EDITORIAL Artrite reumatoide: por que tratar apenas a artrite, sabendo que comorbidades são comuns e determinam morbidade e mortalidade? © 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. os últimos anos houve muitos avanços na abordagem do paciente com artrite reumatoide (AR). Destacamos a possibilidade de diagnóstico em fase mais inicial da doença, graças aos novos critérios de classificação elaborados por um Comitê do EULAR (European League Against Rheumatism – Liga Europeia Contra o Reumatismo) e pelo American College of Rheumatology, em 2010, e os novos testes laboratoriais, como a detecção de presença de anticorpos contra proteínas citrulinadas.1,2 Outra conquista foi em relação à mudança no tratamento desses pacientes, com a utilização de combinações de drogas modificadoras do curso da doença (DMCD) sintéticas e biológicas.3 Considerando tais avanços no diagnóstico e no tratamento específico da AR, devemos ficar satisfeitos com o que já temos oferecido a esses pacientes? A resposta é não. O número de internações, as comorbidades não tratadas e a mortalidade ainda são elevados.4,5 A AR é mais que uma doença articular, e há ocorrência de inúmeras alterações inflamatórias sistêmicas. As citocinas mais expressas nas articulações dos pacientes com AR, como fator de necrose tumoral (TNF), interleucina (IL) 1, IL6 e IL17, também estão elevadas na circulação e são implicadas em inúmeros processos, como maior resistência à insulina e maior lesão endotelial vascular.6 Na população sem AR, é sabido que a inflamação tem papel chave no desenvolvimento da placa aterosclerótica, com maior infiltrado de linfócitos T e maior expressão de citocinas derivadas da ativação de linfócitos Th1. Assim, é fácil entender por que os pacientes com AR, uma doença inflamatória sistêmica, têm maior prevalência de aterosclerose e eventos cardiovasculares.7 Outras condições clínicas não articulares são também importantes e estão discutidas nesse Consenso sobre comorbidades em AR, como a ocorrência de diabetes mellitus, resistência à insulina, hipertensão arterial sistêmica, trombose venosa, N 472 osteoporose e neoplasias.8 A presença dessas comorbidades em pacientes com AR tem importante impacto na sobrevida desses pacientes e na qualidade de vida, muitas vezes justificando um tratamento individualizado da condição artrítica, diante das implicações dos diferentes efeitos das drogas antirreumáticas nessas comorbidades. Diante da necessidade de melhor tratarmos os pacientes com AR, a Comissão de AR da Sociedade Brasileira de Reumatologia publica o terceiro de quatro artigos programados para o manejo do paciente com AR. O objetivo desse artigo aqui publicado sobre comorbidades foi elaborar recomendações para o correto manejo das comorbidades em AR e detalhar as comorbidades mais prevalentes e sua associação com a doença e seu tratamento. Entendemos que cabe ao reumatologista reconhecer precocemente essas comorbidades, muitas vezes com expressão subclínica diante da intensidade das queixas articulares e das modificações do curso clínico determinadas pela AR e seu tratamento. É fundamental entender que as comorbidades muitas vezes decorrem diretamente da presença da AR. Para exemplificar, a hipertensão aterial sistêmica em pacientes com AR está associada à inflamação sistêmica e ao uso de medicações utilizadas na AR, como anti-inflamatórios não hormonais, corticoides e DMCD, como leflunomida e ciclosporina.9 Ivânio Alves Pereira, MD, Ph.D Professor da Disciplina de Reumatologia, Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL; Chefe do Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina – HU-UFSC REFERENCES REFERÊNCIAS 1. da Mota LM, Cruz BA, Brenol CV, Pereira IA, Fronza LS, Bertolo MB et al.; Brazilian Society of Rheumatology. 2011 Consensus of the Brazilian Society of Rheumatology for diagnosis and early assessment of rheumatoid arthritis. Rev Bras Reumatol 2011; 51(3):199–219. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):471-473 EDITORIAL 2. 3. 4. 5. Aletaha D, Neogi T, Silman AJ, Funovits J, Felson DT, Bingham CO 3rd et al. 2010 rheumatoid arthritis classification criteria: an American College of Rheumatology/European League Against Rheumatism collaborative initiative. Ann Rheum Dis 2010; 69(9):1580–8. da Mota LM, Cruz BA, Brenol CV, Pereira IA, Rezende-Fronza LS, Bertolo MB et al. 2012 Brazilian Society of Rheumatology Consensus for the treatment of rheumatoid arthritis. Rev Bras Reumatol 2012; 52(2):152–74. Gonzalez A, Maradit Kremers H, Crowson CS, Nicola PJ, Davis JM 3rd, Therneau TM et al. The widening mortality gap between rheumatoid arthritis patients and the general population. Arthritis Rheum 2007; 56(11):3583–7. Michaud K, Wolfe F. Comorbidities in rheumatoid arthritis. Best Pract Res Clin Rheumatol 2007; 21(5):885–906. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):471-473 6. 7. 8. 9. McInnes IB, Schett G. The pathogenesis of rheumatoid arthritis. N Engl J Med 2011; 365(23):2205–19. Kitas GD, Gabriel SE. Cardiovascular disease in rheumatoid arthritis: state of the art and future perspectives. Ann Rheum Dis 2011; 70(1):8–14. Pereira IA, da Mota LM, Cruz BA, Brenol CV, Rezende-Fronza LS, Bertolo MB et al. Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia sobre o manejo de comorbidades em pacientes com o diagnostico de Artrite Reumatoide. Rev Bras Reumatol 2012; 52(4):474–95. Panoulas VF, Douglas KM, Milionis HJ, Stavropoulos-Kalinglou A, Nightingale P, Kita MD et al. Prevalence and associations of hypertension and its control in patients with rheumatoid arthritis. Rheumatology (Oxford) 2007; 46(9):1477–82. 473 ARTIGO ORIGINAL Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia sobre o manejo de comorbidades em pacientes com artrite reumatoide Ivânio Alves Pereira1, Licia Maria Henrique da Mota2, Boris Afonso Cruz3, Claiton Viegas Brenol4, Lucila Stange Rezende Fronza5, Manoel Barros Bertolo6, Max Victor Carioca de Freitas7, Nilzio Antônio da Silva8, Paulo Louzada-Junior9, Rina Dalva Neubarth Giorgi10, Rodrigo Aires Corrêa Lima11, Geraldo da Rocha Castelar Pinheiro12 RESUMO Objetivo: Elaborar recomendações da Comissão de Artrite Reumatoide da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) para o manuseio das comorbidades em artrite reumatoide (AR). Métodos: Revisão da literatura e opinião de especialistas da Comissão de AR da SBR. Resultados e conclusões: Recomendações: 1) Diagnosticar e tratar precoce e adequadamente as comorbidades; 2) O tratamento específico da AR deve ser adaptado às comorbidades; 3) Inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) ou bloqueadores dos receptores de angiotensina II (BRA) são preferidos no tratamento da hipertensão arterial sistêmica; 4) Em pacientes com AR e diabetes mellitus, deve-se evitar o uso contínuo de dose cumulativa alta de corticoides; 5) Sugere-se o uso de estatinas para manter níveis de LDL menor que 100 mg/dL e índice aterosclerótico menor que 3,5 em pacientes com AR e comorbidades; 6) A síndrome metabólica deve ser tratada; 7) Recomenda-se a realização de exames para a investigação de aterosclerose subclínica; 8) Maior vigilância para um diagnóstico precoce de neoplasia oculta; 9) Medidas de prevenção para trombose venosa são sugeridas; 10) Recomenda-se a realização de densitometria óssea em pacientes com AR acima de 50 anos, e naqueles com idade menor com corticoide maior que 7,5 mg por mais de três meses; 11) Pacientes com AR e osteoporose devem evitar quedas, e devem ser aconselhados a aumentarem a ingestão de cálcio, aumentarem a exposição solar e fazerem atividade física; 12) Suplementação de cálcio e vitamina D é sugerida. A utilização de bisfosfonatos é sugerida para pacientes com escore T menor que –2,5 na densidade mineral óssea; 13) Recomenda-se equipe multidisciplinar, com participação ativa do médico reumatologista no tratamento das comorbidades. Palavras-chave: artrite reumatoide, comorbidades, hipertensão arterial, diabetes mellitus, dislipidemia. © 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A artrite reumatoide (AR) é uma doença autoimune inflamatória sistêmica que tem como característica principal a presença de poliartrite crônica simétrica de grandes e pequenas articulações. Apesar do envolvimento musculoesquelético típico, essa é uma enfermidade sistêmica que pode acometer vários órgãos, como pulmão, olho e vasos sanguíneos. Essa condição Recebido em 22/04/2012. Aprovado, após revisão, em 07/05/2012. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Serviço de Reumatologia e Serviço de Endocrinologia Sabin Laboratório de Análises Clínicas; Hospital Universitário de Brasília – HUB. 1. Professor da Disciplina de Reumatologia, Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL; Chefe do Serviço de Reumatologia, Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina – HU-UFSC 2. Professora Colaboradora de Clínica Médica e do Serviço de Reumatologia, Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília – FM-UnB; Doutora em Ciências Médicas, FM-UnB 3. Mestre em Epidemiologia; Chefe do Serviço de Reumatologia, BIOCOR Instituto 4. Professor-Adjunto do Departamento de Medicina Interna, Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS; Coordenador do Ambulatório de Artrite Reumatoide do Serviço de Reumatologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre 5. Médica-Assistente do Serviço de Reumatologia, Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná – HC-UFPR; Ex-fellow do Serviço de Reumatologia, Hospital Geral AKH, Áustria 6. Professor e Coordenador da Disciplina de Reumatologia, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp 7. Professor-Adjunto da Disciplina de Imunologia, Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará – FM-UFC 8. Professor Titular, Universidade Federal de Goiás – UFG 9. Professor Livre-Docente (Associado), Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FMRP-USP 10. Médica-Chefe da Seção de Diagnóstico e Terapêutica do Serviço de Reumatologia, Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo – HSPE-FMO 11. Reumatologista; Chefe do Serviço de Reumatologia, Hospital Universitário de Brasília da UnB 12. Professor-Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro – FCM-UERJ Correspondência para: Ivânio Alves Pereira. Av. Rio Branco, 448 – sala 306. CEP: 88015-200. Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: [email protected] Rev Bras Reumatol 2012;52(4):474-495 483 Pereira et al. causa grande impacto social e econômico, considerando as deformidades articulares irreversíveis e o significativo declínio na capacidade funcional dos pacientes acometidos.1 Nos últimos anos, maiores conhecimentos sobre a patogênese da doença e o reconhecimento de alvos terapêuticos permitiram a inserção de novas drogas modificadoras do curso da doença (DMCD), incluindo as DMCD biológicas.2,3 Além disso, novas estratégias de manejo da AR foram sugeridas, como utilização de DMCD desde a fase inicial da doença, avaliações mais frequentes dos pacientes, mudanças ou ajustes da terapêutica com base em escores objetivos de avaliação da atividade da doença e busca de remissão clínica ou, quando a remissão não é possível, baixa atividade da doença. Essas mudanças de conduta resultaram em melhor prognóstico para os pacientes com diagnóstico de AR.4 Apesar das marcantes conquistas do tratamento da AR, a mortalidade entre os pacientes continua superior à da população geral, e não houve mudanças significativas nos últimos anos.5 Indivíduos com diagnóstico de AR têm maior chance de apresentar outras doenças associadas, como as de etiologia autoimune,6,7 e comorbidades, como hipertensão arterial sistêmica (HAS), dislipidemia e diabetes mellitus (DM).8–14 O entendimento e o manejo adequado das comorbidades em pacientes com AR é fundamental, já que essas doenças contribuem para o risco cardiovascular aumentado e para a maior mortalidade observada nesse grupo.15 O presente documento tem o objetivo de elaborar recomendações para o diagnóstico e o manejo de comorbidades em pacientes com AR, com enfoque nas condições que ocorrem mais frequentemente. A finalidade deste texto é a de sintetizar a posição atual da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) sobre o tema, com o objetivo de orientar os médicos brasileiros, em especial os reumatologistas, sobre o diagnóstico e o manejo das comorbidades em pacientes com AR no Brasil. MÉTODO DA ELABORAÇÃO DAS RECOMENDAÇÕES O método de elaboração das recomendações incluiu a revisão da literatura e a opinião de especialistas membros da Comissão de Artrite Reumatoide da SBR. O levantamento bibliográfico abrangeu publicações das bases MEDLINE, SciELO, PubMed e EMBASE até fevereiro de 2012. As recomendações foram escritas e reavaliadas por todos os participantes durante múltiplas rodadas de questionamentos e correções realizadas via internet. 484 Hipertensão arterial sistêmica A HAS é um dos principais fatores de risco modificáveis para doença cardiovascular em pacientes com AR. É uma patologia importante e frequente e está associada ao desenvolvimento de aterosclerose subclínica. Sua prevalência é alta, variando de 53%–73%, de acordo com alguns estudos publicados.14–16 Panoulas et al.14 encontraram uma frequência de 70,5% de hipertensos em sua amostra, enquanto Gonzalez et al.16 encontraram uma frequência de 52% na população estudada. Apesar dessa alta frequência, a HAS na AR tem sido menos diagnosticada e tratada (13,2% versus 21%–23% na população sem AR).14–16 Os mecanismos responsáveis pelo aparecimento de HAS em pacientes com AR não estão esclarecidos, mas alguns fatores clássicos estão associados com HAS na população com AR, como obesidade, sedentarismo e uso de medicações.15 O uso de glicocorticoide por período maior que seis meses e em dose maior que 7,5 mg/dia está associado à HAS nos pacientes com AR.17 Da mesma forma, pode haver aumento dos níveis pressóricos secundário ao uso de leflunomida e ciclosporina em pacientes com AR. 18–20 Fatores inerentes à doença, como a inflamação sistêmica da AR, também podem contribuir para o aparecimento de HAS nesses pacientes. A AR cursa com maior expressão do fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), interleucina (IL) 1 e 6, aumento da expressão de moléculas de adesão, do receptor de angiotensina II tipo 1, da endotelina e menor expressão de óxido nítrico, e esse desequilíbrio pode contribuir para a HAS.15 Em relação ao tratamento da AR, sabe-se que o uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) atenua o efeito anti-hipertensivo dos diuréticos, betabloqueadores, inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) e bloqueadores dos receptores de angiotensina II (BRA).21 Também é importante saber que a combinação de AINEs com diurético e IECA ou BRA determina maior chance de insuficiência renal, em particular nos pacientes idosos e naqueles que estejam em condições de perda de volume intravascular, como cirrose hepática, insuficiência cardíaca, hipoalbuminemia e desidratação. Devido aos efeitos benéficos em nível endotelial, e por interferirem menos no metabolismo dos carboidratos e causarem menos dislipidemia, IECA ou BRA são preferidos como terapia inicial no tratamento da HAS em pacientes com AR, em vez de betabloqueadores e diuréticos.15 No tratamento de pacientes com AR e HAS, devemos, se possível, evitar o uso concomitante de AINEs e/ou dose alta de corticoides.22 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):474-495 Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia sobre o manejo de comorbidades em pacientes com artrite reumatoide Diabetes mellitus A associação entre AR e resistência insulínica está bem-documentada. Por outro lado, há poucos estudos que analisam o risco de desenvolvimento de DM em pacientes com AR.12,23,24 Um estudo recente de 48.718 pacientes com AR versus 40.346 com psoríase ou artrite psoriásica e 44.2033 controles mostrou que o risco de DM tipo 2 foi maior em pacientes com AR comparado ao grupo-controle, com HR 1,5 (95% IC 1,4–1,5).23 Da mesma forma, Han et al.25 demonstraram que doenças cardiovasculares e seus fatores de risco, bem como o DM tipo 2, foram mais comuns nos pacientes portadores de AR. É sabido que a utilização de corticoides em pacientes com AR pode interferir de forma negativa na sensibilidade à insulina em pacientes com AR,26 e que o tratamento da inflamação sistêmica da AR pode determinar efeito benéfico, especialmente com o uso de hidroxicloroquina e anti-TNF.27–29 Estudos também mostram que a prevalência de DM tipo 1 é maior em pacientes portadores de AR, especialmente o subgrupo que apresenta o anticorpo antipeptídeo citrulinado cíclico (anti-CCP) positivo. Esse risco pode ser atribuído a um alelo em comum para as duas doenças, agindo como um fator de risco em comum na patogênese de ambas. Liao et al.30 demonstraram, ao avaliar 1.419 pacientes com AR, que a presença do alelo PTPN22 é comum à AR e ao DM tipo 1, relacionando-se à coexistência das doenças. No entanto, a associação foi significativa apenas para os portadores de AR com o anticorpo anti-CCP positivo. Sugere-se evitar o uso contínuo de dose cumulativa alta de corticoides em pacientes com AR e DM concomitante, e que estratégias sejam implementadas para um controle efetivo da inflamação sistêmica da doença, considerando que algumas evidências sugerem um efeito benéfico do tratamento da AR no controle do DM.27–29 Dislipidemia A dislipidemia encontrada em pacientes com AR caracteriza-se pela presença de níveis reduzidos de colesterol HDL e aumento da relação colesterol total (CT/HDL).31–34 O aparecimento desse padrão pode preceder o início das manifestações articulares da doença e pode estar relacionado a alterações inflamatórias secundárias à doença.33,34 Acredita-se que os níveis de colesterol total, e em especial o HDL, possam diminuir com a atividade da doença, e que essa redução esteja relacionada com os níveis elevados de citocinas pró-inflamatórias, como o TNF-α.31,33 É sabido que o próprio tratamento da AR já seja capaz de interferir no perfil lipídico dos pacientes.35–38 Os AINEs não Rev Bras Reumatol 2012;52(4):474-495 parecem exercer efeitos nos níveis dos lipídios.39 O efeito dos corticoides no aumento dos níveis de CT e LDL foram amplamente documentados, embora seu uso em pacientes com AR não tenha sido associado, até o momento, ao aumento do risco cardiovascular.40 A ciclosporina parece ter efeito deletério sobre os níveis de colesterol, enquanto os antimaláricos têm um efeito positivo na diminuição dos níveis séricos de CT e triglicerídeos.41 O tratamento com outras DMCD e com os agentes biológicos, como as drogas da classe dos anti-TNF e principalmente com o antagonista do receptor de IL-6 (tocilizumabe), determinam controle da inflamação e aumento dos níveis previamente reduzidos de CT/HDL associados com inflamação, sem maiores interferências no índice aterosclerótico e sem aumento dos eventos clínicos cardiovasculares até o momento.42–45 Interessante vermos que o uso de drogas do grupo das estatinas exercem não apenas efeitos hipolipemiantes em pacientes com AR, mas determinam redução dos escores de atividade da doença em AR. Espera-se o resultado do estudo TRACE RA (Trial of Atorvastatin for the Primary Prevention of Cardiovascular Events in Rheumatoid Arthritis) (http://www.dgoh.nhs.uk/tracera), que está em andamento e envolverá cerca de 4.000 pacientes com AR. Esse estudo poderá definir o papel das estatinas no controle da inflamação e na redução do risco cardiovascular em pacientes com AR.46 Aterosclerose Pacientes com AR apresentam maior prevalência de disfunção endotelial,47,48 avaliada por estudos de ultrassom braquial, e essa é a primeira evidência do início do processo aterogênico, em que encontramos a presença de rigidez arterial. Em relação aos exames não invasivos que demonstram a presença de aterosclerose subclínica, estudos confirmam que aterosclerose carotídea com presença de placas é frequente,49 assim como maior escore de cálcio coronariano na angiotomografia computadorizada de artérias coronárias.50 A prevalência de infarto agudo do miocárdio (IAM) e de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) é maior nos pacientes com AR.51,52 Essas condições determinam menor sobrevida e maior mortalidade aos pacientes com AR. Em relação à doença coronariana, devemos lembrar que a prevalência de sintomas anginosos é menos frequente nos pacientes com AR, o que faz com que não seja raro que esses indivíduos apresentem morte súbita ou infarto do miocárdio silencioso.51 Embora o tratamento da AR reduza a chance de infarto do miocárdio, em particular com uso de metotrexato (MTX) e 485 Pereira et al. anti-TNF,53–55 deve ficar claro que tratar comorbidades como DM tipo 2, dislipidemia e HAS nesses pacientes é importante. Em indivíduos com AR que tenham doença coronariana, antecedente de IAM ou ICC, deve-se evitar o uso indiscriminado e por tempo prolongado de AINEs, em particular o uso dos AINEs seletivos para a ciclo-oxigenase 2, considerando maiores mortalidade e risco de hospitalização por infarto do miocárdio e ICC descompensada. Dentre os AINEs, o risco de infarto do miocárdio e outros eventos cardiovasculares parece ser menor com o uso de naproxeno.56,57 Outro aspecto é a cessação do tabagismo nos pacientes com AR. Sabe-se que o tabagismo, além de determinar maior risco de doença cardiovascular, aumenta a chance do aparecimento de AR em pessoas que tenham predisposição genética, aumenta a gravidade do quadro articular e está associado a manifestações extra-articulares da doença.58 Além disso, indivíduos fumantes com AR têm menor resposta clínica ao uso de drogas antirreumáticas como o MTX ou uso de agentes biológicos anti-TNF.59 Síndrome metábolica Embora não haja definição universalmente aceita, a síndrome metabólica (SM) é caracterizada pelo agrupamento de manifestações clínicas que incluem obesidade centralmente distribuída, níveis reduzidos de HDL colesterol, níveis elevados de triglicerídeos, aumento da pressão arterial e hiperglicemia. Atualmente, as definições mais aceitas são a da Federação Internacional de Diabetes (IDF), a do Programa Educacional de Tratamento do Colesterol do Adulto (NCEP ATPIII) e a da Organização Mundial de Saúde (OMS).60–62 Essa síndrome representa uma associação de condições que têm em comum a resistência insulínica e o aumento da gordura abdominal, que está intimamente ligada à inflamação.63 Tal relação com a inflamação pode justificar a maior prevalência de SM em pacientes com AR,9,64–67 e a maior atividade da doença encontrada nos pacientes com AR que apresentam SM.66–68 Dessein et al.69 demonstraram prevalência de SM entre 14%–19% dos pacientes com AR, e dois outros estudos não demonstraram maior prevalência de SM em pacientes com AR.68,70 A presença de SM na população sem AR está associada a maior chance de evento cardiovascular e maior mortalidade em geral.71 Na população com AR não existem estudos que pesquisaram a maior prevalência de infarto do miocárdio ou AVC associado a SM,72 mas a presença de calcificação coronariana, um teste diagnóstico que aumenta a chance de evento cardiovascular, associou-se à SM nessa população.65 O papel das 486 DMCD na prevalência da SM em pacientes com AR não está definido, com resultados não concordantes em relação ao MTX. Toms et al.73 mostraram menor prevalência de SM em pacientes idosos em uso de MTX; por outro lado, uma subanálise do estudo CARRE não confirmou esses resultados.13 Trombose venosa e embolia pulmonar Entre os eventos vasculares não cardíacos com maior probabilidade de ocorrer na AR destacam-se a trombose venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo pulmonar (TEP).74,75 A incidência dessas comorbidades pode estar associada a fatores de risco clássicos que afetam a população em geral, e a aspectos específicos da AR.74–76 De modo geral, menor mobilidade, como consequência das lesões articulares, internações que podem determinar repouso prolongado no leito, idade mais avançada da maioria dos pacientes artríticos, compressão do sistema venoso adjacente a uma articulação com derrame articular volumoso e obesidade contribuem para aumentar o risco de tromboembolismo.74 Pacientes com AR apresentam alterações nos parâmetros de coagulação e sistema fibrinolítico.77 Em AR é comum encontrarmos aumento na contagem de plaquetas, juntamente com marcadores de ativação de plaquetas elevadas, aumento dos níveis de marcadores de trombina, como complexos de trombina-antitrombina e fragmentos de protrombina. O aumento das citocinas pró-inflamatórias na AR associa-se a níveis elevados de fibrinogênio, fator de von Willebrand e D-dímero.77,78 Ainda que os estudos de prevalência de trombose venosa profunda (TVP) e tromboembolismo pulmonar (TEP) em AR mostrem resultados discordantes, um importante estudo mostrou que a AR é um fator de risco para TVP e TEP.75,79,80 Esse estudo avaliou a incidência de TVP e TEP em pacientes com AR admitidos em hospitais nos Estados Unidos no período de 1979 a 2005. Os resultados encontrados foram que 41.000 de 4.818.000 (0,85%) pacientes com AR apresentaram TEP, comparados a 3.366.000 de 891.055.000 (0,38%) sem AR (RR = 2,25). TVP ocorreu em 79.000 de 4.818.000 (1,64%) pacientes com AR versus 681.000 de 891.055.000 (0,86%) sem AR (RR = 1,90). Em relação ao impacto dos diferentes tratamentos empregados em AR, os dados do Registro de Uso Biológicos da Sociedade Britânica de Reumatologia comparou a incidência de TVP e TEP entre 11.881 pacientes em uso de anti-TNF e 3.673 com DMCD não biológicos. Não houve diferença entre os diversos grupos com risco relativo global (HR = 0,8; 95% IC 0,5–1,5) na incidência de TVP e TEP.81 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):474-495 Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia sobre o manejo de comorbidades em pacientes com artrite reumatoide Um estudo retrospectivo de base populacional comparou os dados de 813 casos de AR com os da população sem AR, atendidos no período de janeiro de 1980 a dezembro de 2007. Os autores concluíram que houve maior incidência de TVP e TEP no grupo com AR (HR = 3,6).74 Os eventos tromboembólicos foram associados a obesidade (HR = 2,2), ao uso de DMARD (exceto MTX e hidroxicloroquina) (HR = 1,9), ao uso de biológicos (HR = 2,7), ao uso de ácido acetilsalicílico (HR = 2,3) e a artroplastia recente (HR = 11,4). Por outro lado, não foram associados ao tromboembolismo venoso a positividade do fator reumatoide e do anti-CCP, o aumento da VHS, a gravidade da AR ou a presença de erosões ou nódulos subcutâneos. Como se vê, há discordância entre esse estudo americano e o Registro Britânico de Biológicos, no qual não se encontrou associação de TEP/TVP com o uso de imunobiológicos.74,81 Nos cuidados recomendados para os pacientes com AR devem ser incluídas as medidas preventivas para TEP/TVP. Neoplasias A ocorrência de neoplasias em pacientes com AR, em uso ou não de DMCD, em especial de drogas biológicas, é assunto de grande interesse, dado o grande impacto dessas doenças sobre a morbimortalidade dos pacientes com AR. Os resultados dos estudos de prevalência e de risco relativo em comparação com população controle, bem como o papel do tratamento da AR (incluindo DMCD sintéticas e biológicas) no desencadeamento de neoplasias ainda são controversos.82–88 Estudos populacionais para coleta de dados a partir de fontes primárias são necessários para ampliar o conhecimento sobre os mecanismos da ocorrência de neoplasias em pacientes com AR. O risco de mortalidade por causas específicas em pacientes com AR hospitalizados foi quantificado em estudo que tem como base uma coorte populacional acompanhada por um período de 20 anos.89 Entre pacientes com AR, houve aumento no risco de morte por causas listadas em todos os capítulos da Classificação Internacional de Doenças (CID), à exceção de doenças mentais. Causas específicas de morte nesse grupo de pacientes incluíram câncer de pulmão [homens: 1,4 (1,2–1,5); mulheres: 1,6 (1,5–1,8)] e neoplasias hematopoiéticas [homens: 1,8 (1,4–2,3); mulheres: 2,0 (1,7–2,3)]. Os pacientes com AR, no entanto, foram menos propensos a morrer de neoplasias do trato gastrointestinal [homens: 0,82 (0,7–1,0); mulheres: 0,8 (0,7–0,9)]. Hemminki et al.90 também relataram uma redução no risco de adenocarcinomas de cólon e reto em pacientes com AR, sugerindo que os mecanismos inflamatórios subjacentes que Rev Bras Reumatol 2012;52(4):474-495 atuariam como fator de risco nesses pacientes pudessem ter sido suprimidos pelo uso de medicações anti-inflamatórias. O risco associado de neoplasias em quatro sítios específicos (linfoma, pulmão, colorretal e câncer de mama) em pacientes com AR foi avaliado em uma metanálise.82 Comparado com a população geral, a razão de incidência padronizada (SIR, do inglês standardized incidence ratio) estimada sugere que pacientes com AR apresentam aumento de duas vezes no risco de linfoma (SIR 2,08; 95% IC 1,80–2,39) e maior risco de linfoma Hodgkin que não Hodgkin. O risco de câncer de pulmão também é aumentado, com SIR 0,77 (95% IC 0,65–0,9), assim como câncer de mama (SIR 0,84; 95% IC 0,79–0,9). A SIR para todas as neoplasias foi de 1,05 (95% IC 1,01–1,09). Assim, pacientes com AR parecem ter maior risco de linfoma e de câncer de pulmão, e potencialmente menor risco de câncer de mama e colorretal, em comparação à população geral. Outro estudo acompanhou 42.262 pacientes com AR (com internação hospitalar prévia) de 1980 a 2004 na Suécia. A SIR foi calculada para a ocorrência de neoplasias em pacientes com AR em comparação com indivíduos sem AR. Muitas neoplasias foram diagnosticadas mais frequentemente nos pacientes com AR, incluindo linfoma de Hodgkin, linfoma não Hodgkin e câncer de pele, além de uma associação com tumores endócrinos (exceto tireoide). A ocorrência de tumores de cólon, reto e endométrio foi menor entre os pacientes com AR. Entre os pacientes hospitalizados após 1999, a SIR para melanoma, câncer de pele escamoso, trato digestivo superior e leucemia foi aumentada em relação aos períodos anteriores.84 O risco de ocorrência de linfoma não Hodgkin em pacientes com doenças autoimunes foi investigado em diversos estudos, com resultados inconclusivos. Em metanálise de estudos de coorte observou-se maior risco de linfoma não Hodgkin83 em pacientes com AR (SIR 3,9; 95% IC 2,5–5,9). Na AR, efeitos randômicos de SIR para linfoma não Hodgkin com DMCD sintéticos, drogas citotóxicas e agentes biológicos foram de 2,5 (95% IC 0,7–9,0), 5,1 (95% IC 0,9–28,6) e 11,5 (95% IC 3,7–26,9), respectivamente. Os dados do Registro Sueco de Artrite Inicial (duração dos sintomas < 1 ano) mostraram que, antes do diagnóstico de AR, não foi observado aumento no risco de linfoma (OR [odds ratio] 0,67 [95% IC 0,37–1,23]) ou outras neoplasias (RR 0,78 [95% IC 0,70–0,88]). Durante os primeiros 10 anos após o diagnóstico de AR, o HR de desenvolvimento de linfomas foi de 1,75 (95% IC 1,04–2,96). Esses achados indicam que, de forma geral, há aumento do risco de linfoma na primeira década após o diagnóstico de AR.91 487 Pereira et al. A patogênese da ocorrência de neoplasias sólidas ou hematopoiéticas nos pacientes com AR não é conhecida. A desregulação do sistema imunológico em doenças autoimunes poderia potencialmente levar ao câncer, e há evidências definitivas ligando alguns mecanismos de autoimunidade com a ocorrência de neoplasias.90 Encontrou-se associação significativa entre os HLADRBI*02 e DRBI*03 com a probabilidade de ocorrência de neoplasias (OR 5,2 e 9,9, respectivamente), de forma independente da história familiar de AR e câncer ou da atividade clínica da AR. Assim, alelos HLA classe II parecem estar associados à ocorrência de neoplasias em pacientes com AR.92 Embora não existam recomendações formais previamente publicadas, a Comissão de Artrite Reumatoide da SBR recomenda que, durante o acompanhamento clínico do paciente com AR, o médico esteja permanentemente atento a quaisquer sintomas que possam sugerir neoplasias, em virtude do risco aumentado, sobretudo em pacientes com formas graves e em uso de DMCD biológicas. A investigação para neoplasias em pacientes com AR deve seguir o mesmo protocolo para pacientes sem a doença, visando ao diagnóstico precoce e incluindo exames de rastreamento. O uso de DMCD biológicas foi introduzido para o tratamento da AR há pouco mais de uma década. Desde então, a compreensão ainda incompleta dos efeitos dessa classe terapêutica e das vias inibidas suscita questionamentos sobre o perfil de segurança dessas drogas, incluindo sobre o risco de câncer.88 Com relação aos anti-TNF, sabe-se que o TNF tem papel importante na inflamação e que pode afetar o controle do crescimento tumoral.89 As informações disponíveis até o momento não nos permitem afirmar com exatidão que tipos de tumores são mais comuns, quais são os pacientes em uso de DMCD biológicas em risco de desenvolvimento de câncer e qual o momento da possível ocorrência do tumor. Os dados que podem ser analisados advêm de metanálises de estudos randomizados controlados e estudos observacionais, incluindo os registros de biológicos.89 Os dados do Registro Alemão de Biológicos RABBIT, um estudo de coorte prospectivo, foram usados para investigar o risco de neoplasias novas ou recorrentes em pacientes com AR recebendo biológicos, em comparação com outras DMCD sintéticas. Não foram encontradas diferenças significativas na incidência de neoplasias em pacientes expostos ou não ao tratamento com anti-TNF e anti-IL1. O mesmo se aplica ao risco de neoplasias recorrentes. Os autores sugeriram, no entanto, que os resultados necessitavam ser validados em coortes mais amplas.93 488 Uma recente revisão sistemática da literatura87 incluiu todos os estudos randomizados, duplo-cegos, controlados por placebo avaliando pacientes com AR inicial que iniciaram terapia anti-TNF sem o uso prévio de DMCD (incluindo MTX), totalizando 2.183 pacientes recebendo terapia biológica e 1.236 pacientes em uso de MTX. Não houve diferença significativa quanto à ocorrência de neoplasias entre o grupo de pacientes em uso de anti-TNF e os controles. Os autores concluíram que não parece haver aumento do risco de neoplasias quando os pacientes têm o diagnóstico precoce e não recebem tratamento prévio com MTX ou outra DMCD. A segurança dos anti-TNF em pacientes com AR também foi avaliada, com cálculo de risco estimado em metanálises com e sem ajuste por exposição.94 Dezoito estudos randomizados envolvendo 8.808 pacientes com AR foram incluídos (tempo de tratamento médio de 0,8 ano). O tratamento com doses recomendadas de anti-TNF não aumentou o risco de morte (OR 1,39; 95% IC 0,74–2,62), de linfoma (OR 1,26; 95% IC 0,52–3,06), de câncer de pele não melanoma (OR 1,27; 95% IC 0,67–2,42) ou o desfecho composto de neoplasias não cutâneas mais melanomas (OR 1,31; 95% IC 0,69–2,48). Em metanálise avaliando estudos que incluíram pacientes com AR em uso de etanercepte (ETP) por 12 semanas ou mais95 foram analisados 3.316 pacientes, 2.244 dos quais receberam ETP (2.484 pacientes/ano) e 1.072 em uso de terapia controle (1.051 pacientes/ano). Neoplasias foram diagnosticadas em 26 pacientes no grupo do ETP [taxa de incidência (IR) de 10,47/1.000 pessoas/ano] e sete pacientes no grupo-controle (IR 6,66/1.000 pacientes/ano). O HR foi de 1,84 (95% IC 0,79–4,28) para o grupo do ETP em comparação ao grupocontrole. Nessa análise, a ocorrência de neoplasias foi maior no grupo de pacientes tratados com ETP, embora os resultados não tenham sido estatisticamente significativos. Para determinar o risco de neoplasia a curto e médio prazo em pacientes com AR em uso de anti-TNF, foram avaliados e cruzados dados do Registro Sueco de Biológicos (ARTIS), dos Registros Suecos de AR e do Registro Sueco de Câncer. Durante os primeiros seis anos após o início de terapia anti-TNF não foi observada elevação no risco de neoplasia.96 Outro aspecto a ser considerado diz respeito à ocorrência de câncer em pacientes com AR e história prévia de neoplasia tratados com anti-TNF. Dados do Registro de Biológicos da Sociedade Britânica de Reumatologia demonstraram 293 pacientes com diagnóstico prévio de neoplasias em um total de 14.000 pacientes com AR. Foram comparadas as taxas de incidência de neoplasias em 177 pacientes com AR tratados com anti-TNF e 117 pacientes tratados com DMCD sintéticas, Rev Bras Reumatol 2012;52(4):474-495 Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia sobre o manejo de comorbidades em pacientes com artrite reumatoide todos com diagnóstico prévio de alguma neoplasia. As taxas de incidência de neoplasias foram de 25,3 eventos/1.000 pessoas/ ano na coorte de anti-TNF e 28,3/1.000 pessoas/ano na coorte de DMCD sintéticos, gerando uma taxa de incidência ajustada para idade e gênero de 0,58 (95% IC 0,23–1,43) para a coorte tratada com anti-TNF comparada com a coorte de DMCD. Os autores concluíram que a forma como os reumatologistas britânicos selecionam os pacientes com AR e neoplasias prévias para o tratamento com biológicos não ocasiona aumento da ocorrência de malignidades.97 Esses dados, no entanto, não devem ser interpretados como indicativos de segurança do tratamento de pacientes com AR e neoplasias prévias com anti-TNF. A edição de 2008 da Classificação da OMS para neoplasias dos tecidos linfoides e hematopoiéticos reconheceu uma nova entidade diagnóstica, denominada “outras desordens linfoproliferativas iatrogênicas associadas à imunodeficiência”, destacando os linfomas que surgem em pacientes tratados com agentes imunossupressores para o tratamento de doenças autoimunes.98 O papel dos anti-TNF no risco de linfomas em pacientes com AR permanece incerto. Wong et al.98 publicaram uma metanálise de todos os ensaios clínicos controlados randomizados que descreviam pacientes com diagnóstico de AR recebendo terapia anti-TNF. As taxas ajustadas foram de 0,36 linfoma por 1.000 pessoas/ano em pacientes que não receberam terapia anti-TNF versus 1,65 linfomas por 1.000 pessoas/ano em pacientes que foram tratados com anti-TNF. A diferença entre as taxas teve 95% IC –0,214–2,79. A diferença entre as taxas ajustadas foi de 1,29 linfomas por 1.000 pessoas/ano (95% IC 0,21–2,3, com P = 0,093). Sugeriu-se, portanto, que há maior ocorrência de linfomas no grupo tratado com anti-TNF, predominando o subtipo linfoma de células B. Como a ocorrência de linfoma é um evento raro, não houve significância estatística. Em outra metanálise, realizada com a finalidade de avaliar o risco de neoplasias em pacientes com AR em uso de anti-TNF na prática clínica (estudos observacionais prospectivos), a estimativa para o risco de tumores em todos os sítios foi de 0,95 (95% IC 0,85–1,05).99 Em pacientes com diagnóstico prévio de neoplasias houve maior risco de recorrência do tumor ou novos diagnósticos de neoplasias. Esse risco não foi aumentado pela exposição aos anti-TNF. Resultados de outros quatro estudos sugeriram que pacientes tratados com anti-TNF teriam um risco significativamente maior de desenvolver câncer de pele não melanoma (1,45, 95% IC 1,15–1,76). Além disso, os pacientes apresentam maior risco de desenvolver melanoma, e a estimativa agrupada foi de 1,79 (95% IC 0,92–2,67). A Rev Bras Reumatol 2012;52(4):474-495 estimativa agrupada para o risco de linfoma foi de 1,11 (95% IC 0,70–1,51). Essa revisão sistemática demonstrou que o uso de tratamentos anti-TNF não aumenta o risco de neoplasias, particularmente de linfoma. Contudo, essa classe de drogas parece aumentar o risco de câncer de pele, incluindo melanoma. Utilizando dados do ARTIS, Registro Sueco de Câncer e coortes de AR preexistentes e correlações com outros registros nacionais e censos de saúde, foi montada uma coorte de AR nacional sueca (n = 67.743) e de pacientes que iniciaram a terapia anti-TNF entre 1998 e julho de 2006 (n = 6.604). Também foi montado um comparativo da população em geral (n = 471.024), e a incidência de linfomas de 1999 a 2006 foi avaliada e comparada nesses indivíduos. Entre os 6.604 pacientes com AR tratados com anti-TNF, 26 linfomas malignos foram observados em 26.981 pessoas/ano de acompanhamento, o que correspondia a um RR de 1,35 (95% IC 0,82–2,11) versus pacientes com AR virgens de anti-TNF (336 linfomas durante 365.026 pessoas/ano) e 2,72 (95% IC 1,82–4,08) versus o valor de referência da população em geral (1.568 linfomas durante 3.355.849 pessoas/ano). Pacientes com AR que iniciaram a terapia anti-TNF entre 1998–2001 foram responsáveis por todo o aumento no risco de linfoma versus os dois comparadores. Por outro lado, o RR não variou significativamente em relação ao tempo desde o início do primeiro tratamento ou com a duração acumulada de tratamento, nem com o tipo de agente anti-TNF. Em conclusão, quando são tomados os devidos cuidados na seleção dos pacientes, os agentes anti-TNF não estão associados a qualquer aumento da ocorrência de linfoma, que já é mais elevada em pacientes com AR. Alterações na seleção de pacientes para tratamento podem influenciar o risco observado.100 Os dados sobre o papel de outras DMCD biológicas, além dos anti-TNF, na ocorrência de neoplasias em pacientes com AR são mais escassos. Com relação ao abatacepte (ABT), a fim de obter informações sobre a ocorrência de neoplasias em pacientes com AR em tratamento com essa droga, dados do programa de desenvolvimento clínico da medicação foram comparados com dados de outros pacientes com AR e da população em geral. Foram incluídos no estudo um total de 4.134 pacientes com AR tratados com ABT (sete diferentes estudos) e 41.529 pacientes com AR tratados com DMCD sintéticas em cinco coortes observacionais. Nos pacientes tratados com ABT, os 51 casos de neoplasias (excluindo-se câncer de pele não melanoma), incluindo sete casos de câncer de mama, dois casos de câncer colorretal, 13 casos de câncer de pulmão e cinco casos de linfoma observados não foram superiores ao encontrado nas cinco coortes observacionais. A razão de 489 Pereira et al. incidência estimada, comparando os pacientes com AR com a população geral foi consistente com o relatado na literatura. Em conclusão, a taxa de incidência total de neoplasias (câncer de mama, colorretal, pulmonar e linfoma) nos programas de desenvolvimento clínico do ABT foi consistente com a da população com AR que não fez uso dessa droga, embora os dados mereçam monitoramento.101 Para determinar as condições de segurança na vida real para o tratamento com rituximabe (RTX) em pacientes com AR, com relação à ocorrência de neoplasias, realizou-se análise dos dados de segurança de uma coorte de pacientes com AR que receberam ao menos um curso de RTX. Os pacientes com AR e diagnósticos prévios de neoplasias foram acompanhados e comparados ao grupo de pacientes sem história prévia de câncer. Foram selecionados 186 pacientes com AR. O tempo médio de acompanhamento foi de 22,3 ± 15 meses, correspondendo a um seguimento de 346 pacientes/ano de exposição ao RTX. Entre esses, 24 (12,9%) apresentavam história pregressa de malignidades. Cinco cânceres foram diagnosticados durante o acompanhamento, com quatro novas neoplasias (uma próstata, uma mama, um cólon e um cérvix) e houve uma recorrência de câncer de mama. A taxa global de neoplasias foi de 1,45/100 pacientes/ano (95% IC 0,19–2,70), comparável às coortes tratadas com DMCD previamente acompanhadas. Nenhuma nova neoplasia hematopoiética foi relatada, e seis casos de linfoma que estavam em remissão antes do tratamento com RTX assim permaneceram durante o acompanhamento. Dessa forma, embora com base em um pequeno número de casos de neoplasia observados, e a despeito do viés de seleção (12,9% de neoplasias prévias nos pacientes tratados com RXT), esse estudo observacional sugeriu que o RTX não aumenta o risco de neoplasias em pacientes com AR.102 Até 70% dos diagnósticos de câncer são feitos por médicos não oncologistas, o que evidencia a importância desses profissionais no controle da doença. Como a AR é uma condição que se associa à ocorrência de neoplasias, per si ou pelo tratamento utilizado para controle da doença, é muito importante que o reumatologista esteja atento aos sintomas suspeitos. A vigilância constante é a única forma de adequar condutas diagnósticas e terapêuticas, ressaltando-se que a rapidez no diagnóstico e no encaminhamento do caso são as únicas formas de garantir redução da morbimortalidade em decorrência de neoplasias. Osteoporose Osteoporose e fraturas são comorbidades comuns em pacientes portadores de AR e inerentes ao curso natural da doença. O problema da osteoporose na AR, embora tenha sido estudado extensamente nos últimos anos, é pouco lembrado em diretrizes 490 clínicas, e seu manejo muitas vezes relegado a um segundo plano dentro dos cuidados do paciente artrítico. A relevância desse tema é refletida na alta prevalência dessa comorbidade, que pode acometer mais da metade dos pacientes portadores de AR.103 Consequentemente, o risco de fraturas é maior que o da população em geral. Em estudo retrospectivo com mais de 30.000 pacientes verificou-se que em portadores de AR o risco de fraturas de quadril e coluna vertebral é aproximadamente o dobro comparado àquele observado na população em geral, e quase três vezes maior nos pacientes em uso de corticoide.104 Além disso, quase 20% das pacientes com AR podem apresentar novas fraturas em cinco anos.105 A fisiopatogenia da AR explica o desequilíbrio entre a produção e reabsorção óssea. A doença exibe uma produção aumentada de citocinas como IL-1, IL-6, TNF-α e fator transformador de crescimento-beta, que estimulam a inflamação e são envolvidas na ativação e na diferenciação dos osteoclastos.106 Essas citocinas regulam a expressão de ligante do receptor do ativador do fator nuclear kappa-β (RANKL) e, consequentemente, de osteoprotegerina (OPG), que são mediadores fundamentais da remodelação óssea.107 Além do eixo RANKRANKL-OPG, os linfócitos Th17 parecem desempenhar função importante na reabsorção óssea por meio de produção seletiva de citocinas pró-inflamatórias. Tem-se demonstrado em modelos murinos que linfócitos Th17 apresentam efeitos osteoclastogênicos e aceleram a perda óssea em doenças inflamatórias.107,108 A AR é um fator de risco independente para fratura óssea.109 Na abordagem dos pacientes com AR, fatores de risco tradicionais devem ser pesquisados, como idade avançada, história de fratura prévia, corticoterapia, história familiar de fratura de quadril, baixo peso corporal, tabagismo e etilismo. Outras condições clínicas que promovem perda de massa óssea devem também ser documentadas na avaliação clínica, como hipogonadismo, menopausa precoce, doença inflamatória intestinal e outras. As características próprias de doenças relacionadas à baixa densidade mineral óssea são HAQ (Health Assessment Questionnaire) elevado, classe funcional III e IV, doença de longa duração, altos escores de atividade e provas inflamatórias elevadas e corticoterapia.110 Eles devem ser identificados e minimizados. Outro fator de risco independente para perda de massa óssea é o sedentarismo. O início de atividade física também pode reduzir o risco de osteopenia e a perda de massa óssea.111–113 Diretrizes nacionais de avaliação, prevenção e tratamento da osteoporose em pacientes portadores de AR são uma necessidade premente. Na avaliação inicial, a densitometria óssea deve ser indicada para todos os pacientes acima de 50 anos. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):474-495 Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia sobre o manejo de comorbidades em pacientes com artrite reumatoide A densidade mineral óssea também deve ser avaliada nas pacientes abaixo dos 50 anos com fator de risco adicional, como história de fratura e corticoterapia (dose ≥ 7,5 mg de prednisona/dia por mais que três meses).113 Em pacientes com osteoporose estabelecida é aconselhável solicitar fosfatase alcalina, TSH e eletroforese de proteínas, além de avaliar os níveis séricos de vitamina D. Quanto ao manejo não farmacológico, algumas medidas devem ser tomadas para todos os pacientes, como orientar exercícios com impacto, evitar quedas, cessar tabagismo, aumentar a exposição solar e evitar ingestão abusiva de álcool. Atenção especial deve ser despendida para pacientes em corticoterapia, além da indicação de cálcio 1.200–1.500 mg/dia, bem como de suplementação de vitamina D.114 Quanto ao manejo farmacológico, o tratamento com bisfosfonato preferencialmente deve ser indicado para todos os pacientes com escore T < –2,5 na densitometria óssea, e para aqueles com escores < –1,0, desde que estejam em uso de corticoide.113,114 RECOMENDAÇÕES DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA PARA O MANEJO DE COMORBIDADES EM PACIENTES COM DIAGNÓSTICO DE ARTRITE REUMATOIDE Com base nas considerações anteriores, os especialistas membros da Comissão de Artrite Reumatoide da SBR fazem as recomendações resumidas na Tabela 1 para o manejo de comorbidades em pacientes com diagnóstico de AR. Tabela 1 Recomendações da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o manejo de comorbidades em pacientes com diagnóstico de artrite reumatoide Recomendação 1: Diagnosticar e tratar precoce e adequadamente comorbidades como hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, dislipidemia, síndrome metabólica e aterosclerose é de grande importância no manejo de pacientes com artrite reumatoide, pois reduz a morbimortalidade relacionada à doença e melhora a qualidade de vida do paciente. Recomendação 2: O tratamento específico da artrite reumatoide deve ser adaptado à presença de comorbidades, utilizando, se possível, drogas que não determinem descontrole das comorbidades. Recomendação 3: Devido aos efeitos benéficos em nível endotelial, e por interferirem menos no metabolismo dos carboidratos e causarem menos dislipidemia, inibidores da enzima conversora da angiotensina ou bloqueadores dos receptores de angiotensina II são preferidos como terapia inicial no tratamento da hipertensão arterial sistêmica em pacientes com artrite reumatoide, em vez de betabloqueadores e diuréticos. No tratamento concomitante de pacientes com artrite reumatoide e hipertesão arterial sistêmica deve-se, se possível, evitar o uso em conjunto de forma contínua de anti-inflamatórios e/ou dose alta de glicocorticoide. Recomendação 4: Em pacientes com diagnóstico de artrite reumatoide e diabetes mellitus deve-se evitar o uso contínuo de alta dose cumulativa de corticoides. Estratégias para um controle efetivo da inflamação sistêmica da artrite reumatoide devem ser implementadas, pois isso parece auxiliar no controle do diabetes mellitus. Recomendação 5: A ocorrência de dislipidemia na artrite reumatoide ocasiona maior risco de morbimortalidade cardiovascular. O tratamento deve ser precoce e adequado. Sugere-se o uso de estatinas para manter níveis de LDL menor que 100 mg/dL e índice aterosclerótico menor que 3,5 na população de pacientes com artrite reumatoide que apresentam outras comorbidades que aumentem ainda mais o risco de evento cardiovascular (como hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e/ou dislipidemia), e naqueles que apresentam evidência de doença aterosclerótica subclínica como a presença de placas de ateroma nas carótidas. Recomendação 6: A presença de síndrome metabólica em população sem artrite reumatoide está associada a maior chance de evento cardiovascular e maior mortalidade em geral. Todos os componentes dessa condição, incluindo obesidade centralmente distribuída, níveis reduzidos de HDL colesterol, níveis elevados de triglicerídeos, aumento da pressão arterial e hiperglicemia, devem ser adequadamente tratados. Recomendação 7: Considerando a alta prevalência da aterosclerose na artrite reumatoide, e seu curso acelerado e silencioso, recomenda-se a realização de exames não invasivos para a investigação de aterosclerose subclínica em pacientes que apresentem artrite reumatoide e comorbidades. A realização de ultrassom de artérias carótidas em pacientes com artrite reumatoide e mais de 50 anos é sugerida, para mensuração da espessura da camada intimomedial e a pesquisa de placas de ateroma. Recomendação 8: Recomenda-se ao reumatologista maior vigilância de sinais e sintomas que possam alertar para um diagnóstico precoce de neoplasia oculta em pacientes com artrite reumatoide, considerando a maior prevalência de neoplasias sólidas e linfoma. Recomendação 9: Medidas de prevenção farmacológicas e não farmacológicas, como o uso de heparina não fracionada ou de baixo peso molecular, devem ser consideradas em pacientes com artrite reumatoide que estejam internados, já que complicações tromboembólicas são mais frequentes nesse grupo de pacientes. Recomendação 10: Recomenda-se a realização de densitometria óssea em pacientes com artrite reumatoide acima de 50 anos, e naqueles com idade menor que estejam em terapia com corticoide em dose maior que 7,5 mg por mais de três meses. Recomendação 11: Pacientes com artrite reumatoide e osteoporose devem ser orientados quanto a medidas para evitar quedas; devem ser aconselhados a aumentarem a ingestão de cálcio na dieta, aumentarem a exposição solar e fazerem atividade física. Recomendação 12: Suplementação de cálcio e vitamina D é sugerida aos pacientes com artrite reumatoide que estejam em uso de corticoide por mais de três meses, ou que apresentem outros fatores de risco para fraturas concomitantes à artrite reumatoide. A utilização de bisfosfonatos é sugerida para pacientes com escore T < –2,5 na DMO, ou < –1,0 na presença de outros fatores de risco para osteoporose. Recomendação 13: Recomenda-se uma equipe multidisciplinar, com a participação ativa do médico reumatologista, no tratamento das comorbidades de difícil controle em pacientes com artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):474-495 491 Pereira et al. CONCLUSÕES Recomendações para diagnosticar e tratar precoce e adequadamente a AR têm sido preconizadas em nossos consensos e são fundamentais para melhora nos desfechos clínicos da AR.115,116 Da mesma forma, o entendimento e o manejo das comorbidades como osteoporose, HAS, DM, dislipidemia, SM e aterosclerose são de grande importância, pois reduzem a morbimortalidade relacionada à doença e melhoram a qualidade de vida do paciente. Estar atento a sinais e sintomas que possam sugerir a presença de neoplasia em fase inicial é importante para o melhor prognóstico dessa comorbidade. Medidas farmacológicas e não farmacológicas de prevenção de trombose venosa devem ser lembradas nos pacientes com AR, considerando o risco aumentado dessa complicação. O acompanhamento multidisciplinar dos pacientes com AR que tenham comorbidades de difícil controle é sugerido, já que isso pode determinar melhor resposta clínica dessas patologias associadas. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. McInnes IB, O’Dell JR. 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Esses questionários foram comparados aos resultados obtidos em uma escala transicional do tipo Likert, a Escala verbal de avaliação de mudança (EVAM), considerada como critério de mudança na avaliação dos outros instrumentos. Resultados: O coeficiente de Spearman foi usado para estudar a correlação entre a medida EVAM e os outros instrumentos em dois momentos (T1 e T2). Em T1 houve correlação moderada entre EVAM e EVA (r = 0,49), EVAM e FIQ (r = 0,41) e correlação negativa entre EVAM e os domínios referentes a dor (r = −0,49), estado geral (r = −0,55) e componente físico (r = −0,42) do SF-36. Em T2, apenas o domínio vitalidade do SF-36 mostrou correlação negativa com EVAM, de valor fraco (r = −0,27). Conclusão: Considerando-se a EVAM como padrão ouro, nenhum dos instrumentos avaliados conseguiu captar, de maneira ótima, mudança no estado de saúde do paciente com fibromialgia. Palavras-chave: fibromialgia, questionários, qualidade de vida. © 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A fibromialgia (FM) é uma síndrome caracterizada por dor difusa1 crônica de etiologia desconhecida, provavelmente multifatorial,2–5 distúrbios do sono, fadiga e alterações do humor.6,7 Não apresenta injúria tissular nem alterações nos exames laboratoriais e de imagem.8 Assim, a intensidade, o impacto na qualidade de vida do paciente e as variações temporais ou de intervenções terapêuticas são subjetivos, difíceis e imprecisos.9 A escolha dos instrumentos de medida para quantificar esses parâmetros clínicos deve ser cuidadosa, pois um critério evolutivo deve apresentar propriedades psicométricas adequadas. Para ser significativo, o instrumento deve ser sensível a mudanças e clinicamente mensurável, além de ter alta confiabilidade e validade. Outros aspectos desses instrumentos também são importantes, como aplicabilidade, praticidade e clareza.10 O único questionário desenvolvido especificamente para FM, o Questionário de Impacto da Fibromialgia (FIQ), apesar de ser validado de forma limitada,11–16 tem seu uso difundido em vários países. Em um estudo de 2009,17 no qual estimou-se a mínima diferença clinicamente importante (MDCI) no FIQ, concluiu-se que uma mudança de 14% no valor total desse instrumento corresponde a uma mudança clinicamente relevante, reforçando sua utilização na pesquisa e na clínica. Ensaios clínicos envolvendo pacientes com FM apresentam grande dificuldade na escolha de critérios evolutivos adequados decorrente da subjetividade e da heterogeneidade dos sintomas.18 Além disso, existe a necessidade de investigação de variáveis de cunho fisiológico, cognitivo-verbal e comportamental. Em uma revisão de 24 ensaios clínicos envolvendo pacientes Recebido em 30/05/2011. Aprovado, após revisão, em 08/05/2012. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Comitê de Ética: 0580/01. Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo – EPM/Unifesp 1. Fisioterapeuta 2. Professor de Reumatologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo - Unifesp 3. Professor de Reumatologia, Faculdade de Medicina de Marília Correspondência para: Jamil Natour. Disciplina de Reumatologia, Unifesp/EPM. Rua Botucatu, 740. CEP: 04023-900. São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected] Rev Bras Reumatol 2012;52(4):496-506 501 Alves et al. com FM, usou-se grande diversidade de parâmetros, porém não foram encontrados os mesmos critérios de avaliação de maneira consistente em nenhum dos estudos.19 Em outra revisão sistemática mais recente20 comparando-se as variáveis mais usadas em ensaios clínicos com as diretrizes da OMERACT (Outcome Measures in Rheumatoid Arthritis Clinical Trials), especificamente desenvolvidas para FM,21 concluiu-se que cada domínio do OMERACT tem um instrumento que parece ser sensível à mudança. Ainda não está estabelecido um consenso sobre o padrão ouro adequado para avaliar a melhora clínica resultante das diferentes intervenções terapêuticas usadas na FM, sobretudo na população brasileira.22 Na falta de medidas objetivas que identifiquem a melhora do paciente, os estudos utilizam-se de medidas subjetivas, incluindo questionários que avaliam a qualidade de vida, o impacto da doença e escalas de dor. Ao tratar-se de sintomas subjetivos, a ótica do paciente é de grande importância, pois implica avaliação complexa de múltiplos domínios que afetam a integridade biopsicossocial do indivíduo.23 Assim, a referência dada pelo próprio paciente quanto ao seu estado de saúde deve ser considerada como padrão ouro que oriente a terapêutica.24–27 Desse modo, o objetivo do presente estudo foi verificar a correlação entre os instrumentos de medida usados na terapêutica da FM e o questionário objetivo feito ao paciente, usando-se este como suposto parâmetro de maior sensibilidade. PACIENTES E MÉTODOS Amostra Os pacientes deste estudo foram recrutados a partir de um ensaio clínico que avaliou os efeitos de exercícios realizados na água e exercícios realizados em solo por mulheres diagnosticadas com FM. As 60 pacientes que participaram do estudo preenchiam os critérios do American College of Rheumatology (ACR) para FM e foram selecionadas sistematicamente pelo encaminhamento clínico do ambulatório da Disciplina de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Das 60 pacientes incluídas, somente 51 completaram todas as avaliações – objeto desta análise. Procedimentos O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Unifesp e todas as participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. As pacientes selecionadas foram avaliadas de acordo com os seguintes questionários: (a) FIQ,9 questionário que avalia o impacto da doença e cuja pontuação é diretamente proporcional ao impacto – quanto maior a pontuação, pior o estado de saúde. 502 Esse questionário contém 10 questões e quantifica incapacidade funcional, intensidade de dor, distúrbios do sono, ansiedade, depressão e bem-estar global; (b) SF-36 (The Medical Outcomes Study 36 item Short-Form Health Survey), instrumento validado na população brasileira28 que avalia a qualidade de vida e é dividido em componente físico, que determina, por meio da avaliação dos domínios que o compõem (capacidade funcional, aspectos físicos, dor e estado geral de saúde), o estado físico do paciente e o componente mental, que também é composto por domínios (vitalidade, aspectos emocionais, aspectos sociais e saúde mental) e revela a situação do estado psicoemocional do paciente. Nesse questionário, uma pontuação maior indica melhor estado de saúde; (c) Beck (Inventário Beck de depressão), com 21 questões que avaliam o estado de depressão – quanto maior a pontuação, maior é o estado depressivo; e (d) EVA (Escala Visual Analógica) de dor, em que o paciente classifica sua dor em uma escala de 0–10 cm, na qual uma pontuação maior correspondente à maior dor possível. As avaliações foram realizadas no início do tratamento (T0), na oitava semana (T1) e na décima quinta semana de tratamento (T2). A perspectiva do paciente foi avaliada a partir de uma escala transicional tipo Likert de cinco pontos, a Escala Verbal de Avaliação de Mudança (EVAM), que variava entre 1 (melhorou bastante), 2 (melhorou moderadamente), 3 (melhorou levemente), 4 (não melhorou) e 5 (piorou), e serviu como referência (padrão ouro) para a percepção global de mudança. Todos os instrumentos foram aplicados por um avaliador cego em relação ao grupo terapêutico a que o paciente pertencia. Análise estatística Os seguintes métodos estatísticos foram utilizados para a análise dos resultados obtidos neste estudo: (a) estatística descritiva, para análise das variáveis demográfica e clínica (média e desvio padrão); (b) coeficiente de Spearman para verificar a correlação entre os resultados dos escores de mudança dos diferentes instrumentos usados e a EVAM. Os valores usados nessas comparações advêm do resultado da diferença de pontuação de cada questionário e da escala de dor em T0 e T1 – ou seja, entre a primeira avaliação (T0) e a segunda avaliação (T1). Em seguida, esses valores finais foram comparados com a EVAM em T1. A EVAM em T2 foi comparada à diferença entre os valores dos questionários e os valores da escala de dor entre T1 e T2. Foi usada (c) análise de regressão linear para verificar qual das medidas tem maior relação com a mudança percebida pelo paciente em T1 e T2. Calculou-se também o (d) tamanho do efeito de cada instrumento, definido como a média nos escores de base até a oitava semana (T1) dividido pelo desvio padrão dos escores de base. Utilizou-se esse método para averiguar a Rev Bras Reumatol 2012;52(4):496-506 Avaliação de instrumentos de medida usados em pacientes com fibromialgia intensidade da mudança ocorrida, indicando a MDCI. As análises foram feitas por protocolo – assim, o número da amostra usado para os cálculos estatísticos foi o número de pacientes que completou todos os instrumentos de medida, em todas as avaliações. RESULTADOS Das 60 pacientes selecionadas para o estudo, 51 responderam todos os instrumentos em todas as avaliações. A Figura 1 mostra o escore de classificação da EVAM em T1 e T2. Na Tabela 1 estão mostrados os valores médios e os respectivos desvios padrão obtidos nos questionários FIQ, Beck, EVA e SF-36 em T0, T1 e T2. m el ho ro u 0,41 0,002** BECK 0,32 0,02* EVA 0,49 0,001** 0,09 0,04* DO/SF-36 −0,49 0,001** VT/SF-36 −0,29 0,03* 2 EG/SF-36 −0,55 0,001** AS/SF-36 −0,26 0,06 AE/SF-36 −0,17 0,06 SM/SF-36 −0,31 0,02* COMP F/SF-36 −0,42 0,002** COMP M/SF-36 −0,25 0,06 0 N ão m od er ad am en te M el ho ro u le ve m en te M el ho ro u FIQ −0,28 Porcentagem - T1 3,9 P AF/SF-36 Porcentagem - T2 9,8 r −0,23 25,5 11,8 EVAM1 CF/SF-36 43,1 41,2 21,6 Tabela 2 Correlação entre a medida EVAM 1 e ***Delta FIQ, BECK, EVA e domínios e componentes do SF-36 Pi or ou 41,2 m ui to 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 M el ho ro u Número de pacientes Escala verbal de avaliação de mudança O coeficiente de correlação de Spearman revelou correspondência significativa do EVAM com a EVA de dor (P < 0,001), com o FIQ e os domínios dor, e com o estado geral e componente físico do SF-36 em T1 (Tabela 2). Em T2, a única variável que apresentou correlação estatisticamente significativa foi o domínio vitalidade, com P = 0,04 (Tabela 3). Sensação de melhora Figura 1 Desempenho da escala verbal de avaliação de mudança em T1 e T2. Tabela 1 Média (desvio padrão) do FIQ, BECK, EVA e SF-36 em T0, T1 e T2 T0 T1 T2 FIQ 63,29 (13,86) 43,28 (19,36) 38,07 (19,46) BECK 18,60 (9,11) 11,25 (10,25) 9,58 (9,49) EVA 8,27 (1,55) 5,85 (2,32) 5,05 (2,42) SF-36/CF 57,41 (21,28) 62,91 (25,59) 66,00 (29,52) SF-36/AF 18,75 (30,05) 43,33 (41,90) 53,75 (45,29) ***Diferença entre a primeira e a segunda avaliação; **Correlação significante P > 0,01; *Correlação significante P > 0,05. r: Coeficiente de correlação de Spearman. Tabela 3 Correlação entre a medida EVAM 2 e ***Delta FIQ, BECK, EVA e domínios e componentes do SF-36 EVAM2 FIQ BECK EVA r P 0,07 0,62 −0,18 0,19 0,18 0,18 CF/SF-36 −0,1 0,47 AF/SF-36 −0,13 0,35 −0,17 0,23 SF-36/DO 31,66 (15,94) 42,91 (21,50) 49,63 (27,48) DO/SF-36 SF-36/VT 30,91 (18,67) 47,41 (23,17) 49,16 (28,24) VT/SF-36 −0,27 0,04* SF-36/EG 45,81 (19,64) 53,21 (25,34) 54,63 (28,36) EG/SF-36 −0,03 0,8 SF-36/AS 54,37 (30,77) 71,82 (33,54) 69,16 (37,42) AS/SF-36 −0,76 0,59 SF-36/AE 38,33 (41,54) 55,00 (42,88) 56,66 (45,22) AE/SF-36 −0,08 0,55 SF-36/SM 45,40 (22,29) 56,93 (26,90) 57,60 (30,80) SM/SF-36 0,02 0,86 SF-36/COMP F 35,08 (6,93) 41,16 (7,68) 44,72 (8,59) SF-36/COMP M 38,27 (12,84) 46,22 (11,85) 47,25 (12,62) COMP F/SF-36 −0,12 0,38 COMP M/SF-36 −0,09 0,52 CF: capacidade funcional; AF: aspectos físicos; DO: dor; VT: vitalidade; EG: estado geral; AS: aspectos sociais; AE aspectos emocionais; SM: saúde mental; COMP F: componente físico; COMP M: componente mental. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):496-506 ***Diferença entre a segunda e terceira avaliação; **Correlação significante P > 0,01; *Correlação significante P > 0,05. r: Coeficiente de correlação de Spearman. 503 Alves et al. A análise de regressão linear simples revelou em T1 correlação estatisticamente significante entre EVAM e a EVA de dor (P = 0,001), e o domínio estado geral (P < 0,001) do SF-36, dados mostrados na Tabela 4. Também na Tabela 4, vemos que, em T2 a única variável com significância estatística foi o domínio vitalidade do SF-36, com P = 0,023. O cálculo do tamanho do efeito (TE) revelou a EVA como parâmetro de mudança de maior significado estatístico (TE = −1,60), seguido pelo FIQ (TE = −1,44). Os outros valores com significado estatisticamente importante são vistos na Tabela 5. Tabela 4 Análise de regressão linear mostrando a correlação entre EVAM 1 e 2 e os outros instrumentos EVAM 1 Bª Erro padrão Betaº P EVA 0,135 0,038 0,4 0,001 EG/SF-36 −2,27 0,006 −0,45 0,001 Bª Erro padrão Betaº P −1,87 0,008 −0,32 0,02 EVAM 2 VIT/SF-36 ªCoeficiente de correlação não padronizado; ºCoeficiente de correlação padronizado. Tabela 5 Tamanho do efeito (TE) calculado para todos os instrumentos Média Desvio padrão TE EVA1 8,27 1,55 −1,6* EVA2 5,78 2,32 0,31 CF1/SF-36 57,05 20,42 0,57 CF2/SF-36 68,72 17,91 0,4 AF1/SF-36 21,07 31,76 0,92* AF2/SF-36 50,49 41,37 0,29 DOR1/SF-36 33,11 15,67 0,95* DOR2/SF-36 48,01 16,69 0,56 EG1/SF-36 48,13 18,74 0,55 EG2/SF-36 58,54 20,66 0,19 VIT1/SF-36 31,96 18,74 1,09* VIT2/SF-36 52,25 18,68 0,27 AS1/SF-36 56,37 30,85 0,73 AS2/SF-36 79,16 25,33 0,02 AE1/SF-36 41,83 42,6 0,41 AE2/SF-36 59,47 42,32 0,15 SM1/SF-36 49,33 21,08 0,62 SM2/SF-36 62,5 22,25 0,18 FIQ1 63,29 13,86 −1,44* FIQ2 43,28 19,36 −0,26 BECK1 18,6 9,11 −0,8 BECK2 11,25 10,25 0,16 *Valores com significado estatístico (TE > 0,8). 504 DISCUSSÃO Estudos sobre FM têm usado diferentes medidas e instrumentos para avaliar o desempenho terapêutico, dificultando as tentativas de extrapolação ou comparação entre os tratamentos. Ao mesmo tempo, a grande quantidade de parâmetros estudados torna as avaliações cansativas e talvez redundantes. Neste estudo, compararam-se os resultados dos instrumentos de medida FIQ, Beck, SF-36 e EVA de dor com escala transicional comparativa do tipo Likert de cinco pontos, indicativa da EVAM percebida pelo paciente e usada como padrão ouro. Classificações globais de mudança de sintomas realizadas pelos pacientes são consideradas critério externo válido,23–27 aplicado recentemente em populações com FM.21,29,30 Ao responder a EVAM, a paciente traduzia sua sensação de melhora sob um aspecto geral; a relação dessa resposta com outros instrumentos pôde indicar quais aspectos influenciam a sensação de melhora. Na primeira avaliação, a correlação ocorre com os domínios da dor, com o estado geral da paciente e com o componente físico do SF-36, além do FIQ e EVA para dor. Dunkl et al.25 encontraram resultados similares aos nossos, com correlação entre a EVAM e o FIQ. Em nosso estudo, embora com menor força, houve correlação também com os domínios aspecto físico, saúde mental, vitalidade do SF-36 e o inventário Beck. Quando se observa o resultado da análise de regressão, confirmam-se o domínio estado geral do SF-36 e a EVA de dor como variáveis importantes. Assim, a mudança na intensidade da dor, no estado geral e na disposição física são aspectos fundamentais para a sensação de melhora do paciente, sobretudo na fase inicial do tratamento. Na segunda avaliação feita pelo paciente, apenas o domínio vitalidade mostrou ter alguma relação com a subjetividade da melhora. Isso pode demonstrar que, após melhora inicial, outros aspectos além de dor e estado geral passam a exercer maior influência para ainda se obter uma sensação subjetiva de melhora. A vitalidade, então, passa a ter mais importância. Uma possível explicação para a diferença encontrada na relação entre os instrumentos na primeira e segunda comparação de dados seria a intensidade das mudanças. Desse modo, o paciente só perceberia mudança nos aspectos que julga serem importantes para contribuir na sensação de melhora se essa fosse de maior intensidade. Tal afirmação tem como base o fato de que, na maioria dos instrumentos usados, mesmo sendo de menor proporção, houve melhora não apenas entre a primeira e segunda avaliações, mas também entre a segunda e a terceira. O tempo entre a aplicação dos instrumentos e o valor da mínima diferença necessária para captar mudanças também podem ter exercido influência nos resultados. Segundo Stratford,31 a falta Rev Bras Reumatol 2012;52(4):496-506 Avaliação de instrumentos de medida usados em pacientes com fibromialgia de um padrão ouro para atributos como a incapacidade funcional acaba gerando vários dilemas metodológicos. Beaton27 afirma que, além das propriedades psicométricas já estabelecidas, também é preciso enfrentar o desafio da interpretabilidade. Para tanto, faz-se necessário o uso da chamada MDCI. Para a determinação da MDCI é preciso levar em consideração as perspectivas do paciente e do médico, além da abordagem metodológica e da dependência do estado do paciente no início do tratamento; entretanto, é necessário maior número de pesquisas metodológicas para que se determine o melhor modo de quantificá-la. No FIQ, um estudo29 concluiu que uma mudança em 14% na pontuação final determinaria uma MDCI. Especialmente na FM, este pode ser um dado de grande valor clínico, dadas a subjetividade e a variabilidade dos sintomas. No presente estudo calculou-se o TE de cada instrumento como modo de se determinar MDCI. Na primeira avaliação, o TE foi clinicamente importante para os domínios vitalidade, dor e aspecto físico do SF-36 e o Beck, além do FIQ e da EVA de dor. Nenhum desses foi clinicamente importante na segunda avaliação. Assim, devemos questionar a validade da interpretação numérica do TE em FM, pois nem sempre esse efeito representa uma verdadeira MDCI. Com base em nossos dados, verificamos que a dor permanece como aspecto central para a sensação de mudança no estado de saúde. Por tratar-se de um sintoma basicamente subjetivo, a dor associa-se à interação das dimensões física, psíquica e cultural que estão envolvidas em sua manifestação, dificultando sua mensuração. Porém, nosso estudo revelou que, ao se tratar do monitoramento do estado do paciente em um cenário clínico, o uso da escala verbal de avaliação de mudança mostrou-se suficiente para tal. Em ensaios clínicos, outros instrumentos podem ser utilizados na dependência da necessidade de dados específicos em diferentes aspectos do espectro da relação doente/doença. É importante lembrar que cada instrumento avalia uma dimensão diferente do indivíduo, e isso pode explicar a falta de maior correlação entre os instrumentos, gerando uma necessidade de escolher não somente um instrumento para avaliar a resposta terapêutica, mas sim, dependendo do objetivo, escolher o instrumento mais adequado. É importante frisar que apesar de os diversos instrumentos, como EVA para dor, FIQ, SF-36 e Beck terem demonstrado um TE superior a 0,8, indicando magnitude efetiva, nenhum deles conseguiu detectar mudança no estado das pacientes em T2 quando comparadas com a EVAM. Portanto, as propriedades psicométricas dos mesmos não são as ideais para FM. Wolfe32 propõe uma versão do Health Assessment Questionnaire (FHAQ), que deveria ser mais bem estudada e validada para uso nesses protocolos. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):496-506 CONCLUSÃO Considerando-se a escala verbal de avaliação de mudança como padrão ouro, nenhum dos instrumentos avaliados conseguiu captar de maneira ideal uma alteração no estado de saúde de pacientes com FM. Ressaltamos a importância da avaliação das propriedades psicométricas desses instrumentos, além do estudo sobre o uso de outros instrumentos em ensaios clínicos envolvendo pacientes com FM. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. Wolfe F, Smythe HA, Yunus MB, Bennett RM, Bombardier C, Goldenberg DL et al. The American College of Rheumatology 1990 criteria for the classification of fibromyalgia: Report of multicentre criteria committee. Arthritis Rheum 1990; 33:160–72. Gibson SJ, Littlejohn GO, Gorman MM, Helme RD, Granges G. Altered heat pain thresholds and cerebral event-related potentials follow CO2 laser stimulation in subjects with fibromyalgia syndrome. Pain 1994; 58:185–93. 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Métodos: Cinquenta e seis idosas apresentando ou não histórico de quedas (Q) e OA de joelho unilateral e bilateral foram distribuídas da seguinte maneira: grupo QOA (n = 10), idosas com histórico de queda e OA de joelho; grupo QSOA (n = 11), idosas com histórico de queda e sem OA de joelho; grupo SQOA (n = 14), idosas sem histórico de quedas (SQ) e com OA de joelho; e grupo SQSOA (n = 21), idosas sem histórico de quedas e sem OA de joelho. Para análise do equilíbrio semiestático usando uma plataforma de força, foram avaliados os deslocamentos anteroposterior (DAP) e mediolateral (DML), as velocidades de oscilação anteroposterior (VAP) e mediolateral (VML) em quatro situações na postura ereta. As situações avaliadas foram as seguintes: 1) PFOA: sobre superfície fixa e olhos abertos; 2) PFOF: sobre superfície fixa e olhos fechados; 3) PIOA: sobre superfície instável e olhos abertos; 4) PIOF: sobre superfície instável e os olhos fechados. Resultados: As idosas com OA de joelho apresentaram maior DAP em todas as situações analisadas (P < 0,05), ao passo que idosas com histórico de quedas apresentaram maior DML (P < 0,05). Não houve diferenças entre os grupos para VAP e VML (P > 0,05). Conclusões: A OA de joelho, por si, é um fator prejudicial no aumento de oscilação do centro de pressão (COP) na direção anteroposterior, enquanto o histórico de quedas, independente da presença de OA de joelhos, traz prejuízos ao controle postural na direção mediolateral. Palavras-chave: acidentes por quedas, equilíbrio postural, osteoartrite do joelho. © 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO Uma das consequências do envelhecimento populacional é o aumento das doenças crônico-degenerativas,1 dentre as quais a osteoartrite (OA) é a doença articular mais prevalente na população idosa,2 gerando impacto socioeconômico devido às incapacidades que causa nos indivíduos.3 A OA é responsável por grande parte da incapacidade dos membros inferiores (MMII) observada nos idosos, população na qual é predominante.4 No joelho, a OA pode provocar incapacidade crônica dos idosos, limitando-os na execução de atividades de rotina e de tarefas domésticas e, consequentemente, aumentando o risco de quedas. Mudanças na cartilagem articular provocadas pela OA4 trazem algumas consequências devido Recebido em 30/08/2011. Aprovado, após revisão, em 08/05/2012. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Suporte Financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Comitê de Ética: FR247663. Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor, Laboratório de Avaliação e Reabilitação do Equilíbrio (LARE), Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo – FMRP-USP. 1. Aluna do Curso de Fisioterapia, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FMRP-USP 2. Mestre em Cirurgia, Universidade Estadual de Campinas – Unicamp; Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde Aplicadas ao Aparelho Locomotor – FMRP-USP 3. Mestre em Ciências da Motricidade, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp; Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde Aplicadas ao Aparelho Locomotor – FMRP-USP 4. Doutor em Medicina, Universidade de São Paulo – USP; Médico-Assistente de Reumatologia, Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – FMUSP 5. Professora Doutora do Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor – FMRP-USP Correspondência para: Daniela Cristina Carvalho de Abreu. Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor – FMRP/USP. Av. Bandeirantes, 3900. Ribeirão Preto, SP, Brasil. CEP: 14049-900. E-mail: [email protected] 512 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):507-517 Parâmetros do controle postural em mulheres idosas com ou sem histórico de quedas associadas ou não à osteoartrite de joelhos à remodelação óssea combinada com a perda da cartilagem. Em meio a essas consequências está a instabilidade articular,5 que combinada com outras características da OA provoca perda da amplitude de movimento, redução da propriocepção articular,6 sensação de insegurança ou incapacidade para realizar movimentos articulares, e todos esses fatores contribuem para o comprometimento dos equilíbrios semiestático e dinâmico. A população idosa sofre também com outras consequências do processo de envelhecimento, como alterações do controle postural, o que a deixa ainda mais propensa a quedas.7,8 A insegurança na realização de algumas atividades justifica a extrema importância da identificação dos fatores de risco para quedas ainda no início.9 É importante haver mais estudos que busquem entender melhor a influência da OA sobre o histórico de quedas, que é um fator gerador de custos elevados para os serviços de saúde e de prejuízos na qualidade de vida dos indivíduos. Há vários estudos que utilizam a plataforma de força para avaliar o equilíbrio.6,9 As evidências apontam maior oscilação do centro de pressão (COP) entre as pessoas com OA de joelhos, porém são escassos estudos diferenciando o controle postural de idosas caidoras com e sem OA. A detecção dos fatores presentes na OA que possivelmente estejam associados a quedas pode permitir que os profissionais da saúde programem uma intervenção preventiva mais específica, já que após uma queda o risco de novas quedas está aumentado. Assim, o objetivo deste estudo foi comparar parâmetros estabilométricos de idosas caidoras e não caidoras, com e sem diagnóstico de OA de joelhos. PACIENTES E MÉTODOS Foram incluídas no estudo 56 idosas com idades entre 60–85 anos, apresentando ou não histórico de quedas (definido pela ocorrência de quedas não acidentais nos últimos seis meses) e idosas com ou sem OA de joelhos unilateral e bilateral com diagnóstico radiológico fundamentado nos critérios do American College of Rheumatology (The American College of Rheumatology Subcommittee on Osteoarthritis Guidelines, 2000). Foram excluídas do estudo idosas com presença de doenças cardiorrespiratórias, neurológicas, problemas cognitivos, vestibulopatias, diabetes mellitus, histórico de fraturas ósseas e/ou lesões nos MMII nos últimos seis meses e história de cirurgia no quadril, joelho ou tornozelo, IMC > 40 (obesidade mórbida), uso de dispositivos de apoio, implantes ou próteses nos MMII, uso de corticosteroides injetáveis no joelho nos últimos três meses e uso de fármacos para o sistema nervoso central (SNC). Também foram excluídas idosas com diagnóstico de Rev Bras Reumatol 2012;52(4):507-517 OA na coluna vertebral e em outras articulações dos MMII que não os joelhos. Todas as voluntárias assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (CSE-FMRPUSP) através do Protocolo n°314, em 09 de junho de 2009, confirmando sua participação e preservando a privacidade dos pacientes. As idosas foram distribuídas em grupo Q (n = 21), idosas com história de queda, e grupo SQ (n = 35), idosas sem história de queda. Posteriormente, os grupos foram subdivididos em quatro: grupo QOA (n = 10), idosas com história de queda e OA; grupo QSOA (n = 11), idosas com história de queda e sem OA; grupo SQOA (n = 14), idosas sem história de queda e com OA; e grupo SQSOA (n = 21), sem história de queda e sem OA. Previamente às avaliações, foram obtidos dados antropométricos das idosas (peso, altura e IMC). Para avaliação do equilíbrio semiestático foi utilizada plataforma de força da marca EMG System do Brasil, que avaliou a distribuição da força vertical em quatro pontos, possibilitando a análise do equilíbrio, com quantificação da amplitude e da velocidade de deslocamento anteroposterior (DAP) e mediolateral (DML) do COP. Os dados foram digitalizados e analisados pelo programa da EMG system do Brasil. Durante a avaliação utilizou-se um protocolo previamente estipulado, para medir os DAP e DML de todas as voluntárias incluídas na pesquisa nas seguintes situações: 1) Em pé sobre uma superfície de madeira fixa, com os olhos abertos (PFOA), por 60 segundos; 2) Em pé sobre uma superfície de madeira fixa, com os olhos fechados, por 60 segundos (PFOF); 3) Em pé sobre uma espuma de aproximadamente 5 cm de espessura (30 dm/cm3), com os olhos abertos, por 60 segundos (PIOA); 4) Em pé sobre a espuma, com os olhos fechados, por 60 segundos (PIOF). Durante a coleta dos dados, as voluntárias permaneceram sobre a plataforma de força com os pés descalços e afastados com distância proporcional ao nível dos ombros e braços ao longo do corpo. Um ponto fixo foi colocado a 1,5 m de distância, na altura horizontal do olhar, e as voluntárias foram orientadas a olhar fixamente o ponto durante a coleta de dados. Foram realizadas três coletas para cada postura. Análise dos dados Todas as análises estatísticas foram realizadas com o programa SPSS (SPSS for Windows, V16.0 – SPSS Inc., EUA), e o nível de significância foi de 0,05. 513 Petrella et al. Para a análise estatística foram utilizados modelos considerando que os valores das variáveis observadas tivessem distribuição normal verificada pelo teste Shapiro-Wilk e variância constante pelo teste de Levene. Nas situações em que tais pressupostos não foram observados, foram realizadas transformações nas variáveis. Para comparação das características antropométricas entre os grupos, foram utilizadas três Análises de Variância com dois fatores (ANOVA two way). Essas ANOVA tiveram como fatores doença e queda, e idade, peso e altura como variáveis dependentes. Como houve diferença de peso quando o fator foi doença, e diferença de peso e idade quando o fator foi queda, tais dados foram utilizados como covariáveis nas demais análises. Para comparação do equilíbrio entre os grupos foram empregadas quatro ANOVA two way que tiveram queda e doença como fatores, idade e peso como covariáveis, e oscilação anteroposterior (AP) nas quatro condições, velocidade de oscilação AP nas quatro condições, oscilação mediolateral (ML) nas quatro condições e velocidade de oscilação ML nas quatro condições durante o equilíbrio semiestático como variáveis dependentes. RESULTADOS Deslocamento anteroposterior do COP Análises multivariadas não mostraram diferença para queda, porém mostraram diferença para doença [Wilk’s λ = 0,73; F (4,47) = 4,37; P > 0,05]. Não houve interação entre queda e doença [Wilk’s λ = 0,88; F (4,47) = 1,53; P > 0,05], e isso evidencia que o fator doença foi predominante para alterar o equilíbrio AP, independente se a idosa tinha ou não história de queda. Análises univariadas indicaram efeito da doença nas variáveis PFOF [F (1,50) = 7,96; P < 0,05], PIOA [F (1,50) = 12,75; P < 0,05] e PIOF [F (1,50) = 8,83; P < 0,05]. As idosas com OA apresentaram maior deslocamento AP comparado ao grupo sem OA em três situações (Figura 1). Deslocamento mediolateral do COP Análises multivariadas mostraram diferença apenas quando o fator foi queda [Wilk’s λ = 0,78; F (4,47) = 3,25; P < 0,05]. Não houve interação entre queda e doença [Wilk’s λ = 0,95; F (4,47) = 0,63; P > 0,05], e isso mostra que o fator queda tem maior influência no equilíbrio ML, independente de a idosa ter ou não OA. Assim, por meio da ANOVA observou-se DAP (cm) 1,20 * * Dados antropométricos * 1,00 Houve diferença para idade entre grupos quando o fator foi queda [F (1,52) = 5,42; P < 0,05], e não houve quando o fator foi doença [F (1,52) = 0,29; P > 0,05]. Também houve diferença na variável peso tanto para o fator queda [F (1,52) = 7,99; P < 0,05] quanto para o fator doença [F (1,52) = 18,37; P < 0,05]. Porém, não houve diferença para altura com o fator queda [F (1,52) = 0,06; P > 0,05], nem com o fator doença [F (1,52) = 1,96; P > 0,05]. O grupo Q apresentou maior idade e maior peso comparado ao grupo SQ. Além disso, as idosas com OA de joelho apresentaram maior peso em comparação ao grupo sem OA. Esses valores estão descritos na Tabela 1. Tabela 1 Dados antropométricos das voluntárias do estudo Idade (anos) Altura (m) Grupo QOA 69,30 ± 5,74 1,57 ± 0,04 78,44 ± 9,13 Grupo QSOA 72,72 ± 4,90 1,53 ± 0,06 65,00 ± 8,25 Grupo SQOA 68,43 ± 5,84 1,54 ± 0,05 68,29 ± 7,05 Grupo SQSOA 66,62 ± 5,13 1,54 ± 0,06 62,47 ± 808 Peso (kg) Grupo QOA: idosas com histórico de quedas e osteoartrite; Grupo QSOA: idosas com histórico de quedas sem osteoartrite; Grupo SQOA: idosas sem histórico de quedas e osteoartrite; Grupo SQSOA: idosas sem histórico de quedas sem osteoartrite. 514 Equilíbrio semiestático 0,80 * * QOA * QSOA 0,50 SQOA SQSOA 0,40 0,20 0,00 PFOA PFOF PIOA PIOF Figura 1 Valores em média ± DP do deslocamento anteroposterior (DAP) do COP em cada uma das condições avaliadas para os quatro grupos: grupo QOA de idosas com história de queda e OA de joelho, grupo QSOA de idosas com história de queda e sem OA de joelho, grupo SQOA de idosas sem história de queda e com osteoartrite e grupo SQSOA de idosas sem história de queda e sem osteoartrite. PFOA: plataforma fixa, olhos abertos; PFOF: plataforma fixa, olhos fechados; PIOA: plataforma instável, olhos abertos; PIOF: plataforma instável, olhos fechados. * P < 0,05 OA versus sem OA. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):507-517 Parâmetros do controle postural em mulheres idosas com ou sem histórico de quedas associadas ou não à osteoartrite de joelhos DML (cm) 0,8 * 0,7 * * 0,6 * 0,5 0,4 QOA QSOA * * SQOA 0,3 SQSOA 0,2 0,1 0,0 PFOA PFOF PIOA PIOF Figura 2 Valores em média ± DP do deslocamento mediolateral (DML) do COP em cada uma das condições avaliadas para os quatro grupos: grupo QOA idosas com história de queda e OA de joelho, grupo QSOA idosas com história de queda e sem OA de joelho, grupo SQOA idosas sem história de queda e com osteoartrite e grupo SQSOA sem história de queda e sem osteoartrite. PFOA: plataforma fixa, olhos abertos; PFOF: plataforma fixa, olhos fechados; PIOA: plataforma instável, olhos abertos; PIOF: plataforma instável, olhos fechados. * P < 0,05 Q versus SQ. diferença nas variáveis PFOA [F (1,50) = 4,37; P < 0,05], PIOA [F (1,50) = 10,09; P < 0,05] e PIOF [F (1,50) = 11,65; P < 0,05]. O grupo Q apresentou maior DML nas situações PFOA, PIOA e PIOF em comparação ao grupo SQ (Figura 2). Velocidade de deslocamento anteroposterior do COP Não houve diferença entre os grupos com relação à VAP em qualquer situação. Velocidade de deslocamento mediolateral do COP Não houve diferença entre os grupos com relação à VML em qualquer situação. DISCUSSÃO Para que haja controle da postura ereta existe uma interação entre os sistemas sensorial (informações dos sistemas somatossensorial, vestibular e visual) e neuromuscular, incluindo as relações biomecânicas entre os segmentos corporais.10 A ação integrada dos sistemas sensorial e motor permite o envio de informações precisas para o SNC sobre o posicionamento Rev Bras Reumatol 2012;52(4):507-517 do corpo no espaço, utilizando referências da superfície de apoio, do ambiente visual e das referências internas, possibilitando que o SNC estabeleça a melhor estratégia para a manutenção ou a recuperação do equilíbrio, utilizando-se de estratégias reativas e de ajustes posturais antecipatórios (respostas pró-ativas e preditivas).11 Um dos principais métodos usados para avaliar o equilíbrio, por meio do COP, é a plataforma de força.12 O movimento do COP de um indivíduo em postura ortostática semiestática é obtido por meio da estabilometria, que exibe o deslocamento do COP ao longo do tempo nas direções AP e ML. Sabe-se que alguns parâmetros derivados da estabilometria podem ser relacionados ao risco de quedas.12,13 A manutenção da postura vertical ereta totalmente imóvel não é realizada pelo corpo humano, considerando que inclinações espontâneas de curta amplitude nos eixos AP e ML são observadas. Por esse motivo, tem-se optado, atualmente, pela utilização do termo equilíbrio semiestático em vez de estático. Indivíduos idosos sem histórico de quedas, quando comparados à população mais jovem, apresentam diferença no padrão de controle postural, demonstrada por maior oscilação postural. Estudos mostraram que é na faixa dos 60 anos de idade que esse aumento da oscilação postural começa a ser mais evidente.14,15 Era et al.16 encontraram que o aumento da oscilação postural já acontece em adultos jovens, mas torna-se mais intenso a partir dos 60 anos. A partir desses dados, é possível realizar estudos comparando o equilíbrio de idosos saudáveis com aqueles portadores de alguma doença específica, a fim de entender melhor o impacto de doenças sobre o controle postural e incrementar a elaboração de um programa de reabilitação para esses pacientes.17 Em estudo de revisão,18 concluiu-se que, em circunstâncias laboratoriais, os parâmetros avaliados por meio da plataforma de força podem fornecer informações valiosas para predição de quedas futuras ou recorrentes em idosos. Tanto o avanço da idade quanto a presença de OA causam implicações na saúde, pois ambos geram diminuição da função fisiológica.19 A ocorrência de quedas em idosos com OA pode trazer complicações médicas, psicológicas e sociais ainda maiores para essa população. Portanto, a prevenção e a redução de quedas são de grande importância para a saúde e o bem-estar dos idosos, pois a ocorrência de quedas pode ter um impacto muito negativo sobre a qualidade de vida do idoso, já que está associada à maior chance de fraturas ósseas, lesões de tecidos moles, traumatismo cranioencefálico, confinamento, e ao desenvolvimento de síndrome pós-queda. O entendimento da repercussão da OA de joelhos sobre o equilíbrio em idosas é de extrema importância, uma vez 515 Petrella et al. que auxilia no planejamento dos programas de reabilitação para essa população. Entretanto, o déficit de controle postural deve ser estudado também em situações dinâmicas, além de se buscar ferramentas de avaliações que possam ser utilizadas clinicamente, de forma prática e rápida, que possuam sensibilidade suficiente para identificar aqueles pacientes com alterações osteomioarticulares com risco de quedas. Para Horak,20 a prevenção do risco de quedas e a elaboração de um programa de intervenção para pessoas com equilíbrio comprometido dependem de uma avaliação da integridade dos sistemas fisiológicos subjacentes e da adoção de estratégias compensatórias. Portanto, é muito importante a realização de estudos mais detalhados sobre os eventos incapacitantes presentes nos idosos portadores de OA de joelho, os quais podem resultar na ocorrência de quedas. No Brasil, pesquisas sobre quedas e seus fatores relacionados nessa população de idosos com OA ainda são escassos.21,22 Estudos têm mostrado que pessoas com OA de joelhos apresentam comprometimento do equilíbrio semiestático.23 Hassan, Mockett e Doherty6 observaram que indivíduos com OA de joelhos, quando comparados aos controles, apresentavam maior oscilação AP e ML quando estavam em postura estática com olhos fechados. Em outro estudo, Hassan et al.24 verificaram que o controle postural estático estava diminuído em indivíduos com OA de joelhos sem sintoma de dor, em comparação aos controles de idades correspondentes. Nossos resultados corroboram em parte esses achados, pois as idosas com OA apresentaram aumento do deslocamento do COP no sentido AP, mas não no ML, independente de haver histórico de quedas ou não. Entretanto, com relação ao deslocamento do COP na direção ML, idosas com quedas tiveram maior oscilação em todas as situações, exceto quando com olhos fechados sobre superfície estável. Os resultados apontam que o aumento da instabilidade ML em idosas está mais associado ao histórico de quedas e não à presença de OA de joelhos. Existem estudos que apontam a instabilidade lateral como fator preditor de quedas em idosos. Entre as principais alterações dos parâmetros posturais avaliados pela plataforma de força, pode-se destacar a amplitude de oscilação ML do COP.18 Maki et al.25 sugeriram que o controle da estabilidade lateral pode ser uma variável importante para intervenções de prevenção de quedas em idosos. Nossos resultados corroboram esses estudos prévios, uma vez que o aumento da oscilação ML foi observado em idosas com histórico de quedas. Swanenburg et al.26 encontraram em seus resultados que a amplitude de DML em condição de tarefa única sobre plataforma de força foi um significativo preditor independente para quedas. O aumento da 516 oscilação ML observado pode ter sido causado por fraqueza de músculos abdutores do quadril.27 Na literatura não há consenso sobre quais parâmetros de oscilação do COP se apresentam aumentados na população idosa. Abrahamová e Hlavacka15 observaram que os parâmetros do COP apresentam aumento a partir dos 60 anos de idade, e que esse aumento é mais evidenciado pela velocidade e amplitude AP, sendo mais bem demonstrado sobre superfície instável com olhos fechados. Para Du Pasquier et al.,17 após realização de estudo longitudinal transversal, a velocidade de oscilação do corpo na direção AP é o fator que demonstra melhor o comprometimento da habilidade de manter a postura ortostática com o envelhecimento. Jeka et al.28 sugeriram que a capacidade de controlar a velocidade de deslocamento do COP tem papel importante no controle do equilíbrio. Entretanto, nossos resultados não evidenciaram diferenças nas velocidades de DAP e DML ao comparar os grupos. Nossos resultados mostraram que o grupo OA apresentou diferenças em relação ao grupo sem OA no deslocamento AP. Portanto, idosas com OA apresentam maior oscilação do COP em AP, e isso aumenta o risco de quedas nessa população. Entretanto, nessa amostra o fato de a idosa com OA já ter histórico de quedas não trouxe risco adicional para queda. Já o histórico de quedas interferiu no aumento da oscilação ML, sem relação com a presença ou não de OA. Isso aponta para a necessidade de abordagens específicas na reabilitação do equilíbrio de idosas com histórico de quedas e daquelas com OA de joelhos. Para idosas com OA de joelhos observa-se a possível necessidade de incluir, nos programas de reabilitação, exercícios para a melhora do equilíbrio semiestático por meio do treino das estratégias de movimento, incluindo tornozelo, quadril e passo. Já para as idosas com histórico de quedas parece mais importante enfatizar o fortalecimento dos músculos abdutores do quadril com a finalidade de aumentar a estabilidade ML. Nesta amostra não foi realizada a avaliação da força muscular, dado que ilustraria a associação entre diminuição da força muscular de abdutores e adutores de quadril com o aumento do deslocamento ML, situação encontrada por outros autores. Outros estudos, associando avaliação da força muscular ao equilíbrio, poderão responder a essas questões. Das limitações encontradas em nosso estudo podemos citar: o pequeno número amostral, embora essa dificuldade já tenha sido encontrada por outros estudos que utilizaram a plataforma de força como instrumento de avaliação do controle postural de idosas,18 a falta de análises dinâmicas do equilíbrio, e a ausência de avaliações da força muscular dos MMII. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):507-517 Parâmetros do controle postural em mulheres idosas com ou sem histórico de quedas associadas ou não à osteoartrite de joelhos Concluindo, nossos resultados mostraram que idosas portadoras de OA de joelho apresentam maior oscilação do COP na direção AP, enquanto idosas com histórico de quedas apresentam maior oscilação do COP na direção ML. AGRADECIMENTOS Agradecemos à Dra. Fabíola Reis Oliveira e à Unidade de Bioengenharia da FMRP/USP pela contribuição dada ao estudo. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. Owings TM, Grabiner MD. Variability of step kinematics in young and older adults. Gait Posture 2004; 20(1):26–9. 2. Brunt D, Santos V, Kim HD, Light K, Levy C. Initiation of movement from quiet stance: comparison of gait and stepping in elderly subjects of different levels of functional ability. Gait Posture 2005; 21(3):297–302. 3. Oliveira AS. Fisioterapia aplicada aos idosos portadores de doenças reumáticas. In: Rebelatto JR, Morelli JGS (eds.). 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J Neurophysiol 2004; 92(4):2368–79. 517 ARTIGO ORIGINAL Ausência de associação entre o genótipo CC do polimorfismo rs7903146 no gene TCF7L2 e artrite reumatoide Licia Maria Henrique da Mota1, Francieli de Souza Rabelo2, Francisco Aires Corrêa Lima2, Rodrigo Aires Corrêa Lima3, Jozélio Freire de Carvalho4, Gustavo Barcelos Barra5, Angélica Amorim Amato6 RESUMO Introdução: TCF7L2 é um fator de transcrição envolvido na sinalização Wnt/beta-catenina e tem uma variante conhecida por associar-se consistentemente com o risco de diabetes tipo 2. Alguns estudos também relataram sua associação com o risco de alguns tipos de câncer. Objetivo: Como essa via pode também estar envolvida na fisiopatologia de outras doenças inflamatórias crônicas, tais como artrite reumatoide, o objetivo deste estudo foi investigar o efeito do polimorfismo rs7903146 do gene TCF7L2 na gravidade da artrite reumatoide em uma população brasileira. Pacientes e métodos: Esse polimorfismo foi genotipado em 208 pacientes com artrite reumatoide e em 104 controles saudáveis. Analisou-se também a associação desse polimorfismo com história de tabagismo, classe funcional e indicadores radiológicos de gravidade da doença. Resultados: A distribuição dos genótipos CC, CT e TT do polimorfismo rs7903146 do gene TCF7L2 não diferiu entre pacientes e controles, nem se encontrou qualquer associação entre o genótipo e os indicadores de gravidade da doença ou história de tabagismo. Quando os dados foram avaliados usando-se o modelo dominante, no qual portadores dos genótipos CT e TT foram agrupados, observou-se um aumento do alelo T em pacientes com fator reumatoide positivo e erosões, embora não significativo. A frequência do alelo T também estava aumentada nos pacientes com classe funcional II quando comparados àqueles com classe I (P = 0,032). Conclusão: É possível que o pequeno número de pacientes incluído neste estudo tenha dificultado achados adicionais. Outros estudos são, portanto, necessários para que se investigue o papel das variantes do gene TCF7L2 no risco de artrite reumatoide e sua gravidade. Palavras-chave: proteínas Wnt, artrite reumatoide, código genético, polimorfismo genético. © 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória sistêmica crônica e progressiva de etiologia desconhecida. Envolve primariamente a membrana sinovial, podendo levar à destruição de osso e cartilagem.1 A AR afeta cerca de 0,5%–1% da população mundial, podendo chegar a 5%, dependendo da idade e do grupo étnico estudado.2 A despeito dos importantes avanços no tratamento da AR nas últimas décadas devido ao desenvolvimento de exames laboratoriais e de imagem apropriados, tais exames ainda apresentam um valor limitado para o diagnóstico precoce da AR e para a definição de prognóstico individual, o que pode limitar o efeito terapêutico dos medicamentos disponíveis.3 Melhor compreensão dos fatores fisiopatológicos relacionados à doença seria de grande valor para o estabelecimento de tratamento precoce e eficaz. Recebido em 05/09/2011. Aprovado, após revisão, em 08/05/2012. GBB declara ser pesquisador no Laboratório Sabin de Análises Clínicas S.A. Os demais autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Comitê de Ética: 2008 E23. Serviço de Reumatologia e Serviço de Endocrinologia Sabin Laboratório de Análises Clínicas; Hospital Universitário de Brasília – HUB. 1. Doutora em Ciências Médicas, Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília – FMUnB; Professora Colaboradora de Clínica Médica e do Serviço de Reumatologia, FMUnB 2. Reumatologista, Hospital Universitário de Brasília – HUB 3. Reumatologista, HUB e Hospital de Base do Distrito Federal 4. Doutor em Reumatologia, Centro Médico, Hospital Aliança, Salvador, Bahia 5. Pesquisador no Laboratório Sabin de Análises Clínicas S.A. 6. Endocrinologista; Doutora em Ciências da Saúde, Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília – FCSUnB; Professora-Adjunta da Faculdade de Farmácia, UnB Correspondência para: Licia Maria Henrique da Mota. Centro Médico de Brasília. SHLS 716 – bloco E – salas 501/502. Brasília, DF, Brasil. CEP: 70390-904. E-mail: [email protected] Rev Bras Reumatol 2012;52(4):518-528 523 Mota et al. Vários estudos enfatizaram o importante papel desempenhado pelas células sinoviais fibroblasto-like ativadas (FLS) na patogênese da AR, uma vez que uma população de FLS hiperplásicas poderia promover infiltração leucocitária e retenção.4 A sinóvia reumatoide acaba por transformar-se em um pannus que destrói a cartilagem articular e o osso.4 Os mecanismos subjacentes envolvidos na ativação de FLS ainda permanecem desconhecidos. Foi sugerido que a via de sinalização Wingless (Wnt) – Frizzled (Fz) poderia ter importância na ativação autônoma de FLS.4 De fato, os genes que codificam proteínas na via de sinalização Wnt-Fz apresentam alta expressão nos tecidos sinoviais na AR. 4 Wnt é uma família de glicoproteínas secretadas que se ligam a receptores acoplados à proteína G da superfície celular da família Fz para induzir cascatas intracelulares envolvidas com crescimento e diferenciação celular.5 Recentemente sugeriu-se que tais cascatas também poderiam contribuir para iniciar um fenótipo FLS ativado em um processo de manutenção celular após lesão articular,6 e tal ativação de FLS poderia levar ao acúmulo de quinases ativadas e fatores de transcrição e crescimento que pudessem orientar a patogênese da AR.5 Foram reconhecidas duas vias diferentes Wnt-Fz: as vias de sinalização canônica (ou dependente de β-catenina) e a não canônica (ou independente de β-catenina).5 Uma das proteínas da cascata intracelular ativada por sinalização dependente de β-catenina é o fator de transcrição 7-like 2 (TCF7L2), que recentemente foi foco de vários estudos sobre doenças humanas, pois algumas variantes comuns do gene TCF7L2 foram associadas ao risco de se desenvolver diabetes tipo 2 (DT2)6 e certos tipos de câncer.7–9 O TCF7L2 codifica o TCF4, um fator de transcrição envolvido na via de sinalização Wnt/β-catenina, e desempenha um papel crítico na embriogênese e no controle de proliferação e diferenciação celular, estando também envolvido em diversos processos fisiológicos na vida adulta.10 Estudos recentes associaram o polimorfi smo rs7903146 no gene TCF7L2 ao risco de desenvolvimento de DT2, possivelmente pelo comprometimento da função de células beta-pancreáticas.11–14 Além disso, uma forte correlação entre DT2 e o alelo T do polimorfismo rs7903146 no gene TCF7L2 foi descrita na Dinamarca, nos Estados Unidos e na Islândia.7,15 Essa mesma correlação foi verificada em outras populações, como na Ásia oriental, Europa, África ocidental e Escandinávia.16–19 Essa variante genética também foi associada ao risco de neoplasias malignas de próstata,20 cólon8 e mama.9 524 Sugere-se ainda o envolvimento da via Wnt na resposta inflamatória e na fisiopatologia da doença inflamatória crônica, como é o caso da AR.4 O complexo Wnt/Fz é responsável por controlar a formação de tecido na embriogênese e durante o desenvolvimento dos membros e a formação das articulações.4 Sen et al.21 estudaram o papel de um dos pares receptor-ligante da via de sinalização Wnt-Fz, principalmente Wnt-5A e Fz5, na ativação de FLS, que resulta na produção de citocinas inflamatórias e quimiotáticas nas articulações de pacientes com AR. O bloqueio da sinalização Wnt-5A/Fz5 diminui a expressão de citocinas induzidas por IL6 e IL15, tal como RANKL, e até reduz a ativação sinovial.21 Um outro estudo demonstrou que a ativação da sinalização Wnt em condrócitos induz à degradação da matriz cartilaginosa, que é semelhante ao que ocorre na osteoartrite e na AR.22 Vários estudos sugeriram que a sinalização Wnt aumenta a formação óssea por meio da regulação da proliferação e da diferenciação de osteoblastos e osteoclastos.23 Além disso, a sinalização Wnt pode promover estimulação da expressão da osteoprotegerina nos osteoblastos. Como a osteoprotegerina inibe a diferenciação de osteoclastos, a sinalização pode aumentar parcialmente a massa óssea ao bloquear a reabsorção óssea pelos osteoclastos.23 A ativação do sistema imune antes do início das manifestações clínicas da doença sugere que a AR clínica já represente uma doença crônica. Alguns estudos mostraram que o tratamento das doenças autoimunes, quando iniciado o mais cedo possível, antes do desenvolvimento das manifestações da doença, pode retardar a progressão da doença e melhorar o prognóstico do paciente.24,25 Assim, os genes que codificam proteínas da via de sinalização Wnt são possíveis candidatos, cujas variantes poderiam estar relacionadas ao risco de desenvolver doença ou à sua gravidade. Os mecanismos subjacentes à associação dos polimorfismos TCF7L2 com o risco de DT2 e neoplasias malignas ainda são pouco claros. Considerando-se que tais doenças têm em comum com a AR um componente de resposta inflamatória, e considerando-se o papel da via de sinalização Wnt-Fz nessa resposta, a investigação da frequência de variantes comuns TCF7L2 nas doenças inflamatórias sistêmicas, como AR, poderia contribuir para melhorar o entendimento dos mecanismos envolvidos no risco aumentado de doença em situações de expressão anormal do gene TCF7L2.26 Dados os possíveis benefícios, propôs-se um estudo caso-controle para avaliar a associação entre o polimorfismo rs7903146 de nucleotídeo único do gene TCF7L2 e a atividade de AR. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):518-528 Ausência de associação entre o genótipo CC do polimorfismo rs7903146 no gene TCF7L2 e artrite reumatoide PACIENTES E MÉTODOS Pacientes Após aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Brasília (CEP/UnB), os pacientes selecionados foram informados sobre o conteúdo e o objetivos da pesquisa, os benefícios esperados, a liberdade de recusa e a garantia de confidencialidade e privacidade. Aqueles que concordaram em participar assinaram o termo de consentimento livre e informado. Um total de 208 pacientes com AR atendidos no Ambulatório de Artrite Reumatoide do Hospital Universitário de Brasília foi selecionado por conveniência para o estudo. Eles atendiam aos critérios classificatórios para AR do American College of Rheumatology (ACR 1987). Os seguintes dados dos pacientes foram obtidos a partir de questionário ou retrospectivamente, por meio de consulta ao prontuário médico: idade, gênero, histórico pessoal de DT2, histórico de tabagismo, idade na ocasião do diagnóstico de AR, tempo desde o diagnóstico de AR e classificação do status funcional. Os resultados da dosagem do fator reumatoide (FR) no soro também foram obtidos por revisão dos prontuários médicos; em todos os pacientes, o FR foi medido por nefelometria, e valores acima de 15 UI/mL foram considerados positivos. Dados radiográficos também foram obtidos e incluíram a presença de erosão nas mãos, pulsos, pés e tornozelos dos pacientes. Integrantes da equipe de radiologia do Hospital Universitário de Brasília, que realizam rotineiramente tais exames, avaliaram as imagens. Associação com polimorfismo foi averiguada por meio dos testes qui-quadrado ou de verossimilhança.29 O teste qui-quadrado foi usado para avaliar se a frequência do genótipo observada era consistente com o equilíbrio de Hardy-Weinberg. Modelos de regressão logística foram implementados para cada um dos seguintes dados, controlados para idade e gênero: histórico de tabagismo, classe funcional e erosões na radiografia. Os modelos também estimaram a razão de chance com seus respectivos intervalos de confiança de 95%.30 O nível de significância adotado foi P < 0,05. RESULTADOS Este estudo incluiu 208 pacientes com diagnóstico de AR com idade média de 51,55 ± 13,19 anos, dos quais a maioria era mulheres (87,5%). A idade média por ocasião do diagnóstico foi de 37,3 anos, e o tempo médio de doença foi de 8,1 anos, avaliado pelo tempo desde o diagnóstico. A distribuição do genótipo do polimorfismo rs7903146 do gene TCF7L2 foi 47,6% CC, 45,2% CT e 7,2% TT, consistente com o equilíbrio de Hardy-Weinberg. Isso resultou nas seguintes frequências de alelos: alelo C, 70,2%; e alelo T, 29,8% (Tabela 1). Não foram observadas diferenças estatísticas entre os genótipos CC, CT e TT e os seguintes indicadores de gravidade da doença reumatoide: tabagismo (P = 0,691); FR (P = 0,418); Tabela 1 Distribuição genotípica de acordo com os grupos-controle e de pacientes Grupo Coleta, purificação e genotipagem de DNA Uma amostra de 5 mL de sangue venoso foi obtida a partir de punção de veia periférica usando-se material descartável; o sangue armazenado em recipientes continha EDTA. A amostra foi coletada no ambulatório ou no laboratório. O DNA foi extraído das amostras pelo método Chelex-100,27 e a genotipagem do polimorfismo rs7903146 foi conduzida pela reação em cadeia da polimerase aleloespecífica (PCR-AE). Os primers e as condições foram anteriormente descritos.28 Variável Os dados obtidos foram submetidos a testes estatísticos apropriados. As variáveis tabagismo, FR, erosões e classe funcional foram descritas nos pacientes de uma análise polimórfica usando-se frequências absolutas e relativas. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):518-528 AR N Total % N P N % % Masculino 62 59,6 26 12,5 88 28,2 Feminino 42 40,4 182 87,5 224 71,8 CC 43 41,3 99 47,6 142 45,5 CT 45 43,3 94 45,2 139 44,6 TT 16 15,4 15 7,2 31 9,9 43 41,3 99 47,6 142 45,5 Gênero < 0,001 Genótipo TCF7L2 0,07 Genótipo TCF7L2 CC CT ou TT Análise estatística Controle Total 0,296 61 58,7 109 52,4 170 54,5 104 100 208 100 312 100 131 63,0 292 70,2 423 67,8 77 37,0 124 29,8 201 32,2 208 100 416 100 624 100 Alelo C T Total 0,069 AR: artrite reumatoide. 525 Mota et al. presença de erosões (P = 0,261) e classes funcionais I, II, III e IV (P = 0,328) (Tabela 2). Os dados também foram avaliados usando-se o modelo dominante, no qual portadores dos genótipos CT e TT foram agrupados para análise de regressão logística com controle de gênero e idade (Tabela 3). Um aumento não significativo foi observado na probabilidade de surgimento do alelo T em pacientes Tabela 2 Distribuição genotípica e correlação com tabagismo e indicadores da gravidade da doença nos pacientes Genótipo TCF7L2 Variável CC CT TT Total P N % N % N % N % Não 62 62,6 62 66,0 11 73,3 135 64,9 Sim 37 37,4 32 34,0 4 26,7 73 35,1 Não 29 31,2 21 22,8 3 23,1 53 26,8 Sim 64 68,8 71 77,2 10 76,9 145 73,2 Não 54 56,3 48 51,1 11 73,3 113 55,1 Sim Classe funcional I 42 43,8 46 48,9 4 26,7 92 44,9 Tabagismo 0,691 FR 0,418* Erosões 0,261 0,328* 44 44,4 30 31,9 6 40,0 80 38,5 II 25 25,3 36 38,3 6 40,0 67 32,2 III 18 18,2 21 22,3 2 13,3 41 19,7 IV 12 12,1 7 7,4 1 6,7 20 9,6 FR: fator reumatoide. *Resultado do teste de verossimilhança. que apresentavam positividade para FR e erosões. Entretanto, na análise da classe funcional houve um aumento na frequência do alelo T em pacientes em classe funcional II quando comparados àqueles em classe funcional I (P = 0,032). Para as demais classes funcionais, um aumento estatisticamente significativo na probabilidade de surgimento do polimorfismo não foi observado (P = 0,247 e P = 0,675 para classes III e IV, respectivamente). DISCUSSÃO Este estudo foi pioneiro na avaliação de associação entre o genótipo CC do polimorfismo rs790146 no gene TCF7L2 e algumas características da AR. Embora não se tenha encontrado uma associação entre AR e o polimorfismo rs7903146 no gene TCF7L2, nossos resultados sugerem uma tendência, ainda que não estatisticamente significativa, de que o alelo T seja menos representado no grupo de pacientes que no grupo-controle. Neste estudo, um aumento não significativo na frequência do alelo C do polimorfismo rs7903146 no gene TCF7L2 foi encontrado em pacientes com AR. Uma correlação estatisticamente relevante foi observada entre o alelo T e a classe funcional II de AR. O significado de tais achados é incerto; o reduzido número de pacientes incluídos neste estudo pode ter contribuído, assim como o fato de que o grupo-controle tenha sido selecionado por conveniência e, portanto, não pareado com o grupo de pacientes. Até onde sabemos, não ficou demonstrado que as frequências alélicas do polimorfismo rs7903146 no gene Tabela 3 Distribuição genotípica e correlação com tabagismo e indicadores da gravidade da doença nos pacientes, ajustados para gênero e idade (regressão logística) Genótipo TCF7L2 Variável CC CT ou TT OR* N % N % Não 62 62,6 73 67 1 Sim 37 37,4 36 33 0,83 Não 29 31,2 24 22,9 1 Sim 64 68,8 81 77,1 1,53 Não 54 56,3 59 54,1 1 Sim 42 43,8 50 45,9 1,09 95% IC OR** 95% IC P 0,47-1,46 0,81 0,44-1,48 0,485 0,81-2,88 1.5 0,79-2,84 0,214 0,63-1,89 1,13 0,65-1,98 0,668 0,032 Tabagismo FR Erosões Classe funcional I 44 44,4 36 33 1 II 25 25,3 42 38,5 2,05 1,06-3,98 2,11 1,07-4,19 III 18 18,2 23 21,1 1,56 0,73-3,33 1,59 0,73-3,46 0,247 IV 12 12,1 8 7,3 0,81 0,3-2,21 0,8 0,27-2,31 0,675 FR: fator reumatoide. *Não ajustado; **Ajustado para gênero e idade. 526 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):518-528 Ausência de associação entre o genótipo CC do polimorfismo rs7903146 no gene TCF7L2 e artrite reumatoide TCF7L2 variam de acordo com gênero ou grupo étnico, exceto na população chinesa, na qual foi mostrado que a frequência do alelo T do polimorfismo rs7903146 é baixa.31 As frequências alélicas encontradas no grupo-controle do presente estudo são semelhantes àquelas descritas em indivíduos saudáveis incluídos nos grupos-controle de outros estudos envolvendo aquele polimorfismo. Entretanto, as diferenças de gênero e idade média entre os grupos de pacientes e controle neste estudo são limitações importantes, pois a AR é mais comum em mulheres após os 40 anos. Isso pode ter impedido o achado de possíveis diferenças genotípicas entre eles. Este é provavelmente o primeiro estudo que avaliou a correlação entre a variante TCF7L2 e a doença reumatológica. Além disso, é o primeiro a demonstrar a associação de um polimorfismo daquele gene com a classe funcional da AR. Embora este estudo tenha muitas limitações que impedem conclusões definitivas sobre o significado desses achados, abrem-se novas perspectivas para a investigação da fisiopatologia da AR. Estudos adicionais são necessários para a confirmação desses resultados e o esclarecimento do papel do gene TCF7L2 no risco de AR e na determinação de sua gravidade. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. AGRADECIMENTOS Agradecemos a todos que participaram da execução deste estudo: Jamille Nascimento Carneiro, Luciana Alves Almeida, Regina Alice Fontes Von Kirchenheim, Talita Yokoy, Ana Cristina V Oliveira, Clarissa Ferreira de Castro, Rodrigo Aires Corrêa Lima, Ludmila Alves Sanches Dutra, Patrícia Godoy Garcia Costa, Lara Franciele Ribeiro Velasco, Lídia Freire Abdalla, Janete Ana Ribeiro Vaz, Sandra Santana Soares Costa, Deborah Souza Rabelo e Daniel V. Oliveira. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. van der Horst-Bruinsma IE, Speyer I, Visser H, Breedveld FC, Hazes JM. Diagnosis and course of early-onset arthritis: results of a special early arthritis clinic compared to routine patient care. Rev Bras Reumatol 1998; 37:1084–8. Keen HI, Emery P. How should we manage early rheumatoid arthritis? From imaging to intervention. Curr Opin Rheumatol 2005; 17(3):280–5. Cabral D, Katz JN, Weinblatt ME, Ting G, Avorn J, Solomon DH. 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Bautista4, Diego Jaimes Fernandez5, Julitte de Avila Quiroga6, Rafael Valle-Oñate7, Ana María Santos8, Juan Francisco Medina9 RESUMO Introdução: Biomarcadores séricos, tradicionalmente associados à atividade inflamatória e mau prognóstico em doenças reumáticas, não apresentam a mesma relação nas espondiloartrites. Objetivo: Estabelecer uma associação entre os níveis séricos de biomarcadores com a presença de fatores associados com a atividade clínica e com o mau prognóstico nas espondiloartropatias. Métodos: Sessenta e dois pacientes (13 com artrite reativa, 19 com espondilite anquilosante e 30 com espondiloartropatia indiferenciada) foram comparados a 46 controles sadios. Foram realizadas avaliações clínicas, radiológicas e laboratoriais. Os resultados foram analisados de acordo com a presença de uveíte, entesite, lombalgia inflamatória, artrite, HLA-B27 e comprometimento das articulações sacroilíacas. Os biomarcadores utilizados foram: VHS, PCRus, SAA, LBP, FSC-M e MMP-3, além da dosagem dos níveis séricos das citocinas: IL-17, IL-6, IL-1α, TNF-α, IFN-γ, e IL-23. Resultados: Quarenta e três (69,4%) pacientes eram homens. A média de idades foi de 31,9 ± 9,9 anos, enquanto a idade média para o aparecimento dos sintomas foi de 26,9 ± 7,3 anos. HLA-B27 foi positivo em 26 (41,9%) dos pacientes, lombalgia inflamatória esteve presente em 42 (67,7%), artrite em 44 (71,0%) e entesite em 34 (54,8%) pacientes. Os níveis séricos de IL-17, IL-23, TNF-α, IL-6, IL-1α e PCRus foram mais elevados em pacientes com espondiloartropatia em comparação com os controles. Os valores de PCRus (P = 0,04), IL-6 (P = 0,003), IL-1α (P = 0,03), e LBP (P = 0,03) se associaram de maneira significativa com presença de HLA-B27, dor lombar inflamatória e artrite. Conclusão: O aumento dos níveis séricos de PCRus, IL-6, IL-1α e LBP apresentaram associação com fatores relacionados a atividade clínica e mau prognóstico em pacientes com espondiloartrites. Palavras-chave: espondiloartrite, espondiloartropatias, artrite reativa, espondilite anquilosante, espondiloartrite anquilosante, doenças reumatológicas, entesite, dor lombar, artrite, biomarcadores © 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO Espondiloartrite (EpA) é um grupo heterogêneo de doenças inflamatórias crônicas que compartilham manifestações clínicas e radiológicas. Essas doenças estão associadas à presença de antígeno leucocitário humano B27 (human leukocyte antigen, HLA-B27), que leva a uma tendência para associação familiar.1–3 As doenças a seguir compreendem EpA: espondilite Recebido em 17/10/2011. Aprovado, após revisão, em 08/05/2012. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Comitê de Ética: Faculdade de Medicina da Universidade de La Sabana. Suporte Financeiro: Universidade de La Sabana. Universidade de La Sabana; Universidade de Navarra. 1. Médico, PhD(c), Universidade de Navarra, Universidade de La Sabana 2. PhD., Imunologia, Hospital Militar Central, Universidade de La Sabana; Instituto UIBO, Universidade del Bosque 3. Médico, Reumatologia, Hospital Militar Central, Universidade de La Sabana 4. Médico, Reumatologia, Hospital Militar Central, Universidade Militar de Nova Granada 5. Médico, MsC (c), Reumatologia, Hospital Militar Central, Universidade de La Sabana 6. MsC., Imunologia, Universidade del Bosque 7. Médico, Reumatologia, Hospital Militar Central; Professor da Universidade de La Sabana 8. Aluna de Pós-Graduação, Departamento de Biologia, Universidade de Los Andes 9. Médico, PhD, Centro de Pesquisas Médicas Aplicadas na Área de Geneterapia e Hepatologia – CIMA; Professor de Medicina Interna, Universidade de Navarra Correspondência para: John Londono. Campus Universitario del Puente del Comun, Km 7 – Autopista Norte de Bogota, D.C. P.O.Box: 250001. Chia, Cundinamarca, Colombia. E-mail: [email protected] 536 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):529-544 Associação entre os níveis séricos de potenciais biomarcadores com a presença de fatores relacionados à atividade clínica e ao mau prognóstico em espondiloartrites anquilosante (EA), artrite reativa (ARe), artrite psoriásica (APs), artrite associada a doença inflamatória intestinal e espondiloartrite indiferenciada (EpAi).4 A apresentação clínica da EpA caracteriza-se por comprometimento de articulações do esqueleto axial e periférico, entesite e manifestações extra-articulares. Em conjunto com a EA, a EpAi é o subtipo mais comum, com prevalência entre 0,7% e 2,0% na população geral.3 Tradicionalmente, o subtipo de doença e sua progressão, com o passar do tempo, têm sido correlacionados com fatores prognósticos como raça, gênero, idade por ocasião do surgimento e envolvimento precoce do esqueleto axial.5–7 Em estudos realizados na América Latina, os tipos mais frequentes de EpA apresentados foram EpAi e ARe. Os estágios iniciais dessas doenças estão associados ao comprometimento inflamatório articular e à entesite dos membros inferiores.7–9 Algumas características relacionadas ao surgimento da doença, como idade de surgimento, HLA-B27, duração dos sintomas do primeiro episódio e gênero masculino, entre outras, podem determinar a expressão clínica e a evolução da EpA. Em geral, os homens apresentam formas mais graves e exibem maior comprometimento axial, enquanto as mulheres têm maior comprometimento articular periférico e menos sacroiliíte.2 Nos casos de EA juvenil, o comprometimento da articulação do quadril é considerado fator para mau prognóstico a longo prazo.9 Outros marcadores de gravidade da doença são: velocidade de hemossedimentação (VHS) > 30 mm/hora, baixa resposta a agentes anti-inflamatórios não esteroidais (AINE), amplitude de movimento limitada, limitação da coluna vertebral lombar, dactilite, oligoartrite e idade no surgimento da doença inferior a 16 anos.10 Existe predisposição genética para ocorrência da doença, o que fica evidenciado por sua robusta associação com HLA-B27, especialmente no caso de EA, em que 90% dos pacientes são positivos para esse alelo.11 Pacientes com EpA e HLA-B27 exibem sintomas articulares mais graves e prolongados, maior comprometimento axial dos quadris e manifestações extra-articulares mais frequentes – por exemplo, uveíte e envolvimento cardíaco. Recentemente, estudos genômicos de pacientes com EA identificaram e validaram outros loci, além do HLA-B27, envolvidos na patogênese dessa doença. Tais genes são a aminopeptidase 1 do retículo endoplasmático (ERAP-1), o receptor interleucina 23 (IL-23R), o receptor IL-1 (IL-1RII) e dois loci que codificam genes desconhecidos. O risco atribuído a populações com os três genes associados é de 90%, 26% e 1%, respectivamente.12–14 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):529-544 Os principais desafios para o tratamento da EpA estão ligados à falta de biomarcadores associados à atividade da doença, e também à impossibilidade de prever a lesão articular e a resposta ao tratamento. Estudos recentemente publicados concentraram-se na possível contribuição de marcadores biológicos solúveis que foram selecionados com base no presente entendimento de seu papel na inflamação e/ou de sua associação com a remodelagem da matriz articular.15 Os biomarcadores podem dar informações que esclarecem o prognóstico, a atividade da doença e a patogênese da EpA.16 A VHS e a proteína C-reativa (PCR) são dois biomarcadores atualmente utilizados para a avaliação da atividade inflamatória da doença. Mas esses biomarcadores não possuem as melhores características de especificidade, sensibilidade e reprodutibilidade. Esses marcadores da inflamação oferecem baixa correlação com o grau de atividade em pacientes com EpA.17 Recentemente, foram propostos outros biomarcadores para atividade de EpA, inclusive metaloproteinase 3 (MMP-3),18 IL-1α,19 IL-6,20 fator estimulador de colônia de macrófago (M-CSF)21 e proteína de ligação de lipopolissacarídeo (LBP).22 A IL-17 situa-se entre os biomarcadores recentemente avaliados, mas não foi informada associação com a atividade da doença.12 No entanto, recentemente foram descritos níveis séricos de IL-17 e IL-23 significativamente elevados em pacientes com EA em comparação a controles saudáveis, sugerindo que essas duas citocinas desempenham papéis críticos na patogênese da EA.23 O objetivo deste estudo foi estabelecer a associação entre biomarcadores potenciais para EpA com a presença de fatores associados à atividade e mau prognóstico em pacientes nos estágios iniciais da doença. PACIENTES E MÉTODOS Amostras de sangue foram coletadas de 62 pacientes com diagnóstico de EpA, de acordo com os critérios de classificação estabelecidos pelo European Spondyloarthritis Study Group (ESSG, Grupo Europeu de Estudo da Espondiloartrite).24 Desses pacientes, 43 eram homens e 19 mulheres, e os pacientes foram coletados consecutivamente e conforme a conveniência. Os pacientes compareceram na Clínica de EpA do Hospital Militar Central entre janeiro de 2010 e maio de 2011. Treze indivíduos foram diagnosticados com ARe, com base na proposta para diagnóstico descrita no Terceiro Workshop Internacional sobre ARe em Berlim.25 Dezenove pacientes foram diagnosticados com EA com base nos critérios modificados de Nova Iorque, e 30 pacientes foram diagnosticados com EpAi 537 Londono et al. em conformidade com os critérios de classificação do ESSG. Por ocasião do estudo, todos os pacientes receberam AINE e sulfasalazina (1,5–2 g/dia). Nenhum dos pacientes recebeu tratamento com agentes biológicos ou com glicocorticoides intra-articulares ou sistêmicos. Quarenta e seis indivíduos saudáveis foram incluídos no estudo, como controles. As amostras séricas dos controles saudáveis participantes foram obtidas no banco do Hospital Militar Central de indivíduos sem doenças inflamatórias, autoimunes ou infecciosas, e foram levados em consideração o gênero e a idade. O estágio da atividade da doença foi medido pelo índice Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activity Index (BASDAI),26 e o estado funcional foi avaliado pelo índice Bath Ankylosing Spondylitis Functional Index (BASFI).27 Todas as medidas relacionadas à atividade da doença e à função física dos pacientes foram realizadas conforme recomendação da Assessment of SpondyloArthritis International Society (ASAS).28 Todos os pacientes receberam AINE e sulfassalazina, mas nenhum recebeu terapia biológica ou corticoides intra-articulares ou sistêmicos. Amostras séricas As amostras séricas foram preparadas a partir de 3 mL de sangue venoso sem anticoagulante, em conformidade com a técnica de rotina. Todas as amostras (soros de pacientes com EpA e participantes saudáveis) foram centrifugadas durante 10 minutos a 2.500 rpm, e foram subsequentemente congeladas a –80o C até sua avaliação, com um lapso de tempo não superior a dois meses após sua obtenção. As amostras séricas de pacientes e controles foram coletadas e processadas simultaneamente em intervalos de tempo. Da mesma forma, as amostras de sangue foram coletadas simultaneamente com os parâmetros de atividade clínica. Ensaio imunoadsorvente ligado à enzima (ELISA) Os níveis séricos foram determinados para IL-23, MMP-3, amiloide sérico A (SAA) e M-CSF (R & D Systems) por ELISA utilizando anticorpos pareados de acordo com as recomendações do fabricante. As amostras séricas foram analisadas em duplicada. Os valores para cada citocina em um grupo de participantes foram expressos na forma de médias ± DP em pg/mL. Os níveis de proteína C-reativa ultrassensível (PCRus) e de LBP foram analisados por quimioluminescência. No mesmo dia foram realizadas comparações entre amostras. O valor de referência que considerou positivo o PCRus foi 0,9 mg/dL. O projeto foi realizado sob os princípios da Declaração de Helsinque, tendo sido aprovado pela Comissão de Ética da instituição. Todos os participantes tinham previamente assinado um formulário de consentimento informado, e a confidencialidade foi mantida. Análise estatística Na análise dos dados utilizou-se o pacote estatístico SPSS 17.0 para Windows. Para a avaliação das variáveis contínuas foram utilizadas medidas de tendência central e de dispersão; para a comparação entre grupos de variáveis quantitativas com distribuição paramétrica foi utilizado o teste t de Student para amostras independentes. As variáveis categóricas foram apresentadas em gráficos de frequência e percentuais; quando necessários, foram utilizados os testes do qui-quadrado e exato de Fisher para comparação dos grupos. Consideramos um valor P < 0,05 como estatisticamente significativo. Levamos em consideração a distribuição por gênero e a idade média dos pacientes e dos controles, mas não foi realizada uma análise pareada. RESULTADOS Análise de citometria de fluxo Na citometria de fluxo, utilizou-se um Cytometric Bead-Array (CBA Flex Set) para medir os níveis séricos de citocinas (IL-17, IL-6, IL-1α, TNF-α e INF-γ). As pérolas de captura, os anticorpos de detecção conjugados com PE, os controles e as amostras séricas dos pacientes e dos controles saudáveis foram incubados conjuntamente para formar complexos em sanduíche. As amostras foram coletadas com o uso de um citômetro de fluxo FACS Canto II™. Os dados foram adquiridos com o programa FACS DIVA, e os resultados foram gerados em formato gráfico e tabular utilizando o programa BD FCAP, criando um gate marcador com base em 1.800 eventos de controle para cada citocina; os níveis estão expressos como médias ± desvio padrão (DP) em pg/mL. 538 Características gerais da população Os dados demográficos, informações gerais e características relacionadas à doença de todos os 62 pacientes estão ilustrados na Tabela 1. Histórico ligado ao surgimento da doença Os sintomas mais frequentes no início da doença foram artrite e dor lombar inflamatória (DLI), seguidos por entesopatia (Tabela 2). Atividade da doença Por ocasião da avaliação dos pacientes, a atividade da doença foi classificada como moderada ou grave para a maioria dos Rev Bras Reumatol 2012;52(4):529-544 Associação entre os níveis séricos de potenciais biomarcadores com a presença de fatores relacionados à atividade clínica e ao mau prognóstico em espondiloartrites Tabela 3 Variáveis clínicas relacionadas à atividade da doença Tabela 1 Dados demográficos (espondiloartrite, n = 62) Atividade da doença determinada pelo examinador, EVA 0–10* 5,4 ± 2,0 5,01 ± 5,7 Atividade da doença determinada pelo paciente, EVA 0–10* 6,5 ± 2,4 43 (69,4) Rigidez matinal (min) 46,3 ± 35,7 Relação de gênero, M:F 3:1 Teste de Schober** 4,9 ± 5,5 HLA-B27 (+) 26 (41,9) Expansão torácica* (cm) 4,2 ± 1,3 EA 20 (32) Distância entre o occipúcio e a parede* (cm) 0,05 ± 0,4 EpAi 29 (47) Teste de Patrick** 27 (43,5) 13 (21) Envolvimento periférico** 38 (61,3) Envolvimento axial** 7 (11,3) Envolvimento misto** 4 (6,5) BASDAI* 6,1 ± 2,0 BASFI* 5,8 ± 2,3 PCRus (mg/L)* 9,4 ± 16,5 VHS (mm/hora)* 13,5 ± 13,8 Idade* (anos) 31,9 ± 9,9 Idade no surgimento dos sintomas* (meses) 26,9 ± 7,3 Tempo de evolução* (anos) Gênero, M (%) ARe *Média ± DP. EA: espondilite anquilosante; EpAi: espondiloartrite indiferenciada; ARe: artrite reativa. Tabela 2 Sintomas presentes no início da doença (espondiloartrite, n = 62) Dor lombar inflamatória 67,7% Artrite 71,0% Entesite 54,8% Infecção – diarreia 29,0% Uveíte – anterior 12,9% Dor glútea 17,7% Dactilite 19,4% pacientes (atividade moderada se BASDAI caísse entre 4–6,9, e grave se BASDAI ≥ 7). O padrão de comprometimento da doença foi distribuído como se segue: 38 (61,3%) pacientes exibiam envolvimento periférico, sete (11,3%) tinham envolvimento axial e quatro (6,5%) pacientes exibiam envolvimento misto (Tabela 3). Os diferentes marcadores séricos quantificados nos pacientes e nos controles estão descritos nas Tabela 4 e 5. Dentro de cada marcador sérico associado com inflamação (IL-17, IL-23, TNF-α, IL-6, IL-1α e PCRus) foram observadas diferenças estatisticamente significativas em comparação aos controles, e os níveis de citocinas estavam mais altos em pacientes com EpA. Os níveis de IFN-γ, MMP-3, SAA e M-CSF também estavam mais elevados em pacientes com EpA, em comparação aos controles – mas essas diferenças não foram estatisticamente significativas (Tabela 4). Os dados para atividade dos marcadores clínicos e biológicos estão descritos na Tabela 5. Os diferentes marcadores de inflamação foram correlacionados com fatores para mau prognóstico no início da doença, inclusive HLA-B27 e os precedentes de DLI e artrite, conforme mostra a Tabela 6. A expressão de marcadores, por exemplo, PCRus (P = 0,04), IL-6 (P = 0,003), IL-1α (P = 0,03) e LBP Rev Bras Reumatol 2012;52(4):529-544 *Média ± DP **Frequência n (%) PCRus: proteína C-reativa ultrassensível; VHS: velocidade de hemossedimentação. Tabela 4 Comparação de marcadores séricos de inflamação em pacientes com espondiloartrite e em controles saudáveis Marcador EpA (n = 62) Controles (n = 46) P IL-17 (pg/mL) 52,54 ± 87,12 13,73 ± 26,40 0,000 IL-23 (pg/mL) 4,76 ± 2,93 3,12 ± 0,717 0,000 TNF-α (pg/mL) 24,20 ± 36,35 15,95 ± 12,67 0,000 IL6 (pg/mL) 48,24 ± 73,73 20,14 ± 4,56 0,000 IFN-γ (pg/mL) 0,88 ± 2,95 0,56 ± 1,22 0,615 IL-1α (pg/mL) 46,0 ± 23,22 42,23 ± 30,84 0,001 MMP-3 (ng/mL) 21,42 ± 21,83 18,05 ± 9,96 0,900 SAA (ng/mL) 853,7 ± 946,2 282,49 ± 371,94 0,001 M-CSF (pg/mL) 102,48 ± 67,86 34,74 ± 33,40 0,001 LBP (µg/mL) 7,54 ± 3,71 3,5±1,8 0,045 VHS (mm/hora) 17,08 ± 13,87 3,8 ± 0,7 0,003 PCRus (mg/L) 8,31 ± 16,7 1,13 ± 0,88 0,020 Os resultados estão expressos em média ± DP. EpA: espondiloartrite; IL: interleucina; TNF-α: fator-alfa de necrose tumoral; INF-γ: interferon gama; MMP-3: metaloproteinase 3; SAA: amiloide sérico A; M-CSF: fator estimulante de colônia de macrófagos; LBP: proteína de ligação de lipopolissacarídeo; VHS: velocidade de hemossedimentação; PCRus: proteína C-reativa ultrassensível. (P = 0,03), foi significativamente maior em pacientes que se apresentaram com fatores de mau prognóstico associados ao início da doença versus pacientes que não se apresentaram com fatores de mau prognóstico (Tabela 6). 539 Londono et al. Tabela 5 Dados de atividade no grupo de espondiloartrite e subtipos EpA EA EpAi ARe BASDAI 6,1 ± 2,0 6,4 ± 2,0 6,2 ± 1,6 5,7 ± 2,7 BASFI 5,8 ± 2,3 5,4 ± 2,3 5,9 ± 2,1 5,9 ± 2,7 VHS (mm/hora) 17,1 ± 13,8 13,4 ± 12,8 15,2 ± 10,4 26,7 ± 18,1 PCRus (mg/L) 8,31 ± 16,7 7,9 ± 16,4 4,5 ± 9,9 22,4 ± 22,2 LBP (µg/mL) 7,5 ± 3,7 0,53 ± 2,4 6,6 ± 3,5 10,0± 4,8 SAA (ng/mL ) 853,7 ± 946,2 752,5 ± 871,8 652,0 ± 820,2 1459,7 ± 1124,7 Os resultados estão expressos em média ± DP. EpA: espondiloartrite; EA: espondilite anquilosante; EpAi: espondiloartrite indiferenciada; ARe: artrite reativa; VHS: velocidade de hemossedimentação; PCRus: proteína C-reativa ultrassensível; LBP: proteína de ligação de lipopolissacarídeo; SAA: amiloide sérico A. Tabela 6 Fatores de mau prognóstico em pacientes com espondiloartrite: HLA-B27+, DLI e artrite. Descrição da construção do mau prognóstico como variáveis de grupo Fatores (+) n=9 Fatores (-) n = 53 P VHS (mm/hora) 21,6 ± 16,3 16,3 ± 13,6 0,4 PCRus (mg/L) 21,1 ± 26,0 7,4 ± 13,9 0,04 SAA (ng/mL) 1312,9 ± 1184,8 786,6 ± 894,9 0,4 MMP-3 (ng/mL) 29,4 ± 32,6 20,1 ± 19,8 0,7 M-CSF (pg/mL) 87,2 ± 33,1 106,5 ± 71,9 0,9 IL-6 (pg/mL) 79,8 ± 55,3 43,3 ± 76,2 0,003 IL-1α (pg/mL) 56,1 ± 30,6 43,7 ± 21,7 0,03 TNF-α (pg/mL) 19,4 ± 5,4 24,7 ± 39,6 0,5 IL-17 (pg/mL) 69,3 ± 69,1 49,3 ± 90,9 0,06 IL-23 (pg/mL) 4,9 ± 2,9 4,8 ± 3,0 0,8 INF-γ (pg/mL) 0,6 ± 1,2 0,9 ± 3,2 0,68 LBP (µg/mL) 9,9 ± 4,5 7,2 ± 3,4 0,03 Os resultados estão expressos em média ± DP. Valores P estatisticamente significativos em pacientes com EpA contra fatores de mau prognóstico (P < 0,05). DLI: dor lombar inflamatória; VHS: velocidade de hemossedimentação; PCRus: proteína C-reativa ultrassensível; SAA: amiloide sérico A; MMP-3: metaloproteinase 3; M-CSF: fator estimulante de colônia de macrófagos; IL: interleucina; TNF-α: fator-alfa de necrose tumoral; INF-γ: interferon gama; LBP: proteína de ligação de lipopolissacarídeo. DISCUSSÃO O presente estudo comparou níveis sanguíneos de citocinas em uma população de pacientes com EpA em seus estágios iniciais (menos de cinco anos de evolução) com um grupo de controles. Os níveis de IL-17, IL-23, TNF-α, IL-6, IL-1α e PCRus estavam mais altos em pacientes em comparação aos controles. Os níveis de PCRus, IL-6, IL-1α e LBP também estavam significativamente elevados em pacientes com fatores associados a mau prognóstico, por exemplo, EpA, DLI e 540 artrite, quando comparados a pacientes sem fatores para mau prognóstico. Em sua maioria, os estudos relacionados a marcadores inflamatórios em pacientes com EpA têm sido realizados em populações de pacientes com EA; em contraste, a população deste estudo consistiu de pacientes com ARe e EpAi, além de EA.29,30 Em nosso estudo, os níveis de PCRus foram mais altos em pacientes com EpA, quando comparados aos controles, demonstrando correlação com a presença de fatores de mau prognóstico. No caso de EA, apenas 40%–60% dos pacientes exibiam elevação. Pacientes sem valores elevados podem ter a doença clinicamente ativa, o que, em geral, aponta para uma fraca correlação entre os níveis dessa proteína e a atividade clínica da doença em EA. Os níveis de PCR comum foram comparados aos níveis de PCRus como parâmetros de mensuração da atividade em um grupo de pacientes com EA, pertencentes à coorte alemã de EpA. PCRus exibiu melhor correlação com PCR comum com parâmetros clínicos de atividade da doença em pacientes com EpA axial.31 Como resultado, PCRus pode ter desempenho melhor que PCR para avaliação da atividade da doença em pacientes com EpA axial. A IL-6 é uma das principais citocinas já propostas como biomarcadores em pacientes com EpA, estando significativamente elevada na população do presente estudo quando comparada aos controles. Esta é uma citocina pleotrópica bem conhecida por induzir a síntese de diversas proteínas hepáticas. Níveis elevados de IL-6 são observados em pacientes com EA, em comparação a indivíduos saudáveis, o que revela uma correlação entre IL-6 e anquilose vertebral e atividade da doença.32 Também foi observado aumento dos níveis dessa citocina em pacientes com EpA; observou-se redução dos níveis duas semanas depois do tratamento em pacientes que responderam ao tratamento, e também reduções persistentes em um acompanhamento de três anos. Por essas Rev Bras Reumatol 2012;52(4):529-544 Associação entre os níveis séricos de potenciais biomarcadores com a presença de fatores relacionados à atividade clínica e ao mau prognóstico em espondiloartrites razões, a IL-6 é considerada uma citocina com valor potencial para monitoramento da atividade da doença e da resposta ao tratamento em pacientes com EpA.33 As principais diferenças na população no presente estudo são que o estudo precedente foi realizado com base apenas em pacientes com EA e APs, enquanto o presente estudo incluiu pacientes com EA, ARe e EpAi. Da mesma forma, os pacientes participantes no estudo precedente receberam terapia biológica, mas em nosso estudo os pacientes não foram expostos a esse tratamento. A IL-6 também demonstrou correlação com os escores BASDAI e com as imagens por ressonância magnética (IRM) em termos de inflamação em um estudo de fase III de infliximabe. Foram observadas reduções significativas nos níveis de IL-6 e de outros marcadores após uso de infliximabe, em comparação com placebo. Além disso, os níveis de IL-6 tinham correlação com o número de articulações periféricas inflamadas.34 Recentemente, o papel da IL-23 e da IL-7 na patogênese da EpA vem acumulando interesse considerável, porque estudos genéticos demonstraram associações com polimorfismos no receptor de IL-23 em pacientes com EA e doença de Crohn. A IL-23 induz a polarização de linfócitos T CD4 virgens em células T-helper 17 (Th-17), o que leva à produção de IL-17, uma citocina proinflamatória encontrada em níveis elevados no soro e no líquido sinovial de pacientes com EpA e artrite reumatoide (AR).15 Dois estudos corroboraram, recentemente, o papel de IL-17 na patogênese da EpA em seres humanos. Em um deles, os níveis de IL-17 estavam elevados em pacientes com EA estabelecida e ativa, em comparação aos controles, correlacionando com a atividade da doença. De modo parecido com nossa população, os pacientes não receberam medicamentos imunomoduladores ou medicamentos para a modificação do metabolismo ósseo. A idade média (42 vs. 31 anos, respectivamente) e a duração média da doença (14 vs. 5 anos, respecti vamente) foram mais elevadas em comparação ao nosso estudo. Os níveis séricos de IL-17 foram mais altos em pacientes versus controles.35 No outro estudo, os níveis sinoviais de IL-17 estavam mais altos em pacientes com ARe e EpAi, em comparação com pacientes com AR e osteoartrite.36 Porém, em um estudo de pacientes com EpA, os níveis séricos estavam mais elevados que nos controles, e não houve correlação com atividade da doença ou redução com a terapia anti-TNF-α.37 Um estudo recentemente publicado de pacientes com EA demonstrou que os níveis séricos de IL-17 e IL-23 estavam significativamente mais altos em pacientes com EA, em comparação aos controles. No entanto, não foi observada associação entre os níveis séricos de IL-17 e IL-23 com atividade clínica e parâmetros laboratoriais.23 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):529-544 Outra citocina que estava elevada na população em estudo, quando comparada aos controles, foi a IL-1α. Há informações limitadas relacionadas ao papel dessa citocina como marcador de inflamação em pacientes com EpA. A avaliação dessa e de outras citocinas, por exemplo, TGF-β, IFN-γ e IL-10, não tem sido muito esclarecedora.15 Um estudo que identificou quais reagentes de fase aguda e citocinas teriam utilidade na monitoração do tratamento com infliximabe em pacientes com EA analisou 22 citocinas, tendo demonstrado que IL-1α sérica diferenciava pacientes respondentes ao tratamento na sexta semana, com sensibilidade de 84,9% e especificidade de 53,8%. Provavelmente a IL-1α sérica foi gerada pelos compartimentos articulares, porque os níveis de líquido sinovial estavam mais elevados que os níveis séricos correspondentes. Portanto, essa citocina é considerada como biomarcador potencial em pacientes com EpA.19 A LBP é uma proteína de ligação de endotoxina que funciona de maneira coordenada para facilitar a resposta total do hospedeiro contra infecções bacterianas gram-negativas. Sua estrutura, função e mobilização permitem uma resposta proinflamatória altamente sensível contra pequenas concentrações de bactérias no início da infecção bacteriana. Mais tarde, essa resposta permite a eficiente eliminação de bactérias viáveis e seus remanescentes, além da eliminação da inflamação derivada da endotoxina.38 Essa proteína está incluída no grupo de biomarcadores diagnósticos ou de atividade propostos para EpA.32 No presente estudo, observamos níveis significativamente elevados de LBP em pacientes que apresentavam fatores de mau prognóstico no início da doença. Recentemente, demonstrou-se que mais um reagente de fase aguda, SAA, estava elevado em pacientes com EpA e tinha correlação com PCR, VHS e BASDAI.15 Na população de nosso estudo, os níveis de SAA foram mais altos em pacientes com EpA, em comparação com os controles. Essa proteína é membro da família das apolipoproteínas, sendo primariamente sintetizada no fígado e no líquido sinovial por monócitos e por macrófagos ativados.32,39 Sua relação com a atividade da doença de SpA foi avaliada em um estudo de pacientes com EA e conjuntamente com VHS e PCR, que foram comparados com BASDAI. Houve boa correlação entre SAA e VHS, PRC e BASDAI; portanto, os autores propuseram SAA como candidato para biomarcador de atividade.40 Assim, SAA se situa entre os reagentes de fase aguda que funcionam mais apropriadamente como prognosticadores da resposta ao tratamento em pacientes com TNF-α, juntamente com PCR e IL-6.15 Uma combinação de níveis basais elevados de PCR e SAA revela maior valor prognóstico para resposta clínica (81%) em pacientes com EA tratados com anti-TNF.41 541 Londono et al. Nosso estudo documentou níveis de concentração sérica de MMP-3 elevados em pacientes com TNF-α, em comparação com indivíduos saudáveis. Um importante conjunto de dados avaliou MMP-3 como um biomarcador que reflete a atividade da doença, por ser expresso em uma série de células intra-articulares, como macrófagos, fibroblastos, e condrócitos, e em resposta a diversos estímulos e citocinas proinflamatórias, como TNF-α.42 Em um estudo recentemente publicado, foi observada uma fraca correlação com PCR, mas não com BASDAI, no início do estudo.43 Também foram observadas correlações fracas entre as mudanças em MMP-3 e as mudanças em PCR e BASDAI em pacientes que foram medicados com adalimumabe.44 Em outros artigos, não foi observada correlação entre MMP-3 e VHS ou BASDAI.45,46 Essas discrepâncias podem refletir o fenótipo da doença, especialmente sua prevalência relativa à inflamação periférica ativa nas diferentes coortes. Em particular, foi demonstrada uma correlação significativa entre os níveis séricos de MMP-3 e o grau histopatológico de inflamação sinovial no joelho em pacientes com EpA predominantemente periférica.47 Por outro lado, a redução de MMP-3 no líquido sinovial e no soro é proporcional à redução no grau de inflamação na histopatologia, apóso tratamento com infliximabe. Do mesmo modo, MMP-3 é um significativo prognosticador independente de progressão radiográfica em pacientes com EA, sobretudo naqueles pacientes com lesão radiográfica preexistente.43 Ainda existem desafios importantes no campo da EpA. Primeiramente, a avaliação da gravidade da doença, especialmente o grau de inflamação, fica prejudicada pela baixa sensibilidade e especificidade dos sinais e sintomas. Do mesmo modo, os biomarcadores utilizados na prática clínica, como PCR e VHS, carecem de sensibilidade e especificidade para EpA; além disso, a avaliação da inflamação por meio de IRM é dispendiosa, e o acesso a especialistas com experiência em sua interpretação não está amplamente disponível. Em segundo lugar, a avaliação do prognóstico fica comprometida pela lenta progressão das alterações radiográficas, porque deverão transcorrer pelo menos dois anos de acompanhamento, antes que uma alteração possa ser confiavelmente detectada. No entanto, alguns pacientes realmente exibem rápida progressão. A capacidade de previsão da progressão é limitada, e os dados atualmente disponíveis apenas favorecem a pontuação basal das lesões radiográficas e a inflamação detectada por IRM como prognosticadores de futura progressão. Por último, a avaliação dos prognosticadores de resposta ao tratamento identificou idade, estado funcional basal, PCR, e escore para inflamação pelo IRM; mas a capacidade prognóstica 542 desses parâmetros é limitada. Encontrar melhores parâmetros prognosticadores é uma necessidade importante ainda não satisfeita, pois a terapia biológica é cara e aproximadamente 40% dos pacientes não respondem ao tratamento.48,49 Durante os últimos anos, aumentou o uso de biomarcadores solúveis detectáveis no sangue periférico e na urina, em resposta aos desafios nesse campo. Mas nenhum artigo publicado conseguiu detectar um grupo de biomarcadores que possam prever, com certo grau de precisão, um mau prognóstico em pacientes nos estágios iniciais da doença – que é a principal contribuição desse estudo no campo da EpA. CONCLUSÕES O aumento de PCRus, IL-6, IL-1α e LBP nos níveis sanguíneos está correlacionado com a presença de fatores de mau prognóstico e inflamação persistente observados nos estágios iniciais da EpA. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. Khan MA. Espondilite anquilosante: introductory comments on its diagnosis and treatment. Ann Rheum Dis 2002; 61 Suppl 3:iii3–7. 2. Sieper J, Braun J, Rudwaleit M, Boonen A, Zink A. Ankylosing spondylitis: an overview. Ann Rheum Dis 2002; 61 Suppl 3:iii8–18. 3. Zochling J, van der Heijde D, Burgos-Vargas R, Collantes E, Davis JC Jr., Dijkmans B et al. ASAS/EULAR recommendations for the management of ankylosing spondylitis. Ann Rheum Dis 2006; 65(4):442–52. 4. Zeidler H, Mau W, Khan MA. Undifferentiated spondyloarthropathies. Rheum Dis Clin North Am 1992; 18(1):187–202. 5. Khan MA, Kushner I, Braun WE. Comparison of clinical features in HLA-B27 positive and negative patients with ankylosing spondylitis. Arthritis Rheum 1977; 20(4):909–12. 6. 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Terreri6 RESUMO Objetivo: Avaliar a frequência de calcinose em pacientes com dermatomiosite juvenil, bem como estudar possíveis fatores de risco para essa manifestação. Métodos: Revisão de prontuários de 34 pacientes, com ênfase nas características demográficas, clínicas e laboratoriais, tipo de tratamento e adesão, tipo de evolução (monocíclico, crônico e policíclico) e gravidade da doença. Os pacientes foram separados em grupos: aqueles que desenvolveram calcinose (até o sexto mês de acompanhamento ambulatorial e após seis meses de acompanhamento) e os que não desenvolveram calcinose. Vinte e sete pacientes fizeram dois exames de capilaroscopia periungueal (CPU), os quais foram considerados alterados quando era encontrado padrão escleroderma. Resultados: A média de idade de início dos sintomas dos 34 pacientes foi de 6,5 anos, e o tempo até o diagnóstico foi de 1,2 anos. Setenta por cento eram meninas. Metade dos pacientes teve curso monocíclico da doença, e apenas 14,7% tiveram vasculite grave. Quase 90% dos pacientes que realizaram CPU tiveram alteração na primeira avaliação, e 74% tiveram alteração na segunda avaliação, com uma média de 1,6 anos entre as duas. Dezesseis (47,1%) pacientes apresentaram calcinose. Não houve associação entre as variáveis analisadas e o desenvolvimento da calcinose. Conclusão: Não conseguimos demonstrar a presença de fatores de risco para calcinose, apesar de termos encontrado uma frequência dessa complicação em cerca de metade dos pacientes com dermatomiosite juvenil. Palavras-chave: dermatomiosite, fatores de risco, calcinose. © 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A dermatomiosite juvenil (DMJ) é uma doença multissistêmica que faz parte de um grupo heterogêneo de doenças musculares inflamatórias adquiridas e corresponde a 85% de todas as miopatias inflamatórias idiopáticas na infância.1 É caracterizada por vasculite, que afeta primariamente a pele e os músculos,2,3 mas também pode afetar outros órgãos como coração, pulmão e trato gastrointestinal.2 Os critérios diagnósticos originalmente propostos por Bohan e Peter4,5 em 1975 permanecem como critérios-padrão para o diagnóstico da DMJ, considerando a idade de início até os 18 anos. No entanto, muitos reumatologistas pediatras consideram que não é necessário preencher os quatro dos cinco critérios para o diagnóstico de DMJ na maioria dos pacientes.6 A capilaroscopia periungueal (CPU) é um exame subsidiário que auxilia no diagnóstico e na avaliação de atividade de doença.7 Apesar dos avanços na terapia, a DMJ permanece associada a considerável morbidade. Em vários estudos, uma porcentagem importante dos pacientes apresenta doença persistentemente ativa, desenvolve calcinose e sofre retardo significativo no crescimento estatural.8–12 A calcinose é mais comum na população pediátrica, afetando de 10%–70% das crianças e adolescentes com DMJ, comparados a 30% dos adultos.6,12–15 Embora na maioria dos Recebido em 21/10/2011. Aprovado, após revisão, em 08/05/2012. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Comitê de Ética: 0791/10. Universidade Federal de São Paulo – Unifesp. 1. Reumatologista; Pós-graduanda em Pediatria, Universidade Federal de São Paulo – Unifesp 2. Mestre em Pediatria, Unifesp; Pós-graduanda em Pediatria, Unifesp 3. Doutora em Pediatria, Unifesp 4. Professor-Adjunto Unifesp; Doutor em Pediatria, Unifesp 5. Professora Associada, Unifesp; Doutora em Pediatria, Unifesp 6. Professora-Adjunta, Unifesp; Chefe da Disciplina de Reumatologia Pediátrica, Unifesp Correspondência para: Maria Teresa R. A. Terreri. Rua Borges Lagoa, 802 – Vila Clementino. São Paulo, SP, Brasil. CEP: 04038-001. E-mail: [email protected] Rev Bras Reumatol 2012;52(4):545-553 549 Clemente et al. casos a calcinose se desenvolva nos primeiros três anos de diagnóstico, seu aparecimento pode ocorrer em até 20 anos do início da doença.16 A presença de calcinose está associada a um retardo de diagnóstico, maior tempo de doença não tratada, curso crônico, gravidade da doença e terapia inadequada ou doença resistente ao tratamento.9 O nosso objetivo foi avaliar a frequência de calcinose em pacientes com DMJ, bem como estudar possíveis fatores de risco para essa manifestação. MATERIAL E MÉTODOS Pelos critérios de Bohan e Peter,4,5 57 pacientes com diagnóstico de DMJ definitivo (presença de lesões cutâneas típicas associadas a três dos demais critérios) ou provável (presença de lesões cutâneas típicas associadas a dois dos demais critérios) foram acompanhados no setor de Reumatologia Pediátrica no período de 1992 a 2010. Desses, foram excluídos 23 pacientes que apresentavam dados incompletos para o estudo. Os pacientes com síndrome de sobreposição não foram incluídos no estudo. Realizou-se análise retrospectiva com base em revisão de prontuários de 34 pacientes, com ênfase nas características demográficas, clínicas, laboratoriais, tipo de tratamento (corticosteroides e outros imunossupressores) e adesão, tipo de evolução (monocíclico, crônico e policíclico), gravidade da doença e alteração na CPU. A adesão ao tratamento foi considerada boa quando havia uma concordância de 80% ou mais entre o prescrito pelo médico e o realizado pelo paciente, de acordo com a definição usada pela Organização Mundial de Saúde.17 O tipo evolutivo foi definido como monocíclico quando os pacientes tinham remissão da doença após dois anos de seu início, policíclico quando havia uma ou mais recorrências após a remissão da doença, e crônico quando havia persistência dos sintomas por mais de dois anos.18 A gravidade da vasculite foi definida pela presença de lesões vasculíticas persistentes não responsivas ao tratamento habitual, presença de ulcerações cutâneas, presença de vasculite intestinal ou necessidade de uso de imunoglobulina endovenosa, talidomida ou ciclofosfamida. Os pacientes foram separados inicialmente em dois grupos: aqueles que apresentaram calcinose e os que não apresentaram calcinose durante a evolução da doença até o término do estudo. Posteriormente, o grupo de calcinose foi avaliado separadamente: pacientes que desenvolveram calcinose nos primeiros seis meses de acompanhamento no ambulatório ou os que já tinham calcinose antes de iniciar o seguimento ambulatorial (calcinose inicial); e os pacientes que apresentaram calcinose 550 após seis meses de acompanhamento (calcinose evolutiva). Vinte e sete pacientes realizaram CPU no início da doença e na evolução, com utilização de um microscópio óptico com aumentos de 10 e 16 vezes. Foram analisados os seguintes parâmetros na CPU: número de capilares por milímetro, presença e grau de deleção capilar, presença de capilares ectasiados, em arbustos, enovelados e megacapilares. Definiu-se como padrão escleroderma (SD) a presença de deleção capilar associada à ectasia capilar e⁄ou a megacapilares.19 As CPU foram consideradas alteradas na presença de padrão SD ao exame. Para as variáveis qualitativas utilizou-se o teste qui-quadrado, ou teste exato de Fisher, para avaliar a associação entre elas. Para comparação dos grupos, utilizaram-se os testes t de Student, Mann-Whitney e Kruskal-Wallis. RESULTADOS Foram avaliados 34 pacientes com média de idade de início dos sintomas 6,5 ± 3,9 anos; média de tempo até o diagnóstico 1,2 ± 2,0 anos; média de tempo de evolução da doença 5,8 ± 3,6 anos e média do tempo de seguimento no ambulatório 4,0 ± 2,8 anos (Tabela 1). Vinte e quatro (70,6%) dos 34 pacientes eram meninas, e 22 (64,7%) eram caucasoides. Dezessete (50%) tiveram um curso monocíclico da doença, 11 (32,4%) um curso crônico, e seis (17,6%) um curso policíclico. Em relação à gravidade da vasculite, apenas cinco (14,7%) tiveram grau grave na evolução da doença e quatro (11,7%) apresentaram úlceras cutâneas. Tabela 1 Dados epidemiológicos e clínicos de pacientes com dermatomiosite juvenil (n = 34) Idade de início, média em anos ± DP 6,5 ± 3,9 Tempo até diagnóstico, média em anos ± DP 1,2 ± 2,0 Tempo de evolução, média em anos ± DP 5,8 ± 3,6 Tempo de seguimento, média em anos ± DP 4,0 ± 2,8 Curso monocíclico, n (%) 17 (50) Curso crônico, n (%) 11 (32,4) Curso policíclico, n (%) 6 (17,6) Vasculite grave, n (%) 5 (14,7) CPU inicial alterada, n (%) 24 (88,9) CPU final alterada, n (%) 20 (74,1) Calcinose, n (%) 16 (47,1) Calcinose inicial, n (%) 6 (17,6) Calcinose evolutiva, n (%) 10 (29,4) Rev Bras Reumatol 2012;52(4):545-553 Frequência elevada de calcinose em dermatomiosite juvenil: estudo de fatores de risco Tabela 2 Relação entre as variáveis estudadas e a presença ou ausência de calcinose em pacientes com dermatomiosite juvenil (n = 34) Presença de calcinose (n = 16) Ausência de calcinose (n = 18) P Sexo feminino, n (%) 10 (62,5) 14 (77,8) 0,329 Caucasoide, n (%) 11 (68,7) 11 (61,1) 0,642 Idade de início, média em anos (DP) 6,3 (3,8) 6,7 (4,1) 0,911 Tempo de diagnóstico, média em anos (DP) 1,9 (2,7) 0,6 (0,9) 0,990 Tempo evolução, média em anos (DP) 6,5 (3,5) 5,3 (3,7) 0,870 Tempo de seguimento, média em anos (DP) 2,8 (2,4) 5,0 (2,9) 0,553 Curso da doença (mono-M, poli-P, crônica-C) 6M, 3P, 7C 11M, 3P, 4C 0,336 Vasculite grave, n (%) 3 (18,8) 2 (11,1) 0,530 Uso de imunossupressores, n (%) 15 (93,7) 13 (72,2) 0,100 Adesão ao tratamento, n (%) 9 (56,2) 13 (72,2) 0,331 Tempo de aparecimento da calcinose, média em anos (DP) 2,6 (1,7) — Total 16 18 Vinte e sete pacientes fizeram CPU no início da doença e na evolução, com uma média de 1,6 anos entre as duas CPU. Vinte e quatro (88,9%) tinham a CPU inicial alterada, com 91,7% desses pacientes apresentando doença ativa no momento do exame; e 20 (74,1%) tinham alteração na CPU evolutiva, com 70% de atividade da doença na época do exame. Dezesseis (47,1%) pacientes apresentaram calcinose inicialmente e/ou durante o seguimento, com média de tempo de aparecimento de 2,5 ± 1,9 anos após o diagnóstico (seis pacientes apresentaram calcinose inicial e 10, evolutiva). Destes 16 pacientes, cinco (31,3%) tinham idade menor ou igual a 3 anos, porém sem diferença estatística em relação aos pacientes mais velhos (P = 0,317). Não houve associação entre os dados demográficos, clínicos, gravidade da vasculite, elevação de enzimas musculares, uso ou não de imunossupressores, adesão ou não ao tratamento, e alterações na CPU com o desenvolvimento de calcinose (Tabela 2). Ao se avaliar separadamente pacientes com calcinose inicial, pacientes com calcinose evolutiva, e pacientes sem calcinose, também não houve diferença estatística entre as variáveis, com exceção do curso monocíclico que foi estatisticamente mais frequente no grupo sem calcinose (P = 0,036). Não foi encontrada associação entre a presença de calcinose e a alteração na CPU inicial ou evolutiva nos 27 pacientes que realizaram o exame (P = 0,681 e P = 0,432, respectivamente). Dos 16 pacientes que apresentaram calcinose, sete tiveram curso crônico da doença e nove tiveram curso monocíclico ou policíclico. Não houve associação entre o curso crônico e frequência, tempo e idade de aparecimento da calcinose Rev Bras Reumatol 2012;52(4):545-553 durante a evolução da doença (P = 0,336; 0,144 e 0,374, respectivamente) (Tabela 3). Tabela 3 Associação do tipo de evolução da dermatomiosite juvenil com frequência, tempo e idade de aparecimento da calcinose Monocíclico Policíclico Crônico P Frequência de calcinose, n (%) 6 (37,5) 3 (18,7) 7 (43,7) 0,336 Tempo de aparecimento da calcinose, média em anos (DP) 2,8 (1,8) 3,1 (1,9) 2,6 (1,7) 0,144 Idade de aparecimento da calcinose, média em anos (DP) 9,2 (4,8) 8,0 (4,6) 8,9 (4,4) 0,374 DISCUSSÃO Nosso estudo mostrou uma frequência elevada de calcinose em pacientes com dermatomiosite, embora os fatores de risco para o desenvolvimento dessa complicação tardia não tenham sido encontrados. A média do intervalo de tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico foi significativamente maior em nossa casuística que a média encontrada na maioria dos trabalhos,8,15,20–22 o que pode ser devido ao atraso do encaminhamento ao especialista na nossa população, como já descrito por nós.23 Metade dos pacientes apresentou um curso monocíclico da doença. Já no trabalho de Huber et al.,8 37% apresentaram um curso monocíclico e 63% apresentaram um curso policíclico ou 551 Clemente et al. crônico. Entretanto, esses autores consideraram o curso monocíclico quando o paciente estava sem atividade de doença e sem medicação até 24 meses após o diagnóstico, diferentemente da definição utilizada por nós, já que não consideramos o uso ou não de medicações.18 Achamos que existe a possibilidade de alguns desses pacientes terem iniciado a doença antes da percepção dos pais, e portanto, não serem verdadeiramente monocíclicos. Em nossa casuística foram observadas úlceras cutâneas em 11,7% dos pacientes durante a evolução da doença, semelhante à frequência encontrada no estudo de Sallum et al.,12 porém inferior à percentagem encontrada em outros estudos.6,21 A presença de úlceras cutâneas reflete uma gravidade maior da doença. A CPU é uma importante ferramenta tanto para o auxílio no diagnóstico quanto para o seguimento de pacientes com DMJ. Estudos revelam alteração da CPU em pacientes com DMJ, evidenciando o padrão SD em 60% dos casos.24 Observamos uma concordância entre a atividade de doença e a alteração na CPU, tanto inicial, quanto evolutiva nos nossos pacientes. Outros estudos também correlacionam as alterações capilaroscópicas com a atividade da doença.7 Quase metade dos pacientes apresentou calcinose durante a evolução da doença, número maior que o encontrado na maioria dos estudos de DMJ.6,8,11,15,21,22,25–27 Uma possível explicação para a elevada incidência de calcinose na nossa população é o atraso no diagnóstico e, consequentemente, maior duração de atividade da doença. O tempo de evolução da doença nos pacientes do grupo “sem calcinose” foi suficientemente grande para ter ocorrido seu aparecimento, o que nos permite caracterizar esses pacientes como não candidatos ao aparecimento dessa complicação. Sabe-se que a calcinose é consequência da atividade persistente da doença, má adesão ou refratariedade à terapia.3,9,22,28 É importante salientar que a calcinose se manifestou em 10 pacientes na evolução da doença mesmo após seis meses de início da terapia e em pacientes com boa adesão ao tratamento, não se observando uma associação entre a não adesão e o aparecimento dessa complicação. A literatura não descreve uma idade de maior frequência de calcinose e nós também não achamos tal associação. Apesar da elevada frequência de calcinose, não evidenciamos fatores de risco para essa complicação. Enquanto alguns estudos6,8 não acharam associação da calcinose com o tempo até o diagnóstico, outros11,22 encontraram maior frequência de calcinose nos pacientes com maior tempo até o diagnóstico e, consequentemente, maior tempo para o início do tratamento. Em outro estudo foi observado que o tratamento precoce e com altas doses de corticoide foi 552 preditivo para o não desenvolvimento de calcinose.9 Estudos avaliaram a relação do curso da doença com a presença de calcinose, porém não encontraram associação.6,8 Observamos que 11 dos 17 pacientes com curso monocíclico da doença não desenvolveram calcinose, sugerindo que a evolução de melhor prognóstico possa estar associada à menor frequência de desenvolvimento dessa complicação. Em contraste, a doença inflamatória crônica poderia ter predisposto ao seu aparecimento. Entretanto, em nosso estudo não observamos maior frequência de calcinose em nenhum curso de evolução da doença. O uso de mais um imunossupressor foi associado com o aparecimento da calcinose no estudo de Sallum et al.,26 demonstrando que essa complicação está associada aos casos mais graves da doença. Nosso estudo foi importante, pois mostramos uma frequência de calcinose em cerca de metade dos pacientes com DMJ. Apesar disso, não conseguimos demonstrar a presença de fatores de risco para o desenvolvimento dessa complicação. Um fator limitante foi o tamanho da nossa amostra. Estudos evolutivos e eventualmente multicêntricos poderão responder a essa questão. De acordo com o nosso conhecimento, não existem trabalhos na literatura que tenham tentado associar a presença de calcinose e alterações na CPU. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Wargula JC. Update on juvenile dermatomyositis: new advances in understanding its etiopathogenesis. Curr Opin Rheumatol 2003; 15(5):595–601. Cassidy JT, Lindsley CB. Juvenile dermatomyositis. In: Cassidy JT, Petty RE, Laxer RM, Lindsley CB (eds.). Textbook of pediatric rheumatology. 5.ed. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2005; p 407–41. Ansell BM. Juvenile dermatomyositis. J Rheumatol Suppl 1992; 33:60–2. Bohan A, Peter JB. Polymyositis and dermatomyositis (first of two parts). N Engl J Med 1975; 292(7):344–7. Bohan A, Peter JB. 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Rev Bras Reumatol 2007; 47(1):63–8. 553 ARTIGO ORIGINAL Avaliação da função endotelial em pacientes com esclerose sistêmica limitada por meio do eco Doppler da artéria braquial Tatiana Melo Fernandes1, Blanca Elena Gomes Bica2, Nivaldo Ribeiro Villela3, Elizabeth Figueiredo Salles4, Mario Newton Leitão de Azevedo5, José Angelo de Souza Papi6, Rosângela Aparecida Gomes Martins7 RESUMO Objetivo: O objetivo deste estudo foi comparar a resposta dilatadora dependente e independente do endotélio em pacientes portadores de esclerose sistêmica limitada (ESL) com aquela de indivíduos sadios de mesmo gênero, idade e cor. Métodos: Vinte mulheres adultas, não obesas, não tabagistas, não diabéticas, não dislipidêmicas, não hipertensas, que preencheram os critérios para esclerose sistêmica (ES) segundo o American College of Rheumatology, foram submetidas ao exame de Doppler de artéria braquial do membro superior direito. Foi analisada a resposta dilatadora, dependente do endotélio, após isquemia induzida com esfigmomanômetro por cinco minutos no braço direito, e a resposta dilatadora, independente do endotélio, após administração de 300 mcg de nitroglicerina (NTG) sublingual. Esses resultados foram comparados com a resposta obtida em indivíduos sadios. Resultados: O diâmetro longitudinal da artéria braquial (DAB) foi significativamente menor na fase basal 1 nos pacientes com ESL (3,57 ± 0,52 mm e 3,93 ± 0,39 mm, respectivamente no grupo paciente (P) e grupo-controle (C), P = 0,005). Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre a velocidade das hemácias (VH) após isquemia/hiperemia reativa (HR) e após NTG (110,2 ± 43,86 cm/s vs. 102,0 ± 25,89 cm/s e 63,80 ± 17,69 cm/s vs. 65,4 ± 12,90 cm/s nos grupos P e C, após HR e NTG, respectivamente). Também não foi encontrada diferença significativa entre o DAB após HR e após NTG (3,77 ± 0,59 mm vs. 4,14 ± 0,49 mm e 4,44 ± 0,64 mm vs. 4,70 ± 0,58 mm nos grupos P e C, após HR e NTG, respectivamente). Conclusão: Embora o grupo de pacientes com ESL tenha apresentado menor DAB basal, a resposta dilatadora dependente e independente do endotélio se manteve preservada em ambos os grupos. Palavras-chave: esclerodermia limitada, endotélio vascular, artéria braquial, ultrassonografia, efeito Doppler. © 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A esclerose sistêmica (ES) é uma doença crônica do tecido conjuntivo caracterizada por espessamento e fibrose da pele e dos órgãos internos por deposição de colágeno, glicosaminoglicanos e outras proteínas da matriz extracelular, além de dano vascular por endarterite proliferativa. O fator desencadeante da injúria endotelial não é conhecido. No entanto, estima-se que a injúria causada pelo processo de isquemia/reperfusão, a presença de autoanticorpos citotóxicos no sangue, agentes infecciosos e fatores ambientais possam desencadear a lesão inicial nos indivíduos geneticamente predispostos. A lesão endotelial por espécies reativas de oxigênio é responsável pela diminuição da síntese de prostaciclinas, óxido nítrico (NO), fator de ativação de plasminogênio tecidual e heparan sulfato, e pelo aumento da síntese de endotelina-1, Recebido em 21/10/2011. Aprovado, após revisão, em 08/05/2012. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Comitê de Ética: 1120/09. Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. 1. Mestre em Reumatologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ 2. Doutor; Professor-Adjunto, UFRJ; Chefe do Serviço de Reumatologia, Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, UFRJ 3. Doutor; Médico do Serviço de Anestesiologia, Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, UFRJ 4. Professor-Adjunto do Serviço de Cirurgia Vascular, UFRJ 5. Doutor; Professor-Adjunto do Serviço de Reumatologia, UFRJ 6. Professor Emérito do Serviço de Clínica Médica, UFRJ 7. Mestre em Estatística, UFRJ; Professora da Divisão de Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, UFRJ Correspondência para: Tatiana Melo Fernandes. Serviço de Reumatologia. Rua Prof. Rodolpho Paulo Rocco, s/n – 9º andar – Ilha do Fundão, Ilha do Governador. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP 21941-590. E-mail: [email protected] Rev Bras Reumatol 2012;52(4):554-568 561 Fernandes et al. levando a um desequilíbrio na relação vasodilação/vasoconstrição em favor da constrição, com dano permanente na parede dos vasos sanguíneos. Esse desequilíbrio contribui para hipóxia vascular e injúria endotelial, resultando na liberação de citocinas por macrófagos, plaquetas, mastócitos e células T ativadas. Dessa forma, é mantido um círculo vicioso de injúria endotelial, associada à fibrose mediante a estimulação de fibroblastos, que são células responsáveis pela síntese de matriz celular e colágeno.1 Apesar de a isquemia estimular a neoangiogênese e de os níveis de fatores angiogênicos, como o fator de crescimento vascular endotelial (VEGF), estarem aumentados, a pele dos portadores de ES apresenta grandes áreas avasculares. Acreditase que ocorra uma desregulação no processo de angiogênese na ES.2 A presença de autoanticorpos direcionados contra células endoteliais na ES é capaz de induzir a apoptose dessas células. Foi demonstrado, ainda, que nesses pacientes as células precursoras endoteliais estão reduzidas em número e apresentam menor potencial de diferenciação.3 Também já foi comprovado que na ES o controle neural simpático do tônus vascular está alterado,4 assim como alguns aspectos intrínsecos à microcirculação. Há aumento da agregação e da ativação plaquetária associado à diminuição da deformabilidade das hemácias e de depósito de fibrina na parede vascular,5 culminando em um risco elevado de formação de trombos na microcirculação com maior expressão de moléculas de adesão, que agregam neutrófilos e plaquetas na parede vascular e diminuem a luz do vaso.6 A liberação normal de NO pelo endotélio ocorre continuamente e aumenta quando os receptores de membrana das células endoteliais são ativados por estímulos solúveis (acetilcolina, bradicinina, adenosina fosfato, substância P e serotonina) ou quando os canais de cálcio são abertos por um aumento no “estresse de cisalhamento” gerado pelo fluxo sanguíneo turbilhonado.7 O alvo do NO na parede vascular é a enzima guanilato ciclase, encontrada nas células musculares lisas, cuja ativação gera acúmulo de guanosina monofosfato cíclico (GMP cíclico), desencadeando relaxamento da musculatura lisa e vasodilatação, com consequente aumento do fluxo sanguíneo local.8 As alterações estruturais na parede de arteríolas (vasos de resistência) são bem conhecidas na ES. Esses achados consistem em um espessamento/proliferação/edema da camada íntima com infiltração de células mononucleares, hipertrofia da camada média e íntima, ruptura da lâmina elástica interna e presença de cicatrizes fibróticas na parede dos vasos.9,10 Pouco se conhece sobre as alterações estruturais encontradas na parede de vasos de maior calibre, vasos elásticos, como as artérias braquial, ulnar e radial (vasos de condutância), que são realmente acessíveis para medida por meio de técnicas não 562 invasivas como o eco Doppler. Existem evidências crescentes de que a macrovasculatura também esteja envolvida no processo de doença da ES, o que se especula estar relacionado à presença de anormalidades estruturais, como o espessamento e a rigidez na parede vascular.11 Apesar de o envolvimento vascular ser considerado predominantemente microvascular na ES, a doença macrovascular pode afetar mais da metade dos pacientes,12 e é comum o achado de oclusão arterial, particularmente nas artérias das mãos em doentes com a forma limitada (ESL) e na presença do anticorpo anticentrômero.13 A avaliação ultrassonográfica da resposta vasodilatadora na artéria braquial (AB) é uma técnica não invasiva, descrita por Celermajer em 1992,14 utilizada como índex para avaliação da função macrovascular por meio da mensuração do diâmetro da AB (DAB) antes e após o estímulo isquêmico. A isquemia provocada no antebraço causa uma queda marcante na resistência vascular periférica seguida por um aumento na força de cisalhamento sanguínea exercida nas paredes arteriais após sua liberação. O aumento do estresse de cisalhamento estimula a produção e a liberação de substâncias vasodilatadoras pelo endotélio, em especial o NO. O aumento observado no DAB é uma medida indireta da liberação de NO e, consequentemente, da vasodilatação dependente do endotélio.15 Uma pequena percentagem de aumento no fluxo mediado pela vasodilatação endotélio-dependente pode ser interpretada como baixa disponibilidade de NO, e está associada com risco aumentado de doença vascular.16 A deficiência na dilatação endotélio-dependente na ES pode ser explicada pela ausência de produção e de liberação de substâncias vasodilatadoras pelo endotélio cronicamente lesado, em especial o NO, enquanto se observa uma resposta vasodilatadora normal a fatores independentes do endotélio (nitroglicerina exógena). Entretanto, a disfunção endotelial macrovascular na ES vem sendo objeto de vários estudos, em que alguns autores observaram redução da dilatação mediada pelo fluxo (FMD) na AB,17–20 enquanto outros não.9,21,22 O objetivo deste estudo foi comparar a resposta dilatadora dependente do endotélio após isquemia induzida em membro superior direito por 5 min com esfigmomanômetro (FMD) e a resposta dilatadora independente do endotélio após a administração de nitroglicerina sublingual (dilatação mediada pela nitroglicerina – NMD), em pacientes portadores de ESL e indivíduos sadios de mesmo gênero, idade e cor. PACIENTES E MÉTODOS Participantes do estudo Vinte indivíduos do gênero feminino com idade entre 25–60 anos que preencheram os critérios do American College of Rev Bras Reumatol 2012;52(4):554-568 Avaliação da função endotelial em pacientes com esclerose sistêmica limitada por meio do eco Doppler da artéria braquial Rheumatology (1980)23 para o diagnóstico de ES, com tempo de doença superior a 6 meses e relato da presença de fenômeno de Raynaud bifásico (FRy) em extremidades, foram incluídos no estudo, após assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e serem certificados de que sua identidade seria mantida em sigilo. Todas as pacientes apresentavam a forma limitada da doença, caracterizada por fibrose cutânea restrita a face, pescoço e extremidades. O estudo foi aberto, observacional, não randomizado, prospectivo, realizado no Serviço de Reumatologia do Hospital Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ). O projeto deste estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do HUCFF-UFRJ e aprovado com o número de memorando 1120/09 em 28/12/2009. Os critérios de exclusão foram: presença de síndrome de superposição com outras colagenoses, miopatias ou artropatias inflamatórias, síndrome da imunodeficiência adquirida, síndrome do anticorpo antifosfolípide, gestantes e lactantes, portadores de neoplasias malignas, insuficiência cardíaca, hipertensão moderada a grave de artéria pulmonar, tabagistas, hipertensas e diabéticas. Foram selecionados 20 indivíduos saudáveis para compor o grupo-controle (C), do gênero feminino, cor branca, que não faziam uso de qualquer medicamento que pudesse alterar a resposta endotelial, e com faixa etária semelhante ao grupo de pacientes estudados. As voluntárias foram incluídas no estudo após assinar o TCLE. Em seguida, o esfigmomanômetro posicionado no antebraço direito foi insuflado a uma pressão 50% acima da pressão sistólica inicial e a isquemia foi mantida por 5 min. Novas medidas do diâmetro e da VH da AB (fase pós-isquemia/hiperemia reativa) foram realizadas 60 segundos após a liberação da isquemia. Após novo período de repouso de 10 min (basal 2) os indivíduos receberam uma dose de 300 mcg de NTG sublingual, e as medidas do DAB e da VH foram obtidas após 3 min (após NTG). Foi calculada a média de três medidas obtidas de diâmetro e da VH na AB em cada uma das quatro fases do exame (Figura 1). Análise estatística Para comparação de variáveis basais (numéricas) entre o grupo de pacientes (P) e o grupo C foi aplicado o teste t de Student para amostras independentes ou o de Mann-Whitney (não paramétrico). A homogeneidade das variâncias entre os grupos foi analisada pelo teste de Bartlett. A análise de variância (ANOVA) para medidas repetidas foi usada para avaliar o comportamento ao longo de três fases (basal, hiperemia reativa e após NTG) no interior de cada grupo; e o teste de comparações múltiplas de Bonferroni (ajustado para três fases) foi aplicado para identificar quais as fases que diferiam significativamente entre si. Para verificar se a evolução ao longo do experimento foi diferenciada significativamente Avaliação da função endotelial Rev Bras Reumatol 2012;52(4):554-568 150 130 Velocidade das hemácias (cm/s) média ± DP A função endotelial foi avaliada pela medida da FMD e NMD na AB por meio do eco Doppler em cores. O eco Doppler constitui método não invasivo, de alta resolução, que permite avaliação detalhada da circulação troncular combinando três componentes: o modo-B, o Doppler pulsado e o modo color.24 O exame foi realizado com o indivíduo em decúbito dorsal em sala com temperatura controlada (22°C). Um esfigmomanômetro foi posicionado no braço direito, cerca de 5 cm acima da fossa antecubital. As imagens da AB direita foram obtidas em corte longitudinal, no modo B do aparelho de ultrassom Antares da Siemens utilizando transdutor linear VFX9-4 com frequência de 10 Mhz, posicionado cerca de 2–3 cm acima da fossa antecubital. As medidas do DAB foram realizadas na diástole do ciclo cardíaco. Os fluxos foram obtidos por análise espectral das curvas de velocidade com volume – amostra de 1,5 mm e ângulo menor que 60º posicionado no centro do vaso. A velocidade das hemácias (VH) foi obtida por ecografia tipo Doppler, com janela de 1,5 mm e ângulo menor que 60º posicionado no centro do vaso. O exame foi iniciado após um período de repouso de 10 min. Foram realizadas medidas do DAB e da VH na AB na fase basal 1. 110 90 70 S S Basal 2 NTG 50 30 Basal 1 Isquemia Grupo-controle S Grupo de pacientes Figura 1 Velocidade das hemácias ao longo do experimento. 563 Fernandes et al. entre os grupos, foi usada a ANOVA para medidas repetidas com um fator (efeito da interação grupo x tempo). Na ANOVA para medidas repetidas foi aplicada a transformação logarítmica (log natural) nos dados. Foram utilizados métodos não paramétricos, pois variáveis não apresentaram distribuição normal (Gaussiana) devido à dispersão dos dados e à rejeição do teste de Kolmogorov-Smirnov nos grupos estudados. O critério de determinação de significância adotado foi o nível de 5%. A análise estatística foi processada pelo programa SAS 6.11 (SAS Institute, Inc., Cary, NC). Os dados estão apresentados como média ± DP. RESULTADOS Foram estudados 40 indivíduos, dos quais 20 compunham o grupo P e 20 indivíduos sadios constituíram o grupo C. Entre os indivíduos portadores de ESL, sete (35%) apresentaram tempo de evolução > 10 anos de doença e 13 (65%) tinham tempo de evolução da doença < 10 anos. Sete pacientes (35%) faziam uso de prednisona oral em doses baixas, < 10 mg/dia. Quatorze pacientes (70%) faziam uso regular diário de vasodilatadores antagonistas de canais de cálcio (ACC), modificadores reológicos das hemácias, inibidores de fosfodiesterases 1 e 5). Não houve diferença significativa entre os grupos em relação à idade (38,6 ± 9,2 e 43,4 ± 9,6 anos nos grupos C e P, respectivamente, P = 0,11), peso (62,1 ± 5,4 e 58,7 ± 9,3 kg nos grupos C e P, respectivamente, P = 0,32), pressão arterial sistólica (PAS) (110,8 ± 16,9 e 116,5 ± 15,7 mmHg nos grupos C e P, respectivamente, P = 0,27), pressão arterial diastólica (PAD) (71,5 ± 12,8 e 75,0 ± 10,6 nos grupos C e P, respectivamente, P = 0,35) e frequência cardíaca (73,2 ± 11,3 e 76,6 ± 11,9 nos grupos C e P, respectivamente, P = 0,36). Os dados relativos às variantes basais de peso, idade, PAS e PAD nos grupos P e C estão apresentados na Tabela 1. Os dados relativos aos valores do DAB nas fases basal 1, pós-isquemia, basal 2 e pós-NTG em ambos os grupos estão apresentados na Tabela 2. Os dados relativos aos valores da VH nas fases basal 1, pós-isquemia, basal 2 e pós-NTG em ambos os grupos estão apresentados na Tabela 3. Medidas basais O DAB foi significativamente menor no grupo P (P = 0,005), e não houve diferença significativa em relação à VH em ambos os grupos analisados (P = 0,90). Dilatação mediada pelo fluxo (FMD) Não houve diferença estatisticamente significativa em ambos os grupos analisados quanto ao DAB (P = 0,07) e à VH (P = 0,38). Tabela 1 Dados relativos às variantes basais de peso, idade, PAS e PAD nos grupos paciente e controle Variável basal Grupo Média DP Mediana Mínimo Máximo P 43,4 9,6 44 28 60 C 38,6 9,2 39,5 27 54 P 116,5 15,7 115 95 160 C 110,8 16,9 110 85 150 P 75,0 10,6 77,5 60 100 C 71,5 12,8 70 55 100 P 76,6 11,9 72,5 60 104 C 73,2 11,3 71 58 99 P 3,57 0,52 3,45 2,93 5,07 C 3,93 0,39 3,92 3,17 4,73 P 65,3 19,0 59,3 38,1 113 C 64,6 16,1 63,8 35,7 99,2 Idade (anos) Pa 0,11 PAS (mmHg) 0,27 PAD (mmHg) 0,35 FC (bat/min) 0,36 Diâmetro – basal 1 0,005 VH – basal 1 0,97 C: controle; P: paciente; DP: desvio padrão; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica, FC: frequência cardíaca; VH: velocidade das hemácias. a teste t de Student para amostras independentes ou de Mann-Whitney. 564 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):554-568 Avaliação da função endotelial em pacientes com esclerose sistêmica limitada por meio do eco Doppler da artéria braquial Tabela 2 Dados relativos aos valores do diâmetro da artéria braquial nas fases basal 1, pós-isquemia, basal 2 e pós-NTG em ambos os grupos Momento Média ± DP Mediana Basal 1 3,57 ± 0,52 3,45 Isquemia 3,77 ± 0,59 3,74 Pa Diferenças significativasb Pc Basal 1 ≠ isquemia Basal 1 ≠ NTG Pacientes 0,0001 0,31 Basal 2 3,66 ± 0,62 3,58 Isquemia ≠ NTG NTG 4,44 ± 0,64 4,33 Basal 2 ≠ NTG Basal 1 3,93 ± 0,39 3,92 Basal 1 ≠ isquemia Isquemia 4,14 ± 0,49 4,12 Basal 1 ≠ NTG Controles 0,0001 0,31 Basal 2 3,98 ± 0,56 3,90 Isquemia ≠ basal 2, NTG NTG 4,70 ± 0,58 4,69 Basal 2 ≠ NTG DP: desvio padrão. a ANOVA para medidas repetidas no interior de cada grupo (efeito do tempo). bComparações múltiplas de Bonferroni, ao nível de 5%. cANOVA para medidas repetidas entre os dois grupos (efeito da interação grupo*tempo). Tabela 3 Dados relativos aos valores da VH nas fases basal 1, pós-isquemia (hiperemia reativa), basal 2 e pós-NTG em ambos os grupos Momento Média±DP Mediana Basal 1 65,3 ± 18,96 59,3 Isquemia 110,2 ± 43,86 103,1 Pacientes Pa Diferenças significativas b Basal 1 ≠ isquemia Isquemia ≠ basal 2 0,0001 0,77 Basal 2 63,3 ± 17,78 61,0 Isquemia ≠ NTG NTG 63,8 ± 17,69 62,9 Basal 1 64,6 ± 16,10 63,8 Basal 1 ≠ isquemia Isquemia 102,0 ± 25,89 97,5 Controles Pc Isquemia ≠ basal 2 0,0001 0,77 Basal 2 63,6 ± 14,57 59,8 Isquemia ≠ NTG NTG 65,4 ± 12,90 63,9 DP: desvio padrão. aANOVA para medidas repetidas no interior de cada grupo (efeito do tempo). bComparações múltiplas de Bonferoni, 5%.cANOVA para medidas repetidas entre os dois grupos (efeito da interação: grupo*tempo). Dilatação mediada pela nitroglicerina (NMD) Não houve diferença estatisticamente significativa entre ambos os grupos analisados em relação ao DAB (P = 0,24) e à VH (P = 0,97). Resposta dilatadora da AB após isquemia induzida Não houve diferença estatisticamente significativa na resposta vasodilatadora da AB após isquemia induzida (endotélio-dependente) entre o grupo C (8,9%) e o grupo P (8,6%). Rev Bras Reumatol 2012;52(4):554-568 DISCUSSÃO A análise da disfunção endotelial, por meio da mensuração da FMD, uma dilatação endotélio-dependente, em combinação com a NMD, dilatação endotélio-independente, mostra resultados controversos na ES. Lekakis et al.17 e Cypiene et al.19 estudaram pacientes com a forma difusa da ES e encontraram redução em ambos FMD e NMD quando comparados com controles sadios. Rossi et al.20 também encontraram redução significativa em ambos FMD e NMD ao estudar pacientes com ES em ambas as formas, difusa e limitada, e comparar 565 Fernandes et al. com controles sadios. Szucs et al.18 mostraram redução na FMD sem alteração na NMD nos indivíduos esclerodérmicos estudados em ambas as formas quando comparados com mulheres sadias. Andersen et al.9 não encontraram alterações em ambos FMD e NMD ao comparar indivíduos portadores ES difusa e limitada com indivíduos sadios. Rajagopalan et al.21 comprovaram, ao comparar indivíduos com FRy primário e secundário à ES e outras doenças do tecido conjuntivo, a presença de alteração na microcirculação demonstrada pela análise do laser Doppler e fluxometria após breve oclusão arterial digital, porém não houve diferença no FMD em ambos os grupos analisados. Roustit et al.22 compararam indivíduos saudáveis, portadores de FRy primário e de ES e não encontraram alteração significativa no FMD entre os três grupos. D’Andrea et al.25 encontraram discreta diminuição no FMD em pacientes com ES ao comparar com indivíduos saudáveis. Bartoli et al.26 também encontraram menor FMD ao comparar indivíduos portadores de ES com um grupo-controle. Assim como Andersen et al.,9 Rajagopalan et al.21 e Roustit et al.,22 nosso estudo não encontrou evidência de desregulação vascular comprovada pelo FMD em pacientes portadores de ES quando comparados a um grupo-controle composto por indivíduos sadios. Em concordância com Szucs et al.18 e Andersen et al.,9 nosso estudo demonstrou que a NMD não está alterada em indivíduos portadores de ES quando comparados ao mesmo grupo-controle. Contrário a nosso estudo, a maior parte desses autores estudou pacientes com predomínio da forma difusa da doença. Optamos por indivíduos com a forma limitada da doença por sabermos que a incidência de vasculopatia é observada com maior frequência nesses casos (FRy grave, telangectasias e um tipo primário de hipertensão pulmonar na doença tardia). Anticorpo anticentrômero é um fator de risco conhecido para isquemia digital e aparece, principalmente, na forma limitada de longa duração.27,28 Cheng et al.29 realizaram estudo sobre as propriedades biomecânicas (elástica e muscular) e espessamento do complexo médio intimal das artérias carótida e femoral em 19 pacientes com a forma difusa da ES, 33 com a forma limitada e 21 controles sadios. Observaram progressiva e significante redução na propriedade elástica da artéria carótida dos pacientes esclerodérmicos com a forma limitada da doença em relação ao grupo-controle. O envolvimento macrovascular pode somar-se às alterações microvasculares próprias da ES, exacerbando os distúrbios hemodinâmicos distais existentes, responsáveis pelas alterações das polpas digitais. Nossos achados nos levam a crer que, apesar de cronicamente lesado, o endotélio permanece responsivo na população 566 estudada. As anormalidades macrovasculares em indivíduos com ES são atribuídas a fatores estruturais e anatômicos da parede do vaso e não a alterações funcionais do endotélio.11 Foi encontrada diferença significativa ao se medir o DAB basal entre os grupos ESL e controle. Esse fato por si só pode aumentar o risco de doenças cardiovasculares nessa população. Já foi demonstrada uma associação entre menor DAB e presença de aterosclerose subclínica, estimada pela medida do espessamento médio intimal das artérias carótidas internas, indicando que o remodelamento arterial é um processo sistêmico na ES. Permanece ainda incerto se a dilatação da AB nesses casos é consequência de uma modificação estrutural nos componentes da parede do vaso ou se é diretamente causada pelo efeito dos fatores de risco cardiovasculares sobre o tônus simpático vascular. Uma redução importante na complacência arterial dos pacientes esclerodérmicos está relacionada à elasticidade do vaso, podendo ser consequência das alterações do tecido conectivo e refletir no aumento do risco cardiovascular.30 O DAB, um índice simples e reproduzível, pode ser um valioso indicador de risco cardiovascular, e sua variação é inversamente proporcional a esse risco.31 Os dados conflitantes com a literatura podem ser explicados devido à presença de numerosos vieses identificados em nosso estudo. O tamanho da amostra foi pequeno devido à baixa prevalência dessa doença em nossa população e à dificuldade encontrada em selecionar pacientes com ESL que preenchessem todos os critérios de inclusão. Outro fator de confundimento foi o fato de grande parte dos indivíduos estudados (70%) estarem fazendo uso regular de drogas vasoativas no momento em que se deu a avaliação do FMD e NMD pelo eco Doppler da AB. Assim como a maior parte dos estudos descritos na literatura,9,19–22,25 optamos pela não suspensão dessas medicações devido à gravidade da vasculopatia periférica que esses doentes apresentavam. Andersen et al.9 permitiram o uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) e de corticosteroides durante o estudo e constataram que os valores encontrados entre os grupos tratado e não tratado não diferiram significativamente, embora os níveis de nitrato plasmático tendessem a ser menores no grupo que usava corticosteroide. Bartoli et al.26 e Szucs et al.18 optaram pela suspensão de drogas vasoativas e antioxidantes em um período de 24 horas antes da realização do exame. Rajagopalan et al.21 permitiram que pacientes esclerodérmicos mantivessem o uso regular de ACC ou IECA desde que tivessem sido iniciados em um período superior a quatro meses antes da data de início da avaliação da função endotelial, porém excluíram pacientes que estivessem usando terapia antilipídica ou mais de duas drogas anti-hipertensivas Rev Bras Reumatol 2012;52(4):554-568 Avaliação da função endotelial em pacientes com esclerose sistêmica limitada por meio do eco Doppler da artéria braquial em combinação. Entre os 42 pacientes com ES analisados por Roustit et al.,22 16 faziam uso regular de ACC, três de IECA, um de bloqueadores do receptor de angiotensina II, dois de hidroxicloroquina, dois de ciclofosfamida, um fazia uso de corticosteroide, dois de azatioprina e um de metotrexato. Nenhum paciente usava análogos de prostaciclina durante o desenvolvimento deste estudo. Entre os 36 pacientes portadores de FRy primário, apenas dois usavam ACC. O tempo de evolução de doença também variou entre os indivíduos ESL, com apenas 30% da amostra apresentando tempo superior a 10 anos desde o diagnóstico. A exposição e a influência de fatores de risco para doenças cardiovasculares em ambos os grupos também não foram laboratorialmente estudadas. Diferenças antropométricas que podem influenciar o maior risco cardiovascular, tais como medida da circunferência abdominal, não foram avaliadas entre os grupos estudados. Deve-se ainda atentar para o fato de o mecanismo primário responsável pela determinação da resposta dilatadora da AB variar em função da posição do esfigmomanômetro no membro superior do indivíduo analisado. A maior parte da resposta é NO-dependente quando o esfigmomanômetro está localizado no antebraço dos indivíduos; porém, quando posicionado no braço, essa resposta é parcialmente dependente do NO. Escolhemos posicioná-lo no braço porque a esclerose cutânea é mais comum no antebraço, e quando comprimida torna a área muito dolorosa.32 Concluindo, nossos achados mostram que o DAB encontra-se reduzido em pacientes com ESL. Entretanto, a resposta dilatadora dependente e independente do endotélio manteve-se preservada, encorajando o tratamento desses doentes na tentativa de reduzir a morbimortalidade na evolução da doença. AGRADECIMENTOS Ao Dr. Nivaldo Ribeiro Villela, que se dedicou pessoalmente à análise e à execução do Doppler em cores da artéria braquial nos participantes deste estudo e sempre estimulou a realização deste trabalho; à Dra. Blanca Bica, que, como chefe do Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, viabilizou todo o projeto. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. Derk CT, Jimenez SA. Systemic sclerosis: current views of its pathogenesis. Autoimmun Rev 2003; 2(4):181–91. 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Bezerra10, Maria Teresa Terreri11, Marta Imamura12, Pedro Weingrill13, Perola G. Plapler14, Sebastião Radominski15, Tatiana Tourinho16, Vera L. Szejnfeld17, Nathalia C. Andrada18 RESUMO Os glicocorticoides (GC) são prescritos por praticamente todas as especialidades médicas, e cerca de 0,5% da população geral do Reino Unido utiliza esses medicamentos. Com o aumento da sobrevida dos pacientes com doenças reumatológicas, a morbidade secundária ao uso dessa medicação representa um aspecto importante que deve ser considerado no manejo de nossos pacientes. As incidências de fraturas vertebrais e não vertebrais são elevadas, variando de 30%–50% em pessoas que usam GC por mais de três meses. Assim, a osteoporose e as fraturas por fragilidade devem ser prevenidas e tratadas em todos os pacientes que iniciarão ou que já estejam em uso desses esteroides. Diversas recomendações elaboradas por várias sociedades internacionais têm sido descritas na literatura, porém não há consenso entre elas. Recentemente, o Americam College of Rheumatology publicou novas recomendações, porém elas são fundamentadas na FRAX (WHO Fracture Risk Assessment Tool) para analisar o risco de cada indivíduo e, dessa maneira, não podem ser completamente utilizadas pela população brasileira. Dessa forma, a Comissão de Osteoporose e Doenças Osteometabólicas da Sociedade Brasileira de Reumatologia, em conjunto com a Associação Médica Brasileira e a Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação, implementou as diretrizes brasileiras de osteoporose induzida por glicocorticoide (OPIG), baseando-se na melhor evidência científica disponível e/ou experiência de experts. Descrição do método de coleta de evidência: A revisão bibliográfica de artigos científicos desta diretriz foi realizada na base de dados MEDLINE. A busca de evidência partiu de cenários clínicos reais, e utilizou as seguintes palavras-chave (MeSH terms): Osteoporosis, Osteoporosis/chemically induced*= (Glucocorticoids= Adrenal Cortex Hormones, Steroids), Glucocorticoids, Glucocorticoids/administration and dosage, Glucocorticoids/therapeutic use, Glucocorticoids/adverse effects, Prednisone/adverse effects, Dose-Response Relationship, Drug, Bone Density/drug effects, Bone Density Conservation Agents/pharmacological action, Osteoporosis/ prevention&control, Calcium, Vitamin D, Vitamin D deficiency, Calcitriol, Receptors, Calcitriol; 1-hydroxycholecalciferol, Hydroxycholecalciferols, 25-Hydroxyvitamin D3 1-alpha-hydroxylase OR Steroid Hydroxylases, Prevention and Control, Spinal fractures/prevention & control, Fractures, Spontaneous, Lumbar Vertebrae/injuries, Lifestyle, Alcohol Drinking, Smoking OR tobacco use disorder, Movement, Resistance Training, Exercise Therapy, Bone density OR Bone and Bones, Dual-Energy X-Ray Absorptiometry OR Absorptiometry Photon OR DXA, Densitometry, Radiography, (Diphosphonates Alendronate OR Risedronate Pamidronate OR propanolamines OR Ibandronate OR Zoledronic acid, Teriparatide OR PTH 1-34, Men AND premenopause, pregnancy, pregnancy outcome maternal, fetus, lactation, breast-feeding, teratogens, Children (6–12 anos), adolescence (13–18 anos). Grau de recomendação e força de evidência: A) Estudos experimentais e observacionais de melhor consistência; B) Estudos experimentais e observacionais de menor consistência; C) Relatos de casos (estudos não controlados); D) Opinião desprovida de avaliação crítica, com base em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais. Objetivo: Estabelecer as diretrizes para a prevenção e o tratamento da OPIG. Palavras-chave: tratamento, osteoporose, glicocorticoide. © 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO Os glicocorticoides (GC) são utilizados por praticamente todas as especialidades médicas. Cerca de 0,5% da população geral do Reino Unido utiliza esses medicamentos, chegando a uma frequência de 1,75% das mulheres acima de 55 anos (B).1 A incidência de fraturas vertebral e não vertebral é elevada, variando de 30%–50% em pessoas que usam GC por mais de Recebido em 26/02/2012. Aprovado, após revisão, em 06/03/2012. Os conflitos de interesse e a titulação dos autores estão declarados no final do artigo. Sociedade Brasileira de Reumatologia, Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação, Associação Médica Brasileira. 580 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):569-593 Diretrizes para prevenção e tratamento da osteoporose induzida por glicocorticoide três meses (A).2 O uso de GC provoca perda de massa óssea, sobretudo de osso trabecular (tipo de osso predominante nas vértebras), e essa perda é mais pronunciada nos primeiros meses da terapia. Há perda de 10%–20% de osso trabecular nos primeiros seis meses de uso de GC, e de 2% ao ano nos anos subsequentes. Também ocorre perda de osso cortical (em maior proporção em ossos longos) em 2%–3% no primeiro ano, e depois uma perda lenta e contínua é mantida (A).2 É importante ressaltar que o risco de fratura para uma mesma densidade mineral óssea (DMO) é maior na osteoporose induzida por glicocorticoide (OPIG) que na osteoporose pós-menopausa ou senil (B).3 O risco de fratura depende da dose do GC. O uso de prednisona em até 2,5 mg/dia leva a risco relativo (RR) de 1,55; na dose de 2,5–7,5 mg/dia o RR é de 2,59, e com doses maiores que 7,5 mg/dia o RR chega a 5,18 – todos riscos com significância estatística (A).4 Um estudo utilizando banco de dados populacional (244.235 participantes usuários de GC e 244.235 controles) do Reino Unido (General Practice Research Database – GPRD) avaliou o risco de fraturas nesses pacientes em uso de GC (dose média de prednisolona de 7,8 mg/dia, e dose média cumulativa de 13,9 g) e encontrou risco aumentado significativo de fraturas, principalmente vertebrais: RR de qualquer fratura 1,33 (95% IC; 1,29–1,38), RR de fratura de quadril 1,61 (95% IC; 1,47–1,76) e RR de fratura vertebral 2,60 (95% IC; 2,31–2,92) (B).5 Devido à elevada frequência do uso de GC e ao aumento da morbidade e da mortalidade relacionadas a seu uso, diversas recomendações elaboradas por várias sociedades internacionais têm sido descritas na literatura (D).6–11 Porém, não há consenso entre elas. Recentemente, o American College of Rheumatology (ACR) publicou um novo consenso, que utiliza a ferramenta FRAX® (WHO Fracture Risk Assessment Tool) para analisar o fator de risco de cada indivíduo (D).12 No entanto, a FRAX não pode ser completamente utilizado pela população brasileira. Assim, o objetivo deste trabalho foi elaborar uma diretriz com base na melhor evidência científica e/ou na experiência de experts, quando esta evidência não fosse disponível. Há fatores de riscos que contribuem para determinar se o risco do paciente é baixo, médio ou alto de desenvolver OPIG. Dentre os fatores de risco maiores incluem-se história pessoal de fratura na vida adulta, história de fratura em parente de primeiro grau, tabagismo atual e baixo peso (< 57 kg). Como fatores de risco menores, listamos idade avançada, deficiência de estrógeno (menopausa antes dos 45 anos), baixa ingestão de cálcio durante a vida, atividade física inadequada, alcoolismo (três ou mais unidade de álcool/dia), quedas recentes, demência, déficit de visão e saúde fragilizada. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):569-593 Esta diretriz não abordará OPIG em situações de uso de GC inalado, pulsoterapia de GC e em pacientes submetidos a transplantes. 1. QUAIS SÃO A DOSE E A DURAÇÃO MÍNIMA DE GC QUE INDICAM PREVENÇÃO E TRATAMENTO DA OPIG? A dose mínima de GC que indica risco de fratura é de 5 mg/dia, e o período mínimo é de três meses de uso (A).2 Além disso, três diretrizes internacionais (D)6,7,11 também fazem essa recomendação: pacientes que iniciarão GC (prevenção) em uma dose de pelo menos 5 mg/dia de prednisona ou equivalente por pelo menos três meses são indivíduos de risco, e deve ser instituída medicação farmacológica e mudança de estilo de vida. Outras diretrizes (D)8,10 recomendam essa prevenção em doses ≥ 7,5 mg/dia. Por outro lado, a diretriz da UK Bone Research Society, National Osteoporosis Society e Royal College of Physician (D)9 não especifica a dose. Em relação à duração de uso de GC, a maioria das diretrizes especifica pelo menos três meses para pacientes que iniciarão o uso de GC (prevenção) (D).6–9 Em relação a pacientes que já fazem uso de GC (tratamento), algumas sociedades (D)6,11 recomendam realizar tratamento para OPIG quando a dose de GC for ≥ 5 mg/dia. A Sociedade Belga (D)10 recomenda tratamento quando GC for ≥ 7,5 mg/dia. Outras sociedades (D)7–9 não especificam a dose para os pacientes em uso de GC (tratamento). As Recomendações para Prevenção e Tratamento da OPIG do ACR especificam a dose de GC com base no risco de perda óssea calculado pela ferramenta FRAX (D),12 porém essa avaliação de risco não pode ser completamente utilizada na população brasileira. As recomendações de prevenção e tratamento são as seguintes: • Baixo risco (FRAX®) em mulheres pós-menopausadas e homens ≥ 50 anos, se o paciente fizer uso ≥ 7,5 mg/dia; • Médio risco (FRAX®) em mulheres pós-menopausadas e homens ≥ 50 anos, para qualquer dose de GC; • Alto risco (FRAX®) em mulheres pós-menopausadas e homens ≥ 50 anos, para qualquer dose de GC; • Mulheres pré-menopausa (sem risco de engravidar) e homens com menos de 50 anos com história de fratura por fragilidade, com duração de GC entre 1–3 meses, quando a dose de GC for ≥ 5 mg/dia; • Mulheres pré-menopausa (com risco de engravidar) e fratura por fragilidade prévia, com duração de GC ≥ 3 meses, quando a dose de GC for ≥ 7,5 mg/dia. 581 Pereira et al. Recomendação Recomenda-se que pacientes que iniciarão GC (prevenção) na dose de ≥ 5 mg/dia com duração de tratamento previsto ≥ 3 meses recebam medicação específica para tratamento preventivo de OPIG e mudança de estilo de vida. De forma semelhante, pacientes em uso de GC (tratamento) na dose de ≥ 5 mg/dia de prednisona ou equivalentes também devem realizar o mesmo tratamento preventivo para OPIG (D).6 Há indicação de medidas preventivas e terapêuticas em todos os pacientes de alto risco de OPIG, independente da dose de GC (D).12 Essas recomendações são fundamentadas porque até 50% dos pacientes em uso de GC por mais de três meses têm aumento do risco de fraturas vertebrais (mais frequentes) e não vertebrais (B).5 Importante lembrar que para um mesmo valor de DMO há maior risco de fratura nos casos de OPIG (A).2 2. O CÁLCIO DEVE SER UTILIZADO NA PREVENÇÃO E NO TRATAMENTO DA OPIG? Cálcio e vitamina D são nutrientes essenciais para a manutenção da saúde. A suficiência desses dois nutrientes é considerada pré-requisito em qualquer intervenção terapêutica para osteoporose (D).6–9 Esquemas de tratamento com o cálcio como terapia para a prevenção da OPIG em população de homens, mulheres prémenopausadas e pós-menopausadas demonstraram que o uso isolado de carbonato de cálcio na dose de 1.000 mg/dia leva à perda de 4,3% da DMO na coluna lombar em um ano (A).13 Mulheres pré-menopausadas com diagnóstico de lúpus em uso mediano de 2,5 anos de GC (variando de 0–20 anos) foram estudadas após dois anos de reposição de carbonato de cálcio (500 mg/dia) isolado ou associado na mesma dose com calcitriol (0,25 µg/dia). Não houve diferença significativa da DMO entre os dois grupos, demonstrando que tanto o cálcio isolado quanto a combinação de cálcio com calcitriol preservam a DMO em coluna lombar nessa população (A).14 O uso de bisfosfonato não é recomendável em mulheres pré-menopausadas com risco de engravidar. Como monoterapia, considera-se que o cálcio não é suficiente para prevenção ou tratamento da OPIG (D).15 Recomendação Carbonato de cálcio na dose de 1.000 mg/dia usado isoladamente não previne perda de massa óssea nem fratura em pacientes que iniciam o uso crônico de GC, principalmente em mulheres na pós-menopausa – portanto, não é indicado para prevenção primária (A).13 Para prevenção secundária, 582 há evidência de manutenção de DMO na coluna lombar em mulheres em pré-menopausa tanto com o uso de carbonato de cálcio (500 mg/dia) isolado quanto associado ao calcitriol (0,25 µg/dia) (A).14 3. QUE APRESENTAÇÃO DA VITAMINA D DEVE SER UTILIZADA NA PREVENÇÃO E NO TRATAMENTO DA OPIG? Embora o termo vitamina D seja utilizado para abranger tanto os calciferois (colecalciferol e ergocalciferol) quanto os análogos da vitamina D ativada, seus perfis terapêuticos são bastante distintos. As formas mais comumente usadas são os metabólitos ativos da vitamina D, o calcitriol (1,25-dihidroxivitamina D) e o alfacalcidol (1-α-hidroxivitamina D). Estudos de cálcio associado à vitamina D demonstram resultados variáveis. Em uma metanálise comparando análogos da vitamina D ativa (alfacalcidol e calcitriol) e calciferol em usuários crônicos de GC, demonstrou-se que os metabólitos ativos reduzem significativamente a perda de massa óssea do quadril e da coluna com tamanho de efeito (effect size – ES) = 0,43 e P < 0,001; diferentemente, o uso de calciferol evitou a perda da massa óssea apenas em quadril (A).16 Nessa metanálise somente dois trabalhos estudaram os efeitos do calcitriol sobre a incidência de fraturas decorrentes de OPIG. A redução do risco encontrado foi não significativa, e até o momento está definida a não eficácia da vitamina D para redução de fraturas decorrentes de OPIG (A).13,17 Nas prevenções primária e secundária da OPIG os análogos de vitamina D ativa foram mais eficazes na preservação da DMO e diminuíram o risco de fraturas vertebrais em comparação aos calciferois ou ao cálcio isoladamente, ao placebo ou a nenhum tratamento, com RR = 0,35 (95% IC; 0,18–0,52). Na análise de subgrupos dos análogos observou-se que o alfacalcidol preveniu fraturas, e que o calcitriol apresentou apenas tendência a efeito protetor (B).18 Em uma comparação direta entre alfacalcidol e vitamina D não ativa, a forma ativa foi significativamente mais eficaz em termos de ganho de massa óssea e redução do risco de fratura de coluna vertebral, pois com alfacalcidol há redução significativa de 61% nas fraturas vertebrais e de 52% em todas as fraturas vertebrais e combinadas, quando comparado ao grupo da vitamina D (B).19 O alfacalcidol na dose de 0,25–1,0 µg/dia é capaz de prevenir a redução da massa óssea, e também foi observada ação protetora sobre a fratura vertebral. O calcitriol (0,5–1,0 µg/dia) parece prevenir perda de massa óssea em coluna, mas não previne fraturas. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):569-593 Diretrizes para prevenção e tratamento da osteoporose induzida por glicocorticoide Recomendação A vitamina D, em suas formas ativa (alfacalcidol e calcitriol) e não ativa (colecalciferol e ergocalciferol), previne a perda de massa óssea em usuários crônicos de GC (A);16 porém, a prevenção de perda de massa óssea realizada com calciferois não reduz a incidência de fraturas (A).13,16,17 O alfacalcidol na dose de 0,25–1,0 µg/dia previne a redução da massa óssea e diminui o risco de fratura (vertebral ou não vertebral) em usuários crônicos de GC (B).19 Recomenda-se o monitoramento da calcemia e da calciúria em pacientes que recebem prescrição de vitamina D, principalmente quando se utilizam os análogos. 4. HÁ BENEFÍCIO NA ASSOCIAÇÃO DE CÁLCIO COM VITAMINA D NA PREVENÇÃO E NO TRATAMENTO DA OPIG? A suplementação terapêutica de cálcio e de vitamina D é considerada como primeiro passo no tratamento da OPIG, com baixos índices de toxicidade e de custo. A associação de cálcio e de vitamina D melhorou significativamente a DMO da coluna lombar (média ponderada de 2,6 e 95% IC; 0,7–4,5) e do rádio (média ponderada de 2,5 e 95% IC; 0,6–4,4) em 33% dos pacientes em uso de GC, porém não produziu efeitos significativos no fêmur ou na incidência de fraturas (A).20 Pacientes com diagnóstico de artrite reumatoide e em uso crônico de GC apresentaram benefício estatisticamente significativo na associação entre carbonato de cálcio (1.000 mg/dia) e vitamina D (500 unidades diárias) quando comparada ao placebo. Os pacientes em uso da associação apresentaram aumento da massa óssea (0,72%/ano) na coluna lombar e aumento de 0,85% anual no trocânter. Em comparação, o grupo-placebo perdeu massa óssea na coluna lombar e no fêmur a uma taxa de 2% e 0,9% ao ano, respectivamente (A).21 O uso combinado de calcitriol (dose média de 0,6 µg/dia) e cálcio (carbonato de cálcio 1.000 mg/dia), com ou sem calcitonina sintética (400 UI via nasal por dia), evitou perda da DMO na coluna lombar, diminuindo essa perda de 4,3% para somente 0,2% em um ano (P = 0,0035). Esse benefício não foi observado no colo de fêmur e em rádio distal (A).13 Ao comparar pacientes portadores de OPIG em uso da associação de 500 mg/dia de carbonato de cálcio com alfacalcidol 1 µg/dia ou a mesma dose de cálcio com 1.000 UI/dia de vitamina D3, o primeiro esquema terapêutico levou a maior benefício em três anos. Nova fratura vertebral ocorreu em 9,7% dos pacientes em uso de alfacalcidol e em 24,8% no grupo da vitamina D3, com redução de RR = 0,61 (95% IC; 0,24–0,81). Não houve redução de risco de fraturas não Rev Bras Reumatol 2012;52(4):569-593 vertebrais. Ao avaliar qualquer nova fratura, ou seja, vertebral e não vertebral, em três anos, a primeira associação medicamentosa apresentou 19,4% de fraturas, enquanto o segundo esquema terapêutico apresentou 40,65%, fornecendo redução significativa de RR = 0,52 (95% IC; 0,25–0,71 e P = 0,0001) (B).19 Recomendação Há benefícios na associação de cálcio e vitamina D por sua eficácia na prevenção de perda de massa óssea em pacientes sob glicocorticoterapia (A).20 Entretanto, ainda permanece controverso o estabelecimento da melhor forma de vitamina D a ser administrada – se calciferol, alfacalcidol ou calcitriol. Até o momento, somente alfacalcidol associado ao cálcio demonstrou redução significativa do risco de fratura vertebral, sem efeito em fraturas não vertebrais (B).19 5. QUE MUDANÇAS NO ESTILO DE VIDA DEVEM SER REALIZADAS PARA A PREVENÇÃO E O TRATAMENTO DA OPIG? Sabe-se que fatores de risco, tais como tabagismo (B),22 elevada ingestão de álcool (três ou mais unidades diárias) (B),23,24 sedentarismo (gasto energético < 1.682 kcal/dia com RR = 1,7; 95% IC; 1,2–2,3) (B),25 riscos de quedas recorrentes em idosos frágeis com odds ratio (OR) = 1,38 (95% IC; 1,02–1,88) (A)26 e baixo peso (cada desvio padrão de redução no peso aumenta significativamente em 19% o risco de fratura patológica) exercem efeitos negativos sobre a massa óssea, mesmo em mulher jovem usando GC (B).27 Recomendação Assim como na osteoporose primária, na prevenção e no tratamento da OPIG devem-se remover ou reduzir os fatores de risco modificáveis, tais como fumo (B),22 ingestão de álcool (< três unidades diárias) (B),23 sódio (principalmente em caso de hipercalciúria), sedentarismo (B),25 baixo peso (B)27 e cuidado especial com o idoso frágil, pois este apresenta risco com significância estatística de quedas recorrentes (A).26 6. QUE MODALIDADES DE EXERCÍCIO FÍSICO SÃO RECOMENDADAS PARA A PREVENÇÃO E O TRATAMENTO DA OPIG? Exercícios com carga melhoram a massa óssea de crianças e de adolescentes e podem reduzir a velocidade de perda óssea em idosos. Além disso, a prática regular de exercício físico leva 583 Pereira et al. a melhor mobilidade e força muscular, diminuindo a chance de quedas (D).28,29 A prática de exercícios físicos, principalmente de moderado a alto impacto, é recomendada para a prevenção e o tratamento da osteoporose pós-menopausa (A).30 De forma semelhante, avaliando-se idosos acima de 65 anos não usuários de GC, observa-se redução de risco e de frequência de quedas por meio da intervenção do exercício, com RR = 0,83 (95% IC; 0,72–0,97) e RR = 0,78 (95% IC; 0,71–0,86), respectivamente. Reduções semelhantes mantendo-se a significância estatística também foram atingidas com a prática de Tai Chi Chuan (A).31 No entanto, não há evidência quanto ao papel do exercício físico na OPIG. Acredita-se que exercícios para melhorar a força dos membros inferiores e o equilíbrio são particularmente importantes nesses pacientes, nos quais a miopatia e o risco de quedas são comuns; porém, desconhe-se se a atividade física melhoraria a miopatia induzida pelo GC (D).32 Pacientes pós-transplante cardíaco em uso de GC foram avaliados em três grupos: alendronato associado a exercício físico resistido, alendronato isolado e controle sem intervenções. Após seis meses, observou-se que o grupo de alendronato mais exercício físico apresentou melhora da massa óssea na coluna lombar e no fêmur em relação aos grupos alendronato isolado e controle, sem voltar ao nível pré-transplante. O grupo alendronato conseguiu estabilizar a perda de massa óssea nos primeiros dois meses pós-transplante sem voltar ao nível pré-transplante, e o grupo-controle continuou perdendo massa óssea (B).33 Usuários crônicos de GC submetidos a um Programa de Cuidado Específico para Osteoporose tiveram, no final de seis meses a um ano, melhora da DMO da coluna e do fêmur total associada à diminuição da dose de GC utilizada, maior frequência de exercícios e aumento dos valores de 25-OH vitamina D, em comparação ao início do estudo (B) 34 Um grupo de pacientes com artrite reumatoide, dos quais apenas 9% faziam uso de GC no momento do estudo e 11% nunca tinham usado GC (portanto, uma população um pouco diferente do usuário habitual de GC), realizou fisioterapia usual ou exercícios com carga, com alta intensidade e por longo período de treinamento. A taxa de perda de massa óssea no quadril foi menor no grupo de exercício, o que não foi observado em relação à coluna (B).35 Recomendação Os exercícios físicos, principalmente de resistência com carga, são recomendados para a prevenção e o tratamento de pacientes com OPIG (B).35 Os exercícios de equilíbrio também 584 são recomendados, principalmente para pacientes com risco de queda (D).32 7. A DENSITOMETRIA DEVE SER SOLICITADA ANTES DA PRESCRIÇÃO DE GC (PREVENÇÃO) E APÓS, COM O INDIVÍDUO JÁ EM USO DE GC (TRATAMENTO)? A DMO da coluna lombar é um preditor significativo de novas fraturas em pacientes em uso de GC. Assim, para cada um ponto de redução do T-score o RR de fratura é de 1,85 (95% IC; 1,06–3,21) (A).4 As Recomendações para Prevenção e Tratamento da OPIG do ACR sugerem a realização de densitometria em pacientes que usarão GC (prevenção) por tempo > 3 meses, em doses ≥ 5 mg/dia, e nos pacientes que estão fazendo uso de GC (tratamento) (D).6 Novas recomendações dessa mesma entidade sugerem a realização de densitometria em qualquer paciente que usará GC (prevenção) e nos pacientes que estão fazendo uso de GC (tratamento), independente da dose e do tempo de uso (D).12 Recomendação Pacientes que usarão GC (prevenção) por tempo > 3 meses, em doses ≥ a 5 mg/dia, e pacientes que fazem uso de GC (tratamento) devem realizar densitometria antes da prescrição do GC (D)6 e, posteriormente (controle), para avaliar o grau de redução da massa óssea e conhecer o risco de fratura (A).4 8. A AVALIAÇÃO POR IMAGEM DA COLUNA VERTEBRAL TORÁCICA E LOMBAR POR RADIOGRAFIA OU DENSITOMETRIA (VFA) DEVE SER SOLICITADA ANTES DA PRESCRIÇÃO (PREVENÇÃO) E DURANTE O USO DE GC (TRATAMENTO)? Cerca de 33% dos pacientes em uso de GC apresentam fraturas, principalmente na região vertebral, e somente 30% dessas fraturas são sintomáticas e podem não estar associadas à baixa DMO (B).36 Nesse sentido, a radiografia de coluna vertebral é fundamental para o diagnóstico. As Recomendações Preliminares para Prevenção e Tratamento da OPIG do ACR especificam a avaliação por imagem da coluna vertebral (radiografia ou densitometria) por meio do vertebral fracture assessment (VFA) (D).12 Essa recomendação da avaliação da coluna vertebral no sentido Rev Bras Reumatol 2012;52(4):569-593 Diretrizes para prevenção e tratamento da osteoporose induzida por glicocorticoide da detecção de fraturas vertebrais também é sugerida nas diretrizes da International Society for Clinical Densitometry (ISCD) (D).37 Não há dados na literatura referentes ao momento de realização da radiografia ou VFA nesses pacientes. Recomendamos essa avaliação antes da introdução do GC, a cada seis meses no primeiro ano de uso do GC e, posteriormente, uma vez a cada um a dois anos, enquanto for mantido o uso do medicamento. Recomendação A radiografia de coluna vertebral ou VFA deve ser realizada antes da introdução do GC, a cada seis meses no primeiro ano do uso do GC e, posteriormente, uma vez a cada um a dois anos, enquanto for mantido o uso do GC (D).12,37 9. QUE VALOR DE T-SCORE INDICA PREVENÇÃO E TRATAMENTO DE OPIG EM HOMENS? Semelhante ao descrito previamente, os homens que iniciam a terapia com GC por tempo > 3 meses devem realizar DMO. Estudos prévios demonstraram que, dentre os homens que apresentaram alguma fratura, 16% tinham DMO entre –1 e –2,5 desvios padrão (DP) (A);38 o risco de fratura é dosedependente. Em homens usando até 2,5 mg de prednisona o risco de fratura vertebral foi de 1,55, aumentando para 5,18 com doses > 7,5 mg (B).39 O aumento no risco de fratura é rápido após o início da terapia por corticosteroide, com aumento significativo no risco de fratura não vertebral nos primeiros três meses (A).40 Recomendação Consideramos para prevenção um T-Score ≤ –1 DP para homens. Consideramos para tratamento um T-Score ≤ –1,8 DP (A).38 10. A DENSITOMETRIA DEVE SER REALIZADA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES QUE INICIARÃO (PREVENÇÃO) OU QUE JÁ ESTEJAM EM USO (TRATAMENTO) DE GC? Em estudo com uma população de crianças de 4–17 anos de um banco de dados britânico (37.562 em terapia com GC e 345.748 sem terapia com GC), os autores descreveram que as crianças que recebiam quatro ou mais cursos de GC sistêmicos tiveram OR para fratura de 1,32 (A).41 Doses de prednisona ≥ 0,16 mg/kg/dia para crianças são consideradas osteopenizantes (B).42 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):569-593 Crianças com artrite idiopática juvenil utilizando dose de 0,62 mg/kg/dia de prednisona apresentam aumento do risco de fratura vertebral em um período de 2,6 anos (B).43 Esses estudos são aqueles que apoiam a recomendação de que, quando a criança e o adolescente já se encontram em uso de GC, deve-se solicitar a DMO devido ao risco de fratura (D).37,44 Nos casos em que a criança iniciará o uso crônico de GC, com base nas recomendações de adultos ou nas recomendações feitas para crianças e adolescentes com baixa massa óssea secundária a doenças sistêmicas (D),37 recomenda-se a realização de DMO basal antes do uso do GC. Nesse sentido, as regiões a serem avaliadas em crianças e adolescentes são a coluna lombar e o corpo inteiro (neste último, deve-se excluir a cabeça) (D).37 A região dos quadris, devido à grande variabilidade, não tem preferência nessa análise. A região de fêmur proximal não apresenta curva padrão para crianças e adolescentes. O Z-Score deve ser utilizado em crianças e adolescentes. A descrição do T-Score não deve aparecer nesse exame. Para crianças e adolescentes, deve-se empregar o termo “baixa massa óssea para a idade cronológica” quando o Z-Score for ≤ –2,0 DP. Os termos osteopenia e osteoporose não devem ser utilizados na faixa etária pediátrica com base apenas no critério densitométrico (D).37,44 Em crianças com baixa estatura ou atraso puberal, a análise densitométrica para o cálculo do Z-Score deve ser fundamentada na idade estatural ou na idade óssea, e não na idade cronológica. O diagnóstico de osteoporose na faixa etária pediátrica exige presença de história de fratura clínica (definida como pelo menos uma fratura de osso longo dos membros inferiores, pelo menos duas fraturas nos membros superiores ou uma fratura compressiva vertebral) associada ao uso de DMO (D).37,44 Recomendação A DMO deve ser realizada em crianças e adolescentes que iniciarão GC (prevenção) nas doses de prednisona ≥ 0,16 mg/kg/dia, já considerada osteopenizante (B),42 e naqueles que já receberam quatro ou mais cursos de GC sistêmicos (A).41 A DMO deve ser realizada em crianças e adolescentes que estão fazendo uso (tratamento) de GC, com base nas recomendações de adultos, antes do uso e do controle, avaliando a coluna lombar e o corpo inteiro (excluindo-se a cabeça). Os termos osteopenia e osteoporose não devem ser utilizados na faixa etária pediátrica, e o escore utilizado deve ser o Z-Score em vez do T-Score (D).37 O monitoramento deve ser feito com base no conteúdo mineral ósseo (CMO) e não na DMO, já que esta leva em consideração a área. 585 Pereira et al. 11. O ALENDRONATO/RISEDRONATO DEVE SER UTILIZADO PARA A PREVENÇÃO DE OPIG? Os efeitos positivos dos bisfosfonatos na massa óssea de pacientes tratados com GC foram demonstrados em estudos clínicos (A).45,46 Ao comparar o uso de alendronato (5 ou 10 mg/dia) com placebo (mantida a reposição de cálcio e de vitamina D), observa-se redução do RR de perda de massa óssea na coluna lombar com uso de alendronato de 35%, beneficiando uma em cada três pessoas tratadas por 48 semanas (NNT = 3, com 95% IC; 2–4). Entretanto, não há benefício na redução de fraturas vertebrais, chegando a NNT = 83 (mas com 95% IC variando de 23 até o infinito) (A).45 O uso de alendronato 10 mg/dia por 72 semanas foi comparado ao uso de alfacalcidol 1 µg/dia e demonstrou aumento da massa óssea (ou redução do risco de perda de massa óssea), porém sem redução de fraturas vertebrais, chegando a NNT = 20, mas com 95% IC de 9 até infinito (A).47 O uso de risedronato 5 mg/dia por 48 semanas (mantida reposição de cálcio) levou à redução significativa do RR de perda de massa óssea na coluna lombar em homens e em mulheres pós-menopausadas, mas não nas pré-menopausadas. Houve redução de fraturas vertebrais, com benefício de uma a cada nove pessoas tratadas por 48 semanas (NNT = 9, com 95% IC; 5–55). Na dose de 2,5 mg/dia não houve benefício. Houve perda de 32% no segmento estudado, mas a avaliação foi feita por intenção de tratamento (A). 46 Os efeitos desse grupo de drogas na redução de fraturas vertebrais também foram demonstrados em estudos controlados. Utilizando risedronato 5 mg/dia (mantido uso de cálcio e de vitamina D) houve redução na incidência de fraturas vertebrais após um ano de tratamento (A).48 Não existem trabalhos realizados com ibandronato em OPIG. Recomendação O uso de alendronato (5 ou 10 mg/dia) aumenta a massa óssea, com benefício de uma a cada três pessoas tratadas por 48 semanas (A),45 porém não há melhora na redução de fraturas de vértebras (A).45,47 O uso de risedronato 5 mg/dia (não na dose de 2,5 mg/dia) aumenta a massa óssea e reduz fraturas de vértebras em até 70% dos casos, com benefício de uma a cada nove pessoas tratadas por 48 semanas (A).46 586 12. O ALENDRONATO/RISEDRONATO DEVE SER UTILIZADO PARA A PREVENÇÃO E O TRATAMENTO DE OPIG EM HOMENS? Os efeitos benéficos do alendronato em homens em uso de GC foram avaliados em três subgrupos de indivíduos: placebo, 5 mg de alendronato para prevenção e 10 mg para tratamento. Após 48 semanas, houve aumento da DMO na coluna lombar de 3% (10 mg) e de 1,9% (5 mg), comparado à diminuição observada no grupo-placebo. No fêmur demonstrou-se aumento de 1% em ambos os grupos que usaram alendronato, e diminuição da DMO no grupo-placebo. Em relação às fraturas, houve redução não significativa nos dois grupos que usaram alendronato (1,4% e 2,1%) (A).45 O uso de alendronato nas doses de 5 ou 10 mg/dia por dois anos em homens também divididos em três grupos demonstrou aumento de massa óssea de 4,29% (5 mg) e 6,29% (10 mg) na coluna lombar. Em relação às fraturas, houve ocorrência de 6,8% no grupo-placebo e de 0,7% nos dois grupos com alendronato, mas essa redução não foi significativa. Mesmo em uso de alendronato 5 ou 10 mg/dia por até dois anos, não houve benefício significativo para redução do risco de fraturas, com NNT = 16, mas com 95% IC; 8 até infinito (B).49 Em relação ao risedronato, homens em uso de GC foram avaliados por um ano e divididos em três grupos: placebo, 2,5 mg de risedronato e 5 mg de risedronato. Observou-se aumento da DMO na coluna lombar de 2,1% (2,5 mg) e de 4,8% (5 mg) em comparação à diminuição no grupo-placebo. No fêmur, percebeu-se aumento da DMO de 2,1% somente no grupo que usou 5 mg de risedronato. No grupo que usou 2,5 mg houve estabilização da massa óssea. De forma interessante, houve redução significativa de 82,4% (95% IC; 36,6%–95,1%) no número de fraturas dos grupos em uso de risedronato 5 mg/dia por um ano (A).50 Estudo utilizando esse mesmo bisfosfonato por 20 meses em homens distribuídos em três grupos idênticos ao estudo anterior levou à estabilização da massa óssea em ambos os grupos da intervenção, além de diminuição no grupo-placebo, tanto na coluna quanto no fêmur. Em relação a fraturas vertebrais e não vertebrais, não houve redução significativa (A).51 Recomendação O alendronato 5 ou 10 mg/dia pode ser utilizado para prevenção e tratamento de OPIG em homens, com benefício demonstrado na redução da massa óssea, mas sem redução de fraturas vertebrais (B).49 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):569-593 Diretrizes para prevenção e tratamento da osteoporose induzida por glicocorticoide O uso de risedronato 5 mg/dia aumenta a massa óssea e reduz fraturas de vértebras em até 82,4% dos casos na população masculina (A).50 Os bisfosfonatos não apresentam benefícios para fraturas não vertebrais, principalmente para fraturas de rádio (A).38 13. O ÁCIDO ZOLEDRÔNICO PODE SER UTILIZADO PARA PREVENÇÃO E TRATAMENTO DE OPIG? no quadril quando comparado ao risedronato. Esse aumento, porém, não demonstrou redução significativa de novas fraturas (A).53 A facilidade posológica aumenta a adesão ao tratamento, e isso se associa à redução de risco de fraturas (B).54 Pode ser uma alternativa para indivíduos com distúrbios gastrintestinais e dificuldades no uso de bisfosfonatos orais. 14. A TERIPARATIDA DEVE SER UTILIZADA PARA PREVENÇÃO E TRATAMENTO DE OPIG? O ácido zoledrônico é um bisfosfonato que, quando administrado por infusão intravenosa anual, aumenta a DMO e reduz a incidência de fraturas em mulheres na pós-menopausa após o primeiro ano de tratamento, com NNT = 18 (95% IC; 15–22) para fraturas vertebrais e NNT = 100 (95% IC; 63–245) para fraturas no quadril (A).51 Essa medicação, se aplicada até 90 dias depois da cirurgia reparadora de fratura traumática de baixo impacto no quadril, reduz a mortalidade em pacientes com 50 anos ou mais (NNT = 26 com 95% IC; 15–92), além de reduzir o risco de novas fraturas (NNT = 22, com 95% IC; 14–54) (A).52 Porém, esses resultados não podem ser transferidos para a população-alvo desta diretriz. Comparou-se o ácido zoledrônico 5 mg/dose única com risedronato 5 mg/dia em indivíduos em uso de pelo menos 7,5 mg/dia de prednisolona ou equivalente por pelo menos 12 meses, mantendo ambos os grupos com reposição de cálcio e de vitamina D. A infusão endovenosa única de ácido zoledrônico foi superior ao risedronato tanto para a prevenção, em que foi 1,96% melhor (95% IC; 1,04–2,88, P = 0,0001), quanto para o tratamento da OPIG, sendo 1,36% melhor (95% IC; 0,67–2,05, P = 0,0001). Após seis e 12 meses de tratamento houve aumento significativo da DMO na coluna lombar e no quadril, tanto na cabeça femoral quanto no trocânter, porém sem redução significativa de novas fraturas. O ácido zoledrônico causou mais efeitos adversos que o risedronato, especialmente três dias após a infusão, incluindo sintomas de influenza-like (P = 0,0038) e pirexia (P = 0,0016). Efeitos adversos graves foram similares nos dois grupos (A).53 Como essa medicação é empregada uma vez ao ano, ela tem facilidade posológica e, dessa maneira, aumenta a aderência, principalmente naqueles pacientes que fazem uso de polifarmácia. Já foi demonstrado que a melhora da aderência está associada à redução do risco de fraturas (B).54 Essa medicação é uma alternativa para ser utilizada nos indivíduos com distúrbios gastrintestinais que dificultem o uso de bisfosfonatos orais. Teriparatida, uma forma do hormônio das paratireoides obtida por técnica de DNA recombinante (PTH 1–34), é um agente anabólico que aumenta a função e reduz a apoptose dos osteoblastos e osteócitos, além de aumentar a diferenciação dos pré-osteoblastos em osteoblastos (D).55,56 Por isso, em termos de fisiopatologia, a teriparatida é a droga ideal para o tratamento da OPIG, pois age estimulando a formação óssea, ação contrária àquela observada pelos GC nesse tecido. Teriparatida na dose de 20 µg/dia subcutânea aumenta mais a DMO na coluna lombar que o alendronato via oral na dose de 10 mg/dia (P < 0,001). Ao final de 18 meses, o grupo tratado com teriparatida apresentou ganho significativamente maior da DMO na coluna (7,2%) que o grupo que recebeu alendronato (3,4%). Além disso, o grupo que recebeu teriparatida evoluiu com menor número de fraturas vertebrais que o grupo tratado com alendronato, tanto após 18 meses (NNT = 24, com 95% IC; 14–83) como após 36 meses de uso do medicamento (NNT = 21, com 95% IC; 12–89). O número de fraturas não vertebrais foi semelhante nos dois grupos (P = 0,36), tanto aos 18 meses como após 36 meses (P = 0,84) (A).57,58 Comparando mulheres pós-menopausa, pré-menopausa e homens, o aumento da DMO na coluna foi significativamente maior nas mulheres pós-menopausa (7,8 vs. 3,7%, P < 0,001) nas mulheres na pré-menopausa (7,0 vs. 0,7%, P < 0,001) e homens (7,3 vs. 3,7%, P = 0,03) que receberam teriparatida comparado com alendronato (A).59 Fraturas vertebrais radiológicas ocorreram em apenas uma paciente na pós-menopausa com teriparatida e em 10 pacientes com alendronato (seis mulheres em pós-menopausa e quatro homens) (P = 0,004). Fraturas não vertebrais ocorreram em 12 pacientes com teriparatida (nove mulheres na pós-menopausa, duas na pré-menopausa e um homem) e em oito pacientes com alendronato (seis mulheres na pós-menopausa e dois homens) (P = 0,36) (A).59 Recomendação Recomendação O ácido zoledrônico na dose de 5 mg em infusão endovenosa única pode ser utilizado para prevenção e tratamento da OPIG, com maior aumento da DMO tanto na coluna lombar quanto A teriparatida 20 µg/dia via subcutânea deve ser considerada tanto para a prevenção como para o tratamento da OPIG, com aumento significativo da DMO e redução de fraturas vertebrais, Rev Bras Reumatol 2012;52(4):569-593 587 Pereira et al. porém sem efeito comprovado nas fraturas não vertebrais (A).57 Devido ao elevado custo da medicação, essa droga é recomendada na falha (nova fratura ou perda de massa óssea na vigência de bisfosfonato) ou contraindicação dos bisfosfonatos. 15. QUE VARIÁVEIS INDICAM PREVENÇÃO/TRATAMENTO DE OPIG EM MULHERES NA PRÉ-MENOPAUSA? As recomendações que orientam o tratamento da OPIG com base na DMO em mulheres na pós-menopausa geralmente não se aplicam às mulheres na pré-menopausa, pois a relação entre massa óssea e fratura nas mulheres na pré-menopausa não é a mesma que nas mulheres na pós-menopausa. Outro aspecto a considerar é o fato de que fraturas podem ocorrer com DMO mais elevada em mulheres na pré-menopausa (D).60 Além disso, ciclos menstruais irregulares, sedentarismo, deficiência e/ou insuficiência de vitamina D e doença inflamatória de base são outros fatores relevantes que devem ser sempre considerados na avaliação das pacientes com OPIG na pré-menopausa. As deficiências hormonais devem ser identificadas e corrigidas, especialmente em mulheres com amenorreia (D).61 Entretanto, recomenda-se cuidado nessa população, pelo risco de gestação, pois esses medicamentos podem atravessar a placenta e afetar o feto, e os efeitos pelo uso prolongado não estão bem-estabelecidos nessa população (veja pergunta 18). Há poucos estudos sobre prevenção de osteoporose em mulheres na pré-menopausa (A),62 especialmente em OPIG. Os poucos trabalhos existentes estudaram populações pequenas e com seguimento de 18 meses, demonstrando benefício no uso de alendrolato associado ao alfacalcidol (B).63 Ao comparar o uso por 18 meses de teriparatida 20 µg/dia com alendronato 10 mg/dia em mulheres na pré-menopausa, observou-se significativo aumento da DMO em uso de teriparatida (7% vs. 0,7%, com P < 0,001) (A).59 Alguns especialistas recomendam para essas pacientes a opção por bisfosfonatos de vida média mais curta, como risedronato, mas não existem trabalhos que comprovem tal recomendação. As variáveis que devem ser levadas em conta em mulheres na pré-menopausa são: história prévia de fratura por fragilidade, risco de engravidar, dose e tempo de GC. As recomendações para prevenção e tratamento da OPIG do ACR em relação às mulheres em pré-menopausa são as seguintes (D):12 • Mulheres na pré-menopausa (sem risco de engravidar) e com história de fratura por fragilidade, com duração de terapia com GC entre um e três meses: bisfosfonatos orais (alendronato e risedronato) quando a dose de GC ≥ 5 mg/dia ou ácido zoledrônico quando prednisona 588 • ≥ 7,5 mg/dia. Se a duração de uso de GC for ≥ 3 meses, tanto bisfosfonatos (alendronato, risedronato e ácido zoledrônico) quanto teriparatida podem ser utilizados; Mulheres em pré-menopausa (com risco de engravidar) e fratura por fragilidade prévia, com duração de GC ≥ 3 meses: bisfosfonatos orais (alendronato e risedronato) ou teriparatida quando a dose de GC for ≥ 7,5 mg/dia. Recomendação Intervenções não farmacológicas, como manter atividade física regular, evitar tabaco e álcool devem ser recomendadas, mesmo ainda sem evidência comprovada para OPIG. Suplementos de cálcio e vitamina D devem ser considerados devido à diminuição da absorção de cálcio intestinal pelo uso de GC (D).10 Há poucos estudos sobre tratamento de OPIG em mulheres na prémenopausa, todos com populações pequenas, com benefício no uso de teriparatida (A).59 Deve-se ter cuidado especial no uso de bisfosfonatos para mulheres com risco de engravidar. 16. QUANDO INDICAR O USO DE BISFOSFONATOS NA PREVENÇÃO E NO TRATAMENTO DA OPIG EM MULHERES NA PRÉ-MENOPAUSA? Existe um corpo de evidências publicadas em relação à eficácia e à segurança do uso dos bisfosfonatos na prevenção e no tratamento da OPIG, porém poucas mulheres na pré-menopausa foram incluídas nos ensaios clínicos. Os grandes ensaios clínicos de prevenção da OPIG com uso de alendronato e risedronato demonstraram que a eficácia desses bisfosfonatos na prevenção da perda óssea, nas mulheres na pré-menopausa, é similar quando comparada à população total dos estudos (A).45,46,64 Em estudo recente, o ácido zoledrônico também demonstrou eficácia na prevenção e no tratamento da OPIG, quando comparado ao risedronato. Neste estudo, além de homens, foram incluídas 185 mulheres (67 na pré-menopausa) no grupo do ácido zoledrônico e 183 mulheres (66 na pré-menopausa) no grupo do risedronato. Não houve diferença significativa de resposta entre as mulheres em pré- e pós-menopausa (A).53 Recomendação Embora não existam ensaios clínicos com bisfosfonatos desenhados especificamente para mulheres na pré-menopausa como objetivo primário do tratamento, há uma análise de subgrupos que sugere o uso dos bisfosfonatos na prevenção e no tratamento dessas pacientes (A),53 porém deve-se ter cuidado em mulheres com risco de gravidez. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):569-593 Diretrizes para prevenção e tratamento da osteoporose induzida por glicocorticoide 17. QUANDO INDICAR O USO DA TERIPARATIDA NA PREVENÇÃO E NO TRATAMENTO DA OPIG EM MULHERES NA PRÉ-MENOPAUSA? Em ensaio clínico recente foram observados benefícios da teriparatida na prevenção da OPIG em mulheres na pré-menopausa e na pós-menopausa, quando comparada ao alendronato (A).57 Comparando-se os resultados terapêuticos da teriparatida com o alendronato em pacientes com OPIG, o aumento da DMO na coluna lombar foi significativamente maior no grupo teriparatida, tanto para mulheres na pré-menopausa (7,0 vs. 0,7%) quanto nas mulheres na pós-menopausa (7,8 vs. 3,7%). Nas mulheres na pré-menopausa as fraturas foram infrequentes tanto para o grupo da teriparatida quanto para o grupo do alendronato (A).59 Recomendação Não existem ensaios clínicos desenhados com o objetivo primário de avaliar a ação da teriparatida em mulheres na pré-menopausa para prevenção e tratamento da OPIG, porém análises de subgrupos de pacientes tratadas nessas condições demonstraram que as fraturas são infrequentes tanto para o grupo da teriparatida quanto para o grupo do alendronato (A).59 18. OS BISFOSFONATOS PODEM TRAZER MALEFÍCIOS NA GESTAÇÃO? Estudos em animais confirmaram a passagem transplacentária dos bisfosfonatos (alendronato). Sintomas maternos como tremores, letargia, dispneia e falência muscular uterina no parto foram atribuídos à hipocalcemia observada no sangue materno desses animais no final da gestação (D).65 Baixo peso e mortes fetais também foram observados (D).66 Nos fetos, a redução do comprimento e a área seccional da diáfise dos ossos longos também foram significativas quando comparadas ao grupo-controle (D).65 Em humanos, porém, não existe evidência científica consistente sobre os riscos da utilização dessas drogas na gestação. Séries de casos relatados de uso de bisfosfonatos na gestação não encontraram malformações congênitas (C).67,68 Entretanto, relatos de pacientes que utilizaram pamidronato e ácido zoledrônico, em dois casos de hipercalcemia de malignidade (C)69–71 e um caso de mãe com osteogênese imperfeita, reportaram hipocalcemia fetal assintomática com reversão espontânea em até 11 dias de vida (C).71 Especula-se que esse evento poderia ser um efeito direto do bisfosfonato, ou supressão do PTH fetal pela hipercalcemia materna nos casos de neoplasias. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):569-593 Em mulheres expostas a bisfosfonatos previamente à gestação não foram observados eventos adversos (C).67,68 Um estudo que avaliou 24 mullheres que utilizaram alendronato até três semanas antes da gravidez, no entanto, evidenciou maior prevalência de baixo peso fetal, prematuridade e maior taxa de abortos espontâneos que no grupo-controle (C).68 Entretanto, esses resultados são altamente questionáveis, porque as mulheres do estudo apresentavam doenças autoimunes e 13 delas utilizavam GC no momento da gestação, fatores que sabidamente estão associados à ocorrência desses desfechos gestacionais desfavoráveis. Mulheres expostas aos bisfosfonatos, antes ou durante a gravidez, não apesentaram quaisquer anormalidades ósseas ou outras malformações congênitas nos bebês (D).72 De forma similar, parece que o uso de bisfosfonatos, antes da concepção e no primeiro trimestre da gestação, pode não representar risco fetal substancial (B).73 Recomendação Dada a ausência de evidências acerca da segurança dos bisfosfonatos na gestação, essas drogas devem ser utilizadas somente em casos específicos e com cautela. 19. OS BISFOSFONATOS PODEM TRAZER MALEFÍCIOS DURANTE A LACTAÇÃO? Em relação à segurança dos bisfosfonatos na lactação, existem ainda menos estudos e relatos de casos. Embora grave hipocalcemia materna tenha sido observada em bovinos (D),74 não há relatos semelhantes em humanos. Um relato de caso na literatura de uma mulher com síndrome dolorosa regional complexa, que utilizou pamidronato IV por seis meses durante a lactação, sugere que a passagem da droga para o leite materno é desprezível, sendo, portanto, uma opção segura nesses casos (C).67 No entanto, não há evidência consistente confirmando tal achado. Recomendação Atualmente, existe pouca evidência para a segurança dos bisfosfonatos em idade fértil, gravidez e lactação. Quando confrontado com essas situações, o médico deve pesar os riscos e benefícios do uso terapêutico de bisfosfonatos. 20. QUANTO TEMPO ANTES DA GRAVIDEZ OS BISFOSFONATOS DEVEM SER SUSPENSOS? Não há estudos que respondam a essa questão adequadamente. Nos relatos de casos não foram referidos efeitos deletérios em 589 Pereira et al. casos de mulheres que interromperam o uso dessas drogas no momento do diagnóstico da gestação (D).65 Um autor sugere que talvez 6–12 meses antes da gravidez seria tempo de suspensão mais seguro. aberta, poderia haver risco potencial aumentado, sendo então contraindicada nesses pacientes. Recomendação Recomendação Recomenda-se a não utilização de teriparatida para o tratamento de OPIG em crianças e em adolescentes. Na ausência de estudos que estabeleçam um período de tempo seguro para a suspensão dos bisfosfonatos, seu uso deve ser interrompido o mais precocemente possível antes da gravidez. CONFLITO DE INTERESSE 21. QUANDO INDICAR O USO DE BISFOSFONATOS PARA PREVENÇÃO E TRATAMENTO DE OPIG EM CRIANÇAS? Não há um nível de Z-Score que indique iniciar cálcio e vitamina D na OPIG. Essa reposição deve ser feita no início da corticoterapia. O valor de Z-Score que indica bisfosfonatos é ≤ –2,0 DP (D).37,44,75 O cálcio isolado não tem efeito no tratamento da OPIG (A).62 O uso de cálcio e de vitamina D, entretanto, é indicado nesses casos (B)76 (D).77 Os bisfosfonatos não estão liberados para crianças, embora sejam usados na prática diária em centros especializados. Anticoncepção é indicada em meninas em idade fértil. Há os que acreditam que os bisfosfonatos têm benefício em relação ao risco (B)76,78–81 (D).82 Esses medicamentos não são usados para a prevenção de OPIG em crianças e em adolescentes (B).76 Suas indicações em crianças e em adolescentes para tratamento da OPIG são: falha terapêutica com doses máximas de vitamina D e cálcio, intolerância ou contraindicação a essas medicações e presença de fratura (B)76,78–81 (D).82 Recomendação O tratamento de OPIG em crianças deve ser feito com uso de cálcio e de vitamina D (B).76 Na presença de falha terapêutica com doses máximas de vitamina D e cálcio, intolerância ou contraindicação a essas medicações e presença de fratura, deve-se utilizar bisfosfonatos (B),78 com especial atenção à anticoncepção para as meninas. 22. QUANDO INDICAR O USO DE TERIPARATIDA PARA TRATAMENTO DE OPIG EM CRIANÇAS? Não há evidência para indicação de teriparatida para o tratamento de OPIG em crianças e adolescentes. Estudos demonstram risco de desenvolvimento de tumores ósseos em modelos animais tratados com essa medicação. Portanto, na faixa etária pediátrica, com a cartilagem de crescimento ainda 590 Pereira RMR: Recebeu financiamento para pesquisa clínica patrocinada pelas empresas Novartis, Ely Lilly e Servier. Zerbini CAF: Recebeu reembolso por comparecimento em simpósio patrocinado pelas empresas Pfizer, Sanofi-Aventis e Servier; recebeu honorários por participação em conferências ou palestras patrocinadas pelas empresas Pfizer, Sanofi-Aventis, Servier e Roche; recebeu financiamento para pesquisa patrocinada pelas empresas Pfizer, Sanofi-Aventis, Servier, Roche, MSD, Ely Lilly, Amgen, Novartis, Aché; recebeu honorários para consultoria das empresas Pfizer, Sanofi-Aventis, Servier e MSD. Danowski J: Recebeu honorários por participação em palestra patrocinada pelas empresas Sanofi-Aventis, Ely Lilly e Novartis; recebeu honorários para pesquisa patrocinada pelas empresas Sanofi-Aventis, Ely Lilly e Novartis; recebeu honorários por organizar atividade de ensino. Terreri MT: Recebeu reembolso por participação em congressos e conferências patrocinados pelas empresas Pfizer e Roche; recebeu honorários para organizar programas educativos patrocinados pelas empresas Eurofarma e Novartis. Weingril P: Recebeu honorários por apresentação, conferência ou palestra patrocinadas pela empresa Servier; é membro do Advisory Board da empresa MSD; recebeu honorários para participar de congressos patrocinados pelas empresas Abbott, Pfizer, Servier e Roche. Plapler PG: Recebeu honorários por participação em eventos, por ministrar aulas, realizar pesquisa clínica, participar de comitê consultor e realizar redação de textos científicos patrocinados pelas empresas Aché, Ely Lilly, SEM, GSK, MSD, Novartis, Sanofi-Aventis, Servier e Zodiac. Radominski S: Recebeu honorários por participação em conferências ou palestras patrocinadas pelas empresas Novartis, Sanofi-Aventis, Ely Lilly e Roche. Szejnfeld VL: Recebeu reembolso por comparecimento em simpósio patrocinado pelas empresas Sanofi-Aventis e Novartis; recebeu honorários por participação em conferências ou palestras patrocinadas pelas empresas Sanofi-Aventis e Novartis; recebeu honorários para consultoria da empresa Sanofi-Aventis. Os demais autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):569-593 Diretrizes para prevenção e tratamento da osteoporose induzida por glicocorticoide REFERENCES REFERÊNCIAS 1. Walsh LJ, Wong CA, Pringle M, Tattersfield AE. 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Doutor em Reumatologia; Hospital Israelita Albert Sabin 8. Doutor em Clínica Médica, Universidade Estadual de Campinas – Unicamp; Professor Titular, Unicamp; Professor Titular, Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas 9. Doutora em Reumatologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ 10. Doutora em Reumatologia, FMUSP; Médica-Assistente do Hospital Geral de Fortaleza; Professora-Assistente de Medicina, Universidade de Fortaleza – Unifor 11. Doutora em Pediatria e Ciências Aplicadas à Pediatria, FMUSP; Doutora em Pediatria, Albert-Ludwigs Universität Freiburg; Professora-Adjunta da Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia, Departamento de Pediatria, FMUSP 12. Doutora em Ortopedia e Traumatologia, FMUSP; Médica-Assistente do Instituto de Ortopedia e Traumatologia, HC-FMUSP 13. Doutor em Reumatologia, Faculdade de Medicina, Universidade de Joinville – Univille 14. Doutora em Medicina, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, FMUSP; Diretora da Divisão de Medicina Física do Instituto de Ortopedia e Traumatologia, HC-FMUSP; Médica do Hospital do Coração – HCor 15. Doutor em Reumatologia, Universidade Federal do Paraná – UFPR 16. Doutora em Reumatologia, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – UFCSPA 17. Doutora em Reumatologia, Universidade Federal de São Paulo – Unifesp; Professora-Adjunta, Unifesp 18. MD; Associação Médica Brasileira – AMB Correspondência para: Rosa M. R. Pereira. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Reumatologia. Av. Dr. Arnaldo 455, 3 andar, sala 3105. São Paulo, SP, Brasil. CEP: 01246-903. E-mail: [email protected] Rev Bras Reumatol 2012;52(4):569-593 591 Pereira et al. 21. Buckley LM, Leib ES, Cartularo KS, Vacek PM, Cooper SM. Calcium and vitamin D3 supplementation prevents bone loss in the spine secondary to low dose corticosteroids in patients with rheumatoid arthritis. 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Em 1985, a prevalência mundial de DM era de aproximadamente 30 milhões de casos, aumentando para 177 milhões em 2000.2 Com base nas tendências atuais, mais de 360 milhões de pessoas terão a doença por volta do ano de 2030.2 O DM tipo 1 resulta de uma deficiência completa de insulina por destruição autoimune das células β produtoras de insulina no pâncreas; já no DM tipo 2, que é a maioria dos casos de DM (em torno de 95%), existe resistência à insulina, produção hepática excessiva de glicose e metabolismo anormal das gorduras, resultando em uma relativa deficiência desse hormônio.2,3 A prevalência de DM tipo 2 é a que mais aumenta, quando comparada com o DM tipo 1, devido ao aumento da obesidade e à redução de atividades físicas à medida que os países se tornam mais industrializados.2 O DM é responsável por inúmeras complicações vasculares que comprometem a sobrevida dos pacientes.2 Complicações musculoesqueléticas também são encontradas e, embora menos valorizadas que as vasculares, comprometem de maneira importante a qualidade de vida de seu portador.4 Como a incidência de DM e a expectativa de vida dos pacientes diabéticos aumentaram, observa-se um aumento da prevalência e importância clínica dessas alterações osteomusculares. Em diabéticos, são descritas a síndrome das mãos rígidas, contratura de Dupuytren, dedos em gatilho, capsulite de ombro, periartrite calcificada de ombro, síndrome do túnel do carpo, infarto muscular, DISH (diffuse idiopathic skeletal hyperostosis) e artropatia de Charcot.3,5 Além disso, maior prevalência de artrites por cristal, infecções, osteoporose e de osteoartrite têm sido observadas.6 Vários autores têm procurado classificar as manifestações articulares do DM,5,7 o que é uma tarefa difícil, uma vez que a maioria dos mecanismos fisiopatológicos não está claro. Na Tabela 1 encontra-se a classificação proposta por Arkkila et al.5 Tabela 1 Desordens musculoesqueléticas em diabetes mellitus5 Complicações intrínsecas do DM Aumento de incidência em DM Síndrome da mobilidade articular reduzida Síndrome da mão rígida Infartos musculares Doença de Dupuytren Capsulite adesiva Artropatia neuropática Tenossinovite de flexores Artrite séptica DISH Neuropatias diabéticas Associação possível Osteoartrite Síndrome do túnel do carpo DISH: diffuse idiopathic skeletal hyperostosis. Recebido em 24/07/2011. Aprovado, após revisão, em 08/05/2012. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba. 1. Mestre em Clínica Médica; Professora de Reumatologia do Curso de Medicina, Faculdade Evangélica do Paraná – Fepar 2. Doutora; Professora Titular da Disciplina de Reumatologia do Curso de Medicina, Fepar Correspondência para: Thelma Larocca Skare. Rua João Alencar Guimarães, 796. CEP: 80310-420. Curitiba, PR, Brasil. E-mail: [email protected] Rev Bras Reumatol 2012;52(4):594-609 601 Silva et al. SÍNDROME DA MOBILIDADE ARTICULAR REDUZIDA A síndrome da mobilidade articular reduzida (SMAR) é uma limitação não dolorosa e não inflamatória da mobilidade da mão, dos pés e das grandes articulações.5 Múltiplas anormalidades bioquímicas parecem estar ligadas ao seu aparecimento, tais como o aumento da glicolização não enzimática de fibras de colágeno, o aumento no cross linking do colágeno e a consequente resistência do mesmo à digestão enzimática, o aumento de hidratação mediada pela via da aldolase redutase e o aumento na formação de produtos finais de glicolização avançada (advanced glycosylation end products, ou AGEs).5,8 O aumento na formação dos AGEs pode associar a ocorrência de SMAR às complicações micro e macrovasculares do DM.3,5 Os AGEs resultam de rearranjo de produtos de Amadori ou produtos de glicosilação precoce. Eles se acumulam em tecido, em função de tempo e concentrações de glicose, e danificam proteínas extra e intracelulares. Na superfície das células existe um receptor para AGEs (RAGEs) que é um receptor transmembrana da família das imunoglobulinas, e que sinaliza eventos que levam à disfunção celular. Estudos experimentais mostram que há redução da resposta vasodilatadora ao óxido nítrico, e que os AGEs diminuem a elasticidade vascular.5,9 Existem dados controversos acerca da influência de um componente genético no aparecimento dessa síndrome.10,11 Alguns autores10 encontraram que crianças diabéticas com SMAR tinham mais parentes com o mesmo achado que crianças sem essa síndrome. Entretanto, Rosembloom et al.11 não puderam confirmar tais achados ao estudar 204 indivíduos com DM tipo 1 e 336 parentes de primeiro grau. Síndrome da mão rígida ou queiroartropatia diabética (cheiros, do grego, mão) é o nome reservado para a SMAR que afeta essa extremidade e é a sua forma mais bem estudada. Tipicamente, inicia-se como alterações cutâneas ao redor das metacarpofalangianas e interfalangiana proximal do quinto dedo e evolui de maneira a envolver todos os dedos.3 Esses pacientes têm alterações da pele – que fica endurecida e rígida com aspecto céreo, semelhante ao visto em esclerodermia. Alterações de pele em mãos e antebraços, sem alterações de mobilidade articular, também podem ser encontradas.3,12 Calcificações artérias são comumente vistas nas radiografias de mãos desses pacientes.3 Exames histológicos mostram espessamento da derme, acúmulo de tecido conjuntivo na derme reticular com aumento de crosslinking do colágeno, além de pequenas quantias de mucina.12 Devido às alterações cutâneas, é importante separar esses achados daqueles de esclerodermia. Ausência de fenômeno de Raynaud, atrofia 602 da derme, telangiectasias e autoanticorpos auxiliam nessa separação.12 A frequência de aparecimento das alterações de pele está associada ao tempo de duração do diabetes, embora também tenham sido descritas em crianças com DM de início recente.13 Alterações capilaroscópicas do leito periungueal são encontradas em pacientes diabéticos com microangiopatia. Alças capilares espiraladas, com densidade diminuída e com dilatações apicais e no ramo venoso são descritas.14 KuryliszynMoskal et al.14 encontraram associação entre gravidade das alterações morfológicas periungueais e tempo de doença, controle metabólico e envolvimento sistêmico. A prevalência da síndrome da mão rígida varia entre 38%– 58% em pacientes com DM tipo 1 e entre 45%–76% naqueles com DM tipo 2.3,15,16 Os pacientes podem ser assintomáticos ou apresentar queixas de dor, que se exacerba com o uso da extremidade, ou, ainda, parestesias.3 O diagnóstico é feito com base nos achados característicos e exame físico. A incapacidade de opor uma mão espalmada à outra com os punhos em dorsiflexão é conhecido como sinal da prece (Figura 1).3 Uma maneira alternativa de testar a Figura 1 Sinal da prece. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):594-609 Manifestações musculoesqueléticas em diabetes mellitus mobilidade articular reduzida é com o chamado sinal do tampo da mesa, no qual a mão espalmada é colocada de encontro ao tampo da mesa com os dedos afastados um do outro. Em casos positivos, os dedos e a palma da mão não conseguem fazer contato com a superfície plana.3 A redução da mobilidade passiva é confirmada pela perda da extensão das interfalangianas proximais e metacarpofalangianas (menor que 180° e 60º, respectivamente).3 Pacientes com síndrome de limitação articular do DM têm maior prevalência de retinopatia diabética e de nefropatia, sejam eles portadores de DM tipo 1 ou tipo 2.3 Acredita-se que a SMAR seja influenciada por um controle pobre da glicemia, embora os achados de associação entre essa complicação musculoesquelética e controle glicêmico, ou mesmo níveis de HbA1C, sejam controversos.3,5,15,17 Todavia, é sempre bom ter em mente que glicemia e HbA1C não refletem períodos passados de hiperglicemia, que pode existir anos antes do diagnóstico de um DM tipo 2. O tratamento recomendado é fisioterapêutico e com drogas anti-inflamatórias não hormonais.3,5 Todavia, antes de se prescrever tais drogas é bom lembrar da associação dessa síndrome com nefropatia diabética, no sentido de evitar seus efeitos colaterais indesejados. No caso de envolvimento cutâneo, o único tratamento proposto é o controle glicêmico.8 CONTRATURA DE DUPUYTREN A contratura de Dupuytren (CD) é caracterizada por espessamento da fáscia palmar, formação de nódulos palmares e digitais, espessamento e aderência da pele, formação de uma faixa pré-tendinosa e contratura em flexão dos dedos.3,5 Afeta de 16%–32% dos pacientes,3,5,18,19 sendo mais comum em indivíduos idosos e com maior tempo de DM.3,19 Existem algumas peculiaridades na CD do paciente diabético. A primeira é a de que tende a envolver mais o terceiro e quarto dedos, em vez de quarto e quinto, como é típico dos casos associados a outras etiologias (Figura 2).19,20 A segunda é que, diferente dos outros casos de CD que afetam preferencialmente o gênero masculino, na DM existe maior prevalência de mulheres, embora a gravidade dessa manifestação ainda seja maior em homens.3,19,20 Do ponto de vista histológico, encontra-se uma matriz densa de colágeno contendo fibroblastos alinhados longitudinalmente, de acordo com as linhas de força. Os nódulos contêm miofibroblastos e feixes de colágeno; os vasos sanguíneos locais estão estreitados.21 Existe maior teor de glicosaminoglicanos, e o colágeno local tem proporção maior de fibras tipo 3 em relação ao tipo 1.21 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):594-609 Figura 2 Contratura de Dupuytren em paciente com diabetes mellitus. Observar o envolvimento predominante de terceiro e quarto dedos. Uma teoria para explicar seu aparecimento é a de que a CD resulta da ocorrência de hipóxia local seguida de liberação de radicais livres, os quais afetam a função dos fibroblastos que produzirão as fibras de colágeno alteradas. O tratamento tem sido com infiltrações intralesionais de corticoide, cirurgia e fisioterapia.3 Recentemente, a injeção de colagenase de Clostridium histolyticum tem sido apregoada como forma alternativa de tratamento não cirúrgico. Em um estudo22 com 308 pacientes, dos quais 6,5% eram diabéticos, houve melhora da contratura em flexão e da amplitude de mobilidade das articulações dos dedos com três ou mais injeções de colagenase. Nesse estudo, dois pacientes tiveram ruptura de tendão e um desenvolveu um quadro de distrofia simpático reflexa. DEDO EM GATILHO OU TENOSSINOVITE ESTENOSANTE DOS FLEXORES DOS DEDOS A tenossinovite dos flexores dos dedos apresenta-se tipicamente com um travamento do dedo em flexão, extensão ou ambos, e envolve mais comumente o polegar, o dedo médio e/ou o anular.3,5 Aparece pela formação de uma fibrose, com espessamento do tendão, quando o mesmo passa através da polia ou de uma proeminência óssea, restringindo seu movimento dentro da bainha. Um aumento de volume distal ao ponto de constrição ocasiona dor e dificuldade em flexão e extensão daquele dígito, que pode ficar bloqueado.5 A prevalência de dedo em gatilho nos pacientes com DM vai de 5%–36% naqueles com DM tipo 1 e tipo 2 contra 2% 603 Silva et al. na população em geral,23,24 e seu aparecimento está associado a doença de maior duração.3,5 Comparados a pacientes não diabéticos, os indivíduos com DM têm uma tendência para desenvolver envolvimento de múltiplos dedos simultaneamente.19,25 Segundo Koh et al.,26 o envolvimento de três ou mais dedos é altamente sugestivo de associação com DM, e deve-se proceder à procura dessa doença caso o diagnóstico ainda não tenha sido feito. O tratamento é feito com modificação das atividades, uso de anti-inflamatórios não hormonais, uso de talas, infiltrações e, em casos mais graves, cirurgia.3,5 SÍNDROME DO TÚNEL DO CARPO A síndrome do túnel do carpo (STC) é causada por compressão do nervo mediano ao nível do ligamento transverso do carpo. Caracteriza-se por dor e parestesias no território que vai do polegar até a porção média do quarto dedo, com piora noturna e que pode irradiar-se para o antebraço.5,27 Em casos avançados, pode ocorrer atrofia da musculatura tenar e perda da força de apreensão27 (Figura 3). O diagnóstico clínico é feito com auxílio dos testes de Tinel e de Phalen.27 Em casos duvidosos, a realização de estudos eletrofisiológicos pode ser útil.28 A prevalência de STC em pacientes com DM vai de 11%–25% e é mais comum em mulheres19,29 e em pacientes com polineuropatia.30 De maneira reversa, o DM é encontrado em 5%–8% dos indivíduos com STC.29,31 Todavia, existem autores que acreditam que o real fator predisponente à STC é a obesidade, comum em pacientes com DM tipo 2.32 Um estudo feito com 791 pacientes com STC encaminhados para estudos Figura 3 Síndrome do túnel do carpo de longa duração com atrofia de musculatura tênar. 604 eletrofisiológicos33 mostrou que diagnóstico de DM, gênero feminino, obesidade e idade entre 41–60 anos eram fatores de risco para STC, mas quando os dados eram estratificados por índice de massa corporal dos pacientes, deixava de existir a associação com DM. O manejo dessa entidade tem como base o uso de talas e de analgésicos. Infiltrações com corticoides podem ser feitas, embora seu efeito seja temporário e a resposta de pacientes com DM seja mais pobre.34–36 Cirurgia de liberação pode ser necessária, com frequência 4–14 vezes maior em diabéticos que na população em geral.36 O grau de recuperação pós-cirúrgica desses pacientes é pior. Essa resposta pouco favorável se deve ao fato de que na DM há perda da capacidade regenerativa dos nervos periféricos por microangiopatia, disfunção macrofágica, disfunção das células de Schwann e diminuição na expressão de fatores neurotróficos e seus receptores.26,37 TENDINITES CALCIFICADAS E CAPSULITE ADESIVA DO OMBRO No DM, o envolvimento do ombro tem sido descrito como a mais incapacitante das manifestações musculoesqueléticas.38 A capsulite adesiva do ombro (também conhecida como ombro congelado) apresenta-se como uma restrição quase completa à mobilidade passiva e ativa da articulação, principalmente para adução e rotação externa.3 Essa entidade instala-se de maneira progressiva e dolorosa levando à contratura da cápsula articular, a qual se adere à cabeça do úmero, reduzindo assim o volume da articulação.3 Histologicamente a cápsula mostra proliferação de fibroblastos e transformação de alguns em miofibroblastos, que produzem colágeno tipos 1 e 3 em excesso. Esses achados são similares aos encontrados na CD.3,39 A dor aparece inicialmente à noite e tem início gradual.3 Sua história natural pode ser dividida em três fases: (a) dor; (b) rigidez; (c) recuperação.3 A prevalência de capsulite adesiva do ombro é cinco vezes maior na população diabética que na população em geral, aparecendo em 10%–29% desses indivíduos.3,40,41 Aparece tanto na DM tipo 1 como do tipo 2; é mais comum em pessoas mais idosas e pode ser bilateral.3 Pal et al.40 criaram critérios para diagnóstico da capsulite adesiva que incluem dor no ombro por pelo menos um mês, incapacidade em se deitar sobre essa articulação e restrição da mobilidade ativa e passiva em pelo menos três planos. Alguns pesquisadores têm encontrado que pacientes com ombro congelado têm maior prevalência de infarto do miocárdio (naqueles com DM tipo 1) e neuropatia autonômica (em pacientes com DM tipos 1 e 2).3 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):594-609 Manifestações musculoesqueléticas em diabetes mellitus O tratamento é feito com analgésicos, infiltrações com corticoides e fisioterapia. A maioria dos pacientes retorna à função normal.5 Na fase adesiva, tratamento de liberação da cápsula pode ser realizado. Essa liberação pode ser feita por manipulação sob anestesia ou cirurgia.3,5 A liberação cirúrgica é preferencialmente realizada por meio de artroscopia em lugar da cirurgia aberta, já que a primeira reduz o período de recuperação pós-operatória.3,42 As tendinites calcificadas resultam principalmente do depósito de hidroxiapatita em áreas periarticulares como o manguito rotador.3,6 São mais comuns em DM tipo 2 e podem coexistir com capsulite adesiva do ombro. Um estudo caso-controle com radiografias de ombros mostrou que calcificações estavam presentes em 31,8% dos pacientes com DM contra 10% daqueles sem DM.43 Muitos dos pacientes com DM e calcificações eram assintomáticos.3 INFARTOS MUSCULARES Essa é uma complicação relativamente rara, mais encontrada em pacientes com DM tipo 1 e doença acima de 15 anos.3 Clinicamente, apresenta-se como edema e dor muscular de início agudo.3 Massa palpável é detectada em 34%–44% dos casos.3,44 Os músculos da coxa estão envolvidos em cerca de 80% dos casos, porém mais de um ponto de infarto pode aparecer simultaneamente.45 O diagnóstico é feito com base na história e por exames de imagem, principalmente a ressonância magnética. Enzimas musculares como CPK mostram um aumento discreto.3 Na ressonância magnética é encontrado um edema isointenso em T1 e hiperintenso em T2 em região de músculos, com edema subcutâneo e subfascial. Em geral, o uso do gadolínio não é necessário, mas optando-se por seu uso, demonstrará uma área não captante circundada por outra de aumento de captação de contraste.46 A biópsia mostra necrose de fibra muscular, edema, fagocitose de fibras necróticas, tecido de granulação e deposição de colágeno. Lesões mais antigas podem mostrar regeneração de fibras musculares, substituição por tecido fibroso e infiltrado mononuclear.44 Como a maioria dos pacientes com infarto muscular sofre de retinopatia, neuropatia e nefropatia diabéticas, acredita-se que esses diagnósticos estejam associados a isquemia local. Estados de hipercoagulabilidade com alterações no sistema fibrinólise-coagulação e disfunção endotelial também têm sido propostos como mecanismos patogênicos em potencial.47 Outra hipótese seria a de que anticorpos antifosfolípides contribuíssem para sua ocorrência, mas isso não pode ser provado.48 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):594-609 O infarto muscular resolve espontaneamente em semanas ou meses, mas em metade dos pacientes há episódios recorrentes. O tratamento é feito com repouso e analgesia.5 DISH (DIFFUSE IDIOPATHIC SKELETAL HYPEROSTOSIS) Também conhecida como doença de Forestier ou hiperostose anquilosante, é uma condição caracterizada pela ossificação dos pontos de êntese.49 O envolvimento dos ligamentos espinhais formando pontes de osteófitos confluentes entre as vértebras é conhecido como o aspecto mais marcante dessa doença, que também pode ter ênteses periféricas envolvidas.49 A definição de DISH foi criada por Resnick et al.,50 e requer o envolvimento de quatro segmentos vertebrais contíguos com preservação dos espaços discais e ausência de envolvimento apofisário degenerativo e de alterações inflamatórias de sacroilíacas. Mais tarde, essa noção foi modifi cada por Utsinger 51 para incluir o envolvimento periférico. Esse último autor propôs que o envolvimento contínuo anterolateral de duas ou mais vértebras mais uma entesopatia periférica simétrica davam suporte ao diagnóstico de DISH provável. O DISH afeta principalmente a coluna torácica, mas a coluna lombar e a cervical também podem estar envolvidas.49 É mais comum em pacientes com DM tipo 2 e em obesos.3 No DM tipo 2, o DISH tem prevalência de 13%–40%.3,52,53 Todavia, há autores que contestam essa associação ao DM, creditando-a à obesidade.52,54 Sua fisiopatologia é desconhecida. Alguns autores acreditam que a hiperinsulinemia é a ligação entre DM, DISH e obesidade. Os níveis do hormônio do crescimento (GH) e de IGF1 (insulin like growth factor 1) estão aumentados em pacientes com DISH e podem facilitar a ossificação de tecidos moles por estimular a proliferação e a função dos osteoblastos.3,49 Níveis séricos da proteína de matriz Gla, que inibe a formação óssea, estão paradoxalmente mais altos que em controles.55 Clinicamente, o paciente pode ser assintomático ou apresentar dor no local afetado, rigidez de coluna, disfagia e odinofagia, se houver envolvimento cervical com grandes osteófitos.49,51 Queixas neurológicas podem resultar de compressão de medula espinal pela ossificação do ligamento longitudinal posterior.3 Dor periférica pode resultar de envolvimento entesopático periférico.49 O diagnóstico é feito por exames radiológicos, e o tratamento é realizado com analgésicos e exercícios terapêuticos.3 605 Silva et al. ARTICULAÇÃO DE CHARCOT A artropatia de Charcot, ou artropatia neuropática diabética, resulta de uma provável combinação de fatores mecânicos e vasculares secundários à neuropatia diabética.56 Postula-se que a falta de propriocepção causa frouxidão ligamentar, instabilidade articular e lesão articular aos pequenos traumas. Outra ideia é a de que a neuropatia autonômica acarrete alterações vasomotoras com formação de shunts arteriovenosos e redução de fluxo sanguíneo efetivo para pele e ossos, a despeito de boa amplitude dos pulsos periféricos.57 Uma terceira hipótese é a de uma resposta inflamatória exagerada a traumas, mediada por citocinas pró-inflamatórias.58 A despeito do que cause o início do problema, existe uma fase inicial que é reabsortiva à qual se segue uma fase de reparação ou fase hipertrófica.59 As articulações mais afetadas são as tarsais e as tarsometatarsianas, seguidas pelas do metatarso-falangianas e tornozelos.60 Figura 4 Articulação de Charcot. 606 As manifestações clínicas são variáveis. O paciente pode apresentar-se com início súbito de eritema e edema unilateral no pé ou tornozelo. Ataques recorrentes podem seguir-se e, com o tempo, o indivíduo desenvolve artropatia crônica que se caracteriza por colapso do arco plantar e aparecimento de proeminências ósseas.56 Pode haver complicações com úlceras que facilmente infectam. Em 20% dos casos é bilateral.56 A artropatia não é dolorosa ou cursa com dor desproporcionalmente menor ao esperado. O diagnóstico diferencial com a artrite séptica é mandatório. O diagnóstico é feito por exames de imagem que mostram, em um estágio inicial, apenas osteopenia, diminuição de espaço articular e edema de partes moles. Com a evolução aparecem áreas de osteólise, com reabsorção de falanges e reabsorção das cabeças dos metatarsianos. Luxações, fragmentação óssea, esclerose e neoformação óssea podem ser vistos em estágios finais.56,59 Ressonância magnética com contraste pode ser necessária para afastar osteomielite associada61 (Figuras 4 e 5). O tratamento é feito evitando-se peso na articulação afetada, com uso de sapatos adequados, e órteses para o pé. Uso de bisfosfonatos (alendronato e pamidronato) pode ser útil.62,63 Calcitonina tem sido usada em pacientes com insuficiência renal que não podem receber bisfosfonatos, mas seus benefícios ainda não foram provados.64 Figura 5 Articulação de Charcot. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):594-609 Manifestações musculoesqueléticas em diabetes mellitus OUTRAS DOENÇAS Outras doenças musculoesqueléticas possivelmente associadas ao DM são osteoporose, osteoartrite e artrite por cristais.6 A associação de DM com osteoporose é controversa.65 Pacientes com DM têm metabolismo ósseo baixo, com redução de formação óssea e, em menor grau, diminuição da reabsorção. O mecanismo é provavelmente multifatorial e inclui, no DM tipo 1, níveis baixos de insulina e IGF 1 que inibem a atuação do osteoblasto. No DM tipos 1 e 2 o acúmulo dos AGEs está associado à diminuição de formação óssea. A massa óssea está diminuída no DM tipo 1 e aumentada no DM tipo 2, mas o risco de fraturas está aumentado nas duas formas de DM.66 A obesidade pode ser um fator comum ao DM e à osteoartrite. Embora existam alguns estudos tentando implicar AGEs na degeneração da cartilagem, não existe evidência clara que possa implicar DM em osteoartrite prematura.6,67 Hiperuricemia e consequente gota podem ser encontradas em DM tipo 2 fazendo parte da síndrome metabólica. Insuficiência renal, uma complicação comum em DM, também predispõe à artrite por cristal.6 Já a associação de DM com doença por depósito de pirofosfato de cálcio, embora sugerida, permanece por ser provada.68 SOBRE O USO DE INFILTRAÇÃO COM CORTICOIDES EM PACIENTES DIABÉTICOS Os efeitos do uso sistêmico dos corticoides sobre o metabolismo da glicose são bem conhecidos. Já nos casos de injeções intra-articulares, eles são menos estudados. Sempre existe a preocupação de que sua absorção leve a efeitos sistêmicos. Três estudos, dois usando infiltrações epidurais69,70 e outro com infiltração para dedo em gatilho,71 demonstraram haver um aumento temporário dos níveis de glicemia, que retornou ao nível basal em 2–5 dias. Outro estudo72 com infiltrações em ombro não demonstrou essa elevação. levar à instituição de terapêutica apropriada que irá prevenir o desenvolvimento das complicações diabéticas. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. CONCLUSÃO O DM está associado a várias manifestações musculoesqueléticas. Essas associações têm base principalmente em estudos epidemiológicos, uma vez que os mecanismos fisiopatológicos não estão completamente esclarecidos. Envolvimento de membros superiores (mão e ombro) é o mais comum. A identificação e tratamento dessas lesões são importantes em relação à melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Por outro lado, o conhecimento dessas associações pode permitir o diagnóstico de DM em pacientes ainda não reconhecidos como tal, e assim Rev Bras Reumatol 2012;52(4):594-609 15. 16. 17. Smith LL, Burnet SP, McNeil JD. Musculoskeletal manifestations of diabetes mellitus. Br J Sports Med 2003; 37(1): 30–5. Alvin C Power. Diabetes mellitus. In: Kasper DL, Braunwald E, Fauci A, Hauser S, Longo D Jameson JL (eds.). Harrison’s Principle of Internal Medicine. 16.ed. McGraw-Hill, 2004; pp. 3779–829. Lebiedz-Odrobina D, Kay J. Rheumatic manifestation of diabetes mellitus. Rheum Dis Clin N Am 2010; 36(4):681–99. Savas S, Köroğlu BK, Koyuncuoğlu HR, Uzar E, Celik H, Tamer NM. The effects of the diabetes related soft tissue hand lesions and the reduced hand strength on functional disability of hand in type 2 diabetic patients. Diabetes Res Clin Pract 2007; 77(1):77–83. Arkkila PE, Gautier JF. Musculoskeletal disorders in diabetes mellitus: an update. 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Esse método tem sido amplamente utilizado por profissionais na prática clínica, como reumatologistas, ortopedistas, neurologistas e especialistas em dor, na terapêutica de enfermidades crônicas, como lesão irreparável do manguito rotador, artrite reumatoide, sequelas de AVC e capsulite adesiva, o que justifica a presente revisão (Parte II). O objetivo deste estudo foi descrever as técnicas do procedimento e suas complicações descritas na literatura, já que a primeira parte reportou as indicações clínicas, drogas e volumes utilizados em aplicação única ou múltipla. Apresentamse, detalhadamente, os acessos para a realização do procedimento tanto direto como indireto, anterior e posterior, lateral e medial, e superior e inferior. Diversas são as opções para se realizar o bloqueio do nervo supraescapular. Apesar de raras, as complicações podem ocorrer. Quando bem indicado, este método deve ser considerado. Palavras-chave: técnicas, bloqueio nervoso, anestesia local, dor de ombro. © 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A dor no ombro tem prevalência de 15%–30% na população adulta e é uma queixa frequente principalmente nos idosos, podendo levar à incapacidade funcional e à redução da qualidade de vida.1 O bloqueio do nervo supraescapular (BNSE) é um método eficiente no tratamento de certas doenças do ombro, como capsulite adesiva, artrite reumatoide, tendinite calcárea e pós-acidente vascular cerebral.2–4 O procedimento tem sido cada vez mais aplicado no controle da dor severa e na analgesia pós-operatória de cirurgias do ombro,4–7 já que outras opções terapêuticas como os anti-inflamatórios não hormonais e as injeções de esteroides intra-articulares têm suas limitações, principalmente na população mais idosa, que apresenta muitas comorbidades.4,8 O BNSE é um método seguro, simples, barato e aplicável à maioria dos médicos que atuam no tratamento da dor,9 além de ser bem tolerado mesmo por pacientes com diversas patologias que acometem a região do ombro.4 É, ainda, uma alternativa eficiente para aqueles que não podem submeter-se a uma intervenção cirúrgica.8 Uma indicação relativa seria para pacientes com tumores avançados na região do ombro, com dor difícil de tratar e que são beneficiados por técnicas intervencionistas, dentre as quais o BNSE, que se apresenta muito efetivo e com baixos índices de efeitos adversos. Nesse caso, o método funciona como cuidado paliativo, pois trata os sintomas sem necessariamente atuar na causa.10 Outra utilização do BNSE seria na prática anestesiológica, no que diz respeito às anestesias locorregionais.5,6,11 Apesar de ser eficiente em seus efeitos, vários autores apresentaram modificações à técnica original do BNSE, desde sua publicação inicial, tais como o local da introdução da agulha, drogas e volumes utilizados e o modo de acesso, além de uso de aparelhos complementares para a realização do procedimento. O objetivo desta segunda parte da revisão sobre “Bloqueio do Nervo Supraescapular” foi relatar as técnicas descritas para a realização do procedimento, assim como as complicações da administração dos anestésicos locais. A primeira parte reportou os aspectos históricos e as indicações clínicas do método, assim como as drogas e o volume utilizados em procedimento único ou múltiplo.12 Recebido em 08/08/2011. Aprovado, após revisão, em 08/05/2012. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Universidade Federal de Goiás – UFG. 1. Doutorando em Ciências da Saúde; Professor do Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Goiás – UFG 2. Doutor em Enfermagem; Professor Orientador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, UFG 3. Doutor em Ciências da Saúde; Especialista em Cardiologia, Sociedade Brasileira de Cardiologia /Associação Médica Brasileira Correspondência para: Marcos Rassi Fernandes. Avenida Azaléias, Qd. 10 – Lt. 20 – Residencial Jardins Viena. Aparecida de Goiânia, GO, Brasil. CEP: 74935-187. E-mail: [email protected] 616 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):610-622 Bloqueio do nervo supraescapular: procedimento importante na prática clínica. Parte II ANATOMIA APLICADA AO BNSE O nervo supraescapular é um nervo misto (motor e sensitivo), responsável por 70% da sensibilidade articular do ombro, principalmente a cápsula posterior e superior. Ele se origina das raízes C5 e C6 do plexo braquial, que se dirigem posterior e lateralmente até a incisura escapular, abaixo do ligamento transverso superior. Ele entra na fossa supraespinal, na qual fornece ramos sensitivos para a articulação glenoumeral, acromioclavicular, bursa subacromial e ligamento coracoclavicular, e motores para o músculo supraespinal e, mais distalmente, para o infraespinal.11,13–16 É importante conhecer esses detalhes anatômicos para se obter a interrupção dos impulsos sensoriais das estruturas envolvidas, a fim de que o BNSE se desenvolva de forma salutar. TÉCNICAS DESCRITAS PARA A REALIZAÇÃO DO BNSE Desde a sua descrição, o BNSE tem sofrido várias modificações, tais como o local da introdução da agulha, o modo de acesso, até o uso de aparelhos complementares para a realização do mesmo. O acesso é dito anterior ou posterior, lateral ou medial e superior ou inferior, levando-se em consideração o ponto de introdução da agulha em relação às estruturas anatômicas do ombro. Muitas técnicas têm sido propostas para os diversos acessos. Elas podem ser diretas ou indiretas: técnica direta é quando a agulha entra na incisura supraescapular, onde se encontra o nervo, para introduzir o anestésico local; técnica indireta é quando não se faz necessária a localização da incisura supraescapular, aplicando-se o anestésico local no assoalho da fossa supraespinal, após a passagem do nervo pela mesma no contorno da base do processo coracoide, quando os ramos sensitivos dirigem-se para a cápsula do ombro, para o espaço subacromial e para a articulação acromioclavicular. Destacamos a seguir as técnicas do BNSE descritas na literatura, referidas pelos autores que as descreveram. de entrada da agulha. Ela é introduzida nos sentidos medial e inferior, até o contato com a fossa supraespinal, lateral à incisura escapular. A agulha é recuada em 1 cm e reintroduzida medialmente até entrar a incisura. Nesse momento pode-se ter a sensação de parestesias, o que confirma o contato com o nervo supraescapular. Foi descrita com injeção de 5 mL de procaína 2% associada a 5 mL de uma solução analgésica oleosa diretamente na incisura supraescapular. Esse é um acesso direto. Parris18 O bloqueio é realizado em um local superior (um dedo) do ponto médio da espinha da escápula. A agulha é introduzida 1 cm até certo ponto dentro da pele. A extremidade superior do mesmo lado do bloqueio é flexionada ao nível do cotovelo e rodada medialmente, com a mão colocada sobre o ombro oposto. Essa manobra eleva a escápula e a afasta da parede torácica posterior, no sentido de prevenir um possível pneumotórax. Preconiza 10 mL de bupivacaína 0,25%. É um acesso posterior. Wassef14 O ponto de entrada da agulha é entre a junção da borda medial do músculo trapézio e a borda posterior do terço lateral da clavícula. O local é acima da clavícula, onde a agulha é direcionada em sentido caudal e posterior, com leve inclinação medial. Utiliza-se um estimulador de nervo periférico e injetam-se 3 mL de bupivacaína 0,25% com 1:200.000 de adrenalina. Esse é um acesso anterior (Figura 1). CL Wertheim e Rovenstine17 Essa foi a primeira descrição do BNSE. Os autores a utilizaram em pacientes com dor crônica do ombro, ainda que sem diagnóstico. Eles citaram que sua realização se fez necessária como um recurso prévio à manipulação da região afetada. Os limites são determinados e desenhados com auxílio de um marcador. A linha é demarcada da borda superior da base espinal da escápula até a face medial do osso. Outra linha é marcada do ângulo inferior da escápula em direção cefálica, atravessando a primeira linha. Do triângulo externo superior formado pelas linhas, tira-se uma bissetriz e 1,5 cm, determinando-se o ponto Rev Bras Reumatol 2012;52(4):610-622 ESP CO AC Figura 1 Técnica de Wassef. Visão lateral do ombro, com a agulha introduzida acima da clavícula e direcionada em sentido caudal e posterior, com leve inclinação medial. AC: acrômio; CL: clavícula; ESP: espinha da escápula; CO: processo coracoide. 617 Fernandes et al. Risdall e Sharwood-Smith19 A primeira linha é desenhada para dividir o comprimento da espinha da escápula em três partes, e a segunda linha é perpendicular à primeira na junção do terço medial e os dois terços laterais. A agulha é direcionada para a incisura escapular, situada 1–2 cm cranial do ponto de intersecção. O nervo supraescapular é localizado utilizando-se um estimulador de nervo periférico. Injetam-se 10 mL de bupivacaína 0,5% com 1:200.000 de adrenalina. É um acesso medial e posterior. Dangoisse et al.20 A agulha é introduzida 1 cm acima da metade da espinha escapular, paralela à lâmina, até o assoalho ósseo da fossa supraespinal ser alcançado. Parestesias não são notadas, e os riscos de pneumotórax e lesão nervosa diminuem. Injetam-se 8 mL de bupivacaína 0,5%, associados a 80 mg de metilprednisolona. É um acesso indireto (Figura 2). Roark21 A borda lateral da espinha da escápula é palpada como referência, e a agulha deve ser direcionada para a margem lateral da mesma, dentro da incisura espinoglenoidea. Injetam-se 10 mL de anestésico local (não foi mencionado qual). É um acesso inferior e lateral. Matsumoto et al.16 Desenha-se uma linha entre o ângulo anterolateral do acrômio e a borda medial da espinha da escápula. O ponto de introdução é no meio dessa linha. A agulha é inclinada 30° em direção dorsal e inserida até alcançar a base do processo coracoide. A solução anestésica é composta de lidocaína 1% e ropivacaína 0,75% em uma mistura 1:1, injetando-se 10 mL. É um acesso superior e posterior. Checcucci11 Identifica-se um ponto 2 cm medial à borda medial do acrômio, ao longo da margem superior da espinha da escápula. Daí, marca-se uma linha paralela à coluna vertebral e calculam-se 2 cm no sentido cranial. A agulha é inserida perpendicularmente à pele no sentido craniocaudal. Utiliza-se um estimulador de nervo periférico com 1 mA inicial. Injetam-se 15 mL de uma mistura de 5 mL de lidocaína 2% e 10 mL de levobupivacaína a 0,5% (Figura 3). Barber13 A localização é de 1 cm medial à convergência entre a espinha da escápula e a borda posterior da clavícula (portal de Neviaser).22 A agulha é introduzida em direção ao processo coracoide em uma profundidade entre 3–4 cm. Usa-se a agulha anteriormente até a escápula não ser mais palpável. Daí, move-se a mesma posteriormente até sentir o osso mais uma vez. Isso localiza a agulha na base do processo coracoide na fossa supraespinal, por onde passa o nervo supraescapular. Nesse ponto, injetam-se 20–25 mL de bupivacaína 0,5%. É um acesso lateral (Figura 4). CL CL AC AC ESP ESP Figura 2 Técnica de Dangoisse. Visão posterior do ombro, com a agulha introduzida 1 cm superior da metade da espinha da escápula até o assoalho ósseo da fossa supraespinal. Figura 3 Técnica de Checcucci. Visão posterior do ombro, com a agulha introduzida em um ponto 2 cm medial à borda medial do acrômio e 2 cm da margem superior da espinha da escápula, perpendicular à pele no sentido craniocaudal. AC: acrômio; CL: clavícula; ESP: espinha da escápula. AC: acrômio; CL: clavícula; ESP: espinha da escápula. 618 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):610-622 Bloqueio do nervo supraescapular: procedimento importante na prática clínica. Parte II ESP CL NP AC AC CL ESP Figura 4 Técnica de Barber. Visão anterior do ombro, com a agulha introduzida a 1 cm (portal de Neviaser), em direção ao processo coracoide. AC: acrômio; CL: clavícula; ESP: espinha da escápula; PN: portal de Neviaser. Figura 5 Técnica de Meier. Visão posterior do ombro. A linha conecta a parte lateral do acrômio e a extremidade medial da espinha da escápula. O ponto de inserção é localizado 2 cm cranial e 2 cm medial à metade dessa linha. AC: acrômio; CL: clavícula; ESP: espinha da escápula. Alam23 O ponto de inserção do cateter epidural por um angiocath é anterior e próximo à metade da espinha da escápula. O cateter é tunelizado por meio de uma cânula de direção posterior- anterior. O anestésico local e o volume utilizado não são mencionados. Dahan4 É uma modificação da técnica de Dangoisse. A agulha é introduzida 2 cm acima da metade da espinha da escápula, perpendicular à pele e lateral à incisura escapular. Injetam-se 10 mL de bupivacaína 0,5%, porém sem corticosteroide. É um acesso indireto. Meier et al.24 Identifica-se uma linha que conecta a parte lateral do acrômio e a extremidade medial da espinha da escápula. O ponto de inserção é localizado a 2 cm cranial e 2 cm medial à metade dessa linha. O ângulo é de 45° no plano coronal e de 30° de inclinação ventral. Utiliza-se um estimulador de nervo periférico e injetam-se 15 mL de mepivacaína 1% (Figura 5). Feigl25 O ponto de introdução é no portal de Neviaser,22 atrás da articulação acromioclavicular e processo coracoide, medial ao acrômio e anterior à borda anterior da espinha da escápula. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):610-622 Avança-se a agulha em direção posterior e medial em relação à espinha da escápula até a fossa supraespinal. O ângulo agulha-pele é de aproximadamente 70° no plano horizontal. É um acesso lateral. Dessa forma, os acessos diretos são os de Wertheim17 e Barber;13 os acessos indiretos são os de Dangoisse20 e Dahan;4 o anterior é o de Wassef;14 os posteriores são os de Meier,24 Parris,18 Risdall,19 Alam23 e Matsumoto;16 os acessos laterais são os de Checcucci,11 Barber13 e Feigl;25 e o acesso inferior é o de Roark.21 Deve-se destacar que os acessos diretos de Wertheim17 e Barber13 têm maior risco de desencadear lesão nervosa, como também pneumotórax. Por outro lado, as técnicas de Dangoisse,20 Checcucci11 e Feigl25 apresentam menor probabilidade de essas complicações ocorrerem, já que não acessam a incisura escapular, local em que o nervo supraescapular penetra após passar por baixo do ligamento transverso superior, além de a introdução da agulha ser distante da direção do pulmão. COMPLICAÇÕES SECUNDÁRIAS À ADMINISTRAÇÃO DE ANESTÉSICOS LOCAIS Muito pouco se tem discutido sobre as complicações do BNSE no que tange à administração dos anestésicos locais para a realização do procedimento. Entretanto, duas complicações, em especial, merecem destaque pela repercussão: a toxicidade sistêmica e a lesão nervosa. 619 Fernandes et al. Toxicidade sistêmica O BNSE faz parte dos bloqueios de nervos periféricos e a análise das complicações inerentes ao uso dos anestésicos locais se faz importante. As complicações são raras, mas deve-se considerar a ocorrência de eventos adversos que podem ser devastadores tanto para o paciente quanto para o médico.26 Esses eventos adversos variam de leves sintomas sistêmicos, tais como agitação e paladar metálico, a alterações auditivas que podem seguir à absorção sistêmica do anestésico local, a partir de uma dose adequada e corretamente infundida para eventos cardiovasculares (taquicardia, arritmia ventricular, parada cardíaca) e do sistema nervoso central (convulsão, parada respiratória, coma), muitas vezes por uma injeção intravascular não intencional que pode resultar em óbito.26,27 Os principais fatores que influenciam a severidade da toxicidade sistêmica dos anestésicos locais (TSAL) são os riscos individuais do paciente, anestésico local específico e dosagem do mesmo, e uso de medicações concomitantes.27 A TSAL continua sendo a maior fonte de morbidade e mortalidade na prática do bloqueio regional. A prevenção permanece o melhor critério para aumentar a segurança do paciente durante o método. A combinação de vários procedimentos, como vigilância constante, aspiração cuidadosa e mínima dose efetiva (subtóxica), reduzem a frequência da TSAL.28 O uso do ultrassom para observar a colocação da agulha e a infusão do anestésico podem ser procedimentos úteis, mas também têm sido relatados como não completamente confiáveis.29–32 A incidência da TSAL no bloqueio do nervo supraescapular é desconhecida. Em um estudo de graves complicações em anestesia locorregional os pesquisadores identificaram um número de sérios eventos relacionados aos bloqueios do membro superior (3.459 bloqueios interescalênicos; 1.899 bloqueios supraclaviculares; 11.024 bloqueios do plexo axilar; e 7.402 bloqueios médio-umerais), mas não incluíram o BNSE, e encontraram convulsões e neuropatia periférica como complicações.33 A descrição clínica da TSAL inclui piora progressiva dos sinais e sintomas neurológicos após infusão dos anestésicos locais e aumento progressivo da concentração sanguínea desse anestésico, resultando em convulsões e coma. Em casos extremos, sinais de instabilidade hemodinâmica podem evoluir para eventos cardiovasculares.34 O tratamento é de suporte: aplicação suplementar de oxigênio, fármacos para a atividade convulsiva e condução dos efeitos cardiovasculares. Entretanto, quando ocorre a toxicidade, é imperativo preparar o plano de ação necessário para salvar a vida do paciente. Cuidados respiratórios, oxigenação, 12 620 ventilação e suportes básicos de vida são importantes fatores para o sucesso da ressucitação.26,35 A infusão lipídica deve ser considerada precocemente, e a equipe de tratamento deve estar familiarizada com o método.27 O uso da emulsão de lipídeos em humanos para o tratamento da TSAL foi primeiramente descrito em 2006,36 e as pesquisas buscaram elucidar a melhor dose para a segurança do paciente e a combinação com outros agentes de ressucitação.26 Lesão do nervo periférico No sentido de identificar uma lesão neural, é imprescindível conhecer a anatomia do nervo periférico. As fibras nervosas individuais são envolvidas pelo endoneuro e organizadas dentro de fascículos que, por sua vez, são envoltos pelo perineuro. O epineuro é a membrana externa de toda estrutura nervosa, com estroma em seu interior e um conjunto de fascículos.26 Importante lembrar que de proximal para distal aumenta-se o número de fascículos, enquanto seu diâmetro diminui. Na região do plexo braquial em localização interescalênica, os nervos são mais sólidos e oligofasciculares, visto que quanto mais distais são os fascículos, mais dispersos, em maior número e com mais estroma eles se apresentam. Isso explica por quê uma simples penetração do epineuro do nervo supraescapular não necessariamente conduz a um dano neural.37,38 A infusão de anestésico local no perineuro está associada à alta pressão de injeção, com subsequente lesão fascicular e dano neurológico. Porém, a infusão dentro do epineuro se dá com baixa pressão, com retorno da motricidade à normalidade.39 Logo, infusão intraneural fora do perineuro não invariavelmente leva a dano neurológico.40 A lesão do nervo periférico após uma anestesia locorregional é uma rara complicação que conduz a um déficit neurológico e a uma sensação de dor que pode durar por vários meses.41 Felizmente, a maioria das lesões é transiente e muitas vezes subclínica, ou se apresenta como mononeuropatia leve.26 Um detalhe importante é que quanto mais longo o bisel da agulha, maior a probabilidade de lesão fascicular.42 É muito difícil obter dados consistentes sobre sua incidência, que varia de 0,02%–0,4%,33,43 considerando todos os bloqueios de nervos periféricos. A taxa é maior para as lesões ditas transientes, chegando a 10% nos dias subsequentes ao bloqueio.26,44,45 O que dizer sobre incidência apenas no BNSE? Essa questão carece de uma pesquisa clínica para respondê-la, já que a literatura conhecida não apresenta tal resposta. O que se pode afirmar é que o acesso direto tem maior probabilidade de lesão Rev Bras Reumatol 2012;52(4):610-622 Bloqueio do nervo supraescapular: procedimento importante na prática clínica. Parte II nervosa, pois a agulha entra necessariamente na incisura escapular, em contato com o nervo supraescapular para a realização do procedimento.13,17,18,20 A realização da anestesia regional sob a visualização de ultrassom, apesar de popular, não significa diminuição na incidência e na severidade dos sintomas neurológicos pós-operatórios.44,45 Em uma metanálise de ensaios clínicos randomizados comparando ultrassom com neuroestimulação na realização do bloqueio de nervo periférico, sugere-se que outros estudos sejam necessários em relação a complicações como TSAL e lesão neurológica persistente.46 REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O BNSE é um método eficaz e seguro no tratamento da dor em enfermidades crônicas que acometem o ombro, e tem sido amplamente utilizado por profissionais na prática clínica, como reumatologistas, ortopedistas, neurologistas e especialistas em dor. A dor nessa articulação é uma queixa frequente e leva a considerável incapacidade funcional e redução na qualidade de vida dos pacientes acometidos. Quando bem indicado, o BNSE deve ser considerado. Essa terapêutica também vem sendo cada vez mais utilizada pelos anestesiologistas para analgesia pós-operatória de cirurgias realizadas no ombro, já que a dor, muitas vezes severa, interfere no processo de reabilitação. É importante salientar que esse procedimento, apesar de ter baixo custo e fácil reprodutibilidade, tem como restrições a falta de treinamento dos profissionais da área. Esta revisão se reportou aos diversos acessos descritos na literatura para a realização do bloqueio com a introdução da agulha, podendo ocorrer anterior ou posterior, lateral ou medial e superior ou inferior. Portanto, várias são as opções para se realizar o BNSE. Cabe ao profissional da área de saúde realizar aquele a que melhor se adapte, pois as complicações, apesar de raras, podem acontecer. A infusão do anestésico local na fossa supraespinal (BNSE) interfere com a função dos canais de sódio, impedindo a propagação dos potenciais de ação nos axônios. Na eventualidade de ocorrer um bloqueio motor prolongado dos músculos supra e infraespinais, inervados pelo nervo supraescapular e importantes na abdução e na rotação externa do ombro, aumenta-se significativamente a atividade do deltoide, assim como se altera a cinemática escapular.47–50 O presente estudo não pretende esgotar o tema, mas oferecer uma contribuição científica ao profissional da área médica envolvido no cuidado da saúde dos pacientes com dor no ombro, patologia que exige terapêutica específica. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):610-622 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. Taskaynatan MA, Yilmaz B, Ozgul A, Yazicioglu K, Kalyon TA. Suprascapular nerve block versus steroid injection for non-specific shoulder pain. Tohoku J Exp Med 2005; 205(1):19–25. Allen ZA, Shanahan EM, Crotty M. Does suprascapular nerve block reduce shoulder pain following stroke: a double-blind randomised controlled trial with masked outcome assessment. BMC Neurology 2010; 10:83. 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Epidemiologicamente, a psoríase pode ser considerada doença comum, por afetar cerca de 2% da população mundial. Em relação à artrite psoriásica, não há consenso na literatura atual sobre suas reais incidência e prevalência na população geral. Fatores genéticos, imunológicos e ambientais interagem entre si até culminarem nas manifestações clínicas cutâneas e articulares da doença psoriásica. Atualmente, é reconhecido o papel central do linfócito T ativado na patogenia tanto da psoríase quanto da artrite psoriásica. Além disso, citocinas pró-inflamatórias podem ser encontradas em concentrações aumentadas tanto na sinóvia quanto na pele de portadores de artrite psoriásica. Desde 1964, quando a relação entre psoríase e artrite psoriásica foi reconhecida oficialmente, muitos estudos foram conduzidos na tentativa de melhor compreender o mecanismo em comum das duas doenças. O antígeno leucocitário humano já foi considerado o centro da imunopatogenicidade psoriásica – hoje, o fator de necrose tumoral alfa exerce tal papel. Trata-se, portanto, da revisão de variados fatores que associam psoríase e artrite psoriásica e que convergem para a hipótese de se tratar de doença única com múltiplas apresentações, dentre elas a artropatia característica. Palavras-chave: psoríase, artrite psoriásica, inter-relação. © 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A psoríase é uma afecção cutânea inflamatória poligênica com fatores desencadeantes como traumas, infecções e medicações que podem levar a diferentes manifestações clínicas em indivíduos predispostos. O fenótipo representado em 90% dos casos caracteriza-se pela presença de placas eritematosas e descamativas de bordos bem definidos que atingem principalmente áreas de extensão de membros como joelhos e cotovelos.1 Uma de suas variadas formas de apresentação clínica é a psoríase artropática. Pela Reumatologia, é denominada artrite psoriásica (AP) e pode ser definida como doença inflamatória crônica das articulações sinoviais associada à psoríase, usualmente negativa para o fator reumatoide (FR).2 Encontra-se atualmente classificada no grupo das espondiloartrites, doenças que compartilham, além da negatividade para o FR, manifestações clínicas como artrite de articulações periféricas e do esqueleto axial e entesite.3 Psoríase e AP são entidades complexas e heterogêneas que podem apresentar-se em torno de múltiplas combinações entre seus subtipos; há dúvidas, inclusive, se são entidades distintas ou apenas variantes de uma mesma doença.4 HISTÓRICO Embora em papiros egípcios estejam descritas diversas doenças cutâneas, não há registros de lesões semelhantes à psoríase. Ainda na História Antiga, Hipócrates (460–377 a.C.) descreveu Recebido em 10/08/2011. Aprovado, após revisão, em 08/05/2012. DGR é Mestre pelo programa de Pós-Graduação em Clínica Médica da UFRJ e foi bolsista do CNPq. Os demais autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. 1. Reumatologista, Mestre em Clínica Médica, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; Professor de Medicina, Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos - ITPAC 2. Doutor; Professor-Associado da Faculdade de Medicina, UFRJ 3. Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – Uni-Rio; Docente Permanente do Curso de Pós-Graduação em Clínica Médica, UFRJ; Professor Titular do Curso de Pós-graduação Médica, Instituto Carlos Chagas Correspondência para: Danilo Garcia Ruiz. Quadra 405 sul, Alameda 5, Residencial Ouro Preto, apto. 236-A - Plano Diretor Sul. Palmas, TO, Brasil. CEP: 77015-640. E-mail: [email protected] 630 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):623-638 Artrite psoriásica: entidade clínica distinta da psoríase? meticulosamente diversas lesões e, em sua classificação, erupções descamativas e secas foram agrupadas em conjunto sob o termo “lopoi”. Tal fato, acredita-se, foi o precursor do agrupamento de lepra e psoríase com a consequente rejeição de pacientes psoriásicos em suas comunidades, como descrito no Antigo Testamento. A confusão entre lepra e psoríase permaneceu por séculos. Muitos pacientes psoriásicos, diagnosticados como leprosos, receberam as mesmas modalidades de tratamento que incluíam isolamento social, declaração pela igreja como oficialmente mortos e, ainda, em 1313, ordens de Philip de Fair para serem queimados em estacas.5 Foi somente no século XIX que a psoríase passou a ser mais bem estudada e entendida como uma entidade clínica distinta da hanseníase. Em 1809, Robert Willan, dermatologista britânico, foi o primeiro a oferecer uma descrição detalhada da psoríase e a propor o termo psoriasis (em inglês).1 Em 1841 a psoríase foi definitivamente separada da hanseníase por Ferdinand von Hebra.5 A primeira associação entre psoríase e artrite deu-se em 1818, pelas descrições de Alibert. Foi Bazin, no entanto, quem primeiro referiu-se à doença, empregando o termo “psoríase artrítica” em 1860; Bourdillon, em 1888, forneceu descrições mais detalhadas da doença.6 Mesmo sendo conhecida desde as primeiras décadas do século XIX, apenas nos anos 1950 ela passou a ser mais bem estudada, quando Verna Wright notou a associação de psoríase com artrite erosiva e baixa frequência de FR. Em 1959, o mesmo Wright propôs o termo “artrite psoriásica”, e em 1964 o American College of Rheumatology (naquela época ainda sob o nome de American Rheumatism Association) a classificou pela primeira vez como uma entidade clínica distinta da artrite reumatoide (AR).7 EPIDEMIOLOGIA A psoríase, de acordo com a maioria dos estudos, afeta cerca de 2% da população mundial, mas sua prevalência pode variar de 0%–11,8%, dependendo da amostra estudada e dos métodos de análise populacional.8 Asiáticos e populações indígenas parecem ser as populações com menor prevalência. Um estudo com mais de 5 milhões de chineses revelou prevalência de 0,2%,9 e outro estudo não constatou nenhum caso de psoríase entre quase 26.000 índios nativos do território brasileiro.10 As maiores prevalências estão concentradas nos povos nórdicos, como os 4,8% observados na Noruega.8 Em relação à incidência, poucos foram os estudos conduzidos. A incidência estimada de psoríase nos Estados Unidos é de 60,4:100.000 pessoas/ano, e no Reino Unido é de 140:100.000 pessoas/ano.11 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):623-638 Mesmo considerando variações de desenho epidemiológico, trata-se de uma doença comum, de distribuição universal e que acomete em iguais proporções homens e mulheres. Pode manifestar-se em qualquer idade, mas está dividida atualmente em dois picos etários de incidência: o primeiro com início entre 20 e 30 anos de idade (psoríase tipo 1), e o segundo entre 50 e 60 (psoríase tipo 2).8 Em aproximadamente 75% dos casos a doença tem início antes dos 40 anos e, embora surja mais precocemente em mulheres, sua história natural é semelhante em ambos os gêneros, caracterizada por curso crônico intermitente com remissões que podem durar de 1 a 54 anos.5 Não há consenso na literatura atual em relação às reais incidência e prevalência de AP na população geral, uma vez que poucos foram os estudos conduzidos com essa intenção. Estima-se uma prevalência global de 0,04%–0,1%, mas esse número pode estar subestimado.3 Nos Estados Unidos, sua prevalência está estimada em 0,25% da população geral.12 A prevalência de queixas articulares, no entanto, pode ser tão alta quanto os 90% observados por Gisondi em seu estudo conduzido com 936 pacientes hospitalizados com psoríase.13 Uma síntese de alguns dos principais estudos de prevalência e incidência de AP está apresentada na Tabela 1. Na África subsaariana, a prevalência de AP é afetada devido aos altos índices de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Historicamente, as artropatias soronegativas sempre foram incomuns nessa região devido à baixa prevalência de HLA-B27, cuja presença é maior em populações caucasianas. Entretanto, um estudo conduzido na Zâmbia constatou que hoje as espondiloartrites são a forma mais comum de artrite naquela população (180/100.000 entre HIV positivos contra 15/100.000 da população geral).14 Estudo subsequente na mesma região revelou que 96% dos pacientes com AP eram HIV positivos, contra 30% da população geral.15 Na América do Norte, tal número fica entre 0,4%–2%.6 Tabela 1 Incidência e prevalência de artrite psoriásica Autor Ano Local Prevalência Lomholt 1963 Ilhas Faroé 0,04% Alamanos 2003 Grécia 0,06% Shbeeb 2000 EUA 0,1% Autor Ano Local Incidência Shbeeb 2000 EUA 6/100.000 Alamanos 2003 Grécia 2,9–3,1/100.000 Soderlin 2002 Suécia 8/100.000 Nota: adaptado de Bruce, 2008.6 631 Ruiz et al. Em relação aos portadores de psoríase que desenvolvem artrite, os números variam de 5% a 42%.16 Um amplo e recente estudo epidemiológico alemão confirmou o diagnóstico de AP em 20,6% de 1.511 pacientes com psoríase.17 Esse número (em torno de 20%) é o mais aceito atualmente para ocorrência de artrite em portadores de psoríase. Ao contrário da AR, que tem predileção pela população feminina, a AP afeta em proporções semelhantes homens e mulheres (1:1), e a idade média de início da doença é entre 30 e 55 anos.6 IMPACTOS A psoríase pode ser estigmatizante e afetar negativamente a qualidade de vida de seus portadores.18 Seus sintomas físicos são fonte de estresse e de piora da qualidade de vida, uma vez que 76% dos pacientes sentem descamação e prurido a todo tempo. Apesar disso, a gravidade clínica da doença aferida por médicos não está associada estatisticamente a nenhuma das crenças dos pacientes acerca de seus sintomas, o que reitera a importância do fator subjetivo no curso da doença.19 A presença significativa de outras comorbidades, como doença de Crohn, diabetes mellitus tipo 2, síndrome metabólica e transtornos do humor, também contribui para essa sensação de desconforto psicossocial e tendência ao isolamento.1 O impacto da psoríase também pode ser observado sob o ponto de vista econômico. Nos Estados Unidos, aproximadamente 56 milhões de horas de trabalho são perdidas por portadores da doença, e até 3,2 bilhões de dólares são gastos por ano em seu tratamento.20 GENÉTICA E FATORES DESENCADEANTES Fatores genéticos, imunológicos e ambientais interagem entre si até culminar nas manifestações clínicas cutâneas e articulares da doença psoriásica. Acredita-se que sua transmissão seja multifatorial, possivelmente com traço poligênico e sabidamente com importante agregação familiar.21 Quando ambos os pais apresentam psoríase, a chance de o filho também a desenvolver é de 41%.22 Se somente o pai ou a mãe possui a doença, a chance de transmissão é de 14%; quando há um irmão afetado, a chance é de 6%, e apenas 2% quando não há história na família.23 Entre irmãos gêmeos, a incidência de psoríase é de 65% para os monozigóticos e de 30% para os dizigóticos.20 Atualmente, sabe-se que tal predisposição genética se dá pela presença de antígenos leucocitários humanos (HLA). Em relação à psoríase, diversos HLA podem estar associados, como HLA-B13, HLA-B17, HLA-B37, HLA-Bw16, HLA-Bw57 e 632 HLA-DR7. O HLA-Cw6 é, no entanto, o mais importante.18,20 A presença do HLA-Cw6 em populações caucasianas confere um risco relativo de 13 vezes de se desenvolver psoríase, e em japoneses esse risco é de de 25 vezes.5 Um locus estudado foi o complexo de histocompatibilidade maior (MHC) classe I associado ao gene A (MICA), comparando psoríase e AP com controles saudáveis. Os resultados mostraram que o polimorfismo MICA-A9 (correspondente ao alelo MICA-002) estava aumentado somente em AP, enquanto o alelo Cw*0602 estava significativamente aumentado em ambas (psoríase e artrite). O alelo MICA-002, portanto, pode ser um possível candidato ao desenvolvimento de AP.24 Há associação descrita de HLA-B27 com psoríase pustulosa e acrodermatite, HLA-B13 com psoríase guttata e frequências aumentadas de HLA-B17 em pacientes com psoríase tipo eritrodérmica.5 Apesar de nem sempre se reconhecer precisamente o evento desencadeador da doença, um “gatilho” ambiental em um indivíduo predisposto pode ser determinante, pois além do fator genético, elementos ambientais e imunológicos interagem para o surgimento da doença.25 Fatores externos que atuam diretamente sobre a pele podem desencadear psoríase. Prova disso é a reação positiva ao fenômeno de Köebner em 25% dos pacientes psoriásicos. A positividade para tal fenômeno sugere que a psoríase seja uma doença sistêmica que pode desenvolver-se localmente a partir de um evento traumático em um segmento corporal específico.5 As infecções, tanto bacterianas quanto virais, devem ser lembradas como importantes fatores sistêmicos ambientais que podem estar relacionados à indução e ao agravamento da psoríase. As infecções por estreptococos do grupo A têm sido associadas ao desenvolvimento de psoríase guttata, e o RNA ribossômico dessa espécie tem sido detectado no sangue e no líquido sinovial de pacientes com AP.3 Apesar disso, mesmo sendo aceita a imunorreatividade ao antígeno estreptocócico, ainda não está claro se a infecção desencadeia AP ou se a quebra da barreira cutânea pela psoríase conduz a uma exposição ao microrganismo e, consequentemente, a uma forma de artrite reativa.26 Em populações soropositivas para o HIV, as manifestações clínicas da doença cutânea tendem a ser mais graves e exuberantes.27 Em relação à forma artropática, pacientes HIV positivo têm um curso variável, porém, na maioria dos casos tendem a apresentar erosões e deformidades precoces, com evolução progressiva e refratariedade à terapia convencional.28 Diversas drogas têm sido implicadas como indutoras de psoríase, sendo importante destacar o carbonato de lítio, o interferon, os β-bloqueadores e os antimaláricos como principais. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):623-638 Artrite psoriásica: entidade clínica distinta da psoríase? Retiradas rápidas de corticoides sistêmicos também podem estar associadas tanto com a indução de psoríase pustulosa quanto com a piora da psoríase em placas. Outras medicações possivelmente associadas, mas com impacto clínico menos contundente, são os inibidores da enzima conversão de angiotensina e os anti-inflamatórios inibidores da COX-1.25 Também estão descritos como fatores ambientais e sistêmicos associados à psoríase o consumo aumentado de álcool, o tabagismo e a obesidade. Tais elementos, no entanto, não possuem ainda mecanismos patológicos plenamente elucidados.5 A frequência aumentada de AP em pacientes com psoríase grave tem sido argumento para associar estresse psicológico, envolvimento cutâneo e articular.29 Um possível papel do estresse psicológico tem sido proposto, mas a real patogênese permanece desconhecida.30 Vacinação para rubéola, úlceras orais recorrentes, mudança de domicílio, ferimentos que necessitam cuidado médico e fraturas ósseas também foram descritos como fatores associados ao desenvolvimento de artrite em pacientes com psoríase. Estudo subsequentes, no entanto, são necessários para verificar essas informações e examinar os mecanismos imunológicos envolvidos.31 PATOGÊNESE A patogenia da AP é complexa e ainda não foi plenamente desvendada. Atualmente se reconhece o papel central do linfócito T ativado na patogenia tanto da psoríase quanto da AP. Devido às suas características macroscópicas e por ser uma doença eminentemente epidérmica, sempre se acreditou que o defeito bioquímico ou celular principal residisse unicamente no queratinócito. A patogenia central da psoríase está, sim, relacionada a uma diferenciação e proliferação anormal dos queratinócitos, mas há aspectos celulares, citocinas, quimiocinas e elementos da resposta imune inata e adaptativa, hoje sabidamente envolvidos em sua patogenia.20 O foco das pesquisas e o consequente melhor entendimento de sua fisiopatologia mudaram quando se notou melhora de pacientes, diagnosticados com psoríase, que faziam uso de ciclosporina para evitar a rejeição de órgãos transplantados.32 Essa medicação é inibidora da transcrição do RNA mensageiro para a produção de diversas citocinas dos linfócitos T, cuja ativação via IL-2 leva à produção de fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e à perpetuação da cascata inflamatória. Em vista disso, alguma atenção por parte da comunidade científica tem sido dada em direção a considerar a psoríase como doença autoimune, apesar de nenhum verdadeiro autoantígeno ter sido identificado até então. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):623-638 Células do sistema imune inato como queratinócitos, células dendríticas, neutrófilos, monócitos/macrófagos e células natural killer (NK) estão envolvidas no evento inflamatório da articulação psoriásica. A quebra da integridade e de função do queratinócito pode promover uma resposta inflamatória por mecanismos que envolvem a ativação de linfócitos T e sinalização via TNF-α.33 Citocinas pró-inflamatórias como TNF-α e IL-1 podem ser vistas em concentrações aumentadas na sinóvia e na pele de portadores de AP, bem como podem ser responsabilizadas diretamente pelo aumento de fatores locais de crescimento e pelas alterações vasculares da doença, como espessamento capilar e infiltrados inflamatórios periarticulares.5 Biópsias de tecido ósseo de articulações psoriásicas demonstraram grandes osteoclastos multinucleados em reabsorção profunda na junção osso-pannus. Há regulação para mais do RANK-L e diminuição da expressão da osteoprotegerina (OPG). 5 O tratamento com agentes anti-TNF-α diminui drasticamente os níveis de precursores de osteoclastos circulantes, o que evidencia o papel central dessa citocina também em relação à desregulação do remodelamento ósseo na AP.34 Circundando a patologia óssea e sinovial está o papel vascular, cujas alterações morfológicas são diferentes das observadas na AR. Na AP, hiperplasia e hipertrofia de sinoviócitos são mínimas, enquanto as paredes de capilares e pequenas artérias demonstram importante espessamento e infiltrado inflamatório perivascular.5 Esse padrão vascular específico e as altas concentrações de fatores de crescimento (TGF-β, VEGF, PDGF) sugerem que a angiogênese e a função vascular alterada têm importante função no início do processo inflamatório, tanto na pele quanto nas articulações,26 fato esse que fortalece a teoria de uma doença sistêmica única. CLASSIFICAÇÃO E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Inúmeras foram as tentativas de se classificar a AP, mas esbarra-se nas dificuldades naturais de se estudar uma doença complexa e heterogênea, que por vezes se assemelha à AR, e por outras à espondilite anquilosante, ou ainda, assume características próprias.35 Moll e Wright,2 quando classificaram a doença pela primeira vez, em 1973, utilizaram apenas três elementos: artrite inflamatória, presença de psoríase e ausência de FR. Com o passar do tempo, acompanhado de melhor entendimento das características da doença, houve, pelo menos, outras cinco tentativas de classificação. Ao longo dos anos foram acrescidos 633 Ruiz et al. Tabela 2 Autores e grupos que propuseram classificações para artrite psoriásica e principais características de seus estudos Autor(es)/Grupo Ano Principais características Moll; Wright 1973 Artrite, psoríase, fator reumatoide negativo Bennet 1979 Considera dactilite, exclui nódulos subcutâneos e infecções Vasey; Espinoza 1984 Lesões radiológicas específicas (“pencil in cup”) ESSG 1991 Dor vertebral de ritmo inflamatório Considera pela primeira vez a história familiar de psoríase McGonagle; Canaghan; Emery 1999 Entesite Associação com outras artropatias [SAPHO, osteomielite crônica multifocal recidivante (CRMO)] Fournié 1999 Dor em nádegas, calcanhares, parede torácica anterior Valoriza a presença de HLA Nota: adaptado de Helliwell e Taylor, 2005.35 ESSG: European Spondyloarthropathy Study Group; CMRO: Chronic Multifocal Recurrent Osteomyelitis. elementos como dactilite, alterações radiológicas, história familiar, entesite e presença de HLA. A Tabela 2 apresenta os autores/grupos que trabalharam na tentativa de organizar o conhecimento acerca da AP e traz as principais características acrescidas em relação aos estudos anteriores. Para fins diagnósticos e padronização visando aos estudos clínicos, a classificação mais atual é a CASPAR de 2006 (do inglês, Classification Criteria for Psoriatic Arthritis). Nessa classificação, a presença de artrite é imprescindível. Psoríase atual contabiliza dois pontos, e cada um dos itens seguintes contabilizam um ponto: história prévia de psoríase, história familiar de psoríase, distrofia ungueal, FR negativo, dactilite e/ ou lesões radiológicas típicas em mãos e pés. São classificados como portadores de AP os pacientes que somam três ou mais pontos associados à presença de artrite.36 No entanto, a classificação de Moll e Wright de 1973 para AP continua sendo a mais tradicional e, mesmo com suas limitações, ainda é muito utilizada. A doença é subdivida em relação ao padrão de envolvimento articular em artrite predominante de articulações interfalangeanas distais, oligoartrite assimétrica, poliartrite simétrica, espondiloartropatia e artrite mutilante2 (Figura 1). Vale lembrar que a AP é uma doença inflamatória crônica e dinâmica, o que na prática significa que um mesmo paciente pode migrar de um subtipo para outro, ou acumular padrões de envolvimento. O tempo de duração da doença e o momento em que ela é analisada em determinado paciente podem interferir em sua classificação diagnóstica e na contagem de articulações acometidas, que tende a ser mono ou oligoarticular no começo, e poliarticular em estágios mais avançados.6 De modo geral, as lesões de pele costumam surgir antes da artrite em 75% dos casos. O início simultâneo da doença 634 Figura 1 Artrite psoriásica forma espondilítica. Observar a retificação da coluna lombar e a acentuação da cifose dorsal, além das lesões eritematosas da psoríase. cutâneo-articular ocorre em 10% dos pacientes, e a artrite precede as lesões de pele nos outros 15%.25 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):623-638 Artrite psoriásica: entidade clínica distinta da psoríase? Apesar de a lesão crônica em placas ser a forma mais comum de psoríase, a doença pode apresentar-se em um amplo espectro de manifestações cutâneas. Pode haver, ainda, diferentes variantes coexistindo em um mesmo paciente, mas todas as formas exibem três características em comum: eritema, espessamento e descamação.5 Há também que se considerar as variações individuais, os medicamentos em uso, o meio que está inserido o doente e, aliado a isso, suas características genéticas e epidemiológicas.37 As lesões inflamatórias da psoríase geralmente são crônicas e recidivantes, embora também possam ter início súbito. Tais lesões podem ser classificadas de acordo com sua morfologia, distribuição e presença ou ausência de pústulas. Os principais subtipos são: psoríase vulgar (Figura 2), psoríase guttata, eritrodérmica, pustulosa e invertida.38 A doença pustulosa palmoplantar tem sido comumente associada a lesões ósseas inflamatórias, recebendo a denominação de síndrome SAPHO (sinovite, acne, pustulose, hiperostose e osteíte).5 Lesões ungueais são muito comuns e podem, inclusive, ajudar a diferençar a AP inicial da AR. Ocorrem em 40%–45% dos pacientes com psoríase não complicada por artrite, e podem chegar a 87% dos pacientes com AP.39 A mucosa oral também pode ser acometida sob a forma de lesões eritematosas anulares migratórias (annulus migrans), e a língua é o local mais comum. A região genital é acometida em cerca de 30% dos casos.5 A B Figura 2 Psoríase em placas. A: Acometimento em dorso. B: Placas eritematodescamativas localizadas em mama esquerda. Fonte: Lima 2010, tese de doutorado.52 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):623-638 MANIFESTAÇÕES EXTRA-ARTICULARES Além das manifestações articulares propriamente ditas, a AP também pode cursar com o envolvimento de outros órgãos e sistemas, como dactilite, entesite, edema periférico, inflamações oculares, ulcerações orais, uretrite, doença da válvula aórtica e distrofia ungueal.3 Inflamação intestinal subclínica foi observada por meio de ileocolonoscopia em 16% dos pacientes com AP, mas esses achados limitaram-se aos pacientes com doença oligoarticular ou axial.40 O aparelho ungueal deve ser abordado como apêndice do sistema musculoesquelético, e não somente da pele, tendo em vista que ele tem íntimas relações anatômicas e funcionais com as falanges distais e os tendões extensores dos dedos. A associação de artrite de articulações interfalangeanas distais com distrofia ungueal, portanto, não é apenas uma coincidência anatômica.41 Cabe ressaltar ainda que a distrofia ungueal, as lesões psoriásicas de couro cabeludo e da região interglútea/perianal são aquelas associadas a maior probabilidade de desenvolvimento de AP.42 DOENÇAS DISTINTAS? Há doenças sistêmicas que cursam com manifestações cutâneas e articulares, como o lúpus eritematoso sistêmico. Há doenças predominantemente cutâneas, que podem apresentar manifestações sistêmicas e articulares, como a síndrome de Sweet.43 À parte disso, há a psoríase, que pode apresentar-se com lesões quase imperceptíveis nos leitos ungueais e na fenda interglútea ou atingir a totalidade da superfície corporal, no caso do tipo eritrodérmica. Além disso, o acometimento articular da psoríase pode ser tanto mínimo quanto poliarticular, grave e deformante. Desde que a relação entre psoríase e AP foi reconhecida oficialmente, em 1964, pela American Rheumatism Association,7 muitos estudos foram conduzidos na tentativa de melhor compreender o mecanismo em comum das duas doenças.35 Em relação à imunogenicidade das espondiloartrites, sabe-se da associação positiva entre a presença de HLA-B27 e o desenvolvimento de doenças desse grupo, em especial da espondilite anquilosante, na qual a positividade de tal antígeno leucocitário é de 90%–95%. Com base em tal modelo, acreditava-se que esse HLA estaria relacionado apenas à espondilite e a outras doenças axiais.44 No entanto, em 1977, Eastmond e Woodrow45 descreveram um grupo de pacientes em que a presença do HLA-B27 aumentava o risco de o paciente com psoríase desenvolver não só doença axial, mas também artrite 635 Ruiz et al. GALT ÓRGÃOS INTERNOS ARTICULAÇÕES ▼ ▼ HLA ARTICULAÇÕES ▼ ▼ PELE ▼ ▼ AMBIENTE AM BI EN TE TNF ▼ A HL PELE Figura 3 Modelo patogênico proposto por Raffaele Scarpa em 1999 tendo o HLA no papel central (à esquerda) e revisão do modelo proposto pelo próprio Scarpa em 2006 (à direita). Fonte: Adaptado de Scarpa 199949 e 2006.4 periférica, incluindo artrite de interfalangeanas distais. Com isso, esses pesquisadores britânicos deram os primeiros passos no sentido de um melhor entendimento do papel imunogenético na relação entre psoríase e AP. Outro elemento que conta a favor da ligação entre as duas doenças é o envolvimento ungueal associado à artrite. Em 1984, Scarpa et al. 46 observaram que alterações ungueais estavam presentes em 63% dos pacientes com AP, ao contrário dos 37% de pacientes com psoríase sem artrite. Além disso, nos pacientes em que a artrite precedeu o surgimento das lesões cutâneas, em 88% dos casos as alterações ungueais antecederam as lesões psoriásicas propriamente ditas.46 A associação entre unha psoriásica e artrite também foi observada por Jones et al. 47 em 1994 e, recentemente, McGonagle48 tem publicado artigos para nos lembrar que “embora a unha esteja embrionariamente relacionada à pele e tradicionalmente seja vista como uma modificação cutânea especializada, na verdade está funcionalmente integrada ao sistema musculoesquelético, ancorada ao osso pela entese”. Assim, o fato de a inflamação da entese do tendão extensor frequentemente envolver o leito ungueal nos remete a entender a artrite de uma articulação interfalangeana distal e a distrofia ungueal de um mesmo dedo como um processo único, e não doenças distintas da pele e das articulações. 636 Na década de 1990, Scarpa49 acreditava que o HLA era responsável pela expressão clínica multissistêmica da psoríase, ocupando o centro de um modelo teórico que envolvia pele, articulações e o tecido linfoide GALT. Hoje é sabido que, além de haver mais de um tipo de HLA envolvido na patogênese da psoríase, há outros elementos moleculares importantes envolvidos. Um desses elementos é o TNF-α, citocina capaz de participar da cascata inflamatória ativando tanto queratinócitos epidérmicos quanto células endoteliais e sinoviócitos. O próprio Scarpa, então, modifica seu modelo hipotético e coloca o TNF-α no centro do mesmo, circundando-o por elementos ambientais e intrínsecos, dentre os quais, o HLA (Figura 3).4 O acúmulo histórico de conhecimento e o consequente melhor entendimento no mecanismo patogênico da AP levou Scarpa à seguinte indagação: “Psoríase, artrite psoriásica ou doença psoriásica?”.4 Ele pressupõe estarmos diante de uma mesma doença, fundamentado em achados que comprovam a existência de um processo inflamatório cutâneo, sinovial e até mesmo intestinal interligado.50 Corroboraram tal hipótese de doença única os estudos que demonstram a importância da entesite para o diagnóstico de inflamação sistêmica. Girolomoni e Gisondi demonstraram que existe entesopatia subdiagnosticada comprovada por ultrassonografia em pacientes com psoríase, sugerindo, assim, que a doença é multissistêmica e não se restringe à pele.51 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):623-638 Artrite psoriásica: entidade clínica distinta da psoríase? CONSIDERAÇÕES FINAIS A Dermatologia classifica e subdivide a psoríase como doença sistêmica com diversas possibilidades de manifestações clínicas. Uma delas é a chamada psoríase artropática, havendo inclusive um número específico para tal na atual Classificação Internacional de Doenças, distinto daquele utilizado pela Reumatologia. Diante do exposto, os autores acreditam que é necessário abordar a AP como uma das diversas e possíveis formas de apresentação clínica dentro de um amplo universo espectral chamado psoríase. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. Griffiths CEM, Barker JN. Pathogenesis and clinical features of psoriasis. 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No presente trabalho relatamos dois pacientes com síndrome antifosfolípide diagnosticados com dermatomiosite ou polimiosite. Realizamos também uma revisão da literatura acerca dessa sobreposição de duas entidades autoimunes sistêmicas. Palavras-chave: dermatomiosite, polimiosite, síndrome antifosfolipídica, relatos de casos. © 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A síndrome antifosfolípide (SAF) pode ser primária ou secundária a uma série de condições, tais como neoplasias, doenças infecciosas, drogas1 ou, ainda, a outras doenças autoimunes, como lúpus eritematoso sistêmico (LES).2,3 A dermatomiosite (DM) e a polimiosite (PM) também ocorrem isoladamente ou em associação a outras doenças autoimunes, das quais o LES e a síndrome de Sjögren são as mais frequentemente observadas.4 Entretanto, há poucos trabalhos que mostram a associação entre a SAF e a DM ou a PM5–7 – há apenas quatro casos que ilustram a SAF cursando com PM,5–7 dos quais dois são associados a mielite transversa,7,8 além de um relato de caso de SAF com DM.5 Devido à raridade dessa sobreposição, apresentamos dois pacientes com SAF e DM ou PM simultaneamente, e realizamos uma revisão da literatura. RELATO DE CASO Caso 1 Paciente do gênero masculino, 40 anos, com história de fraqueza muscular proximal dos quatro membros e sintomas constitucionais há cerca de três meses. Na ocasião, apresentava aumento de enzimas musculares [creatinoquinase (CK): 1.876 U/L (valor de referência: 26–190 U/L) e aldolase de 146 U/L (valor de referência: até 7,6 U/L)], com eletroneuromiografia (ENMG) e biópsia muscular do bíceps braquial compatíveis com miopatia inflamatória. Foram afastadas causas infecciosas e neoplásicas. Com a hipótese de PM, iniciou-se prednisona 1 mg/kg/dia e metotrexato (dose máxima: 25 mg/semana). Posteriormente, pela refratariedade clínico-laboratorial, associou-se um segundo imunossupressor, azatioprina (dose máxima: 3 mg/kg/dia), com controle da atividade da doença. Após um ano do diagnóstico da PM o paciente apresentou trombose venosa profunda (TVP) do membro inferior direito (MID), confirmado por ultrassonografia doppler, sem causa aparente. Naquela ocasião apresentava anticardiolipina IgM de 110 MPL (valor de referência: < 20 MPL) e, portanto, iniciou-se cumarínico com controle adequado de coagulograma. O valor de anticardiolipina IgM, após 12 semanas do evento trombótico, foi de 100 MPL, confirmando o diagnóstico de SAF. Atualmente, o paciente encontra-se estável clínico-laboratorialmente, sem uso de prednisona há apenas um ano, em uso de azatioprina 3 mg/kg/dia e metotrexato 10 mg/semana, além de varfarina 5 mg/dia. Recebido em 30/01/2011. Aprovado, após revisão, em 08/05/2012. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Disciplina de Reumatologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP. 1. Reumatologista, Médico-Assistente do Serviço de Reumatologia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – HC/FMUSP 2. Doutor em Medicina; Médico-Assistente do Serviço de Reumatologia, HC/FMUSP; Professor Colaborador da Disciplina de Reumatologia, FMUSP 3. Doutor em Ciências; Médico-Assistente do Serviço de Reumatologia, HC/FMUSP; Professor Colaborador da Disciplina de Reumatologia, FMUSP Correspondência para: Samuel Katsuyuki Shinjo. Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Av. Dr. Arnaldo, 455, 3° andar – sala 3150. CEP: 01246-903. São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected] 642 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):639-644 Síndrome antifosfolípide e dermatomiosite/polimiosite: uma rara associação Caso 2 Paciente do gênero feminino, 48 anos, com quadro de fraqueza proximal nos quatro membros, heliótropo e sinal de Gottron há sete meses. Apresentava, na primeira avaliação médica, CK de 3.500 U/L e aldolase de 376 U/L, tendo sido submetida à biópsia muscular de bíceps braquial compatível com DM. Iniciou-se prednisona 1 mg/kg/dia e azatioprina (dose máxima: 3 mg/kg/dia, peso de 50 kg). Entretanto, após seis meses, devido a pouca resposta clínico-laboratorial, optou-se por pulsoterapia com metilprednisolona (1 g/dia por três dias consecutivos), além da associação de metotrexato, com aumento progressivo da dose até 25 mg/semana. Durante o seguimento houve recidivas da doença após redução do corticosteroide, realizando-se então dose única de imunoglobulina intravenosa humana (1 g/kg/dia por dois dias consecutivos), com melhora do ponto de vista clínico-laboratorial. Associou-se, no mesmo período, ciclosporina 100 mg/ dia, com boa resposta. Dois anos após o diagnóstico da DM a paciente apresentou TVP do MID, confirmado por ultrassonografia doppler, sem causa aparente. Além disso, apresentava histórico de aborto na 16a semana de gestação e um óbito neonatal, com feto morfologicamente normal. Após reavaliação clínica, observou-se presença de anticoagulante lúpico positivo (duas amostras positivas com intervalo superior a 12 semanas), tendo sido iniciado cumarínico, com controles satisfatórios, sem demais episódios trombóticos. Atualmente a paciente encontra-se em uso de ciclosporina 200 mg/dia, azatioprina 75 mg/dia (dose reduzida devido à linfopenia já revertida) e prednisona 15 mg/dia, com dificuldade de redução de dose; a última recidiva foi há cinco anos. DISCUSSÃO Somando aos poucos casos clínicos disponíveis na literatura, apresentamos dois casos de pacientes com SAF, cursando simultaneamente com miopatia inflamatória idiopática (DM ou PM). A associação entre SAF e outras doenças autoimunes sistêmicas tem sido descrita na literatura. Tarr et al.8 relataram cerca de 30% da SAF em seus 362 pacientes com LES. Além disso, quando há essa sobreposição, há maiores índices de TVP, acidente vascular cerebral/ataque isquêmico transitório, perda fetal recorrente e infarto agudo do miocárdio, quando comparados aos pacientes que apresentam apenas LES. A coexistência da SAF é relatada também em 10% dos pacientes com síndrome de Sjögren que apresentam anticorpos antifosfolípides.9 Esses pacientes apresentam mais Raynaud, lesões de pele (púrpura e livedo reticular), bem como citopenias.9 A SAF também tem sido descrita em pacientes com doença mista do tecido conectivo (DMTC).10–12 No entanto, mesmo nesses casos, quando os achados PM-símile foram incluídos, o diagnóstico de DMTC estava firmado, devido à existência de elevados níveis de anticorpos específicos. No entanto, a associação entre SAF e miopatias inflamatórias idiopáticas é extremamente rara. Até o presente momento, há apenas cinco casos (quatro com PM e um com DM) descritos dessa sobreposição.5–7 Esses casos estão ilustrados na Tabela 1. Tabela 1 Associação entre SAF e miopatias inflamatórias idiopáticas relatada na literatura Gênero Idade Miopatia Síndrome antifosfolípide Overlap Medicações 1 M 24 PM MT; aCL IgG (+) Não CE, MTX, CFF, ACO 2 F 61 DM EP; aCL IgG (+) Não CE, ACO 3 F 50 PM AVCi, gestacional; LAC, aCL, IgG (+) Não CE, MTX, ACO F 41 PM TVP MIE, aCl IgM (+), IgG (+) AR, antissintetase CE, SSA, CICL, ACO M 46 PM MT, Anti-β2GPI Não CE 1 M 40 PM TVP MID, aCL IgM (+) CE, AZA, MTX, ACO 2 F 48 DM TVP MID, gestacional, LAC (+) CE, AZA, MTX, IgIV, CICL, ACO Sherer et al. (2000) Ponyi et al. (2004) 1 Mori et al. (2010) 1 Souza et al. (2011) M: masculino; F: feminino; PM: polimiosite, DM: dermatomiosite, MT: mielite transversa; aCL: anticardiolipina; CE: corticosteroide (EV, VO); MTX: metotrexato; CFF: ciclofosfamida; ACO: anticoagulante oral; EP: embolia pulmonar; AVCi: acidente vascular cerebral isquêmico; LAC: anticoagulante lúpico; TVP: trombose venosa profunda; MIE: membro inferior esquerdo; SSA: sulfassalazina; CICL: ciclosporina; Anti-β2GPI: anticorpo anti-β2-glicoproteína I; AZA: azatioprina; MID: membro inferior direito; IgIV: imunoglobulina intravenosa. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):639-644 643 Souza et al. Ainda não se sabe se a associação entre SAF e DM/PM é marcada por anticorpos miosite-específicos, nem se há algum papel patogênico desses nas miopatias, sendo o dano endotelial indubitavelmente o processo patogênico base da DM.13 O que observamos em nossos pacientes e nos relatados na literatura é a comum refratariedade às terapêuticas realizadas, todos tendo recebido altas doses de corticosteroide por via oral ou em forma de pulsoterapia,5–7 dos quais quatro apresentaram recidiva de doença e necessidade de uso de pelo menos dois imunossupressores (azatioprina, metotrexato e/ou ciclosporina).5–7 Fica a dúvida se a associação dessas entidades torna a DM/ PM de pior prognóstico. São necessários trabalhos futuros para tal esclarecimento. A imunoglobulina intravenosa pode ser uma opção de tratamento para os pacientes que demonstram a coexistência de SAF e a miopatia refratárias, sendo atualmente aceita no tratamento da DM/PM, com algumas descrições de seu uso na SAF.14,15 Nosso paciente com DM, devido à refratariedade à terapia medicamentosa convencional, recebeu imunoglobulina intravenosa com boa resposta clínico-laboratorial. Em síntese, a coexistência de SAF e DM/PM é raramente descrita na literatura. No presente estudo, apresentamos dois casos que, a exemplo dos casos já descritos, mostraram curso da miopatia relativamente mais agressiva. REFERENCES 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 644 Asherson RA, Cervera R. “Primary”, “secondary” and other variants of the antiphospholipid syndrome. Lupus 1994; 3(4):29–38. Asherson RA, Cervera R, Pitte JC, Shoenfeld Y. The antiphospholipid syndrome: history, definition, classification and differential diagnosis. Boca Raton: CRC Press, 1996; 3–12. 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A associação frequente entre diversas doenças autoimunes em um mesmo paciente é descrita na literatura. No entanto, é rara a coexistência entre retocolite ulcerativa e artrite reumatoide. Os autores relatam um caso de retocolite ulcerativa associada à artrite reumatoide em que a colite precedeu em 12 anos o aparecimento da artropatia inflamatória. Palavras-chave: artrite reumatoide, proctocolite, espondiloartropatias. © 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A retocolite ulcerativa (RCU) é uma doença inflamatória sistêmica, de causa desconhecida e de natureza essencialmente autoimune. Afeta predominantemente o cólon e o reto, resultando em diarreia crônica. Embora a associação entre doenças autoimunes seja conhecida, é rara a coexistência de retocolite e artrite reumatoide (AR).1 O envolvimento articular ocorre tanto na RCU quanto na doença de Crohn, observado em até 30% dos casos. São descritos dois padrões de acometimento: a forma espondilítica e a forma periférica. Ambas podem preceder o quadro intestinal, embora geralmente a artropatia se manifeste posteriormente à colite.2 A forma espondilítica é clínica e radiologicamente similar à espondilite anquilosante. A artropatia periférica costuma apresentar-se como oligoartrite assimétrica, afetando predominantemente os membros inferiores. É geralmente de curso mais agudo em relação à AR, não erosiva e, em geral, o controle da inflamação intestinal induz sua remissão. No entanto, pode ser crônica e erosiva em 10% dos pacientes – Norton et al.3 descreveram pacientes com artropatia atípica, com erosões, destruição e deformidades em associação à doença de Crohn. Na maioria dos casos é soronegativa, embora o fator reumatoide (FR), em baixo título, possa ocorrer eventualmente. Não há descrição de associação com o autoanticorpo contra as proteínas citrulinadas (anti-CCP). É rara a artrite das pequenas articulações das mãos e dos punhos. Tal envolvimento torna obrigatório o diagnóstico diferencial com a AR – especialmente quando o FR é positivo.2–4 Em muitos casos, torna-se um desafio o diagnóstico diferencial entre a artropatia secundária à própria doença inflamatória intestinal, também chamada de enteropática, e a ocorrência de manifestações articulares relacionadas a outras entidades nosológicas concomitantes à RCU. Os autores relatam um caso de associação entre RCU e AR, em que a colite precedeu em 12 anos o aparecimento da artropatia inflamatória. Recebido em 07/02/2011. Aprovado, após revisão, em 08/05/2012. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Serviço de Reumatologia, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Goiás – UFG 1. Reumatologista; Médico-Assistente do Serviço de Reumatologia e Coordenador do Ambulatório de Artrite Reumatoide, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Goiás – HC-UFG 2. Residente (R1) de Reumatologia, HC-UFG 3. Residente (R2) de Reumatologia, HC-UFG 4. Reumatologista; Médica-Assistente do Serviço de Reumatologia, HC-UFG 5. Reumatologista; Doutora em Ciências da Saúde, UFG; Professora-Adjunta da Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina, UFG 6. Doutor em Reumatologia, Universidade de São Paulo – USP; Professor Titular da Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina, UFG Correspondência para: Vitor Alves Cruz. Departamento de Clínica Médica – Serviço de Reumatologia. 1ª Avenida, s/n – Setor Leste Universitário. CEP: 74605-020. Goiânia, GO, Brasil. E-mail: [email protected] 648 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):645-650 Retocolite ulcerativa e artrite reumatoide: uma rara associação – relato de caso RELATO DE CASO DISCUSSÃO IOR, mulher, natural e procedente de Santana, Bahia, procurou o Ambulatório de Reumatologia em maio de 2005 com queixas de dor e edema em segundo, terceiro e quarto interfalangeanos proximais (IFP) de ambas as mãos e punhos, com rigidez matinal de 1h e 30 min. Referia início dos sintomas em 2001. Negava outras queixas articulares, síndrome seca, fotossensibilidade, úlceras orogenitais, erupção cutânea e fenômeno de Raynaud. Relatou quadro de diarreia crônica em tratamento com coloproctologista. Antecedentes: diagnóstico de RCU em 1989. Na época, apresentava diarreia líquida com muco, pus e sangue há seis meses, com colonoscopia evidenciando pancolite, úlceras longitudinais e pseudopólipos. A biópsia exibia infiltração intensa de polimorfonucleares na mucosa, com abscessos de cripta. Fazia uso regular de sulfassalazina 2 g/dia. Ao exame físico, apresentava artrite em segundo, terceiro e quarto IFP das mãos e punhos, sem outras anormalidades. Os exames complementares apresentaram hemograma normal, velocidade de hemossedimentação 60 mm, proteína C-reativa positiva, função renal e hepática normais, FR 451 UI/mL, anti-CCP 439,5 UI/mL, fator antinuclear 1:40 padrão nuclear pontilhado fino, ANCA negativo. Raio x de mãos mostrou acentuada redução do espaço articular no carpo e erosões marginais no processo estiloide da ulna, bilateralmente (Figura 1). Concluiu-se por AR associada à RCU. Foi prescrito metotrexato 15 mg/semana, com melhora do quadro articular. Em dezembro de 2009 houve reativação dos quadros intestinal e articular. Foi rediscutida a abordagem terapêutica e optou-se pelo início de terapia anti-TNF, com melhora significativa dos sintomas tanto articulares quanto intestinais. Não é incomum a coexistência entre a AR e outras doenças autoimunes, como tireoidite autoimune, vitiligo e lúpus eritematoso sistêmico. A principal associação relatada é com a síndrome de Sjögren, ocorrendo em até 30% dos casos. A associação com doença inflamatória intestinal é raramente observada.2,5 A associação entre AR e RCU é uma descrição rara na literatura. Aoyangi et al.,6 em coorte prospectiva realizada entre 1980 e 1989 com pacientes portadores de RCU, não observaram nenhum caso de sobreposição com AR. Utsunomiya7 encontrou em seu estudo prevalência de 0,4% de AR em 5.833 pacientes portadores de RCU. Sawada8 identificou a mesma prevalência em estudo menor, com 1.433 pacientes. Snook et al.9 descreveram apenas sete casos de AR em 858 pacientes com RCU. Na maioria dos relatos, a RCU complicava o curso da AR estabelecida.5–9 Em nosso estudo, o início insidioso, o envolvimento das pequenas articulações de mãos e punhos, os achados radiológicos e o FR e o anti-CCP positivos sustentam a hipótese da coexistência de AR e RCU. O anti-CCP está raramente presente em outras doenças reumáticas, como a artrite psoriásica. Parece estar diretamente relacionado ao tabagismo, que amplifica o processo de citrulinação de autoantígenos. Até 1% dos controles saudáveis, e de 2%–5% dos controles doentes, têm reatividade ao anti-CCP, geralmente em títulos baixos, com valor médio de 39 UI/mL. Altas concentrações do anti-CCP são quase exclusivamente associadas à AR.10 A relação entre AR e RCU não está claramente definida. Supõe-se que determinados genes poderiam predispor simultaneamente às duas condições. Até o momento, porém, nenhum fator de risco genético foi apontado. Estudos realizados em pacientes portadores de RCU e controles sugerem que o HLA-DR4 atuaria como fator protetor para colite. Tal fato poderia justificar a rara associação, uma vez que tal antígeno do complexo principal de histocompatibilidade classe II tem papel importante na patogênese da AR.11 O uso de imunossupressores no tratamento da RCU também pode exercer papel relevante na baixa frequência da associação com a AR. Fármacos como a sulfassalazina e os corticosteroides inibem a resposta inflamatória sistêmica, o que justificaria a menor incidência de outras patologias autoimunes concomitantes à doença inflamatória intestinal. A resposta imune anormal a bactérias intestinais foi demonstrada em diferentes tipos de artrite. Alguns estudos em modelos animais revelaram que fragmentos da parede celular bacteriana, principalmente os complexos de polissacarídeos, Figura 1 Redução simétrica do espaço articular nos punhos com erosões bilaterais no processo estiloide da ulna. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):645-650 649 Cruz et al. podem desencadear tanto sinovite quanto colite por meio da ativação das células T. A infecção no trato gastrintestinal pode, portanto, ter papel relevante tanto na RCU quanto na AR.12,13 Asada et al.2 descreveram a associação RCU/AR concomitantemente à deficiência seletiva de IgA. Tal alteração predispõe a quebra da barreira contra a flora intestinal, ampliando a exposição das células imunes da mucosa a antígenos bacterianos.2 A confirmação do aumento da expressão de interleucina 15 na mucosa intestinal – tal como ocorre na sinóvia reumatoide – e ainda a fraca evidência do predomínio da resposta Th2 na RCU, sustentam o elo entre as duas entidades. No entanto, tais achados são ainda insuficientes para a total compreensão dos mecanismos envolvidos na coexistência entre as duas doenças.12,13 Recentemente, Amezcua et al.14 descreveram um caso de RCU em paciente portador de AR após uso do abatacepte. Especula-se que o uso de tal fármaco modificaria o balanço de mediadores pró-inflamatórios e o perfil linfocítico, favorecendo a ocorrência de uma nova doença autoimune. O bloqueio à coestimulação poderia interferir na manutenção e no desenvolvimento das células T regulatórias, que controlam a inflamação intestinal.14 A colite pode complicar o curso da AR. Nesse caso, ocorrência de vasculite reumatoide, colite fármaco-induzida, amiloidose secundária e ainda colites infecciosas (colite pseudomembranosa e colite por citomegalovírus) devem ser consideradas.13,14 Em pacientes nos quais a AR ocorre no curso da RCU estabelecida, o principal diagnóstico diferencial é com a artropatia secundária à própria doença inflamatória intestinal.13 Na ocorrência de artrite periférica em pacientes com doença inflamatória intestinal, o diagnóstico de artropatia enteropática deve ser aventado com cautela. Embora até 30% dos pacientes possam apresentar tal manifestação sistêmica, diagnósticos diferenciais como sobreposição com AR não devem ser negligenciados. Mais estudos são necessários para melhor compreensão dos mecanismos fisiopatogênicos determinantes nessa rara associação. 650 REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. Adachi Y, Hinoda Y, Takahashi H, Nakagawa N, Sakamoto H, Itoh F et al. Rheumatoid arthritis associated with ulcerative colitis. J Gastroenterol 1996; 31(4):590–5. Asada Y, Isomoto H, Shikuwa S, Wen CY, Fukuda E, Miyazato M et al. Development of ulcerative colitis during the course of rheumatoid arthritis: Association with selective IgA deficiency. World J Gastroenterol 2006; 12(32):5240–3. Norton KI, Eichenfield AH, Rosh JR, Stern MT, Hermann G. Atypical artropathy associated with Crohn’s disease. Am J Gastroenterol 1993; 88(6):948–52. Lanna CCD, Ferrari MLA, Carvalho MAP, Cunha AS. 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Rev Bras Reumatol 2012;52(4):645-650 RELATO DE CASO Uso de infliximabe em paciente com artrite reumatoide e hepatite B crônica Eloisa Doubrawa1, Renê Augusto de Mattos Ricca1, Tiago Osternack Malucelli1, Vanessa Irusta Dal Pizzol1, Danilo Hamilko de Barros2, Eduardo Santos Paiva3 RESUMO Os agentes anti-TNF-α emergiram como potente tratamento para os pacientes com artrite reumatoide que não respondem às drogas modificadoras de doença convencionais. Por induzir à imunossupressão, essas drogas têm como principal complicação o aumento da suscetibilidade a várias infecções. A reativação do vírus da hepatite B (HBV) é um dos efeitos colaterais mais preocupantes em pacientes recebendo agentes anti-TNF-α com infecção pelo HBV. Descrevemos o caso de um paciente de 56 anos com quadro de hepatite B estável, com boa resposta à associação dos antivirais lamivudina e tenofovir quando iniciou infliximabe. O paciente obteve boa resposta ao anti-TNF-α, atingindo remissão da doença. Durante os 30 meses de tratamento com o biológico, manteve função hepática estável, sem reativação do HBV. Palavras-chave: artrite reumatoide, hepatite B, terapêutica. © 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO O fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) é um mediador envolvido na inflamação e na resposta imune celular, desempenhando importante papel no sistema de defesa frente a um processo infeccioso.1 Na infecção pelo vírus da hepatite B (HBV), essa citocina promove aumento do clearance viral, por meio da inibição da replicação do HBV nos hepatócitos. Já na hepatite C crônica, seu papel no controle da replicação viral não parece ser fundamental, apesar de desempenhar ações diferentes, como a indução de apoptose de hepatócitos, a manutenção da resposta inflamatória e a contribuição na gênese da fibrose hepática.2 Os agentes anti-TNF-α, utilizados no tratamento de artrite reumatoide (AR) e de outras doenças autoimunes, têm como principal complicação o aumento da suscetibilidade a várias infecções. O risco torna-se maior em indivíduos infectados cronicamente, e a imunossupressão induzida pela medicação pode promover reativação do processo infeccioso. O infliximabe (IFX) é um dos agentes biológicos mais utilizados no tratamento de pacientes com AR. De acordo com a literatura, sua segurança e eficácia ainda não estão bem-estabelecidas quando utilizado em pacientes com AR em vigência de infecção pelo HBV. Descrevemos o caso de um paciente do gênero masculino portador de AR e de hepatite B crônica, em uso de lamivudina e tenofovir, utilizando IFX por 30 meses sem reativação do HBV durante todo o tratamento. RELATO DE CASO Paciente masculino, 56 anos, com AR e fator reumatoide positivo iniciada há 11 anos. Há cinco anos, quando iniciou acompanhamento reumatológico, descobriu ser portador de hepatite B crônica. Em sua primeira consulta em nosso serviço, apresentava doença ativa, com rigidez matinal de 30 minutos, tendo ao exame físico sinovite em punhos, metacarpofalangeanas e interfalangeanas proximais, além de velocidade de hemossedimentação (VHS) 12 mm/h, proteína C-reativa (PCR) 0,5 mg/dL (< 0,33) e DAS28 (Disease Activity Score 28) 5,63. Nos achados radiográficos havia presença de erosões na quinta articulação Recebido em 21/02/2011. Aprovado, após revisão, em 08/05/2012. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Serviço de Reumatologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná – HC/UFPR. 1. Residente em Reumatologia, Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná – HC/UFPR 2. Residente em Clínica Médica, HC/UFPR 3. Professor-Assistente de Reumatologia, HC/UFPR Correspondência para: Eloisa Doubrawa. Rua Nilo Cairo, 36/105 – Centro. Curitiba, PR, Brasil. CEP: 80060-050. E-mail: [email protected] Rev Bras Reumatol 2012;52(4):651-655 653 Doubrawa et al. metatarsofalangeana esquerda, segunda metacarpofalangeana direita e segunda interfalangeana proximal direita. O paciente encontrava-se sem medicação para tratamento da AR, mas já havia feito uso de difosfato de cloroquina 250 mg por seis meses. Quanto ao quadro de hepatite B, estava fazendo uso de lamivudina (150 mg/dia) e apresentava, naquela ocasião, HBeAg negativo, carga viral com menos de 20.000 cópias e fibrose grau II em biópsia hepática. Optou-se pela introdução de hidroxicloroquina 400 mg/dia para controle do quadro articular. No primeiro retorno, em dois meses, constatou-se presença de sinovite em mãos, punho direito e pé direito. Realizou-se infiltração com corticoide intra-articular em quinta metatarsofalangeana direita e punho direito, e acrescentou-se sulfassalazina (1 g/dia) ao tratamento. Após seis meses da introdução da segunda droga antirreumática modificadora de doença (DMARD) o paciente obteve melhora dos sintomas, sem queixas de rigidez matinal, tendo ao exame físico apenas acometimento de terceira metacarpofalangeana. Decidiu-se por aumentar a dose de sulfassalazina (2 g/dia) e manter a hidroxicloroquina. No início do tratamento o paciente apresentava-se com quadro de hepatite B controlado (transaminases normais e carga viral descendente), com boa resposta ao uso da lamivudina (150 mg/dia) e do tenofovir (300 mg/dia). Nos meses seguintes, evoluiu com piora da atividade da doença, quando aumentou-se a dose de sulfassalazina (3 g/dia). Devido a não resposta à mudança de tratamento, optou-se pela introdução de um imunobiológico. Iniciou-se IFX na dose de 200 mg a cada oito semanas. Naquele momento o paciente apresentava marcadores de atividade de doença elevados: VHS 40 mm/h, PCR 2,40 mg/dL (< 0,33), DAS28 5,68 e Questionário de Avaliação de Saúde (HAQ) 0,75. Três meses depois, já havia respondido moderadamente ao tratamento, com queda de 0,79 no DAS28 (de 5,68 para 4,89), além de HAQ de 0,315 e VHS de 31. Quatorze meses depois, apresentava sinovite apenas de ombro esquerdo, DAS28 de 2,36 e VHS de 4 mm/h. Durante todo o período de uso do anti-TNF-α o paciente manteve função hepática estável, sem oscilações das transaminases, além de negativação do HBV-DNA. Atualmente, 30 meses após a introdução do IFX, ele mantém boa resposta ao tratamento, com acometimento apenas de ombro esquerdo. DISCUSSÃO Os agentes anti-TNF-α emergiram como potente tratamento para pacientes com AR que não respondem às DMARDs convencionais. Apesar da comprovação da efi cácia dos 654 imunobiológicos para o tratamento de inúmeras doenças autoimunes, o risco de infecção associada a esses agentes é bem documentado. 3,4 A reativação do HBV é um dos efeitos colaterais bem conhecidos em pacientes com infecção pelo HBV recebendo drogas citotóxicas ou tratamento imunossupressor.5 Informações de modelos animais indicam que as citocinas TNF-α e IFN-γ poderiam agir sinergicamente na inibição da expressão e da replicação de genes do HBV, levando à redução da transcrição intracelular do vírus. Além disso, o TNF-α induzido por antígenos HBV parece ser benéfico para o clearance viral.6 Assim, a ação anti-TNF-α poderia induzir à perda do mecanismo antiviral, reativando a doença ou impulsionando o surgimento de HBV resistente. A segurança e a eficácia do uso de agentes anti-TNF-α em pacientes com infecção pelo HBV não são bem estabelecidas. Devido à baixa frequência de positividade para sorologias infecciosas em pacientes em uso de terapia anti-TNF,7 não há estudos randomizados controlados e há poucas evidências restritas a séries de casos mostrando uma relativa segurança dos imunobiológicos nesses pacientes. Uma das complicações mais graves já descritas em relatos foi a indução de hepatite fulminante pelo IFX em um paciente com doença de Still e hepatite B crônica sem tratamento prévio antiviral, para o qual foi sugerida a reativação de um mutante pré-core do HBV promovida pelo agente anti-TNF-α.8 Evidência de infecção por HBV ou HCV deve ser procurada em todos os pacientes candidatos à terapia com anti-TNF, por meio de testes sorológicos (HBsAg, anti-HBsAg, anti-HBC e anti-HCV). Nos casos de infecção ativa por HBV, a carga viral deve ser mensurada.2 Há descrições de hepatite autoimune induzida por IFX, devendo ser considerada como diagnóstico diferencial de reativação da hepatite B. Nesses casos, o dano hepático é predominantemente hepatocelular, e o diagnóstico é feito por suspeita clínica, com uma relação temporal em relação à exposição à droga, sorologia viral negativa e surgimento de autoanticorpos.9 Alguns estudos preconizam, ainda, o uso de terapia antiviral profilática com lamivudina ou tenofovir em pacientes com hepatite B, além de tratamento concomitante com agentes anti-TNF-α.1 Essa prática, no entanto, tem sido questionada por vários autores, que argumentam que a relação risco-benefício da terapia profilática antiviral em pacientes recebendo um longo curso de imunossupressão é indeterminada, e que o tratamento prolongado com lamivudina pode estar relacionado ao desenvolvimento de cepas resistentes de HBV.10 Dessa forma, o uso profilático de antiviral em pacientes candidatos Rev Bras Reumatol 2012;52(4):651-655 Uso de infliximabe em paciente com artrite reumatoide e hepatite B crônica à terapia com imunobiológicos deve ser criterioso, não sendo recomendado de rotina.11 Muitas questões ainda não foram respondidas em relação aos agentes anti-TNF-α e à hepatite B devido à falta de estudos controlados. Não se conhece qual dos agentes é mais eficaz nesses casos, assim como desconhecemos o risco após a interrupção do tratamento imunossupressor quando a resposta de reconstituição imune ocorre. Finalmente, é preciso avaliar os riscos e os benefícios dos agentes anti-TNF-α nesses pacientes, facilitando assim a decisão terapêutica mais adequada nesse grupo de alto risco. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. Roux CH, Brocq O, Breuil V, Albert C, Euller-Ziegler L. Safety of anti-TNF-alpha therapy in rheumatoid arthritis and spondylarthropathies with concurrent B or C chronic hepatitis. Rheumatology (Oxford) 2006; 45(10):1294–7. Nathan DM, Angus PW, Gibson PR. Hepatitis B and C virus infections and anti-tumor necrosis factor-alpha therapy: guidelines for clinical approach. J Gastroenterol Hepatol 2006; 21(9):1366–71. Lipsky PE, van der Heijde DM, St Clair EW, Furst DE, Breedveld FC, Kalden JR et al. Infliximab and methotrexate in the treatment of rheumatoid arthritis. 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Os achados sugerem que o MDA pode ser um bom marcador de estresse oxidativo no LES. Palavras-chave: estresse oxidativo, antioxidantes, lúpus eritematoso sistêmico, ácido úrico. © 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune crônica caracterizada por amplo espectro de manifestações clínicas, com produção de diversos autoanticorpos e deposição de complexos imunes fixadores de complemento, resultando em lesão dos tecidos.1 Embora a causa específica do LES seja desconhecida, vários estudos associam a doença a imunidades celular e humoral defeituosas, provavelmente influenciadas por fatores genéticos, ambientais e hormonais.2,3 Acredita-se que radicais livres e outras espécies reativas de oxigênio/nitrogênio/cloro contribuam para a ocorrência de várias doenças crônicas, causando estresse e lesão oxidativos. As doenças em que a lesão oxidativa foi implicada são câncer, aterosclerose, doença de Alzheimer, diabetes mellitus e doenças autoimunes.4–8 Muitos estudos clínicos se concentram na mensuração da lesão oxidativa mediante o uso de biomarcadores – oxidantes e antioxidantes. O malondialdeído (MDA), um produto da oxidação da lipoperoxidação, tem sido detectado em níveis elevados em várias doenças.9 Os grupos sulfidrila (SH) são considerados os maiores e mais frequentes antioxidantes no plasma.10 Diversos estudos experimentais apontam para um papel qualitativa e quantitativamente importante do ácido úrico como substância antioxidante, funcionando como eliminador de radicais livres e quelador de íons metálicos temporários, que são convertidos em formas pouco reativas.11 A finalidade deste estudo foi determinar a presença de estresse oxidativo em pacientes com LES, mediante a determinação desses biomarcadores nas amostras de sangue. Os parâmetros foram correlacionados com atividade da doença e comorbidades; os resultados foram comparados com indivíduos normais no grupo-controle. O estudo abrangeu 36 pacientes com LES e 28 voluntários saudáveis (controles) com idades entre 10 e 56 anos. O diagnóstico baseou-se em pelo menos quatro dos 11 critérios diagnósticos estabelecidos pelo American College of Rheumatology (ACR).12 Todos os pacientes estavam em Recebido em 07/09/2011. Aprovado, após revisão, em 08/05/2012. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Suporte Financeiro: FAPEAM, CNPq. Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal do Amazonas – UFAM. 1. Aluno de Medicina, Universidade Federal do Amazonas – UFAM 2. Pós-graduando, Instituto de Genética e Bioquímica, Universidade Federal de Uberlândia – UFU 3. Doutor; Médico Reumatologista, Hospital Universitário Getúlio Vargas 4. Doutor; Professor-Adjunto, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, UFAM Correspondência para: Emerson S. Lima. Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal do Amazonas. CEP: 69010-300. Manaus, AM, Brasil. E-mail: [email protected] 658 Rev Bras Reumatol 2012;52(4):656-660 Malondialdeído e grupo sulfidrila como biomarcadores do estresse oxidativo em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico tratamento, e a atividade da doença foi avaliada pelo Systemic Lupus Erythematosus Disease Active Index (SLEDAI, do inglês, Índice de Atividade da Doença em Lúpus Eritematoso Sistêmico). A doença era considerada ativa quando SLEDAI > 6.13 O protocolo do estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Federal do Amazonas (CAAE n. 0043.0.115.000.08). Todos os participantes (pacientes e controles) assinaram consentimento informado antes de tomar parte no estudo, e responderam a um questionário padronizado para fatores demográficos. A coleta de sangue venoso (10 mL) de cada participante foi realizada com um sistema de tubos a vácuo (BD Vacutainer® System), com centrifugação (800 g, 15 min). O soro foi utilizado para determinar os marcadores bioquímicos e imunológicos. O MDA foi determinado por Cromatografia Líquida de Alto Desempenho (HPLC); os cromatogramas foram monitorados a 532 nm e a concentração das amostras foi determinada em µmol/L.14 O ácido úrico foi medido usando um analisador espectrofotométrico Cobas Mira® (Roche Instruments Inc.), com kits comercializados (Labtest, Minas Gerais, Brasil). Os grupos SH foram determinados pelo método de Ellmans, modificado por Hu et al.15 Os resultados foram expressos como média ± desvio-padrão (DP). Utilizamos o teste t de Student para comparar os valores médios. Foram aplicadas correlações de Pearson e Spearman para correlacionar os parâmetros com SLEDAI. P < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. As características gerais e demográficas dos pacientes com LES e dos controles saudáveis estão apresentadas na Tabela 1. Não foi observada diferença entre duração, número de critérios e atividade da doença e estresse oxidativo (P > 0,05). O lúpus caracteriza-se pela agressão direta de autoanticorpos e pela deposição de complexos imunes fixadores de complemento, resultando em lesão dos tecidos associada ao estresse oxidativo.16 Waszczykowska et al.17 sugeriram que os radicais livres intracelulares são capazes de induzir a síntese de citocinas que participam e modulam as respostas inflamatórias com a criação de radicais superóxido. O estresse oxidativo, medido por níveis de MDA, estava aumentado em 78,9% (n = 30) dos pacientes com LES, enquanto apenas 21,1% (n = 8) dos controles apresentaram esse aumento (OR = 12,5; 95% IC 3,7–41,5). Conforme ilustrado na Tabela 2, observou-se que os níveis de MDA estavam significativamente aumentados em pacientes com LES em comparação aos controles. Não foi observada diferença significativa entre os níveis de MDA e a duração da doença ou comorbidades. Níveis aumentados de MDA no soro18 e nos eritrócitos19 foram informados em pacientes com LES. Wang et al.20 e Shah et al.21 associaram uma resposta mais forte de estresse oxidativo com escores SLEDAI mais altos, achado similar ao relato de Tewthanom et al.18 No entanto, não identificamos, em nosso estudo, a associação dos níveis de MDA ou de SH com escores SLEDAI. Os altos níveis de MDA em pacientes com LES indicam que a membrana celular lipídica foi atacada, e que o MDA pode ser um bom marcador de estresse oxidativo nessa doença. Não ocorreu alteração significativa nos níveis séricos de ácido úrico em pacientes com LES, em comparação aos controles (4,1 ± 1,5 e 3,8 ± 0,9 mg/dL, respectivamente). Não foi observada correlação entre os níveis séricos desse composto e atividade da doença. Deminice et al.22 associaram o ácido úrico como resposta de biomarcador de estresse oxidativo a uma sessão aguda tradicional de interval training e de circuit training com resistência à hipertrofia. Mas Ikeda et al.23 não puderam estabelecer a mesma associação, quando o estresse oxidativo foi observado em pacientes com esclerose lateral amiotrófica progressiva. Embora o ácido úrico seja considerado importante antioxidante, e embora seja esperado que seus níveis séricos fiquem mais baixos em pacientes com LES em comparação aos controles, em nosso estudo também não foi Tabela 1 Características gerais e demográficas de pacientes com lúpus eritematoso sistêmico e controles saudáveis Tabela 2 Comparação entre os parâmetros de oxidantes e de antioxidantes em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico e em controles saudáveis Dados gerais LES (n = 36) Controles (n = 28) Idade 28,2 ± 13 27,9 ± 9,9 Média LES (n = 36) Controle (n = 28) P* 3,9 ± 2,6 1,6 ± 2,6 0,001 Gênero (feminino) 33 (91,6%) 28 (100%) MDA (µmol/L) ACR, número 5,3 ± 1,1 NA Grupo SH (µmol/L) 260,2 ± 182,7 339,4 ± 104,3 0,04 Ácido úrico (mg/dL) 4,1 ± 1,5 3,8 ± 0,9 0,48 TD (mês) 5,9 ± 3,5 NA SLEDAI, número 10,3 ± 6,6 NA ACR: American College of Rheumatology; TD: tempo da doença; NA: não aplicável. Os valores estão expressados como média ± DP. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):656-660 LES: lúpus eritematoso sistémico; MDA: malondialdeído; SH: sulfidrila. Os valores são expressados como média ± desvio padrão (DP). As diferenças foram consideradas significativas quando P < 0,05. 659 Pérez et al. possível associar essa substância como um biomarcador de confiança de estresse oxidativo. Morgan et al.24 demonstraram que marcadores da oxidação proteica têm correlação com um estado de deterioração da doença em pacientes com LES. Em nosso estudo, observamos que os níveis do grupo SH estavam significativamente diminuídos em pacientes com LES em comparação aos controles (260,2 ± 182,7 versus 339,4 ± 104,3 µmol/L), achado similar ao do estudo de Zhang et al.25 Esse achado reforça o papel do estresse oxidativo na patogênese do LES. Concluímos que pacientes com LES exibem aumento no estresse oxidativo. No entanto, essa resposta não está correlacionada à atividade da doença ou à sua duração. Os níveis de MDA e dos grupos SH podem ser utilizados como biomarcadores para medir o estresse oxidativo em pacientes com LES, enquanto o ácido úrico não pode ser utilizado com a mesma finalidade. Há ainda necessidade de novos estudos sobre estresse oxidativo e LES, para que aumente nossa compreensão da patogênese dessa doença. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 660 Karanam SA, Dharmavarapu PK, D Souza R, Upadhya S, Kumar V, Kedage V et al. Lúpus eritematoso sistêmico. In: Goldman L, Ausiello, Cecil D (eds.). Tratado de medicina interna. 22.ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2005, p.1937–47. Kumar V, Abbas AK, Fausto N. Adaptação, dano e morte celular. In: Kumar V, Abbas AK, Fausto N, Robbins & Cotran (eds.). Bases patológicas das doenças. 7.ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2005, p.17–9. Nery FG, Borba EF, Neto FL. Influence of the psychosocial stress on systemic lupus erythematosus. Rev Bras Reumatol 2004; 44(5):355–61. Valko M, Rhodes CJ, Moncol J, Izakovic M, Mazur M. 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