o tempo é memoria e esquecimento

O TEMPO É MEMORIA E ESQUECIMENTO1
Maria Thereza de Barros França2
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“El tiempo es memoria y olvido”: frase de um poema de Borges (1989).
Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
[email protected]
Observação importante: não consegui reduzir mais o trabalho porque me
pareceu que ficaria truncado. Entretanto tenho condições, e me comprometo a
apresentá-lo nos 15 minutos regulamentares.
Autorizo sua publicação na internet.
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Organiza
Federación Psicoanalítica de America Latina
Septiembre 23 AL 25 de 2010
Bogotá - Colombia
Eixo temático: Temporalidades na análise
O TEMPO É MEMORIA E ESQUECIMENTO3
RESUMO
A partir do relato da análise de um paciente em que aspectos
importantes sobre tempo e memória, principalmente, se evidenciavam, a autora
procura estabelecer correlações entre tempo/espaço, memória/esquecimento e
simbolização/pensamento.
No caso em questão, o apego à “memória registro”, a fatos concretos, a
intolerância
com
a
percepção
de
tempo
e
espaço,
dificultavam
o
desenvolvimento da memória onírica, a introjeção de experiências emocionais
e o estabelecimento de um objeto pensante.
Palavras-chave: tempo, memória e pensamento.
INTRODUÇÃO
O tema da memória é extremamente instigante e atual.
Em termos filogenéticos, é possível pensarmos em memória ancestral,
atávica, algo talvez incorporado aos nossos genes, e nesse sentido, corporal,
relacionada a nossos aspectos mais instintivos, em estreita relação com a
sobrevivência.
Próximo ao caráter mais animal, podemos considerar os circuitos de
memória que Pavlov evidenciou, postos em ação nos reflexos condicionados.
Aqui, entretanto, já estamos às voltas com a memória ontológica.
Podemos pensar na memória, com seu substrato orgânico, como
registros feitos a partir das nossas percepções, iluminadas pela consciência
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“El tiempo es memoria y olvido”: frase de um poema de Borges (1989).
Observação importante: não consegui reduzir mais o trabalho porque me
pareceu que ficaria truncado. Entretanto tenho condições, e me comprometo a
apresentá-lo nos 15 minutos regulamentares.
Autorizo sua publicação na internet.
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neurológica – a memória explícita (a implícita envolve recuperação nãoconsciente de experiências).
Hoje em dia a questão da memória, da sua “fisiologia” e mesmo da sua
patologia, está muito em evidência. Os testes neuropsicológicos são refinados
e vasculham minúcias, inclusive a memória prospectiva, antecipatória, algo
muito curioso de se pensar, já que habitualmente relacionamos memória a
passado. Cabe lembrar que Bion (1975) se antecipou a isso quando
denominou seus escritos de “Uma memória do futuro”.
Evidentemente, o substrato orgânico da memória é fundamental;
entretanto, como psicanalistas estamos muito interessados nos aspectos
psíquicos da mesma, ou seja, naqueles que poderíamos considerar como mais
“humanos”. A neuropsicanálise tem buscado o elo entre eles.
Quando me refiro aos aspectos humanos, penso, por exemplo, na
memória histórica (relacionada a um tempo contínuo) – aquela que nos ajuda
no senso de identidade. Penso também em certas lembranças que não
sabemos se de fato correspondem a fatos vividos concretamente, ou
imaginados. Mas certamente é a memória onírica a que nos leva muito além do
tempo e dos registros – ela nos aproxima da nossa capacidade pensante.
Aqui, a partir de um caso atendido em análise, desenvolvo algumas
correlações
entre
tempo/espaço,
memória/esquecimento
e
simbolização/capacidade de pensar. Para fins didáticos divido em três itens
que estão, entretanto, intimamente interligados, uma vez que o que os torna
evidentes é o modo como o vínculo entre nós se estabelecia e os afetos
envolvidos.
TEMPO E ESPAÇO
Roberto tinha 50 anos quando procurou análise, assustado com sua
agressividade. Separado havia muitos anos, dizia que vivia bem sozinho, mas
deixava claro o quanto se ressentia de não ter uma companheira. Parceria
parecia mesmo algo bastante complicado para ele, como veremos adiante.
Minha primeira impressão foi de que eu não sabia se ele era um jovem
velho ou um velho jovem. No transcorrer da análise, observando marcantes
traços paranóicos, fiquei também intrigada com o seguinte: o que se passava
que ele não desenvolvia um quadro francamente delirante?
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Steiner (1997) referindo-se à utilização do termo “fronteiriço” por J. H.
Rey (1979) em pacientes esquizóides destaca um aspecto mental da estrutura
destes, que corresponde ao que chama de “refúgio psíquico”, que é uma área
onde se sentem “protegidos da ansiedade, mas têm graves problemas de
identidade, de forma que não se sentem completamente loucos, nem
totalmente
sãos,
nem
absolutamente
masculinos
nem
definitivamente
femininos, nem crianças, nem adultos, nem pequenos nem grandes, nem
amáveis nem odiosos, mas existindo nas fronteiras entre essas condições”. Ou
seja, é como se Roberto tentasse deter a passagem do tempo, e manter sua
vida emocional retida nesse refúgio.
Outro aspecto que chamava a atenção era sua dificuldade com a
existência de espaços, demandando uma atenção muito precisa. Transformava
as diferenças em desvantagens, em uma luta pelo poder e pela dominação:
uma intolerância com relação à percepção da existência de espaço e tempo
(Steiner, 2000).
A tentativa de neutralizar essa violência destrutiva, expressão da pulsão
de morte, seria a reclusão ao refúgio psíquico (Steiner, 1997), algo porém
muito diverso da continência da rêverie, da função
(Bion, 1962), pois embora
possa até ter aspecto protetor, resultaria em atuações perversas, fruto de
“organizações patológicas” (novas interligações entre vários objetos que
sofreram cisões patológicas), agindo quase como uma gangue: dando proteção
(aparente) por um lado, mas seqüestrando, saqueando e pilhando por outro.
Haveria movimentos sutis de saída, de tentativas de emergir desse
espaço, com debandada rápida ao primeiro sinal de ansiedade despertado pelo
contato. Trata-se de um problema sério lidar com esse tipo de organização:
como não ceder a ela e como não “bater de frente”? Além disso, a própria
análise e o analista podem ser usados para um tipo de refúgio desses, que
bloqueia o desenvolvimento, gerando estagnação.
No caso de Roberto, embora me deparasse com um sistema defensivo
tão poderoso quanto maligno, utilizei a designação de “casulo” para esse
espaço psíquico, talvez como algo do meu desejo, ou do desejo dele projetado
em mim, de esperança, já que casulo é algo que encerra a possibilidade de
transformação.
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MEMÓRIA E ESQUECIMENTO
Com relação a memória e esquecimento, podemos pensar que ambos
nos remetem à presença/ausência do objeto, com a diferença de que no caso
da memória há um vínculo “presentificado” (envolvendo aproximação, ligação)
e no caso do esquecimento o vínculo estaria “perdido” (envolvendo
afastamento, separação).
Para Roberto questões referentes a memória e esquecimento ficavam
muito evidentes nos seus relacionamentos afetivos em momentos de
aproximação e separação, mas não associa seus esquecimentos e falhas de
memória a experiências; racionaliza e considera-se apenas “esquecido”.
Ele se vale de várias formas para tentar me manter afastada e
“esterilizar” afetos e sentimentos, que ficam inacessíveis a ele (“esquecidos”);
eu fico ora imobilizada, ora inundada.
Klein e Bion, partindo da suposição de um funcionamento psicótico,
relacionam a neutralização da vida afetiva a violentas cisões, dissociações e
identificações projetivas. Green (1998) refere-se a esses fenômenos como
“buracos brancos”, resultantes de um processo de “apagamento” ou eliminação
de alguns conteúdos mentais.
Roberto se refugia em “casulos”, em casa, entre seus discos e livros, ou
na sessão, quando fica em silêncio, ou fala minutos a fio, descrevendo com
pormenores de memória situações absolutamente desinteressantes pelo forte
apego à realidade externa; vive as interrupções como intrusões.
Quando
essa
“primeira”
barreira
falha
rebate
prontamente
as
observações que faço, não permitindo deixar-se afetar por elas. Ou então,
quando não rebate prontamente, despreza o que falo, procurando argumentos
para pulverizar o que digo. Se porventura temos uma sessão interessante, no
dia seguinte há total amnésia – fica assim esquecido de si mesmo.
Nas relações objetais narcísicas as defesas contra todo o tipo de
separação são predominantes, uma vez que sua percepção conduz à
ansiedade de dependência, que estimula a inveja dos aspectos bons do objeto,
e esta a onipotência das relações narcísicas (Rosenfeld, 1964). Há, portanto, o
aprisionamento a um círculo vicioso, difícil de ser rompido.
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As vivências de um tempo circular estão relacionadas às defesas
narcísicas (postas em ação contra separação) mencionadas acima. Muitas
vezes no início da sessão Roberto permanece calado por vários minutos.
Quando então fala, recorre à memória e comenta sobre a repetição, ou seja, a
sessão mal começou e precisa garantir-se de que ela já é conhecida, como se
o tempo não passasse e assim, evidentemente, não haveria espaço para nada
de novo. Sua exigência de precisão, de uma sincronia perfeita, sugere, como já
disse, uma intolerância com a percepção de tempo e espaço.
Já que o passado é registro (e o futuro desejo), pode haver a insistência
“no uso de modalidades de funcionamento antigas, na tentativa de parar o
tempo ou de recuperar o tempo sonegado à experiência.” (Ferrari, 1998).
O psicótico, diante da ansiedade com relação à implacável passagem do
tempo, faz manobras de paralisação, de quebra do tempo, como uma tentativa
de impedir mudanças. O tempo circular está relacionado à compulsão à
repetição, sob o domínio da pulsão de morte. “Circularidade é o entretenimento
do desespero e da imutabilidade.” (Sapienza, 1999).
Em seu apego enorme à memória, ao passado, ao relato fiel dos fatos
ocorridos, conta histórias, tal como a Sherazade das “Mil e uma noites”
evadindo-se da morte. Entretanto é paradoxal como se queixa de seus
esquecimentos.
Relata suas falhas de memória freqüentes: esquece de deixar a chave
na garagem do prédio, larga óculos, malha por onde passa, como se se
espalhasse por aí; esquece nomes, horários, e até o que conversamos.
Ao encontrar artigos antigos seus, comenta que nem pareciam dele; ou
seja, suas capacidades reais ficam sem registro.
SIMBOLIZAÇÃO E CAPACIDADE DE PENSAR
Quando fala da sua falta de memória, Roberto sugere a fantasia de uma
lesão cerebral, talvez genética, mas certamente congênita, e traz a dúvida se a
análise pode dar conta desse tipo de coisa.
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Lembrei-me muito dele no relato de Sacks (1997), de um músico com
agnosia,4 que só conseguia vestir-se, tomar banho, cantando e não podia ser
interrompido, caso contrário perdia o fio da meada, parava o que estava
fazendo e não reconhecia nem seu corpo, nem suas roupas etc.
Solms (2004) em suas pesquisas neuropsicanalíticas, descreve o caso
de um homem que atendeu em análise, que desenvolveu uma Síndrome de
Korsakoff, com amnésia de fixação (para fatos recentes), após a retirada de um
tumor cerebral. Era insuportável a angústia de perceber que a memória estava
irreversivelmente afetada e o prisma por meio do qual a realidade era
encarada, se resumia ao do desejo. Faz assim a ponte entre áreas anatômicas
lesionadas e funcionamento mental regido pelas emoções: ele sonhava
acordado.
Sacks (1997) faz referência a um personagem do conto de Borges
(1995), “Funes, o memorioso” ao qual Roberto se comparava. Parece-me uma
ilustração belíssima sobre a importância da distância (separação), do tempo
descontínuo e do esquecimento para a simbolização, para o pensar.
Funes desde que levou uma queda, não conseguia mais dormir (e,
acrescento, provavelmente também não conseguia acordar), já que dormir é
desligar-se do mundo, assim como não conseguia esquecer, quer dizer, na
verdade ele se lembrava de tudo, e assim sendo,
“Não lhe custava compreender somente que o símbolo genérico cão
abrangesse tantos indivíduos díspares, de diversos tamanhos e diversa forma;
aborrecia-o que o cão das três e quatorze (visto de perfil) tivesse o mesmo
nome que o cão das três e quatro (visto de frente).
...Tinha aprendido sem esforço o inglês, o francês, o português, o latim.
Suspeito, entretanto, que não era muito capaz de pensar. Pensar é esquecer
diferenças, é generalizar, é abstrair. No abarrotado mundo de Funes, não havia
senão pormenores, quase imediatos.”
Esquecimento pode ser visto como uma dificuldade para se apropriar do
passado, da historicidade. Porém, no caso em questão, parece-me mais uma
impossibilidade de apropriar-se das vivências emocionais (já ao conhecido
4
Agnosia: perda do poder de reconhecimento perceptivo-sensorial, causado
por danos neurológicos.
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Roberto é bastante apegado), de compor um acervo de experiências
emocionais que lhe dêem sustentação e abram espaço para o novo.
Ele almeja a memória de um arquivo de computador. Faz referência a
um quadro de Dalí (1931) “A persistência da memória”, que expressa como
vive a passagem do tempo: os famosos relógios moles, nascidos de um sonho
com “camembert” que derrete e escorre. “As possibilidades são atacadas,
reduzidas à impotência; o que parece sólido, se liquefaz, o que parecia se
desfazer resiste” (Capua, 1994). Há algo escorregadio, que não permanece,
mesmo com a persistência, o apego feroz à memória, o aprisionamento
ferrenho ao passado, ao conhecido, a oposição incansável à passagem do
tempo, ao presente, ao futuro, ao desejo, ao novo, à vida, há sempre algo se
movimentando – à sua revelia.
Por mais que Roberto tente agarrar-se às suas teorias, aos autoenganos, por mais que tente congelar as imagens, me imobilizar, me controlar,
algo escapa. Não há certezas, não há garantias.
Freud deu importância à história, no sentido da causalidade psíquica, de
um aparelho psíquico funcionando e dando sentido aos acontecimentos se
sucedendo. A compulsão à repetição seria memória transformada em ação,
como um automatismo, uma descarga sugestiva de falha da elaboração
psíquica, já que o psiquismo falharia enquanto uma “rede” que se interpõe
entre o corpo e a realidade, entre a pulsão e a ação, contra a inclinação ao que
chama de distensão em oposição à contenção (Green, 1990).
Roberto em lugar de conter, tenta deter, ou reter as experiências
emocionais.
A concepção tradicional de memória enquanto simples registro,
armazenagem e evocação, é ultrapassada, já que há poderosas forças internas
interferindo em todas as etapas do processo de memorização, que tem início
com a notação (sistema perceptivo). A memória é, portanto algo muito mais
comandado do que comandante – é indissociável do sentido dado pela função
organizadora da psique (Green, 1990). E isto Roberto nega.
Para ele vale a concepção adaptativa, mecânica da memória. Quer
atrelar de forma rígida memória e consciência, quando na verdade esta
“passou a não ser mais que a rolha que flutua sobre os movimentos que
nascem das profundezas inconscientes”.
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A causalidade psíquica passa pela internalização da relação entre dois
sujeitos separados por um intervalo de tempo. A memória estaria relacionada à
organização perceptiva do momento e do contexto. Roberto ataca as
percepções e as relações. Para ele memória seria a prova de algo que propõe,
e passaria ao largo de ilusões e fantasias.
Da mesma forma que não podemos conceber um aparelho psíquico
entulhado por traços mnêmicos (passado), não podemos também esperar que
o psiquismo viva um presente perpétuo (Green, 1990).
Roberto parece que lembra para não perceber e esquece para não
pensar.
O inconsciente desconhece o tempo e “a negação do tempo que passa
e escoa inexoravelmente rumo à morte” encontra nisso um aliado. “Quanto
mais se acentua a qualidade da repetição, menos se trata de utilizar a ajuda
das interpretações do analista”. Novos registros muitas vezes são utilizados
não para a introdução de mudanças, mas para contorná-las: “a novidade será
tão mais bem acolhida, quanto mais for adotada segundo as normas do
sistema existente, que assim se preservará da ameaça do novo” (Green, 1990).
Ou seja, como as rupturas com o passado, com a memória, com o conhecido e
com a crença na imortalidade são ameaçadoras.
Quanto ao paciente que diz “ „Esqueci tudo o que foi dito da última
vez...‟, é difícil saber se ele se queixa de uma verdadeira enfermidade, se está
se vangloriando de sua própria capacidade de anulação, ou ainda, se está
fazendo ao analista a advertência de que sua fala está fadada à aniquilação,
para desestimular qualquer visada interpretativa posterior.” (Green, 1990).
No caso de Roberto vejo os esquecimentos ora como atos falhos, ora
como verdadeiras desconexões, ataques que faz aos vínculos geradores de
sentido, tanto para que não aconteçam, ou, no caso de se efetivarem, que
sejam desfeitos. Porém, “felizmente, tudo o que ele – paciente – está pedindo é
que não lhe seja dado crédito” (Green, 1990).
A memória e o sonho põem o pensamento em andamento. Athanassiou
(1992) emprega o termo memória no sentido do registro da experiência com
um objeto real capaz de sentir necessidade, de simbolizar, promovendo o
pensar. Ou seja, relaciona memória à possibilidade de introjetar e identificar-se
com um objeto pensante.
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Alguns trabalhos me ajudaram a esclarecer a questão do uso da
memória: quando ligada à pulsão de morte, promovendo a compulsão à
repetição, resulta no ataque ao novo, ao desenvolvimento; quando ligada à
pulsão de vida, promove o registro de experiências emocionais, propiciando
processos de introjeção, de identificação, de integração e finalmente
simbolização – memória onírica (Vilardo, 1976; Nunes,1993).
Vejo Roberto tendo lampejos, flashes dessas últimas possibilidades.
Nas relações narcísicas estamos às voltas com um self fortemente
identificado com um objeto idealizado, o que está muito longe de um objeto
bom e mais distante ainda de um objeto total. Tais relações aparecem de modo
não apenas idealizado, mas também como muito desejáveis. O problema é que
a idealização não ocorre apenas no tocante aos aspectos bons, mas também
às partes destrutivas do self. Entretanto, estas não são reconhecidas como
próprias, são ejetadas vigorosamente e onipotentemente negadas. O que resta
é que “todos esses pacientes parecem ter em comum o sentimento de
conterem toda a bondade que se poderia experimentar numa relação com um
objeto”. Por isso deveriam ser amados por todos. Certamente também
saberiam construir um mundo muito melhor do que o que encontram, sem
desigualdes e injustiças (Rosenfeld, 1964).
Entretanto, mesmo com tanta “bondade”, o que ocorre é que o objeto
bom dificilmente se estabelece e por conseqüência também o objeto total. Isto
porque implicaria em desfazer cisões e identificações projetivas, vivenciar
angústias persecutórias e depressivas, sentir dor, enfim.
É função do analista “aproximar as cisões temporais, mas também as
espaciais..., mas é importante que isso seja feito gradualmente, como se
estivéssemos diante de uma ferida em V e fosse necessário costurar os lados
aos poucos, mas a partir do vértice” (Ferro, 1998).
“No frigir dos ovos, aqueles pacientes que são capazes de desenvolver
uma fé na verdade e na bondade do método analítico, e de seu analista em
particular, progridem, e aqueles que não podem fazê-lo deixam a análise”
(Meltzer, 1998).
Parece-me que o que se passa com Roberto é o aprisionamento a uma
cilada maligna: a memória/repetição persiste paradoxalmente tentando, quase
que ao mesmo tempo, a retenção e a rejeição do objeto bom, o que
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conseqüentemente resulta em um objeto fugaz, e, portanto capaz de rêverie
apenas momentânea, sem potência suficiente para criar um continente benigno
para as experiências emocionais e propiciar desenvolvimento.
Resta-lhe a impressão de um objeto fugidio, que escapa dele, se esvai;
cintila e aquece por uma fração de segundo, para desfalecer em seguida, como
brasa que acena com o calor do fogo, para logo se apagar. Ele fica à mingua,
sem o alimento da verdade – e a mente necessita da verdade assim como a
sobrevivência física depende do alimento (Bion, 1992, p. 99).
Anda em círculos5 e busca incessantemente algo que não encontra (ou
melhor, não pode se aperceber que encontra, já que para que a percepção se
torne consciente é necessário haver investimento afetivo; Green, 2001, p. 85):
um objeto compreensivo, que o ajude a desapegar-se do concreto, do
sensorial, e possibilite o desenvolvimento de sua capacidade de pensar, de
espaço mental que contenha suas vivências emocionais, promovendo a
integração.
Tenho em mente o que Bion (1973) diz sobre o paciente psicótico
“estimular os desejos do analista”, notadamente de um resultado bem sucedido
da análise. Cabe lembrar que a sugestão de Bion de que trabalhemos sem
memória e sem desejo muitas vezes presta-se a ser mal interpretada.
Quem sabe esta análise possa ajudar Roberto a se encaminhar para a
persistência do objeto e a fugacidade da memória (Sandler, 2001).
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5
A circularidade do tempo, as questões da bidimensionalidade de Meltzer
(1984), das identificações adesivas percorrem o trabalho como pano de fundo.
11
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12