E-mails e Correspondência no Trabalho, Monitoramento pelo Empregador e Privacidade do Trabalhador Rodrigo de Lacerda Carelli∗ A questão da possibilidade do empregador de vasculhar e monitorar os e-mails, ou mensagens eletrônicas, de seus empregados está em quente discussão nos últimos dias nos meios de comunicação, nas esquinas, nos botequins, em todo lugar. Essa discussão surgiu após o Tribunal Superior do Trabalho, em meados de maio deste ano, decidir pela legalidade da vigilância do empregador sobre e-mails do empregado, inclusive quanto ao seu conteúdo. A partir daí, surgiram interpretações de certa forma equivocadas nos meios jornalísticos, necessitando um esclarecimento acerca dos limites e lineamentos dessa possibilidade de monitoramento, colocand o a questão no seu devido lugar. A Constituição Federal de 1988 atribui como direito fundamental da pessoa humana a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e o resguardo do sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas (art. 5°, incisos X e XI, CF/88). Assim, a princípio, toda a correspondência, inclusive eletrônica, estaria resguardada perante terceiros. A questão do sigilo de correspondência, entretanto, está intimamente ligada com a defesa da vida privada e intimidade, e sob a sua luz deve ser tratada. Assim, somente existiria violação de correspondência naquela que invadisse a intimidade e a vida privada do destinatário, ou mesmo do remetente, da correspondência. O e-mail, quando fornecido pela empresa para fins estritamente profissionais, não pode ser considerado como correspondência privada, eis que sua utilização insere-se no âmbito de interesses e da vida da empresa, e não no da vida ∗ Rodrigo de Lacerda Carelli é um dos coordenadores do CEDES e Procurador do Ministério Público do Trabalho. particular do trabalhador. O e-mail, então, é tido como ferramenta de trabalho, pressupondo-se que sua utilização serve para os fins empresariais, e não privados do usuário-trabalhador. Assim, em princípio, o e-mail teria como real destinatário, ou remetente, a empresa, sendo a ferramenta manejada pelo trabalhador, na condição de mero preposto. Porém, para que assim seja entendido, é necessária a presença de dois elementos: 1) que conste como cláusula contratual a condição do e-mail de ferramenta de trabalho; 2) que este seja fornecido pela empresa. Quanto à cláusula contratual (1) deve esta ser escrita, ou seja, constar do contrato de trabalho, podendo ser expressa também no regulamento da empresa ou em ordens de serviço expedidas por esta ao coletivo dos trabalhadores. O importante é que tal norma seja de expresso conhecimento do trabalhador. Deve, também, como acima afirmado, que o e-mail seja fornecido pela empresa (2), como ferramenta de trabalho. Conseqüentemente, o e-mail particular do trabalhador, mesmo que acessado das dependências da empresa, mantém-se inviolável e garantido seu sigilo, não podendo o empregador monitorá-lo de qualquer forma. Da mesma forma se dá com as ferramentas de conversação no estilo “msn” ou “icq”, não podendo ser acessadas pela empresa. No entanto, pode a empresa, por óbvio, proibir a instalação de tais programas, por afetar o trabalho realizado, mas, uma vez permitida sua utilização, mesmo que tacitamente, não poderá o empregador acessar os dados ali contidos, fazendo parte do âmbito privado do trabalhador. Assim, não é o fato de ser empregado, ou se encontrar nas dependências da empresa, ou de ser utilizado seu computador, que faz com que desapareça o direito de intimidade ou de inviolabilidade de correspondência do trabalhador. Esse direito permanece intocável. Em verdade, no caso não haverá violação de intimidade do trabalhador por não ser o e-mail corporativo de utilização privada do empregado, eis que, a rigor, o proprietário da correspondência é a empresa. O mesmo sucede com as correspondências expedidas da forma tradicional. Uma vez remetidas à empresa, mesmo em nome do trabalhador, a presunção é que a sua remessa se dá em nome e no interesse da empresa, podendo ser abertas por esta. Entretanto, se vier expresso no envelope a condição de correspondência particular, a sua inviolabilidade está garantida. Em resumo: a empresa pode monitorar a utilização de e-mails por ela fornecida com a condição expressa de ferramenta de trabalho, não caracterizando violação de correspondência ou comunicação, nem lesão à privacidade ou intimidade do trabalhador. Não pode, por outro lado, monitorar outros instrumentos particulares tacitamente admitidos pela empresa, mesmo que o trabalhador o utilize trabalhador dentro das dependências empresariais. A questão julgada pelo Tribunal Superior do Trabalho que originou todas essas discussões, certamente, ainda será analisada pelo Supremo Tribunal Federal, pois se trata de questão com fundo constitucional. É de máxima importância, no entanto, deixar claro, para a solução deste e de outros casos que envolvam a intimidade e a vida privada do trabalhador, que deve haver uma nítida separação entre a vida privada e a vida profissional, sob pena de supressão daquela em favor dos interesses empresariais.