1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Maria da Conceição Clarindo Cavalcante da Silva A SAÚDE DO SERVIDOR PÚBLICO EM SUA DIMENSÃO SOCIAL: Política de Saúde do Servidor, Relações Sociais, Protagonismo e Determinantes Sociais DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL São Paulo 2012 2 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Maria da Conceição Clarindo Cavalcante da Silva A SAÚDE DO SERVIDOR PÚBLICO EM SUA DIMENSÃO SOCIAL: Política de Saúde do Servidor, Relações Sociais, Protagonismo e Determinantes Sociais Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), como exigência parcial para obtenção do título de Doutorado em Serviço Social, sob orientação da Profa. Dra. Maria Carmelita Yazbek. DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL São Paulo 2012 3 BANCA EXAMINADORA ___________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________ 4 DEDICATÓRIA Aos trabalhadores da saúde que no cotidiano enfrentam as precárias condições de trabalho, para promoção e cuidado da população brasileira. 5 AGRADECIMENTOS O processo de elaboração do trabalho de uma tese é uma etapa solitária, porém resultado do apoio e colaboração de orientadora, professores, estudantes, colegas, amigos e parentes. Um coletivo de pessoas muito especiais e imprescindíveis. A todos meu eterno agradecimento. A Deus, e nossa Mãe Maria, pela vida e renovação diária da força que me conduziu a mais uma conquista pessoal, profissional e intelectual. Aos trabalhadores brasileiros: empregados/desempregados, ativos/inativos, públicos/privados, que financiaram o estudo por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), na concessão de bolsas para estágio no exterior, em Portugal, e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). À Profa. Dra. Carmelita Yazbek, por aceitar a orientação, pela contribuição, pelo respeito e pela confiança dispensada em todas as etapas de elaboração da tese. Aos integrantes das bancas de qualificação e defesa de tese, pelas contribuições que muito enriqueceram nosso trabalho. À professora Maria Emilia Ferreira, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia (ULHT), por todo apoio e orientação concedidos durante o estágio em Lisboa, Portugal. À secretária do Programa de Pós-Graduação de Serviço Social da PUC-SP, Vânia, e a todos os colegas de curso pelos momentos de crescimento pessoal, profissional e intelectual. Aos entrevistados, servidores públicos, auxiliares e técnicos de enfermagem, gestores, profissionais da Unidade de Saúde do Servidor, e sindicalistas. Aos estagiários de Serviço Social da Unidade de Saúde de Servidor Público, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), pela colaboração nos levantamentos dos dados, entrevistas e digitação de documentos. A UFAL e todos os colegas de trabalho, na pessoa de Rosineide Siqueira, pelo apoio a esta caminhada. A todos(as) os(as) amigos(as) pelas orações, incentivos, companheirismo e amizade. 6 Aos meus pais, Zenaide e Nezinho (in memorian), pilares espirituais, eterna gratidão e saudades. Aos meus irmãos, Salete, Gilberto e Bastinho, sustentáculo familiar para todos os momentos. Aos amados sobrinhos, pelo incentivo e força afetiva, Fernando (in memorian); Tárcia Maria; Hulda Rafaela; Fernanda Catarina; Victor Rafael; Taciane; Manuella (de coração); Manuel Henrique; Manuel Fernando. Combati o bom combate, completei a obra guardei a fé. (Paulo 1:7) Fé que nos conduz a continuar a caminhada por uma vida digna: saúde, trabalho, casa, transporte, comida, diversão, arte e amor... 7 SILVA, Maria da Conceição Clarindo Cavalcante da. A SAÚDE DO SERVIDOR PÚBLICO EM SUA DIMENSÃO SOCIAL: política de saúde do servidor, relações sociais, protagonismo e determinantes sociais. 318p. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012. RESUMO Esta tese pretende investigar e analisar a saúde do servidor e a Política de Atenção Integral à Saúde do Servidor Público Federal (Pass), desenvolvida pela unidade de Referência do Subsistema Integral de Atenção à Saúde do Servidor Público (Siass), implantada na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), responsável pelas ações de saúde direcionadas ao servidor público e preconizadas pela Pass. Conhecer e analisar as situações de saúde e as condições sociais e de trabalho às quais estão expostos os servidores públicos no aparelho do Estado brasileiro, personificado no Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (Hupaa) da referida universidade. Por se tratar de uma categoria social fragmentada e hierarquicamente estratificada da classe trabalhadora dominante e dominada, selecionou-se um dos cargos com os quais seria desenvolvida a pesquisa. Utilizou-se como parâmetro, para a escolha desses sujeitos sociais, aqueles que mais necessitam de afastamento do trabalho por licença de saúde e, consequentemente, apresentam agravos e doenças. Chegou-se, então, aos auxiliares e técnicos de enfermagem do Hupaa-Ufal. Traçouse o perfil socioeconômico e cultural desses trabalhadores e verificou-se quais são as possibilidades do seu protagonismo como determinante social na efetivação da Pass, de maneira a promover as transformações nas relações sociais do trabalho, superando as condições precárias e de subalternidade vigentes. Apresentam-se sugestões, para efetivar uma política que tenha centralidade nas relações de trabalho e na participação desses trabalhadores. Sem esse protagonismo, conclui-se que o Estado, por meio da Pass, cumprirá o papel no controle de saúde do servidor, mas a saúde do trabalhador não se efetivará na sua integralidade, trazendo à tona os processos de trabalho e os determinantes sociais, ou seja, a dimensão social da saúde do servidor público. Palavras-Chave: 1) Servidor público. 2) Saúde. 3) Trabalho. 4) Saúde do trabalhador. 5) Política de saúde do trabalhador. 6) Política de saúde do servidor público. 8 SILVA, Maria da Conceição Clarindo Cavalcante da. The Health of the Public Servant on its social dimension, Health Care Politics to Public Servant, Social relations, Leading Role and social determinants. 318p. (Doctorate of Social Work Thesis). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012, Brazil. ABSTRACT This thesis aims to investigate and analyze the health of the Public Servant and the Integral Health Care Politics to Federal Public Servants (IHCPFPS) concerning these Servants developed by the Reference Unit of Integral Health Care Subsystem of Servants, deployed at the Federal University of Alagoas (Ufal), responsible for health actions directed to the Public Servants and recommended byIHCPFPS. To investigate and analyze the situations of health and work social conditions to which public servants are exposed in the Brazilian state apparatus, placed in the University Hospital Professor Alberto Antunes (Hupaa) of that university. Because it is a social category fragmented and stratified hierarchy of dominant and dominated the working class, was selected one of the positions with which the research would be developed. It was used as a parameter for the selection of social subjects, those who needed most to be absent at work due to health issues, therefore they have health issues and diseases. Assistants and Nurses fromUniversity Hospital - hupaa-Ufal- were interviewed. The socioeconomic and cultural profiles of these workerswere designed as well as it was found what are the possibilities of their role as a social determinant in the effectiveness of the IHCPFPS, so as to promote changes in social relations of work, overcoming the precarious conditions and present subalternity. Suggestions are presented to effect a policy which focus on labor relations and the participation of these workers. Without a leading role, it is concluded that the State, through the IHCPFPS, will fulfill its role on control the health of the public servants, but their health shall not become effective in its entirety, bringing up the work processes and social determinants, as it means, the social health of the public servant. Keywords: 1) Public servant. 2) Health. 3) Work. 4) Occupational health. 5) Health policy to Workers. 6) Health Policy to Public servant. 9 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Perfil socioeconômico de saúde dos auxiliares e técnicos de enfermagem entrevistados ....................... 35 Quadro 2 – Sintomas/Doenças declaradas pelos entrevistados....... 36 Quadro 3 – Levantamento dos afastamentos por licença médica – Siass-Ufal ................................................................. 37 Quadro 4 – Escolaridade dos servidores técnicos – Ufal/ 2007...... 43 Quadro 5 – Valores da participação da União no custeio da assistência à saúde suplementar do servidor................ Quadro 6 – Resumo das políticas de saúde do trabalhador público/privado................................................................ Quadro 7 – 112 138 Serviços de referências de saúde do trabalhador em Alagoas........................................................................... 141 Quadro 8 – Servidores para a unidade Siass-Ufal ........................... 154 Quadro 9 – Leitos disponíveis para o atendimento hospitalar.......... 203 Quadro 10 – Força de trabalho – 2009............................................... 204 Quadro 11 – Carência de pessoal técnico-administrativo para ativação de 116 ............................................................. Quadro 12 – Número atual de pessoal de enfermagem no Hupaa – abril/2010........................................................................ Quadro 13 – 206 207 Distribuição do pessoal de enfermagem para o funcionamento do Hupaa com 290 leitos – Quantitativo ideal por clínica............................................................... 208 10 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Organograma do Ministério do Planejamento, Gestão e Orçamento................................................................... Figura 2 – Figura 3 – 142 Organograma da Universidade Federal de Alagoas (Ufal)................................................................................. 145 Organograma da unidade Siass-Ufal............................... 155 11 LISTA DE SIGLAS Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva Adufal – Sindicato dos Docentes da Ufal ANS – Agência Nacional de Saúde AOSD – Agente Operacional de Serviços Diversos APF – Administração Pública Federal ASO – Atestado de Saúde Ocupacional Assufal – Associação dos Servidores da Ufal Atufal – Associação dos Técnicos Administrativos da Ufal BNH – Banco Nacional de Habitação Cacon – Centro de Alta Complexidade de Oncologia CD – Cargo de Direção Cebes – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde Ceig – Coordenação de Estudos e Informações Gerenciais Cerest – Centros Regionais de Referências Cerest-AL – Centro de Referência de Saúde do Trabalhador em Alagoas CF – Constituição Federal Cfess – Conselho Federal de Serviço Social CGCAR – Coordenação de Carreiras e Análise do Perfil da Força de Trabalho CGNES – Coordenação de Negociação e Relações Sindicais CIB – Comissão Intergestora Bipartite Cipa – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes Cissp – Comissão Interna de Saúde do Servidor Público Federal Cist – Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador CLT – Consolidação das Leis do Trabalho CNS – Conselho Nacional de Saúde CNST – Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador Cofen – Conselho Federal de Enfermagem Cogig – Coordenação de Estudos e Informações Gerenciais Cogss – Coordenação de Seguridade Social e Benefícios do Servidor Conasems – Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde Conass – Conselho Nacional dos Secretários de Saúde 12 Consuni – Conselho Universitário Cora – Complexo Regulador da Assistência (Sistema de Marcação de Consulta do Sistema Único de Saúde - SUS) Coren – Conselho Regional de Enfermagem CQVT – Coordenação de Qualidade de Vida no Trabalho Cress – Conselho Regional de Serviço Social CTTP – Comissão Tripartite Partidária CUT – Central Única dos Trabalhadores DAP – Departamento de Administração de Pessoal DCE – Diretório Central dos Estudantes DE – Direção de Enfermagem DOU – Diário Oficial da União DRU – Desvinculação das Receitas da União Enasspf – Encontro Nacional de Saúde do Servidor Público Federal EPI – Equipamento de Proteção Individual Epis – Empresa Privada de Interesses Públicos Fasubra – Federação dos Sindicatos das Universidades Públicas Brasileiras FG – Função Gratificada FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FHC – Fernando Henrique Cardoso FIRJAN – Federação das Indústrias do Rio de Janeiro FMI – Fundo Monetário Internacional Funabem – Fundação Nacional do Bem Estar Social Fundeps – Fundação de Desenvolvimento de Pesquisa de Alagoas Geap – Fundação de Seguridade Social Geisat – Grupo Executivo Interministerial de Saúde do Trabalhador GT – Grupo de Trabalho HGE – Hospital Geral e Emergência HU – Hospital Universitário da Ufal Hupaa – Hospital Universitário Professor Alberto Antunes Iapas – Instituto de Administração e Previdência e Assistência Social IBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 13 Inamps – Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social INPS – Instituto Nacional da Previdência Social LBA – Legião Brasileira de Assistência LER-Dort – Lesão por Esforço Repetitivo e Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho LEST – Laboratório de Economia e Sociologia do Trabalho MEC – Ministério da Educação MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social MPOG – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão MS – Ministério da Saúde MTE – Ministério do Trabalho e Emprego NA – Nível de Apoio NM – Nível Médio Noss – Norma Operacional de Saúde do Servidor Público Federal Nost – Norma Operacional de Saúde do Trabalhador NS – Nível Superior OIT – Organização Internacional do Trabalho OMS – Organização Mundial de Saúde ONG - Organização Não Governamental OS – Organização Social Oscip – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público Pass – Política de Atenção à Saúde do Servidor Público Federal PC do B – Partido Comunista do Brasil PIB – Produto Interno Bruto PIS/Pasep – Programa de Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público PNSST – Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador PNST – Política Nacional de Saúde do Trabalhador POS – Perícia Oficial em Saúde PRODRH – Pró-Reitoria de Desenvolvimento de Recursos Humanos PROGEPT – Pró-reitoria de Gestão de Pessoas e do Trabalho PT – Partido dos Trabalhadores 14 Reuf – Programa de Reestruturação dos Hospitais Universitários RH – Recursos Humanos RJU – Regime Jurídico Único Same – Serviço de Arquivo Médico Sesau – Secretaria de Saúde de Alagoas SESMT – Serviço de Segurança de Medicina do Trabalho Siape – Sistema de Informação e Administração de Pessoal Siapenet-Saúde – Sistema de Informação e Administração de Pessoal e de Saúde Siass – Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor Público Siass-AL – Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor Público em Alagoas Siass-Ufal – Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor Público da Ufal Sicaf – Sistema de Contabilidade e Administração de Finanças Sinan – Sistema de Informação de Agravos de Notificação Sinpas – Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social Sinteseal – Sindicato dos Trabalhadores de Educação Superior de Alagoas Sintufal – Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de Alagoas Sisosp – Subsistema de Saúde Ocupacional do Servidor Público Federal SRH – Secretaria de Recursos Humanos SSO – Serviço Social SSST – Serviço de Saúde e Segurança do Trabalho Suds – Sistema Único e Descentralizado de Saúde SUS – Sistema Único de Saúde Taes – Técnico Administrativo do Ensino Superior TCU – Tribunal de Contas da União Ufal – Universidade Federal de Alagoas UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro Uncisal – Universidade das Ciências da Saúde de Alagoas UNE – União Nacional dos Estudantes Unimed – Cooperativa Médica de Assistência à Saúde 15 SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................. CAPÍTULO I 1. SERVIDOR PÚBLICO: UM TRABALHADOR SOCIAL................... 1.1. O Servidor Público: Conceito, Características, Natureza do Trabalho ...................................................................................... 1.1.1. A Nomenclatura Servidor Público ............................................... 1.1.2. O que é o servidor público?......................................................... 1.1.3. Carreira Profissional: Ilusão, Desilusão, Realização................... 1.1.4. Burocracia Estatal - Traço comum entre os servidores públicos. 1.2. A Dimensão Social do Processo Trabalho, Doença e Saúde ..... 1.3. A Saúde Relacionada com a Condição de Vida e Trabalho do Trabalhador: Uma Análise Social ................................................ 1.4. As Condições Sociais de Saúde e as Desigualdades Sociais .... 1.5. O Sentido do Trabalho – criação, realização, alienação e exploração ................................................................................... 1.6. Setor público hospitalar – um setor de serviços ......................... 1.6.1. Traços do trabalho no setor da saúde ........................................ 1.7. Considerações gerais ................................................................. CAPÍTULO II 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DA POLÍTICA SOCIAL ................. 2.1. Noções Conceituais de Política Social ........................................ 2.1.1. Traços da política social – pós 1930 no Brasil............................. 2.1.2. A política social no neoliberalismo pós-crise dos anos 60 .......... 2.1.3. Características da política social no período da ditadura militar.. 2.1.4. A política social no Brasil contemporâneo .................................. 2.2. Política de Atenção à Saúde e Segurança do Trabalho do Servidor Público Federal ............................................................. 2.3. Perícia em Saúde do Servidor: uniformização, multidisciplinar e multiprofissional........................................................................... 2.4. Vigilância e Promoção à Saúde do Servidor Público Federal ..... 2.5. Conceitos que fundamentam a Noss-Pass ................................. 2.6. Saúde Suplementar do Servidor ................................................. 2.7. Concepção sobre o controle social.............................................. 2.8. História do Controle Social na Saúde ......................................... 2.9. O Controle Social na Saúde do Trabalhador – Formas do controle social na Política de Saúde do Trabalhador Público/Privado............................................................................ 2.9.1. Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador ....................... 2.9.2. O Grupo Executivo Interministerial de Saúde do Trabalhador..... 2.9.3. A Comissão Tripartite Paritária ................................................. 2.9.4. Comissão Interna de Saúde do Servidor Público Federal .......... 18 38 38 40 44 50 53 58 61 67 71 81 83 84 87 87 91 92 94 96 99 103 104 105 110 115 117 121 126 127 128 130 16 2.10. Considerações gerais.................................................................. 135 CAPÍTULO III 3. OS SERVIÇOS DE SAÚDE DO TRABALHADOR EM ALAGOAS E DO SERVIDOR PÚBLICO NA UFAL............................................ 3.1. Serviços de Saúde na Atenção Integral ao Servidor Público Federal em Alagoas..................................................................... 3.1.1. O Centro de Referência de Saúde do Trabalhador em Alagoas. 3.2. A implantação do Sistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor Público Federal em Alagoas ......................................... 3.2.1. Histórico da Universidade Federal de Alagoas ........................... 3.2.2. Análise da proposta do Siass-Ufal............................................... 3.2.3. Atribuições da equipe multiprofissional da perícia de saúde da unidade de referência Siass-Ufal................................................. 3.2.4. Atribuições da vigilância e promoção da Unidade Siass-Ufal...... 3.3. O Sintufal na conquista de Educação, Saúde e Salários em Alagoas........................................................................................ 3.4. Gestão da Unidade do Siass-Ufal em Alagoas............................ 3.5. A Participação do Serviço Social na Equipe de Saúde do Servidor do Siass-Ufal................................................................. 3.5.1. O assistente social na atuação do controle social....................... 3.5.2. Análise da atuação do assistente social em relação às especificidades atribuídas no Siass-Ufal.................................... 3.6. Considerações gerais.................................................................. CAPÍTULO IV 4. SUBJETIVIDADE DA SAÚDE DO SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL DO EXECUTIVO: AUXILIARES E TÉCNICOS DE ENFERMAGEM................................................................................. 4.1. Histórico e estrutura do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes ....................................................................................... 4.2. Quadro de pessoal do Hupaa...................................................... 4.2.1. Quadro de necessidade de pessoal técnico-administrativo......... 4.2.2. Dimensionamento do Pessoal de Enfermagem........................... 4.3. Gestão do Hupaa ........................................................................ 4.4. Financiamento do Hupaa............................................................. 4.5. Características gerais do Hupaa – um hospital público .............. 4.5.1. Estrutura administrativa e política do hospital-ensino público..... 139 139 140 142 145 150 158 165 168 175 176 189 192 193 198 200 204 205 206 208 209 210 216 4.6. Serviço Social no Hupaa ............................................................. 218 4.7. Subjetividade Coletiva dos Sujeitos Pesquisados ...................... 220 4.7.1. O envelhecimento do trabalhador público e privado.................... 221 4.7.2. A feminização da força de trabalho na saúde.............................. 4.7.3. Sofrimento Social do Trabalhador Público na Saúde.................. 4.8. Auxiliares e Técnicos de Enfermagem: relações de trabalho, 230 238 17 248 saúde, Pass-Siass....................................................................... 4.8.1. Carga horária do trabalho no hospital público: Processo, organização de trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem................................................................................. 4.8.2. Salário e carreira profissional dos auxiliares e técnicos de enfermagem................................................................................. 4.8.3. Grau de satisfação com o que fazem dos auxiliares e técnicos de enfermagem............................................................................ 4.8.4. Insatisfações manifestadas nos processos de trabalho............... 4.8.5. Organização e participação nas decisões dos setores dos auxiliares e técnicos de enfermagem........................................... 4.8.6. Relações de trabalho entre chefia, colegas, pacientes................ 4.8.7. Doenças declaradas e possíveis causas relacionadas ao trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem no Hupaa..... 4.8.8. Sofrimentos vividos pelos auxiliares e técnicos de enfermagem no trabalho................................................................................... 4.8.9. Tecnologias e equipamentos utilizados pelos auxiliares e técnicos de enfermagem.............................................................. 4.8.10. O sentido do trabalho e da aposentadoria dos auxiliares e técnicos de enfermagem........................................................ 4.8.11. As mudanças na instituição e os impactos no trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem..................................... 4.8.12. A Pass-Siass - os serviços de saúde segundo os auxiliares e técnicos de enfermagem..................................................... 4.8.13. Infraestrutura: condições de transporte, alimentação e ambiente físico dos servidores auxiliares e técnicos de enfermagem........................................................................... 4.8.14. Modo e qualidade de vida dos auxiliares e técnicos de enfermagem........................................................................... 4.8.15. Vínculos de trabalho com o Estado e participação sindical dos auxiliares e técnicos de enfermagem.............................. 4.8.16. Sugestões para melhoria das condições de trabalho e saúde dos auxiliares e técnicos de enfermagem................... 4.9. Considerações gerais.................................................................. 277 278 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 283 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................... 289 ANEXOS ..................................................................................................... 295 251 253 254 255 257 259 261 264 266 267 269 270 272 274 275 18 INTRODUÇÃO Em meados da década de 2000, o Estado brasileiro apresentou a Política de Atenção à Saúde do Servidor Público Federal (Pass) dirigida aos servidores públicos que trabalham na instância federal dos estados federativos. A partir de então, os servidores que atuam nas áreas de recursos humanos e nos serviços de saúde das instituições públicas, para atender às demandas próprias nas questões de saúde e garantia de direitos sociais, vêm reavaliando as ações de saúde e os serviços periciais oferecidos. Anteriormente, não havia uma política de saúde do trabalhador que contemplasse as especificidades e necessidades dessa categoria social, que compõe a força de trabalho do Estado brasileiro. Inexistia, nesse sentido, qualquer política de saúde, emanada pelo Estado, para a universalidade dos servidores públicos federais. Em nosso País, a construção de uma política de saúde do trabalhador vinha sendo reivindicada desde os primórdios da reforma sanitária, nos anos 1980, mas apenas no início do século 21, por meio dos movimentos e das conferências específicas de saúde do trabalhador, é que se efetiva a construção da Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador (PNSST). São recentes conquistas as políticas de saúde do trabalhador e do servidor público. Por que, então, uma política de saúde do trabalhador voltada especificamente ao servidor público? Quais são as nuances, os objetivos e as ações de saúde dos servidores públicos que podem não estar contemplados na PNSST? Onde estão as diferenças? Nos processos de trabalhos? Nos agravos e adoecimentos? Essas, entre outras indagações, provocaram a curiosidade investigativa da pesquisadora em aprofundar o tema em geral e chegar às particularidades da atenção à saúde do servidor público. Logo, este estudo é de natureza teórica e prática. Reproduz uma reflexão da práxis desta pesquisadora na atuação no serviço de saúde e nas ações da Pass em Alagoas. Considera-se essa política em processo de implantação/implementação e direcionada ao enfrentamento das situações de adoecimento do servidor público contidas nos processos de trabalhos, e seus determinantes sociais. Na análise do conteúdo bibliográfico, ao se observar a prática dos serviços de saúde do servidor, outras questões foram sendo postas, aproximando a 19 pesquisadora da realidade dos determinantes sociais e do trabalho contidos na questão saúde do trabalhador e advindos das relações do trabalho: processos e organizações do modo de produção desse trabalhador público, e na sua dimensão social, que abrange as condições trabalhistas, a vida e saúde desses sujeitos coletivos. Esta tese pretende demonstrar que a área de saúde do trabalhador, mais do que dar visibilidade à dimensão social da questão, necessita deixar o papel de coadjuvante, de colaboradora, efetivando, nesse aspecto, seu protagonismo social. Assumir o seu lugar, nessa construção coletiva, implica a participação dos servidores públicos organizados, se não, deixa de ser saúde do trabalhador. Analisar a Pass torna-se imprescindível, para conhecer seus protagonistas, o servidor público, não apenas como consumidores e usuários da política, mas a possibilidade de serem construtores. Utiliza-se o método de análise marxista, que considera o trabalho vivo, humano, construtor de toda a riqueza social, mas mercê do processo de exploração e dominação do trabalhador, no qual o trabalho deixa de ser realização e criação para tornar-se meio de alienação e dominação. A tese compõem-se de introdução, quatro capítulos e considerações finais. Nesta introdução, são feitos apontamentos acerca da metodologia aplicada, tanto teórica quanto investigativa, na construção do processo empírico. Traz à tona o contexto social e de saúde dos sujeitos sociais, trabalhadores da saúde pública e as realidades social, econômica e política do estado de Alagoas. O primeiro e o segundo capítulos contêm referenciais teóricos que fundamentam os outros dois capítulos e as considerações finais. O capítulo 1, portanto, analisa/reflete, a partir dos autores Poulantzas, Giffonni, Dallari, França, Nogueira, R. entre outros estudiosos, sobre a categoria servidor público, também denominado de funcionário público. A opção pela nomenclatura servidor público deve-se à alteração na lei que rege a categoria desde 1990, quando deixa de ser estatutária e celetista, para ser regida pelo Regime Jurídico Único (RJU), e adota a denominação. As vezes em que se utiliza o termo funcionário público, referem-se à citação dos autores aqui invocados. Permanece, até hoje, o tema servidor público, pouco explorado por pesquisadores. França (1993) chama a atenção para o preconceito sobre o tema por parte, até mesmo, da sociologia. Considera-a uma questão heterogênea e complexa. 20 Aliás, um ponto comum, encontrado nos autores pesquisados, diz respeito à burocracia na execução de suas atividades. Giffoni (1993), referindo-se à visão que se tem do funcionário público, afirma que é bem diferente daquela imagem clássica apresentada por Weber, na qual são eles movidos por uma vocação, no exercício de suas funções. O que fica notório, nessa atividade, são as ações desarticuladas, fragmentadas, o clientelismo, o autoritarismo, o arbítrio, a confusão políticoinstitucional, entre outras características. Poulantzas (2000) diz que o “pessoal do estado” compõe uma categoria social específica, com divisões internas, as quais resultam de suas divisões de classes, mas que traduz a estrutura organizacional do aparelho do Estado capitalista. As considerações gerais, estabelecidas no final do capítulo, trazem algumas afirmativas após as reflexões teóricas. O servidor público vende sua força de trabalho ao Estado; pertence à classe que vive do trabalho, é um assalariado; portanto, é um trabalhador social, suas atividades coletivas visam ao bem-estar social para toda a população; e assim contribui para o desenvolvimento socioeconômico e político do País, seja qual for a função ou a profissão/atribuição que estiver exercendo. O engenheiro da função pública, ao construir saneamento, estradas e rodagens, o faz para benefícios de todos, atende ao capital e às classes populares. O capítulo 2 trata da política social, de sua trajetória histórica, e dos fundamentos teóricos que possibilitam um aprofundamento das políticas sociais, o qual nos leva a afirmar que seus caminhos, percursos e conquistas são construídos pelas lutas da classe trabalhadora, protagonista das políticas sociais. Essa análise reflexiva é realizada com a contribuição de autores que estudam o tema, como Behring e Boschetti, Potyara, Nogueira, M. entre outros, e fazem uma análise histórica e crítica, na qual se verificam os movimentos contraditórios de avanços/recuos, ganhos/perdas das políticas sociais em torno dos interesses dos trabalhadores, em detrimento do capitalismo, na sua fase de encurtamento do Estado. Nesse movimento, constam as necessidades e os interesses das classes antagônicas, pois o Estado ora pende mais em direção aos interesses do capital, ora aos da classe trabalhadora, ou seja, não há neutralidade nessa correlação de forças. O Estado, nas suas funções política e social, é resultado das forças que caracterizam a sociedade brasileira. 21 Após a revisão literária, nas análises sobre a política social, foram identificadas algumas concepções: umas visam separar a produção e reprodução social capitalista, e as convocam como solução para o problema de distribuição de renda, numa visão reducionista e idealista de manutenção da ordem e não contra a ordem. Outra concepção de política social a reduz à vontade política dos sujeitos sociais na busca de amortecer conflitos e legitimar a ordem, configurando-o no processo de luta de classes, subestimando as determinações econômicas, com forte traço de ecletismo teórico, na análise da política social, da matriz de tradição marxista, sem considerar o circuito valor, e pela insuficiência e precisão de termos e conceitos sobre cidadania. Outra concepção é a que identifica a política social apenas com o Estado, enquanto direito universal, mas também é verdade que ela envolve instituições públicas e privadas. Com base nesses traços, Behring e Boschetti (2009) apontam, nas políticas sociais, a necessidade de recusar a falsa questão do economicismo versus politicismo e a consciência de que o ambiente contemporâneo possui forte tendência não redistributiva e que há fragilidade no movimento operário e popular, mas não imobilismo; qualificar a ideia de cidadania na radicalização da democracia; a recusa do conceito de escassez, naturalizando-o nas políticas sociais, pois este é marcado pelo desperdício, em meio à abundância; e a necessidade de maior precisão do conceito de Estado na fase do capitalismo maduro. Afirma Potyara (2008) que a política social é um processo contraditório, caso se queira que tenha serventia para as classes que vivem do trabalho ou teimem em, viver de qualquer jeito. Ademais, o capítulo 2 contém, ainda, a PNSST. Vasconcellos (2007) resgata a trajetória histórica dos movimentos da saúde e sindical na sua construção. Traz também um estudo sobre o controle social feito por meio dos conselhos de saúde, enquanto espaço democrático, no acompanhamento dos gastos públicos com a saúde. Correia (2005) afirma, que, para que o controle social exista de fato, é necessário controlar os recursos, pois é em sua alocação que se define a política de saúde. O capítulo 3 diz respeito às relações entre teoria e prática, e parte do geral contido nos capítulos anteriores. Verifica as especificidades da Política de Atenção à Saúde do Servidor Público Federal (Pass) e sua operacionalização pelo Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (Siass) em todo o território brasileiro. 22 Andrade (2009) analisa como vem sendo implementada a Pass na cidade do Rio de Janeiro e em que medida esse processo tem facilitado ou dificultado a consolidação do modelo de atenção integral à saúde do servidor. O processo teve início em nove estados brasileiros, dentre eles, Alagoas. Uma análise da construção da Pass/Siass identifica os limites e as possibilidades de efetivação naquele estado, especificamente na implantação da Unidade de Referência da Universidade Federal de Alagoas, denominada Siass/Ufal. Em sua fase atual, constata-se pleno processo de efetivação, de recuos/avanços, parafraseando Potyara (2009), na teimosia daqueles que estão construindo, revelados nos depoimentos coletados de gestores, profissionais da saúde dos trabalhadores, que colaboram para a efetivação na perspectiva multiprofissional e intersetorial. O capítulo 4 apresenta os sujeitos sociais a quem são dirigidas as ações de saúde da Pass/Siass. Trazer o trabalhador para o protagonismo dessa construção coletiva é um dos desafios postos para transformar a política de saúde para os trabalhadores em política dos trabalhadores, que participam de todo o processo de planejamento, execução, avaliação, e decisão sobre as ações de saúde que atendam às suas reais necessidades. O capítulo 4 traz, ainda, investigação sobre as condições do trabalho, as relações sociais, os percursos e a organização do trabalho, e dos determinantes socioeconômicos dos servidores do setor público. Indica a existência de precárias condições de saúde e trabalho. Três categorias comuns foram identificadas: a feminização da força de trabalho, o envelhecimento, e o sofrimento. Essas são vistas em suas dimensões ético-política, de saúde e social. As considerações finais apresentam uma reflexão respaldada nos quatro capítulos. Não são respostas, ao contrário, várias outras interrogações foram surgindo. Algumas sugestões foram construídas coletivamente, com base nos depoimentos dos trabalhadores, nos estudos bibliográficos e documentais, na análise interpretativa e metodológica que permearam a pesquisa. 23 - A trajetória metodológica do estudo - Território da pesquisa O estudo foi realizado no estado de Alagoas, cuja capital é Maceió, onde moram e trabalham os protagonistas deste estudo e a pesquisadora. Um estado cujo traço marcante é a “federalização”, caracterizada pela transferência dos recursos federativos para a promoção das políticas sociais nas áreas de saúde, educação, segurança, habitação, financiamentos na economia, etc. As políticas públicas e os recursos federais são determinantes para a manutenção e o desenvolvimento do estado. A conjuntura socioeconômica de Alagoas não tem atraído investimentos empresariais. As ações das políticas sociais, em sua maioria, são executadas pelo estado mediante o trabalho dos servidores nos níveis estadual, municipal e federal; trabalhadores que também necessitam de políticas destinadas ao bom desempenho funcional, às adequadas condições de trabalho e saúde. Vejamos o contexto social de Alagoas. - Realidade socioeconômica e histórico-política de Alagoas Localizado na região Nordeste, Alagoas tem o litoral recortado, rico em belezas naturais, com muitas áreas de mangues e lagoas. A principal via de acesso ao estado é a rodovia BR-101, que acompanha toda a costa de Sergipe e Bahia, na região Sul, e continua, ao Norte, em direção ao estado de Pernambuco. Maceió, capital do estado, é o município mais populoso, com 932.748 habitantes, conforme dados da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010). Segundo a revista Informativo Conjuntural da Secretaria da Fazenda - AL (2007), a economia de Alagoas é baseada na cultura de cana-de-açúcar, sendo o maior produtor do nordeste, o segundo maior produtor de açúcar no Brasil e sexto colocado na produção de álcool. Sobressai, também a produção de mandioca, laranja, banana, milho, feijão, arroz e coco-da-baía. A trajetória do açúcar e álcool em Alagoas se confunde com a própria história do Estado. Alagoas nasceu cana, se fez engenho, virou açúcar e álcool. A moenda deixou o burro, moveu-se à água. E assim surgiu a movida a vapor, evoluindo para a indústria, empreendedora moderna, pautada na responsabilidade Social Corporativa. O Polo Agroindustrial 24 Canavieiro de Alagoas surgiu da força de homens que desbravaram a terra e souberam construir riquezas (p. 14). De apenas três pequenos engenhos, o setor sucroalcooleiro de Alagoas cresce, chegando a contar com 36 unidades industriais em funcionamento na década de 80. Com o passar do tempo, com as turbulências advindas do mercado e o aumento da competitividade muita coisa se transformou. Atualmente o Polo Agroindustrial Canavieiro de Alagoas é formado por 27 unidades produtoras. Destas, 4 somente produzem álcool e 20 produzem açúcar e álcool (Idem, p. 37). Setor sucroalcooleiro e o capitalismo periférico em Alagoas: “fortunas” e “tragédia social” A agroindústria sucroalcooleira alagoana não significa a industrialização do campo, mas a ruralização da indústria. Constitui-se em verdadeiro dinossauro econômico; a sua calda agrícola extensiva embarga-lhe o passo, esmaga gerações de trabalhadores alagoanos, atravanca a divisão social do trabalho e inibe o desenvolvimento dos traços mais positivos do capitalismo. Nas condições alagoanas, esse setor econômico tem o inconveniente de possuir um grande potencial de reproduzir-se por séculos. Isso acontece não porque Alagoas tem vocação genética, cultural ou metafísica para produzir açúcar, mas porque essa agroindústria inibe radicalmente a divisão social do trabalho e, portanto, dificulta muito o surgimento de atividades econômicas que possam superá-la. Há séculos o litoral nordestino, o alagoano em particular, é dominado pelos canaviais e pelo subdesenvolvimento radical que se impõem (LESSA, 2006). Lessa mostra-nos a diferença entre o capitalismo clássico e o periférico, usando como exemplo a economia agrícola em Alagoas, concentrada nas mãos de poucos. Não se pode confundir o desenvolvimento agrícola do capitalismo clássico com o desenvolvimento agrícola do capitalismo periférico. Por exemplo, a grande propriedade agrícola nos Estados Unidos da América de hoje, que tira vantagens do uso da economia de larga escala, é resultado do desenvolvimento da pequena propriedade rural capitalista. No caso alagoano, a grande propriedade é a expressão do mais completo atraso; representa a negação do caminho progressista e democrático trilhado pelos Estados Unidos. A economia de grande escala das usinas alagoanas não expressa a modernidade, mas o desperdício em escala aumentada e representa uma enorme muralha que paralisa a verdadeira modernidade capitalista na agricultura. O autor, 25 em sua análise crítica, demonstra a inexistência de uma economia desenvolvimentista no estado, mesmo nos modos do capitalismo periférico regional. Lessa revela os contrastes socioeconômicos e políticos advindos da cultura exploratória da cana-de-açúcar em Alagoas. De um lado, produz riqueza, e, de outro, tragédia social, contribuindo para a alta concentração da riqueza. Apesar de todas as debilidades econômicas que possuem e de se constituírem na causa principal do atraso do capitalismo alagoano, as usinas criam fortunas milionárias para seus proprietários e impõem-se com a perenidade das pirâmides. Isso é possível devido à colaboração dos governos federal e estadual e, principalmente, pelo fato de que a sociedade alagoana é essencialmente organizada no sentido de doar todos os seus recursos, de todas as suas esferas, para que essas empresas possam dar a maior massa de lucro possível aos seus proprietários. Por um lado, diz Lessa (2006), que o governo federal, por meio de subsídios generosos, reserva parte do mercado exterior (a chamada cota americana) e nordestina para o açúcar alagoano; afasta o máximo possível a concorrência e todos os outros mecanismos de mercado que representem perigo para esses capitais; por outro lado, a sociedade e seu aparelho estatal são utilizados por essas empresas como um vasto campo de concentração, no qual podem encontrar ilimitados sacrifícios humanos de toda a ordem e magnitude. Alagoas tem hoje os piores indicadores sociais, segundo o IBGE (2010). A taxa de analfabetismo é a mais alta do Brasil, com 24,3%. O saneamento básico é outro grave problema, pois apenas 31,7% tem rede de esgoto. Alagoas registra a mais alta taxa de mortalidade infantil do País. A cada mil crianças nascidas vivas, 46,4 morrem antes de completar um ano de idade. Outro suporte básico dessas empresas é a monopolização da renda da terra, ou seja, daquele ganho proveniente não do capital empregado, mas do simples fato de deter um monopólio geográfico. Como as propriedades rurais dessas empresas são imensas, grandes parcelas dos seus ganhos são provenientes desse monopólio de largos pedaços da natureza, ganhos que não custam nenhum investimento. As grandes propriedades impedem que os trabalhadores rurais desenvolvam até mesmo a cultura de subsistência e a criação de animais para sustento próprio. A maioria da população alagoana, ao contrário, não ganha absolutamente nada, por ser mero instrumento da lucratividade desses capitais; cada centavo dos lucros das usinas é constituído pelo fato concreto das tragédias social, cultural e 26 política vividas pela maior parte do povo alagoano. Tragédia que perpassa por todos os âmbitos da vida humana. As precárias condições de vida decorrentes desse modelo econômico, (LESSA, 2006) tendem a tirar a legitimidade ideológica da burguesia agroindustrial; mesmo gastando muito em várias formas de propaganda ideológica, essa classe está sempre na iminência de ficar desmoralizada e desacreditada diante da opinião pública e da classe popular. O seu domínio, geralmente, sustenta-se muito mais na coerção do que no consenso, ou seja, mais na força bruta do que em sua capacidade de convencer as outras classes sociais das positividades do modelo de sociedade que propõe aos alagoanos. Lessa (2006) analisa que a superação do atraso, em Alagoas, só se dará mediante a radicalização dessa classe. Nenhum membro dessa classe dominante pode propor o progresso, a democracia e a defesa dos interesses de Alagoas e da soberania nacional, porque não representa o polo moderno no estado, mas a união indissolúvel de um moderno atrasado, em relação ao moderno das regiões. Para essa classe social, combater o atraso seria combater a si mesma, o que certamente não está disposta a fazer. Além de construir, pela utilização da mais-valia absoluta, uma sociedade de miseráveis, a agroindústria alagoana, por seu caráter exportador, cria uma sociedade sem estabilidade econômica, sem mercado interno substancial e carente de qualquer grau significativo de divisão social do trabalho. A atual economia alagoana superou a escravidão, porém conserva, de maneira modernizada, os outros traços do período colonial, ou seja, ainda se baseia na monocultura, na união entre agricultura e indústria, e na exploração dos seus principais produtos. Pelo fato de exportar a maior parte de seus produtos, Alagoas entra em um círculo perverso, segundo Lessa (2006), porque, quanto mais exporta, mais fica dependente de poucos produtos e de poucos mercados. Por outro lado, mais inibe a diferenciação interna da sua economia e mais reproduz o modelo exportador. O estado ergue, então, o mesmo tipo de economia na qual o Brasil estava submerso antes do processo de substituição de importações, iniciado nos anos 1930. O País exportava café e outros produtos tropicais e importava todos os outros bens de necessitava. E o que ocorre, ainda hoje, em Alagoas, é que o estado importa outras formações sociais (principalmente de estados brasileiros), quase todos os produtos industrializados e agrícolas, bem como grande parte dos serviços de que necessita. 27 Essa situação inviabiliza qualquer desenvolvimento capaz de tornar a economia autossustentável e de possibilitar melhor distribuição dos recursos econômicos entre as várias classes e setores sociais da população. Enfim, a grande propriedade agroindustrial é a principal protagonista do atraso da Zona da Mata alagoana. Depois da produção agrícola, a atividade que mais cresce é o turismo. Segundo dados da Organização Mundial do Turismo (OMT), em 2005, o Brasil foi o 36o destino mais procurado do mundo. Nesse ano, o País recebeu 5,4 milhões de turistas. Já conforme os dados do IBGE (2007), em Alagoas, um dos estados mais visitados tanto por brasileiros como por turistas estrangeiros de diversas nacionalidades, o turismo corresponde a 65,9% da economia. Necessita de investimento em infraestrutura, principalmente no saneamento, que compromete a qualidade das águas do mar, dos rios e das lagoas. Dos 102 municípios do estado, 40 possuem potencial turístico, devido às belezas naturais, às águas, à história e, atualmente, às fazendas, que estão sendo transformadas em hotéis, atraindo turistas que não querem apenas apreciar o mar, mas aproveitar o verde e as opções diversas que a natureza oferece. Com essa atividade, o estado verifica um aumento da rede hoteleira e, juntamente, de toda a indústria do turismo, aumentando a oferta de empregos (sazonais). O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no estado de Alagoas apresenta as mais baixas taxas, quando comparadas ao restante dos estados da federação, tendo sido estimado, pelo Banco Central, em 0,677, no encerramento do ano de 20091. Apesar de suas belezas naturais, da alta produtividade agrícola e do desenvolvimento da zona canavieira, com destaque nacional, e o crescimento da atividade turística, verifica-se alto índice da concentração da riqueza nas mãos de 27 famílias, aproximadamente, que detém a riqueza, desde os primórdios da história do Brasil, conforme se constata nas análises de Lessa (2006). Os dados indicam a pouca distribuição dessas riquezas, a intensa desigualdade social e os rankings negativos que apontam os graves e sérios problemas decorrentes desse tipo de organização social, econômica e política que predomina no estado de Alagoas. 1 O IDH do ano de 2009, para Alagoas, foi de 0.677, tendo sido divulgado, pelo Banco Central, a título de estimativa. Segundo esse dado, o estado possui o pior índice do Brasil. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/PEC/boletimregional/port/2009/01/br200901b1p.pdf>. 28 Outro fator da realidade contemporânea na sociedade brasileira, que se manifesta também em Alagoas, são os altos índices de violência e de uso de drogas psicoativas, fazendo com que o estado lidere o ranking nacional da violência. Alagoas aparece, segundo os dados do IBGE (2009), com a seguinte taxa de homicídios: para cada 100 mil habitantes, 59,3 homicídios. Segundo o secretário de Segurança de Alagoas, José Paulo Rubin, em entrevista à Folha de S. Paulo (2009), esse alto índice “explica-se por uma cultura de ‘pistolagem, matadores de aluguel’ e muito crack na área de exclusão social” (sic). Além disso, é alto o índice de excluídos nas periferias de Maceió. Pode-se relacionar essas taxas ao envolvimento com drogas, principalmente com o crack, que é mais usada entre os jovens com idades de 16 a 25 anos, faixa etária demarcada pela falta de emprego e de ações na saúde e educação. Refletindo sobre esses dados estatísticos de baixo índice de desenvolvimento humano, detecta-se a perversa e desumana realidade advinda do sistema capitalista periférico, atrasado, na sua mais reveladora expressão de espoliação da vida humana e da ideologia dominante que governa o estado, da economia concentrada na agricultura da cana-de-açúcar, que mantém esse quadro de miséria social. Alagoas apresenta quadro social perverso e desumano, em que se manifestam as expressões sociais dos grandes centros urbanos brasileiros, agregando – no caso da capital alagoana – as formas primitivas da exploração da força de trabalho nos canaviais, o desemprego estrutural, e aqueles advindos das metamorfoses do trabalho, a partir da introdução da tecnologia, da robótica e da informática, que são acrescentados à incidência de drogas e de diversas doenças. Historicamente, Alagoas é um espaço controlado pelas relações oligárquicas de dominação. Esse controle teve a regra quebrada apenas em dois momentos: no período do governo de Muniz Falcão, que sofreu o primeiro impeachment da história do País, ao tentar taxar o açúcar para financiar a educação; e no período de Ronaldo Lessa (1999-2006), que venceu as eleições de 1998, após o levante popular de 17 de julho de 1997. Esse fenômeno foi fruto de grave crise, quando a máquina pública estadual faliu, após as suas finanças serem exauridas por perversa combinação de perda de receita pela aplicação do Acordo dos Usineiros, com o brusco endividamento público provocado pelo Plano Real (endividamento que consome ainda hoje 15% das receitas estaduais). Foi um momento ímpar de crescimento da contestação pelos 29 movimentos sociais, e de resposta política pelos partidos e forças de esquerda, que apresentaram duas lideranças com capacidade de interlocução direta com a população (Ronaldo Lessa/Partido Socialista Brasileiro - PSB, na época, e hoje, do Partido Democrático Trabalhista - PDT, para governador; e Heloísa Helena/Partido dos Trabalhadores - PT, na época, e hoje do Partido Socialismo e Liberdade - Psol, para senadora). Contudo, a chapa vitoriosa nas eleições majoritárias não elegeu base parlamentar, e as dificuldades nas relações com o Legislativo e com o Judiciário pautaram o início do governo Lessa, em 1999. É preciso fazer um balanço crítico e autocrítico do período, pesando as dificuldades do contexto e os equívocos, que produziram um período de derrotas subsequentes. Destaca-se que, após oito anos de gestão desse bloco político, predominou a fragmentação das forças de esquerda e o apoio de parte dessas forças e lideranças ao retorno da oligarquia dos usineiros ao governo, em 2006, propiciando a vitória da chapa do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB)/Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) (Téo Vilela/José Wanderley), atual governador, e a vitória de Collor (Partido Trabalhista Brasileiro - PTB) ao Senado, derrotando o então favorito Ronaldo Lessa (PDT). O PT lançou candidatura própria naquele contexto Lenilda Lima – recusando-se a compor com os dois candidatos usineiros (João Lyra – PTB e Téo Vilela – PSDB), ainda assim manteve duas vagas de deputado estadual (Judson Cabral e Paulão), mas não avançou para a eleição de representação federal. O governo Téo Vilela foi iniciado, em 2007, com um decreto de redução dos salários de servidores públicos, respondido com vigorosa greve, que recebeu apoio dos movimentos sociais do campo. Mas, após o período inicial de rejeição, Vilela vem conduzindo seu governo com relativa habilidade, ao mesmo tempo em que aplica o receituário tucano neoliberal, e evita qualquer confronto direto com o governo federal. Ao inverso, aproveita todos os programas federais para melhorar sua imagem perante a população, ora maquiando os programas como ações estaduais, ora utilizando sua imagem ligada à Presidência da República em atos oficiais como se fossem atos políticos de apoio à sua gestão. A reeleição de Vilela, em 2010, mesmo que na versão neoliberal, representou nova recomposição das forças políticas no estado, em especial com a ruptura da aliança de quase 30 anos entre Renan Calheiros (PMDB) e Téo Vilela (PSDB) e o 30 alinhamento nacional reproduzido no plano local PSDB/Democratas (DEM) (chapa Vilela/Thomáz Nonô). Manteve o PSB no governo estadual e trouxe o Partido Progressista (PP) para sua área de influência. Renan, candidato ao Senado, teve mais dificuldades em reeleger-se, pois disputava com Heloísa Helena (Psol) e Benedito Lira (PP). Este negociou com a frente oposicionista, mas terminou compondo com o governador Vilela, e coube a ele a tarefa de derrotar Heloísa Helena, que contava com o apoio do próprio Presidente Lula. Aliás, a presença da imagem de Lula na chapa de Vilela só contribuiu para confundir ainda mais o eleitorado e fixar uma ambígua imagem de que a chapa PSDB/DEM, em Alagoas, não era oposição a Lula/Dilma. Outro que negociou com a frente e rompeu foi o prefeito Cícero Almeida (PP) que apoia abertamente o governo Vilela, também com o discurso de que apoia os governos federal e estadual ao mesmo tempo. Com todo esse cenário difícil e em visível desvantagem do ponto de vista da estrutura material de campanha, já que a campanha de Vilela foi a mais cara do País (declarada oficialmente), Ronaldo Lessa teve um desempenho eleitoral vigoroso e perdeu as eleições com pequena diferença de votos. A composição da Assembleia Legislativa continua conservadora, com um segmento às voltas com a Justiça por acusações de crimes de mando e desvios de recursos públicos. A maioria mantém-se ligada ao governo estadual. O PT elegeu três deputados estaduais (Judson Cabral, Ronaldo Medeiros e Marcos Madeira Filho), mas continuou não elegendo deputado federal, apesar de ter contribuído para que a coligação indicasse mais um parlamentar2. As tendências e perspectivas socioeconômicas e políticas, para Alagoas, segundo Carvalho (2010) indicam a necessidade de manter aliança estratégica com a União, uma saída para enfrentar os graves problemas sociais e criar ambiente favorável ao desenvolvimento da economia. Essa aliança com o governo federal resulta, entre outros aspectos, na inserção de mais de um milhão de crianças e jovens nas escolas; no acesso da população pobre à saúde pública e aos programas de renda mínima; na incorporação de milhares de famílias à previdência social; e no benefício aos créditos agrícolas cedido aos pequenos produtores rurais e urbanos. São incentivos 2 Essa análise conjuntural, histórico e política de Alagoas é de autoria do deputado estadual Judson Cabral (PT/AL). 31 que apontam para a democratização dos bens públicos, a distribuição de renda e a construção da cidadania. Com essa articulação, a população vem aumentando o consumo e o crescimento da economia popular, do comércio, das feiras livres, tornando possível a modernização democrática de Alagoas, rompendo com o modelo excludente por meio do crescimento econômico com distribuição. Um fato novo, na economia do estado, é a federalização – que está permitindo a ampliação do mercado interno e a articulação da economia nos bairros populares e municípios. O estado mantém a tendência nacional, ou seja, o crescimento econômico do setor de serviços: redes de supermercados, shoppings, hotéis, escolas, faculdades do ensino superior, entre outros. Segundo Carvalho (2010), esse fator “novo”, a federalização, na economia alagoana, abre as janelas para superar o atraso de um modelo de crescimento desigual e excludente. Instituição de realização da pesquisa O estudo foi realizado na Ufal, na unidade do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (Hupaa). A Ufal tem o terceiro maior orçamento do estado, o que contribui também para o movimento da economia estadual e na sua federalização. No capítulo 3, em que serão analisados os serviços de saúde prestados aos servidores públicos e sua condição de trabalho na Hupaa, serão apresentadas a Ufal e o hospital. A escolha deste local para a pesquisa deve-se à implantação de uma unidade de referência do Siass na referida universidade, que objetiva acompanhar as ações de saúde integral ao servidor e a administração dos serviços de saúde na efetivação da Pass. Seleção dos sujeitos da pesquisa A escolha dos sujeitos entrevistados ocorreu a partir de estudos preliminares. O primeiro foi um levantamento sobre os determinantes sociais, de saúde e cultural do trabalho, com os participantes do I Encontro Sobre a Saúde do Servidor Público Federal, em Alagoas, ocorrido em 2010, organizado e coordenado por esta pesquisadora. Diante dos dados desse levantamento, estabeleceram-se os 32 determinantes mais significativos e comuns entre a maioria dos entrevistados: a feminização, o envelhecimento, e o sofrimento em suas várias dimensões. Era preciso melhor delimitar os sujeitos da nossa pesquisa o servidor público federal. Quem faria parte da investigação? Pois essa é uma categoria social bastante fragmentada, diversificada, tanto em nível de escolaridade, quanto aos cargos e posição social, do reitor ao servidor da manutenção. Foi feito então um levantamento no serviço da perícia da saúde da UFAL, no período de 2007 a 2010, sobre os afastamentos do trabalho do servidor público ocasionados por licença para tratamento de saúde. Constatou-se que era maior o número de afastamento por motivo de doença na área da saúde e da enfermagem, principalmente entre auxiliares e técnicos de enfermagem que desenvolvem as mesmas atribuições, nos cuidados com os pacientes no Hospital Universitário da Ufal, ficando assim selecionados esses dois cargos. Três outros sujeitos foram necessários à pesquisa deste estudo, uma vez que se pauta na saúde do trabalhador e na política de saúde que atenda a esses trabalhadores/servidores públicos. Decidiu-se então entrevistar os gestores (chefias de enfermagem e Recursos Humanos das unidades de saúde da Ufal); a equipe multiprofissional, que atua nos serviços de saúde do servidor da universidade; e membros do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de Alagoas (Sintufal). Gestores de serviços, profissionais de saúde e membros do movimento sindical, juntamente com os auxiliares e técnicos de enfermagem, são protagonistas de fundamental relevância para promover as transformações necessárias à melhoria das condições de trabalho e saúde e à efetivação de políticas de saúde do servidor na sua integralidade. Instrumentos de investigação Com todos os sujeitos selecionados, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas, baseadas em quatro tipos de questionários, com perguntas abertas, respeitando a vontade e disponibilidade de cada um em querer responder a todas as indagações. Participaram vinte auxiliares e técnicos de enfermagem, escolhidos de forma aleatória, que trabalham nas diversas clínicas - médica, cirúrgica, maternidade e pediátrica -, e em ambulatórios do HU. Os aspectos 33 socioeconômicos e de saúde desses sujeitos da pesquisa são apresentados no Quadro 1. O roteiro das entrevistas com os auxiliares e técnicos de enfermagem tinham cinco questões centrais: processo de trabalho desses profissionais; o sentido do trabalho (realização/alienação); as condições de vida, saúde e sociais desses trabalhadores; as ações de saúde estabelecidas pela Pass-Siass-Ufal; e a participação sindical e social. As entrevistas com os profissionais de saúde da Ufal envolveram cinco sujeitos: médico do trabalho, psicólogo, assistente social, fisioterapeuta, engenheiro de segurança do trabalho. O tema central das entrevistas referiu-se ao processo de trabalho; às queixas e doenças mais frequentes (Quadro 2); ao desgaste físicomental e social advindo das condições ambientais do trabalho; aos equipamentos de segurança; à política de atenção à saúde do servidor; às ações realizadas nos serviços de saúde; e à avaliação do Siass diante das possibilidades operacionais e em relação à participação do sindicato nas ações e construção da saúde do servidor público. Com os gestores de pessoal (recursos humanos e enfermagem) e dos serviços de saúde do servidor/trabalhador, foram feitas sete entrevistas sobre as condições de trabalho, avaliação do desempenho do servidor, limites e os potenciais humanos; reivindicações e reclamações do servidor, expressas pela gestão, chefias e nos serviços de saúde; avaliação da política de atenção à saúde do servidor público (Pass-Siass); limites e possibilidades da participação do servidor na construção a efetivação da política de saúde do servidor público. Na aplicação das entrevistas abertas, foi aplicada a técnica do depoimento, em que, após o consentimento, era acompanhado de um relator, que, após digitação, retornava para os entrevistados aprovarem o teor coletado. As entrevistas com sindicalistas envolveram três sujeitos: um ex-presidente e dois coordenadores da atual direção sindical, durante as quais verificaram-se as seguintes questões: as condições de trabalho na Ufal, os processos de trabalho, as demandas de saúde, reclamações e reivindicações do servidor, a participação do sindicato no controle social da saúde do servidor via Pass-Siass. Outros instrumentos utilizados foram a pesquisa documental e a bibliográfica. O método de análise crítica marxista norteou a análise dos dados empíricos da pesquisa, assim como o material documental e bibliográfico, tendo como categorias 34 centrais o trabalho, a saúde do trabalhador e o trabalhador (servidor público federal), e a política de saúde do trabalhador. Falar em processo de trabalho implica a relação capital–trabalho mesmo que esta esteja na estrutura do Estado brasileiro, na qualidade representativa legal do patrão, uma vez que o patrão é a população brasileira para quem trabalhamos. A intenção do estudo foi analisar a dimensão social da saúde do servidor, visibilizando os determinantes sociais que interferem nas relações sociais e no protagonismo do servidor na política de atenção à saúde para efetivar ações de integralidade, proporcionando, assim, o bem-estar físico, mental e social, as condições dignas de trabalho, a valorização do servidor, participação nas decisões no trabalho e na saúde, entre outros. Enfim, construir a política de saúde do servidor de forma que contemple suas reais necessidades sociais e de bem-estar. 35 No Sexo Idade Estado Civil Tempo no HU (anos) Salário (R$) Plano de Saúde Transporte Trabalho Vínculos Trabalho Casa Própria Carro Atividade Fisica Doença Relacionada ao Trabalho Grau de Escolaridade Provedor Família Lazer Satisfação Trabalho 1 F 44 Divorciada 20 3.900,00 Geap Coletivo Sim Não Sim Às vezes Sim Médio Sim Sim 30h Sim 2 F 67 Casada 31 3.000,00 Geap Coletivo Não Sim Sim Sim Sim Médio Não Praia/Leitura Passeio com a família Sim 30h Sim 3 F 64 Divorciada 33 3.350,00 Geap Coletivo Sim Sim Sim Não Não Médio Sim Praia 30h Sim 4 F 58 Viúva 27 3.200,00 Geap A pé Não Sim Sim Não Sim Médio Sim Casa/Igreja Não respondeu Sim 30h Sim 5 6 F F 42 59 Casada Casada 8 32 2.300,00 3.000,00 Geap Geap Carro Coletivo Sim Não Sim Sim Sim Sim Às vezes Sim Sim Sim Superior Superior Sim Sim Praia Às vezes Sim Sim 30h 30h Sim Sim 7 F 32 Solteira 8 2.000,00 Unimed Coletivo Sim Sim Não Não Não Sim Ficar em casa Sim/Não 30h Sim 8 F 58 Solteira 29 3.500,00 Geap Coletivo Não Sim Não Não Sim Sim Ler/Música/TV Sim 30h Sim 9 F 52 Casada 30 2.500,00 Geap Coletivo Não Sim Não Não Sim Superior Cursando Superior Médio Casa Sim 30h Sim 10 F 37 Casada 13 3.400,00 Geap Coletivo Não Financiada Sim Não Não Superior Praia Sim 30h Sim 11 F 42 Casada 13 2.300,00 Geap Coletivo Não Financiada Não Não Sim Médio Shopping/Casa Sim 30h Sim 12 F 50 Casada 13 2.300,00 Geap Coletivo Não Sim Sim Sim Sim Superior Sim Divide com marido Sim Divido com marido Casa/Rua/Ler/Filmes Sim 30h Sim 13 F 56 Divorciada 31 3.000,00 Não Resp. Não respondeu Não respondeu Sim Sim Sim Sim Médio Sim Igreja/Viagens Sim/Não 30h Sim 14 F 39 15 F 16 Carga Sindicalização Horária 12 3.000,00 Geap Ônibus Sim Não Sim Não Sim Superior Sim Cuidar da casa Sim 30h Sim 56 União estável Solteira 31 3.000,00 Geap Ônibus Não Sim Sim Sim Sim Superior Ler/Família/Viajar Sim 30h Sim F 62 Casada 31 1.500,00 Geap Coletivo Não Sim Não Não Sim Médio Igreja/Viagens Sim 30h Sim 17 M 54 Casado 27 Geap Carro Não Sim Sim Não Sim Sim 30h Sim M 45 Solteiro 17 SUS Coletivo Não Sim Não Sim Não Sim Jogar/Passear Sim 30h Sim 19 20 M M 64 52 Casado Casado 17 20 Geap Geap Ônibus Carro Sim Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim Sim Sim Superior Superior incompleto Superior Superior Família/Praia/Igreja 18 3.600,00 Não declarou 2.400,00 2.200,00 Sim Divide com marido Sim Sim Sim Casa Casa/Praia/Igreja Sim Sim 30h 30h Sim Sim Quadro 1: Perfil socioeconômico e de saúde dos auxiliares e técnicos de enfermagem entrevistados Fonte: Elaborado pela autora com a colaboração dos estagiários do Setor de Saúde - Serviço Social 2010-2011 da UFAL 36 Alergia Angústia Ansiedade Cardíaca Coluna Depressão Dermatológico Diabetes Dor Dor corporal Dor no joelho Estresse Hipertensão Insônia Labirintite Sofrimento Tendinite Tristeza Quadro 2: Sintomas/Doenças declarados pelos entrevistados Fonte: Elaborado pela autora com a colaboração de estagiários do Setor de Saúde – Serviço Social 0-2011 da UFAL 37 Ano-base 2007 Jan. Fev. Mar. Técnico e auxiliar de enfermagem Assistente e auxiliar administrativo Enfermeira Médico Professor Outros Total Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez. 22 23 18 19 24 19 18 5 4 1 3 9 3 27 18 33 27 34 9 6 8 4 4 3 0 2 1 42 0 6 4 11 45 11 5 13 9 79 8 7 8 10 64 8 1 12 5 64 7 7 4 2 10 8 6 7 52 52 7 6 7 5 47 4 2 4 3 33 3 1 10 16 57 5 1 12 7 53 4 5 4 7 41 Jan. Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez. 3 Ano-base 2008 Técnico e auxiliar de enfermagem Assistente e auxiliar administrativo Enfermeira Médico Professor Outros Total 20 19 24 32 32 54 33 29 46 40 28 20 4 1 10 8 8 6 10 5 7 8 3 2 5 9 2 6 46 7 9 7 8 51 6 4 4 9 57 11 0 8 11 70 11 6 5 11 73 12 1 11 0 7 0 9 0 99 44 0 0 0 0 34 0 0 0 0 53 0 0 0 0 48 0 0 0 0 31 0 0 0 0 22 Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez. 22 23 36 28 31 28 14 2 5 6 6 4 5 Ano-base 2009 Técnico e auxiliar de enfermagem Assistente e auxiliar administrativo Enfermeira Médico Professor Outros Total 25 18 24 23 18 2 0 4 8 5 4 6 3 4 44 3 7 8 12 48 6 7 12 10 63 6 7 9 12 65 10 7 8 20 68 6 4 6 6 4 4 17 11 63 50 7 11 13 17 89 12 3 19 19 87 12 6 13 21 89 6 3 15 17 73 2 7 5 9 42 Jan. Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez. 8 Ano-base 2010 Técnico e auxiliar de enfermagem Assistente e auxiliar administrativo Enfermeira Médico Professor Outros Total 7 17 9 11 11 5 5 8 19 9 16 4 1 8 7 4 10 8 9 6 6 6 4 8 2 2 2 10 24 1 1 7 12 46 6 2 15 12 51 4 4 16 10 49 4 5 19 10 59 6 4 3 4 10 10 7 12 39 44 6 5 14 15 54 5 7 15 13 65 2 4 13 7 41 3 6 10 10 49 4 1 5 11 33 Quadro 3: Levantamento dos afastamentos dos servidores por licença médica - Siass/Ufal Fonte: Elaborado pela autora com a colaboração dos estagiários do Setor de Saúde - Serviço Social 2010-2011 da Ufal 38 CAPÍTULO I 1. SERVIDOR PÚBLICO: UM TRABALHADOR SOCIAL 1.1. O Servidor Público: Conceito, Características, Natureza do Trabalho Neste capítulo, são apresentados os conceitos teóricos sobre o servidor público e as relações de trabalho mantidas no Estado. É importante introduzir a concepção de Estado, que norteará as interpretações dos demais conteúdos teóricos, como a política social e da saúde, e do trabalho, em que se materializam as atividades e atribuições do servidor público. A compreensão desse espaço político, físico e social e as relações sociais que o Estado mantém com o seu pessoal, o servidor público. Que Estado é esse? Como acontecem as relações de trabalho? Reproduz a relação capital e trabalho? Essas e outras questões poderão levar a uma melhor análise do seu papel de patrão nas relações de trabalho estabelecidas com os servidores públicos e as políticas de saúde voltadas ao atendimento desse segmento. O conceito de Estado é amplo, complexo e existem divergências sobre sua caracterização, enquanto que outros negam essas discordâncias. Nesse sentido, devido aos vários aspectos que o constituem, torna-se tarefa difícil defini-lo. Segundo Potyara (2009, p. 292), o Estado é uma arena tensa e contraditória, na qual interesses e objetivos diversos e opostos se confrontam. No contexto capitalista, coexistem, nessa arena, interesses tanto dos representantes do capital, em reproduzir e ampliar a custo de trabalho, quanto dos trabalhadores, em partilhar da riqueza acumulada e influir no bloco no poder. O Estado representa uma complexa estrutura de poder, com autoridade para tomar decisões e com o poder coercitivo, pois se configura também como uma relação de dominação, que deve ser controlada pela sociedade organizada. Potyara (2009) diz que o Estado é mais do que governo, pois se, por um lado, seus sistemas administrativos, legais e coercitivos (policiais) o diferenciam da sociedade e estabelecem formas particulares de relações com ela, por outro lado, esses mesmos sistemas penetram na sociedade influenciando a formação de relações no seu interior. 39 É por isso que: “O Estado é ao mesmo tempo uma relação de dominação, ou a expressão política da dominação de bloco no poder, e um conjunto de instituições mediadoras e reguladoras dessa dominação” (PEREIRA, 2009, p. 293). Por fim, com base em Poulantzas, afirma que o Estado é uma arena de lutas, contendo contradições de classes e atravessada pelo movimento da sociedade. Legitima-se não só por meio dos aparelhos coercitivos, mas por sua forte presença na economia (PEREIRA, 2009). Como se trata de um estudo da saúde do servidor público e da política do setor voltada a esse trabalhador, esses conceitos serão retomados nos mais diversos momentos de análise nos capítulos desta tese, ora identificando o papel de dominação e coerção, ora na democratização das relações de poder por meio da efetivação das políticas sociais. A visibilidade e as ações efetivas do Estado ocorrem mediante o trabalho do servidor público, que executa, e administra, entre outras funções, o aparelho do Estado. Quem é o servidor público, qual é a natureza do seu trabalho, a característica desse trabalhador público? Assim, neste capítulo, busca-se entender quem é o servidor público, a natureza do seu trabalho, o contexto social do seu trabalho no Estado, as condições de saúde e social. Verifica-se quais são as relações de trabalho estabelecidas e o rebatimento nos agravos à saúde e também as ações desenvolvidas pelas políticas de saúde na intervenção dessas questões. Poucos são os estudos encontrados sobre o tema, tanto aqueles que partem de uma análise sociológica, quanto os que seguem uma perspectiva crítica sobre essa categoria social. O que se pode dizer é que esse sujeito social tem no desenvolvimento de suas atividades nos serviços públicos formas particulares e singulares de executá-los. Ora, observa-se que essas particularidades e singularidades atendem à legalidade, nem sempre racional, e ora, por outro lado, observa-se a cultura organizacional burocrática no poder e na direção da Administração Pública. Pretende-se contribuir para a compreensão e análise dessa classe trabalhadora distinta, repensando esse fazer profissional, suas condições de trabalho e os determinantes sociais que podem interferir na saúde. Essa parcela da classe trabalhadora, no começo do século 21, percebe que não tem espaços para velhas práticas, submersas em ordens, papéis que não acompanham os avanços 40 tecnológicos e de conhecimento, que atenda à sociedade em suas necessidades, em busca de políticas e serviços sociais públicos, com qualidade e quantidade, que atendam à maioria dos mandatários. Nesse contexto, é necessária uma categoria profissional competente, ágil, motivada, e que disponha de condições de trabalho, de vida digna e saúde, que perpassa pelas relações sociais estabelecidas pelo Estado brasileiro. 1.1.1. A Nomenclatura Servidor Público Com a implantação do Regime Jurídico único (RJU), pela Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, unificam-se as duas principais modalidades de vínculos empregatícios nos Estados brasileiros, sejam eles o “funcionalismo público” e “aqueles regidos pela CLT” – respectivamente, os estatutários e os celetistas. A partir da publicação dessa lei, todo trabalhador em exercício profissional, segundo o RJU, passou a ser denominado de “servidor público”, e foi colocada em desuso a nomenclatura “funcionário público”. Portanto, servidor público é todo trabalhador que exerce uma função ou cargo público, mediante a aprovação em concurso público. A condição de aprovação em um processo seletivo de caráter público, conforme Dallari (1989), torna-se importante estratégia para superar a imagem negativa antes existente e que, em muitos lugares, ainda permanece, configurando-se como um traço dentre os mitos e as verdades sobre o servidor público. Dallari (1992, p.14) adota a classificação proposta por Celso Antônio (1984) e os identifica por meio de duas características: a “profissionalidade” e a relação de dependência típica de quem presta serviço sem caráter de eventualidade. Esses elementos proporcionam uma conceituação sobre servidores públicos, qual seja: “todos aqueles que mantêm com o poder público relação de trabalho, de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculos com o Estado, através de nomeação a um cargo público mediante aprovação em concurso público” (DALLARI). Salientase que não há um consenso conceitual sobre o termo servidor público, mas este é o que mais se aproxima do estudo em pauta. O concurso público, portanto, além de ser uma ordem constitucional, é também reconhecido universalmente como a forma mais justa de ingresso no 41 serviço público, exatamente por assegurar a igualdade de condições de ingresso, prevista na Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU), a qual afirma que cada indivíduo tem o direito ao ingresso, sob condições iguais, no serviço público de seu país. Ressalte-se que, durante esta investigação, utiliza-se a denominação servidor público e não funcionário público, a fim de marcar a atualidade constante nos diversos documentos e legislações que subsidiam a abordagem de nosso objeto – qual seja, as relações de trabalho do servidor público e seu rebatimento nas condições de saúde desse trabalhador. Hoje, esse é o termo utilizado para referenciar o trabalhador público, concursado, já com estabilidade/efetivação adquirida ou em processo de efetivação. Vale salientar que, legalmente, no serviço público, existe apenas essa modalidade de trabalhador com vínculo empregatício direto com o Estado, muito embora haja uma diversidade de vínculos empregatícios que “prestam serviços ao Estado”. Esses últimos vínculos são onde se encontram, principalmente, a reprodução da precarização do trabalho, bem como as metamorfoses do mundo do trabalho, como a terceirização de serviços de limpeza, vigilância; a contratação de serviços “temporários”; a prestação de serviços para consertos e manutenção de equipamentos, etc. Ainda a título de incitar preliminarmente a discussão, é notório que os vários autores que cursionam sobre o tema do servidor público são unânimes em destacar a imagem negativa desse trabalhador público. Dallari (1989) inicia seus estudos dizendo que esse é um assunto tão comentado e, ao mesmo tempo, tão desconhecido, mas que, na quase totalidade dos casos divulgados na imprensa diária (tevê, jornais, revistas, etc.) - envolvendo o serviço público e/ou a atuação de algum funcionário -, a análise da midiática aponta sempre algum ponto negativo, do tipo: denúncia de corrupção, mau funcionamento dos serviços, favorecimentos, desperdício de bens ou recursos, pagamentos excessivos a certos funcionários, nepotismos, entre outros. Já França (1993), na introdução que faz sobre o tema funcionalismo público, chama a atenção para “os preconceitos”, mesmo no interior da sociologia, identificando pouca aproximação científica das questões que ele envolve, e afirma que: 42 A ausência de estudos sistemáticos que busquem aprofundamento teórico e metodológico no campo das ciências sociais e provavelmente a maior responsável pela permanência de mitos e lugares comuns sobre o funcionário do Estado. A imagem popular ganha ares de verdade científica: rotina, ineficiência, desinteresse, complicação de procedimentos, burocracia, classe média, parasitas, conformistas. Assim como as coisas públicas, eles “não funcionam” e recebem até demais pela estabilidade e o pouco que trabalham (p.11-12). Aqui a autora ressalta a escassez de um aprofundamento teóricometodológico, das ciências sociais, movida por certo desprezo, pois não dá relevância às questões complexas que envolvem o tema, saindo do lugar comum e favorito da mídia nacional. Assim, a imagem popular do funcionário público torna-se conhecimento científico. O tema do “servidor público” não é simples e nem singular, ao contrário, é um campo heterogêneo e de complexa compreensão. Giffoni (1993), referindo-se à imagem que se tem do funcionário público, indica que é bem diferente daquela classicamente apresentada por Weber, qual seja, de indivíduos movidos por uma vocação no exercício de suas funções, conforme destacam Merton e Hall (1992, apud GIFFONI, 1993), que é a imagem de um burocrata moderno, que coloca sua ação em procedimentos impessoais, em relacionamentos orientados e sistematizados. Pelo contrário, a imagem do funcionário público é de um indivíduo marcado pela incompetência; entre outros fatores, Giffoni (1993) acrescenta a desarticulação, o clientelismo político, o autoritarismo, o arbítrio, a confusão político-institucional, e assim sucessivamente. Nesse sentido, aponta para uma inadequada prestação de serviços públicos, a desconfiança da população em relação a eles, o desprestígio do funcionalismo público registrado nas últimas décadas e a dispersão de esforços e recursos na ação governamental. Reconhece que essa explicação é genérica demais e que não dá conta da complexidade da questão do funcionalismo público. Não há aqui a intenção de endossar, tampouco denegrir ainda mais a imagem do servidor público no Brasil, mas assinalar o quanto é difícil definir o que é o servidor público, tendo em vista a abrangência de sua ação, que poderá ir de uma função menos complexa, como a de um gari de rua, tão necessária e importante à saúde pública, como funções de alta complexidade, como a de um professor, dos bancários, do médico, do cientista social de universidade pública. Quase sempre, a imagem de servidor público, para a sociedade vincula-se a uma função de nível 43 médio, com traços intermediários e de “burocrata” diante de um computador em sua mesa de trabalho, com muitos papéis. Não se trata de deixar de reconhecer as particularidades desse fazer público, mas não basta entendê-lo apenas pela imagem, ou mitos, de um trabalhador que não gosta de trabalhar, que será demonstrado no decorrer da análise desta tese. Nem sempre o que se coloca como apenas culpa do servidor público é verdade, pois não se avalia a situação institucional, na qual estão inseridos cortes de verbas, redução de investimentos, como também o mau uso dos bens públicos, dos recursos, de administração eficaz sem uma explícita direção social das ações voltadas ao bem comum. Dito isso, pergunta-se: Essa imagem ainda permanece, nos dias de hoje? Reclama-se mais da falta de recursos ou dos poucos recursos para as políticas públicas, ou da qualidade, ou quantidade, dos serviços públicos? Fala-se dos serviços ou dos servidores? Os dois referem-se às mesmas coisas? Qual o sentido do trabalho público para o servidor? A partir das constatações dos autores pesquisados, e na pesquisa empírica e documental realizada, verificam-se as possíveis mudanças no perfil do servidor público. No primeiro indicativo, do ponto de vista da formação escolar, da capacitação e da qualificação, pode-se considerar que o servidor público possui bom nível técnico, o que pode representar a perspectiva de melhoria na qualidade dos serviços prestados a população. Hoje, no serviço público da Ufal, observam-se os níveis de escolaridade apontados no Quadro 4. Escolaridade Quantidade % Alfabetização sem cursos regulares 24 1,73 Ensino fundamental Incompleto 94 6,79 Ensino fundamental completo 60 4,33 Ensino médio 546 39,42 Graduação 287 20,72 Especialização/ Aperfeiçoamento 334 24,12 Mestrado 38 2,75 Doutorado 02 0,14 1.385 100 Total Quadro 4: Escolaridade dos servidores técnicos – Ufal/ 2007 Fonte: DAP/Ufal, dez. 2007 44 1.1.2. O que é o servidor público? Nas aproximações da concepção sobre servidor público, em Poulantzas (2000), o conceito é o de “pessoal de estado”, uma categoria social específica, com divisões internas, as quais resultam de suas classes, mas que, ao mesmo tempo, apresenta uma unidade própria, efeito da estrutura organizacional do aparelho do Estado capitalista. Adverte ainda que as decisões do bloco no poder e as lutas populares podem causar outras rupturas e divisões no seu interior, mas apenas até o limite em que a continuidade do próprio Estado não seja ameaçada. O servidor público, apesar de sua especificidade enquanto trabalhador público do Estado, e regido por um Regime Jurídico Único próprio, parece ter pouca clareza e consciência do seu papel social a serviço do bem comum, mediante a execução das políticas públicas de saúde, educação, segurança, entre outras. Neste sentido, nota-se que há uma visível falta de identidade com o seu cargo de servidor público, em suas divisões de classe; aqueles que pertencem e atuam como profissionais, nos cargos de nível superior, não se apresentam enquanto servidor. Vejamos: caso perguntemos a um médico, um assistente social, um professor universitário sobre seu cargo, em sua maioria, dirá qual profissão exerce, e dificilmente mencionará o cargo público3 da investidura, ou seja, o de servidor público. Essa falta de pertencimento poderá trazer algumas consequências, de ordens política e social, no seu modo de trabalhar no serviço público, expressa na atuação própria e com a compreensão profissional, política e social, dando ênfase aos seus objetivos particulares, acima das necessidades sociais da população usuária dos serviços. Tomemos como exemplo as pautas das greves, que são recheadas de intenções de melhoria dos serviços, qualidade do ensino, etc. No contexto de lutas, os servidores públicos, ao conquistarem reajustes salariais – que se configuram como parte apenas de suas reivindicações –, ainda que não seja o que pretendiam, contentam-se e retornam ao trabalho, deixando esvaziada a luta pelo restante das reivindicações. Mesmo diante das precárias condições de trabalho e dificuldades, 3 A Lei 8.112/1990, no art. 3o define cargo público como um conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor. 45 geralmente voltam aos postos de serviços. Pergunta-se: Onde ficaram os interesses dos usuários? Giffoni (1993, p. 50) aponta que os funcionários públicos, ao tratarem as demandas da sociedade, o fazem de acordo com a compreensão própria que têm das necessidades sociais, das responsabilidades do Estado, relacionadas a elas e dos interesses diferenciados que podem assumir enquanto grupos corporativos, ou categoria social diferenciada. Ressalte-se que o papel político do pessoal do Estado, além da história da burocracia, envolve a presença mais acentuada do patrimonialismo e clientelismo4 nos setores sociais. Diga-se, também, que não é apenas nesses setores que isso fica evidenciado, mas em todos os demais setores, desde a infraestrutura, até a política social e a cultural. Essa afirmação resulta da constatação de que quase toda a população brasileira, ao buscar atendimento em uma repartição ou setor público, antes de procurá-lo, examina se existe algum servidor naquela instituição que poderá facilitá-lo, evitando as longas esperas, ou para burlar a burocracia, tentando obter melhor atendimento e esclarecimentos. É necessário compreender as influências das mudanças de regime, no comportamento do funcionalismo, pois provocam alterações nas funções e estruturas da burocracia e resistências de segmentos de funcionários que podem se opor à implementação dessas mudanças por se sentirem prejudicados no seu status quo. Pode-se afirmar, sem medo de errar, que projetos bem elaborados e intencionalmente corretos, propondo mudanças para a melhoria dos serviços, não faltam, na Administração Pública. Entretanto, a concretização desses projetos depende muito das prioridades estabelecidas pelo governo, dos investimentos, da articulação política dos administradores, entre outros fatores colocados no cotidiano de nossos serviços. O servidor público pode ser muito bem capacitado e consciente da relevância daquele projeto, que não sairá da fase de planejamento, caso não obtenha os recursos financeiros e a decisão político-administrativa. No interior da categoria profissional de servidor público, há uma divisão de classes que reproduz a divisão social do trabalho no capitalismo: os mandatários, gestores, administradores, chefes, etc., e os que executam (os dominados). No 4 Sobre os conceitos de patrimonialismo e clientelismo, ver Giffoni (1993). 46 entanto, a imagem que a sociedade tem dessa categoria é unívoca e corporativista na defesa dos próprios interesses. Mesmo que suas ações e lutas incluam a defesa de políticas públicas gratuitas de qualidade para toda a população. Esse lado positivo deve-se, de certa maneira, à relativa autonomia que goza o servidor público, o que lhe permite construir práticas que favoreçam não apenas seu exercício e a categoria profissional, mas também promovam ganhos para os cidadãos. Essa autonomia pode estar relacionada à perspectiva de politização impressa nas ações dos servidores públicos. Para Poulantzas (2000), a magnitude da politização do “pessoal do Estado” depende do contexto social, embora esteja limitada - na sua essência - pelo quadro material do próprio Estado, pelas relações entre as classes a ele inerentes, e entre as classes dominantes e o Estado. E há sempre uma pressão, no interior do Estado, para se propagar aos funcionários “a imagem de um Estado neutro, representante dos interesses gerais, árbitro dos conflitos entre as classes, instrumentos da ordem, da justiça e do equilíbrio, em favor dos fracos e acima das classes” (p. 158). Por outro lado, vários são os instrumentos legais que favorecem certa pressão e controle do Estado sobre o servidor. Dentre eles, podem ser citados o Código de Ética do Servidor Público, o próprio Regime Jurídico, e os instrumentos avaliativos usados para a efetivação do servidor, em que são endossados os princípios de impessoalidade, responsabilidade, compromisso e zelo, considerando as forças políticas existentes na administração do Estado. Esses se aliam às políticas governamentais, no sentido de ampliar os direitos sociais de quem dela necessitar, ou são cumpridores, “guardiões e zeladores”, da ordem pública, no cumprimento da lei, conforme preconiza o Estado. França (1993) também analisa o funcionário público como uma categoria social, embora o situe como parte integrante da estrutura de classes brasileira. Isso significa que a interpretação das suas mentalidades, ou dos modos de compreender a si e aos outros, passa pela análise das posições em que se encontram nas relações de produção, incluindo aí a fábrica, o sindicato, o partido, as outras classes sociais e os governantes (IANNI, 1975, apud FRANÇA, 1993, p.15). No foco utilizado pela autora, a categoria social não se define pelo lugar que ocupa no processo de produção capitalista, mas em relação à sua posição política. 47 Enfim, em sua análise a categoria servidor público expressa sua consciência política no grau de compromisso com suas organizações coletivas com os partidos políticos, na participação ou não em greves, mas também nas suas relações de trabalho, manifestações culturais, lazer, sonhos para o futuro [...] (FRANÇA, 1993, p.16). É nas relações sociais, no trabalho, que o servidor expressa sua consciência social relacionada aos usuários de sua ação, que pode estar caracterizada com compromisso, ética e responsabilidade no cotidiano ou, ao contrário, pois, apesar dos deveres estabelecidos, há certa tolerância no trabalho do servidor que Giffoni (1993) chama de “disciplina frouxa”. Suas decisões e escolhas permitem que se posicione conforme sua consciência política, pois “não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência” (MARX e ENGELS, 1987). Portanto, é no cotidiano que se identifica para que lado está direcionada a ação. Nesse contexto, fica notório que o Estado não é neutro, entre outros fatores a intervenção do servidor por meio do exercício profissional. Não obstante, é ética e, acima de tudo, correta, a impessoalidade exercida nas funções públicas, no sentido de não favorecer algo ou alguma coisa a alguém, ou seja, quando se trata de não apadrinhamento. Há de se considerar também que a relevância da participação social do servidor nas manifestações públicas, é uma das forças que ainda prevalecem, principalmente hoje, quando os movimentos sociais enfraqueceram suas lutas em defesa das políticas públicas com qualidade. Por conseguinte, nota-se que os servidores públicos talvez sejam uma das poucas classes trabalhadoras que ainda detêm grande potencial para provocar a retomada da mobilização dos seus membros, muito embora seu movimento organizacional esteja perdendo fôlego, parecendo seguir a mesma dinâmica de desmobilização e desmotivação da classe trabalhadora em geral. Apesar das peculiaridades empregatícias com o Estado, percebe-se um grande número de jovens e adultos que almejam o serviço público, a fim de garantir a tão desejada estabilidade por parte da maioria dos trabalhadores. Em tempos de desemprego e da precarização das relações de trabalho, existentes no começo do século XXI, por conta de vários fatores estruturais da forma de organização do trabalho, do avanço tecnológico e da própria lógica da sociedade capitalista, o 48 serviço público passa a ser um dos poucos setores com favoráveis condições de trabalho, principalmente a estabilidade no emprego. Existe hoje, no mercado educacional, um grande número de cursos preparatórios para concursos públicos. Os candidatos são denominados, popularmente, de concurseiros, aqueles que vivem se submetendo a concursos públicos. Esse é um mercado em ascensão. No início de 2010, São Paulo sediou a I Feira, cujo tema central era o Mercado do Concurso, em que se discutiu e divulgaram-se material didático, apostilas, palestras motivacionais, etc. Os jovens e adultos que concluem o ensino básico e entram nas faculdades, começam a se preparar para prestar concursos. Há quem até estimule a entrada no serviço público, deixando os estudos universitários para depois do serviço público. A maioria dos servidores públicos de nível médio são detentores do diploma universitário ou estão frequentando o curso superior. Os estudos de Dallari (1989) e França (1993), sobre os funcionários, apontam para um cenário desolador, em relação a esses trabalhadores, pois, naquele momento histórico, prevalecia a crença de que o serviço público era para quem “não conseguia outro emprego”; para quem não dispunha de “muita vontade de trabalhar”; e para quem tinha sido derrotado na competição profissional dentro do setor privado. Essa crença não condiz com a realidade social de hoje, visto que o emprego público está cada vez mais concorrido, não só em número de candidatos como também em relação ao grau de qualificação. Quando da realização de concursos em alguns estados, municípios e mesmo no nível federal, direcionados para cargos de nível médio (NM) ou nível de apoio (NA), a mídia frequentemente chama a atenção para o número de candidatos possuidores de cursos universitários. Já no tocante à questão salarial, é complicado afirmar que o salário hoje é “de fome”. Alguns estudos mostram que o valor salarial do servidor público de NM está compatível com o mercado, enquanto outros o apontam como acima da média dos trabalhadores de escritórios privados no Brasil. França (1993), referindo-se ao ingresso no serviço público, diz que Há aqui todo um processo de reprodução das classes sociais e de suas frações: o jovem pobre e com pouca instrução, oriundo a maioria das vezes de famílias não operárias, que também não vai à procura de um trabalho operário desqualificado, menos valorizado socialmente e mais distante de suas relações concretas da vida. Ao mesmo tempo, não tem formação 49 suficiente para obter um trabalho operário qualificado. Mercadoria barata e muito ofertada, esta força de trabalho enfrenta grande rotatividade de público, seja se aproveitando da existência de alguma situação clientelista [na época, antes da CF 88 era possível esta forma de ingresso no serviço público], torna-se funcionário público, um trabalhador raramente demitido (p. 33). Claro que, passados pouco mais de 20 anos da promulgação constitucional de 1988 e da reflexão da autora, o serviço público mudou. Hoje, o servidor chega com um grau de formação mais elevado do que é solicitado para o desempenho do cargo; sua classe social de origem, em sua maioria, não se refere à classe popular, nem sua formação, no ensino fundamental e no médio, foi realizada na escola pública. Esses indicativos configuram-se como hipóteses a serem demonstradas mais adiante nos resultados da pesquisa. Hoje, o servidor público vem, em sua maioria, da classe média e da média alta, tendo no serviço público a possibilidade de se qualificar e capacitar-se ainda mais e de forma subsidiada pelo Estado. O servidor jovem que entra no serviço público com formação superior não tem o desejo, nem a intenção, de permanecer no cargo de NM. Igualmente, seu desejo é fazer uma carreira que o leve ao nível superior, no mínimo. Pressupondo que o servidor NM, com formação superior, ou que está cursando, não tenha interesse de continuar no cargo, portanto, não demonstre a vontade de ser servidor público, seu projeto é buscar o que o serviço público lhe oferece de mecanismos para que possa dar seus voos, dentro ou fora do Estado e, se possível, conciliando-os. Frequentemente, nota-se que, se o servidor permanece em cargos de NM, é por falta de oportunidade de emprego que garanta estabilidade e proteção social, o que poderá levá-lo a certo desinteresse pelo serviço público ou até à somatização de doenças. Podem-se citar alguns distúrbios ocupacionais contidos no modo de trabalho cotidiano que favorece o adoecimento: repetição continuada de tarefas, sedentarismo no desempenho ocupacional, déficit de atenção, estresse, monotonia, disfunções afetivas e sociais. Há necessidade de que os setores que trabalham com as políticas de Recursos Humanos estabeleçam para o servidor um plano de capacitação, não voltado apenas para “o fazer técnico”, mas que contemple o seu desenvolvimento na totalidade. Alguns dados sobre satisfação do servidor demonstram elevado grau quanto à rotina de trabalho. Em levantamento realizado pelo Ministério de Planejamento, 50 Orçamento e Gestão (MPOG), num total de mil servidores entrevistados, 638,7 responderam ser boa sua rotina de trabalho. Contraditoriamente, os distúrbios acima apresentados aparecem nesse mesmo levantamento, feito e apresentado pelo MPOG em seminário sobre saúde do servidor público, realizado em 2007. As atividades desenvolvidas por esses servidores de NM continuam existindo na chamada burocracia estatal e coexistindo com as novas tecnologias, como o computador, a Internet, o correio eletrônico. É fato que parte dessa burocracia automatizou-se, mas o seu caráter de emitir parecer, fazer cumprir a lei, normatizar serviços, padronizar serviços, ainda permanecem. Ou seja, cumpre-se; registre-se; tenho dito; salvo melhor juízo, são expressões utilizadas nas emissões e conclusões dos pareceres. Há também a situação em que o servidor de NM é muito mal aproveitado, ou seja, em que não é utilizado seu potencial e, não raro, às vezes, busca as unidades de Recursos Humanos para reclamar da desqualificação dos serviços que lhes são solicitados e, consequentemente, por ele prestado. Os fatores observados são elementos que compõem essa categoria social e poderão interferir no processo de trabalho, alterando o estado de saúde do servidor público. 1.1.3. Carreira Profissional: Ilusão, Desilusão, Realização Segundo Poulantzas (2000, p.156), analisando as contradições de classe no seio do Estado, por meio das divisões internas do pessoal – em amplo sentido – identificam-se diversas burocracias estatais, administrativas, judiciária, militar, policial, etc. Essas divisões internas favorecem o surgimento de várias carreiras profissionais e dificultam a unificação do movimento social pelos interesses dessa categoria social, como também complexificam a burocracia estatal. Mesmo que forme uma categoria social detentora de unidade própria e de autonomia relativa, não deixa de ter um lugar de classe, na divisão social de trabalho; não se trata de um grupo social à parte, ou acima das classes. Conforme a posição que ocupe na divisão do trabalho no Estado, poderá aliar-se aos interesses das classes que vivem do trabalho de reproduzir os valores da burguesia, demonstrando representação do Estado. 51 Com relação à divisão social do trabalho, Poulantzas (2000) coloca como se especifica a reprodução no Estado, como trabalho intelectual, trabalho manual, e no próprio seio do trabalho intelectual concentrado no Estado: incumbência ou lugar de classe burguesa, para as altas esferas desse pessoal; pequena burguesia, para os escalões intermediários; e os subalternos dos aparelhos de Estado. No âmbito das universidades, a materialidade dessa divisão entre o trabalho intelectual e o trabalho manual está sedimentada com a criação de carreiras e cargos distintos: cargo de professor universitário e carreira específica; bem como os cargos dos técnicos administrativos, subdivididos em três níveis: 1) Nível superior (NS); 2) Nível médio (NM); e 3) Nível de apoio (NA). Dessa subdivisão, pode-se representá-los, como sendo os servidores de NS, a pequena e a alta burguesias; os servidores de NM, os pequenos burgueses e a classe subalterna; e os servidores de NA, como aqueles que se encontram em processo de extinção desses cargos no Estado. França (1993) afirma que, na consciência política do pequeno funcionário público, são visíveis as destituições de classes dentro do espaço do serviço público. Por exemplo, as heterogeneidades do real, em que o almirante brigadeiro é muito distinto dos soldados, ou do aprendiz de marinheiro; a de um juiz togado do Tribunal Federal Superior, ou um ministro, que são muito diferentes do serventuário de justiça, etc. Outro exemplo, mais próximo de nosso objeto de investigação, é a universidade, em que as relações de trabalho entre o reitor e um motorista são muito diferentes, em diversos aspectos da vida e das condições de trabalho. A reprodução das classes sociais antagônicas, especialmente daquelas que representam o poder estatal (os chefes, assessores, diretores) também traz valores e ideologias da classe burguesa. Muito embora considere predominantemente os interesses da classe dominante, não exclui os interesses das demais classes sociais, os quais se encontram em permanente jogo de poder. Assim se estabelece a correlação de forças entre as classes, entrando na disputa os interesses antagônicos da categoria de servidores e segmentos. Há, no interior da divisão de classes no espaço do Estado, uma tensão política por estar, cada qual, defendendo interesses e carreiras distintas, mesmo que atuando na esfera do Estado, e em uma mesma instituição, com os mesmos objetivos comuns. 52 Considerando todos os aspectos até aqui discutidos, pergunta-se: É possível ter uma definição que se aproxime dessa categoria polissêmica, de origens diferentes e com cargos tão específicos e particulares dentro da esfera estatal? França (1993, p. 57), relembra que Mills (1969) havia apontado como “traço característico” desta categoria social o fato de proclamarem um prestígio mais elevado do que o do operário e também quanto à massa anônima do público. As afirmações de Poulantzas (2000) são visíveis na prática, quanto à reprodução social de classes do servidor que no seu cotidiano poderá assumir a ideologia dominante do Estado neutro. Este reproduz e inculca, tendo igualmente a função de constituir o cimento interno dos aparelhos de Estado e da unidade de seu pessoal. Essa ideologia dominante, na defesa dos interesses da sociedade civil, dos cidadãos, se diz impessoal e isenta nos julgamentos e arbítrio do bem-estar geral de todos. O pessoal do Estado, segundo Poulantzas (2000), reivindica uma descolonização do Estado em relação aos interesses econômicos, o que, segundo o autor, significa o retorno a uma virgindade supostamente possível do Estado, que lhe permite assumir seu próprio papel de direção política. O autor, em sua análise sobre o papel político do pessoal, vislumbra a possibilidade da transformação do Estado capitalista, considerando que os limites dessa politização não passam de enfeites do arcabouço material do Estado e são, consequentemente, consubstanciáveis ao lugar próprio desse pessoal na divisão social do trabalho. Afirma que a tendência esquerdizante de apenas uma parte do pessoal não basta para transformar a relação entre o Estado e as massas populares. Atualizando essa tendência que defende, hoje, os direitos universalistas das políticas de saúde, educação, de participação nas decisões políticas, econômicas e sociais, encontra-se em todas as camadas ou segmentos do serviço público, porém há certo deslocamento ou desmobilização que acompanha o movimento societário, caracterizando a política neoliberal de minimizar a execução das políticas sociais, pulverizando-as, privatizando-as, com o mercado e o terceiro setor. Outra característica do pessoal de Estado identificada por Poulantzas (2000) são as resistências ao papel que assume de “cão de guarda” do bloco no poder. Essa resistência, às vezes, tende para os interesses das classes populares, para a descontinuidade das práticas do Estado e para a defesa dos chamados privilégios 53 corporativos. O exemplo dado pelo autor é a estabilidade do Estado e do seu pessoal. Nesse sentido, o estudioso reconhece que, apesar das críticas, esse é um fator que favorece incontestavelmente suas politizações. Acrescenta-se a autonomia no fazer do pessoal, que proporciona uma intencionalidade não apenas técnica, mas na política, em benefício da população por ela atendida. Após a constatação de que houve significativa mudança no nível de escolaridade do servidor público de NM, no cotidiano, não se evidencia a predominância da consciência de que seu trabalho tem uma direção social e política. Ou seja, não se coloca em questionamento o papel de defender os interesses da população enquanto usuária dos serviços, muito embora essa mesma defesa apareça nas pautas reivindicatórias das greves, ambas as tendências acontecem na prática. Nas pesquisas de França (1993, p. 51), pouco mais dos 50% dos entrevistados reconhecem a natureza especial do seu trabalho naquilo que ele tem de coletivo. Desses, 15% se reconhecem administradores do povo e 35% como funcionários do governo, sendo que, para os outros 25%, esse é um trabalho igual aos demais, respeitando a responsabilidade de cada qual. 1.1.4. Burocracia Estatal - Traço comum entre os servidores públicos Um dos traços comuns encontrados em quase todos os estudos sobre o servidor público e que caracteriza o seu trabalho - principalmente dos que estão exercendo cargo de NM, na administração pública - é relativo à incorporação da burocracia estatal em seu fazer profissional. No sentido mais amplo - a burocracia está na forma como o servidor exerce sua função política nos diversos âmbitos do poder estatal. Giffoni (1993) utiliza a tipologia adotada por Guerreiro (1990), e que, neste trabalho, será reproduzida a fim de esclarecer o entendimento sobre burocracia e como funciona a rotina dos servidores públicos. Com base nesses estudiosos, o funcionalismo público está dividido em cinco estratos: burocracia eleita ou política propriamente; burocracia diretorial e quase política; burocracia técnica e profissional; burocracia auxiliar; e burocracia proletária. 54 A burocracia eleita ou propriamente política, composta pelo Presidente da República e os titulares das funções dos níveis das Administrações federal, estadual e municipal, isto é, ministros de Estado, governadores, prefeitos, secretários estaduais e municipais. O que caracteriza esse estrato é seu caráter eminentemente político, ao mesmo tempo em que transitório, pois sua ação dura o período do mandato dessas autoridades. Dois traços dessa burocracia eleita são o caráter político, acrescido do partidário, que dará a tônica daquele mandato, ao mesmo tempo em que a direção de planos, programas e projetos daquele período não tem continuidade, caracterizando o segundo caráter, o da transitoriedade. Não significa dizer resistência às mudanças, mas o político-partidário predomina quase sempre sem considerar as avaliações e interesses coletivos. Esses dois traços vão interferir diretamente na ação do servidor público e nem sempre de forma positiva, fazendo a descrição das mudanças e resistências a estas. Quase sempre é vista como uma onda, um modismo, portanto, transitória como o mandato. A burocracia diretorial e quase sempre política, não está sujeita apenas ao mandato, pois seu status não é obtido propriamente pela ligação de fidelidade ao chefe do Executivo. São servidores públicos de distintas profissões e categorias, que permanecem nos altos cargos e funções por força da competência específica ou de alianças informais. Constituem o mais político dos estratos da burocracia, pois ajustam as decisões do estrato superior às circunstâncias concretas. A burocracia diretorial como aquela onde os servidores públicos, que alcança os altos cargos ou funções denominadas de Cargo de Direção (CD) e Funções Gratificadas (FG), demonstram ter mais do que competência técnica, e sim política, para manter-se nos cargos de mando. Estão sempre em dia com as notícias e alterações do Diário Oficial da União (DOU), hoje de forma eletrônica, e sempre procuram reunir-se em comissões, comitês e grupos para estabelecer estratégias e elaborar documentos que dêem sustentação à política superior. Podemos destacar também, nessa burocracia diretorial, aquelas instituições em que predominam a democracia e a consciência de cidadania, em busca da participação na direção político-administrativa, como é o caso das universidades públicas, em que a escolha dos altos cargos, os chamados primeiro escalão - cargo 55 de reitor, vice-reitor -, se dá pela consulta eletiva, onde a comunidade universitária: professores, estudantes e os técnicos administrativos, manifestam suas opções pelo voto, reproduzindo a burocracia eletiva. Destacam-se ainda, nesse tipo de burocracia diretorial, os servidores que detêm experiências adquiridas na execução do trabalho e uma exoneração em massa poderia acarretar um “desastre administrativo”. Segundo os autores estudados, em certos contextos, aderem às mudanças propostas pela burocracia eleita para a administração, se forem trazer algumas vantagens materiais, prestígio e poder, caso contrário, podem resistir. Com o advento da informática e da tecnologia eletrônica e a criação dos sistemas de pessoal, financeiro, etc., funcionando em rede nacional, um desastre administrativo está cada vez mais próximo da burocracia eletiva central, pois a maioria das instituições repassa e alimenta os dados da rede, que são controlados por um sistema único. Enfim, a impressão que se tem é que não existe mais a ameaça de um desastre administrativo local, no entanto, pode ter um deslocamento muito maior, de uma desenvoltura de dimensão proporcional ao Estado. A burocracia técnica profissional é composta por ocupantes de cargos e funções profissionais, como médicos, engenheiros, juristas, técnicos de administração, assistentes sociais, professores, etc. É um estrato operacionalmente necessário, mas não é possível prever seu comportamento em relação às propostas de mudança. Estão sempre em conflito com a burocracia diretorial, se portam como “especialistas”, cujos interesses profissionais se opõem às mudanças. Resistem ao que possa ameaçar sua liberdade de ação, ao que enfraqueça seu poder de negociar, diminua a importância de seu saber técnico para o funcionamento da organização. Costumam permanecer na defensiva e sua ação é conservadora. Entre os tipos de burocracia aqui analisada, talvez seja a mais heterogênea, dos grupos que compõem a burocracia estatal, por ser composta por profissionais com formações e saberes específicos, bem como possuem projetos profissionais, sociais e seus aparatos legais, que orientam o exercício de cada profissional, o que lhes proporcionam certo grau de autonomia e liberdade de ação. A possibilidade de esse estrato fazer alianças com a burocracia diretorial dependerá de várias reuniões de negociações, e entendam que as mudanças ou 56 projetos preteridos lhes trarão certos benefícios materiais, privilégios e manterão seu status quo. Esses profissionais da burocracia técnica não se denominam “servidor público”, quando fazem referência ao cargo que ocupam, sempre se referem ao cargo da formação profissional, ou comprovam a superioridade da profissão ao de servidor público. A atitude de demonstrar a superioridade da profissão ao estatuto de servidor público, poderá levá-los a pensar que estão acima do Estado, e assim assumir a função pública a serviço do bem comum passa a não ter prioridade, colocando seus interesses em primeira instância. A burocracia auxiliar é constituída pela maioria dos servidores públicos contínua, servente, (os denominados Agentes Operacionais de Serviços Diversos – AOSD). São os servidores públicos que têm pouca participação nas propostas inovadoras do trabalho, apresentando-se em geral como agentes passivos de programas de modernização, sendo sua estratégia limitada ao domínio circunstancial em que realizam suas atividades. A burocracia proletária, composta pelos denominados funcionários operacionais de limpeza, cozinha, construção, etc., é o estrato mais passivo e pouco participativo diante das propostas de mudanças na Administração Pública. Hoje, na realidade do serviço público, vários cargos e funções foram extintos no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), no início dos anos 90. Praticamente parte da burocracia auxiliar, como os cargos da burocracia proletária, saíram da rede pública, passando, os serviços, a serem executados pelas empresas prestadoras de serviços de limpeza, segurança, lavanderia, cozinha, etc., e deixando de pertencer ao quadro estatal. Nessa tentativa de aproximação de um conceito sobre o servidor público, de suas principais características, entre outros traços marcantes, como a burocracia, tornaram evidentes que a concepção sobre o servidor público é muito fragmentada, tanto para legistas, como para estudiosos sobre o assunto, que observam a complexidade e a heterogeneidade do tema. Muito embora algumas características os tornem próximos - um regime estatutário que rege as categorias; a entrada mediante concurso público, ressalvadas as particularidades das exigências do cargo público; a estabilidade garantida por lei - o que os diferencia dos demais trabalhadores em geral - o Estado 57 - no papel de patrão e a natureza política e burocrática dessa atividade. São esses traços que conferem forma a essa categoria social. São essas algumas características marcantes, no desenvolver do trabalho, e outras serão agregadas, mas constatam-se também alguns distanciamentos existentes nessa categoria social que compõem o quadro de trabalhadores públicos. Um é o que reproduz o conceito de classe social, nos moldes do sistema capitalista de dominantes e dominados, em que a classe que compõem a burocracia diretorial incorpora o próprio patrão, e a classe dos NMs, a classe auxiliar, executora dos serviços de escritório etc. Percebe-se também que a classe da burocracia técnica, no exercício de um cargo de nível superior, possui maior grau de autonomia e, ao mesmo tempo, não se denomina como servidor público; sua identidade é a profissão que exerce no cargo público. Por outro lado, um dado que chama a atenção, e que merece melhor verificação, na prática, diz respeito à imagem negativa do servidor público, a midiática, o senso comum de um profissional que não gosta de trabalhar. Esse é um dado relevante para se trabalhar na pesquisa de campo, pois o objeto tratado é a saúde do servidor, e a imagem, como o servidor se vê, diz muito do estado de bemestar social e da saúde. Os estudos aqui citados mostram o que se fala a respeito do servidor, portanto saber como ele é, assim como a imagem que faz de si próprio, é relevante para definir sua saúde mental e, consequentemente, a repercussão no trabalho. Além disso, mais um traço que chama a atenção pela objetividade de expressão (reconhecimento) é o corporativismo dessa categoria social. Nos capítulos que se seguem, o tema será relacionado com os direitos sociais desses trabalhadores, vistos hoje pela sociedade como privilégios. Atualmente, o servidor público não possui uma única identidade, tanto no fazer profissional como nas ações a ele atribuídas. A maioria continua em busca da estabilidade no emprego. Essa situação poderá levá-lo a desenvolver alguns sintomas que prejudiquem sua saúde e o desenvolvimento no trabalho, por causa da apatia, desinteresse pelo trabalho, estresse proveniente da monotonia do trabalho com o qual não possui identificação. Preliminarmente, indica-se que o fato ocorre principalmente com os servidores de NM, no caso em estudo, os auxiliares e técnicos de enfermagem. 58 Os servidores de NS utilizam-se do status quo que lhe confere o ingresso numa universidade, demonstrando ter competência técnica na investidura do cargo. É bom ter consciência de que o servidor público tem como patrão o público, que paga impostos, tributos de todas as espécies, e possui o direito de retorno por meio da prestação de bons serviços públicos. 1.2. A Dimensão Social do Processo Trabalho, Doença e Saúde A abordagem do processo saúde e doença do trabalhador será fundamentada nos estudos de Laurell (1989) e outros, os quais agregam ao tema a dimensão coletiva dos fatores e elementos que contribuem para o desgaste do operário, baseados em estudos numa siderúrgica na cidade do México. A pesquisa citada demonstra a existência, nessa área de trabalho, de uma problemática comum nos limites do trabalho e fora dele, potencializando as reivindicações dos trabalhadores pela saúde e pela vida. Segundo Laurell, a saúde dos trabalhadores, de qualquer forma, é uma área prioritária de investigação, pois se mostra como um tema privilegiado para a construção de um novo modo de entender e analisar a “saúde - doença coletiva” desse grupo, enquanto um processo social. Posto o elemento social na saúde e no trabalho, significa entender e explorar a relação entre ambos, para compreender como se articula e expressa a saúde enquanto processo social. É no processo de trabalho que se percebe a materialidade das relações sociais de extração de maisvalia em determinada sociedade capitalista. O estudo da saúde do trabalhador remonta a Revolução Industrial, da Europa, contexto em que Marx e Engels tratam da questão da espoliação da vida e, por conseguinte, abordam a saúde do operário como uma das expressões concretas da exploração capitalista, sobretudo naquela época, na Inglaterra. A situação era tão grave e séria que colocava em perigo a reprodução da força de trabalho, pois as taxas de mortalidade superavam as de natalidade. Para amenizá-la, surgiram as primeiras medidas da burguesia, dona do capital, com foco na atenção médica e nos “riscos do trabalho”. Ou seja, ocorre a parcialização da questão da saúde e doença do operário, em que a doença passa a ser vista como 59 resultado da ação de agentes específicos, os riscos, e a solução é centrada na ação curativa, caracterizando o domínio do Modelo Médico. Essa visão parcial obscurece o complexo entendimento da relação no processo de trabalho-saúde, visto que uma parte dela é colocada fora do âmbito do trabalho e passa a ser compreendida como “doença natural ou geral”, portanto, um problema pessoal do indivíduo. Quanto à parte reconhecida como trabalho, restringe-se à compreensão apenas para os riscos físicos, químicos, biológicos e mecânicos. Estes poderiam, e assim o eram - às vezes -, ser abordados com ações de prevenção e até mesmo indenização, de alguma forma. No final da década de 1960 e início de 1970, com os movimentos operários e o questionamento do mundo capitalista, renasce a discussão contra a parcialização do processo trabalho-saúde, pela lógica da individualização do problema. Essa visão recupera o processo de trabalho como espaço concreto de exploração, e a saúde do operário como expressão igualmente concreta dessa exploração. Esse olhar gera, no campo da Medicina do Trabalho, uma crise do paradigma científico dessa prática e do campo profissional. Observa-se que hoje, passadas algumas décadas, o modelo da Medicina do Trabalho que ainda prevalece é a hegemonia do saber e do fazer médico, muito embora seja possível verificar que as outras ciências vêm participando na construção do conhecimento, assim como as ciências sociais, a psicologia e o próprio Serviço Social, quando se volta para a execução das políticas de saúde. Nesse sentido, Laurell (1989, p. 23) coloca que o retorno à fábrica tornou-se necessário para decifrar a realidade, sair do hospital, para entender a doença. Esses movimentos permitiram retomar a exploração da relação trabalho-saúde e compreender o caráter social do processo de saúde-doença, para sustentar uma nova prática social com relação à saúde do operário, exigida pelos movimentos sociais. Conhecer o modo de produção do trabalhador, verificar suas condições físicas, psíquicas, os maquinários, entre outros elementos, é uma forma de decifrar a realidade social em que desenvolve sua produção e a exploração de sua força de trabalho, o bem precioso de que dispõe a classe trabalhadora. Desvendar essa realidade é uma das condições para conhecer o caráter social da relação trabalhosaúde. 60 O elemento teórico metodológico que analisa o social no processo trabalhosaúde, recorrente na América Latina, é o marxismo – corrente hegemônica na perspectiva crítica das ciências sociais – constituindo eixos analítico e crítico da exploração desse espaço particular da realidade. A análise do processo da saúde com base no marxismo possibilita a abordagem social, dando visibilidade às relações sociais, permitindo que o trabalhador conheça os fatores sociais e de risco que interferem na saúde, desmistificando e desnaturalizando-os. Outra forma de exterioridade do social, na saúde, é que, mesmo quando não se opõe a reconhecer a historicidade da doença, a explica como fatores biopsicológicos humanos, mais do que como formas históricas vividas. A exterioridade da análise social do processo trabalho-saúde traz outra questão relacionada, enquanto noção como atividade humana básica e que assume formas específicas como expressão das relações sociais, sob as quais se realiza. Também não está presente como processo de produção, mas como ambiente de trabalho, em que os homens entram em contato com determinados riscos: físicoquímico-biológicos e mecânicos. Em análises como essa, sem priorização da dimensão social, mas voltada para o ambiente - espaço delimitado no trabalho -, o importante é controlar e manter os riscos com medidas de segurança e médicas. Não obstante, não há qualquer preocupação, no processo, em relação à sua totalidade, fato que poderia repercutir numa ação que permitisse dar conta da articulação complexa do processo produtivo e saúde. Enfim, a saúde explica-se em si mesma, por meio da medicação dos riscos, do atendimento de insalubridade dos ambientes, de medidas de higiene e segurança. Os processos sociopolíticos estabelecidos no modo de produção são deixados à parte, e analisados como exteriores à saúde. Não se considera a historicidade dos sujeitos enquanto trabalhadores e construtores da produção social, de sua vida e de experiências que podem contribuir para um melhor conhecimento da saúde e, coletivamente, buscar melhores condições de vida e saúde da classe trabalhadora. 61 1.3. A Saúde Relacionada com a Condição de Vida e Trabalho do Trabalhador: Uma Análise Social A saúde, relacionada à condição de trabalhador, surge como expressão concreta do conjunto das relações e contradições que vive a classe operária. A investigação social oferece uma visão diferente ao estudo do processo trabalhosaúde. A inclusão da condição de vida do trabalhador entre os fatores que contribuem para o conhecimento dos problemas de saúde da classe operária, apesar de não apresentar preconceito da hegemonia médica, ocasiona algumas complicações, segundo Laurell (1989, p. 29), ao se tentar precisar a especificidade do objeto de estudo do processo saúde-doença. Vários estudos buscam analisar o contexto social relacionado à saúde do trabalhador. Laurell (1989) exemplifica com algumas experiências vivenciadas no México, como é o caso da indústria moageira, investigada por Carrillo, com o enfoque central em constituir uma categoria analítica a partir da sua particular constituição econômica, legal, política e características de seu processo de trabalho. Daí analisa os riscos do trabalho. Considera os riscos definidos pela legalidade daquele país, ainda que os elementos sociais, como monotonia, altos ritmos, supervisão estrita, tenham sido coletados separadamente dos riscos derivados dos instrumentos de trabalho e dos elementos tóxicos, são assinalados como “doença geral”. Duas observações importantes resultaram desse estudo. A primeira mostra alta frequência de sinais e sintomas inespecíficos como expressão de dano no trabalho, mas que não chegam a formar um quadro reconhecidamente médico como enfermidade. A segunda confirma que os riscos de trabalho se comportam diferentemente, na indústria investigada, e nas demais indústrias, ainda que de um mesmo ramo. Pode-se considerar que os riscos físicos, químicos e biológicos variam conforme os ambientes, mesmo dentro do mesmo espaço e que, apesar da constatação dos elementos sociais, estes não são analisados como fatores que interferem nos danos à saúde do trabalhador na experiência relatada. Laurell (1989), ainda sobre a produção do trabalhador, citando estudo de Mertens, a respeito da Teoria da Revolução Tecnológica, tem o mérito de sistematizar suas possíveis implicações na saúde do operário. Centraliza sua 62 análise na microeletrônica e assinala quanto a robotização tende a ser um processo desigual dentro de determinado centro de trabalho, gerando nova constelação de elementos nocivos, quando deveria eliminar os riscos tradicionais, como a exposição ao ruído, ao calor e aos tóxicos. Essas novas tecnologias tendem a aprofundar a tensão nervosa, pois aumentam o trabalho por turno, a monotonia, os altos ritmos, o isolamento e a falta de controle. A indústria da microeletrônica enfatiza o uso abundante de produtos químicos que têm efeitos na saúde: intoxicações agudas e crônicas, irritação das vias respiratórias e câncer. Essa análise leva-nos a refletir sobre as novas tecnologias e a sua forma de expressão na saúde, pois, apesar de libertarem o trabalhador de parte da força física, de movimentar cargas pesadas, não proporcionam melhoria na saúde. Além dos riscos tradicionais, agregam outros elementos, que isolam o trabalhador, dificultando suas relações de classe, geram mais competitividade na indústria e, consequentemente, exploração da força de trabalho. Essas expressões, que se refletem na saúde, vão além de um problema puramente de enfermidade, pois tornam-se também sociais. No plano latino-americano, Laurell (1989) analisa a “classe operária e condições de trabalho” - especialmente a experiência de um grupo de argentinos, que define o estudo das condições de trabalho, bem como do processo de trabalho, segundo seu significado marxista, privilegiando enquanto referência empírica a saúde dos trabalhadores. Na perspectiva marxista, o grupo desenvolve uma proposta inovadora, utilizando o método Laboratório de Economia e Sociologia do Trabalho (Lest), à medida que pretende abranger desde os riscos tradicionais até os elementos psicossociológicos. Ao focalizar a análise nas características do posto do trabalho, não capta a lógica global do mesmo processo e sua relação com o processo de valorização. Nesse método, a saúde aparece mais como indicador do que como um problema em si. Em todas as experiências estudadas por Laurell (1989), há um ponto comum a todos que pretendem investigar a saúde no processo de trabalho, mas que não dão conta da problemática em sua totalidade, que é o fato de focalizar o espaço restrito, ou seja, o posto de trabalho. Perde-se, assim, a visão das relações sociais que permeiam todos os demais fatores condicionantes do processo trabalho-saúde. Nesse sentido, há indicativos de que um dos elementos que precisam ser mais 63 explorados, e que dará visibilidade ao processo, é o elemento social historicamente determinado. Outra contribuição para o estudo da saúde do operário, proveniente das ciências sociais, trata de uma investigação stricto senso, a qual segue um modelo teórico. O dado inovador desse modelo é a tentativa – bem-sucedida - de desenvolver o conceito de “alienação” relacionado especificamente com a doença. As dificuldades próprias desse conceito derivam de suas diferentes interpretações e se intensificam ao tentar incluí-lo na análise da saúde do trabalhador, quando explícita ou implicitamente torna a categoria alienação equivalente ao significado de doença. Há de se considerar também que o conceito de alienação tem dúbio significado, na psiquiatria e no marxismo. O estudo de Laurell (1989) considera tanto no sentido de alienação mental como no de falta de consciência social. Assim, o significado relaciona-se com as formas de danos à saúde do trabalhador. Entretanto, o conceito de alienação, utilizado numa perspectiva de doença, é pouco elucidativo. Enfim, os conceitos de saúde e doença não são neutros, nem existem à margem da sociedade. Compreender o processo de saúde e de doença não passa necessariamente num câmbio de olhar da medicina para a ciência social, mas requer visão ampliada em relação à complexidade do processo saúde-trabalho, na totalidade contida nas relações sociais da produção na sociedade capitalista. Vários são os estudos sobre saúde e trabalho, nas perspectivas sociopolítica e histórica, que se fundamentam no marxismo, principalmente nas décadas de 1960/1970, com os movimentos sociais e sanitaristas. Numa aproximação com o tema, várias categorias foram investigadas e estabelecidas no estudo do tema. Assim, na relação saúde-trabalho, a principal categoria analítica é o processo de produção. Chega-se a essa categoria, ao considerar que, na sociedade capitalista, o processo de produção organiza toda a vida social, porque é simultâneo ao processo de valorização do capital e dos modos específicos de trabalhar, do processo de trabalho. Essa categoria permite estudar uma realidade concreta sob a lógica de acumulação (processo de valorização) e seu meio, o processo de trabalho, como um modo específico de trabalhar (desgastar-se). Nessa concepção, não há separação entre o social e o biopsíquico, que se unem por um vínculo de mediação externa, pois o processo de trabalho é, ao mesmo tempo, social e biopsíquico. Os elementos que determinam os desgastes 64 biopsíquico e social são de ordem particular e variável e não mediações gerais entre um fator social externo e um fator biológico interno. Um clima de tensão, por exemplo, proveniente de um processo externo de trabalho advindo da relação com a chefia, os colegas e a atividade, pode ser classificado como tensão social, externa à dimensão biopsíquica da saúde do trabalhador, entretanto, esse fator social poderá causar danos e desgastes biológicos ao trabalhador. Não há como separar os aspectos biopsicossociais do processo de trabalho. O trabalho é uma categoria central para a compreensão do ser social, e indispensável à sua sobrevivência. O desenvolvimento econômico-social de qualquer sociedade, por conseguinte, também tem relação direta com o trabalho, através do qual o homem modifica e domina a natureza e, consequentemente, modifica-se. Para Marx e Engels (1987), o trabalho põe o homem em relação com a natureza, e a ele cabe exercer sua criatividade, mediante a produção, e reprodução social e material. Historicamente, o trabalho concreto, voltado para a satisfação das necessidades humanas, portador apenas de valor de uso, antecede o sistema econômico capitalista. A partir da instalação da sociedade capitalista, Marx identifica as relações de exploração do trabalho que ocorrem na produção e reprodução de riquezas (material), desenvolvidas pelo modo de produção capitalista, advindo da Revolução Industrial, na Inglaterra, ocorrida no início do século 19. Com esse modo de produção, desenvolve-se o processo de alienação estabelecida na relação entre o trabalhador e o produto social de seu trabalho. Uma das formas de alienação (estranhamento) ocorre pela apropriação indevida do excedente por ele produzido, o que ocorre na divisão social do trabalho. Outra forma se dá pelo alheamento (separação) do trabalhador de seu produto final e, por fim, via as relações sociais, políticas, econômicas e culturais estabelecidas no modo de produção capitalista. Porém, o estranhamento do trabalho não é apenas uma característica do fazer produtivo ou fabril stricto senso, mas é inerente à lógica e aos princípios do sistema capitalista e envolve todas as relações sociais: material, econômica, objetiva, subjetiva, ou seja, envolve a totalidade da vida em sociedade. Nesse contexto societário, o trabalho realizado na esfera do Estado, considerado como prestação de serviços públicos, não é reconhecido como produtivo, por não estabelecer uma relação direta com o capital, não estando o 65 trabalho a ele subsumido (IAMAMOTO, 2007, p. 86). Isso não significa dizer que não é trabalho útil, mas que não possui em sua natureza a lógica de acumulação do capital, ou seja, não produz mercadorias para serem trocadas no mercado. Iamamoto (2007, p. 86) afirma que o trabalho do servidor público, da polícia, dos soldados, do sacerdote, não pode ser relacionado ao trabalho produtivo, Não porque não seja “útil”, ou porque não se materialize “em coisas”, mas porque está organizado segundo os princípios do direito público e são sob a forma de empresas capitalistas privadas.5 Mesmo que se parta da concepção de que o servidor público não desenvolve diretamente trabalho produtivo, considera-se que também o processo em que está envolvido o desempenho de suas atividades produz alienação, gerando uma relação complexa, que faz com que a organização da sua atividade seja – frequentemente pouco compreendida e visibilizada no resultado final, inclusive, por seus próprios pares. Assim, o desempenho de atividades sem comprometimento consciente com os usuários dos serviços e com aqueles que lhes pagam os salários. Ainda segundo Iamamoto (2007), “no ambiente dos serviços, a produção capitalista era reduzida a um grau mínimo na época de Marx, algo distinto do que ocorre na atualidade, com o crescimento dos serviços sob a órbita do capital” (p. 87). Por isso, reafirma-se que o trabalho é um elemento central na vida humana e na social. Entretanto, do modo como se processa, favorece as precárias condições que levam a enfermidades e/ou agravamento. A crise do sistema capitalista, na atual fase de financeirização, tem afetado o mundo do trabalho, provocando desemprego estrutural, subemprego e precarização das condições trabalhistas e, por outro lado, sofisticando o seu processo, com o desenvolvimento de novas tecnologias. Antunes (1995) afirma que o trabalho concreto mantém o estatuto ontológico na práxis humana, sem o qual não se realiza a emancipação do ser social. Portanto, sugere que a crise no trabalho não significa o seu desaparecimento, mas a sua complexificação, haja vista que não estão eliminadas as formas de alienação social do trabalho. 5 Para aprofundamento, Iamamoto sugere recorrer diretamente a Rubin (1987). 66 A categoria trabalho, do ponto de vista da saúde, considera tanto o aspecto quantitativo, o gasto da força de trabalho, quanto o aspecto qualitativo, que interfere também no corpo, assim como as condições de vida. Outra categoria presente no processo, diz respeito às condições de vida, tendo como uma das principais características a generalidade, vendo o processo de trabalho como parte destas. O problema que se enfatiza é que o trabalhador não fica doente só na fábrica, mas também fora dela (LAURELL, 1989, p. 39). A ideologia dominante é de que os problemas externos ficam fora do trabalho e não devem interferir na relação trabalhista, como se fosse possível suprimi-los “roboticamente”. Os fatores sociais e biológicos dizem respeito às condições de vida socioeconômico-política do servidor. Os aspectos internos e externos podem produzir efeitos negativos na saúde. Outros estudos que merecem destaque por sua contribuição para a discussão do processo social do trabalho-saúde, são aqueles realizados pelos sindicatos que, motivados a lutar por reivindicações mais complexas no campo da saúde do trabalhador, colocam na pauta de suas assembleias pontos de discussão, como as condições de trabalho. São estudos que têm relevância no processo de tomada de consciência sobre os desgastes dos trabalhadores. A respeito dessa situação, articula-se, a partir de vários elementos, a compreensão de que a doença e os acidentes não são acontecimentos aleatórios, individuais, mas uma condição da coletividade; a democratização do que é a função e o fazer sindical; e a possibilidade real de lutar e conseguir mudanças (LAURELL, 1989, p. 86). Os sindicatos são os espaços democráticos de expressão social que mais se aproximam da classe trabalhadora e defendem seus interesses, nesse sentido, os acontecimentos ocorridos no cotidiano do trabalho são levados para discussão e busca de solução aos representantes do patronato, nem sempre favoráveis a entendê-los. Com as equipes de saúde do trabalhador, procuram solucionar os riscos, desde que não interfiram no processo de produção, como é exemplo a redução do processo produtivo sem redução salarial. Na busca de melhores condições de vida e da transformação social almejada pela classe trabalhadora, os interesses dos sindicatos sobre as condições de trabalho se sobrepõem àqueles dos indivíduos, proporcionando acordos coletivos pertinentes à saúde da totalidade dos trabalhadores. relacionados aos elementos 67 Finalmente, segundo Laurell (1989, p. 53) os estudos sindicais apontam para o fato de que os elementos concretos da organização social operária, no processo de trabalho, são elementos-chave para interpretar o processo de desgaste. Portanto, os movimentos sindicais têm o papel preponderante de denunciar e reivindicar adequadas condições de trabalho e melhoria de vida; manter a organização social dos trabalhadores, fortalecendo a classe trabalhadora – qualquer que seja sua identidade profissional - em busca do bem-estar social, pela via do controle social dessa mesma classe. 1.4. As Condições Sociais de Saúde e as Desigualdades Sociais A análise das condições sociais, um dos fatores que interferem na saúde da classe trabalhadora no processo da produção, perpassa pela discussão sobre as desigualdades sociais advindas das crises das sociedades capitalistas. Assim, de antemão, é necessário considerar que o capitalismo - em sua forma globalizante contemporânea, sob a égide do capital financeiro, que tem como alvo o trabalhador, reduzindo, postos de serviços, o que reflete na organização dos trabalhadores, enfraquecendo sua luta - provoca retrocesso na direção dos direitos sociais, aumenta a precarização dos ambientes de trabalho, e fragiliza as relações sociais. Essas situações favorecem os desgastes das condições de saúde dos trabalhadores e, consequentemente, em sua vida como um todo. Frequentemente, aparecem os danos, os sintomas biopsicossociais, como cansaço, estresse, medo, sensação de insegurança, vulnerabilidade a todo tipo de violência. Nesse cenário, os elementos complexificam-se e sobrepõem-se de forma que não bastam apenas ações focadas na medicina do trabalho, em cima do controle dos riscos, mas de políticas sociais que possibilitem a melhoria nas condições de trabalho e que reduzam os danos à saúde; condições socioeconômicas que tragam melhor padrão de vida; e ações de saúde que contribuam para a promoção e prevenção de danos e desgastes do trabalhador. No entanto, é necessário considerar que essas ações envolvem a construção coletiva da classe trabalhadora por meio de sindicatos, da instituição, ou empresa do trabalho público ou privado, mediante a formação de equipes de saúde responsáveis 68 pelo tema; o qual não dispensa a participação dos trabalhadores, numa perspectiva social. O elemento coletivo do processo de saúde é composto de vários outros elementos sociais, mesmo que não sejam internos à saúde, como a carga de trabalho, o desgaste em sua múltipla dimensão, as epidemiologias decorrentes do processo de produção, as desigualdades sociais e econômicas. Todas tão nocivas não só para a classe trabalhadora, mas para a população em sua totalidade. As desigualdades sociais manifestam-se aumentando a disparidade entre países ricos (centrais) e pobres (periféricos) e o distanciamento entre os capitalistas reflete nas condições de vida da população, mais especificamente na área da saúde, o que eleva as dimensões da vida e as compromete, como a baixa qualidade da educação, a escassez e falta de saneamento, a precariedade dos transportes, entre outros. Os efeitos dos processos de desigualdade social datam ainda do início do século colonizador, quando se implantou no Brasil o modo de produção escravocrata, com a expropriação de mão de obra, e desprovida de todo tipo de atendimento às necessidades sociais. Nesse período aparecem as epidemiologias socialmente constituídas, provenientes das precárias condições de vida na senzala, as cargas exaustivas de trabalho forçado, a tensão do capital, do modo como controlava todo o processo do trabalho. O negro escravo no Brasil, que sobrevivia às precárias e desumanas condições de trabalho, era muitas vezes acometido do banzo, que Sawaia (2002) classifica como a doença da tristeza, proveniente do sofrimento que é ético e político advindo do modo social da expropriação não apenas da mão de obra como da alegria, da vida e do espírito do negro. As desigualdades manifestam-se nos diversos espaços geográficos e socioculturais oriundos das diferenças regionais e locais, daí a relevância de estudos que analisem as situações específicas, das regiões, contribuindo para o conhecimento da totalidade. Outras disparidades sociais, como a concentração de renda e de propriedade das terras, o acesso desigual às políticas sociais e os processos discriminatórios relacionados às questões de gênero e etnia vão contribuir para a acentuada discriminação social no País. Esse processo pode gerar efeitos em áreas do desenvolvimento humano e social com repercussões nas condições de vida da população e dos trabalhadores, 69 especialmente no processo de saúde-trabalho, que tem como natureza a atenção das necessidades humanas; nos elementos biológico-mental e social, e conformase, assim, como uma das principais políticas sociais em função da demanda. Os efeitos da desigualdade social na saúde estão evidenciados internacionalmente nos diversos segmentos populacionais. O aumento da taxa de desemprego, o trabalho precarizado, a desfiliação da proteção social, vivenciados tanto nos países ricos como naqueles pobres, mesmo considerando que nestes últimos a situação torna-se mais grave, por não ter se constituído o Estado de BemEstar Social, acumulando-se os efeitos perversos das desigualdades. Tais desigualdades geram também um excedente de danos, como mortalidade precoce, demandas acentuadas por serviços sociais e pouca mobilidade social, entre outros fatores, principalmente nos segmentos mais vulneráveis e na própria classe trabalhadora, que sente, no dia a dia, as precárias condições sociais e os efeitos da redução do emprego e trabalho e, consequentemente, de seus direitos trabalhistas. Alguns estudos epidemiológicos têm contribuído para o debate e desvendamento das relações que permeiam as desigualdades socioeconômicas e os danos à saúde, assim como as condições de vida e de trabalho. Observa-se que, na maioria das vezes, os baixos salários impedem que a classe trabalhadora resida nas proximidades do seu local de trabalho, e esse distanciamento para as periferias eleva a perda de energia corporal, antes mesmo do início do trabalho propriamente, das atividades em lócus. A situação conduz a outro fator, que é o tempo de locomoção, e aos altos custos, devido ao número de transportes necessários e preço, nem sempre subsidiado pelo Estado. Essa é uma realidade para a maioria dos trabalhadores brasileiros. O tempo utilizado para o trajeto até o trabalho, apesar de deliberado como a caminho do local da atividade, não é computado, nem remunerado (ida/volta), mas, caso aconteça algum acidente durante o percurso, a medicina do trabalho assim o registra, garantindo os direitos trabalhistas. Braga e Canoas (2009) manifestam que o tempo é concebido sempre a partir da relação com o trabalho, e o tempo livre vem da noção de que é isento da ação laborativa. Logo, o tempo gasto no deslocamento, ou em qualquer outra atividade, é tempo livre. Por conseguinte, o trabalhador que possuir melhores condições 70 socioeconômicas poderá ter mais disponibilidade de tempo livre para descanso e reposição das forças. Nota-se que a desigualdade existe também nas relações sociais contidas no modo de produção, conforme a divisão do trabalho. Assim, para uns, falta tempo de repouso, de relaxamento e também de sono, elementos que produzem as boas condições de saúde e de trabalho do homem. Nesse sentido, o tempo é também elemento que acentua as desigualdades sociais. A redução das horas dedicadas ao sono e ao relaxamento encontra-se cada vez mais condicionada ao ritmo de vida imposto pela sociedade capitalista, na extração de mais-valia. Braga e Canoas (2009) chamam a atenção para o fato de que o tempo social é o tempo de não trabalho, dedicado ao cuidado com a saúde, educação, o lazer, a cultura e convivência com familiares, vizinhos, amigos, enfim, e também de participação política e comunitária. O tempo social favorece a reposição das forças da classe trabalhadora, mas está cada vez mais escasso, como estão escassas as condições sociais e econômicas, que não favorecem os cuidados com a saúde e de convivência, pois o espírito do capitalismo suga todas as horas livres do trabalhador a serviço dos seus interesses, seja enquanto consumidor seja como trabalhador, não lhe restando tempo para a melhoria de condições de vida. Rifikin (1997 apud BRAGA e CANOAS, 2009) diz que antigamente o homem trabalhava para viver, e hoje vive para trabalhar. A violência crescente dessas mudanças sociais no modo de produção capitalista aumenta a vulnerabilidade social, resultado dos vários condicionantes sociais, econômicos, políticos, espirituais e culturais aos quais está exposta a população em geral, muito embora os mais pobres estejam sujeitos a ela cotidianamente. Como os aspectos aqui estudados estão especificamente voltados ao processo de trabalho, às condições sociais e de vida dos trabalhadores, vale registrar que, hoje, muitos trabalhadores morrem por causa da violência no trânsito, estatisticamente um número em crescimento. Outro tipo de violência é o proveniente de assaltos, roubos, balas perdidas dos confrontos de policiais e marginais, do tráfico de drogas, entre outros. Logo, a violência não é apenas urbana, mas se destaca também no cotidiano do trabalhador, precarizado, não remunerado ou mal remunerado, na falta de políticas públicas que melhorem as condições dos transportes - onde acontecem 71 todos os tipos de agressões por um lugar para acomodar-se - e nas perdas de direitos trabalhistas e sociais. A esses elementos, acrescenta-se a falta e/ou escassez de políticas públicas voltadas ao enfrentamento da questão do meio ambiente, componente da saúde da população e dos trabalhadores, como a poluição do ar, da água; a falta de saneamento básico, ausência de estruturas de lazer e cultura; presença de agrotóxicos nocivos à saúde nas plantações; o desmatamento, entre outros. Enfim, no processo de saúde-trabalho - em uma sociedade capitalista, que tem um modo de produção em que explora a mão de obra – verificam-se vários componentes biopsíquico-físico-químico socioeconômico que interferem na vida cotidiana do trabalhador e que precisam ser mais bem estudados pelas áreas afeitas à sua saúde. Portanto, o processo de produção de trabalho se dá nas relações sociais, constituídas em um determinado tempo histórico, político e econômico, que interferem nas condições de vida, saúde e de trabalho e lhe conferem um sentido social. 1.5. O Sentido do Trabalho – criação, realização, alienação e exploração Neste processo de estudo sobre a saúde do trabalhador o servidor público, é necessário analisar a categoria do trabalho relacionada com a sua concretização pois é uma categoria social que efetivamente tem vínculo com o Estado, para quem executa atividades relacionadas às políticas públicas de saúde, educação, segurança, entre outras. É um trabalhador das relações sociais públicas, cuja natureza é política e social. O trabalho apresenta-se de várias formas, natureza e sentidos, para cada momento histórico e ordem societária. Mas é sempre um momento de construção de relações sociais, determinando a produção e a reprodução social da humanidade. Nesse sentido, o trabalho é uma condição para a existência do ser humano e desenvolvimento de qualquer sociedade. Assim, Lukács (1981, apud ANTUNES, 2009) apresenta a categoria trabalho, como a primeira forma do agir humano, em que a essência é a expressão da ação teleológica existente em toda a práxis humana. 72 Todo trabalho humano é necessário à sociedade, à humanidade. Não há trabalho sem sentido social, por que, em sua essência, atende a uma finalidade da práxis humana, ou seja, busca conhecer e transformar a realidade em que vive e habita. Segundo Antunes (2009, p.139), o trabalho, em seu sentido mais genérico e abstrato, como produtor de valores de uso, expressa uma relação metabólica entre o ser social e a natureza, no seu sentido primitivo e limitado, por meio do ato laborativo, em que objetos naturais são transformados em coisas úteis. Mais tarde, nas formas mais desenvolvidas da práxis social, com a complexificação do homem e da natureza, multiplicam-se as inter-relações com outros seres sociais, com os mesmos objetivos de produção de valores de uso. Assim emergem as relações sociais, nas interações com os seres, que se inter-relacionam para realizar determinada ação teleológica. Isso ocorre porque a base das posições teleológicas intersubjetivas tem como finalidade a ação entre os seres sociais. Conforme a formulação de Lukács (1981, apud Antunes, 2009), o problema surge assim que o trabalho se torna suficientemente social, passando a depender da cooperação entre muitas pessoas e isso independentemente do fato de já ter emergido o problema do valor de troca ou se a cooperação é ainda orientada apenas para a produção de valores de uso. Desde as plataformas do trabalho humano que as pessoas reuniram-se, a princípio, com o intuito de sobrevivência, a exemplo da caça, enfrentando os animais, abrigando-se em cavernas, construindo ferramentas para a caça, pesca e roupas de peles de animais para proteger o corpo. Baseando-se justamente na divisão social do trabalho é que Lukács (1981, apud Antunes, 2009) diz que, nessas formas da práxis social, a posição teleológica não é mais dada pela relação direta com a natureza, mas atua e se inter-relaciona com outros seres sociais, visando à realização de determinadas posições teleológicas. O objeto agora posto não é mais um elemento próprio da natureza, mas a consciência de um grupo social (humano), que tem como objetivo a transformação direta do objeto natural. Ao contrário, tem como finalidade alguns objetos naturais, ou seja, os meios já não são intervenções imediatas sobre objetos naturais, mas pretendem provocar essas intervenções por parte de outras pessoas. 73 As posições teleológicas secundárias estão muito mais ligadas à práxis social nos níveis mais evoluídos do que o próprio trabalho, no seu sentido mais genérico. A consciência humana deixa de ser, então, uma mera adaptação ao meio ambiente e configura-se como atividade planejada. Para o ser social primitivo, ou contemporâneo, o planejamento que antecede e orienta o agir é uma reflexão, uma construção do pensamento, de conjunção de ideias, ou seja, uma prévia imaginação dos fatos decorridos da relação que são idealizadas subjetivamente na consciência, antes mesmo de se operacionalizarem. Portanto, o trabalho não é um mero ato decisório, mas o processo de contínua cadeia temporal, que busca sempre novas alternativas. Afirma Lukács (1981, apud Antunes, 2009), que o desenvolvimento do trabalho, a busca das alternativas contidas na práxis humana, encontra-se fortemente apoiado sobre decisões entre elas. O ir além das animalidades, por meio do salto humanizador conferido pelo trabalho; o ir além da consciência epifenomênica, determinada de modo meramente biológico, adquire, então, com o desenvolvimento do trabalho, um momento de refortalecimento, uma tendência em direção à sua universalidade (LUKÁCS,1981, apud ANTUNES, 2009). Complementando a ideia do trabalho, como possibilidade de liberdade do ser social, Lukács (1981, apud ANTUNES, 2009) afirma que, se concebemos o trabalho gênese, original – como produtor de valores de uso, como forma “eterna” que se mantém por meio das mudanças nas formações sociais, isto é, do metabolismo entre homem (sociedade) e natureza, torna-se claro que a intenção que define o caráter da alternativa está direcionada para as transformações nos objetos naturais, desencadeadas pelas necessidades sociais. Teleologicamente, o trabalho, em sua origem, atende às necessidades básicas de sobrevivência social, ao construir as relações entre os seres. O trabalho é, portanto, o elemento mediador entre a necessidade e a sua realização. Dá-se uma vitória do comportamento consciente sobre a mera espontaneidade do instinto biológico, quando o trabalho intervém como mediador entre necessidade e satisfação imediata (LUKÁCS, 1981, apud ANTUNES, 2009). A práxis social ocorre quando o trabalho, categoria mediadora, transforma a realidade, a natureza, atendendo às necessidades dos seres envolvidos no processo social laborativo. O trabalho mostra-se, assim, como uma experiência elementar da vida cotidiana nas respostas que oferece às carências e necessidades sociais. 74 Portanto, atende as carências no nível das subjetividades, como as necessidades sociais do cotidiano, para a satisfação do ser social. Reconhecer o papel fundante do trabalho na gênese e no fazer-se do ser social nos remete diretamente à dimensão decisiva dada pela esfera da vida cotidiana, como ponto de partida da generecidade para si dos homens (ANTUNES, 2009, p.166). No cotidiano da vida e trabalho é que são geradas as experiências, as formas de labutar, a construção das relações entre os seres sociais no atendimento das necessidades e carências em todas as sociedades, portanto, o cotidiano é complexo e rico em suas múltiplas determinações socialmente construídas. Ao tratar sobre o cotidiano, Lukács (1981, apud ANTUNES, 2009) indica a seguinte apresentação: A sociedade só pode ser compreendida em sua totalidade, em sua dinâmica evolutiva, quando se está em condições de entender a vida cotidiana em sua heterogeneidade universal. A vida cotidiana constitui a mediação objetivo-ontológica entre a simples reprodução espontânea da existência física e as formas mais altas de genericidade agora já conscientes, precisamente porque nela de forma ininterrupta as constelações mais heterogêneas fazem com que os dois polos humanos apropriados da realidade social, a particularidade e a generecidade, atendem em sua interrelação imediatamente dinâmica (p. 166). Consequentemente, um estudo apropriado dessa esfera da vida pode também lançar luzes sobre a dinâmica interna do desenvolvimento da generecidade do homem, precisamente por tornar compreensíveis aqueles processos heterogêneos que, na realidade social, dão vida às raízes6. Na análise sobre o cotidiano de Lukács (1971, apud ANTUNES, 2009), observa-se a gênese do ser histórico social agindo e interagindo no cotidiano, transformando a realidade e por ela sendo transformado. A partir desse universo, pode-se compreender a realidade social em sua totalidade. A história da sociedade mostra que esse ir mais além da genericidade muda biologicamente e objetiva-se nas formas mais elevadas, dadas pela ciência, filosofia, arte, ética, etc. (HELLER, 1971, apud ANTUNES, 2009). Portanto, as inter-relações e interações entre o mundo da materialidade e a vida humana encontram, no universo da vida cotidiana, nessa esfera do ser, sua “zona de mediação”, capaz de superar o abismo entre a generecidade em si, 6 Citação do prefácio de Lukács em A Sociologia da Vida Cotidiana, de Agnes Heller (1971). 75 marcada pela relativa mudez, e a genericidade para si, espaço da vida mais autêntica e livre (ANTUNES, 2009, p. 167). No cotidiano dão-se as mediações entre a esfera do homogêneo e a heterogeneidade, e estas só acontecem a partir da negociação dos interesses e no atendimento às necessidades sociais objetivadas entre os seres sociais historicamente determinados. Desde o início que o trabalho, em seu sentido ontológico, tem a concretização estabelecida considerando a possibilidade de liberdade, de uma vida mais livre. Em Lukács, portanto, o fundamental é, além de compreender o papel ontológico do trabalho, aprender a sua função na construção do ser social, dotado de autonomia e, por isso, completamente diferente das forças anteriores do ser préhumano (apud ANTUNES, 2009, p.141) A referência à vida cotidiana e suas conexões com o mundo do trabalho e da reprodução social, é imprescindível, quando se pretende aprender as dimensões do ser social que trabalha e vive do trabalho. No cotidiano do trabalhador pode-se compreender a totalidade das relações sociais que permeiam o trabalho e a reprodução do ser social. Estudar o trabalho do servidor público é percebê-lo enquanto parte do universo dessa categoria social, como resultado de trabalho humano vivo, heterogêneo e possível de ser transformador da realidade social em que está inserido. Antunes (2009, p. 142) coloca que o trabalho realiza, materialmente, o relacionamento novo metabolismo com a natureza, enquanto as formas mais complexas da práxis social, em seu metabolismo com a natureza, têm na reprodução humana em sociedade a sua insuperável precondição. O trabalhador possui força criadora, enquanto ser social, histórico que, no relacionamento com a natureza e outros elementos, gera novos mecanismos de ação de instrumentos e de relações que complexificam, mas que não dispensa nem supera o ser humano, ontologicamente o ser social. O trabalho, quer em sua gênese quer em seu desenvolvimento, em seu ir sendo e em seu vir-a-ser (devir), representa uma intenção ontologicamente voltada para o processo de humanização do homem em seu sentido amplo (ANTUNES, 2009, p.142). 76 Ontologicamente, o sentido do trabalho, mesmo que tenha uma forma de não criação, de repetição, seu objetivo final é a realização e a libertação humana, em seu significado mais amplo, de não exploração humana. Tem-se, por meio do trabalho, um processo que simultaneamente altera a natureza e autotransforma o próprio ser que trabalha. A natureza humana é também transformada, a partir do processo laborativo, dada a existência de uma finalidade e de uma realização prática. Nas palavras de Lukács (1981 apud ANTUNES, 2009), o homem que trabalha deve planejar cada momento com antecedência e permanentemente conferir a realização de seus planos, crítica e conscientemente, se pretende obter no seu trabalho um resultado concreto o melhor possível. Esse domínio do corpo humano pela consciência, que afeta uma parte da esfera da consciência, isto é, dos hábitos, instintos, emoções, etc., é um requisito básico até no trabalho mais primitivo e deve dar uma marca decisiva na representação que o homem forma de si mesmo. O trabalho, em qualquer instância e nível hierárquico, exige direção teleológica, que lhe dê racionalidade e organização. Toda ação humana requer a definição de sua intencionalidade, crítica e consciente de seus resultados para a sociedade em geral. Uma vida cheia de sentido, no dizer de Antunes (2009, p. 143), encontra na esfera do trabalho seu primeiro momento de realização, o que é diferente de dizer que uma vida cheia de sentido se resume exclusivamente ao trabalho; o que seria um completo absurdo, ou seja, uma vida incompleta de sentido. Na busca por uma vida plena de sentido, a arte, poesia, pintura, convivência com os amigos, vizinhos, o esporte, literatura, lazer, música, o teatro, a momento de criação e inspiração, têm um significado muito especial, cheio de liberdade, verdadeiramente o sentido humano de realização no trabalho e plena vida. Se o trabalho se torna autodeterminado, autônomo e livre, e por isso dotado de sentido, será também (decisivamente) por meio da arte, poesia, pintura, literatura, música, do uso da autonomia do tempo livre e da liberdade, que o ser social poderá se humanizar e se emancipar em seu sentido mais profundo. Mas isso nos remete a pensar, no nível de abstração, nas conexões mais profundas existentes entre o trabalho e a liberdade (ANTUNES, 2009, p. 243). Essa excursão pela categoria trabalho no nível de abstração leva-nos a refletir sobre o sentido humano na realização de um fazer social que o conduza a 77 estabelecer relações de trabalho de interação com o outro, suprimindo limites subjetivos, agregando saberes profissionais, para que, na labuta do cotidiano, conforme o desenvolvimento se complexifica, se concretize o trabalho, pleno de sentido de criação, humano e social. Outra reflexão versa sobre a concepção da atividade do servidor enquanto possibilidade de relativa autonomia e certo poder de criação, na sua labuta no Estado. Segundo Antunes (2009), na exposição em sala de aula, o professor universitário detém certa autonomia, e relativa liberdade na execução de suas atividades de pesquisa, extensão e ensino. Supõe-se que no serviço público, a exemplo do professor, outras categorias também gozem de alguns momentos de suspensão, no fazer profissional cotidiano, e de certa autonomia em suas ações, a exemplo do médico, em seu consultório,; do assistente social; em suas análises e organização das políticas na instituição pública, sem o fantasma da produção em massa, da possibilidade da perda do emprego, etc. Elemento positivo para que aconteça, de fato, a relativa autonomia, é a garantia da estabilidade no emprego. Talvez o principal instrumento que garante autonomia e certa liberdade de escolha por uma ação que leva a uma verdadeira emancipação da humanidade por meio da conquista dos direitos sociais e do atendimento, pelas políticas públicas, das carências e necessidades. Mas a sociedade complexificou-se e as relações sociais, nos tempo atuais, são permeadas pelos interesses capitalistas da manutenção da ordem vigente, no atendimento da sua fase de financeirização, em que o Estado tem o papel de estrategicamente garantir esse processo do capital financeiro, e as metamorfoses, apesar da “liberação de mão de obra” do trabalho, não significam tempo livre para criação, arte, música, lazer do ser social trabalhador. Mais uma vez se vê obrigado a postergar seus sonhos de uma vida plena de sentido de prazer e satisfação, para quando chegar à aposentadoria e os filhos não mais dependam financeiramente. Assim constroem-se utopias, que alavancam a classe que vive do trabalho na contínua busca da plena realização. As mudanças que vêm ocorrendo no mundo do trabalho, têm afetado tanto os países capitalistas avançados como os países do Terceiro Mundo, muito embora, nos últimos, isso ocorra de forma mais perversa, devido ao processo de industrialização aqui implantado, que não trouxe a desconcentração de renda, nem mesmo uma melhor redistribuição da riqueza produzida pelos trabalhadores. 78 Antunes (2009, p. 205) mostra que essas transformações, com repercussões significativas nos países de Terceiro Mundo dotados de uma industrialização intermediária, têm um processo múltiplo: de um lado, verificou-se a desproletarização do trabalho industrial tradicional e paralelamente efetivou-se significativa subproletarização do trabalho, decorrência das formas diversas de trabalho parcial, precário, terceirizado, subcontratado, vinculado à economia informal, ao setor de serviços, etc. Verifica-se, portanto, significativas heterogeneização, complexificação e fragmentação do trabalho. Mas o autor chama a atenção para a supressão de empregos e eliminação ou redução da classe trabalhadora em seus moldes tradicionais, para a centralidade do trabalho enquanto fonte e reprodutor do processo de produção nas sociedades capitalistas. Também aponta que durante a década de1980 a classe trabalhadora viveu a mais aguda crise deste século, que não só atingiu a sua materialidade, como ocasionou profundas repercussões na sua subjetividade e no íntimo interrelacionamento desses níveis, afetando a sua forma de ser (ANTUNES, 2009, p. 206). Década de grande salto tecnológico, a automação e as mutações organizacionais invadiram o universo fabril, inserindo-se e desenvolvendo-se nas relações de trabalho. Novos processos emergem, em que o cronômetro e a produção em série são substituídos pela flexibilização, por novos padrões de produtividade, por novas formas de adequação da produção e lógica do mercado (ANTUNES, 2009, p. 206) Presenciam-se formas transitórias de produção, cujos desdobramentos são também agudos, no que dizem respeito aos direitos do trabalho. Estes são desregulamentados, flexibilizados, de modo a dotar o capital dos instrumentos necessários para adequar-se à sua nova fase (ANTUNES, 2009, p. 206). Alguns desses elementos das mudanças organizacionais também são incorporados pelos serviços públicos, a exemplo da flexibilização da carga horária, que pode ser reposta em outro momento, mas nem sempre é possível aplicá-la em todas as escalas hierárquicas, como é o caso da telefonista, e de não haver substituição. Mas a flexibilização no serviço público não segue a lógica mercadológica, não tem como objetivo a produtividade em grande escala, ao contrário, é um instrumento facilitador, que tanto beneficia o servidor/trabalhador público quanto o serviço, que não se acumulará. 79 As desregulamentações de alguns direitos trabalhistas também vêm ocorrendo, particularmente quanto à previdência social, pois o servidor público perdeu o direito de se aposentar antes dos 55 anos, se mulher, e 60 anos, no caso do homem. Deixou de ser computado o tempo fictício para a aposentadoria, adquirido de licenças-prêmio não usufruídas, e contadas como tempo de serviço total etc. Identificam-se mudanças também nas várias formas de trabalho no serviço público, como os terceirizados, prestadores de serviços, contratos eventuais, parciais, entre outros, representados pelo setor privado, que atua executando serviços de segurança, limpeza, jardinagem, lavanderia, etc. E entre esses também se verificam formas precarizadas, serviços mal remunerados, trabalhadores expostos aos danos à saúde e às condições impróprias, pois não há acompanhamento da saúde dos trabalhadores terceirizados, por parte das equipes dos profissionais do Estado, nem da rede de saúde dos trabalhadores em geral, nem dos servidores públicos. Assim, serviços como saúde, energia, educação, telecomunicação, previdência, etc., também sofreram, como não poderia deixar de ser, significativo processo de reestruturação, que vem afetando fortemente os trabalhadores dos setores estatal e público (ANTUNES, 2009, p. 249). O resultado parece evidente: intensificam-se as formas de exploração do trabalho, ampliam-se as terceirizações, metamorfoseiam-se as noções de tempo e de espaço e tudo isso muda sobremaneira o modo como o capital produz as mercadorias, sejam elas materiais ou imateriais, corpóreas ou simbólicas (ANTUNES, 2009, p. 249). Outro tipo de trabalho precarizado, que aflora da telemática, é o conectado em rede, realizado em casa, etc., com as mais distintas formas de improvisação. As repercussões nos planos organizativo, valorativo, subjetivo e ideológico-político do mundo do trabalho são evidentes. O trabalho extrapolou os muros das empresas, sentou-se à mesa de nossas casas. O espaço não é apenas o institucional, ele nos acompanha pelo celular, aonde formos; nos solicita por e-mails; por mensagens nas esperas nos aeroportos, nos shoppings, nas viagens; em qualquer momento que for necessário somos encontrados e convocados; participamos de reuniões on-line, etc., ou seja, é 80 trabalho fulltime: são formas de trabalhos virtuais, não pagos, mas que podem também provocar danos à saúde. O trabalho em rede também é comum nos serviços públicos e quase todo o sistema administrativo na instância federal funciona em rede, por exemplo, o Sistema de Administração de Pessoal (Siape), o Sistema de Contabilidade e Administração de Finanças (Sicaf), entre outros. Os trabalhadores das unidades locais, em cada estado, cidade, município, alimentam os dados, as informações pertinentes ao setor próprio de Recursos Humanos, Financeiro, etc. Servidores que inserem dados reclamam que os sistemas estão sempre congestionados, ou saem do ar durante o envio de informações, por exemplo, para a folha de pagamento, pois o período é o mesmo para todos os estados. Esses setores estão sempre fazendo horas extras, e trabalham dentro e fora da instituição, em fins de semana, para alimentar as bases de dados. Esse mesmo aspecto virtual está presente no trabalho intelectual, em sala de aulas virtuais, no ensino a distância, em especializações e orientações de alunos via Internet. São horas de trabalho que extrapolam as cargas horárias remuneradas; formas precarizadas de trabalho, que causam desgastes físico e mental invisíveis, e não são computados como trabalho vivo comum nas universidades públicas e privadas. Outra alteração contida no trabalho das empresas públicas como nas empresas privadas diz respeito às múltiplas transversalidades relacionadas ao gênero, geração e etnia. O mundo do trabalho vivencia um aumento significativo do contingente feminino, que atinge mais de 40%, ou mesmo mais de 50% da força de trabalho, em diversos países avançados, e tem sido absorvido pelo capital, de preferência no universo part time, precarizado e desregulamentado (ANTUNES, 2009, p. 256). Entretanto, a expansão do trabalho feminino tem significado inverso, quando se trata da temática salarial e dos direitos, pois a desigualdade do ganho das mulheres contradita sua crescente participação no mercado de trabalho. O mesmo ocorre frequentemente com os direitos e as condições de trabalho. No serviço público, o percentual de trabalhadoras chega a 50%, ou mais. Apesar de sua conquista do mundo do trabalho, mediante comprovação da qualificação educacional e aprovação em concurso público, e salários relativamente iguais aos de seus colegas homens, a maioria não está em postos de gestão. Sua 81 condição de gênero feminino exige cargas sobrepostas, não remuneradas, não reconhecidas como trabalho que agrega valor. No que concerne ao traço geracional, Antunes registra a exclusão dos jovens e idosos do mercado de trabalho: os primeiros acabam muitas vezes engrossando as fileiras de desempregados e quando atingem a idade ente 35 a 40 anos, uma vez desempregados, dificilmente conseguem novo emprego. Em relação a esse traço, no serviço público, a legislação que rege a contratação (nomeação) do pessoal do Estado só permite a investidura no cargo a partir dos 18 anos completados no ato da nomeação e seu efetivo exercício até os 70 anos de idade, quando ocorre compulsivamente a aposentadoria, não sendo possível ocupar novo cargo no serviço público. A lei não limita a idade máxima para o ingresso, desde que não ultrapasse os 70 anos de idade. As clivagens e transversalidades existem hoje entre trabalhadores estáveis e precários, homens e mulheres, jovens e idosos, nacionais e imigrantes, brancos, negros e índios, qualificados e não qualificados, “excluídos” e “incluídos” dentre outros exemplos que configuram a nova morfologia do trabalho (ANTUNES, 2009, p. 257). Essa morfologia também caracteriza o serviço público, onde se encontram os trabalhadores públicos e estáveis, em sua maioria qualificados, homens e mulheres, heterossexuais e homossexuais, brancos e negros, brasileiros, estrangeiros natos ou naturalizados, jovens (a partir dos 18 anos), idosos (até 70 anos). São trabalhadores públicos que constroem e executam as políticas públicas; alimentam os sistemas; administram e aplicam as leis; estabelecem relações sociais e políticas dentro do Estado e fora dele, interagindo e construindo um sentido do trabalho, pendular, criativo, alienante, produtivo, improdutivo, material e imaterial. No entanto, esta pesquisa foi realizada em um hospital-escola público federal, e passa-se a analisar as mudanças ocorridas nesse setor de serviços segundo estudos de Pires (2008). 1.6. Setor público hospitalar – um setor de serviços O setor de prestação de serviços vem aumentando, neste final de século, enquanto o setor industrial sofre retração desde o pós-segunda guerra. Os avanços 82 tecnológicos liberam mão de obra e operários, com o consequente desemprego, visto que são excluídos postos de serviço e trabalhos. Em contrapartida, o setor de serviços, entre esses o de saúde, vem crescendo e especializando a mão de obra que nele atua. Faz parte desse grupo, também chamado de setor terciário, os servidores públicos, um grupo diversificado tanto na formação quanto nas funções e cargos. Essa terceira força de trabalho inclui “desde o office boy até os gerentes, os funcionários públicos, os trabalhadores dos serviços privados, do setor financeiro e do comércio. Sendo que, na sua composição, destaca-se a expressiva participação de mulheres e de jovens” (PIRES, 2008, p. 61). No setor público, constata-se o predomínio da força de trabalho feminina, principalmente nos setores de educação e saúde. Há oscilações na oferta de empregos no setor público, visto que, diante da crise dos anos 70-80, o Estado, nos níveis nacional, estaduais e municipais, com dificuldades financeiras e a adoção de políticas de cunho neoliberal, mostra crescimento, no final dos anos 70, em torno de 2%, e apresenta queda de 1,1%, entre 1979-89 (PIRES, 2008, p. 62). As alterações no quadro de pessoal do setor público dependem, além dos aspectos financeiros do Estado, das políticas governamentais, que podem ou não priorizar a realização de concursos públicos e a nomeação de novos servidores, ampliando o número de postos de serviços, ou apenas substituindo a força de trabalho por causa de aposentadorias, demissões etc. Esse grupo diversificado de trabalhadores tem sido representado e entendido de forma contraditória: “Para alguns como proletários em potencial e para outros como sinal de solidez e vigor da classe média” (PIRES, 2008, p. 63). Deter-nos-emos na força de trabalho no setor de saúde, pois este estudo se desenvolve com os servidores públicos que atuam no hospital público e, segundo Nogueira R. (1983, p. 13), há duas formas distintas de tratar os profissionais no setor da saúde: enquanto força de trabalho e enquanto recursos humanos, aparentemente próximos, mas diferentes. Força de trabalho é termo consagrado pela economia política, em diversos campos científicos, a um uso que é simultaneamente descritivo e analítico, no processo de conhecimento de fenômenos demográficos e macroeconômicos. Recursos Humanos é expressão advinda da Ciência da Administração, como conceito de recurso, em função de seu propósito explícito de intervir em dada 83 situação para produzir e aprimorar ou, ainda, administrar esse recurso específico que é a capacidade de trabalho dos indivíduos. Enquanto recursos, como as matérias de marceneiros, são suscetíveis de utilização mais racional (NOGUEIRA, R. 1983, p. 13). Uma das diferenças fundamentais entre a visão sistêmica e a marxista é que a teoria de sistemas, ao fazer abstração do trabalho humano, a não ser como elemento contribuinte para um processo físico, envolve os diversos tipos de recursos, visto como insumos que conduzem a determinados produtos. Ignora algo tão básico quanto a oposição entre capital e trabalho (NOGUEIRA, R. 1983, p. 13). Por outro lado, a teoria da economia clássica, principalmente o marxismo, nos traz a natureza do processo de trabalho, a divisão técnica do trabalho e a relação com o produto das outras unidades. A abordagem que considera os profissionais de saúde como recursos humanos é perfeitamente válida, segundo Nogueira, R. (1983, p. 14), desde que realize também sua análise enquanto força de trabalho; de outra forma, a visão de recursos humanos constitui-se num esforço do utilitarismo institucional, a serviço dos interesses políticos dominantes. 1.6.1. Traços do trabalho no setor da saúde A assistência à saúde integra o conjunto dos chamados serviços de consumo coletivo, dos quais também fazem parte a educação, as formas organizadas de lazer, e outras atividades que dependem da existência de equipamentos sociais e estão incluídos no setor terciário da economia. Na atualidade, uma das características mais relevantes do processo de trabalho em saúde é a crescente coletivização dos agentes prestadores desses serviços (NOGUEIRA, R. 1983, p. 14) o que leva ao aparecimento do trabalho associado, realizado por diferentes tipos de profissionais, em regime de cooperação técnica, numa rede de atenção à saúde. A coletivização nas ações de serviços de saúde assinala a superação de práticas liberais (NOGUEIRA, R. 1983, p. 14) através da intervenção estatal e da entrada do capital no setor, da fase histórica em que praticamente a totalidade da 84 assistência à saúde era assumida por profissionais autônomos (profissionais liberais das práticas na área). Mas, ainda hoje, permanece tanto o exercício de profissionais autônomos quanto de assalariados; no entanto, nos serviços públicos, predominam as relações do trabalho assalariado. Outras particularidades do trabalho em saúde para absorção da força de trabalho podem ser resumidas em: dinamismo tecnológico e trabalho intensivo; as inovações tecnológicas implicam mudanças, mas não liberam mão de obra, e exigem pessoal adicional para sua prestação; a produtividade depende da ação coletiva entre vários tipos de profissionais; ao pessoal de nível superior, especialmente os médicos, são atribuídas funções mais complexas: gerência, chefia, supervisão; ao pessoal auxiliar, as funções menos complexas, que as executam em cumprimento a normas de trabalho mais ou menos rígidas; por fim, as forças produtivas da ciência e tecnologia atuam no sentido de elevar a produtividade de processo de trabalho, mas limitados a uns poucos procedimentos terapêuticos e diagnósticos (NOGUEIRA, R. 1983, p. 15). As atividades de cunho social, como a assistência à saúde, entre outras, constitui-se num setor que absorve proporções crescentes da força de trabalho total, nas sociedades capitalistas contemporâneas. Esta tendência é parte do fenômeno de terceirização da economia, que marca o desenvolvimento capitalista em suas etapas mais avançadas, conforme vêm demonstrando cientistas de variadas correntes (NOGUEIRA, R. 1983, p. 16). Isso acontece também em função das já citadas características do trabalho em saúde, associadas à expansão relativamente constante da oferta e demanda desse conjunto de serviços, sob o influxo de uma complexa rede de determinantes econômicos e políticos. 1.7. Considerações gerais Algumas afirmações feitas no decorrer deste capítulo introdutório têm a pretensão de desvelar a realidade social sobre o servidor público e as relações de trabalho nos serviços de saúde hospitalar, que poderão ser confirmadas ou 85 refutadas na medida em que aprofundamos a análise. Outros elementos teóricos e técnicos acrescentados proporcionarão fundamentos que derrubam ou explicam mitos sobre o servidor público que não gosta de trabalhar. À exemplo da burocracia, mais adiante verifica-se que o sucateamento dos serviços de saúde, assim como a morosidade burocrática nos processos administrativos, são fatores que interferem na qualidade dos serviços prestados à população, assim como nas precárias condições de trabalho, e afetam a saúde dos trabalhadores públicos. Essa categoria social é bastante fragmentada e diversificada, pois abrange tanto cargos de nível elementar até os de nível superior, enquanto que os cargos hierárquicos de nível médio, auxiliares e técnicos, subordinam-se aos que possuem cargos de nível superior, a exemplo dos médicos e enfermeiros. As atividades de assistência à saúde, educação, entre outras políticas sociais do Estado, são de natureza social e executadas por profissionais especializados, entre outros que, ao prestarem seus serviços, promovem ações direcionadas ao bem-estar físico, mental e social. Logo, um dos traços desse trabalhador é social. Nogueira, R. coloca que é um trabalhador da coletividade; sua ação é coletivizada. Outro componente que caracteriza esse trabalhador de natureza política social é o assalariamento dessa força de trabalho. A produtividade do servidor público não tem escopo de produção com fins lucrativos, mas de prestação de serviços à população. O Estado, enquanto articulador de políticas, que atende aos interesses antagônicos do capital e das classes que vivem do trabalho, tem, na efetivação dessas políticas, seu pessoal, que Poulantzas (2000) reconhece exercer funções social e política. O servidor público, nas atividades de assistência social, jurídica, educativa e de saúde, assume posição social, ética e política, que não é neutra, mas está a serviços de todos que compõem a sociedade brasileira. Portanto, é um trabalhador social, que vive e vende sua força de trabalho ao Estado brasileiro, onde suas atividades são de interesse da população. Vale salientar que, em alguns momentos, pode-se referir a eles como funcionários, ou recursos humanos, considerando o uso do termo pelo autor citado, e devido à utilização na organização e no planejamento da administração pública, o que é válido, segundo Nogueira, R. desde que os considere como força de trabalho. 86 Segundo Codo (2007), o mito do trabalhador que não gosta de trabalhar do servidor público não se esgota na compreensão e explicação da burocracia, mas do próprio papel do Estado, ou seja, fazer política (...). Consideram-se também as interferências advindas das prioridades governamentais, dos gastos e investimentos públicos, e da direção administrativa na condução das políticas, e na ação e atividades do servidor público. 87 CAPÍTULO II 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DA POLÍTICA SOCIAL 2.1. Noções Conceituais de Política Social Este capítulo trará a fundamentação teórica e histórica sobre a política social no Brasil que servirá como instrumento para análise da Pass, que ainda está em processo de construção e efetivação na sua totalidade. Após a introdução teórica da política social e de sua análise, fundamenta-se a Pass com o intuito de entendê-la no processo de construção das políticas públicas do Estado para seus trabalhadores, denominados de servidores públicos. O conceito do termo política social está relacionado a todos os demais conteúdos políticos, porém possui uma identidade. Segundo Potyara (2008, p. 171), refere-se a uma política de ação que visa, mediante esforço organizado e pactuado, a atender necessidades sociais, cuja resolução ultrapassa as iniciativas privada, individual e espontânea. Requer deliberada decisão coletiva, regida por princípios de justiça social que, por sua vez, devem ser amparados por leis impessoais e objetivas, garantidoras de direitos. A política social resulta da ação de atores sociais em busca dos seus interesses antagônicos; envolve o exercício do poder praticado concomitantemente por indivíduos e grupos profissionais, empresários, trabalhadores, entre vários segmentos sociais, que tentam influir na sua constituição e direção (PEREIRA, 2008, p. 171). O futuro da política social como ação a ser também colocada a serviço da equidade e justiça social dependerá do nível e das formas de luta de classes. E nesse conflito contínuo e endêmico os conceitos e as teorias têm papel fundamental, pois constituem as opções políticas (PEREIRA, 2008, p. 175). A política social que convocamos para o atendimento da classe que vive do trabalho e suas necessidades sociais e de saúde, encontra, na participação do trabalhador, o papel de construção e realização de ações em prol da classe trabalhadora, seja privada ou pública. Behring e Boschetti (2009) afirmam que a política social e o Serviço Social (SSO) surgiram, no Brasil, via intervenção estatal, na perspectiva de processos de 88 modernização conservadora, a partir dos anos 1930. Ambos nasceram como resposta à questão social e suas expressões socioeconômicas7. Desse modo, as políticas sociais deixaram de ser analisadas somente a partir da sua expressão imediata e passaram a ser situadas como expressão contraditória da realidade, da unidade dialética da manifestação do fenômeno e sua essência. A análise da política social, na perspectiva da teoria social de Marx, deixa de entendê-la numa visão unilateral e a foca como fenômeno complexo inserido na realidade histórico-social. Segundo Behring e Boschetti (2009, p. 39), para abordar as políticas sociais em sua complexidade histórico-estrutural, supõe-se que exista algo suscetível de ser conhecido como estrutura do fenômeno e como essência do fenômeno. Ou seja, existe uma verdade oculta nas primeiras manifestações dos fenômenos. A forma como se apresenta o fenômeno não corresponde à verdade em sua totalidade, ou seja, a aparência não representa a essência. Nessa perspectiva, a análise das políticas sociais deve considerar sua múltipla causalidade, as convenções internas e as relações entre suas diversas manifestações. Historicamente, as políticas sociais estão relacionadas às expressões da questão social: no plano da economia, estabelece relações com as estruturas econômicas na produção e reprodução da sociedade capitalista; do ponto de vista político, relaciona-se ao identificar as correlações de força em confronto; o papel do Estado; as classes sociais determinantes nessa relação de força, a classe trabalhadora e a dona do capital. As autoras em tela colocam que as dimensões histórica, econômica, política e cultural não devem ser entendidas como partes estanques, que se isolam, ou que se complementam, mas como elementos da totalidade, profundamente imbricados e articulados. Ressaltam também sua dimensão fundamental e orientadora da análise, que é a ideia de que a produção é o núcleo central da vida social e é inseparável do 7 Há um vínculo estrutural entre a constituição das políticas sociais e o surgimento dessa profissão na divisão social e técnica do trabalho, como afirma Iamamoto (1982). Passados 70 anos do surgimento da profissão,um dos principais campos de ação do SSO continua sendo o de políticas sociais. Entretanto, a vertente conservadora, teórica e metodológica foi superada, a partir dos anos 80, com o movimento de reconceituação, com a adoção da vertente marxista, assim, com uma nova abordagem de política social, rompendo com o positivismo-funcionalista e com o idealismo culturalista. 89 processo de reprodução, no qual se insere a política social, seja como estimuladora da realização da mais-valia socialmente produzida, seja como reprodução da força de trabalho (econômica e política). A análise das políticas sociais sob o enfoque dialético deve considerar alguns elementos essenciais para explicar o seu surgimento e desenvolvimento. O primeiro diz respeito à natureza do capitalismo, ao grau de desenvolvimento e às estratégias de acumulação vigentes. O segundo refere-se ao papel do Estado na regulamentação e implementação das políticas sociais e, o terceiro, ao papel das classes sociais. Nessa direção, não se pode explicar a gênese e o desenvolvimento das políticas sem compreender sua articulação com a política econômica e a luta de classes. Essas forças sociais tanto podem situar-se na defesa das necessidades dos trabalhadores quanto na defesa dos interesses dos empregadores, assim como de organizações não governamentais, que, às vezes, se colocam acima dos interesses da classe que defendem. Para Behring e Boschetti (2009, p. 46), se a política social é uma conquista civilizatória e a luta em sua defesa permanece fundamental; ela não é a via de solução da desigualdade intrínseca a esse mundo baseado na exploração do capital sobre o trabalho. O sistema neoliberal, na atual fase do desenvolvimento capitalista, mostra que houve um aumento da desigualdade em relação à conquista da cidadania. A origem das políticas sociais não é precisa, mas enquanto processo social é possível relacioná-las aos movimentos de massa social-democratas nos Estados Nação na Europa ocidental do final do século 19, mas sua generalização situa-se na passagem do capitalismo concorrencial para o monopolista, em especial, na sua fase tardia, após a Segunda Guerra Mundial (BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 49). As autoras analisam a ação nefasta do liberalismo; a implantação das políticas sociais; o predomínio do mercado, supremo regulador das relações sociais, mas que só pode se realizar na condição de suposta ausência da intervenção estatal. O papel do Estado, uma espécie de mal necessário na perspectiva do liberalismo, resume-se a fornecer a base legal com a qual o mercado pode melhor maximizar os benefícios aos homens. 90 O mercado como regulador das relações sociais é a própria negação da política em sua amplitude e, consequentemente, da política social que se realiza invadindo as relações de mercado, e regulando-as. Fica evidente, assim, que a débil intervenção do Estado na garantia de direitos sociais sob o capitalismo liberal não emana de uma natureza pré-definida do Estado, mas foi criada e defendida deliberadamente pelos liberais, numa forte disputa política com os chamados reformadores sociais. Para os liberais, não deveria haver intervenção no processo de regular as relações de trabalho, nem no atendimento das necessidades sociais. Entretanto, paradoxalmente, se podia e devia agir firmemente para garantir os interesses do livre mercado. O predomínio dos princípios liberais, no Estado Capitalista, em face da questão social no final do século 19 foi, sobretudo, repressivo, apresentando respostas pontuais, à parte da população, aos trabalhadores. Não houve ruptura radical do Estado liberal do século 19 e o Estado social capitalista do século 20. Mas houve profunda mudança no Estado, com abrandamento dos princípios liberais que passou a incorporar orientações social-democratas, num novo cenário de lutas de classes, assumindo uma feição mais social com investimentos em políticas sociais. A mobilização e a organização da classe trabalhadora foram determinantes para a mudança da natureza do Estado liberal do século 19 e início do século 20, o que culminou com a generalização dos direitos políticos, resultado da luta da classe trabalhadora, na ampliação dos direitos sociais, provocando mudanças no papel do Estado capitalista. Assim, o surgimento das políticas sociais foi gradual e diferenciado, entre os países, dependendo dos movimentos de organização e pressão da classe trabalhadora, do grau de desenvolvimento das forças produtivas e das correlações e composições de força no âmbito do Estado. Ao analisar a origem da intervenção estatal nas políticas sociais, Pierson (1991) reconhece que o desenvolvimento variado entre as nações tanto em termos de alcance, critérios de gasto, constituição de fundos quanto de impostos sociais e políticas, dificultam o estabelecimento de um padrão único (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 66). As iniciativas que indicam as situações de intervenção estatal no período de predomínio do liberalismo apontam a Alemanha como o primeiro país a adotar a 91 lógica de seguro social, modelo bismarckiano - sistema estatal de compensação de renda para trabalhadores na forma de seguros (1893-1914) -, na introdução das políticas sociais, expandindo-se por todos os países europeus, seguidas de segurosaúde, pensão aos idosos e, em 1920, parte dos países europeus tinha alguma forma de proteção ao desemprego. A crise do capital (1929), nas suas bases materiais, sob a égide do liberalismo, trouxe força política para o crescimento do movimento operário, tendo a burguesia que reconhecer os direitos de cidadania, política e social, cada vez mais amplos. Outro elemento que fez fortalecer os trabalhadores foi a vitória do movimento socialista. Com o capital, em busca de lucros, mediante a efetivação de mais-valia, ou seja, pela exploração da força de trabalho, e com a pressão da organização do movimento operário, as políticas sociais se generalizaram, compondo o rol das medidas anticíclicas do período e trouxeram como resultados uma política social estabelecida nos anos subsequentes do movimento operário. No Brasil, o surgimento das políticas sociais, nas condições brasileiras, pode ser identificado a partir das suas características estruturais – a primeira, é que seu surgimento não acompanha o mesmo tempo histórico dos países de capitalismo central. No Brasil escravista, no século 19, não houve radicalização das lutas sociais e da questão social já existente em países de natureza capitalista. As manifestações de pauperismo e injustiças só se colocaram como questão política a partir da primeira década do século 20, com as primeiras lutas de trabalhadores e iniciativas de legislação trabalhista. A criação dos direitos sociais no Brasil resulta da luta de classe e expressa a correlação das forças predominantes. É importante compreender que no final do século 19, início do 20, o liberalismo à brasileira não comportava a questão dos direitos sociais, dos trabalhadores com dificuldades para sua implementação e garantia efetiva. 2.1.1. Traços da política social – pós 1930 no Brasil Com os acontecimentos mundiais das três primeiras décadas do século 20, que culminaram na recessão de 1930, a economia e a política brasileira foram abaladas, com a abertura e expansão do capitalismo de forma galopante e com 92 intensas repercussões para as classes sociais. Nesse contexto, o Estado oferece respostas à questão social através de política específica. Os primeiros impactos dizem respeito às expressões da organização sindical no País e às suas manifestações de greves, quando se reconhece o direito de livre filiação dos trabalhadores e suas organizações sindicais. Entretanto, uma das principais características dessa época, no Brasil, referese à mudança de correlação de forças no exterior das classes dominantes, o enfraquecimento da oligarquia do café, econômica e politicamente substituída pelas oligarquias do gado, açúcar, que chegam ao poder político com uma agenda modernizadora, mas sem mudanças democráticas. Outro traço do desenvolvimento do Estado social brasileiro é o caráter corporativo e fragmentado, sem perspectivas, naquela época, da universalização dos direitos sociais. Em 1932, apenas os trabalhadores com carteira de trabalho e emprego registrado eram possuidores de cidadania, com alguns direitos trabalhistas. Segundo Behring e Boschetti (2009, p. 110), a política social, nesse cenário complexo, teve expansão lenta e seletiva, marcada por alguns aperfeiçoamentos institucionais, a exemplo da separação de ministérios, a criação de novos institutos de assistência e previdência social, mas que se mantiveram no formato corporativista e fragmentado na era do governo Vargas. Com o golpe de 64, a sociedade brasileira encontrava-se em disputa pelo poder, o projeto nacional-desenvolvimentista, com apoio do Partido Comunista Brasileiro (PCB), de esquerda, e que incorporava o incremento das políticas sociais e o projeto de desenvolvimento associado ao capital norte-americano, que culminou com a ditadura militar, vigente durante 20 anos, com novo impulso da modernização conservadora no Brasil e seu rebatimento na política social. 2.1.2. A política social no neoliberalismo pós-crise dos anos 60 No final dos anos 60, a fase expressiva do denominado capitalismo maduro, começa a apresentar sinais de esgotamento, que levam a consequências socioeconômicas avassaladoras nas condições de vida e de trabalho. No final do século 20, rompendo com o pacto de crescimento, com o pleno emprego nos moldes keynesiano-fordista e com a política social no desenho socialdemocrata, dá-se início 93 ao estado de welfare state, nos países europeus. No Brasil a crise trouxe sérias consequências para a política social. O primeiro elemento identificado é uma pseudo falta de sincronia entre o tempo histórico brasileiro e os processos internacionais nos quais se desencadeava a reação burguesa. Na ditadura militar pós-64, vivia-se a esperança do “fordismo brasileiro”, por meio do chamado milagre brasileiro, com a produção em massa de automóveis, eletrônicos e aparelhos domésticos. Essa iniciação à cultura do consumo em massa vinha acontecendo desde 1955, mas o plano de metas dos governos militares ganha um contorno mais agressivo. As autoras Behring e Boschetti (2009, p. 133) dizem que, no Brasil da lapidar frase “ame-o ou deixe-o”, tais mecanismos são introduzidos sem pacto social-democrata e sem o consenso dos anos de crescimento na Europa e nos Estados Unidos da América (EUA), com redistribuição muito restrita dos ganhos de produtividade do trabalho, mas que ampliou o mercado interno, embora aquém de suas possibilidades, entre os segmentos médios e de trabalhadores. Por sua vez, expandia-se também a cobertura da política social brasileira, conduzida de forma tecnocrática e conservadora de expansão dos direitos sociais em meio à restrição dos direitos civis e políticos. Apesar da aparente ausência de sincronia, o salto econômico promovido pela ditadura militar tem a ver com o projeto de internacionalização da economia brasileira, para atender aos interesses desse capital na restauração das taxas de crescimento dos esgotados “anos de ouro”. Segmentos da população burguesa do País, associados aos representantes do capital estrangeiro, perceberam a liquidez de capital no contexto da crise e o trouxeram para o Brasil, num processo intensivo de substituição de importações, incentivado e conduzido pelo Estado. Assim, segundo Netto (1991, p. 136) a ditadura militar reeditou a modernização conservadora como via de aprofundamento das relações sociais capitalistas no Brasil, agora de natureza claramente monopolista, reconfigurando-se, nesse processo, a questão social, que passa a ser enfrentada num mix de repressão e assistência, de maneira a manter sob controle as forças do trabalho que despontavam. 94 2.1.3. Características da política social no período da ditadura militar No contexto de repressão, perda das liberdades democráticas, de censura, prisões e torturas para os dissonantes da ditadura, o bloco militar e tecnocráticoempresarial busca adesão e legitimidade por meio da expansão e modernização de políticas sociais e assistenciais. A modernização das políticas sociais decorrentes dessas ações, com a informatização, unificação e centralização da previdência social no Instituto Nacional de Previdência Social INPS (1966), retiram os trabalhadores da gestão da previdência social, que passa a ser tratada como questão técnica e atuarial. Outra característica da política social, no período militar, refere-se ao seu caráter redistributivo, que amplia a previdência aos trabalhadores rurais, por meio do Funrural (1971). Em 1973, a cobertura previdenciária também passa a alcançar as empregadas domésticas, os jogadores de futebol e os autônomos. Em 1974, cria-se a renda mensal vitalícia para idosos e pobres, no valor de meio salário-mínimo, para os que tivessem contribuído pelo menos por um ano para a previdência. Ainda na previdência, várias outras reformas administrativas aconteceram. O Ministério de Previdência e Assistência Social (MPAS), criado em 1974, incorpora a Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA) e Fundação Nacional do BemEstar do Menor (Funabem), sem alterar seu caráter punitivo nas ações com os menores. Em 1977, é criado o Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social (Sinpas), que abrange o INPS, o Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (Inamps) e o Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (Iapas). Nessa associação entre a previdência, assistência e saúde, impôs-se forte medicalização da saúde, com ênfase nos atendimentos curativo, individual e especializado. Além dessas institucionalizações e reformas da previdência, da saúde e da assistência, via a LBA, foi criada uma política nacional de habitação, por meio do Banco Nacional da Habitação (BNH), período de crescimento das empreiteiras e da área habitacional como um todo, financiado, em boa parte, pelo fundo de participação dos trabalhadores - FGTS/PIS/Pasep -, mecanismos de poupança da classe. 95 Uma das características que faz com que o modelo de política social no Brasil se aproxime mais do sistema norte-americano de proteção social do que do welfare state europeu, é a abertura, pelos militares, da empresa privada, nos espaços de saúde, educação, previdência, entre outras áreas, configurando-se, assim, um sistema dual de políticas sociais: pública/gratuita, privado-paga, ou seja, cria-se um sistema excludente dos que podem pagar e quem não pode. Nos anos 1980, no governo Sarney, chamado de Nova República, apesar de anunciar prioridade na área social, o carro-chefe foi o programa de leite, voltado para instrumentalizar as associações populares com fins clientelistas. Assim, mantém-se o caráter compensatório, seletivo, fragmentado e setorizado da política social brasileira, subsumida à crise econômica, apesar do agravamento das expressões da questão social. A despeito da crise econômica, o processo de redemocratização, no período, tinha avançado seu conteúdo reformista, no sentido de desenhar na Constituição políticas orientadas pelos princípios da universalização, responsabilidade pública e gestão democrática. Nesse processo da elaboração constitucional, o movimento da reforma sanitária teve destaque na luta institucional do Sistema Único e Descentralizado da Saúde (Suds), pautado no conceito de saúde integral, relacionada às condições de vida e trabalho da população. Foi árdua a luta da área de saúde na correlação de forças com os interesses econômicos do setor privado, como a indústria farmacêutica, os hospitais privados, entre outros setores da área. Mas no texto constitucional não ficaram apenas os avanços, como espaço de lutas política, ideológica, econômica, de interesses antagônicos. Essa correlação de forças deu sustentação ao conservantismo no campo da política social. Um exemplo é a contraditória convivência entre universalização e seletividade, bem como o suporte legal ao setor privado, embora mantido o caráter de dever do Estado para algumas políticas sociais, como saúde, educação e segurança. A sustentação do pensamento conservador pautado no neoliberalismo dificultou a implementação concreta dos princípios orientadores democráticos, dos direitos e da política social brasileira. 96 2.1.4. A política social no Brasil contemporâneo Os anos 80 registram variadas conquistas tanto no plano político de reformas democráticas quanto nas propostas de política social. Embora a efetivação dessas políticas fosse desfavorável, por causa das condições econômicas brasileiras e internacionais. Assim, dos anos 90 ao início do século 21, mantêm-se desfavoráveis e a contra reforma do Estado dificulta, redirecionando a concretização dos direitos e conquistas de 1988, até em relação à conjuntura política, por conta da expansão do desemprego e da violência em todos os âmbitos da vida. Aqueles anos foram mote as reformas do governo FHC, que vinham do governo Collor; reformas essas orientadas pelo e para o mercado, no qual os problemas na esfera do Estado eram vistos como causas centrais da profunda crise econômica social instalada no país, na década de 1950. As reformas tinham ênfase nas privatizações de empresas estatais e na previdência, sobretudo nas conquistas da seguridade social. A Carta Constitucional, tida como atrasada, abriu caminho para o “novo” projeto de modernidade em sintonia com o neoliberalismo à brasileira. Behring e Boschetti (2009, p.150) afirmam que no Brasil, do ponto de vista da reforma democrática anunciada na Constituição de 1988, em alguns aspectos embebida da estratégia social-democrata, e do espírito welfariano, em especial no capítulo da ordem social, pode-se falar de uma contrarreforma, que solapa a possibilidade política de reformas mais profundas no País nos marcos de natureza socialista. Essas tarefas e posições só poderiam ser realizadas e assumidas sob a hegemonia dos trabalhadores. Mas, o que se vê, nos anos 1990, é a entrega do patrimônio público ao capital estrangeiro, a parcela mais rentável, bem como a não obrigatoriedade das empresas privatizadas de comprarem insumos no Brasil, e da manutenção dos empregos daquelas empresas, ocorrendo, assim, o desmonte de parte do parque industrial nacional, a remessa de quantia enorme de dinheiro para o exterior, o desemprego e desequilíbrio da balança comercial, etc. Com isso, acontece o inverso do anunciado pelo governo FHC – o combate à crise fiscal e o equilíbrio das contas públicas nacionais. Outro aspecto da reforma do Estado foi o Programa de Publicização, que se expressa na criação das agências executivas e das Organizações Sociais (OS), bem 97 como da regulamentação do terceiro setor para a execução de políticas públicas, em parceria com Organizações Não Governamentais (ONGs) e instituições filantrópicas, para implementação de políticas, principalmente na área social, agregando-se a essa o trabalho voluntário, não pago, sem proteção social, desprofissionalizado sob a égide da solidariedade. Um traço forte da reforma está na tendência da desresponsabilização pela política social, na qual é feita tal reforma à revelia do padrão constitucional de seguridade social, capturada por uma lógica de adaptação ao contexto neoliberal na ética mercadológica do social. Daí decorre, para as políticas sociais, o trinômio do neoliberalismo – privatização, focalização/seletividade e descentralização –, o qual tende a se expandir com o Programa de Publicização. A tendência que permanece até hoje é a da restrição e redução de direitos, transformando as políticas sociais em uma arena de luta entre as classes sociais, na busca por ações pontuais e compensatórias, direcionadas aos efeitos perversos da crise. As possibilidades preventivas e redistributivas tornam-se mais limitadas, prevalecendo o trinômio do ideário liberal nas políticas sociais. A descentralização, conforme o ideário liberal, não significa o partilhamento de poder entre esferas públicas, mas mera transferência da responsabilidade para entes da federação, instituições privadas e correlatas, assim como as ONGs, componente fundamental das reformas e das orientações internacionais para a proteção social. Essas tendências são determinadas e agravadas pela condição do orçamento público destinado às políticas sociais que padece da histórica submissão à política econômica. O orçamento da seguridade social e as demais políticas sociais só podem ser compreendidos tendo como referência a estruturação da carga tributária brasileira e o seu significado no âmbito da política macroeconômica. Mas, nos últimos governos, de FHC e Lula, a política fiscal passou a ser fortemente orientada pelas recomendações estabelecidas nos acordos firmados entre esses governos e o Fundo Monetário Internacional (FMI), a partir de 1998. No conjunto de medidas econômicas e conceituais sobre a carga tributária, pode-se considerá-las regressivas, na medida em que os tributos e contribuições incidem sobre os trabalhadores, visto que são remetidos ao consumo, de forma que a tributação não promove redistribuição de renda e riqueza, contribuindo, ao contrário, para a concentração de ambas (BEHRING, 2003, apud BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 165). 98 Outro aspecto importante para atender ao alocamento do fundo para as políticas sociais é que o aumento da arrecadação tributária não significa que será revertido em acréscimo para a política social e a seguridade social. Recursos da seguridade social são apropriados pelo governo federal por meio de mecanismos legais como a Desvinculação das Receitas da União (DRU), com vistas à composição do superávit primário e pagamentos de juros da dívida. A apropriação indevida causa os midiáticos “déficits previdenciários”, conforme apontam os relatórios do próprio Tribunal de Contas de União (TCU), ao analisar as contas do governo federal. A receita seria muito maior se não incidisse a DRU. Nessa hipótese, a seguridade social apresentaria saldo positivo. O relatório conclui que uma parcela dos recursos desvinculados do orçamento da seguridade social financia despesas do orçamento fiscal no exercício de 2005, contribuindo com 34% do superávit primário alcançado pelo governo federal no exercício (RELATÓRIO DO TCU, 2005, apud BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 167). A perspectiva aqui desenvolvida sobre a relação entre política social e política econômica e, especificamente, as implicações no orçamento da seguridade social é que, desde o acordo assinado pelo governo federal com o FMI, em 1998, o Brasil vem comprometendo significativas parcelas do orçamento, produzindo superávit, percentuais crescentes do Produto Interno Bruto (PIB) e superando até as metas estabelecidas pelo Fundo. Por fim, a direita neoliberal quer acabar com as arenas (esferas públicas), a fim de criar espaço para um Estado mínimo, numa clara tentativa de fazer com que o fundo público atue apenas como pressuposto do capital. É a retomada de um Estado caritativo e assistencialista, segundo Oliveira (1998, apud BEHRING e BOSCHETTI, 2009), é o desmantelamento total da função do fundo público como antivalor (...). A ofensiva neoliberal abala os fundamentos da democracia moderna, convertendo o Estado a uma completa subordinação ao capital, num verdadeiro ‘banquete dos ricos’, e atualizando mais do que nunca a crítica marxiana do Estado (p. 177). O capitalismo, sob a égide da financeirização, reduz a efetivação dos direitos sociais e desarticula os movimentos sociais dos trabalhadores, para instalação de um Estado de mal-estar. 99 Behring e Boschetti concluem que a trajetória das políticas sociais brasileiras, conectadas à política econômica monetarista e de ajuste fiscal, enveredou pelos caminhos da privatização, focalização e seletividade e desresponsabilização do Estado, apesar das inovações de 1988. Essa escolha teve impactos deletérios na sociedade brasileira, radicalizando e dramatizando as expressões da questão social. Isto é comprovado por pesquisa do MPOG, que revela um país dual e desigual. O Radar Social8 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) reconhece que as respostas às situações das expressões sociais não vêm se dando a partir de amplas, universais e sólidas políticas públicas, sociais e de geração de emprego e renda. Ao contrário, são programas residuais e focalizados, sobretudo, na assistência e previdência social. Aponta que a política social, no contexto do capitalismo atual, não é capaz de reverter esse quadro e nem é sua função estrutural. Debater e lutar pela ampliação dos direitos da política social e emancipação humana é tarefa de todos - sociedade civil, trabalhadores organizados, movimentos sociais -, assim como a participação na disputa pelo fundo público, para manutenção, ampliação das políticas na perspectiva da universalização da saúde, da educação e do bem-estar social em geral, para melhoria das condições de vida, saúde e trabalho. 2.2. Política de Atenção à Saúde e Segurança do Trabalho do Servidor Público Federal Após a análise teórica dos fundamentos e da história da política social no Brasil e no mundo, a partir do final do século 19, início do século 20, a política social vem contribuindo para a melhoria das condições de vida e trabalho da população e das classes sociais que vivem do trabalho, ao mesmo tempo em que amplia o capital, firmando-se hoje como sistema capitalista sob a égide do mercado financeiro. 8 Radar Social é um documento de monitoramento das condições de vida no Brasil, produzido pelo Ipea, órgão do MPOG, ou seja, é fonte de pesquisa governamental. 100 O Estado, na ótica neoliberal, busca, em sua esfera, minimizar as políticas sociais, desobrigando-se de garantir os direitos sociais a toda a população brasileira. A Pass “rema contra a maré”, sua construção vem ocorrendo no período de descaminho das políticas sociais como um todo. Analisemos, então, as principais características dessa política de saúde do trabalhador voltada ao servidor público. A Pass integra o processo de democratização das relações de trabalho que visa debater questões relativas à saúde e à promoção da saúde no trabalho do servidor público federal, bem como estimular as organizações de saúde por locais de trabalho, uma das estratégias para a melhoria das condições ambientais do trabalho e de valorização do servidor público e a sensibilização de gestores e servidores para as questões da saúde no trabalho que propiciem mudanças de atitude e possibilitem tomadas de decisões. Com essa chamada a Coordenação-Geral de Seguridade Social e Benefícios do Servidor (COGSS), criada em 2003, subordinada à Secretaria de Recursos Humanos (SRH) do – MPOG, vem implantando as unidades de saúde na instância federal e implementando uma política de saúde para o servidor público em todo o território nacional. Cabe à COGSS a tarefa de propor e implementar uma política de seguridade social e benefícios para o serviço público federal9. Detemo-nos na Pass, por ser a política que norteia o desenvolvimento de ações de saúde do servidor público e por ser objeto de investigação desta pesquisa, muito embora não estejam dissociadas das políticas do trabalhador, mas cada qual tem suas especificidades e particularidades. Essa discussão, construção e implantação vêm acontecendo desde meados de 2007, mediante o uso de vários mecanismos legais, que dão sustentação, o que veremos e analisaremos no decorrer deste tópico. Assim, pode-se dizer que a Pass é composta por decretos, portarias, normas operacionais e sistemas que possibilitem a padronização e a racionalização de recursos, com uso de informação para ação, projetos e rede de comunicação. A Pass objetiva oferecer aos servidores em geral, gestores, e aos profissionais de saúde da área, um conjunto de parâmetros e diretrizes para nortear 9 Segundo o MPOG, à Cogss compete propor e supervisionar a aplicação das políticas e diretrizes relativa à saúde ocupacional, saúde suplementar, direitos previdenciários e assistência psicossocial, bem como benefícios diretos e indiretos aos servidores da administração. 101 a elaboração de projetos e ações de atenção à saúde do servidor público federal. A política é sustentada em três eixos: vigilância e prevenção à saúde, assistência à saúde do servidor, e perícia em saúde. Fundamenta-se epidemiológica, na em uma inter-relação abordagem entre os biopsicossocial, eixos, no em trabalho informação em equipe multidisciplinar, no conhecimento transdisciplinar e na avaliação dos locais de trabalho que considerem os ambientes e as relações. Essa política vem sendo coletivamente construída e está baseada na equidade, universalidade de direitos e benefícios, na uniformatização de procedimentos, na otimização de recursos e em medidas que produzam impacto positivo na saúde dos servidores públicos federal. O processo de construção coletivo da Pass ocorre por meio de Encontro Nacional de Atenção à Saúde do Servidor (Enass), em 2008-2009, de oficinas e reuniões, com a participação de representantes dos setores de recursos humanos, técnicos e profissionais da saúde, e entidades sindicais, visando compartilhar experiências, dificuldades, comprometer gestores, estabelecer parcerias intersetoriais, enfim, construir princípios, diretrizes e ações na área de saúde e segurança do trabalho. É uma política transversal de gestão de pessoas, que envolve diferentes órgãos da Administração Pública Federal (APF). Essa proposta em construção da Pass, é motivada pelas recomendações dos órgãos internacionais, a exemplo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que faz menção à saúde dos trabalhadores e das relações de trabalho, incluindo os trabalhadores na função pública. Proposta esta ainda não conclusa, a exemplo da falta de regulamentação e implantação do controle social do servidor público através da Comissão Interna de Saúde do Servidor Público Federal (Cissp), não nasce apenas da intenção governamental e técnica da APF, mas sobre pressão da OIT, e das reivindicações históricas das entidades representativas dos servidores públicos e das últimas conferências nacionais de saúde do trabalhador, que faz recomendações à saúde do servidor público. A transversalidade e a intersetorialidade estabelecidas na Pass estão de acordo com os princípios preconizados na Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador (PNSST), objetivando superar a fragmentação, a desarticulação e a 102 superposição das ações pelos Ministérios do Trabalho, Previdência Social, Saúde, Planejamento, Meio Ambiente, entre outros: Para que o Estado cumpra seu papel na garantia dos direitos básicos de cidadania é necessário que a formulação e implementação das políticas e ações do governo sejam norteadas por abordagens transversais e intersetoriais. Nessa perspectiva, as ações de segurança e saúde do trabalhador exigem uma atuação multiprofissional, interdisciplinar e intersetorial capaz de contemplar a complexidade das relações produção/consumo/ambiente/saúde. (PNSST, 30/5/2005) Em relação à PNSST, Andrade (2009, p. 39) diz que pouco se fez de suas recomendações e suas ações ainda demonstram dificuldades no alcance de um de seus principais objetivos que é o de superar a fragmentação, desarticulação e superposição das ações por aqueles setores ministeriais. O mesmo ocorre com a Pass, fato a ser demonstrado no decorrer do estudo. Acrescenta que no texto da PNSST está a necessidade de interfaces com as políticas das áreas de economia, agricultura, indústria e comércio, ciência e tecnologia, educação e justiça, para alcance da articulação com os setores organizados da sociedade civil, o que também ainda não se realizou. Na Pass, o MPOG saiu à frente dos outros ministérios e coordena a política de saúde para o servidor público, tradicionalmente, uma área dos Ministérios de Previdência e Saúde; a articulação é um dos desafios postos na implantação dessa política, acrescidos de outros setores de interface, como de transportes, habitação, segurança, infraestrutura, que viabilizem uma proposta de saúde na integralidade, ou seja, vigilância, promoção, prevenção e assistência para o bem-estar físico mental e social. Após a apresentação dos traços relevantes da construção dessa política e dos princípios, objetivos, ao longo do estudo e análise, outros elementos serão acrescentados, que levem a um aprofundamento dessa política na concretização em que se deu a pesquisa empírica, é o que se espera. O que dá sustentação à Pass, são as ações de vigilância e promoção, assistência à saúde e perícia em saúde, que serão vistas a seguir, dando destaque aos pontos-chaves para a efetivação dessa política de Estado para os trabalhadores públicos. 103 2.3. Perícia em Saúde do Servidor: uniformização, multidisciplinar e multiprofissional Do ponto de vista da APF, a perícia em saúde é a chave para a implantação da Pass, ao possibilitar o controle gerencial, estabelecer parâmetros para concessão de licenças e direitos aos servidores, ao uniformizar e dar transparência às perícias oficiais possibilitando a construção de um novo padrão para avaliar a capacidade laborativa dos servidores públicos federais e racionalização de recursos. As perícias em saúde, implantadas nas unidades de trabalho, visam, além da uniformização de procedimentos, dar transparência aos critérios técnicos, a eficiência administrativa, humanização no atendimento, racionalidade de recursos, bem como o apoio multidisciplinar e as relações com as áreas de assistência e da promoção à saúde. A equipe multiprofissional, parte integrante do processo de avaliação da capacidade laborativa, tem a função de subsidiar as decisões periciais, avaliar o ambiente e o processo de trabalho, acompanhar servidores afastados por motivos de saúde e dar suporte no tratamento e nas restrições de atividades, visando a uma integração das ações (assistência, prevenção e promoção) da saúde para possibilitar um retorno mais saudável e rápido ao trabalho. Conta também, a perícia em saúde, com alterações na legislação - Lei 8.112/1990 - entre outras, que lhe dê respaldo legal na regularização de licenças, adoção de novos critérios para atuação das perícias e juntas médicas, revisão de aposentadorias por invalidez, além de instituir perícias odontológicas, entre outros. Os pareceres social e psicológico são mecanismos técnicos e legais que contribuem para a ampliação da avaliação do servidor em uma situação de saúde, numa perspectiva de totalidade, onde participam o assistente social, e psicólogos da equipe de saúde. Some-se a isso a criação de prontuário eletrônico, unificado em um portal Siass e o Sistema de Informação e Administração de Pessoal e de Saúde (SiapenetSaúde) para articulação de toda a rede nacional do servidor público federal. 104 2.4. Vigilância e Promoção à Saúde do Servidor Público Federal As ações de vigilância e promoção à saúde do servidor visam ao acompanhamento e à prevenção dos agravos à saúde detectados, avaliar ambientes e processos de trabalho e seus impactos na saúde do servidor, assim como detectar precocemente doenças relacionadas ou não ao trabalho por meio de exames clínicos, avaliações ambientais com base nos denominados riscos (físicos, ergonômicos, mecânicos, psicossociais, entre outros), a que estão expostos os servidores em suas atividades laborais. As atividades de vigilância e prevenção à saúde estão sendo fundamentadas e reguladas pela Norma Operacional de Saúde do Servidor (Noss), com diretrizes e metodologias que orientam as avaliações e intervenções na saúde. Assim, a Noss nortear-se-á pela universalidade e equidade, beneficiando a todos que trabalham nas instituições públicas federais (servidor público) - pela integralidade das ações articuladas, potencializando as ações de promoção, prevenção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde e o acesso à informação e repasse aos servidores, sobretudo as relativas aos riscos e resultados de pesquisas sobre a saúde, por meio da criação de canais de comunicação interna: Participação dos servidores: como um direito de participar de todas as etapas do processo de atenção à saúde; Regionalização e descentralização: as ações de saúde, para o servidor, devem ser planejadas e executadas pelos serviços de saúde dos órgãos e entidades da APF, ou pelas unidades de referência do Siass, segundo as prioridades e as necessidades dos servidores de cada estado ou região, valendo-se do sistema de referência e contra referência. Embasamento epidemiológico: os estudos epidemiológicos deverão subsidiar o planejamento, a operacionalização e a avaliação das ações de promoção e vigilância à saúde; Transdisciplinaridade: as equipes de saúde devem pautar suas práticas numa abordagem de compartilhamento de saberes em busca da compreensão da complexidade humana, considerando os múltiplos fatores que influenciam a condição de saúde dos servidores públicos federais em suas relações com o trabalho; 105 Pesquisa-intervenção: o conhecimento e a percepção que os servidores têm do processo de trabalho e dos riscos ambientais deverão ser considerados para fins de planejamento, metodologia e execução das ações de vigilância e promoção à saúde, por meio de análise e decisões coletivas, dando à comunidade participante uma presença ativa no processo, permitindo que o conhecimento se construa com a integração do saber científico e do saber do trabalhador. Não se trata, aqui, apenas de nomear as diretrizes da Noss que norteiam as ações de saúde, mas observar as semelhanças com normas e diretrizes padronizadas na PNSST, o que demonstra a interface com a Pass, e que pode levar à superposição de algumas ações e à desarticulação entre as políticas de saúde do trabalhador, a Pass e os ministérios e unidades de saúde em todas as instâncias. Conforme diz o coordenador da Cogss: (...) a rede com os outros Ministérios, não está articulada. Nesse momento, estamos articulando essa rede, identificando a legislação, fazendo operações na legislação e nos apropriando muito das experiências que existem para a iniciativa privada (...) Mas estamos a um passo atrás em relação ao que está organizado para o trabalhador da iniciativa privada. No entanto, é uma referência para nós (...) é uma referência técnica e legal do ponto de vista das normas. Ela é uma referência na forma de organização. Para nós, é uma referência de ponto de vista organizacional da política, dos recursos, da legislação (...) Então, estamos nos apropriando um pouco dessa experiência (COGSS, apud ANDRADE, 2009, p. 53). A política social de saúde para o servidor, assim como nos moldes gerais da política social, é tardiamente implantada e o próprio coordenador reconhece, ao dizer que estamos um passo atrás em relação à política de saúde para o trabalhador de iniciativa privada. À medida que adentrarmos na análise e construção da Pass, vamos identificando outros parâmetros legais, técnicos e organizativos semelhantes à PNSST e verificando as especificidades e particularidades do servidor público que possa justificá-la. Atualmente, vem se concretizando as estruturas das organizações sociais aprovadas no fim do mandato do governo Lula, para administração e reposição de pessoal nos quadros dos hospitais universitários tendo como base as relações de trabalho estabelecidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Com essa outra modalidade de vínculo trabalhista, teremos a PNSST junto com a Pass atuando no aparelho do Estado? Por exemplo, as normas de licenças e de 106 afastamentos, entre outras, são diferentes do setor privado, regidas pela legislação do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Diz o coordenador da Cogss que muitas vezes não se sabe o que fazer com essas situações: (...) há peculiaridades e particularidades da organização disso no serviço público, mas que do ponto de vista filosófico e conceitual não se separa ao trabalhador que precisa de tratamento e apoio específico. Estamos tentando estabelecer esses elos para que não se faça essa diferença entre o servidor e o trabalhador (COGSS, apud ANDRADE, 2009, p. 54). Ou seja, do ponto de vista filosófico, conceitual, das diretrizes, os conceitos e princípios não se separam em ambas as políticas, mas a efetivação da Pass necessita urgentemente arquitetar suas ações que contemplem esse sistema dual de contratação e vínculo com o Estado: o RJU e a CLT. As particularidades e especificidades não são antagônicas; as diferenças não são motivo de desarticulação, mas de aproximação de nossas conquistas e defesas dos direitos sociais e saúde, especificamente a saúde do trabalhador. As políticas de saúde, no caso a do trabalhador, enquanto espaço de interesses e necessidades divergentes, entre as classes dos trabalhadores e dos empregadores, espera-se que a classe que vive do trabalho público ou privado – RJU/CLT – façam alianças para concretizar uma política de saúde na integralidade, universalidade, e que seja equânime em sua totalidade das ações para todos os trabalhadores, independentemente de vínculos. 2.5. Conceitos que fundamentam a Noss-Pass A Noss estabelece os conceitos e as categorias que norteiam as ações de saúde do servidor público, dar-se-á destaque àquelas que estarão no corpo do trabalho e que servirão para análise do tema em estudo. Ambiente de trabalho é o conjunto de bens, instrumentos e meios de natureza material, no qual o servidor exerce suas atividades. Representa o complexo de fatores que interligados, ou não, estão presentes no local de trabalho e interagem com o servidor. Um ambiente de trabalho no qual as relações entre os servidores, colegas, chefias e usuários sejam hostis, as relações podem torná-lo não 107 favorável. O ambiente de trabalho ainda pode ser definido como o espaço físico onde atuam e se inter-relacionam os servidores. Condições de trabalho: são as pressões físicas, mecânicas, químicas e biológicas do posto de trabalho. Trata-se de uma mediação físicaestrutural entre o homem e o trabalho que pode afetar o corpo do servidor, causando desgaste, doenças somáticas e pode mesmo acelerar o envelhecimento. Designa, como parte da organização, a divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa, na medida em que dela derivam o sistema hierárquico, as modalidades de comando, as relações de poder, as questões de responsabilidade, etc. Nesse conceito, as condições de trabalho não dão visibilidade às expressões sociais, já que a precarização está embutida nas pressões físicas e mentais (sofrimentos) e as sociais sentidas pelo coletivo. Organização do trabalho é o modo como o trabalho é planejado e gerenciando, desde sua concepção até sua finalização. Do processo de seleção, recrutamento, premiação, até o desligamento das pessoas. Inclui a divisão das tarefas, as relações de poder, o tempo, a rotina, o ritmo e as exigências de produtividade para a realização das atividades. Agrega o sistema de gestão, hierarquia, controle, comunicação, formação e negociação das relações de um ambiente ou processo. A organização do trabalho resulta na definição da tarefa e influencia no processo saúde-doença no ambiente de trabalho. As organizações nem sempre têm ou demonstram ter clareza das finalidades de suas ações e atribuições, característica própria da burocracia estatal, e isso é repassado para os que estão na execução. Exemplo disso é a falta de entendimento e organização nas atribuições e no desenvolvimento das rotinas de trabalho, que dificultam o desempenho dos serviços prestados. As instituições públicas padecem da falta de organização e, consequentemente, provocam sofrimento aos servidores que estão na execução, isto é o que deve ser demonstrado no decorrer deste estudo. Prevenção é a disposição prévia dos meios e conhecimentos necessários para evitar danos ou agravos à saúde do servidor, em 108 decorrência do ambiente, dos processos de trabalho e dos hábitos de vida. Uma das ações que podem contribuir para a prevenção é o estudo epidemiológico feito através da pesquisa-intervenção, mediante a participação do servidor, com o seu saber acumulado no trabalho, de suas vivências e experiências, agregando-se ao conhecimento técnico e ao científico, colocando-os à disposição da prevenção e promoção da saúde. Processo de trabalho é a realização contínua de atividades desenvolvidas individualmente ou em equipe, constituindo-se num conjunto de recursos e atividades organizadas, inter-relacionadas, que transformam insumos e produzem serviços e que podem interferir na saúde do servidor. A saúde do servidor e os possíveis agravos a ela constroem-se processualmente, na maioria das vezes, por meio da realização contínua de certas atividades, e podem comprometer mentes e corpos, provocando desgastes biopsicossociais. Hoje, a Lesão por Esforço Repetitivo (LER/Dort) e as doenças osteomusculares, são as doenças que mais afastam os trabalhadores em geral dos postos de trabalho, devido ao uso contínuo de computador, entre outros equipamentos de esforço repetitivo. Prevenção da saúde do servidor é o conjunto de ações orientadas que propiciam saúde ao servidor, por meio da ampliação do conhecimento, da relação saúde/doença e trabalho. Objetiva-se o desenvolvimento de gestões, de atitudes e de comportamentos que contribuam para a proteção da saúde nos âmbitos individual/coletivo. A prevenção engloba ações efetivas de saúde, com vários componentes educativos; requer ações da gestão, no sentido de facilitar o desenvolvimento dos serviços e na decisão de proporcioná-los; envolve também a decisão do servidor devidamente esclarecido de participar e contribuir na promoção do seu bem-estar social e da saúde. 109 Proteção de saúde é o conjunto de medidas adotadas com a finalidade de reduzir e/ou eliminar os riscos decorrentes do ambiente, do processo de trabalho e dos hábitos da vida. Em linhas gerais, são esses os conceitos contidos na análise sobre a saúde do servidor público, na sua dimensão social; a falta de visibilidade, estudos e sua efetividade são desafios dessas ações e políticas, prevalecendo os determinantes físicos, químicos, estruturais, ambientais e os efeitos perversos no corpo de trabalhador. Para Laurell (1989), A dimensão coletiva (portanto social) dos fatores e elementos que contribuem para o desgaste de trabalhador, estão nas cargas do trabalho, no processo e no modo de organização do trabalho e no modo de vida do trabalhador (...) a dimensão coletiva, enquanto um processo historicamente construído nas relações, mas foca apenas a visão médica, da medicina social (p. 21). A autora ainda afirma que (...) a realidade cotidiana do trabalho tem sido ponto cego não somente do olhar do sanitarista, como também da maioria dos observadores e analistas da sociedade. Chama-nos a atenção para extrapolarmos os muros do trabalho, deixando de ser apenas o espaço dos trabalhadores individualmente, mesmo que sua produção seja social, para espaços coletivizados e legítimos de ação e transformação ((LAURELL, 1989, p. 21). A visibilidade da dimensão social da saúde do trabalhador posta nas relações sociais, é um dos instrumentos para a efetivação das políticas sociais de saúde via as organizações sindicais. Dar-lhe visibilidade passa necessariamente pelas análises das relações de trabalho contidas nos processos, nas organizações e condições de trabalho; verificando ritmos, carga horária, divisão de trabalho, instrumentos, produtividade, humanização e participação social dos trabalhadores, desde a concepção, execução até a avaliação. Outro elemento importante da Noss é o financiamento. Aliás, as políticas sociais neste País sempre foram construídas com a participação dos empregadores e empregados, conforme destacam Behring e Boschetti (2009). Com os servidores públicos, acontece o mesmo, pois todos participam do financiamento com uma contribuição num percentual em torno de 20%, que incide sobre os salários e outras vantagens financeiras. Mas esses fundos de 110 financiamento aparecem como dádiva da União. Sobre o financiamento da Pass, diz o MPOG: Cabe aos órgãos e entidades da APF viabilizar os meios e recursos necessários para garantir as ações de vigilância e promoção à saúde, com recursos próprios e/ou oriundos do MPOG; O financiamento das ações de vigilância e promoção é da União, mediante orçamento específico destinado às despesas com ações de saúde, aquisição de equipamentos e capacitação de servidores. Segundo Andrade (2009, p. 55), a Cogss sempre contou com orçamento próprio, não só para a saúde complementar, mas também para a reforma das unidades e equipamentos com a possibilidade de financiar projetos específicos de promoção, de capacitação, de treinamento. O sistema de informação Siape–Saúde, por exemplo, está sendo instalado com recursos específicos da área. Entende-se que a Cogss, unidade da SRH/MPOG da União, tem um dos principais papéis, que é o de coordenar todo o orçamento de gestão pública e redistribuídos entre todos; o que se está questionando é a omissão da participação contributiva do trabalhador público. Claro que todos os pagadores de tributos, taxas, fundos, contribuem para o funcionamento do Estado, assim como o próprio servidor. O sistema previdenciário e seguridade social da rede privada são redistributivos. Formam um sistema solidário, assim como na rede pública, dadas as devidas particularidades, a exemplo, de que não havia a figura estrutural e organizativa de uma unidade de previdência social pública assumida pela Cogss e a organização do Siass, da seguridade social, e benefícios do servidor federal. 2.6. Saúde Suplementar do Servidor O terceiro eixo central da Pass é a saúde suplementar, considerada como a provisão de recursos para a reparação do estado de saúde, com a finalidade de mantê-la ou restabelecê-la, ou minimizar os danos decorrentes de enfermidades ou acidentes. Tal cuidado necessita de serviços articulados em rede, com suporte laboratorial e hospitalar capaz de responder de forma eficaz à demanda. A Pass preconiza que a saúde suplementar é um benefício compartilhado entre a APF e o servidor, além do Sistema Único de Saúde (SUS), que atende 111 todos os cidadãos brasileiros. Em relação à assistência à saúde, o Estado recorre à participação do servidor no fundo, por se tratar de um benefício compartilhado, e evoca também o SUS. A assistência à saúde do servidor engloba o sistema público e o privado, o que prova que o Estado também incorpora no seu aparelho as políticas sociais privatistas de viés modernizante do neoliberalismo. Nogueira, M. (2009) diz que: Não há e nem pode haver fronteiras rígidas entre as políticas públicas. Não existem separações entre as políticas sociais e outras, ainda que tensões e atritos entre os dois campos possam ser sempre diagnosticados (...) sempre há uma coerência lógica e política (...) afinal toda sociedade e todo Estado existem a partir de uma dada correlação de forças de um padrão de hegemonia, que conformam um determinado pacto sociopolítico, um projeto nacional (...), (pp. 53-54). Na correlação de forças de construção dessa política, estão contemplados os interesses, opostos, dos donos da previdência e planos de saúde privados, que têm seus representantes políticos e também atuando no Estado, a exemplo de médicos proprietários de clínicas, acumulando com o cargo de servidor público, farmacêuticos possuidores de laboratórios e que também trabalham no Estado, etc. Assim, os servidores públicos acabam assumindo esse sistema dual que, em nome da universalidade, não contempla a todos. Na proposta de assistência à saúde do servidor, o benefício suplementar, destina-se à assistência médico-odontológica e é universalizada para os servidores federais. Transforma o benefício em despesa orçamentária obrigatória, evitando contingenciamentos, recupera o valor per capita destinado aos servidores e estabelece iniciativas para a isonomia no tratamento desse benefício entre todos os entes do Poder Executivo. Destaque, ainda, para a exclusão da política da assistência social aos servidores, que só aparece nas atribuições e competência das equipes de saúde do trabalhador e estabelece que seja efetivada mediante os recursos sociais existentes naquela região onde estiver localizada, questão a ser retomada quando for abordada, no próximo capítulo, a intervenção do Serviço Social na saúde do trabalhador. O valor repassado para esse benefício ao servidor, na prática, não dá para pagar a metade da mensalidade de qualquer plano de saúde; corresponde aproximadamente a 1/3 parte do valor mensal do plano Geap – Fundação da 112 Seguridade Social, ao qual quase 70% dos servidores da UFAL são filiados, conforme levantamento realizado em 2009 pelo Setor de Recursos Humanos da UFAL (Quadro 5). Faixas Por Remuneração (R$ 1,00) 0000 - 1.499 1.500 - 1.999 2.000 - 2.499 2.500 - 2.999 3.000 - 3.999 4.000 - 5.499 5.500 - 7.499 7.500 ou + Por Idade 00 - 18 19 - 28 29 - 43 44 - 58 59 OU + 00 - 18 19 - 28 29 - 43 44 - 58 59 OU + 00 - 18 19 - 28 29 - 43 44 - 58 59 OU + 00 - 18 19 - 28 29 - 43 44 - 58 59 OU + 00 - 18 19 - 28 29 - 43 44 - 58 59 OU + 00 - 18 19 - 28 29 - 43 44 - 58 59 OU + 00 - 18 19 - 28 29 - 43 44 - 58 59 OU + 00 - 18 19 - 28 29 - 43 44 - 58 59 OU + Valores Per Capita (R$1,00) 106 111 117 123 129 101 106 111 117 123 96 101 106 111 117 92 96 101 106 111 87 92 96 101 106 79 81 83 84 86 76 77 79 80 82 72 73 75 76 78 Quadro 5: Valores da participação da União no custeio da assistência à saúde suplementar do servidor Fonte: DOU, 30/12/2009 113 O benefício da saúde suplementar é regulamentado pela Portaria Normativa SRH 3, de 15 de setembro de 2009, a qual rege que as operadoras de planos de saúde devem oferecer cobertura mínima do rol de procedimentos estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde (ANS); exige a oferta de planos com coberturas e redes credenciadas diferenciadas; e permite o pagamento de benefício por ressarcimento para os servidores que optarem por plano diferente do estabelecido pelo órgão. A assistência à saúde do servidor contribui para o financiamento e crescimento do mercado privado de saúde, em que a maior parcela de contribuição (2/3) sai do bolso do servidor. O Estado, enquanto regulador das ações e políticas públicas, estabelece parceria na mercantilização de assistência à saúde ao servidor público. O VII Congresso dos Servidores Públicos do Judiciário, realizado no Rio Grande do Sul, em 2009, chama a atenção para a necessidade da participação mais efetiva dos sindicatos, quando, segundo manifestação por carta aberta, denuncia que a Pass está sendo constituída à revelia do servidor público, o que contradiz a fala do governo e os documentos dessa política. O documento, emitido pela Federação Nacional da Justiça Federal (Fenajufe), quando da realização do seu 7o Congresso, afirma que: O movimento sindical precisa, com urgência, participar da mudança nessa conjuntura que vem desenhando desde 2003, com a criada Cogss, subordinada à SRH/MPOG. Mais recentemente, foram criados decretos e normas regulamentadoras que compõem a Pass e que estão em plena implementação pelo governo federal. É preocupante a ausência da 10 participação das entidades sindicais de servidores públicos . Observa-se que as mudanças e reformas das políticas sociais vêm ocorrendo não apenas do Estado para fora, ou seja, na rede privada, seguridade social, no SUS, mas também dentro do Estado, a exemplo da Pass e sua política de assistência à saúde, voltada para o servidor, que repassa à rede privada a responsabilidade do Estado para com seus trabalhadores. Várias instituições públicas contratam firmas para fazer as avaliações ambientais das áreas insalubres. Andrade (2009), em sua pesquisa no Rio de Janeiro, diz: 10 Recordando o que dizem Behring e Boschetti (2009), os movimentos sociais têm suas contradições, portanto, não se pode ter uma visão romântica, ou seja, de que é um movimento hegemônico, como também satanizar o Estado. 114 (...) os laudos técnicos são realizados por uma firma contratada e os resultados dessa análise são encaminhados à área médica para emissão dos laudos e definição dos percentuais de insalubridade a serem pagos. Esta forma de organização do serviço dificulta as ações de vigilância, pois é demorada, depende da compra de serviços e disponibilidade financeira para este fim e leva a um retorno lento, dificultando ações imediatas de intervenção (p. 65). O mesmo acontece com os exames periódicos realizados no ano de 2009, pela primeira vez na Ufal, quando a Geap foi contratada para realizá-los e também a avaliação médica. Segundo relatório emitido pela unidade de saúde da Ufal, aproximadamente 13% dos servidores, que se submeteram aos exames não os concluíram; 75% submeteram-se à avaliação médica e à emissão do Atestado de Saúde Ocupacional (ASO); isso demonstra o retorno lento, desarticulado, sem infraestrutura, e no final a Geap recebeu por todos os serviços prestados, mesmo que incompleto o resultado das avaliações. A comprovação de que a política de assistência à saúde não contempla a universalidade desse benefício, é o próprio processo de implantação da Pass e da rede de assistência à saúde. Só será contemplado com o pecúnio, o servidor que contribuir para o plano de saúde privado. Conforme destaca Andrade (2009), sobre o processo de implantação da política de atenção à saúde do servidor em instituições federais, (...) a assistência à saúde suplementar é feita através do ressarcimento parcial aos trabalhadores, repassado pelo Governo aos que comprovam que tem plano de saúde e plano odontológico, de livre escolha, para o servidor e para os dependentes. Não há um plano de saúde próprio ou contratado pelo IBGE-RJ (p. 65). Outra contradição do plano de assistência refere-se ao princípio que preconiza de forma equânime que os servidores com menores salários e mais idosos recebem um per capita maior do governo do que aqueles com maiores salários e mais jovens. Na prática, essa matemática equânime não funciona bem, pois um grande número de servidores não pode bancar seus planos de saúde. Segundo Andrade (2009): Essa forma de cobertura da assistência médica, não se tem mostrado resolutiva nem atendido às demandas dos trabalhadores, por serem os planos privados caros e o valor do ressarcimento muito pequeno, o que faz com que grande número de servidores não tenha cobertura de plano de saúde, tendo como alternativa o SUS (p. 65). 115 Alguns sindicatos defendem a política de assistência à saúde privada e realiza convênios com planos de saúde para os sindicalizados. Segundo Andrade (2009), o sindicato tem convênio com plano de saúde para os servidores da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do Rio de Janeiro (IBGE-RJ). O processo de participação social exercido pelos movimentos sociais por meio dos sindicatos e conselhos democráticos, não é homogêneo, pois são movidos pelos interesses e tensões próprios de uma sociedade de classes, além de outras contradições decorrentes dessa correlação de forças. Os movimentos sociais que participam da esfera pública na relação com o Estado o fazem em busca de suas demandas e aceitam a negociação e almejam a ampliação de políticas sociais. O controle social é uma dessas formas de participação para a garantia dos direitos sociais, e será analisado a seguir. 2.7. Concepção sobre o controle social Neste item, abordar-se-á o controle social a partir das autoras Correia, Behring e Boschetti, Raichelis, entre outros, que vêm aprofundando o tema. O que, na saúde, tem relevante papel na concretização das políticas públicas de saúde mediante o SUS. Será feito um paralelo entre as experiências do controle social realizado pelos conselhos de saúde. Segundo Correia (2000), este só se concretiza com o controle do fundo público e, consequentemente, sob o controle das ações do Estado na saúde. Assim, reivindica-se a participação dos servidores nas comissões institucionais de saúde. Ainda será analisada a questão na fala dos representantes do sindicato, profissionais da saúde do trabalhador, entre outros, fazendo-se os contrapontos entre a teoria e a prática social desse segmento no aparelho do Estado. Correia inicia os estudos sobre controle social destacando os conceitos utilizados em sociologia, em que a expressão é tratada por diferentes autores para designar “os processos de influência da sociedade ou coletivo, sobre o indivíduo” (CARVALHO 1995, p. 9 apud CORREIA, 2000, p. 53). Mannheim (1971, p. 178, apud CORREIA, 2000) o define como O “conjunto de métodos pelos quais a 116 sociedade influencia o comportamento humano, tendo em vista manter determinada ordem” (p. 53). Para esses autores, o controle que o Estado exerce sobre a sociedade por meio de suas instituições tem como objetivo amenizar, ou mesmo evitar, conflitos sociais. Essas instituições interferem no cotidiano de vida dos indivíduos, reforçando a internalização de normas e comportamentos legitimados socialmente (IAMAMOTO apud CORREIA, 2000, p. 53). A ação estatal exerce o controle no cotidiano dos indivíduos legitimado formalmente, ou seja, a sociedade, ou o Estado, continua exercendo o domínio sobre os indivíduos. Na perspectiva de Correia (2000, p. 53), o controle social envolve a capacidade que a sociedade civil tem de interferir na gestão pública, orientando as ações do Estado e os gastos estatais na direção dos interesses da coletividade. Consequentemente, implica o controle social sobre o gasto público. O controle social nessa ótica não apenas controla as ações do Estado mediante as políticas sociais, opinando, sugerindo, mas principalmente pelo controle sobre o gasto público. Ainda segundo essa lógica democrática, quem paga impostos direta e indiretamente na fonte pode e deve decidir onde, como e quando investir os recursos públicos11. Esses gastos na saúde buscam melhor qualidade e mais quantidade de serviços, evitando o uso indevido do Estado, em suas instâncias – federal, estadual e municipal – institucionais, e deixando-os à mercê dos interesses de grupos clientelistas e privatistas. Acompanhar a forma como está sendo gasto o tesouro do Estado é uma das finalidades do controle social que traz à tona a possibilidade de a sociedade organizada ter acesso ao orçamento público, interferindo na destinação dos seus recursos. Trata-se de um processo de democratização do fundo público, “ameaçando o monopólio que as classes dominantes exercem sobre os recursos estatais” (OLIVEIRA apud CORREIA, 2000, p. 54). Segundo Correia, o controle social sobre as ações e os recursos do Estado tem como um dos requisitos essenciais as relações entre o Estado e a sociedade, por meio de canais democráticos de participação social. Após o período ditatorial, no Brasil, esses canais foram restabelecidos com a institucionalização dos conselhos 11 Behring e Boschetti (2009) dizem que, para analisar a experiência do controle democrático, há que gramscianamente, aliar o pessimismo da razão ao da análise crítica, com o otimismo da vontade. 117 setoriais. Esses mecanismos são, ao mesmo tempo, resultado do processo de democratização e dos pressupostos para a sua consolidação. O fortalecimento do exercício do controle social sobre o Estado contribui para o alargamento da esfera pública e consolidação da democracia. Essa forma ampliada de conceber o controle social de participação e decisão por meio de orientação e opinando sobre as ações do Estado e nos gastos públicos, implica a organização dos movimentos sociais que, comprometidos com os interesses da coletividade, busquem, na esfera pública12, a transparente consolidação dos direitos sociais e da democracia brasileira constantemente ameaçados pelo projeto societário neoliberal. 2.8. História do Controle Social na Saúde Segundo Correia (2000, p. 55), o tema da participação na gestão pública surge na segunda metade da década de 1970, no período crítico da ditadura militar no Brasil, a partir das experiências na gestão municipal em Lages (SC) e das práticas construídas nos movimentos sociais – Conselhos Populares de Saúde, na zona leste de São Paulo; Conselho Popular do Orçamento, de Osasco; Assembleia do Povo de Campinas, entre outros. As experiências participativas multiplicaram-se. Na área da saúde, as primeiras participações acontecem com os conselhos criados na zona leste da capital paulista e o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), também em São Paulo. A intervenção do Estado na melhoria da qualidade da rede e de serviços, decorre da interação entre a população e a Secretaria de Saúde. O movimento, na década de 1970, representa “a emergência de práticas que redefinem as relações entre Estado e população, gerando demandas num espaço que apesar de regulado pelo Estado, não controla plenamente a sua institucionalização” (JACOBI, apud CORREIA, 2000, p. 59). No processo de unificação dos movimentos populares, em São Paulo, surgiu o de saúde, em 1976, aos quais se somaram parte da igreja mais progressiva; estudantes de medicina e médicos sanitaristas, em busca de melhoria do setor, 12 Entende-se por esfera pública uma construção histórica tecida no interior da sociedade civil e política (RAICHELIS, 2000). 118 devido ao descaso e à falta de investimento, e do rápido crescimento populacional. Na gestão de Adib Jatene na Secretaria de Saúde de São Paulo, de 1978 a 1992, os conselhos são reconhecidos como interlocutores do Estado que reage e investe na expansão da rede. Essa experiência com conselhos populares cresce, em São Paulo, e na década de 1980, com o Partido dos Trabalhadores (PT) assumindo a prefeitura, foram criados conselhos como parte da estratégia para democratizar a gestão municipal. Hoje, existem dois canais institucionais de participação social na política de saúde – os conselhos e as conferências de saúde –, que tem suas raízes na experiência da zona leste de São Paulo e na criação do Cebes e representam uma conquista do movimento sanitário. Essa forma de participação institucionalizada da sociedade civil organizada na saúde foi concebida como controle social, intervenção na gestão, gasto público e ações do Estado. Bergman (apud CORREIA, 2000) define o controle social como a “fiscalização direta da sociedade civil nos processos de gestão da coisa pública” (p. 55). Considera-o como possibilidade de a sociedade civil interagir com o governo municipal para estabelecer prioridades e definir políticas de saúde que atendam às necessidades da população. Aponta os conselhos de saúde como canais que podem viabilizar a relação entre as demandas da população e o controle social das ações e a fiscalização da gestão pública. Dessa forma, o controle social passa a existir como possibilidade de os movimentos sociais influenciarem as políticas públicas para que atendam às suas demandas, durante o processo de democratização do País, em que a descentralização é o tema central contraposto ao processo de centralização do Estado durante a ditadura militar. O movimento sanitário sempre defendeu a descentralização dos serviços e a municipalização, vista como estratégias de democratizar o sistema nacional de saúde e como um dos princípios do SUS. Esse primeiro princípio leva à desburocratização do sistema de saúde, aproxima a gestão pública da população usuária e dos conselhos, podendo interferir de forma mais rápida e próxima da política de saúde de seu município. Correia (2000, p. 56) diz que essa via não é de mão única, pois a descentralização é também uma estratégia neoliberal que responsabilizam os 119 municípios pela política de saúde sem repasse de recurso federal. São estratégias do projeto liberal com fins de racionalizar e reduzir gastos públicos. Nessa lógica econômica, a descentralização é uma das medidas a que se recorre para enfrentar a crise fiscal do Estado, a instabilidade da moeda, o déficit e a dívida externa. Na perspectiva da Reforma Sanitária, a descentralização é “entendida como deslocamento de poder”, não só de nível central para o nível local, mas, principalmente, como “um deslocamento do poder para os setores organizados da classe trabalhadora, em aliança com o movimentos sociais de usuários e de profissionais” (FLEURY apud CORREIA, 2000, p. 56). A descentralização é um dos princípios que se preconiza nas políticas sociais da saúde, educação, etc. Na perspectiva de “deslocamento de poder”, para a instância mais próxima, a local, onde a população tenha acesso, no sentido de cobrar, reclamar, solicitar, intervir e provocar mudanças nos serviços públicos. Assim, qualquer proposta de descentralização tem de vir acompanhada da participação social, para que se garanta o seu projeto democratizante. Isso é possível graças ao caráter deliberativo atribuído legalmente ao Conselho de Saúde, que possibilita aos setores populares, trabalhadores da saúde, nele representados, certo poder para interferir na política de saúde descentralizada. A Lei Orgânica da Saúde (8.080), que regulamenta o SUS definindo atribuições e competências, em seu artigo 1o regulamenta a participação da sociedade por meio de duas instâncias colegiadas. I – a Conferência de Saúde reunir-se-á cada 4 anos com a representação dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação da saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes, convocada pelo poder executivo ou extraordinariamente, por este ou pelo Conselho de Saúde; II – O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais da saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera. Correia (2000, p. 65) apresenta dados sobre o número de Conselhos de Saúde e afirma que a participação social por meio dessas instâncias é uma realidade no Brasil: já existem em 5.201, dos 5.506 municípios nos 27 estados brasileiros. No entanto, a garantia dessa participação social não significa um 120 controle imediato, mas um processo para conquista e ampliação dos serviços de saúde. Diz a autora que (...) se por um lado os conselhos e conferências podem se constituír em mecanismo de legitimação do poder dominante e de cooptação dos movimentos sociais, por outro lado, podem ser espaços de participação e controle social na perspectiva de ampliação da democracia (CORREIA, 2000, p. 63). Ainda quanto à contradição do espaço de participação popular nos conselhos, afirma que Pode servir para legitimar ou reverter o que está posto. Porém não deixa de ser um espaço democrático, em que vence a proposta do mais articulado, informado e que tenha maior poder de barganha; é uma arena de lutas em torno do destino da política de saúde nas três esferas de governo. Nos conselhos de saúde, estão presentes diversos interesses: públicos, privados corporativos, coletivos, individuais (CORREIA, 1996 apud CORREIA, 2000, p. 64). A autora destaca três critérios relevantes para efetivar o espaço democrático: apresentar, debater e vencer a proposta, aquela que estiver mais articulada, ou seja, estabelecer alianças entre os conselheiros e representantes; deter informações; uma das condições é o acesso às informações sobre a política de saúde, sabendo decifrá-la, interpretá-la e, por último, o poder de barganha, poder de negociação dos interesses que se coadunem com a proposta apresentada. Isso não é fácil, para os conselheiros, pois, no Brasil, a ditadura deixou marcas de repressão difíceis de superar, principalmente nas classes populares, em que não há o exercício da participação, decisão da política e ação governamental, e para reverter esse quadro é preciso muita capacitação e exercício dos conselhos e conselheiros. Mas, como diz a autora, o controle social na saúde é uma realidade, no Brasil, o que mostra que esses pontos vêm sendo superados com a concretização da esfera pública. Outro ponto apontado pela autora diz respeito ao dilema dos movimentos sindicais e populares entre manter uma posição de “costas para o Estado” e de interagir com este, tal dilema atravessou as décadas de 1970 e 80, reaparecendo quando da constituição dos conselhos. Alguns movimentos, com a possibilidade de assumir lugar nos conselhos, negam-se a ter participação institucionalizada. 121 Entretanto, esses movimentos, na IX Conferência Nacional de Saúde (1992), decidiram compor os Conselhos de Saúde e defenderam sua autonomia e a participação livre. O texto do relatório final da referida conferência diz que: A participação, independente de sua forma, deve-se dar como uma prática que busque a transformação da estrutura social. Neste sentido, é inegável a importância da participação dos sindicatos, partidos políticos, e demais organizações populares na luta por essas transformações. A preservação da autonomia e independência dos movimentos sociais é fundamental para evitar a sua instrumentalização. O controle social não deve ser traduzido apenas em mecanismos formais, e sim refletir-se no real poder da população em modificar planos e políticas não só no campo da saúde. A noção de controle social como controle da sociedade sobre as ações do Estado “passa a exigir a presença de organizações legitimas de representação de interesses de diversos segmentos sociais na formulação de planos e políticas de saúde e no redirecionamento dos investimentos públicos” (ABRASCO, 1993). O controle social, na forma aqui defendida pela autora, é um exercício de democracia, na decisão sobre a política de saúde, definição de ações e do fundo público a favor da coletividade. Dessa forma, só se concretiza se houver um controle sobre o fundo público de saúde, de outra forma, torna-se apenas formal. Reconhece que o controle social sobre os recursos é um desafio para os conselheiros, pois são inúmeras as dificuldades para sua efetivação. Primeiro, por ser uma prática recente, que substitui uma prática e postura de submissão, restrita aos burocratas, administradores e economistas. Esse é um exercício a ser seguido para tornar acessível e objeto do controle social o que é público. 2.9. O Controle Social na Saúde do Trabalhador – Formas do controle social na Política de Saúde do Trabalhador Público/Privado A análise do controle democrático na política social, segundo Behring e Boschetti (2009, p. 179), vai além de números, pois deve observar como e para quem está sendo efetivamente viabilizado o controle da política pública, a partir dos princípios constitucionais e das legislações complementares, que apontam para o caráter universal do acesso aos direitos de cidadania. As autoras afirmam que a experiência dos conselhos como espaço democrático espalhou-se territorial e politicamente, mas não significa uma 122 redemocratização efetiva do Estado brasileiro, mas se trata de um processo em curso e em disputa com potencialidades democráticas. Ao lado dos conselhos, reconhecem outras formas de controle, como o Ministério Público, a imprensa, os conselhos de fiscalização das profissões, entre outros. Sobretudo, as autoras em tela chamam a atenção para priorizar o fortalecimento dos movimentos sociais, tão necessários em períodos de ofensiva conservadora. O controle social na política nacional de saúde do trabalhador, que por ora se apresenta, não contemplará todos os canais e redes de organização e participação social postos na saúde do trabalhador. Far-se-ão pontes com os que mais se aproximam, na prática, com o estudo em pauta, à saúde do servidor público; assim, entendemos que os conselhos, as conferências e as comissões de saúde do trabalhador são espaços de participação e construção de políticas. Após essa introdução teórica sobre o controle social, analisa-se como está sendo o controle social na política de saúde do trabalhador. É bom lembrar que no Conselho Nacional de Saúde (CNS) há, entre seus conselheiros, representantes dos trabalhadores da saúde e da política de saúde do trabalhador. Como canais de participação, o trabalhador têm também os sindicatos e as centrais. Atualmente, o representante do CNS, é da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Outras organizações, são as Comissões Intersetoriais de Saúde do Trabalhador (Cist), existentes em todas as capitais e estados brasileiros, que têm a finalidade de acompanhar as ações de saúde, situações de doenças e subsidiar a representação dos trabalhadores no conselho. Vejamos como se organiza a política representativa dos trabalhadores no SUS e, particularmente, a Pass. A Constituição Federal (CF) de 1988, em seu inciso II do artigo 200, indica que a atribuição do SUS é “executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador”; apesar de ser vista numa área especializada, não está desvinculada do contexto global da saúde, mas não acompanha o desenvolvimento do SUS, embora ambos sofram constantes turbulências advindas das investidas do neoliberalismo e sua lógica privatizante. Aqui não vamos analisar o SUS e sim suas interfaces e articulações com a Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador (PNSST). 123 Para tornar ainda mais complexo, a atenção à saúde do trabalhador envolve três Ministérios da frente: Saúde, Trabalho e Emprego, e Previdência Social, sem contar a participação de outros, como o da Educação, e da organização dos serviços de saúde do trabalhador nas instâncias, estadual, municipal e local. A articulação entre os ministérios e todo o sistema estadual, municipal e local é insuficiente, sobrepondo-se informações, atribuições e ações, entre outras situações que no decorrer da análise serão detectadas. A estrutura, a seguir citada, objetiva dar visibilidade aos instrumentos e espaços de controle social no cotidiano dos conselhos e nas organizações da Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (CNST)13. Nesses espaços de debates e luta para concretizar a Política Nacional de Saúde do Trabalhador, foram realizadas três Conferências Nacionais de Saúde do Trabalhador, nos anos de 1983, 1994 e 2005. Em geral, as conferências configuram-se em espaços ricos de debate, de formulação de propostas, mas com pouca efetividade, segundo Vasconcelos (2007, p. 213). A mobilização que antecede a CNST, com as conferências estaduais e municipais, tem garantido a qualidade e o aprofundamento dos temas, com uma participação plural e intensa dos movimentos sociais, particularmente dos sindicatos dos trabalhadores. A primeira CNST teve como temas centrais: diagnóstico da situação da saúde e segurança dos trabalhadores, novas alternativas de atenção à saúde dos trabalhadores, política nacional de saúde e segurança dos trabalhadores. A ênfase fo dada à formulação da política nacional de saúde, até então não assumida nem construída como política de Estado. Segundo Vasconcelos (2007, p. 213), “o elenco de propostas nem configurava um desenho mais acabado de política de Estado, nem seu relatório final foi trabalhado nesse sentido”. Essa primeira CNST foi realizada no ano da XIII Conferência Nacional de Saúde, ou seja, em um momento de efervescência do 13 A composição do conselho obedece ao critério de paridade da Lei 8.142/19. É constituída por 12 membros titulares e 12 suplentes, distribuídos da seguinte forma: 50% de usuários (6), 25% de trabalhadores da saúde (3), 25% do governo e prestador de serviço de saúde (3). Tal composição atende às deliberações da IX CNS/1992 e às recomendações da Resolução 33 do Conselho Nacional de Saúde/1992. Sua formação inclui um representante da Secretaria Municipal de Saúde, um da Secretaria Municipal da Educação, um representante da IV Coordenadoria Regional de Saúde, três dos trabalhadores de saúde (dois de nível superior e um de nível médio/elementar), um representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, um representante do movimento religioso, um dos clubes de serviço, um das associações de moradores e dois representantes das associações comunitárias. 124 movimento de reforma sanitária, que arrebanhou os movimentos sociais em torno da construção de uma política nacional de saúde como direito de todos e dever do Estado, o que desembocou na efetivação do SUS. Os movimentos sociais buscavam pela concretização de uma política de Estado voltada para as necessidades dos trabalhadores. Mesmo assim, não trouxe resultados, conforme acontece na II Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, realizada 11 anos depois da primeira, ocorrida em março de 1994 e que tinha como tema central: Construindo uma Política de Saúde do Trabalhador, (...) nesse evento foram definidas as linhas e estratégias de implementação da Política Nacional de Saúde do Trabalhador. As principais marcas dessa conferência foram a definição da unificação das ações de saúde do trabalhador no SUS e a discussão das dimensões políticas, sociais, econômicas, técnicas e gerenciais deste caso particular de política pública. (SILVA, 2002, p.7, apud VASCONCELOS, 2007, p. 214) A unificação é ponto que aparece e retoma a força na II CNST, e permanece ainda hoje. Diz respeito à unificação das ações da política de saúde e de saúde do trabalhador, cuja finalidade é fortalecer essas políticas e, dessa forma, evitar ações paralelas, duplicidades e racionalização de recursos humanos, financeiros, físicos, entre outros. A expressiva participação social, na II CNST, de representantes institucionais, profissionais da área e sindicais, mobilizou esforços para desencadear ações concretas no SUS. No relatório final da conferência, no capítulo sobre os princípios, destaca-se o seguinte: Os participantes da II Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador reiteraram e legitimaram os princípios e diretrizes básicas do SUS, demandando sua efetiva implementação na área da saúde do trabalhador. Devem ser incorporadas ao SUS todas as ações de saúde do trabalhador e devem ser descentralizadas através da municipalização (MINISTÉRIO DA SAÚDE/CNS, 1994, p.13). As conferências enquanto canal de participação social dos trabalhadores, profissionais, movimentos sociais, entre outros atores e construtores da política nacional de saúde do trabalhador, se concretizam no espaço democrático na realização da III CNST, em novembro de 2005, tendo como tema central: Trabalhar sim, adoecer não. Os temas abordados nessa terceira conferência foram criticados pelos estudiosos da área por se desarticularem das anteriores, uma vez que não se tinha 125 efetivado a política nacional de saúde do trabalhador. Reconhece o ponto favorável da participação social e coloca o desafio de repensar a praticidade ou efetividade da conferência como espaço de formulação e acatamento, pelo Estado, de suas resoluções. Lacaz (2005) pronuncia-se da seguinte maneira: (...) assim, se por um lado o controle social em saúde do trabalhador que é anterior à existência do próprio SUS deve por isso ser considerado no sentido de valorizar esta trajetória e especificidade, por outro a realização de conferências no formato em que vem sendo realizadas e por temas específicos, referindo-se a terceira conferência, deve ser repensada na medida em que a fragmentação de temas não contribui para a reflexão sobre os destinos do SUS num momento em que a focalização das políticas sociais ganha mais força” (p. 48 apud VASCONCELOS 2007, p. 217). A fragmentação e focalização ganham mais força nas ações de saúde, educação nos estudos e pesquisas focais, descompromete-se com o todo, focando apenas o emergente. Não se tem conhecimento nem compromisso com a totalidade da saúde, nem com uma política social efetiva. Lacaz (2005) sugere que: (...) se caminhe para a realização das conferências nacionais de saúde, nas quais as temáticas específicas sejam embutidas, na perspectiva de sua contribuição para a construção do SUS como o todo a ser cada vez mais aperfeiçoado... como a única política de bem-estar social que logramos criar com nossas lutas, embates e que remontam ao movimento da Reforma Sanitária (p. 48 apud VASCONCELOS, 2007, p. 217). As conferências contextualizadas vêm-se firmando como canais de participação social, principalmente da classe trabalhadora, na discussão e debates de propostas e a efetivação de uma política nacional de saúde do trabalhador que fortaleça o SUS. A mobilização social tem correspondido às expectativas, mas a falta de objetividade, praticidade e especificidade dos temas tem ocorrido com pouca efetividade na construção de uma política nacional de saúde do trabalhador no espaço do SUS, segundo Vasconcelos (2007, p. 218). Para refletir sobre a conferência, Jacques (BRASIL, 2006) faz a seguinte observação; (...) o que falta é uma aliança com outros movimentos (...) todo mundo no movimento sanitário sabe que as condicionantes da saúde, estão fora da saúde – a segurança reflete na saúde, o trabalho reflete na saúde – e a aliança com o movimento não foi feita suficientemente bem (...) enfim um movimento forte nacionalmente, com um nome forte, uma marca, para inclusive fortalecer os conselhos e sua atuação, penso ser uma lacuna na conjuntura atual em que estamos vivendo (p. 233). 126 Vejamos a representação dos trabalhadores e outras modalidades organizativas de saúde do trabalhador no próximo item. 2.9.1. Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador Essa comissão é vinculada ao CNS, conforme os artigos 12 e 13 da Lei Orgânica da Saúde, e têm como objetivo assessorá-lo nas questões da área de saúde do trabalhador. Seu poder está no nível da discussão, opinião, sugestão e não tem poder deliberativo. São espaços participativos de reflexão a respeito da política de saúde e suas ações. É formada por representante das instituições ministeriais (saúde, previdência, trabalho e emprego), Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde – (Conasems), Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical e Instituto Ethos. A Cist vem contribuindo na construção da política nacional de saúde do trabalhador por meio das Instruções Normativas de Vigilância em Saúde do Trabalhador, Norma Operacional de Saúde do Trabalhador (Nost/SUS), lista de doenças relacionadas ao trabalho, proposta de preenchimento de autorizações de internação hospitalar nos casos de acidentes de trabalho; contribuiu para a construção do capítulo Princípios e Diretrizes de Saúde Ocupacional para o trabalhador do SUS e na organização das conferências temáticas. No desempenho da assessoria no CNS, a Cist tem participado de forma efetiva na elaboração de instrumentos, normativas, de vigilância e controle de situações específicas da saúde do trabalhador. A Cist, por ser um canal de participação, na instância estadual, aproxima-se das demandas municipais e locais, que a alimenta com dados e situações vivenciadas pelos trabalhadores na labuta diária. Mas, segundo Vasconcelos (2007, p. 219), isso não acontece na prática. O pretenso objetivo de que as representações na Cist retornam as propostas para as suas instituições de origem e delas trazem uma posição institucional, não se viabiliza 127 e nem se concretiza em nenhuma delas, pelo que este pesquisador observou, nos anos de 1994/1995, como membro da comissão. Acrescenta-se que, infelizmente, isso acontece na maioria das representações, ora por falta de repasse para as instituições, ora de envolvimento das instituições que, ao delegar o representante, descompromete-se com o assunto e fazem cumprir o legal. Diz Vasconcelos, ainda sobre a Cist, que a relação com o CNS, por seu turno, é excessivamente formal e depende de acomodações da agenda do conselho para que as propostas sejam apresentadas e eventualmente aprovadas. Para o autor, o controle social em saúde do trabalhador carece de mecanismos mais representativos e mais articulados com outras instâncias, inclusive entre o próprio controle social com ele mesmo, nas diversas instâncias, nacional, estaduais e municipais, além de um encurtamento entre o tempo formulador e o tempo executor. 2.9.2. O Grupo Executivo Interministerial de Saúde do Trabalhador Outra modalidade organizativa de saúde do trabalhador é a criação do Geisat, por portaria interministerial, dos Ministérios da Saúde; Trabalho; e Previdência Social, com o propósito de estabelecer a integração ministerial para buscar “o atendimento integral dos trabalhadores” (BRASIL, 1993b, apud VASCONCELOS, 2007, p. 220). A integração entre os ministérios é um dos desafios para a realização da política na saúde do trabalhador em sua integralidade, no âmbito de promoção, prevenção e assistência, sem sobreposição de ações e paralelismo e a burocracia técnica e o corporativismo14 dos técnicos e ministérios, em que cada qual carece marcar e carimbar seus espaços ministeriais e poder. Essa foi então a justificativa para a criação do Geisat (VASCONCELOS, 2007), para romper com as atribuições fragmentadas nas estruturas de saúde, trabalho e previdência, mais visível pela CF de 1988, quando interpreta as atribuições do SUS com as outras áreas. 14 O conceito de corporativismo pode ser visto em Giffoni. 128 O desvio que tomaram os trabalhos do Geisat, um grupo executivo interministerial, em nível de poder decisório, fazia crer que avançaria nessa direção, entretanto, com as mudanças governamentais ocorridas a partir de 1993 e 1994, perdeu a força inicial e se transformou em espaço protocolar de nível técnico, sem capacidade político-institucional de encaminhar propostas concretas de articulação intergovernamental. Por fim, os vários estudiosos, entre eles Lacaz (2005) e Vasconcelos (2007), afirmam que a desarticulação interministerial permanece até hoje e outra situação diz respeito às representações que são as mesmas no Gesait, Cist, conferências, etc. e não possuem poder decisório para operacionalizar mudanças de nível ministerial, consoante com seu objetivo original. 2.9.3. A Comissão Tripartite Paritária Outra comissão tripartite e paritária, a CTTP é espaço de discussão das políticas públicas de saúde e trabalho, mas não é um espaço ampliado, em vista de sua missão institucional, restrita à CLT. O Ministério do Trabalho criou-a em 1996, através da SSST/MTB 11, de 11 de abril de 1996, com base no sistema tripartite paritário de regulamentações na esfera das relações de trabalho, preconizado pela OIT. A comissão é composta de cinco representantes em cada bancada: governo, empregadores e trabalhadores e por força de sua natureza é um fórum restrito de atuação centrada nas Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho, regidas pela Lei 6.514/1977 e Portaria 3.214/1978 e da CLT (Decreto-Lei 5.452, de 1o de maio de 1943). Vasconcelos (2007, p. 222) critica o modelo tripartite preconizado pela OIT e endossado pela burocracia técnica do Ministério do Trabalho, num corporativismo refratário de raízes históricas profundas, O modelo tripartite de formulação da política e da lei em segurança e saúde é profundamente aético, na medida em que põe na mesa o Estado como árbitro, o trabalhador com suas necessidades, e o patrão com sua posição de fazer ou não concessões. Não há qualquer sentido democrático nessa conformação, na medida de que a saúde e a vida são bens indisponíveis do ponto de vista do direito nos Estados-Nação (p. 222). 129 O Estado, segundo Vasconcelos (2007), na posição de árbitro, assume uma pseudo neutralidade, diante das classes representativas, patrão e trabalhadores, na comissão tripartite, na qual se tecem interesses e necessidades inconciliáveis, como vida, saúde, trabalho e condições dignas. Ainda segundo Vasconcelos (2007, p. 222), uma política de Estado em saúde do trabalhador e desenvolvimento necessariamente deve rever a formulação de legislação, que não diz respeito diretamente à preservação da saúde e da vida no trabalho. E acrescenta que, quanto à concepção da burocracia técnica do Ministério do Trabalho, a sua posição antissaúde pública é evidente. O não reconhecimento da missão constitucional do SUS na área da saúde do trabalhador é patente e patético. Essa direção e posição do Ministério do Trabalho permanecem até hoje, segundo Vasconcelos, em que o corporativismo é um exemplo emblemático, assim como a burocracia técnica e legal do Ministério do Trabalho, que, em nome de uma competência de área de atuação e de espaço de trabalho institucional e de dominação, compromete a visão de totalidade do desenvolvimento da política de saúde e trabalho. Outras características sobre a representação governamental nos conselhos, nos mostra Raichelis (1988): Ao que tudo indica, as posições assumidas pelos funcionários dos ministérios eram mais opiniões individuais, e não recebiam orientações do seu órgão quanto as posições a serem defendidas, que dissessem respeito a posição governamental (p. 204). Os critérios de escolha dos representantes do governo federal não são claros; às vezes, essa participação aparece como algo que atrapalha a rotina dos ministérios. Outra dificuldade apresentada é a rotatividade da representação governamental, maior do que a observada na sociedade civil (RAICHELIS, 2000). Enfim, a esfera pública é uma construção histórica tecida no interior das relações entre sociedade política e civil, que visa ultrapassar a dicotomia estatalprivado com a instauração de uma nova esfera, capaz de introduzir transformações, nos âmbitos estatizados e privados da vida social, resultando daí um novo processo de interlocução pública (RAICHELIS, 1988). O controle social na PNST aponta os principais canais organizativos em que acontecem a participação social do trabalhador, dada a natureza específica das comissões tripartites e paritárias que se baseiam na CLT - mas, nem por isso deixam 130 de se relacionar com o sistema de saúde pública e do trabalhador via SUS, entre outros. Analisa-se a proposta de participação do servidor, pois ainda continua como intenção criar a Comissão Institucional de Saúde do Servidor Público Federal (CISSP), não intencionalmente, para entender porque ainda não está concretizado o controle social nas ações e nos fundos da política integral de atenção ao servidor público: Por que não é prioritário o controle social? Essa proposta está em discussão pública desde novembro de 2009, no portal www.siapenet.gov.br, no link saúde. Mas não é apenas por meio da CISSP que o trabalhador público pode participar. A representação sindical legalmente pode tornar-se um fórum de debates e controle social das condições de saúde e trabalho do serviço público em tela. Após a síntese dos objetivos, das atribuições da CISSP no controle social, verifica-se como se dá a participação social por meio da representação sindical. Vasconcelos (2007) alerta para os impedimentos burocráticos e corporativistas no controle social, mediante consulta da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), feita ao Ministério do Trabalho sobre a pertinência da vigilância e fiscalização e saúde nos ambientes de trabalho do SUS, com a participação de representação sindical – o Gabinete do ministro, por meio de ofício, respondeu que as Secretarias de Saúde municipais ou estaduais não detêm competência para atuar na inspeção. O Ministério do Trabalho não pode respaldar a ilegalidade, autorizando a participação das secretarias, ou a representação sindical. 2.9.4. Comissão Interna de Saúde do Servidor Público Federal A Pass vem sendo construída coletivamente por meio de encontros, oficinas, reuniões e seminário desde 2007, com áreas de recursos humanos, técnicos de saúde e entidades sindicais, com o objetivo de compartilhar experiências e as dificuldades, comprometer gestores, estimular parcerias intersetoriais e construir princípios, diretrizes e ações nas áreas da saúde e segurança do trabalho. No texto introdutório da Pass, a organização de Comissões de Saúde do servidor, por local de trabalho, ainda em regulamentação, possibilitará o incremento de ações de promoção, pois essas organizações constituem espaços no qual o 131 servidor pode reconhecer os riscos à saúde e segurança, assim como negociar com a administração mudanças no ambiente e na organização do trabalho. A CISSP tem como finalidade contribuir para a gestão compartilhada de questões relativas à saúde e segurança do servidor, com os seguintes objetivos: I – propor ações voltadas a promoção da saúde e a humanização do trabalho, em especial a melhoria das condições de trabalho, prevenção de acidentes, de agravos à saúde e de doenças relacionadas ao trabalho; II – propor atividades que desenvolvam atitudes de corresponsabilidades no gerenciamento da saúde e da segurança, contribuindo dessa forma, para a melhoria das relações e do processo de trabalho; III – valorizar e estimular a participação dos servidores enquanto protagonistas e detentores de conhecimento do processo de trabalho, na perspectiva de agentes transformadores da realidade. Lembremos que ainda é recente o processo democrático e participativo no Brasil. Assim, afirmam os autores Correia, Vasconcelos, Andrade, entre outros, que, após os longos anos de ditadura militar, seus resultados perversos na formação social ainda se fazem presentes no processo de efetiva participação social. Para alguns, pode parecer que o espaço de trabalho no Estado é diferente, mais democrático, quanto ao processo de construção coletiva de uma política social de atenção à saúde do trabalhador, e no exercício do controle social institucionalizado, na presente proposta de criação da CISSP. A prova está no fato de ainda não ter sido regulamentada a referida comissão. O controle social não se efetivou na sua modalidade consultiva, opinativa, conforme preconiza a proposta, muito menos no controle, em sua totalidade, das decisões e aplicação do fundo na saúde do servidor público. Estamos diante de interesses antagônicos? Estado de um lado e seus trabalhadores de outro? Não é tão simples a resposta para essas questões. Até porque o Estado ainda não tem noção de como está a saúde do trabalhador. O servidor, na CISSP, está sendo estimulado a propor ações que melhorem as condições de trabalho e saúde, a corresponsabilidade no gerenciamento, enfim, assumir o papel de protagonista dessa história como o detentor do conhecimento a respeito do processo de trabalho. Esse é um dos desafios postos para a equipe de saúde, principalmente os profissionais da medicina e engenharia do trabalho, que vêm de uma formação acadêmica e intervenção profissional de detentores do saber e poder técnico 132 hegemônico na área e que podem resistir, a princípio, à participação do trabalhador no processo com seu conhecimento do trabalho, interferindo e propondo ações. Ao ser solicitada à Ufal, por exemplo, a escolha de representantes para participar da CIST-AL, o profissional indicado, com formação de medicina, disse que não tinha afinidades para trabalhar com o sindicato, ou outras formas de organização, melhor seria que a entidade fosse representada por um assistente social que goste da participação política. O controle social não é papel exclusivo de nenhuma profissão, é um exercício democrático, de participação social não apenas formal mas de decisão das políticas sociais e de gastos do fundo público na garantia dos serviços e das ações. A forma como está sendo construída, a CISSP não contempla a participação no nível de decisão das ações mas de propor, opinar e socializar o conhecimento sobre o processo de saúde e trabalho. A participação da CISSP no processo de fiscalização e avaliação dos processos de trabalho pode se tornar uma porta aberta de interferência nas decisões das ações da política de saúde. O que demandará não só conhecimento, mas principalmente articulação política com o movimento sindical dos servidores, associações, entre outras formas organizativas que facilitarão as suas ações. O controle social, canal da esfera pública, tem no bojo conceitual o princípio de democracia ampla, extrapolando a participação institucionalizada do servidor via CISSP e articulando-se com a sociedade civil organizada. A força política advinda dessa relação pode ampliar o poder de participação dos servidores, pois propor sem poder de decisão, como diz Correia (2000), é um controle de formalização. Um fazer de contas que pode implicar a cooptação para legitimar uma política de saúde que atenda mais aos interesses do Estado em reduzir gastos e aplicar o mínimo de investimentos na saúde do servidor público. Vejamos a relação das atribuições da CISSP: I – realizar levantamento das condições de trabalho visando a detecção de riscos ocupacionais nocivos à saúde e ao bem estar dos servidores, a confecção e atualização de mapa de riscos e propor medidas preventivas e/ou corretivas para substituir, neutralizar e reduzir os riscos existentes; II – acompanhar e auxiliar as equipes de vigilância e promoção da saúde na investigação das causas e consequências dos acidentes e das doenças associadas ao trabalho, inclusive na investigação de denúncia, preservando a identidade do denunciante; 133 III – levantar e analisar dados e propor medidas em conjunto com os trabalhadores e equipe de vigilância e promoção da saúde para melhorar as condições de trabalho; IV – negociar com a direção da unidade ou do órgão e estabelecer termo de compromisso de melhorias das condições de trabalho, com prazo para implementação das devidas modificações, assinado pela autoridade competente da unidade do órgão, por representantes da CISSP e da equipe de vigilância e promoção; V – acompanhar a execução das medidas corretivas até sua total implementação; VI – articular com os setores competentes a realização de eventos, cursos, treinamentos e debates para estimular o interesse dos servidores quanto aos cuidados com a saúde e segurança no trabalho; VII – promover e participar de campanhas de promoção da saúde e prevenção de doenças e acidentes de trabalho; VIII – promover a divulgação das normas da saúde e segurança no trabalho, zelando pela sua observância. A materialização da proposta foi pautada em legislação trabalhista aplicada à iniciativa privada, a exemplo da obrigatoriedade das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas), através da Lei Municipal 13.174, de São Paulo, de 5 de setembro de 2001. Aliás, a construção de toda a Pass tem sido pautada, em linhas gerais, na política nacional de saúde do trabalhador, com as devidas adequações à legislação específica que rege as relações de trabalho com o Estado brasileiro. Registre-se também que, no início da discussão da Pass de 2006/2007, com o Sisosp, agora Siass, este invocava a participação social do servidor mediante o controle social, que hoje se reduziu às comissões internas – a CISSP, em nossa análise, assume várias atribuições que podem implicar o ativismo de ações e rotinas, perdendo a possibilidade de articulação com o movimento sindical, o da saúde do trabalhador e do controle social na íntegra. No artigo 30 dessa proposta, está previsto que as entidades sindicais representativas dos servidores terão acesso às informações e aos relatórios das inspeções realizadas pela CISSP, assim como poderão participar de inspeções e negociações de processo de melhoria nos ambientes de trabalho, o que não contempla ainda o controle social, ou seja, enquanto espaço de decisão dos gastos e investimentos na saúde do servidor. O Estado brasileiro permanece com postura política conservadora, ou seja, as reformas neoliberais têm sua raiz nessa matriz positivista o que implica como ações 134 instalar uma política de controle social na saúde do servidor público de cooperação, cooptação. Contrariamente, a CISSP deve buscar mais envolvimento e participação dos sindicatos da categoria e aliança com o movimento social dos trabalhadores em geral, extrapolando os muros institucionais. Há pontos de avanços na CISSP que poderão ser instrumentos de conhecimento, e legais, sobre a saúde do servidor, favorecendo a construção de uma Pass nos interesses e necessidades de saúde do servidor público. Esse é um dos desafios a ser enfrentados no começo do século 21 com suas políticas de desmontes e de precarização das relações e condições de trabalho. Um primeiro ponto é o acesso a relatórios de inspeções realizadas, documentos e informações; e a CISSP poderá contribuir efetivamente para a melhoria das condições de saúde e trabalho em articulação com o movimento sindical. E pode ir muito mais além, considerando que o Estado possui outros regimes de trabalho, a CLT e o trabalho precarizado, sem as mínimas condições de segurança e saúde, a exemplo dos terceirizados, bolsistas, etc. Todas essas relações fazem parte das relações de trabalho no aparelho do Estado e interferem na saúde do trabalhador. Mas Behring e Boschetti (2009), entre outros estudiosos, chamam a atenção para o momento de crise por que passam os movimentos sociais e sindicais, entre outros fatores, o desmonte das políticas sociais, o desemprego e a precarização do trabalho, os quais contribuem para a fragilidade e desmobilização das organizações sindicais em busca de direitos sociais. Os depoimentos dos sindicalistas que participaram da pesquisa em pauta demonstram o desencantamento pela participação social e fragmentação dos movimentos social e sindical. A luta está bastante fragmentada, a categoria visa apenas o aumento de salário; muitos não aderem ao movimento com o discurso de que ela se encontra marginalizada e igualada ao movimento dos trabalhadores sem terra (Representante Sindical). Vasconcelos, Correia, entre outros, em estudos citados anteriormente, discutem a fragmentação dos conselhos, das comissões, na saúde do trabalhador, o que também identifica esses representantes sindicalistas, e torna o movimento politicamente fragilizado, assim reproduzindo a sociedade contemporânea, 135 individualista e focal, visando ao retorno imediato, aumento de salário. A luta perde a visão de totalidade quanto às condições de melhoria de trabalho: “Não existe a participação dos servidores nas ações desenvolvidas pelo sindicato, não discutem seus direitos, seus interesses são voltados apenas a questões jurídicas (Representante Sindical)”. Entende-se que a agenda sindical deve estar focada nas questões trabalhistas, principalmente as relações de trabalho, garantia dos direitos, democratização dessas relações. No momento atual, os sindicatos dos serviços públicos têm participado na luta pela saúde, educação, no movimento dos trabalhadores sem-terra – muito embora, não seja aceito pela categoria como um todo, que se vê desqualificada quando assim é confundida. O que Behring e Boschetti identificam como de movimento antidemocrático, no próprio movimento, o que é uma verdade, na própria universidade, a fragmentação sindical é notória e real; nos sindicatos de técnicos e dos professores, etc., não se faz a articulação da luta dos trabalhadores em sua totalidade. Daí a importância da regulamentação e implantação da CISSP para fomentar a Pass e possíveis melhorias das condições de trabalho e saúde, denunciando as precárias condições de trabalho, fiscalizando os ambientes e construindo uma Pass na perspectiva do servidor público: “O sindicato não acompanha de perto os serviços prestados pela equipe de saúde, esse tipo de serviço é muito tímido na universidade e não tem controle social por parte dos servidores (Representante Sindical)”. O controle social enquanto mecanismo social e político para efetivação da Pass e controle das ações, investimentos, e administração do fundo, não está previsto na lei. Mas se faz necessária a ampliação de suas ações para democratizar e efetivar essas ações, o que só será possível com a participação da CISSP, dos sindicatos, das associações e de todos os trabalhadores públicos e privados que labutam nas instituições públicas. 2.10. Considerações gerais No remate do capítulo, alguns pontos e reflexões endossam o pensamento dos autores pesquisados, identificam contradições e debates com a teoria e a 136 análise conceitual por meio da proposta de política de saúde para o trabalhador público, o servidor público. As análises de Behring e Boschetti levaram-nos a perceber que a Política Social, no atual momento sócio-histórico, econômico e político, sob a égide do neoliberalismo, na versão da ditadura mercadológica nas áreas sociais, vêm retrocedendo em termos da universalização, quanto à ampliação dos direitos, das ações e da gratuidade das políticas, enquanto dever do Estado e direitos para todos os brasileiros. O mercado vem atuando e ampliando seu espaço, até mesmo para dentro do Estado, a exemplo da política de saúde para o trabalhador público, na qual as ações de assistência à saúde são realizadas no mix de pública e privada. O debruçar sobre a Pass, levou-nos a identificar algumas características que se assemelham ao conjunto das políticas sociais, por exemplo, a construção tardia, um dos traços marcantes da política social brasileira em relação ao processo de desenvolvimento e economia instalada no País. O descompasso entre a PNSST e a Pass comprova o caráter tardio e as propostas construídas separadamente da PNST operada pelo SUS. Vasconcelos (2007) coloca o atraso mais ou menos de 40 anos para se colocar, na agenda do governo, a saúde do trabalhador com ações efetivas. Apesar de convocar a integralidade das ações em saúde do trabalhador público, ela ainda não aconteceu, segundo Andrade (2009), no que se refere à participação do servidor público como sujeito e protagonista da ação política-saúdeinstitucional, colocando seus conhecimentos e saberes na construção da Pass. Assim como a intervenção nos processos de trabalho transformando-os, e do controle do fundo de investimento na saúde do servidor. Em relação ao controle social, os representantes dos sindicatos Sintufal e a Fernajufe afirmam não participar da construção e controle da Pass. O Estado e documentos da Pass indicam a participação dos servidores na construção de todo o processo. Essas falas mostram as duas faces do controle social. Segundo Correia (2000), Behring e Boschetti (2009), Pereira (2009), a cooptação do Estado na busca pela legitimação e domínio dos sujeitos sociais. Mas o controle social como espaço democrático e de correlação de forças na defesa de propostas e interesses dos trabalhadores, não apenas na discussão e consentimento, mas na decisão e no 137 acompanhamento das ações, principalmente sobre os investimentos do fundo na saúde do servidor, o que ainda não aconteceu. É importante destacar que os recursos e fundos para as políticas sociais são sempre escassos e vulneráveis. No caso do fundo e financiamento para a Pass, estão invisíveis, nas mãos de gestores do alto escalão, e tratados, como fundo “próprio” do MPOG, como se não contassem com a participação dos servidores. Lembrando que até hoje o controle social por meio da CISSP não foi regulamentado, o Decreto-Lei encontra-se no prelo desde 2009/2010. À medida que se for avançando na análise sobre as ações na saúde do servidor público, serão postos e aprofundados outros traços e elementos que contribuem para melhor conhecer e intervir na saúde desse trabalhador. Não se trata, aqui, de avaliar a construção dessa política, dos pontos de vista metodológico e teórico, mas a sua efetividade e estratégias de ação para melhoria das condições de trabalho e saúde do servidor, envolvendo as relações sociais e de trabalho construídas dentro do Estado com seus trabalhadores. Enfim, o processo de produção do trabalho dá-se nas relações sociais, constituídas em determinado tempo histórico, político e econômico, que interfere nas condições de vida, saúde e de trabalho. Na efetivação da Pass, é relevante o papel do servidor público, enquanto protagonista dessa história. No dizer de Nogueira, M. (2009), as políticas sociais só acontecem no Estado democrático e com a participação da sociedade civil organizada. Não pode haver Estado democrático sem cidadania ativa e sua participação, ou seja, sem sociedade civil organizada. Dirigentes democráticos distinguem-se pelo respeito aos direitos, aos interesses e à participação dos “dirigidos”. Uma política de saúde do trabalhador, verdadeiramente democrática, integral e socialmente justa, só se dará com a participação do servidor no controle dos fundos, com o seu conhecimento e participação nas avaliações dos processos de trabalho. Assim, poderá realizar-se uma Pass em sua totalidade, pois, para haver saúde do trabalhador, se faz necessária a participação dos trabalhadores; dos dirigentes, democraticamente; da equipe de profissionais de saúde; e da decisão do Estado que priorize essa política. 138 Política Abrangência Responsabilidade Governamental Direta Papel dos Atores Governamentais Diretamente Envolvidos Política Nacional de Saúde e Segurança no Trabalho (PNSST) Universal SUS MTE MPS Regulador Política Nacional de Saúde do Trabalhador no SUS (PNST) Universal SUS Regulador Política Nacional de Promoção da Saúde do Trabalhador do SUS (PNPST) Trabalhadores do SUS nas três esferas de gestão – federal, estadual e municipal SUS Regulador Empregador Política de Atenção à Saúde e Segurança do Trabalho do Servidor Público Federal (Pass) (Subsistema Integrado de Atenção a Saúde do Servidor Público Federal - Siass) Servidores públicos federais MPOG Empregador Quadro 6: Resumo das políticas de saúde do trabalhador público/privado Fonte: I Seminário Estadual de Vigilância à Saúde do Trabalhador - Maria da Graça Luderitz Hoefel Departamento Coletivo da UnB 139 CAPÍTULO III 3. OS SERVIÇOS DE SAÚDE DO TRABALHADOR EM ALAGOAS E DO SERVIDOR PÚBLICO NA UFAL 3.1. Serviços de Saúde na Atenção Integral ao Servidor Público Federal em Alagoas No capítulo 1, foram discutidos os referenciais conceituais e teóricos que fundamentam os estudos da saúde do trabalhador, mediante leitura crítica e discussão democrática e totalitária que possibilite a universalização e integralização da atenção. Inclui-se nela o protagonismo social na área da saúde do trabalhador. Abordou-se a categoria trabalho com base na Teoria Social de Marx, trazendo elementos como o valor do trabalho, na perspectiva de realização e/ou alienação das atividades humanas, exploração e a produção de mais-valia, e a relativa e possível autonomia do servidor na execução das atividades produzidas, no seio do Estado brasileiro. Esses referenciais teóricos, entre outros, introduziram a análise do capítulo 2, que apresenta reflexão sobre a construção de políticas sociais na sociedade brasileira, nos diversos períodos de desenvolvimento do capitalismo, no Brasil, da década de 1920/1930 até os dias atuais, início do século 21 - sob a égide do neoliberalismo -, provocando crise não apenas financeira, mas principalmente social, com desemprego e redução das políticas, que culmina na crise do Estado social ou welfare state, na Europa e nos EUA, e rebate nos avanços, mesmo que tímidos, das políticas de saúde, educação e de segurança aos cidadãos e trabalhadores brasileiros. No âmbito da política da saúde do trabalhador, colocam-se as interpretações e análises sobre a construção dessa política; os principais debates, por meio das conferências, encontros, seminários; e a mobilização dos trabalhadores para participarem do controle social, sobre a ótica de estudiosos sobre o tema. Em seguida, abre-se discussão, sobre os temas acima apresentados relacionados com a Pass, voltada a atender as necessidades da saúde do servidor 140 público e do controle do Estado no desenvolvimento de uma política que favoreça condições de saúde e do trabalho, reduzindo, licenças e afastamentos dos servidores e, consequentemente, custos. Se esses patamares da política estão sendo atingidos, pretende-se verificar nos capítulos que se seguem. Como estão acontecendo, na prática, as ações desenvolvidas por meio dos serviços de saúde do trabalhador em Alagoas (AL), como um todo; as interfaces com a Pass, bem como a implantação do Siass nas unidades que atendam aos servidores públicos federais, do Executivo, que trabalham em AL, particularmente na unidade Siass-Ufal, atualmente em construção, são temas deste capítulo. 3.1.1. O Centro de Referência de Saúde do Trabalhador em Alagoas O Centro de Referência de Saúde do Trabalhador em Alagoas (Cerest-AL) assim como em todo o País, desenvolve ações principalmente de vigilância à saúde do trabalhador, o que envolve complexa visão de todas as áreas relacionadas, cujos resultados possam impactar positivamente, em toda área de vigilância, a saúde da população e, especificamente, a saúde do trabalhador. Para a implementação e organização das ações, foi criada a Rede Sentinela em Alagoas, com 21 unidades de referência distribuídas em 13 municípios alagoanos, conforme pacto e aprovação pela Comissão Intergestora Bipartite (CIB). As unidades de referência são divididas conforme agravo de notificação relacionada ao trabalho e à capacidade de atendimento em Maceió e no Município de Arapiraca segundo maior em termos populacionais e econômicos. As demais unidades (no total de 11) são referência apenas para acidente de trabalho grave, ou seja, fatal com mutilação, em crianças e adolescentes, e intoxicação exógena. Em Maceió, portaria da Secretaria de Saúde do Estado de Alagoas (Sesau 280), de outubro de 2008, determina que os serviços de referência (rede sentinela) para cada agravo de saúde seja realizado pelos serviços de saúde discriminados no Quadro 7. 141 Acidente de Trabalho Grave Intoxicação exógena Acidente com exposição a material biológico Pneumoconioses Dermatose ocupacional LER/Dort Câncer relacionado ao trabalho Pair Câncer relacionado ao trabalho Transtorno mental relacionado ao trabalho Fatal com Mutilações, com Crianças e Adolescentes - Hospital Geral e Emergência (HGE) HGE HGE - Hospital Universitário (HU) da Ufal Universidade das Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal) Clínica de Fonoaudiologia - Uncisal Santa Casa de Misericórdia de Maceió Hospital Estadual Portugal Ramalho - Quadro 7: Serviços de referência de saúde do trabalhador em Alagoas Fonte: Portaria Sesau 280, da Secretaria de Saúde do Estado de Alagoas, de 2008 Em Alagoas (2009), os serviços de saúde do trabalhador contam ainda com três Centros Regionais de Referências (Cerest-AL), distribuídos no Município de Maceió e abrangendo 42 municípios circunvizinhos: Arapiraca, que atende a 24 municípios regionais, e Santana do Ipanema, região do sertão, com mais 24 municípios. Há ainda 42 municípios sem centros de referência. Os serviços de saúde do trabalhador em Alagoas contam com a existência de uma rede sentinela, conforme preconiza o PNSST, em todo o território nacional, enquanto que os Cerests são polos irradiadores, nos âmbitos regional e estadual, de uma cultura especializada de saúde do trabalhador, que se concretiza em práticas assistenciais especializadas, conforme demonstra essa rede sentinela. O modelo de gestão em rede pode garantir mecanismos de controle, resolução de conflitos e tomada de decisão, necessários para a efetividade da saúde do trabalhador e sua promoção social e política. Na gestão dessas redes, um dos desafios postos é a falta ou insuficiência de informação/notificação dos serviços na alimentação do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), o que dificulta a real aproximação do quadro de estudo epidemiológico da saúde do trabalhador em Alagoas pelos movimentos sociais pertinentes, a fim de fortalecer seus interesses. Outra constatação é a existência de serviços especializados em saúde do trabalhador e a sua quase não utilização em ações da Pass, não previstos pelo governo federal e não reivindicados por gestores e nem pelos trabalhadores públicos. 142 As unidades de referência (rede sentinela) contam também com a participação da rede privada para fornecer assistência. No caso de câncer relacionado ao trabalho, a Santa Casa de Misericórdia de Maceió é referência e comprova essa dupla face do sistema saúde do trabalhador, a pública/privada. Fica também comprometida essa política quanto à inviabilidade do principio da universalidade e integralidade, uma vez que aproximadamente 60 municípios alagoanos não estão contemplados com a rede sentinela e outras ações. Os profissionais de saúde não especializados da área desconhecem as ações desenvolvidas pela rede e encaminham trabalhadores para assistência nos Cerests em busca, por exemplo, de laudos, atestados, a fim de diagnosticar o problema de saúde do trabalhador. Há necessidade tanto da participação social dos trabalhadores, através dos sindicatos, quanto dos profissionais de saúde, na notificação e melhor conhecimento e divulgação dos serviços e redes da saúde dos trabalhadores. 3.2. A implantação do Sistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor Público Federal em Alagoas Para melhor visualizar e localizar o Siass no ministério que o coordena, apresenta-se, na Figura 1, a estrutura organizativa do MPOG, no qual se encontram a Cogss/SRH, coordenadores da Pass/Siass. Figura 1: Organograma do Ministério do Planejamento, Gestão e Orçamento (MPOG) Fonte: Andrade (2009, p. 49) 143 Conforme se verifica na Figura 1, a SRH é composta por três Departamentos, o de Relações de Trabalho, formado de quatro coordenações: Coordenação de Negociação e Relações Sindicais (CGNES), Coordenação de Estudos e Informações Gerenciais (CEIG), Coordenação de Carreiras e Análise do Perfil da Força de Trabalho (CGCAR) e Coordenação de Seguridade Social e Benefícios do Servidor (COGSS). Nessa estrutura organizacional, percebe-se a fragmentação e focalização de cada área, assim como a estrutura pesada e burocrática montada para fazer andar um processo, como chama a atenção Vasconcelos (2007), que explicita a necessidade de cada coordenação/departamento colocar seu carimbo e assinatura, demarcando o poder que divide aquela estrutura. Andrade (2009, p. 50) diz que, ao separar os processos de negociação e relação sindical, os estudos e informações gerenciais, e a gestão de carreiras, concentrando as ações voltadas para a saúde do trabalhador em coordenação específica de seguridade social, aproxima-se mais do conceito de saúde ocupacional, não contemplando a participação do servidor. Sabe-se que a agenda de cada coordenação departamental de um ministério é assoberbada, que não se conseguem facilmente reuniões, encontros, sem prévia marcação, o que dificulta a integração e a visão de totalidade da saúde do trabalhador na construção e efetivação da Pass, muito embora os encontros, seminários e articulações venham acontecendo ao longo dessa construção, se não com as coordenações, mas sim entre os setores de saúde, espalhados nas instituições públicas e representações dos servidores, como informa o MPOG nos documentos sobre a Pass. Segundo Andrade (2009), o Siass, na sua organização do sistema, ainda tem um viés da saúde ocupacional, embora represente um avanço no que se refere à assistência à saúde desses trabalhadores, que até então não dispunham de qualquer sistema de proteção no trabalho. O coordenador do Cogss/SRH/MPOG, em entrevista a Andrade (2009), coloca que o Siass é um processo de amadurecimento do Sistema Integrado de Saúde Ocupacional do Servidor Público Federal (Sisosp). Criado em 2006, não vem apenas para substituí-lo, mas considera-o a versão mais amadurecida de uma política articulada na área de saúde do servidor público. 144 Justificando a mudança, em 2008, da nomenclatura de Sisosp para Siass, diz que não se refere apenas ao nome, mas à concepção de saúde do trabalhador, agora vista como um conjunto de atividades e ações que dizem respeito não só à intervenção nos ambientes de trabalho, mas também da apropriação dessa saúde, pelo servidor, de ter referências na área da assistência. A discussão em torno do nome foi provocada pelo próprio “desuso” do conceito de saúde ocupacional, que está ligado à ideia de que o problema de saúde dos trabalhadores vincula-se ao modelo médico do engenheiro e técnico de segurança, entre outros especialistas. Tal visão restringe o conjunto de ações que extrapolam apenas esse aspecto da saúde ocupacional, bem como a participação de equipe multidisciplinar. Apesar da mudança de nomenclatura e de concepção, os multiprofissionais que operam com o sistema constatam a hegemonia da visão médica e do engenheiro de segurança, tendo acesso a poucos campos para operacionalizar no Siass, e interferir no todo da saúde do servidor público. Os médicos reclamam da pouca efetividade do sistema, no ato de operacionalização, por causa dos muitos campos a serem preenchidos pelo profissional, o que demanda tempo, enquanto que poderiam ser preenchidos por outros servidores de nível médio. O sistema objetiva uniformizar os benefícios e normatizar as relações saúdetrabalho no serviço público, que será operacionalizado pelo Sistema de Informação e Administração de Pessoal e Saúde (Siape-Saúde), para tratamento dos dados sobre a saúde do trabalhador, que está em fase de construção e experimentação nas unidades. O registro dos dados alimenta os estudos epidemiológicos e produz ações de saúde a partir de bases com informações fidedignas sobre a situação de saúde do servidor público. O modelo de organização e implementação do Siass previu atingir o maior número de servidores espalhados pelo Brasil. Assim, oito estados seriam os primeiros: Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Pernambuco, Bahia e Pará. Mas houve demanda de Goiás, Alagoas, Santa Catarina e Paraná, que se engajaram no processo. O Rio Grande do Sul é o que está mais avançado, nesse processo, ou seja, já tem definidas as unidades de referência do Siass, a coordenação, os convênios, entre outras medidas. 145 Em Alagoas, as unidades de referência do Siass, implantadas ou em fase de implementação, tem como objetivo efetivar a política de saúde para os servidores públicos federais, segundo as especificidades, as diferenças regionais e os locais das ações de saúde, estabelecendo a uniformização dos benefícios e a normatização nas relações saúde-trabalho. 3.2.1. Histórico da Universidade Federal de Alagoas Antes de apresentar a rede de referência do Siass-AL destinada a realizar as ações da política de saúde do servidor público federal em Alagoas, é feita uma apresentação da Ufal, com localização da unidade, e o organograma, que representa o corpo administrativo superior (Figura 2). Figura 2: Organograma da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Fonte: http://www.ufal.edu.br/gestor/institucional/organograma-geral-daufal/Organograma Detalhado.pdf>. Acesso em: 27 maio 2012 146 A Universidade Federal de Alagoas (Ufal) foi criada pela Lei federal 3.867, de 25 de janeiro de 1961, com sede e foro na cidade de Maceió (AL). Instituição federal de educação superior pluridisciplinar, de ensino, pesquisa e extensão, é mantida pela União, com autonomia assegurada pela Constituição, por legislação nacional e seu próprio Estatuto, aprovado pela Portaria 4.067, de 29 de dezembro de 2003, que homologa as alterações inseridas. A Ufal teve início em um período efervescente da política brasileira, que culminou no golpe de 64 dos militares, que ocuparam o poder. Estrategicamente, o campus Maceió, sua sede, foi construído fora do perímetro urbano, a 15 quilômetros do centro, próximo do aeroporto, com difícil acesso de transporte coletivo, situação que perdura e agrava-se até hoje, visando à desarticulação do movimento estudantil, pois vários estudantes alagoanos estiveram na liderança, na União Nacional dos Estudantes (UNE), e na política partidária, como Vladimir Palmeira (PT-RJ); Aldo Rebelo (PCdoB-SP); dentre outros, contra o governo ditatorial e populista da época, que culminou na ditadura militar. Contam, os servidores nomeados da Ufal, que alguns reitores da época eram militares e que não havia eleição e muitos, no ato da nomeação, após aprovação em concurso público e apresentados todos os requisitos necessários, iam ao gabinete do reitor para cumprir seu primeiro ato civil, ou seja, cantar o hino nacional. Se o concursado errava, ou não sabia toda a letra, voltava para aprender e só assumia o efetivo exercício quando soubesse cantá-lo. Além do reitor militar, Nabuco Lopes, no campus, segundo relatos da comunidade universitária, existiam vários agentes infiltrados no meio estudantil para identificar e delatar os revolucionários. Após esse período ditatorial, a Ufal tem um processo eleitoral a cada quatro anos e relativa autonomia15 de realizar eleições para escolha do reitor com a participação paritária entre os três segmentos que compõem a comunidade universitária: professores, estudantes e os técnicos administrativos. A Ufal observa os princípios e as finalidades decorrentes de sua natureza de instituição pública e gratuita: gestão democrática, descentralizada, princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência, eficácia e publicidade de seus 15 Relativa autonomia porque, após a consulta eleitoral, o Conselho Universitário (Consuni) elabora a lista tríplice de candidatos a reitor e vice-reitor, encabeçada pelo candidato eleito, para aprovação e homologação do Presidente da República em exercício. 147 atos, da ética institucional em todas as relações; da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, liberdade de expressão do pensamento, criação e difusão e socialização do saber, da Universidade do Conhecimento e do fomento à interdisciplinaridade; do desenvolvimento científico, político, cultural, artístico e socioeconômico do estado de Alagoas, da regulação da prestação de contas; da articulação sistemática com as diversas instituições e organizações da sociedade. Até meados de 1980, a Ufal era a única universidade de Alagoas que detinha a hegemonia da formação do quadro de pessoal superior; sempre teve o concurso vestibular como forma de entrada nos cursos, que, atualmente, são 34: Administração, Agronomia, Arquitetura e Urbanismo, Ciências Biológicas, Ciências da Computação, Ciências Contábeis, Biblioteconomia, Ciências Econômicas, Ciências Sociais, Comunicação Social, Direito, Educação Física, Enfermagem, Engenharia Ambiental e Sanitária, Engenharia Química e Civil, Farmácia, Filosofia, Física, Geografia, História, Letras, Matemática, Medicina, Meteorologia, Música, Nutrição, Odontologia, Pedagogia, Pedagogia a Distância, Psicologia, Química, Serviço Social, Teatro e Zootecnia. Os cursos oferecidos pela Ufal compõem-se das diversas áreas do saber científico – as chamadas Ciências Exatas, Jurídicas, Sociais e Aplicadas, Educação, Saúde, Agrárias, Tecnológicas, Humanas, Letras, Artes e Biológicas –, e dividem-se em Unidades Acadêmicas: Institutos, Faculdades, Centros e Escolas. Existem também os cursos na modalidade a distância, conforme o art. 36 do Regimento Geral da Ufal, os cursos poderão ser oferecidos nas modalidades presencial ou a distância (parágrafo único) – um curso oferecido na modalidade a distância deve ter, quando couber, a definição das atividades realizadas na modalidade presencial e da frequência mínima necessária para aprovação fixada em vigor. Até o presente momento, os cursos oferecidos a distância, todos com o ingresso efetivado por processo seletivo, são os de Pedagogia, Administração e Matemática. Outra característica é que esses cursos vêm atender a uma necessidade e carência da sociedade alagoana por esses profissionais. Portanto, a oferta dos cursos é periódica, conforme a demanda solicitada. Esse é o diferencial para os demais cursos a distância oferecidos pela lógica mercadológica da educação e seus critérios de acompanhamentos e supervisão pactuam com o descaso do Estado. 148 A Ufal, no exercício de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, objetiva: I. Estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; II. Formar diplomados nas diferentes áreas do conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, colaborando na sua formação contínua; III. Incentivar o trabalho de pesquisa e a investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; IV. Promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber por meio do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; V. Estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; VI. Promover a extensão, aberta à participação da população visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica gerados na instituição. A Ufal, no cenário alagoano, brasileiro, vem cumprindo seu papel na formação de profissionais, na divulgação e incentivo cultural, onde mantém espaço para manifestação, expressões artísticas e culturais e desenvolve pesquisas nas mais diversas áreas de conhecimento, com destaque para as pesquisas que se mantêm como principal produto da economia local, e, contraditoriamente, para manutenção da precarização e miséria dos trabalhadores do cultivo da cana-de-açúcar. A Ufal tem se destacado também com a criação e implementação dos programas de pós-graduação, em cursos lato sensu em nível de aperfeiçoamento e especialização, proporcionando a formação contínua dos graduados, e stricto sensu, em níveis de mestrado e doutorado, perfazendo o total de 29 cursos de pósgraduação, seis de doutorado e 23 de mestrado. Os cursos de pós-graduação são vinculados às Unidades Acadêmicas que os ofertam. A admissão nos cursos de pósgraduação é feita mediante aprovação em processo seletivo específico, conforme definido no projeto pedagógico do curso. 149 Com relação ao patrimônio e orçamento, segundo o Regimento da Ufal, consta que O patrimônio da Universidade, constituído de bens imóveis, móveis, semoventes, títulos, direitos, fundos especiais, recursos financeiros orçamentários e extraorçamentários, doações e legados será administrado pela Reitoria, conforme o regimento (art. 110). Ainda traz que o resultado líquido gerado no âmbito da Universidade, mediante a exploração de seu patrimônio disponível e o emprego dos meios de que disponha, será aplicado em atividades ligadas às finalidades da instituição. § 1o - Os recursos de que trata este artigo serão depositados em conta individuada, nominalmente identificável, aberta em estabelecimento oficial de crédito, podendo ser aplicado no mercado de capitais. § 2o - A aplicação e a movimentação dos recursos mencionados no caput serão disciplinadas em resolução do Conselho Universitário (art. 112). Como está dito no início da apresentação da Ufal, e segundo o Estatuto, a União é a mantenedora, mas a Universidade disponibiliza de outros recursos financeiros e orçamentários. Em suas ações nas três estâncias - ensino, pesquisa e extensão -, pode-se angariar recursos (através do patrimônio) em benefício das finalidades da instituição. Várias são as modalidades de impulsioná-los: a Ufal presta serviços à sociedade alagoana na realização de concursos públicos para qualquer instituição que solicitar; oferece cursos de línguas à população, mediante o pagamento de mensalidades com preços mais acessíveis; mantém financiamento de projetos com instituições de fomento à pesquisa pública e/ou privada; prestação de assistência à saúde de alta e média complexidades, pagas pelo SUS, ao HU/Ufal; entre outras frentes. A aplicação dos recursos no mercado financeiro, através de capitais, é também utilizada na rede pública, o que, mais uma vez, comprova a relação das políticas sociais públicas com a lógica do capital, onde o sistema financeiro atua, mesmo que haja a obrigatoriedade da aplicação financeira nos bancos do sistema oficial. Ou seja, segue a direção e ordem do sistema privado, se não, pode desregulamentar o mercado que rege os interesses dos donos do capital. A participação da comunidade universitária no Conselho Universitário (Consuni) e em outras modalidades da esfera pública garante a transparência do uso dos bens e recursos financeiros públicos, assim como na definição e decisão do 150 que gastar, como gastar e com que finalidade pública e social, para o desenvolvimento da Ufal, da sociedade e da comunidade universitária como um todo. A Ufal, além de sua relevância para o desenvolvimento da ciência, tem o terceiro maior orçamento do Estado, ou seja, a terceira maior renda que movimenta a economia alagoana. 3.2.2. Análise da proposta do Siass-Ufal O projeto institucional de criação da Unidade de Referência, denominado Siass-Ufal, que visa integrar e sistematizar os procedimentos de implementação da Pass, foi encaminhado, em 2010, ao MPOG, para assinatura e aprovação. Com sede no campus da Ufal, em Maceió, até a presente data a unidade não foi homologada. Em Alagoas, vem se desenhando, até o momento, com duas unidades: SiassUfal, para servidores da Universidade regidos pelo RJU, e Siass-Ministério da Saúde de Alagoas (MS-AL), composta pelo pessoal do extinto Inamps, e estão sendo negociadas outras instituições, que queiram fazer parte dessa unidade, a exemplo do INSS, da Polícia Federal, etc. A Ufal, por si só, comporta uma unidade, devido ao número de servidores, pois quase a metade dos servidores públicos federais do Poder Executivo trabalham na universidade. Segundo informações da gestora da unidade do MS-AL, o estado possui aproximadamente sete mil servidores. Outras instituições demonstraram interesse em participar da unidade SiassUfal, mas alguns fatores, como a distância do campus, que dificulta o deslocamento do centro da cidade, onde se encontra a maioria das instituições públicas federais, fez com que não participassem, entre outros fatores, da organização burocrática, na criação e homologação da unidade. A unidade Siass-Ufal, do ponto de vista organizacional, está subordinada à Pró-reitoria de Gestão de Pessoas e do Trabalho (PROGEPT), que coordena a implantação da unidade Siass e a implementação da Pass com ações integradas de saúde do trabalhador. Atualmente, quem responde pela coordenação da unidade Siass-Ufal é uma assistente social, que também participa do Grupo de Trabalho (GT), no qual assume 151 a vice-coordenação dos trabalhos de implantação das unidades de referência no estado de Alagoas. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conforme estudos de Andrade (2009), a Pró-reitoria de Pessoal, à qual está subordinada a coordenação de Recursos Humanos (RH), facilita a prática da saúde do trabalhador na sua integralidade, relacionando-a com a política de promoção de saúde e profissional. A Siass-Ufal, na prática, tem problemas de espaço físico para o devido funcionamento. A coordenação situa-se no prédio da administração central, na Reitoria, e os serviços de saúde, no Hospital Universitário, o que dificulta a comunicação mais rápida e os encaminhamentos de processos e decisões operativo-administrativas. A unidade Siass-Ufal visa articular a prestação do Serviço Especializado de Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho aos servidores; a Perícia Médica Oficial da Ufal, redesenhando esse modelo. As diretrizes preconizadas pelo Siass, além de propor ações de intervenção mais amplas para o servidor, de forma integral, contemplam aquelas que promovam à saúde, especialmente as de prevenção. Uma das características da coordenação do Siass-Ufal é a polissemia dos papéis e atribuições. Além de cuidar das ações, da articulação com os setores e instituições para efetivar a Pass, assume funções administrativas de prover recursos humanos e materiais para o funcionamento dos serviços de saúde, e executa atividades técnicas, como reuniões, encaminhamento, entre outras, o que dificulta a dedicação às atividades da coordenação. Por outro lado, facilita a comunicação da universidade como um todo, ou seja, entre os três campi da Ufal Outro objetivo da proposta será desenvolver ações de saúde do servidor nos eixos de vigilância, promoção à saúde, assistência, previstos tanto na PNSST como na Pass, exceto a organização da perícia médica voltada aos servidores públicos. Para viabilizar a proposta Siass-Ufal, na integralidade, é necessário construir um espaço físico no campus A. C. Simões-Maceió-AL. Atualmente, a unidade que presta serviços de saúde à Ufal funciona de forma precária e fragmentada. Compete à Ufal nomear o gestor responsável pelo funcionamento da unidade Siass-Ufal, que tem as seguintes atribuições: Coordenar as ações desenvolvidas pela Perícia Oficial e pela Equipe Multiprofissional; 152 Articular a captação de recursos financeiros para construção da sede da unidade; Viabilizar os meios e recursos necessários para o funcionamento das atividades propostas pela equipe; Articular a participação da Comissão Interinstitucional no processo de gestão da unidade, servindo como elo com a equipe de trabalho; Acompanhar a legislação relacionada à Pass, a fim de que as atividades desenvolvidas estejam em consonância. As atribuições do gestor da unidade no processo de intersetorialidade e interinstitucionalidade na PNSST e Pass vêm acontecendo, como diz Vasconcellos (2007), com dificuldades burocráticas e a necessidade de demarcação de poder. Nessa relação do poder, existe o poder técnico dos profissionais de saúde, principalmente dos médicos da perícia, dos médicos do trabalho, no poder do gestor institucional local, e dos Ministérios de Educação e Planejamento. A implantação do Siass, desde 2009, vem acontecendo em nível nacional por meio de encontros e treinamentos em perícia, nos quais se apresentam os instrumentos legais e técnicos para operacionalizar as perícias online, mas essas mudanças vêm acontecendo a passos lentos e com baixo envolvimento da equipe técnica, conforme declaram os gestores das unidades de referência em Alagoas: “Há uma resistência enorme dos servidores do setor em trabalhar com o sistema online. Entretanto, apesar de toda resistência, o trabalho está caminhando”. Quanto aos recursos humanos, apesar da solicitação para ampliar a equipe de saúde, segundo o gestor: “A unidade Siass-Ufal é a mais completa, em termos de diversidade de cargos”. O MPOG, nos encontros e seminários, divulga que: não há necessidade de ampliação, considerando o número de profissionais de saúde do trabalhador referindo-se ao conjunto das unidades no território brasileiro. O descompasso das falas entre o Ministério e os serviços de saúde existe, mas o Ministério não descarta a possibilidade de liberar vagas e concursos para suprir carências de pessoal, muito embora a três anos da implantação do Siass, ainda não apontou nenhuma medida concreta, quanto à liberação de verba para a construção de espaço físico, contratação de pessoal, etc. Em outras unidades, sabe-se que será realizada licitação para contratar os serviços terceirizados, a exemplo do IBGE-RJ, como nos mostra Andrade (2009). 153 Como o plano de carreira do IBGE não tem mais o cargo de médico, a instituição optou por realizar um processo de licitação para contratação de médicos e técnicos de enfermagem, numa tentativa de recompor seu quadro na área da saúde e retomar os trabalhos nos programas de prevenção (p. 68). A Pass está sendo desenvolvida no território nacional na tentativa de uniformizar as ações e os instrumentos legais, proporcionando o tratamento equânime, respeitadas as peculiaridades institucionais, locais e regionais. As unidades Siass que possuem recursos podem avançar em algumas ações e medidas preventivas em saúde do trabalhador, enquanto outras ficam à mercê da disponibilidade do MPOG e das iniciativas e arranjos institucionais, quando houver interesse e envolvimento dos gestores em sua instância superior, e da pressão dos servidores organizados. A terceirização dos serviços de saúde do trabalhador faz parte da política privada e é mantida pela pública, como é o caso do IBGE-RJ, entre outros. Outro fator é a falta de articulação com a rede de saúde do trabalhador (Cerest, Renast), instalada no País, o que contribui para o esfacelamento e a fragmentação das políticas de saúde do trabalhador, assim como a instalação de serviços precarizados. Mas todas as instituições têm solicitado a realização de concurso público, concomitante com a contratação terceirizada para a manutenção dos serviços assistenciais, a exemplo dos exames ocupacionais, entre outros. O MPOG necessita estabelecer parâmetros para dimensionar o número de profissionais da saúde para cada equipe, nas unidades de referência do Siass, pois, sem o estudo que possibilite o desenho das equipes multiprofissionais, pode-se cometer abusos e superdimensionamentos, assim como inviabilizar a proposta. O IBGE-RJ, até 1990, assim como no serviço público em geral, trabalhava com um quadro de CLT, que definia o quantitativo dos profissionais médicos, engenheiros do trabalho, enfermeiro, etc., com base nos critérios estabelecidos e registrados no Ministério do Trabalho. A partir de 1990, com o RJU, deixa de existir a obrigatoriedade dos serviços de medicina ocupacional no serviço público. No caso da Ufal, até os anos 1990, havia dois quadros de pessoal: um estatutário, outro celetista, regido pela CLT. Mas nunca existiu uma equipe de saúde do trabalhador e, consequentemente, os critérios da CLT nunca foram adotados para a formação da equipe de saúde do trabalhador. 154 A CLT tem um modelo de equipe de saúde do trabalhador nos moldes da medicina ocupacional, que considera os graus de risco, o número de empregados regidos por suas normas regulamentadoras. Mas isso não impede de estabelecer análise comparativa que considere a saúde do trabalhador, além dos riscos e ocupação projetando a definição e o parâmetro para formação de uma equipe, qualitativa e quantitativamente, interdisciplinar, para que aconteça a integralidade de ações de saúde do trabalhador. A Constituição de 88 consolida a saúde do trabalhador nos textos legais e da Lei Orgânica da Saúde (8.080/1990), que estrutura o sistema de saúde nos diversos níveis: federal, estadual, municipal, configurando a diretriz de uma Política Nacional de Saúde do Trabalhador. Com isso, as relações entre saúde e trabalho são asseguradas por lei, mas, quanto à política pública de saúde, ainda há um longo caminho a ser percorrido e construído coletivamente com a equipe de saúde dos trabalhadores, e representantes sindicais. A Política de Saúde do Trabalhador no serviço público está apenas começando. Na proposta Siass-Ufal, a composição da equipe multiprofissional de saúde e dos técnicos administrativos para atender à forte demanda das ações implantadas, e a implementação na integralidade dos eixos prevenção, promoção e assistência, e a ampliação dessa equipe, são determinantes administrativos para o funcionamento da unidade, conforme o Quadro 8. Profissional Assistente social Enfermeiro do trabalho Técnico de enfermagem do trabalho Médico do trabalho Médico perito Administrador Odontólogos Atendente de consultório odontológico Psicólogo Fisioterapeuta Engenheiro do trabalho Técnico em segurança Assistente em administração Terapeuta ocupacional Educador Nutricionista Quadro 8: Servidores para a unidade Siass-Ufal Fonte: Projeto de ação da unidade Siass/Ufal Disponível 3 1 1 2 5 0 4 1 1 1 1 1 1 0 0 0 Solicitado (ideal) 5 3 3 3 5 1 4 2 2 2 2 4 6 1 1 1 155 Pela formação indicada no Quadro 8, percebe-se uma preocupação em garantir equipe multiprofissional com vista à integralidade da saúde do trabalhador e a interdisciplinaridade das ações, não centralizando a equipe em cima da hierarquia médico–engenheiro–enfermeiro do trabalho, conforme os tradicionais serviços de medicina ocupacional e segurança do trabalho; mas a definição dos critérios adotados pode ser contestada. Não há parâmetros estabelecidos que dimensionem o número de assistentes sociais, terapeutas, psicólogos, médicos, etc. Ou, por exemplo, o número de odontólogos, uma vez que não se trata de programa de assistência odontológica, etc. Enfim, todos os números e especialidades profissionais podem ser contestados ou aceitos. A estrutura organizacional da unidade Siass-Ufal foi construída pela equipe da gestão que propõe o organograma contido na Figura 3. Figura 3: Organograma da Unidade Siass-Ufal Fonte: Projeto da Unidade Siass-Ufal, 2011 156 Verifica-se, no organograma, que a direção nacional, todas as unidades de referência Siass, independentemente da instituição, estão subordinadas ao MPOGSRH. Outro traço comum entre PNSST e a Pass é a transversalidade com os Ministérios de Planejamento, Saúde e Educação, entre outros, que vem sendo construído e nem sempre tem relação harmônica, mas uma verdadeira arena e luta pelo poder decisório. É um processo em construção, e o MPOG tem a seu favor o poder do orçamento, enquanto todos os demais ministérios dependem de sua aprovação. Na Ufal, assim como no IBGE-RJ e UFRJ, os setores de recursos humanos e das pró-reitorias de pessoal centralizam as decisões das ações, normatização, publicação e divulgação, ou seja, a gestão da unidade Siass, assim como na Ufal, está por sua vez subordinada à PROGEPT. Em relação à comissão interinstitucional, só será instalada quando estabelecido o acordo de cooperação para compor a unidade Siass-Ufal. A comissão é composta por, no mínimo, dois servidores efetivos de cada órgão participante, com o objetivo de supervisionar as atividades desenvolvidas pela unidade de referência e propor ao gestor responsável melhorias no processo de gestão e condução das atividades realizadas. Quanto às atividades estabelecidas na proposta do Siass-Ufal, estão em consonância com as diretrizes do Pass, e o que tem sido o carro-chefe para os demais eixos é o trabalho da Perícia Oficial em Saúde (POS), que consiste na avaliação técnica de profissionais relacionados à saúde e à capacidade laboral, realizada na presença do servidor por médico ou cirurgião-dentista formalmente designado pelo responsável da instituição onde está instalada a unidade de saúde. Assim, a perícia oficial de saúde na Ufal é oficialmente designada por portaria assinada e homologada pelo(a) reitor(a) em exercício. Há reivindicações ao MPOG, por parte das equipes de saúde, para que se crie a carreira de peritos, com salários iguais aos de peritos do INSS, proporcionando a isonomia salarial entre aqueles profissionais. Aliás, essa reivindicação de isonomia salarial é um dos nós não resolvidos na área do SUS. Não há tempo determinado para a permanência dos membros de perícia oficial que têm autonomia em seus atos e avaliações. 157 Os profissionais da área de saúde podem contribuir para a avaliação pericial com pareceres técnicos específicos de cada área de atuação, promovendo, assim, uma ação multiprofissional na prática da Perícia Oficial de Saúde. Para isso, a equipe da perícia em saúde é composta por médicos, odontólogos, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas, e conta ainda com o apoio de técnico de enfermagem e/ou de saúde bucal. A atividade de perícia oficial em saúde é inerente ao médico e ao odontólogo, designados peritos, cabendo aos demais profissionais da área da saúde e de segurança no trabalho subsidiá-la por meio de parecer específico. No I Encontro Nacional da Saúde do Servidor Público Federal (ENASSPF), em 2008, os profissionais que atuam na referida área de saúde, assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeutas, reivindicaram seu espaço e o reconhecimento dos pareceres técnicos e periciais legalmente. Legitimamente reconhecidos por aqueles trabalhadores que deles necessitam, depende da solicitação médico-odontólogica, se assim julgar necessário. Reivindicam ampliar o olhar pericial além da área médica retirando-a do isolamento homologatório e inseri-la em uma análise técnica humanitária, com a integração das atividades periciais, assistenciais, promoção e vigilância. Nesse encontro de 2008, em Brasília, foi também questionada a ênfase dada nas ações de perícia e saúde suplementar em detrimento das ações de promoção e vigilância. Os próprios peritos reconheceram que estão mais preocupados, o governo e a gestão ministerial, com os gastos financeiros, em decorrência dos afastamentos por motivo de adoecimento do servidor, do que com a promoção e vigilância na sua totalidade. É sempre bom lembrar que os gastos com a previdência do servidor vêm da contribuição do próprio servidor e de todos os cidadãos brasileiros que contribuem com taxas, empréstimos e serviços públicos. Vejamos o que diz este profissional da saúde do trabalhador que atua na Siass-Ufal sobre a Pass-Siass: No papel é uma beleza, mas na realidade têm muito a avançar, sendo muito importante esse controle dos afastamentos por parte do governo, já que tais afastamentos e aposentadorias precoces configuram-se como um enorme gasto aos cofres públicos, observa-se que a grande preocupação do governo é com o controle das licenças, assim, tem investido mais na área pericial, ficando muito a desejar as áreas de prevenção, promoção e assistência (Entrevista com Profissional de Saúde do Siass-Ufal). 158 Todos os profissionais envolvidos na implantação do Siass reconhecem o maior interesse, da política do governo, na minimização de custos e pouca ênfase nas ações que atendam às necessidades dos servidores públicos na promoção do bem-estar físico, do mental e em melhorias nas relações e condições de trabalho. A implementação da Pass, na integralidade das ações, só avançará se houver mais pressão do trabalhador e engajamento nas discussões, encontros por investimentos na saúde, e construção dos espaços democráticos. Enfim, em todos os espaços coletivos promovidos pelo MPOG, no engajamento dos sindicatos, das associações, dos grupos de trabalho que priorizem a agenda de saúde do servidor. No momento atual, o movimento sindical está ausente na construção das ações de saúde promovidas pela instituição em estudo. 3.2.3. Atribuições da equipe multiprofissional da perícia de saúde da unidade de referência Siass-Ufal Merece destaque a participação da equipe multidisciplinar nas ações periciais, em que se encontram os avanços quanto à ampliação dos profissionais na busca de melhor análise da situação de saúde sobre diversos ângulos dos saberes na avaliação das relações e processos de trabalho e saúde. Segundo a proposta SiassUfal, as atribuições são as seguintes: a) Fornecer parecer especializado, privilegiando a clareza e a concisão, para subsidiar as decisões da equipe pericial; b) Propor capacitação e atualização dos profissionais em perícia; c) Encaminhar o periciado aos programas de promoção da saúde e prevenção de doenças, como dependentes químicos, programas de inclusão de deficientes, redução de estresse, controle de hipertensão arterial e de obesidade, dentre outros; d) Avaliar, dos pontos de vista social e psicológico, os servidores que apresentam problemas de relacionamento no local de trabalho, assim como de absenteísmo não justificado; e) Avaliar os candidatos aprovados em concurso público quanto às aptidões para o exercício do cargo, caracterização de deficiências físicas e sugestões de lotação; 159 f) Acompanhar o tratamento de saúde do servidor ou de pessoa de sua família, indicado pela perícia oficial em saúde; g) Divulgar informações para o desenvolvimento de programas de prevenção; h) Promover a integração da equipe pericial com ações de vigilância e com os programas de promoção à saúde e prevenção de doenças; i) Avaliar as atividades do periciado no local de trabalho; j) Acompanhar o cumprimento das recomendações em caso de restrições de atividades; k) Orientar os gestores na adequação do ambiente e do processo de trabalho; l) Realizar perícia oficial no corpo discente da Universidade, quando solicitado pelo estudante, em sua situação de saúde; m) Outras atribuições e competências que lhe forem delegadas. Ressalta-se que os atestados ou pareceres dos psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeuta ocupacional e outros profissionais de saúde poderão ser usados para fins de embasamento pericial, como documentos complementares. Tais documentos, por si só, não são suficientes para justificar faltas por motivo de doença. Em relação às atribuições propostas para a equipe multiprofissional de perícia oficial em saúde, observa-se que abrange as mais diversas áreas de atuação dos profissionais de saúde já mencionados. Dois elementos são fundamentais para ampliar as ações dessa equipe multidisciplinar para as relações estabelecidas nessa construção coletiva: a descentralização do poder decisório sobre a hegemonia do profissional médico, portanto, afirmando-se enquanto poder centralizador, decisão das ações de saúde do trabalhador, os pareceres, ou atestados de outros profissionais, por si só, não são suficientes para justificar o afastamento do servidor. Outro elemento é a relativa autonomia dos demais profissionais de saúde do trabalhador. Esses profissionais complementam, fundamentam, mas não decidem, ou seja, não podem legalmente permitir o afastamento ou justificar a falta do servidor por motivo de doença. O processo de autonomia profissional, segundo estudos de Pires (2008), segue na área da saúde uma hierarquia: médico, depois os profissionais de saúde de nível superior, e, no grau mínimo, as equipes intermediárias - auxiliares e técnicos de enfermagem, e assim sucessivamente. 160 Giffoni (1993) demonstra também a hierarquia burocrática do pessoal do Estado nas estâncias federal, estadual e municipal, na qual o nível de disputa pelo poder decisório passa por essa relação, que dificulta a agilidade e racionalidade dos processos. Com isso, se reconhece que a mudança na formação das equipes de peritos é um avanço multiprofissional. Mas grandes desafios colocam-se à frente, para uma relação mais democrática e participativa, principalmente na visibilidade dos processos de trabalho que podem provocar o adoecimento do servidor público. Chama-nos a atenção, ainda, que, apesar da saúde do trabalhador, nos moldes Siass, buscar superar o conceito de medicina ocupacional, na avaliação pericial, o trabalhador é o periciado, o investigado, ou seja, a relação do sujeito é de objeto da avaliação, no qual os documentos apresentados, os atestados, são determinantes para a decisão do médico perito, em detrimento das necessidades desse sujeito social. A subjetividade de cada trabalhador deve ser considerada, assim como as diferenças, o modo de vida e a história profissional, aspectos que serão analisados com mais profundidade, por meio dos dados pesquisados, e que serão apresentados no próximo capítulo. Pontua-se a necessidade de os profissionais avaliarem o processo saúdetrabalho, de modo a não culpabilizar unicamente o trabalhador, e que a intervenção da equipe multiprofissional favorece uma análise mais ampla, em todos os aspectos biopsicossociais da saúde do trabalhador. Sobre a falta de integração entre as ações de saúde e os demais setores, afirma o entrevistado, profissional de saúde do Siass-Ufal: Os exames admissionais não são completos, porque não existe uma descrição das atividades/atribuições/cargo que os servidores vão exercer, faltando exames específicos para cada cargo/função a ser desempenhada (Entrevista com Profissional de Saúde do Siass-Ufal). A desarticulação entre os serviços de saúde, a equipe multiprofissional e os gestores é muito reclamada por todos, nas redes de referência do Siass, que solicitam resolução por parte dos gestores. Outros desejam que haja menos resistência das equipes de saúde que discordam da implantação do Siass devido às precárias condições de trabalho dessas unidades: 161 O SIASS foi implantado de qualquer maneira, sendo necessário avançar para efetivar as diretrizes que são propostas, as condições de trabalho ainda não são tão boas (falta de impressora, o sistema on-line ainda tem dificuldades para se manter conectado, material, a estrutura física precisa melhorar). Em relação à capacitação para o Siass, é considerada boa. Em relação à equipe, os peritos são poucos, devido ao processo de interiorização que vem ocorrendo na Ufal, o pessoal da interiorização está praticamente sem atenção, falta carro para realização das perícias (Entrevista com Profissional de Saúde do Siass-Ufal). Conforme relatos dos servidores profissionais de saúde entrevistados, as condições de trabalho da própria equipe da saúde do trabalhador são precárias, em termos da falta de todo tipo de recurso: material, equipamentos, pessoal. A falta de material é um dos maiores problemas encontrados no serviço público, e todos os entrevistados a relatam como um dos condicionantes que dificultam o fazer profissional e é fator de estresse, como não poderia ser diferente nos serviços de saúde do servidor. O que comprova mais uma vez a falta de investimento do MPOG na tão preconizada Pass. Mas os profissionais reconhecem a necessidade da implementação do Siass no controle dos gastos com licenças e afastamentos, porém, é preciso que se invista na prevenção e promoção de saúde, como a melhor política para reduzir as licenças e promover o bem-estar na vida do servidor público. Outra diferença entre a política de saúde do trabalhador da área privada, regida pela CLT-PNSST e a política do servidor público, regido pelo RJU-Pass, está na realização dos exames admissionais, que são de responsabilidade do empregador. No serviço público, os servidores são responsáveis por custear seu exame ou devem fazê-lo nos serviços públicos de saúde, como SUS, Hospital Universitário, etc. As funções específicas dos profissionais que compõem a perícia oficial de saúde encontram-se na íntegra no projeto Siass, nos anexos desta tese. A iniciativa e a construção dessa equipe interdisciplinar é um dos pontos relevantes para o processo avaliativo pericial em sua totalidade, o que possibilita a ampliação avaliativa que considere os determinantes biopsicossocial. Com isso, se reconhece que existem alguns abusos na concessão das licenças, dos afastamentos e das aposentadorias, que poderão ser corrigidos e não generalizados, como se essas exceções fossem regras e todos os servidores passassem a ser tratados como malandros, preguiçosos, que não gostam de trabalhar, denegrindo a identidade do servidor público. 162 Não cabe aos profissionais assumirem a posição de fiscais, mas de promover a saúde e até refletir sobre essas situações, se for o caso, com os servidores, e na identificação dos motivos que levam a tais comportamentos. O que vem ocorrendo, no serviço público, é que alguns servidores possuem mais de um vínculo de trabalho. Ficam de licença e continuam trabalhando no setor privado. (Entrevista com Profissional de Saúde do Siass-Ufal). Conforme ainda declara o profissional de saúde: Instrumentos para resolver estas questões existem, o que falta é decisão política - administração para fiscalizar aqueles que estão de licença médica e continuam trabalhando nos hospitais, nos consultórios ... (Entrevista com Profissional de Saúde do Siass-Ufal). Espera-se que seja superada a visão fragmentada, focal, em cima da doença (o periciado) apenas no que se refere à legalidade, para que venha à tona todo o contexto social que permeia as condições de saúde do servidor, inclusive a visibilidade das sobrecargas de trabalho no serviço público, prejudicando a qualidade de vida e a saúde. Instrumentos para resolver essas questões existem, o que faltam são decisões político-administrativas para a fiscalização. Explicitamente, é visível que, apesar dos três eixos que fazem a Pass, o que mais centraliza esforços, por parte do MPOG/SRH/COGSS, são as ações de implementação das perícias oficiais em saúde, principalmente quanto ao controle das licenças/afastamentos e aos gastos com seguridade social do servidor, cuja âncora está sendo o investimento na informatização das perícias, mediante o sistema de administração Siapenet-Saúde, que alimentará os dados referentes a licenças, doenças, etc., e o estabelecimento do perfil epidemiológico, subsidiando as ações de vigilância e promoção à saúde. A prioridade para o Estado está posta de forma nítida; os demais eixos dependem muito das forças coletivas dos profissionais de saúde, dos servidores organizados, para pressionar a liberação dos investimentos para a integralidade das ações da saúde do servidor. O eixo da vigilância e promoção à saúde necessita alavancar e fortalecer as ações por parte da coordenação-geral das unidades Siass, enquanto executores, e a participação dos servidores, com o seu conhecimento e controle social nas ações na área. 163 A unidade Siass-Ufal seguiu as diretrizes do MPOG, considerando as necessidades da realidade local, e a Noss 03, de 7 de maio de 2010, que define a promoção à saúde como o conjunto de ações dirigidas à saúde do servidor, por meio da ampliação do conhecimento da relação saúde-doença-trabalho. Visa ao desenvolvimento de práticas de gestão, de atitudes e de comportamentos que contribuam para a saúde nos âmbitos individual e coletivo. A Siass-Ufal ainda tem como uma das principais estratégias, para efetivação da Noss, as avaliações dos ambientes e processos de trabalho, o acompanhamento da saúde do servidor e as ações educativas em saúde, pautadas nas metodologias de pesquisa e intervenção. Portanto, a promoção em saúde perpassa por todas as instâncias, no compromisso administrativo dos gestores, na intervenção, extrapola a relação saúde-doença para atingir o ambiente, as relações e os processos de trabalho onde estão inseridos os trabalhadores. Não adianta tratar a doença sem provocar mudanças na relação saúde-doença-trabalho, o que implica decisão administrativa. Estabelecer metas, fazer propostas, as administrações são peritas, mas provocar mudanças, comprometer-se com realizá-las, vão além de planejá-las e estabelecer decretos, resoluções. Passam por decisões administrativas, políticas e culturais, e de introduzi-las nos ambientes de trabalho. As falas dos profissionais mostram a necessidade da participação de todos os sujeitos envolvidos no processo da Pass, que, ao ser implantada, não consegue caminhar na totalidade por falta de condições de trabalho; no caso, depende do gestor em todas as instâncias de resolução das providências: “A política foi implantada num contexto muito precário, falta estrutura e pessoal qualificado para pôr em prática o Siass” (Entrevista com Profissional de saúde do – Siass-Ufal). No caso do serviço público, a reclamação da maioria dos setores refere-se às decisões sobre realização de concursos e contratação de pessoal, que não dependem exclusivamente da decisão da gestão da Ufal, mas da instância ministerial que coordena o quadro de pessoal do Estado brasileiro, e muitas vezes também está imbricado com a burocracia estatal, na criação de quadro qualificado, por exemplo, pode-se ter uma vaga x para determinado cargo superior, mas não ter a disponibilidade de transformá-lo em y. Recentemente, com o número de profissionais que se aposentaram e a ampliação dos campi da Ufal pelo interior do estado, há carência de assistentes 164 sociais no serviço de assistência aos estudantes e aos serviços de saúde do trabalhador. Há vagas para o cargo de técnico em Assuntos Educacionais, de nível superior, e a Ufal propôs ao MEC transformar uma vaga para nomeação de uma assistente social, mas a resposta foi um ‘não’, baseado em argumentos legais, burocráticos. Ao se fazer a crítica, sabe-se das dificuldades legais, burocráticas, políticas e culturais que permeiam as ações do Estado brasileiro, assim como as características do trabalho e do trabalhador na sustentabilidade dessa política de Estado. Quanto à atuação do profissional da saúde, este também sofre a falta de condições adequadas de trabalho, fato que lhe provoca angústia, tensões, por causa das restrições em sua prática de promoção à saúde. As condições precárias de trabalho causam estresse, descrédito, pois as intervenções, no momento, restringem-se à oralidade, ao detectar determinados espaços inadequados para o trabalho. Há morosidade em obter respostas da instituição, que venham a modificar o histórico detectado. Os servidores procuram saber como anda o seu processo, e¸desse modo o profissional acaba sofrendo pressões. Segundo o entrevistado, esse processo de respostas “é bastante truncado e é característico do serviço público que não possui agilidade no atendimento das demandas nem dos usuários dos serviços de saúde e nem dos profissionais” (Entrevista com Profissional da Saúde do Siass-Ufal). Os profissionais reconhecem que, apesar dos nós, desafios e limites, a decisão de implantar o Pass, pelo Estado brasileiro, é um ganho para a saúde do trabalhador e para a sociedade, mesmo com todos os entraves postos para a efetivação da política da saúde do servidor. Outro profissional da saúde declara: Diz que as condições são precárias, mas salienta que esse primeiro passo é muito válido, pois é melhor fazer algo do que não fazer nada. A praticidade do sistema que concederá dados sobre o servidor em qualquer estado que o mesmo venha a trabalhar. Porém, há muito que ser discutido e melhorado para que haja uma verdadeira atenção à saúde do servidor (Entrevista com Profissional da Saúde do Siass-Ufal). Mas também, para acontecer as ações de promoção à saúde, salienta um profissional de saúde da Siass-Ufal: Deve trazer um comprometimento por parte dos profissionais em executar suas funções com responsabilidade e pôr em prática o que manda o 165 decreto. A legislação deve ser seguida à risca, posto que é ela que rege as atribuições dos profissionais em saúde... Tudo isto não deixa de ser um grande desafio, tanto para profissionais em saúde, governo e o próprio Estado brasileiro (Entrevista com Profissional da Saúde do Siass-Ufal). Na visão desse profissional, fazer cumprir a lei, por parte dos profissionais de saúde, é praticar uma boa política de saúde, e que é grande o desafio de concretizála, tanto por parte dos profissionais, quanto do governo e do País. Mesmo na perspectiva de garantia de direitos a que se reporta o profissional, falta, nessa convocatória, a participação social dos servidores públicos, principalmente nas ações de promoção, vigilância e controle social. O Estado vem avançando com os instrumentos legais sobre a saúde do trabalhador via a Perícia Oficial de Saúde, um instrumento de controle do Estado sobre o servidor na captação dos interesses puramente econômicos do que investimento na qualidade de vida e nas condições de trabalho e saúde. 3.2.4. Atribuições da vigilância e promoção da Unidade Siass-Ufal Em concordância com a proposta nacional de saúde e sua implantação através do Siass, a unidade da Ufal prevê as ações na área de vigilância em conjunto com as de promoção, em sua organização estrutural, ou seja, uma vinculada à outra, embora tenham suas peculiaridades, conforme as atribuições abaixo descritas: 1) Traçar perfil epidemiológico e socioeconômico dos servidores da Ufal e dos órgãos cooperados; 2) Realizar exames periódicos considerando as atividades e os fatores de riscos a que os servidores estão expostos; 3) Elaborar laudos e pareceres sobre as condições de trabalho físicoambiental e organizacional; 4) Elaborar laudos com vistas a concessões de adicionais de insalubridade e periculosidade; 5) Sistematizar a notificação e o registro dos agravos, doenças e acidentes de trabalho. Os esforços teórico e técnico de criar uma Pass com a concepção de saúde do trabalhador que não seja fundamentada nos marcos da saúde ocupacional e da 166 medicina e segurança do trabalho tem sido uma constante dos planos, dos encontros, mas o que se percebe é a predominância da saúde ocupacional nas ações, atividades e propostas realizadas, o que endossa a quase total ausência nos processos de construção da política e da efetivação nas ações em saúde do trabalhador, a participação dos servidores com os seus conhecimentos, reivindicações e vivências nos ambientes do trabalho. Nas atribuições acima descritas, vê-se nitidamente as atribuições do médico do trabalho, engenheiro, técnico de segurança e dos enfermeiros, e uma atribuição específica do Serviço Social, quanto ao perfil socioeconômico. Falta firmar presença dos servidores públicos que poderão ser protagonistas da Pass, contribuindo com seus conhecimentos a respeito dos ambientes de trabalho, das condições e vulnerabilidades a que estão expostos na processualidade das atividades e efetivação da política de saúde, considerando os determinantes sociais que interfiram nos agravos à saúde do trabalhador. A sensibilização do movimento sindical, a organização e implantação das Comissões Institucionais do Servidor Público (Cissp) se faz urgente e fundamental para que aconteça uma Pass-Siass-Ufal com e para o servidor público nas ações de promoção, prevenção e vigilância coletivamente construídas, em que cada participante assuma suas responsabilidades: Estado, Unidade Siass, profissionais de saúde, servidores e gestores. Caso isso não aconteça, ter-se-ão planos perfeitos inócuos. A história sobre a trajetória das políticas sociais no País mostra que estas são resultado dos movimentos sociais e sindicais, que enfrentam as adversidades políticas, econômicas, e disputam com o Estado brasileiro seus espaços democráticos e a concretização de política que se, por um lado, atende aos interesses econômicos e da classe mandatária, por outro, garante a concessão de direitos sociais por meio de políticas sociais à classe que vive do trabalho e é servidora pública. Nas entrevistas, os representantes de sindicatos, servidores e profissionais de saúde confirmam a ausência da participação social dos servidores. Diz o profissional de saúde entrevistado, que o trabalhador público: Não se preocupa com a saúde, a preocupação central é o ganho. Os servidores exigem os laudos de insalubridade e periculosidade não como uma forma de prevenção a acidentes, pois não possuem essa consciência. O que existe de fato é a comercialização da saúde. Muitos servidores querem trabalhar em lugares insalubres visando ao adicional e sem levar 167 em consideração os riscos à sua própria saúde (Entrevista com Profissional da Saúde do Siass-Ufal).. Indagado sobre a posição do sindicato em relação à saúde do trabalhador, diz: “Nunca fui procurado pelo sindicato para falar sobre o assunto (saúde). A única coisa que o sindicato procura saber é sobre os laudos de periculosidade e insalubridade” (Profissional da Saúde SIASS/UFAL). Relata esse outro profissional de saúde, que sente falta de fiscalização das condições de trabalho e que a reclamação constante dos trabalhadores é em relação aos ganhos adicionais: As maiores reclamações dos servidores são ainda em relação ao ganho, no que tange aos adicionais de insalubridade, das condições de trabalho e que o sindicato nunca procura os serviços de saúde do trabalhador a fim de conhecer a situação (Entrevista com Profissional da Saúde do Siass-Ufal). Quem fiscaliza o Estado em relação às condições e aos ambientes de trabalhos realizados no seu espaço? Segundo a Coordenação de Seguridade Social do Ministério do Planejamento, que coordena as ações do Siass em nível nacional, esse é um dos “nós” e um dos motivos da existência de uma política e de um sistema específico para o servidor público federal, uma vez que as delegacias regionais do trabalho, órgão fiscalizador dos ambientes e condições de trabalho da empresa privada, não deveriam também fiscalizar os ambientes de trabalho no Estado. Existem algumas dificuldades práticas realmente. Por exemplo, quem tem poder de intervir nos ambientes de trabalho no serviço público? A rede, em geral, de saúde do trabalhador, fica sem uma perna até ser identificado um problema em determinado órgão público que geraria, por exemplo, uma interdição ou mesmo o fechamento de determinado serviço, mas aí tem as questões de competências legais. E quem são os responsáveis em relação a isso? Eu acho que isso dificulta um pouco esse atendimento do servidor pela rede geral de saúde do trabalhador (Entrevista da coordenação Cogss realizada em 2009). Reconhece-se que há a necessidade de instrumentos legais que respondam às especificidades do regime jurídico do servidor na garantia de direitos sociais e que deem cobertura às relacionadas condições de saúde do trabalhador. Por exemplo, não há nenhuma garantia de direitos, de indenizações, de cobertura de seguro, em caso de invalidez parcial ou total do servidor. Caso seja acometido de alguma doença, só lhe resta uma aposentadoria, se for o caso, conforme a legislação em vigor e nenhum outro tipo de assistência. 168 Se ainda não há respostas legais para todas as questões, politicamente poderão ser construídas, com a participação dos servidores e da mobilização sindical, que, apesar do momento de retração por que passam os sindicatos em geral e dos servidores públicos, têm, ao longo de sua história, relevantes conquistas para os trabalhadores e a sociedade brasileira em geral. Observam-se, em diversos depoimentos aqui relatados, que a participação tem sido tímida, pelo menos a identificada na parceria da implantação da Pass segundo os gestores/governo; na maioria dos depoimentos dos profissionais de saúde e de alguns sindicatos, ela não vem acontecendo na prática. Mas vale resgatar a presença do Sintufal na conquista e nas lutas por melhores condições de trabalho, principalmente salariais, para o conjunto dos trabalhadores da Ufal, técnicos administrativos, e da Adufal, com os docentes, pela qualidade e gratuidade da educação e saúde pública para sociedade alagoana. 3.3. O Sintufal na conquista de Educação, Saúde e Salários em Alagoas Parte-se do princípio de que quase todas as conquistas na carreira dos técnicos administrativos e docentes, e de políticas sociais, por meio de benefícios como auxílio-alimentação, auxílio-transporte, plano de saúde, resultam de lutas dos sindicatos dos trabalhadores públicos, com o movimento estudantil e o sindicato dos docentes, a Adufal. Vejamos alguns momentos da construção dessa trajetória em Alagoas. Como apresentado, a Ufal nasceu em plena ditadura militar e a origem do Sintufal está relacionada à Associação dos Servidores da UFAL (Assufal), criada em 10 de março de 1972, com caráter assistencialista até o início dos anos 1980, época de ouro dos movimentos sociais. Entre os anos de 1984 e 1987, com a participação nas greves desse período, surgem a crítica ao assistencialismo praticado pela Assufal e um despertar político dos servidores da Ufal que concorreram às eleições da associação, dando-lhe um caráter mais político no processo para a formação sindical. Em 21 de agosto de 1990, nasce o Sindicato dos Trabalhadores de Educação Superior de Alagoas (Sinteseal), que, sob orientação da Federação dos Sindicatos das Universidades Públicas Brasileiras (Fasubra), elege uma diretoria com mandato 169 de oito meses, para organizar os trabalhadores do ensino superior do estado, o que não acontece, ficando sua atuação restrita aos técnicos da Ufal, e por isso passando a denominar-se Sintufal. Alguns docentes da Ufal participam do Sintufal e do sindicato exclusivo dos docentes, Adufal. O Sintufal escolhe seus diretores, atualmente, pela eleição bienal; tem uma coordenação-geral, composta por três sindicalistas eleitos, sendo um deles o coordenador-geral, e no total possui 19 coordenações. Participa das lutas pela democracia do Estado brasileiro desde os movimentos pelas diretas, com passeatas e marchas, enviando representantes para Brasília. Em articulação com os movimentos sociais, a luta política do sindicato não fica restrita aos muros da Ufal, ao contrário, nas décadas de 1980/1990, na efervescência dos movimentos sociais, teve participação expressiva dos servidores da Ufal via sindicato. A Ufal reconhece o papel político e de interlocutor dos interesses dos servidores pelo Sintufal e Adufal, assim como da defesa do ensino público. Ambos têm assentos no Conselho Superior da Universidade (Consuni), opinando, deliberando, com vez e voto, assim como o movimento estudantil organizado, o Diretório Central de Estudantes (DCE). Apesar dos desmontes dos movimentos sociais em geral e dos sindicatos, patrocinados pelas políticas neoliberais, na tentativa de banir da cena política os trabalhadores, os sindicatos dos servidores resistem nas lutas e mobilizações pela não privatização da saúde, educação, etc. Reconhece-se, atualmente, a despolitização dos sindicatos e sindicalistas e as reivindicações por políticas focais e imediatistas, principais motivações para adesão ao movimento. O desmonte vem de décadas, desde o governo FHC, que vem num processo de desmobilização, principalmente com as pessoas mais esclarecidas, as pessoas não se comprometem com as mobilizações, com as greves, por exemplo, mesmo com as chamadas e incentivos... (Entrevista com Representante Sindical) Na fala do representante do sindicato, o descompromisso político da categoria vem no processo de falência de décadas e passa por todos os servidores, conscientes ou não conscientes do seu papel político e social de participação na luta sindical, por uma educação e ambiente de trabalho de qualidade, etc. Em sua fala, o sindicalista entrevistado traça um perfil dos seus pares que estão assumindo a direção/coordenação do sindicato. 170 Em sua maioria, não tem estrutura familiar, tem um nível de escolaridade baixo, participa só para elevar a autoestima e não tem consciência política... São despolitizados, sem noção de participação, só participam pelos seus interesses pessoais, status, está em busca de reconhecimento. Geralmente, as coordenações são formadas sem nenhum tipo de preparação, organização, e sempre estão envolvidos com questões pessoais. (Entrevista com Representante Sindical) A capacitação dos participantes do movimento sindical, do controle social e outras esferas democráticas, é uma necessidade constante e deve fazer parte de uma política de ação de instituições sindicais e dos espaços de participação, para que contribuam efetiva e politicamente com os objetivos e a defesa dos interesses coletivos, acima dos interesses individuais, corporativistas. Nesse sentido, Correia (2005, p. 96), defende que as capacitações devem ter metodologia participativa, para permitir que conselheiros e sindicalistas sejam sujeitos desse processo, inclusive apontando temas e conteúdos a serem desenvolvidos. Essa metodologia tem como ponto de partida o conhecimento, as dúvidas e os questionamentos dos participantes conselheiros e sindicalistas16, exteriorizados com a utilização de dinâmica de grupos. A capacitação constitui-se em momento de informação e formação, onde educadores e educandos trocam conhecimentos e experiências (CORREIA, 2005, p. 96). Entende-se que a escolaridade mínima exigida no serviço público, atualmente o ensino médio, não pode ser motivo da falta de análise política do servidor, mas, sim, a falta de capacitação para a participação social. Entretanto, a história mais recente do País mostra a presença de um metalúrgico na Presidência, um intelectual orgânico da classe trabalhadora no poder. A capacitação, enquanto processo contínuo, deve compor a política sindical, e ser patrocinada pelo próprio sindicato, a federação, as centrais sindicais, enfim, os movimentos sociais. Não implica dizer que a instituição não possa colaborar nos seus programas de capacitação, pois cabe-lhe o desenvolvimento do pessoal na integralidade. O sindicato, em sua trajetória, participou da luta salarial de todos os governos pós-militares: Sarney, Collor, FHC, Lula e Dilma. Teve perdas e ganhos. Infelizmente, o calendário de greve tornou-se anual e apesar de ser avaliado pelos 16 Grifo nosso. Considerando que a metodologia participativa evocada por Correia aplica-se a todo processo educativo com os movimentos populares e sociais; e sindicais. 171 movimentos sociais como instrumento “de desgaste”, com pouca adesão, ainda não se tem outro que continue a dar resultados e visibilidade à luta dos trabalhadores. A participação na construção e controle da política de atenção à saúde do servidor ainda não consta da agenda prioritária do Sintufal, como já constatado, mas vem participando da luta pela não privatização dos serviços públicos, particularmente dos Hospitais Universitários (em Alagoas, o movimento tem como uma das suas lideranças a professora Valéria Correia, do Departamento do Serviço Social). Para isso, o sindicato sedia os encontros, reuniões e organiza manifestações pela não implantação da gestão do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (Hupaa) via as organizações sociais. Em entrevista ao Sintufal, na comemoração dos 20 anos de luta e existência do sindicato, Correia diz que a lógica que permeia uma OS não é a lógica do atendimento das necessidades da saúde da população, ou seja, há outros interesses e lógicas, que são a mercantilização e a privatização das políticas públicas de saúde, o SUS. Questiona Correia (2011): Qual seria o interesse de um grupo privado em assumir a gestão de um serviço público que não seja o interesse econômico? Qual a lógica que rege o setor privado que não seja a lógica do mercado e a busca do lucro? Está posto o processo de privatização (Entrevista à revista Espaço Sindical, 2011, p. 9). O processo de privatização vem ocorrendo por meio de Organizações Sociais (OSs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), propostas pelo governo FHC, bem como pelas Fundações Estatais de Direito Privado, instituídas no final do mandato do governo Lula. A presença de OS só fortalece o mercado do setor privado da saúde, em detrimento dos direitos sociais da população e dos trabalhadores públicos. Todas têm os mesmos objetivos e lógica de mercado, mas as diferenças estão nos seguintes aspectos: As OSs são contratos de gestão como uma entidade privada “sem fins lucrativos” o que já é uma incoerência, por que não existem entidades privadas sem fins lucrativos. AS Oscips são termos de parceria. Nesse caso a entidade é chamada para ser parceira, enquanto nas OSs há uma entrega total da gestão. As Fundações Estatais por sua vez, também são contratos de gestão, mas com algumas diferenças. No caso das fundações, há concurso público e nas OSs não, se bem que a forma de contratação é CLT, o que quebra a estabilidade do trabalhador público e tira direitos. Nas fundações, também há licitação, diferentemente das OSs. (Ibid., 2011, p. 10) 172 Hoje, essa é uma das demandas prioritárias do Sintufal, visto que os servidores estão vivendo momentos de incertezas e medos quanto à modalidade de gestão que será ou não implantada no HU. Essa será uma decisão da instância superior da UFAL, através do Consuni, com a participação de gestores, assessores, técnicos, docentes, estudantes e suas entidades representativas: Sintufal, Adufal, DCE. Enquanto espaço público democrático, as reuniões são abertas à participação da sociedade civil na totalidade. Conforme o exposto pela entrevistada, essas formas de gestões atingem principalmente a extinção de cargos/vagas do serviço público federal, para os HUs, o que representa atualmente quase a metade do quadro de pessoal da Ufal. Conforme análise, há a possibilidade da criação de uma política clientelista de contratação. Aliás, desde que foi ventilada a gestão via OSs que o Departamento de Recursos Humanos recebe inúmeros currículos. Com a redução e extinção dos cargos/vagas públicas, tem-se também a quebra dos direitos sociais dos trabalhadores públicos, como a estabilidade, o plano de carreira como incentivo à qualificação e capacitação, entre outros direitos sociais. Outra questão que é séria e presente no serviço público, diz respeito à licitação. Segundo os defensores das OSs, o instrumento agiliza a compra de materiais, já que a gestão privada tem a liberdade de comprar o que quiser e de quem quiser. Se, com o processo licitatório, conforme denúncias da mídia, existem irregularidades e esquemas de corrupção de empresas privadas para venda de produtos para os hospitais públicos, o que aconteceu nos hospitais do Rio de Janeiro, 2012 divulgado pela mídia, não é prerrogativa apenas local, mas de quase todo o sistema público. A falta de licitação também fere um dos princípios do direito administrativo público. As OSs, instituídas por lei, no governo FHC, para instrumentalizar o projeto de reforma do Estado, têm como meta principal desresponsabilizar o Estado da execução das políticas sociais, repassando para a empresa privada os recursos e a gestão dos serviços de saúde, entre outros. Essa é uma forma de fortalecer o projeto neoliberal, com incentivos ao capital no setor privado, contrapondo-se ao projeto de reforma do setor público, num alargamento de direitos sociais e trabalhistas. 173 Em Portugal, onde esta pesquisadora realizou estágio de doutorado, por meio de visitas e entrevistas feitas nos setores de saúde ocupacional e Serviço Social na saúde, o modelo utilizado assemelha-se à realidade atual no Brasil, com as modalidades das OSs nas administrações públicas. Naquele país, optou-se pelas Empresas Privadas de Interesses Públicos (EPIs), com objetivo semelhante ao brasileiro, ou seja, reformar para agilizar e melhorar o serviço público, tornando-o mais eficiente e competitivo na comunidade europeia. O que se nota, segundo depoimentos dos trabalhadores públicos, é a instalação do processo de extinção do servidor público: Metade dos servidores do setor hospitalar é regido pelas EPIs, com contratos determinados, seleção simplificada e os profissionais da função pública estão sendo nivelados por baixo, ou seja, com perdas de salários e direitos que se equiparam aos da EPIs (Entrevista com Profissional da Saúde, em Portugal, 2011). Segundo outro profissional, as reformas implementadas naquele país, em nome da agilidade e superação da burocracia, não aconteceram: “A modalidade de administração das EPIs não mudou quase nada, não há agilidade, não resolveram o problema, ao contrário as condições de contratos dos novos trabalhadores...” (Entrevista com Profissional de Saúde em Portugal, 2011). Voltando ao Brasil, a título de ilustração da possível implantação de OS, seja qual for a modalidade, por ter a mesma lógica privatista e de lucros da saúde. Hoje, o Hupaa tem parte de seu pessoal terceirizado e contratado por uma fundação e o que se observa é uma relação clientelista de favor, estabelecida entre servidores e a administração hospitalar, o que prejudica a autonomia política dos servidores na participação sindical em defesa da saúde pública, e na escolha dos diretores do referido hospital, pela venda da consciência e votos dos que são contemplados por essa relação. O ambiente de trabalho não era democrático antes, hoje, melhorou um pouco. A direção do hospital tende a render as malhas do governo federal, colocando-o como aliado e escondendo as falhas de sua administração. O que deveria se tornar público, com o intuito de que fosse melhorado, é escamoteado por aqueles que deveriam defendê-lo, mas não o fazem por conta da política de coleguismo e clientelismo que tanto desfavorece o andamento e as atividades dos serviços públicos (Entrevista com Representante Sindical). 174 A cooptação de servidores por parte dos que detêm o poder de conseguir a contratação via fundação, terceirização, etc., já é realizada, embora não se configure a extinção do quadro de servidor público. Após as OSs, assim como em Portugal, tende-se para a extinção de boa parte dessa categoria. Conforme a política neoliberal de minimizar o Estado, privatizando as políticas sociais, a gestão realizada pelas OSs atinge quase todas as atividades do executivo da área social: educação, saúde, assistência social, previdência, desporte, cultura, ciência, tecnologia, agropecuária, e outras áreas. A lei federal das OSs, segundo Correia (2011, p. 20), diz que “o órgão público será extinto e no lugar dele nascerá uma organização privada”. Esse é o questionamento dos servidores públicos que fizeram concurso e, consequentemente, trabalham em um espaço público. Essa incerteza institucional sobre as relações sociais e de trabalho estabelecida com uma instituição privada como os afetará? No ritmo de trabalho, aumento da produtividade, em mais rigor e controle administrativo e autoritarismo? Sem falar nas perdas de direitos sociais. A participação do Sintufal no movimento contra as OSs, relaciona-se com temas que dizem respeito à saúde do trabalhador, ou seja, o processo saúdedoença está diretamente imbricado no modo de produção e nas relações sociais de trabalho estabelecidas. A vulnerabilidade das relações também gera sofrimento, angústia, incertezas nos trabalhadores e na própria instituição, que culmina numa atmosfera não salutar para todos os que atuam no hospital. Registra-se a participação do sindicato em toda sua luta por melhores salários, abertura dos espaços democráticos, na participação por uma universidade ampliada e pública, por um hospital público gratuito mais humanizado e que melhor atenda à população. Mas a luta pela não implantação do modelo de gestão está apenas começando. Com a assinatura, no governo Lula (dando sequência à reforma do Estado prevista por FHC), do programa de Reestruturação dos Hospitais Universitários (Rehuf), para o qual o Banco Mundial anunciou investimento no valor de R$ 320 milhões, inicialmente, uma vez que, em troca, os hospitais terão que cumprir metas estabelecidas pelo programa, e uma delas refere-se ao modelo de gestão dos HUs. Na Ufal, a aprovação da entrada do HU no Rehuf deu-se em maio de 2010, em reunião do Consuni. Vejamos o que diz um servidor sobre o Rehuf: 175 O Rehuf pode significar uma porta de entrada para as Fundações Estatais de Direito Privado... Podemos, sim, falar na extinção dos serviços públicos no País, em longo prazo. A população poderá, sim, começar a pagar por um atendimento no SUS (Entrevista com Representante Sindical) Concorda-se com o entrevistado pois, conforme vivenciado em Portugal com as EPIs, nos serviços públicos, esses não são sinônimos de política pública gratuita de saúde, ao contrário, a população portuguesa, para ter acesso aos serviços de saúde, educação, entre outros, pagam taxas definidas e ajustadas pelo governo daquele país. Por fim, cabe aos segmentos de docentes, estudantis, técnicos, sindicais e movimentos sociais, que fazem os serviços públicos de saúde, educação, participar e ampliar o debate fora dos muros da Ufal, mobilizando todos os canais democráticos, ministérios públicos, conselhos, para contenção desse projeto que põe em risco os direitos sociais garantidos na CF de 88 e nem todos concretizados, e que vai na contrarreforma dos trabalhadores, em detrimento dos interesses dos organismos financeiros, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Em particular, no que concerne à efetivação da Pass-Siass-Ufal, a ausência do Sintufal, Adufal e dos servidores em geral, é a grande força motriz que está faltando para alavancar e tirar do papel a política de saúde do trabalhador, efetivando-a conforme a necessidade dos servidores da universidade em Alagoas. Reafirma-se que saúde do trabalhador se faz com a participação do trabalhador. 3.4. Gestão da Unidade do Siass-Ufal em Alagoas A gestão da unidade Siass-Ufal está subordinada à área de recursos humanos, o que pode contribuir para a ampliação das ações de saúde no contexto integral de desenvolvimento humano. Conforme mostram as experiências do IBGE e da UFRJ citadas nos estudos de Andrade. A gestão da unidade na Siass-Ufal é composta pelo pró-reitor de pessoas, pelo gestor de unidade e pelos responsáveis pelos serviços de pericia e medicina do trabalho. Oficialmente, essas funções de chefias não são remuneradas, exceto os dois primeiros cargos, que extrapolam as atividades da unidade; atualmente o gestor 176 de unidade responde pela Coordenação do Programa Qualidade de Vida e do Trabalho (CQVT), que está sendo extinta com a implantação da Siass-Ufal. Por questões burocráticas e decisão do MPOG/Cogss, o acordo de cooperação para legalizar a unidade Siass-Ufal não foi sancionado ainda, o que comprova a morosidade do governo em efetivar a criação das unidades. Isso poderá implicar assumir compromissos e encargos financeiros/orçamentais para desenvolver as ações da Pass. Em geral, quase todas as unidades precisam ser construídas, pois, em Alagoas, funcionam precariamente em um espaço do HU, como indicam as falas dos profissionais de saúde e dos gestores dos serviços. A construção dessas unidades é uma das prioridades para melhorar o funcionamento da Siass-Ufal, assim como a realização de concurso público para complementar a equipe. As perícias oficiais, para o MPOG/Cogss, são prioridades para os gestores, por isso foi criado um sistema de informação Siape-Net-Saúde e mantido em nível nacional, pelo Ministério. As unidades locais apenas operacionalizam tendo acesso às áreas permitidas pelo sistema, para o que cada profissional cadastrado tem uma senha. A gestão ainda reconhece que, apesar dos esforços do governo em criar espaços para a participação do servidor na construção coletiva da Pass-Siass, esses foram insuficientes, talvez pela necessidade de o governo agilizar e implementar essas políticas, faltando assim uma participação do servidor nessa etapa, mas uma política de saúde voltada para o trabalhador público é um fato inédito. A implementação dessa política só será possível a partir dos esforços de todos. 3.5. A Participação do Serviço Social na Equipe de Saúde do Servidor do Siass-Ufal Analisando a implantação de Política de Atenção à Saúde do Servidor na unidade de referência Siass-Ufal, é possível conhecer a atuação do assistente social, enquanto parte da equipe profissional interdisciplinar que compõe a saúde do servidor público. Além das atribuições multiprofissionais, há as específicas, conforme 177 as elencadas a seguir, e fazem parte do plano Siass-Ufal. Ao assistente social que atua na Perícia Oficial de Saúde, compete: Emitir parecer social visando à análise dos aspectos sociais que interfiram na situação de saúde do servidor e/ou de pessoa da família, considerando a autonomia profissional na definição de instrumentos técnicos, como visitas e entrevistas; Conhecer os indicadores socioprofissional, econômico e cultural, dentre outros, dos servidores em tratamento de saúde, utilizando instrumentos técnicos, como entrevistas, visitas e pesquisas sociais; Proceder à avaliação social para subsidiar o estudo de caso em análise; Realizar atendimento ao servidor e sua família, por meio de orientação social, nas questões relacionadas à saúde, visando à inserção deles em ações e programas desenvolvidos pela instituição assim como encaminhamentos aos recursos sociais disponíveis na comunidade; Realizar orientação sobre os direitos sociais do servidor; Proceder à avaliação social para subsidiar a decisão pericial, sobre a presença indispensável do servidor em caso de licença para tratamento de pessoas da família; Outras competências que lhe forem delegadas, no seu âmbito de atuação. Não se trata apenas de transcrever as atribuições do assistente social propostas na Siass-Ufal, mas analisá-las à luz teórica de Bravo, Correia, entre outros autores, que estudam a atuação do assistente social na saúde, possibilitando melhor compreensão e intervenção do assistente social na saúde do trabalhador, trazendo os processos e as condições sociais, econômicas do trabalho enquanto determinantes sociais que interferem na saúde e qualidade de vida do trabalhador, na perspectiva da garantia dos direitos sociais e da participação social do servidor em todo o processo de construção e implementação da Pass-Siass. Destacam-se os três eixos temáticos que permeiam a intervenção do assistente social na saúde do servidor: Ação multiprofissional/interdisciplinar, o controle social; e a efetivação dos direitos sociais na concessão de assistência social e garantia de direitos ao afastamento e tratamento de saúde. Ao analisar esses eixos, são trazidas situações sobre o cotidiano do Serviço Social. 178 Outro aspecto da intervenção do Serviço Social na saúde é a fragmentação de sua intervenção, assim como as políticas sociais, acaba por reproduzi-las na prática: O Serviço Social, uma prática marcada pelo signo da fragmentação, que, com frequência, não parte de uma totalidade prévia, nem aspira à superação em termos de multiplicidade, o que a torna uma prática esvaziada de determinações reflexivas, marcada por um certo morrismo ritualístico (MARTINELLI, 1995, p. 140). O assistente social em sua prática, assim como os demais profissionais vistos como executores de políticas e ações nos cuidados de saúde, enfermeiros, fisioterapeutas, etc., têm no seu cotidiano múltiplas tarefas que o sobrecarregam, faltando-lhe tempo para uma prática reflexiva durante as horas trabalhadas. Para que desenvolva uma prática técnica e teoricamente na totalidade, faz-se necessário melhor definir seu tempo de trabalho, nele incluir a prática intelectual mediante estudos e reflexões como prática do cotidiano, mas esbarra na falta de tempo, na correria da sociedade contemporânea e tecnológica, na qual não se tem mais tempo, mas tem-se que reinventá-lo. Na prática profissional cotidiana é muito frequente observarmos um certo traço de comportamento que se expressa pelo fato de o profissional mostrar-se extremamente ocupado, atarefado, meramente reproduzindo, o já produzido. É sem dúvida um comportamento reprodutivo que inibe a criação, comportamento regido pela norma (MARTINELLI, 1995, p. 160). A ocupação do assistente social com normas, rotinas, solicita ações criativas e perspectivas de mudança na realidade em que está inserido, e que requer respostas ágeis e efetivas, mas que, para ser criativo, necessita de tempo para si, para estudar, para recriar. O homem não mais ocupa o tempo, está sempre por ele ocupado, razão pela qual é um homem pré-ocupado. É tão preocupado que perde a sua própria capacidade criadora, transformando o ócio em culpa. Então, quando não se está fazendo nada, sobrevém a culpa (...). Para tanto, é muito importante se permitir viver esse momento do nada, esse momento do ócio, da recriação (MARTINELLI, 1995, p. 162). Como está se tratando de políticas de atenção à saúde do servidor público, é preciso reconhecer que são trabalhadores, subjugados às condições de trabalho, aos ritmos e cargas, assim, sofrem pressões inerentes aos processos de trabalho e as consequências na saúde e na qualidade de vida. Os profissionais de saúde, ao 179 serem submetidos a precárias condições de trabalho, a sentem repercutir na qualidade dos serviços prestados à população e na sua própria saúde. A formação e qualificação dos profissionais de Serviço Social vêm se alterando e ampliando-se na pós-graduação no País. Na Ufal, quase todos os assistentes sociais são especialistas, mestres e doutorandos. O plano de carreiras tem incentivado e investe na carreira dos técnicos, trazendo melhoria salarial. As condições de trabalho são semelhantes à dos demais setores, em que faltam espaço físico, material, equipamentos, etc. Nas análises de Bravo (2007, p. 96), o processo de modernização conservadora implantado naquela conjuntura engendrou um mercado nacional de trabalho para os assistentes sociais, com a reestruturação do Estado, nacionalizado para gerenciar o desenvolvimento em proveito dos monopólios, com a elaboração de políticas setoriais. Essas políticas setoriais, no interior do Estado, nas instituições públicas iniciaram-se com o sistema previdenciário, que exigiu um profissional diferenciado e especializado para atuar na gestão social. Essa reformulação propiciou a extensão quantitativa de demanda dos quadros técnicos do Serviço Social e um novo padrão de exigências para o seu desempenho, compatível com a burocracia das estruturas organizacionais mais complexas e com interconexões múltiplas. Um segundo nível de interferência da autocracia burguesa no Serviço Social refere-se à produção desse profissional que Netto (1991) denomina de “moderno”, rompendo com as escolas confessionais de Serviço Social e incorporado pelas universidades e na expansão de cursos. Essa expansão exigiu o recrutamento de novo pessoal docente, jovens intelectuais, que puderam acumular forças e engendrar uma massa crítica antes inexistente. O Serviço Social na saúde, recebendo as influências de modernização, no dizer de Bravo (2007, p. 105), que se operou no âmbito das políticas sociais, vai sedimentar sua ação na prática curativa, primordialmente na assistência médica previdenciária. O sentido da prática ganhou terminologia nova e ênfase nas técnicas de intervenção, a burocratização das atividades, a psicologização das relações sociais, a concessão de benefícios concebidos como doação e não como direito, conforme o modelo autoritário burocrático vigente à época. 180 As ações educativas de Serviço Social realizavam-se por meio das funções terapêuticas, preventivas e promocionais, que visavam ao controle do trabalhador, responsabilizando-o pela melhoria e restauração de sua saúde, reduzindo a ação a modelos e técnicas pedagógicas desarticuladas dos determinantes da questão social, resultante das relações sociais do trabalho. As vertentes da reatualização do conservadorismo e a intenção de ruptura com a prática tradicional, vão refletir no Serviço Social e nas forças que começam a tencionar e dinamizar a sociedade brasileira na conjuntura, culminando na realização de vários eventos científicos, políticos e sociais significativos para o debate e o amadurecimento técnico e científico profissional. Na análise histórica do Serviço Social na saúde, pontuam-se algumas definições, ações do assistente social, para verificar sua processualidade e compará-las às atuais, em estudos. Em 1975, os profissionais de Serviço Social das unidades de saúde comunitária, médicos assistenciais do INPS, aparecem como subsidiários, assim como outros serviços participantes, em que a função definida foi: identificar os fatores psicossociais que interferem no aproveitamento integral do tratamento ou desencadeiam situações-problema e estabelecer canais de comunicação com a comunidade: A saúde comunitária, segundo Bravo (2007, p. 113), poderia ser mais enfatizada e aberta à participação popular na gestão das instituições públicas. Apenas um reduzido número de assistentes sociais demonstrou interesse por esse espaço. Com esse fato, de acordo com Bravo (2007), é possível constatar que a ação do Serviço Social na saúde continua sendo uma atuação psicossocial relacionada a pacientes e familiares, de acordo com suas raízes históricas. O documento que redefine a ação profissional, à época, no INPS, dá ênfase aos aspectos curativos. O paciente continua sendo o responsável pela situação de doença, cujo conceito de saúde que norteia a proposta é o da OMS (1948), pautando-se no bem-estar físico, mental e social, baseada na perspectiva sistêmica. Bravo (2007) mostra que os profissionais identificados com a vertente de intenção de ruptura, não conseguiram definir um novo padrão de intervenção profissional com estratégias teóricas político-ideológicas que colocassem o Serviço Social em outro patamar, deslocando-o da execução terminal das políticas de saúde. 181 O que sustenta essa afirmação de Bravo é o não engajamento dos assistentes sociais no movimento sanitário e alguns que participaram e se especializaram em saúde pública, tornando-se sanitaristas. O assistente social, na reelaboração do setor da saúde, ficou marginalizado, não participando nem sendo solicitado para contribuir nas alterações ocorridas no aparelho do Estado. Como condicionantes dessa omissão, cabe ressaltar a necessidade dos adeptos da vertente “intenção de ruptura” de fazer um redimensionamento teóricometodológico, numa profissão desprovida, naquele momento, de domínio de elaboração e investigação, precisando se construir sobre bases quase que inteiramente novas, o que redundou na sua veiculação na universidade. Outro aspecto refere-se à subalternidade do assistente social na área da saúde, cujo principal protagonista é o médico, as demais profissões consideradas, durante muito tempo, como “paramédicos”, situação decorrente da divisão social do trabalho numa sociedade capitalista. Essa subalternidade do assistente social, assim como dos profissionais de enfermagem, etc., está relacionada também à condição feminina do profissional na divisão por gênero do trabalho. Alguns assistentes sociais da área da saúde, no período de 1980, começaram a sensibilizar-se com a saúde coletiva, visualizando a importância de atuar em centros de saúde, ambulatórios, ampliando o espaço de intervenção coletiva, enfocando os determinantes sociais da questão. Até então, os espaços predominantes eram os hospitais e a abordagem se restringia aos “pacientes” e familiares numa situação vivenciada, o problema. Nessa abordagem, o Serviço Social na saúde fundamentava-se na fenomenologia, sendo ressaltadas as relações dialógicas profissional-cliente, na explicação dos fenômenos do campo da saúde. A dimensão dessa vertente do Serviço Social na área da saúde pode ser explicada pela influência da psicologia, fundamentada na ajuda psicossocial e no modelo clínico. Observa Bravo (2007) que alguns avanços acontecerem com o Serviço Social na saúde, decorrentes da mobilização da sociedade e seu rebatimento na categoria e para sua prática, embora tenham sido reduzidos, não acompanhando o movimento desenvolvidos pelos sanitaristas, que traçaram estratégias de alteração das políticas sociais via penetração no aparelho do Estado, o que vai efetivar-se com maior organicidade na transição para a democracia. 182 Quanto à participação do Serviço Social na transição para a democracia, a autora ressalta a mobilização da categoria, articulando-se com as entidades de classe para reforçar sua prática, o que se comprava mediante os trabalhos apresentados nos Congressos de Assistentes Sociais, na Abrasco, etc., sobre a saúde, aprofundando conceitos como assistência, cidadania, políticas públicas. Entretanto, os profissionais não ocuparam postos significativos no aparelho do Estado em nenhuma das instâncias de governo. Segundo análise de Bravo (2007), isso se deve à ausência de uma proposta consistente e de tática política para a modificação das políticas sociais. A política de saúde na transição democrática, ainda destaca a autora, tem três aspectos centrais: a politização da saúde, a alteração da norma constitucional e a mudança do arcabouço e das práticas institucionais. A contribuição do Serviço Social, embora pequena, deu-se na politização da saúde nos seus fóruns de discussão e nos trabalhos efetuados nas instituições e em movimentos sociais. Em relação à norma constitucional, refere-se ao julgamento das entidades e dos profissionais de Serviço Social, embora tenha sido reduzido. No terceiro elemento, as mudanças do arcabouço e das práticas institucionais, no que se refere a modificações nas qualidades dos serviços e melhor atendimento aos usuários, a participação dos assistentes sociais também foi modesta, apesar de ser um espaço onde os profissionais têm atuado nos terminais das políticas. Consta também, no período, a demanda de assistentes sociais para curso de saúde pública, o que teria revertido para melhoria da ação profissional, apesar da negação da identidade profissional, exercendo outras atividades que o identificavam como sanitarista. Nesse sentido, Martinelli (1995), em seus estudos em relação à identidade e debate sobre a interdisciplinaridade, diz que: (...) os seres são inevitavelmente marcados por dualidade interna, neles encontrando-se tanto a semente do novo quanto a presença do velho. Da mesma forma, neles encontra-se também tanto a identidade como a alteridade, uma vez que cada ser determina na relação com o outro e se determina também na relação consigo mesmo (p. 141). 183 Essa “crise” de identidade por que passaram alguns assistentes sociais, durante a reforma sanitária, pode ter ocorrido na tentativa de serem aceitos pelo outro (profissionais de saúde) em condições de igualdade, superando o traço de subalternidade da profissão, pois, ao incluir o conhecimento especializado da saúde pública, passa a negar e a não agregar os conhecimentos do Serviço Social, gerando uma relação com o outro de alteridade. Outros aspetos podem ser as vantagens financeiras, de relações de trabalho e status, que tem os profissionais de saúde, principalmente o médico, o médico sanitarista e os demais especialistas. Os assistentes sociais, ao exercerem a função de sanitaristas, assumiram postos de destaque, pelo menos em Alagoas, como a superintendência de órgãos da saúde, coordenação de saúde e chefias. Em Martinelli (1995), encontra-se a relação uno múltiplo da identidade, quando a autora diz que: Hegel introduz novos patamares para o estudo que permitem liberá-lo dos reducionismos lógicos (...). É como categoria política, sócio-histórica, que pulsa com o tempo e o movimento, que vamos encontrar a identidade dos novos marcos de referência da dialética, onde a importância da categoria, em relação às praticas sociais, reside no fato de expressar a sua forma de ser e de aparecer, instituindo-se, portanto, como elemento definidor de sua participação na divisão social do trabalho e na totalidade do processo social (p. 145). A categoria política é que produz espaço de negociação e de introdução dos novos atores sociais, que poderão contribuir para a ampliação dos saberes em torno das práticas sociais postas para as diversas profissões. Nenhuma profissão abrange toda a área do conhecimento e ação social. A construção de identidade na equipe interdisciplinar só se dará diante do respeito às diferenças e competência técnica e política para que, na divisão social do trabalho, se estabeleçam relações determinadas com o outro e consigo mesmo sempre em condições de igualdade, em constante alteração de posições, conflitos de ideias, mas aberto a negociação em prol do que se quer atingir: a totalidade do processo social. Assim, falar de identidade não significa unicidade das ideias, saberes e práticas de forma harmoniosa, como se todos pensassem e agissem de forma semelhante. Martinelli (1995, p. 145), afirma que: identidade hoje pressupõe a superação da nostalgia do idêntico, a ruptura com o princípio da permanência que nossas instituições, em muitos momentos, transmutaram-se em um verdadeiro 184 princípio de inércia, produzindo práticas sociais orientadas por um ritualismo mimético, e eternas reprodutoras do já produzido. A natureza de identidade, numa perspectiva crítica, está em constante movimento do real, acompanha as mudanças operadas nas instituições, na conjuntura social e que altera a realidade social. O profissional consciente rompe com a mesmice do cotidiano na reprodução de normas e rotinas, perpetuando práticas e ações subalternas em relação ao outro. A identidade, numa prática multiprofissional, interdisciplinar, requer enfrentamento da inércia que paralisa ações institucionais, que, em nome do poder burocrático, dificulta as relações democráticas, e a ampliação de ações sociais coletivamente construídas em novo olhar para o real, crítico: É com o movimento do real que temos de aprender a dialogar, é em direção a ele que precisamos lançar o nosso olhar, aguçar a nossa razão, estimular a nossa consciência crítica, de forma a poder desvendá-lo, buscando as raízes da possibilidade da construção de práticas múltiplas, plurais, capazes de contribuírem efetivamente para produção do novo (MARTINELLI, 1995, p. 145). Dialogar com o diferente múltiplo, requer competências técnica, teórica e necessita despir-se de vaidades e posições rígidas para entrar na seara do embate de ideias e propostas unilaterais, a fim de construí-las na multiplicidade dos olhares e do pluralismo teórico em torno dos objetivos determinados na prática social. É importante ressaltar que, em uma prática interdisciplinar, plural, e democrática, a percepção e orientação ético-política, não se perde, não se nega no múltiplo, ao contrário, reafirmam-se os princípios de garantia de direitos, justiça social e de cidadania, etc. Podem-se negociar estratégias, instrumentos, posições, papéis, entretanto, os princípios éticos-políticos são inegociáveis, ao nosso olhar. Chama-nos a atenção que, no cotidiano do assistente social, as diferenças de interesses entre o empregador e as demandas dos trabalhadores são constantes e desafiadoras; para os profissionais, a pluralidade de demandas dos usuários são por vezes não atendidas. Vivemos continuamente a questão da exclusão e a inclusão da exclusão, trabalhamos continuamente com a diferença. Infelizmente o domínio institucional da regulação pela homogeneidade termina fazendo com que muitas práticas reguladoras do enquadramento, da expulsão da diferença e não da possibilidade da diferença (SPOSATI, 1995, p. 76). 185 Os rumos que as políticas sociais vêm seguindo sob as orientações do neoliberalismo, por meio dos organismos internacionais FMI, Banco Mundial, etc., são mais excludentes do que inclusivas, seletivas e expulsivas das diferenças: gênero, idade, contributiva, burocrática, etc. As contradições e as diferenças sempre proporcionam novos aprendizados, e a possibilidade de romper com práticas reguladoras, normatizadoras, em detrimento de práticas coletivas que se aproximam das demandas e da participação dos trabalhadores. É importante evidenciar o quanto há de vida na relação uno e múltiplo, e quão fecunda é a relação entre as áreas do saber quando pensada como espaço heterodoxo de encontro de signos, como construção coletiva, a partir de finalidades socialmente determinadas, tanto pelos agentes institucionais como pela população usuária. O assistente social, quase que na totalidade de suas práticas, atua sob o olhar coletivo, o uno e o múltiplo interdisciplinar, pois são suas as demandas do outro, de múltiplos profissionais, e isso o torna sensível, aberto a trabalhar com o diferente, plural, assim, manifesta essa necessidade quase que diariamente em seus planos, programas e projetos. Se assim não fosse, como poderia articular alianças com os trabalhadores, usuários, movimentos sociais e sindicais, em torno da busca de políticas sociais que atendam a necessidades sociais na sua totalidade. No início do século 21, um dos desafios postos é o de rearticular os movimentos sociais, sindicais, para assegurar conquistas e direitos sociais. Esse desafio só é possível com uma ação interdisciplinar coletivamente. Essa é a proposta, essa é a identidade que precisamos construir, uma construção viva, em movimento, é um exercício cotidiano, é um ato ético-político social. Martinelli (1995) convida-nos a vislumbrar uma prática social, profissional, consolidada na democracia e no fortalecimento da cidadania, em seus determinantes sociopolíticos, nas relações entre as áreas do saber em que se dá a ação e que vai depender das articulações com os profissionais envolvidos, pois são os seres humanos que dão vida às instituições e efetividade às políticas e práticas sociais. Para tanto, é preciso aprender a visualizá-la a partir de uma perspectiva histórica, reconhecendo-a como: 186 Expressão do saber: toda prática social é teoria em movimento, articulação de saberes, construção coletiva em busca de objetivos socialmente determinados e historicamente estabelecidos; A construção do saber não se dá apenas nos livros, cursos, mas na troca de saber com usuários, trabalhadores e profissionais com quem se relacionam e se constroem saberes coletivos. Toda prática produz saber, não há prática vazia de saber e de poder politicamente construído com a população usuária; Prática educativa: toda prática social, na perspectiva anunciada é educativa. A participação da população usuária enquanto construtora da ação social nela envolvida, discutindo, opinando e decidindo o melhor possível para si, é uma prática coletiva, de encontro, de diálogo e socializada; A prática política é parte de toda prática social, pois aponta para uma direção social que tenham horizontes e consolidação da democracia, garantia de direitos e o fortalecimento da cidadania. Mas, para que essa prática social efetivamente aconteça nas ações desenvolvidas, seja qual a área de atuação, será necessário produzir novas práticas, fundadas em um saber múltiplo, plural, heterodoxo, que aspire à construção coletiva, articuladas às demandas sociais e ao projeto singular dos usuários: Saber estabelecer uma nova relação com o passado: o passado não é exemplo a ser imitado, mas uma lição a ser conhecida; nas práticas institucionais, utiliza-se muito o passado, para justificar a mesmice, a inércia; o passado é lição a ser refletida e repensado para a construção de um presente coletivo; Saber estabelecer nova relação com a profissão: às vezes, nos esquecemos de que somos protagonistas de nossa história, mesmo que se tenha uma relativa autonomia, a construção da prática e as propostas são feitas pelos profissionais que buscam nos usuários, trabalhadores, aliados, para concretização da política social, em conformidade com suas necessidades básicas e sociais. Em toda prática, há um espaço de criatividade e transformações a serem executadas. Em geral, as relações sociais estabelecidas no ambiente de trabalho estão em constante movimento e em determinados contextos sociais, assim, acompanhar esse movimento organizativo, político, social, é fundamental para o exercício 187 profissional, buscando alianças com o usuário, razão e finalidade da instituição, no atendimento de suas demandas e necessidades e, consequentemente, a razão do espaço do profissional. Por fim, saber estabelecer nova relação entre profissionais; a construção de uma prática social interdisciplinar, está diretamente relacionada à concepção de saber como espaço múltiplo do encontro de elos por uma nova relação e concepção de profissionais. Nossas formações profissionais, nossas diferenças, não nos separam, pelo contrário, são a força, o motivo, que nos proporcionam os fundamentos para a construção do saber coletivo. “É como trabalhadores que temos que nos reconhecer e juntos é que temos que atuar. Ao não identificarmos como trabalhadores, sucumbimos à lógica do Capital que nos divide para nos fragilizar (MARTINELLI, 1995, p. 150)”. Ao fragilizar a identidade, fragmentando-as em áreas, assistente social, psicólogo, médico, etc., deixa-se de pensar, atuar e construir uma prática social que atenda aos usuários, trabalhadores, razão de existir da instituição e de espaços de atuação, sem eles, não é solicitada nossa ação. Se refletirmos bem, há muito mais semelhanças do que diferenças, pois se construirmos coletivamente, seremos aliados e fortaleceremos os objetivos comuns pela democracia, justiça social, equidade no tratamento entre todos os trabalhadores, até porque também o somos. Lutamos por causas comuns, pelos interesses e necessidades de nossos usuários, das diferenças de nossas profissões e que devem brotar as possibilidades de uma prática social na sua totalidade e realidade social em que atuamos, que trarão melhores resultados aos interesses do conjunto dos trabalhadores. Em sequência, a reflexão histórica da construção do Serviço Social, e sua trajetória na saúde e sobre a prática social na perspectiva de construção de uma identidade interdisciplinar, será completada a análise sobre a atuação do assistente social na saúde, campo que hoje concentra o maior número de profissionais e, por conta dessa demanda, em que estudos e ações regulamentadoras foram realizados pelas entidades de classe Cfess/Cress, que, juntamente com a categoria, construíram parâmetros para nortear as ações na saúde e superação das atividades meramente burocráticas no fazer do profissional. Documento legitimamente construído e que fundamenta as ações, merece ser analisado para respaldar estudos sobre a ação do assistente social no Siass- 188 Ufal.Intitulado de Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais, tem como objetivo principal responder, portanto, a um histórico pleito da categoria em torno de orientações gerais sobre as respostas profissionais a serem dadas pelos assistentes sociais às demandas identificadas no cotidiano do trabalho no setor saúde e aquelas que ora são requisitadas pelos usuários dos serviços, ora pelos empregadores desses profissionais no setor de saúde (CFESS, 2010, p. 11). O documento está dividido em quatro eixos de atuação do assistente social: 1. Ações de atendimento direto aos usuários: está vinculado à atenção básica de saúde, aos serviços de média e alta complexidades, realizado nas estâncias federal, estadual e municipal. Esse eixo contém as ações desenvolvidas no cotidiano dessas unidades na execução e efetivação terminais da política de saúde, nem por menos importante que os demais eixos, muito pelo contrário, essas ações requerem um profissional técnico-politicamente competente. 2. Mobilização, participação e controle social: esse eixo compreende um conjunto de ações que objetiva a mobilização e participação social dos pacientes, (usuários dos serviços), familiares, trabalhadores em saúde, e os movimentos sociais em espaços democráticos de controle social na luta por defesa e garantia do direito à saúde pública e gratuita e no controle dos fundos aplicados na saúde; uma das formas de participação dos usuários é a ouvidoria que não é espaço exclusivo de atuação do assistente social. 3. Investigação, planejamento e gestão: tem por objetivo o fortalecimento da gestão democrática participativa que realize ações em equipe intersetorial e elaboração de propostas que visem a melhoria dos atendimentos e serviços prestados aos usuários. Nessas atividades, o profissional, em equipe, pode e deve buscar melhorar as condições de saúde substancialmente pois tem em suas mãos o poder de planejar ações e propostas na totalidade. 4. Assessoria qualificação e formação profissional: visa ao aprimoramento profissional e tem como resultado a melhoria dos serviços prestados à população, o amadurecimento técnico-teórico que pode prestar assessoria à gestão, aos movimentos sociais. A prática social interdisciplinar vem acontecendo desde o início da implantação das unidades Siass. No entanto, observamos a permanência de algumas atividades burocráticas cartoriais no cotidiano das ações de saúde do 189 servidor público, por parte dos assistentes sociais que nela atuam, até mesmo pela falta de pessoal administrativo. 3.5.1. O assistente social na atuação do controle social O assistente social tem sido chamado e reconhecido como capacitado para trabalhar com os mecanismos de controle social, nos quais vem atuando em vários conselhos de gestores, saúde, assistência social, etc. Essa atuação tem se dado na assessoria, criação, organização e no acompanhamento desses conselhos, na capacitação de conselheiros, ou ainda como pesquisador, representando sua categoria, ou segmento de usuário, ou mesmo como gestor (CORREIA, 2005, p. 228). Os conselhos têm se mostrado como espaços contraditórios, ambíguos, em que se podem legalizar e legitimar as decisões e políticas de interesse do capital e a mercantilização da saúde, como pode deliberar a favor dos interesses e necessidades dos trabalhadores e da população em geral, no acompanhamento e defesa das despesas com as políticas sociais. Assim, diz Correia (2005), com a possibilidade de que o controle social se exerça na perspectiva dos interesses das classes subalternas, o assistente social pode passar de mero executor das políticas previamente estabelecidas a colaborador da efetivação do referido controle (p. 229). É importante ressaltar o papel de colaborador nessas ações de efetivação do espaço democrático nas etapas de planejamento, execução, avaliação e, principalmente, nas decisões dos gestores públicos com saúde. Especificamente no caso do servidor público, ainda não estão implementados esses espaços, tanto para intervenção do assistente social, quanto para os trabalhadores no serviço público, demarcando o controle que se quer, ou seja, na sua totalidade. A ação do Serviço Social na participação social sempre existiu, e foi requisitada, ora contribuindo com o Estado no controle sobre a sociedade, ora colaborando com os movimentos sociais no controle das ações do Estado para que políticas sociais atendam às necessidades da coletividade, que pagam impostos direta e indiretamente; portanto, é a população que deve decidir onde e como os recursos devem ser gastos. 190 Reconheçamos os limites na atual conjuntura, de minimização das políticas sociais, desestímulo da criação dos espaços democráticos de participação dos trabalhadores e da população, em que o controle dos gastos públicos necessita ter mais visibilidade e coletividade, pois ainda está muito concentrado nas mãos dos mandatários do poder. Diante do exposto, alguns requisitos constituem-se em desafios para essa nova demanda profissional, comprometida com os trabalhadores e as classes subalternas. Na análise de Correia (2005, p. 229), o assistente social, como auxiliar do controle social, denominado de colaborador, para não ser confundido com as atribuições dos profissionais de carreira pública, como são exemplos o auxiliar de enfermagem, auxiliar administrativo, auxiliar de laboratório, etc., e também por considerar uma atividade da prática social, coletiva, não apenas especifica do assistente social, embora reconheça a predominância desse profissional nos conselhos, conforme demonstra Correia (2005), em Alagoas. Assim essa prática do assistente social, segundo a autora (CORREIA, 2005, p. 229) requer um profissional que, dependendo das exigências da realidade, deve ter capacidades técnica e teórica para exercer o papel de colaborador, e para isso necessita de aporte teórico, que seja referencial para sua prática na compreensão histórica da política social específica na qual atua, observando os determinantes sociais na sua totalidade numa sociedade de classes, articulando às determinações macroestruturais. Conhecimento dos aspectos legais e jurídicos que regem a política social específica, e capacidade de análise conjuntural constante em todas as estâncias: nacional, estadual e municipal. Compreensão de que os espaços de participação são contraditórios (legitimação do gestor e cooptação dos movimentos ou ampliação da democracia na garantia de direitos e avanços da política especifica). Capacidade de elaborar planos, programas, projetos participativos e de elaborar e intervir nos orçamentos, tornando-os acessíveis à população envolvida. Além da competência técnica e teórica e política, requer habilidade para exercer o papel de articulador e educador popular, promovendo a capacitação dos conselheiros e da população usuária. Articulação com as demais políticas sociais afins; informação sobre as práticas de outros profissionais que atuam na área para possíveis alianças; habilidade para articular a composição dos conselhos sem a ingerência do gestor. Estar atento para que a representatividade dos membros dos 191 conselhos não se descole de suas bases e traduza os reais interesses da população. Competência para capacitar conselheiros e/ou população usuária para o exercício do controle social, como também a consciência dos limites e das possibilidades da participação social em espaços institucionais, na perspectiva do controle social sobre as ações do Estado e sobre o Fundo Social: o novo, nessa prática social, exercida pela participação popular no controle, está no protagonismo do coletivo, na sua totalidade, ou seja, não basta opinar, planejar, tem que decidir, e definir, controlar o fundo social voltado para a política social específica, ou seja, a saúde do trabalhador público independentemente das relações/vínculos estabelecidos com o Estado. A conjuntura atual continua sendo desfavorável, mas, diante das circunstâncias, o assistente social e os demais profissionais precisam ter lucidez e competência para o desenvolvimento de uma prática coerente, que, no caso do assistente social, está expressa no compromisso ético-político assumido com as necessidades e os interesses das classes subalternas excluídas das políticas sociais. Correia (2005, p. 231) alerta para que o controle social extrapole os espaços instituídos, a exemplo de alguns conselhos, pois têm se constituído em espaços de gestão da reprodução do capital, que vêm desvirtuando o legalmente assegurado, para que aglutinem forças capazes de se contrapor à ordem vigente do capitalismo, sob a égide do sistema financeiro internacional, que nega a verdadeira liberdade humana e social em detrimento da liberdade do mercado, ou seja, “a guerra de todos contra todos”, destruindo o sentido social do trabalho. Sobre a atuação do assistente social nos Conselhos de Saúde, Correia mostra o crescimento desse profissional na prática do controle social da população sobre as políticas públicas e dos gastos sobre estes, juntamente com outros profissionais, médicos, enfermeiros, psicólogos, dentistas, etc. 192 3.5.2. Análise da atuação do assistente social em relação às especificidades atribuídas no Siass-Ufal O assistente social está sendo chamado para atuar na Pass/Siass-Ufal enquanto parte da equipe multiprofissional, nos três eixos em que está dividida: perícia-oficial, nas ações de vigilância, e promoção de saúde e assistência social. Da forma como estão sendo implantadas as unidades Siass, nos estados brasileiros, a ênfase tem sido dada nas ações das perícias oficiais, o que vem demonstrando a preocupação do Estado em controlar e minimizar as despesas com as licenças, afastamentos e aposentadorias dos servidores, e as demais ações de promoção à saúde do servidor vem acontecendo de forma mais lenta do que almejam as equipes de saúde e as necessidades dos servidores. As atribuições estabelecidas pela Pass-Siass aos profissionais de Serviço Social, assim como as dos outros profissionais, estão também na proposta. Aqui nos deteremos às referentes à dimensão social, enquanto um dos determinantes socioeconômico, cultural e político que podem intervir nas condições de trabalho e na saúde do trabalhador. Conforme análise dos autores pesquisados, as ações do Serviço Social na saúde, desde a sua gênese até hoje, podem contribuir para legitimação das políticas sociais do Estado e do seu projeto de incentivo ao capital, como contribuir para fortalecimento dos projetos dos trabalhadores e das classes populares, em busca da garantia dos direitos sociais e do seu protagonismo na construção da política de atenção integral à saúde dos trabalhadores no serviço público, entre outros. Assim, o assistente social, ao realizar estudos sociais para elaboração do parecer social, colaborando para a decisão dos peritos em saúde, poderá excluir os servidores da concretização do direito ao qual estão solicitando, os serviços de saúde, especificamente a perícia em saúde ou contribuindo para a garantia de direitos. Ao analisar os determinantes sociais, que fundamentarão os argumentos teórico e técnico, com base nas relações sociais no trabalho e na realidade social do servidor, o profissional de Serviço Social deverá fazê-lo considerando o compromisso ético-político com a saúde do trabalhador, numa perspectiva integral 193 da saúde, que extrapola a relação saúde-doença-ambiente do trabalho e seus riscos. Na análise do assistente social crítico, as situações vulneráveis às quais estão expostos os trabalhadores, antecedem e extrapolam os muros/ambientes de trabalho. Um estudo social com base no contexto social, onde o servidor público se insere, pode desvendar uma realidade social rica em múltiplas determinações. A compreensão sócio-histórica-econômica e política da saúde trará a contribuição do trabalhador no conhecimento da dimensão social das suas condições de saúde e vida, especificamente do servidor público. A saúde do trabalhador, na perspectiva do coletivo, não está centrada no indivíduo, se assim o for, continuará culpabilizando exclusivamente o trabalhador por suas doenças, afastamentos, riscos e acidentes de trabalho. Ao atender as atividades legais institucionais, o assistente social poderá nela incluir os interesses e as necessidades do servidor público, criando espaços democráticos de controle social na efetividade de políticas sociais e da saúde. O desafio está em trazer o protagonismo do servidor público na construção de canais institucionais de participação social para que se efetive a Pass-Siass-Ufal, na sua integralidade, promoção, prevenção e controle social, se não corre-se o risco de endossar mecanismo de controle do Estado sobre o servidor. O assistente social, na intervenção profissional, requer um posicionamento que possua habilidades e competências técnica, teórica e política para o atendimento das demandas, tanto a institucional como as dos usuários, trabalhadores e da população. 3.6. Considerações gerais Este capítulo vislumbrou mostrar e analisar a proposta de implantação/implementação da unidade de referência Siass-Ufal e que se encontra no MPOG/Cogss para homologação do acordo de cooperação técnica com a Ufal onde se instalou uma unidade Siass para atender a todos os três campi: Maceió, Arapiraca, Santana de Ipanema, em Alagoas. Vale salientar que, apesar da falta da homologação da unidade Siass-Ufal, pelo MPOG, está funcionando conforme demonstrado nos depoimentos colhidos, e 194 vem trabalhando de forma precária, desde a falta de profissionais, equipe de apoio, espaço físico, equipamentos, até falhas de funcionamento do Siapenet-Saúde, sistema nacional de processamento dos dados epidemiológicos e dos afastamentos e licenças médicas no nível nacional. As questões mencionadas são justificadas, pelo ministério que coordena as ações de saúde, como ajuste de compassos entre o próprio e as unidades, e da natureza da implementação do sistema, que requer identificar falhas, corrigi-las e aprimorá-las para seu funcionamento eficaz. Os técnicos e gestores reconhecem esses limites e dificuldades no processo de implantação, mas são unânimes em indicar que a iniciativa da criação de uma política de atenção à saúde do servidor e de um sistema que administrará as unidades de referência nos estados brasileiros é inédita. Essa decisão política por parte do governo brasileiro trará à tona a saúde do trabalhador nas relações e processos de trabalho no serviço público. Pela primeira vez, essa política torna-se de Estado e voltada para seus trabalhadores públicos, mas que enfrentam desafios para que “saia do papel”, conforme dizem seus gestores, profissionais que nela trabalham, e realmente transformar-se em ações de promoção, prevenção e assistência à saúde na sua integralidade. Essa fase de implementação, como se viu na proposta, não está ainda integralmente efetuada, principalmente as ações de promoção, vigilância e do controle social, como a criação da Cissp. As ações que vêm merecendo investimento e prioridade para o MPOG/Cogss são as pertinentes às atividades da Perícia Oficial de Saúde (POS). O investimento tem sido feito na criação dos sistemas Siapenet-Saúde e na capacitação das equipes de profissionais que atuarão com esses sistemas. Mesmo assim, ainda não tem sido satisfatório, segundo os entrevistados. Outro aspecto avaliado é a desarticulação das PNSST e Pass, assemelhando-se com os princípios, diretrizes, ações propostas, mas que não são articuladas em benefício do conjunto dos trabalhadores, fragmentando-os, fragilizando, assim, as ações coletivas e criando políticas semelhantes paralelas para atender ao trabalhador da rede pública federal e da privada. A fala do coordenador do MPOG, para justificar tal falta, entre outros aspectos, diz respeito à não identidade do servidor com o trabalhador e como ficaria 195 a relação e o processo fiscalizador das delegacias com o seu próprio empregador, o Estado. São questões postas e que precisam ser enfrentadas, pois, conforme as alterações possíveis no modelo de administração, a serem implantadas através das OSs nos HUs, inicialmente, e em outros serviços públicos, voltam os trabalhadores públicos regidos pela CLT, o que implica dizer que as fiscalizações vão acontecer, as precárias condições de trabalho e as situações vulneráveis a que poderão estar expostos esses trabalhadores serão denunciadas, as entidades serão multadas e tornam-se passíveis até de serem fechados seus serviços. Esse é um dos pontos críticos a se enfrentar e construir respostas, pois existirá uma dualidade de políticas de saúde do trabalhador operando no espaço público de trabalho. A PNSST, para os servidores regidos pela CLT; a PASS, para os trabalhadores do RJU. Como fazer? Serão dois serviços de saúde: as redes Renast-Cerest-Cist para as da CLT; e as redes Siass-Siapenet-Saúde-Cissp para as do RJU? Assim, os sistemas tornar-se-ão complexos, confusos, burocráticos e poderão ficar inviáveis, sobrepostos e inoperantes, ou, ao contrário, cooperativos, intersetoriais, interdisciplinares e transversais a todo sistema de saúde. Outro elemento fundamental e que está timidamente representado, segundo os dados bibliográficos e as entrevistas, é a participação dos trabalhadores públicos na construção e no controle social das ações políticas do trabalhador. O sujeito central da política de atenção à saúde do trabalhador é o próprio trabalhador, opinando, construindo, dirigindo as ações e controlando o investimento dos programas e favorecendo as condições de trabalho. Sem essa participação, não se tem saúde do trabalhador; pode ser saúde ocupacional, medicina e segurança no trabalho, o que diferirá da proposta da Pass, é o protagonismo dos trabalhadores. O Serviço Social é chamado a participar da equipe multiprofissional na efetivação da Pass e tem dado seu contributo nos diversos âmbitos e eixos: planejamento, gestão, assistência e em vários desafios, como o controle social, pois reconhecidamente, pelos demais profissionais, tem a ver com o assistente social a participação social, por ser uma prática política, que envolve habilidades e competências técnicas e o profissional de Serviço Social vem enfrentando esse desafio em tempos de Estado mínimo, de recessão a políticas sociais, e de retração dos movimentos sociais e sindicais. 196 O Estado brasileiro vem demonstrando também essa resistência quanto à participação social do servidor público, e, com uma dualidade retórica, propõe a criação da Cissp, mas não a homologa desde 2009. O assistente social pode usar os mecanismos legais existentes: o Sintufal, a Adufal, e a lei do SUS, que prevê a participação e o controle social na saúde, entre outros. Percebe-se também a ausência de uma proposta do Serviço Social para a saúde do trabalhador. O que estão postas são as necessidades institucionais, embora contemplem as especificidades do Serviço Social. Os assistentes sociais envolvidos nos programas e unidades Siass precisam elaborar o seu plano com as necessidades e interesses do servidor público na garantia dos direitos sociais que contemple as diretrizes do projeto ético-político, pautando-se nos princípios da democracia, justiça social, que se traduzam em relações e processos de trabalho dos servidores, mais humanos, democráticos, criativos e participativos, em todas as ações. A questão do fundo, no que diz respeito ao financiamento de ações realizadas nas unidades de referência do Siass, ainda é muito nebuloso, sigiloso, na discussão coletiva sobre o quanto/quando e como, e em que investir. Os fundos disponíveis no MPOG/Cogss, mesmo que alocado no próprio ministério, como a ele se refere, sua origem, ou seja, a fonte de arrecadação, é o servidor, a população que paga os impostos, entre outras taxas e tributos. Como em toda relação de trabalho, o patrão e/ou o empregador também contribui; no caso do serviço público, esse é um nó, não se sabe se o Estado tem sua coparticipação e como se dá. Portanto, não há recurso próprio, há recursos dos servidores, da população em geral, e da parte do Estado não se tem clareza, visibilidade. A participação dos servidores e representantes no controle social, na forma aqui concebida e defendida, passará necessariamente pelo controle do orçamento e fundo de despesas com a saúde do servidor público. Na proposta de criação da unidade Siass-Ufal, não esta visível a Cissp, que poderia compor o organograma como comissão participativa da Pass-Siass-Ufal. Sabe-se que esse é um desafio, visto que não é pelo fato de essas relações serem dentro do Estado que há mais facilidade na participação democrática em decisões, ações e despesas da Pass. Ao contrário, o Estado tem mecanismos 197 burocráticos e técnico-burocráticos que são barreiras ao desenvolvimento e distribuição desses fundos e na participação decisória. O assistente social, ao fazer parte da equipe, está inserido em todos os três eixos da unidade Siass – perícia oficial na garantia de direitos sociais e do tratamento de saúde mediante análise e parecer com base na realidade social do servidor e no contexto em que está inserido no trabalho e nas condições de sua vida. Na promoção e prevenção, desenvolvendo ações educativas de esclarecimentos e informações de direitos, socializando o saber coletivamente construído na área da saúde do trabalhador. Por fim, também pode exercer atividades de assessoria, planejamento e gestão, no caso em tela, na condução da política social; E junto com os trabalhadores organizados, introduzindo seu saber construído com suas experiências, trazendo processos de trabalhos e situações vulneráveis, analisandoos, opinando e definindo ações e política de saúde integral direcionadas ao interesse e à necessidade do servidor público. 198 CAPÍTULO IV 4. SUBJETIVIDADE DA SAÚDE DO SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL DO EXECUTIVO: AUXILIARES E TÉCNICOS DE ENFERMAGEM Nos três primeiros capítulos, consta um aporte teórico sobre as categorias fundantes para os estudos da saúde do trabalhador: o trabalho na perspectiva marxista, analisando os processos; a organização e as relações sociais do trabalho, seguidas de uma análise sobre a categoria do trabalhador na modalidade servidor público, discutindo o significado do seu trabalho e a prestação dos serviços públicos à sociedade civil que dela necessitar, por meio da execução das políticas sociais do Estado brasileiro. Também foi abordado, para facilitar a compreensão do Estado enquanto espaço democrático, onde está a correlação de forças das classes dominante e dominada, em defesa dos interesses antagônicos postos nessa área, em busca de efetivação de direitos sociais de ambas as classes, embora opostos. Estado democrático este que, sobre o jugo do neoliberalismo, vem reduzindo as conquistas e os interesses dos trabalhadores, por meio das políticas sociais e de saúde, no caso específico deste estudo. Com base nos fundamentos teóricos, analisou-se historicamente a trajetória das políticas sociais e sua origem no início do século 20, com o populismo da década pós-guerra até o recuo dos Estados do bem-estar social nos países europeus e nos EUA, e seu rebatimento nas décadas de 1970/1980, no Brasil, que culminou com a CF de 88, denominada Constituição Cidadã. Conforme a trajetória das políticas sociais no Estado brasileiro, e da conjuntura internacional com o neoliberalismo, a estrutura econômica na financeirização da economia e da lógica mercadológica estabelecida nas relações globalizadas com os países (principalmente os do Primeiro Mundo, liderados pelos sete mais “ricos”: Itália, França, Inglaterra, Alemanha, EUA, Japão e Espanha) vivese no momento a efervescência de uma crise financeira e social, do desemprego e das perdas de direitos sociais, e que tem sérias consequências socioeconômicas também nos países de economia periférica, como é o caso do Brasil. 199 O momento de crise econômica culmina, em nosso país, em uma série de redução de direitos sociais, muitos ainda não efetivados pela CF-88, na retração de políticas sociais não consolidadas, em sua maioria, como é o caso das políticas sociais voltadas para atender a saúde do trabalhador em geral e do servidor, especificamente a categoria objeto do nosso estudo. Busca-se analisar a participação social do trabalhador no controle dos espaços democráticos, na garantia de suas conquistas e na concretização da política de saúde, que encontrará adversidades, em uma conjuntura econômica desfavorável e de desestruturação das economias consolidadas nos países do Primeiro Mundo, fato que rebate em nosso país. Mas a história mostra que os avanços nas políticas sociais estão diretamente relacionados aos movimentos sociais e ao dos trabalhadores, em diversas épocas e sociedade, sob a égide do capitalismo. Prosseguindo, a análise da política de saúde do servidor público, em sua dimensão social, além de suas estruturas organizativas nos serviços públicos, traz outros determinantes sociais contidos na subjetividade dos sujeitos, que são os trabalhadores da saúde do Hupaa, local da nossa pesquisa empírica. Estes trazem à tona a realidade social na qual estão inseridos facilitando a compreensão do contexto, da saúde e do trabalho que rebatem na relação saúde-trabalho e nas condições sociais de sua vida. Neste capítulo, analisam-se os determinantes sociais desses trabalhadores e as possíveis ações de promoção, prevenção e controle da saúde, observando as relações e os processos de trabalho, os contextos social e institucional e a realidade social dos protagonistas dessa história na construção da saúde do trabalhador. Protagonismos nem sempre expressados na dimensão da prática social por melhores condições de vida, nos espaços democráticos da construção política de saúde, em que, conforme depoimentos colhidos, a própria representação sindical tem pouco participado. Mas, diante das adversidades socioeconômicas e políticas, na desarticulação e desmobilização dos movimentos sociais, as políticas focais, fragmentadas, dividindo os trabalhadores, individualizando-os, os consideramos sujeitos de suas próprias histórias e trajetórias na conquista de seu trabalho e condições de vida. Marx, sabiamente, diz que a história é feita por homens e mulheres, não há salvador da pátria, heróis construtores no cotidiano; temos trabalhadores que 200 realizam suas atividades contribuindo assim para a efetivação das políticas sociais de saúde no âmbito do serviço público, dentro do espaço do Estado, que nem sempre favorece o desempenho profissional, com o máximo de qualidade para a sociedade que dele necessita e por eles pagam com os impostos. Neste capítulo, reproduz-se os depoimentos dos sujeitos entrevistados, auxiliares e técnicos de enfermagem, sobre o que fazem, como fazem, se gostam do que fazem, como vivem, como trabalham, etc. Enfim, ficaram à vontade para expressar as relações do trabalho, a vida e seus sentimentos e sentidos sobre a própria vida, o trabalho, a saúde, a partir de suas experiências e participação coletiva. Os sujeitos desta pesquisa sobre a saúde do servidor público federal desenvolvem suas atividades no HU da Ufal. Todos os auxiliares e técnicos de enfermagem entrevistados pertencem ao quadro permanente e são regidos pelo RJU, portanto, são servidores públicos federais, da carreira dos Técnicos Administrativos da Educação Superior (Taes). Inicialmente, localizamos a instituição onde estão desenvolvendo seu trabalho, fazendo uma retrospectiva histórica e apresentando os serviços que prestam à comunidade alagoana e circunvizinhas que buscam atendimento hospitalar público gratuito e de qualidade. 4.1. Histórico e estrutura do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes O Hupaa é uma unidade acadêmica vinculada à Ufal, portanto, tem sua história voltada para a consolidação do ensino, pesquisa, extensão e assistência na área de saúde. Sua origem está relacionada à Ufal, com a Lei 3.867, de 25 de janeiro de 1961, que autorizou a criação do campus universitário e o espaço destinado para a construção do HU. Mas a Faculdade de Medicina, fundada em 1950, antecede a criação do HU/Ufal, pois, inicialmente, o hospital-escola foi a Santa Casa de Misericórdia de Maceió, com sua primeira turma, em 1954. As obras de construção do HU remontam aos anos 1970 e foi concluída em 1992, quando, em meados dessa década, passou a ser chamada de Hospital 201 Universitário Professor Alberto Antunes, em homenagem ao professor de medicina, diretor do hospital na década de 1980, e vice-reitor da Ufal quando veio a falecer. A área construída do hospital tem 26.974,22 metros quadrados, distribuídos em seis pavimentos, onde funcionam17 uma complexidade de especialidades médicas, serviços de diagnósticos, terapias e várias outras ações de saúde desenvolvidas pela equipe multidisciplinar como nutrição, psicologia, serviço social etc. Na atenção hospitalar no Estado de Alagoas é referência em Alta Complexidade do sistema de saúde, com serviços do Centro de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon), Assistência à Gestante de Alto Risco, Neurocirurgia, entre outros. No ano de 2004, o Hupaa, foi certificado pelos Ministérios da Saúde e da Educação como hospital de ensino universitário federal, após rigorosa avaliação daqueles ministérios. Em 2006, foi assinado o primeiro Convênio e Plano Operativo Anual, pactuado entre a Prefeitura/Secretaria Municipal de Saúde de Maceió e a UfalHupaa, estabelecendo as atividades metas e orçamento para os serviços a serem prestados pelo hospital, segundo as demandas e necessidades do município. Com a Portaria ministerial 08, de 29 de agosto de 2008, da Subsecretaria de Planejamento e Orçamento, o HU, como é chamado o Hupaa, foi transformado em unidade gestora, passando a gerir seus processos administrativos e financeiros independentemente da Ufal, entretanto, permanece o vínculo. Um segundo convênio, celebrado no ano de 2009, entre Prefeitura/Secretaria do Município de Maceió e a Ufal-Hupaa, retifica o papel da instituição como uma das unidades/responsáveis pela assistência em média e alta complexidades, voltada às demandas existentes no estado e município, na área da saúde hospitalar para o fortalecimento do SUS, nas especialidades em que é referência, conforme o citado. Os dados e informações aqui mencionados estão no plano diretor do Hupaa, elaborado com base no Decreto 7.082, de 27 e janeiro de 2010, que atende o Rehuf18, portarias, estudos de dimensionamento pessoal para o HU e seu 17 Os dados históricos sobre o Hupaa estão disponíveis no plano diretor do referido hospital, de 2010, e que se encontra em vigência até 2014. 18 Programa de reestruturação dos hospitais de ensino, proposto pelo governo federal. 202 planejamento. Para cumprir o referido decreto, foram estabelecidas as seguintes diretrizes: Buscar sua vocação de hospital terciário e quaternário; Ser referência em alta complexidade; Redirecionar a baixa complexidade à rede de serviços do Município de Maceió. Atualmente, a política de governança do Hupaa tem como finalidade atingir as metas e diretrizes estabelecidas pelo Rehuf. Por seu caráter indissociável de Hospital de Ensino, é por excelência um centro de assistência e formação de profissionais dos diversos cursos das áreas tecnológica, humana e da saúde, a saber: Na Graduação: Psicologia, Medicina, Serviço Enfermagem, Social, Odontologia, Administração, Economia, Farmácia, Ciências Contábeis, Engenharia e Arquitetura; Pós-Graduação: Lato sensu/Especialização em estágio e residência multiprofissional19 (2010), Gestão da Organização Hospitalar (2008/2009); Cursos de aperfeiçoamento e programas de aprimoramento profissional, convênio com instituições do estado de Alagoas. O Hupaa presta assistência aproximadamente para 50 especialidades médicas, possui 141 consultórios, divididos em quatro ambulatórios e serviços, pelo SUS de apoio ao diagnóstico e terapias, realizando cerca de 370 mil consultas e procedimentos ambulatoriais por ano. A assistência hospitalar dispõe de 174 leitos ativos e teve, em 2009, cerca de sete mil internações, nas mais diversas clínicas especializadas: médica, obstetrícia, pediátrica, unidade de tratamento intensivo adulto, unidade de tratamento neonatal e hospital-dia. Saliente-se que todas as ações assistenciais nesses ambulatórios, contemplam o ensino, a pesquisa e a assistência, atividades que envolvem a participação dos docentes, técnicos administrativos e alunos nas diversas atribuições: consultas, internações, ou, ainda, no desenvolvimento de programas 19 Além de contar com a participação do graduado em Serviço Social, é coordenado por uma assistente social do Hupaa. 203 específicos de atenção ao paciente. Essas ações assistenciais e de ensino contam com a participação dos demais profissionais na saúde: odontólogo, psicólogo, assistente social, fisioterapeuta, nutricionista, terapeuta ocupacional, enfermeiro, etc. O hospital é referência para os pacientes do SUS nas áreas de atendimento à gestante de alto risco, unidade de terapia intensiva para adulto, neonatal, unidade de cuidados intermediários neonatal, banco de leite humano, hospital-dia-aids, cirurgias, o centro de oncologia e o de atenção à saúde do idoso. Os leitos disponíveis ao atendimento hospitalar à sociedade alagoana estão distribuídos como apresentado no Quadro 9. Clínicas Número de Leitos Leitos Desativados/ Projeto de Ampliação Número Total de Leitos Clínica cirúrgica 35 29 64 Clínica médica 23 41 64 Maternidade 60 0 60 Clínica pediátrica 20 12 32 Internação 138 82 220 UTI adulto 6 4 10 UTI pediátrica 0 10 10 UTI neonatal 10 0 10 Unidade de Cuidados Intermediários (UCI) 12 08 20 Unidade semi-intensiva 0 12 12 Tratamento intensivo ou intermediário 28 34 62 8 0 8 174 116 290 Hospital-dia Total de Leitos Quadro 9: Leitos disponíveis para o atendimento hospitalar Fonte: Direção de Enfermagem (2010), disponível no Plano Diretor do Hupaa - 2010/2014 Com a previsão de ampliação dos 116 leitos distribuídos nas diversas clínicas com base no dimensionamento e nas demandas de cada clínica, serão necessárias em todas elas a adequação de suas instalações para atender a essas demandas que perpassa por alterações e mudanças em toda a estrutura física, administrativa, pessoal e em todos os ambientes externos e internos do Hupaa, para que atinja o planejado. Aqui salienta-se a força de trabalho do hospital, por ser o principal sujeito desta pesquisa e usuária das ações da Saúde do Trabalhador, via Siass-Ufal. Com o 204 aumento de oferta de novos serviços de alta e média complexidades, entre outros, para atender ao Programa de Reestruturação dos Hospitais de Ensino, e ainda por ser referência na assistência, formação de profissionais, e no desenvolvimento tecnológico e integração na rede SUS, vem sentindo dificuldades em manter o quadro de pessoal que atenda a essas demandas. Esse problema é sentido também por outros hospitais universitários federais de ensino, em que a ampliação das ações de assistência não tem sido condicionada à ampliação do quadro de pessoal, o que gera carência constante e crescente de pessoal nas diversas unidades de trabalho do HU. Assim, segundo o plano diretor do Hupaa, as alternativas encontradas foram a contratação de trabalhadores com outros tipos de vínculos empregatícios para complementar o quadro de pessoal e assim permitir seu funcionamento – celetistas e prestadores de serviços etc. Ressalta-se ainda que setores administrativos como o de Serviço de Arquivo Médico (Same), faturamento, financeiro, compras e almoxarifado, funcionam essencialmente com esses trabalhadores, uma vez que não dispõem de servidores públicos. 4.2. Quadro de pessoal do Hupaa O quadro de pessoal lotado no Hupaa, em 2009, tinha 1.305 trabalhadores: servidores públicos, celetistas, cedidos de outros órgãos públicos, prestadores de serviço, terceirizados e ainda estagiários que ocupavam postos de trabalho, conforme apresenta o Quadro 10. Vínculo Servidor público – RJU CLT – Fundepes Cedidos – órgãos públicos Serviços prestados Terceirizados Estagiários – em postos de trabalho Total Quantidade 683 221 39 18 208 136 1.305 Quadro 10: Força de trabalho - 2009 Fonte: Plano Diretor Hupaa-Ufal, abr. 2010 A força de trabalho do hospital é composta em 62% de servidores públicos; pouco mais de 50% são profissionais de enfermagem; 17% da fundação estão nas 205 funções administrativa, de enfermagem, médica, etc.; dos serviços terceirizados, 16% estão na limpeza, vigilância, lavanderia, etc.; os estagiários somam 10%, distribuídos em postos de trabalho nos diversos setores; o serviço prestado representa 1%. Chama a atenção, ainda, a previsão de aposentadoria de servidores públicos do hospital, entre os anos de 2010/2011, contando o tempo de serviço prestado no HU, sem considerar o tempo de serviço averbado, são 121 servidores, o que corresponde a mais de 25%, o que elevará o aumento da carência de pessoal, principalmente de médicos e profissionais de enfermagem. O estudo sobre carência e reposição do quadro de pessoal do Hupaa foi realizado entre o setor de RH e da Direção de Enfermagem (DE), sendo esta direção responsável por realizar a análise técnica sobre a carência dos cargos de enfermeiro e técnicos de enfermagem, e o setor de RH dos demais cargos. O referido dimensionamento tem como parâmetro a ativação dos 116 leitos sem uso, para operacionalizar a capacidade plena de 290 leitos hospitalares, assim como a contratação por concurso público, inclusive a substituição dos funcionários contratados pela Fundação, não contemplando o pessoal terceirizado e os cedidos. Para realizar o diagnóstico de carência de pessoal técnico-administrativo para o hospital, foram considerados os seguintes indicadores: Número de pessoal celetista, da Fundação; Pessoal cedido por outros órgãos; Estagiários que ocupam postos de trabalho profissional; A esse quantitativo foi acrescida uma reserva de 15%. Assim, a equipe de RH do hospital estabeleceu o número de pessoal ideal para suprir a carência de 375 técnicos administrativos, para operacionalizar a capacidade hospitalar dos leitos existentes e os demais procedimentos. 4.2.1. Quadro de necessidade de pessoal técnico-administrativo Para a ampliação operacional do Hupaa em mais 116 leitos, atingindo 290, capacidade plena do hospital, será necessário contratar 152 técnicos administrativos. Nesse montante, estão previstas oito vagas para o cargo de 206 assistente social, entre outros. O Quadro 11 apresenta o pessoal técnicoadministrativo (exceto enfermagem) necessário para ativar os 116 leitos inoperantes. Cargo Assistente administrativo Assistente social Auxiliar de farmácia Auxiliar de laboratório Auxiliar de nutrição Biólogo Biomédico Digitador Farmacêutico Farmacêutico bioquímico Fisioterapeuta motor Fisioterapeuta respiratório Fonoaudiólogo Médico coloproctologista Médico – especialista em medicina nuclear Médico cirurgião de cabeça e pescoço Médico cirurgião-geral Médico cirurgião oncológico Médico cirurgião plástico Médico cirurgião torácico Médico clínico-geral Médico endoscopista intervencionista Médico hematologista Médico intensivista Médico neuroclínico Médico oncologista clínico Médico oncopediátrico Médico pediatra/neonatologista Médico radiologista – raios x convencional Médico radiologista – tomografia Médico radiologista intervencionista Médico radioterapeuta Médico urologista Nutricionista Psicólogo Técnico de laboratório Técnico de radiologia Técnico de radiologia – tomografia computadorizada Técnico em radioterapia Terapeuta ocupacional TOTAL Carência 49 8 8 3 2 1 1 1 5 1 1 9 2 1 1 1 3 1 1 1 6 1 3 3 1 2 1 8 2 1 1 2 1 3 5 2 5 1 3 1 152 Quadro 11: Carência de pessoal técnico-administrativo para a ativação de 116 leitos Fonte: Plano Diretor Hupaa-Ufal, abr. 2010 (p. 81) 4.2.2. Dimensionamento do Pessoal de Enfermagem O estudo realizado está fundamentado nos princípios da Reforma Sanitária, pautada na assistência universal, integral e resolutiva, com o controle do Estado, e 207 tem como base a Resolução 293/2004 do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), que fixa e estabelece parâmetros para o dimensionamento do quadro dos profissionais de enfermagem nas unidades assistenciais das instituições de saúde e assemelhados, atendendo aos diferentes níveis de formação. O quadro atual de enfermagem conta com 71 enfermeiros e 293 profissionais de nível médio (técnicos e auxiliares de enfermagem), perfazendo um total de 364 profissionais distribuídos nas diversas unidades assistenciais (Quadro 12). O quantitativo ideal do pessoal de enfermagem é de 192 enfermeiros e 354 técnicos de enfermagem, totalizando 546 profissionais, o que representa um déficit de 170% no número de enfermeiros e de 21% no de técnicos de enfermagem. Clínicas Ambulatório Clínica cirúrgica Clínica médica Maternidade UTI adulto Clínica pediátrica UTI neonatal UCI Hospital-dia Nefrologia Radioterapia Cacon CME Centro cirúrgico Diretor de enfermagem Assistente de materiais Educação permanente Programa de hanseníase Medicina do trabalho Banco de sangue Núcleo de vigilância epidemiológica SCIH Gerência de risco Junta médica Radiologia TOTAL Número Atual de Leitos 35 24 60 6 19 10 12 8 Quantitativo Atual de Pessoal de Enfermagem por Clínica Nível Enfermeiro Total Médio 4 22 26 Quantitativo Ideal de Pessoal de Enfermagem por Clínica 4 Técnico de Enfermagem 22 Enfermeiro Total 26 22 61 20 16 20 13 4 10 3 2 24 37 - 25 78 26 18 26 15 5 11 5 10 26 39 2 14 36 18 12 30 15 3 4 29 72 17 23 28 21 7 16 - 3 17 6 2 6 2 1 1 2 8 2 2 2 12 7 5 2 7 24 38 - 43 108 35 25 58 36 10 20 0 19 31 43 2 - 1 - 1 1 - 1 - 2 - 2 2 - 2 - 1 - 1 1 - 1 - - 1 1 - 1 1 - 1 1 1 1 2 1 1 1 1 2 174 2 1 71 1 2 2 293 3 1 2 2 364 2 1 192 1 2 2 354 3 1 2 2 546 Quadro 12: Número atual de pessoal de enfermagem no Hupaa – abril/2010 Fonte: Plano Diretor Hupaa/ Ufal, abr. 2010, p. 83. 208 Na realização do diagnóstico da carência do pessoal de enfermagem, além da resolução Cofen, foi também utilizado o cálculo da Constante de Marinho (CM), cujo resultado consta do Quadro 13. Clínicas Clínica cirúrgica Clínica médica Maternidade UTI- adulto Unidade semi- intensiva Clínica pediátrica UTI-pediátrica UTI -neonatal UCI- neonatal Hospital-dia Centro cirúrgico (salas) CME Nefrologia Cacon Ambulatório Direção de enfermagem Assessoria de materiais Educação permanente Programa hanseníase Medicina do trabalho Banco de sangue Núcleo de vigilância epidemiológica SCIH Gerência de risco Junta médica Radiologia TOTAL Número de Leitos 64 64 60 10 12 32 10 10 20 8 10 10 290 43 43 36 24 15 19 30 30 21 3 9 9 4 12 5 2 1 2 1 1 1 2 1 - Técnicos de Enfermagem 87 87 72 34 21 39 28 28 29 7 53 33 16 7 47 1 1 1 2 2 313 595 Enfermeiros Total 130 130 108 58 36 58 58 58 50 10 62 41 20 19 52 2 1 2 1 1 1 2 3 1 2 2 908 Quadro 13: Distribuição do pessoal de enfermagem para o funcionamento do Hupaa com 290 leitos – quantitativo ideal por clínica Fonte: Plano Diretor Hupaa-Ufal – abril/2010 (p. 85) Quanto à ampliação da capacidade operacional para os 290 leitos, além de atender à demanda reprimida nos diversos serviços, serão necessários 313 enfermeiros e 595 técnicos de enfermagem, totalizando 908 profissionais de enfermagem, como demonstrado. 4.3. Gestão do Hupaa O modelo de gestão do hospital é colegiado, de caráter consultivo. Além dos gestores do hospital, tem direito a assento, em caráter consultivo, um representante 209 do gestor municipal de saúde de Maceió e um representante do Conselho Municipal de Saúde do município, e ambos não participam dos processos deliberativos. A gestão do Hupaa é composta de três direções. A direção-geral é democraticamente eleita pela comunidade hospitalar, composta por técnicos administrativos, docentes e estudantes da saúde que têm vínculo com o Hupaa. A participação dos trabalhadores da Fundação é sempre controversa20, portanto, depende da definição da Comissão Eleitoral, que convoca a eleição por edital público. O resultado das eleições é sempre respeitado e homologado pelo reitor da Ufal, que conduz o ato de nomeação. Os trabalhadores terceirizados não participam do processo eleitoral. As outras direções que compõem a gestão são escolhidas pelo diretor-geral: uma é a direção de ensino, que coordena o processo de ensino-pesquisaassistência no hospital. A direção técnica coordena as ações de todas as unidades técnicas profissionais, assim como os setores de clínicas, psicologia, serviço social, nutrição, etc., estão subordinados a essa diretoria. A direção administrativa coordena as ações dos setores administrativos de almoxarifado, recursos humanos, compras, financeiro, transportes, etc. E a direção de enfermagem é responsável pela coordenação e administração do pessoal da área, cuja diretoria é escolhida entre o corpo de enfermeiros do hospital. 4.4. Financiamento do Hupaa O hospital é mantido exclusivamente pelo setor público, por meio dos Fundos de Saúde: Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (Faec), Fator de Incentivo ao Desenvolvimento do Ensino e Pesquisa (Fideps), Incentivo ao Atendimento Ambulatorial e Hospitalar à População Indigente (Iapi), Rehuf e SUS. Enfim, o financiamento do Hupaa é totalmente público. O hospital não atende a rede privada, em tese, e não mantém convênio com nenhum plano de saúde, apesar de atender à demanda desses setores via 20 A matéria dessa polêmica sobre a participação do pessoal da Fundação refere-se aos vínculos familiares com o servidor, que tem na forma de admissão uma política clientelista com a direção gerando assim um voto de agradecimento e troca de favores. 210 atendimento médico que chega dos consultórios particulares e conveniados para os procedimentos mais onerosos a serem realizados pela rede hospitalar pública. Os recursos financeiros mantenedores do hospital advêm ainda de outros ministérios, a exemplo do Ministério de Educação e Cultura (MEC) ao qual pertence o quadro de servidores públicos que lá atuam, além de despesas com salários e capacitação, financiamento de pesquisa e do ensino, por ser um hospital-escola. O agente financiador e mantenedor das ações públicas e do hospital é a sociedade brasileira, que paga para a realização da política de saúde na sua integralidade. Mas, apesar da direção hospitalar ser democrática, a participação do Conselho Municipal de Saúde é apenas consultiva, ou seja, os fundos, o financiamento, são públicos, o hospital é público, a direção é composta por servidores públicos, mas a decisão é privada e restrita nas mãos de poucos. Embora o financiamento no serviço público, assim como os recursos humanos sejam deficitários e insuficientes, principalmente considerando os parcos recursos destinados às políticas sociais em geral, especificamente em um hospital público com suas peculiaridades administrativas, burocrática e social, a democratização poderia muito contribuir na definição dos gastos e ações prioritárias no atendimento da população e na articulação para a ampliação dos recursos. 4.5. Características gerais do Hupaa – um hospital público O Hupaa é um hospital de ensino destinado formação de profissionais de saúde e produção de conhecimento na área e referência na saúde da região para assistência de alta e média complexidades a toda a população, o que garante a universalidade de ações: crianças, adolescentes, gestantes, adultos e idosos em suas diversas clínicas especializadas. Mantém convênio com o SUS, não possui leitos privados e nenhum outro tipo de convênio na atenção à saúde, portanto, é 100% público nas ações e financiamento. Tem como princípios e valores a conduta ética e transparência, o compromisso social, a humanização, o respeito às diferenças, aos princípios da democracia, à sustentabilidade e educação e permanente. Portanto, segundo esses princípios e valores, o hospital desenvolve suas ações, tendo como um dos canais 211 de comunicação com a população usuária o serviço de ouvidoria para apresentação de queixas e denúncias sobre o atendimento, bem como satisfação, insatisfação e reivindicação. A eleição para escolha da direção, a participação do Conselho Municipal de Saúde, do colegiado deliberativo e do serviço de ouvidoria são espaços públicos e democráticos que podem ser utilizados por todos os segmentos: docentes, técnicos administrativos, discentes e usuários (pacientes) na busca da qualidade e efetivação das ações pautadas nos princípios e valores, transparentes e democráticos, e universal. Pires (2008, p. 108) demonstra que é possível manter o caráter público do serviço, com o acesso universal, com a descentralização administrativa, com a democratização gerencial e o processo de descentralização e horizontalização não precisam ter a face da privatização. Os espaços públicos de participação no HU estão construídos, exceto a de seus servidores. Falta mobilização para que possam ter o controle social sem restrição, em todos os momentos, principalmente na decisão dos custos/gastos, em detrimento dos pacientes/usuários do hospital. Apesar dessa autonomia política, administrativamente, é relativa, visto a falta de autonomia financeira, do Hupaa; relacionada aos convênios, fundos e financiamentos do sistema de saúde público, amarrados a artimanhas burocráticas dos poderes estatal, municipal e federal, que acarreta a morosidade das ações. O que se coloca para a agilização e autonomia nos processos administrativos e financeiros é a criação das OSs em suas diversas modalidades. A viabilidade dessas organizações encontra-se, no momento, em discussão e avaliação nas instâncias colegiadas da gestão da Ufal e do Hupaa. Mas a criação das OSs pode tornar vulnerável o princípio universal, público e gratuito, e não há garantia de melhoria da qualidade no atendimento. Essa forma de gestão, por meio de fundação, já acontece no próprio hospital e não resolveu a situação de falta de agilidade e eficácia administrativa, muito pelo contrário, criou-se uma estrutura densa. Segundo o documento do plano diretor em vigência, os gastos contratuais com os funcionários da Fundepes atingem R$ 550 mil, sem contar com as taxas administrativas pagas à referida fundação. Os contratos com pessoas jurídicas perfazem R$ 600 mil, e, desse montante, 212 aproximadamente 40% corresponde aos custos operacionais do hospital, que tem um gasto mensal de R$ 2,632 milhões21. Todos os serviços das atividades assistenciais à saúde, como clínica, ambulatorial, laboratorial, banco de sangue, radiológico e os demais procedimentos, não são terceirizados, o que não significa que funcionem apenas com a força de trabalho do Estado. A terceirização no Hupaa está mais centrada, como apresentado, nas áreas de suporte administrativo, Same, almoxarifado, portaria, lavanderia, serviço de nutrição e dietética em parte, manutenção, limpeza, etc. Há diferença salarial, de carga horária, qualificação e capacitação e benefícios sociais como vale-transporte, vale-alimentação, entre os do servidor público e os demais vínculos de trabalho, em que a maioria trabalha de 40 a 44 horas semanais; não tem acesso aos programas de qualificação e capacitação, que são exclusivos para servidores, e as exceções para os da CLT, contratados pela Fundeps. Os serviços terceirizados não saem a custos tão baixos, ao contrário, o salário de um vigilante, por exemplo, se for um salário-mínimo o piso da categoria, a Ufal paga em média o correspondente a três salários-mínimos à empresa contratada. O corpo do quadro de pessoal do Hupaa é composto pela força de trabalho de servidores técnicos, administrativos, terceirizados, de contratos eventuais, estagiários, docentes, prestadores de serviços, enfim, são complexas relações sociais de trabalho, que vão de vínculos estáveis, pelo RJU, não estáveis, sob CLT, e os vulneráveis, sem vínculo empregatício nem com o hospital nem pela firma que os contrata, sujeitos a todo tipo de riscos, inclusive “acidentes graves de trabalho”. Para Pires (2008), no hospital público, a terceirização também é uma realidade, mas a sua estrutura aproxima-se mais das empresas verticalizadas do modelo de desenvolvimento fordista, ou seja, os serviços de apoio são de nível elementar, enquanto que no hospital privado aproximam-se mais da estrutura empresarial capitalista, pois são mais pressionados pela concorrência para modernizar-se, reduzir custos e ganhar mais pontos no mercado dos serviços de saúde. 21 Esses valores foram extraídos do Plano Diretor do Hupaa 2010/2014. 213 Os serviços públicos e hospitalares são menos pressionados por essa lógica de mercado, mas vêm sofrendo também para conseguir aumentar os Fundos de Investimentos da Reuf, do SUS, etc., pois necessitam ampliar sua capacidade de leitos e assistência integral para o atendimento da população usuária. A redução de custos com terceirização só não acontece nos serviços públicos, em que se percebem, ouve-se e vê, pelos meios de comunicação, jornais e revistas, as denúncias de corrupção feitas por instituições privadas relacionadas aos processos de licitações para instituições públicas, onde afirmam ser a ética do mercado em relação ao setor público. A imagem que se propaga dos serviços públicos é de corrupção, relações ilícitas, como se não fosse resultado das relações espúrias de quem dela pratica do privado/público e vice-versa. Outra característica do serviço público, que advém da relativa autonomia político-administrativa, e que perpassa pelo processo decisório, por exemplo, é fechar um serviço e abrir outros, o que implica conhecer as necessidades da população, atitude que é muito positiva; por outro, as longas e às vezes inócuas decisões, sem objetividade, e a burocracia estatal, podem prorrogar por tempo indeterminado essas ações. No dizer de Pires (2008, p. 117), alguns não podem simplesmente fechar. Podem até ser sucateados, inclusive expondo em risco a população, mas o fechamento põe em risco a credibilidade política de governo, do gestor público; além disso, existem os preceitos legais e constitucionais que não podem ser facilmente desconsiderados. A lógica que predomina na administração do hospital público não é a do lucro, mas, formalmente, é a de atender às demandas da população. Pires (2008, p. 118) apresenta vários fatores que influenciam a tomada de decisões em cada momento. a) Políticas de Estado: resultam do jogo político, definindo a visão de cada governo sobre a questão da saúde e o orçamento destinado para o setor; b) Situação financeira do Estado: implica definir cortes no orçamento, o que está subordinado à política econômico-social adotada; c) Correlação de forças representativas das classes sociais: estão presentes nas instâncias legislativas, formulando leis mais ou menos democráticas em relação às políticas sociais, decidindo os orçamentos dos governos; d) Pressão dos diversos grupos corporativos, especialmente da categoria médica e de grupos de especialistas que têm relativo poder para 214 influenciar na esfera administrativa: esses interesses podem ter múltiplas determinações, desde a identificação das necessidades da população, até os interesses econômicos de rendimentos, diretos ou indiretos, para grupos ou médicos privados; e) Problemas de saúde que assumem uma dimensão de risco epidemiológico, fazendo com que a população reivindique pelo serviço ou que o Estado decida enfrentar o problema. A esses fatores que interferem nas decisões sobre a política e os investimentos de saúde em cada conjuntura, acrescenta-se outro fator, que é a participação dos movimentos sociais pela saúde por meio dos conselhos de saúde, associações de pacientes, conselhos de classes e profissionais de saúde, assistentes sociais, psicólogos e médicos, que defendem a política de saúde pública e universal. O Estado, espaço que opera com os interesses antagônicos dos empresários da saúde privada, e os interesses da saúde pública, poderá, nessa área, pender para o lado mais organizado e articulado politicamente. A classe popular organizada fará pressão entre os deputados, senadores, formuladores de leis, articulando-se aos grupos da classe médica, que defende as necessidades da população, e, por meio dos movimentos sociais, que exercem o controle social, representando-os na esfera do Estado para concretização das ações e políticas de saúde pública. Quanto à decisão de terceirizar o hospital público, é o governo de Estado que a impõe, na busca de reduzir os custos, como já apresentado. No final dos anos 1980/1990, meados do governo FHC, foi implantado o programa de demissão voluntária de servidor, exceto para as carreiras estratégicas do Estado, entre elas, os cargos de médico, enfermeiro, etc., e a extinção da maioria dos cargos de nível de apoio: copeiro, cozinheiro, vigilância, limpeza, etc. Com isso, a saída foi a terceirização dos serviços em todas as instituições públicas, principalmente o contingente de servidores de apoio hospitalar. Tudo isso orquestrado pela política de neoliberalismo, na minimização do Estado, que acarreta a redução das políticas sociais públicas, elevando a fatia mais rentável das políticas de saúde via planos de saúde e previdência para a rede privada, alimentando o mercado capitalista. 215 Entre as críticas feitas à terceirização, Pires (2008, p. 120), destaca as seguintes: tentativa de burlar as conquistas trabalhistas das categorias mais organizadas e de enfraquecer os movimentos reivindicatórios dos trabalhadores. O governo, ao definir as carreiras para os cargos estratégicos que não perderam seus espaços profissionais no Estado, enfraquece o movimento sindical dos trabalhadores públicos, fragmentando-os entre os imprescindíveis e os descartáveis. Outro exemplo, que existe no hospital público, é a flexibilidade da jornada de trabalho de 30 horas, estabilidade no emprego, o direito à capacitação e qualificação, que proporciona incentivo financeiro, entre outros direitos trabalhistas, que os trabalhadores terceirizados, de contratos eventuais, etc. não têm. Trabalham no mesmo espaço público, prestam serviços à população, e têm direitos e regimes de trabalho específicos, e, consequentemente, filiação sindical diferente, fragilizando-os no conjunto das reivindicações por direitos sociais integrais aos trabalhadores. Essa fragmentação da classe trabalhadora no hospital público pode trazer consequências para a qualidade dos serviços prestados à população usuária. No caso de substituição imediata de mão de obra da enfermagem, por motivos de adesão a greve declarada abusiva, a gestão pode demiti-los sem justa causa, o que não acontece com o servidor público. O servidor público pode muito bem estabelecer alianças com os pacientes e a população em geral, incentivando-os a participar dos movimentos sociais por saúde, denunciar na ouvidoria o atendimento dispensado, e procurar o Ministério Público. A mesma atitude pode não acontecer com os trabalhadores da rede privada e os terceirizados, por medo de perder seus empregos. Por fim, a terceirização que existe e a que querem implantar via OSs, não é sinônimo nem de melhoria da qualidade nos serviços, nem de significativa redução de custos, nem mesmo garantia de efetivação e ampliação de ações de saúde públicas e gratuitas. Os serviços terceirizados ou as OSs são administrados por empresas cuja lógica é o mercado capital, ou seja, privam pela lucratividade da saúde. Em seus estudos, Pires (2008, p.122) aponta as desvantagens em vários setores terceirizados, em um hospital público no Sul do País, por ela pesquisado. Na nutrição, por exemplo, devido à necessidade de agilidade na adaptação às 216 intercorrências apresentadas pelos pacientes; na lavanderia, falta de roupas, roupa errada, dobrada incorretamente, roupa de outro hospital, de setor trocado, etc. Essas empresas, para obterem lucro máximo, diz Pires (ibid., p. 123) fraudam o serviço público, atendem mal, e colocam em risco a vida das pessoas, e refere-se ao caso da clínica de hemodiálise, em Caruaru (PE), onde morreram 60 pacientes por hepatite tóxica. A clínica tinha terceirizado o atendimento, e ficou comprovado que a economia de gastos com água foi a causa das mortes. Isso ocorreu devido à lógica da privatização que rege a terceirização, recém-batizada pelos fraudadores de licitação no Rio de Janeiro de a “ética do mercado” na busca do lucro à custa da fraude, corrupção e do mau atendimento à população, que paga com trabalho, impostos e a própria vida. 4.5.1. Estrutura administrativa e política do hospital-ensino público Legalmente, quem responde pelos atos administrativos e políticos do hospital público e de ensino é o diretor-geral, pois a decisão final dos atos administrativos operacionais é realizada por ele, mesmo que tenham sido discutidos e aprovados no colegiado, quem os sanciona é o diretor. Mas as decisões mais importantes, no dizer de Pires (2008, p. 125), em termos de estrutura organizacional, financiamento, política de pessoal, tipo de assistência prestada, população-alvo e recursos disponíveis, estão fora do âmbito do hospital. O papel de um diretor de hospital público perpassa necessariamente pela articulação com vários órgãos externos, numa relação transversal e transetorial, que vai dos Ministérios de Educação, Saúde e Planejamento, às Secretarias de Saúde estadual, municipal, em busca de financiamentos, convênios e orçamentos que tornarão possível administrá-los. Mas essa articulação poderá ir mais adiante, enquanto gestor da administração pública, no sentido de buscar suporte político nos espaços democráticos e representativos, em defesa dos interesses da população usuária dos serviços de saúde, através dos conselhos de saúde, dos profissionais de saúde e suas associações e conselhos de classes, assim como do movimento dos trabalhadores do setor. 217 Um hospital público é um bem para todos e feito por todos: médicos, enfermeiros, assistentes sociais, estudantes da saúde, docentes, e a população usuária. Uma gestão democrática se faz com a mobilização coletiva dos sujeitos neles envolvidos, para melhor realização das ações em saúde, com visibilidade e transparência em todo o processo administrativo. Os espaços democráticos existentes no hospital, como o conselho deliberativo, têm uma participação excludente, a exemplo dos conselhos de saúde, que opinam, mas não deliberam, ficando a decisão entre seus pares dirigentes, o que pode favorecer a cooptação em torno dos interesses e objetos de quem detém legalmente o poder institucional, retificando os interesses corporativos. O poder hospitalar é relativo, devido à centralização burocrática do poder nas instâncias superiores da Ufal, e as externas ao ambiente hospitalar, como os ministérios, Secretarias de Saúde, etc., que decidem o orçamento/financiamento e os recursos, e poderão deliberar para a administração do hospital, sem falar da morosidade na resolução dos problemas financeiros, no pagamento e na compra de materiais de consumo, medicamentos, etc., no atendimento ao processo licitatório para adquirir tais produtos. Por vezes, o processo licitatório é contestado por firmas concorrentes, que solicitam revisão e suspensão do ato, e quando isso ocorre, mais tempo se perde e a carência do material solicitado vai aumentando e agravando a situação. Outras vezes, a compra do material é inadequada, de qualidade inferior ao solicitado, de modo que nem sempre o mais barato resulta em qualidade de produto e menores gastos. Os mecanismos de descentralização e a horizontalização são necessários e eficientes para o melhor desempenho gerencial do hospital. Assim como os mecanismos de controle social na participação da administração pública, opinando e decidindo sobre o gerenciamento hospitalar de forma transparente e com visibilidade do que é público e de interesse de todos. Quanto à participação da representação dos trabalhadores do próprio hospital, não ficou visível no processo decisório, apesar da escolha de que participam para eleger o diretor, o que vem se observando é uma relação clientelista em torno de benefícios individuais, como a transferência de servidor para outro setor, sem considerar as chefias e a necessidade dos serviços, prevalecendo apenas o interesse daquele servidor. Outro exemplo comum, é a contratação de 218 parentes, amigos, pela Fundação, a prestação de serviços e de outras modalidades. Essas relações reproduzem o processo eleitoral do País nas instâncias federal, estadual e municipal, no qual o voto não se caracteriza pelos interesses da coletividade, mas pela troca de favores e do interesse do indivíduo. O que fragiliza os trabalhadores coletivamente na busca da participação no processo decisório hospitalar. Mas a luta por um hospital universitário público, gratuito e de qualidade faz parte da agenda de luta e reivindicação de todas as greves, quase que anualmente, feita pelos sindicatos da categoria de técnicos e docentes e do movimento estudantil universitário, na qual denunciam o sucateamento das estruturas físicas, da escassez e falta de material, da precarização do trabalho e pela não privatização do hospital de forma indireta, com a implantação das OSs, Oscips, enfim, pela terceirização dos serviços públicos. Esses movimentos sociais têm exercido importante papel político na luta por melhores condições e investimentos nos hospitais públicos. Essas forças políticas vêm mantendo acesos os ideais de uma política de saúde universal e integral nas suas ações assistenciais e hospitalares. Outro traço predominante da gestão hospitalar é a presença masculina e a corporação médica. Até os anos 1980, o hospital foi administrado por professores do curso de medicina. Com a instalação do processo eleitoral, no final de 1980, os médicos passaram a concorrer no pleito e a conquistar espaços na administração do hospital de ensino, onde dividem, com professores, a direção de ensino, e, com enfermeiros, a direção de enfermagem. Apesar da importância da força de trabalho feminino, tanto em número como na ocupação, em todo o espaço hospitalar, a mulher ainda não assumiu cargo de direção-geral do hospital. Porém a Ufal, durante os 50 anos de existência, teve duas reitoras eleitas pela comunidade universitária alagoana. 4.6. Serviço Social no Hupaa Na maioria dos setores técnicos, a chefia das unidades é escolhida entre os próprios profissionais. O Serviço Social escolhe um assistente social para chefiar o setor, a nutrição escolhe uma nutricionista, e assim sucessivamente. Os critérios 219 dessa escolha ficam a cargo do setor que envia a indicação ao diretor-geral para homologação, e este poderá aceitar ou não a referida indicação. Os cargos de chefias e direção são considerados de confiança do diretor do hospital. Alguns cargos de chefia são exercidos por trabalhadores da Fundação, a exemplo do Same. O Serviço Social é um setor que abrange todas as clínicas e serviços assistenciais do hospital. A partir do documento sobre os parâmetros da atuação do assistente social na saúde, vem redimensionando suas ações de cunho meramente burocrático para outros setores e ocupando-se das práticas socioeducativas, na garantia de direitos sociais, na assistência à saúde hospitalar com qualidade, e na humanização das relações com os serviços e com os profissionais médicos, dentre outros. A residência multiprofissional, desde sua criação, vem sendo coordenada por uma assistente social, o que comprova o reconhecimento dessa categoria profissional pela equipe de saúde do hospital e da competência técnica e teórica na condição da residência multiprofissional hospitalar, onde, além de coordenar, também participa nas atividades de formação dos residentes. O Serviço Social do hospital tem ainda participação nos movimentos sociais e sindical em defesa do hospital, posicionando-se contra a privatização dos HUs via processos de administração por OSs. O movimento é coordenado por professores da Ufal, assistentes sociais do hospital universitário que participam das mobilizações dentro e fora do âmbito hospitalar. É de responsabilidade de cada setor a elaboração das ações e do planejamento de sua unidade. Esses setores estão subordinados hierarquicamente à direção técnica, que sempre foi exercida por um professor de medicina ou um médico do hospital, portanto, a hegemonia do poder de decisões está na categoria dos médicos, com exceção da direção de enfermagem e da direção administrativa, que é exercida por profissionais ou professores de administração da Ufal. O hospital está subordinado à gestão superior da Ufal e é regido por seu estatuto e regimento, assim como pelas normas e regras do regimento próprio do hospital, da legislação do ensino da saúde, entre outras, e pauta-se principalmente pela ética das ações de saúde, dos custos e despesas nos interesses e necessidades da população usuária. Aqui, o objetivo é conhecer analiticamente a subjetividade institucional do Hupaa, onde se desenvolvem as ações da unidade de saúde Siass e dos sujeitos 220 sociais, a quem se direciona a política de atenção à saúde do servidor público federal, que trabalham na Ufal, especificamente no Hospital de Ensino da respectiva universidade. Este estudo contempla a política social de saúde do trabalhador na totalidade, as especificidades dessa política para o servidor público, as particularidades na concretização das ações na rede de referência do Siass-Ufal, em que se verificam as peculiaridades das ações de saúde com base nas necessidades dos sujeitos sociais, conforme os determinantes socioeconômicos dos processos e relações do trabalho e da organização sociopolítica institucional. Foi caracterizado o hospital onde se realizou a pesquisa com os servidores públicos técnicos e auxiliares de enfermagem. Hospital este de ensino e de assistência à saúde de alta e média complexidades, terciário e quaternário na divisão do sistema de saúde, público, exclusivamente mantido pelo Estado, nas diversas fontes e convênios públicos, que tem como finalidade prestar assistência universal à saúde da população; promover a formação superior de profissionais da saúde e contribuir para a pesquisa e conhecimento na área. Portanto, seu fim último não é legal e socialmente o lucro, nem o mercado capital da saúde, embora contribua, mas prestar serviços de saúde à população, ou seja, tem uma função social na efetivação das políticas de ensino, pesquisa e assistência à saúde pública, gratuita e de qualidade. Pode-se assim reafirmar que todo trabalhador público, ao exercer uma função pública, é social, ou seja, é um trabalhador social. 4.7. Subjetividade Coletiva dos Sujeitos Pesquisados O diálogo, encontro com os sujeitos da pesquisa, ocorreu mediante alguns estudos preliminares para adequar a aproximação e a delimitação desses. O levantamento sobre os determinantes socioeconômico, cultural-lazer e saúde, entre outros, com os servidores públicos, aleatoriamente escolhidos ocorreu quando da realização do I Seminário Sobre a Saúde do Servidor Público, planejado, coordenado e executado por esta pesquisadora em Alagoas, no ano de 2010. 221 Após análise dos dados levantados, definiram-se três categorias comuns ao universo do servidor público e que foram confirmadas no decorrer da coleta dos depoimentos dos servidores auxiliares e técnicos de enfermagem do Hupaa. São elas: o envelhecimento do servidor público, a feminização dessa classe trabalhadora e o sofrimento não apenas físico, emocional, mas ético, político e social, advindo das condições precárias de trabalho institucional. Por isso, optou-se por introduzir uma discussão teórica sobre os três conceitos que contribuíram para o conhecimento e aprofundamento da dimensão social enquanto um dos determinantes que interferem nas condições de saúde, vida e trabalho dos servidores públicos na área da saúde, na prestação dos serviços e cuidados com a saúde da população usuária do Hupaa. 4.7.1. O envelhecimento do trabalhador público e privado Inicia-se, então, uma análise teórica e crítica sobre o envelhecimento do trabalhador na sociedade brasileira, a partir dos estudos de Teixeira (2006). A longevidade vem crescendo e aumentando a população de idosos, tanto em números absolutos como relativos em um fenômeno tido como mundial e que abrange todas as classes sociais. Esse crescimento também acontece nos países em desenvolvimento, embora numa proporção inferior aos encontrados nos países desenvolvidos. Crescimento esse, segundo análise de Teixeira (2006, p. 12), decorrente da ampliação da expectativa de vida; do declínio da taxa de fecundidade, graças aos avanços da medicina; aos programas de esterilização em massa nas regiões carentes; e às altas taxas de mortalidade da população jovem, dentre outros fatores. A mortalidade da população jovem na sociedade contemporânea vem crescendo assustadoramente, motivada pelo uso e tráfico de drogas, violência urbana e do trânsito, falta de perspectiva e políticas de emprego e ações voltadas aos jovens, entre outros fatores. Com o crescimento da população idosa, vão surgindo políticas públicas e privadas, instituições especializadas no ramo, etc., para enfrentar a vulnerabilidade natural da idade, como as políticas de seguridade social. Amplia-se o mercado 222 especializado para essa etapa da vida, como viagens de turismo para idosos, academias, estética, etc. Evidenciam-se também as pesquisas e estudos científicos sobre o envelhecimento e as intervenções sociais em torno do idoso. Referindo-se à definição sobre o envelhecimento, Teixeira (2006, p. 12) faz as seguintes considerações: do ponto de vista demográfico e do individual, segundo a autora, o envelhecimento é definido pelos anos vividos; assim, são considerados velhos os que alcançam 60 anos de idade. Na dimensão biológica, o envelhecimento é definido como o processo de mudanças universais pautado geneticamente para a espécie e para cada indivíduo, que se traduz em diminuição da plasticidade comportamental, em aumento da vulnerabilidade, em acumulação de perdas evolutivas e no aumento da probabilidade de morte. (NERI, 2001, apud TEIXEIRA, 2006) Todavia, com esse declínio biológico, físico, coexistem outros fatores de natureza mental, cultural, econômica e social, e do trabalho, que configuram as diferentes formas de envelhecer. A compreensão do envelhecimento como um processo multidimensional, “ser velho compreende um processo dialético capaz de inter-relacionar a diversidade dos elementos que compõem a existência humana” (PAZ, 2001, apud TEIXEIRA, 2006, p.195). A autora ainda destaca, com base em Beauvoir (1890), que se a velhice, enquanto destino biológico, é uma realidade que transcende a história, não é menos verdade que esse destino é vivido de maneira variável, segundo as condições materiais de produção e reprodução social, que exprimem um estatuto social à velhice, ou estatutos diferenciados, conforme as classes, status e hierarquias sociais. Essa compreensão considera que os determinantes sociais em que estão situados os sujeitos vão interferir no processo de envelhecimento, logo, não se trata de um processo semelhante para todos. As condições de vida e trabalho, assim como as relações de produção e reprodução social, vão produzir desigualdades sociais e de saúde, que interferem no processo de envelhecimento de forma diferente, para o trabalhador, pelas condições a que se expõe, pelo modo como ocorre sua produtividade. É a partir das desigualdades sociais engendradas pelas estruturas produtiva e social que se prioriza a condição de classe como um elemento central para 223 compreensão social do envelhecimento, sob a prevalência de um tipo de sociedade capitalista, regida por relações sociais do trabalho que espolia o trabalhador e a antecipação do processo de depreciação natural de sua capacidade de labor, exclusão pelo critério de idade, desvalorização social, que atinge toda a classe trabalhadora. “Principalmente quando envelhecida, exacerbando as experiências negativas com o tempo, pela impossibilidade de controlá-lo, já que é expropriado pelos capitalistas” (TEIXEIRA, 2006, p. 20). O envelhecimento, como uma situação social vulnerável, é correlato das reviravoltas econômicas que afetaram as estruturas familiares como espaço de sociabilidade primária e de produção, ao expandirem a organização capitalista do trabalho, que pressupõe a expropriação dos meios de produção e do tempo de vida dos trabalhadores, inviabilizando sua sobrevivência sem o trabalho. Dessa situação, decorreram as lutas operárias, no início do século 20, nos países desenvolvidos, que deram origem às políticas públicas para condições do acompanhamento do envelhecimento do trabalhador, antes assumidos pelas famílias, associações filantrópicas, etc. Mas a ofensiva do projeto capitalista vem rompendo e desconstruindo essas políticas de proteção social ao idoso em sua dimensão pública, retornando, na pior forma possível, para as entidades e organizações sociais privadas e de benemerência, tirando-lhe o status de política social de Estado. Chama-nos a atenção Teixeira (2006, p. 19) para a centralidade no envelhecimento do trabalhador que advém do movimento real e não apenas de pressupostos teórico-metodológicos. É a classe trabalhadora a protagonista da tragédia no envelhecimento, considerando-se a impossibilidade de reprodução social e de uma vida cheia de sentido e valor na ordem do capital, principalmente quando perde o “valor de uso” para o capital, em função da expropriação dos meios de produção e do tempo de vida. Portanto, não é para todas as classes que o envelhecimento promove efeitos imediatos de isolamento, exclusão das relações sociais, do espaço público, do mundo produtivo, político, artístico, dentre outras expressões sociais dos processos produtores de desigualdades sociais. A pílula dourada dos anos da “melhor idade” que dominaram o mercado voltado para vender as ilusões de “eterna juventude”, viagens, sonhos não realizado, assim como o retorno ao trabalho voluntário e precarizado são formas que a 224 sociedade vem mostrando aos idosos, como se o envelhecimento fosse igual para todos. Envelhecimento é inerente à natureza humana, mas os efeitos socioeconômicos, culturais, dentre outros, são bem mais perversos para a classe trabalhadora. Ao se sentir sem condições de ser o “velho ativo”, ou envelhecimento ativo preconizado pela gerontologia, geriatria, entre outras disciplinas do ramo, o trabalhador se culpa por seu estado físico-social deplorável. Sente agora que é um “peso” sem valor social, pois não mais produz. Boa parte dos seus vencimentos são gastos com a saúde, para manter-se vivo, outra parte mantém as famílias, não lhe restando quase nada para viver a “melhor idade”, preconizada pelo mercado da área. Se, por um lado, essas ações e programas melhoram as condições de vida dos que podem pagar e ter acesso às ações, por outro, não são políticas universais que chegam aos trabalhadores em geral. Assim, o capitalismo, com as práticas temporais, espaciais e dos meios de produção, no dizer de Teixeira (2006, p. 41), aloca e realoca o tempo de vida dos trabalhadores, ou o tempo social, redefinido pelas necessidades reprodutivas ampliadas do capital, seja enquanto tempo de trabalho, “tempo livre” ou tempo de envelhecer. O envelhecimento do trabalhador, enquanto tempo de vida associado aos fatores sociais de desvalorização por não mais trabalhar, devido à pobreza, às restrições físicas, econômicas, saúde e social, configuram parte dos problemas que essa classe enfrenta na velhice. Inclusive, hoje, com as restrições às políticas sociais, entre esses o da proteção social, o envelhecimento do trabalhador e a longevidade de sua vida, é vista como um dos agravantes do sistema previdenciário. Então, passam a ter cortes nos salários e nos benefícios sociais, a exemplo da continuidade da contribuição para a previdência, acima de determinados salários, a garantia de até 20 salários, mesmo que sua contribuição seja feita em montante superior a esse valor. São sempre os trabalhadores que pagam triplamente para ter os direitos sociais com sua força de trabalho e contribuições na fonte dos salários, além dos impostos direta ou indiretamente cobrados. No entanto, no envelhecimento, sentem as dificuldades físicas, biológicas, afetivas e socioeconômicas para se manter de forma digna, justa e humana, nessa etapa da vida. 225 Mas o mercado do capital está investindo nessa fatia, para mantê-los como consumidores de bens materiais e financeiros. Assiste-se às constantes ofertas de empréstimos, pelo sistema financeiro, aos aposentados pela previdência, garantia líquida e certa de retorno. Muitos desses trabalhadores, aposentados, perdem quase todo controle dos salários, ficando atados às amarras do sistema financeiro, formando uma bola de neve de suas dívidas e empréstimos. Visualiza-se uma relação perversa e desumana, numa verdadeira extorsão dos salários dos trabalhadores. Com o envelhecimento, não há que se isolar do convívio social nem do consumo e manutenção dos bens materiais, conforme as necessidades sociais. O que se está pontuando é o tratamento e as carências socioeconômicas, culturais e biológicas da classe trabalhadora, nessa etapa da vida, em que o envelhecimento do trabalhador é uma questão social presente em nossa sociedade, diferentemente do envelhecimento da classe dominante. Então, se a classe trabalhadora envelhecida tem dificuldades socioeconômicas, consequentemente, poderá também ter precárias condições de saúde, agregadas aos determinantes biopsicológico e físico. Ou seja, há um componente de classes que favorece ou dificulta as condições e a qualidade do envelhecimento. Não há uma teoria unívoca sobre o envelhecimento ou velhice, em nenhuma das disciplinas e teorias na área, mas geralmente, na definição, há predominância do aspecto biológico, pois o organismo/corpo físico sofre modificações visíveis, e demonstra declínio na força, disposição e aparência, prevista na evolução dos seres vivos. Não é sinal de invalidez, a não ser por motivos de envelhecimento por doenças. No entanto, apesar de um estado evolutivo da espécie, não obstante, considerar um processo linear a todos os homens, independentemente das condições sociais e objetivas a eles expostas. É pelo trabalho que a natureza se transforma, transforma o homem e as relações sociais. as circunstâncias socioeconômicas, e de forma nela determinadas, mais ampla, a posição de classe, além dos fatores psicológicos, culturaisgenético-biológicas, criou distinções no modo como se envelhece, situações que tornam o envelhecimento um fenômeno biopsicossocial (TEIXEIRA, 2006, p. 57). 226 Grande parte das doenças nessa faixa etária foi adquirida ou agravada pelas condições de trabalho e de vida. A transformação do envelhecimento em problema social, na análise de Teixeira (2006), não está relacionada ao declínio biológico dos indivíduos, ou ao crescimento demográfico, ao aumento por demandas por serviços públicos devido às impossibilidades das famílias proverem os cuidados e proteção social. Mas, sim, à vulnerabilidade em massa dos trabalhadores, principalmente quando perdem o valor de uso para o capital, desprovido de rendas de propriedades, dos meios de produção, de acesso à riqueza socialmente produzida, capaz de proporcionar uma velhice digna (p. 58). Para estabelecer as diferenças entre a velhice que vive à custa do seu trabalho (pobre) e a que vive das rendas do capital (ricos), Teixeira (2006), por meio dos estudos de Beauvoir, afirma que existem duas velhices: a explorada e a dos exploradores: Tanto ao longo da história como hoje em dia, a luta de classes determina a maneira pela qual um homem é surpreendido pela velhice; um abismo separa o velho escravo e o velho eupátrida, um antigo operário que vive de pensão miserável e Onassis (p. 59). Apesar de reconhecer as diferenciações das velhices individuais: genética, física, mental, afetiva, familiar, trabalhista, dentre outros determinantes, a chave de todos esses é a situação de classe. Mas são duas as categorias de velhos (uma extremamente vasta, e outra reduzida a uma pequena minoria) que a oposição entre exploradores e explorados cria. Qualquer afirmação que pretenda referir-se à velhice em geral deve ser rejeitada, porque tende a mascarar esse hiato (TEIXEIRA, 2006). Há um abismo entre a velhice pobre sem proteção social, parte da classe trabalhadora com parcos salários e deficitários benefícios e política de proteção, e a velhice rica e amparada pelas ações e projetos de especialistas no ramo, nos diversos setores de moda, estética, turismo, clínicas, etc., da classe que detém o capital. Até as relações com a família reproduzem-se em torno dos interesses econômicos, que se produz pelo amparo, respeito e ao convívio social ou ao abandono, desamparo e isolamento do convívio social. Essa ambiguidade da velhice também está presente na perda das capacidades para o trabalho, e no preconceito da incompetência comportamental em decorrência dessa incapacidade, assim diz Lenoir (1998, apud TEIXEIRA, 2006): 227 A hierarquia das formas e graus de envelhecimento no campo das profissões parece reproduzir a hierarquia social e respeitar, se podemos falar assim, a hierarquia até mesmo no interior das empresas. É o que ressalta de uma pesquisa na qual, segundo os empregadores, a mais importante “deficiência” dos trabalhadores que estão envelhecendo é o enfraquecimento das faculdades de adaptação às novas tarefas, métodos ou técnicas, em seguida, é mencionada a “perda da ‘vivacidade intelectual’”, da “habilidade” da “memória” e, em último lugar, a inaptidão para o “comando”. Por outras palavras, isso significa que a diminuição, com a idade, das qualidades julgadas necessárias pelos empregadores para o exercício das diversas atividades profissionais ou, se preferirmos, a idade a partir da qual as diferentes categorias começam a “envelhecer”, é mais precoce para os membros das classes mais baixas: para os empresários, os trabalhadores braçais são considerados 100% produtivos “somente até a idade média de 51,4, os operários sem qualquer qualificação até 53,5, os contramestres até 55,9, os executivos até 57,9, e nenhuma idade é fixada para os empresários” (p. 60). Embora esse estudo de Lenoir não trate da capacidade laboral dos serviços públicos, pode-se estabelecer um comparativo com o trabalhos dos técnicos e auxiliares de enfermagem no hospital público, em que a maioria das atividades é eminentemente trabalho braçal, de esforço físico, de onde boa parte dos que se aproximam dos 40/50 anos são afastados dos cuidados dos pacientes, nas clínicas, por problemas de dores lombares, entre outros, pelo acúmulo e excesso do esforço físico na labuta. Outro elemento identificado no estudo de Lenoir, entre os servidores públicos, naqueles que estão envelhecendo, diz respeito às novas tarefas, ao método, às técnicas e tecnologias, que, como afirma a pesquisa, estão relacionadas ao “enfraquecimento das faculdades”. Assim como existe uma lógica hierárquica nas formas de envelhecimento, no campo das profissões, que reproduz uma hierarquia social, e nas empresas, o mesmo pode ser observado no serviço público. Aqueles que estão numa classe de nível elementar (apoio), nas funções braçais, e no nível médio, que produz manualmente, adoecem mais, e se aposentam tão logo completem seu tempo de serviço. Os profissionais em sua maioria que exercem atividades intelectuais, os hierarquicamente do nível superior, ficam mais tempo no serviço público, tanto que chamam a aposentadoria compulsória de expulsória, como é o caso dos professores universitários, entre outros profissionais. Na empresa privada, não há limite de idade para os empresários, no Estado, não há limite de idade para o exercício dos cargos políticos: vereadores, senadores, 228 deputados, governadores, prefeitos e presidente, ou seja, para a hierarquia do poder, o envelhecimento não limita o exercício da alta hierarquia do poder político. Mas, atualmente, com as reformas no estatuto que rege o serviço público, o RJU, vislumbra-se o aumento da idade de 70 anos para a aposentadoria compulsória. O trabalhador, após submeter-se a exames na perícia, se considerado apto, poderá continuar a trabalhar, se assim o desejar. Nesse processo hierárquico da capacidade laborativa pela idade verifica-se mais uma vez que o envelhecimento decorre mais da diferença e das desigualdades de classe, da posição que ocupa entre dominados e dominantes (os que mandam e/ou detém capital) do que do conflito de gerações entre trabalhadores ativos e inativos ou de uma visão romanceada da velhice. Nessa perspectiva, o envelhecimento dá-se sob determinadas condições, fruto do lugar que ocupa nas relações de produção e reprodução social. Não se pode tratar a velhice na generalidade, mas como manifestação plural, em que sua realidade social, as condições físicas, de vida e trabalho, têm sentidos e respostas nas diferentes classes sociais a que pertençam. Diante do exposto, a classe trabalhadora, especialmente o caso do servidor, vem enfrentando as tentativas do Estado em romper/separá-los do conjunto dos trabalhadores na ativa, fragmentando-os, uma vez que essa classe envelhecida é hoje articuladora do movimento sindical. Estão sempre atentos às manobras do governo relacionadas às perdas dos direitos e garantias do conquistado anteriormente, que culmina em acréscimos como: 13o salário, incentivo aos anos trabalhados, os quinquênios, etc. Assim como pela luta de permanecer vinculada a instituição através de espaços, sala, para atendimentos e atividades por eles definidos, e a permanência do recebimento dos salários pela unidade pagadora, a Ufal. O movimento sindical da Ufal, em sua fase atual, conta com essa classe de trabalhadores aposentados, que tem uma coordenação de aposentados e pensionistas, em todas as manifestações em busca de salários dignos, assistência à saúde que os incluam; participação em projetos de educação, como Universidade Aberta; entre outros, e as lutas comuns a todos, independentemente da idade e do vínculo ativo ou inativo ao trabalho. Mas essa nova sensibilidade, capaz de valorizar o ser humano, inclusive o ser social que envelhece, como destaca Antunes (2009), só é verdadeiramente possível 229 por meio da demolição das barreiras existentes entre tempo de trabalho e de não trabalho, impostos pela ordem do capital, com o fim da divisão hierárquica, que subordina o trabalho ao capital, logo, em bases inteiramente novas e fundadoras de uma nova sociabilidade, capaz de gerar atividade vital de sentido e autodeterminada. Enfim, o envelhecimento não é apenas resultado da natureza humana, mas principalmente da exploração do capital, em busca de lucros. Expõe o trabalho humano, vivo, às condições degradantes e subumanas, através de sobrecargas física, horas de trabalho em excesso, condições precárias, relações de trabalho precarizadas. Uma nova sociabilidade não pode considerar apenas os critérios de idade e do envelhecimento biológico, físico, mas as condições sociais e objetivas no processo da velhice. O respeito às necessidades do idoso não apenas enquanto consumidor de bens de consumo, mas em suas necessidades sociais e vitais de sentir-se útil e ativo, no seu tempo, suas condições biológica, física, mental e social. Reafirmamos a análise de Teixeira (2006) quanto ao reconhecimento do processo de envelhecimentos, no plural, o da classe que detém o capital sem critério de limites de idades para continuar suas atividades empresariais e explorador da força de trabalho da classe trabalhadora, principalmente o trabalhador braçal; das atividades de nível médio, do serviço público, como é o caso em estudo, que tem um envelhecimento diferente, proveniente das condições socioeconômicas e da submissão e exploração do trabalho, principalmente da força de trabalho feminina com tripla jornada de trabalho e papéis não reconhecidos socialmente, conforme indicam a invisibilidade das doenças e da condição feminina no trabalho. Não se trata de endemonização do trabalho, como causador do envelhecimento e do sofrimento, mas das relações sociais postas pelo capitalismo, que não contempla o lado humano de realização, criação do trabalho, que homem e mulher sejam respeitados na sua totalidade, de realizador e idealizador de sua obra, sentido humano, ao ver admirar o seu trabalho em todo o tempo de sua vida. Tudo isso, agregado às condições de vida e às subjetivas, leva a um envelhecimento precoce na ordem do capital e no Estado que reproduz a lógica, embora de forma sutil, e amenas, na organização e nos processos de trabalho que permanecem com os mesmos critérios do envelhecimento: a idade, tempo de serviço associado à idade, e suas habilidades, também presentes no serviço público, 230 a exemplo dos programas de qualificação de pessoal que têm como um dos principais critérios o tempo de serviço e a idade. Caso o tempo de serviço, junto com a idade, implique o tempo de aposentadoria, não há interesse da instituição em investir na capacitação do servidor. A autodeterminação e o interesse do servidor em querer continuar trabalhando é inerente aos critérios legais de idade e tempo de serviço. Reconhecese que existem abusos e interesses exclusivamente individuais, em detrimento do retorno institucional em benefício do coletivo, e que acontecem independentemente do critério de idade. O critério de capacitação hoje adotado nas instituições de ensino superior contempla o interesse individual do servidor e o da instituição. 4.7.2. A feminização da força de trabalho na saúde Pode-se afirmar que na área da saúde, independentemente de ser do setor público ou privado, predomina a atuação feminina, principalmente na corporação da enfermagem e, historicamente, por seus traços de submissão, entre outros. Posto isso, verifica-se o que diz Carloto (2000) nos estudos sobre a saúde da trabalhadora e as dificuldades do sistema previdenciário e das políticas de saúde do trabalhador em reconhecer as doenças e os sofrimentos da mulher trabalhadora. A feminização da força de trabalho é tida como um dos fenômenos encontrados nos últimos censos da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No levantamento de 2010, constata-se um significativo número de mulheres trabalhadoras, no Brasil, e verifica-se, no serviço público em geral, o equivalente a 64,1% de mulheres, e que se confirma também Alagoas, onde têm-se o maior número de mulheres chefes de família. Nas áreas de saúde e educação, em que se concentra o maior número de trabalhadoras no serviço público, historicamente voltadas ao ensino da população e os cuidados de saúde, as tarefas sempre foram realizadas pelas mulheres, antes de entrarem no mercado de trabalho, com a revolução industrial, acrescidas das atividades de benemerência com idosos, órfãos, pobres e desamparados. As atividades de donas de casa, de administração do lar e cuidados com a família, ainda hoje não são reconhecidas como trabalho vivo e não pago. 231 O acúmulo das atividades laborativas da mulher trabalhadora por vezes não é considerado nas avaliações da saúde da trabalhadora, por falta de uma nova sensibilidade humana social, que torne visíveis as condições de vida e trabalho da mulher, historicamente submissa. Segundo Carloto (2000), por razões de ordem econômica e por discriminação contra as mulheres, as suas queixas referentes à saúde não são vistas como relacionadas ao trabalho. Ao procurar os serviços de saúde das empresas, do serviço público, dos convênios e dos grupos de medicina privada, são tratadas como muito queixosas e a tendência é menosprezar as queixas e não relacioná-las com o trabalho que realizam. Independentemente do serviço de saúde ser público ou privado, o não reconhecimento dos determinantes sociais, como o trabalho de casa realizado antes do início e após o retorno das atividades na empresa público-privada, o tempo de deslocamento, as necessidades de realizar outras tarefas, como deixar os filhos na escola, ir ao médico, etc., não são reconhecidos na análise das condições de saúde da trabalhadora, uma vez que esses determinantes socioeconômicos são condições para a concretização do trabalho na empresa, não há como suspendê-lo, pois são condições subjetivas e objetivas da mulher trabalhadora. A literatura médica e a legislação persistem, no dizer de Carloto (2000), concentradas nas atividades ocupacionais, que associa problemas de saúde no trabalho a acidentes que provocam mutilação e mortes. As doenças só são reconhecidas como relacionadas ao trabalho quando provocam eventos dramáticos (mortes e sequelas que incapacitam totalmente para as atividades) ou quando se tornam epidemias, como é o caso das Lesões por Esforços Repetitivos (LER). É importante destacar que o trabalho doméstico não é considerado trabalho, portanto, o desgaste que as atividades provocam é associado a fatores puramente biológicos. O que se observa é a persistência do olhar da Saúde Ocupacional na análise e atuação da saúde do trabalhador, o que, mais uma vez, comprova a necessidade da visibilidade da dimensão social, que se constitui de trabalho/sujeitos, doenças/riscos. Sem considerar as condições sociais postas nesse contexto, os desgastes sempre estarão relacionados aos aspectos biológicos e ao aumento de trabalho, limitado pela visão da medicina e da legislação fragmentada. O processo relacionado à saúde da mulher trabalhadora na sua atividade produtiva, não visível e tratado como doença de mulheres, ou seja, sem nexo com a 232 organização do trabalho, no dizer de Carloto (2000, p. 2), parece duplamente agravado pela conjunção da precariedade do emprego que as exigências das empresas impõem às assalariadas, com as formas recentes de intensificação do trabalho impostas pelas novas tecnologias e processos produtivos. As reestruturações produtivas e as mudanças no mercado de trabalho e sua organização, no contexto da globalização da economia, pautada no modelo neoliberal, que reduz a políticas sociais que oferecem suporte social e condições para a mulher trabalhadora são pouco analisadas do ponto de vista de gênero. Entretanto, mostra Carloto (2000, p. 2) que os impactos das reestruturações produtivas sobre o emprego, a atividade profissional, as condições de trabalho e a saúde sofrem variações segundo o sexo e a mão de obra. Há que considerar as diferenças desses ajustes entre os países do Norte e Sul, assim como as diferenças regionais, locais e institucionais. É importante lembrar que estamos falando da mulher da classe trabalhadora que tem tripla jornada, dentro e fora do local de trabalho, com condições estruturais e sociais que provocam alterações na saúde e vida. A espécie animal, inclusive a humana, é composta de dois gêneros: o macho e a fêmea, que garantem a reprodução da espécie biológica, e socialmente produz as relações nos mais diversos âmbitos da vida econômica, cultural, espiritual, e do trabalho, entre outros. Carloto (2000, p. 7) afirma que cada gênero representa uma particular contribuição para a produção e reprodução da existência e do modo de produção, que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real, sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência (MARX, 1982 apud CARLOTO, 2000). Não é a consciência dos homens que determina a realidade; ao contrário, a realidade social é que determina sua consciência. A questão de gênero é uma manifestação societária que, desde os primórdios, estabelece uma relação de dominação sobre os diferentes, expressa na divisão de responsabilidades na produção social da existência humana. Assim, cria atribuições e responsabilidades alheias às necessidades e à vontade dos seres 233 humanos, pautadas em critérios, nessa divisão, que são sexistas, racistas e classistas. A construção de gêneros dá-se através da dinâmica das relações sociais e humanas, e só se constroem como tal em relação com o outro. Cada ser humano é a história de suas relações sociais, perpassadas por antagonismo e contradições de gênero, raça, etnia e classe social. Logo, a tentativa de naturalizar a mulher como um ser dócil, de não contestadora. Submissa, portanto um ser subalterno, subordinado sempre às ordens do outro, não corresponde com a realidade social, ou seja, é resultado das relações sociais construídas em determinada sociedade na qual se estabelecem estereótipos com bases biológicas e sociais, que reproduzem preconceitos de gêneros, apoiando-se, sobretudo, na determinação biológica. As diferenças biológicas transformam-se em desigualdades sociais, que toma a aparência de naturalidade. Assim, esses estereótipos são levados para as relações sociais de trabalho, onde são estudados cargos e funções típicas dos gêneros. Essas imposições de papéis e normas vividas com conflitos e resistências no enfrentamento para superar esse limite imposto, muitas vezes são expressadas pela violência doméstica, sexual, no trânsito, com xingamentos e atitudes agressivas, e no trabalho. Essa diferença de gênero carregada de poder sobre o outro, permanece ainda hoje com a hegemonia do homem (masculino). Considerando as devidas proporcionalidades, alteram-se os níveis dessa supremacia, que vem despencando lentamente, mas ainda detém um elevado grau de poder em relação ao outro gênero (feminino). No último censo do IBGE, realizado em 2010 no Brasil, a mulher teve um crescimento salarial, mas, apesar do crescimento da mão de obra feminina, na produção social da riqueza, os salários dos homens continuam mais altos, com uma diferença de 28%. Sobre a relação de classe, gênero e raça, argumenta Carloto (2000, p. 12), que existe uma simbiose entre patriarcado e capitalismo e acrescenta também o racismo. O patriarcado, assim como o racismo, constituem antigas formas de legitimação da discriminação social, integradas no capitalismo, e que, a partir dessa simbiose, são estabelecidas formas de dominação/exploração mais intensa sobre as mulheres. 234 Para Marx, a utilização no trabalho da força feminina, pelo capitalismo, foi motivada pela introdução da maquinaria, que permitia o uso de trabalhadores com pouca força muscular. O olhar sobre o trabalho das mulheres como seres indefesos, e com pouca capacidade laborativa, faz com que os capitalistas diminuam o valor de sua mão de obra, reduzindo o valor de seus salários em relação aos dos homens adultos. Diz Marx (1982): “Antes o trabalhador vendia o trabalho do qual dispunha formalmente como pessoa livre. Agora, vende mulher e filhos. Torna-se traficante de escravos” (apud Carloto, 2000, p. 12). A exploração da mulher sempre foi maior do que a dos homens; desde o começo do capital, além de ser explorada pelo capitalista, é também pelo marido, que a vende como força de trabalho de sua propriedade, assim como os filhos que trabalhavam. As relações sociais de gênero são mais espoliadas e degradantes para as mulheres, no trabalho, porque a libera em parte dos afazeres caseiros, o que provoca aumento das doenças e cuidados precários com as crianças, situação comum até hoje entre as mulheres das classes trabalhadoras mais baixas, e condizente com o trabalho manual. O conteúdo classista da questão de gênero está posto logo no início do capitalismo industrial, quando os capitalistas excluíram suas mulheres do trabalho produtivo, mas não dispensaram as mulheres dos trabalhadores. Essa relação de dominação do trabalho feminino subalternizado à vontade e permissão do marido e do patrão reforça as diferenças de exploração e seus efeitos mais perversos para a trabalhadora. Carloto (2000, p. 20), com base nos estudos de Safiotti (1999), analisa a questão inicial da mão de obra feminina incorporada pelo capitalismo industrial, em busca de produção e lucros desenfreados, numa relação selvagem com a produção humana em ritmos acelerados pela maquinaria. O primeiro contingente feminino que o capitalista maquinaliza do sistema produtivo é constituído pelas esposas dos prósperos membros da burguesia ascendente. A sociedade não prescinde, entretanto, do trabalho das mulheres das camadas inferiores. Muito pelo contrário, a inferiorização de que tinha sido alvo a mulher do século XX vai oferecer o aproveitamento de imensas massas femininas no trabalho industrial. As desvantagens sociais que gozavam os elementos do sexo feminino permitiam à sociedade capitalista em formação arrancar das mulheres o máximo de mais valia absoluta através simultaneamente, da intensificação do trabalho, da extensão da jornada de trabalho e de salário mais baixos que os masculinos, uma vez que o processo de acumulação rápida de capital era 235 insuficiente a mais valia relativa obtida através do emprego da tecnologia de então. A máquina já havia sem dúvida, elevado a produtividade do trabalho humano, não entanto, a ponto de saciar a sede de enriquecimento da classe burguesa (SAFIOTTI, 1979 apud CARLOTO, 2000, p. 20). Com as mudanças no processo produtivo do capitalismo, o trabalho sofre alterações que levam à divisão social de tarefas e de mercado, e vão desenhando a divisão sexual que o caracteriza. Mas não apenas como resultado dessa distribuição, como nos mostra Carloto (2000, p. 23), a divisão sexual do trabalho assume formas conjunturais e históricas, construídas como prática social, ora conservando tradições que ordenam tarefas masculinas e femininas na indústria, ora criando modalidades da divisão sexual das tarefas. A subordinação de gênero, a assimetria nas relações de trabalho masculinas e femininas, manifestam-se não apenas na divisão de tarefas, mas nos critérios que definem a qualificação das tarefas, nos salários, na disciplina do trabalho. A divisão sexual não é somente consequência da distribuição do trabalho por ramos ou setores de atividades, também o princípio organizador da desigualdade no trabalho. No interior do Estado, essas desigualdades na organização do trabalho também são reproduzidas. Aparentemente, são mantidas iguais as relações entre os dois sexos, masculino e feminino, assim como as tarefas, os salários, entre outros critérios. Mas os mecanismos e instrumentos administrativos acabam adotando na seleção das atividades do cotidiano pelo sexo, por exemplo, o atendimento ao público dos setores sempre são tarefas de servidores femininos, os homens não se sujeitam facilmente às relações de subordinação aos chefes sem contestá-las, e percebe-se nas mulheres entrevistadas, auxiliares e técnicas de enfermagem, que apesar da maioria da força de trabalho ser feminina, o poder da gestão concentra-se nas mãos masculinas. Não se trata de estabelecer uma relação de confronto entre as classes trabalhadoras feminina e masculina, mas de um tratamento entre iguais, respeitando-se as diferenças e habilidades, não em detrimento do sexo (CARLOTO, 2000, p. 23). A divisão sexual do trabalho é um processo que não se resume a alocar homens e mulheres em estruturas ocupacionais, com perfis de qualificação e tipos de postos de trabalho já definidos. Da mesma maneira, a qualificação é uma construção social fortemente sexuada, marcada pelos gêneros, e uma dimensão 236 fundamental do processo de constituição das categorias que vão estruturar a definição dos postos de trabalho e perfis de qualificação e competências a eles associados. Enquanto resultado de uma construção social, a divisão sexual do trabalho e os critérios de qualificação e perfis para o trabalho podem perpetuar formas de seleção entre os sexos naturalizando-os e ocultando as relações sociais de trabalho estabelecidas. A relação de trabalho como prática social traz embutida uma relação de poder entre os sexos. Por isso mesmo a definição de qualificações, carreiras, promoções não só é diferente para homens e mulheres, como resulta, em cada situação concreta, das relações de forças. Não há neutralidade no processo de escolha entre um trabalhador ou uma trabalhadora. No cenário brasileiro, as transformações societárias com a expansão do parque industrial no século 20, consolidando-se como País industrializado e moderno, provocou mudanças no quadro social, agravando a questão social naquela conjuntura com baixos salários, alta concentração de renda, assim como provocando o desemprego, restritas proteção social no trabalho e formas alternativas de trabalho, sem cobertura legal. Para as trabalhadoras, as transformações importantes foram o aumento do mercado para mulheres, principalmente na região urbana e sua permanência nesse mercado, apesar da forte crise que marcou os anos 80. Mas, no dizer de Hirata (1997 apud CARLOTO, 2000, p. 31) “o forte aumento da área de atividade feminina no Brasil, coincide com o importante aumento da precariedade do emprego no mesmo período”. Aliados a essas alterações econômicas no sistema capitalista, entra em crise essa forma de produção industrializada, passando para a fase de automatização da tecnologia robotizada, etc. Outra característica da divisão sexual do trabalho envolve as questões ocupacionais que mantêm a concentração dos trabalhadores em determinados setores, profissões, atividades do trabalho público-privado, e que se expandiram, apesar da crise econômica, como é o caso do setor terciário, da prestação de serviços, onde se encontram alguns dos empregos de mais baixos “prestígio” e remuneração. Assim nos diz Carloto (2000): Segundo setor de atividade, as mulheres estão concentradas na prestação de serviços, no setor social, na agricultura, no comércio, na indústria, outro setor em expansão, marcado pela presença de mulheres foi o emprego público, incluindo as atividades de previdência, ensino e saúde (p. 33). 237 A permanência das mulheres em nichos setoriais vem a partir dos anos 1970/1980, com as lutas dos movimentos feministas e, nos anos 1990 e início deste século, com os movimentos pelas diversidades sexuais, gays, lésbicas, entre outros, alterando, mesmo com crescimento tímido, esses guetos/nichos ocupacionais da mulher, apesar de os homens continuarem recebendo maiores salários e ocupando cargos de direção/chefia. Outro fator é o nível de escolaridade das mulheres que vêm aumentando, na formação profissional. O Estado incentiva, através de instrumentos legais, o aumento da participação de mulheres na gestão e na política: A permanência da mulher em questões ocupacionais, apesar de uma crescente participação em funções e setores antes pouco acessíveis, são produto da socialização para os chamados papéis femininos que se reproduzem na família, escola, meios de comunicação e que buscam orientar as escolhas das ocupações próprias para as mulheres e o próprio limite colocado para as mulheres ao tentar conciliar profissão e trabalho doméstico (CARLOTO, 2000, p. 34). A divisão sexual do trabalho e suas formas de submissão e discriminação não é característica apenas das sociedades capitalistas, mas, com a lógica da exploração da mão de obra desse sistema, as mulheres trabalhadoras sofrem muito mais exploração do que os homens, pois têm salários baixos, e são hierarquicamente, em sua maioria, subordinadas aos homens. Assim como o envelhecimento tem consequências nas precárias condições sociais de vida para a classe trabalhadora, a questão da mulher dessa classe também apresenta problemas sociais advindos de sua condição de mulher, principalmente na política de saúde da trabalhadora, em que pode ocorrer a invisibilidade do seu adoecimento. É preciso tomar cuidado com a relação que se faz entre dupla jornada das mulheres e seu processo de adoecimento. A dupla jornada contribui, pela sobrecarga de trabalho, para o agravamento das doenças, mas estas surgem, fundamentalmente, em razão das condições de trabalho. Há inúmeros casos de LER entre mulheres que não possuem afazeres domésticos. Há exemplos de homens que adquirem LER quando submetidos às mesmas condições de trabalho que provocaram LER em mulheres (CARLOTO, 2000, p. 150). Concomitantemente à ideia da dupla jornada, que provoca sobrecarga e o adoecimento, tornando invisíveis os processos e as condições de trabalho a elas apostas, está a culpabilização da trabalhadora por seu adoecimento, tendo como 238 causa suas atividades domésticas, se não o fosse, não teria adoecido, assim como a ideia da natureza do trabalho feminino, adequada ao seu biotipo. Essa análise, totalmente com base na medicina ocupacional, descarta os aspectos sociais, organizacionais e políticos que ampliam a análise da saúde da trabalhadora em sua dimensão social. Ao ser encaminhada a uma avaliação de saúde e não ser reconhecida como doença relacionada ao trabalho, após passar por todo tipo de espoliação física, mental e social, pode ser desencadeado um processo de sofrimento físico-mental-social, entre outros, conforme será demonstrado, em que o trabalho e a organização podem produzir sofrimento social, assim como nas condições de vida que reproduzem. 4.7.3. Sofrimento Social do Trabalhador Público na Saúde Motivos determinantes para classificar como social o sofrimento sentido pelos entrevistados foram as queixas provenientes do esforço físico com os cuidados aos pacientes; a relação de afetividade que desenvolvem com os pacientes, gerando sofrimento psíquico quando da perda por morte, invalidez; ou pela própria dor sentida pelos pacientes que estão sob seus cuidados. Além desses, existe o sofrimento ético-político a que são submetidos os trabalhadores nas relações e condições de trabalho que provocam uma sensação de impotência profissional diante da realidade social da instituição. Nogueira, M. (2009) denomina de sofrimento institucional o proveniente da instabilidade da crise econômica global, que desestabiliza as empresas/instituições gerando um ambiente tenso e incertezas quanto ao futuro daquela instituição, o que rebate no pessoal que trabalha, ao significar desemprego, perdas de direitos sociais, sucateamento e supressão de serviços, alterações nas relações sociais de trabalho, etc. Agregue-se a esses, o sofrimento dos trabalhadores pela reprodução em sua vida dos valores do homem burguês, que predomina em nossa sociedade de consumo. Motivado pelas ideias do capital, que incentiva a economia a crescer no enfrentamento à crise e na manutenção dos lucros, o trabalhador vende até sua saúde, para depois comprá-la em produtos farmacêuticos, planos de saúde, etc. Muitos entrevistados, mesmo que tenham completado o seu tempo para a 239 aposentadoria permanecem no trabalho para atingir seus objetivos de consumo, entre outros, como continuar ajudando na manutenção da família, dos filhos e netos. Entre todos esses aspectos do sofrimento identificados nesta pesquisa, ficou clara a dimensão sociopolítica do sentimento que envolve a sociedade brasileira e mundial, principalmente a classe trabalhadora. A pressão social que vivencia no seu cotidiano e trabalho, pode levá-los ao sofrimento psíquico, a desenvolver transtornos mentais, sendo, hoje, uma das causas de afastamento do trabalho e de aposentadorias precoces no serviço público especificamente em estudo. A título introdutório sobre o sofrimento provocado em nossa sociedade burguesa, de consumo desenfreado, fetichizado, e que reproduz esses valores através da escola, artes, religião, mídia e nas relações de trabalho e saúde, Konder (2000) apresenta o tipo humano que ele produz, em benefício do sistema burguês: Expliquemo-nos: uma coisa é o burguês, o proprietário dos grandes meios de produção, o empresário, o banqueiro, o grande comerciante. Outra coisa é o “tipo humano” que a burguesia, no exercício de sua hegemonia, permite que se desenvolva na sociedade. Não se trata de uma “modelagem” do burguês feita pela burguesia (fenômeno que de fato existe, mas permanece restrito ao espaço da classe): trata-se de um condicionamento promovido, não pela burguesia, diretamente, mas pelo conjunto da sociedade burguesa, que dizer, pelas características do “sistema” social estruturado sob a hegemonia da burguesia (p. 15). O homem recebe influência da forma como se estrutura a sociedade. Somos motivados e reprodutores da ideologia da classe dominante, e hegemonicamente guiados pela burguesia e seus canais produtores dos seus interesses. O comportamento do burguês, para Konder (2000, p. 15), como tal, corresponde de maneira mais ou menos direta aos grandes interesses de sua propriedade; já os movimentos do homem burguês, como “tipo humano”, apresentam enorme diversidade, uma riqueza bem mais surpreendente de contradições. À medida que a sociedade capitalista fragmenta o mercado de trabalho e as políticas sociais, consequentemente, ao dividi-los, o faz também com os trabalhadores, que reproduzem em sua forma organizativa sindical, muitas vezes presentes numa instituição, a exemplo das universidades, onde existem duas carreiras: docentes e técnicos administrativos; dois sindicatos: dos docentes, Adufal, e dos técnicos, Sintufal. Acrescentem-se os sindicatos dos trabalhadores celetistas, 240 e os seus vínculos empregatícios precarizados. Essa diversidade contribui para desmobilizar a classe trabalhadora, e os interesses comuns de todos por uma vida e trabalho dignos. Para Konder (2000, p. 109), ao longo do século 20, ficou claro que o homem burguês sofre com as consequências perversas do individualismo, da pulverização gerada pela competição generalizada, mas aprendeu a apreciar vivamente sua autonomia individual. Nenhum de nós, conscientemente, se dispõe a abrir mão da independência pessoal. Konder (2000, p. 109) nos convida a refletir, a pensar em como poderão vir a incentivar (os socialistas) meios de assegurar essa independência do processo de construção de uma comunidade “não burguesa”. Essa combinação de liberdade individual assegurada e a dimensão comunitária fortalecida se apresentam, hoje, como um desafio que não estava posto para os socialistas do passado. E traz essa reflexão para os atuais movimentos sindicais, que se colocam como desafios reinventar meios de mobilizar o coletivo dos trabalhadores empregados e desempregados em prol de garantia de direitos, sem perder os interesses coletivos e as subjetividades em questão. Entre os sofrimentos do homem burguês reproduzidos na sociedade neste século está o consumismo que, por vezes, é tido como sinônimo de prazer: “se não estou bem, vou às compras”, se não posso comprar, culpabilizo o mal-estar, a falta do dinheiro. Essa reflexão sobre a relação com o consumo está presente em cada sujeito, nas devidas proporcionalidades. Não se trata de proibir o consumo, determinar valor, etc., mas o uso indistinto e sem controle do homem, podendo chegar ao extremo da compulsividade, como nos adverte Konder, não é uma questão moral. Não tem sentido cedermos à tentação moralista de uma inócua declaração de guerra ao consumo. Todos nós consumimos e o consumo pode nos trazer momentos de alegria perfeitamente legítimos. O problema é outro. A distorção do consumismo está em passar a consumir para viver; ao viver para consumir. Enquanto uma nova ordem societária não se viabilizar, será sempre necessário que o homem burguês se debruce, com espírito cada vez mais autocrítico, sobre si mesmo, examinando as contradições com que se defronta com seus valores ético-políticos. 241 Mas nos mostra Sawaia (2002, p. 102) o sofrimento ético-político produzido nos sujeitos que têm como origem as injustiças sociais: o sofrimento é a dor mediada pelas injustiças sociais. É o sofrimento de estar submetido à fome e à opressão, e pode não ser sentido como dor por todos. É experimentado como dor, apenas por quem vive a situação de exclusão ou por seres humanos genéricos e pelos santos, quando todos deveriam estar sentindo-o, para que se implicassem com a causa da humanidade. Os sofrimentos advindos da fome, opressão, do fracasso, geram vergonha e culpa nos sujeitos por eles acometidos. Por serem sociais, as emoções são fenômenos históricos, cujo conteúdo e qualidade estão sempre em constituição. Cada momento histórico prioriza uma ou mais emoções como estratégia de controle e coerção social. O sofrimento ético-político reproduz-se também no ambiente do trabalho, nas formas adotadas pelas avaliações de desempenho e nas avaliações de saúde do trabalhador com foco nos desafios de conduta no trabalho, riscos nos ambientes, culpabilizando-os pelos erros e fracassos e no seu adoecimento. Os processos organizativos de trabalho não são avaliados em sua totalidade, é mais fácil delegar a culpa para quem executa, ou seja, verificar os aspectos ético-políticos abrange as múltiplas afecções do corpo e da alma que mutilam a vida de diferentes formas. Qualifica-se pela maneira como sou tratada e trato o outro na intersubjetividade, face a face ou anônima, cuja dinâmica, conteúdo e qualidade são determinados pela organização social (SAWAIA, 2002, p. 104). Enquanto processo histórico, o sofrimento ético-político é construído em determinadas organizações sociais que reproduzem as relações sociais dominantes naquela época. Portanto, não é estático, a-histórico e neutro, pois nele está contida uma ideologia de manutenção da ordem vigente: a dor que surge da situação social de ser visto como inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade (SAWAIA, 2002, p.104). O sofrimento, sob a ótica de Sawaia, revela a tonalidade ética da vivência cotidiana da desigualdade social, da negação imposta socialmente às possibilidades da maioria apropriar-se da produção material, cultural e social de sua época, de se movimentar no espaço público e de expressar desejo e afeto. Desejo este expresso no cotidiano do trabalho como reconhecimento do trabalho bem feito, que poderá ser em forma de elogio, pela chefia, pelos colegas, e o próprio paciente por ele cuidado, pois, no serviço público, nem sempre é possível 242 ter outros mecanismos de reconhecimento. Os erros e defeitos são expressos, mas faltam espaços de revelar a humanidade do trabalho através de quem o fez. Os sofrimentos gerados em torno do trabalho e nos ambientes onde se organizam e efetuam a atividade humana, necessitam ser visibilizados, analisados e enfrentados no cotidiano para que não venham a afetar o corpo e a mente humana, gerando as doenças psíquicas causadas pelo sofrimento no trabalho, como nos coloca Dejours (1994): Sofrimentos que emerge quando todas as possibilidades de adaptação ou de ajustamento à organização do trabalho pelo sujeito para colocá-la em concordância com seu desejo, foram utilizadas, e a relação subjetiva com a organização do trabalho está bloqueada (p. 127). Em sua investigação sobre o sofrimento na psicodinâmica do trabalho Dejours 1994) analisa seu conteúdo, suas formas, seu significado e seus processos defensores, focalizando-o na relação do trabalhador com a organização do trabalho, dando ênfase ao coletivo e não à individualização do caso a caso. Em seus estudos é utilizada a escuta do sofrimento psíquico dos trabalhadores, a partir de suas vivências da dor e do prazer ocasionadas nos ambientes do trabalho. A tentativa da classe dominante e seus adeptos teórico-ideológicos na defesa de que o sofrimento no trabalho está amenizado e quase que eliminado com o advento da tecnologia e de autorrobotização do maquinário, são recorrentes, hoje, nas organizações, para torná-lo invisível. Querer nos fazer acreditar espontaneamente que o sofrimento no trabalho foi bastante atenuado ou mesmo completamente eliminado pela mecanização e a robotização que teriam abolido as tarefas de manutenção e a relação direta com a matéria que caracterizam as atividades industriais. Quem dentre as pessoas comuns não é capaz de evocar as imagens de uma reportagem de televisão ou a lembrança de uma visita guiada a uma fábrica de aspecto asseado, new look? (DEJOURS, 2006, p. 25) O mesmo cenário quando visualizamos a imagem dos ambientes hospitalares privado, com maior investimento tecnológico, e o público, com menos recursos automatizados. Por trás da vitrina, há o sofrimento dos que trabalham, dos que assumem inúmeras tarefas arriscadas para a saúde, em condições pouco diferentes daquelas de antigamente e por vezes agravadas por frequentes infrações das leis trabalhistas: seja em indústrias ou em escritórios, hospitais, trens, aviões, etc. Um dos traços característicos da tecnologia incorporada nos hospitais é que não eliminou os trabalhos manuais, como é o caso do corpo de enfermagem, além 243 de permanecer o sofrimento físico, emocional, revelam os sofrimentos e riscos advindos do uso da tecnologia que exige um profissional mais ágil, atento e rápido, entre outros elementos, como: “Há o sofrimento dos que temem não satisfazer, não estar à altura das imposições da organização do trabalho” (Dejours, 2008, p. 29): imposições de horário, de ritmo, de formação, de informação, de aprendizagem, de nível de instrução e de diploma, de experiências, de rapidez de aquisição de conhecimentos teóricos e práticos, e de adaptação à “cultura” ou à ideologia da empresa, às exigências do mercado, às relações com os clientes, os particulares, ou os públicos. Não se trata de satirizar as organizações sociais do trabalho, as particulares ou públicas, mas dar visibilidades aos sentimentos de dor e prazer nas relações de trabalho e de que forma esses sentimentos podem trazer prejuízos à saúde do trabalhador. Dejours (2008) diz que: “Negar ou desprezar as subjetividades e a afetividade é nada menos que negar ou desprezar no homem o que é sua humanidade, é negar a própria vida” (p. 29). A negação do sofrimento no trabalho, ou pela falta dele, questão tão presente no início deste século, com o desemprego, mundialmente falando, ou pelas formas de precarização das relações e condições de trabalho, mostra-nos o autor que este também foi negligenciado pelos movimentos sindicais, antes mesmo de eclodir a crise do emprego: A questão do sofrimento no trabalho e, de modo mais geral, das relações entre subjetividade e trabalho foi negligenciada pelas organizações sociais muito antes de eclodir a crise do emprego... agora a saúde do corpo, as preocupações relativas a saúde mental, ao sofrimento psíquico no trabalho, ao medo da alienação, à crise do sentido do trabalho não só deixaram de ser analisadas e compreendidas como também foram frequentemente rejeitadas e desqualificadas (DEJOURS, 2006, p. 39). A literatura e a análise sobre a saúde nos mostram o sofrimento no trabalho e na saúde, e que o sistema de humanização das relações estabelecidas com os pacientes e os trabalhadores da saúde do SUS, o Humaniza-SUS, propõe trabalhar essas relações de sofrimento. Espera-se que não fique apenas como uma carta de intenções, princípios e valores ético-políticos e que não escamoteiem a realidade social, onde continuam trabalhando no limite da precarização das condições de trabalho. O mesmo propõe a política de saúde do servidor, a humanização das relações do trabalho. Não bastam ações de relaxamento, terapias, psicoterapia, se o 244 que está por trás dessa situação não são atacadas, ou seja, as condições precárias do trabalho. A proposta de atenção à saúde do servidor público apresenta dois programas no enfrentamento à questão de saúde referente aos sofrimentos: o programa para LER/Dort, doenças provenientes do esforço físico que provocam as lesões osteomusculares, e o programa de saúde mental, para os que apresentam sintomas desmotivacionais e os transtornos mentais, que têm contribuído para o adoecimento e o sofrimento social dos trabalhadores. Observa-se, hoje, uma tendência de tratar essas questões com a medicalização, o que, segundo Dejours, é uma das formas de camuflar os problemas sociais causados pelos processos de trabalho estabelecidos no modo de produção, tornando-os invisíveis. A organização do trabalho é, indubitavelmente, a causa de certas descompensações, por exemplo, as decorrentes do aumento dos ritmos de trabalho. Numa indústria eletrônica, foi verificado que a aceleração dos tempos e a exigência de desempenhos produtivos crescentes conduziram a descompensações rápidas que se desencadearam como epidemias. O pessoal, basicamente feminino, descompensa em crises de choro, dos nervos e desmaios, que atingem, como uma doença contagiosa, toda a seção de trabalho (DEJOURS, 2008, p. 120). É interessante observar a situação citada por Dejours, pois são trabalhadoras e a forma coletiva de vivência do sofrimento feminino, derivado da fadiga proveniente do ritmo, da pressão, da natureza do trabalho. No caso em estudo, o cuidar da dor/morte do outro, nos hospitais ou postos de saúde, pode levar a crises nervosas. Um quadro habitual, que surge no atendimento médico, é o das crises nervosas, cujas raízes laborais raramente são identificadas, ou relevadas pelos profissionais que os atendem, não provocando as mudanças possivelmente necessárias na organização e relações do trabalho, levando ao conhecimento de responsáveis, através de relatórios e estudos que não individualizassem as situações, culpabilizando-os. Essas crises são frequentemente encaradas como algo inerente a um “nervosismo natural das mulheres”, portanto a uma “inferioridade nervosa” própria do sexo feminino. A exploração desse nervosismo por certas chefias pode ser constatada na pesquisa sobre bancários realizada em São Paulo [...] as funcionárias consideradas “nervosas” recebiam maior volume de 245 trabalho e eram alvos de maiores exigências [...] o rótulo do nervosismo isentava as chefias de culpa, quando da ocorrência de novas crises de choro (SELIGMANN-SILVA, 2011, p. 227). Ainda nos chama a atenção, Seligmann-Silva, para o preconceito que sofrem “os nervosos”, “os acidentados” e “os adoecidos”, como um fator de desvalorização e desqualificação desses trabalhadores. A frustração, o rebaixamento da autoestima e muitas vezes as autoacusações pela precariedade em que se encontra, podem levar o trabalhador explorado à revolta, ao desespero ou à procura de compensação em bebidas alcoólicas ou drogas euforizantes (SELIGMANNSILVA, 2011, p. 231). Na visão da autora, os movimentos sociais movidos pelos sentimentos de indignação e revolta das populações e minorias excluídas do acesso ao trabalho digno ou mesmo a qualquer tipo de trabalho já se estendeu a muitos países, com visível expansão ao longo da crise econômica internacional. A minoria a que se refere a autora vem se ampliando, inclusive ao serviço público, através das relações de contratos precarizados de trabalho encontrados nos hospitais públicos em geral. Nesse sentido, Seligmann-Silva diz que a doença que se instalou na sociedade contemporânea é o gerencialismo, gestão contemporânea que se tornou uma epidemia, no setor público, e que está repercutindo na degradação da sociabilidade e no adoecimento dos funcionários. O meio de conquistar o máximo de vantagens e o aproveitamento máximo do mínimo de recursos financeiros e materiais e a exploração de pessoas – que também são reduzidas à condição de recursos humanos. No caso brasileiro, no setor público, a redução vem se dando pelo não preenchimento das vagas criadas pelos servidores que deixam cargos e funções por aposentadoria, morte, etc. Assim como criando as OSs e Oscips, promovendo a extinção dos cargos públicos e a privatização dos serviços públicos, na lógica do neoliberalismo, que minimiza o estado, e a implementação de políticas sociais. O consenso que se forma entre os que pesquisam o assunto é o de que a precariedade do trabalho eclodiu em cheio nas atividades de todas as áreas da economia – além de, atualmente, alcançar também os serviços públicos e as empresas estatais (SELIGMANN-SILVA, 2011, p. 486). Sob o signo de um serviço púbico ágil, moderno, vem sendo implantada a gestão pública da racionalidade, modernização e excelência. 246 No Brasil, a expansão, no setor público, da terceirização dos serviços, no dizer de Seligmann-Silva (2011), ocorreu principalmente através da contratação de estagiários, nas empresas estatais e nos bancos públicos, bem como da instauração de cooperativas, que proliferam na área da saúde, distorcendo o SUS, e pela externalização ou transferência de múltiplos serviços públicos para o setor privado. As múltiplas faces do sofrimento social, que desfavorece a classe trabalhadora, através da correlação de forças entre capital/trabalho, que tanto atinge o setor público como o setor privado, orquestradas pela minimização de recursos e escassos investimentos na área social e maximização dos lucros à custa da maisvalia da mão de obra precarizada, que produz desgaste humano. Mas o sofrimento que nos apresenta Nogueira, M. (2009, p. 70) indica que essas metamorfoses constantes e simultâneas, na sociedade contemporânea, e agravada pela crise econômica, provocam um sofrimento institucional que as tornam vulneráveis à sorte da instabilidade do mercado financeiro que comanda os demais setores da economia, atualmente. Para o autor: O “sofrimento institucional” também é requalificado nas condições periféricas. Passa a refletir um quadro em que certezas se convertem em apostas, em que a perda de segurança é compensada pelo crescimento das expectativas e das promessas em que a movimentação é ela mesma um valor, em que a obsessão pela identidade produz mais fragmentação e se combina com o aumento artificial dos controles. Isso cria inúmeros desafios para a direção e administração cotidiana (NOGUEIRA, M. 2009, p. 70). As organizações atolam-se em demandas e atividades que exigem processos de gestão ágeis e com articulação “máxima e ao mesmo tempo desejam-se deliberar a respeito de tudo. O ‘sofrimento’ reflete esse desencontro de expectativas” (NOGUEIRA, M. 2000, p. 70). Para acompanhar os ritmos frenéticos, deixam “soltos” os indivíduos, entregues à própria sorte. “Agem olhando para dentro de si, seus objetivos, convicções e sendo pressionados a tomar decisões sobre todas as coisas” (NOGUEIRA, M. 2009, p. 71). Por fim, diz o autor, o “sofrimento institucional” é somente um detalhe de um quadro mais geral de “sofrimento” que atinge a vida social como um todo (NOGUEIRA, M. 2009, p. 71). 247 Apesar de o texto de Nogueira, M. ser direcionado às alterações rápidas, sem tempo de processá-las, isso repercute no cotidiano do trabalhador, gerando tensões e sofrimentos. A partir da análise plural feita sobre a subjetividade, enquanto resultado dos determinantes sociais na construção dos sujeitos sociais que fazem a história da instituição onde trabalham, suas próprias trajetórias de vida e social, se reconhece o protagonismo dos trabalhadores e da população como um todo, lembrando que as condições objetivas e subjetivas interferem nos rumos e na direção que constituem essa trajetória no cotidiano. Assim, é importante reforçar as ideias discutidas pelos autores que pesquisaram o sofrimento nas várias dimensões. Em uma sociedade como a nossa, a hegemonia ideológica burguesa predomina e entra em nossas vidas pela escola, igreja, mídia, ética, trabalho, cultura, lazer a saúde. Enfim, o fato de se fazer uma crítica sócio-teórica desse modo de produção não significa que se suspendeu essa realidade e que estamos livres do tipo de vida dominada pelos valores ético-políticos da sociedade capitalista. Esses sentimentos contraditórios geram sofrimentos na criação, realização e na reprodução do processo de alienação. O próprio poder de desenvolver uma atividade criativa, inovadora, existente no ser humano precisa ser posto à venda como se fosse uma “coisa”, transformado em força de trabalho, em mão de obra, deve apresentar-se no mercado como uma mercadoria igual a todas as outras (KONDER, 2000, p. 20). No dizer de Seligmann-Silva (2011), em nossa sociedade contemporânea, nos setores público/privado, o ser humano, as pessoas, viraram recursos cada vez mais expostos às condições precárias de trabalho, ou aos processos de precarização nas relações de trabalho. O que provoca medo, vergonha e insegurança dos trabalhadores em denunciar e defender condições de trabalho dignas. Essas situações geram sentimentos de impotência e interferem na saúde mental e na social, que repercutem na qualidade dos serviços prestados à população. Dejours (2006) convoca-nos a estarmos atentos aos mecanismos e instrumentos utilizados pelas sociedades contemporâneas e organizações do trabalho em tornar invisíveis os sofrimentos provocados pelos processos de trabalho impondo ritmos, cargas, pressões, volumes de trabalho, vendendo uma face 248 humanizada, com um novo visual de que, com o advento da robotização, das tecnologias modernas, da flexibilização nas relações de trabalho, entre outros, o trabalhador tornou-se livre, autônomo, criativo, feliz, e não tem como humanizar as relações sem considerar os sentimentos e as afetividades do conjunto dos trabalhadores. 4.8. Auxiliares e Técnicos de Enfermagem: relações de trabalho, saúde, PassSiass A intenção, aqui, é trazer a “fala” dos servidores públicos: auxiliares e técnicos de enfermagem do Hupaa, sujeitos de nossa história sobre a saúde do servidor público, e as ações da Pass-Siass na integralidade dirigida aos trabalhadores públicos federais do Poder Executivo da Ufal. A maioria desses trabalhadores é do sexo feminino, têm dupla ou tripla jornada de trabalho e pouca visibilidade social nos processos de adoecimento, entre outros fatores que interferem nas condições de vida e saúde das trabalhadoras públicas nas atividades de cuidar da saúde do outro. Qual será a realidade vivenciada por nossas protagonistas? Como vivem? Trabalham? Como cuidam de sua saúde? O que pensam das ações da saúde do trabalhador desenvolvidas pela unidade Siass-Ufal? Mas do que entrevistadas(os), pesquisadas(os), são elas(es) que fazem acontecer o dia a dia do hospital, portanto, têm a centralidade do seu protagonismo no cotidiano. O que fazem? Gostam do que fazem? O que não gostam de fazer? Esses sujeitos historicamente, sócio, econômica e politicamente determinados no contexto social contemporâneo, são marcados pelas precárias condições de trabalho e insuficiência de recursos materiais, humanos, etc. que fazem parte do cotidiano do trabalho. De que forma essas condições interferem na qualidade do seu trabalho e quais os impactos na satisfação/realização do sofrimento e da dor? Até agora, tratou-se da Política de Atenção à Saúde do Servidor Público, foi analisado o Siass, sistema de operacionalização das ações da Pass; analisados os teóricos que estudam o tema saúde do trabalhador; e os determinantes sociais, éticos, políticos e econômicos que interferem na saúde mental, espiritual e física dos trabalhadores públicos e em geral; entre outros referenciais teóricos baseados na matriz de análise crítica. 249 Os capítulos que antecedem são bases fundantes para estabelecer um diálogo com os sujeitos da pesquisa, que detêm o conhecimento do saber-fazer e o saber-técnico, como também o conhecimento das condições de trabalho e a forma como se dão as relações sociais no ambiente do trabalho. Enfim, como trazer à tona os processos e a organização do trabalho no hospital público. Reafirma-se que, para que aconteça a saúde do trabalhador, é preciso a participação social dos próprios no processo de trabalho, e nos espaços democráticos de construção das ações de saúde na sua totalidade, Há espaços coletivos para que planejem suas ações de trabalho e na saúde? Ou são apenas executores de ordens e serviços? Trazer o trabalhador público para assumir o seu papel de construtor de políticas e ações de saúde é um desafio que se coloca nessa área; junto com as equipes multiprofissionais da saúde, em todos os âmbitos que compõem a saúde do trabalhador. Espera-se que esses trabalhadores participem efetivamente da política de atenção à saúde, não apenas como objeto de ação e informação, quando solicitados, mas que se efetivem os canais e mecanismos de participação e os instrumentos de capacitação que os levem ao protagonismo social. A dinâmica do local do trabalho, as vulnerabilidades dos ambientes, as relações com os colegas, a chefia e os gestores, são elementos fundamentais para avaliar as condições de trabalho e saúde daqueles que participam desse complexo processo, e sabem reconhecer as situações de risco a que estão expostas nos ambientes onde trabalham, associados aos conhecimentos científicos dos profissionais de saúde, engenharia, social, etc. podem diagnosticar e revelar a realidade de saúde e a social naquele contexto. Mais do que entrevistados, são os protagonistas e possíveis interlocutores da construção de uma política de atenção à saúde e que esta não invista apenas em ações de saúde, mas que possibilite a transformações de processos de trabalho recheados de sofrimentos e dominação, em criação, participação e realização, livres de exploração. Assim, segue-se o roteiro da entrevista feita com os auxiliares de enfermagem e técnicos de enfermagem do serviço público. No início de intervenção com os pesquisados, após a apresentação dos objetivos de estudo, estabeleceu-se a forma da entrevista, deixando abertas suas respostas. Portanto, se não quisesse responder, ou falar sobre determinados assuntos e perguntas, que não o fizesse. 250 Realizamos uma escuta sensível, e respeitando os momentos que iam além do nosso interesse. Por exemplo, no período de realização de parte de algumas entrevistas, estava se disseminando uma bactéria hospitalar resistente e, por isso, várias clínicas suspenderam o atendimento, para evitar contaminação, risco de morte e infecção de pacientes, e risco à saúde do pessoal da enfermagem, principalmente dos que cuidavam dos pacientes infectados e isolados. Por causa dessa situação, algumas entrevistas demonstraram todo o sentimento de raiva, indignação e sofrimento diante da exposição ao risco biológico, sentimento de dominação e impotência em atender o paciente nas precárias condições, etc. Algumas vezes, saía do roteiro da entrevista, mas não da relação com o tema. Estão em blocos as respostas sobre as questões relacionadas à organização do trabalho, às condições de trabalho e de vida, sem identificá-las individualmente, salvaguardando suas identidades, visto que o objetivo do estudo é conhecer e analisar os sujeitos sociais, trabalhadores públicos, no processo de trabalho no hospital público e as ações de saúde no atendimento a esses servidores, enquanto resultado de uma construção social. Nossa pesquisa visa conhecer a dimensão social, tripé da questão de saúde do trabalho. Embora nela posto, há pouca visibilidade e efetiva integralidade, por isso defende-se que essa dimensão necessita assumir seu protagonismo deixando de ser um apêndice conceituado na saúde do trabalhador, mas de pouca efetividade na mudança dessa concepção sob a dominação dos especialistas entre outros. E isso só poderá acontecer mediante ação multiprofissional, em conjunto com os trabalhadores e seus representantes. Outro traço comum entre os sujeitos de nossa pesquisa refere-se ao processo de envelhecimento em que se encontram, um dos fenômenos da sociedade contemporânea que rebate na classe trabalhadora. Segundo o IBGE (2010), são 7,4% das pessoas, e que não poderia ser diferente no serviço público. As ações de saúde consideram o perfil do envelhecimento? Há necessidade de políticas de saúde que considerem essa realidade social, repensando os processos e a organização de trabalho e que levem em consideração os ritmos às vezes mais lentos, os problemas de saúde decorrentes da idade, e dos acúmulos dos desgastes físico, mental e social provenientes das relações sociais de trabalho, como também considerar o saber-fazer, o conhecimento institucional, o 251 trabalho e as experiências, que os tornam qualificados e conhecedores dos processos do trabalho. Os critérios de idade, tempo de serviço e produtividade, como meios de seleção da mão de obra, para continuar a trabalhar, se o desejar, após completar o tempo para a aposentadoria, são percebidos, pelos trabalhadores, como falta de valorização do seu trabalho, descartando-o. O trabalhador em condições de saúde poderá ter o direito de continuar a trabalhar. Embora reconhecendo que a classe trabalhadora, cuja atividade requer esforço físico e desgaste mental e social, advindo do sofrimento e de condições de trabalho precários, vive sonhando com sua libertação do trabalho mediante a aposentadoria. Vejamos então o processo de trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem pesquisados. 4.8.1. Carga horária do trabalho no hospital público: Processo, organização de trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem Trabalho aqui 30 horas, era para eu dar 40 horas e querem isso, mas trabalhamos apenas 30 horas. Não dou plantão extra (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Trabalhava 8 horas por dia e estudava. Atualmente a carga horária de trabalho é de 30 horas semanais sem plantão (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). A carga horária é de 30 horas, mas como tem poucas pessoas na escala, é sobrecarregada, é muita coisa para pouco tempo (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). No HU minha carga horária é de 30 horas semanais (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Tanto no HU quanto no Samu, trabalho 30 horas semanais. No HU, dou plantão e evito trabalhar à noite por causa do Samu (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). A carga horária é de 40 horas semanais, mais trabalho 30 horas devido aos acordos, mais existe ameaças para voltar a ser 40 horas (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Na questão carga horária, não se identifica nenhuma reclamação quanto às horas trabalhadas, nem pressão de chefias quanto ao cumprimento. Constata-se até certa flexibilidade. Os regimes de contrato, da categoria de enfermagem, tanto de 252 nível superior como técnico é de 40 horas semanais. Mas os mecanismos institucionais, legais, permitem que o servidor trabalhe em turnos corridos, se o serviço, devido à sua natureza, precisar ser ininterrupto, pode fazer 30 horas, como é o caso dos auxiliares e técnicos de enfermagem, há até “ameaça”, como alguns falaram, de voltar a 40 horas, mas o quadro de pessoal de enfermagem, proposto no plano diretor, contempla a carga horária máxima de 30 horas. A dupla e a tripla jornadas são justificadas pelos vínculos com outro local de trabalho, privado ou estatal, conforme os depoimentos, além da jornada doméstica, o que acarreta sobreposição de carga horária, fato que, com certeza, afeta a saúde dessa trabalhadora, em sua maioria mulher. Das 20 entrevistas, quatro foram dadas por pessoas do sexo masculino. Como atividade em que predomina o esforço físico, há uma maior sobrecarga de trabalho. Dos entrevistados, seis ainda permanecem com outro vínculo de trabalho: estado, município e hospital privado, os demais tinham outros vínculos, deixados por não suportarem a sobrecarga e por serem, as condições de cobrança, maiores na empresa hospitalar privada, motivada pela busca de lucros e concorrência mercadológica na saúde. No hospital privado, a exigência é muito maior, principalmente, a família exige demais e o funcionário não pode reclamar, até os minutos são cobrados, se passar os 15 minutos de tolerância, não se podia mais assinar o ponto e era descontado (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Observou-se ainda, o processo de dominação presente nas relações de trabalho desses técnicos de enfermagem que gera um sentimento de desvalorização e sofrimento que afeta a sua saúde mental e social, renegando seu valor enquanto trabalhador e construtor da política de saúde deste País. O médico tem uma carga horária de 20h. Chega 10h e sai 12h, volta às 3h, sai 6h e o resto da semana desaparece. A enfermagem leva o HU nas costas (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). As outras profissões, como médico, psicólogos, etc. têm muito mais valor do que a enfermagem, não recomendo a ninguém fazer o curso de enfermagem, se for por sonho faça, mas se for por estabilidade não faça (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Todos os demais profissionais têm carga horária de 30 horas exceto os cargos administrativos, que fazem 36 horas semanais, ou seja, há certa flexibilidade na carga horária para todos os servidores do hospital universitário. 253 4.8.2. Salário e carreira profissional dos auxiliares e técnicos de enfermagem Como bem colocou Pires (2005), no hospital público, a contratação, realização de concurso, política salarial e de carreira, assim como os salários, não é de competência da gestão do Hupaa, conhecido como HU, nem da administração superior da Ufal. É uma política do governo do Estado, que, de acordo com a conjuntura e política governamental, estabelece os percentuais para aumentos salariais e os benefícios sociais, assim como a realização de concurso e nomeação. Mas, na atual política de redução de gastos e do estado mínimo, nessas três últimas décadas, principalmente, estes têm sido resultado também da pressão e luta por melhores salários e condições dignas de trabalho, dos movimentos sindicais dos trabalhadores públicos, que desde o governo FHC perderam sua data-base de reajuste salarial anual. Esta realidade não mudou até hoje, com a presença dos governos, “sensíveis” à causa da classe trabalhadora. A greve é parte da agenda anual nos serviços públicos, mesmo que venha se mostrando como instrumento de pouca efetividade, por causa da desmobilização do movimento, da fragmentação dos trabalhadores, da precarização do trabalho. Em sua maioria, os entrevistados são assalariados, concursados e efetivados e não apresentaram nenhum comentário sobre o respectivo salário. Entre os que permanecem com dois vínculos, o salário que ganham do hospital público federal é bem maior do que dos outros. Mas reconhecem que entre os três poderes do Estado, o Poder Executivo tem os salários mais baixos. Minha faixa salarial no Estado é de 600 reais, é pouquinho, juntando o estadual e o federal dá 3 mil reais (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Meu salário no Estado é pouco, só falta a gente pagar para trabalhar. No HU recebo 1.800 e, no Estado, 1.200. Minha renda total é de 3 mil reais (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). A estabilidade nas relações de trabalho do serviço público é ainda uma das motivações pela carreira pública, entre outros atrativos, como flexibilidade na carga horária, e até salarial, visto a diferença entre os vínculos no universo pesquisado. Outras formas de salários indiretos são as concessões de benefícios sociais, como: auxílio-transporte, auxílio-alimentação e creche, e recebem o adicional de insalubridade e/ou periculosidade. Em relação a esses dois últimos, são pagos 254 conforme o grau de exposição a risco, definidos pela medicina do trabalho com bases legais. Os benefícios de transporte, auxílio a creche e os adicionais noturno e insalubridade, precisam ser solicitados pelo servidor. Caso não o faça, não o recebe. Hoje, muito desses instrumentos legais na concessão das gratificações de insalubridade e periculosidade são mais de enquadramento dos trabalhadores do que a ampliação e garantia desses direitos. Um dos ganhos do plano de carreira dos técnicos administrativos que abrange os auxiliares e técnicos de enfermagem são os incentivos financeiros obtidos conforme o grau de escolarização, da capacitação e qualificação. Entre os entrevistados, oito não têm curso superior, os demais 12 cursam ou têm curso superior nas diversas áreas do conhecimento e, desses, apenas um tem curso superior de Enfermagem. Isso mostra interesse para investir nos estudos, embora não relacionados à carreira de enfermagem, que poderia traduzir-se em qualidade na assistência ao paciente e possível crescimento profissional, mediante concurso público para o cargo de enfermeiro superior. Nesse aspecto, predominam o objetivo pessoal e a provável vontade de mudar de cargo e não continuar na carreira de enfermagem, embora na fala declarem gostar do que fazem, mas sentem que não há reconhecimento profissional. O incentivo financeiro obtido com a titulação do curso superior também os motiva a continuar estudando e qualificando-se. Com isso, tem-se considerável alteração no nível de escolaridade desses profissionais, de nível médio para alto nível de escolaridade, em relação ao cargo que ocupam. 4.8.3. Grau de satisfação com o que fazem dos auxiliares e técnicos de enfermagem Não mando ninguém fazer enfermagem, é uma profissão que as pessoas humilham bastante, mas a maioria dos auxiliares de enfermagem se sentem humilhados as vezes é no ganho, carga horária que botam no chinelo. (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Gosto de lidar com o paciente... “o paciente é tudo” sem ele não existiria o trabalho de enfermagem (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). 255 O trabalho para mim significa independência, de forma alguma ficaria sem trabalhar. Gosto tanto de trabalhar que tiro as férias parceladas. Não lembro o tempo que tirei um mês de férias. (Entrevista aux. e tec. de enfermagem) Gosto da minha profissão e do que faço, não gosto de fazer coisas que não são da minha atribuição (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Ao fazer fisioterapia, nunca tive a intenção de me afastar da enfermagem, mas sim de dedicar-me aos pacientes, pois o que mais gosto da minha profissão é o contato com as pessoas (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). No HU a valorização vem através dos pacientes, gera amizades entre a enfermagem e o paciente, isso me satisfaz (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). A relação e os cuidados prestados aos pacientes são os principais fatores que dão satisfação no desenvolvimento de suas atribuições no cargo de auxiliar e técnico de enfermagem, mas há um movimento contraditório nas falas, proveniente, por exemplo, da escolha do curso superior que fazem, até nas áreas afins, como é o caso de fisioterapia, psicologia, serviço social, e não enfermagem. Um dos motivos posto no primeiro depoimento é a falta de valorização e reconhecimento da profissão, conforme Dejours (2006) e Seligman-Silva (2011) afirmam, o não reconhecimento gera sofrimentos e possível adoecimento mental. Outras insatisfações citadas nos processos de trabalho são provocados pela falta de material, da burocracia e da morosidade em resolver tais situações, como colocam os sujeitos sociais. 4.8.4. Insatisfações manifestadas nos processos de trabalho Às vezes, tem material, às vezes não, é que a burocracia atrapalha, é complicado e o pregão não facilitou, tem dia que falta tudo, quando falta até se improvisa, mas pode faltar tudo menos medicação... (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Aqui no hospital há muita burocracia com o funcionário, existe muito protocolo. Colocar o privado no HU ta influenciando na burocracia e atrapalhando. Eu aprendi a facilitar a vida do paciente e não atrapalhar (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Gosto da profissão, mas a falta de materiais, medicamentos, maca, cadeira de rodas, atadura, isso gera constrangimento por falta desses materiais incidindo na qualidade dos serviços e no aborrecimento nas relações de trabalho (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Não gosto de fazer e lavar material, tricotomia nos pacientes... no trabalho, têm momentos tensos, pela falta de material, de recursos humanos e material (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). 256 A questão mais citada por todos os entrevistados e que revela as precárias condições de trabalho é a falta de material, a morosidade provocada pelos processos burocráticos para resolução, o que faz com que muitos os reconheçam como motivo de constrangimentos, aborrecimentos e tensões, determinantes estes que funcionam como fatores que podem alterar sua saúde física, mental e social nas relações de trabalho. Uma discussão sobre o modo de trabalhar do servidor público, que busca identificar os entraves e a burocracia para execução desses serviços, desmistificando o mito do trabalhador que não gosta de trabalhar é encontrada em Codo (2007): Parece ao cidadão comum que o servidor público é um ser dotado de misteriosa propriedade de tornar difícil o que seria fácil, de criar dificuldades ao invés de resolver problemas, um carimbo, uma assinatura, adquire surpreendentemente o dom de se transformar em uma epopeia interminável (p. 297). Percebe-se que o próprio servidor também reclama do processo burocrático em torno de suas atribuições, dificultando o “facilitar o acesso do paciente” aos serviços de saúde. Outra questão presente nos processos de trabalho do servidor público atrelada à burocracia é a morosidade na compra de materiais, apesar do uso de modalidade simplificada de licitação, do Pregão, para a aquisição, não houve mudanças significativas, conforme os depoimentos colhidos. Nesse sentido, Codo (2007) explica a diferença entre a agilidade da empresa privada na compra de material e a morosidade da pública: Na empresa privada, basta alguém perceber que acabou o papel, telefona para dois ou três fornecedores decide por um, faz a encomenda pelo fone mesmo, recebe e paga o papel. Resolvido o problema. Na pública, é preciso ter em mente que os cidadãos podem e devem ter acesso ao exame da operação... Hoje e sempre em qualquer momento alguém poderá questionar a compra do papel... Se na empresa privada o tempo necessário, digamos é X, o tempo público é 10X... o que se observa é que se passam 50 dias, digamos, até que o papel chegue ao setor, disponível para uso. Por mais intrincada que seja a burocracia é preciso admitir: alguém não fez o que deveria fazer. Mas quem? (p. 297). Interessa-nos, aqui, analisar o processo de trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem que sofrem, no dia a dia, constrangimentos, tensões, por causa do modo burocrático de adquirir materiais para uma boa assistência ao paciente, prejudicando-os com improvisos na assistência e precarizando as condições de trabalho. 257 Essa morosidade contribui para a imagem de que o servidor não trabalha e complica a vida dos pacientes e da população porque não gosta do que faz, é preguiçoso. Pelo fato de essas relações de trabalho serem um pouco mais flexíveis quanto à carga horária, sobrecarga de serviços, melhores salários, etc., não dar ao servidor autonomia para agilizar os processos de aquisição de material, alimentação, medicamentos, etc., coisas aparentemente simples de resolver, no serviço público, complexificam-se e provocam mal-estar no servidor e prejuízo para o paciente. 4.8.5. Organização e participação nas decisões dos setores dos auxiliares e técnicos de enfermagem Quanto às reuniões da enfermagem na direção não participa, apenas somos comunicados... e às vezes chega tão depois que as decisões já foram tomadas (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Existem vários fatores para melhorar o atendimento, no privado, o salário é menor, mas é mais organizado. O serviço público do HU é um dos melhores, até gringo vem aqui, mas falta mais assistência... ocorrem reuniões no meu setor e há espaços para opiniões e decisões... (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Quanto à participação nas decisões e reuniões no setor, aqui a gente só obedece. As pessoas têm o péssimo hábito de não fazerem sua função, acho que no setor falta rotina (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Não participo das reuniões do planejamento das atividades. Isto é decidido pela chefia e repassado para os demais, e tem que aceitar (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Precisa de uma melhor organização nos horários da visita dos estudantes, residentes e médicos, pois geralmente, eles passam a visita pela manhã no horário mais corrido para se realizar todos os procedimentos da enfermagem, é também necessário estabelecer critérios para o horário de realização dos exames (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Os entrevistados demonstram capacidade de identificar os problemas existentes no processo de trabalho e relatam as dificuldades encontradas na realização. Ao mesmo tempo em que demonstra reconhecer os nós na administração e organização das atividades, boa parte não participa do planejamento e da decisão das próprias ações. Confirmam o que Pires (2008) diz sobre a subalternidade desses profissionais da enfermagem na execução de suas ações. Subordinados ao médico, à enfermeira, à burocracia administrativa, etc. 258 A enfermagem é cobrada pelos médicos, por familiares, pelos pacientes, pela administração. No entanto seu poder decisório é pequeno, depende de outros setores e as regras de funcionamentos da instituição delimitam as suas possibilidades de ação (p. 188). O estado de dominação dessa mão de obra, quase que integralmente em todas as suas ações, só pode trazer consequências para a saúde desses trabalhadores, que sofrem com a natureza do seu trabalho “a dor humana” e a pressão em forma de cobrança de ações e o sentimento de impotência pela pouca ou quase nenhuma participação do processo decisório. Há que considerar esses processos que muito interferem na saúde mental e na social provocando sensação de pouca valorização do seu trabalho. A Pass-Siass pode estabelecer várias ações em saúde de cunho assistencial, preventivo e promocional, mas se não trouxer à tona os processos de trabalhos e as alterações dessas relações, serão intervenções sem nenhuma ou pouca efetivação. É mais do que necessário trazer à tona a participação desse trabalhador em todos os âmbitos: na organização, planejamento de ações, avaliações dos ambientes e no processo decisório, se não mantém-se um círculo vicioso no processo trabalhoadoecimento e vice-versa. Essa forma de organização do trabalho da enfermagem, entre outras profissões que separam as ações de pensar/planejar/decidir e as de executar/fazer, baseia-se no modo da divisão do trabalho adotado no capitalismo e reproduzido na lei que rege a profissão, o que reproduz os valores da sociedade burguesa quanto à qualificação superior/inferior, e exploração da mão de obra: Esse modelo reproduz o que está explicitado na lei – LEP 7.498/1986 – a qual mantém as características básicas de cisão entre o saber e o fazer, que surgem com a organização da enfermagem como profissão no final do século passado (PIRES, 2008, p. 189). É compreensível o pensamento contraditório apresentado pelos profissionais quando dizem, quase a maioria absoluta, gostar do que fazem, mas não querem fazer o curso superior de Enfermagem, como forma de negar a condição de subalternidade a que estão sujeitos no cotidiano de suas atividades nos cuidados assistenciais aos pacientes hospitalares. A realização de outro curso superior desde que não seja Enfermagem, é a possibilidade de superar as relações de subordinação, assim como a participação social nos movimentos sindicais e espaços democráticos. 259 Nesta questão, apesar da maioria responder que não participam em alguns setores, é possível consultar e dar opinião nas decisões. 4.8.6. Relações de trabalho entre chefia, colegas, pacientes Nunca tive problemas nem com as colegas, nem chefia, quando tem algum conflito, procuro contornar a situação. Respeito a hierarquia, mas acho que todo servidor, dentro das atividades que exerce, é capaz de responder por seus atos. É claro que há cobrança, que não são ordens (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Não tenho contato com a chefia, dessa forma a chefia não pressiona, não me sinto explorado. O servidor é o estepe do serviço, nosso patrão é nossa consciência de fazer aquilo certo. A principal pessoa do hospital é o paciente (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Sempre tive boas relações com os pacientes, e as chefias, mas já fiz uma mobilização, através de um abaixo-assinado para tirar uma chefe autoritária e que causava problemas com os demais servidores e pacientes, e consegui a transferência dessa chefe, ela fez anotações no livro chamando uma servidora de maluca, esquizofrênica, como também veio me desrespeitar na frente de um paciente, chamando-me de palhaço e assim houve o desentendimento, muitas pessoas (colegas) adoeciam por causa dessa chefe (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). A relação com a chefia é demais, não tem conflitos, nunca tive problemas com ninguém, o estresse é por conta de muita gente para atender, para uma só pessoa, até pela impaciência das pessoas. Os pacientes são mais estressados que os colegas de trabalho. Mas o paciente é tudo, é ele que mantém o hospital, sem ele não tinha trabalho, ele está em primeiro lugar (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Quanto ao clima nas relações dos auxiliares e técnicos de enfermagem, com as colegas, chefias e os pacientes, denotam-se situações de conflitos, de insatisfação pelas pressões de pacientes, famílias, e cobrança das chefias. Mas as chefias, em geral, não foram colocadas como causadoras de estresse, e quando acontece, como relatado, os servidores se mobilizaram e transferiram a chefe autoritária para outra unidade. Há uma compreensão da importância do paciente enquanto cidadão possuidor de direitos, pagador de impostos, mantenedor dos serviços de saúde, porém, no dia a dia, suas “impaciências”, reivindicações, reclamações, são motivo de estresse no trabalho. Em relação aos colegas, alguns entrevistados falaram da competição, do individualismo, e da falta de coleguismo em situações de trabalho, do descompromisso no cumprimento de horário. Os estresses com os colegas, chefias e pacientes ocorrem mais pela escassez de pessoal, sobrecarregando os demais, e 260 a constante falta de materiais, comum a todos os setores da Ufal e do HU, enfim, do serviço público, é a campeã das reclamações. Alguns têm consciência de suas responsabilidades e a capacidade de responder por seus atos e sabem distinguir responsabilidades das chefias na administração dos serviços, não confundindo nem se ofendendo quando são chamados à prestação de contas dos seus serviços, o que demonstra alto grau de responsabilidade. Os processos de trabalho e as relações com chefias autoritárias, a pouca participação e o diálogo são motivos de adoecimento coletivo, como Dejours (2008) coloca, o caso de mulheres que trabalham sob tensão e os chamados ataques nervosos que “contaminam” todos os demais componentes da equipe de trabalho. O caso aqui exposto, que mobilizou o setor para a retirada da chefe, partiu de um profissional do sexo masculino, que também sofreu assédio moral, sendo xingado de “palhaço”. Outro xingamento e assédio moral relatados referem-se ao problema de saúde: “Quando comecei a ter problemas de saúde fui vítima de assédio moral e perseguição da chefia”. Ela dizia: “Você não serve para ser meu servidor”, “Tô cheia de você”, “Não pode fazer isso”, “Não pode fazer aquilo”, “Às vezes ia ao banheiro fazer exercício, relaxar e chorar de angústia e dor”. O profissional de enfermagem contou que foi transferido para outro setor, mas não gostava do que fazia, pois não era de sua função. Por causa disso, entrou em depressão por mais ou menos dois anos, com uso de medicação antidepressiva, e até hoje não conseguiu transferência do setor de que não gosta. Dejours (2008) ressalta o uso da medicação para camuflar as relações de conflito no trabalho e como resolução da situação. No hospital público, às vezes, é difícil resolver certas situações, como, por exemplo, a remoção de um servidor para outro setor, devido à escassez de pessoal, por isso, é necessário uma política de saúde e humanização que busque trabalhar continuamente as relações de trabalho e humanas, não apenas esporadicamente, como individualmente. Entende-se que o envelhecimento, a questão de gênero, o modo de vida adotados, são determinantes que interferem no adoecimento e saúde do trabalhador, mas o agravamento está posto nos processos e relações do trabalho, e nas condições precárias do trabalho, muito presentes nos serviços públicos. Não são os indivíduos que são doentes; as vulnerabilidades nos ambientes é que 261 provocam o adoecimento do trabalhador. Verifiquemos as reclamações sobre as doenças dos servidores e o que dizem a respeito ao trabalho. 4.8.7. Doenças declaradas e possíveis causas relacionadas ao trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem no Hupaa Sou hipertensa, diabética, por isso faço exercícios, caminhada, cuido da minha saúde, mas as minhas doenças são agravadas constantemente no setor do trabalho, pois o estresse constante é devido à falta do companheirismo, por conta de servidores descompromissados (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Saí do setor porque tive problema de saúde, hérnia de disco, lombar e artrose, por excesso de peso e esforço repetitivo, ia ao médico, fazia fisioterapia, logo após 15 dias o problema voltava (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Quando entrei na Universidade não tinha problemas, ao longo dos anos foram surgindo dores no joelho, fiz cirurgia na rótula do joelho, o médico não disse se a doença tinha relação com o trabalho, mas acho que sim. Depois surgiu glicose e pressão alta, acho que são relacionadas ao trabalho (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Fui transferido da Clínica Médica, devido o tempo de serviço e estava com a imunidade baixa para cuidar dos pacientes e a carga de horário maior. A clínica médica é onde acontece o maior número de adoecimento dos servidores. Ver o paciente definhar e não evoluir... traz sofrimento devido ao vínculo afetivo que se cria,... Em decorrência do contato com secreções de um paciente tive problemas de doença (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). As causas do adoecimento dos trabalhadores aqui relatado são de diversas ordens: emocionais, acúmulo de anos de atividade, cargas genéticas agravadas pelas relações de trabalho, processos e organização trabalho, assim como dos riscos físico, biológico-químicos, da natureza do trabalho da saúde, acrescidos dos determinantes sociais provenientes da realidade social em que vivem e trabalham. Essa complexidade de situações e causas de vulnerabilidade e riscos afetam a saúde do trabalhador da saúde, e seus efeitos são mais perversos, ainda, devido à falta de participação nas decisões do cotidiano e nas relações de dominação sobre o trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem. As possibilidades de superar a dominação só é possível a partir da organização dos próprios trabalhadores para se fazerem vistos e escutados; é assim que alguns se sentem invisíveis enquanto ser humano e social. 262 A burocracia administrativa é um dos fatores que mais provocam tensões no trabalho, devido à constante falta de materiais, de profissionais, e protocolos, a morosidade na compra, o difícil acesso de pacientes aos serviços e dos próprios servidores, quando solicitam consulta, ou outro tipo de atendimento, medicamento, por causa da rigidez burocrática que desconhece a relação de trabalho do servidor com a instituição, mesmo diante de uma doença proveniente do desgaste físico e dos riscos químicos a que se expõe, são fatores de frustração, sofrimento e de injustiça social. Quando trabalhava na maternidade, na maioria das vezes tive que cobrir plantões dos colegas que não podiam comparecer, não descansava, para me manter acordada recorria ao café. Por conta disso, meu sono se tornou tenso e perturbado, fiquei com o meu psicológico e físico perturbados, quando dormia, ouvia constantemente choros de crianças. Por não aguentar mais essa rotina fui transferida para outro setor, que não dava plantão, melhorou minha vida e neste novo setor trabalhava com produtos químicos. E quando fui submetida aos exames periódicos, foi constatado um problema de saúde, por meio de biopsia, foi diagnosticada uma síndrome... eu estava perdendo proteínas pela urina... um problema muito sério, quase morri. Tive que me afastar do trabalho e fiz sessões de quimioterapia (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Prosseguindo o relato da servidora, observa-se o olhar da saúde ocupacional que não reconheceu a doença como do trabalho, por falta de elementos médicos de análise, exclusivamente dados que provassem os antecedentes históricos da saúde da trabalhadora. Desde aquele momento até hoje, faziam 25 anos que não tinha sido submetida a exames admissionais, não específicos, e como a doença não apresentava sintomas, só vim saber depois do setor medicina do trabalho, e quando submeteu-me a exames, só assim com os exames mais específicos, tomei conhecimento da doença (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). A falta de humanização por parte da administração, dos colegas e dos serviços de saúde foi colocada pela entrevistada, como um sentimento de insatisfação, da invisibilidade do trabalhador e da falta de ações mais efetivas que facilitasse e a ajudasse na cura/controle do seu problema de saúde. Nunca recebi uma visita de qualquer profissional da Ufal, nem ajuda, ainda que meus medicamentos eram de alto custo. Mas certa vez, devido ao atraso de meu remédio, fui orientada pelo meu médico para solicitar um empréstimo em um hospital. Como trabalhava no hospital universitário há alguns anos e sabia da disponibilidade no estoque, achei que fosse fácil consegui-lo. Entrei em contato com a colega na farmácia, expliquei o problema, disse que o médico tinha solicitado duas caixas a mais para eu repor, devolver ao HU, onde estava pedindo emprestado. Mas a resposta foi 263 negativa, pois, de acordo com o regulamento do hospital, a medicação é reservada exclusivamente ao paciente, portanto não podia aprovar o empréstimo... fiquei chateada, pois quando recorri a outro hospital, consegui sem problemas o medicamento, por isso o meu descontentamento com a instituição (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Esse depoimento retrata as condições de trabalho e as relações a que estão submetidos os servidores públicos do referido hospital; a sensação de falta de humanidade e a injustiça social é tamanha, que torna invisível a doença do trabalhador da instituição, provavelmente adquirida lá. Mesmo que não o fosse, as normas, leis, regimento, a burocracia administrativa, desconhecem o ser humano em condições precárias de saúde. Mas essa é uma realidade brasileira. Morre-se por não apresentar comprovante de plano de saúde, do pagamento, etc. Como não ter ataque de nervos, numa situação de total desrespeito à trabalhadora, e depois ainda dizer que é coisa de mulher nervosa? Essa não é uma situação isolada, mas social e presente nas relações de saúde do trabalhador e na saúde no Brasil como coloca Barros de Barros e Santos Filho (2007): Relatos de trabalhadores que nos chegam a partir das situações vividas nos serviços de saúde apontam, insistentemente, para a relação dor-desprazertrabalho. Tal relação, desde a muito merece ser posta em análise quando acompanhamos as mudanças no modo de produção, pela contínua perda de direitos de proteção social ao trabalhador [...] e pelos fracos vínculos que os trabalhadores estabelecem nos e com os espaços, processos de trabalho (p. 617). Na maioria das vezes, essas questões são solucionadas através dos vínculos de amizade ou de apadrinhamento, ou seja, como um atendimento individual, uma concessão de “favor” e assim afirma Barros de Barros e Santos Filho (2007) que as queixas e o adoecimento por causa dos processos e relações de trabalho são constantes: “Chama-nos a atenção a sistemática/resiliência seja das queixas, seja do modo como elas têm sido respondidas” (p. 61). E complementa dizendo que é necessário trazer essas situações de saúde do trabalhador e os processo de trabalhos para serem mais bem analisados em busca de soluções coletivas: Interferir nos processo de gestão do trabalho, trazer ao centro da cena não apenas o trabalhador (indivíduo) ou sua categoria (conjunto), mas as relações que estabelece com o processo produtivo, com os objetos de investimento em (e de) seu trabalho, parecem-nos ser um importante 264 caminho a ser mais profundamente investigado (BARROS DE BARROS E SANTOS FILHO, 2007, p. 62). Os sentimentos aflorados pelos servidores acometidos por situações de adoecimentos, das precarizações no trabalho, na desqualificação do seu trabalho, é de não valorização do seu trabalho e negação do seu ser social integral, alma, corpo e mente. Quanto à relação trabalho-dor-prazer, Dejours (1992) afirma que o trabalho prazeroso é aquele que o trabalhador tem importante participação na construção dos processos, relações, rotinas, etc. O sofrimento, a dor, o desprazer, estão ligados aos sentimentos de “indignidade e irritabilidade e desqualificação” vividos pelos trabalhadores ao executarem uma tarefa aquém de sua capacidade criativa, inventiva. Vejamos o que dizem os trabalhadores sobre os sofrimentos vividos no/pelo trabalho. 4.8.8. Sofrimentos vividos pelos auxiliares e técnicos de enfermagem no trabalho A burocracia, ao invés de ajudar, complica. Isso me deixa angustiada, quando não encontro materiais suficientes. Roubaria dinheiro para comprar materiais se eu fosse o gestor do hospital, o que irrita é a burocracia que trava tudo (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). O serviço público é deficiente, precário, algumas pessoas não acham importante, não existem tantas cobranças aos médicos como na enfermagem. O paciente é igual a mim, que sofre, sofro com o paciente, não deveria, mas me apego ao paciente por ele estar nas minhas mãos (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). O que mais adoece muito é o envolvimento com o sofrimento dos pacientes, por isso faço terapia, comecei quando fui trabalhar no hospital de infectologia... Sentia muita angústia, dores no corpo e insônia e acabava tendo um mau relacionamento com os demais servidores por me compadecer dos pacientes e acreditar que os profissionais podiam contribuir mais (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). A maior causa de adoecimento na enfermagem é a sobrecarga e o sofrimento em tratar de outrem... Na clínica médica, se adoece mais do que no ambulatório, onde não se tem uma maior frequência de pacientes, é muito sofrimento ver o paciente morrer, lembro do primeiro paciente que vi morrer (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Aqui notamos que o sofrimento dos que trabalham com os cuidados do paciente não é somente por conta da natureza do próprio trabalho, mas dos processos que dificultam e os impedem de prestar uma assistência de qualidade. 265 As precárias condições de trabalho das atuais políticas de saúde, em que os profissionais são tão vítimas quanto os pacientes, acabam tornando-os o bode expiatório da assistência à saúde. Como disse um dos entrevistados, “os serviços públicos são precários, o médico não é tão cobrado, tudo sobra para a enfermagem, eu sofro com o paciente”. Ou seja, coloca-se numa posição de impotência, e igualase ao doente, “vítimas” do sistema de saúde. Dejours (2006, pp. 34-36) diz que se o sofrimento não se faz acompanhar de descompensação psicopatológica, é porque contra ele o sujeito emprega defesas que lhe permitem controlá-lo. Como conseguem, esses trabalhadores, não enlouquecer, apesar das pressões que enfrentam no trabalho? Pode-se propor um conceito de “normalidade sofrente”, sendo, pois, a normalidade não o efeito passivo de um condicionamento social e sim o resultado alcançado na dura luta contra a desestabilização psíquica provocada pelas pressões do trabalho. O que faz sofrer também pode trazer prazer e alegria, são sentimentos individuais, coletivos, que sentem os auxiliares e técnicos de enfermagem quando o resultado do seu trabalho na cura e recuperação da saúde dos pacientes surge em seus relatos, o que prova que a natureza do trabalho tem também o prazer, não apenas a dor, o que o enrijece são as precárias condições de trabalho e os processos de dominação. A nossa satisfação é quando o paciente vai embora. Se eu não tivesse problema no coração eu ainda ficava, apesar das condições. Quer queira, quer não, isso me realiza (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Gosto de exercer minha função na saúde, trabalho com satisfação, mas precisa ser mais valorizada (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). É ótimo trabalhar aqui, é como uma terapia, nas férias não paro, vou visitar pacientes e fazer curativos. Aqui existe o básico, às vezes tem fartura, e sofro com o paciente, mas o trabalho da enfermagem é ótimo. O problema é o SUS (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Há um sentimento social entre os profissionais que cuidam dos pacientes, que se traduz com o prazer, a alegria de ver os resultados positivos, quando da alta do paciente em bom estado de saúde, o que os faz sentir o dever cumprido; a valorização de seu trabalho está no reconhecimento da recuperação do paciente; reconhecem as dificuldades para desenvolver o trabalho, mas sentem prazer, alguns chegam a dizer que mesmo nas férias visitam pacientes. 266 A dor/prazer são faces de uma mesma moeda do trabalho. Trata-se de reconhecer a dialética da atividade laboral. Na lógica do neoliberalismo, e das precárias condições de vida, os vínculos de trabalho tendem a corroer ainda mais a dignidade do ser humano, principalmente do trabalhador da saúde, exposto a toda situação de vulnerabilidade do trabalho: “Os modos de dominação e exploração, por um lado, e os dilaceramentos dos vínculos humanos e das subjetividades, por outro, são faces da mesma moeda” (SELIGMAN-SILVA, 2011, p. 397). Em vez da dominação pela dor, humilhação, superá-las pela valorização, por melhores condições de trabalho e fortalecimento dos vínculos, na sua totalidade. 4.8.9. Tecnologias e equipamentos utilizados pelos auxiliares e técnicos de enfermagem Não utilizo novas tecnologias em meu setor, tudo continua como na época em que iniciei na profissão. Têm equipamentos de segurança e somos bem preparados antes de entrarmos no setor (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Os equipamentos disponíveis para realização do trabalho encontram-se sucateados, e muitas vezes faltam até equipamentos para os exames (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Não tenho acesso às novas tecnologias, os procedimentos continuam manual, continua escrito, a tecnologia iria otimizar o trabalho, podendo, os prontuário, ser informatizados (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). A presença de novas tecnologias são poucas, e não mexo com o computador (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Uso sim novas tecnologias, o glicosímetro (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). O hospital público pesquisado ainda não funciona com tantas tecnologias, há escassez dos aparelhos tecnológicos, predominando o trabalho vivo, manual, o esforço físico, que traz consequências à saúde desses trabalhadores. Mas também encontra-se, nas falas dos entrevistados, a referência ao sucateamento dos equipamentos o que torna mais precárias a assistência aos pacientes e as condições de trabalho. Quanto aos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) à Saúde do Trabalhador, existem, e alguns falaram da qualidade - que não atendem as necessidades de alguns, como é o caso de alergias a certos tipos de luvas, etc.: 267 No que se refere à minha alergia ao pó da luva, já conversei com a direção sobre a possibilidade de comprar luvas antialérgicas, porém o pedido não foi atendido devido ao custo financeiro ser maior (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). O hospital privado está mais modernizado, por conta da pressão do mercado, no hospital público, a modernização pode ser explicada por múltiplos fatores: Tratando-se de uma instituição pública, as decisões que lhe dizem respeitos dependem de decisões políticas, nas quais estão envolvidos a situação financeira do Estado Nacional e das unidades federadas, bem como os interesses das diversas forças políticas (PIRES, 2008, p. 209). Acrescenta, ainda, que o uso de determinada tecnologia está diretamente relacionado às posses dos pacientes, mesmo quando consideradas as necessidades técnicas. A autora diz que, quando os pacientes se organizam coletivamente e pressionam por melhoria na qualidade e ampliação dos serviços, os resultados positivos aparecem, mas em ritmo muito lento. O mesmo é sugerido para os trabalhadores, que se organizem para a ampliação dos equipamentos e obter as tecnologias necessárias para melhor atendimento à população e condições de trabalho e saúde, aliando-se à luta por uma saúde pública “gratuita e de qualidade”. 4.8.10. O sentido do trabalho e da aposentadoria dos auxiliares e técnicos de enfermagem Meu trabalho é como lazer, me identifico demais com o que faço, a ideia de me aposentar causa depressão (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Uma realização pessoal, consegui ser servidora pública, o que me atraiu para o serviço público foi a estabilidade, o salário é bem mais, mas comparando com outras instituições federais é bem menos (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). O trabalho significa independência, de forma alguma ficaria sem trabalho (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). O trabalho é tudo na minha vida, pois foi através dele que consegui adquirir tantos conhecimentos na vida profissional e os meios necessários para a minha sobrevivência (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). O trabalho é realização, e terapia, fico pensativa se realmente quero me aposentar, ainda estou indecisa... Será que vou me sentir isolada? (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Os sentidos e/ou significados do trabalho como realização pessoal, profissional e de atendimentos às necessidades objetivas: financeira, estabilidade, 268 subsistência, consumo, etc., são também contraditórios, no sentido de alienação e realização e o sofrimento quanto à falta de autonomia, subalternidade, dominação. Um profissional que, na sua maioria, afirma realizar-se com o trabalho, mas, ao mesmo tempo, é dependente dele socialmente. Como o sentido da própria vida. Ao pensar na aposentadoria, sentem-se inseguros quanto ao afastamento do trabalho, têm medo de depressão, do isolamento social. Ao afastar-se do trabalho, deixar de ser útil e relevante para o local de trabalho e a sociedade. São as representações que povoam o universo do envelhecimento da classe trabalhadora contaminada pela sociedade burguesa que idolatra o trabalho útil. Vejamos outros depoimentos que nitidamente mostram as contradições entre trabalhar/aposentar. Mesmo que afetem as condições de saúde, vendem-na em troca de mais valor monetário, para depois gastá-lo com medicamentos, entre outros motivos. Vejo colegas meus trabalharem doentes, eles estão tão cansados, mas não querem deixar de trabalhar (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Tenho problema de saúde... a aposentadoria traz perda financeira... Gasto muito com remédio e não tem genérico e mesmo se tivesse não confio... O dinheiro que vou perder é o que gasto com os remédios (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). O outro hospital é mais organizado, se tivesse que escolher, entre os meus empregos, melhor local de trabalho é lá, mas pelo salário fico aqui mesmo no HU (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). O número de licenças médicas foi reduzido... por conta dos plantões extras... Só deveria ser dado plantão extra às pessoas que podem resolver alguma coisa (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Vende-se a saúde, vendem-se a qualidade de vida, o descanso, as folgas, enfim, a questão financeira é um dos principais determinantes para a continuidade no trabalho, no dizer de Marx, o trabalhador não vende apenas a força de trabalho, mas sua família, mulher e filhos, e sua própria vida e saúde. Esse dado, que relata o entrevistado, sobre a redução do número de licenças médicas, foi também citado pelos profissionais de saúde da Ufal, onde vários profissionais, afastados por motivos de doença, voltaram ao trabalho para dar plantões extras e assim aumentar o próprio salário e mais-valia. O Estado mantém seus mecanismos de aumentar a exploração do trabalho, ampliando a carga horária, em plantões extras, com o mesmo número de 269 trabalhadores e precárias condições de atendimento e trabalho. O trabalhador, seduzido pelo fetiche financeiro, integra-se de corpo, mente e espírito às condições de trabalho a eles impostos; mesmo que consuma parte dele com medicamentos. 4.8.11. As mudanças na instituição e os impactos no trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem O sistema Cora dificultou e desumanizou ainda mais o SUS, está cada vez mais fragmentado e não permite ao paciente um atendimento constante e de qualidade... a gente não pode mais facilitar a vida do paciente (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). As marcações de consultas... o atual sistema de marcação de consultas quase não melhorou em nada. O Cora, pois só “vive indisponível” em relação ao número de vagas para consultas (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). As OSs, criadas no final do governo Lula, vieram para piorar as condições de trabalho, os contratos de trabalho são temporários, por dois anos (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). As alterações provocadas pelo sistema de marcação de consulta, eletronicamente, pela Central de Regulação de Serviços de Saúde (Cora), é um daqueles sofrimentos institucionais que atinge a todos: da direção à assistência, pois as instabilidades na administração do processo atingem a todos, ao tirar de suas mãos um controle da situação sem dar respostas para as necessidades de rotina. O atendimento na marcação é impessoal, frio. Apesar da boa intenção de acabar com as filas, o sistema não está facilitando o acesso a consulta. As linhas são congestionadas e a maioria dos pacientes da classe popular não dispõe de recursos e tecnologias que requer o Cora. Essa instabilidade e perda de autonomia administrativa é vista pelos profissionais como incapacidade do gestor, que apresenta uma certa “frouxidão” na forma que conduz a situação diante dos conflitos gerenciais: Como eu sou um diretor e não posso me envolver? A direção diz que não se envolve... Para o paciente entrar no sistema tem que trazer certidão, CPF, RG, pois tem alguns exames que exigem o CPF da criança... Ninguém se envolve, ninguém resolve e tudo isso cai nas mãos da enfermagem. Pela manhã o fluxo de trabalho é maior... (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Mas outra questão que está deixando a instituição em sofrimento, não apenas o corpo da enfermagem, mas todos que trabalham no hospital, é a implantação das 270 OSs, gerando um “pânico institucional”, medo de serem administrados pela empresa privada, medo do hospital passar a cobrar consultas, medo da perda do domínio do público para o privado, na venda do atendimento à saúde. Conforme o princípio de exequibilidade, ou seja, o hospital ser um arrecadador de incentivos financeiros que o torne autossuficiente, segundo os interesses neoliberais, em vez de somente da população que dele necessitar. As reformas vêm sobre o signo da agilidade, modernidade tecnológica, e incentivos financeiros, mas esses mecanismos podem ser utilizados sem necessariamente alterar as relações de trabalho dos que lá estão efetivados. Entretanto, a tendência é ampliar o quadro de pessoal sem concurso público, criando trabalhadores celetistas, o que já existe, à medida que forem se aposentando os servidores públicos, esses postos em geral desaparecerão. Essas mudanças trazem à tona um sentimento de “impotência institucional”, um sofrimento social, para Nogueira, M. (2009), que só o coletivo poderá contrapor-se por meio dos espaços democráticos. 4.8.12. A Pass-Siass - os serviços de saúde segundo os auxiliares e técnicos de enfermagem Se adoecer no HU, só consigo ser atendida mais por amizade. Nunca precisei da Medicina do Trabalho, quando precisei da Junta Médica fui bem atendida (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Quando precisei de licença médica, após uma cirurgia, fiquei 120 dias de licença, não tive nenhum problema. Fui bem atendida, o SESMT – fui quando tive problemas de pele... e foi sugerido a mudança de setor, mas a situação foi resolvida na própria clínica, apenas saí do serviço que precisava andar muito (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Não conheço os serviços de saúde da instituição direcionados aos servidores, nunca precisei, fiz os exames periódicos, mas não fui entregar ao médico do trabalho... Não conheço a Pass e nem o Siass (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Quando adoeço, recorro ao Plano de Saúde Geap, sobre os serviços de saúde, conheço apenas a Medicina do Trabalho, não conheço nem a Pass ou o Siass (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Utilizei a Medicina do Trabalho quando precisei fazer uma correção cirúrgica e por um acidente de trabalho com objeto cortante (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). 271 A pergunta sobre os serviços de saúde e a Pass-Siass buscava avaliar os serviços de saúde existentes na instituição, assim como divulgar e constatar o desconhecimento da Pass. Os entrevistados demonstraram total desconhecimento, apesar de utilizarem os serviços de saúde e que compõe a política: a Perícia Oficial e a Medicina do Trabalho, que atua no HU a partir da década de 1990. As reclamações desses serviços ocorrem mais quando a perícia oficial não reconhece a necessidade do número de dias de licença médica. Normalmente, são situações de constrangimento, em que os servidores têm que provar que estão doentes ou por causa de atestados preenchidos incorretamente: Não gostei do atendimento da perícia, o médico disse que o meu atestado não podia ser aceito em razão de não ter CID. Disse para ele: “Dr. se o senhor estivesse na minha pele, saberia o que estou passando, eu trabalho de verdade...” (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Outras situações da falta de assistência à saúde do servidor, surgem quando adoecem no próprio setor, pois não há um serviço de assistência médica, visto que a Pass-Siass, colocou para a rede pública, através da assistência suplementar, conforme relatado no capítulo 3 deste estudo. O que é um contrassenso o fato de adoecer dentro do trabalho e depender de “favor” para ser socorrido e buscar assistência em outra unidade. Essa é uma das reivindicações e sugestões dos pesquisados, no entanto, a Pass-Siass está na contramão, repassando para a rede privada a assistência de saúde e configurando os laços das políticas pública e privada para o pessoal do Estado. Os serviços da medicina do trabalho são mais reconhecidos, quando se referem aos exames ocupacionais que, até 2008, não eram extensivos a todos os servidores. A cobertura para os auxiliares e técnicos de enfermagem, na maioria, começou com a implantação desse serviço, em meados de 1990. Os acidentes de serviço que acometem esses profissionais dizem respeito aos objetos perfurocortantes, às agulhas, seringas etc. Considera, o SESMT, um baixo número de acidentes, conforme preconiza a legislação, e também não constatamos dados a esse respeito nas falas dos entrevistados, apesar da reclamação da qualidade dos EPIS. 272 4.8.13. Infraestrutura: condições de transporte, alimentação e ambiente físico dos servidores auxiliares e técnicos de enfermagem Vou ao trabalho de ônibus, a qualidade é péssima, pego, muita das vezes, dois ônibus, devido os atrasos, quando poderia pegar apenas um... (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Tenho um carro comprei com a família, não tenho habilitação. Vou trabalhar de ônibus, às vezes é preciso pegar mais de um ônibus, devido à demora... (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Tenho dois carros, meu e dos meus filhos, mas uso o transporte coletivo, ônibus, os gastos com combustíveis são muito grandes... (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Venho ao trabalho com meu veículo, recebo auxílio-alimentação. Porém não almoço no trabalho, considero a limpeza do ambiente boa. (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). A quase totalidade dos entrevistados começa o seu dia de trabalho enfrentando a dificuldade de locomoção por causa da péssima qualidade dos ônibus, tanto pela escassez do número de veículos, quanto pelo tempo de espera no ponto de ônibus, o que pode produzir certo estresse na ida e volta do trabalho. A cidade cresceu e os transportes coletivos não acompanharam a necessidade da população que depende do ônibus, não há metrô, e o trem que faz o subúrbio não contempla a linha viária do HU-Ufal. Os ônibus, desgastados pelo tempo de uso, oferece péssimas condições físicas, assim como andam quase sempre com excesso de passageiros, as “latas de sardinha” e vêm ocorrendo também inúmeros assaltos aos ônibus e aos passageiros. É muito comum os trabalhadores chegarem contando as “aventuras” ocorridas nos trajetos de ida e volta do trabalho, pois estão sempre sujeitos a colisões, devido ao tráfico intenso em estradas com péssimo estado de conservação. É significativo o número dos que possuem carro, até porque, com o incentivo da política do governo ao consórcio de produtos eletroeletrônicos, motos, carros, ficou “fácil” para a classe trabalhadora possuí-lo, embora seja difícil usufruí-los para seu bem-estar, devido aos custos altos de combustível, pneus, energia, etc. Os que usam o seu carro no percurso para o trabalho, também sentem os contratempos dos constantes “engarrafamentos” e a violência advinda de colisões que dificultam sua ida e volta ao trabalho. 273 Quanto à alimentação, tanto no HU quanto na Ufal, não há restaurantes especificamente para os servidores, subsidiados pela política de Estado e/ou institucional, todos recebem auxílio-alimentação junto com os salários. Apenas os profissionais que trabalham em regime de plantão, o plantonista, tem direito a refeição no HU. Alguns reclamam da falta de água potável, mineral, para beber, nos postos de serviço, e dizem que a reitoria e a área da administração hospitalar têm direito a água mineral, referindo-se ao pessoal da burocracia do escritório e da administração superior, enquanto o pessoal da clínica não tem. Se quiserem, trazem suas garrafas de casa, assim como café, leite, bolachas, para seus lanches. Mostra Giffoni (1993) que os tipos hierárquicos no serviço público, onde o pessoal que não desenvolve atividade braçal, são diferenciados, o que é comprovado com a fala dos entrevistados e gera ainda mais indignação e desvalorização dessa força de trabalho tão relevante para a assistência à saúde da população, como alguns colocaram: a “peça-chave”: “Não tenho direito nem a água, tem que comprar. Na reitoria tem...”. “Os que têm direito a alimentação no hospital são estagiários, residentes e quem faz plantão, o servidor não tem direito. é discriminado”. Constata-se que algumas situações são específicas de cada setor da enfermagem em estudo como é exemplo o calor. Os ambientes são quentes, por falta de manutenção dos aparelhos quebrados e devido à morosidade para consertálos e limpá-los, assim como a falta desses aparelhos em alguns postos de enfermagem. Outros setores têm café da manhã, fornecido a todos da enfermagem, enquanto alguns se cotizam para socializar lanches. A desqualificação, aqui designada pelos entrevistados como discriminação, devido à hierarquia ocupacional e institucional, tem também o componente de exploração maior entre as profissionais do sexo feminino, como é o caso da enfermagem, que não tem serviço de ar-refrigerado, assim como água, etc. Nesse sentido, Seligman-Silva (2011, p. 226), diz que a desqualificação favorece a exploração, a super exploração e a elevação do desgaste das trabalhadoras. A hierarquia ocupacional de qualificação esclarece a hierarquia sexual na representação e do mundo do trabalho. A desqualificação do trabalho feminino configura-se, em verdade, como fabricada pelo capital, fundamentada no interesse de custos. No Estado, o hospital público reproduz a lógica da desqualificação, 274 representada pelos setores que necessitam do ambiente com temperatura favorável ao desenvolvimento do trabalho de auxiliares e técnicos de enfermagem, na grande maioria do sexo feminino, mas que não tem prioridade para a melhoria das condições ambientais reproduzindo a exploração e desqualificação da mão de obra feminina. 4.8.14. Modo e qualidade de vida dos auxiliares e técnicos de enfermagem Sou provedora da família, saio com minhas filhas, vou a praia, ao cinema, faço caminhada, gosto de ler e faço um curso de especialização a distância (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Divido as despesas com meu marido, finais de semana vou para casa de praia ou viajo com amigos, familiares, como sou hipertensa... pratico exercícios constantemente, faço caminhadas (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Considero o salário suficiente para manutenção, sou divorciada, nos finais de semana vou a casa de praia, sou relapsa com relação a saúde não pratico atividades físicas, nem cuido da alimentação, sou hipertensa... (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Mantenho a casa, sou caseira, nos finais de semana vou a igreja, gosto de visitar os parentes, viajo duas vezes ao ano, gosto de praia só para caminhada, não faço diariamente. O médico recomenda fazer hidroginástica (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Sábado e domingo são dias de lazer, mas lazer hoje em dia é muito caro, não gosto de praia, tenho pele sensível, gosto de viajar, mas minhas atividades são mais em casa mesmo. Faço academia e exercícios de bicicleta em casa, glicose no limite, pressão apresenta elevação só com o emocional (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Esses determinantes sociais mostram as escolhas dos sujeitos quanto ao seu modo de construir as próprias vidas, não há chefes, nem burocracia para dizer o que fazer ou como devem fazer. No contexto social no qual estão inseridos, sofrem interferência nas escolhas de vida, lazer, esporte, casa. A maioria possui casa própria, ou financiada, outros possuem casas de praia, de aluguel, para aumentar a renda familiar, são chefes de família, provedoras de família, o que é compatível com a realidade alagoana, que tem um alto índice de chefes de família do sexo feminino. E atraídas pelos sonhos pessoais e fetiche do consumo, realizam seus desejos de ter carro, viajar, passear, etc. 275 Enfim, vivem nas condições que lhes cabem no bolso, pois merecem todo conforto e devem fazê-lo como forma para recompor suas energias para o trabalho e usufruir melhor qualidade de vida. A realização dos sonhos de consumo não é sinônimo de libertação da opressão, mas, às vezes, a fuga e compensação das frustrações do cotidiano: “Eu sofro mas compenso conquistando meus sonhos e desejos”22. Há também aqueles que preferem não sair nos fins de semana, mas ficam em casa vendo tevê, ouvindo música, fazendo os trabalhos domésticos, e no convívio com a família. A Igreja é também muito citada por aqueles que professam um credo. A decisão de ter ou não atividades físicas, lazer, alimentação, é, em parte, da consciência de cada sujeito, embora tenha um conteúdo ideológico, social, que conduz suas escolhas. Ressalta-se a corresponsabilidade dos sujeitos na condução de sua vida e saúde que favoreça o completo bem-estar físico, mental e social. 4.8.15. Vínculos de trabalho com o Estado e participação sindical dos auxiliares e técnicos de enfermagem ...Meu patrão é a União e os pacientes. Servidor público é aquele pessoal que ao passar no concurso público vai trabalhar e cumprir seu dever e direito, mas os reconhecidos e prestigiados são os que não merecem, os que trabalham correto não são reconhecidos nem valorizados (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Meu patrão é o povo, gerenciado pelo presidente. É o povo que contribui. Aqui não tem ele ou ela que é melhor... Somos todos nós. O paciente é o motivo da gente estar aqui (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). O patrão do servidor público é a presidenta Dilma, o paciente tem todas as mordomias e a gente ainda dá mais. O trabalho é suado, mas é bom... promove dor e satisfação... (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Servidor público é o cidadão que presta serviços à população e que precisa melhorar. Meu patrão é o povo, que proporciona tudo para a gente, podemos contribuir dando mais da gente, mas muita coisa não depende da gente (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Não existe a figura do patrão, respeito a hierarquia, todo servidor é responsável e capaz de responder (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). 22 Muito bem diz Konder (2000) que não se trata de declararmos guerra ao consumo, mas que não se torne escravo do apelo do consumismo; consumir para viver ou viver para consumir? 276 O objetivo era conhecer a concepção do Estado e a consciência do seu papel através do trabalho que prestam à saúde, ou seja, o papel social de devolutiva dos tributos pagos pela população brasileira em forma de políticas sociais, no caso em tela, a saúde hospitalar. Percebe-se que a maioria tem esse entendimento de que o Estado (patrão) assume uma identidade social, genérica, o povo, a população, o paciente do hospital, que têm direitos, são cidadãos. Ou seja, deve representar os interesses reais da população, não apenas do capital, pois, como dizem: “o paciente é o motivo do nosso trabalho”. Mas há os que reclamam desses direitos tidos como “mordomia” e os que reconhecem que poderiam prestar melhor serviço, mas que não depende somente dos servidores públicos e, sim, das políticas governamentais e dos investimentos. Enfim, o servidor público, no exercício de sua função, é o próprio Estado, personificado através do trabalho e das ações que estão realizando, salvaguardadas as devidas proporções éticas e políticas, de responsabilidade e função estatal, portanto, é um trabalhador social, presta serviços a todos, não visa ao lucro do capital, mas o lucro social. Para Codo (2007), o que faz, para que serve o Estado, com uma palavra, existe para fazer política. Uma política social para todos e de qualidade, embora muitas vezes não o faça, mas é seu dever. Quanto à participação sindical, a maioria diz não ser ativa; é associada, vai às reuniões e assembleias quando tem interesse: Participei de um encontro no Rio de Janeiro sobre os HUs e saúde do trabalhador, sou sócio do Sintufal, estou ligado ao movimento (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Não participo ativamente do sindicato, fui a Brasília semana passada, gosto de participar de encontros (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Não quero participar, já fui chamado por colegas, mas não quero ir (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Já fui, hoje não faço mais parte do sindicato, desacreditei, dão pouquíssima ousadia pra gente se envolver, lá em Brasília são eles que decidem... a Dilma é ela quem decide, a gente faz greve, ela diz: “Prende o dinheiro, o salário”, aí a gente tem que trabalhar... (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Esse é um dos desafios colocados para o movimento sindical: reconquistar e mobilizar a classe trabalhadora, tão fragmentada, desacreditada, desmobilizada. O crédito na força organizativa sindical está em baixa. No sindicato da Ufal, 277 representantes dos auxiliares e técnicos de enfermagem participam ativamente e fazem parte da direção colegiada, mas a maioria encontra-se numa posição passiva e de descrédito do poder da força do coletivo, organização e mobilização da classe trabalhadora, em busca e garantia dos direitos sociais e trabalhistas. Percebe-se quase total ausência da politização sindical, pois limitam-se a participar dos eventos que lhes interessam individualmente. 4.8.16. Sugestões para melhoria das condições de trabalho e saúde dos auxiliares e técnicos de enfermagem Falta interação entre profissionais, o ideal seriam 4 pacientes para cada profissional, adquirir bons materiais, adotar a escala do Coren, aumentar a quantidade de materiais (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Investir em cursos, na qualificação, passa muito tempo e você vai pegando vícios, não faz a mesma coisa que você aprendeu... (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Antigamente, o setor de pessoal proporcionava ginástica laboral, sugiro que voltem esses serviços, deveria ser dada mais atenção ao servidor, ter médicos diariamente para atender o servidor no HU, pois se precisar de um atestado é mal atendido, humanizar o atendimento... (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). O hospital poderia facilitar o acesso à marcação de consulta para os servidores (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Deveria ter exercícios, academia, biblioteca, berçário, na maternidade, só tem mulher trabalhadora, em idade fértil, e não tem creche para os filhos... Contratação de mais profissionais, pois a carga é muito pesada... realização de concursos públicos... (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Tratamento psicológico ajuda, só não individual, grupal, para poder desabafar, extravasar (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). Devia existir rotatividade nos setores para facilitar a saída para qualificação e substituição e saber dividir a carga horária... Rodízio nos setores porque muitas pessoas se acham donas do setor e gera conflitos (Entrevista aux. e tec. de enfermagem). As sugestões e solicitações são coerentes com a realidade de saúde e condições de trabalho apresentadas, onde a escassez de material e humana é constante e motivo de tensões e adoecimentos. Por ser uma atividade que requer esforço físico e sobrecargas físicas, sociais e emocionais, são fundamentais as atividades físicas contínuas e até a criação de espaços para exercícios físicos e 278 laborais, no hospital, assim como a criação de grupos terapêuticos para aliviar as tensões, estresses do cotidiano do trabalho e promover a interação entre as equipes. Solicitam também uma política de assistência à saúde do trabalhador para atender suas necessidades no cotidiano e que não estão previstas no escopo da Pass-Siass, o que não impede de ser uma política institucional. É também uma das sugestões dos profissionais da equipe de saúde a criação de um programa de saúde básica, nos moldes do Programa Saúde da Família (PSF), que resolveria 80% dos problemas de saúde desses trabalhadores. Ficaram visíveis as solicitações de alteração dos processos e organização de trabalho por meio de rodízios, melhor distribuição da carga horária, humanização nas relações, interação entre as equipes, contratação de pessoal e melhor infraestrutura, com creche, biblioteca e facilidade na marcação de consulta para servidores e pacientes. São sugestões endossadas por profissionais da equipe de saúde, possíveis de serem concretizadas, desde que predominem o bom senso da gestão, a sensibilidade dos administradores e a organização dos trabalhadores e profissionais da saúde, como estratégia para efetivação de melhoria nas condições de trabalho, com autonomia e menos dominação. 4.9. Considerações gerais Uma das características do trabalho no serviço público, especificamente em hospital público, é a assistência à saúde da população prestada indiscriminadamente, mas as condições do atendimento nem sempre condizem com as necessidades de qualidade e agilidade, por falta de políticas de investimentos nas ações, que se materializam pelas constantes falta e escassez de recursos materiais e humanos, etc. Essas carências identificadas pelos que prestam a assistência de enfermagem são vistas como decorrência da burocracia, que provoca a morosidade no processo de compra, o que agrava ainda mais a falta de material. É importante ressaltar quanto a burocracia instalada no poder estatal, que define e aprova orçamentos e recursos para as instituições públicas, que faz 279 normas, leis, para gerir as compras, a exemplo do Pregão, modalidade menos complexa e rápida, não consegue, na prática, atingir seus fins, na agilidade e efetivação das compras. É interessante observar que todos os entrevistados reclamam desse processo e reconhecem a burocracia como um dos processos de trabalho que provoca tensão, aborrecimento, e interferem nas condições de saúde e na qualidade dos serviços prestados. A população usuária dos serviços de saúde e de outros serviços públicos tem a ideia de que o servidor não gosta de trabalhar e que dificulta o acesso aos serviços através da burocracia. É o poder estatal, personificado pelo servidor burocrata, na prática, que é atingido também pela (ir)racionalidade burocrática. Vimos que o trabalhador da assistência, o que põe a “mão no paciente” sofre tanto com a burocracia que não lhe permite ser um facilitador, no sistema de saúde, para o paciente em busca das suas ações. Não apenas a burocracia, mas a falta de autonomia deixa ainda mais fragilizados os vínculos institucionais e com pouca mobilidade em tomar a mínima decisão sobre ações no seu cotidiano e de sua competência profissional. Codo (2007) reflete sobre essa questão sobre as “amarras burocráticas” que estão presentes no fazer do servidor público. “Parece ao cidadão comum que o servidor público é um ser ‘dotado’ da misteriosa propriedade de tornar difícil o que seria tão fácil, de criar dificuldades ao invés de resolver problemas (...)” (p. 297). Alguns servidores realmente demonstram essas propriedades de dificultar o acesso da população, mas a maioria dos que cuidam do paciente não concorda com essas amarras. O poder burocrático é um dos traços tão marcantes que os profissionais que atuam na ponta do processo do trabalho de saúde, nos terminais da assistência à saúde, sentem e sofrem seus efeitos “perversos” no cotidiano. Pois é nos terminais das políticas de saúde, na lida com o paciente, que se torna visível toda a perversão das políticas sociais, sob a égide de redução de gastos e investimentos na saúde, na lógica do capital, por meio dos mecanismos de controle burocrático do poder estatal. Mas a sociedade brasileira, a população, tem direito de acompanhar e visibilizar os gastos e investimentos nas políticas sociais e, com esse fim, os canais de participação e informação devem prestar contas do que, como e porque foram 280 feitos os gastos, quais os recursos financeiros angariados com os impostos de todos brasileiros, pois, apesar das amarras, a burocracia não evita os desvios de verba e o mau uso do dinheiro público, verificados em denúncias diariamente divulgadas pela mídia. Identifica-se que o serviço público hospitalar, entre outros, segue a lógica da organização e os processos de trabalho do mercado e produção capitalista, como afirma Codo (2007): O Estado funciona de forma taylorista e em seu maior princípio, seu guia, seu norte: a radical separação entre o planejamento e a execução (...) O Serviço público, um trabalho impossível de ser taylorizado, o que faz o funcionário perante esta contradição? Faz a única coisa possível para sobreviver: política. Afinal trabalha em um organismo político, sobrevive da política. O que mais poderia fazer? Uma “outra” política, já que não tem acesso aquela que se decide nos gabinetes, faz outra, inventa outra, qualquer outra (p. 306). O deixar de bem cuidar do paciente, por falta das condições objetivas do trabalho, não pode ser compreendido apenas como ato de profissionais relapsos, displicentes, alguns atributos com que a sociedade costuma denominar o servidor público. Codo (2007) chama a atenção: O não fazer do serviço público não se iguala ao não fazer do nosso cotidiano. Não pode ser confundido com a não ação, ao contrário, é ativo, implica em ação e mais complexa, mais onerosa, mais de trabalho do que do não trabalho (p. 301). No cotidiano hospitalar, deixar de administrar certos cuidados aos pacientes, medicamentos, suspender cirurgia por falta de material, equipamentos e de pessoal, são decisões muito mais onerosas, por causa da permanência do paciente, que requer trabalho da enfermagem no acompanhamento dos sinais vitais, alimentação diária, etc. O deixar de não fazer o que deveria ser feito não significa que nada se fez. Quanto ao paciente, que permanece no hospital por mais dias, também fica “estressado”, segundo o relato de um auxiliar de enfermagem: “Quanto mais tempo o paciente fica na clínica, mais estressado fica, e nós também ficamos”. O Não trabalho do servidor pode provocar muito mais trabalho e custos. De fato, no serviço público existem trabalhadores que também não gostam de trabalhar e que se aproveitam da morosidade das decisões para justificar o não trabalho, reforçando ainda mais os mecanismos burocráticos em defesa própria. Os próprios entrevistados dizem que há conflitos com a equipe, principalmente por 281 causa do descompromisso com o horário, na falta de envolvimento com as atividades, entre outros fatores. Um hospital público não tem como objetivo fundante o lucro, mas o papel de atender às necessidades de saúde da população com qualidade e quantidade. Ou seja, as instituições públicas podem também estabelecer produtividade socialmente aceita, que considere tanto as condições objetivas como as subjetivas, não visando o lucro do capital, mas o melhor atendimento da população, que muito espera por uma consulta especializada, cirurgias, etc. A recente Lei da Informação que se propõe a divulgar para os cidadãos os salários, a carga horária dos servidores, deveria também informar o que estão fazendo, como, e quanto estão fazendo. Assim a população pode exercer o controle social sobre os serviços prestados, verificando os custos/benefícios, de forma que a produção social dos servidores públicos possa melhorar a qualidade e quantidade dos serviços prestados. Por fim, com relação ao Estado, instância do poder político em que estão postos os interesses e as políticas antagônicas da classe dominante e da dominada, o trabalhador não pode desvincular-se de sua prática institucional cotidiana. O conteúdo político de sua função tanto pode ser um dificultador, normatizador de regras e enquadramento do paciente do “não pode isto”, “nem aquilo”, “muito menos isso”, ”cumpro ordens”, como facilitador do acesso pelo paciente aos serviços, incentivando-o a buscar seus direitos sociais e a humanização das relações, considerando suas reivindicações, e respeitando suas diferenças. Como diz uma das entrevistadas: “A enfermagem é tudo para o paciente, somos um pouco de psicólogos, enfermeiros, médicos, nutricionista, tudo sobra pra gente, apesar de não sermos valorizadas”. O conteúdo político da ação do servidor público é aqui interpretado no protagonismo dos sujeitos sociais, que fazem o cotidiano hospitalar para a melhoria das condições do trabalho que requer não apenas materiais, equipamentos e ambientes salubres, mas principalmente autonomia e participação nas decisões no planejamento e execução, afinal falou uma entrevistada: “respeito hierarquia, reconheço a chefia não como patrão, pois todos somos responsáveis e capazes de assumir nossas funções”. A dimensão social da saúde do trabalhador público está no reconhecimento desses profissionais, na mobilização no enfrentamento das questões relacionadas 282 ao trabalho que desumanizam, desvalorizam e desconhecem a capacidade de criação do trabalhador, seja ele auxiliar ou técnico de enfermagem. Superar a dor, enaltecer o prazer, a valorização, a autonomia que implica responsabilidade coletiva, romper com as correntes de dominação e exploração dos trabalhadores, sejam públicos ou privados, é um exercício contínuo de participação social. 283 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os vários autores analisados levaram-nos a refletir e explorar os mais diversos ângulos, por vezes contraditórios, da política de saúde do trabalhador em geral e a política de atenção à saúde do servidor público federal. Além dessas análises teóricas e práticas, trouxemos também as pesquisas documental e empírica referentes ao contexto social do universo analisado e dos sujeitos sociais atendidos por essa política. Outros conhecimentos foram acrescentados, relacionados ao cotidiano das ações dos trabalhadores públicos, o saber-fazer e saber-demonstrar as contradições na execução de suas atividades, entre o fazer “correto” e o não fazer com qualidade, devido às precárias condições de trabalho que interferem na qualidade dos serviços prestados à população e nas tensões e frustrações delas provenientes, provocando mal-estar físico, mental e social nos auxiliares e técnicos de enfermagem, principais sujeitos sociais de nossa pesquisa. Contamos também com o conhecimento técnico-científico dos profissionais que atuam na Unidade de Referência de Saúde dos Servidores da Ufal: médicos, enfermeiros, engenheiro, psicólogo, fisioterapeuta e assistentes sociais, entre outros. Todos colaboraram com a pesquisa, ampliando a análise interdisciplinar sobre a saúde do servidor público, identificando os limites e as possibilidades da Pass, da iniciativa governamental na proposição dessa política, que está, porém, muito longe de sair do “papel”, por causa da falta de infraestrutura física, material, pessoal e financeira, por parte do Estado, uma vez que os recursos estão centralizados no MPOG. A própria conjuntura, na perspectiva do neoliberalismo, propõe o encurtamento do Estado “mínimo” e a consequente redução e privatização das políticas sociais. A participação dos gestores possibilitou a análise dos limites e possibilidades da PASS, por meio dos serviços de saúde prestados aos servidores. Além de enfatizarem a falta dos recursos de toda ordem, observam certa resistência e morosidade da equipe técnica no uso do sistema de saúde e a falta de maior envolvimento nas ações, mesmo considerando a escassez de material, os precários espaços físicos, a falta de investimentos por parte do Estado, afirmam que, com um pouco mais de compromisso, é possível avançar nas áreas de promoção e prevenção. 284 Quanto à representação sindical, concretamente, sobre o controle social na saúde do servidor público, não vem ainda acontecendo. Essa retração na mobilização sindical, especificamente da saúde do servidor, não é sinônimo de omissão na luta por melhores condições de trabalho e defesa dos interesses dos servidores e na garantia do serviço público hospitalar público, gratuito e com qualidade, a exemplo do movimento engendrado contra a implantação das OSs, seja qual for a modalidade, na Ufal-Hupaa. Porém, há, no movimento sindical, certa despolitização da categoria do servidor público, que reproduz a ideologia dominante, em busca de resultados imediatistas, e o individualismo, reforçando ainda mais a fragmentação dos trabalhadores. O protagonismo desses sujeitos sociais na construção e controle da Pass é um dos desafios postos para que possa acontecer na sua integralidade. Com este estudo, espera-se contribuir para a mobilização e o protagonismo do servidor público na construção de uma política de saúde que considere a dimensão social e atue nos determinantes invisíveis da saúde do servidor. Está posta no “papel”, ou seja, falta-lhe efetividade. Isso poderá acontecer com a participação dos servidores, do movimento sindical, da equipe de saúde e dos gestores, coletivamente, produzindo a saúde dos servidores/trabalhadores que traduza a realidade social e de saúde. Uma das características principais, hoje, no trabalho de saúde, como mostra Nogueira, M. (1983), é a coletivização, superando as práticas individualizadas dos profissionais autônomos. A efetividade da dimensão social da saúde do servidor está em considerar, nas avaliações técnicas, as ações de saúde e os laudos periciais, as relações sociais do trabalho no Estado por meio de processos, organizações e condições de trabalhos, por vezes precários; e as condições socioeconômica, cultural e a vida desses trabalhadores investigadas. Hoje, nessas avaliações, só constam o “legal previsto em legislação”, deixando de serem efetivados os direitos em sua dimensão social. A dimensão social de saúde poderá conduzir às transformações sociais necessárias nos ambientes de trabalho, reduzindo as relações de dominação autoritária e ampliando as relações democráticas, mais participativas, dialogadas, que implicam a corresponsabilidade dos sujeitos coletivizados. 285 Trazer o protagonismo dos sujeitos coletivos é um dos determinantes sociais para que venham à tona os reais interesses e as necessidades de saúde e melhoria do trabalho desses trabalhadores públicos. Para as ações de vigilância, promoção e prevenção, assistência na integralidade é fundamental o conhecimento técnicocientífico na condução das ações da Pass. Assim como as atividades e sugestões propostas pelos entrevistados contribuem para melhorar a condição de saúde e trabalho. Porém, é necessário o protagonismo social, para que as transformações aconteçam no aparelho do Estado, e a decisão dos sujeitos sociais em assumir a parte que lhes cabe. Contribuímos também com algumas sugestões e reflexões sobre o tema pesquisado e com as categorias abordadas no referido estudo. O Estado, “terra de ninguém”, é de muita gente, toda gente. Potyara (2008) chama a atenção para essa abordagem popular, como se o Estado não tivesse “dono”. Imagem essa, às vezes, refletida pelo modo de operar as políticas do Estado, pela ação do servidor público e pelas forças administrativas e políticas que conduzem o Estado. Portanto, o Estado é o espaço de toda “gente”, onde se encontram os diversos interesses em jogo. Segundo L’abbate (2009, p. 272), a consolidação do direito à saúde depende da existência de uma sociedade, na qual os projetos dos vários sujeitos possam entrar em disputa, prevalecendo aqueles projetos que contenham melhor significação e mais relevância para a construção de uma verdadeira democracia econômica e política. Nesse sentido, o Estado não é um conceito abstrato irreal, mas historicamente construído e socialmente contextualizado. Na posição de empregador, patrão, usa da lógica neoliberal, reduzindo os direitos trabalhistas conquistados pelos servidores públicos, como a perda da aposentadoria integral; o aumento da idade e do tempo de serviço para a aposentadoria, etc. E na exploração da mão de obra, utiliza os mecanismos de horas extras com plantões na área da saúde, para ampliar, com o mesmo quadro de pessoal, as ações de saúde, explorando ainda mais os auxiliares e técnicos de enfermagem que vendem sua folga, as horas de descanso e lazer, para aumentar seus baixos salários. Aliás, vendem sua força de trabalho, sua saúde e seu tempo livre para desfrutar com a família. A Pass, enquanto política integral – de promoção, prevenção, assistência suplementar e controle social – na perspectiva da saúde do trabalhador, na 286 superação da hegemonia da saúde ocupacional, pode ser considerada uma utopia, um desejo a ser alcançado com a participação coletiva dos sindicatos e dos servidores em geral. A maioria não sabe da existência dessa política, apesar de ter participado de algumas ações de saúde, exames ocupacionais, perícias em saúde, etc. A intencionalidade da Pass pode ser dividida em três grandes linhas: a gestão, organização e o controle, por parte do Estado, das licenças de saúde dos servidores, através do Siass e Siapnet-Saúde, no gerenciamento dos dados e na administração dos gastos com os afastamentos e aposentadorias por invalidez e precoces. Com isso, pretende reduzir os custos e benefícios do servidor público, ao gerar dados estatísticos e epidemiológicos, estabelecer programas de saúde a exemplo do LERT/Dort, e Saúde Mental de prevenção ao adoecimento. O terceiro, ainda não efetivado, diz respeito ao protagonismo dos sujeitos coletivos, os servidores públicos, pois, sem a participação desses, não haverá saúde do trabalhador. É fundamental a participação das representações sindicais e a criação das Comissões Institucionais de Saúde (Cissp) na construção dos espaços democráticos que tragam à tona as condições precarizadas de trabalho, principalmente pela constante falta de material; as relações de trabalho dominadoras, subalternas; os processos burocráticos que provocam estresse e o precário atendimento nos serviços de saúde prestados à população. E a necessidade de autonomia e valorização dos trabalhadores da saúde: os auxiliares e técnicos de enfermagem. Sem esse protagonismo, a Pass resumir-se-á apenas às perícias e serviços de saúde ocupacionais, relevantes, mas, em si, incompletos. Na saúde do trabalhador, em sua dimensão social, traz uma visão ampliada, que vai além dos muros institucionais, dos ambientes de trabalho, dos riscos e dos agravos à saúde, assim como as condições socioeconômicas e ético-políticas do trabalhador. A dimensão social é um processo de construção coletiva que envolve os trabalhadores, no caso em estudo, os auxiliares e técnicos de enfermagem, os profissionais de saúde, os movimentos sociais organizados, as comissões e os sindicatos. Juntos, construirão as ações da prevenção, promoção e assistência integral, colocando nelas seus conhecimentos sobre a realidade social e do trabalho. 287 Nesse processo, todos podem contribuir com seus conhecimentos científicos, técnicos e práticos. Nessa abordagem coletiva, não há objeto de estudo, cliente da política de saúde, mas sujeitos protagonistas dessa história: a saúde do trabalhador público/privado. O conhecimento dos trabalhadores técnicos e auxiliares de enfermagem, através de suas experiências de saber-fazer e identificar as condições de trabalhos a que são submetidos, concede-lhes autoridade e competência para demonstrar as dificuldades encontradas no desempenho de suas atividades e propor possíveis soluções para superar as situações precárias de trabalho. São experiências e conhecimentos das relações sociais do trabalho contidos nos processos de produção de suas atividades, e das situações vulneráveis a que estão sujeitos nos aspectos biológico, físico, químico, social e os sofrimentos. Essas experiências e conhecimentos permitem que dialoguem com a equipe dos profissionais da saúde, participando das avaliações dos ambientes e da saúde que melhor se aproximem da realidade e necessidades desses trabalhadores. Sugere-se que os assistentes sociais, enquanto membros da equipe de saúde relacionada ao Serviço Social, promovam encontros locais, regionais e nacionais para estabelecer os parâmetros da atuação na saúde do trabalhador; discutam e proponham um plano de ação que contemple o projeto ético-político na construção dos espaços democráticos em defesa dos direitos dos trabalhadores e da saúde, assim como de garantia do espaço de trabalho na equipe de saúde do trabalhador. A posição do sindicato, na luta pela saúde do trabalhador público/privado, pode ser reforçada com programas de capacitação para a participação e a mobilização do movimento sindical, das associações e comissões de saúde, as CistCissp, para coletivamente formar uma força política em prol da saúde dos trabalhadores na integralidade, contemplando os direitos sociais, econômicos e políticos dessa classe que vive do trabalho público ou privado e que atuam no aparelho do Estado. A luta sindical vai além, na defesa da saúde pública, gratuita, em detrimento das política e gestão privada da saúde. A participação dos servidores públicos em todo o processo de construção da política de saúde é uma das condições para o protagonismo da classe trabalhadora na efetivação dessa política, caso contrário, teremos apenas o controle do Estado, através do Siass, sobre a saúde do servidor. 288 O desafio está na efetivação do controle social, dos espaços democráticos do servidor para concretização de uma política de saúde do servidor democrática e integral. A devolutiva será feita em encontros e durante o II Seminário de Saúde do Servidor Público, em Alagoas, socializando o estudo realizado, depositando-o nas mãos dos servidores, para melhor compreensão e análise da realidade social, em busca da transformação das condições precárias de trabalho, das relações de respeito e valorização do servidor na sua totalidade. 289 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE; Elsa Thomé. 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II ENCONTRO NACIONAL DE ATENÇÃO À SAÚDE DO SERVIDOR. Brasília (DF), 2009. 294 7o CONGRESSO NACIONAL DA FERNAJUFE POLÍTICAS PERMANENTES. Saúde do trabalhador no serviço público federal: novo cenário – Coletivo a Fenajupe pode mais. SILVA, M. CCC. Relatório do estágio sanduíche de doutoramento. Lisboa – Portugal, 2011. (Doutoranda em Serviço Social)– PUC-SP, bolsista Capes. Mimeografado. SISOSP. Secretaria de recursos humanos. Ministério Público. [s.d.] UFAL. Estatuto e requerimento geral da Ufal. Maceió (AL), 2006. Mimeografado. UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS. Regimento e estatuto. Mimeografado. 295 ANEXOS 296 ANEXO A - COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA 297 ANEXO B – Entrevistas ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA – SERVIDOR PÚBLICO 1. Em relação ao processo de trabalho: a. O que faz e gosta de fazer? b. O que faz e não gosta de fazer? c. O que gosta de fazer e não faz? 2. Em relação ao sentido do trabalho do servidor: a. Qual a visão do servidor público? b. Qual a visão sobre servidor público? c. Qual o sentido do trabalho do servidor? 3. Em relação à saúde do servidor público: a. É portador de alguma doença? Qual? b. Quais atividades que executa e que interferem no seu bem-estar (mental e social)? c. Quais as principais questões ambientais, organizacionais, relacionais interferem no seu bem-estar? 4. Em relação aos serviços de saúde do servidor público: a. Quando adoece, qual o serviço de saúde que recorre? b. Qual a sua avaliação sobre os serviços de saúde do IES? c. Você conhece seus direitos referentes à saúde do servidor? d. Você teria alguma reivindicação no campo da saúde e do bem-estar? 5. Em relação às condições e ao modo de vida do servidor: a. Meios de transporte utilizados para ida e volta ao trabalho (tipo, tempo de locomoção); b. A situação familiar do servidor em relação a: composição, posição de servidor e provedor da família; 298 c. Identificar outros vínculos empregatícios (acúmulo de trabalho); d. Identificar as expectativas do servidor em relação: vida, família e trabalho. ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DA UFAL 1. Em relação às novas tecnologias e sua interferência na saúde: a. Quais as principais interferências percebidas? 2. Quais as doenças/queixas mais frequentes do servidor público? 3. Quais os setores onde se verifica maior incidência de problemas de saúde? 4. Em relação ao processo de trabalho: a. Quais as percepções sobre as mudanças no mundo do trabalho (automação, informática, robótica); b. Analisar o relacionamento interpessoal no trabalho; c. Quais as principais (in)satisfações no trabalho. 5. Existem alguns desgastes específicos relacionados às atividades do servidor público? 6. Quais os aspectos referentes ao processo de trabalho que contribuem positivamente na saúde do servidor? 7. Quais os aspectos referentes ao processo de trabalho que contribuem negativamente para a saúde do servidor? 8. Quais os elementos referentes ao modo de vida do servidor que afetam a saúde? 9. Qual sua visão sobre a Política Nacional de Saúde do Servidor Público? 10. Qual a sua visão sobre o Sistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (Siass)? 299 11. Qual o sentido do trabalho do servidor público? 12. Como se estabelece a relação do setor com os sindicatos? 13. Quais os limites, dificuldade e apoios recebidos pela instituição? ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS GESTORES DE PESSOAL E DOS SERVIÇOS DE SAÚDE Em relação às condições de trabalho: a. Avaliar o ambiente de trabalho (equipamentos, instrumentos, carga horária); b. Avaliar o relacionamento interpessoal no ambiente de trabalho (relações com a chefia e colegas); c. Especificar os métodos de organização do trabalho (divisão de atividades); d. Especificar as novas tecnologias no trabalho (sistemas informatizados, redes); e. Avaliar as mudanças no mundo do trabalho e o serviço público. Em relação ao perfil do servidor público verificar: a. Qualificação; b. Capacitação: c. Qualidade dos serviços; d. Produtividade; e. Satisfação; f. Insatisfação; g. Compromisso social; h. Assédio moral; i. Sentido do trabalho; j. Inseguranças do servidor; k. Potencial humano e limites do servidor. 300 Em relação à saúde: a. Principais reclamações; b. Avaliação sobre PNASS, Siass, Legislação. c. Avaliação dos serviços ofertados: JM, Sesmet, plano de saúde e odontológico; d. Fatores socioeconômicos que interferem na saúde/doença do servidor; e. Levantamento e avaliação dos elementos referente ao modo de vida do servidor que interferem na saúde/doença do servidor; f. Forma de participação do servidor na gestão de saúde. ROTEIRO DA ENTREVISTA COM OS SINDICATOS E ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS 1. Em relação às condições de trabalho: a. O ambiente de trabalho: bio, físico, químico, psíquico e social; b. Carga horária; c. Instrumentos de trabalho; d. Relações pessoais: chefias, colegas, administração; e. Organização e divisão do trabalho; f. Produtividade; g. Novas tecnologias; h. Mudanças no mundo do trabalho e sua relação com o serviço público. 2. Em relação à doença/saúde do servidor: a. Qual a visão sobre os problemas de saúde do servidor? b. A doença/saúde em relação ao processo de trabalho, modo de vida e as condições sociais do servidor; c. As reclamações do servidor sobre a doença/saúde; d. As reclamações do servidor sobre os serviços de saúde; e. As reclamações sobre as relações no trabalho. 301 3. Em relação ao servidor: a. Participação do servidor no controle social; b. As condições socioeconômicas do servidor; c. Modo de vida do servidor. 4. Quais as reivindicações do movimento sindical nas instâncias: institucional, regional, e nacional? 5. Qual a visão sobre a política nacional de saúde do servidor público? 6. Qual a visão sobre Sistema Integrado de Atenção a Saúde do Servidor (Sias)? 7. Qual a relação do sindicato com os setores de saúde na instituição? 8. Qual a relação do sindicato com a gestão? 9. Qual a participação do sindicato no controle social da saúde do trabalhador no estado? 10. Qual o sentido do trabalho no serviço público? 302 ANEXO C – PROJETO INSTITUCIONAL UNIDADE DO SIASS-UFAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS PRÓ-REITORIA DE GESTÃO DE PESSOAS E DO TRABALHO PROJETO INSTITUCIONAL UNIDADE DO SIASS ‐ UFAL Maceió 2010 303 1 – APRESENTAÇÃO Devido à necessidade de normatizar as ações de assistência à saúde do servidor no âmbito do Serviço Público Federal, foi instituído no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, por meio do decreto 6.833 de 29 de abril de 2010, o Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS), que visa integrar e sistematizar os procedimentos relacionados à Política Nacional de Atenção à Saúde do Servidor no âmbito do Serviço Público Federal (PASS). As ações do SIASS são caracterizadas pelo trabalho transdisciplinar desenvolvido por equipe multiprofissional. As atividades são estruturadas em três eixos - Vigilância e Promoção à Saúde, Perícia Oficial e Assistência - de forma que tais ações devem ser fundamentadas através de uma abordagem biopsicossocial conduzidas por informações epidemiológicas e avaliações em locais de trabalho. A Universidade Federal de Alagoas (UFAL), por meio da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas e do Trabalho, possibilita a concretização da PASS buscando a implantação da unidade do SIASS bem como a efetivação das atividades propostas para atenção à saúde de seus servidores. A Unidade do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor da Universidade Federal de Alagoas – SIASS/UFAL foi criada com o objetivo de articular os serviços prestados aos servidores pelo Serviço Especializado de Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho e pela Perícia Médica Oficial da UFAL às diretrizes preconizadas pelo SIASS, além de propor ações de intervenções mais amplas que visem o servidor de forma integral, contemplando ações que percorrem a assistência à saúde, especialmente as de prevenção e promoção à saúde do servidor. 2 – JUSTIFICATIVA A Universidade Federal de Alagoas possui um quadro de 2.870 servidores, sendo 1351 docentes e 1519 técnicos administrativos, distribuídos em três campi: Maceió - A. C. Simões, Arapiraca (Sede e pólos Penedo, Viçosa e Palmeira dos Índios) e Sertão (Sede e pólo Santana do Ipanema). Este grande número de servidores vinculados à universidade por si só justifica a implantação de uma unidade do SIASS na instituição. 304 Atualmente, as ações de atenção à saúde do servidor na universidade são conduzidas pela Pericia Médica Oficial e pelo Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho sob supervisão da Coordenação de Qualidade de Vida no Trabalho - Pró-reitoria de Gestão de Pessoas e do Trabalho. A UFAL sempre se apresentou como uma unidade de referência nos serviços de Perícia Médica no estado dentre os demais órgãos federais, atendendo a demanda de vários destes. No mais, a universidade é dotada de uma equipe multiprofissional diversificada composta por médicas do trabalho, enfermeira do trabalho, técnicos de enfermagem, assistentes sociais, fisioterapeuta, psicólogo, engenheiro de segurança do trabalho e técnico de segurança do trabalho. Tal equipe desenvolve ações de vigilância em saúde através da realização de exames periódicos, concessão de laudos técnicos ambientais sobre condições de trabalho, ações de promoção e educação em saúde, laudos com vistas à concessão de adicionais de insalubridade e periculosidade conforme legislação vigente e pareceres para subsidiar a equipe de Pericia Oficial em Saúde. A Universidade Federal de Alagoas dispõe de Hospital Universitário de referência em alta e média complexidade, conveniado a rede SUS, se apresentando como um Centro de Referência para Saúde do Trabalhador no Estado, mais precisamente como Unidade Sentinela para os agravos decorrentes de dermatoses ocupacionais, pneumoconioses, perda auditiva relacionada ao trabalho, câncer relacionado ao trabalho e distúrbios osteomioarticulares relacionados ao trabalho. Esta estrutura receberá a demanda de assistência aos servidores com agravos já instalados detectados na unidade do SIASS, tendo em vista que apenas aproximadamente 48% dos servidores da UFAL, segundo Departamento de Administração de Pessoal, aderem ao serviço de assistência suplementar (Fundação de Seguridade Social - GEAP). Esta proposta multidisciplinar tem como desafio a integração de diferentes práticas e saberes terapêuticos através da valorização da escuta e do acolhimento e da percepção ampla das dimensões envolvidas no processo de adoecimento e sofrimento do servidor, tais como o estilo de vida e a sua relação com o ambiente e organização do trabalho. 305 3 – OBJETIVOS 3.1 – Gerais Implementar a Unidade do SIASS - Universidade Federal de Alagoas no campus Maceió - A. C. Simões; Desenvolver um Plano de Ações à Saúde do Servidor nos eixos de vigilância e Promoção à Saúde; Perícia Médica e Assistência. 3.2 – Específicos 6. Firmar o Acordo de Cooperação Técnica com órgãos que compõem a Administração Pública Federal no Estado de Alagoas; 7. Ampliar a composição da equipe multiprofissional a atuar na Unidade do SIASS-UFAL; 8. Definir as responsabilidades e atribuições dos órgãos perante Acordo de Cooperação firmado; 9. Estabelecer cronograma de atividades para efetivação da Unidade SIASSUFAL; 10. Sistematizar os procedimentos relativos à Política de Atenção à Saúde dos Servidores (PASS) na Unidade SIASS – UFAL; 11. Viabilizar a construção de projeto arquitetônico da Unidade SIASS-UFAL no campus A. C. Simões – Maceió; 12. Outros a serem definidos conforme especificidades e acordo de cooperação técnica. 4 – A UNIDADE SIASS/UFAL 4.1 – Órgãos Partícipes A unidade SIASS –UFAL, diante do acordo de cooperação técnica a ser firmado, tem inicialmente como órgão partícipe a Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal em Alagoas CNPJ: 00.394.494./0020-07. 306 4.2 – Funcionamento A Unidade SIASS/UFAL funcionará nos dias de segunda a sexta-feira no horário de 07:00 às 17:00 horas. O agendamento pericial será realizado na secretaria da unidade. 4.3 – Gestor da Unidade A Universidade Federal de Alagoas nomeará um gestor responsável pela Unidade SIASS-UFAL com as seguintes atribuições: 1. Coordenar as ações desenvolvidas pela Perícia Oficial e pela Equipe Multiprofissional de Vigilância e Promoção à saúde; 2. Articular a captação de recursos financeiros para construção da nova sede da Unidade; 3. Viabilizar os meios e recursos necessários para o funcionamento das atividades propostas pela equipe; 4. Acompanhar e supervisionar o desenvolvimento dos indicadores de gestão em saúde e segurança do trabalho; 5. Viabilizar capacitação e qualificação da equipe profissional; 6. Articular a participação da Comissão Interinstitucional no processo de gestão da Unidade, servindo como elo entre a mesma e a equipe de trabalho; 7. Acompanhar a legislação relacionada à Política de Atenção à Saúde do Servidor a fim de que as atividades desenvolvidas estejam em consonância com a mesma. 4.4 – Comissão Interinstitucional Será criada uma comissão interinstitucional, composta por no mínimo dois servidores efetivos de cada órgão participante do acordo de cooperação técnica, com o objetivo de supervisionar as atividades desenvolvidas pela unidade SIASSUFAL e propor ao gestor responsável melhorias no processo de gestão e condução das atividades realizadas. 4.5 – Composição da Equipe Profissional Tal unidade será composta por equipe multiprofissional e técnicos administrativos conforme distribuição abaixo: 307 Servidor Cargo Órgão Rosineide Duarte Sirqueira Gestor da Unidade SIASS-UFAL Vieira Silvana Maria Ramos Lages Médica do Trabalho UFAL UFAL Sandra Maria Maranhão C. Médica do Trabalho de Sousa José Áureo Silva Neto Médico Perito UFAL Lourenço Lins Ferreira Lopes Médico Perito UFAL Emerson José Calheiros de Médico Perito Abreu Joseane Ribeiro de Menezes Médico Perito Granja Isabel Cristina Perini Médica Perita UFAL UFAL Maria Zélia de Araújo Lessa Enfermeira do Trabalho Polícia Federal Polícia Federal UFAL Malba Vieira Torres Assistente Social UFAL Maria da Conceição Clarindo Assistente social C. da Silva Rosiane Passos de Moraes Assistente Social UFAL Polícia Federal UFAL Deivson Cavalcante Gomes Fisioterapeuta de Oliveira Flavio J. Fernandes do N. Psicólogo Costa Marilda Maria de Melo Odontólogo Perito UFAL Marcos Antônio Silva Peixoto UFAL UFAL Odontólogo Perito Dilma Nunes da Rocha Odontólogo Perito Fortes Cláudia Márcia Santos Odontóloga Ramalho Ricardo Santos de Menezes Técnico de Segurança do Trabalho UFAL Pedrina Maria da Silva Auxiliar de Enfermagem UFAL Josefa Cirilo da Silva Auxiliar de Enfermagem UFAL Danielle Guedes Souza Auxiliar de Enfermagem Ana Lúcia dos Santos Assistente em Administração Polícia Federal UFAL Ismael de Lima Técnico em Assuntos Educacionais UFAL Iracema Maria da Silva Atendente Odontológico de UFAL UFAL Consultório UFAL 308 Tendo em vista a grande demanda das atividades executadas atualmente e o acréscimo desta com a implementação das atividades propostas, faz-se necessário ampliar o número de profissionais da equipe multiprofissional e de apoio administrativo conforme dimensionamento abaixo: QUADRO DE SERVIDORES /EQUIPE IDEAL: Profissional Disponível Ideal Assistente Social 3 5 Enfermeira do Trabalho 1 3 Técnico em enfermagem do trabalho 1 3 Médico do Trabalho 2 3 Médico Perito 5 5 Administrador 0 1 Odontólogos 4 4 Atendente de consultório odontológico 1 2 Psicólogo 1 2 Fisioterapeuta 1 2 Engenheiro de Segurança do Trabalho 1 2 Técnico em Segurança do Trabalho 1 4 Assistente em Administração 1 6 Terapeuta Ocupacional 0 1 Educador Físico 0 1 Nutricionista 0 1 4.6 – Estrutura Física Atualmente, a equipe de profissionais da Perícia Oficial e de Vigilância e Promoção à Saúde dos servidores está instalada nas dependências do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes – HUPAA/UFAL. Todavia, tais instalações não se apresentam com condições de acomodar toda equipe, tampouco de atender as necessidades da mesma para execução das atividades propostas, tendo em vista 309 que existe apenas um consultório para consultas e exames periódicos e não há salas para os profissionais da fisioterapia, serviço social, engenharia de segurança e psicologia. A estrutura da perícia oficial não oferece isolamento adequado entre os dois consultórios existentes comprometendo a garantia ética do sigilo inerente a atividade quando ambos estão ocupados. Além disso, não existe sala para reuniões e espaço para realização de atividades de prevenção e promoção de saúde. Entende-se que a localização da unidade do SIASS dentro do Hospital Universitário não é coerente com a proposta de focar as ações nas atividades de prevenção e promoção a saúde dos servidores dos órgãos cooperados, sendo necessária a construção de uma nova sede no campus A.C. Simões – Maceió da UFAL. Um projeto arquitetônico para construção deste prédio foi elaborado pela Superintendência de Infra-Estrutura da UFAL e será apreciado pela Secretaria de Recursos Humanos e o Departamento de Saúde e Previdência Social do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão a fim de que sejam viabilizados os recursos financeiros necessários para realização da obra. 310 4.7 – Estrutura Organizacional da Unidade Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão UFAL/PROGEP SIASS/UFAL – Gestor Administrador Perícia em Saúde Comissão Interinstitucional Vigilância e Promoção à Saúde Assistência Perícia Médica Vigilância Ambiental Assistência Social Perícia Odontológica Exames Periódicos Assistência Psicológica Equipe Multiprofissional em Pericia Programas de Prevenção e Promoção à Saúde Reabilitação Profissional Readaptação Profissional 310 * Cada órgão será responsável pela realização dos exames periódicos com seus servidores, cabendo a eles elaborar calendário e sistematizar a execução destas atividades. 311 5 – ATIVIDADES 5.1 – Perícia Oficial Perícia Oficial em Saúde é o ato administrativo que consiste na avaliação técnica e questões relacionadas à saúde e à capacidade laboral, realizada na presença do servidor por médico ou cirurgião dentista formalmente designado. A Equipe de Perícia Oficial em Saúde é o grupo de profissionais designados para auxiliar a Administração Pública Federal em questões administrativas e legais relacionadas à saúde. Todos os profissionais da área de saúde e de outras áreas poderão contribuir para a avaliação pericial com pareceres técnicos específicos de sua área de atuação. Em especial deve compor a equipe de perícia em saúde: Médico; Odontólogo; Psicólogo; Assistente Social; Fisioterapeuta; Técnico de Enfermagem ou de Saúde Bucal. A atividade pericial oficial em saúde é inerente ao médico e ao odontólogo, designados peritos, cabendo aos outros profissionais da área de saúde e segurança no trabalho subsidiá-la por meio de parecer específico. São atribuições da equipe multidisciplinar de perícia em saúde dentre outras: i. Fornecer parecer especializado, privilegiando a clareza e a concisão, para subsidiar as decisões da Equipe Pericial. j. Propor capacitação e atualização de profissionais em perícia. k. Encaminhar o periciado aos programas de promoção de saúde e prevenção de doenças, tais como: dependentes químicos, programas de inclusão de deficientes, redução de estresse, controle de hipertensão arterial e de obesidade dentre outros. 312 l. Avaliar do ponto de vista social e psicológico os servidores que apresentem problemas de relacionamento no local de trabalho, assim como de absenteísmo não justificado. m. Avaliar os candidatos aprovados em concurso público quanto às aptidões para o exercício do cargo, caracterização de deficiência física, e sugestões de lotação. n. Acompanhar o tratamento de saúde do servidor ou de pessoa de sua família, indicado pela Perícia oficial em saúde. o. Divulgar informações para o desenvolvimento de programas de prevenção. p. Promover a integração da equipe pericial com ações de vigilância e com ações de vigilância e com os programas de promoção à saúde e prevenção de doenças. q. Avaliar as atividades do periciado no local de trabalho. r. Acompanhar o cumprimento das recomendações em caso de restrições de atividades. s. Orientar os gestores na adequação do ambiente e do processo de trabalho. t. Realizar Perícia Oficial no corpo discente da universidade. u. E outras que lhe forem delegadas. Atestados ou pareceres emitidos por psicólogo, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, e outros profissionais de saúde poderão ser usados para fins de embasamento pericial como documentos complementares. Estes documentos, por si só, não são suficientes para justificativa de faltas ao trabalho por motivo de doença. São funções específicas dos profissionais da perícia oficial em saúde: Médico Perito Realizar perícias singulares, hospitalares, domiciliares, e participar de juntas médicas; Atuar como assistente técnico em pericias judiciais; Discutir junto à equipe multidisciplinar de promoção de saúde os procedimentos, atribuições e atividades a serem desenvolvidas; Solicitar pareceres de outras especialidades; 313 Odontólogo Perito Psicólogo Assistente social Fisioterapeuta Técnico de enfermagem ou de saúde bucal E outras que lhe forem delegadas, no âmbito de sua atuação. Realizar perícias singulares, hospitalares, domiciliares e participar de juntas odontológicas; Atuar como assistente técnico em perícias oficiais; Discutir junto à equipe multidisciplinar de promoção de saúde os procedimentos, atribuições e atividades a serem desenvolvidas; Solicitar pareceres de outras especialidades; E outras que lhe forem delegadas, no seu âmbito de atuação. Elaborar laudos e pareceres; Efetuar o exame psíquico com instrumentos padronizados e encaminhar o parecer à Unidade de Perícia Oficial; Encaminhar o periciado para atendimento por outras especialidades; Realizar orientação psicológica ao servidor e a familiares; Orientar e dar suporte psicológico ao servidor em seu retorno ao trabalho; E outras que lhe forem delegadas, no seu âmbito de atuação. Emitir parecer social visando à análise dos aspectos sociais que interfiram na situação de saúde do servidor e/ou de pessoa da família, considerando a autonomia profissional na definição de instrumentos técnicos como visitas e entrevistas; Conhecer os indicadores socioprofissional, econômico e cultural, dentre outros, dos servidores em tratamento de saúde utilizando instrumentos técnicos como entrevistas, visitas e pesquisas sociais; Proceder a avaliação social para subsidiar o estudo do caso em análise; Realizar atendimento ao servidor e sua família, por meio de orientação social nas questões relacionadas à saúde, visando à inserção dos mesmos em ações e programas desenvolvidos pela instituição assim como encaminhamento aos recursos sociais disponíveis na comunidade; Realizar orientação sobre os direitos sociais do servidor; Proceder à avaliação social para subsidiar a decisão pericial sobre a presença indispensável do servidor em caso de licença para tratamento de pessoa da família; Outras que lhe forem delegadas, no seu âmbito de atuação. Elaborar laudos e pareceres quando solicitados pelo médico perito; Realizar o exame da capacidade funcional dos servidores quanto ao sistema osteomioarticular; Avaliar o ambiente de trabalho quanto às sobrecargas biomecânicas do ponto de vista ergonômico; Outras que forem delegadas, no seu âmbito de atuação. Acompanhar o perito nos exames periciais; Outras que lhe forem delegadas, no seu âmbito de atuação. 5.2 – Vigilância e Promoção à Saúde As principais estratégias para implementar a Norma Operacional de Saúde do Servidor são as avaliações dos ambientes e processos de trabalho, o 314 acompanhamento da saúde do servidor e as ações educativas em saúde, pautadas na metodologia de pesquisa- intervenção. O conhecimento e a percepção que os servidores têm do processo de trabalho e dos riscos ambientais serão considerados para fins de planejamento, execução, monitoramento e avaliação das ações de Vigilância e Promoção à Saúde. De forma geral, pode-se depreender que as atividades realizadas pela UFAL apresentam dimensões onde a promoção e a vigilância são inseparáveis. Através das perspectivas oferecidas pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, será possível aprimorar as referidas práticas fortalecendo-as inclusive por meio da qualificação sistemática dos profissionais envolvidos. Vigilância em Saúde Compreende-se Vigilância à Saúde como o conjunto de ações contínuas e sistemáticas que possibilita detectar, conhecer, pesquisar, analisar e monitorar os fatores determinantes e condicionantes da saúde relacionados aos ambientes de trabalho. Tem como objetivo planejar, implantar e avaliar intervenções que reduzam os riscos e agravos à saúde. Para tanto, as atividades desenvolvidas relacionam-se diretamente com um sistema epidemiológico que interprete dados da saúde do servidor e dos ambientes e processos de trabalho. Entende-se que ações de vigilância surtem maiores e melhores efeitos quando desempenhadas de forma participativa com os servidores. Tais parcerias desenvolvem-se não apenas através de eventos provocados por demanda espontânea, criadas por acidentes de trabalho e agravos à saúde já instalados, mas também através de um mecanismo de controle organizacional estruturado que será implantado através da Comissão Interna de Saúde do Servidor Publico Federal. Atribuições da Equipe de Vigilância em Saúde: d. Traçar perfil socioeconômico e epidemiológico dos servidores da UFAL e órgãos cooperados; 315 e. Realização de Exames Periódicos considerando a atividade e os fatores de risco que os servidores estão expostos; f. Elaboração de laudos e pareces sobre as condições de trabalho do ponto de vista físico-ambiental e organizacional; g. Elaboração de laudos com vistas a concessões de adicionais de insalubridade e periculosidade; h. Sistematizar a notificação e registro dos agravos, doenças e acidentes de trabalho. Promoção à Saúde Segundo a Norma Operacional de Saúde do Servidor (NOSS - Portaria Normativa nº 03 de 07 de maio de 2010), pode-se definir Promoção à Saúde como o conjunto de ações dirigidas à saúde do servidor, por meio da ampliação do conhecimento da relação saúde-doença e trabalho. Objetiva o desenvolvimento de praticas de gestão, de atitudes e de comportamentos que contribuam para a proteção da saúde no âmbito individual e coletivo. Compreende-se que saúde não acontece via decreto, mas por um processo de aquisição de informações e adoção de hábitos saudáveis acerca das noções de saúde e doença. Observe-se que a citação da NOSS faz referencia à organização do trabalho como um fator contributivo para o adoecimento do servidor. Todo o processo reflexivo será desenvolvido a partir das ações de vigilância propostas pela unidade SIASS através de perfis epidemiológicos e visitas aos ambientes de trabalho. Atribuições da Equipe de Promoção à Saúde: 1. Desenvolver ações que possibilitem a conscientização dos servidores quanto aos riscos e agravos à saúde presentes no ambiente de trabalho; 2. Desenvolver atividades de reeducação postural e consciência corporal com os servidores tendo em vista as atividades laborativas e as atividades de vida diária. 3. Implementar um programa de cinesioterapia/ginástica laboral; 316 4. Promover programa de prevenção dos distúrbios osteomioarticulares relacionados ao trabalho; 5. Estimular a prática regular de atividade física com os servidores; 6. Desenvolver ações de Saúde Mental; 7. Desenvolver ações de humanização nas relações de trabalho; 8. Implantar um Núcleo de Estudo e Atenção a Dependentes Químicos; 9. Desenvolver atividades de controle ao tabagismo; 10. Promover ações de promoção a saúde bucal; 11. Desenvolver o Programa de Preparação para Aposentadoria; 12. Desenvolver um programa de saúde do idoso e envelhecimento saudável; 13. Elaborar atividades que possibilitem a conscientização dos servidores quanto à adoção de outros hábitos saudáveis e mudança no estilo de vida; 14. Criar um núcleo de estudo de Saúde do Trabalhador; 15. Desenvolver atividades de atenção à servidora gestante. 16. Criar um boletim informativo sobre Saúde do Trabalhador. 17. Promover atividades de orientações quanto Familiar/Orçamento Doméstico. 18. Desenvolver ações de imunização dos servidores. o Planejamento 317 6 – CRONOGRAMA Atividades Reunião com GT SIASS Treinamento do módulo de Perícia Oficial Elaboração unidade do Projeto Institucional 2009 Jul/ 2010 Set/ 2010 Out/ 2010 Nov/ 2010 Dez/ 2010 X X X X X X X X X X X X X Jan/ 2010 Fev/ 2011 X X X X Mar/ 2011 2011 X da Reunião com órgãos partícipes da unidade do SIASS-UFAL Elaboração do Projeto Arquitetônico X X Assinatura do acordo de cooperação técnica Início das atividades de perícia oficial com os órgãos partícipes da unidade X X Implantação das atividades de vigilância e promoção à saúde com órgãos partícipes da unidade * X Criação do Boletim Informativo SIASS/ UFAL X Construção da unidade do SIASS X Realização de concurso público para ampliação da equipe multiprofissional – SIASS/UFAL. X Cada órgão será responsável pela realização dos exames periódicos com seus servidores, cabendo a estes elaborar calendário e sistematizar a execução destas atividades. 317 318 7 – RESULTADOS ESPERADOS Com a efetivação dos serviços propostos pela unidade SIASS UFAL, esperase consolidar a Política Atenção à Saúde do Servidor no âmbito da Universidade Federal de Alagoas e demais órgãos conveniados a esta unidade de saúde. As atividades serão desenvolvidas na expectativa de promover uma melhor qualidade de vida no trabalho, bem como a valorização dos profissionais e serviços desenvolvidos pelas instituições.