- Faculdade de Letras

Propaganda
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
PREDICAÇÕES COM O VERBO TORNARE EM ITALIANO SOB UMA ANÁLISE
FUNCIONALISTA
FABRICIA DE ALMEIDA DE SOUSA
2012
PREDICAÇÕES COM O VERBO TORNARE EM ITALIANO SOB UMA ANÁLISE
FUNCIONALISTA
Por
FABRICIA DE ALMEIDA DE SOUSA
Aluna do Curso de Mestrado do Programa de Letras Neolatinas
(Estudos Lingüísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana).
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro como quesito para a obtenção do
Título de Mestre em Letras Neolatinas
(Estudos Lingüísticos Neolatinos, opção:
Língua Italiana)
Orientadora:
Gullo
Professora
Doutora
Annita
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2012
2
FOLHA DE APROVAÇÃO
PREDICAÇÕES COM O VERBO TORNARE EM ITALIANO SOB UMA ANÁLISE
FUNCIONALISTA
Fabrícia de Almeida de Sousa
Orientadora: Professora Doutora Annita Gullo
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos
Neolatinos, opção: Língua Italiana).
Examinada por:
___________________________________________________________________________
Presidente, Professora Doutora Annita Gullo
___________________________________________________________________________
Professora Doutora Maria Maura Cezario – PPG Lingüística – UFRJ
___________________________________________________________________________
Professor Carlos da Silva Sobral – UFRJ
___________________________________________________________________________
Professora Doutora Maria Franca Zuccarello – UERJ, Suplente
___________________________________________________________________________
Professora Doutora Maria Lizete dos Santos – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2012
3
FICHA CATALOGRÁFICA
.
Sousa, Fabrícia de Almeida de.
Predicações com o verbo tornare em italiano sob uma análise funcionalista /
Fabrícia de Almeida de Sousa – Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de Letras, 2012.
135f. : 30 cm
Orientadora: Annita Gullo
Dissertação (mestrado) – Faculdade de Letras , Departamento de Letras
Neolatinas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012.
Referências Bibliográficas: f. 128-132
Palavras - Chave: Língua Italiana. Funcionalista. Polifuncionalidade verbal.
Verbo tornare. Caracterização da polifuncionalidade morfossintática, semântica e
discursiva do verbo tornare.
4
RESUMO
PREDICAÇÕES COM O VERBO TORNARE EM ITALIANO SOB UMA ANÁLISE
FUNCIONALISTA
Fabrícia de Almeida de Sousa
Orientadora: Professora Doutora Annita Gullo
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas
(Estudos Lingüísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana)
Nesta pesquisa, objetiva-se descrever e analisar as propriedades sintático-semânticas
de predicações com verbo tornare em variados textos orais e escritos, de sincronia atual, do
italiano standard e, com isso, intenta-se, também, atestar a polifuncionalidade desse verbo no
sistema lingüístico. Acredita-se que tornare é usado com configurações distintas da lexical
básica, ou seja, a de predicador – com que exprime movimento no espaço geográfico e, então,
projeta até dois argumentos internos locativos (ponto de origem/partida e ponto de destino) e
argumento externo agente (entidade controladora do mundo biopsicofisicossocial que se
desloca no espaço). Com base nos pressupostos, sobretudo do funcionalismo lingüístico,
especificamente nos que se referem (i) à formação de predicadores e à configuração de
expressões lingüísticas da Teoria da Gramática Funcional (DIK, 1997) e (ii) ao processo de
mudança chamado de gramaticalização (HEINE et alii (1993) e HOPPE (1993)), define-se e
explica-se o emprego lexical básico de tornare, como verbo predicador, a natureza de suas
extensões semânticas de verbo predicador, e alguns de seus usos, de verbo predicador a verbo
(semi-) auxiliar. O corpus será constituído a partir de dados orais coletados do programa CORAL-ROM e de dados escritos coletados nos jornais Corriere della Sera e La Repubblica.
Coletar-se-ão os diversos contextos contendo predicadores simples ou complexos e usos a
serem testados quanto à avaliação subjetiva.
Palavras-chave: gramaticalização, polifuncionalidade, auxiliaridade, verbo tornare.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2012
5
ABSTRACT
PREDICAÇÕES COM O VERBO TORNARE EM ITALIANO SOB UMA ANÁLISE
FUNCIONALISTA
Fabrícia de Almeida de Sousa
Orientadora: Professora Doutora Annita Gullo
Abstract da dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas
(Estudos Lingüísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana)
This study aims to describe and analyze the syntactic-semantic properties of the verb
predications tornare in various oral and written texts, of current synchrony, Italian standard
and, therefore, an attempt is also made to attest the multifunctionality of this verb in the
linguistic system. It is believed that tornare is used with different configurations of the basic
lexical, in other words, as a predicate - which expresses movement within the geographic
space and then protrudes up to two internal locative arguments (point source / departure and
destination point) and agent external argument (a controlling entity of the
biopsychophysicalsocial world which moves in space). Based on the assumptions, especially
the functional language, specifically what refers to (i) predicate formation and configuration
of linguistic expressions of the Theory of Functional Grammar (DIK, 1997) and (ii) the
process of change called grammaticalization ( HEINE et al (1993) and HOPPE (1993)), sets
up and explains the basic lexical tornare usage as a predicate verb, the nature of its semantic
extensions as a predicate verb, and some of its uses, as a predicate verb or a (semi-) auxiliary
verb. The corpus will be defined in oral data from the C-ORAL-ROM program and written
data from the newspapers Corriere della Sera and La Repubblica. It will be collected different
contexts containing simple or complex predicates and their usage to be tested according to the
subjective evaluation.
Kew-words: grammaticalization, multifunctionality, auxiliary, verb tornare.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2012
6
Mãe e pai (In memorian)
Dedico este trabalho
àqueles enviados por DEUS
para me ensinar a amar,
a ter esperança
e a lutar pelos meus sonhos.
Ensinaram-me sempre
a transformar as grandes dificuldades
em bênçãos.
Sua querida filha, Fabrícia.
7
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço a Deus e a Jesus Cristo, meu Senhor e Salvador, por me
dar a vida e a verdadeira paz, por me dar amor incondicional e por sempre estar à minha
frente, mesmo quando eu não sei por onde seguir.
Ao meu pai, Joaquim, que fez a grande viagem, mas antes de partir me deixou uma
grande herança que ninguém nunca poderá me tirar, o meu saber. Pai, eu te amo e sinto muito
a sua falta.
À minha mãe, Marylene, por depositar confiança em mim, mesmo em momentos em
que nem eu mesma acreditava que poderia alcançar meus objetivos, por estar sempre ao meu
lado nos fracassos e nos sucessos, por me mostrar que o mundo pode ser muito maior do que
podemos imaginar,
À minha irmã e grande amiga, Fabiane, por me encorajar a continuar a jornada
acadêmica, por me dar seu amor e sua amizade nos momentos mais difíceis e por ser uma
irmã tão especial.
Ao meu noivo, Fábio, que participou de todas as etapas da minha história acadêmica,
desde o processo de seleção para o vestibular até o presente momento, por me amar e me
incentivar, por torcer pelo meu sucesso e por ter paciência comigo nos momentos mais
estressantes dessa caminhada.
Ao meu sogro e minha sogra, tio Círio e tia Lourdinha, por sempre me acolherem em
sua casa com todo carinho do mundo, por me darem atenção, afeto e força nos momentos
difíceis.
A meus avós (In memorian), meus tios e primos pelos momentos de descontração e
alegria.
Ao amigo Jordane, por me fazer rir nos priores momentos e me dizer sempre que a
vida é muito fácil.
A todos os amigos que fiz na sala F-310, que sempre me receberam com carinho e
compartilharam momentos inesquecíveis durante anos. Um carinho especial a Olívia Maia e
Cristina Márcia.
8
Aos professores do departamento de neolatinas Sônia Reis, Cláudia Fátima, Maria
Lizete, Andrea Lombardi e, em especial, ao professor Carlos Sobral, por ter contribuído para
a minha formação acadêmica e profissional e enriquecido meu conhecimento.
Aos professores Mario Martelotta (In memorian) e Maria Maura Cezario, pelas
valiosas considerações e orientações sobre funcionalismo e o processo de gramaticalização.
À professora Márcia do Santos Machado Vieira, por ter me ajudado a dar os primeiros
passos em trabalho de pesquisa, ter me orientado na iniciação científica e sido tão solícita em
me ajudar a aprofundar conhecimentos sobre funcionalismo, gramaticalização e auxiliaridade.
Agradeço especialmente à pessoa que possibilitou e contribuiu grandemente para a
realização deste trabalho, Annita Gullo, por ter aberto as portas da pesquisa para mim, por ter
me aconselhado e ajudado em momentos difíceis, pela paciência, pela amizade construída
desde a graduação, por me encorajar e por acreditar em mim. Meus sinceros agradecimentos.
9
10
Esta pesquisa foi financiada pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
CAPES – (2010/03 – 2012/02)
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................
15
2. REVISÃO DA LITERATURA ..............................................................................................
20
2.1 Descrição do verbo tornare em algumas gramáticas.................................................
24
2.2. Descrição do verbo tornare em obras lexicográfica..........................................
27
2.3. Observações específicas sobre tornare...............................................................
31
3. REFERÊNCIAL TEORICO........................................................................................
32
3.1. Aspectos relativos ao funcionalismo..................................................................
33
3.2. Enfoque funcionalista sobre predicação............................................................
40
3.3. Processos de gramaticalização.............................................................................
53
3.3.1. Gramaticalização de verbos auxiliares...................................................
61
3.3.1.1. Estágios de gramaticalização de verbos...................................
65
3.4.Enfoque funcionalista de categorização linguística............................................
72
3.5. Polissemia verbal: extensões semânticas por meio de metáfora e metonímia
74
4. ASPECTO METODOLÓGICO.................................................................................
77
4.1. Procedimentos da análise.....................................................................................
80
5. POLIFUNCIONALIDADE DE TORNARE..............................................................
83
5.1. Distribuição dos dados pelas categorias funcionais .........................................
85
5.2. Verbo predicador.................................................................................................
89
5.2.1. Verbo predicador pleno..............................................................................
89
5.2.2. Verbo predicador não-Pleno......................................................................
97
5.2.3. Verbo copulativo.........................................................................................
105
11
5.3. Verbo (semi-)auxiliar...........................................................................................
109
5.4. Verbo suporte.......................................................................................................
120
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................
123
7. BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................
128
ANEXO - Codificação, nos “corpora”, de aspectos....................................................
133
12
ÍNDICE DE QUADROS, TABELAS, FIGURAS E GRÁFICOS
QUADROS
Quadro 1: Tipos de estado de coisas
50
Quadro 2: Parâmetros semânticos do estado de coisas na predicação (Cf.
ESTEVES, 2008:67)
51
Quadro 3: Combinações de aspectos para a definição dos estados de coisas
52
Quadro 4 : Distribuição geral dos textos pesquisados e dos dados coletados no
corpus oral.
78
Quadro 5 : Distribuição geral dos textos pesquisados e dos dados coletados no 79
corpus escrito.
Quadro 6 : caracterização do estado de coisas das predicações básicas com
tornare.
93
Quadro 7 : Preposições que podem ser utilizadas com o verbo tornare.
96
Quadro 8 : Parâmetros e propriedades responsáveis pela semi-auxiliaridade de
certos emprego de TORNARE.
119
TABELAS
Tabela 1: Os principais esquemas de eventos que funcionam como fontes para as
categorias gramaticais de tempo e aspecto, conforme Heine (1993, p. 31).
63
FIGURAS
Figura 1: Modelo de interação verbal da Gramática Funcional de Dik (1997:8-9,
v.1)
41
Figura 2: Sistema de regras de expressões
45
Figura 3: Modelo global da Gramática Funcional de DIK (1981, 1997)
47
Figura 4: Formação de going to designador de tempo futuro, através de um
continuum configurado pelos pólos source (origem) e target (alvo); (Heine, 1993,
p. 49).
65
13
Figura 5: Implicações morfossintáticas e fonológicas do processo de mudança
verbo > auxiliar.
66
Figura 6: Cadeias de gramaticalização de verbos, segundo Travaglia (2002).
71
GRÁFICOS
Gráfico 1 : Distribuição dos 403 dados de TORNARE pelas categorias funcionais 86
às quais esse item se vincula no corpus do italiano escrito em análise.
Gráfico 2 : Distribuição dos 327 dados de TORNARE como verbo predicador.
86
Gráfico 3 : Distribuição dos 257 dados da modalidade escrita nas categorias
funcionais encontradas
88
Gráfico 4 : Distribuição dos 146 dados da modalidade ORAL nas categorias
funcionais encontradas
88
14
1. INTRODUÇÃO
Muitos termos da língua são passíveis de alterações/adequações morfossintáticas ou
semânticas, devido, principalmente, à necessidade do falante em pleno ato comunicativo.
Essas alterações, que consistem em novas funções e/ou novos sentidos, originam-se de
situações em que o emissor, a fim de ser compreendido totalmente, faz uso de alguns
recursos, muitas vezes não estruturais, para estabelecer a comunicação, ou apenas dar mais
relevo ou enfatizar algum elemento pertencente ao discurso.
O verbo tornare, um verbo frequente na língua italiana, pode ser considerado
representante desses itens lexicais flexíveis, pois apresenta características sintático-semânticas
diferentes da considerada primária - verbo predicador pleno com o seu sentido básico de
movimento no espaço geográfico e como verbo “cópula/de ligação” ou “auxiliar (aspectual
incoativo)”. O estudo dos verbos, no que concerne a mudança de categoria de verbo
predicador a verbo auxiliar ou a verbo suporte (quando acompanhado por um nome), assim
como o seu processo de gramaticalização, está despertando o interesse de muitos
pesquisadores. Estudos como os de BRAGANÇA (2008), COELHO (2006) e VIEIRA (2001)
refletem sobre a gramaticalização e a mudança categorial de alguns verbos.
Nesta pesquisa, descreve-se o comportamento semântico-sintático de empregos do
verbo tornare, apresentando-se categorias funcionais em que o mesmo pode ser inserido.
Traçando, assim, o seu comportamento polifuncional, em diferentes contextos de produção
nas modalidades escrita e falada do Italiano standard. Focalizam-se, neste trabalho, aspectos
da gramaticalização de empregos de tornare, em sua trajetória de verbo predicador pleno
(com uma configuração que envolve três argumentos – dois dos quais são locativos – e com o
significado de movimento no espaço geográfico) ou não-pleno (com configurações diferentes
15
da anterior que manifestam extensões de sentido) a verbo instrumental, ou melhor, a verbo
semi-auxiliar. Com base na descrição do comportamento multifuncional desse verbo,
pretende-se deslindar sua configuração lexical básica, a natureza de suas extensões semânticas
e definir e explicar a trajetória de alteração categorial de alguns de seus empregos.
Após a descrição das predicações de que tornare participa e a categorização desse
item, a pesquisa centra-se nas predicações em que esse item lexical revela algum grau de
gramaticalização, estudando-se as propriedades que tornare assume ao se comportar como
verbo semi-auxiliar (escrito posteriormente Vsemi-auxiliar), verificando-se os parâmetros
responsáveis pelo processo de transferência desse item linguístico de Vpredicador a Vsemiauxiliar e averiguando-se graus de integração entre os componentes que se aliam na
composição de predicadores complexos.
O objetivo geral desta dissertação é descrever os usos de tornare no italiano
contemporâneo, de Vpredicador pleno a Vsemi-auxiliar, investigando a natureza de cada
categoria. Como objetivos específicos, tem-se: (i) apresentar como se configuram
sintaticamente predicações com tornare registradas no corpus que se constituiu com base em
produções escritas da variedade do italiano standard; (ii) evidenciar as categorias funcionais
às quais tal item verbal participa; (iii) mostrar a produtividade dessas categorias em contextos
comunicativos; (iv) explicitar parâmetros de auxiliaridade responsáveis pela transferência do
verbo tornare da categoria de verbo predicador para a categoria de verbo gramatical, que
auxilia a formação de predicadores complexos; e (v) então, identificar as propriedades que
empregos desse verbo têm quando se associam à categoria de semi-auxiliar e o que traduzem
as predicações com predicadores complexos por ele formadas.
Espera-se, em última instância, reunir subsídios para que se possa ajudar a obter uma
descrição criteriosa dos predicadores complexos com o semi-auxiliar tornare em obras
16
didáticas e científicas e, assim, se possa oferecer contribuição para o tratamento de temas
como categorização verbal, auxiliaridade.
Um pressuposto teórico que fundamenta este estudo é a concepção de língua como um
sistema de unidades e regularidades linguísticas acionadas em decorrência de propósitos
comunicativos. Consequentemente, este estudo norteia-se por orientações do paradigma
funcionalista. Adere-se a essa perspectiva por entender que cada uso de tornare depende de
fatores comunicativos específicos, já que no processo interacional, a existência de uma
cooperação entre emissor e destinatário acarreta possíveis adaptações linguísticas.
As orientações teórico-metodológicas específicas constituem-se com base em
orientações relativas ao estudo do processo de gramaticalização, à configuração de
predicações e de predicadores complexos e ao conceito de categorização radial (de TAYLOR,
1995) baseado numa rede de semelhanças e dissimilaridades entre as categorias percebidas e
na possibilidade de estas abrangerem elementos exemplares/prototípicos e elementos nãoexemplares. A opção por esse enfoque contribui para a elucidação de fenômenos de mudança
linguística ao propiciar subsídios para a investigação do trânsito de formas/expressões
linguísticas do léxico para o sistema gramatical, por motivações semântico-discursivas. A
gramaticalização é a passagem de palavras lexicais a palavras gramaticais. Para descrever o
processo de gramaticalização, que compreende a transposição categorial do verbo tornare,
num continuum de auxiliarização, de verbo predicador (categoria com comportamento lexical
responsável pela projeção da estrutura argumental de uma predicação) a verbo instrumental,
recorreu-se a parâmetros descritos por Hopper (1991) e por Heine et alii (1993) e ainda a
critérios de auxiliaridade apresentados, entre outros, por Machado Vieira (2004).
A auxiliarização é um processo de gramaticalização que atua em formas verbais e que
implica a transferência dessas formas da categoria lexical (verbo predicador) para uma
categoria gramatical (verbo auxiliar, semi-auxiliar, cópula ou suporte). Então, o termo
17
auxiliaridade, segundo Machado Vieira (2004), é utilizado para nomear o comportamento
instrumental que uma unidade verbal pode desempenhar num continuum de sentidos/usos na
língua.
Os auxiliares expressam conceitos gramaticais relacionados com o estado temporal
(tempo), o contorno temporal (aspecto) e o tipo de realidade (modo). Para Heine, os auxiliares
são gramaticalizações de conceitos complexos, que ele chama de esquemas de eventos
(esquemas cognitivos que envolvem uma proposição e dois participantes, em geral). Então, o
termo auxiliaridade, segundo Machado Vieira (2004), é utilizado para nomear o
comportamento instrumental que uma unidade verbal pode desempenhar num continuum de
sentidos/usos na língua.
Para a descrição de aspectos das predicações com tornare e da configuração de
predicadores complexos, recorreu-se a orientações da Teoria da Gramática Funcional de S.
Dik (1997) quanto à estruturação de predicações nucleares e à formação de predicadores
complexos.
Investir na pesquisa da polifuncionalidade e da gramaticalização de tornare sob a
perspectiva funcionalista propiciará subsídios às descrições funcionalistas que lidam com o
trânsito de formas ou expressões linguísticas do léxico para o sistema gramatical Será possível
conhecer como, de fato, se emprega frequentemente tornare no Italiano: suas categorias
funcionais mais produtivas e os sentidos que as predicações com tais recursos traduzem.
Com o conhecimento da realidade de uso do verbo tornare no italiano standard será
possível, entre outras metas, colaborar para que se atualizem descrições lexicográficas e
gramaticais e ajudar os alunos a entenderem como são formadas as predicações verbais com
verbos desse tipo em italiano.
No que se refere ao ensino de língua italiana, tenciona-se que esta investigação ofereça
suporte ao desenvolvimento de materiais pedagógicos que contemplem o caráter
multifuncional de verbos.
18
19
2. REVISÃO DA LITERATURA
Percebe-se que alguns itens da literatura linguística, tanto gramatical quanto
lexicográfica, apenas descrevem tornare como um verbo predicador1, ou seja, único (ou
principal) responsável pela projeção de argumentos e pela configuração semântica e estrutural
destes, conforme afirma Dik (1997) ao dizer que o verbo é o elemento nuclear da predicação,
como se observa no exemplo:
(Exemplo 1 ) “La brigata alpina Julia Mlf è tornata a casa dopo sei mesi.” [Italiano
escrito, jornal “La repubblica”, 10 de janeiro de 2011] – O grupo de amigas Julia Mlf voltou
para casa depois de seis meses.
e também como verbo “cópula/de ligação” ou “auxiliar (aspectual incoativo)”, como
no exemplo:
(Exemplo 2 ) “Il cielo è tornato sereno.” .” [Italiano oral, Corpus de língua italiana
espontânea - C-ORAL-ROW] – O céu ficou/se tornou sereno.
Normalmente, a descrição sobre tornare está em dicionários. Nas obras lexicográficas,
o verbo tornare, além de ser descrito com base em conjuntos de acepções mais ou menos
numerosas (a depender da obra em análise), é frequentemente caracterizado como verbo
predicador: transitivo direto, intransitivo, transitivo direto e indireto e de cópula. Em alguns
dicionários como Zingarelli (2000), encontramos esse verbo descrito como bitransitivo e
1
Nesta dissertação, emprega-se o termo predicador para indicar formas verbais plenas (predicadores simples),
que têm função de projetar argumento(s) e atribuir-lhe(s) papel temático.
20
transitivo circunstancial. Além dessas, existem outras denominações consideradas pelos
dicionaristas.
Entende-se que as diferentes acepções e configurações sintáticas das predicações com
tornare resultam de empregos distintos desse item, muitos deles rotulados de predicadores
não-plenos e, portanto, distintos dos que se vinculam à categoria de verbo predicador/verbo
pleno (em geral, a única categoria lexical admitida pelos dicionaristas). Em alguns dos
dicionários consultados também há referência à atuação do verbo tornare em perífrases
verbais, nas quais atua como verbo fraseologico2 e não mais com o estatuto de verbo
pleno/predicador. Entretanto, nesses dicionários poucas são as propriedades desse uso
apresentadas.
Já nas gramáticas consultadas, são pouquíssimas as observações sobre o verbo tornare
encontradas. Na maioria das acepções atribuídas a esse item verbal, ele aparece como “verbo
fraseologico aspectual” que indica “repetição de um evento” sem portar a idéia de frequência.
E somente uma gramática, a de Dardano e Trifone (2007), faz alusão ao verbo tornare como
verbo predicador com o preenchimento de dois argumentos internos, um de origem e outro de
destino. A classificação dos termos circunstanciais previstos para o emprego de tornare
indicando movimento no espaço geográfico é outro aspecto de divergências entre os autores:
alguns o consideram verbo intransitivo, outros o consideram verbo transitivo; ainda, nesta
alternativa, identificam-se divergências entre os autores, já que alguns o descrevem como
verbo de dois lugares, e outros, como verbo de três lugares.
Visto que, em geral, o uso de tornare não é citado em outras categorias funcionais e
mesmo quando é abordado como verbo pleno, não se esmiúçam as possibilidades de
configuração semântico-sintática desse item lexical, entende-se que é necessário fazer um
estudo aprofundado do comportamento do mesmo. É importante descrever as configurações
2
verbo fraseologico é aquele que se une a outro verbo, formando um único predicado, em forma de perífrase.
Esse verbo se une a outro verbo no infinitivo através de uma preposição. (DARDANO, Mauricio e
TRIFONE, terceira edição )
21
sintático-semânticas de construções com o verbo tornare e as funções a que esse item pode
servir e, com isso, averiguar o quadro de usos desse verbo. Para tanto, estuda-se a
polifuncionalidade de tornare e sua (semi-) gramaticalização em alguns contextos,
descrevendo-se funcionalmente seus usos, bem como o processo de gramaticalização no qual
esse verbo se envolve.
Em uma das partes desta dissertação, focalizam-se as diferentes funções3 que esse item
lexical assume, a partir do cotejo de seus empregos com o da categoria de verbo predicador
pleno;
(Exemplo 3 ) “Sono uscita lunedì scorso e sono tornata a casa solo questa mattina.”
[Italiano oral, Corpus de língua italiana espontânea - C-ORAL-ROW] – Saí segunda
passada e voltei para casa somente esta manhã.
no entanto pressupõe-se que tornare é produtivamente usado com configurações
distintas da configuração prototípica de predicador pleno – com que exprime movimento no
espaço geografico e, então, projeta um argumento externo (entidade do mundo biossocial que
se desloca no espaço de um ponto a outro) e até dois argumentos internos locativos (ponto de
origem e ponto de destino no espaço). Podendo aparecer também como verbo predicador nãopleno,
(Exemplo 4 ) “non so bene ... ma penso che subitamente torneremmo tutti all'epoca
della pietra” [Italiano oral, Corpus de língua italiana espontânea - C-ORAL-ROW] – Não sei
bem ... mas acho que rapidamente voltaremos todos a época da pedra
3
As funções mencionadas aqui são analisadas individualmente na seção destinada à
funcionalidade de tornare.
22
já que é um verbo que designa uma ação muito vaga (deslocamento no espaço); e por
isso seja suscetível a uma mudança semântica, associando-se a contextos discursivos diversos.
E chegando-se até a delimitação de funções com certo valor instrumental, como verbo semiauxiliar.
(Exemplo 5 ) “banchieri & divorzi E le strade di Bazoli e Geronzi tornarono a
dividersi All' interno della partita Telecom si è consumata anche una piccola sfida tra due
banchieri.” [Italiano escrito, Jornal “La repubblica”, 10 de dezembro de 2010] – banchieri &
divorzi E le strade di Bazoli e Geronzi voltaram a se dividir no meio da partida Telecon...
Passando pela categoria de cópula/de ligação.
(Exemplo 6 ) “Dopo tinto, l`abito torna nuovo. [Italiano oral, Corpus de língua
italiana espontânea - C-ORAL-ROW] – Depois da tingida, a roupa fica nova.
Com o intuito de formar uma base consistente de análises e descrições sobre tornare e
alguns assuntos relevantes para o tratamento do tema desta pesquisa Pretende-se, neste
capítulo, observar, analisar e resenhar criticamente alguns itens da literatura linguística, para
que, dessa forma, possam se verificar as possíveis lacunas existentes nas obras analisadas e,
então, precisar a investigação. Essa proposta é pertinente na medida em que, na pesquisa
científica, se prevê a redescoberta de um objeto de estudo ou um novo olhar sobre este.
23
2.1 Descrição do verbo tornare em algumas gramáticas
Pesquisas em obras gramaticais possibilitam identificar o modo como gramáticos
classificam os verbos. A partir dessa análise, vê-se que a maioria mantém uma visão
tradicional sobre comportamento verbal e raras vezes mencionam o verbo tornare em sua
categorização.
O conceito de verbo nas obras pesquisadas4 difere em função do grau de
aprofundamento do assunto no enfoque dado a aspectos semânticos ou sintáticos que
constituem essa categoria. Em Dardano e Trifone (2007), encontra-se uma definição para
verbo - unidade de significado categorial que se caracteriza por um molde pelo qual organiza
o falar e expressa um fato, um acontecimento: o que se passa com os seres - que, talvez,
ficaria mais clara se, com o auxílio de exemplos, houvesse a explicação do que se entende por
um “significado categorial”. O gramático menciona a existência de verbos que possuem
significado amplo e vago, considerando-os ou verbos de cópula ou verbos auxiliares que
acompanham formas nominais de infinitivo, gerúndio ou particípio e formam com estes
locuções verbais. Além disso, expõe as seguintes categorias que existem de verbos:
predicativi (predicativos), copulativi (de ligação), ausiliari (auxiliares), servili (modais),
fraseologici, causativi (causativos), performativi. Tornare
não aparece em qualquer
consideração do autor quanto a verbo, o que faz com que o leitor, tendo em vista as definições
de categorias tratadas nessa obra, considere-o como predicativo, somente como “verbo” em
construções com tornare + origem + destino (por exemplo: Tornare da Milano a Roma.)
Tornare em construções resultativas (Dopo Il lavagio é tornato come nuovo.) e como
“auxiliar” (tornare a discutere).
4
As obras consultadas foram: Flora (1971), Fornaciari (1881), Dardano e Trifone (2007) entre outras.
24
Quanto às características do verbo pertencente a um predicado nominal, esse autor
menciona que esse signo léxico passa por esvaziamento semântico, esvaziamento que se
cumpre com o auxílio de um nome (substantivo ou adjetivo). Além disso, esse tipo de
predicado apresenta a particularidade de concordar o predicativo em gênero e número com o
sujeito, como em: “as meninas são belas”. Comenta que o signo linguístico que aparece na
função de núcleo costuma ser um nome – substantivo ou adjetivo – e apresenta como
exemplos apenas de estruturas com verbos de ligação. Apesar de adotar essa ótica, não aborda
outras estruturas às quais se podem associar propriedades semelhantes que também poderiam
ser vinculadas à definição dada, se, com base nesta, se levasse em conta que tais verbos
também são semanticamente esvaziados, ainda que não completamente, e que o nome
adjacente é o centro semântico do predicador complexo (verbo-nominal).
Flora (1971) utiliza, inicialmente, o critério semântico para a definição de verbo:
expressa um fato, um acontecimento: o que se passa com os seres. Comenta que é a parte da
oração mais rica em variações de forma ou acidentes gramaticais; não fornece, contudo,
exemplos para fundamentar essa explicação, o que pode deixar o leitor um tanto confuso ao
analisar frases como, por exemplo, “Compro um tavolinetto ”, em que é possível perceber a
presença de mais acidentes gramaticais de forma no substantivo “tavolinetto”, devido ao
acréscimo do sufixo “etto” do que no verbo “comprare”, composto apenas da desinência
número-pessoal “o”. Ao continuar sua explicação, o autor comenta que o papel dos acidentes
gramaticais é fazer com que o verbo exprima cinco idéias: modo, tempo, número, pessoa e
voz.
O verbo é uma palavra de forma variável que exprime o que se passa, isto é, um
acontecimento representado no tempo, de acordo com Fornaciari (1881). Tal definição pautase no aspecto morfológico e, principalmente, no aspecto semântico. Nem sempre é possível
generalizá-la para todos os casos de frase verbal, pois em orações do tipo “Eu sou brasileira”,
25
não pode ser considerado algo “que se passa”, um “acontecimento representado no tempo”,
mas apenas um estado. O autor também recorre ao aspecto sintático ao afirmar que o verbo
possui função obrigatória de predicado e esclarece que nem todo núcleo de predicado é verbo,
pois adjetivos e substantivos também podem desempenhar essa função.
Ao tratar dos verbos plenos, o autor utiliza um aspecto semântico, denominando-os
núcleos semânticos da oração, ou seja, núcleos lexicais plenos, caracterizados por
determinadas propriedades de seleção semântica (número de argumentos e respectivo papel
temático) e sintática (categoria de cada argumento e relação gramatical que assume na
oração). E assim como os outros autores, não menciona o verbo tornare em suas definições.
Serianni (1999) descreve os verbos de forma mais abrangente, além de fornecer um
número maior de exemplos verbais, com verbos distintos. Ele admite mais funções verbais e,
por isso, divide-os em subclasses, a saber: principais, copulativos, impessoais, modais,
fraseológicos e auxiliares (que ratifica a visão geral), além dos exemplos de verbos que
acompanha um nome, dando suporte ao mesmo, como por exemplo “Tornare a galla” .
Entre outros comentários, o autor afirma que é preciso “classificar os verbos com base
nas suas correspondências parafrásticas”, isto é, uma classificação motivada a partir de uma
perspectiva analítica baseada na correspondência de verbos simples com expressões verbais
complexas.
De todas as gramáticas pesquisadas, com certeza, Dardano e Trifone (2007) é a que
mais fornece subclassificações para designar um tipo de verbo. Apesar de os gramáticos
tratarem das categorias verbais “principal”, “auxiliar” e “ligação” (ou “cópula”), os mesmos
não classificam tornare em nenhuma dessas categorias.
Portanto, os gramáticos da língua italiana sinalizam as diferentes funções em que um
verbo pode atuar, porém a maioria não desenvolve profundamente o assunto, o que faz com
que os leitores tenham dúvida no momento em que investigam a natureza categorial de
26
determinado verbo. Além disso, o fato de sintetizarem as categorias verbais faz com que os
falantes tenham uma visão errônea (ou incompleta) sobre verbo, imaginando existir somente
as categorias citadas nas gramáticas.
2.2. Descrição do verbo tornare em obras lexicográficas
A presente seção tem como objetivo averiguar as acepções de tornare descritas pelos
lexicógrafos nos dicionários de língua Italiana. As obras lexicográficas constituem uma
importante base de descrição de significados e aplicações de tornare, Por isso, Com essa
consulta, conseguiremos entender melhor as extensões de sentido do nosso verbo.
Para tal pesquisa fizemos uso de verbetes de dicionários, encontrados em: SPINELLI
(1983), SABATINI (2008), DEVOTO (2005), entre outros.
Notamos que os valores de tornare veiculados pelas obras lexicográficas são
semelhantes, apesar de haver algumas complementações superficiais que diferenciam tais
valores. Quanto ao número de acepções encontradas na pesquisa, podemos dizer que há uma
grande variação e um grande número de acepções encontrado nos dicionários. Em relação à
organização dessas acepções nas descrições dos lexicógrafos, percebemos que uns as separam
por aspectos sintáticos, outros por aspectos semânticos. Para explicar as diferentes
significações, os dicionaristas recorrem a verbos sinônimos e/ou frases que exemplificam o
sentido da acepção.
A maioria dos verbetes tem como primeira acepção de tornar no sentido de tornar,
voltar, regressar. Vejamos alguns exemplos:
Ex. 1: Tornare a casa. (SPINELLI,1983)
Ex. 2: Tornare a Roma. (SPINELLI,1983)
27
Ex. 3: oggi non tornerò a casa; quando torni in ufficio?; torna presto stasera!; non
torno a cena ( La Reppublica)
Ex. 4: vado qui all’angolo e torno (DEVOTO 2005)
Ex. 5: Torno sul posto. (SABATINI, 2008)
São muitos os significados atribuídos ao verbo tornare, os quais se atualizam a
depender do contexto em que o verbo se encontrar. Seguem abaixo os significados que mais
aparecem registrados nas obras lexicográficas.
1. Riportarsi, dirigersi verso il luogo da cui si era partiti: Oggi non tornerò a casa.
2. Tornare all'antico, ripristinare abitudini, usi del passato
3. Tornare a galla, riemergere; fig. diventare nuovamente d'attualità
4. Tornare al punto di partenza, tornare daccapo, partire nuovamente dall'inizio; fig.
non aver fatto alcun progresso
5. Tornare in vita, al mondo, resuscitare; fig. riprendere i sensi
6. Tornare in sé, riprendere i sensi; fig. ravvedersi
7. fam. Tornare a bomba, riprendere l'argomento principale di un discorso dopo una
divagazione
8. Andare nuovamente nel luogo dove si è già stati: tornerà presto in ospedale; le
rondini sono tornate
9. Tornare a gola, di cibo non ancora digerito
10. fig. Tornare alla carica, reiterare una richiesta
11. Tornare sui propri passi, desistere dal compiere un'azione, dal perseguire un
proposito
12. Venire via da un luogo dopo avervi compiuto un'azione: sono tornato tardi da
scuola; siamo appena tornati da teatro; è tornato da Palermo
13. Ripresentarsi, ricomparire: gli è tornata la tosse; mi sono tornate quelle macchie
sulla faccia
14. Ripetersi: torneranno anche per voi i giorni felici
28
15. Tornare in mente, ripresentarsi alla memoria: gli tornò in mente quel suo vecchio
amico
16. fig. Riprendere a fare qualcosa che era stato interrotto: dopo la riparazione, il
motore è tornato a funzionare; dopo quella prova di amicizia tornò ad avere fiducia in
lui; la ruota torna a girare
17. Tornare su qualcosa, rifletterci, riesaminarla di nuovo: vorrei t. su quel problema
irrisolto
18. Essere di nuovo come in precedenza: t. sano, bello; dopo la pulitura i vetri sono
tornati trasparenti; la tovaglia è tornata pulita
19. Risultare, riuscire correttamente, senza errori; quadrare: non mi tornano i conti
20. Corrispondere: tutto torna secondo i nostri desideri
21. Tornare bene, tornare male, ass. tornare, non tornare, di abito, stare bene, stare
male: questa gonna ti torna molto bene
22. ass. Non mi torna, non sono persuaso, non sono d'accordo: quello che ha detto non
mi torna
23. non com. Tornare conto, essere di profitto, di vantaggio
24. lett. Volgersi: t. a vantaggio
25. Riuscire: t. opportuno; una pausa mi tornerebbe comoda
26. Risolversi: l'allegria tornò in amarezza
27 tosc. Andare ad abitare, a risiedere: torna in piazza Maggiore; tornerò di casa in
campagna
28.
lett.
Ricondurre,
riportare;
restituire:
tornami
quel
vaso
intatto
29. lett. Girare, volgere, voltare: tornò il viso, lo sguardo dall'altra parte
A maioria das acepções de tornare relaciona-se à sua atuação como verbo predicador,
seja verbo predicador pleno ou verbo de copula. Alguns dicionaristas listam usos de
construções com o verbo tornare, SABATINI (2008), por exemplo, diz-nos que tornare pode
funcionar como verbo reflexivo (Con valore intensivo, recarsi di nuovo in un luogo o presso
qlcu.: me ne torno a casa; t. dagli amici.), verbo intrasitivo (Detto di soggetti inanimati,
29
presentarsi, manifestarsi di nuovo: mi è tornata la fame.), verbo transitivo (Volgere qlco. in
una direzione), verbo cópula (Ridiventare in un certo modo, assumere di nuovo una data
condizione: torna. bambino, torna calmo.)
Vale destacar que, quanto ao uso de “tornare + a + V infinitivo”, SABATINI (2008),
não registra essa possibilidade de construção, do verbo tornare ligado a um verbo no
infinitivo auxiliando-o e atribuindo um estado de reinício de coisa. Diferente do autor
SPINELLI (1983), que cita alguns exemplos desse verbo junto a um verbo no infinitivo,
unidos pela preposição a, porém também não o considera como um verbo auxiliar.
A análise das diversas obras lexicográficas permitiu-nos observar a gama de
significados que tornare possui e as diversas estruturas sintáticas em que pode aparecer.
Como observamos, tornare tem sua função de predicador, mas também pode exercer papel de
verbo auxiliar, e até verbo-suporte, componente de expressões cristalizadas, dentre outros
usos. Por conta das diversas acepções semânticas e usos sintáticos de tornare, notamos que tal
verbo é bastante produtivo na língua italiana, tornando-se o conjunto de predicações com tal
item um campo fértil para investigação, o que nos motiva em nossa pesquisa e análise.
Apesar disso, as obras lexicográficas deixam a desejar quando só citam exemplos do
verbo tornare como (semi)-auxiliar e alguns como possível verbo-suporte, mas não dizem a
que categoria esses exemplos se enquadram, ficam exemplos soltos sem nenhum tipo de
categorização, o que dificulta ao aluno a entender as possíveis categorias a que esse verbo
pertence.
30
2.3. Observações específicas sobre tornare
Ao se estudar o verbo tornare, percebe-se que este é um termo polissêmico, visto que
apresenta diferentes possibilidades de significados e funções. Apresentado tradicionalmente
como verbo transitivo e de cópula, vê-se que esse item lexical atua num continuum, podendo
ser categorizado funcionalmente. Essas possibilidades de categorias resultam do fato de
tornare ser um verbo polifuncional, já que é possível encontrar usos vinculados a categorias
como Vpredicador (pleno ou não-pleno), Vcópula, Vsuporte e verbo com valor instrumental
(semi-auxiliar).
As gramáticas que serviram de base para esta pesquisa (cf. bibliografia) não
mencionam o verbo tornare em suas categorizações. A ausência da categorização de tornare
nas gramáticas de língua portuguesa impossibilita o conhecimento de seu comportamento e
função, limitando-o a verbo principal. Logo, esse item verbal carece de uma análise mais
aprofundada, a qual esta dissertação pretende mostrar.
31
3. REFERÊNCIAL TEÓRICO
A hipótese fundamental desta dissertação é a de que tornare pode ser usado com
diferentes funções morfossintáticas, semânticas e/ou discursivas, é necessário investigar o que
leva tal verbo a assumir esses possíveis papéis, considerando o fato de que esse elemento
verbal é, originalmente, um VPREDICADOR (significado de “movimento no espaço
geográfico”) ou VCÓPULA (liga o sujeito a uma característica). Tendo em vista essa
hipótese, assume-se que a criatividade humana desencadeada por fatores de natureza
interacional e sócio-comunicativa tenha relevância considerável no que concerne às alterações
de função e sentido sofridas por tornare, além, evidentemente, de fatores internos à língua.
Assim sendo, esta dissertação vincula-se ao paradigma do Funcionalismo Linguístico, com
base em orientações relativas ao processo de gramaticalização, à configuração de predicações
e de predicadores complexos e ao conceito de categorização (de Taylor, 1995) baseado numa
rede de semelhanças e dissimilaridades entre as categorias percebidas e na possibilidade de
estas abrangerem elementos exemplares/prototípicos e elementos não-exemplares. A opção
por esse enfoque contribui para a elucidação de fenômenos de mudança linguística ao
propiciar subsídios para a investigação do trânsito de formas/expressões linguísticas do léxico
para o sistema gramatical, por motivações semântico-discursivas.
O Funcionalismo tem-se mostrado um importante paradigma para estudos que buscam
conhecer os fenômenos linguísticos que ocorrem em situações efetivas de uso da língua,
incluindo aspectos tais como variação, mudança, dentre outros.
Com base em Heine et alii (1991), descreve-se a cadeia de gramaticalização referente
à trajetória de tornare (de verbo-predicador a verbo-suporte) e, com base nos parâmetros de
Hopper (1991) e em considerações de Heine et alii (1991), pesquisa-se o comportamento
sintático-semântico das categorias funcionais pertencentes a essa cadeia. Alem disso, recorre-
32
se à Teoria da Gramática Funcional de Dik (1997) para fundamentar a descrição dos estados
de coisas expressos pelas ocorrências com esse verbo.
Trabalhar-se-á, também, com os critérios de auxiliaridade, apresentados por Machado
Vieira (2004), para nomear o comportamento instrumental que uma unidade verbal pode
desempenhar num continuum de sentidos/usos na língua.
3.1. Aspectos relativos ao funcionalismo
Na Teoria Funcionalista, concebe-se a linguagem como um fenômeno mental e
primariamente social (sócio-cognitivo)5; uma Entidade não-autônoma (“não existe em si e por
si”; “existe em virtude de seu uso para o propósito de interação social”) – correlacionada
determinada por fatores sócio-comunicativos e/ou (sócio-)cognitivos. Nessa corrente teórica,
importa explicar as regularidades observadas no uso com base no exame das circunstâncias
discursivas em que se dão as estruturas linguísticas e seus contextos prototípicos. Desta
maneira, tudo na língua pode ser explicado basicamente pela referência ao modo como é
usada/funciona.
Nesse enfoque, é importante observar a forma como os usuários da língua interagem
social e comunicativamente em atividades e situações diversas, cabendo aos linguistas essa
tarefa. Esses estudiosos não descartam quaisquer possibilidades de uso, mas, levando em
conta que é por meio de novos usos linguísticos que se podem estudar as possibilidades da
língua, procuram entender o surgimento de novos fenômenos linguísticos. Para tanto, tenta-se
explicar os princípios e regras que regem as expressões utilizadas, com o propósito de se
conseguir analisar a estrutura da sentença em sua totalidade.
5
Apesar de os funcionalistas priorizarem a linguagem como fenômeno social, isso não significa que eles
não se preocupam/interessam em construir modelos de uso, ou seja, detectar os universais (trans)lingüísticos.
33
Segundo Martelotta & Áreas (2003: 20), “a língua não pode ser analisada como objeto
autônomo, mas como uma estrutura maleável, sujeita a pressões oriundas das diferentes
situações comunicativas, que ajudam a determinar sua estrutura gramatical”.
Dentre as diferentes perspectivas funcionalistas, a adotada nesta dissertação é a de
Simon Dik (1981, 1997), considerada “moderada” pelo fato de analisar a estrutura linguística
no âmbito dos níveis semântico e pragmático, reconhecendo que uma análise da língua não
deve ser realizada somente funcional e formalmente, mas também considerando a forma e a
motivação do falante.
Givón (apud Martellota et alii 2003: 28) apresenta um grupo de premissas que
caracterizam a visão funcionalista da linguagem:
i) A linguagem é uma atividade sociocultural;
ii) A estrutura serve a funções cognitivas e comunicativas;
iii) A estrutura é não-arbitrária, motivada, icônica;
iv) Mudança e variação estão sempre presentes;
v) O sentido é contextualmente dependente e não-atômico;
vi) As categorias não são discretas;
vii) A estrutura é maleável e não-rígida;
viii) As gramáticas são emergentes;
ix) As regras de gramáticas permitem algumas exceções.
Os funcionalistas voltam-se, então, para a multifuncionalidade dos itens linguísticos.
O termo função, recorrente na Escola Linguística de Praga, não é de fácil interpretação.
Segundo Halliday (1973; apud NEVES, 1997), na visão funcionalista:
A noção de função não se refere aos papéis que desempenham as
classes de palavras ou sintagmas dentro da estrutura das unidades
34
maiores, mas ao papel que a linguagem desempenha na vida dos
indivíduos, servindo a certos tipos universais de demanda, que são
muitos e variados. (NEVES, 1997, p.8)
Na gramática funcionalista também há interesse na descrição de tendências gerais
identificadas em diferentes línguas, visto que nela se encontram o geral e o específico. A
Gramática Funcional holandesa de Dik (1989), por exemplo, mostra-se preocupada com o
estudo tipológico das línguas, com a descrição de universais de funcionamento das línguas.
Por tal motivo, que a Gramática Funcional pode ser entendida como uma teoria geral da
organização gramatical das línguas.
Segundo Dik (1997), o trabalho de desenvolver a apresentação de uma gramática
funcional é bastante desafiador, já que é necessário lidar com as expressões linguísticas no
contexto de uso e decompor sua complexidade até chegar aos blocos básicos de sua
construção. Os predicadores constituem o bloco de construção mais básico do nível
morfossemântico (em oposição ao fonológico) da organização linguística. Alguns
pressupostos importantes relacionados à formação de predicadores e considerados para um
modelo de gramática funcional são:
- Todos os itens lexicais da língua são analisados como predicadores.
- As frases constroem-se a partir de predicadores.
- A propriedade de ser predicador é uma propriedade adquirida numa
estrutura.
- Todos os predicadores são semanticamente interpretados como
designadores de propriedades e relações. (...)
- Todos os predicadores básicos são listados no léxico. O léxico
contém, então, o conjunto de predicadores básicos da língua.
- Predicadores não são considerados como elementos isolados para
serem inseridos em estruturas geradas independentemente; eles são
considerados como parte de estruturas chamadas predicate frames
(marcos predicativos).
35
- Os argumentos são elementos essenciais para a boa-formação da
estrutura em que ocorre um predicado.
- Os marcos predicativos não possuem qualquer ordem linear. A ordem
na qual são apresentados (predicadores primeiro e posições de
argumentos depois) é puramente convencional.
- O critério fundamental para a distinção entre argumentos e
modificadores de um predicado é de ordem semântica com alguma
modificação sintática.
- Os modificadores caracterizam-se, de um ponto de vista sintático, pelo
fato de, ao contrário dos argumentos, poderem ser omitidos de uma
frase sem quaisquer restrições e sem que daí resulte agramaticalidade
(DIK,1997:59 e 61, v.1)
O funcionalismo tem seu interesse primário no uso, no funcionamento efetivo das
formas/expressões linguísticas: na relação sistemática entre as formas/expressões linguísticas
e suas funções em uma língua; nas relações entre a língua e as diversas modalidades de
interação sócio-comunicativa. Para tanto, Dik pauta seus objetivos em dois princípios:
(i) Uma teoria da linguagem não deveria mostrar somente as regras e
princípios subjacentes à construção das expressões linguísticas, e sim,
deveria tentar, na medida do possível, explicar essas regras e princípios
em termos de suas funcionalidades em relação às maneiras como são
usadas.
(ii) Ainda que em si mesma uma teoria de expressões linguísticas não
seja o mesmo que uma teoria de interação verbal, é natural requerer que
ela seja elaborada, de modo que possa mais fácil e realisticamente ser
incorporada a uma teoria pragmática de interação verbal mais ampla.
(Dik, 1997, v.1, p. 4).23
Entre os temas presentes em estudos funcionalistas, vale destacar alguns que
interessam mais especificamente a esta pesquisa. São eles: estruturação de predicações
nucleares e formação de predicadores complexos e processo de gramaticalização.
A corrente funcionalista de estudos conta com muitas vertentes, como sabiamente
mencionou Moura Neves (1997:1):
36
“Caracterizar o funcionalismo é uma tarefa difícil, já que
os rótulos que se conferem aos estudos ditos
“funcionalistas” mais representativos geralmente se
ligam diretamente aos nomes dos estudiosos que os
desenvolveram, não a características definidoras da
corrente teórica em que eles se colocam. Prideaux (1994)
afirma que provavelmente existem tantas versões do
funcionalismo quantos linguistas que se chamam
funcionalistas, denominação que abrange desde os que
simplesmente rejeitaram o formalismo até os que criam
uma teoria. A verdade é que, dentro do que vem sendo
denominado – ou autodenominado – “funcionalismo”,
existem modelos muito diferentes”.
Moura Neves (1997) percebe que alguns estudiosos simplesmente consideram seus
trabalhos funcionalistas pelo fato de rejeitarem o formalismo, sem levarem em conta as
contribuições que aquela escola trouxe para a linguagem, como, por exemplo, a integração da
pragmática na teoria gramatical.
Sabendo disso, esclarece-se que, nesta pesquisa, se adota o funcionalismo de
orientação moderada, que entende a língua como um instrumento de interação social entre os
falantes, cujo principal objetivo é a relação comunicativa; ou seja, a partir do momento em
que emissor e interlocutor se comunicam, a língua cumpre seu papel.
Considera-se que a atividade comunicativa não se estabelece ao acaso, mas é regida
por algumas normas, regras, que constituem o sistema linguístico. Para tal estudo, esta
dissertação se fundamenta na conjugação de orientações de enfoques funcionalistas. Pauta-se
na proposta da Gramática Funcional de Simon Dik (1981, 1997), referente à formação e à
expressão de predicados/predicadores complexos e à estruturação de predicações. Para análise
do comportamento sintático-semântico das categorias funcionais de tornare, bem como da
trajetória desse item lexical (de Vpredicador a verbo instrumental) recorre-se aos parâmetros
do processo de gramaticalização de Hopper (1991), Heine et alii (1991) e Heine (1993).
Quanto à delimitação das extensões de sentido/uso de tornare, utiliza-se o conceito de
categorização delineado por Taylor (1995), que estabelece a classificação dos predicados
37
complexos (unidade lexical com função predicante que resulta da integração de Vsuporte e
elemento não-verbal) em função da observação do seu comportamento e das propriedades que
os aproximam ou os afastam daquelas que pertencem à categoria considerada “prototípica”, o
que gera o conhecimento de categorias intermediárias, que têm elementos com
comportamento híbrido, isto é, elementos que partilham propriedades com elementos de uma
e outra categoria. No que diz respeito ao papel de frequência de tornare quanto a sua
gramaticalização, recorre-se a Bybee (2003), no que diz respeito à configuração da associação
da frequência de uso para a mudança categorial.
Antes de tratar de alguns pressupostos da linguagem, ressalta-se que o
desenvolvimento de uma Gramática Funcional (doravante escrita GF) está relacionado à
tentativa de se explicar a natureza da linguagem a partir de um critério funcional,
considerando que as noções funcionais têm um papel fundamental nos níveis sintático,
semântico e pragmático. Dessa forma, sabe-se que o objetivo da GF é verificar os meios pelos
quais as línguas naturais se desenvolvem.
A escola funcionalista não admite a idéia de se estudar a língua de modo autônomo,
mas procura investigá-la inserida no discurso, em situações comunicativas. Por isso, por ser,
ao mesmo tempo, dinâmica e funcional, a língua possui uma instabilidade entre forma e
função que faz com que a mesma seja passível de transformação. Por esse motivo, recorre-se
a Nichols (1984:100), no que diz respeito ao conceito de função como “propósito” e
“contexto” (function e context), isto é, a língua serve aos propósitos comunicativos e seleciona
determinadas expressões linguísticas a depender do contexto comunicativo vigente. Sendo
assim, o Funcionalismo interessa-se pelos fenômenos da língua a partir de seu uso na
comunidade linguística. Nesse enfoque, é importante observar a forma como os usuários da
língua interagem social e comunicativamente em atividades e situações diversas, cabendo aos
linguistas essa tarefa. Esses estudiosos não descartam quaisquer possibilidades de uso, mas
38
levando em conta que é por meio de novos usos linguísticos que se podem estudar as
possibilidades da língua, procuram entender o surgimento de novos fenômenos linguísticos.
Para tanto, tenta-se explicar os princípios e regras que regem as expressões utilizadas, com o
propósito de se conseguir analisar a estrutura da sentença em sua totalidade.
Dentre as diferentes perspectivas funcionalistas, a adotada nesta dissertação é a de
Simon Dik (1981, 1997), considerada “moderada” pelo fato de analisar a estrutura linguística
no âmbito dos níveis semântico e pragmático, reconhecendo que uma análise da língua não
deve ser realizada somente funcional e formalmente, mas também considerando a forma e a
motivação do falante.
Segundo a corrente funcionalista, o termo “função” corresponde ao papel que a língua
desempenha na vida do homem, ou seja, à finalidade com que este utiliza a linguagem.
Segundo esse modelo teórico, o uso da língua ajuda a entender a estrutura desta, propondo
uma relação entre sociedade e língua.
Ressalta-se que o uso concreto da língua, ou seja, o discurso, não pode ser visto
separadamente da gramática. Esta não é independente, pois é formada de modo convencional,
mais ou menos regular, resultado de uma experiência física e social. A gramática, embora seja
previsível quanto ao seu procedimento convencional, no que diz respeito aos meios pelos
quais utiliza para padronizar e limitar determinadas estruturas, não se estabiliza por completo,
pois está num continuum e se adapta às mudanças linguísticas. Isso significa que, a depender
de variação e mudança linguística, as regras gramaticais também mudarão, adaptando-se à
língua em uso. Dessa forma, a noção de gramática está vinculada ao discurso e a processos
cognitivos, uma vez que considera a motivação do falante quanto à utilização de uma forma
linguística. Assim sendo, entende-se que discurso é organizado a partir da motivação do
falante, no que diz respeito à situação real de comunicação, uma vez que ele o ordena com
39
diferentes possibilidades de formas das estruturas linguísticas. O discurso é, portanto, a
funcionalidade da língua.
3.2. Enfoque funcionalista sobre predicação
Dik (1981, 1997) compreende a língua, primeiramente, como instrumento de interação
social entre os indivíduos, tendo como principal objetivo o estabelecimento da comunicação.
Para esse autor, o que mais interessa ao funcionalismo é o êxito com que os falantes
conseguem se comunicar através das expressões linguísticas. Logo, pode-se dizer que a GF
interessa-se pela descrição das línguas naturais, tendo em vista que esta pode ser analisada
funcionalmente, preocupando-se com a organização das regras linguísticas dentro das
estruturas em que aparecem, e considerando em sua análise as diferentes relações funcionais.
As regras da GF se fundamentam em dois itens: função e categoria. Esta concebe as
propriedades internas dos constituintes, já aquela diz respeito às relações entre os constituintes
com relação aos tipos de sentenças em que aparecem. Essas relações funcionais são tratadas
em três níveis distintos: sintaxe, semântica e pragmática (que pretendem dar conta da sentença
por inteiro), explicados mais adiante.
O estudo funcionalista pretende analisar a forma como os falantes utilizam sua língua
materna, o modo como falam e desenvolvem as regras que formam as expressões linguísticas.
Para tanto, aconselha-se a aplicação de dois princípios que têm explicação funcional (cf. DIK,
1997:4, v. 1):
(i) Uma teoria da linguagem não deveria contentar-se em expor
as regras e os princípios subjacentes à construção das expressões
linguísticas em função delas mesmas, mas deveria tentar, sempre
que seja possível, dar uma explicação dessas regras e princípios
40
em termos da sua funcionalidade com relação aos meios de
utilização pelos quais essas expressões são utilizadas;
(ii) Embora, em si mesma, uma teoria do sistema linguístico não
seja o mesmo que uma teoria do uso da língua, é natural a
exigência de que ela seja concebida de tal forma que possa ser
concretamente incorporada mais fácil e realista a uma teoria
pragmática de interação verbal de caráter mais abrangente.
Partindo do princípio de que a língua serve à interação comunicativa, diz-se que a
língua natural do falante faz parte de sua competência comunicativa. Dessa forma, os usuários
não apenas transmitem e recebem informações entre si, eventualmente, mas mudam algumas
informações pragmáticas através da interação verbal. Significa dizer que a interação verbal é
uma atividade desenvolvida em conjunto, de forma estruturada e trabalhada entre
interlocutores. Estruturada por ser regida de regras e normas, e trabalhada entre interlocutores
porque se precisa de, pelo menos, dois participantes para haver interação comunicativa. Sendo
assim, os usuários se utilizam da interação verbal para formarem as expressões linguísticas.
Utilizando-se dessa teoria, este trabalho visa a descrever as regras de formação das
expressões linguísticas com tornare.
A seguir, é mostrado o modelo de interação verbal representado por Dik (1997:8-9,
v.1):
Figura 1: Modelo de interação verbal da Gramática Funcional de Dik (1997:8-9, v.1)
41
Através do modelo de Dik (1997), nota-se que o emissor e o destinatário possuem
alguma quantidade de informação pragmática. Quando o emissor diz algo ao destinatário,
tenta modificar a PD. Para tanto, é necessário formular uma intenção comunicativa, um plano
mental que modifique a PD no destinatário. O que o emissor deseja é formular sua intenção
comunicativa de forma a alcançar seu objetivo, ou seja, de modo que o destinatário entenda.
Para isso, o emissor tentará antecipar a interpretação que o destinatário atribuirá à expressão
linguística, de forma a reconstruí-la, para, então, alcançar seu propósito.
O destinatário, no entanto, tenta reconstruir a intenção comunicativa do emissor,
através da interpretação da expressão linguística. A depender da interpretação que o
destinatário fizer, poderá haver modificação em sua informação pragmática, correspondendo à
intenção do emissor. Quando este não consegue se fazer claro, há uma interpretação
equivocada por parte do destinatário.
Salienta-se que a intenção do emissor e a interpretação do receptor são mediadas pela
expressão linguística, que é feita em uma “escala de explicitação”, isto é, quando houver
pouca diferença entre a intenção comunicativa e o conteúdo semântico da expressão
linguística é porque a intenção comunicativa foi codificada de modo explícito, já se houver
grande diferença entre a intenção comunicativa e o conteúdo semântico da expressão
linguística, significa que aquela foi codificada de modo implícito. Pelo que foi explanado,
disse que cabe ao destinatário a interpretação da expressão da língua, que se estabelece em
virtude da intenção comunicativa do emissor.
A GF de Dik (1981, 1997) se preocupa com a estrutura interna da oração, levando em
consideração as relações semânticas e sintáticas presentes nas mesmas. Para entender essa
estrutura interna, esse autor desenvolve uma gramática funcional baseada nas expressões
linguísticas em contextos de uso. Mostra-se, por exemplo, que, na organização da língua, em
nível morfossemântico, os predicadores formam o bloco de construção mais básico, de modo
42
que, a partir dele, toda a oração possa ser desenvolvida. Por isso, apresentam-se abaixo,
alguns pressupostos relativos à formação de predicadores:
· todos os itens lexicais são analisados como predicados;
· diferenciam-se categorias ou subcategorias de
predicados, segundo suas propriedades formais e
funcionais (muitas línguas possuem, pelo menos,
predicados verbais (V), nominais (N) e adjetivais (A), e
outros subtipos nessas categorias);
· as categorias básicas de predicado “Verbo, Nome e
Adjetivo” são definidas em termos de suas funções
primárias:
V
=
tem
primariamente
função
predicativa/predicante, é o predicado principal da
predicação; N = tem função de designar entidades, é o
primeiro elemento com função restritiva/delimitadora
(first restrictor) numa estrutura de termo, é o núcleo de
um termo; A = tem primariamente função
atributiva/modificadora, é o segundo elemento restritivo
(second restrictor) numa estrutura de termo;
· os predicados podem ser básicos (quando não existe,
sincronicamente, regra de formação de predicados
produtiva, segundo a qual possam ser formados) ou
derivados (resultantes de regras de formação de
predicados);
· todos os predicados básicos estão contidos no léxico da
língua;
· os predicados, considerados como partes de estruturas
chamadas marcos predicativos (predicate frames), já
apresentam uma espécie de informação/indicação do que
pode ser associado a eles na estruturação de predicações
(uma definição de significado e uma estrutura formal
básica);
· cada marco predicativo especifica aspectos básicos do
predicado: sua forma lexical, sua categoria sintática
(elemento Verbal, Adjetival, Nominal); sua valência, ou
seja, o número de argumentos exigidos pelo predicado
(x1, x2, xn); as restrições de seleção (as condições
necessárias para a inserção dos termos que ocuparão as
posições argumentais) que o predicado impõe aos seus
argumentos;
· cada marco predicativo básico no léxico associa-se a
um dado número de postulados semânticos (meaning
43
postulates), por meio dos quais o predicado se relaciona
semanticamente a outros predicados da língua (se esses
“postulados de significado” contribuem para a
especificação completa do significado do predicado,
podem ser denominados definições semânticas –
“meaning definitions”);
· Já os predicados derivados têm seu significado
especificado pela regra de formação de predicados;
· os predicados derivados também consistirão em marcos
predicativos (derivados);
· a ordem de apresentação dos marcos predicativos
(primeiro, o predicado e, depois, os argumentos) é
apenas uma convenção, visto que a ordem real será
definida apenas no nível das regras de expressão. (DIK,
1997:59 e 61, v. 1)
As suposições quanto aos termos para o modelo de uma gramática funcional são as seguintes:
· distinguem-se termos básicos, que são os elementos
básicos contidos no léxico de uma língua, e termos
derivados (derived terms), resultantes de regras de
formação de termos;
· regras de formação de termos produzem estruturas de
termos segundo o esquema (wxi: ji (xi): j2(xi): ... jn (xi))
– em que "w" simboliza um ou mais operadores de termo
(determinante, número, quantificador), "xi" representa o
referente-alvo e cada "j (xi)" é uma predicação aberta em
relação a x1 (j atua como um elemento que restringe x1);
· a ordem imposta à estrutura de termos, conforme o
esquema anteriormente referido, reflete a ordem
“semântica” segundo a qual os vários operadores e
especificadores/restritores (restrictors) contribuem para
a definição do referente-alvo e não a ordem de realização
linguística, já que esta será determinada por regras de
expressão;
· a forma dos termos varia – há desde itens lexicais
simples, como pronomes ou nomes, até sintagmas
extremamente complexos;
· os termos também podem estabelecer referência a
entidades de nível mais alto na hierarquia proposta pelo
diagrama citado, tais como “estados de coisas”, “fatos
possíveis” ou “atos de fala”, quando constituem ou
44
contêm, respectivamente, predicações, proposições ou
atos de fala. (DIK, 1997:61, v. 1)
Segundo Dik (1997), é o sistema de regras de expressões (que determina a forma, a
prosódia e a ordem dos constituintes da estrutura profunda) que possibilita a exposição das
expressões linguísticas, que por sua vez se formam através da estrutura subjacente de
cláusula. Para o linguista, toda oração deve ser descrita de acordo com essa estrutura. Veja
abaixo, a referida estrutura feita por Dik (1997:67, v.1):
Figura 2: Sistema de regras de expressões
Sabe-se que os operadores e satélites podem não aparecer. Quando isso ocorre a
oração não apresenta uma estrutura complexa como a descrita acima, logo as posições vazias
devem ser marcadas por “Ø”.
Ao falar em predicação nuclear, imagina-se que determinados termos funcionarão
como argumentos de certos predicados, preenchendo-os. Por termo, entendem-se argumentos
que podem se referir a qualquer entidade no mundo. Já o predicado designa as relações
existentes entre os termos. Dessa forma, a predicação nuclear existirá a partir do momento em
que os termos preencherem as suas casas argumentais.
Os predicados constituem-se como básicos ou derivados. É considerado básico
quando não resulta de um processo sincrônico produtivo, uma vez que seus dados vêm do
léxico e contém todas as informações pertinentes a um predicado. Um exemplo disso são os
45
lexemas simples (verbais, adjetivais ou nominais) que têm sentido pleno. Denominam-se
predicados derivados aqueles que resultam de um processo produtivo, que se constituem por
regras de formação.
As expressões linguísticas que têm comportamento sintático-semântico contêm o que
se denomina de “marco predicativo”, que deve proporcionar algumas informações acerca do
predicado, tais como:
(i) sua forma léxica;
(ii) a categoria sintática a que pertence;
(iii) o número de argumentos que requer;
(iv) as restrições de seleção que o predicado
estabelece sobre seus argumentos;
(v) as funções semânticas que realizam os
argumentos. (DIK, 1981:34)
É através da predicação nuclear que são descritas as relações semânticas de certas
expressões linguísticas. A predicação nuclear apresenta propriedades tradicionais definidas
por relações semânticas e sintáticas. Ela pode se ampliar através de satélites (entidades que
possuem o mesmo status informacional dos argumentos, como por exemplo, o tempo, a causa
e a finalidade), apresentando estrutura interna semelhante a dos termos.
As funções pragmáticas contribuem essencialmente para a análise das regras
linguísticas. Sendo assim, é importante entender como elas se diferenciam. Primeiramente, há
na predicação duas funções pragmáticas, tanto internas quanto externas. Como função externa
tem-se o tema, que especifica o universo do discurso com respeito ao qual a predicação
subsequente se apresenta como pertinente; e o apêndice, que apresenta, como uma idéia
adicional da predicação, informação destinada a esclarecê-la. Já como função interna,
destaca-se o tópico, que apresenta a entidade (a respeito de) à qual a predicação predica
algo na localização dada; e o foco, que apresenta o que é, relativamente, a informação mais
importante na localização dada. (DIK, 1981: 38)
46
As funções descritas acima marcam o status informacional dos constituintes em uma
situação linguística. Sabe-se que essas funções podem se diferenciar a depender da língua em
que são utilizadas, mas acredita-se que há uma ordem para sua a utilização. As estruturas da
predicação que têm em seus temas os três níveis funcionais constituem a concretização das
regras que permeiam as expressões linguísticas, tendo nas regras de expressão as estruturas
funcionais que se projetam em estruturas sintáticas. Observe a seguir, um esquema com as
diferentes regras de procedimentos da GF (DIK, 1997:60, v.1).
47
Figura 3: Modelo global da Gramática Funcional de DIK (1981, 1997)
A construção das predicações é a base para que a gramática funcional descreva as
expressões linguísticas. É preciso entender que na estrutura geral das predicações existe
diferença entre predicação nuclear e predicação expandida. Como predicação nuclear
entende-se determinado número de termos que ocupem as posições dos argumentos de um
predicado qualquer, estabelecendo um conjunto de estado de coisas, ou seja, o conjunto de
estado de coisas no qual a propriedade ou relação que designa o predicado é válida para os
termos específicos ao qual se aplica o predicado (DIK, 1981:45).
48
Diante de uma predicação nuclear definindo um estado de coisas é possível construir
uma predicação expandida em que podem existir n satélites. São eles que dão, opcionalmente,
acréscimos de informações à predicação nuclear. Ressalta-se que os argumentos nucleares são
importantes para a definição do estado de coisas, pois é nele que a função semântica define a
Predicação expandida relação que o papel do termo exerce no predicado. Em síntese, a
expansão da predicação se dá com a junção de argumentos, satélites e predicado, formando
termos da predicação nuclear, que juntos tornam a predicação expandida.
A regra de formação dos predicados se dá, conforme GF, através das funções dos
argumentos nucleares que estão presentes nos marcos predicativos. É interessante observar a
perspectiva dessa gramática, pois a mesma acredita que através das funções semânticas, um
maior número de línguas possa ser contemplado, conforme se observa em Dik (1981:52): As
funções semânticas propostas pela Gramática Funcional são as que têm bastante
probabilidade de serem adequadas para a descrição de um grande número de línguas.
É, portanto, por meio do termo função semântica que se pode observar mais
claramente o caráter funcional do objeto de estudo, assim como as semelhanças entre a função
semântica, sintática e pragmática. Estas atuam em níveis linguísticos distintos, formando,
através das expressões linguísticas, uma rede complexa.
Veja como Dik (1997) apresenta as relações funcionais:
(i) Funções semânticas (agente, meta, receptor, etc.):
especificam os papéis que os referentes ligados aos
termos desempenham no estado de coisas designado pela
predicação em que esses termos ocorrem.
(ii) Funções sintáticas (sujeito e objeto): especificam a
perspectiva segundo a qual o estado de coisas é
apresentado na expressão linguística.
(iii) Funções pragmáticas (tema, tópico, foco, etc.):
especificam o status informacional dos constituintes num
conjunto comunicativo mais amplo em que ocorrem (ou
49
seja, em relação à informação pragmática do emissor e
do destinatário no momento do uso. (DIK, 1997:26, v.1)
As funções descritas acima apresentam as características existentes quanto à forma e
conteúdo das expressões da língua, já que mostram o que há de inerente quanto à semântica e
à forma dessas expressões.
Sabe-se que a predicação nuclear pode variar, uma vez que representa todas as
possibilidades de combinação do predicado, básico ou derivado.
Quadro 1: Tipos de estado de coisas
Uma predicação pode designar situação (estado ou posição) e evento (processo –
dinamismo ou mudança; e ação – atividade ou realização). A fim de se reconhecerem os tipos
de estado de coisas, é preciso examinar alguns parâmetros semânticos, como: [±dinâmico], [±
télico], e [±controle]. Dik (1997) também menciona os parâmetros [± momentâneo]19 e [±
experiência], porém o primeiro não influencia significativamente na organização linguística;
logo, não mostra a mesma relevância que os demais para a diferenciação entre os estados de
coisas, e o último é considerado secundário se comparado aos outros.
Com o intuito de esclarecer os parâmetros semânticos [±dinâmico], [± télico], e
[±controle], esta pesquisa vale-se do quadro elaborado por Esteves (2008)20, com base em
Dik (1997)21, em sua dissertação sobre construções com verbo dar + SN:
50
Quadro 2: Parâmetros semânticos do estado de coisas na predicação
(Cf. ESTEVES, 2008:67)
Dik (1997:115, v.1) considera o seguinte quadro no que diz respeito à relação entre os
estados de coisas e os parâmetros semânticos descritos por ele:
51
Quadro 3: Combinações de aspectos para a definição dos estados de coisas
Dik (1997:120,v.1) comenta a possibilidade de distribuir as funções semânticas em até
três lugares, conforme se observa em sua gramática:
Sobre o esquema acima, Dik (1997:120, v.1) considera:
(a) Nos marcos predicativos nucleares nunca há mais de um
exemplo de uma dada função semântica.
(b) Em todos os marcos predicativos, o primeiro argumento tem uma
das funções de [1].
52
(c) Em marcos predicativos de dois lugares, o segundo argumento
tem uma das funções de [2a] ou [2b].
(d) Em marcos predicativos de três lugares, o segundo argumento
tem alguma função de [2a], e o terceiro argumento uma das funções
de [2b].
(e) Estados de coisas [-dinâmicos] são incompatíveis com funções
semânticas que pressupõem movimento (Direção e Origem).
Ressalta-se que certas predicações com tornare podem ocupar mais de dois lugares,
portanto, esta pesquisa considera marcos predicativos de até três lugares. O último deles
refere-se ao “destino/ponto de chegada”.
Dik (1997) comenta sobre a possibilidade de inversão entre os argumentos 2 e 3,
explanando que, a depender do enfoque dado, uma ou outra possibilidade alcança melhor o
objetivo comunicativo.
3.3. Processo de gramaticalização
O fenômeno da gramaticalização consiste num processo de transferência de itens
lexicais à categoria gramatical ou de itens menos gramaticais a mais gramaticais, envolvendo,
assim, uma nova categorização de itens linguísticos. Isso ocorre devido a motivações
comunicativas e cognitivas, já que o falante, ao não encontrar no sistema expressões que
melhor exprimam o que pretende ou ao buscar uma alternativa para se manifestar em certas
atividades
ou
situações
de
comunicação,
vale-se
do
processo
de
manipulação
conceitual/reconfiguração de elementos disponíveis no sistema de acordo com o potencial
dessas formas e as possibilidades de codificação previstas no sistema. Logo, o que motiva os
novos usos e funções de formas linguísticas é a comunicação. O estudo da polissemia, por
exemplo, presente nesta dissertação, relaciona-se ao estudo do processo da gramaticalização.
53
Retomando o que já foi descrito, predicações nucleares são formadas com base em
termos que designam entidades em algum mundo e de predicados que estabelecem
propriedades de termos ou relações entre estes. Essa interação entre predicado e termo
configura um estado de coisas que é definido por Dik (1997) como qualquer entidade
conceptual, não apenas “alguma coisa que pode ser localizada numa realidade extra-mental ou
ser dita para existir num mundo real” (Dik, 1997, v.1, p. 105)6.
Segundo o autor, para se definir um tipo de estado de coisas, é necessário observar a
natureza composicional das propriedades semânticas do predicado e dos termos. Essa
tipologia de estados de coisas é descrita tendo em vista alguns parâmetros semânticos: ±
dinâmico [±din], ± télico [±tel], ± momentâneo [±mom], ± controle [±con] e ± experiência [±
exp]7.
De acordo com Dik (1997), o parâmetro da dinamicidade pode ser descrito em termos
da distinção que o autor faz entre situação [-din] e evento [+din]. Um estado de coisas [-din]
configura-se a partir de uma situação em que não abrange qualquer tipo de mudança das
entidades abarcadas em todos os pontos temporais de tal estado de coisas. Nesse sentido, as
entidades envolvidas nesse tipo de estado de coisas devem permanecer inalteradas, tendo que
ser, necessariamente, as mesmas durante todo o tempo em que o estado de coisas se situa. O
autor apresenta os seguintes exemplos para ilustrar essa ausência de dinamicidade:
(i)
a. A substância estava vermelha.
b. João estava sentado na cadeira de seu pai.
Um estado de coisa [+din], por outro lado, caracteriza-se como um evento que contém
em si algum tipo de mudança ou dinamismo interno. Tal dinamismo pode consistir em
recorrentes parâmetros de mudança ao longo de toda a duração do estado de coisas ou numa
única mudança gradativa de um ponto inicial até um final
6
(...) something that can be located in extra-mental reality, or be said to exist in the real world.
O parâmetro [±exp] é considerado por Dik (1997) menos relevante que os demais no que diz respeito à
organização das línguas naturais e, por isso, não deve ser comparado com os outros tipos de estados de coisas.
7
54
A referência mais antiga do uso da palavra gramaticalização foi aparentemente
apresentada por Meillet, que a definiu como “ a atribuição de um caráter gramatical para uma
palavra anteriormente autônoma” (1912:131), e apontou que, em cada situação onde a fonte
histórica de uma forma gramatical fosse conhecida, essa fonte poderia ser demonstrada como
sendo uma palavra léxica comum. Em retrospecto, nos somos tentados a ver nas formulações
de Meillet e em seu uso do termo gramaticalização um sentido de que um tipo especifico de
mudança histórica estava em curso e, analogicamente, ele estava preocupado em explicar em
termos amplos “ a história da gramática”, os antecedentes históricos à estrutura, em uma
língua. Tal interpretação é certamente simpática aqueles que vêem a estrutura gramatical
como um componente contido em si mesmo. Meillet, que se refere frequentemente ao “Le
système grammatical (D’une langue), em teoria concordaria.
Há também indicações em seus escritos que aquilo que é distintivamente gramatical
numa língua não é sua estrutura ampla mas as formas gramaticais individuais que
compreendem esta estrutura. O autor aponta (Meillet, 1925:25) que a identidade específica de
uma língua não é sua gramática no sentido amplo. A língua francesa e a inglesa não são
distintas por mostrar a relação entre dois nomes por meio de uma partícula, mas pela forma e
posição da partícula.
As próprias investigações filológicas de Meillet sempre enfatizaram a história das
formas gramaticais individuais, que são referidas inequivocadamente como “aspectos
singulares” (faits singuliers), “aspectos particulares” (faits particuliers), fatores específicos
(traits spècifiques), e “processos particulares de expressão da morfologia” (procedes
particuliers d’expression de La morphologie) (Meillet,1925:22-25). Vale ressaltar que estes
estudos gramaticais comparativos eram entremeados com estudos etimológicos sobre
vocabulário cultural Indo-Europeu sem qualquer conotação que um ou outro aspecto de
55
reconstrução e história fosse mais importante. O estudo de Meillet, em outras palavras,
enfatizavou o particular sobre o geral em praticamente todos os aspectos de mudança.
O ampliação do estudo de gramaticalização como exemplificado no trabalho de Givón
(1971,1979), Heine e Reh (1984), e outros, mostrou que o alcance do fenômeno a ser
estudado não está restrito à morfologia, mas inclui o que Givón chamou sintaticização, a
fixação de ordem de palavras pragmaticamente
motivadas em construções sintáticas
e
padrões acordados. Meillet apresentou a mudança de ordem livre de palavras em Latim para
ordem fixa de palavras em Francês (1912: 147-8), como um exemplo de gramaticalização
A mais extensiva definição de gramaticalização implícita em Heine (2003) levantou a
seguinte questão: com o avanço do estudo de gramaticalização, haveria, no fim, espaço para a
noção de gramática no sentido de relação estrutural estática (Hooper, 1987;1988a;1988b). Se
gramática não é um discreto conjunto modular de relações, poderia parecer que nenhum
conjunto
de
mudanças
pode
ser
identificado
que
distintivamente
caracterize
a
gramaticalização em oposição a mudanças léxicas ou mudanças fonológicas em geral. A
única maneira de identificar exemplos/estágios de gramaticalização seria em relação a uma
prévia definição de gramática, mas parece não haver modo claro no qual as fronteiras que
separam gramatical de léxico e outros fenômenos possam ser significativas e
consistentemente desenhadas. Consequentemente, parece não haver possibilidade de construir
uma tipologia de gramaticalização, ou de construir princípios que irão discriminar entre
gramaticalização e outros tipos de mudança.
A defesa para essa conclusão vem da pesquisa sobre mudança/alteração semântica,
Traugott (1989) examina os tipos de alteração semântica que acompanham a gramaticalização
assim como as mudanças semânticas em geral, e mostra que a gramaticalização não é distinta
de outras formas de alteração semântica, mas que várias tendências, talvez para serem
incluídas sob um ainda menor número de tendências mais amplas, parecem governar a
56
maioria das mudanças semânticas se pensadas como léxicas ou como gramaticais. Dik (1997)
trabalha com a questão da validação final dos princípios aqui apresentados.
1.
Gramática: Algumas suposições
Enquanto a definição de gramática, e então de gramaticalização, seja problemática para
uma língua tomada isoladamente, algumas suposições “de trabalho” são possíveis numa
perspectiva linguística cruzada. Essas suposições podem prover um ponto de entrada para
uma investigação das regularidades emergentes que tenham potencial para ser exemplos de
gramaticalização:
a.
Categorias que podem ser “morfologizadas” podem seguramente ser
ditas como parte da gramática. Bybee (1985) demonstrou que aspecto, número,
tempo e caso, entre outros, ocorrem frequentemente nas línguas como morfologia
afixal. Mas alguns desses também podem ocorrer em colocações mais frouxas na
forma de advérbios e outros elementos livres. Portanto categorias que são
comumente “morfologizadas” em uma língua podem ser candidatas a construções
gramaticais emergentes em outra; um exemplo está na sugestão de Mulac e
Thompson que o inglês vernacular ‘I think’ (acho) assumiu um status quase
gramatical como evidência .
b.
Certos tipos de itens lexicais são conhecidos tipicamente por
desenvolverem-se em clíticos e afixos gramaticalizados. Essas mudanças são
atualmente tão ricamente documentadas que apenas alguns exemplos necessitam
ser mencionados: Pronomes demonstrativos tornam-se artigos e marcadores de
classe; verbos copulares e verbos de ação tornam-se morfemas ‘aspectuais’; nomes
denotando tornam-se ad posições e eventualmente afixos de caso de vários tipos. A
lista detalhada dessas mudanças dada por Heine e Reh (1984: 269-81) para línguas
africanas é de relevância universal. A ocorrência de certos itens lexicais em
colocações frequentes (por exemplo, quando a palavra ‘pé’ ocorre repetidamente
57
em frases como ‘ao pé da colina’, etc.) pode ser primeira evidência de
gramaticalização incipiente.
A aplicação dessas generalizações linguísticas cruzadas sobre gramaticalização é uma
técnica padrão, se usualmente tácita, para guiar uma investigação de gramaticalização numa
língua particular. Tais generalizações são especialmente necessárias se dados históricos
diretos não estão disponíveis, uma situação que pode ocorrer não somente em línguas que não
possuem registro histórico, mas mesmo em línguas com história amplamente documentada.
Novamente, a evidência em inglês ‘I think’ (eu acho) analisada por Thompson e Mulac
fornece um bom exemplo: Dados históricos dessa construção são esparsos por que ela
presumivelmente sempre foi restrita à língua falada. Embora muitas línguas possuíssem
evidências “morfologizadas”, e pareceria natural procurar seu início pragmático no inglês
vernacular e focar num verbo epistêmico como ‘think’ como um possível candidato. Mas
existe algum princípio intralíngua pelo qual possamos identificar exemplos de construção que
podem ser ditos como “ser pego em gramaticalização. Podemos discriminar num contexto de
língua simples (i.e. não comparativa, não histórica) entre colocações acidentais e uma que
esteja se movendo em direção a algum tipo de status gramatical.
Uma proposta para essa questão foi sugerida por Lehmann em seu trabalho de 1985, em
que vários concorrentes de gramaticalização são descritos:
- Paradigmatização (a tendência das formas gramaticalizadas se organizarem em
paradigmas);
- Obrigatorificação (a tendência de formas opcionais tornarem-se obrigatórias);
- Condensação (o encurtamento das formas);
- Coalescência (colapso conjunto das formas adjacentes);
- Fixação (ordens lineares livres tornando-se fixas).
58
Tais princípios são úteis, em realidade indispensáveis, como guias das mudanças
históricas, e tem repetidamente provado seu valor no estudo da gramaticalização. Eles são,
entretanto, características da gramaticalização que já atingiu um estágio claramente avançado
e é inequivocadamente reconhecido como tal.
Dik (1997) propõe cinco princípios de gramaticalização:
1)
Estratificação. “Dentro de um amplo domínio funcional, novas camadas
estão continuamente emergindo. Quando isso acontece, as camadas mais antigas não
são necessariamente descartadas, mas podem permanecer para coexistir e interagir
com as camadas mais novas.”
2)
Divergência. “Quando uma forma léxica sofre gramaticalização para
um clítico ou afixo, a forma léxica original pode permanecer como um elemento
autônomo e sofrer as mesmas alterações como itens léxicos comuns.”
3)
Especialização. “Dentro de um domínio funcional, em uma etapa uma
variedade de formas com nuances semânticas diferentes pode ser possível; à medida
que a gramaticalização ocorre, essa variedade de escolhas formais se estreita e o
menor número de formas selecionadas assume significados gramaticais mais gerais.”
4)
Persistência. “Quando uma forma sofre gramaticalização de uma função
léxica para uma gramatical, contanto que seja gramaticalmente viável alguns traços de
seu significado léxico original tendem a aderir a ele, e detalhes de sua história léxica
podem ser refletidos e perdidos na sua distribuição gramatical.”
5)
De-categorialização. “As formas sofrendo processo de gramaticalização
tendem a perder ou neutralizar os marcadores morfológicos e privilégios sintáticos
característicos das categorias ‘cheias” Nome e Verbo, e assumem atributos
característicos de categorias secundárias com Adjetivos, Particípio, Preposição, etc.”
Outro aspecto importante para o fenômeno da gramaticalização é o papel da
frequência de entidades vinculadas às categorias do continuum. Bybee (2003) e Heine et alii
59
(1991) mencionam que existe uma relação entre o uso frequente de determinados itens
linguísticos e a gramaticalização.
Entende-se
por
domínio
funcional
qualquer
área
funcional
geral
como
tempo/aspecto/modalidade, caso, referência, etc. tipos que com frequência se tornam
gramaticalizadas.
Bybee (2003) comenta que a frequência de uso não resulta apenas em
gramaticalização, mas pode motivar o processo, instigar a mudança. O enfraquecimento
semântico ou generalização de elementos linguísticos que passam pelo processo da
gramaticalização são encontrados no uso. Uma vez “enfraquecidos” tornam-se mais gerais,
abstratos, o que faz com que seu uso se torne mais frequente. O mecanismo que está por trás
do esvaziamento semântico é o hábito: “um estímulo perde seu impacto se ocorre muito
frequentemente”. (BYBEE, 2003:605)
Em uma proposta de definir o processo de gramaticalização, Bybee (2003:603)
reconhece o papel crucial da repetição no fenômeno e o caracteriza como “um processo pelo
qual sequências de palavras ou morfemas frequentemente usados se tornam automáticos como
uma única unidade de processamento”. Sobre a frequência observa que:
(i) leva ao enfraquecimento da força semântica pelo hábito: com
o hábito o organismo pára de responder o estímulo repetido da
mesma forma;
(ii) interfere na redução e na fusão fonológica com a repetição,
condicionadas pelo uso da construção em sentenças contendo
informação velha ou de fundo;
(iii) condiciona uma autonomia maior para a construção, ou seja,
seus componentes individuais perdem ou enfraquecem suas
associações com outros usos dos mesmos itens;
(iv) gera a perda de transparência semântica que, por sua vez,
leva ao uso da construção em novos contextos, com novas
associações, estabelecendo mudança semântica;
60
(v) faz com que o sintagma frequente e autônomo passe a ser
mais “penetrado” (entrenched) na língua, preservando
características morfossintáticas antigas.
(BYBEE, 2003:604)
A autora investiga dois tipos de frequência: a de ocorrência (token frequency) e a de
tipo (type frequence). A primeira corresponde à expressividade da unidade, geralmente,
palavra ou morfema no texto. No caso de tornare, pode-se verificar a quantidade de dados
atuando em diferentes categorias. A segunda refere-se a um tipo de estrutura em particular,
como, por exemplo, determinados aspectos configuracionais envolvidos na atualização de
tornare nas categorias gramaticais aqui detectadas.
3.3.1. Gramaticalização de verbos auxiliares
Tradicionalmente, os autores se indagam sobre o fato de os auxiliares serem uma
classe separada dos verbos ou se é parte da classe dos verbos. Questionam também se é uma
categoria universal ou não, mas a questão se uma língua tem ou não auxiliar depende
crucialmente do tipo de critério adotado para se dizer se um verbo é auxiliar ou não.
Os funcionalistas levantam a hipótese de que, como não há categorias discretas, não
existe um limite separando os auxiliares dos verbos plenos: os dois fazem parte de um
continuum ou graduação.
Os formalistas, a partir da necessidade de classificar uma entidade numa e noutra
classe, passaram a buscar outras subclassificações, com a de verbos quase-auxiliares (verbos
que apresentam funções gramaticais quando seguidos de uma forma nominal de verbo),
verbos catenativos (verbos que expressam noções como atitudes, necessidade, percepção,
futuridade), semi-modais.
61
Heine objetiva demonstrar como os auxiliares são formados nas línguas e demonstrar
o continuum de gramaticalização que leva um verbo pleno a ser usado como auxiliar.
Segundo o autor, os auxiliares expressam conceitos gramaticais relacionados ao estado
temporal (tempo), o contorno temporal (aspecto) e o tipo de realidade (modalidade) de
conteúdos proposicionais. Para ele, as expressões linguísticas para esses conceitos são
derivadas de formas de expressão para umas noções gerais que podem ser expressas
linguisticamente por alguns verbos, que são parte de um conceito complexo maior chamado
por Heine de esquemas de eventos.
a. Lugar (onde alguém está): estar em, ficar em, viver em, permanecer em etc.;
b. Movimento (para/de/através de onde alguém se move): ir, vir, mover, passar etc.;
c. Atividade (o que alguém faz): fazer, pegar, continuar, começar, terminar, agarrar,
pôr etc.;
d. Desejo (o que alguém quer): querer, desejar etc.;
e. Postura (a maneira como o corpo de alguém está situado): sentar, estar (em pé),
deitar etc.
f. Relação (o que alguém se parece; a que alguém está associado; alguém pertence
a): ser (como), ser (parte de), estar acompanhado por, estar como etc.
g. Posse (o que alguém possui): conseguir, possuir, ter etc.
Heine (1993) distingue os conceitos de origem, correspondentes a objetos concretos,
processo ou localização, dos esquemas de eventos ou proposições de origem, que se associam
aos conteúdos estereotipados que descrevem situações aparentemente básicas para experiência
e comunicação humanas e são expressas linguisticamente por meio de um predicado (termo
predicante) vinculado a variáveis (termos regidos por ele). Cada elemento desse esquema é
chamado pelo autor de entidade, que apresenta um conceito simples. Uma proposição,
62
portanto, como x vê y pode ser compreendida, segundo Heine (1993, p. 31), como um
esquema de evento, já que há uma entidade chamada de predicado (vê) associada a outras
duas entidades chamadas variáveis (x e y). Os principais esquemas de eventos que são
relevantes para a compreensão do comportamento das construções com auxiliares podem ser
observados a seguir:
Tabela 1: Os principais esquemas de eventos que funcionam como fontes para as
categorias gramaticais de tempo e aspecto, conforme Heine (1993, p. 31).
De acordo com Heine, esses esquemas não são igualmente básicos. Evidências
históricas sugerem que alguns desses esquemas podem ser derivados de outros e que
localização, movimento e ação são os esquemas mais básicos, pelo motivo de constituírem
esquemas de eventos de conceptualizações humanas mais salientes que outros.
O esquema de localização desenvolve geralmente aspectos progressivos. Foram
analisados em diversas línguas do mundo verbos que indicam posturas como sentar, estar de
pé e deitar, e verbos durativos como viver e ficar + preposições que indicam lugar. Na língua
63
celta, por exemplo, a proposição X está depois de Y gerou a noção de aspecto perfeito (cf.
Heine, 1993, p. 34).
O esquema de movimento envolve, sobretudo, os verbos ir e vir como predicados,
mas, a essa lista de dois, podem ser acrescidos outros como mover(- se), andar, passar, chegar
e partir/deixar. Heine exemplifica esse esquema com uma ocorrência do inglês (be going to),
que indica futuro, e do francês (venir de), que indica passado, e, assim, defende a idéia de que
o esquema de movimento é mais comumente associado às categorias de tempo.
O esquema de ação é menos comum nas línguas em geral e envolve normalmente o
verbo acabar: X acabou/terminou Y e é frequentemente empregado para desenvolver o
aspecto perfeito ou terminativo.
O esquema de volição é empregado para desenvolver tempos relativos ao futuro. O
auxiliar Will do inglês é um exemplo típico.
O esquema de mudança de estado, raramente usado, pode desenvolver marcadores de
tempo e aspecto.
Heine (1993) descreve que os conceitos concretos ou esquemas de eventos são
tratados como itens de origem (source items) e os conceitos gramaticais formados a partir
daqueles são tratados como itens alvos (target items). Embora o autor proponha estágios
intermediários, a transição de um conceito de origem para um alvo não é um processo
discreto, e sim, contínuo. Dessa forma, a concepção que se deve ter desses estágios
intermediários é a de posições fluidas e graduais.
Quando uma expressão usada para um conceito de origem lexical é transferida para
designar um conceito alvo gramatical, o resultado é uma ambiguidade, pois a mesma
expressão refere-se simultaneamente a dois conceitos diferentes. Com base em exemplos com
a construção is going to, Heine (1993, p. 48) explica que, até o verbo to go (ir) apresentar
características evidentes de um elemento gramatical, tal verbo passa por diversos estágios,
64
inclusive, um ambíguo em que é possível interpretar um evento de movimento ou um de
tempo futuro. Essa ambiguidade é uma etapa necessária na reanálise de verbos como
auxiliares.
Figura 4: Formação de going to designador de tempo futuro, através de um continuum
configurado pelos pólos source (origem) e target (alvo); (Heine, 1993, p. 49).
O modelo de transição apresentado na figura anterior pode ser analisado numa
perspectiva diacrônica, entendendo tal processo como um desenvolvimento ao longo do
tempo, ou sincrônica, entendendo que os três usos referentes aos estágios (I, II e III)
convivem numa mesma sincronia. Segundo o princípio de divergência, descrito por Hopper
(1991), usos lexicais e instrumentais (gramaticais) de uma mesma unidade linguística podem
coexistir. Esse argumento ratifica a idéia de que gramaticalização é um processo de mudança
linguística que pode tanto ser observado no eixo diacrônico, como no sincrônico (em
pancronia, nos termos de Saussure, 1977).
Outro aspecto relevante descrito por Heine (1993) sobre esse processo de mudança
pelo qual passam alguns verbos, como to go, são as características morfossintáticas e
fonológicas desses estágios representados pelos conceitos fonte, fonte/alvo (ambíguo) e alvo.
Do ponto de vista morfossintático, o pólo do continuum caracterizado como fonte (estágio I)
reúne os elementos com seu conteúdo semântico-lexical totalmente preenchido, enquanto no
estágio III, ou conceito alvo, encontram-se os elementos de valor gramatical. O estágio II
65
pode ser considerado uma categoria híbrida, por comportar aspectos que permitem uma
interpretação lexical ou gramatical. Do ponto de vista fonológico, Heine acredita numa
gradual erosão da forma linguística, acompanhando, proporcionalmente, o processo de
abstratização gradativa observado no modelo de transição de conceito fonte para conceito
alvo.
Figura 5: Implicações morfossintáticas e fonológicas do processo de mudança
verbo > auxiliar.
3.3.1.1. Estágios de gramaticalização de verbos
Heine (1993) apresenta o pressuposto de que há sete estágios diferentes de
gramaticalização de itens verbais, pautando-se em quatro fenômenos básicos, que afetam
diferentes planos de estruturação linguística, para a compreensão desse processo de mudança:
dessemantização (semântica), decategorização (morfossintaxe), cliticização (morfofonologia)
e erosão (fonética).
Dessemantização caracteriza-se pela perda de conteúdo semântico. Os elementos
envolvidos no processo de gramaticalização perdem valor representacional, e ao assumir a
nova função gramatical, adquirem funções de natureza pragmático-discursiva. Ocorre que, ao
ser utilizado em novos contextos (extensão), o elemento tende a perder parte de seu sentido
66
original ao ser utilizado em novos contextos. Esse desenvolvimento, segundo Heine, pode ser
explicado por meio dos seguintes estágios:
I. O sujeito é tipicamente humano, o verbo expressa um conceito
lexical e o complemento, um objeto concreto ou um lugar.
II. O complemento passa a expressar uma situação dinâmica.
III. O sujeito não é mais associado com referentes humanos, e o
verbo adquire uma função gramatical. (Heine, 1993, p. 54)8.
O processo de decategorização (ou mudança de categoria) envolve a perda de certas
propriedades morfológicas e sintáticas típicas das formas fonte pela qual passam, entre outros
itens, alguns verbos. Quando um elemento verbal, pertencente, originalmente, a uma categoria
lexical se gramaticaliza, ele perde características lexicais primárias para adquirir outras
secundárias de uma categoria gramatical de auxiliar. O processo de decategorização, segundo
Heine, é o resultado da transposição de [sujeito – verbo complemento] para [sujeito –
marcador gramatical (auxiliar) – verbo principal].
Como consequência da decategorização, a unidade linguística em processo de
gramaticalização, ganha propriedades de um marcador gramatical de tempo, aspecto ou
modalidade. Nessa função, esse item verbal passa a ocupar uma posição adjunta ao verbo
principal. Assim como os clíticos pronominais, os auxiliares caracterizam-se por terem a
aparência de um apêndice morfofonológico, formando, junto com o verbo principal, um único
vocábulo fonológico9.
8
I. The subject is typically human, the verb expresses a lexical concept and the complement a concrete object or
location.
II. The complement comes to express a dynamic situation.
III. The subject is no longer associated with willful/human referents and the verb acquires a grammatical
function.
9
Para o aprofundamento da noção de vocábulo fonológico, cf. Camara Jr. (1970, p. 62-64).
67
A esses processos de mudanças de ordem semântica (dessemantização) e
morfossintática (decategorização e cliticização), junta-se a erosão fonética, que corresponde à
perda de massa fonética da forma linguística. De acordo com Heine, essa erosão da substância
fônica provoca a perda do tom distintivo ou acento. O elemento tende a sofrer coslescência
(fusão de formas adjacentes) e condensação (diminuição de forma).
Com base nesses quatro fenômenos que podem acompanhar um item verbal durante
seu processo de mudança, Heine (1993) elencou sete estágios de gramaticalização, designados
como: Estágio A, Estágio B e assim por diante até o Estágio G. Esses estágios foram
formulados tendo em vista um continuum chamado Verb-to-TAM, que é uma representação
do percurso de mudança pelo qual as unidades linguísticas passam de verbo a marcador de
Tempo, Aspecto e Modalidade (TAM).
O Estágio A é o dos esquemas de origem (objetos concretos, processos ou
localizações). Os verbos apresentam seu significado lexical completo e possuem
complemento que configura algum esquema de eventos, como os já mencionados
anteriormente. Os exemplos apresentados por Heine (1993, p. 59) representam,
respectivamente, localização, movimento, ação e volição:
1. a. Judy está na estação.
b. O trem veio de Hamburgo.
c. Ele pegou o trem.
d. Meu amigo precisa de um ingresso.10
No Estágio B, há os primeiros sinais de auxiliaridade, pois se observa um evento sob a
forma não finita como complemento do verbo e a identidade do sujeito, entre o verbo e o
10
Todos os exemplos foram retirados de Heine (1993).
68
complemento, não é um requisito obrigatório. Heine (1993, p. 59) apresenta os seguintes
exemplos:
2. a. Ele evitou pegar o trem.
b. Ele arrependeu-se de ter me magoado.
No Estágio C, o sujeito não está mais restrito a referentes humanos, e o verbo passa a
expressar apenas noções de tempo, aspecto ou modo. A ligação entre verbo e complemento é
tão significativa que ambos representam uma única unidade semântica e fazem referência às
mesmas entidades envolvidas na predicação (os termos projetados pelo predicado).
3. Eu quero voltar.
No Estágio D, estão os verbos que perderam a capacidade de formar imperativos, de
ser nominalizados ou de integrar uma sentença na voz passiva. Seus complementos são
sempre um verbo ou no infinitivo ou no gerúndio.
4. Ele costuma reunir sua correspondência diariamente.
No Estágio E, o item não é mais considerado verbo. Ele perde a capacidade de ser
negado e de ser usado em diferentes posições na cláusula. Um item no Estágio E é híbrido,
porque perde propriedades verbais, mas ganha outras. Segundo Heine (1993, p. 63), os
modais do inglês como can, may, should e would estão nesse estágio.
No Estágio F, o verbo perde as características verbais remanescentes. É um elemento
instrumental dentro da gramática e seu complemento passa a ser interpretado como verbo
principal. O item verbal passa a ser um morfema preso, no entanto, os resíduos
morfossintáticos permitem recuperar a estrutura original.
69
O Estágio G é o final da gramaticalização: o afixo torna-se uma flexão, não
apresentando tom ou acento diferentes do outro verbo.
Como se pôde observar, a categoria chamada auxiliar compreende diversos estágios de
gramaticalização. Para Heine, o auxiliar é um item linguístico que codifica um conjunto de
usos ao longo do continuum verb-to-TAM (verbo > flexão). O auxiliar não é um elemento
final desse continuum, e sim, uma categoria intermediária, havendo a possibilidade de se
tornar um afixo ou uma flexão. Sendo uma categoria intermediária, exibe características de
estágios intermediários entre o verbo pleno e a flexão: (i) o auxiliar faz parte de um grupo de
entidades usadas para expressar tempo, aspecto, modo etc.; (ii) apresenta morfossintaxe
verbal; (iii) o verbo principal, historicamente complemento, é uma forma invariável, enquanto
o auxiliar é responsável pelas marcas gramaticais de pessoa, número, negação etc., desde que
não haja outro verbo auxiliar no complexo com essas marcas como na perífrase (Vou ter
escrito) em que ter é auxiliar canônico, no entanto, é ir que possui as marcas gramaticais; (iv)
o auxiliar, como resultado do processo de decategorização, ocupa um lugar fixo na cláusula e
exibe um comportamento verbal reduzido, perdendo a capacidade de ser apassivado, de
apresentar-se de forma imperativa etc.; e (v) como resultado da erosão, o auxiliar não
apresenta acento próprio.
Outra cadeia de gramaticalização de verbos utilizada neste estudo é a proposta por
Travaglia (2002 / 2003). Para o autor, os verbos, ao serem afetados pelo processo de
gramaticalização, passam pelas etapas demonstradas na figura a seguir, em que o ponto de
interrogação indica, segundo o autor, a necessidade de se pesquisar se o verbo de ligação
altera para a etapa subsequente.
70
Figura 6: Cadeias de gramaticalização de verbos, segundo Travaglia (2002).
Assume-se, juntamente com Travaglia (2002), que a trajetória de gramaticalização que
caracteriza os verbos auxiliares não é a mesma da que caracteriza os verbos de ligação.
Assim, as etapas de gramaticalização seguem duas trajetórias: (i) verbo pleno > forma
perifrástica11 > aglutinação, e (ii) verbo pleno > verbo funcional12 (de ligação) > aglutinação.
De acordo com Travaglia (2003), os verbos gramaticalizados ou em processo de
gramaticalização podem apresentar alguma(s) das seguintes características, conforme seu
valor, uso ou função:
a) Indicadores – verbos que são passíveis de se vincularem a uma categoria mais gramatical
por expressarem uma noção semântica muito geral. Nesse grupo, estão os verbos que
Travaglia (1991, p. 61- 62) chama de auxiliares semânticos em que o grau de
gramaticalização os torna os “mais lexicais” dos três.
11
O autor denomina esse estágio de forma perifrástica, no entanto, neste estudo, entende-se por perífrase a
estrutura formada em função de, pelo menos, um verbo (semi-)auxiliar e um auxiliado.
12
Com base em Travaglia (2003), entende-se por verbo funcional aquele elemento que, embora não possua
funções lexicais, não é auxiliar ou semi-auxiliar.
71
b) Marcadores – verbos que marcam alguma categoria gramatical do verbo ou de outra
classe, ainda que marquem geralmente informações gramaticais de tempo, voz, modo, aspecto
etc. Esse status representa um grau mais avançado de gramaticalização em relação ao
indicador.
c) Funcionais – verbos que não marcam uma categoria gramatical dos verbos nem de outras
classes, mas desempenham, nos textos e outras sequências linguísticas, função para a
organização interna da língua, ou seja, para a gramática. Nesse grupo, Travaglia (2003, p. 99)
inclui marcadores conversacionais, operadores argumentativos, ordenadores textuais, os
marcadores de realce ou relevância.
3.4. Enfoque funcionalista de categorização linguística
Entendendo que a hipótese fundamental desta dissertação é a de que tornare pode ser
usado com diferentes funções morfossintáticas, semânticas e/ou discursivas, é necessário
investigar o que leva tal verbo a assumir esses possíveis papéis, considerando o fato de que
esse elemento verbal é, originalmente, um VPREDICADOR que comporta o significado de
“movimento no espaço concreto”. Tendo em vista essa hipótese, assume-se que a criatividade
humana desencadeada por fatores de natureza interacional e sócio-comunicativa tenha
relevância considerável no que concerne às alterações de função e sentido sofridas por
tornare, além, evidentemente, de fatores internos à língua. Assim sendo, esta dissertação
vincula-se ao paradigma do Funcionalismo Linguístico.
Afirmar, no entanto, que a pesquisa se fundamenta nos pressupostos funcionalistas é
estabelecer um campo de embasamento muito amplo, tendo em vista que há, segundo Nichols
72
(1984, p. 102), asserções funcionalistas, análises funcionalistas e teorias funcionalistas. De
acordo com a autora, a distinção entre esses termos é importante, pois é possível que
investigações sobre determinados fenômenos linguísticos possam apenas receber o rótulo de
funcionalistas, sem empreender, de fato, um modelo de análise funcionalista, contrapondo-se
ao modelo formal cujo enfoque se centra basicamente na estrutura linguística. Com efeito, a
autora faz uma advertência no sentido de que o nível de adequação funcionalista de um dado
estudo pode ser gradual, a depender do tratamento empregado dos dados.
A categorização linguística discutida por Taylor (1995) representa uma atividade de
cognição humana, uma vez que esta se desenvolve a partir da atividade linguística, com
estrutura e funcionamento pautados em critérios estabelecidos e que, portanto, tornam
possível/viável uma delimitação num complexo de relações de similaridade/pertinência e
dessemelhança entre formas/elementos.
A estipulação de categorias linguísticas parte de um conjunto de determinados
atributos que constituem uma categoria prototípica. Esses atributos, geralmente, possuem um
alto nível de frequência, destacando-se linguística e cognitivamente. Sabe-se, porém, que
existem categorias cujos atributos são partilhados entre si, da mesma forma que há atributos
que não partilham propriedades semelhantes. Por isso, é imprescindível que se categorizem
elementos linguísticos distintos tendo em vista os protótipos, já que estes constituem o que há
de mais central na entidade. Dessa forma, pode-se dizer que categorizar é separar elementos
diversificados compostos de propriedades semelhantes. Sobre a categoria prototípica, Taylor
(1995:51) escreve que esta (i) maximiza o número de atributos compartilhados pelos
membros da categoria; e (ii) minimiza o número de atributos compartilhados com os
membros de outras categorias. Baseado nisso, podem-se destacar duas características
pertinentes à categoria prototípica: a primeira consiste no fato de os membros da mesma
categoria partilharem um número considerável de propriedades semelhantes entre si, e por
73
último, consideram-se que outras categorias compartilhem poucos atributos da entidade
central, fazendo com que esta se flexibilize.
Taylor (1995:196) também comenta que o critério semântico tem um papel na
categorização, esclarecendo em que se baseia para delimitar categorias distintas:
Os critérios semânticos certamente desempenham um papel em
qualquer definição de classe de palavras (...). Isso não significa
afirmar que todos os membros de uma categoria gramatical
necessariamente partilham um conteúdo semântico comum.
(Mas nem todos os membros de uma categoria gramatical
necessariamente partilham as mesmas propriedades sintáticas).
(...) As categorias gramaticais possuem uma estrutura
prototípica, com membros centrais partilhando uma gama de
atributos semânticos e sintáticos. O fato de um item não exibir
alguns desses atributos não impossibilita a associação.
Como se vê, a relação entre os membros de uma mesma categoria se pauta na
semelhança de um protótipo, considerando as diferenças entre monossemia e polissemia,
homonímia e polissemia, além de metáfora e metonímia.
3.5. Polissemia verbal: extensões semânticas por meio de metáfora e metonímia
Para compreensão do processo de categorização linguística, é necessário, ainda, o
desenvolvimento de questões acerca da polissemia, metáfora e da metonímia. Um ponto em
comum entre esses termos, e essencial para o presente estudo, é a idéia de que expansões
semânticas de um determinado membro central podem acontecer por meio de metáfora ou
metonímia, podendo acarretar, ou não, uma rede de relações polissêmicas.
Um dos grandes entraves teóricos sobre polissemia é a relação que há entre esse termo
e a homonímia. O problema, frequentemente, reside no tratamento de certas formas
74
linguísticas homófonas e homógrafas, isto é, se um item é homônimo a outro ou se é uma
extensão de sentido de outro.
A polissemia verbal constitui um estudo importante para o entendimento das
expansões semânticas depreendidas de tornare, já que, por meio dela, se desenvolve o
processo de categorização linguística. Em virtude disso, compreende-se que as extensões de
significado, oriundas dos processos metafóricos e metonímicos, dão-se a partir de um membro
central.
Os itens lexicais monossêmicos e polissêmicos, geralmente, participam (ou não) da
mesma categoria sintática, mas remetem a domínios distintos. O primeiro estabelece-se por
ter apenas um significado, enquanto o segundo pode ter dois ou mais significados
interrelacionados concernentes à sua forma.
Da mesma forma que a relação entre monossemia e polissemia é tênue, a diferença
entre homonímia e polissemia também o é. A homonímia, segundo Taylor (1995), mostra
elementos não relacionados a partir de um único elemento linguístico pertencente a categorias
sintáticas distintas. Palavras homônimas podem, em algum momento, ter-se inter-relacionado
através de extensões semânticas, porém, com o passar do tempo, talvez por razões fonéticas,
os itens linguísticos antes diferentes quanto à fonologia e à semântica tenham-se tornado
idênticos fonologicamente. Por outro lado, a polissemia configura cadeias de extensões
semânticas entre os membros de uma categoria, gerando, em virtude dessas extensões, as
denominadas categorias de semelhança familiar. Estas se constituem semelhantemente a
categorias radiais, possibilitando a produção de itens com significados periféricos a partir de
itens que tenham significado central dentro da categoria da qual faz parte.
O fenômeno da polissemia pode ser explicado de acordo com as inter-relações
existentes entre os membros de uma categoria. Segundo Taylor (1995), a distinção entre
polissemia e homonímia pode ser respaldada por um critério sintático, ou seja, enquanto a
75
homonímia se refere a categorias sintáticas distintas, a polissemia envolve categorias
sintáticas semelhantes.13
Os processos de metáfora e metonímia são fundamentais para o processo de expansão
semântica da cadeia polissêmica. A metáfora estabelece-se quando um elemento de certo
domínio cognitivo através de elementos de um domínio diferente são conceptualizados. Isso
ocorre de um item mais concreto para um mais abstrato. O autor aborda que,
tradicionalmente, a metáfora é concretizada em frases cujas combinações de palavras se
formam sob determinadas restrições de seleções, por isso entende e apresenta a metáfora sob a
perspectiva da cognição:
Metáfora é, então, motivada por uma procura pelo
entendimento e é caracterizada, não por uma violação das
restrições de seleção, mas pela conceptualização de um domínio
cognitivo em termos de componentes mais usualmente
associados a outros domínios cognitivos. (TAYLOR, 1995:132133)
Segundo Taylor (1995:123-124), metonímia e metáfora caracterizam-se, portanto, por
processos de expansão semântica que podem formar uma estrutura de rede polissêmica. Os
membros (periféricos) formados a partir de tal(is) expansão(ões), com base num protótipo,
relacionam-se uns com os outros tendo em vista as partilhas de atributos e similaridades.
Membros centrais (protótipos) e periféricos constituem uma categoria que pode ser de ordem
lexical ou morfossintática.
Dessa forma, além do processo de expansão de significado, metáfora e metonímia
contribuem para o processo de gramaticalização, pois segundo Heine et alii (1991:48) a
metáfora (...) é interpretada como uma estratégia cognitiva que nos ajuda a entender, mas
não a explicar a gramaticalização ou o comportamento gramatical.
13
O autor apresenta a comparação translingüística (entre línguas) como outra explicação para a distinção entre
homonímia e polissemia, ou seja, a homonímia tende a acontecer de maneira mais específica em cada língua, já a
polissemia, para o autor, parece ser mais universal. Vale ressaltar que independentemente de qualquer
explicação, concorda-se com Taylor que a determinação de uma fronteira entre tais fenômenos é complicada, já
que a relação de significado envolve uma noção gradual e subjetiva.
76
4. ASPECTO METODOLÓGICO
Este estudo sobre as predicações com o verbo tornare conta com um total de 432
ocorrências do verbo tornare advindas de textos produzidos na modalidade oral e escrita do
italiano. Os dados orais foram obtidos com base em acervos de monólogos, entrevistas e
diálogos feitos a informantes de diferentes faixas etárias e escolaridades. Os dados escritos
provêm de textos de variados gêneros textuais. A configuração da amostra com base em
corpora múltiplos decorre do intuito de se buscar registrar usos representativos de tornare na
língua italiana empregada nas modalidades falada e escrita.
Os dados de língua oral provêm do programa C - Oral - Rom (Corpora de fala
espontânea em diferentes contextos). Os corpora presentes nesse programa foram elaborados
por diferentes grupos de pesquisas da Universidade de Florença. Este programa conta com um
vasto banco de dados do italiano contemporâneo.
Inicialmente, pretendia-se trabalhar apenas com entrevistas, mas, infelizmente, aqui no
Brasil não se tem muito acesso a programas que transcrevem a fala espontânea de Italianos. O
programa C – Oral – ROM foi o único ao qual se teve acesso. Por isso, viu-se a necessidade
de uma ampliação da coleta em acervos de diálogos e monólogos.
Este programa nos deu acesso a dados retirados de contextos formais e informais.
Dentro desses contextos nos deparamos com variáveis14 que se julgam pertinentes para o
aparecimento de determinadas formas e estruturas linguísticas, já que se releva a hipótese de
que certos usos são muito comuns em dados textos e raros, ou impossíveis de aparecer, em
outros. Nesse sentido, resume-se, no quadro seguinte, a distribuição dos dados do corpus oral
coletados e a distribuição geral dos textos pesquisados.
14
Variável é um termo técnico usado nos trabalhos sociolingüísticos para designar tanto o fenômeno em
variação (variável dependente), como o grupo de fatores que co-atuam no processo variável (variável
independente). O significado considerado, neste momento da dissertação, equivale ao segundo conceito.
77
Fonte dos
Descrição do arquivo
dados
Formal
C – Oral –
ROM
Telefone
familiar
Informal
público
Total
Dados
coletados
Contexto
Natural
16
Mídia
2
Conversa
privada
Conversa com
telefonista
Monólogo
13
Diálogo
16
Conversa
25
Monólogo
2
Diálogo
3
Conversa
0
50
19
146
Quadro 4 : Distribuição geral dos textos pesquisados e dos dados coletados no corpus
oral.
Os dados da língua escrita advêm de textos jornalísticos retirados de jornais italianos
on-line. Procuraram-se ocorrências desse verbo em diferentes gêneros de texto, como
editoriais, artigos de opinião, notícias-reportagens, cartas de leitores, entrevistas e crônicas.
Os jornais utilizados foram “La repubblica” e “Corriere della sera”, pois se considera que
tais veículos apresentam nuançes consideráveis de graus de formalidade, tendo em vista,
sobretudo, o público-leitor.
Nesta pesquisa, utiliza-se o termo gênero, a partir do reconhecimento de aspectos
sócio-comunicativos e funcionais que estruturam o texto, a fim de ajudar a compreender a que
se deve o emprego de determinadas formas linguísticas. Cada gênero textual apresenta um
formato determinado por seus objetivos comunicativos. Como gênero textual é um fenômeno
histórico relacionado à vida sócio-cultural do falante, o domínio discursivo dá origem a
gêneros que se materializam em diversos suportes (entre os quais, o veículo jornalístico) e,
78
então, servem de base para as atividades da língua. São, portanto, mais determinados pelos
objetivos do falante do que propriamente pela forma com que se configuram.
A organização do corpus escrito foi, também, estabelecida sob o critério de um
continuum de formalidade dos textos escritos; isto é, buscou-se apresentar produções que se
caracterizam, ainda que escritas, como distensas e outras regidas sob um grau de
planejamento mais criterioso.
Mesmo com a possibilidade de se submeterem a um processo de revisão textual, os
gêneros textuais jornalísticos coletados podem exibir dados com graus diferentes de
(in)formalidade/uso: supõe-se que os editoriais revelem uma linha que tende ao mais formal
(ou se situa entre o nível neutro e o de formalidade); já nas notícias se adota uma linha menos
formal (ou entre a informalidade e o nível neutro de formalidade). Os textos escritos que ora
compõem o corpus desta pesquisa se distribuem, portanto, em categorias graduais de registros
que vão do menos ao mais formal.
Fonte dos dados
La repubblica
Corriere della sera
Descrição do arquivo
Cartas de leitor
Dados
coletados
17
Crônicas
21
Editoriais
26
Notícias-Reportagens
48
Artigos de opinião
24
Cartas de leitor
13
Crônicas
16
Editoriais
18
Notícias-Reportagens
42
Artigos de opinião
32
Total
257
79
Quadro 5 : Distribuição geral dos textos pesquisados e dos dados coletados no
corpus escrito.
Utilizou-se, para o tratamento estatístico dos dados, o programa Goldvarb (2001). Para
tanto, todas as ocorrências obtidas nos corpora foram codificadas, ou seja, cada dado obteve
códigos que representam o seu comportamento. Dessa forma, foi possível abrir o arquivo de
dados codificados no programa executável que, por sua vez, possui as seguintes funções
básicas: (i) criar um arquivo de especificação das variáveis dependentes e independentes; (ii)
detectar algum erro de codificação, com base no arquivo de especificação e gerar arquivos
corrigidos após mudança feita pelo pesquisador; (iii) produzir arquivos de células em função
de arquivos de condições68 organizados pelo pesquisador; (iv) criar um arquivo que
demonstre a relação entre as variáveis independentes e a variável dependente; (v) desenvolver
um arquivo que represente a tabulação cruzada de pares de variáveis independentes
(cruzamento de variáveis); e (vi) gerar pesos relativos.
4.1. Procedimentos de análise
Uma vez coletadas as ocorrências do verbo tornare, submeteram-se os 403 dados
obtidos a um tratamento qualitativo, que se fundamenta na observação/investigação de alguns
parâmetros para o estudo da polifuncionalidade desse verbo, e também quantitativo no que se
refere a alguns aspectos O procedimento qualitativo prevalece sobre o outro, em razão de que,
nesta pesquisa, o objetivo é investigar as propriedades das predicações com tornare.
Com base no procedimento qualitativo, verifica-se a multifuncionalidade do verbo em
questão, além de se observarem os contextos em que ele está mais gramaticalizado e as
propriedades que permitem estabelecer um continuum entre os usos funcionais de tornare.
80
Considerando a noção de categorização radial estabelecida por Taylor (1995), observa-se o
comportamento das ocorrências de tornare de modo a verificar similaridades e diferenças que
permitam situar os tipos num continuum de gramaticalização e, então, precisar a distribuição
das ocorrências pelas diferentes funções/categorias identificadas, os contextos em que este é
mais e/ou menos gramatical.
O verbo em questão é estudado à luz da Teoria da Gramática Funcional de Dik (1981,
1997), no que diz respeito aos parâmetros semânticos estipulados pelo autor na descrição de
estados de coisas e à configuração de marcos predicativos das predicações com tornare.
Mediante essa perspectiva, é possível identificar os fatores semântico-sintáticos responsáveis
por sua caracterização como Vpredicador pleno e Vpredicador não-pleno.
Para a descrição do fenômeno de gramaticalização, o verbo em análise é examinado a
partir de parâmetros do processo de gramaticalização descritos em Hopper (1991), Heine et
alii (1991) e Heine (1993), destacando-se os parâmetros de “expansão semântica”,
“dessemantização”, “especialização funcional” e “decategorização”.
Para categorizar tornare como Vpredicador pleno, são considerados como ponto de
partida dois parâmetros basicamente: a primeira acepção mencionada pelos lexicógrafos em
suas obras e características configuracionais prototipicamente relacionadas a essa acepção
(como, por exemplo, a animacidade do constituinte sujeito). O Vpredicador não-pleno é
aquele em que o item lexical se afasta de seu primeiro sentido descrito nas obras
lexicográficas, mostrando um comportamento morfossintático e/ou semântico diferente do
verbo pleno: uma alteração, por exemplo, no estatuto de animacidade do sujeito. Enquanto
Vsuporte, tornare opera sobre um elemento não-verbal formando com este um
predicado/predicador complexo, ou seja, uma unidade semântica, estrutural e funcional.
Caracteriza-se por ser leve semanticamente e por ser responsável pela estruturação
argumental e pela distribuição de papel temático aos argumentos. Já como Vsemiauxiliar, atua
81
sobre um verbo principal no infinitivo, com o auxílio da preposição “a”, para marcar a noção
de retomada/reinício e, nesse sentido, formar um complexo verbal.
Para análise quantitativa, foi feita uma codificação dos dados de cada subamostra em
função de propriedades dos fatores detectados. Para proceder à avaliação estatística dessas
características, recorreu-se a uma ferramenta usada em estudos sociolinguísticos, o pacote de
programas GOLDVARB. Vale ressaltar que, embora tenha sido adotado esse programa
computacional, o presente estudo não se pretende variacionista, uma vez que não há um
fenômeno variável a ser estudado e nem hipóteses que justifiquem essa orientação
teóricometodológica. Seguiram-se apenas alguns dos procedimentos de utilização do
GOLDVARB como ferramenta auxiliar na verificação da distribuição de valores e percentuais
das expressões em estudo pelas características examinadas.
A análise quantitativa corresponde à observação do número de dados obtidos na coleta
nas funções em que tornare atua. Esses números/percentuais colaboram para precisar a
recorrência de cada função desempenhada pelo o item verbal em estudo. A necessidade de se
precisar o número de ocorrências está fundamentada em Bybee (2003), pois, segundo ela,
quanto maior a frequência de determinado dado, em certos contextos, maior a possibilidade de
seu significado se tornar mais geral e abstrato, uma vez que o mesmo perde sua plenitude
semântica e, assim, passa a servir a múltiplos/vários contextos de uso.
82
5. POLIFUNCIONALIDADE DE TORNARE
De acordo com as bases teóricas descritas, analisam-se, neste capítulo, os dados
referentes às ocorrências de tornare. Esses comprovam que o verbo tornare é um item
polifuncional, já que, a partir do confronto de suas ocorrências ele pode ser empregado como
verbo predicador com o seu sentido básico de “movimento no espaço geográfico” e também
pode ocorrer com outros sentidos, mais ou menos próximos daquele sentido (primário/fonte) e
que mantêm, de modo mais ou menos opaco, o significado geral de “movimento de
retomada”. A gramaticalização desse item lexical ocorre, exatamente, com esse
enfraquecimento do sentido pleno do verbo (idéia de movimento no espaço geográfico),
adquirindo valor/funcionamento semi-gramatical na língua Italiana. Pode ocorrer como verbo
semi-auxiliar em construções do tipo Vsemi-auxiliar + a + Predicador simples ou complexo.
A partir da avaliação do comportamento desses usos de tornare no corpus constituídos, já se
pode delinear uma cadeia de gramaticalização que tem em um de seus extremos a categoria de
verbo predicador pleno, passa pela de verbo predicador não-pleno, e tem no outro extremo a
de verbo semi-auxiliar e possível verbo suporte.
Gramaticalização de TORNARE (“movimento de retomada/retorno”)
Verbo predicador
“espaço geográfico”
Ex 1: “Vado di corsissima, visto che ieri sono tornata dalla Tailandia e oggi già sono a
lavoro, ma volevo lasciarvi un salutino, ... [Italiano escrito, cartas de leitor, Jornal “Corriere della sera”, 20 de
junho de 2010]
– Vou rapidíssimo, já que ontem voltei da Tailândia e hoje já estou no
trabalho...
83
Vpredicador não-pleno
“tempo”, “estado (psico-)social”, “situação social”
Ex.2: “Sono tornato alle mie radici". Il dj salernitano Alex Gaudino conquista la vetta delle
classifiche dance in Inghilterra - a cura di pfls. [Italiano escrito, noticia sócio-política, Jornal “La repubblica”, 25
de junho de 2010]
– voltei as minhas raízes
Verbo semi-auxiliar
“estado de coisas/evento”
Ex.3: Un'idea, quella di vendere ai commercianti dei ticket dei parcheggi a prezzi agevolati,
che loro poi regaleranno ai loro clienti per incentivarli a tornare a spendere nei negozi del
borgo, che potrebbe essere estesa ai negozianti e ai titolari di attività commerciali anche nelle
vie limitrofe.
[Italiano escrito, noticia sócio-política, Jornal “Corriere della sera”, 18 de junho de 2010]
– aos clientes
para incentivá-los a voltar a gastar nas lojas da vila
Verbo suporte
... l’italiano vuole rispecchiarsi in un passato tragico e remoto in chiave moderna, tornando a
galla alcune storie di politica, antiche tradizioni e storiche memorie...
Rom, 22 de janeiro de 2011] –
[Italiano orale, dialogo, C-Oral-
O italiano quer espelhar-se num passado trágico e remoto no sistema
moderno, trazendo à tona algumas histórias de política...
Na primeira parte deste capítulo, apresenta-se a distribuição dos dados por categoria
identificada e, depois, passa-se a expor aspectos de cada uma destas.
84
Primeiramente, investiga-se o comportamento básico do verbo tornare como verbo
predicador, analisam-se suas restrições de seleção e suas extensões semânticas – verbo nãopleno (± concretas e ± abstratas). Essa primeira análise viabiliza o estudo acerca da expansão
sintático-semântica de tornare, já que o uso desse elemento como verbo predicador se
caracteriza como uma construção central, a partir da qual se derivam outras não centrais.
Em seguida, interpretam-se os dados em que tornare é verbo de ligação ou copulativo.
Nessa seção, define-se o fenômeno da cópula verbal, isto é, examina-se qual o papel de
verbos desse tipo na sentença e quais suas propriedades sintático semânticas. Ademais, avaliase o nível de gramaticalização de tornare no tipo de predicação em que ocorre esse emprego.
Após isso, discutem-se as ocorrências de tornare como verbo (semi-) auxiliar.
Comenta-se a produtividade desse verbo em tal função, os diferentes graus de vinculação
entre tornare + infinitivo, assim como o grau de gramaticalização de tornare nessa construção
perifrástica e as possíveis motivações para a alteração categorial desse verbo.
Posteriormente, comparam-se os empregos de tornare descritos, no que se refere ao
processo de gramaticalização, com o objetivo de demonstrar as relações de similaridade e
dessemelhança entre os usos, de modo a determinar, na análise de empregos mais ou menos
gramaticais que outros, a cadeia de gramaticalização em que se inserem as extensões de uso e
sentido de tornare.
5.1. Distribuição dos dados pelas categorias funcionais
Dos 403 dados da amostra em análise, 327 vinculam-se à categoria de verbo
predicador, 75, à de verbo semi-auxiliar, e 1, à de verbo suporte. Das 327 ocorrências de
verbo predicador, 154 manifestam predicação correspondente à projetada pelo emprego de
85
tornare como verbo predicador pleno; 92 revelam uma predicação diferente desta e o
emprego de tornare como predicador não-pleno, ou seja, em uma de suas possibilidades de
extensão de sentido; e 81 ocorrências são de tornare como verbo copulativo.
Distribuição dos dados pelas
categorias funcionais
18,4%
0,3%
Verbo Predicador
Verbo Auxiliar
81,1%
Verbo Suporte
Gráfico 1 : Distribuição dos 403 dados de TORNARE pelas categorias funcionais às
quais esse item se vincula no corpus do italiano escrito em análise.
Distribuição dos dados dentro da
categoria de Verbo Predicador
Verbo
predicador pleno
25%
47%
28%
Verbo predicador
não-pleno
Verbo
copulativo
86
Gráfico 2 : Distribuição dos 327 dados de TORNARE como verbo predicador.
Tornare é mais empregado como Vpredicador, envolvendo 80% dos dados (um total
de 327 ocorrências das 403 analisadas) se se considerarem os casos de uso pleno, não-pleno
ou copulativo desse item lexical. Em segundo lugar, em termos de produtividade, está a
categoria de V(semi)-auxiliar, representada em 19 % da amostra. Esses percentuais se
ampliariam se não tivessem sido separados os casos de comportamento híbrido. E, ainda, com
0,3% das ocorrências, tornare ocorre como Vsuporte.
A distribuição dos dados por essas categorias revela, segundo a hipótese de Bybee
(2003), que há expressiva frequência de ocorrência desses verbos, que tendem a
polifuncionalidade, na categoria de Vpredicador não-pleno, a qual resulta de um processo de
extensão semântica e, assim, propicia a expansão de seus usos.
Os dados foram coletados tanto na modalidade oral quanto na modalidade escrita.
Percebeu-se que o verbo tornare é mais utilizado na categoria de verbo predicador, seja na
modalidade oral ou escrita. Porém na modalidade escrita os dados são bem distribuídos dentro
das categorias funcionais encontradas, salvo a de verbo suporte. Já na modalidade oral a
categoria de verbo predicador pleno se destaca dentre as demais, como mostram os gráficos
abaixo:
87
MODALIDADE ESCRITA
30
Verbo predicador pleno
25
Verbo predicador não pleno
20
15
Verbo copulativo
10
Verbo (semi)-auxiliar
5
0
Verbo suporte
Gráfico 3 : Distribuição dos 257 dados da modalidade escrita nas categorias funcionais
encontradas
MODALIDADE ORAL
60
Verbo predicador pleno
50
40
30
Verbo predicador não pleno
Verbo copulativo
20
10
0
Verbo (semi)-auxiliar
Verbo suporte
Gráfico 4 : Distribuição dos 146 dados da modalidade ORAL nas categorias funcionais
encontradas
Na modalidade escrita em contextos formais e (mais ou menos) informais (cartas de
leitor, entrevistas). Observa-se que, tanto em contextos formais quanto em contextos (mais ou
menos) informais, o número mais expressivo de ocorrências é de verbo predicador. A
88
diferença está no fato de que, na modalidade escrita formal, as ocorrências de emprego semiauxiliar são bem mais frequentes do que na modalidade escrita (mais ou menos) informal.
5.2. Verbo predicador
O verbo predicador tem comportamento de núcleo da predicação, já que é o
responsável pela projeção de sua configuração semântica e sintática básica.
5.2.1 Verbo predicador pleno
A categoria de Vpredicador pleno, em que se enquadra o uso primário do verbo em
estudo, tem como significado básico a com noção de movimento no espaço geográfico (com
emprego semântico semelhante ao de regressar e volver) e requer três argumentos nucleares,
um argumento externo sujeito e dois argumentos internos locativos, origem e destino; porém,
pode manifestar-se em enunciados com um, dois ou três argumentos.
No corpus, diferente do esperado, percebe-se que a predicação com tornare
configurada com base em três argumentos não é usual na língua italiana, já que o argumento
que designa a origem do deslocamento, quase não é expresso no cômputo geral dos dados
(foram encontradas apenas dois dados, um escrito e outro oral), Encontramos mais exemplos
com um dos dois argumentos internos preenchidos e exemplos sem argumento interno
preenchido. Acredita-se que o apagamento desse argumento com função de origem (cf. Dik,
1997, v.1, p. 121) ocorre por conta de implicações discursivas, visto que, em termos de
89
importância comunicativa, a direção, ou seja, o lugar para onde o agente se desloca, se
apresenta como a informação argumental mais saliente. Trabalha-se com a hipótese de que tal
saliência decorre do fato de o argumento origem, em quaisquer situações comunicativas, ser
inferido pelo interlocutor, enquanto, por outro lado, o argumento direção não é,
caracterizando-se, assim, como uma informação nova. Vilela (1999) argumenta a favor da
idéia de que a informação semântica de origem está incorporada ao lexema de verbos como
esse que indicam movimento, sendo, assim, um traço intrínseco de tais verbos. Para o autor, o
contexto é o responsável para ativação de tal informação. A configuração com três
argumentos pode ser conferida no marco predicativo a seguir:
MARCO PREDICATIVO
Tornare [V] (x1: <animado>)agente (x2: <inanimado>)origem (x3: <inanimado>)destino
= arg. 1 – sujeito que se desloca ; arg. 2 – lugar de onde se desloca ; arg. 3 lugar para onde
se desloca)
(Exemplo 1 ): “Ho sempre creduto nella tua santità e sono felice che adesso sei
tornata dal suo appartamento alla casa del Padre. Porto nel cuore il ricordo della
tua umiltà e della tua ricchezza interiore ...”
25 de junho de 2010]
[Italiano escrito, cartas de leitor, Jornal “La repubblica”,
– Sempre acreditei na sua sanidade e estou feliz porque agora
voltou do seu apartamento para casa do seu pai
(Exemplos 2 ): “Los Angeles... Washington... e alla fine sono andata a Los...ãh.... a
Washington... Chicago... a New York e da New York io sono tornata a Roma
oral, conversa, C-Oral-Rom, 14 de janeiro de 2011] – de
[Italiano
Nova Iorque eu voltei para Roma
90
Da mesma forma que o apagamento do argumento origem acontece em razão de
implicaturas discursivas, seu preenchimento também. Quando a especificação do lugar fonte é
necessária ou para a interpretação satisfatória do destinatário ou apenas para um reforço
pragmático do falante com o intuito de tornar tal argumento o foco da informação, o
preenchimento do argumento origem é realizado.
A predicação mais recorrente de que tornare participa, com apenas dois argumentos um externo e outro interno –, pode ser representada pelo seguinte marco predicativo:
MARCO PREDICATIVO
Tornare [V] (x1: <animado>)agente (x2: <inanimado>)origem ou (x3: <inanimado>)destino
arg. 1 – sujeito que se desloca ; arg. 2 – lugar para onde se desloca ; ou arg.3 - Lugar de onde se desloca
(Exemplo 3 ): All'ingresso nel centro sportivo di Milanello Berlusconi ha trovato un
polemico striscione di benvenuto: «Silvio, da invincibile a invisibile. E’ un anno che
non ti fai vedere. Torni a casa e ti presenti a mani vuote, che coraggio».
noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 21 de junho de 2010] – volta
[Italiano escrito,
pra casa
(Exemplo 4 ) : “Catturato il reggente del clan Gionta quando tornava dalla Grecia su
un traghetto
[Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 21 de junho de 2010]
–
capturado o regente da clan Gionta quando voltava da Grécia de barca
(Exemplo 5 ): ... non potendo aspettare la signora Tomasoni, torno alla stanza e
chiamo Tomasoni Clemente ... fratello di Tomasoni Valentino. [Italiano oral, monologo, C-Oral-
91
Rom, 14 de janeiro de 2011]
- não podendo esperar a senhora Tomasoni, volto a sala e
chamo Tomasoni
(Exemplo 6 ): Secondo quanto riferito da alcuni residenti, la vittima (della quale non
sono state ancora rese note le generalità) era tornata ieri dall'ospedale per una
frattura. Dalla posizione in cui è stato trovato non si esclude che sia caduto da una sedia
a rotelle sulla quale si trovava momentaneamente a causa dell'infortunio.
noticia sócio-poliítica, Jornal “La reppublica”, 3 de junho de 2010]
[Italiano escrito,
– segundo o que foi referido por
alguns residentes, a vítima (...) tinha voltado ontem do hospital por causa de uma
fratura
Embora esse emprego como verbo predicador pleno seja frequente no corpus
consultado, em comparação aos outros três usos analisados nesta dissertação, admite-se que
tal predicação retrata o núcleo conceptual mais básico, a partir do qual se derivam outros
possíveis usos (cf. Taylor, 1995). Além do fato de tal configuração ser a primeira acepção
registrada nos dicionários consultados.
Como se pode perceber nesses exemplos, predicações básicas com o verbo predicador
tornare caracterizam-se por evidenciarem um estado de coisa dinâmico, que pode também ser
chamado de evento, e controlado. Dinâmico, porque, ao longo da duração do estado de coisas
– desde o ponto de origem até o destino – percebe-se que há uma mudança de parâmetro
gradativa, mais precisamente, uma mudança espaço-referencial do agente num espaço.
Construções com tornare predicador pleno expressam, comumente, mudança gradativa do
agente. Os exemplos citados evidenciam essa característica, já que é possível estabelecer
pontos locativos intermediários.
92
Como propõe Dik (1997), para que se identifique a dinamicidade de um estado de
coisas, inserem-se satélites que designam velocidade. Em todos os exemplos, esse critério é
viável para se constatar que tais predicações constituem estados de coisas [+ dinâmicos]. A
seguir, alguns dados foram manipulados de modo a demonstrar a eficácia do critério
estabelecido por Dik.
(Exemplo 3a ): ... «Silvio, da invincibile a invisibile. E’ un anno che non ti fai vedere.
Torni lentamente a casa e ti presenti a mani vuote, che coraggio.
(Exemplo 4a ): “Catturato il reggente del clan Gionta quando tornava velocemente
dalla Grecia su un traghetto
(Exemplo 5a ): ... non potendo aspettare la signora Tomasoni, torno presto alla stanza
e chiamo Tomasoni Clemente ... fratello di Tomasoni Valentino.
(Exemplo 6a ): Secondo quanto riferito da alcuni residenti, la vittima (della quale non
sono state ancora rese note le generalità) era tornata presto dall'ospedale per una
frattura. Dalla posizione in cui è stato trovato non si esclude che sia caduto da una sedia
a rotelle sulla quale si trovava momentaneamente a causa dell'infortunio.
Tendo em vista o fato de que o agente controla o estado de coisas, construções com
predicador tornare manifestam também um estado de coisas [+controlado]. Observando-se os
exemplos, constata-se que o agente possui controle sobre o movimento a que se submete e,
consequentemente, sobre o lugar de onde e para onde se movimenta.
93
Conforme a combinação de traços dos estados de coisas, a marcação positiva para o
parâmetro de dinamismo e para o de controle constitui um tipo de estado de coisas
denominado ação. Essa interação de parâmetros está esquematizada no quadro a seguir:
ESTADO DE COISAS
Predicador tornare
[+ Dinâmico]
TIPO DE ESTADO DE COISAS
[+ Controlado]
Ação
Quadro 6 : caracterização do estado de coisas das predicações básicas com tornare.
Outros verbos que possuem traços semânticos relacionados a movimento, como
andare, nuotare, correre, uscire etc., podem ser reduzidos a um denominador comum. Nesse
sentido, em frases como Marco è andato fino alla entrata del bosco. / I bambini hanno nuotato
fino l`arriva del mare / le ragazze sonno uscite dalla piscina15, os predicadores podem, sem
problema, ser substituídos por tornare, embora tal substituição acarrete perda de certos
matizes semânticos particulares. Nadar, por exemplo, significa “movimentar-se pela água”.
Como todos os verbos supracitados se configuram a partir de dois traços, isto é, o de
movimento mais algum outro, e tornare, a partir de apenas um, o de movimento.
Vale salientar que, embora, em alguns casos, seja possível substituir um verbo de
movimento por tornare, postula-se que, mesmo assim, tais casos não se configuram como
extensão semântica do verbo predicador pleno. Essa postulação baseia-se no fato de tornare
em enunciados como “La ragazza é tornata a casa” manter sua sintaxe e semântica básicas –
verbo predicador que significa movimento no espaço geográfico –, e os constituintes
guardarem as propriedades das predicações básicas com tornare – agente controlador e um
locativo caracterizado como a direção para onde esse agente se desloca.
Portanto, esse verbo caracteriza-se como um verbo de valor semântico de movimento;
entretanto, uma simples troca pode, em alguns casos, descaracterizar as propriedades
15
Exemplos criados
94
semânticas dos argumentos. No exemplo L`aereo ha volato per Madrid , observa-se mais um
caso em que o predicador pode ser substituído por tornare, no entanto, o item avião não é
uma entidade controladora, e sim controlada. Analisando-se todas as peculiaridades
semânticas que envolvem tal sentença, conclui-se que o piloto do avião controla sua ação e,
assim, é um agente, enquanto os passageiros funcionam tematicamente como meta. A
paráfrase que melhor traduz essa explicação é O piloto, por meio do avião, levou os
passageiros para Paris. É possível estender tal explicação, em vista de outros tipos de
predicadores que possuem o traço [+ movimento] e são controlados por agente, tais como
ônibus, carro, bicicleta, navio etc.
Cumpre enfatizar que existe um alto grau de subjetividade envolvendo as
interpretações de casos como os exemplificados no último parágrafo. Uma informação de
valor circunstancial como o meio de deslocamento pode, por razões metonímicas, sem
problemas, ocupar a posição de sujeito. No entanto, esta descrição procura tornar evidente
todas as propriedades sintáticas e semânticas das predicações mais básicas com tornare e,
dessa forma, neste momento da descrição, salienta-se o processo pelo qual esses predicadores
com significado de algum movimento específico são associados a tornare.
Esse verbo como predicador pleno também ocorre frequentemente sem nenhum dos
argumentos externos preenchidos. Na maioria dos dados com essa construção, percebe-se uma
circunstância de finalidade, como pode ser visto nos exemplos abaixo:
MARCO PREDICATIVO
Tornare [V] (x1: <animado>) agente
arg. 1 – sujeito que se desloca
95
(Exemplo 7 ): “Non siamo tornati insieme per soldi. Ci siamo rimessi insieme per
gusto musicale e umano'. E' la spiegazione dei Litfiba sulla loro riunione.”
noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 21 de junho de 2010] – voltamos
[Italiano escrito,
juntos por dinheiro
(Exemplo 8 ): Maggiore. «Torni domani per formalizzare la denuncia», gli hanno detto.
Al Pra l'auto risulta intestata a «Nuova tassistica 2001 società cooperativa». La targa, a
beneficio dei prossimi malcapitati, inizia con le lettere «DA» e prosegue con «16...».
Fine della storia. [Italiano escrito, carta de leitor, Jornal “Corriere della sera”, 1 de setembro de 2010] – volte
amanhã para formalizar a denúncia
(Exemplo 9 ): “...dove era diventato indispensabile , per andare all'Anzhi Makhachkala,
nel Daghestan. Avrebbe voglia di tornare soltanto per un paio di mesi, ma tutto è
diventato complicato.
[Italiano oral, intrevista, C-Oral-Rom, 5 de dezembro de 2010] –
teria vontade de
voltar somente por alguns meses
De um modo geral, não se encontram, usualmente, todos os argumentos mencionados
anteriormente manifestados, na mesma oração, talvez pelo fato de que o usuário da língua não
precise ou não deseje dar todas as informações relativas à configuração de um estado de
movimento em evidência, já que, num contexto comunicativo, a atividade de interação entre o
emissor e o destinatário dispensa a atualização de alguns argumentos nos enunciados
produzidos, pois estes ficam subentendidos. É recorrente encontrarem-se os argumentos
“sujeito” e “destino” ou “origem”, visto que eles são os argumentos que evidenciam a idéia de
movimento básica na predicação.
No que diz respeito à variação da preposição que antecede aos argumentos externos
destino ou origem, salienta-se que a preposição a e in são as mais encontradas dentro das
ocorrência analisadas. Todos os exemplos de Vpredicador utilizam as preposições conforme
prescreve a gramática normativa.
96
Verbo
Tornare
Preposições
Exemplos
da
Tornare da scuola.
a
Tornare a casa.
in
Tornare in ufficio.
su
Tornare sulla montagna.16
Quadro 7 : Preposições que podem ser utilizadas com o verbo tornare.
5.2.2. Verbo predicador não pleno
Existem casos em que o verbo tornare mantém sua característica sintática de predicador
com significação plena de movimento, mas relaciona entidades que não condizem com as
restrições de seleção básicas observadas anteriormente. Nesse sentido, tornare já sinaliza
outras nuances de sentido diferentes de sua primeira acepção lexicográfica (mais ou menos
afastadas do sentido-fonte). Nesses casos, o argumento interno não se configura como um
termo [+ animado] e [+controlador] e/ou o argumento externo não traduz um locativo
concreto, ocasionando a necessidade de interpretar tais tipos de sentença por meio de alguma
estratégia especial. Os exemplos seguintes ilustram esses casos:
MARCO PREDICATIVO
Tornare [V] (x1: <animado>)agente (x2: <inanimado>)destino (x3: <inanimado> origem
arg. 1 – sujeito que se desloca ; arg. 2 ou arg 3 – evento acontecido em um dado lugar
16
Os exemplos foram retirados da gramática normativa de Dardano e Trifone
97
(Exemplo 1): “Robinho é tornato al gioco ed ha subito timbrato il cartellino contro il
Palermo: lui vuole riniziare dove aveva concluso, vale a dire segnare il più possibile
con la maglia del Milan. [Italiano escrito, noticia espotiva, Jornal “Il Corriere della sera”, 9 de outuro de 2010]
– Robinho voltou ao jogo e rapidamente marcou gol contra o Palermo
(Exemplo 2): “Successivamente il fastidio sembrava diminuito, ma dopo è tornato
perciò dal medico curante, questo mi prescrive macladin per 7 giorni. Al termine
anche di questa terapia (fine settembre-inizio ottobre) il fastidio sembrava sparito, ma
purtroppo è ritornato.”
[Italiano oral, intrevista, C-Oral-Rom, 19 de janeiro de 2011] –
mas depois
voltou ao médico....
(Exemplo 3): “Dopo 21 giorni di “squalifica” padre Domenico Manuli è tornato a
messa. Era stato “punito” per avere partecipato ad uno show di canale 5. Ma come
tutti coloro che hanno la fede nel cuore non serba risentimento.”
Jornal “Il Corriere della sera”, 15 de outuro de 2010]
[Italiano escrito, Crônica,
– Depois de 21 dias de punição padre
Domenico Manuli voltou à missa.
(Exemplo 4 ): Vada nella sua stanza e si metta una cravatta decente! Poi torni alla
festa e si comporti come un gentiluomo! [Italiano oral, intrevista, C-Oral-Rom, 9 de janeiro de 2011] –
va ao seu quarto e coloque uma gravata decente! Depois volte à festa e se comporte
como um homem gentil
MARCO PREDICATIVO
Tornare [V] (x1: <inanimado>)agente
98
arg. 1 – sujeito que se desloca
(Exemplo 5 ): “Torna il problema del più grande ospedale d’Europa, l’Umberto I di
Roma. Dopo le denunce degli anni passati, la questione riemerge con forza. I
sotterranei pieni di sporcizia, escrementi e umidità sono stati sistemati spendendo 18
milioni...” [Italiano escrito, Noticia sócio-política, Jornal “Il Corriere della sera”, 15 de outuro de 2010] - Volta o
problema do maior hospital da Europa
(Exemplo 6 ): Il fuoco, nel tardo pomeriggio, sembra sconfitto. Così inizia
l'operazione di bonifica e i grandi aerei e gli elicotteri tornano negli hangar.
Ma un Canadair è destinato a un focolaio che sta prendendo forza a Genova Voltri: un
nuovo incendio, ancora una notte di lavoro.
reppulica”, 15 de outuro de 2010]
[Italiano escrito, Noticia sócio-política, Jornal “La
- aeronaves de grande porte e helicópteros voltam para o
hangar
Os exemplos supracitados apresentam argumentos que não satisfazem às restrições de
seleção de tornare. No exemplo (2), observa-se que o constituinte ao médico não compartilha
características com um locativo autêntico como ao hospital em que se verificam traços como
[- animado] e [- humano]. Os exemplos (1), (3) e (4) exibem, respectivamente, os itens jogo,
missa e festa em posição de um locativo; no entanto, esses termos apresentam características
de eventos17 que ocorrem em determinado lugar, ou seja, festa é um evento que pode
acontecer em casa, num clube, num salão, numa discoteca etc., missa, numa igreja, capela e
17
É importante ressaltar que o sentido de evento apresentado (um determinado acontecimento) é diferente
daquele proposto por Dik (1997) que corresponde a um estado de coisas dinâmico.
99
jogo, em um campo, num estádio. Nos exemplos (5) e (6), notam-se termos que não possuem
a capacidade de controlar uma ação (problema / helicóptero) na posição de sujeito.
Admite-se que, nos exemplos (1), (2), (3) e (4), o fenômeno atuante nas predicações
dos exemplos em questão em que se constatam violações de restrições de seleção é o da
metonímia, pois os termos que ocupam a posição de locativo se caracterizam como partes
integrantes da área semântica de atuação de seus locativos correspondentes (festa – clube,
salão, discoteca etc., missa – igreja e jogo – campo, estádio). A substituição que ocorre é a
de lugar pelo evento. De acordo com Heine et alii (1991), o uso de elementos mais abstratos
(eventos) no lugar de mais concretos (locativos) caracterizam-se como um processo cognitivo
de expansão semântica que serve de gatilho para o fenômeno da gramaticalização.
No que concerne aos exemplos (5) e (6), em relação à posição de sujeito, constata-se
que o domínio conceptual de um agente controlador é transferido a uma entidade [- agente] e
[- controladora].
Em algumas estruturas, captam-se extensões de sentido um pouco mais afastadas do
sentido básico do verbo predicador tornare. Trata-se de uma categoria que contempla usos de
tornare que, embora continuem a constituir o núcleo predicante da sentença e a apresentar
comportamento lexical na estruturação semântica e sintática da predicação, não mantêm,
necessariamente, a estrutura argumental prevista na configuração de Vpredicador pleno, nem
o sentido de “movimento no espaço geográfico”, como podemos ver nos exemplos abaixo:
(Exemplo 7) : “La sfilata di Ferrè - spiega la Frisa - ci ha ricordato come a Milano si
venga veramente per vedere vestiti. Il sistema della moda italiana ha bisogno di
tornare alle origini, come ha fatto Miuccia Prada che come sempre ha sparigliato le
carte e ha proposto una donna anni Cinquanta che si guarda alle spalle col gusto della
conteporaneità. .” [Italiano escrito, noticia moda, Jornal “Corriere della sera”, 21 de
100
junho de 2010] – O sistema da moda italiana precisa voltar às origens, como fez
Miuccia Prada
(Exemplo 8 ): “Alla cerimonia del Ventaglio, Fini è anche tornato sulla questione,
assai spinosa, delle intercettazioni, alla luce del recente dietrofront dell'esecutivo. Una
svolta che dimostra, a detta del leader della Camera.” [Italiano escrito, noticia sóciopoliítica, Jornal “Corriere della sera”, 18 de junho de 2010] – Fini também voltou à
questão, muito espinhosa...
(Exemplo 9 ): “«Mi auguro che il tema delle riforme torni in agenda da settembre,
anche se è al momento difficile sperare che riparta uno spirito costituente» ha chiarito
il leader di Montecitorio, riferendosi alla situazione determinata dalla mancata
elezione dei membri laici del Csm.” [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal
“Corriere della sera”, 20 de junho de 2010] – espero que o tema das reformas volte à
agenda de setembro (volte a ser comentado em setembro)...
(Exemplo 10 ): Ne discussero i filosofi dell'antichità greca, e diedero al dire-tutto il
nome di parresia: un vocabolo che torna negli Atti degli apostoli (Pietro e Giovanni
rischiano la morte, pur di testimoniare il vero e la libera coscienza del cristiano). [Italiano
escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “La reppublica”, 3 de junho de 2010] –
um vocábulo que volta aos
atos dos apóstolos
(Exemplo 11 ): Guglielmo Epifani, segretario generale della Cgil, ha appena
partecipato all'incontro con tutte le parti sociali promosso dal Pd di Walter Veltroni.
La sua Cgil è tornata al centro della scena politica, soprattutto di quella della sinistra.
101
[Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 20 de junho de
2010] – A sua Cgil voltou ao centro da cena política
(Exemplo 12 ): “Noi dobbiamo avere una posizione nazionale, siamo pronti a fare
riforme, andremo avanti nel cambiamento, ma noi manovre non ne facciamo più
perchè non si può chiedere di più a un paese che raggiunge il 5 per cento di avanzo
primario l'anno". Bersani, infine, torna sulle polemiche sollevate dalla dichiarazioni di
Beppe Grillo su Equitalia...” [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere
della sera”, 1 de junho de 2010]- Bersani ... volta as polêmicas levantadas nas
declarações de Beppe Grillo...
(Exemplo 13 ): E oggi? «Il lavoro è calato, ma la colpa è della crisi, non dell'euro».
Tornare alla lira? «Scherziamo? Un disastro». [Italiano oral, diálogo, C-Oral-Rom, 10
de dezembro de 2011] – Voltar à lira?
(Exemplo 14 ): Visto che a fine febbraio i ristoranti, con i prezzi raddoppiati erano
semivuoti, hanno fatto marcia indietro ed hanno escogitato il sistema "mangiano in
due e si paga per uno". Morale, ad aprile i prezzi erano tornati a quelli di prima dell'
euro. Quì dove vivo, in Germania.... [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal
“La reppublica”, 3 de julho de 2010] – Os preços tinham voltado àqueles de antes do
euro
No exemplo (7) o verbo tornare não indica um movimento no espaço geográfico e,
sim, um movimento no tempo e o retorno a uma condição/situação social anterior, que nesse
caso está relacionado a origem da moda, como era no tempo anterior. Em (8), tornare revela
102
o sentido de movimento no espaço psico-social, retomada de um argumento já citado
anteriormente. Além disso, (9) revela uma inserção, no caso de forma metafórica, passa a
fazer parte das coisas que serão comentadas em setembro. No exemplo (10), temos o
movimento metafórico de um evento no espaço psico-social, já esteve ali e é retomado. Já no
(11), temos a retomada de um argumento dentro do campo político, um movimento no tempo.
Enquanto no (12), temos também a retomada de um argumento, mas nesse caso essa retomada
é feita por um ser animado. No (13), temos um movimento metafórico no tempo, retorno a
uma condição já experimentada anteriormente. E por fim, no exemplo (14), percebe-se o
movimento no tempo de um ser inanimado, marcando noção de anterioridade.
O exemplo a seguir, no entanto, estrutura-se com base num verbo predicador tornare
que não mantém, completamente, seus traços semânticos básicos. Nesse caso, por estabelecer
uma espécie de “unidade composicional” com outro constituinte, é possível estabelecer
substituição por outra unidade semântica18 correspondente.
(Exemplo 15 ): Con la moglie Dominique al fianco, ricorda: «Solo qualche anziano
continua a tradurre in lire. Tornare indietro? No. Stanno arrivando i polacchi, sulle
nostre montagne, ci sono già gli ungheresi, i francesi e i tedeschi... [Italiano oral, intervista, COral-Rom, 14 de janeiro de 2011] – Voltar
atrás?
Na predicação exemplificada acima, tornare, ainda que mantenha traços de sua
semântica básica – “movimento no espaço” –, forma com outro elemento uma unidade
composicional. Alguns dicionaristas avaliam tal caso como “expressão idiomática” ou
“expressão cristalizada”, pelo motivo de veicularem um sentido global.
18
Entende-se por unidade semântica uma palavra ou uma estrutura que suscite um único sentido.
103
Vale salientar que, no exemplo, há a possibilidade de um marco predicativo diferente,
já que o sentido global do enunciado não depende somente do comportamento semântico
individual do predicado e dos argumentos, como até o momento se verificou, e sim de um
sentido global gerado a partir da combinação entre tornare e o argumento em posição que
seria primeiramente de um locativo. Marcos predicativos apresentam informações sintáticosemânticas dos predicados e, dessa forma, eles não dão conta de sentidos que são construídos
no nível discursivo. Se uma pessoa não entende que tornare indietro (voltar atrás) possui o
sentido de se arrepender ou rever conceitos anteriores, o que seria muito difícil para um
falante nativo do Italiano, sua interpretação basear-se-á na configuração semântica básica do
predicado tornare e do constituinte indietro (atrás).
É possível cogitar a similaridade dessa estrutura verificada no exemplo com perífrases
com verbo-suporte, visto que se percebe a atuação de um elemento verbal sobre outro não
verbal, cuja fusão sintático-semântica denota um sentido global.
Nessa unidade compósita, tornare revela comportamento que se situa entre as
categorias de verbo predicador e verbo-suporte. Nesse tipo de construção, percebe-se uma
articulação entre elementos que possuem seus atributos semânticos enfraquecidos, uma vez
que eles deixam de possuir um significado isolado para, juntos, constituírem um sentido
global, um complexo verbal. Nesse sentido, vale ressaltar que um estudo específico que
contemple a natureza composicional de formas verbais como as exemplificadas,
comprovando, ou descartando, a possibilidade de estar havendo algum grau de lexicalização,
delimitaria com êxito as propriedades dessas construções e de seus componentes.
Uma das premissas básicas dos estudos sobre gramaticalização (cf. Heine ET alii,
1991 e Heine, 1993) é a de que categorias que marcam algum tipo de aspecto espacial tendem
a ampliar seu escopo a aspectos relacionados a tempo. Ao se observarem os dados em função
dessa premissa, detectaram-se, no corpus pesquisado, usos de tornare em que o deslocamento
104
acontece no espaço temporal e não mais no espaço geográfico como pôde ser verificado nos
exemplos anteriores.
Portanto, o verbo predicador tornare pode exprimir extensões de sentidos mais ou
menos relacionadas ao núcleo semântico básico, além de seu significado básico de
“movimento no espaço geográfico”. Comprova-se que a sintaxe lexical prototípica desse
verbo permanece, geralmente, inalterada em todas as extensões semânticas observadas,
mesmo que se verifiquem na estrutura compósita indícios de uma fusão sintáticosemântica.
Todavia, a atribuição sintática de predicar não se perde nem em extensões de sentidos mais
destoantes da semântica básica. Observar-se-ão, nas próximas seções, contudo, casos em que
se perceberá, além de alteração semântica, mudança morfossintática.
5.2.3. Verbo copulativo
Acredita-se que é necessária uma breve descrição da natureza categorial dos verbos
copulativos e das sentenças de que participam, antes das análises de tornare como verbo
copulativo19.
Verbos de ligação são, normalmente, associados a elementos que “relacionam”
categorias – sujeito e predicativo – e/ou que “suportam” propriedades gramaticais de tempo,
pessoa e modo. Tal afirmação sugere que verbos copulativos possuem apenas função interna
ao sistema linguístico, ou seja, não fazem qualquer tipo de referência ao mundo
biopsicofisicossocial, como é o caso dos verbos predicadores.
19
Verbo copulativo entende-se verbo de ligação.
105
Os exemplos que seguem apresentam alguns casos de verbo de ligação equativos –
pois os constituintes relacionados, posicionados à direita e à esquerda do verbo, estão numa
relação de igualdade, já que há a possibilidade de troca entre tais termos.
(a) O menino parece o grande mostro.
(b) A casa é o doce lar.
Em (a), se o constituinte o grande mostro passasse a ocupar a posição à esquerda da
forma verbal parece, aquele passaria a ser o sujeito, já que, por estarem em posição de
igualdade, não há outro critério, além da ordem, para se definir estruturalmente qual
constituinte é sujeito e qual é o predicativo. Essa possibilidade de mobilidade, ou seja, de
qualquer um dos termos ocupar a posição de sujeito ou de predicativo demonstra o estado
equativo que esse subtipo de verbos de ligação proporciona aos constituintes. Em (b), por
exemplo, poder-se-ia ter o doce lar é a casa , em que o doce lar é o sujeito, ou a casa é o doce
lar, em que a casa é o sujeito. Cabe ressaltar que, em termos discursivo pragmáticos, inversão
pode provocar uma mudança de sentido. Em (b), por exemplo, a inversão poderia caracterizar
uma mudança de foco.
Existem alguns casos, entretanto, em que não se percebe essa posição de equilíbrio
entre os constituintes à esquerda e à direita do verbo de ligação, pois um termo funciona como
modificador ou delimitador do outro e uma mudança de posição caracterizaria uma inversão
entre sujeito e predicativo. A esse tipo de verbo de ligação que seleciona uma descrição e/ou
característica do sujeito, confere-se o nome de verbos atributivos ou descritivos, conforme
está ilustrado a seguir:
(c) Maria está triste.
(d) Maria é triste.
(e) Maria continua triste.
106
Se, em qualquer desses enunciados, o termo doente passasse a ocupar a posição à
esquerda do verbo, aquele continuaria sendo um predicativo (doente, está João / Doente, é
João / Doente, continua João). Novamente, percebe-se que essa inversão pode acontecer em
razão de necessidades discursivo-pragmáticas, como a focalização.
Esses exemplos demonstram, ainda, o quanto os verbos de ligação podem interferir na
semântica da frase. As diferenças entre tais enunciados pautam-se, basicamente, na duração
de estado a que cada constituinte sujeito se vincula. Em (c), percebe-se uma duração de estado
mais curta, em (d), uma duração permanente e, em (e), uma duração longa, mas que não
transparece uma permanência tal qual se capta em (d).
Em síntese, há dois subtipos de verbos de ligação: (i) um que proporciona um
equilíbrio sintático entre os constituintes – verbos equativos – e (ii) outro em que o
predicativo descreve e/ou delimita alguma propriedade do sujeito – verbos atributivos ou
descritivos. Para fins de análises, comparar-se-á tornare ao verbo transformar-se, por
participarem de predicações com configurações sintáticas e semânticas semelhantes.
O emprego do verbo tornare como verbo copulativo é muito produtivo no corpus
investigado. Tal função encontra-se descrita em todos os materiais examinados (cf. capítulo
1), aparece em quase todas as obras examinadas como segunda opção de descrição. A seguir,
encontram-se algumas das ocorrências de tornare.
(Exemplo 1 ): Il suo negozio è rimasto chiuso: a distanza di due anni, non lo vuole
nessuno. I clienti però non mancano e, non essendoci più le spese del negozio, i
margini di guadagno sono tornati accettabili. [Italiano escrito, editorial, Jornal “La
reppublica”, 11 de agosto de 2010] – as margens de lucro são aceitáveis
107
(Exemplo 2 ): Ora ad Assisi dicono che se il cavallo di San Francesco è tornato
grande anche l'ippica può guarire. Ma forse ci vuole un altro miracolo. [Italiano
escrito, noticia-reportagem, Jornal “La reppublica”, 9 de julho de 2010] – se o cavalo
de São Francisco se tornou grande...
(Exemplo 3 ): Dopo lo scandalo che nel giugno 2010 provocò polemiche in tutta
Europa, torna l'allarme mozzarelle blu. Una nuova partita di formaggi contraffatti e
prodotti con materie prime vietate è stata scoperta a Frosinone da agenti della
Questura ... [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 11 de
agosto de 2010] – ...volta a soar o alarme para mozzarelle blu
(Exemplo 4 ): Ma il giorno in cui dall'FBI la chiamano perché il killer ha ripreso a
colpire, capisce che quell'incubo è tornato realtà. Anche Harry Bosch è alle prese con
un'indagine: quella sulla morte del suo amico Terry McCaleb, il cui cuore trapiantato
ha ceduto per sempre. [Italiano escrito, crônica, Jornal “La reppublica”, 1 de junho de
2010] – entende que aquele pesadelo se tornou realidade
Construções com tornare copulativo não apresentam regularidade no que se refere à
natureza do predicativo, visto que é possível preencher tal posição com substantivos e
adjetivos ou com expressões semanticamente equivalentes.
Tornare nesse tipo de construção define-se como um verbo atributivo, pois o
predicativo caracteriza e/ou delimita propriedades do constituinte sujeito, informando, mais
precisamente, um estado do sujeito. Entende-se, também, que tornare não apresenta conteúdo
semântico tão esvaziado assim, já que sua troca por outro verbo de ligação, como essere, por
exemplo, acarreta uma mudança semântica na sentença.
108
(Exemplo 1a ): Il suo negozio è rimasto chiuso: a distanza di due anni, non lo vuole
nessuno. I clienti però non mancano e, non essendoci più le spese del negozio, i
margini di guadagno sono tornati / sono stati accettabili. [Italiano escrito, editorial,
Jornal “La reppublica”, 11 de agosto de 2010]
(Exemplo 2a ): Ora ad Assisi dicono che se il cavallo di San Francesco è tornato / é
stato grande anche l'ippica può guarire. Ma forse ci vuole un altro miracolo. [Italiano
escrito, noticia-reportagem, Jornal “La reppublica”, 9 de julho de 2010]
(Exemplo 3a ): Dopo lo scandalo che nel giugno 2010 provocò polemiche in tutta
Europa, torna / é l'allarme mozzarelle blu. Una nuova partita di formaggi contraffatti e
prodotti con materie prime vietate è stata scoperta a Frosinone da agenti della
Questura ... [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 11 de
agosto de 2010]
(Exemplo 4a ): Ma il giorno in cui dall'FBI la chiamano perché il killer ha ripreso a
colpire, capisce che quell'incubo è tornato / é stato realtà. Anche Harry Bosch è alle
prese con un'indagine: quella sulla morte del suo amico Terry McCaleb, il cui cuore
trapiantato ha ceduto per sempre. [Italiano escrito, crônica, Jornal “La reppublica”, 1
de junho de 2010]
Nas ocorrências de tornare como verbo de ligação, percebe-se a manutenção da noção
de movimento, porém, nesse caso, o movimento não é no espaço geográfico, nem no tempo.
O processo é de movimento interior, no sentido de transformação.
109
5.3. Verbo (semi-) auxiliar
Um dos usos mais frequentes de tornare, no corpus consultado, é o que suscita uma
categorização mais próxima da dos verbos auxiliares, já que, basicamente, tais ocorrências
possuem atribuições de ordem instrumental, como tempo, pessoa e aspecto, por exemplo.
Segundo VIEIRA & BRANDÃO (2004), entende-se auxiliarização como um processo
de gramaticalização que atua sobre formas verbais e que implica a transferência de extensão
de sentido/uso dessas formas da categoria lexical (verbo predicador) para uma categoria
gramatical ( verbo auxiliar, semi-auxiliar, cópula, suporte), sob certas condições semânticas
ou morfossintáticas. Em sentido lato, toma-se, então, o termo auxiliaridade para nomear o
comportamento instrumental que uma unidade verbal pode desempenhar num continuum de
usos/sentidos da língua.
O verbo (semi-)auxiliar liga-se a um predicador (simples ou complexo) ou um verbo
principal que, por sua vez, é o responsável pela predicação (já que determina o esquema
predicativo e designa propriedade de um participante ou relação entre entidades) e ocorre
numa forma nominal (infinitivo, no corpus em análise). Com este, constitui uma perífrase
verbal. Sabe-se que, quanto mais depende de um constituinte adjacente (“predicante”), tanto
mais um verbo se afasta de seu caráter lexical e assume algum grau de gramaticalização
considerado semi-auxiliar, pelo fato de não atender a todos os parâmetros de
auxiliaridade/gramaticalização verbal, responsáveis pela configuração prototípica de verbos
auxiliares.
O emprego de construção com verbo (semi-)auxiliar é um dos recursos da língua para
marcar noções de tempo, modo/modalidade e aspecto verbal. A esse respeito, Déniz (1999:25)
comenta: A perífrase verbal é uma unidade semântico-funcional que constitui um único
núcleo verbal indivisível, no qual é importante tanto o verbo principal quanto o verbo
110
auxiliar, já que o resultado final da perífrase resulta da união dos significados dessas formas
verbais.
A categoria de Vsemi-auxiliar justifica-se em razão de certos verbos, que comumente
são classificados como verbos auxiliares em abordagens mais superficiais do assunto, não se
comportarem como outro conjunto de verbos instrumentais que se submetem a todos os
critérios de auxiliaridade (cf. MATEUS et alii, 2003, por exemplo). A esse respeito, essa
autora diz:
Os verbos semiauxiliares são verbos esvaziados de significado lexical, sem grelha argumental,
que respondem afirmativamente a alguns mas não a todos os critérios de auxiliaridade (os
quais, recorde-se, são: impossibilidade de completiva finita, um só advérbio de tempo de cada
tipo, uma só negação frásica (precedendo) o auxiliar, atracção obrigatória do clítico pelo verbo
auxiliar). (MATEUS et alii, 2003:15)
Em função dessas breves considerações, entende-se que há um conjunto de
ocorrências de tornare que pode ser melhor descrito se se estipular uma categoria com algum
grau de gramaticalidade e, assim, se lhe conferir estatuto semi-auxiliar. Por exemplo:
(Exemplo 1 ) “Che fare allora? L’obiettivo numero uno è tornare ad avere la fiducia
dei mercati. E l’unica strada – quella il governo Monti sta provando a battere – è
rimettere in carreggiata i conti dello stato tentando (se possibile) di stimolare nello
stesso tempo la crescita ...” [Italiano escrito, editorial, Jornal “Corriere della sera”, 7 de agosto de 2010] – o
objetivo número um é voltar a ter a confiança dos mercados
Observa-se que tornare se especializa, em tais extensões de uso, na atribuição de
aspecto de reinício de um estado de coisa, que ocorre em estruturas que podem ser
interpretadas como perífrases verbais, ainda que tenham uma configuração que não atenda a
111
todos os critérios de auxiliaridade. Esse verbo se associa a um predicador (simples ou
complexo) no infinitivo que é antecedido pela preposição “a”.
[tornare + a + (verbo no infinitivo)]Predicado Verbal
(Exemplo 2 ) : “... ne esce un'intervista memorabile, amarissima, rivelatrice
dell'isolamento che avrebbe portato al suo assassinio soltanto un mese dopo. E ancora
Bocca torna a raccontare l'Italia che cambia, la rivincita delle campagne piemontesi
ed emiliane in chiave industriale.” [Italiano escrito, noticia-reportagem, Jornal “La reppublica”, 3 de junho
de 2010] –
e ainda Bocca volta a contar a Itália que muda...
As estruturas perifrásticas dos exemplos desta seção apresentam tornare flexionado,
mais um elemento verbal no infinitivo responsável pela predicação, ou seja, pela projeção de
argumentos e atribuição de papéis temáticos, caracterizando-se, assim, como o núcleo léxicosemântico daquelas. Tornare, nesses casos, participa das predicações veiculando informações
de ordem gramatical.
A partir de agora, explicitam-se propriedades sintático-semânticas das perífrases
verbais com tornare, tendo em vista os critérios de auxiliaridade descritos em Mateus et alii
(2003) e Machado Vieira (2004).
As formas verbais da unidade complexa relacionam-se ao
mesmo referente-sujeito
(Exemplo 3 ) : “Un incubo che sembrava scongiurato e che invece torna a rimbalzare
sulla cronaca. E' arrivata nell'ospedale livornese venerdì scorso con una diagnosi che
non lascia speranze, un caso raro, anzi rarissimo per il nostro Paese...” [Italiano escrito, noticia
112
sócio-poliítica, Jornal “La repubblica”, 18 de junho de 2010] –
Um pesadelo que parecia esconjurado e
que ao invés volta a ricochetear na crônica
O verbo tornare + a + o verbo essere no infinitivo formam uma perífrase verbal em
que o verbo tornare (semi-)auxiliar se une, com auxilio da preposição a, ao verbo principal
essere. Os dois verbo do complexo apresentam o mesmo referente-sujeito. O verbo predicador
(no infinitivo) expressa o evento ativo praticado pelo sujeito e o verbo que o precede e se liga
ao mesmo referente-sujeito determina apenas a modalidade – de aspecto – da ação expressa
pelo predicador, conferindo-lhe a nuance de reinício/retomada.
Atuam sobre outro(s) verbo(s) num só domínio de predicação –
fusão semântico-funcional
(Exemplo 4 ) : C’era molta libertà, anche rispetto a oggi che nella stanza dei bottoni ci
sono ancora gli uomini. In quante dirigono un teatro stabile? Per fortuna ultimamente ci
risvegliamo e torniamo a scendere in piazza».[Italiano oral, monologo, C-Oral-Rom, 14 de janeiro de
2011] – Por
sorte, ultimamente acordamos e voltamos (a descer para) a praça
Esse exemplo revela que o emprego de tornare em destaque opera sobre outro verbo
(predicador) num só domínio predicativo (num período simples). Esta estruturação torna-se
mais evidente quando se opera com o critério de auxiliaridade segundo o qual é impossível,
em verdadeiras locuções verbais, substituir a estrutura sintagmática introduzida pelo verbo
predicador por oração completiva finita ou por uma forma pronominal demonstrativa (como
“isso”). É o que se percebe nos dados com semi-auxiliar tornare.. O verbo predicador no
infinitivo (scendere) é o responsável por estabelecer o número de argumentos da predicação.
Juntos, compõem uma “unidade de sentido” (um complexo verbal, uma perífrase/locução
113
verbal) em que: (a) o primeiro elemento (Vsemi-auxiliar) desempenha (principalmente)
função gramatical, a de marcar as categorias gramaticais do verbo (tempo, modo, pessoa,
número e/ou voz), indicar aspecto e, assim, matizar o verbo sobre o qual opera; e o segundo
elemento (Vauxiliado) exerce função lexical, a de estabelecer o estado de coisas em que se
encontra(m) o(s) participante(s) no mundo biossocial ou referencial.
Revelam alteração semântica em relação ao uso que têm como
Vpredicador pleno
Ao se Submeter à gramaticalização, um verbo tem sua acepção primária de
Vpredicador alterada e, em decorrência de um processo de dessemantização, sua área de
atuação sintático-semântica amplia-se quando passa a desempenhar papel instrumental na
língua. É o caso do verbo tornare:
(Exemplo 5 ) : “Mancino, sempre ai microfoni di Sky, è poi tornato a ribadire la
propria autonomia nella scelta di votare a favore di Alfonso Marra per la presidenza
della Corte d’Appello di Milano e ha sottolineato di «non aver potuto immaginare che
esistesse una loggia P3” [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “La repubblica”,
18 de junho de 2010] – Mancino, sempre aos microfones da Sky, voltou então a
reafirmar a própria autonomia na escolha de votar a favor de Alfonso Marra
Empregos desse tipo revelam sentido distinto do primário (movimento no espaço
geográfico). Tornare, nesses exemplos, passou a indicar “movimento, no tempo (um tempo
“interno” ao estado de coisas/evento; não-dêitico, porque se refere ao evento em si e não à
situação de enunciação), de retorno/reinício de um estado de coisas”, cumprindo o papel de
indicar a repetição, a retomada e continuação de um estado de coisas/evento de outro recorte
114
no eixo temporal e de denotar a fase do desenrolar do estado de coisas, ou seja, o ponto inicial
no segmento tempo: “aspecto incoativo/inceptivo”
20
. Também revela sua fase de realização
(noção aspectual): estado de coisas começado e não-acabado.
Em geral, caracteriza-se Vauxiliar típico como uma unidade da língua que não possui
valor lexical no mundo biossocial (valor referencial), mas gramatical/instrumental no sistema.
É a extensão de sentido/uso que se especializa na indicação/marcação de categorias
gramaticais: pessoa, número, tempo, modo, voz e aspecto.
Não impõem restrições de seleção semântica ao preenchimento
do sujeito gramatical
Um Vauxiliar típico não seleciona o termo que ocupará a posição sintática de sujeito
na predicação. Não lhe atribuí papel semântico/temática, nem lhe impões restrições de seleção
semântica. É o Vpredicador (verbo principal) que determina as condições semânticas para
preenchimento do lugar sintático de sujeito. Isso pode ser notado no exemplo a seguir:
(Exemplo 6 ) : “Da qualche tempo avevo deciso che era ora di tornare a studiare e
farlo finalmente con costanza così dopo un pò di ricerche ho trovato quello che è
attualmente il mio maestro d chitarra (jazz-blues)” [Italiano escrito,
repubblica”, 18 de junho de 2010]
noticia-reportagem, Jornal “La
– A algum tempo havia decidido que era hora de voltar a
estudar e fazê-lo finalmente com assiduidade...
Nesses usos, tornare tem sua área de atuação sintático-semântica ampliada, uma vez
que não há restrições quanto à natureza do estado de coisas que caracteriza o predicador sobre
o qual atua. E sabe-se que, quanto maior a possibilidade de um item verbal se combinar com
20
Aquele que indica uma ação começada, o início de uma ação, ou melhor, seu recomeço (nesse semiauxiliar), já que pressupõe repetição de estado de coisas sem idéia de freqüência ou de hábito.
115
elementos auxiliados diversos (que expressem qualquer tipo de evento – ação, processo,
estado, posição – ou com qualquer tipo de transitividade), mais nítido seu estatuto
instrumental. É o que se verifica com relação a tornare, já que tanto pode ocorrer em eventos
([+ ou - controlados] e [+ dinâmicos]), quanto pode ocorrer em estados e processos (estados
de coisas [- controlados] e [+ ou – dinâmicos]).
O emprego semi-auxiliar de tornare não é responsável pela seleção semântica do
termo que ocupa a posição de sujeito na predicação. Não lhe atribui, assim, papel
semântico/sintático. Nos dados encontrados, é o verbo predicador que impõe restrições
semânticas para o preenchimento do lugar sintático de sujeito. Isso pode ser confirmado a
partir do confronto de exemplos, como os que se listam abaixo:
(Exemplo 7 ): In nessun paese democratico questo sarebbe successo”. Nel merito della
manovra, infine, il segretario della Cgil torna a bocciare l'impostazione della
correzione dei conti: “Non colpisce i ricchi. È una manovra di classe, intesa al
contrario”.
[Italiano escrito, noticia poliítica, Jornal “La repubblica”, 23 de junho de 2010]
– o secretário da
Cgil volta a reprovar o preparo da correção das contas...
(Exemplo 8 ): “un’economia mondiale e la debolezza delle istituzioni internazionali o
l’inadeguatezza dei vecchi stati. Il tema della democrazia torna ad essere centrale nella
visione dei progressisti ed anche fondamentale per ristabilire un rapporto forte con le
opinioni pubbliche dei nostri paesi. (…)”[Italiano escrito, noticia econômia, Jornal “La repubblica”, 20 de
junho de 2010] –
o tema da democracia volta a ser central na visão dos progressistas
116
Os exemplos citados mostram que perífrases verbais formadas pelo semi-auxiliar
tornare podem ocorrer com sujeitos que desempenham diferentes funções semânticas: em (7)
agente, em (8) tema.
Ocorrem numa construção que só admite um advérbio de
negação, (preferencialmente posicionado à esquerda da
sequência em auxiliação para que a negação possa modificar
toda a predicação)
(Exemplo 9 ) : “Una pausa di riflessione, dopo aver vinto tutto nel 2010. Eppure la
sensazione è che se ci fosse l'uomo giusto da prendere, Moratti tornerebbe ad essere
un presidente meno rigoroso.” [Italiano escrito, noticia-reportagem, Jornal “La reppublica”, 21 de agosto de
2010] –
Moratti voltaria a ser um presidente menos rigoroso...
Outro indício de sua semi-auxiliaridade é o fato de o advérbio de negação poder atuar
sobre o verbo predicador no infinitivo, nesse tipo de complexo verbal. Essa perífrase até
aceita dois advérbios de negação, um incidindo sobre o semi-auxiliar tornare, e o outro, sobre
o predicador no infinitivo, como no exemplo:
• “Una pausa di riflessione, dopo aver vinto tutto nel 2010. Eppure la sensazione è che se
ci fosse l'uomo giusto da prendere, Moratti non tornerebbe ad essere un presidente
meno rigoroso.”
• “Una pausa di riflessione, dopo aver vinto tutto nel 2010. Eppure la sensazione è che se
ci fosse l'uomo giusto da prendere, Moratti tornerebbe a non essere un presidente
meno rigoroso.”
117
•
“Una pausa di riflessione, dopo aver vinto tutto nel 2010. Eppure la sensazione è che
se ci fosse l'uomo giusto da prendere, Moratti non tornerebbe a non essere un
presidente meno rigoroso.”
Um auxiliar típico ocorrerá numa construção que só admita um advérbio de negação,
preferencialmente posicionado à esquerda da sequência em auxiliarização para que a negação
possa modificar toda a predicação.
Com o verbo auxiliado, comportam-se “em bloco” diante de
certas transformações sintáticas (da afirmativa para a
interrogativa, por exemplo)
(Exemplo 10 ) : “Dal ritiro del Milan di Dubai, Alexandre Pato è tornato a parlare,
correggendo almeno in parte il tiro dopo l'intervista di qualche giorno fa che aveva
alzato un vero e proprio polverone, tanto da far pensare ad um nuovo uomo ...” [Italiano
escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 29 de agosto de 2010] –
Alexandre Pato voltou a
falar...
Vale destacar o comportamento em bloco diante da transformação de uma asserção
com o semi-auxiliar tornare em uma interrogação. Nesse tipo de transformação sintática, o
domínio do verbo principal (no infinitivo) não pode ocorrer como resposta a uma pergunta
que apenas tenha o semi-auxiliar tornare, como, no exemplo 10 “Dal ritiro del Milan di
Dubai, Alexandre Pato è tornato a parlare, correggendo almeno in parte il tiro dopo
l'intervista di qualche giorno ...”
•
*Cosa Alexandre Pato è tornato? a parlare, correggendo almeno in parte il tiro
dopo l'intervista di qualche giorno
118
•
Porém: Cosa Alexandre Pato è tornato a fare? a parlare, correggendo almeno in
parte il tiro dopo l'intervista di qualche giorno
Esse teste também contribui para mostrar que os dois verbos funcionam como uma
unidade sintática.
Considerando-se os seis critérios presentes em VIEIRA (2004), percebe-se que
tornare tende ao rol dos auxiliares, mas, tendo em vista que tal elemento não apresenta
consonância com todos os critérios, optou-se por chamá-lo de semi-auxiliar. Abaixo,
resumem-se os critérios com os quais se trabalhou e a possível adequação de tornare.
Verbos (tipicamente) auxiliares
Parâmetros de auxiliaridade
1) As formas verbais da unidade
Verbo semi-auxiliar TORNARE
Parâmetros
+
Propriedades em evidência
TORNARE + A + Predicadori no INF
complexa relacionam-se ao mesmo
(identidade de sujeito > um só posição
referente-sujeito
de sujeito)
2) Atuam sobre outro(s) verbo(s)
+
num só domínio de predicação
TORNARE + A + Predicador no INF =
unidade de predicação e unidade de
sentido
3) Revelam alteração semântica em
+
relação ao uso que têm como
Sentido: “retomada/reinício de um
estado de coisas”
Vpredicador pleno
4) Não impõem restrições de seleção
+
Liga-se a diversos predicadores
semântica ao preenchimento do
119
sujeito gramatical
5) Ocorrem numa construção que só
−
admite um advérbio de negação,
Admite diferentes possibilidades de
inserção de advérbio de negação:
(preferencialmente posicionado à
esquerda da sequência em auxiliação
NÃO TORNARE + A + Predicador no
para que a negação possa modificar
INF
toda a predicação)
TORNARE + A + NÃO Predicador no
INF
NÃO TORNARE + A + NÃO
Predicador no INF
6) Com o verbo auxiliado,
+
O que Arg1 TORNARE + A +
comportam-se “em bloco” diante de
Predicador no INF?
certas transformações sintáticas (da
E não: *O que Arg1 TORNARE?
afirmativa para a interrogativa, por
exemplo)
Quadro 8 : Parâmetros e propriedades responsáveis pela semi-auxiliaridade
de certos emprego de TORNARE.
O emprego instrumental de tornare não se submete a todos esses critérios de
auxiliaridade. Por isso, é categorizado como semi-auxiliar.
5.4. Verbo suporte
120
Além de tornare atuar como verbo predicador e verbo semi-auxiliar também pode se
caracterizar como verbo-suporte21, apesar de não ter um uso expressivo na língua Italiana.
Dos dados coletas, tem-se apenas uma ocorrência do verbo tornare como verbo suporte.
(Exemplo 1 ) : “... l’italiano vuole rispecchiarsi in un passato tragico e remoto in
chiave moderna, tornando a galla alcune storie di politica, antiche tradizioni e
storiche memorie...”
[Italiano orale, dialogo, C-Oral-Rom, 22 de janeiro de 2011]
– O italiano quer
espelhar-se num passado trágico e remoto no sistema moderno, voltando à tona
algumas histórias de política....
Percebe-se que esse dado pode ser examinado de duas formas distintas: ou como
Vpredicador (não-pleno) ou como Vsuporte. Isso se deve ao fato de certos empregos do item
em estudo apresentarem características referentes a mais de uma função exercida por ele.
Entende-se que, se tornare atua como predicador, é considerado o núcleo semântico-sintático
da predicação sendo passível de substituição por outro Vpredicador (quase) sinônimo e
mantendo a responsabilidade de atribuir papel temático na predicação. Já se age como
Vsuporte, entende-se uma extensão de sentido de um Vpredicador esvaziada semanticamente
e com comportamento léxico-gramatical, que se associa a um elemento não verbal,
partilhando com este a função de atribuir papel temático. Esse verbo tem caráter instrumental
porque serve de “suporte” para marcar noções de categorias verbais, tais como tempo, modo,
aspecto, número e pessoa, tal como atuam os verbos auxiliares. Os dois elementos formadores
do predicador complexo colaboram para a projeção de argumentos na oração e, em muitos
casos, formam uma construção que pode ter um Vpredicador correspondente.
21
Os verbos-suporte também são nomeados de verbos leves, verbos funcionais, verbalizadores, verbóides e
verbos de apoio.
121
Preferiu-se situar esse dado dentro da categoria de verbo suporte, pois no exemplo
anteriormente citado o verbo tornare se une a um elemento não verbal (galla), formando um
predicador complexo. Esse predicador complexo pode ser substituído pelo predicador simples
galleggiare.
Salienta-se, entretanto, que a identificação da categoria de Vsuporte não se limita a
casos em que haja possibilidade de alternância entre predicadores complexos e predicadores
simples correspondentes. A esse respeito Neves (1997) comenta: “Verbos-suporte são verbos
semanticamente vazios, que permitem construir um SV com Vn em relação de paráfrase com
um SV.”
Machado Vieira22 (2001) denomina essa categoria de “operandum auxiliar de
‘verbalização’ de elemento não-verbal” e acredita que “um verbo-suporte contribui para a
formação semântica do predicado verbo-nominal, apesar de o item nominal ser o principal
responsável pelas propriedades semânticas da predicação nuclear”.
Em síntese, o verbo tornare nesse exemplo se comporta de modo híbrido por
apresentar extensão semântica “voltar à superfície”, própria da categoria de Vpredicador nãopleno, bem como pode se comportar como uma construção complexa, (tornare a galla =
galleggiare (emergir)) responsável pela distribuição de papel temático aos argumentos.
22
Marcia dos Santos Machado Vieira analisou o verbo fazer em sua tese de doutorado. Dentre outros aspectos,
abordou a função de verbo-suporte (cf. bibliografia)
122
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta pesquisa, propôs-se investigar o comportamento polifuncional de tornare e, para
tanto, analisaram-se as propriedades sintáticas, semânticas e discursivas de predicações com
esse verbo. Com efeito, analisaram-se (i) textos da modalidade oral tirados do Coral-Row e da
modalidade escrita correspondentes aos gêneros jornalísticos, artigos de opinião, cartas de
leitores, crônicas, editoriais, notícias-reportagens.
Tendo em vista as análises e descrições empreendidas, esta dissertação oferece
contribuições em três níveis: (a) teórico-metodológico, (b) descritivo e (b) pedagógico. Tendo
em vista as análises e descrições empreendidas, esta dissertação procurou oferecer
contribuições acerca de aplicação teórica, uma vez que se desenvolveram investigações com
base na conjugação de aparatos teóricos e do comportamento polifuncional de tornare em
diferentes tipos e gêneros textuais.
Acredita-se, também, que este trabalho possa colaborar para questões relacionadas ao
ensino de Língua Italiana para estrangeiro. Assim sendo, as contribuições alcançam três
níveis: (a) teóricometodológico, (b) descritivo e (b) pedagógico.
Em nível teórico-metodológico, nesta pesquisa, articularam-se, proficuamente,
arcabouços teórico-metodológicos de enfoques diferentes, para dar conta do comportamento
polifuncional de tornare. Essa articulação de pressupostos teóricometodológicos, que se
mostrou compatível nesta dissertação, consiste, basicamente, na Teoria da Gramática
Funcional do Discurso, corrente de orientação holandesa cujo precursor é o linguista Simon
Dik, vinculada aos pressupostos sobre gramaticalização, especialmente àqueles advindos da
Escola Norte-Americana.
Em nível descritivo, a pesquisa revelou a flexibilidade sintático-semântica e discursiva
dos usos do item linguístico tornare. A descrição qualitativa demonstrou os contextos em que
123
esse elemento pode apresentar características lexicais básicas e características mais
instrumentais, funcionando como um “suporte”, nos empregos como verbo copulativo e semiauxiliar, para marcas morfológicas de tempo, modo, pessoa e aspecto. Não se deve perder de
vista que se determinou, também, a eficácia de tornare para servir de instrumento discursivo
pragmático, uma vez que tal item contribui para aspectos de progressão textual e para marcar
foco de uma predicação.
Sua maleabilidade semântica, também, foi comprovada, de modo que seus sentidos
variaram bastante em cada função trabalhada. Como verbo copulativo, resgatou-se pouco
conteúdo semântico que suscitasse a noção de “movimento”; como verbo semi-auxiliar,
percebeu-se, mais expressivamente, a idéia de “movimento pelo tempo”, embora, em alguns
casos, houvesse certa ambiguidade entre verbo predicador pleno e verbo semi-auxiliar; e
como instrumento discursivo pragmático, pôde-se, também, apurar dados em que o
significado básico de “movimento concreto”, configurando-se, assim, como uma predicação
coordenada a outra forma verbal (Andrea é tornato [al ristorante] e ha mangiato).
No que tange ao comportamento lexical básico, a pesquisa demonstrou sua natureza
semântica concreta cuja função é a de expressar “um movimento de um agente controlador até
um destino”. Sua sintaxe lexical prototípica caracteriza-se por exigir um argumento interno,
com a função semântica de direção, um argumento interno default, com função semântica de
origem, e um argumento externo, com a função semântica de sujeito.
Em determinados empregos como verbo predicador, detectaram-se extensões de
sentidos da predicação básica de tornare. Uma em que se captou a expansão do item tornare,
de modo a se tornar equivalente semanticamente a outro predicador. E outra em que, da união
entre tornare mais o argumento interno, infere-se um sentido global.
Na qualidade de verbo semi-auxiliar, tanto nas construções com infinitivo, como nas
como gerúndio, as análises estabelecidas determinaram o caráter semigramatical de tornare,
124
já que esse item verbal não correspondeu a todas as características que fazem, de um verbo,
auxiliar. Sua categorização híbrida comprova que o processo de mudança pelo qual passa esse
emprego ainda está em andamento e que, a depender do contexto discursivo-pragmático em
que se encontra, esse elemento verbal adquire propriedades que o enquadram em graus
distintos de gramaticalização.
Funcionando como instrumento discursivo-pragmático, constatou-se que tornare atua
no domínio textual, colaborando para a progressão de idéias, especialmente em textos orais
narrativos, e no domínio da pragmática, em que sinaliza focalidade. Observe-se que esses
domínios pertencem a um mesmo nível de análise, o discursivo-pragmático, que é o plano da
construção/interpretação dos sentidos.
Nesta pesquisa, empreendeu-se um tratamento quantitativo, com base na distribuição
dessas extensões de uso e sentido no corpus e de aspectos relativos à caracterização de
algumas delas. Com isso, pode-se apreender com que frequência o falante recorreu a cada
uma, tendo em vista propriedades do corpus constituído e parâmetros considerados na
caracterização de cada uma.
No que se refere aos empregos gramaticalizados de tornare, verificou-se que cada uso
participa de um continuum de gramaticalização diferente. Há, por sua vez, entre os extremos
desses continua detectados, empregos de comportamento híbrido em graus diferentes de
gramaticalização. Determinou-se, também, que as relações entre esses empregos
instrumentalizados não são nítidas, entre si, mas somente entre os empregos semigramaticalizados e o núcleo conceptual básico – tornare na condição de verbo predicador
pleno.
Em termos pedagógicos, esta pesquisa proporciona o desenvolvimento e/ou
aprimoramento de materiais em que se descreva o comportamento sintáticosemântico e
discursivo de tornare Julga-se como importante a apresentação para os alunos, a depender,
125
evidentemente, do nível de escolaridade, de noções acerca da reação peculiar de verbos –
diferenciados comportamentos – em função do contexto discursivo em que está atuando.
Com a descrição e as análises das construções em que tornare constitui um
instrumento discursivo, aproveita-se, para o ensino, a idéia de que determinados itens
apresentam função que extrapolam o nível da estrutura e servem para enfatizar ou dramatizar
outros elementos. Sublinha-se, ainda, a importância da situação comunicativa para o uso dessa
construção.
Comparando-se a literatura consultada e as análises empreendidas, compreende-se que
o tratamento do comportamento de tornare existente nas obras pesquisadas oferece descrições
dos seus usos, especialmente as lexicográficas; entretanto os aspectos de mudança são pouco
debatidos pelos autores nessa revisão bibliográfica que serviu de base. Quando se trata de
mudança, o foco das análises observadas em tais obras recai, em quase na totalidade dos
casos, sobre o uso como verbo semi-auxiliar.
Alguns aspectos podem, ainda, ser revistos ou estudados para que se aprofunde a
descrição da polifuncionalidade de tornare.
(1) Uma ampliação do corpus investigado, de modo a contemplar outras variedades da língua
italiana e gêneros textuais diversos;
(2) Uma pesquisa específica sobre o caráter multifuncional de perífrases com certos verbos de
movimento (“foi / saiu / veio / andou pesquisando”; “saiu / veio / passou / andou a pesquisar”;
“vai / vem pesquisar ”);
(3) Uma investigação acerca do fenômeno da lexicalização que parece atuar em certas
construções com tornare mais elemento não verbal;
(4) Apresentação da possível interferência da preposição para o processo de gramaticalização
de tornare, pois, ao que parece, há diferenças sintáticosemânticas entre as estruturas tornare
a, tornare in e tornare su;
126
(5) Uma descrição de outros usos desse item verbal como expressões de tempo decorrido (não
se encontrou dado algum dessa natureza no corpus considerado).
(6) Um estudo dos empregos de tornare como verbo copulativo e em unidades compósitas à
luz da teoria da Gramática das Construções.
Para finalizar, destaca-se que tornare tem uso frequente no italiano em diferentes
contextos comunicativos. Em diferentes gêneros ou fontes de texto, revela seus empregos de
Vpredicador (com sentido pleno ou não-pleno) e Vsemi-auxiliar. Assim, uma mesma forma
verbal relaciona-se a categorias funcionais divergentes, cuja identificação dependerá do
contexto. Nessas categorias, persiste a noção de “movimento de retomada/retorno”. A
gramaticalização de tornare decorre de um conjunto de propriedades distintas das que tem
como Vpredicador: entre as quais, a alteração semântica de seu sentido-fonte com sua
especialização semântica na indicação gramatical de “aspecto” - retomada de um estado de
coisas –, e com a perda da autonomia que tem como verbo predicador em virtude de seu
desgaste semântico e de sua recorrência numa determinada estrutura morfossintática (
“TORNARE + A + Predicador no INF”) com o propósito de sinalizar uma informação
gramatical, não-dêitica. Sua semi-auxiliaridade advém, principalmente, do fato de não se
aplicar à estrutura formada por esse emprego do parâmetro que colabora para pôr em
evidência uma locução verbal (uma unidade semântica, sintática e funcional): (i) uma só
instância de negação atuando sobre todo o complexo verbal.
127
7. BIBLIOGRAFIA
BERRUTO, Gaetano. Sociolinguistica dell’italiano contemporaneo. Roma: La Nuova
Italia, 2006.
BRAGANÇA, Marcela Langa Lacerda. (2008) A gramaticalização do verbo ir e a variação
de formas para expressar o futuro do presente: uma fotografia capixaba. Dissertação
(Mestrado em Estudos Linguísticos) – Faculdade de Letras, UFES, Vitória.
BYBEE, Joan. (2003). “Mechanisms of change in grammaticization: the role of
frequency”. In: Joseph, Brian & Janda, Richard(eds). A handbook of historical linguistics.
Blackweel.
CAMARA JR, J. Mattoso. (1970) Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes.
CANTARIN,S. Costrutti com verbo supporto, Italiano e Tedesco a confronto.
Bologna:Patron, 2004.
COELHO, Sueli Maria. (2006) Estudo diacrônico do processo de expansão gramatical e
lexical dos itens ter, haver, ser, estar e ir na língua portuguesa. Tese (Doutorado em
Linguística) – Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte.
CUNHA, Maria Angélica Furtado da., OLIVEIRA, Mariangela Rios de., MARTELOTTA,
Mário Eduardo. (orgs.). (2003) Linguística Funcional: Teoria e Prática. Rio de Janeiro:
DP&A Editora.
DARDANO. Maurizio, TRIFONE. Pietro. Grammatica Italiana com nozioni di linguistica.
Zanichelli. Terceira Edição. Bolonha. 2007.
DÉNIZ, Magnolia Troya. (1999) Perífrases verbales de infinitivo en la norma linguística
culta de Las Palmas de Gran Canaria. 1ª ed. Madrid: Real Academia Española.
DEVOTO, Giacomo e OLI, Gian Carlo. Il dizionario della lingua italiana. Edizione: Le
Monnier, ottobre 2000.
__________, Giacomo e OLI, Gian Carlo. Dizionario della lingua italiana.. Firenze: Le
Monnier, Ed 2005.
128
DIK, Simon C. (1981) Gramatica funcional. Tradução da 1. ed., glossário de termos
técnicos e introdução por Fernando Serrano Valverde e Leocadio Martin Mingorance.
Madrid: Sociedad General Española de Libreria. [1978]
_______, Simon C. (1997). Theory of functional grammar. Ed. por K. Hengeveld. Berlin:
Mounton de Gruyter. Vol.1 p. 77-126, 193-216, 365-389. (cap. 4, 5, 8 e 15).
ESTEVES, Giselle Aparecida Toledo. (2008) Construções com DAR + Sintagma Nominal
: a gramaticalização desse verbo e a alternância entre perífrases verbo-nominais e
predicadores simples. Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa) – Faculdade de Letras,
UFRJ, Rio de Janeiro.
FLORA, Francesco. Grammatica italiana . Universale Cappelli Editore, 1971.
FORNACIARI, Raffaello. Sintassi Italiana dell’uso moderno (Uso delle parti del discorso
– uso delle proposiozione – collocazione delle parole. IN FIRENZE: G. C. SANSONI,
EDITORE. 1881
GIVÓN, Talmy. (1979) On understanding grammar. Nova York: Academic Press.
GOLDBERG, A.E . Constructions at work. New York: Oxford University Press, 2006.
MAIDEN. Martin. Storia linguistica dell’italiano. Il Mulino. Edição Original: A linguistic
history of Italian, New York, Longman , 1995.
HEINE, B. (eds.). Approaches to grammaticalization. Volume I,
Benjamins Company, 1991.
Philadelphia,
ohn
_________, Bernd et alii. Auxiliaries: cognitive forces and grammaticalization. Oxford:
Oxford University Press, 1993.
_________, Bernd et alii. Grammaticalization. In: JOSEPH, Brian D. e JANDA, Richard D.
The handbook of historical linguistics. Oxford: Blackwell 2003.
HOPPER, Paul J. On some principles of grammaticalization. In: TRAUGOTT, E. C. e
129
LAWRENCE, H., ROBINSOSN, J. S. & TAGLIAMONTE, S. Goldvarb 2001. A
multivariate analysis application for Windows. Inédito, 1999.
LEHMANN, Christian. (1995) Thoughts on Grammaticalization. Munchen, Newcastle:
Lincon Europa.
Lorenzo Renzi, Giampaolo Salvi e Anna Cardinaletti. Grande grammatica italiana di
consultazione, 3 volumi, Bologna, Il Mulino, 1988-1995.
MACHADO VIEIRA, Marcia dos Santos. (2001) Sintaxe e semântica de predicações com
verbo fazer. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) – Faculdade de Letras, UFRJ, Rio de
Janeiro.
________________. (2003) “Caracterização do comportamento multifuncional de fazer”.
In: BRANDÃO, Silvia Figueiredo & MOTA, Maria Antónia (orgs). Análise contrastiva de
variedades do português: primeiros estudos. Rio de Janeiro: In-Fólio.
________________, Marcia dos S. Perífrases verbais: o tratamento da auxiliaridade. In:
VIEIRA, S. & BRANDÃO, S. (orgs.) Morfossintaxe e ensino de Português: reflexões e
propostas. Rio de Janeiro: In-Fólio. p. 65-96, 2004.
MARTELOTTA, Mário E., VOTRE, Sebastião J. & CEZARIO, Maria M. (orgs.).
Gramaticalização no português do Brasil: uma abordagem funcional. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1996.
____________, CEZARIO, Maria M. & MARTELLOTA, Mario E. Gramaticalização. Rio
de Janeiro: FL/UFRJ, 2004.
MATEUS, Maria Helena Mira et alii. (2003) Gramática da língua portuguesa. 5a ed.
Lisboa: Caminho.
NEVES, Maria Helena de Moura. (1997) A gramática funcional. São Paulo: Martins Fontes.
NICHOLS, J. (1984). “Functional theories of grammar”. Annual Review of Antropology,
13: p. 97-117.
PITTANO, Giuseppe. Così si dice e si scrive, dizionario grammaticale . Zanichelli editore,
1993 .
130
SABATINI, F. Edizione online: Dizionario della Lingua Italiana. Editore: RIZZOLI LAROUSSE Pubblicazione: 01/2008.
__________, F. La preposizione. in: La comunicazione e gli usi della lingua italiana.
Academia della Crusca, 1997.
SAUSSURE, Ferdinand de. (1977) Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix.
SERIANNI, Luca. Grammatica Italiana. Italiano comune e lingua letteraria. Turim. Utet
Libreria, 1999.
SPINELLI, Vincenzo e CASASANTA, Mario. Dizionario completo Italiano-Portoguese
(Brasiliano). Editore Ulrico Hoepli, Milano, 1983.
TRAUGOTT, Elizabeth Closs. (2003) “Constructions in Grammaticalization”. In:
JOSEPH, B. & JANDA, R.D. (ed.) The Handbook of Historical Linguistics. Oxford,
Blackwell Publishing Ltd.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. (2002) Gramaticalização de verbos. Relatório de PósDoutorado em Linguística. – Faculdade de Letras, UFRJ, Rio de Janeiro.
____________, Luiz Carlos. (2003) “Verbos gramaticais - Verbos em processo de
gramaticalização” In: FIGUEIREDO, Célia Assunção; MARTINS, Evandro Silva;
TRAVAGLIA, Luiz Carlos & MORAES FILHO, Waldenor Barros (orgs.).
TAYLOR, John R. (1995) Linguistic categorization: prototypes in linguistic theory. 2. ed.
Oxford: Calderon Press. [1989]
TRIFONE, P, DARDANO, M. Grammatica italiana com nozioni di linguistica. Bolonha.
Zanichelli Editore, 1992.
_________. P, PALERMO, M. Grammatica italiana di base.Bolonha.Zanichelli Editore,
2005.
VILELA, Mário. (1999) Gramática da língua portuguesa. Coimbra: Livraria Almedina.
131
ZINGARELLI, Nicola. VOCABOLARIO DELLA LINGUA ITALIANA. 12 ed. Bologna:
Zanichelli, 2000.
132
ANEXO
Codificação, nos “corpora”, de aspectos como:
(I) CATEGORIA VERBAL (função de cada ocorrência de TORNARE)
M - Verbo predicador – movimento no espaço
E - Verbo predicador – extensão de sentido (valores diferentes do de movimento)
A - Verbo semi-auxiliar (TORNARE A Vinfinitivo)
S - Verbo suporte
(II) MODALIDADE EXPRESSIVA
e - escrita
o - oral
(III)
FONTE
G
Jornal La reppublica
E
Jornal Corriere della Sera
C
Coral - Row
(IV)
FORMA DE “TORNARE”
f
finita
n
não-finita (nominal – particípio, gerúndio ou infinitivo)
(V) ESTRUTURAÇÃO DAS PREDICAÇÕES NUCLEARES COM TORNARE
Se for Vpredicador,
3 Argumento1Agente [+ controlador do evento] TORNARE Argumento2ORIGEM
Argumento3DESTINO/ALVO
0 Argumento1Agente [+ controlador]
TORNARE Argumento2ORIGEM
2 Argumento1Agente [+ controlador]
TORNARE Argumento2DESTINO / META
5 Argumento1 Agente [+controlador]
TORNARE Argumento 2 (Vazio)
8 Argumento1Agente [+controlador]
TORNARE Argumanto2TEMA
Argumento3DESTINO / META
133
6 Argumento1Tema/Paciente/Força [- controlador] TORNARE Argumento2ORIGEM
Argumento3DESTINO
4 Argumento1Tema/Paciente/Força [- controlador] TORNARE Argumento2ORIGEM
1 Argumento1Tema/Paciente/Força [- controlador] TORNARE Argumento2DESTINO / META
7 Argumento1Tema/Paciente/Força [-controlador] TORNARE Argumento2 (Vazio)
9 Argumento
Tema/Paciente/Força[-controlador]
TORNARE Argumanto2TEMA
Argumento3DESTINO / META
Se for Vsemi-auxiliar,
@ Argumento1Agente [+ controlador do evento] TORNARE a PREDICADOR SIMPLES
#
Argumento1Tema/Paciente/Força [- controlador] TORNARE a PREDICADOR SIMPLES
$
Argumento1Agente [+ controlador do evento] TORNARE a PREDICADOR COMPLEXO
(locução verbal, com outro verbo (semi-)auxiliar, perífrase verbo-nominal, com verbo
suporte)
% Argumento1Tema/Paciente/Força [- controlador] TORNARE a PREDICADOR
COMPLEXO
Se for Vsuporte,
& Argumento1Agente/experienciador [TORNARE + Elemento N/V] Predicador complexo
> Argumento1Tema/Paciente/Força [TORNARE + Elemento N/V] Predicador complexo
(VI)
VALORES SEMÂNTICOS DE TORNARE
0
movimento no espaço geográfico
1
movimento no espaço psico-social (- concreto)
2
movimento no tempo: retorno a um lugar no tempo
3
movimento no tempo: retorno a um estado de coisas / evento
4
movimento no tempo: retorno a uma condição/situação social (+ concreto)
5
mudança na condição/situação social de uma meta/tema.
134
135
Download