Apontamentos sobre

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A organização monetária das nossas economias
A questão da organização monetária das economias capitalistas desde
sempre motivou o interesse dos economistas. As suas opiniões têm balanceado
entre o automatismo de um padrão-ouro e o dirigismo esclarecido dos nossos
sistemas fiduciários.
A instabilidade e desorganização monetária que, segundo alguns economistas, se instalaram no nosso sistema fiduciário levaram à apresentação de
propostas que o procuram reformar, de forma menos profunda nuns casos, mas
de forma bastante radical noutros casos. Pretendemos com esta exposição chamar a atenção para os fundamentos e a exequibilidade de tais projectos de reformas. Apresentaremos os motivos que levaram a pôr em causa a supostamente inabalável produção pública de papel-moeda. Estudaremos três tipos de reformas que não obrigam à perda do poder de monopólio do governo. São elas
as reformas dos “100%”, da moeda convertível e de aprofundamento do Peel’s
Act. Dedicaremos, em seguida, alguma atenção às propostas de produção privada de moeda, onde sobressai o nome de Hayek. Preocupar-nos-emos com os
princípios metodológicos da sua análise e, depois de apresentarmos a situação
de monopólio privado, passaremos à situação de concorrência de diferentes
produtores privados de moeda de papel e questionaremos a estabilidade de tal
processo. Também estudaremos as propostas que visam reformar o comportamento do sistema monetário internacional. Concluiremos, lembrando o papel
que a moeda desempenha numa economia monetária de livre circulação de direitos de propriedade privada.
Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99
João Sousa Andrade
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Certezas e Incertezas da Produção Pública de Papel-Moeda.
Utilizaremos no nosso estudo os conceitos de “ordem monetária” e de
“sistema monetário” no sentido de R. Mundell, «An order, as distinct from a system, represents the framework and setting in which the system operates. (...) A
monetary order is to a monetary system somewhat like a constitution is to a political or electoral system».
A convicção dominante dos economistas era que os princípios da concorrência privada não se aplicavam ao sistema de papel-moeda. A ordem monetária, desejada entre outros por Wicksell e por Keynes, governada pela inteligência e o conhecimento ultrapassaria a rigidez, se não a “ditadura” irracional,
do padrão-ouro. Foi mérito destes autores demonstrar que podíamos ter flutuações de preços e de produto independentes do funcionamento do comportamento do sistema monetário e que uma moeda dirigida seria a resposta a esses
problemas.
Uma ordem monetária deverá permitir que os objectivos atribuídos à
política monetária possam ser realizados. De uma forma simplificada esses objectivos são: - estabilização dos preços no longo prazo; - redução de flutuações
do produto e do emprego no curto prazo; e - impedir a instabilidade da liquidez
bancária. Estes objectivos são coerentes com a definição clássica de elasticidade
da oferta de moeda, mas também incluem uma “ideologia” intervencionista,
que vai muito além do que era o pensamento clássico sobre essa elasticidade.
Foi a não realização daquele primeiro objectivo que gerou a contestação dos
sistemas monetários e até mesmo da ordem monetária. T. Havrilesky às primeiras apelida-as de “piecemeal monetary reforms” e às segundas de “radicais”,
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porque procuram quebrar completamente qualquer ligação entre o governo e a
política monetária.
O surgimento de reformas radicais não é dos nossos dias. A contestação
ao monopólio da emissão de moeda surgiu historicamente por parte dos que
perdiam privilégios com a atribuição desse monopólio. Até mesmo na polémica
que envolveu a banking e a currency school, em Inglaterra, entre 1820 e 1845, surgiu uma terceira posição que podemos designar de free banking. A contestação
surgiu também como forma de dificultar um processo de unificação política por
parte dos que defendiam a independência . E surgiu ainda como forma de combater a sobre-poupança e o desemprego, dando por vezes origem a propostas e
mesmo pequenas experiências depressa destruídas pelos governos.
Mais próximo de nós, a crise de 1929 veio trazer de novo a questão do
papel da oferta de moeda, mas num quadro que não punha em causa a sua produção por um banco público. A apresentação de propostas para reformas profundas do comportamento do nosso sistema monetário de papel-moeda surge
no pós-guerra, pela primeira vez, como resultado da confluência de dois fenómenos: a insistência na ineficácia das políticas intervencionistas e a depreciação
continuada do poder de compra das unidades monetárias nacionais nos países
mais desenvolvidos. Quanto ao primeiro, devemos destacar a importância que
nele teve F. Hayek. Quanto ao segundo, podemos constatar as elevadas taxas
de inflação que acabaram por caracterizar o período imediato ao primeiro choque petrolífero.
Em termos dos actuais quinze países da União Europeia, a taxa de inflação anual, do primeiro choque petrolífero à actualidade, evoluíu de um máximo de 15,9% em Janeiro de 1975, e ainda de 14,1% em Março de 1980, a
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1,6% em Março de 1997. Para o período de Janeiro de 1975 a Março de 1997,
o desvio padrão das taxas anuais verificadas mensalmente foi de 3,86 e a taxa
de inflação média de 7,16%. Para aquele período, só o desvio padrão era duas
vezes e meia a taxa de inflação de Março de 1997. Não é pois difícil compreender que tenha sido questionada a própria viabilidade, e não só a estabilidade,
da ordem e dos sistemas monetários.
O comportamento cambial, no seguimento do colapso do sistema de
Bretton-Woods, volta a inspirar autores que levantam a questão da instabilidade monetária, mas agora sobretudo a nível internacional. Os problemas não se
ficam pelas elevadas taxas de inflação, mas também pelo comportamento errático da oferta de moeda e as consequências de tal comportamento na economia
mundial. Os gráficos que fizemos para a variação anual das taxas de câmbio de
diferentes moedas (em dólares, ao incerto e ao certo, como é normal), de Janeiro de 1960 a Maio de 1998, ilustram a instabilidade cambial que se instalou na
economia mundial.
Cotação do Marco
1960:1 - 1998:5
0.4
0.3
0.2
0.1
-0.0
-0.1
-0.2
-0.3
-0.4
1961
1964
1967
1970
1973
1976
1979
-4-
1982
1985
1988
1991
1994
1997
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João Sousa Andrade
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Cotação da Libra
1960:1 - 1998:5
0.3
0.2
0.1
-0.0
-0.1
-0.2
-0.3
1961
1964
1967
1970
1973
1976
1979
1982
1985
1988
1991
1994
1997
1982
1985
1988
1991
1994
1997
Cotação do Franco Suíço
1960:1 - 1998:5
0.3
0.2
0.1
-0.0
-0.1
-0.2
-0.3
-0.4
-0.5
1961
1964
1967
1970
1973
1976
1979
Cotação do Iene
1960:1 - 1998:5
0.27
0.18
0.09
-0.00
-0.09
-0.18
-0.27
-0.36
-0.45
1961
1965
1969
1973
1977
1981
1985
1989
1993
1997
Neles podemos apreciar a estabilidade cambial até ao iníco dos anos setenta e como a volatilidade cambial se fez sentir na década de oitenta e se mantém ainda nos anos noventa.
Para ilustrarmos a evolução “errática” da oferta de moeda (M1) da economia norte-americana, à sua taxa de crescimento anual deduzimos a taxa de
crescimento do produto nominal tendencial, calculado pelo método de Hodri-
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ck-Prescott, de forma a termos uma ideia, ainda que grosseira, da oferta excedentária para as últimas três décadas e meia. Como podemos ver no Gráfico
em baixo, a volatilidade daqueles valores não mostra tendência para se extinguir, pelo contrário, mostra uma tendência para o agravamento.
Tx de Cresc Anual de M1 - Tx de Cresc Anual de YNT
1966:1-1998:1
0.100
0.075
0.050
0.025
-0.000
-0.025
-0.050
-0.075
-0.100
1966
1969
1972
1975
1978
1981
1984
1987
1990
1993
1996
As Reformas das Reservas Bancárias, da Moeda Convertível e de
Extensão do Peel’s Act.
A reforma dos “100%”, como é em geral conhecida, significa a obrigatoriedade de os bancos de depósitos passarem a ter reservas em moeda emitida
pelo banco central em montante idêntico ao dos depósitos, em 100% portanto.
Esta reforma não deve ser apenas lida como pretendendo obter um controlo rigoroso da oferta de moeda, porque assim torna-se equivalente à política de enquadramento global do crédito bancário. Se D. Hume e M. Friedman apenas
tinham como objectivo eliminar a instabilidade da oferta de moeda, que resulta
de um sistema de reservas bancárias fraccionárias, já Simons e Fisher propunham-na num contexto de reforma mais geral.
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Para combater a instabilidade da oferta de moeda, Friedman rejeita a hipótese de concorrência na emissão de papel-moeda e propõe que se considerem
ao mesmo nível a criação de papel-moeda e de depósitos. Desta forma toda a
emissão de moeda é da responsabilidade do governo.
H. Simons e I. Fisher propunham esta solução para corrigir a natureza
potencialmente instável de sobre-endividamento das economias. Simons foi tão
radical que procurava ir até à eliminação de contratos estabelecidos em moeda.
Compreendemos melhor estas propostas se tivemos em conta que estes autores
foram bastante influenciados pelo estado da economia em vésperas da depressão de 1929, que se caracterizava por um endividamento dos agentes muito elevado, para a época. A posição de um outro autor, N. Johannsen, traduz a impossibilidade de tal reforma: se na economia a propriedade não coexistir com
dívidas, eliminamos a característica dos pânicos que é a pressão para vender.
Desta forma, acabamos com as crises acabando com as dívidas. Em suma, deita-se fora a água com o bébé. Uma referência especial deve ser feita a um autor
falecido há pouco tempo: Hyman Minsky. Este economista alertou toda a profissão, sem alarmismos, para a natureza de grande fragilidade financeira das
nossas economias.
Esta reforma ainda surge como uma das características da reforma de
concorrência de moedas privadas proposta por Hayek. Pelas suas consequências sobre um sector de iniciativa privada tão poderoso, como o são os bancos de
depósito, esta proposta circunscreve-se aos meios académicos. Tendo sido Friedman que popularizou esta reforma, na sequência dos seus estudos sobre as
flutuações na economia norte-americana, é hoje frequente associar a “reforma
dos 100%” ao seu nome. Também a sua proposta para a regra de política mo-
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netária de taxa de crescimento da oferta de moeda constante acaba por estar associada a muitas das propostas que foram sendo feitas, como veremos.
As reformas que propõem uma moeda convertível em mercadorias surgem como resposta aos problemas gerados pela inconvertibilidade em ouro e
pela evolução instável dos preços internacionais das matérias-primas. A convertibilidade da moeda num cabaz de mercadorias, negociáveis em bolsa, para que
os seus preços não fossem influenciados pelos governos e reflectissem apenas os
desejos do mercado, corresponderia pois a uma vantagem, não só quanto à flexibilidade da oferta da moeda como quanto à estabilidade do seu valor. Este
tipo de proposta abarca duas modalidades quanto à convertibilidade: a directa
e a indirecta. Quanto à primeira, é fácil imaginar como ela rapidamente se tornaria impraticavel pelos seus custos. Desconfiado com o valor de uma moeda e
desejando proteger a sua fortuna, veríamos o Senhor Soros a guardar algumas
toneladas de ferro, cobre, algodão, café, e outras quantidades de outras mercadorias do tipo ... desde que negociáveis em bolsa. Julgo que não conseguimos
imaginar tal situação de convertibilidade. Vejamos apenas a modalidade de
convertibilidade indirecta.
Um padrão monetário deste tipo tem como princípios a manutenção do
poder de compra da unidade monetária face a um cabaz de mercadorias, sendo
a convertibilidade das unidades monetárias emitidas feita num outro bem, em
geral o ouro. I. Fisher apresentou este padrão para o seu “dólar compensado”
que assim permitia a reprodução da definição de que partia: estabilidade do poder de compra das unidades monetárias. Uma moeda compensada acaba por
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atribuir ao ouro um papel dúbio. Como dizia Fisher o ouro mantinha a forma
mas perdia o seu conteúdo.
Mais recentemente R. Greenfiefd e L. Yeager propuseram este padrão
indirecto, o qual chegou a ser sugerido pelo Primeiro Ministro inglês J. Major
como solução para o SME em alternativa a uma moeda única. O destino deste
padrão não pode ser muito diferente daquele que se baseia na convertibilidade
directa: é impossível de funcionar. Num sistema deste tipo o ouro passaria a ser
trocado por dois preços diferentes, o de mercado e aquele que seria praticado
pela autoridade monetária na convertibilidade. Como disseram N. Schnadt e J.
Whittaker, «This is, however, a clear opportunity for riskless arbitrage: by
“round tripping” between the bank and the gold market, the agent could instantly multiply his stock of dollars or gold».
A. Leijonhufvud propôs a introdução de um sistema que designa por
Peel-Friedman, e J. Niehans propôs um sistema que chama de mera aplicação da
arte de banca central. No primeiro caso, temos a criação de dois departamentos
no banco central, à semelhança do que tinha sido feito com o Peel’s Act, um departamento de emissão e um departamento de estabilização. A emissão seria
feita de forma independente da estabilização e submeter-se-ia a uma regra à
Friedman. No segundo caso, são propostos três departamentos: o de preços, o
do produto e o de liquidez. Seria função do departamento de preços assegurar a
estabilidade dos preços no longo prazo, sendo aplicada uma regra “à
Friedman” e entendendo-se por longo prazo um período de cinco anos. O objectivo do departamento do produto seria reduzir as flutuações na produção e
no emprego no curto prazo. Para isso poderia emitir moeda, mas respeitando
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uma criação líquida que seria nula num período de duração de cinco anos. O
último departamento estaria virado para regular a liquidez do sistema bancário,
a criação de moeda e respectiva destruição deveria levar a um saldo nulo em
períodos de seis meses.
A Produção Privada de Moeda de Papel.
As propostas que vão neste sentido costumam apresentar os benefícios de
bem-estar normais que resultam ou da concorrência ou da estabilidade de preços, quando comparados com a situação de produção em regime de monopólio
e com instabilidade de preços. O que significa que argumentos do tipo positivo
se confundem com argumentos normativos e se comparam estados da economia de facto com estados deduzidos da abstracção.
Propomos que o assunto seja estudado da seguinte maneira. Se a concorrência de moedas privadas e públicas conduz a um maior bem-estar dos consumidores, devemos poder provar isso com os utensílios vulgares de estudo do
comportamento de optimização destes. Se o estado final de um processo que
passa pela existência e concorrência de várias moedas é indiferente a este processo então aceitamos a verificação da hipótese de neutralidade da moeda. Apenas depois de apresentarmos estes dois pontos passaremos à apresentação das
reformas, começando pelo estudo do comportamento racional microeconómico
de um único banco emissor e em seguida ao estudo da principal das reformas
apresentadas, a de Hayek.
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A representação em termos de bem-estar.
Tomemos a representação cardinal das preferências de um agente económico numa economia de troca onde existem bens e moeda. Representemos a
sua função de utilidade por:
U(x, m) = u(x) + s(M),
onde x e M são os vectores que representam os bens e as moedas, respectivamente.
Atendendo às condições de não saciabilidade local, o conjunto de bens e
moedas de equilíbrio, (x*,m*), leva a que a restrição orçamental do agente tome
a forma vulgar de igualdade:
P $ x + Pm $ M = M
onde M representa o montante de moeda disponível para as trocas e P e Pm
constituem os vectores de preços associados aos bens e às moedas. Um valor de
Pmi=2.Pmj significa que uma unidade monetária ‘i’ equivale a duas unidades de
‘j’. A moeda ‘i’ tem assim um poder de compra duas vezes superior à de ‘j’.
A convexidade estrita das preferências assegura-nos que o conjunto constituído pelos bens e moedas correspondentes à maximização da utilidade é único. O lagrangeano para este problema vem dado por:
L = u(x) + s(M) − k $ (P $ x + P m $ M − M)
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assim temos como condição de primeira ordem para a moeda ‘i’:
¹s(M)
¹M i
= k $ Pmi
e após simplificação, para ‘i’ e para ‘j’:
¹s(M)
¹M i
¹s(M)
¹M j
Pm
= Pmi
j
Chegamos assim ao resultado normal da condição de equilíbrio do consumidor em que a sua taxa marginal de substituição é igual à taxa de substituição da economia. No que respeita às diferentes moedas não encontramos a presença do equivalente a bens livres. Todas as moedas são desejadas, ou apresentam a característica de desejabilidade. Se porventura o preço de uma for nulo,
registar-se-á uma procura excedentária e não uma oferta excedentária.
Este modelo de comportamento representa um consumidor internacional. Um agente que possua um encaixe monetário expresso em moedas de diferentes países, para quem a utilidade marginal do Marco ou da Lira dependerá,
por exemplo, das viagens que fizer e do interesse que as despesas nesses países
lhe despertam, mas também da sua ideia do que é a estabilidade do poder de
compra dessas moedas. Se tomarmos as liras medidas em milhares, podemos fazer para estas duas moedas qualquer coisa parecida com o primeiro Gráfico em
baixo, onde representamos a maximização das preferências.
Equilíbrio do consumidor
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O consumidor reteria MD marcos e MI Liras (Hip. A). A credibilidade associada ao Marco, à estabilidade do seu poder de compra e ao crescimento da
sua área de aceitabilidade podem levar a uma situação como a do Gráfico seguinte.
Acréscimo da credibilidade do Marco
Na nova situação de equilíbrio o consumidor possuirá mais Marcos e
menos Liras. Se generalizarmos este comportamento podemos dizer que o bemestar aumentará na economia com o crescimento do stock disponível de Marcos
contra a redução do stock de Liras (Hip. B). Se admitirmos a eliminação do curso legal e das restrições institucionais que obrigam à utilização da Lira em pagamentos, uma dinâmica deste tipo pode conduzir-nos à extinção desta moeda
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nos encaixes monetários dos agentes, passando então o seu preço a ser nulo e a
sua oferta excedentária (Hip. C). Mas este caminho não é inevitável. A política
económica pode fazer aumentar as preferências dos agentes pelos encaixes em
Liras e, por exemplo, a curva C2 desloca-se para C1 (segundo Gráfico acima).
Como iremos ver de seguida, as situações descritas, Hip. A e B, poderão
ser explicadas por este modelo de comportamento, mas o mesmo não acontece
com a Hip. C, aquela que interessa à analise da livre concorrência de moedas.
As (quatro) proposições avançadas por S. Latsis como princípios orientadores da investigação em economia, do núcleo duro dessa investigação, não se
distinguem da menos conhecida situational logic de Popper e do método individualista que esta implica para a economia. A suposta racionalidade dos agentes
económicos é um princípio mínimo de análise. Um outro princípio, menos visível mas de grande importância, foi considerado na análise que fizemos acima, o
da “independência das decisões” dos agentes consumidores. O comportamento
do agente tipo ali considerado verifica-o. Mas a análise ali apresentada não é
apropriada ao estudo do comportamento dos consumidores numa economia
com total liberdade de escolha entre diferentes moedas, onde seja disputado o
espaço de circulação de cada uma. Não se trata de negar o princípio da racionalidade mas de o utilizar conjuntamente com o não respeito pela hipótese de o
nível de satisfação de um agente ser independente das quantidades adquiridas
pelos outros agentes.
Suponhamos apenas dois agentes e duas moedas com as características
exigidas, embora com importâncias diferentes. A utilidade que o consumidor
‘A’ atribui à posse de moeda, por exemplo moeda ‘1’, M A
1 , está dependente da
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intensidade da circulação monetária da moeda M1 na economia. Estamos perante efeitos externos de consumo que irão impedir a realização das condições
do óptimo de Pareto.
Num Gráfico com as preferências de um agente podemos representar o
que pretendemos afirmar.
Não independência das preferências
Tomemos a curva C1 como representando a curva de indiferença para
dado montante de encaixes monetários dos outros agentes. Se a posse de M1
por parte destes agentes aumentar, então as preferências do agente aqui considerado alteram-se e temos como resultado, por exemplo, a curva C2. Não faz
pois sentido falarmos em convexidade estrita das preferências como correspondendo ao comportamento racional dos agentes. Esta hipótese garantiria uma
solução única, em quantidades de bens e moedas, o que já não pode ser garantido.
Em suma, no que respeita à determinação das quantidades possuídas das
diferentes moedas, a representação normal do comportamento do consumidor é
apropriada ao estudo dos consumidores num contexto como o que identificámos por Hip.A e B. Deixa de ser adequado quando eliminamos o curso legal e
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outras limitações de natureza institucional à livre escolha da composição monetária dos patrimónios, em que os espaços de circulação das diferentes moedas
começa a ser disputado. Quando temos a situação de produção de diferentes
moedas de papel, onde a concorrência e as preferências dos consumidores definem diferentes áreas de circulação monetária, que por sua vez afectarão as preferências dos consumidores, então a análise tradicional de bem-estar económico
não é adequada.
J.-P. Centi procurou iludir o problema com a utilização das características à K. Lancaster das diferentes moedas. Mas o valor que um agente atribui a
uma característica monetária de uma dada moeda não é independente do consumo dessa característica por parte dos outros agentes. Por esta razão os princípios da sua análise também são incorrectos, a metodologia que aplicou não
pode dar os resultados pretendidos.
Um retorno à não-neutralidade da moeda.
A tese da neutralidade da moeda permite que pensemos em variações da
quantidade de moeda com inalteração das condições que definem o equilíbrio
da parte real da economia. Ainda que o contexto possa ser de comportamentos
dinâmicos, a neutralidade pode ainda ser retida e baptizada como super-neutralidade. Desta forma, as variações na quantidade de moeda ou na sua taxa de
crescimento não afectam o comportamento real da economia. A separação do
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montante da oferta de moeda em antecipada e não antecipada, do tipo Sargent
e Barro não altera o essencial desta última conclusão.
O processo de concorrência de moedas, no contexto sugerido pela tese
da neutralidade, não apresenta efeitos sobre o sector real da economia e, como
conduzirá os consumidores a um nível óptimo de bem-estar, é um processo preferível ao da instabilidade do valor da moeda produzida em monopólio.
A aceitação da neutralidade da moeda, partindo da hipótese de racionalidade dos agentes, resulta em geral da análise de equilíbrio geral ou de resultados econométricos. Os estudos publicados com base em resultados econométricos são mais numerosos. Em nossa opinião apontam no sentido da não-neutralidade, embora não se possa afirmar que a neutralidade esteja arredada das hipóteses consideradas pelos economistas. No que respeita à análise mais teórica
do equilíbrio geral, identifiquemos dois princípios que afectam o resultado tradicional da neutralidade. O primeiro, é o princípio do Arcanjo S. Gabriel e referese à diferença entre acrescer os valores de uma variável exógena e a de esse
acréscimo corresponder ao aumento proporcional dessa variável na carteira de
activos de cada um dos agentes. D. Gale pergunta-se como podemos realizar tal
proeza e N. Kaldor, admitindo o helicóptero de Friedman, diz com humor que
tudo depende de onde cairão as notas, se em Kensigton Palace Gardens ou no
East End of London. O ingrediente de realismo mínimo necessário à hipótese
teórica não existe e a dedução da neutralidade deixa de fazer sentido. O segundo princípio a que nos referimos acima conta com mais de três décadas e foi
apresentado por Patinkin. Para manter a homogeneidade de grau zero quanto à
procura de bens e de grau um quanto à procura de moeda, teremos de admitir
que não existe passado de economia monetária. Não existem contratos nominalmente expressos e sobretudo não existem activos financeiros. Se, teoricamen- 17 -
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te, podemos num primeiro momento reter a primeira hipótese, pensamos que
fazer o mesmo à segunda leva-nos a estudar um modelo que não poderá representar adequadamente as nossas economias. Numa economia monetária os
agentes são indiferentes às variações do nível geral dos preços se o stock monetário e a riqueza nominal variarem pelo mesmo montante. Nesta riqueza nominal incluímos os activos financeiros de diversos períodos anteriores. A homogeneidade refere-se a um conjunto de variáveis e não apenas à quantidade de moeda. A neutralidade da moeda não faz sentido. E no entanto é de referir os numerosos estudos da procura de bens e de moeda que ignoram a não homogeneidade relativamente (apenas) à moeda e relativamente (apenas) aos preços,
respectivamen-te.
Em conclusão, a economia real não é isolada dos fenómenos monetários
e não é assim imune a um processo de concorrência de moedas privadas, sendo
o volume de produção da economia e o seu stock de capital afectados. R. Vaubel, embora consciente dos problemas que a não neutralidade levantará num
processo de concorrência das moedas, defende, no entanto, que a única forma
de sabermos qual o sistema mais eficiente, se o actual de monopólio na produção de moeda ou se o de concorrência de moedas entre vários produtores, é
permitir este último. A humanidade sobrevive porque justamente não aplica
este critério de experimentação de Vaubel. Na análise de uma experiência de
concorrência na produção de moedas que cobre o período de 1837-63, A. Rolnick e W. Weber minimizam: as falências, cuja percentagem mais baixa foi em
Nova Iorque de 36%; as perdas de valor por nota emitida, que foram de 10,9%
em Indiana a 70,5% no Minesota; e a fraca esperança de vida, que foi de 2
anos em Indiana a 9 anos em Nova Iorque. Temos as nossas dúvidas se alguém,
para além dos autores, considerar que não se tratou de um verdadeiro desastre.
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Comportamento racional de um banco emissor.
Quando pensamos no comportamento de um banco emissor de natureza
privada e sujeito a uma restrição de convertibilidade num bem não produzido
pelo governo podemos imaginar que os seus lucros aumentam com a redução
dos créditos, em geral baratos ou gratuitos ao governo. O aumento da esfera de
circulação da sua moeda aumenta os seus lucros pelos créditos que concede e
pela redução de custos associados às reservas. Sempre que surge a suspensão da
convertibilidade por créditos elevados que foram concedidos ao governo o banco emissor deverá ver os seus lucros caírem. O retorno à convertibilidade, que
significa rentabilizar mais eficazmente as suas reservas, levará a reduzir a importância dos créditos ao governo. A situação muda radicalmente quando o
banco dispõe apenas de reservas produzidas pelo governo e que este lhe impõe.
Neste caso os lucros aumentarão com o aumento do crédito ao governo. Apenas assim o banco disporá de moeda para uma actividade rentável que é o crédito aos agentes privados.
A situação que pretendemos agora analisar difere destas últimas, não só
porque historicamente é posterior, mas também porque agora vamos introduzir
explicitamente a dinâmica das variações de preços provocadas pela variação da
oferta de moeda. Tendo em conta o actual monopólio dos governos na produção de papel-moeda, um conjunto de autores levantou o problema dos rendimentos que advêm ao governo pelo simples facto de deter o monopólio da
emissão de moeda. Supondo um comportamento racional para o governo, este
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emitirá um montante de moeda tal que maximize os seus rendimentos reais.
Daqui resulta um dado comportamento para os preços ou, como iremos ver,
para a taxa de inflação.
Façamos duas observações antes de avançarmos com o resumo dos resultados obtidos por estes autores. Em primeiro lugar, não se trata do monopólio da emissão de moeda mas apenas de notas e moedas. No entanto, como pretendemos aplicar a ideia a um produtor privado de moeda, as consequências
desta simplificação não tem significado. Por outro lado, aquela hipótese de
comportamento racional adequa-se melhor ao agente privado do que ao governo. As restrições de liquidez de curto prazo e o objectivo de popularidade que
caracterizam a actividade do governo dificilmente se subordinam àquele princípio de racionalidade pelos lucros reais. Parece-nos pois que estamos em condições de seguir os argumentos daqueles autores, mas atribuindo os lucros a uma
empresa privada.
Admitindo que o produtor de moeda obtém um rendimento real pela
sua emissão igual a:
1
g = dM
dt $ P
trata-se de obter os valores da taxa de inflação que levam à obtenção de um
máximo para aquela equação. Por simplificação, supomos que os ajustamentos
são instantâneos. Passemos brevemente em revista os autores mais tradicionais
no tratamento desta questão.
Bailey. Este autor estuda o comportamento de economias com taxas elevadas
de inflação e considerando uma função procura de moeda à Cagan,
M
P
$
= e b 0 +b 1 $P , procura determinar a taxa de inflação que maximiza os lucros re-
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$
$
ais na emissão de moeda. Obtém como resultado,P $b 1 = −1. Como P b 1 representa a elasticidade dos encaixes reais à taxa de inflação, n M $ . Na situação de
P ,P
óptimo aquela elasticidade deverá ser igual a menos um, n M
$
P ,P
= −1, e a taxa de
inflação virá dada por:
$
P= − b1 .
1
Friedman. No seu estudo não utiliza explicitamente uma função procura de
moeda à Cagan. Introduz o rendimento e chega ao mesmo resultado quanto à
elasticidade da procura de encaixes reais relativamente à inflação.
Auernheimer. É agora considerado um crescimento regular do produto na economia, sendo incluído esse crescimento do produto na função procura de moeda à Cagan. O seu resultado para o lucro máximo, quando a taxa de juro real é
$
superior à do crescimento do produto, vem dado por P= − b1 − r, onde ‘r’ repre1
senta a taxa de juro real.
Frenkel. Também este autor introduz na sua análise o comportamento do produto. A função procura de moeda vem agora dada por
M
P
$
b 0 +b 1 $P . A procuYr = e
ra à Cagan é agora definida por unidade de produto. O resultado para a obtenção do lucro máximo continua a vir dado pela igualdade, n
$
M
P $
Yr ,P
= −1, da elasti-
cidade da procura de moeda igual a menos um (P $b 1 = −1).
Marty. Este autor inclui o rendimento e a dada altura a equação de Cagan (sem
rendimento). Obtém a mesma condição para os lucros reais máximos apesar do
seu ponto de partida se basear na produção nominal e não real de moeda.
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Santoni. Também este autor não apresenta nenhuma função procura de moeda
explícita e chega ao resultado de Auernheimer para a obtenção do valor máximo de lucros reais pela emissão de moeda, quando admitimos que a elasticida$
de dos encaixes reais relativamente à inflação é dada por P $b 1 .
À excepção do último autor todos eles avaliam o rendimento de emissão
dM
dt ,
de moeda por
o que pensamos não ser correcto. O banco emissor não
vende dinheiro, antes concede um direito à sua utilização, direito que é temporário, mas que faz parte de um fluxo permanente de novas e mais importantes
concessões desse direito. É pois correcto fazer como Santoni, em que os rendimentos são dados por g = i $ M $ P1 . No entanto, como acabamos de ver, as consequências dessa alteração para a condição de óptimo da produção são irrelevantes.
Destes estudos obtemos um resultado quase-mágico. As condições para a
obtenção de uma máximo resumem-se sempre: - à igualdade da elasticidade da
$
procura de encaixes reais a menos um; e - a P $b 1 = −1. Resulta daqui que a
taxa de inflação de equilíbrio vem dada por:
$
P e = − b1
1
Como β1 tem um valor negativo, a taxa de inflação de equilíbrio será positiva. Por este resultado poderíamos concluir que em princípio seria exequível
a produção privada de moeda, embora tivéssemos de suportar um crescimento
permanente, mas regular, dos preços.
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Este resultado é, no entanto, inadmissível. Em primeiro lugar, porque
implica taxas de inflação elevadíssimas e, em segundo lugar, impõe uma restrição que não justifica. Passemos a expor estas duas críticas.
As equações procura de moeda utilizadas foram as seguintes:
M
P
$
= e b 0 +b 1 $P (H.1) e
M
P
$
b 0 +b 1 $P (H.2)
Yr = e
A primeira (H.1) devemo-la a Cagan, e foi aplicada com bastante sucesso em estudos econométricos, a segunda (H.2) foi introduzida por Frenkel e procura ter em conta o crescimento do rendimento na economia. Sendo |β1|<1,
então a taxa de inflação de equilíbrio é superior a 100%. Sabíamos de estudos
anteriores que essa situação se verificava para Portugal, por isso estimámos modelos não só para a nossa economia, mas também para duas economias bastante diferentes da nossa, como a francesa e a norte-americana. No Quadro em
baixo resumimos o essencial dos resultados obtidos.
Estimação das taxas de inflação de equilíbrio
EUA...
60:1-95:1
França
70:1-94:4
Portugal
70:1-93:2
Função
1
2
1
2
1
2
SEE
0,013
0,014
0,014
0,017
0,033
0,036
b1
-0,8
-0,928
-0,65
-0,501
-0,383
-0,451
T(b1)
3,86
4,15
4,23
2,66
3,34
3,66
Inflação
124,9
107,7
153,7
199,5
261,2
221,8
Como podemos constatar, quer utilizemos H.1 ou H2, os resultados obtidos apontam para uma inflação de equilíbrio que pode ir de 108% na economia norte-americana a 261% na economia portuguesa. Quanto menos desenvolvida financeiramente for uma economia, menor (em valor absoluto) deverá
ser o valor de β1 e, assim, maior a inflação de equilíbrio. De qualquer forma,
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aqueles valores apontam para situações de duplicação de preços em menos de
um ano.
Em face deste resultado podemos concluir que, quer o produtor de moeda seja público ou privado, o objectivo de obtenção de um rendimento máximo
na produção de moeda não pode ser um objectivo para determinar a quantidade de moeda em circulação.
Dissemos mais acima que naqueles estudos se concluía que em equilíbrio
o valor da elasticidade dos encaixes reais relativamente à taxa de inflação era
igual a menos um na situação de óptimo de produção. As funções H.1 e H.2 foram construídas com base na verificação dessa restrição. Mas de facto nada nos
garante que esta condição seja razoável de admitir. Por isso fizemos o estudo da
função:
M
P
$ a2
= a 0 $ Yr a 1 $P
Onde a2 mede aquela elasticidade. Os resultados estão descritos no Quadro seginte.
Elasticidade dos encaixes reais
EUA...
França
Portugal
SEE
0,013
0,014
0,034
a2
-0,026
-0,03
-0,039
T(a2)
3,68
2,97
2,43
Aqueles valores da elasticidade dificilmente convencerão alguém da razoabilidade de admitir que se possam aproximar da vizinhança da unidade e
dispensam qualquer teste estatístico.
Rejeitada a possibilidade apresentada nestes estudos de a produção de
moeda ser exequível com respeito pela racionalidade do seu produtor, fizemos
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uma conjectura cujos resultados nos afastam radicalmente daqueles resultados.
Admitamos o seguinte comportamento para a velocidade de circulação da moeda:
v = k $ Pb
Â
onde n v,P = b  , o que conduz pela equação das trocas à seguinte hipótese para o
comportamento da inflação:
$
$
$
P= b $ (M − Yr)
com .b =
1
.
1−b Â
Os resultados obtidos que constam do Quadro seguinte permitem-nos
não rejeitar à partida tal possibilidade.
Elasticidade de v
SEE
β’
EUA...
França
Portugal
0,014
0,016
0,037
0,362
0,235
0,218
T(β’)
4,88
7,88
6,59
É natural que, em geral, b  c [0, 1], uma vez que a velocidade de circulação da moeda reaja a variações dos preços. Os preços limitam-se, neste caso, a
anular a variação da oferta excedentária de moeda. Simplifiquemos ao máximo
a estrutura de balanço de um banco emissor de moeda, que por hipótese será
privado.
D+E=M+L
o crédito concedido ao governo (D) mais o crédito concedido às empresas (E) é
igual à quantidade de moeda criada (M) mais os lucros (L). Comecemos por
considerar que apenas os créditos às empresas são remunerados. Os lucros e a
igualdade de balanço virão:
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L = i.E
M = D + (1-i).E
onde ‘i’ é a taxa de juro nominal. Os lucros reais virão dados por:
i
1
L r = i$E
P = 1−i $ (M − D) $ P
e passando a taxas de variação obtemos:
$
$
$
$
$
1
L r =i $( 1−i
) + (a 1 − b) $M −a 2 $D +b $Yr
com a 1 = 1 +
D
M−D
(>1, mas próximo da unidade) e a 2 =
M
M−D
− 1 (>0, mas ra-
zoavelmente reduzido).
Como era de prever os créditos gratuitos têm um efeito negativo sobre o
crescimento dos lucros reais. Se considerarmos que estes não variam, teremos
a1=1 e a2=0. O banco emissor aumenta os seus lucros reais quando reduz a
oferta de moeda porque a1-b<0. Os seus lucros crescerão tanto mais depressa
quanto maior for a redução da oferta de moeda. Chegamos assim à posição de
Say: «Le seul moyen qu’aient les gouvernements d’accroître leurs profits sur le
monnayage est de se prévaloir du privilège qu’ils ont de fabriquer seuls pour diminuer l’approvisionnement du marché, en suspendant la fabrication jusqu’a ce
que les monnaies, devenus plus rares, aient acquis plus de valeur relativement
aux autres marchandises», só que agora aplicado, não ao comportamento do
governo, mas ao de um banco emissor privado.
Esta conclusão é radical, a emissão de moeda por um banco emissor privado, em substituição do monopólio do Estado, destrói uma economia monetária reduzindo-a a uma quase economia de troca depois de um processo deflacionista.
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Seja pelo primeiro resultado, que depende fortemente do tipo de função
procura de moeda considerada, em que o banco emissor provoca taxas de inflação insuportáveis para a estabilidade dos mercados, seja pelo segundo, em que
os lucros do banco aumentam numa dinâmica deflacionista, não podemos reter
como aceitável a hipótese de produção de moeda por um produtor privado.
Produção privada de moeda em sistema concorrencial.
Diferente de todas as propostas que até agora vimos é a que visa de alguma forma afectar o monopólio da emissão de papel-moeda por parte do Estado.
Sendo a origem da moeda natural e não sendo o resultado de uma criação intencional, não tem que ser obrigatoriamente produzida pelo Estado. O monopólio de produção por parte do Estado da moeda de papel, convertida em papel-moeda, foi importante no passado para o desenvolvimento das trocas. Hoje,
é criador de inflação e de cada vez mais importantes desequilíbrios na composição do capital, sendo a dinâmica intervencionista um factor que apenas agrava
aqueles dois problemas. Desta forma caminhamos para o totalitarismo, destruindo mesmo o mercado, se continuarmos com as actuais políticas de intervenção. Existe mesmo um exagero emocional por parte de Hayek que o leva a afirmar «Nothing can be more welcome than depriving government of its power
over money». E as consequências sobre o intervencionismo seriam mais vastas,
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porque resolvida a questão da estabilidade monetária não haveria razão para
défices orçamentais por parte dos governos.
Hayek passou de propostas que levavam à concorrência das moedas e
eventuais perdas de curso forçado, para propostas sobre a liberdade de emissão,
ou de outro modo, de reforma conduzindo à concorrência limitada a reforma
com concorrência ilimitada, sendo mais conhecido por esta última. Como proposta de concorrência limitada de moedas podemos utilizar a sugestão de Salin
e subdividi-la em duas hipóteses, a) a que leva a eliminar o curso forçado do papel-moeda dos países envolvidos, e b) a que introduz uma nova moeda que circulará em paralelo com as restantes moedas. As propostas de moeda paralela tiveram um apoio considerável por parte de alguns economistas e políticos como
reacção ao projecto de moeda única europeia da Comissão Europeia.
A primeira proposta (a)) conduz a um processo de concorrência entre as
actuais moedas. O extraordinário nesta proposta é que a conclusão vem dada
nas premissas. Os seus autores insistem em focar a questão no processo, na dinâmica, cujo resultado como dissemos está já nas premissas. Suponhamos que é
decidido hoje que as moedas europeias deixam de ter curso forçado. Qual o
comportamento atribuído aos consumidores e unidades de produção ? Não é
senão o comportamento de um agente racional. Ele irá escolher a moeda mais
estável. Aquela cujos preços variaram menos nos últimos anos, que lhe dê garantias de assim continuar, e aquela cuja taxa de juro que lhe anda associada
quase exclui um prémio de risco. Não fazemos mais que enumerar as características do Marco. Então porque partir para um processo de extinção de moedas pelo mercado, cujos custos seriam elevadíssimos e cuja instabilidade poderia
mesmo levar os poderes políticos democráticos a desistirem de tal processo ?
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A segunda proposta visa chegar a uma moeda indexada. Não sendo natural que nenhuma das moedas existentes estabeleça o seu valor através de um
cabaz, esta proposta pretende criar essa moeda. Já vimos atrás o destino de tal
moeda.
Passemos à segunda proposta de Hayek, aquela em que admite a livre
concorrência na produção de moeda. A sua metodologia deve bastante à sua
retórica, de que é um mestre. É habitual projectar as consequências das suas
propostas, que constituem um quadro mental ideal por ele construído, com a
actual situação, que é uma realidade concreta. As comparações, como seria de
esperar, são-lhe sempre favoráveis.
Para a exposição das suas propostas iremos ver, em primeiro lugar, a sua
posição sobre o comportamento cíclico da economia, que fundamenta bastantes
das suas posições. Veremos, depois, como poderá funcionar a sua reforma, relativamente ao sistema bancário, aos pagamentos, às regras de emissão e ao equilíbrio monetário. Veremos também como pensava ele aplicar a sua reforma,
isto é, como se faria a transição para o regime que propunha. Depois de analisadas as suas propostas, levantaremos a questão do número de produtores presentes no mercado.
Enquadramento na teoria dos ciclos. Hayek retoma a teoria austríaca dos ciclos
de Menger-Böhm-Bawerk-Wiser-Mises. A produção é analisada como um processo de “consumo de tempo” e em cada momento existem bens que são consumidos e que foram produzidos à custa de bens de capital que contêm diferentes
“tempos” de produção. Tal como nos clássicos, se a poupança for igual ao investimento então o equilíbrio global na economia é realizado. A taxa de juro
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que assegura este equilíbrio está de acordo com a preferência temporal dos consumidores.
A taxa de juro praticada pelos bancos é determinada por considerações
de liquidez bancária e portanto não tem que ser igual àquela taxa acima que
equilibra a poupança e o investimento. Sempre que a taxa de concessão dos
créditos for inferior àquela taxa os créditos às empresas vão aumentar. Estas são
incentivadas a investimentos que aumentarão o conteúdo temporal da produção. Uma taxa de juro inferior à taxa de juro natural significa uma desvalorização dos bens de capital o que leva a processos de produção mais capital intensivos. Como isto significa um aumento da futura produção de bens de capital,
para o qual não houve aumento da poupança, e a correspondente redução de
bens de consumo, os preços destes últimos vão subir. Assim, com a subida de
preços será gerada a “poupança forçada” que permitirá o aumento daquela
produção de bens de capital. Como os preços sobem haverá tendência para que
os créditos continuem a aumentar. E desde que os desníveis entre as taxas se
continue a verificar não teremos razões para acreditar que o processo vá parar.
Paralelamente a este efeito sobre as variáveis globais devemos ter em
atenção os efeitos sobre os preços relativos. Estas variações farão com que uns
bens vejam a sua produção aumentar e outros diminuir para além do correspondente à situação de equilíbrio. Naturalmente que os reajustamentos terão de
ser feitos e quanto mais tarde o forem maiores os desequilíbrios e os seus custos
de eliminação. Em suma, as flutuações são assim uma característica dos nossos
sistemas bancários.
O problema das flutuações foi agravado com o desenvolvimento das práticas intervencionistas dos governos. A manutenção de taxas de juro baixas ape-
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nas agravou as condições de funcionamento, prolongando artificialmente a duração dos desequilíbrios. Em conclusão, a capacidade de criação de moeda pelos bancos comerciais intensifica a natureza cíclica da economia e a intervenção
dos governos alonga as flutuações e aumenta a sua importância.
O novo sistema. Acabámos de ver o papel que a banca tem nos ciclos económicos e, como veremos, a sua reforma acaba por girar à volta deles.
O papel dos bancos comerciais. Hayek estava convencido que o primeiro passo
para a introdução de concorrência monetária deveria ser dado pela utilização
dos actuais depósitos em pagamentos entre indivíduos. O desenvolvimento desta prática e o aparecimento de moedas estáveis acabaria por levar o próprio governo a desejar que as suas receitas fossem pagas nessas moedas. Essa estabilidade, ou qualidade da moeda, seria medida em termos de preços de um cabaz
de matérias primas. Paralelamente os bancos comerciais deixarão de existir
como os conhecemos hoje. Os seus negócios passarão para os bancos de emissão e não terão outra solução que adaptar-se à gestão de activos menos líquidos.
Os bancos parasitas deixarão de existir. Os bancos não emissores que aceitarem
depósitos deverão possuir moedas seguras para poderem garantir as suas obrigações, porque em caso de falência não serão protegidos pelos bancos de emissão e abrirão falência.
Esta introdução e caracterização do novo sistema merece alguns comentários. No que respeita ao aparecimento de moedas estáveis no processo de concorrência, como poderá a moeda de um banco comercial, convertível em moeda do banco emissor do Estado, tornar-se mais estável que a deste último ?
Quanto ao relacionamento entre bancos emissores e bancos comerciais, não vemos porque não existirão bancos emissores que apoiarão os bancos comerciais.
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Estes últimos criarão a elasticidade de emissão suficiente para o alargamento do
espaço de circulação da moeda daqueles. O sistema de reservas fraccionárias
surgirá naturalmente. E, ou a sua reforma implica reservas a 100%, ou então a
elasticidade tão denunciada por Hayek nunca se extinguirá. Parece pois que o
desaparecimento dos bancos comerciais é mais um desejo do autor. Mas se a
medida dos “100%” também for incorporada na sua reforma, então sim, podemos esquecer os bancos comerciais. Parece-nos ver algum desespero de Hayek.
A dinâmica do seu processo baseia-se na livre escolha dos indivíduos que racionalmente preferirão dispor de moedas mais estáveis a menos estáveis. Como
acontece para os outros bens, as moedas rejeitadas pelos agentes deveriam conduzir estes à falência. Como convencer os agentes a alterar comportamentos
que os levam a continuar a preferir a moeda produzida pelo Estado ? Sabendose que a sua reforma levaria a uma grande perda de poder dos governos e por
isso não aceite com facilidade, a quem caberia afinal a introdução da reforma ?
A sua resposta é surpreendente: aos responsáveis pelas anormais flutuações da
actividade económica, àqueles que também serão eliminados pelas reforma, os
bancos comerciais !
Os pagamentos. Num processo de concorrência de moedas em que o valor relativo destas sofre variações, como resolver os problemas de liquidação de dívidas
e, em geral, dos meios de pagamento diferidos no tempo ? Se a unidade de conta for dada por um qualquer cabaz de bens, esse problema não existirá. Mas então a sua reforma não é necessária. Hayek diz-nos que os Tribunais estão lá
para isso. A sua resposta é um fuga à questão. As eventuais injustiças provocadas pela inflação dependem do que os intervenientes pensavam vir a ser a inflação. A questão não pode ser resolvida pelos Tribunais. Um outro problema que
irá surgir com a sua reforma é o da unidade de conta a utilizar na
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contabilidade, seja das famílias seja das empresas. A sugestão de Hayek é assustadora uma vez que sugere que a contabilidade seja feita pelos agentes especializados que são os bancos.
Regras de emissão a adoptar. No processo de concorrência das moedas teremos
algumas destas em que se instalará uma crise de confiança. Os indivíduos trocarão estas moedas por outras mais estáveis. Esta operação faz subir o valor destas
últimas. No limite é gerado um processo deflacionista. Hayek defende que os
bancos que vêm a sua moeda valorizar-se devem conceder créditos com taxas
negativas para aumentar a quantidade de moeda em circulação e assim reduzir
o seu valor. Seria pois contrariada aquela tendência deflacionista. Uma característica de um sistema deste tipo, é que ao contrário do que conhecemos, não
existe uma quantidade a que possamos chamar uma quantidade de moeda.
Perante a hipótese de um processo deflacionista não vemos como irá um
banco que vê a sua moeda aumentar de valor, por ser mais preferida pelos
agentes que as moedas rivais, fazer empréstimos a taxas negativas. Os bancos
não seriam certamente masoquistas a esse ponto. No mínimo, podemos dizer
que o banco não tem nenhum interesse em actuar. Hayek coloca no comportamento espontâneo de um banco o que constitui uma função dos governos intervencionistas: a de devedor em última instância. Apenas a intervenção do governo resolveria aquele problema. No que respeita à medida da moeda em circulação concordamos que será difícil quantificar tal agregado, sobretudo quando a
instabilidade é grande. E sabemos que quando dois bens são bons substitutos a
mais pequena variação esperada do seu valor, ou da sua qualidade, provoca variações consideráveis na quantidade pretendida pelos agentes consumidores. A
medida seria pois também impossível pela instabilidade que caracterizaria tal
sistema.
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Equilíbrio monetário. Hayek diz-nos que o sistema para funcionar adequadamente deve possuir elasticidade, o que será assegurado juntamente com a estabilidade do valor das moedas e com a concessão de crédito apenas no curto prazo. Mas esta regra é universal nos regulamentos dos actuais bancos centrais. Ela
apenas é nova por uma das suas consequências, é que não havendo bancos comerciais apenas as instituições financeiras, que não aceitam depósitos, poderão
fazer empréstimos de longo prazo. Vemos aqui mais uma vez o seu empenho
de fazer depender o investimento da poupança.
O processo de transição. Alguns anos após a apresentação da sua proposta de
reforma monetária em que a concorrência seria introduzida ao nível dos bancos
emissores de moeda de papel, Hayek reconheceu a necessidade, prévia, à sua
reforma, de introduzir a concorrência ao nível dos bancos de depósitos, uma
vez que esta não se comporta de forma concorrencial.
Esta sua posição leva-nos a questionar o sentido das reformas a nível da
produção de moeda de papel quando afinal a posse de moeda privada, que são
os depósitos a ordem, não está protegida da perda de poder de compra. A proibição da remuneração dos depósitos à ordem nos Estados Unidos fundamentava-se na suposição de que a concorrência na captação de depósitos conduziria
ao monopólio. Fundamento que hoje já ninguém defende. A posse de moeda
tem um custo de oportunidade que é dado pela remuneração do capital. Numa
situação de óptimo ou a moeda é devidamente remunerada ou a deflação compensa esse pagamento. Que o governo é insensível a este óptimo de bem-estar
dos agentes, já o sabíamos. Mas não esqueçamos de acrescentar que a banca
também o é. Não só a remuneração dos seus depósitos se afasta daquele valor,
como é em geral insuficiente para impedir a queda do seu poder de compra.
Por outro lado, existem bancos aos quais atribuímos uma confiança superior do
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que a outros, aceitamos assim remunerações da sua moeda inferiores à destes
últimos. O que significa que não só as actuais moedas privadas não vêm o seu
poder de compra defendido como deverão ser aquelas em que mais confiamos
as que menos protegem em poder de compra. Embora devamos ter em conta
que nas relações creditícias o risco de incumprimento sobreleva por vezes a
apreciação sobre o respectivo rendimento, este resultado não deixa de ser interessante quando pensamos na extensão desta situação à da produção de moeda
de papel. Nesta última situação poderíamos mesmo assistir não a remunerações
mas a despesas para a posse de cada moeda.
Estabilidade e instabilidade do número de concorrentes.
Pretendemos levantar agora uma questão que não ficou clara em algumas propostas de reforma monetária e que por vezes nem sequer é focada noutras propostas. O processo de concorrência, limitado ou ilimitado leva a uma
solução estável ou instável ? Insistimos já na ideia que falar num óptimo de
bem-estar, nestas condições, não faz sentido. Pretendemos agora saber qual o
número de produtores, que para os autores destas refromas monetárias, continuam a produzir ao fim de algum tempo.
No caso de Hayek, o seu mundo novo é o da concorrência entre produtores, apenas essa concorrência garantirá a qualidade das moedas. A resposta é
pois que haverá um número considerável de produtores de moeda. Já Salin navega, como os outros autores da moeda paralela, entre duas soluções. Em 1980,
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admitia que apenas ficariam no mercado um pequeno número de produtores
de moeda, mas em 1982, acrescenta a essa hipótese uma outra, a de que no limite ficaria apenas um só produtor. Esta última posição deriva de uma análise
do papel que a moeda desempenha nas economias e dos seus custos de produção. Que solução reter: vários produtores, pequeno número ou apenas um ?
Na nossa opinião podemos dar uma resposta a esta questão porque dispomos dos ingredientes suficientes para pensarmos na aplicação de uma função
logística à evolução das partes de mercado dos intervenientes no processo de
concorrência. Esta função expressa de forma clara a desordem determinística
que se pode instalar naquele mercado.
Tomemos o ponto de vista de um produtor de moeda e definamos por
‘x’ a parte do mercado que é dominada pelas restantes moedas. Em cada momento essa parte do mercado é determinada pelo valor que tinha no momento
anterior e por um coeficiente de reacção que traduz o maior esforço de concorrência quando a parte de mercado das outras moedas aumenta. A função indicada vem dada por:
x t+1 = l $ x t $ (1 − x t ),
como x t c [0, 1], m sendo positivo deverá ser inferior ou igual a quatro. A capacidade de reacção deste produtor, relativamente à dos outros, será tanto mais
eficaz quanto menor for o seu valor.
A derivada daquela função no ponto de equilíbrio, x & = x t+1 = x t , vem
dada por:
d[l$x$(1−x)]
dx (=x & )
= l $ (1 − 2 $ x & )
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Por sua vez os valores de equilíbrio são dados pela resolução da equação
de segundo grau:
x & $ (1 − l1 ) − x & = 0
Esses valores são:
x &1 = 0
x &2 = 1 − l1
Estas soluções podem ser encontradas graficamente, quando representamos no eixo das ordenadas os valores de xt+1 e no das abcissas os de xt, na intersecção da bissectriz com a parábola que resulta dos valores da equação de zero
à unidade. A primeira solução significa que o produtor que analisamos se torna
no único produtor, chega pois à situação de monopólio (Salin-2). Para este valor
de x* a derivada toma o valor de m. O que significa que a solução é estável se
l [ 1. Tomemos agora a outra solução, x & = 1 − l1 , que traduz um equilíbrio
concorrencial (Salin-1). A derivada neste ponto da função vem dada por 2-m. A
solução apenas será estável quando 2 − l [ 1, ou seja, quando l [ 3. No caso
de m>3 a solução é instável (Hayek), embora até 3,57 os ciclos acabem por
aparecer. Para os valores superiores a 3,57 temos as situações de caos, os valores de ‘x’ tornam-se aleatórios.
Construímos uma série de gráficos para ilustramos o que acabamos de
afirmar. Os Quadros, em baixo, resume os valores dos parâmetros e os valores
de partida das partes de mercado, ‘xo’.
Quadro das situações geradas pela “logística”
Gráf. 1
m
xo
Resultado
Gráf. 2
0,9
0,7
monopólio
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Gráf. 3
2,8
0,1
concorrência certa
Gráf. 4
3,2
0,8
concorrência instável
Gráf. 5
3,2
0,1
idem
Gráf. 6
3,45
0,85
concorrência instável
Gráf. 7
3,45
0,1
idem
Gráf. 8
3,6
0,1
caos
No primeiro Gráfico temos a situação de caminho estável para o monopólio, no segundo, embora o caminho ainda seja certo, o resultado é uma parte
estável do mercado das outras moedas, e assim também desta moeda. Os Gráficos 3 e 4 já apresentam uma situação de permanente desequilíbrio, as partes de
mercado dos outros produtores oscilarão eternamente entre 80% e 50%. As diferenças entre o terceiro e o quarto deve-se apenas a diferentes valores de partida, sendo no último destes mais visível a instabilidade e, no primeiro, a natureza cíclica dos comportamentos. Representámos situações semelhantes nos Gráficos 6 e 7. Com a diferença de que agora temos ciclos de ordem quatro, os valores oscilam entre 84,7%, 44,6%, 85,3% e 43,4%. O Gráfico 8 representa uma
das possíveis situações de caos. No caso daqueles valores, as partes de mercado
serão aleatórias e nem sequer se aproximarão da solução.
Finalmente incluímos o conhecido gráfico da bifurcação da função logística que recapitula o que até agora dissemos. As zonas sombreadas correspondem às zonas de caos, e as manchas brancas na parte sombreada são zonas em
que os valores se bem que imprevisíveis mantêm uma certa regularidade, são
chamadas “zonas de calma no caos”.
Em suma, para a questão que aqui nos interessa, que valores para ‘m‘
devemos reter no estudo da concorrência das moedas ? Não sabemos. O que significa que não podemos escolher o tipo de solução para as reformas com concorrência ? Julgamos que não. As situações de instabilidade depressa levariam
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os governos a intervir, como o fizeram no passado para diminuir os custos elevados que daí resultavam para as economias.
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As Reformas do Sistema Monetário Internacional.
Como iremos ver, as propostas cujo primeiro objectivo é o sistema monetário internacional, do ponto de vista das alterações institucionais que implicam, ficam aquém das propostas mais moderadas para reformar os sistemas nacionais.
Na ordem saída de Bretton Woods (1945-70), e no que se consignou ser
a sua prática (1950-70), para as economias que não a norte-americana, a quantidade de moeda era um dado relativamente endógeno sujeita à regra que consistia em subordinar o seu crescimento ao valor fixo da taxa de câmbio e à taxa
de inflação naquela economia. A oferta de moeda dependia da antecipação de
taxas de câmbio fixas e da política norte-americana. Como R. Triffin havia
enunciado, estávamos num sistema que poderia arrastar-nos para aceleração
mundial ou da inflação, ou da deflação. E de acordo com J. Rueff, estávamos
sim a caminhar para a aceleração da inflação com a impossibilidade de os go-
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vernos controlarem a oferta de moeda devido ao multiplicador monetário que
actuaria sobre os défices externos americanos.
A nova ordem (1973-84), com a continuação do Dólar como moeda internacional, não veio eliminar a indefinição no montante da oferta de moeda a
nível mundial, embora tenha feito esquecer por algum tempo essa questão devido à nova realidade de câmbios flexíveis que trouxe. Os economistas já há algum tempo que desejavam abandonar os traumas das desvalorizações e revalorizações das moedas e alcançar a desejada independência das políticas monetárias interna. Com a nova ordem era abandonada a obsessão dos valores fixos
para as taxas de câmbio que entretanto passavam a variáveis residuais.
Esta nova ordem monetária internacional vai ser comentada por R.
McKinnon e por J. Williamson com vista a alteração de algumas das suas práticas institucionais. Estes dois autores têm em comum o olhar negativo sobre a
volatilidade das taxas de câmbio e da oferta de moeda. Talvez que o desencanto com o actual sistema de câmbio resida na imprevisibilidade dos valores das
taxas. As variações cambiais têm sido importantes sejam elas diárias, mensais
ou anuais, quando comparamos com margens de lucro, e os valores dos diferenciais das taxas de juro, assim como os prémios no mercado a prazo, não fornecem indicação dessas variações. Tendo em conta o papel das empresas multinacionais, a integração dos mercados e o progresso no comércio intra-industrial, o
principal argumento dos câmbios flexíveis, de independência das políticas monetárias pela livre substituição entre as diferentes moedas, deixou de fazer o
mesmo sentido. Mas, se a instabilidade cambial arrasta variações substanciais
das taxas de juro, não podemos esquecer o papel negativo que estas terão sobre
as economias internas. Se os economistas acreditaram que as taxas de câmbio
poderiam servir de amortecedores dos efeitos das políticas internas sobre a eco- 41 -
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nomia internacional, parece hoje que estas reflectem a sua volatilidade sobre as
taxas de juro e, no mínimo, não é certo que estas últimas possam equilibrar ao
mesmo tempo o mercado de crédito de curto prazo interno e o mercado de títulos integrado internacionalmente.
Para estes autores é obvio que o sistema de câmbios flexíveis terá de ser
alterado. Como disse Williamson, «the fantasy that markets are better than governments» tem de ser abandonada, o horizonte temporal de um operador
cambial não passa das cinco horas enquanto serão necessários uns cinco anos
para que as taxas de câmbio estejam a um nível de equilíbrio macroeconómico
satisfatório. Para Williamson e McKinnon a reforma da nova ordem monetária
internacional deverá ser feita, mas para McKinnon a substitubilidade entre
moedas nacionais também impele a que a reforma seja feita.
Este autor critica o que chama o modelo “insular” das economias que
leva a ter em conta na política de oferta de moeda apenas as variáveis económicas internas. Assim, o fenómeno da substituição das moedas nos portfólios individuais, não foi tido em conta pelas autoridades nacionais, sobretudo norteamericanas, que continuaram a praticar um monetarismo nacional. Partindo
da tese que as moedas de um pequeno grupo de países desenvolvidos são substituíveis relativamente a variações antecipadas das taxas de câmbio, conclui naturalmente que as procuras de moeda nacional são instáveis quando aquele aspecto não é tido em conta. As autoridades norte-americanas deveriam reduzir a
oferta de moeda quando os agentes trocam Dólares por Marcos ou Ienes. Apenas a miopia das autoridades leva a insistir em objectivos internos. A política
monetária norte-americana deveria ser internacionalizada para obter a estabilização dos preços internos e internacionais. Estas posições de McKinnon foram
criticadas nalguns dos seus mais frágeis pressupostos. Em primeiro lugar, ficou
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por se provar que a oferta de moeda mundial ou de um grupo de países pudesse
influenciar mais os preços internos que os a oferta de moeda interna. Também
a hipótese da substitubilidade não foi provada em termos favoráveis a McKinnon. Embora seja uma hipótese teórica impossível de ignorar nas duas últimas
décadas deste século, a sua relevância empírica está longe de ser importante.
Mas, apesar disto, as suas propostas não diminuem de importância. Admitir
que a instabilidade da oferta de moeda mundial se deve a comportamentos seguidistas das diferentes autoridades monetárias, e não a ajustamentos de portfólios não retira importância às suas propostas.
Os principais acontecimentos que inspiram as teses de reforma do actual
sistema de câmbios são os períodos seguintes:
- 1971-72, período de política laxista
- 1977-78,
“
“
“
“
- 1981-82, período de política restritiva
e demonstram uma certa forma de competição a níveis de taxas de câmbio
através da política monetária. Quando a taxa do Dólar começa a descer, por
efeito de uma política de oferta de moeda expansionista, as restantes autoridades (alemãs e japonesas) não querendo ver valorizar as suas moedas, acompanham aquela política. Este comportamento poderá existir tanto nas política expansionistas como restritivas. Donde a regra clara de McKinnon, o crescimento
da oferta de moeda deve ser superior ao normal quando a moeda nacional tende a apreciar-se em termos das moedas mais fortes e vice-versa. Mas o não
comportamento seguidista obrigará a cooperação, obrigará a reformar os actuais comportamentos.
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A sua reforma prevê o entendimento entre o Federal Reserve, o Banco
do Japão e o Deutch Bundesbank que actuariam como se se tratasse de um
zona económica de moeda única. As taxas de câmbio entre estas moedas seriam
fixadas em termos de paridades de poder de compra sustentáveis e seriam mantidas dentro de bandas estreitas. As taxas de juro seriam o instrumento privilegiado, de utilização diária ou semanal, procurando a todo o custo evitarem-se as
intervenções directas no mercado cambial. O objectivo de longo prazo seria
manter constante o preço de um cabaz de bens negociáveis internacionalmente.
Para a manutenção das paridades seria utilizada a política monetária, através
de variações da oferta de moeda, que seria assim uma variável intermédia. O
anúncio de paridades a respeitar por parte das autoridades monetárias destes
países levaria a quebras significativas dos actuais prémios de risco e assim a reduções importantes das taxas de juro.
Se McKinnon ainda sugeriu uma banda de 10%, o que é um facto é que
as suas propostas falam agora em banda estreita e o que se valoriza é uma relação de taxa de câmbio fixa. Assim, acaba por reconhecer que as propostas de
Williamson se aproximam mais do espírito de Bretton Woods, de câmbios ajustáveis, no sentido em que White e Keynes o entendiam. A proposta de Williamson não se contrapõe à flexibilidade das taxas de câmbio, para as quais este
autor reconhece vantagens, como a de reconciliar diferentes taxas de inflação,
facilitar ajustamentos externos e poder absorver uma parte dos movimentos especulativos. Ele propõe uma “target zone” para as economias de moeda dominante. Sabemos que as “target zones” contribuem para estabilizar as cotações
pela credibilidade que oferecem e assim reduzem os riscos de realinhamento. Se
os câmbios fixos reduzem a volatilidade cambial, acabam por fazê-lo à custa de
efeitos sobre a produção e os preços. Numa “target zone” as taxas de juro pode- 44 -
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rão servir como amortecedores das variações cambiais sem necessidade de afectar produção. A especulação numa zona em que os agentes antecipem os seus
valores como sendo de equilíbrio de médio prazo levará a que a especulação se
torne estabilizadora. Uma “target zone” oferece um compromisso entre a capacidade dos câmbios fixos para resolverem choques de velocidade e a capacidade
dos câmbios flexíveis para resolverem choques da procura. Um governo sensível à estabilidade dos preços e do produto escolherá uma “target zone” porque
representa um compromisso entre os câmbios fixos e flexíveis.
Williamson defende que a volatilidade cambial tem arrastado as taxas de
câmbio reais para valores bastante diferentes do que seriam os seus valores efectivos. A proposta deste autor vai no sentido de criar como objectivos intermédios da política económica uma taxa de crescimento do rendimento nominal e
uma taxa de câmbio real que traduza o equilíbrio, de médio prazo, tanto interno como externo. Como instrumentos sugere as taxas de juro nominais para
atingir o objectivo de crescimento global, as diferenças das taxas de juro entre
economias para atingir as taxas de câmbio reais e as políticas orçamentais para
que se obtenha o crescimento do produto de cada país.
Alguma combinação entre desemprego e inflação determinará o equilíbrio interno e o equilíbrio externo dependerá da balança de pagamentos que
for compatível com a poupança e o crescimento da produtividade. Se a tarefa
de escolher a taxa de crescimento do rendimento nominal não será nada isenta
de conflitos, esta última parece-nos impossível. Em primeiro lugar, porque será
difícil aceitar uma definição precisa de tais equilíbrios e, em segundo lugar, porque mesmo sendo aceites os princípios resta-nos a obtenção quantitativa. E dizer como Williamson que se trata de ter em conta um modelo econométrico, o
que é essencialmente um problema técnico, não é uma resposta conveniente. A
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sua proposta envolve uma margem de flutuação para as taxas de câmbio não
excluindo a alteração das taxas centrais tendo em conta as diferenças no crescimento da produtividade, choques reais ou nova informação.
Sinais dos novos tempos para estes autores (McKinnon e Williamson) são
as Conferências e Acordos que começam em 1982 em Versailles, do Hotel Plaza em Setembro de 1985 e do Louvre em Fevereiro de 1987. Depois desta última reunião do G7 foi acordada uma banda de 5% para as três principais moedas, que posteriormente se alargou para 12%. Estes comportamentos são um sinal de vontade política de acções concertadas. A restrição principal na ordem
de Bretton Woods eram as reservas cambiais. Face a uma taxa que deveria ser
respeitada no médio prazo os governos executavam “livremente” políticas macroeconómicas com a margem de manobra que lhes era dada pelas reservas.
Estas eram um verdadeiro buffer stock político que se substituía à cooperação entre os governos. Não existe hoje razão alguma para supor um regresso a uma
restrição de reservas como as de Bretton Woods. A restrição hoje é moral. E
sendo assim a cooperação deixa de ser algo de normal para se tornar em algo
que tem de ser construído pelos diferentes governos.
Em McKinnon que significado terá fixar as taxas de câmbios ao nível
compatível com a paridade do poder de compra quando o problema a colocar
pelas autoridades nacionais será o de uma paridade compatível com certo equilíbrio da balança de pagamentos ? Embora admita a presença de um «”real exchange rate” effect» que poderá distorcer a afectação de recursos mundial, nega
importância aos efeitos da taxa de câmbio real sobre a balança de transacções
correntes, no que é criticado duramente por R. Dornbusch. Talvez nesta questão os europeus e japoneses estejam numa posição mais favorável para ver o
problema: as desvalorizações reais competitivas são um factor de distorção do
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comércio mundial e um incentivo ao prosseguimento da instabilidade cambial.
Neste sentido, o plano de McKinnon evita formas de concorrência que surgem
pela variações nominais ou reais das taxas de câmbio.
Conclusão.
Mais do que a bandeira nacional a moeda é um símbolo pelo qual se
exerce o poder de Estado. Através dela o Estado era reconhecido por aqueles
sobre quem esse poder era exercido. A presença da moeda é fundamental para
cimentar laços de solidariedade entre agentes. Por esta razão a oposição a diferentes formas de centralismo político passa também pela oposição à existência
de uma moeda única. A existência de várias moedas representa por sua vez um
fraccionamento económico e político.
Numa economia os direitos de propriedade são um dado em certo momento. Num dado período esses direitos traduzem-se em consumo, são pois
usados e extintos, são também acrescidos, porque se produziu e podem ainda
aumentar porque se aumentou a quantidade de moeda em circulação. A moeda
não é mais que a expressão geral dos direitos de propriedade e, opondo-se, realiza-se, pela troca com os outros bens. A emissão de moeda representa uma criação de direitos ex nihilo. As trocas, ou, dito de outra forma, a circulação de direitos de propriedade é feita por referência à moeda. Aumentar a circulação da
moeda por forma a subir o nível de preços significa, para todos os que possuem
direitos expressos em unidades monetárias e que não puderam antecipar ou
corrigir essa antecipação, uma transferência não desejada de propriedade.
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Um dos pilares em que assenta a nossa sociedade, princípio moral e jurídico, é o da defesa e respeito dos direitos de propriedade privada. Mas a nossa
sociedade capitalista é a sociedade do “mercado”, existe e define-se pelo mercado. Foi pelo mercado que A. Smith pensou economicamente a nossa sociedade.
O mercado pode ser definido como um sistema de relações sociais fundadas na
propriedade privada, onde se criam e circulam as informações, os conhecimentos e as experiências, o mecanismo descentralizado que assegura a regulação
dos preços e em consequência, de toda a actividade económica. o mercado também se caracteriza por uma dissociação entre o espírito de empreendimento e a
riqueza pessoal. Como Menger dizia, a troca é o resultado do desequilíbrio.
Sem desequilíbrio não há trocas. A moeda pode desempenhar um papel na economia semelhante ao demónio de Maxwell na termodinâmica. Criadora de
desequilíbrios, de energia, na posse dos que têm espírito de empresa, de criação
de riqueza mercantil. Ou seja, vendo o outro aspecto da questão, a criação de
moeda pode originar inflação e desrespeito pelos direitos de propriedade.
No país histórico do capitalismo a lei (Bank Act) que definia as responsabilidade do banco emissor, fazia parte do conjunto de enquadramento do “comércio livre”. Aquela lei podia ser encarada como contribuindo para a protecção da propriedade individual.
No início do desenvolvimento das economias capitalistas, onde as trocas
se desenvolviam, a existência de bancos privados de moeda de papel era causadora de instabilidade. E, normalmente, à anarquia monetária e bancária sucedia-se a criação de bancos públicos. A importância da criação de direitos de saque sobre a propriedade e a atitude de irresponsabilidade que consistia em entregar esse poder à iniciativa privada levou os primeiros economistas, Hume,
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Say, Ricardo e Walras, a defenderem que os bancos emissores deveriam ser públicos.
Uma produção adequada (elástica) de moeda poderá contribuir para o
aumento de riqueza. A maior aceitabilidade da moeda irá contribuir para um
aumento da sua esfera de circulação com a consequente redução de custos de
transacção; para uma redução da taxa de juro, que será ampliada pelo menor
custo de detenção de reservas; e para encurtar o circuito temporal de formação
do rendimento e da despesa na economia.
O desenvolvimento da actividade dos bancos levou ao aparecimento da
função de prestamista em última instância por parte dos bancos emissores. Se o
génio de Bagehot a via em 1873, apenas em 1920 e 1929 a pressão dos acontecimentos a integrou nos comportamentos dos bancos emissores. Independentemente dos problemas de moral hazard que tal função implica ela acabou por se
integrar com uma outra função por parte dos governos: a de devedor em última
instância. Estas funções passaram a fazer parte do arsenal de medidas utilizadas
com o desenvolvimento assumido pelos governos das responsabilidades com a
estabilização da economia. Neste sentido, e sendo a moeda a forma geral dos
direitos de propriedade, criada ex nihilo num regime de papel-moeda, a reprodução destes direitos obriga a que o Estado seja o responsável pela sua produção.
As reformas dos ‘100%’ pretendem colocar nas mãos do governo a responsabilidade pela criação de moeda. Também as reformas de McKinnon e
Williamson pretendem trazer para a ribalta as responsabilidades dos governos
na estabilidade cambial e dos preços. O restabelecimento de uma moeda convertível é um projecto incoerente. A grande reforma da nossa ordem monetária
seria a liberdade de produção e concorrência de moedas. Pensamos ter demons-
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trado que tal reforma destruiria a nossa economia de mercado. Mesmo que a
produção fosse feita em regime de monopólio privado, o resultado seria a sua
destruição. Na situação de concorrência, os custos e a instabilidade seriam tais
que retorno ao nosso velho sistema de “moeda dirigida” seria a única solução
para impedir maiores quebras de bem-estar que resultariam de tal processo.
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