Política fiscal, monetária e cambial

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Economia
Política fiscal, monetária e
cambial: entre o discurso e
a realidade
Maryse Farhi, Saulo Abouchedid e Daniela Magalhães Prates*
A combinação concomitante de juros altos, câmbio flutuante e
ajuste fiscal está enraizada no ideário ortodoxo e conservador
e tem sido questionada não apenas pelos críticos a essa
opção de política, mas também pelos analistas de mercado
adeptos inicialmente de uma alta moderada na Selic. A
necessidade de reversão da alta agressiva dos juros é urgente,
assim como uma combinação maior e melhor das políticas
fiscal, monetária e cambial evitando que uma colida com a
outra. Se esse caminho for adotado as esperanças da equipe
econômica podem chegar a ter algum contato com a realidade
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Ed. 137 – Julho/Agosto 2015
A
política macroeconômica sofreu cia de uma inflação causada por excesso de demanda,
mudanças significativas no segun- contra a qual o aumento dos juros seria eficaz. Clarado governo Dilma, passando a es- mente, esse não é o caso do atual episódio de repique
tar centrada no ajuste das contas inflacionário no Brasil.
públicas. Foi em nome deste ajuste
A gestão hiperortodoxa do BCB manifesta-se na
que, contrastando com o mandato sua reação de elevar a taxa de juros diante de uma
anterior, vem se praticando a chainflação causada por choques exómada “verdade tarifária”, ou seja,
genos, num quadro de recessão em
acentuadas elevações dos preços da
que a demanda já está em queda.
energia elétrica, da água, dos comNessa conjuntura, o aumento de
Em nome do
bustíveis e até da loteria. Esse conjuros é impotente para reduzir o
ajuste das contas
junto de preços é conhecido como
impacto da alta dos preços adminispúblicas que,
preços administrados. Outro fator
trados ou os efeitos da meteorologia
que, historicamente, contribui panos preços agrícolas e só acentua
contrastando com
ra a alta da inflação é a desvaloria queda da demanda e do investio mandato anterior
zação cambial que se reflete nos
mento. O objetivo declarado da aupreços dos bens que fazem parte
toridade monetária é alcançar uma
do governo Dilma ,
das transações comerciais do país
inflação de 4,5% em 2016, ou seja,
vem se praticando a
(bens comercializáveis). Entretanreduzi-la pela metade. Numa gestão
chamada “verdade
to, atualmente esse fator tem tido
ortodoxa, a autoridade monetária
seu impacto reduzido em função
tenta atingir a meta o mais rápido
tarifária”, ou
da queda dos preços internacionais
possível, sob quaisquer circunstânseja, acentuadas
das matérias-primas. Some-se a escias. Em contrapartida, uma gesses fatos a alta dos preços dos hortão flexível tentaria levar a inflação
elevações dos
tifrutigranjeiros do início do ano,
gradualmente para a sua meta, por
preços da energia
em função de uma severa escassez
considerar que uma queda demade chuvas. Tais fatores junto com
siado rápida embute custos exceselétrica, da água,
a intensidade e a concentração no
sivamente elevados em termos de
dos combustíveis e
tempo dos reajustes dos preços adrecessão e de desemprego.
até da loteria
ministrados refletiram-se no índice
A combinação concomitante
de inflação que saltou de uma taxa
de juros altos, câmbio flutuante e
anual 6,5% em 2014
ajuste fiscal está enpara uma projeção de
raizada no ideário
mais de 9% em 2015.
ortodoxo e conserO Banco Central do
vador. O discurso do
Brasil (BCB) reagiu a
Ministério da Fazenesse salto com novas
da sustenta que essas
altas na taxa básica
elevações recorrentes
de juros (Selic), que
na taxa Selic, juntapassou de 11,75% em
mente com o rigoroso
dezembro de 2014
ajuste fiscal, são funpara 13,75% ao ano
damentais para o reem junho de 2015.
torno ao crescimento
Cada ponto percene para levar a inflação
tual a mais na taxa
de volta à meta.
Selic representa uma
Essa política tem
despesa anual surecebido críticas de
plementar, próxima
lados opostos do esa R$ 25 bilhões, em
pectro político. Para
pagamento de juros.
os que tenderiam a
O uso exclusivo
concordar com suas
da taxa de juros como instrumento de política mone- premissas básicas, estaria havendo um erro de dosatária é uma característica própria ao regime de meta gem na elevação da taxa de juros. Com efeito, juros
de inflação. Nesse regime, só se considera a existên- em forte elevação e ajuste fiscal podem ser equivalen-
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Economia
tes a enxugar gelo, visto que o gasto suplementar no
pagamento de juros neutraliza ou até ultrapassa a economia na despesa pública, conseguida a duras penas
(redução dos benefícios sociais e do orçamento de todos os ministérios). Para outros, o amplo uso de uma
política monetária restritiva – baseada exclusivamente
no aumento da taxa de juros para combater uma inflação causada essencialmente por aumentos nos preços
administrados e de produtos agrícolas – é uma opção
devastadora para o modelo de crescimento econômico
com distribuição de renda – defendido nos discursos
do governo –, já que afeta diretamente o mercado de
trabalho e, portanto, a renda e o emprego. Em verdade, o resultado dessa política é elevar a concentração
de renda, tendo em vista que aumenta a remuneração
dos investidores em títulos da dívida pública federal,
ao mesmo tempo em que diminui os recursos destinados às políticas públicas, como educação, saúde,
transportes públicos, moradia, seguro-desemprego,
aposentadorias.
Esses efeitos negativos são potencializados pelo
ajuste fiscal, resultando em recessão. Como mostra
claramente o caso da Grécia [CARVALHO, 2015 (1)], a
desaceleração da atividade econômica diminui a arrecadação tributária, dificultando ainda mais o cumprimento das metas fiscais. Eles apontam uma solução
que tem sido pouco considerada pelo Ministério da Fazenda: elevar a receita mediante a tributação dos mais
ricos, por exemplo através do imposto sobre grandes
fortunas ou uma progressividade maior no imposto de
renda. Ela permitiria obter maior equilíbrio das contas
públicas, penalizando apenas os que se beneficiam dos
juros altos que remuneram a parcela financeira de sua
riqueza, sem onerar demais o restante da população.
Ambas as críticas procedem.
A escalada da Selic eleva as despesas com juros, afetando negativamente o resultado nominal
das contas públicas, que chegou
a quase 8% do PIB em março de
2015 (contra 3% do mesmo mês
no ano anterior), e, consequentemente, afetando a dívida bruta. Esse indicador é considerado
como um dos mais importantes
pelas agências de classificação
de riscos que atribuem o grau de
investimento no país. Em função de sua deterioração, existe a
ameaça concreta de que elas venham a retirar essa qualificação
do Brasil.
Outros efeitos negativos também devem ser levados em conta. Nos últimos anos, o Banco Central tem optado,
de maneira crescente, pelo enxugamento da liquidez
via operações compromissadas, ou seja, por meio da
venda de títulos de sua carteira (emitidos pelo Tesouro Nacional) para recompra em data acordada –
com juros pré-fixados e com prazos que variam de
1 a 180 dias. Essa opção de política impulsionou a
dívida bruta de curto prazo que, em abril de 2015,
representava 40,7% do total, além de tornar inócuo
o esforço de redução do peso dos títulos indexados à
taxa Selic (as Letras Financeiras do Tesouro, LFTs) na
dívida pública do primeiro governo Dilma.
O aumento da participação de títulos de curto
prazo, que giram no mercado à taxa Selic, torna a política monetária restritiva ainda mais danosa. Além
disso, o aumento dos juros reforça a lógica de curto
prazo do mercado de dívida pública, inibindo o surgimento de mercados de títulos privados de maturidade mais longa. A possibilidade de valorização da
riqueza financeira no curto prazo a taxas de juros
elevadas concorre com as decisões de investimento
no setor produtivo, levando ao cancelamento ou ao
adiamento de projetos já definidos.
A política cambial do segundo governo Dilma
também evidencia o descompasso entre o discurso e
a realidade. Declarações da equipe econômica indicam que seu objetivo seria o aumento da competitividade externa mediante a depreciação cambial a fim
de impulsionar o saldo da balança comercial. Esse
objetivo seria alcançado por meio do retorno ao regime de flutuação pura, o que significaria abrir mão de
instrumentos de política cambial.
Porém, tanto o objetivo mencionado quanto os
meios para alcançá-lo não são observados na política
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Ed. 137 – Julho/Agosto 2015
A taxa de juros
brasileira é a mais
alta do mundo e a
política monetária
restritiva só
tem aumentado
o diferencial
de juros. Isso
desperta a cobiça
dos investidores
globais que tomam
emprestado altas
somas de dinheiro
em países com juros
baixos e os trazem
para o Brasil para
aplicá-las em títulos
públicos (operações
de carry trade)
cambial adotada nos últimos meses, visto que a combinação de políticas econômicas é incompatível
com o objetivo da taxa de câmbio
competitiva. A taxa de juros brasileira é a mais alta do mundo e a
política monetária restritiva só tem
aumentado o diferencial de juros.
Isso desperta a cobiça dos investidores globais que tomam emprestado altas somas de dinheiro em
países com juros baixos e os trazem
para o Brasil para aplicá-las em títulos públicos (operações de carry
trade). Esse imenso fluxo de divisas
resulta em pressões por apreciação
cambial.
Além disso, um patamar competitivo da taxa de câmbio é condição
necessária, mas não suficiente,
para a maior competitividade externa, sendo necessários outros
instrumentos de fomento ao setor
exportador. No entanto, as poucas
ações nesse sentido (como o tímido
plano nacional de exportações lançado recentemente) e as políticas já
existentes (como o Reintegra, que compensa os impostos cobrados aos exportadores) são limitadas pelo
ajuste fiscal. Vale ressaltar que a melhora do saldo
da balança comercial vista nos primeiros meses de
2015 pouco se deve à taxa de câmbio depreciada. O
cenário de recessão provocou uma queda nas importações (por volume) mais elevada do que a queda nas
exportações, puxadas sobretudo pela redução dos
preços das commodities (principalmente, do minério
de ferro).
Portanto, a gestão da política monetária e cambial se apega na esperança de que a inflação cederá,
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o ajuste fiscal retomará a credibilidade do Estado brasileiro e estabilizará a dívida pública e o câmbio,
agora flutuante, caminhará para
um patamar competitivo e estável,
impulsionando as exportações. Porém, a forma com que essa gestão
vem sendo conduzida mostra que
esses objetivos são contraditórios
entre si. Vários analistas ortodoxos
já projetam que a recessão deve se
aprofundar e perdurar pelo menos até o fim de 2016 enquanto
o desemprego seguirá crescente.
A necessidade de reversão da alta
agressiva dos juros – vista como
deletéria não apenas pelos críticos
a essa opção de política, mas também pelos analistas de mercado
adeptos inicialmente de uma alta
moderada na Selic – é urgente, assim como uma combinação maior
e melhor das políticas fiscal, monetária e cambial evitando que uma
colida com a outra. Se esse caminho for adotado as esperanças da
equipe econômica podem chegar a
ter algum contato com a realidade.
*Maryse e Daniela são professoras e Saulo
doutorando do Instituto de Economia da
Universidade Estadual de Campinas (IE/Unicamp).
Nota
(1) CARVALHO, L. “Tragédia de erros”. In: Folha de S.Paulo, 10-072015. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/colunas/
laura-carvalho/2015/07/1653961-tragedia-de-erros.shtml
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