de
saúde, conheço apenas a Medicina do Trabalho, não conheço nem a Pass
ou o Siass (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Utilizei a Medicina do Trabalho quando precisei fazer uma correção cirúrgica
e por um acidente de trabalho com objeto cortante (Entrevista aux. e tec. de
enfermagem).
271
A pergunta sobre os serviços de saúde e a Pass-Siass buscava avaliar os
serviços de saúde existentes na instituição, assim como divulgar e constatar o
desconhecimento da Pass. Os entrevistados demonstraram total desconhecimento,
apesar de utilizarem os serviços de saúde e que compõe a política: a Perícia Oficial
e a Medicina do Trabalho, que atua no HU a partir da década de 1990. As
reclamações desses serviços ocorrem mais quando a perícia oficial não reconhece a
necessidade do número de dias de licença médica. Normalmente, são situações de
constrangimento, em que os servidores têm que provar que estão doentes ou por
causa de atestados preenchidos incorretamente:
Não gostei do atendimento da perícia, o médico disse que o meu atestado
não podia ser aceito em razão de não ter CID. Disse para ele: “Dr. se o
senhor estivesse na minha pele, saberia o que estou passando, eu trabalho
de verdade...” (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Outras situações da falta de assistência à saúde do servidor, surgem quando
adoecem no próprio setor, pois não há um serviço de assistência médica, visto que a
Pass-Siass, colocou para a rede pública, através da assistência suplementar,
conforme relatado no capítulo 3 deste estudo. O que é um contrassenso o fato de
adoecer dentro do trabalho e depender de “favor” para ser socorrido e buscar
assistência em outra unidade. Essa é uma das reivindicações e sugestões dos
pesquisados, no entanto, a Pass-Siass está na contramão, repassando para a rede
privada a assistência de saúde e configurando os laços das políticas pública e
privada para o pessoal do Estado.
Os serviços da medicina do trabalho são mais reconhecidos, quando se
referem aos exames ocupacionais que, até 2008, não eram extensivos a todos os
servidores. A cobertura para os auxiliares e técnicos de enfermagem, na maioria,
começou com a implantação desse serviço, em meados de 1990. Os acidentes de
serviço
que
acometem
esses
profissionais
dizem
respeito
aos
objetos
perfurocortantes, às agulhas, seringas etc. Considera, o SESMT, um baixo número
de acidentes, conforme preconiza a legislação, e também não constatamos dados a
esse respeito nas falas dos entrevistados, apesar da reclamação da qualidade dos
EPIS.
272
4.8.13.
Infraestrutura: condições de transporte, alimentação e ambiente físico
dos servidores auxiliares e técnicos de enfermagem
Vou ao trabalho de ônibus, a qualidade é péssima, pego, muita das vezes,
dois ônibus, devido os atrasos, quando poderia pegar apenas um...
(Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Tenho um carro comprei com a família, não tenho habilitação. Vou trabalhar
de ônibus, às vezes é preciso pegar mais de um ônibus, devido à demora...
(Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Tenho dois carros, meu e dos meus filhos, mas uso o transporte coletivo,
ônibus, os gastos com combustíveis são muito grandes... (Entrevista aux. e
tec. de enfermagem).
Venho ao trabalho com meu veículo, recebo auxílio-alimentação. Porém não
almoço no trabalho, considero a limpeza do ambiente boa. (Entrevista aux.
e tec. de enfermagem).
A quase totalidade dos entrevistados começa o seu dia de trabalho
enfrentando a dificuldade de locomoção por causa da péssima qualidade dos
ônibus, tanto pela escassez do número de veículos, quanto pelo tempo de espera no
ponto de ônibus, o que pode produzir certo estresse na ida e volta do trabalho. A
cidade cresceu e os transportes coletivos não acompanharam a necessidade da
população que depende do ônibus, não há metrô, e o trem que faz o subúrbio não
contempla a linha viária do HU-Ufal.
Os ônibus, desgastados pelo tempo de uso, oferece péssimas condições
físicas, assim como andam quase sempre com excesso de passageiros, as “latas de
sardinha” e vêm ocorrendo também inúmeros assaltos aos ônibus e aos
passageiros. É muito comum os trabalhadores chegarem contando as “aventuras”
ocorridas nos trajetos de ida e volta do trabalho, pois estão sempre sujeitos a
colisões, devido ao tráfico intenso em estradas com péssimo estado de
conservação.
É significativo o número dos que possuem carro, até porque, com o incentivo
da política do governo ao consórcio de produtos eletroeletrônicos, motos, carros,
ficou “fácil” para a classe trabalhadora possuí-lo, embora seja difícil usufruí-los para
seu bem-estar, devido aos custos altos de combustível, pneus, energia, etc.
Os que usam o seu carro no percurso para o trabalho, também sentem os
contratempos dos constantes “engarrafamentos” e a violência advinda de colisões
que dificultam sua ida e volta ao trabalho.
273
Quanto à alimentação, tanto no HU quanto na Ufal, não há restaurantes
especificamente para os servidores, subsidiados pela política de Estado e/ou
institucional, todos recebem auxílio-alimentação junto com os salários. Apenas os
profissionais que trabalham em regime de plantão, o plantonista, tem direito a
refeição no HU.
Alguns reclamam da falta de água potável, mineral, para beber, nos postos de
serviço, e dizem que a reitoria e a área da administração hospitalar têm direito a
água mineral, referindo-se ao pessoal da burocracia do escritório e da administração
superior, enquanto o pessoal da clínica não tem. Se quiserem, trazem suas garrafas
de casa, assim como café, leite, bolachas, para seus lanches.
Mostra Giffoni (1993) que os tipos hierárquicos no serviço público, onde o
pessoal que não desenvolve atividade braçal, são diferenciados, o que é
comprovado com a fala dos entrevistados e gera ainda mais indignação e
desvalorização dessa força de trabalho tão relevante para a assistência à saúde da
população, como alguns colocaram: a “peça-chave”: “Não tenho direito nem a água,
tem que comprar. Na reitoria tem...”. “Os que têm direito a alimentação no hospital
são estagiários, residentes e quem faz plantão, o servidor não tem direito. é
discriminado”.
Constata-se que algumas situações são específicas de cada setor da
enfermagem em estudo como é exemplo o calor. Os ambientes são quentes, por
falta de manutenção dos aparelhos quebrados e devido à morosidade para consertálos e limpá-los, assim como a falta desses aparelhos em alguns postos de
enfermagem. Outros setores têm café da manhã, fornecido a todos da enfermagem,
enquanto alguns se cotizam para socializar lanches.
A desqualificação, aqui designada pelos entrevistados como discriminação,
devido à hierarquia ocupacional e institucional, tem também o componente de
exploração maior entre as profissionais do sexo feminino, como é o caso da
enfermagem, que não tem serviço de ar-refrigerado, assim como água, etc. Nesse
sentido, Seligman-Silva (2011, p. 226), diz que a desqualificação favorece a
exploração, a super exploração e a elevação do desgaste das trabalhadoras.
A hierarquia ocupacional de qualificação esclarece a hierarquia sexual na
representação e do mundo do trabalho. A desqualificação do trabalho feminino
configura-se, em verdade, como fabricada pelo capital, fundamentada no interesse
de custos. No Estado, o hospital público reproduz a lógica da desqualificação,
274
representada pelos setores que necessitam do ambiente com temperatura favorável
ao desenvolvimento do trabalho de auxiliares e técnicos de enfermagem, na grande
maioria do sexo feminino, mas que não tem prioridade para a melhoria das
condições ambientais reproduzindo a exploração e desqualificação da mão de obra
feminina.
4.8.14.
Modo e qualidade de vida dos auxiliares e técnicos de enfermagem
Sou provedora da família, saio com minhas filhas, vou a praia, ao cinema,
faço caminhada, gosto de ler e faço um curso de especialização a distância
(Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Divido as despesas com meu marido, finais de semana vou para casa de
praia ou viajo com amigos, familiares, como sou hipertensa... pratico
exercícios constantemente, faço caminhadas (Entrevista aux. e tec. de
enfermagem).
Considero o salário suficiente para manutenção, sou divorciada, nos finais
de semana vou a casa de praia, sou relapsa com relação a saúde não
pratico atividades físicas, nem cuido da alimentação, sou hipertensa...
(Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Mantenho a casa, sou caseira, nos finais de semana vou a igreja, gosto de
visitar os parentes, viajo duas vezes ao ano, gosto de praia só para
caminhada, não faço diariamente. O médico recomenda fazer hidroginástica
(Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Sábado e domingo são dias de lazer, mas lazer hoje em dia é muito caro,
não gosto de praia, tenho pele sensível, gosto de viajar, mas minhas
atividades são mais em casa mesmo. Faço academia e exercícios de
bicicleta em casa, glicose no limite, pressão apresenta elevação só com o
emocional (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Esses determinantes sociais mostram as escolhas dos sujeitos quanto ao seu
modo de construir as próprias vidas, não há chefes, nem burocracia para dizer o que
fazer ou como devem fazer.
No contexto social no qual estão inseridos, sofrem interferência nas escolhas
de vida, lazer, esporte, casa. A maioria possui casa própria, ou financiada, outros
possuem casas de praia, de aluguel, para aumentar a renda familiar, são chefes de
família, provedoras de família, o que é compatível com a realidade alagoana, que
tem um alto índice de chefes de família do sexo feminino. E atraídas pelos sonhos
pessoais e fetiche do consumo, realizam seus desejos de ter carro, viajar, passear,
etc.
275
Enfim, vivem nas condições que lhes cabem no bolso, pois merecem todo
conforto e devem fazê-lo como forma para recompor suas energias para o trabalho e
usufruir melhor qualidade de vida. A realização dos sonhos de consumo não é
sinônimo de libertação da opressão, mas, às vezes, a fuga e compensação das
frustrações do cotidiano: “Eu sofro mas compenso conquistando meus sonhos e
desejos”22.
Há também aqueles que preferem não sair nos fins de semana, mas ficam em
casa vendo tevê, ouvindo música, fazendo os trabalhos domésticos, e no convívio
com a família. A Igreja é também muito citada por aqueles que professam um credo.
A decisão de ter ou não atividades físicas, lazer, alimentação, é, em parte, da
consciência de cada sujeito, embora tenha um conteúdo ideológico, social, que
conduz suas escolhas. Ressalta-se a corresponsabilidade dos sujeitos na condução
de sua vida e saúde que favoreça o completo bem-estar físico, mental e social.
4.8.15.
Vínculos de trabalho com o Estado e participação sindical dos
auxiliares e técnicos de enfermagem
...Meu patrão é a União e os pacientes. Servidor público é aquele pessoal
que ao passar no concurso público vai trabalhar e cumprir seu dever e
direito, mas os reconhecidos e prestigiados são os que não merecem, os
que trabalham correto não são reconhecidos nem valorizados (Entrevista
aux. e tec. de enfermagem).
Meu patrão é o povo, gerenciado pelo presidente. É o povo que contribui.
Aqui não tem ele ou ela que é melhor... Somos todos nós. O paciente é o
motivo da gente estar aqui (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
O patrão do servidor público é a presidenta Dilma, o paciente tem todas as
mordomias e a gente ainda dá mais. O trabalho é suado, mas é bom...
promove dor e satisfação... (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Servidor público é o cidadão que presta serviços à população e que precisa
melhorar. Meu patrão é o povo, que proporciona tudo para a gente,
podemos contribuir dando mais da gente, mas muita coisa não depende da
gente (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Não existe a figura do patrão, respeito a hierarquia, todo servidor é
responsável e capaz de responder (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
22
Muito bem diz Konder (2000) que não se trata de declararmos guerra ao consumo, mas que não se torne
escravo do apelo do consumismo; consumir para viver ou viver para consumir?
276
O objetivo era conhecer a concepção do Estado e a consciência do seu papel
através do trabalho que prestam à saúde, ou seja, o papel social de devolutiva dos
tributos pagos pela população brasileira em forma de políticas sociais, no caso em
tela, a saúde hospitalar.
Percebe-se que a maioria tem esse entendimento de que o Estado (patrão)
assume uma identidade social, genérica, o povo, a população, o paciente do
hospital, que têm direitos, são cidadãos. Ou seja, deve representar os interesses
reais da população, não apenas do capital, pois, como dizem: “o paciente é o motivo
do nosso trabalho”.
Mas há os que reclamam desses direitos tidos como “mordomia” e os que
reconhecem que poderiam prestar melhor serviço, mas que não depende somente
dos servidores públicos e, sim, das políticas governamentais e dos investimentos.
Enfim, o servidor público, no exercício de sua função, é o próprio Estado,
personificado através do trabalho e das ações que estão realizando, salvaguardadas
as devidas proporções éticas e políticas, de responsabilidade e função estatal,
portanto, é um trabalhador social, presta serviços a todos, não visa ao lucro do
capital, mas o lucro social. Para Codo (2007), o que faz, para que serve o Estado,
com uma palavra, existe para fazer política. Uma política social para todos e de
qualidade, embora muitas vezes não o faça, mas é seu dever.
Quanto à participação sindical, a maioria diz não ser ativa; é associada, vai às
reuniões e assembleias quando tem interesse:
Participei de um encontro no Rio de Janeiro sobre os HUs e saúde do
trabalhador, sou sócio do Sintufal, estou ligado ao movimento (Entrevista
aux. e tec. de enfermagem).
Não participo ativamente do sindicato, fui a Brasília semana passada, gosto
de participar de encontros (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Não quero participar, já fui chamado por colegas, mas não quero ir
(Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Já fui, hoje não faço mais parte do sindicato, desacreditei, dão pouquíssima
ousadia pra gente se envolver, lá em Brasília são eles que decidem... a
Dilma é ela quem decide, a gente faz greve, ela diz: “Prende o dinheiro, o
salário”, aí a gente tem que trabalhar... (Entrevista aux. e tec. de
enfermagem).
Esse é um dos desafios colocados para o movimento sindical: reconquistar e
mobilizar a classe trabalhadora, tão fragmentada, desacreditada, desmobilizada. O
crédito na força organizativa sindical está em baixa. No sindicato da Ufal,
277
representantes dos auxiliares e técnicos de enfermagem participam ativamente e
fazem parte da direção colegiada, mas a maioria encontra-se numa posição passiva
e de descrédito do poder da força do coletivo, organização e mobilização da classe
trabalhadora, em busca e garantia dos direitos sociais e trabalhistas. Percebe-se
quase total ausência da politização sindical, pois limitam-se a participar dos eventos
que lhes interessam individualmente.
4.8.16.
Sugestões para melhoria das condições de trabalho e saúde dos
auxiliares e técnicos de enfermagem
Falta interação entre profissionais, o ideal seriam 4 pacientes para cada
profissional, adquirir bons materiais, adotar a escala do Coren, aumentar a
quantidade de materiais (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Investir em cursos, na qualificação, passa muito tempo e você vai pegando
vícios, não faz a mesma coisa que você aprendeu... (Entrevista aux. e tec.
de enfermagem).
Antigamente, o setor de pessoal proporcionava ginástica laboral, sugiro que
voltem esses serviços, deveria ser dada mais atenção ao servidor, ter
médicos diariamente para atender o servidor no HU, pois se precisar de um
atestado é mal atendido, humanizar o atendimento... (Entrevista aux. e tec.
de enfermagem).
O hospital poderia facilitar o acesso à marcação de consulta para os
servidores (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Deveria ter exercícios, academia, biblioteca, berçário, na maternidade, só
tem mulher trabalhadora, em idade fértil, e não tem creche para os filhos...
Contratação de mais profissionais, pois a carga é muito pesada... realização
de concursos públicos... (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Tratamento psicológico ajuda, só não individual, grupal, para poder
desabafar, extravasar (Entrevista aux. e tec. de enfermagem).
Devia existir rotatividade nos setores para facilitar a saída para qualificação
e substituição e saber dividir a carga horária... Rodízio nos setores porque
muitas pessoas se acham donas do setor e gera conflitos (Entrevista aux. e
tec. de enfermagem).
As sugestões e solicitações são coerentes com a realidade de saúde e
condições de trabalho apresentadas, onde a escassez de material e humana é
constante e motivo de tensões e adoecimentos. Por ser uma atividade que requer
esforço físico e sobrecargas físicas, sociais e emocionais, são fundamentais as
atividades físicas contínuas e até a criação de espaços para exercícios físicos e
278
laborais, no hospital, assim como a criação de grupos terapêuticos para aliviar as
tensões, estresses do cotidiano do trabalho e promover a interação entre as
equipes.
Solicitam também uma política de assistência à saúde do trabalhador para
atender suas necessidades no cotidiano e que não estão previstas no escopo da
Pass-Siass, o que não impede de ser uma política institucional. É também uma das
sugestões dos profissionais da equipe de saúde a criação de um programa de saúde
básica, nos moldes do Programa Saúde da Família (PSF), que resolveria 80% dos
problemas de saúde desses trabalhadores.
Ficaram visíveis as solicitações de alteração dos processos e organização de
trabalho por meio de rodízios, melhor distribuição da carga horária, humanização
nas relações, interação entre as equipes, contratação de pessoal e melhor
infraestrutura, com creche, biblioteca e facilidade na marcação de consulta para
servidores e pacientes. São sugestões endossadas por profissionais da equipe de
saúde, possíveis de serem concretizadas, desde que predominem o bom senso da
gestão, a sensibilidade dos administradores e a organização dos trabalhadores e
profissionais da saúde, como estratégia para efetivação de melhoria nas condições
de trabalho, com autonomia e menos dominação.
4.9.
Considerações gerais
Uma das características do trabalho no serviço público, especificamente em
hospital
público,
é
a
assistência
à
saúde
da
população
prestada
indiscriminadamente, mas as condições do atendimento nem sempre condizem com
as necessidades de qualidade e agilidade, por falta de políticas de investimentos nas
ações, que se materializam pelas constantes falta e escassez de recursos materiais
e humanos, etc.
Essas
carências identificadas pelos que prestam a assistência de
enfermagem são vistas como decorrência da burocracia, que provoca a morosidade
no processo de compra, o que agrava ainda mais a falta de material.
É importante ressaltar quanto a burocracia instalada no poder estatal, que
define e aprova orçamentos e recursos para as instituições públicas, que faz
279
normas, leis, para gerir as compras, a exemplo do Pregão, modalidade menos
complexa e rápida, não consegue, na prática, atingir seus fins, na agilidade e
efetivação das compras.
É interessante observar que todos os entrevistados reclamam desse processo
e reconhecem a burocracia como um dos processos de trabalho que provoca
tensão, aborrecimento, e interferem nas condições de saúde e na qualidade dos
serviços prestados.
A população usuária dos serviços de saúde e de outros serviços públicos tem
a ideia de que o servidor não gosta de trabalhar e que dificulta o acesso aos
serviços através da burocracia. É o poder estatal, personificado pelo servidor
burocrata, na prática, que é atingido também pela (ir)racionalidade burocrática.
Vimos que o trabalhador da assistência, o que põe a “mão no paciente” sofre
tanto com a burocracia que não lhe permite ser um facilitador, no sistema de saúde,
para o paciente em busca das suas ações.
Não apenas a burocracia, mas a falta de autonomia deixa ainda mais
fragilizados os vínculos institucionais e com pouca mobilidade em tomar a mínima
decisão sobre ações no seu cotidiano e de sua competência profissional.
Codo (2007) reflete sobre essa questão sobre as “amarras burocráticas” que
estão presentes no fazer do servidor público. “Parece ao cidadão comum que o
servidor público é um ser ‘dotado’ da misteriosa propriedade de tornar difícil o que
seria tão fácil, de criar dificuldades ao invés de resolver problemas (...)” (p. 297).
Alguns servidores realmente demonstram essas propriedades de dificultar o acesso
da população, mas a maioria dos que cuidam do paciente não concorda com essas
amarras.
O poder burocrático é um dos traços tão marcantes que os profissionais que
atuam na ponta do processo do trabalho de saúde, nos terminais da assistência à
saúde, sentem e sofrem seus efeitos “perversos” no cotidiano.
Pois é nos terminais das políticas de saúde, na lida com o paciente, que se
torna visível toda a perversão das políticas sociais, sob a égide de redução de
gastos e investimentos na saúde, na lógica do capital, por meio dos mecanismos de
controle burocrático do poder estatal.
Mas a sociedade brasileira, a população, tem direito de acompanhar e
visibilizar os gastos e investimentos nas políticas sociais e, com esse fim, os canais
de participação e informação devem prestar contas do que, como e porque foram
280
feitos os gastos, quais os recursos financeiros angariados com os impostos de todos
brasileiros, pois, apesar das amarras, a burocracia não evita os desvios de verba e o
mau uso do dinheiro público, verificados em denúncias diariamente divulgadas pela
mídia.
Identifica-se que o serviço público hospitalar, entre outros, segue a lógica da
organização e os processos de trabalho do mercado e produção capitalista, como
afirma Codo (2007):
O Estado funciona de forma taylorista e em seu maior princípio, seu guia,
seu norte: a radical separação entre o planejamento e a execução (...) O
Serviço público, um trabalho impossível de ser taylorizado, o que faz o
funcionário perante esta contradição? Faz a única coisa possível para
sobreviver: política. Afinal trabalha em um organismo político, sobrevive da
política. O que mais poderia fazer? Uma “outra” política, já que não tem
acesso aquela que se decide nos gabinetes, faz outra, inventa outra,
qualquer outra (p. 306).
O deixar de bem cuidar do paciente, por falta das condições objetivas do
trabalho, não pode ser compreendido apenas como ato de profissionais relapsos,
displicentes, alguns atributos com que a sociedade costuma denominar o servidor
público. Codo (2007) chama a atenção:
O não fazer do serviço público não se iguala ao não fazer do nosso
cotidiano. Não pode ser confundido com a não ação, ao contrário, é ativo,
implica em ação e mais complexa, mais onerosa, mais de trabalho do que
do não trabalho (p. 301).
No cotidiano hospitalar, deixar de administrar certos cuidados aos pacientes,
medicamentos, suspender cirurgia por falta de material, equipamentos e de pessoal,
são decisões muito mais onerosas, por causa da permanência do paciente, que
requer trabalho da enfermagem no acompanhamento dos sinais vitais, alimentação
diária, etc. O deixar de não fazer o que deveria ser feito não significa que nada se
fez. Quanto ao paciente, que permanece no hospital por mais dias, também fica
“estressado”, segundo o relato de um auxiliar de enfermagem: “Quanto mais tempo
o paciente fica na clínica, mais estressado fica, e nós também ficamos”. O Não
trabalho do servidor pode provocar muito mais trabalho e custos.
De fato, no serviço público existem trabalhadores que também não gostam de
trabalhar e que se aproveitam da morosidade das decisões para justificar o não
trabalho, reforçando ainda mais os mecanismos burocráticos em defesa própria. Os
próprios entrevistados dizem que há conflitos com a equipe, principalmente por
281
causa do descompromisso com o horário, na falta de envolvimento com as
atividades, entre outros fatores.
Um hospital público não tem como objetivo fundante o lucro, mas o papel de
atender às necessidades de saúde da população com qualidade e quantidade. Ou
seja, as instituições públicas podem também estabelecer produtividade socialmente
aceita, que considere tanto as condições objetivas como as subjetivas, não visando
o lucro do capital, mas o melhor atendimento da população, que muito espera por
uma consulta especializada, cirurgias, etc.
A recente Lei da Informação que se propõe a divulgar para os cidadãos os
salários, a carga horária dos servidores, deveria também informar o que estão
fazendo, como, e quanto estão fazendo. Assim a população pode exercer o controle
social sobre os serviços prestados, verificando os custos/benefícios, de forma que a
produção social dos servidores públicos possa melhorar a qualidade e quantidade
dos serviços prestados.
Por fim, com relação ao Estado, instância do poder político em que estão
postos os interesses e as políticas antagônicas da classe dominante e da dominada,
o trabalhador não pode desvincular-se de sua prática institucional cotidiana. O
conteúdo político de sua função tanto pode ser um dificultador, normatizador de
regras e enquadramento do paciente do “não pode isto”, “nem aquilo”, “muito menos
isso”, ”cumpro ordens”, como
facilitador do acesso pelo paciente aos serviços,
incentivando-o a buscar seus direitos sociais e a humanização das relações,
considerando suas reivindicações, e respeitando suas diferenças.
Como diz uma das entrevistadas: “A enfermagem é tudo para o paciente,
somos um pouco de psicólogos, enfermeiros, médicos, nutricionista, tudo sobra pra
gente, apesar de não sermos valorizadas”.
O conteúdo político da ação do servidor público é aqui interpretado no
protagonismo dos sujeitos sociais, que fazem o cotidiano hospitalar para a melhoria
das condições do trabalho que requer não apenas materiais, equipamentos e
ambientes salubres, mas principalmente autonomia e participação nas decisões no
planejamento e execução, afinal falou uma entrevistada: “respeito hierarquia,
reconheço a chefia não como patrão, pois todos somos responsáveis e capazes de
assumir nossas funções”.
A dimensão social da saúde do trabalhador público está no reconhecimento
desses profissionais, na mobilização no enfrentamento das questões relacionadas
282
ao trabalho que desumanizam, desvalorizam e desconhecem a capacidade de
criação do trabalhador, seja ele auxiliar ou técnico de enfermagem. Superar a dor,
enaltecer o prazer, a valorização, a autonomia que implica responsabilidade coletiva,
romper com as correntes de dominação e exploração dos trabalhadores, sejam
públicos ou privados, é um exercício contínuo de participação social.
283
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os vários autores analisados levaram-nos a refletir e explorar os mais
diversos ângulos, por vezes contraditórios, da política de saúde do trabalhador em
geral e a política de atenção à saúde do servidor público federal. Além dessas
análises teóricas e práticas, trouxemos também as pesquisas documental e empírica
referentes ao contexto social do universo analisado e dos sujeitos sociais atendidos
por essa política.
Outros conhecimentos foram acrescentados, relacionados ao cotidiano das
ações dos trabalhadores públicos, o saber-fazer e saber-demonstrar as contradições
na execução de suas atividades, entre o fazer “correto” e o não fazer com qualidade,
devido às precárias condições de trabalho que interferem na qualidade dos serviços
prestados à população e nas tensões e frustrações delas provenientes, provocando
mal-estar físico, mental e social nos auxiliares e técnicos de enfermagem, principais
sujeitos sociais de nossa pesquisa.
Contamos também com o conhecimento técnico-científico dos profissionais
que atuam na Unidade de Referência de Saúde dos Servidores da Ufal: médicos,
enfermeiros, engenheiro, psicólogo, fisioterapeuta e assistentes sociais, entre
outros. Todos colaboraram com a pesquisa, ampliando a análise interdisciplinar
sobre a saúde do servidor público, identificando os limites e as possibilidades da
Pass, da iniciativa governamental na proposição dessa política, que está, porém,
muito longe de sair do “papel”, por causa da falta de infraestrutura física, material,
pessoal e financeira, por parte do Estado, uma vez que os recursos estão
centralizados no MPOG.
A
própria
conjuntura,
na
perspectiva
do
neoliberalismo,
propõe
o
encurtamento do Estado “mínimo” e a consequente redução e privatização das
políticas sociais. A participação dos gestores possibilitou a análise dos limites e
possibilidades da PASS, por meio dos serviços de saúde prestados aos servidores.
Além de enfatizarem a falta dos recursos de toda ordem, observam certa resistência
e morosidade da equipe técnica no uso do sistema de saúde e a falta de maior
envolvimento nas ações, mesmo considerando a escassez de material, os precários
espaços físicos, a falta de investimentos por parte do Estado, afirmam que, com um
pouco mais de compromisso, é possível avançar nas áreas de promoção e
prevenção.
284
Quanto à representação sindical, concretamente, sobre o controle social na
saúde do servidor público, não vem ainda acontecendo. Essa retração na
mobilização sindical, especificamente da saúde do servidor, não é sinônimo de
omissão na luta por melhores condições de trabalho e defesa dos interesses dos
servidores e na garantia do serviço público hospitalar público, gratuito e com
qualidade, a exemplo do movimento engendrado contra a implantação das OSs, seja
qual for a modalidade, na Ufal-Hupaa.
Porém, há, no movimento sindical, certa despolitização da categoria do
servidor público, que reproduz a ideologia dominante, em busca de resultados
imediatistas, e o individualismo, reforçando ainda mais a fragmentação dos
trabalhadores. O protagonismo desses sujeitos sociais na construção e controle da
Pass é um dos desafios postos para que possa acontecer na sua integralidade.
Com este estudo, espera-se contribuir para a mobilização e o protagonismo
do servidor público na construção de uma política de saúde que considere a
dimensão social e atue nos determinantes invisíveis da saúde do servidor. Está
posta no “papel”, ou seja, falta-lhe efetividade. Isso poderá acontecer com a
participação dos servidores, do movimento sindical, da equipe de saúde e dos
gestores, coletivamente, produzindo a saúde dos servidores/trabalhadores que
traduza a realidade social e de saúde.
Uma das características principais, hoje, no trabalho de saúde, como mostra
Nogueira, M. (1983), é a coletivização, superando as práticas individualizadas dos
profissionais autônomos.
A efetividade da dimensão social da saúde do servidor está em considerar,
nas avaliações técnicas, as ações de saúde e os laudos periciais, as relações
sociais do trabalho no Estado por meio de processos, organizações e condições de
trabalhos, por vezes precários; e as condições socioeconômica, cultural e a vida
desses trabalhadores investigadas. Hoje, nessas avaliações, só constam o “legal
previsto em legislação”, deixando de serem efetivados os direitos em sua dimensão
social.
A dimensão social de saúde poderá conduzir às transformações sociais
necessárias nos ambientes de trabalho, reduzindo as relações de dominação
autoritária e ampliando as relações democráticas, mais participativas, dialogadas,
que implicam a corresponsabilidade dos sujeitos coletivizados.
285
Trazer o protagonismo dos sujeitos coletivos é um dos determinantes sociais
para que venham à tona os reais interesses e as necessidades de saúde e melhoria
do trabalho desses trabalhadores públicos. Para as ações de vigilância, promoção e
prevenção, assistência na integralidade é fundamental o conhecimento técnicocientífico na condução das ações da Pass. Assim como as atividades e sugestões
propostas pelos entrevistados contribuem para melhorar a condição de saúde e
trabalho. Porém, é necessário o protagonismo social, para que as transformações
aconteçam no aparelho do Estado, e a decisão dos sujeitos sociais em assumir a
parte que lhes cabe.
Contribuímos também com algumas sugestões e reflexões sobre o tema
pesquisado e com as categorias abordadas no referido estudo. O Estado, “terra de
ninguém”, é de muita gente, toda gente. Potyara (2008) chama a atenção para essa
abordagem popular, como se o Estado não tivesse “dono”. Imagem essa, às vezes,
refletida pelo modo de operar as políticas do Estado, pela ação do servidor público
e pelas forças administrativas e políticas que conduzem o Estado. Portanto, o
Estado é o espaço de toda “gente”, onde se encontram os diversos interesses em
jogo. Segundo L’abbate (2009, p. 272), a consolidação do direito à saúde depende
da existência de uma sociedade, na qual os projetos dos vários sujeitos possam
entrar em disputa, prevalecendo aqueles projetos que contenham melhor
significação e mais relevância para a construção de uma verdadeira democracia
econômica e política.
Nesse sentido, o Estado não é um conceito abstrato irreal, mas
historicamente
construído
e
socialmente
contextualizado.
Na
posição
de
empregador, patrão, usa da lógica neoliberal, reduzindo os direitos trabalhistas
conquistados pelos servidores públicos, como a perda da aposentadoria integral; o
aumento da idade e do tempo de serviço para a aposentadoria, etc. E na exploração
da mão de obra, utiliza os mecanismos de horas extras com plantões na área da
saúde, para ampliar, com o mesmo quadro de pessoal, as ações de saúde,
explorando ainda mais os auxiliares e técnicos de enfermagem que vendem sua
folga, as horas de descanso e lazer, para aumentar seus baixos salários. Aliás,
vendem sua força de trabalho, sua saúde e seu tempo livre para desfrutar com a
família.
A Pass, enquanto política integral – de promoção, prevenção, assistência
suplementar e controle social – na perspectiva da saúde do trabalhador, na
286
superação da hegemonia da saúde ocupacional, pode ser considerada uma utopia,
um desejo a ser alcançado com a participação coletiva dos sindicatos e dos
servidores em geral. A maioria não sabe da existência dessa política, apesar de ter
participado de algumas ações de saúde, exames ocupacionais, perícias em saúde,
etc.
A intencionalidade da Pass pode ser dividida em três grandes linhas: a
gestão, organização e o controle, por parte do Estado, das licenças de saúde dos
servidores, através do Siass e Siapnet-Saúde, no gerenciamento dos dados e na
administração dos gastos com os afastamentos e aposentadorias por invalidez e
precoces.
Com isso, pretende reduzir os custos e benefícios do servidor público, ao
gerar dados estatísticos e epidemiológicos, estabelecer programas de saúde a
exemplo do LERT/Dort, e Saúde Mental de prevenção ao adoecimento.
O terceiro, ainda não efetivado, diz respeito ao protagonismo dos sujeitos
coletivos, os servidores públicos, pois, sem a participação desses, não haverá saúde
do trabalhador. É fundamental a participação das representações sindicais e a
criação das Comissões Institucionais de Saúde (Cissp) na construção dos espaços
democráticos que tragam à tona as condições precarizadas de trabalho,
principalmente pela constante falta de material; as relações de trabalho
dominadoras, subalternas; os processos burocráticos que provocam estresse e o
precário atendimento nos serviços de saúde prestados à população. E a
necessidade de autonomia e valorização dos trabalhadores da saúde: os auxiliares e
técnicos de enfermagem.
Sem esse protagonismo, a Pass resumir-se-á apenas às perícias e serviços
de saúde ocupacionais, relevantes, mas, em si, incompletos. Na saúde do
trabalhador, em sua dimensão social, traz uma visão ampliada, que vai além dos
muros institucionais, dos ambientes de trabalho, dos riscos e dos agravos à saúde,
assim como as condições socioeconômicas e ético-políticas do trabalhador.
A dimensão social é um processo de construção coletiva que envolve os
trabalhadores, no caso em estudo, os auxiliares e técnicos de enfermagem, os
profissionais de saúde,
os movimentos sociais organizados, as comissões e os
sindicatos. Juntos, construirão as ações da prevenção, promoção e assistência
integral, colocando nelas seus conhecimentos sobre a realidade social e do trabalho.
287
Nesse processo, todos podem contribuir com seus conhecimentos
científicos,
técnicos e práticos.
Nessa abordagem coletiva, não há objeto de estudo, cliente da política de
saúde, mas sujeitos protagonistas dessa história: a saúde do trabalhador
público/privado.
O conhecimento dos trabalhadores técnicos e auxiliares de enfermagem,
através de suas experiências de saber-fazer e identificar as condições de trabalhos
a que são submetidos, concede-lhes autoridade e competência para demonstrar as
dificuldades encontradas no desempenho de suas atividades e propor possíveis
soluções para superar as situações precárias de trabalho.
São experiências e conhecimentos das relações sociais do trabalho contidos
nos processos de produção de suas atividades, e das situações vulneráveis a que
estão sujeitos nos aspectos biológico, físico, químico, social e os sofrimentos. Essas
experiências e conhecimentos permitem que dialoguem com a equipe dos
profissionais da saúde, participando das avaliações dos ambientes e da saúde que
melhor se aproximem da realidade e necessidades desses trabalhadores.
Sugere-se que os assistentes sociais, enquanto membros da equipe de saúde
relacionada ao Serviço Social, promovam encontros locais, regionais e nacionais
para estabelecer os parâmetros da atuação na saúde do trabalhador; discutam e
proponham um plano de ação que contemple o projeto ético-político na construção
dos espaços democráticos em defesa dos direitos dos trabalhadores e da saúde,
assim como de garantia do espaço de trabalho na equipe de saúde do trabalhador.
A posição do sindicato, na luta pela saúde do trabalhador público/privado,
pode ser reforçada com programas de capacitação para a participação e a
mobilização do movimento sindical, das associações e comissões de saúde, as CistCissp, para coletivamente formar uma força política em prol da saúde dos
trabalhadores na integralidade, contemplando os direitos sociais, econômicos e
políticos dessa classe que vive do trabalho público ou privado e que atuam no
aparelho do Estado. A luta sindical vai além, na defesa da saúde pública, gratuita,
em detrimento das política e gestão privada da saúde.
A participação dos servidores públicos em todo o processo de construção da
política de saúde é uma das condições para o protagonismo da classe trabalhadora
na efetivação dessa política, caso contrário, teremos apenas o controle do Estado,
através do Siass, sobre a saúde do servidor.
288
O desafio está na efetivação do controle social, dos espaços democráticos do
servidor para concretização de uma política de saúde do servidor democrática e
integral.
A devolutiva será feita em encontros e durante o II Seminário de Saúde do
Servidor Público, em Alagoas, socializando o estudo realizado, depositando-o nas
mãos dos servidores, para melhor compreensão e análise da realidade social, em
busca da transformação das condições precárias de trabalho, das relações de
respeito e valorização do servidor na sua totalidade.
289
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2004 . Disponível em: <SIASS: www1.siapenet.gov.br/saude>.
ORGANIZAÇÕES POR LOCAIS DE TRABALHO (OLT). Saúde. Disponível em:
<www.siapenet.gov.br>.
PLANO DIRETOR DO HUPAA, 2001. Mimeografado.
PROJETO INSTITUCIONAL UNIDADE DO SIASS-UFAL, 2010. Maceió (AL):
Progep/Ufal. Mimeografado.
RELATÓRIO EXAMES PERIÓDICOS DA UFAL. Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas
no Trabalho (Progep). Coordenação de Qualidade de Vida no Trabalho (CQVT).
Universidade Federal de Alagoas (Unifal). Maceió (AL), 2010. Mimeografado.
RELATÓRIO UFAL – 45 ANOS: um novo estado de espírito. Estrutura
organizacional da Ufal. Proginst (Pró-reitoria de Gestão Institucional), 2006. Maceió
(AL): Ufal.
II ENCONTRO NACIONAL DE ATENÇÃO À SAÚDE DO SERVIDOR. Brasília (DF),
2009.
294
7o CONGRESSO NACIONAL DA FERNAJUFE POLÍTICAS PERMANENTES.
Saúde do trabalhador no serviço público federal: novo cenário – Coletivo a
Fenajupe pode mais.
SILVA, M. CCC. Relatório do estágio sanduíche de doutoramento. Lisboa –
Portugal, 2011. (Doutoranda em Serviço Social)– PUC-SP, bolsista Capes.
Mimeografado.
SISOSP. Secretaria de recursos humanos. Ministério Público. [s.d.]
UFAL. Estatuto e requerimento geral da Ufal. Maceió (AL), 2006. Mimeografado.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS. Regimento e estatuto. Mimeografado.
295
ANEXOS
296
ANEXO A - COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
297
ANEXO B – Entrevistas
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA – SERVIDOR PÚBLICO
1. Em relação ao processo de trabalho:
a.
O que faz e gosta de fazer?
b.
O que faz e não gosta de fazer?
c.
O que gosta de fazer e não faz?
2. Em relação ao sentido do trabalho do servidor:
a. Qual a visão do servidor público?
b. Qual a visão sobre servidor público?
c. Qual o sentido do trabalho do servidor?
3. Em relação à saúde do servidor público:
a. É portador de alguma doença? Qual?
b. Quais atividades que executa e que interferem no seu bem-estar (mental e
social)?
c. Quais as principais questões ambientais, organizacionais, relacionais
interferem no seu bem-estar?
4. Em relação aos serviços de saúde do servidor público:
a.
Quando adoece, qual o serviço de saúde que recorre?
b.
Qual a sua avaliação sobre os serviços de saúde do IES?
c.
Você conhece seus direitos referentes à saúde do servidor?
d.
Você teria alguma reivindicação no campo da saúde e do bem-estar?
5. Em relação às condições e ao modo de vida do servidor:
a.
Meios de transporte utilizados para ida e volta ao trabalho (tipo, tempo de
locomoção);
b.
A situação familiar do servidor em relação a: composição, posição de
servidor e provedor da família;
298
c.
Identificar outros vínculos empregatícios (acúmulo de trabalho);
d.
Identificar as expectativas do servidor em relação: vida, família e trabalho.
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DA UFAL
1. Em relação às novas tecnologias e sua interferência na saúde:
a.
Quais as principais interferências percebidas?
2. Quais as doenças/queixas mais frequentes do servidor público?
3. Quais os setores onde se verifica maior incidência de problemas de saúde?
4. Em relação ao processo de trabalho:
a.
Quais as percepções sobre as mudanças no mundo do trabalho
(automação, informática, robótica);
b.
Analisar o relacionamento interpessoal no trabalho;
c.
Quais as principais (in)satisfações no trabalho.
5. Existem alguns desgastes específicos relacionados às atividades do
servidor público?
6. Quais os aspectos referentes ao processo de trabalho que contribuem
positivamente na saúde do servidor?
7. Quais os aspectos referentes ao processo de trabalho que contribuem
negativamente para a saúde do servidor?
8. Quais os elementos referentes ao modo de vida do servidor que afetam a
saúde?
9. Qual sua visão sobre a Política Nacional de Saúde do Servidor Público?
10. Qual a sua visão sobre o Sistema Integrado de Atenção à Saúde do
Servidor (Siass)?
299
11. Qual o sentido do trabalho do servidor público?
12. Como se estabelece a relação do setor com os sindicatos?
13. Quais os limites, dificuldade e apoios recebidos pela instituição?
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS GESTORES DE PESSOAL E DOS
SERVIÇOS DE SAÚDE
Em relação às condições de trabalho:
a.
Avaliar o ambiente de trabalho (equipamentos, instrumentos,
carga horária);
b.
Avaliar o relacionamento interpessoal no ambiente de trabalho
(relações com a chefia e colegas);
c.
Especificar os métodos de organização do trabalho (divisão de
atividades);
d.
Especificar
as
novas
tecnologias
no
trabalho
(sistemas
informatizados, redes);
e.
Avaliar as mudanças no mundo do trabalho e o serviço público.
Em relação ao perfil do servidor público verificar:
a.
Qualificação;
b.
Capacitação:
c.
Qualidade dos serviços;
d.
Produtividade;
e.
Satisfação;
f.
Insatisfação;
g.
Compromisso social;
h.
Assédio moral;
i.
Sentido do trabalho;
j.
Inseguranças do servidor;
k.
Potencial humano e limites do servidor.
300
Em relação à saúde:
a. Principais reclamações;
b. Avaliação sobre PNASS, Siass, Legislação.
c. Avaliação dos serviços ofertados: JM, Sesmet, plano de saúde e
odontológico;
d. Fatores socioeconômicos que interferem na saúde/doença do servidor;
e. Levantamento e avaliação dos elementos referente ao modo de vida
do servidor que interferem na saúde/doença do servidor;
f. Forma de participação do servidor na gestão de saúde.
ROTEIRO DA ENTREVISTA COM OS SINDICATOS E ASSOCIAÇÃO DOS
SERVIDORES PÚBLICOS
1. Em relação às condições de trabalho:
a. O ambiente de trabalho: bio, físico, químico, psíquico e social;
b. Carga horária;
c. Instrumentos de trabalho;
d. Relações pessoais: chefias, colegas, administração;
e. Organização e divisão do trabalho;
f. Produtividade;
g. Novas tecnologias;
h. Mudanças no mundo do trabalho e sua relação com o serviço público.
2. Em relação à doença/saúde do servidor:
a. Qual a visão sobre os problemas de saúde do servidor?
b. A doença/saúde em relação ao processo de trabalho, modo de vida e as
condições sociais do servidor;
c. As reclamações do servidor sobre a doença/saúde;
d. As reclamações do servidor sobre os serviços de saúde;
e. As reclamações sobre as relações no trabalho.
301
3. Em relação ao servidor:
a. Participação do servidor no controle social;
b. As condições socioeconômicas do servidor;
c. Modo de vida do servidor.
4. Quais as reivindicações do movimento sindical nas instâncias: institucional,
regional, e nacional?
5. Qual a visão sobre a política nacional de saúde do servidor público?
6. Qual a visão sobre Sistema Integrado de Atenção a Saúde do Servidor
(Sias)?
7. Qual a relação do sindicato com os setores de saúde na instituição?
8. Qual a relação do sindicato com a gestão?
9. Qual a participação do sindicato no controle social da saúde do trabalhador
no estado?
10. Qual o sentido do trabalho no serviço público?
302
ANEXO C – PROJETO INSTITUCIONAL UNIDADE DO SIASS-UFAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
PRÓ-REITORIA DE GESTÃO DE PESSOAS E DO TRABALHO
PROJETO INSTITUCIONAL UNIDADE DO SIASS ‐ UFAL Maceió
2010
303
1 – APRESENTAÇÃO
Devido à necessidade de normatizar as ações de assistência à saúde do
servidor no âmbito do Serviço Público Federal, foi instituído no Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, por meio do decreto 6.833 de 29 de abril de
2010, o Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS), que visa
integrar e sistematizar os procedimentos relacionados à Política Nacional de
Atenção à Saúde do Servidor no âmbito do Serviço Público Federal (PASS).
As ações do SIASS são caracterizadas pelo trabalho transdisciplinar
desenvolvido por equipe multiprofissional. As atividades são estruturadas em três
eixos - Vigilância e Promoção à Saúde, Perícia Oficial e Assistência - de forma que
tais ações devem ser fundamentadas através de uma abordagem biopsicossocial
conduzidas por informações epidemiológicas e avaliações em locais de trabalho.
A Universidade Federal de Alagoas (UFAL), por meio da Pró-Reitoria de
Gestão de Pessoas e do Trabalho, possibilita a concretização da PASS buscando a
implantação da unidade do SIASS bem como a efetivação das atividades propostas
para atenção à saúde de seus servidores.
A Unidade do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor da
Universidade Federal de Alagoas – SIASS/UFAL foi criada com o objetivo de
articular os serviços prestados aos servidores pelo Serviço Especializado de
Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho e pela Perícia Médica Oficial da
UFAL às diretrizes preconizadas pelo SIASS, além de propor ações de intervenções
mais amplas que visem o servidor de forma integral, contemplando ações que
percorrem a assistência à saúde, especialmente as de prevenção e promoção à
saúde do servidor.
2 – JUSTIFICATIVA
A Universidade Federal de Alagoas possui um quadro de 2.870
servidores, sendo 1351 docentes e 1519 técnicos administrativos, distribuídos em
três campi: Maceió - A. C. Simões, Arapiraca (Sede e pólos Penedo, Viçosa e
Palmeira dos Índios) e Sertão (Sede e pólo Santana do Ipanema). Este grande
número de servidores vinculados à universidade por si só justifica a implantação de
uma unidade do SIASS na instituição.
304
Atualmente, as ações de atenção à saúde do servidor na universidade são
conduzidas pela Pericia Médica Oficial e pelo Serviço Especializado em Engenharia
de Segurança e Medicina do Trabalho sob supervisão da Coordenação de
Qualidade de Vida no Trabalho - Pró-reitoria de Gestão de Pessoas e do Trabalho. A
UFAL sempre se apresentou como uma unidade de referência nos serviços de
Perícia Médica no estado dentre os demais órgãos federais, atendendo a demanda
de vários destes. No mais, a universidade é dotada de uma equipe multiprofissional
diversificada composta por médicas do trabalho, enfermeira do trabalho, técnicos de
enfermagem, assistentes sociais, fisioterapeuta, psicólogo, engenheiro de segurança
do trabalho e técnico de segurança do trabalho. Tal equipe desenvolve ações de
vigilância em saúde através da realização de exames periódicos, concessão de
laudos técnicos ambientais sobre condições de trabalho, ações de promoção e
educação em saúde, laudos com vistas à concessão de adicionais de insalubridade
e periculosidade conforme legislação vigente e pareceres para subsidiar a equipe de
Pericia Oficial em Saúde.
A Universidade Federal de Alagoas dispõe de Hospital Universitário de
referência em alta e média complexidade, conveniado a rede SUS, se apresentando
como um Centro de Referência para Saúde do Trabalhador no Estado, mais
precisamente como Unidade Sentinela para os agravos decorrentes de dermatoses
ocupacionais, pneumoconioses, perda auditiva relacionada ao trabalho, câncer
relacionado ao trabalho e distúrbios osteomioarticulares relacionados ao trabalho.
Esta estrutura receberá a demanda de assistência aos servidores com agravos já
instalados detectados na unidade do SIASS, tendo em vista que apenas
aproximadamente 48% dos servidores da UFAL, segundo Departamento de
Administração de Pessoal, aderem ao serviço de assistência suplementar
(Fundação de Seguridade Social - GEAP).
Esta proposta multidisciplinar tem como desafio a integração de diferentes
práticas e saberes terapêuticos através da valorização da escuta e do acolhimento e
da percepção ampla das dimensões envolvidas no processo de adoecimento e
sofrimento do servidor, tais como o estilo de vida e a sua relação com o ambiente e
organização do trabalho.
305
3 – OBJETIVOS
3.1 – Gerais

Implementar a Unidade do SIASS - Universidade Federal de Alagoas no
campus Maceió - A. C. Simões;

Desenvolver um Plano de Ações à Saúde do Servidor nos eixos de vigilância
e Promoção à Saúde; Perícia Médica e Assistência.
3.2 – Específicos
6. Firmar o Acordo de Cooperação Técnica com órgãos que compõem a
Administração Pública Federal no Estado de Alagoas;
7. Ampliar a composição da equipe multiprofissional a atuar na Unidade do
SIASS-UFAL;
8. Definir as responsabilidades e atribuições dos órgãos perante Acordo de
Cooperação firmado;
9. Estabelecer cronograma de atividades para efetivação da Unidade SIASSUFAL;
10. Sistematizar os procedimentos relativos à Política de Atenção à Saúde dos
Servidores (PASS) na Unidade SIASS – UFAL;
11. Viabilizar a construção de projeto arquitetônico da Unidade SIASS-UFAL no
campus A. C. Simões – Maceió;
12. Outros a serem definidos conforme especificidades e acordo de cooperação
técnica.
4 – A UNIDADE SIASS/UFAL
4.1 – Órgãos Partícipes
A unidade SIASS –UFAL, diante do acordo de cooperação técnica a ser
firmado, tem inicialmente como órgão partícipe a Superintendência Regional do
Departamento de Polícia Federal em Alagoas CNPJ: 00.394.494./0020-07.
306
4.2 – Funcionamento
A Unidade SIASS/UFAL funcionará nos dias de segunda a sexta-feira no
horário de 07:00 às 17:00 horas. O agendamento pericial será realizado na
secretaria da unidade.
4.3 – Gestor da Unidade
A Universidade Federal de Alagoas nomeará um gestor responsável pela
Unidade SIASS-UFAL com as seguintes atribuições:
1. Coordenar as ações desenvolvidas pela Perícia Oficial e pela Equipe
Multiprofissional de Vigilância e Promoção à saúde;
2. Articular a captação de recursos financeiros para construção da nova
sede da Unidade;
3. Viabilizar os meios e recursos necessários para o funcionamento das
atividades propostas pela equipe;
4. Acompanhar e supervisionar o desenvolvimento dos indicadores de
gestão em saúde e segurança do trabalho;
5. Viabilizar capacitação e qualificação da equipe profissional;
6. Articular a participação da Comissão Interinstitucional no processo de
gestão da Unidade, servindo como elo entre a mesma e a equipe de
trabalho;
7. Acompanhar a legislação relacionada à Política de Atenção à Saúde do
Servidor a fim de que as atividades desenvolvidas estejam em
consonância com a mesma.
4.4 – Comissão Interinstitucional
Será criada uma comissão interinstitucional, composta por no mínimo dois
servidores efetivos de cada órgão participante do acordo de cooperação técnica,
com o objetivo de supervisionar as atividades desenvolvidas pela unidade SIASSUFAL e propor ao gestor responsável melhorias no processo de gestão e condução
das atividades realizadas.
4.5 – Composição da Equipe Profissional
Tal unidade será composta por equipe multiprofissional e técnicos
administrativos conforme distribuição abaixo:
307
Servidor
Cargo
Órgão
Rosineide Duarte Sirqueira Gestor da Unidade SIASS-UFAL
Vieira
Silvana Maria Ramos Lages
Médica do Trabalho
UFAL
UFAL
Sandra Maria Maranhão C. Médica do Trabalho
de Sousa
José Áureo Silva Neto
Médico Perito
UFAL
Lourenço Lins Ferreira Lopes Médico Perito
UFAL
Emerson José Calheiros de Médico Perito
Abreu
Joseane Ribeiro de Menezes Médico Perito
Granja
Isabel Cristina Perini
Médica Perita
UFAL
UFAL
Maria Zélia de Araújo Lessa
Enfermeira do Trabalho
Polícia
Federal
Polícia
Federal
UFAL
Malba Vieira Torres
Assistente Social
UFAL
Maria da Conceição Clarindo Assistente social
C. da Silva
Rosiane Passos de Moraes
Assistente Social
UFAL
Polícia
Federal
UFAL
Deivson Cavalcante Gomes Fisioterapeuta
de Oliveira
Flavio J. Fernandes do N. Psicólogo
Costa
Marilda Maria de Melo
Odontólogo Perito
UFAL
Marcos Antônio Silva Peixoto
UFAL
UFAL
Odontólogo Perito
Dilma Nunes da Rocha Odontólogo Perito
Fortes
Cláudia
Márcia
Santos Odontóloga
Ramalho
Ricardo Santos de Menezes Técnico de Segurança do Trabalho
UFAL
Pedrina Maria da Silva
Auxiliar de Enfermagem
UFAL
Josefa Cirilo da Silva
Auxiliar de Enfermagem
UFAL
Danielle Guedes Souza
Auxiliar de Enfermagem
Ana Lúcia dos Santos
Assistente em Administração
Polícia
Federal
UFAL
Ismael de Lima
Técnico em Assuntos Educacionais UFAL
Iracema Maria da Silva
Atendente
Odontológico
de
UFAL
UFAL
Consultório UFAL
308
Tendo em vista a grande demanda das atividades executadas atualmente e o
acréscimo desta com a implementação das atividades propostas, faz-se necessário
ampliar o número de profissionais da equipe multiprofissional e de apoio
administrativo conforme dimensionamento abaixo:
QUADRO DE SERVIDORES /EQUIPE IDEAL:
Profissional
Disponível
Ideal
Assistente Social
3
5
Enfermeira do Trabalho
1
3
Técnico em enfermagem do trabalho
1
3
Médico do Trabalho
2
3
Médico Perito
5
5
Administrador
0
1
Odontólogos
4
4
Atendente de consultório odontológico
1
2
Psicólogo
1
2
Fisioterapeuta
1
2
Engenheiro de Segurança do Trabalho
1
2
Técnico em Segurança do Trabalho
1
4
Assistente em Administração
1
6
Terapeuta Ocupacional
0
1
Educador Físico
0
1
Nutricionista
0
1
4.6 – Estrutura Física
Atualmente, a equipe de profissionais da Perícia Oficial e de Vigilância e
Promoção à Saúde dos servidores está instalada nas dependências do Hospital
Universitário Professor Alberto Antunes – HUPAA/UFAL. Todavia, tais instalações
não se apresentam com condições de acomodar toda equipe, tampouco de atender
as necessidades da mesma para execução das atividades propostas, tendo em vista
309
que existe apenas um consultório para consultas e exames periódicos e não há
salas para os profissionais da fisioterapia, serviço social, engenharia de segurança e
psicologia. A estrutura da perícia oficial não oferece isolamento adequado entre os
dois consultórios existentes comprometendo a garantia ética do sigilo inerente a
atividade quando ambos estão ocupados. Além disso, não existe sala para reuniões
e espaço para realização de atividades de prevenção e promoção de saúde.
Entende-se que a localização da unidade do SIASS dentro do Hospital
Universitário não é coerente com a proposta de focar as ações nas atividades de
prevenção e promoção a saúde dos servidores dos órgãos cooperados, sendo
necessária a construção de uma nova sede no campus A.C. Simões – Maceió da
UFAL. Um projeto arquitetônico para construção deste prédio foi elaborado pela
Superintendência de Infra-Estrutura da UFAL e será apreciado pela Secretaria de
Recursos Humanos e o Departamento de Saúde e Previdência Social do Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão a fim de que sejam viabilizados os recursos
financeiros necessários para realização da obra.
310
4.7 – Estrutura Organizacional da Unidade
Ministério do
Planejamento, Orçamento
e Gestão
UFAL/PROGEP
SIASS/UFAL – Gestor
Administrador
Perícia em Saúde
Comissão Interinstitucional
Vigilância e Promoção à Saúde
Assistência
Perícia Médica
Vigilância Ambiental
Assistência Social
Perícia Odontológica
Exames Periódicos
Assistência Psicológica
Equipe Multiprofissional
em Pericia
Programas de Prevenção
e Promoção à Saúde
Reabilitação Profissional
Readaptação Profissional
310
* Cada órgão será responsável pela realização dos exames periódicos com seus servidores, cabendo a eles elaborar calendário e sistematizar a execução
destas atividades.
311
5 – ATIVIDADES
5.1 – Perícia Oficial
Perícia Oficial em Saúde é o ato administrativo que consiste na avaliação
técnica e questões relacionadas à saúde e à capacidade laboral, realizada na
presença do servidor por médico ou cirurgião dentista formalmente designado.
A Equipe de Perícia Oficial em Saúde é o grupo de profissionais designados
para auxiliar a Administração Pública Federal em questões administrativas e legais
relacionadas à saúde.
Todos os profissionais da área de saúde e de outras áreas poderão contribuir
para a avaliação pericial com pareceres técnicos específicos de sua área de
atuação.
Em especial deve compor a equipe de perícia em saúde:
Médico;
Odontólogo;
Psicólogo;
Assistente Social;
Fisioterapeuta;
Técnico de Enfermagem ou de Saúde Bucal.
A atividade pericial oficial em saúde é inerente ao médico e ao odontólogo,
designados peritos, cabendo aos outros profissionais da área de saúde e segurança
no trabalho subsidiá-la por meio de parecer específico.
São atribuições da equipe multidisciplinar de perícia em saúde dentre outras:
i.
Fornecer parecer especializado, privilegiando a clareza e a concisão, para
subsidiar as decisões da Equipe Pericial.
j. Propor capacitação e atualização de profissionais em perícia.
k. Encaminhar o periciado aos programas de promoção de saúde e prevenção
de doenças, tais como: dependentes químicos, programas de inclusão de
deficientes, redução de estresse, controle de hipertensão arterial e de
obesidade dentre outros.
312
l. Avaliar do ponto de vista social e psicológico os servidores que apresentem
problemas de relacionamento no local de trabalho, assim como de
absenteísmo não justificado.
m. Avaliar os candidatos aprovados em concurso público quanto às aptidões
para o exercício do cargo, caracterização de deficiência física, e sugestões de
lotação.
n. Acompanhar o tratamento de saúde do servidor ou de pessoa de sua família,
indicado pela Perícia oficial em saúde.
o. Divulgar informações para o desenvolvimento de programas de prevenção.
p. Promover a integração da equipe pericial com ações de vigilância e com
ações de vigilância e com os programas de promoção à saúde e prevenção
de doenças.
q. Avaliar as atividades do periciado no local de trabalho.
r. Acompanhar o cumprimento das recomendações em caso de restrições de
atividades.
s. Orientar os gestores na adequação do ambiente e do processo de trabalho.
t. Realizar Perícia Oficial no corpo discente da universidade.
u. E outras que lhe forem delegadas.
Atestados ou pareceres emitidos por psicólogo, fisioterapeuta, fonoaudiólogo,
terapeuta ocupacional, e outros profissionais de saúde poderão ser usados para fins
de embasamento pericial como documentos complementares. Estes documentos,
por si só, não são suficientes para justificativa de faltas ao trabalho por motivo de
doença.
São funções específicas dos profissionais da perícia oficial em saúde:
Médico Perito
 Realizar perícias singulares, hospitalares, domiciliares, e participar de
juntas médicas;
 Atuar como assistente técnico em pericias judiciais;
 Discutir junto à equipe multidisciplinar de promoção de saúde os
procedimentos, atribuições e atividades a serem desenvolvidas;
 Solicitar pareceres de outras especialidades;
313
Odontólogo
Perito
Psicólogo
Assistente social
Fisioterapeuta
Técnico de
enfermagem ou
de saúde bucal
 E outras que lhe forem delegadas, no âmbito de sua atuação.
 Realizar perícias singulares, hospitalares, domiciliares e participar de
juntas odontológicas;
 Atuar como assistente técnico em perícias oficiais;
 Discutir junto à equipe multidisciplinar de promoção de saúde os
procedimentos, atribuições e atividades a serem desenvolvidas;
 Solicitar pareceres de outras especialidades;
 E outras que lhe forem delegadas, no seu âmbito de atuação.
 Elaborar laudos e pareceres;
 Efetuar o exame psíquico com instrumentos padronizados e
encaminhar o parecer à Unidade de Perícia Oficial;
 Encaminhar o periciado para atendimento por outras especialidades;
 Realizar orientação psicológica ao servidor e a familiares;
 Orientar e dar suporte psicológico ao servidor em seu retorno ao
trabalho;
 E outras que lhe forem delegadas, no seu âmbito de atuação.
 Emitir parecer social visando à análise dos aspectos sociais que
interfiram na situação de saúde do servidor e/ou de pessoa da
família, considerando a autonomia profissional na definição de
instrumentos técnicos como visitas e entrevistas;
 Conhecer os indicadores socioprofissional, econômico e cultural,
dentre outros, dos servidores em tratamento de saúde utilizando
instrumentos técnicos como entrevistas, visitas e pesquisas sociais;
 Proceder a avaliação social para subsidiar o estudo do caso em
análise;
 Realizar atendimento ao servidor e sua família, por meio de
orientação social nas questões relacionadas à saúde, visando à
inserção dos mesmos em ações e programas desenvolvidos pela
instituição assim como encaminhamento aos recursos sociais
disponíveis na comunidade;
 Realizar orientação sobre os direitos sociais do servidor;
 Proceder à avaliação social para subsidiar a decisão pericial sobre a
presença indispensável do servidor em caso de licença para
tratamento de pessoa da família;
 Outras que lhe forem delegadas, no seu âmbito de atuação.
 Elaborar laudos e pareceres quando solicitados pelo médico perito;
 Realizar o exame da capacidade funcional dos servidores quanto ao
sistema osteomioarticular;
 Avaliar o ambiente de trabalho quanto às sobrecargas biomecânicas
do ponto de vista ergonômico;
 Outras que forem delegadas, no seu âmbito de atuação.


Acompanhar o perito nos exames periciais;
Outras que lhe forem delegadas, no seu âmbito de atuação.
5.2 – Vigilância e Promoção à Saúde
As principais estratégias para implementar a Norma Operacional de Saúde do
Servidor são as avaliações dos ambientes e processos de trabalho, o
314
acompanhamento da saúde do servidor e as ações educativas em saúde, pautadas
na metodologia de pesquisa- intervenção.
O conhecimento e a percepção que os servidores têm do processo de
trabalho e dos riscos ambientais serão considerados para fins de planejamento,
execução, monitoramento e avaliação das ações de Vigilância e Promoção à Saúde.
De forma geral, pode-se depreender que as atividades realizadas pela UFAL
apresentam dimensões onde a promoção e a vigilância são inseparáveis. Através
das perspectivas oferecidas pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão,
será possível aprimorar as referidas práticas fortalecendo-as inclusive por meio da
qualificação sistemática dos profissionais envolvidos.
Vigilância em Saúde
Compreende-se Vigilância à Saúde como o conjunto de ações contínuas e
sistemáticas que possibilita detectar, conhecer, pesquisar, analisar e monitorar os
fatores determinantes e condicionantes da saúde relacionados aos ambientes de
trabalho. Tem como objetivo planejar, implantar e avaliar intervenções que reduzam
os riscos e agravos à saúde. Para tanto, as atividades desenvolvidas relacionam-se
diretamente com um sistema epidemiológico que interprete dados da saúde do
servidor e dos ambientes e processos de trabalho.
Entende-se que ações de vigilância surtem maiores e melhores efeitos
quando desempenhadas de forma participativa com os servidores. Tais parcerias
desenvolvem-se não apenas através de eventos provocados por demanda
espontânea, criadas por acidentes de trabalho e agravos à saúde já instalados, mas
também através de um mecanismo de controle organizacional estruturado que será
implantado através da Comissão Interna de Saúde do Servidor Publico Federal.
Atribuições da Equipe de Vigilância em Saúde:
d. Traçar perfil socioeconômico e epidemiológico dos servidores da UFAL e
órgãos cooperados;
315
e. Realização de Exames Periódicos considerando a atividade e os fatores de
risco que os servidores estão expostos;
f. Elaboração de laudos e pareces sobre as condições de trabalho do ponto de
vista físico-ambiental e organizacional;
g. Elaboração de laudos com vistas a concessões de adicionais de
insalubridade e periculosidade;
h. Sistematizar a notificação e registro dos agravos, doenças e acidentes de
trabalho.
Promoção à Saúde
Segundo a Norma Operacional de Saúde do Servidor (NOSS - Portaria
Normativa nº 03 de 07 de maio de 2010), pode-se definir Promoção à Saúde como o
conjunto de ações dirigidas à saúde do servidor, por meio da ampliação do
conhecimento da relação saúde-doença e trabalho. Objetiva o desenvolvimento de
praticas de gestão, de atitudes e de comportamentos que contribuam para a
proteção da saúde no âmbito individual e coletivo.
Compreende-se que saúde não acontece via decreto, mas por um processo
de aquisição de informações e adoção de hábitos saudáveis acerca das noções de
saúde e doença. Observe-se que a citação da NOSS faz referencia à organização
do trabalho como um fator contributivo para o adoecimento do servidor. Todo o
processo reflexivo será desenvolvido a partir das ações de vigilância propostas pela
unidade SIASS através de perfis epidemiológicos e visitas aos ambientes de
trabalho.
Atribuições da Equipe de Promoção à Saúde:
1. Desenvolver ações que possibilitem a conscientização dos servidores quanto
aos riscos e agravos à saúde presentes no ambiente de trabalho;
2. Desenvolver atividades de reeducação postural e consciência corporal com
os servidores tendo em vista as atividades laborativas e as atividades de vida
diária.
3. Implementar um programa de cinesioterapia/ginástica laboral;
316
4. Promover programa de prevenção dos distúrbios osteomioarticulares
relacionados ao trabalho;
5. Estimular a prática regular de atividade física com os servidores;
6. Desenvolver ações de Saúde Mental;
7. Desenvolver ações de humanização nas relações de trabalho;
8. Implantar um Núcleo de Estudo e Atenção a Dependentes Químicos;
9. Desenvolver atividades de controle ao tabagismo;
10. Promover ações de promoção a saúde bucal;
11. Desenvolver o Programa de Preparação para Aposentadoria;
12. Desenvolver um programa de saúde do idoso e envelhecimento saudável;
13. Elaborar atividades que possibilitem a conscientização dos servidores quanto
à adoção de outros hábitos saudáveis e mudança no estilo de vida;
14. Criar um núcleo de estudo de Saúde do Trabalhador;
15. Desenvolver atividades de atenção à servidora gestante.
16. Criar um boletim informativo sobre Saúde do Trabalhador.
17. Promover
atividades
de
orientações
quanto
Familiar/Orçamento Doméstico.
18. Desenvolver ações de imunização dos servidores.
o
Planejamento
317
6 – CRONOGRAMA
Atividades
Reunião com GT SIASS
Treinamento do módulo de Perícia Oficial
Elaboração
unidade
do
Projeto
Institucional
2009
Jul/
2010
Set/
2010
Out/
2010
Nov/
2010
Dez/
2010
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Jan/
2010
Fev/
2011
X
X
X
X
Mar/
2011
2011
X
da
Reunião com órgãos partícipes da unidade do
SIASS-UFAL
Elaboração do Projeto Arquitetônico
X
X
Assinatura do acordo de cooperação técnica
Início das atividades de perícia oficial com os
órgãos partícipes da unidade
X
X
Implantação das atividades de vigilância e
promoção à saúde com órgãos partícipes da
unidade *
X
Criação do Boletim Informativo SIASS/ UFAL
X
Construção da unidade do SIASS
X
Realização de concurso público para
ampliação da equipe multiprofissional –
SIASS/UFAL.
X
Cada órgão será responsável pela realização dos exames periódicos com seus servidores, cabendo a estes elaborar calendário e sistematizar a execução
destas atividades.
317
318
7 – RESULTADOS ESPERADOS
Com a efetivação dos serviços propostos pela unidade SIASS UFAL, esperase consolidar a Política Atenção à Saúde do Servidor no âmbito da Universidade
Federal de Alagoas e demais órgãos conveniados a esta unidade de saúde.
As atividades serão desenvolvidas na expectativa de promover uma melhor
qualidade de vida no trabalho, bem como a valorização dos profissionais e serviços
desenvolvidos pelas instituições.
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