UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PREDICAÇÕES COM O VERBO TORNARE EM ITALIANO SOB UMA ANÁLISE FUNCIONALISTA FABRICIA DE ALMEIDA DE SOUSA 2012 PREDICAÇÕES COM O VERBO TORNARE EM ITALIANO SOB UMA ANÁLISE FUNCIONALISTA Por FABRICIA DE ALMEIDA DE SOUSA Aluna do Curso de Mestrado do Programa de Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana) Orientadora: Gullo Professora Doutora Annita Rio de Janeiro Fevereiro de 2012 2 FOLHA DE APROVAÇÃO PREDICAÇÕES COM O VERBO TORNARE EM ITALIANO SOB UMA ANÁLISE FUNCIONALISTA Fabrícia de Almeida de Sousa Orientadora: Professora Doutora Annita Gullo Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana). Examinada por: ___________________________________________________________________________ Presidente, Professora Doutora Annita Gullo ___________________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Maura Cezario – PPG Lingüística – UFRJ ___________________________________________________________________________ Professor Carlos da Silva Sobral – UFRJ ___________________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Franca Zuccarello – UERJ, Suplente ___________________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Lizete dos Santos – UFRJ, Suplente Rio de Janeiro Fevereiro de 2012 3 FICHA CATALOGRÁFICA . Sousa, Fabrícia de Almeida de. Predicações com o verbo tornare em italiano sob uma análise funcionalista / Fabrícia de Almeida de Sousa – Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de Letras, 2012. 135f. : 30 cm Orientadora: Annita Gullo Dissertação (mestrado) – Faculdade de Letras , Departamento de Letras Neolatinas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012. Referências Bibliográficas: f. 128-132 Palavras - Chave: Língua Italiana. Funcionalista. Polifuncionalidade verbal. Verbo tornare. Caracterização da polifuncionalidade morfossintática, semântica e discursiva do verbo tornare. 4 RESUMO PREDICAÇÕES COM O VERBO TORNARE EM ITALIANO SOB UMA ANÁLISE FUNCIONALISTA Fabrícia de Almeida de Sousa Orientadora: Professora Doutora Annita Gullo Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana) Nesta pesquisa, objetiva-se descrever e analisar as propriedades sintático-semânticas de predicações com verbo tornare em variados textos orais e escritos, de sincronia atual, do italiano standard e, com isso, intenta-se, também, atestar a polifuncionalidade desse verbo no sistema lingüístico. Acredita-se que tornare é usado com configurações distintas da lexical básica, ou seja, a de predicador – com que exprime movimento no espaço geográfico e, então, projeta até dois argumentos internos locativos (ponto de origem/partida e ponto de destino) e argumento externo agente (entidade controladora do mundo biopsicofisicossocial que se desloca no espaço). Com base nos pressupostos, sobretudo do funcionalismo lingüístico, especificamente nos que se referem (i) à formação de predicadores e à configuração de expressões lingüísticas da Teoria da Gramática Funcional (DIK, 1997) e (ii) ao processo de mudança chamado de gramaticalização (HEINE et alii (1993) e HOPPE (1993)), define-se e explica-se o emprego lexical básico de tornare, como verbo predicador, a natureza de suas extensões semânticas de verbo predicador, e alguns de seus usos, de verbo predicador a verbo (semi-) auxiliar. O corpus será constituído a partir de dados orais coletados do programa CORAL-ROM e de dados escritos coletados nos jornais Corriere della Sera e La Repubblica. Coletar-se-ão os diversos contextos contendo predicadores simples ou complexos e usos a serem testados quanto à avaliação subjetiva. Palavras-chave: gramaticalização, polifuncionalidade, auxiliaridade, verbo tornare. Rio de Janeiro Fevereiro de 2012 5 ABSTRACT PREDICAÇÕES COM O VERBO TORNARE EM ITALIANO SOB UMA ANÁLISE FUNCIONALISTA Fabrícia de Almeida de Sousa Orientadora: Professora Doutora Annita Gullo Abstract da dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana) This study aims to describe and analyze the syntactic-semantic properties of the verb predications tornare in various oral and written texts, of current synchrony, Italian standard and, therefore, an attempt is also made to attest the multifunctionality of this verb in the linguistic system. It is believed that tornare is used with different configurations of the basic lexical, in other words, as a predicate - which expresses movement within the geographic space and then protrudes up to two internal locative arguments (point source / departure and destination point) and agent external argument (a controlling entity of the biopsychophysicalsocial world which moves in space). Based on the assumptions, especially the functional language, specifically what refers to (i) predicate formation and configuration of linguistic expressions of the Theory of Functional Grammar (DIK, 1997) and (ii) the process of change called grammaticalization ( HEINE et al (1993) and HOPPE (1993)), sets up and explains the basic lexical tornare usage as a predicate verb, the nature of its semantic extensions as a predicate verb, and some of its uses, as a predicate verb or a (semi-) auxiliary verb. The corpus will be defined in oral data from the C-ORAL-ROM program and written data from the newspapers Corriere della Sera and La Repubblica. It will be collected different contexts containing simple or complex predicates and their usage to be tested according to the subjective evaluation. Kew-words: grammaticalization, multifunctionality, auxiliary, verb tornare. Rio de Janeiro Fevereiro de 2012 6 Mãe e pai (In memorian) Dedico este trabalho àqueles enviados por DEUS para me ensinar a amar, a ter esperança e a lutar pelos meus sonhos. Ensinaram-me sempre a transformar as grandes dificuldades em bênçãos. Sua querida filha, Fabrícia. 7 AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço a Deus e a Jesus Cristo, meu Senhor e Salvador, por me dar a vida e a verdadeira paz, por me dar amor incondicional e por sempre estar à minha frente, mesmo quando eu não sei por onde seguir. Ao meu pai, Joaquim, que fez a grande viagem, mas antes de partir me deixou uma grande herança que ninguém nunca poderá me tirar, o meu saber. Pai, eu te amo e sinto muito a sua falta. À minha mãe, Marylene, por depositar confiança em mim, mesmo em momentos em que nem eu mesma acreditava que poderia alcançar meus objetivos, por estar sempre ao meu lado nos fracassos e nos sucessos, por me mostrar que o mundo pode ser muito maior do que podemos imaginar, À minha irmã e grande amiga, Fabiane, por me encorajar a continuar a jornada acadêmica, por me dar seu amor e sua amizade nos momentos mais difíceis e por ser uma irmã tão especial. Ao meu noivo, Fábio, que participou de todas as etapas da minha história acadêmica, desde o processo de seleção para o vestibular até o presente momento, por me amar e me incentivar, por torcer pelo meu sucesso e por ter paciência comigo nos momentos mais estressantes dessa caminhada. Ao meu sogro e minha sogra, tio Círio e tia Lourdinha, por sempre me acolherem em sua casa com todo carinho do mundo, por me darem atenção, afeto e força nos momentos difíceis. A meus avós (In memorian), meus tios e primos pelos momentos de descontração e alegria. Ao amigo Jordane, por me fazer rir nos priores momentos e me dizer sempre que a vida é muito fácil. A todos os amigos que fiz na sala F-310, que sempre me receberam com carinho e compartilharam momentos inesquecíveis durante anos. Um carinho especial a Olívia Maia e Cristina Márcia. 8 Aos professores do departamento de neolatinas Sônia Reis, Cláudia Fátima, Maria Lizete, Andrea Lombardi e, em especial, ao professor Carlos Sobral, por ter contribuído para a minha formação acadêmica e profissional e enriquecido meu conhecimento. Aos professores Mario Martelotta (In memorian) e Maria Maura Cezario, pelas valiosas considerações e orientações sobre funcionalismo e o processo de gramaticalização. À professora Márcia do Santos Machado Vieira, por ter me ajudado a dar os primeiros passos em trabalho de pesquisa, ter me orientado na iniciação científica e sido tão solícita em me ajudar a aprofundar conhecimentos sobre funcionalismo, gramaticalização e auxiliaridade. Agradeço especialmente à pessoa que possibilitou e contribuiu grandemente para a realização deste trabalho, Annita Gullo, por ter aberto as portas da pesquisa para mim, por ter me aconselhado e ajudado em momentos difíceis, pela paciência, pela amizade construída desde a graduação, por me encorajar e por acreditar em mim. Meus sinceros agradecimentos. 9 10 Esta pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES – (2010/03 – 2012/02) SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 15 2. REVISÃO DA LITERATURA .............................................................................................. 20 2.1 Descrição do verbo tornare em algumas gramáticas................................................. 24 2.2. Descrição do verbo tornare em obras lexicográfica.......................................... 27 2.3. Observações específicas sobre tornare............................................................... 31 3. REFERÊNCIAL TEORICO........................................................................................ 32 3.1. Aspectos relativos ao funcionalismo.................................................................. 33 3.2. Enfoque funcionalista sobre predicação............................................................ 40 3.3. Processos de gramaticalização............................................................................. 53 3.3.1. Gramaticalização de verbos auxiliares................................................... 61 3.3.1.1. Estágios de gramaticalização de verbos................................... 65 3.4.Enfoque funcionalista de categorização linguística............................................ 72 3.5. Polissemia verbal: extensões semânticas por meio de metáfora e metonímia 74 4. ASPECTO METODOLÓGICO................................................................................. 77 4.1. Procedimentos da análise..................................................................................... 80 5. POLIFUNCIONALIDADE DE TORNARE.............................................................. 83 5.1. Distribuição dos dados pelas categorias funcionais ......................................... 85 5.2. Verbo predicador................................................................................................. 89 5.2.1. Verbo predicador pleno.............................................................................. 89 5.2.2. Verbo predicador não-Pleno...................................................................... 97 5.2.3. Verbo copulativo......................................................................................... 105 11 5.3. Verbo (semi-)auxiliar........................................................................................... 109 5.4. Verbo suporte....................................................................................................... 120 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 123 7. BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................... 128 ANEXO - Codificação, nos “corpora”, de aspectos.................................................... 133 12 ÍNDICE DE QUADROS, TABELAS, FIGURAS E GRÁFICOS QUADROS Quadro 1: Tipos de estado de coisas 50 Quadro 2: Parâmetros semânticos do estado de coisas na predicação (Cf. ESTEVES, 2008:67) 51 Quadro 3: Combinações de aspectos para a definição dos estados de coisas 52 Quadro 4 : Distribuição geral dos textos pesquisados e dos dados coletados no corpus oral. 78 Quadro 5 : Distribuição geral dos textos pesquisados e dos dados coletados no 79 corpus escrito. Quadro 6 : caracterização do estado de coisas das predicações básicas com tornare. 93 Quadro 7 : Preposições que podem ser utilizadas com o verbo tornare. 96 Quadro 8 : Parâmetros e propriedades responsáveis pela semi-auxiliaridade de certos emprego de TORNARE. 119 TABELAS Tabela 1: Os principais esquemas de eventos que funcionam como fontes para as categorias gramaticais de tempo e aspecto, conforme Heine (1993, p. 31). 63 FIGURAS Figura 1: Modelo de interação verbal da Gramática Funcional de Dik (1997:8-9, v.1) 41 Figura 2: Sistema de regras de expressões 45 Figura 3: Modelo global da Gramática Funcional de DIK (1981, 1997) 47 Figura 4: Formação de going to designador de tempo futuro, através de um continuum configurado pelos pólos source (origem) e target (alvo); (Heine, 1993, p. 49). 65 13 Figura 5: Implicações morfossintáticas e fonológicas do processo de mudança verbo > auxiliar. 66 Figura 6: Cadeias de gramaticalização de verbos, segundo Travaglia (2002). 71 GRÁFICOS Gráfico 1 : Distribuição dos 403 dados de TORNARE pelas categorias funcionais 86 às quais esse item se vincula no corpus do italiano escrito em análise. Gráfico 2 : Distribuição dos 327 dados de TORNARE como verbo predicador. 86 Gráfico 3 : Distribuição dos 257 dados da modalidade escrita nas categorias funcionais encontradas 88 Gráfico 4 : Distribuição dos 146 dados da modalidade ORAL nas categorias funcionais encontradas 88 14 1. INTRODUÇÃO Muitos termos da língua são passíveis de alterações/adequações morfossintáticas ou semânticas, devido, principalmente, à necessidade do falante em pleno ato comunicativo. Essas alterações, que consistem em novas funções e/ou novos sentidos, originam-se de situações em que o emissor, a fim de ser compreendido totalmente, faz uso de alguns recursos, muitas vezes não estruturais, para estabelecer a comunicação, ou apenas dar mais relevo ou enfatizar algum elemento pertencente ao discurso. O verbo tornare, um verbo frequente na língua italiana, pode ser considerado representante desses itens lexicais flexíveis, pois apresenta características sintático-semânticas diferentes da considerada primária - verbo predicador pleno com o seu sentido básico de movimento no espaço geográfico e como verbo “cópula/de ligação” ou “auxiliar (aspectual incoativo)”. O estudo dos verbos, no que concerne a mudança de categoria de verbo predicador a verbo auxiliar ou a verbo suporte (quando acompanhado por um nome), assim como o seu processo de gramaticalização, está despertando o interesse de muitos pesquisadores. Estudos como os de BRAGANÇA (2008), COELHO (2006) e VIEIRA (2001) refletem sobre a gramaticalização e a mudança categorial de alguns verbos. Nesta pesquisa, descreve-se o comportamento semântico-sintático de empregos do verbo tornare, apresentando-se categorias funcionais em que o mesmo pode ser inserido. Traçando, assim, o seu comportamento polifuncional, em diferentes contextos de produção nas modalidades escrita e falada do Italiano standard. Focalizam-se, neste trabalho, aspectos da gramaticalização de empregos de tornare, em sua trajetória de verbo predicador pleno (com uma configuração que envolve três argumentos – dois dos quais são locativos – e com o significado de movimento no espaço geográfico) ou não-pleno (com configurações diferentes 15 da anterior que manifestam extensões de sentido) a verbo instrumental, ou melhor, a verbo semi-auxiliar. Com base na descrição do comportamento multifuncional desse verbo, pretende-se deslindar sua configuração lexical básica, a natureza de suas extensões semânticas e definir e explicar a trajetória de alteração categorial de alguns de seus empregos. Após a descrição das predicações de que tornare participa e a categorização desse item, a pesquisa centra-se nas predicações em que esse item lexical revela algum grau de gramaticalização, estudando-se as propriedades que tornare assume ao se comportar como verbo semi-auxiliar (escrito posteriormente Vsemi-auxiliar), verificando-se os parâmetros responsáveis pelo processo de transferência desse item linguístico de Vpredicador a Vsemiauxiliar e averiguando-se graus de integração entre os componentes que se aliam na composição de predicadores complexos. O objetivo geral desta dissertação é descrever os usos de tornare no italiano contemporâneo, de Vpredicador pleno a Vsemi-auxiliar, investigando a natureza de cada categoria. Como objetivos específicos, tem-se: (i) apresentar como se configuram sintaticamente predicações com tornare registradas no corpus que se constituiu com base em produções escritas da variedade do italiano standard; (ii) evidenciar as categorias funcionais às quais tal item verbal participa; (iii) mostrar a produtividade dessas categorias em contextos comunicativos; (iv) explicitar parâmetros de auxiliaridade responsáveis pela transferência do verbo tornare da categoria de verbo predicador para a categoria de verbo gramatical, que auxilia a formação de predicadores complexos; e (v) então, identificar as propriedades que empregos desse verbo têm quando se associam à categoria de semi-auxiliar e o que traduzem as predicações com predicadores complexos por ele formadas. Espera-se, em última instância, reunir subsídios para que se possa ajudar a obter uma descrição criteriosa dos predicadores complexos com o semi-auxiliar tornare em obras 16 didáticas e científicas e, assim, se possa oferecer contribuição para o tratamento de temas como categorização verbal, auxiliaridade. Um pressuposto teórico que fundamenta este estudo é a concepção de língua como um sistema de unidades e regularidades linguísticas acionadas em decorrência de propósitos comunicativos. Consequentemente, este estudo norteia-se por orientações do paradigma funcionalista. Adere-se a essa perspectiva por entender que cada uso de tornare depende de fatores comunicativos específicos, já que no processo interacional, a existência de uma cooperação entre emissor e destinatário acarreta possíveis adaptações linguísticas. As orientações teórico-metodológicas específicas constituem-se com base em orientações relativas ao estudo do processo de gramaticalização, à configuração de predicações e de predicadores complexos e ao conceito de categorização radial (de TAYLOR, 1995) baseado numa rede de semelhanças e dissimilaridades entre as categorias percebidas e na possibilidade de estas abrangerem elementos exemplares/prototípicos e elementos nãoexemplares. A opção por esse enfoque contribui para a elucidação de fenômenos de mudança linguística ao propiciar subsídios para a investigação do trânsito de formas/expressões linguísticas do léxico para o sistema gramatical, por motivações semântico-discursivas. A gramaticalização é a passagem de palavras lexicais a palavras gramaticais. Para descrever o processo de gramaticalização, que compreende a transposição categorial do verbo tornare, num continuum de auxiliarização, de verbo predicador (categoria com comportamento lexical responsável pela projeção da estrutura argumental de uma predicação) a verbo instrumental, recorreu-se a parâmetros descritos por Hopper (1991) e por Heine et alii (1993) e ainda a critérios de auxiliaridade apresentados, entre outros, por Machado Vieira (2004). A auxiliarização é um processo de gramaticalização que atua em formas verbais e que implica a transferência dessas formas da categoria lexical (verbo predicador) para uma categoria gramatical (verbo auxiliar, semi-auxiliar, cópula ou suporte). Então, o termo 17 auxiliaridade, segundo Machado Vieira (2004), é utilizado para nomear o comportamento instrumental que uma unidade verbal pode desempenhar num continuum de sentidos/usos na língua. Os auxiliares expressam conceitos gramaticais relacionados com o estado temporal (tempo), o contorno temporal (aspecto) e o tipo de realidade (modo). Para Heine, os auxiliares são gramaticalizações de conceitos complexos, que ele chama de esquemas de eventos (esquemas cognitivos que envolvem uma proposição e dois participantes, em geral). Então, o termo auxiliaridade, segundo Machado Vieira (2004), é utilizado para nomear o comportamento instrumental que uma unidade verbal pode desempenhar num continuum de sentidos/usos na língua. Para a descrição de aspectos das predicações com tornare e da configuração de predicadores complexos, recorreu-se a orientações da Teoria da Gramática Funcional de S. Dik (1997) quanto à estruturação de predicações nucleares e à formação de predicadores complexos. Investir na pesquisa da polifuncionalidade e da gramaticalização de tornare sob a perspectiva funcionalista propiciará subsídios às descrições funcionalistas que lidam com o trânsito de formas ou expressões linguísticas do léxico para o sistema gramatical Será possível conhecer como, de fato, se emprega frequentemente tornare no Italiano: suas categorias funcionais mais produtivas e os sentidos que as predicações com tais recursos traduzem. Com o conhecimento da realidade de uso do verbo tornare no italiano standard será possível, entre outras metas, colaborar para que se atualizem descrições lexicográficas e gramaticais e ajudar os alunos a entenderem como são formadas as predicações verbais com verbos desse tipo em italiano. No que se refere ao ensino de língua italiana, tenciona-se que esta investigação ofereça suporte ao desenvolvimento de materiais pedagógicos que contemplem o caráter multifuncional de verbos. 18 19 2. REVISÃO DA LITERATURA Percebe-se que alguns itens da literatura linguística, tanto gramatical quanto lexicográfica, apenas descrevem tornare como um verbo predicador1, ou seja, único (ou principal) responsável pela projeção de argumentos e pela configuração semântica e estrutural destes, conforme afirma Dik (1997) ao dizer que o verbo é o elemento nuclear da predicação, como se observa no exemplo: (Exemplo 1 ) “La brigata alpina Julia Mlf è tornata a casa dopo sei mesi.” [Italiano escrito, jornal “La repubblica”, 10 de janeiro de 2011] – O grupo de amigas Julia Mlf voltou para casa depois de seis meses. e também como verbo “cópula/de ligação” ou “auxiliar (aspectual incoativo)”, como no exemplo: (Exemplo 2 ) “Il cielo è tornato sereno.” .” [Italiano oral, Corpus de língua italiana espontânea - C-ORAL-ROW] – O céu ficou/se tornou sereno. Normalmente, a descrição sobre tornare está em dicionários. Nas obras lexicográficas, o verbo tornare, além de ser descrito com base em conjuntos de acepções mais ou menos numerosas (a depender da obra em análise), é frequentemente caracterizado como verbo predicador: transitivo direto, intransitivo, transitivo direto e indireto e de cópula. Em alguns dicionários como Zingarelli (2000), encontramos esse verbo descrito como bitransitivo e 1 Nesta dissertação, emprega-se o termo predicador para indicar formas verbais plenas (predicadores simples), que têm função de projetar argumento(s) e atribuir-lhe(s) papel temático. 20 transitivo circunstancial. Além dessas, existem outras denominações consideradas pelos dicionaristas. Entende-se que as diferentes acepções e configurações sintáticas das predicações com tornare resultam de empregos distintos desse item, muitos deles rotulados de predicadores não-plenos e, portanto, distintos dos que se vinculam à categoria de verbo predicador/verbo pleno (em geral, a única categoria lexical admitida pelos dicionaristas). Em alguns dos dicionários consultados também há referência à atuação do verbo tornare em perífrases verbais, nas quais atua como verbo fraseologico2 e não mais com o estatuto de verbo pleno/predicador. Entretanto, nesses dicionários poucas são as propriedades desse uso apresentadas. Já nas gramáticas consultadas, são pouquíssimas as observações sobre o verbo tornare encontradas. Na maioria das acepções atribuídas a esse item verbal, ele aparece como “verbo fraseologico aspectual” que indica “repetição de um evento” sem portar a idéia de frequência. E somente uma gramática, a de Dardano e Trifone (2007), faz alusão ao verbo tornare como verbo predicador com o preenchimento de dois argumentos internos, um de origem e outro de destino. A classificação dos termos circunstanciais previstos para o emprego de tornare indicando movimento no espaço geográfico é outro aspecto de divergências entre os autores: alguns o consideram verbo intransitivo, outros o consideram verbo transitivo; ainda, nesta alternativa, identificam-se divergências entre os autores, já que alguns o descrevem como verbo de dois lugares, e outros, como verbo de três lugares. Visto que, em geral, o uso de tornare não é citado em outras categorias funcionais e mesmo quando é abordado como verbo pleno, não se esmiúçam as possibilidades de configuração semântico-sintática desse item lexical, entende-se que é necessário fazer um estudo aprofundado do comportamento do mesmo. É importante descrever as configurações 2 verbo fraseologico é aquele que se une a outro verbo, formando um único predicado, em forma de perífrase. Esse verbo se une a outro verbo no infinitivo através de uma preposição. (DARDANO, Mauricio e TRIFONE, terceira edição ) 21 sintático-semânticas de construções com o verbo tornare e as funções a que esse item pode servir e, com isso, averiguar o quadro de usos desse verbo. Para tanto, estuda-se a polifuncionalidade de tornare e sua (semi-) gramaticalização em alguns contextos, descrevendo-se funcionalmente seus usos, bem como o processo de gramaticalização no qual esse verbo se envolve. Em uma das partes desta dissertação, focalizam-se as diferentes funções3 que esse item lexical assume, a partir do cotejo de seus empregos com o da categoria de verbo predicador pleno; (Exemplo 3 ) “Sono uscita lunedì scorso e sono tornata a casa solo questa mattina.” [Italiano oral, Corpus de língua italiana espontânea - C-ORAL-ROW] – Saí segunda passada e voltei para casa somente esta manhã. no entanto pressupõe-se que tornare é produtivamente usado com configurações distintas da configuração prototípica de predicador pleno – com que exprime movimento no espaço geografico e, então, projeta um argumento externo (entidade do mundo biossocial que se desloca no espaço de um ponto a outro) e até dois argumentos internos locativos (ponto de origem e ponto de destino no espaço). Podendo aparecer também como verbo predicador nãopleno, (Exemplo 4 ) “non so bene ... ma penso che subitamente torneremmo tutti all'epoca della pietra” [Italiano oral, Corpus de língua italiana espontânea - C-ORAL-ROW] – Não sei bem ... mas acho que rapidamente voltaremos todos a época da pedra 3 As funções mencionadas aqui são analisadas individualmente na seção destinada à funcionalidade de tornare. 22 já que é um verbo que designa uma ação muito vaga (deslocamento no espaço); e por isso seja suscetível a uma mudança semântica, associando-se a contextos discursivos diversos. E chegando-se até a delimitação de funções com certo valor instrumental, como verbo semiauxiliar. (Exemplo 5 ) “banchieri & divorzi E le strade di Bazoli e Geronzi tornarono a dividersi All' interno della partita Telecom si è consumata anche una piccola sfida tra due banchieri.” [Italiano escrito, Jornal “La repubblica”, 10 de dezembro de 2010] – banchieri & divorzi E le strade di Bazoli e Geronzi voltaram a se dividir no meio da partida Telecon... Passando pela categoria de cópula/de ligação. (Exemplo 6 ) “Dopo tinto, l`abito torna nuovo. [Italiano oral, Corpus de língua italiana espontânea - C-ORAL-ROW] – Depois da tingida, a roupa fica nova. Com o intuito de formar uma base consistente de análises e descrições sobre tornare e alguns assuntos relevantes para o tratamento do tema desta pesquisa Pretende-se, neste capítulo, observar, analisar e resenhar criticamente alguns itens da literatura linguística, para que, dessa forma, possam se verificar as possíveis lacunas existentes nas obras analisadas e, então, precisar a investigação. Essa proposta é pertinente na medida em que, na pesquisa científica, se prevê a redescoberta de um objeto de estudo ou um novo olhar sobre este. 23 2.1 Descrição do verbo tornare em algumas gramáticas Pesquisas em obras gramaticais possibilitam identificar o modo como gramáticos classificam os verbos. A partir dessa análise, vê-se que a maioria mantém uma visão tradicional sobre comportamento verbal e raras vezes mencionam o verbo tornare em sua categorização. O conceito de verbo nas obras pesquisadas4 difere em função do grau de aprofundamento do assunto no enfoque dado a aspectos semânticos ou sintáticos que constituem essa categoria. Em Dardano e Trifone (2007), encontra-se uma definição para verbo - unidade de significado categorial que se caracteriza por um molde pelo qual organiza o falar e expressa um fato, um acontecimento: o que se passa com os seres - que, talvez, ficaria mais clara se, com o auxílio de exemplos, houvesse a explicação do que se entende por um “significado categorial”. O gramático menciona a existência de verbos que possuem significado amplo e vago, considerando-os ou verbos de cópula ou verbos auxiliares que acompanham formas nominais de infinitivo, gerúndio ou particípio e formam com estes locuções verbais. Além disso, expõe as seguintes categorias que existem de verbos: predicativi (predicativos), copulativi (de ligação), ausiliari (auxiliares), servili (modais), fraseologici, causativi (causativos), performativi. Tornare não aparece em qualquer consideração do autor quanto a verbo, o que faz com que o leitor, tendo em vista as definições de categorias tratadas nessa obra, considere-o como predicativo, somente como “verbo” em construções com tornare + origem + destino (por exemplo: Tornare da Milano a Roma.) Tornare em construções resultativas (Dopo Il lavagio é tornato come nuovo.) e como “auxiliar” (tornare a discutere). 4 As obras consultadas foram: Flora (1971), Fornaciari (1881), Dardano e Trifone (2007) entre outras. 24 Quanto às características do verbo pertencente a um predicado nominal, esse autor menciona que esse signo léxico passa por esvaziamento semântico, esvaziamento que se cumpre com o auxílio de um nome (substantivo ou adjetivo). Além disso, esse tipo de predicado apresenta a particularidade de concordar o predicativo em gênero e número com o sujeito, como em: “as meninas são belas”. Comenta que o signo linguístico que aparece na função de núcleo costuma ser um nome – substantivo ou adjetivo – e apresenta como exemplos apenas de estruturas com verbos de ligação. Apesar de adotar essa ótica, não aborda outras estruturas às quais se podem associar propriedades semelhantes que também poderiam ser vinculadas à definição dada, se, com base nesta, se levasse em conta que tais verbos também são semanticamente esvaziados, ainda que não completamente, e que o nome adjacente é o centro semântico do predicador complexo (verbo-nominal). Flora (1971) utiliza, inicialmente, o critério semântico para a definição de verbo: expressa um fato, um acontecimento: o que se passa com os seres. Comenta que é a parte da oração mais rica em variações de forma ou acidentes gramaticais; não fornece, contudo, exemplos para fundamentar essa explicação, o que pode deixar o leitor um tanto confuso ao analisar frases como, por exemplo, “Compro um tavolinetto ”, em que é possível perceber a presença de mais acidentes gramaticais de forma no substantivo “tavolinetto”, devido ao acréscimo do sufixo “etto” do que no verbo “comprare”, composto apenas da desinência número-pessoal “o”. Ao continuar sua explicação, o autor comenta que o papel dos acidentes gramaticais é fazer com que o verbo exprima cinco idéias: modo, tempo, número, pessoa e voz. O verbo é uma palavra de forma variável que exprime o que se passa, isto é, um acontecimento representado no tempo, de acordo com Fornaciari (1881). Tal definição pautase no aspecto morfológico e, principalmente, no aspecto semântico. Nem sempre é possível generalizá-la para todos os casos de frase verbal, pois em orações do tipo “Eu sou brasileira”, 25 não pode ser considerado algo “que se passa”, um “acontecimento representado no tempo”, mas apenas um estado. O autor também recorre ao aspecto sintático ao afirmar que o verbo possui função obrigatória de predicado e esclarece que nem todo núcleo de predicado é verbo, pois adjetivos e substantivos também podem desempenhar essa função. Ao tratar dos verbos plenos, o autor utiliza um aspecto semântico, denominando-os núcleos semânticos da oração, ou seja, núcleos lexicais plenos, caracterizados por determinadas propriedades de seleção semântica (número de argumentos e respectivo papel temático) e sintática (categoria de cada argumento e relação gramatical que assume na oração). E assim como os outros autores, não menciona o verbo tornare em suas definições. Serianni (1999) descreve os verbos de forma mais abrangente, além de fornecer um número maior de exemplos verbais, com verbos distintos. Ele admite mais funções verbais e, por isso, divide-os em subclasses, a saber: principais, copulativos, impessoais, modais, fraseológicos e auxiliares (que ratifica a visão geral), além dos exemplos de verbos que acompanha um nome, dando suporte ao mesmo, como por exemplo “Tornare a galla” . Entre outros comentários, o autor afirma que é preciso “classificar os verbos com base nas suas correspondências parafrásticas”, isto é, uma classificação motivada a partir de uma perspectiva analítica baseada na correspondência de verbos simples com expressões verbais complexas. De todas as gramáticas pesquisadas, com certeza, Dardano e Trifone (2007) é a que mais fornece subclassificações para designar um tipo de verbo. Apesar de os gramáticos tratarem das categorias verbais “principal”, “auxiliar” e “ligação” (ou “cópula”), os mesmos não classificam tornare em nenhuma dessas categorias. Portanto, os gramáticos da língua italiana sinalizam as diferentes funções em que um verbo pode atuar, porém a maioria não desenvolve profundamente o assunto, o que faz com que os leitores tenham dúvida no momento em que investigam a natureza categorial de 26 determinado verbo. Além disso, o fato de sintetizarem as categorias verbais faz com que os falantes tenham uma visão errônea (ou incompleta) sobre verbo, imaginando existir somente as categorias citadas nas gramáticas. 2.2. Descrição do verbo tornare em obras lexicográficas A presente seção tem como objetivo averiguar as acepções de tornare descritas pelos lexicógrafos nos dicionários de língua Italiana. As obras lexicográficas constituem uma importante base de descrição de significados e aplicações de tornare, Por isso, Com essa consulta, conseguiremos entender melhor as extensões de sentido do nosso verbo. Para tal pesquisa fizemos uso de verbetes de dicionários, encontrados em: SPINELLI (1983), SABATINI (2008), DEVOTO (2005), entre outros. Notamos que os valores de tornare veiculados pelas obras lexicográficas são semelhantes, apesar de haver algumas complementações superficiais que diferenciam tais valores. Quanto ao número de acepções encontradas na pesquisa, podemos dizer que há uma grande variação e um grande número de acepções encontrado nos dicionários. Em relação à organização dessas acepções nas descrições dos lexicógrafos, percebemos que uns as separam por aspectos sintáticos, outros por aspectos semânticos. Para explicar as diferentes significações, os dicionaristas recorrem a verbos sinônimos e/ou frases que exemplificam o sentido da acepção. A maioria dos verbetes tem como primeira acepção de tornar no sentido de tornar, voltar, regressar. Vejamos alguns exemplos: Ex. 1: Tornare a casa. (SPINELLI,1983) Ex. 2: Tornare a Roma. (SPINELLI,1983) 27 Ex. 3: oggi non tornerò a casa; quando torni in ufficio?; torna presto stasera!; non torno a cena ( La Reppublica) Ex. 4: vado qui all’angolo e torno (DEVOTO 2005) Ex. 5: Torno sul posto. (SABATINI, 2008) São muitos os significados atribuídos ao verbo tornare, os quais se atualizam a depender do contexto em que o verbo se encontrar. Seguem abaixo os significados que mais aparecem registrados nas obras lexicográficas. 1. Riportarsi, dirigersi verso il luogo da cui si era partiti: Oggi non tornerò a casa. 2. Tornare all'antico, ripristinare abitudini, usi del passato 3. Tornare a galla, riemergere; fig. diventare nuovamente d'attualità 4. Tornare al punto di partenza, tornare daccapo, partire nuovamente dall'inizio; fig. non aver fatto alcun progresso 5. Tornare in vita, al mondo, resuscitare; fig. riprendere i sensi 6. Tornare in sé, riprendere i sensi; fig. ravvedersi 7. fam. Tornare a bomba, riprendere l'argomento principale di un discorso dopo una divagazione 8. Andare nuovamente nel luogo dove si è già stati: tornerà presto in ospedale; le rondini sono tornate 9. Tornare a gola, di cibo non ancora digerito 10. fig. Tornare alla carica, reiterare una richiesta 11. Tornare sui propri passi, desistere dal compiere un'azione, dal perseguire un proposito 12. Venire via da un luogo dopo avervi compiuto un'azione: sono tornato tardi da scuola; siamo appena tornati da teatro; è tornato da Palermo 13. Ripresentarsi, ricomparire: gli è tornata la tosse; mi sono tornate quelle macchie sulla faccia 14. Ripetersi: torneranno anche per voi i giorni felici 28 15. Tornare in mente, ripresentarsi alla memoria: gli tornò in mente quel suo vecchio amico 16. fig. Riprendere a fare qualcosa che era stato interrotto: dopo la riparazione, il motore è tornato a funzionare; dopo quella prova di amicizia tornò ad avere fiducia in lui; la ruota torna a girare 17. Tornare su qualcosa, rifletterci, riesaminarla di nuovo: vorrei t. su quel problema irrisolto 18. Essere di nuovo come in precedenza: t. sano, bello; dopo la pulitura i vetri sono tornati trasparenti; la tovaglia è tornata pulita 19. Risultare, riuscire correttamente, senza errori; quadrare: non mi tornano i conti 20. Corrispondere: tutto torna secondo i nostri desideri 21. Tornare bene, tornare male, ass. tornare, non tornare, di abito, stare bene, stare male: questa gonna ti torna molto bene 22. ass. Non mi torna, non sono persuaso, non sono d'accordo: quello che ha detto non mi torna 23. non com. Tornare conto, essere di profitto, di vantaggio 24. lett. Volgersi: t. a vantaggio 25. Riuscire: t. opportuno; una pausa mi tornerebbe comoda 26. Risolversi: l'allegria tornò in amarezza 27 tosc. Andare ad abitare, a risiedere: torna in piazza Maggiore; tornerò di casa in campagna 28. lett. Ricondurre, riportare; restituire: tornami quel vaso intatto 29. lett. Girare, volgere, voltare: tornò il viso, lo sguardo dall'altra parte A maioria das acepções de tornare relaciona-se à sua atuação como verbo predicador, seja verbo predicador pleno ou verbo de copula. Alguns dicionaristas listam usos de construções com o verbo tornare, SABATINI (2008), por exemplo, diz-nos que tornare pode funcionar como verbo reflexivo (Con valore intensivo, recarsi di nuovo in un luogo o presso qlcu.: me ne torno a casa; t. dagli amici.), verbo intrasitivo (Detto di soggetti inanimati, 29 presentarsi, manifestarsi di nuovo: mi è tornata la fame.), verbo transitivo (Volgere qlco. in una direzione), verbo cópula (Ridiventare in un certo modo, assumere di nuovo una data condizione: torna. bambino, torna calmo.) Vale destacar que, quanto ao uso de “tornare + a + V infinitivo”, SABATINI (2008), não registra essa possibilidade de construção, do verbo tornare ligado a um verbo no infinitivo auxiliando-o e atribuindo um estado de reinício de coisa. Diferente do autor SPINELLI (1983), que cita alguns exemplos desse verbo junto a um verbo no infinitivo, unidos pela preposição a, porém também não o considera como um verbo auxiliar. A análise das diversas obras lexicográficas permitiu-nos observar a gama de significados que tornare possui e as diversas estruturas sintáticas em que pode aparecer. Como observamos, tornare tem sua função de predicador, mas também pode exercer papel de verbo auxiliar, e até verbo-suporte, componente de expressões cristalizadas, dentre outros usos. Por conta das diversas acepções semânticas e usos sintáticos de tornare, notamos que tal verbo é bastante produtivo na língua italiana, tornando-se o conjunto de predicações com tal item um campo fértil para investigação, o que nos motiva em nossa pesquisa e análise. Apesar disso, as obras lexicográficas deixam a desejar quando só citam exemplos do verbo tornare como (semi)-auxiliar e alguns como possível verbo-suporte, mas não dizem a que categoria esses exemplos se enquadram, ficam exemplos soltos sem nenhum tipo de categorização, o que dificulta ao aluno a entender as possíveis categorias a que esse verbo pertence. 30 2.3. Observações específicas sobre tornare Ao se estudar o verbo tornare, percebe-se que este é um termo polissêmico, visto que apresenta diferentes possibilidades de significados e funções. Apresentado tradicionalmente como verbo transitivo e de cópula, vê-se que esse item lexical atua num continuum, podendo ser categorizado funcionalmente. Essas possibilidades de categorias resultam do fato de tornare ser um verbo polifuncional, já que é possível encontrar usos vinculados a categorias como Vpredicador (pleno ou não-pleno), Vcópula, Vsuporte e verbo com valor instrumental (semi-auxiliar). As gramáticas que serviram de base para esta pesquisa (cf. bibliografia) não mencionam o verbo tornare em suas categorizações. A ausência da categorização de tornare nas gramáticas de língua portuguesa impossibilita o conhecimento de seu comportamento e função, limitando-o a verbo principal. Logo, esse item verbal carece de uma análise mais aprofundada, a qual esta dissertação pretende mostrar. 31 3. REFERÊNCIAL TEÓRICO A hipótese fundamental desta dissertação é a de que tornare pode ser usado com diferentes funções morfossintáticas, semânticas e/ou discursivas, é necessário investigar o que leva tal verbo a assumir esses possíveis papéis, considerando o fato de que esse elemento verbal é, originalmente, um VPREDICADOR (significado de “movimento no espaço geográfico”) ou VCÓPULA (liga o sujeito a uma característica). Tendo em vista essa hipótese, assume-se que a criatividade humana desencadeada por fatores de natureza interacional e sócio-comunicativa tenha relevância considerável no que concerne às alterações de função e sentido sofridas por tornare, além, evidentemente, de fatores internos à língua. Assim sendo, esta dissertação vincula-se ao paradigma do Funcionalismo Linguístico, com base em orientações relativas ao processo de gramaticalização, à configuração de predicações e de predicadores complexos e ao conceito de categorização (de Taylor, 1995) baseado numa rede de semelhanças e dissimilaridades entre as categorias percebidas e na possibilidade de estas abrangerem elementos exemplares/prototípicos e elementos não-exemplares. A opção por esse enfoque contribui para a elucidação de fenômenos de mudança linguística ao propiciar subsídios para a investigação do trânsito de formas/expressões linguísticas do léxico para o sistema gramatical, por motivações semântico-discursivas. O Funcionalismo tem-se mostrado um importante paradigma para estudos que buscam conhecer os fenômenos linguísticos que ocorrem em situações efetivas de uso da língua, incluindo aspectos tais como variação, mudança, dentre outros. Com base em Heine et alii (1991), descreve-se a cadeia de gramaticalização referente à trajetória de tornare (de verbo-predicador a verbo-suporte) e, com base nos parâmetros de Hopper (1991) e em considerações de Heine et alii (1991), pesquisa-se o comportamento sintático-semântico das categorias funcionais pertencentes a essa cadeia. Alem disso, recorre- 32 se à Teoria da Gramática Funcional de Dik (1997) para fundamentar a descrição dos estados de coisas expressos pelas ocorrências com esse verbo. Trabalhar-se-á, também, com os critérios de auxiliaridade, apresentados por Machado Vieira (2004), para nomear o comportamento instrumental que uma unidade verbal pode desempenhar num continuum de sentidos/usos na língua. 3.1. Aspectos relativos ao funcionalismo Na Teoria Funcionalista, concebe-se a linguagem como um fenômeno mental e primariamente social (sócio-cognitivo)5; uma Entidade não-autônoma (“não existe em si e por si”; “existe em virtude de seu uso para o propósito de interação social”) – correlacionada determinada por fatores sócio-comunicativos e/ou (sócio-)cognitivos. Nessa corrente teórica, importa explicar as regularidades observadas no uso com base no exame das circunstâncias discursivas em que se dão as estruturas linguísticas e seus contextos prototípicos. Desta maneira, tudo na língua pode ser explicado basicamente pela referência ao modo como é usada/funciona. Nesse enfoque, é importante observar a forma como os usuários da língua interagem social e comunicativamente em atividades e situações diversas, cabendo aos linguistas essa tarefa. Esses estudiosos não descartam quaisquer possibilidades de uso, mas, levando em conta que é por meio de novos usos linguísticos que se podem estudar as possibilidades da língua, procuram entender o surgimento de novos fenômenos linguísticos. Para tanto, tenta-se explicar os princípios e regras que regem as expressões utilizadas, com o propósito de se conseguir analisar a estrutura da sentença em sua totalidade. 5 Apesar de os funcionalistas priorizarem a linguagem como fenômeno social, isso não significa que eles não se preocupam/interessam em construir modelos de uso, ou seja, detectar os universais (trans)lingüísticos. 33 Segundo Martelotta & Áreas (2003: 20), “a língua não pode ser analisada como objeto autônomo, mas como uma estrutura maleável, sujeita a pressões oriundas das diferentes situações comunicativas, que ajudam a determinar sua estrutura gramatical”. Dentre as diferentes perspectivas funcionalistas, a adotada nesta dissertação é a de Simon Dik (1981, 1997), considerada “moderada” pelo fato de analisar a estrutura linguística no âmbito dos níveis semântico e pragmático, reconhecendo que uma análise da língua não deve ser realizada somente funcional e formalmente, mas também considerando a forma e a motivação do falante. Givón (apud Martellota et alii 2003: 28) apresenta um grupo de premissas que caracterizam a visão funcionalista da linguagem: i) A linguagem é uma atividade sociocultural; ii) A estrutura serve a funções cognitivas e comunicativas; iii) A estrutura é não-arbitrária, motivada, icônica; iv) Mudança e variação estão sempre presentes; v) O sentido é contextualmente dependente e não-atômico; vi) As categorias não são discretas; vii) A estrutura é maleável e não-rígida; viii) As gramáticas são emergentes; ix) As regras de gramáticas permitem algumas exceções. Os funcionalistas voltam-se, então, para a multifuncionalidade dos itens linguísticos. O termo função, recorrente na Escola Linguística de Praga, não é de fácil interpretação. Segundo Halliday (1973; apud NEVES, 1997), na visão funcionalista: A noção de função não se refere aos papéis que desempenham as classes de palavras ou sintagmas dentro da estrutura das unidades 34 maiores, mas ao papel que a linguagem desempenha na vida dos indivíduos, servindo a certos tipos universais de demanda, que são muitos e variados. (NEVES, 1997, p.8) Na gramática funcionalista também há interesse na descrição de tendências gerais identificadas em diferentes línguas, visto que nela se encontram o geral e o específico. A Gramática Funcional holandesa de Dik (1989), por exemplo, mostra-se preocupada com o estudo tipológico das línguas, com a descrição de universais de funcionamento das línguas. Por tal motivo, que a Gramática Funcional pode ser entendida como uma teoria geral da organização gramatical das línguas. Segundo Dik (1997), o trabalho de desenvolver a apresentação de uma gramática funcional é bastante desafiador, já que é necessário lidar com as expressões linguísticas no contexto de uso e decompor sua complexidade até chegar aos blocos básicos de sua construção. Os predicadores constituem o bloco de construção mais básico do nível morfossemântico (em oposição ao fonológico) da organização linguística. Alguns pressupostos importantes relacionados à formação de predicadores e considerados para um modelo de gramática funcional são: - Todos os itens lexicais da língua são analisados como predicadores. - As frases constroem-se a partir de predicadores. - A propriedade de ser predicador é uma propriedade adquirida numa estrutura. - Todos os predicadores são semanticamente interpretados como designadores de propriedades e relações. (...) - Todos os predicadores básicos são listados no léxico. O léxico contém, então, o conjunto de predicadores básicos da língua. - Predicadores não são considerados como elementos isolados para serem inseridos em estruturas geradas independentemente; eles são considerados como parte de estruturas chamadas predicate frames (marcos predicativos). 35 - Os argumentos são elementos essenciais para a boa-formação da estrutura em que ocorre um predicado. - Os marcos predicativos não possuem qualquer ordem linear. A ordem na qual são apresentados (predicadores primeiro e posições de argumentos depois) é puramente convencional. - O critério fundamental para a distinção entre argumentos e modificadores de um predicado é de ordem semântica com alguma modificação sintática. - Os modificadores caracterizam-se, de um ponto de vista sintático, pelo fato de, ao contrário dos argumentos, poderem ser omitidos de uma frase sem quaisquer restrições e sem que daí resulte agramaticalidade (DIK,1997:59 e 61, v.1) O funcionalismo tem seu interesse primário no uso, no funcionamento efetivo das formas/expressões linguísticas: na relação sistemática entre as formas/expressões linguísticas e suas funções em uma língua; nas relações entre a língua e as diversas modalidades de interação sócio-comunicativa. Para tanto, Dik pauta seus objetivos em dois princípios: (i) Uma teoria da linguagem não deveria mostrar somente as regras e princípios subjacentes à construção das expressões linguísticas, e sim, deveria tentar, na medida do possível, explicar essas regras e princípios em termos de suas funcionalidades em relação às maneiras como são usadas. (ii) Ainda que em si mesma uma teoria de expressões linguísticas não seja o mesmo que uma teoria de interação verbal, é natural requerer que ela seja elaborada, de modo que possa mais fácil e realisticamente ser incorporada a uma teoria pragmática de interação verbal mais ampla. (Dik, 1997, v.1, p. 4).23 Entre os temas presentes em estudos funcionalistas, vale destacar alguns que interessam mais especificamente a esta pesquisa. São eles: estruturação de predicações nucleares e formação de predicadores complexos e processo de gramaticalização. A corrente funcionalista de estudos conta com muitas vertentes, como sabiamente mencionou Moura Neves (1997:1): 36 “Caracterizar o funcionalismo é uma tarefa difícil, já que os rótulos que se conferem aos estudos ditos “funcionalistas” mais representativos geralmente se ligam diretamente aos nomes dos estudiosos que os desenvolveram, não a características definidoras da corrente teórica em que eles se colocam. Prideaux (1994) afirma que provavelmente existem tantas versões do funcionalismo quantos linguistas que se chamam funcionalistas, denominação que abrange desde os que simplesmente rejeitaram o formalismo até os que criam uma teoria. A verdade é que, dentro do que vem sendo denominado – ou autodenominado – “funcionalismo”, existem modelos muito diferentes”. Moura Neves (1997) percebe que alguns estudiosos simplesmente consideram seus trabalhos funcionalistas pelo fato de rejeitarem o formalismo, sem levarem em conta as contribuições que aquela escola trouxe para a linguagem, como, por exemplo, a integração da pragmática na teoria gramatical. Sabendo disso, esclarece-se que, nesta pesquisa, se adota o funcionalismo de orientação moderada, que entende a língua como um instrumento de interação social entre os falantes, cujo principal objetivo é a relação comunicativa; ou seja, a partir do momento em que emissor e interlocutor se comunicam, a língua cumpre seu papel. Considera-se que a atividade comunicativa não se estabelece ao acaso, mas é regida por algumas normas, regras, que constituem o sistema linguístico. Para tal estudo, esta dissertação se fundamenta na conjugação de orientações de enfoques funcionalistas. Pauta-se na proposta da Gramática Funcional de Simon Dik (1981, 1997), referente à formação e à expressão de predicados/predicadores complexos e à estruturação de predicações. Para análise do comportamento sintático-semântico das categorias funcionais de tornare, bem como da trajetória desse item lexical (de Vpredicador a verbo instrumental) recorre-se aos parâmetros do processo de gramaticalização de Hopper (1991), Heine et alii (1991) e Heine (1993). Quanto à delimitação das extensões de sentido/uso de tornare, utiliza-se o conceito de categorização delineado por Taylor (1995), que estabelece a classificação dos predicados 37 complexos (unidade lexical com função predicante que resulta da integração de Vsuporte e elemento não-verbal) em função da observação do seu comportamento e das propriedades que os aproximam ou os afastam daquelas que pertencem à categoria considerada “prototípica”, o que gera o conhecimento de categorias intermediárias, que têm elementos com comportamento híbrido, isto é, elementos que partilham propriedades com elementos de uma e outra categoria. No que diz respeito ao papel de frequência de tornare quanto a sua gramaticalização, recorre-se a Bybee (2003), no que diz respeito à configuração da associação da frequência de uso para a mudança categorial. Antes de tratar de alguns pressupostos da linguagem, ressalta-se que o desenvolvimento de uma Gramática Funcional (doravante escrita GF) está relacionado à tentativa de se explicar a natureza da linguagem a partir de um critério funcional, considerando que as noções funcionais têm um papel fundamental nos níveis sintático, semântico e pragmático. Dessa forma, sabe-se que o objetivo da GF é verificar os meios pelos quais as línguas naturais se desenvolvem. A escola funcionalista não admite a idéia de se estudar a língua de modo autônomo, mas procura investigá-la inserida no discurso, em situações comunicativas. Por isso, por ser, ao mesmo tempo, dinâmica e funcional, a língua possui uma instabilidade entre forma e função que faz com que a mesma seja passível de transformação. Por esse motivo, recorre-se a Nichols (1984:100), no que diz respeito ao conceito de função como “propósito” e “contexto” (function e context), isto é, a língua serve aos propósitos comunicativos e seleciona determinadas expressões linguísticas a depender do contexto comunicativo vigente. Sendo assim, o Funcionalismo interessa-se pelos fenômenos da língua a partir de seu uso na comunidade linguística. Nesse enfoque, é importante observar a forma como os usuários da língua interagem social e comunicativamente em atividades e situações diversas, cabendo aos linguistas essa tarefa. Esses estudiosos não descartam quaisquer possibilidades de uso, mas 38 levando em conta que é por meio de novos usos linguísticos que se podem estudar as possibilidades da língua, procuram entender o surgimento de novos fenômenos linguísticos. Para tanto, tenta-se explicar os princípios e regras que regem as expressões utilizadas, com o propósito de se conseguir analisar a estrutura da sentença em sua totalidade. Dentre as diferentes perspectivas funcionalistas, a adotada nesta dissertação é a de Simon Dik (1981, 1997), considerada “moderada” pelo fato de analisar a estrutura linguística no âmbito dos níveis semântico e pragmático, reconhecendo que uma análise da língua não deve ser realizada somente funcional e formalmente, mas também considerando a forma e a motivação do falante. Segundo a corrente funcionalista, o termo “função” corresponde ao papel que a língua desempenha na vida do homem, ou seja, à finalidade com que este utiliza a linguagem. Segundo esse modelo teórico, o uso da língua ajuda a entender a estrutura desta, propondo uma relação entre sociedade e língua. Ressalta-se que o uso concreto da língua, ou seja, o discurso, não pode ser visto separadamente da gramática. Esta não é independente, pois é formada de modo convencional, mais ou menos regular, resultado de uma experiência física e social. A gramática, embora seja previsível quanto ao seu procedimento convencional, no que diz respeito aos meios pelos quais utiliza para padronizar e limitar determinadas estruturas, não se estabiliza por completo, pois está num continuum e se adapta às mudanças linguísticas. Isso significa que, a depender de variação e mudança linguística, as regras gramaticais também mudarão, adaptando-se à língua em uso. Dessa forma, a noção de gramática está vinculada ao discurso e a processos cognitivos, uma vez que considera a motivação do falante quanto à utilização de uma forma linguística. Assim sendo, entende-se que discurso é organizado a partir da motivação do falante, no que diz respeito à situação real de comunicação, uma vez que ele o ordena com 39 diferentes possibilidades de formas das estruturas linguísticas. O discurso é, portanto, a funcionalidade da língua. 3.2. Enfoque funcionalista sobre predicação Dik (1981, 1997) compreende a língua, primeiramente, como instrumento de interação social entre os indivíduos, tendo como principal objetivo o estabelecimento da comunicação. Para esse autor, o que mais interessa ao funcionalismo é o êxito com que os falantes conseguem se comunicar através das expressões linguísticas. Logo, pode-se dizer que a GF interessa-se pela descrição das línguas naturais, tendo em vista que esta pode ser analisada funcionalmente, preocupando-se com a organização das regras linguísticas dentro das estruturas em que aparecem, e considerando em sua análise as diferentes relações funcionais. As regras da GF se fundamentam em dois itens: função e categoria. Esta concebe as propriedades internas dos constituintes, já aquela diz respeito às relações entre os constituintes com relação aos tipos de sentenças em que aparecem. Essas relações funcionais são tratadas em três níveis distintos: sintaxe, semântica e pragmática (que pretendem dar conta da sentença por inteiro), explicados mais adiante. O estudo funcionalista pretende analisar a forma como os falantes utilizam sua língua materna, o modo como falam e desenvolvem as regras que formam as expressões linguísticas. Para tanto, aconselha-se a aplicação de dois princípios que têm explicação funcional (cf. DIK, 1997:4, v. 1): (i) Uma teoria da linguagem não deveria contentar-se em expor as regras e os princípios subjacentes à construção das expressões linguísticas em função delas mesmas, mas deveria tentar, sempre que seja possível, dar uma explicação dessas regras e princípios 40 em termos da sua funcionalidade com relação aos meios de utilização pelos quais essas expressões são utilizadas; (ii) Embora, em si mesma, uma teoria do sistema linguístico não seja o mesmo que uma teoria do uso da língua, é natural a exigência de que ela seja concebida de tal forma que possa ser concretamente incorporada mais fácil e realista a uma teoria pragmática de interação verbal de caráter mais abrangente. Partindo do princípio de que a língua serve à interação comunicativa, diz-se que a língua natural do falante faz parte de sua competência comunicativa. Dessa forma, os usuários não apenas transmitem e recebem informações entre si, eventualmente, mas mudam algumas informações pragmáticas através da interação verbal. Significa dizer que a interação verbal é uma atividade desenvolvida em conjunto, de forma estruturada e trabalhada entre interlocutores. Estruturada por ser regida de regras e normas, e trabalhada entre interlocutores porque se precisa de, pelo menos, dois participantes para haver interação comunicativa. Sendo assim, os usuários se utilizam da interação verbal para formarem as expressões linguísticas. Utilizando-se dessa teoria, este trabalho visa a descrever as regras de formação das expressões linguísticas com tornare. A seguir, é mostrado o modelo de interação verbal representado por Dik (1997:8-9, v.1): Figura 1: Modelo de interação verbal da Gramática Funcional de Dik (1997:8-9, v.1) 41 Através do modelo de Dik (1997), nota-se que o emissor e o destinatário possuem alguma quantidade de informação pragmática. Quando o emissor diz algo ao destinatário, tenta modificar a PD. Para tanto, é necessário formular uma intenção comunicativa, um plano mental que modifique a PD no destinatário. O que o emissor deseja é formular sua intenção comunicativa de forma a alcançar seu objetivo, ou seja, de modo que o destinatário entenda. Para isso, o emissor tentará antecipar a interpretação que o destinatário atribuirá à expressão linguística, de forma a reconstruí-la, para, então, alcançar seu propósito. O destinatário, no entanto, tenta reconstruir a intenção comunicativa do emissor, através da interpretação da expressão linguística. A depender da interpretação que o destinatário fizer, poderá haver modificação em sua informação pragmática, correspondendo à intenção do emissor. Quando este não consegue se fazer claro, há uma interpretação equivocada por parte do destinatário. Salienta-se que a intenção do emissor e a interpretação do receptor são mediadas pela expressão linguística, que é feita em uma “escala de explicitação”, isto é, quando houver pouca diferença entre a intenção comunicativa e o conteúdo semântico da expressão linguística é porque a intenção comunicativa foi codificada de modo explícito, já se houver grande diferença entre a intenção comunicativa e o conteúdo semântico da expressão linguística, significa que aquela foi codificada de modo implícito. Pelo que foi explanado, disse que cabe ao destinatário a interpretação da expressão da língua, que se estabelece em virtude da intenção comunicativa do emissor. A GF de Dik (1981, 1997) se preocupa com a estrutura interna da oração, levando em consideração as relações semânticas e sintáticas presentes nas mesmas. Para entender essa estrutura interna, esse autor desenvolve uma gramática funcional baseada nas expressões linguísticas em contextos de uso. Mostra-se, por exemplo, que, na organização da língua, em nível morfossemântico, os predicadores formam o bloco de construção mais básico, de modo 42 que, a partir dele, toda a oração possa ser desenvolvida. Por isso, apresentam-se abaixo, alguns pressupostos relativos à formação de predicadores: · todos os itens lexicais são analisados como predicados; · diferenciam-se categorias ou subcategorias de predicados, segundo suas propriedades formais e funcionais (muitas línguas possuem, pelo menos, predicados verbais (V), nominais (N) e adjetivais (A), e outros subtipos nessas categorias); · as categorias básicas de predicado “Verbo, Nome e Adjetivo” são definidas em termos de suas funções primárias: V = tem primariamente função predicativa/predicante, é o predicado principal da predicação; N = tem função de designar entidades, é o primeiro elemento com função restritiva/delimitadora (first restrictor) numa estrutura de termo, é o núcleo de um termo; A = tem primariamente função atributiva/modificadora, é o segundo elemento restritivo (second restrictor) numa estrutura de termo; · os predicados podem ser básicos (quando não existe, sincronicamente, regra de formação de predicados produtiva, segundo a qual possam ser formados) ou derivados (resultantes de regras de formação de predicados); · todos os predicados básicos estão contidos no léxico da língua; · os predicados, considerados como partes de estruturas chamadas marcos predicativos (predicate frames), já apresentam uma espécie de informação/indicação do que pode ser associado a eles na estruturação de predicações (uma definição de significado e uma estrutura formal básica); · cada marco predicativo especifica aspectos básicos do predicado: sua forma lexical, sua categoria sintática (elemento Verbal, Adjetival, Nominal); sua valência, ou seja, o número de argumentos exigidos pelo predicado (x1, x2, xn); as restrições de seleção (as condições necessárias para a inserção dos termos que ocuparão as posições argumentais) que o predicado impõe aos seus argumentos; · cada marco predicativo básico no léxico associa-se a um dado número de postulados semânticos (meaning 43 postulates), por meio dos quais o predicado se relaciona semanticamente a outros predicados da língua (se esses “postulados de significado” contribuem para a especificação completa do significado do predicado, podem ser denominados definições semânticas – “meaning definitions”); · Já os predicados derivados têm seu significado especificado pela regra de formação de predicados; · os predicados derivados também consistirão em marcos predicativos (derivados); · a ordem de apresentação dos marcos predicativos (primeiro, o predicado e, depois, os argumentos) é apenas uma convenção, visto que a ordem real será definida apenas no nível das regras de expressão. (DIK, 1997:59 e 61, v. 1) As suposições quanto aos termos para o modelo de uma gramática funcional são as seguintes: · distinguem-se termos básicos, que são os elementos básicos contidos no léxico de uma língua, e termos derivados (derived terms), resultantes de regras de formação de termos; · regras de formação de termos produzem estruturas de termos segundo o esquema (wxi: ji (xi): j2(xi): ... jn (xi)) – em que "w" simboliza um ou mais operadores de termo (determinante, número, quantificador), "xi" representa o referente-alvo e cada "j (xi)" é uma predicação aberta em relação a x1 (j atua como um elemento que restringe x1); · a ordem imposta à estrutura de termos, conforme o esquema anteriormente referido, reflete a ordem “semântica” segundo a qual os vários operadores e especificadores/restritores (restrictors) contribuem para a definição do referente-alvo e não a ordem de realização linguística, já que esta será determinada por regras de expressão; · a forma dos termos varia – há desde itens lexicais simples, como pronomes ou nomes, até sintagmas extremamente complexos; · os termos também podem estabelecer referência a entidades de nível mais alto na hierarquia proposta pelo diagrama citado, tais como “estados de coisas”, “fatos possíveis” ou “atos de fala”, quando constituem ou 44 contêm, respectivamente, predicações, proposições ou atos de fala. (DIK, 1997:61, v. 1) Segundo Dik (1997), é o sistema de regras de expressões (que determina a forma, a prosódia e a ordem dos constituintes da estrutura profunda) que possibilita a exposição das expressões linguísticas, que por sua vez se formam através da estrutura subjacente de cláusula. Para o linguista, toda oração deve ser descrita de acordo com essa estrutura. Veja abaixo, a referida estrutura feita por Dik (1997:67, v.1): Figura 2: Sistema de regras de expressões Sabe-se que os operadores e satélites podem não aparecer. Quando isso ocorre a oração não apresenta uma estrutura complexa como a descrita acima, logo as posições vazias devem ser marcadas por “Ø”. Ao falar em predicação nuclear, imagina-se que determinados termos funcionarão como argumentos de certos predicados, preenchendo-os. Por termo, entendem-se argumentos que podem se referir a qualquer entidade no mundo. Já o predicado designa as relações existentes entre os termos. Dessa forma, a predicação nuclear existirá a partir do momento em que os termos preencherem as suas casas argumentais. Os predicados constituem-se como básicos ou derivados. É considerado básico quando não resulta de um processo sincrônico produtivo, uma vez que seus dados vêm do léxico e contém todas as informações pertinentes a um predicado. Um exemplo disso são os 45 lexemas simples (verbais, adjetivais ou nominais) que têm sentido pleno. Denominam-se predicados derivados aqueles que resultam de um processo produtivo, que se constituem por regras de formação. As expressões linguísticas que têm comportamento sintático-semântico contêm o que se denomina de “marco predicativo”, que deve proporcionar algumas informações acerca do predicado, tais como: (i) sua forma léxica; (ii) a categoria sintática a que pertence; (iii) o número de argumentos que requer; (iv) as restrições de seleção que o predicado estabelece sobre seus argumentos; (v) as funções semânticas que realizam os argumentos. (DIK, 1981:34) É através da predicação nuclear que são descritas as relações semânticas de certas expressões linguísticas. A predicação nuclear apresenta propriedades tradicionais definidas por relações semânticas e sintáticas. Ela pode se ampliar através de satélites (entidades que possuem o mesmo status informacional dos argumentos, como por exemplo, o tempo, a causa e a finalidade), apresentando estrutura interna semelhante a dos termos. As funções pragmáticas contribuem essencialmente para a análise das regras linguísticas. Sendo assim, é importante entender como elas se diferenciam. Primeiramente, há na predicação duas funções pragmáticas, tanto internas quanto externas. Como função externa tem-se o tema, que especifica o universo do discurso com respeito ao qual a predicação subsequente se apresenta como pertinente; e o apêndice, que apresenta, como uma idéia adicional da predicação, informação destinada a esclarecê-la. Já como função interna, destaca-se o tópico, que apresenta a entidade (a respeito de) à qual a predicação predica algo na localização dada; e o foco, que apresenta o que é, relativamente, a informação mais importante na localização dada. (DIK, 1981: 38) 46 As funções descritas acima marcam o status informacional dos constituintes em uma situação linguística. Sabe-se que essas funções podem se diferenciar a depender da língua em que são utilizadas, mas acredita-se que há uma ordem para sua a utilização. As estruturas da predicação que têm em seus temas os três níveis funcionais constituem a concretização das regras que permeiam as expressões linguísticas, tendo nas regras de expressão as estruturas funcionais que se projetam em estruturas sintáticas. Observe a seguir, um esquema com as diferentes regras de procedimentos da GF (DIK, 1997:60, v.1). 47 Figura 3: Modelo global da Gramática Funcional de DIK (1981, 1997) A construção das predicações é a base para que a gramática funcional descreva as expressões linguísticas. É preciso entender que na estrutura geral das predicações existe diferença entre predicação nuclear e predicação expandida. Como predicação nuclear entende-se determinado número de termos que ocupem as posições dos argumentos de um predicado qualquer, estabelecendo um conjunto de estado de coisas, ou seja, o conjunto de estado de coisas no qual a propriedade ou relação que designa o predicado é válida para os termos específicos ao qual se aplica o predicado (DIK, 1981:45). 48 Diante de uma predicação nuclear definindo um estado de coisas é possível construir uma predicação expandida em que podem existir n satélites. São eles que dão, opcionalmente, acréscimos de informações à predicação nuclear. Ressalta-se que os argumentos nucleares são importantes para a definição do estado de coisas, pois é nele que a função semântica define a Predicação expandida relação que o papel do termo exerce no predicado. Em síntese, a expansão da predicação se dá com a junção de argumentos, satélites e predicado, formando termos da predicação nuclear, que juntos tornam a predicação expandida. A regra de formação dos predicados se dá, conforme GF, através das funções dos argumentos nucleares que estão presentes nos marcos predicativos. É interessante observar a perspectiva dessa gramática, pois a mesma acredita que através das funções semânticas, um maior número de línguas possa ser contemplado, conforme se observa em Dik (1981:52): As funções semânticas propostas pela Gramática Funcional são as que têm bastante probabilidade de serem adequadas para a descrição de um grande número de línguas. É, portanto, por meio do termo função semântica que se pode observar mais claramente o caráter funcional do objeto de estudo, assim como as semelhanças entre a função semântica, sintática e pragmática. Estas atuam em níveis linguísticos distintos, formando, através das expressões linguísticas, uma rede complexa. Veja como Dik (1997) apresenta as relações funcionais: (i) Funções semânticas (agente, meta, receptor, etc.): especificam os papéis que os referentes ligados aos termos desempenham no estado de coisas designado pela predicação em que esses termos ocorrem. (ii) Funções sintáticas (sujeito e objeto): especificam a perspectiva segundo a qual o estado de coisas é apresentado na expressão linguística. (iii) Funções pragmáticas (tema, tópico, foco, etc.): especificam o status informacional dos constituintes num conjunto comunicativo mais amplo em que ocorrem (ou 49 seja, em relação à informação pragmática do emissor e do destinatário no momento do uso. (DIK, 1997:26, v.1) As funções descritas acima apresentam as características existentes quanto à forma e conteúdo das expressões da língua, já que mostram o que há de inerente quanto à semântica e à forma dessas expressões. Sabe-se que a predicação nuclear pode variar, uma vez que representa todas as possibilidades de combinação do predicado, básico ou derivado. Quadro 1: Tipos de estado de coisas Uma predicação pode designar situação (estado ou posição) e evento (processo – dinamismo ou mudança; e ação – atividade ou realização). A fim de se reconhecerem os tipos de estado de coisas, é preciso examinar alguns parâmetros semânticos, como: [±dinâmico], [± télico], e [±controle]. Dik (1997) também menciona os parâmetros [± momentâneo]19 e [± experiência], porém o primeiro não influencia significativamente na organização linguística; logo, não mostra a mesma relevância que os demais para a diferenciação entre os estados de coisas, e o último é considerado secundário se comparado aos outros. Com o intuito de esclarecer os parâmetros semânticos [±dinâmico], [± télico], e [±controle], esta pesquisa vale-se do quadro elaborado por Esteves (2008)20, com base em Dik (1997)21, em sua dissertação sobre construções com verbo dar + SN: 50 Quadro 2: Parâmetros semânticos do estado de coisas na predicação (Cf. ESTEVES, 2008:67) Dik (1997:115, v.1) considera o seguinte quadro no que diz respeito à relação entre os estados de coisas e os parâmetros semânticos descritos por ele: 51 Quadro 3: Combinações de aspectos para a definição dos estados de coisas Dik (1997:120,v.1) comenta a possibilidade de distribuir as funções semânticas em até três lugares, conforme se observa em sua gramática: Sobre o esquema acima, Dik (1997:120, v.1) considera: (a) Nos marcos predicativos nucleares nunca há mais de um exemplo de uma dada função semântica. (b) Em todos os marcos predicativos, o primeiro argumento tem uma das funções de [1]. 52 (c) Em marcos predicativos de dois lugares, o segundo argumento tem uma das funções de [2a] ou [2b]. (d) Em marcos predicativos de três lugares, o segundo argumento tem alguma função de [2a], e o terceiro argumento uma das funções de [2b]. (e) Estados de coisas [-dinâmicos] são incompatíveis com funções semânticas que pressupõem movimento (Direção e Origem). Ressalta-se que certas predicações com tornare podem ocupar mais de dois lugares, portanto, esta pesquisa considera marcos predicativos de até três lugares. O último deles refere-se ao “destino/ponto de chegada”. Dik (1997) comenta sobre a possibilidade de inversão entre os argumentos 2 e 3, explanando que, a depender do enfoque dado, uma ou outra possibilidade alcança melhor o objetivo comunicativo. 3.3. Processo de gramaticalização O fenômeno da gramaticalização consiste num processo de transferência de itens lexicais à categoria gramatical ou de itens menos gramaticais a mais gramaticais, envolvendo, assim, uma nova categorização de itens linguísticos. Isso ocorre devido a motivações comunicativas e cognitivas, já que o falante, ao não encontrar no sistema expressões que melhor exprimam o que pretende ou ao buscar uma alternativa para se manifestar em certas atividades ou situações de comunicação, vale-se do processo de manipulação conceitual/reconfiguração de elementos disponíveis no sistema de acordo com o potencial dessas formas e as possibilidades de codificação previstas no sistema. Logo, o que motiva os novos usos e funções de formas linguísticas é a comunicação. O estudo da polissemia, por exemplo, presente nesta dissertação, relaciona-se ao estudo do processo da gramaticalização. 53 Retomando o que já foi descrito, predicações nucleares são formadas com base em termos que designam entidades em algum mundo e de predicados que estabelecem propriedades de termos ou relações entre estes. Essa interação entre predicado e termo configura um estado de coisas que é definido por Dik (1997) como qualquer entidade conceptual, não apenas “alguma coisa que pode ser localizada numa realidade extra-mental ou ser dita para existir num mundo real” (Dik, 1997, v.1, p. 105)6. Segundo o autor, para se definir um tipo de estado de coisas, é necessário observar a natureza composicional das propriedades semânticas do predicado e dos termos. Essa tipologia de estados de coisas é descrita tendo em vista alguns parâmetros semânticos: ± dinâmico [±din], ± télico [±tel], ± momentâneo [±mom], ± controle [±con] e ± experiência [± exp]7. De acordo com Dik (1997), o parâmetro da dinamicidade pode ser descrito em termos da distinção que o autor faz entre situação [-din] e evento [+din]. Um estado de coisas [-din] configura-se a partir de uma situação em que não abrange qualquer tipo de mudança das entidades abarcadas em todos os pontos temporais de tal estado de coisas. Nesse sentido, as entidades envolvidas nesse tipo de estado de coisas devem permanecer inalteradas, tendo que ser, necessariamente, as mesmas durante todo o tempo em que o estado de coisas se situa. O autor apresenta os seguintes exemplos para ilustrar essa ausência de dinamicidade: (i) a. A substância estava vermelha. b. João estava sentado na cadeira de seu pai. Um estado de coisa [+din], por outro lado, caracteriza-se como um evento que contém em si algum tipo de mudança ou dinamismo interno. Tal dinamismo pode consistir em recorrentes parâmetros de mudança ao longo de toda a duração do estado de coisas ou numa única mudança gradativa de um ponto inicial até um final 6 (...) something that can be located in extra-mental reality, or be said to exist in the real world. O parâmetro [±exp] é considerado por Dik (1997) menos relevante que os demais no que diz respeito à organização das línguas naturais e, por isso, não deve ser comparado com os outros tipos de estados de coisas. 7 54 A referência mais antiga do uso da palavra gramaticalização foi aparentemente apresentada por Meillet, que a definiu como “ a atribuição de um caráter gramatical para uma palavra anteriormente autônoma” (1912:131), e apontou que, em cada situação onde a fonte histórica de uma forma gramatical fosse conhecida, essa fonte poderia ser demonstrada como sendo uma palavra léxica comum. Em retrospecto, nos somos tentados a ver nas formulações de Meillet e em seu uso do termo gramaticalização um sentido de que um tipo especifico de mudança histórica estava em curso e, analogicamente, ele estava preocupado em explicar em termos amplos “ a história da gramática”, os antecedentes históricos à estrutura, em uma língua. Tal interpretação é certamente simpática aqueles que vêem a estrutura gramatical como um componente contido em si mesmo. Meillet, que se refere frequentemente ao “Le système grammatical (D’une langue), em teoria concordaria. Há também indicações em seus escritos que aquilo que é distintivamente gramatical numa língua não é sua estrutura ampla mas as formas gramaticais individuais que compreendem esta estrutura. O autor aponta (Meillet, 1925:25) que a identidade específica de uma língua não é sua gramática no sentido amplo. A língua francesa e a inglesa não são distintas por mostrar a relação entre dois nomes por meio de uma partícula, mas pela forma e posição da partícula. As próprias investigações filológicas de Meillet sempre enfatizaram a história das formas gramaticais individuais, que são referidas inequivocadamente como “aspectos singulares” (faits singuliers), “aspectos particulares” (faits particuliers), fatores específicos (traits spècifiques), e “processos particulares de expressão da morfologia” (procedes particuliers d’expression de La morphologie) (Meillet,1925:22-25). Vale ressaltar que estes estudos gramaticais comparativos eram entremeados com estudos etimológicos sobre vocabulário cultural Indo-Europeu sem qualquer conotação que um ou outro aspecto de 55 reconstrução e história fosse mais importante. O estudo de Meillet, em outras palavras, enfatizavou o particular sobre o geral em praticamente todos os aspectos de mudança. O ampliação do estudo de gramaticalização como exemplificado no trabalho de Givón (1971,1979), Heine e Reh (1984), e outros, mostrou que o alcance do fenômeno a ser estudado não está restrito à morfologia, mas inclui o que Givón chamou sintaticização, a fixação de ordem de palavras pragmaticamente motivadas em construções sintáticas e padrões acordados. Meillet apresentou a mudança de ordem livre de palavras em Latim para ordem fixa de palavras em Francês (1912: 147-8), como um exemplo de gramaticalização A mais extensiva definição de gramaticalização implícita em Heine (2003) levantou a seguinte questão: com o avanço do estudo de gramaticalização, haveria, no fim, espaço para a noção de gramática no sentido de relação estrutural estática (Hooper, 1987;1988a;1988b). Se gramática não é um discreto conjunto modular de relações, poderia parecer que nenhum conjunto de mudanças pode ser identificado que distintivamente caracterize a gramaticalização em oposição a mudanças léxicas ou mudanças fonológicas em geral. A única maneira de identificar exemplos/estágios de gramaticalização seria em relação a uma prévia definição de gramática, mas parece não haver modo claro no qual as fronteiras que separam gramatical de léxico e outros fenômenos possam ser significativas e consistentemente desenhadas. Consequentemente, parece não haver possibilidade de construir uma tipologia de gramaticalização, ou de construir princípios que irão discriminar entre gramaticalização e outros tipos de mudança. A defesa para essa conclusão vem da pesquisa sobre mudança/alteração semântica, Traugott (1989) examina os tipos de alteração semântica que acompanham a gramaticalização assim como as mudanças semânticas em geral, e mostra que a gramaticalização não é distinta de outras formas de alteração semântica, mas que várias tendências, talvez para serem incluídas sob um ainda menor número de tendências mais amplas, parecem governar a 56 maioria das mudanças semânticas se pensadas como léxicas ou como gramaticais. Dik (1997) trabalha com a questão da validação final dos princípios aqui apresentados. 1. Gramática: Algumas suposições Enquanto a definição de gramática, e então de gramaticalização, seja problemática para uma língua tomada isoladamente, algumas suposições “de trabalho” são possíveis numa perspectiva linguística cruzada. Essas suposições podem prover um ponto de entrada para uma investigação das regularidades emergentes que tenham potencial para ser exemplos de gramaticalização: a. Categorias que podem ser “morfologizadas” podem seguramente ser ditas como parte da gramática. Bybee (1985) demonstrou que aspecto, número, tempo e caso, entre outros, ocorrem frequentemente nas línguas como morfologia afixal. Mas alguns desses também podem ocorrer em colocações mais frouxas na forma de advérbios e outros elementos livres. Portanto categorias que são comumente “morfologizadas” em uma língua podem ser candidatas a construções gramaticais emergentes em outra; um exemplo está na sugestão de Mulac e Thompson que o inglês vernacular ‘I think’ (acho) assumiu um status quase gramatical como evidência . b. Certos tipos de itens lexicais são conhecidos tipicamente por desenvolverem-se em clíticos e afixos gramaticalizados. Essas mudanças são atualmente tão ricamente documentadas que apenas alguns exemplos necessitam ser mencionados: Pronomes demonstrativos tornam-se artigos e marcadores de classe; verbos copulares e verbos de ação tornam-se morfemas ‘aspectuais’; nomes denotando tornam-se ad posições e eventualmente afixos de caso de vários tipos. A lista detalhada dessas mudanças dada por Heine e Reh (1984: 269-81) para línguas africanas é de relevância universal. A ocorrência de certos itens lexicais em colocações frequentes (por exemplo, quando a palavra ‘pé’ ocorre repetidamente 57 em frases como ‘ao pé da colina’, etc.) pode ser primeira evidência de gramaticalização incipiente. A aplicação dessas generalizações linguísticas cruzadas sobre gramaticalização é uma técnica padrão, se usualmente tácita, para guiar uma investigação de gramaticalização numa língua particular. Tais generalizações são especialmente necessárias se dados históricos diretos não estão disponíveis, uma situação que pode ocorrer não somente em línguas que não possuem registro histórico, mas mesmo em línguas com história amplamente documentada. Novamente, a evidência em inglês ‘I think’ (eu acho) analisada por Thompson e Mulac fornece um bom exemplo: Dados históricos dessa construção são esparsos por que ela presumivelmente sempre foi restrita à língua falada. Embora muitas línguas possuíssem evidências “morfologizadas”, e pareceria natural procurar seu início pragmático no inglês vernacular e focar num verbo epistêmico como ‘think’ como um possível candidato. Mas existe algum princípio intralíngua pelo qual possamos identificar exemplos de construção que podem ser ditos como “ser pego em gramaticalização. Podemos discriminar num contexto de língua simples (i.e. não comparativa, não histórica) entre colocações acidentais e uma que esteja se movendo em direção a algum tipo de status gramatical. Uma proposta para essa questão foi sugerida por Lehmann em seu trabalho de 1985, em que vários concorrentes de gramaticalização são descritos: - Paradigmatização (a tendência das formas gramaticalizadas se organizarem em paradigmas); - Obrigatorificação (a tendência de formas opcionais tornarem-se obrigatórias); - Condensação (o encurtamento das formas); - Coalescência (colapso conjunto das formas adjacentes); - Fixação (ordens lineares livres tornando-se fixas). 58 Tais princípios são úteis, em realidade indispensáveis, como guias das mudanças históricas, e tem repetidamente provado seu valor no estudo da gramaticalização. Eles são, entretanto, características da gramaticalização que já atingiu um estágio claramente avançado e é inequivocadamente reconhecido como tal. Dik (1997) propõe cinco princípios de gramaticalização: 1) Estratificação. “Dentro de um amplo domínio funcional, novas camadas estão continuamente emergindo. Quando isso acontece, as camadas mais antigas não são necessariamente descartadas, mas podem permanecer para coexistir e interagir com as camadas mais novas.” 2) Divergência. “Quando uma forma léxica sofre gramaticalização para um clítico ou afixo, a forma léxica original pode permanecer como um elemento autônomo e sofrer as mesmas alterações como itens léxicos comuns.” 3) Especialização. “Dentro de um domínio funcional, em uma etapa uma variedade de formas com nuances semânticas diferentes pode ser possível; à medida que a gramaticalização ocorre, essa variedade de escolhas formais se estreita e o menor número de formas selecionadas assume significados gramaticais mais gerais.” 4) Persistência. “Quando uma forma sofre gramaticalização de uma função léxica para uma gramatical, contanto que seja gramaticalmente viável alguns traços de seu significado léxico original tendem a aderir a ele, e detalhes de sua história léxica podem ser refletidos e perdidos na sua distribuição gramatical.” 5) De-categorialização. “As formas sofrendo processo de gramaticalização tendem a perder ou neutralizar os marcadores morfológicos e privilégios sintáticos característicos das categorias ‘cheias” Nome e Verbo, e assumem atributos característicos de categorias secundárias com Adjetivos, Particípio, Preposição, etc.” Outro aspecto importante para o fenômeno da gramaticalização é o papel da frequência de entidades vinculadas às categorias do continuum. Bybee (2003) e Heine et alii 59 (1991) mencionam que existe uma relação entre o uso frequente de determinados itens linguísticos e a gramaticalização. Entende-se por domínio funcional qualquer área funcional geral como tempo/aspecto/modalidade, caso, referência, etc. tipos que com frequência se tornam gramaticalizadas. Bybee (2003) comenta que a frequência de uso não resulta apenas em gramaticalização, mas pode motivar o processo, instigar a mudança. O enfraquecimento semântico ou generalização de elementos linguísticos que passam pelo processo da gramaticalização são encontrados no uso. Uma vez “enfraquecidos” tornam-se mais gerais, abstratos, o que faz com que seu uso se torne mais frequente. O mecanismo que está por trás do esvaziamento semântico é o hábito: “um estímulo perde seu impacto se ocorre muito frequentemente”. (BYBEE, 2003:605) Em uma proposta de definir o processo de gramaticalização, Bybee (2003:603) reconhece o papel crucial da repetição no fenômeno e o caracteriza como “um processo pelo qual sequências de palavras ou morfemas frequentemente usados se tornam automáticos como uma única unidade de processamento”. Sobre a frequência observa que: (i) leva ao enfraquecimento da força semântica pelo hábito: com o hábito o organismo pára de responder o estímulo repetido da mesma forma; (ii) interfere na redução e na fusão fonológica com a repetição, condicionadas pelo uso da construção em sentenças contendo informação velha ou de fundo; (iii) condiciona uma autonomia maior para a construção, ou seja, seus componentes individuais perdem ou enfraquecem suas associações com outros usos dos mesmos itens; (iv) gera a perda de transparência semântica que, por sua vez, leva ao uso da construção em novos contextos, com novas associações, estabelecendo mudança semântica; 60 (v) faz com que o sintagma frequente e autônomo passe a ser mais “penetrado” (entrenched) na língua, preservando características morfossintáticas antigas. (BYBEE, 2003:604) A autora investiga dois tipos de frequência: a de ocorrência (token frequency) e a de tipo (type frequence). A primeira corresponde à expressividade da unidade, geralmente, palavra ou morfema no texto. No caso de tornare, pode-se verificar a quantidade de dados atuando em diferentes categorias. A segunda refere-se a um tipo de estrutura em particular, como, por exemplo, determinados aspectos configuracionais envolvidos na atualização de tornare nas categorias gramaticais aqui detectadas. 3.3.1. Gramaticalização de verbos auxiliares Tradicionalmente, os autores se indagam sobre o fato de os auxiliares serem uma classe separada dos verbos ou se é parte da classe dos verbos. Questionam também se é uma categoria universal ou não, mas a questão se uma língua tem ou não auxiliar depende crucialmente do tipo de critério adotado para se dizer se um verbo é auxiliar ou não. Os funcionalistas levantam a hipótese de que, como não há categorias discretas, não existe um limite separando os auxiliares dos verbos plenos: os dois fazem parte de um continuum ou graduação. Os formalistas, a partir da necessidade de classificar uma entidade numa e noutra classe, passaram a buscar outras subclassificações, com a de verbos quase-auxiliares (verbos que apresentam funções gramaticais quando seguidos de uma forma nominal de verbo), verbos catenativos (verbos que expressam noções como atitudes, necessidade, percepção, futuridade), semi-modais. 61 Heine objetiva demonstrar como os auxiliares são formados nas línguas e demonstrar o continuum de gramaticalização que leva um verbo pleno a ser usado como auxiliar. Segundo o autor, os auxiliares expressam conceitos gramaticais relacionados ao estado temporal (tempo), o contorno temporal (aspecto) e o tipo de realidade (modalidade) de conteúdos proposicionais. Para ele, as expressões linguísticas para esses conceitos são derivadas de formas de expressão para umas noções gerais que podem ser expressas linguisticamente por alguns verbos, que são parte de um conceito complexo maior chamado por Heine de esquemas de eventos. a. Lugar (onde alguém está): estar em, ficar em, viver em, permanecer em etc.; b. Movimento (para/de/através de onde alguém se move): ir, vir, mover, passar etc.; c. Atividade (o que alguém faz): fazer, pegar, continuar, começar, terminar, agarrar, pôr etc.; d. Desejo (o que alguém quer): querer, desejar etc.; e. Postura (a maneira como o corpo de alguém está situado): sentar, estar (em pé), deitar etc. f. Relação (o que alguém se parece; a que alguém está associado; alguém pertence a): ser (como), ser (parte de), estar acompanhado por, estar como etc. g. Posse (o que alguém possui): conseguir, possuir, ter etc. Heine (1993) distingue os conceitos de origem, correspondentes a objetos concretos, processo ou localização, dos esquemas de eventos ou proposições de origem, que se associam aos conteúdos estereotipados que descrevem situações aparentemente básicas para experiência e comunicação humanas e são expressas linguisticamente por meio de um predicado (termo predicante) vinculado a variáveis (termos regidos por ele). Cada elemento desse esquema é chamado pelo autor de entidade, que apresenta um conceito simples. Uma proposição, 62 portanto, como x vê y pode ser compreendida, segundo Heine (1993, p. 31), como um esquema de evento, já que há uma entidade chamada de predicado (vê) associada a outras duas entidades chamadas variáveis (x e y). Os principais esquemas de eventos que são relevantes para a compreensão do comportamento das construções com auxiliares podem ser observados a seguir: Tabela 1: Os principais esquemas de eventos que funcionam como fontes para as categorias gramaticais de tempo e aspecto, conforme Heine (1993, p. 31). De acordo com Heine, esses esquemas não são igualmente básicos. Evidências históricas sugerem que alguns desses esquemas podem ser derivados de outros e que localização, movimento e ação são os esquemas mais básicos, pelo motivo de constituírem esquemas de eventos de conceptualizações humanas mais salientes que outros. O esquema de localização desenvolve geralmente aspectos progressivos. Foram analisados em diversas línguas do mundo verbos que indicam posturas como sentar, estar de pé e deitar, e verbos durativos como viver e ficar + preposições que indicam lugar. Na língua 63 celta, por exemplo, a proposição X está depois de Y gerou a noção de aspecto perfeito (cf. Heine, 1993, p. 34). O esquema de movimento envolve, sobretudo, os verbos ir e vir como predicados, mas, a essa lista de dois, podem ser acrescidos outros como mover(- se), andar, passar, chegar e partir/deixar. Heine exemplifica esse esquema com uma ocorrência do inglês (be going to), que indica futuro, e do francês (venir de), que indica passado, e, assim, defende a idéia de que o esquema de movimento é mais comumente associado às categorias de tempo. O esquema de ação é menos comum nas línguas em geral e envolve normalmente o verbo acabar: X acabou/terminou Y e é frequentemente empregado para desenvolver o aspecto perfeito ou terminativo. O esquema de volição é empregado para desenvolver tempos relativos ao futuro. O auxiliar Will do inglês é um exemplo típico. O esquema de mudança de estado, raramente usado, pode desenvolver marcadores de tempo e aspecto. Heine (1993) descreve que os conceitos concretos ou esquemas de eventos são tratados como itens de origem (source items) e os conceitos gramaticais formados a partir daqueles são tratados como itens alvos (target items). Embora o autor proponha estágios intermediários, a transição de um conceito de origem para um alvo não é um processo discreto, e sim, contínuo. Dessa forma, a concepção que se deve ter desses estágios intermediários é a de posições fluidas e graduais. Quando uma expressão usada para um conceito de origem lexical é transferida para designar um conceito alvo gramatical, o resultado é uma ambiguidade, pois a mesma expressão refere-se simultaneamente a dois conceitos diferentes. Com base em exemplos com a construção is going to, Heine (1993, p. 48) explica que, até o verbo to go (ir) apresentar características evidentes de um elemento gramatical, tal verbo passa por diversos estágios, 64 inclusive, um ambíguo em que é possível interpretar um evento de movimento ou um de tempo futuro. Essa ambiguidade é uma etapa necessária na reanálise de verbos como auxiliares. Figura 4: Formação de going to designador de tempo futuro, através de um continuum configurado pelos pólos source (origem) e target (alvo); (Heine, 1993, p. 49). O modelo de transição apresentado na figura anterior pode ser analisado numa perspectiva diacrônica, entendendo tal processo como um desenvolvimento ao longo do tempo, ou sincrônica, entendendo que os três usos referentes aos estágios (I, II e III) convivem numa mesma sincronia. Segundo o princípio de divergência, descrito por Hopper (1991), usos lexicais e instrumentais (gramaticais) de uma mesma unidade linguística podem coexistir. Esse argumento ratifica a idéia de que gramaticalização é um processo de mudança linguística que pode tanto ser observado no eixo diacrônico, como no sincrônico (em pancronia, nos termos de Saussure, 1977). Outro aspecto relevante descrito por Heine (1993) sobre esse processo de mudança pelo qual passam alguns verbos, como to go, são as características morfossintáticas e fonológicas desses estágios representados pelos conceitos fonte, fonte/alvo (ambíguo) e alvo. Do ponto de vista morfossintático, o pólo do continuum caracterizado como fonte (estágio I) reúne os elementos com seu conteúdo semântico-lexical totalmente preenchido, enquanto no estágio III, ou conceito alvo, encontram-se os elementos de valor gramatical. O estágio II 65 pode ser considerado uma categoria híbrida, por comportar aspectos que permitem uma interpretação lexical ou gramatical. Do ponto de vista fonológico, Heine acredita numa gradual erosão da forma linguística, acompanhando, proporcionalmente, o processo de abstratização gradativa observado no modelo de transição de conceito fonte para conceito alvo. Figura 5: Implicações morfossintáticas e fonológicas do processo de mudança verbo > auxiliar. 3.3.1.1. Estágios de gramaticalização de verbos Heine (1993) apresenta o pressuposto de que há sete estágios diferentes de gramaticalização de itens verbais, pautando-se em quatro fenômenos básicos, que afetam diferentes planos de estruturação linguística, para a compreensão desse processo de mudança: dessemantização (semântica), decategorização (morfossintaxe), cliticização (morfofonologia) e erosão (fonética). Dessemantização caracteriza-se pela perda de conteúdo semântico. Os elementos envolvidos no processo de gramaticalização perdem valor representacional, e ao assumir a nova função gramatical, adquirem funções de natureza pragmático-discursiva. Ocorre que, ao ser utilizado em novos contextos (extensão), o elemento tende a perder parte de seu sentido 66 original ao ser utilizado em novos contextos. Esse desenvolvimento, segundo Heine, pode ser explicado por meio dos seguintes estágios: I. O sujeito é tipicamente humano, o verbo expressa um conceito lexical e o complemento, um objeto concreto ou um lugar. II. O complemento passa a expressar uma situação dinâmica. III. O sujeito não é mais associado com referentes humanos, e o verbo adquire uma função gramatical. (Heine, 1993, p. 54)8. O processo de decategorização (ou mudança de categoria) envolve a perda de certas propriedades morfológicas e sintáticas típicas das formas fonte pela qual passam, entre outros itens, alguns verbos. Quando um elemento verbal, pertencente, originalmente, a uma categoria lexical se gramaticaliza, ele perde características lexicais primárias para adquirir outras secundárias de uma categoria gramatical de auxiliar. O processo de decategorização, segundo Heine, é o resultado da transposição de [sujeito – verbo complemento] para [sujeito – marcador gramatical (auxiliar) – verbo principal]. Como consequência da decategorização, a unidade linguística em processo de gramaticalização, ganha propriedades de um marcador gramatical de tempo, aspecto ou modalidade. Nessa função, esse item verbal passa a ocupar uma posição adjunta ao verbo principal. Assim como os clíticos pronominais, os auxiliares caracterizam-se por terem a aparência de um apêndice morfofonológico, formando, junto com o verbo principal, um único vocábulo fonológico9. 8 I. The subject is typically human, the verb expresses a lexical concept and the complement a concrete object or location. II. The complement comes to express a dynamic situation. III. The subject is no longer associated with willful/human referents and the verb acquires a grammatical function. 9 Para o aprofundamento da noção de vocábulo fonológico, cf. Camara Jr. (1970, p. 62-64). 67 A esses processos de mudanças de ordem semântica (dessemantização) e morfossintática (decategorização e cliticização), junta-se a erosão fonética, que corresponde à perda de massa fonética da forma linguística. De acordo com Heine, essa erosão da substância fônica provoca a perda do tom distintivo ou acento. O elemento tende a sofrer coslescência (fusão de formas adjacentes) e condensação (diminuição de forma). Com base nesses quatro fenômenos que podem acompanhar um item verbal durante seu processo de mudança, Heine (1993) elencou sete estágios de gramaticalização, designados como: Estágio A, Estágio B e assim por diante até o Estágio G. Esses estágios foram formulados tendo em vista um continuum chamado Verb-to-TAM, que é uma representação do percurso de mudança pelo qual as unidades linguísticas passam de verbo a marcador de Tempo, Aspecto e Modalidade (TAM). O Estágio A é o dos esquemas de origem (objetos concretos, processos ou localizações). Os verbos apresentam seu significado lexical completo e possuem complemento que configura algum esquema de eventos, como os já mencionados anteriormente. Os exemplos apresentados por Heine (1993, p. 59) representam, respectivamente, localização, movimento, ação e volição: 1. a. Judy está na estação. b. O trem veio de Hamburgo. c. Ele pegou o trem. d. Meu amigo precisa de um ingresso.10 No Estágio B, há os primeiros sinais de auxiliaridade, pois se observa um evento sob a forma não finita como complemento do verbo e a identidade do sujeito, entre o verbo e o 10 Todos os exemplos foram retirados de Heine (1993). 68 complemento, não é um requisito obrigatório. Heine (1993, p. 59) apresenta os seguintes exemplos: 2. a. Ele evitou pegar o trem. b. Ele arrependeu-se de ter me magoado. No Estágio C, o sujeito não está mais restrito a referentes humanos, e o verbo passa a expressar apenas noções de tempo, aspecto ou modo. A ligação entre verbo e complemento é tão significativa que ambos representam uma única unidade semântica e fazem referência às mesmas entidades envolvidas na predicação (os termos projetados pelo predicado). 3. Eu quero voltar. No Estágio D, estão os verbos que perderam a capacidade de formar imperativos, de ser nominalizados ou de integrar uma sentença na voz passiva. Seus complementos são sempre um verbo ou no infinitivo ou no gerúndio. 4. Ele costuma reunir sua correspondência diariamente. No Estágio E, o item não é mais considerado verbo. Ele perde a capacidade de ser negado e de ser usado em diferentes posições na cláusula. Um item no Estágio E é híbrido, porque perde propriedades verbais, mas ganha outras. Segundo Heine (1993, p. 63), os modais do inglês como can, may, should e would estão nesse estágio. No Estágio F, o verbo perde as características verbais remanescentes. É um elemento instrumental dentro da gramática e seu complemento passa a ser interpretado como verbo principal. O item verbal passa a ser um morfema preso, no entanto, os resíduos morfossintáticos permitem recuperar a estrutura original. 69 O Estágio G é o final da gramaticalização: o afixo torna-se uma flexão, não apresentando tom ou acento diferentes do outro verbo. Como se pôde observar, a categoria chamada auxiliar compreende diversos estágios de gramaticalização. Para Heine, o auxiliar é um item linguístico que codifica um conjunto de usos ao longo do continuum verb-to-TAM (verbo > flexão). O auxiliar não é um elemento final desse continuum, e sim, uma categoria intermediária, havendo a possibilidade de se tornar um afixo ou uma flexão. Sendo uma categoria intermediária, exibe características de estágios intermediários entre o verbo pleno e a flexão: (i) o auxiliar faz parte de um grupo de entidades usadas para expressar tempo, aspecto, modo etc.; (ii) apresenta morfossintaxe verbal; (iii) o verbo principal, historicamente complemento, é uma forma invariável, enquanto o auxiliar é responsável pelas marcas gramaticais de pessoa, número, negação etc., desde que não haja outro verbo auxiliar no complexo com essas marcas como na perífrase (Vou ter escrito) em que ter é auxiliar canônico, no entanto, é ir que possui as marcas gramaticais; (iv) o auxiliar, como resultado do processo de decategorização, ocupa um lugar fixo na cláusula e exibe um comportamento verbal reduzido, perdendo a capacidade de ser apassivado, de apresentar-se de forma imperativa etc.; e (v) como resultado da erosão, o auxiliar não apresenta acento próprio. Outra cadeia de gramaticalização de verbos utilizada neste estudo é a proposta por Travaglia (2002 / 2003). Para o autor, os verbos, ao serem afetados pelo processo de gramaticalização, passam pelas etapas demonstradas na figura a seguir, em que o ponto de interrogação indica, segundo o autor, a necessidade de se pesquisar se o verbo de ligação altera para a etapa subsequente. 70 Figura 6: Cadeias de gramaticalização de verbos, segundo Travaglia (2002). Assume-se, juntamente com Travaglia (2002), que a trajetória de gramaticalização que caracteriza os verbos auxiliares não é a mesma da que caracteriza os verbos de ligação. Assim, as etapas de gramaticalização seguem duas trajetórias: (i) verbo pleno > forma perifrástica11 > aglutinação, e (ii) verbo pleno > verbo funcional12 (de ligação) > aglutinação. De acordo com Travaglia (2003), os verbos gramaticalizados ou em processo de gramaticalização podem apresentar alguma(s) das seguintes características, conforme seu valor, uso ou função: a) Indicadores – verbos que são passíveis de se vincularem a uma categoria mais gramatical por expressarem uma noção semântica muito geral. Nesse grupo, estão os verbos que Travaglia (1991, p. 61- 62) chama de auxiliares semânticos em que o grau de gramaticalização os torna os “mais lexicais” dos três. 11 O autor denomina esse estágio de forma perifrástica, no entanto, neste estudo, entende-se por perífrase a estrutura formada em função de, pelo menos, um verbo (semi-)auxiliar e um auxiliado. 12 Com base em Travaglia (2003), entende-se por verbo funcional aquele elemento que, embora não possua funções lexicais, não é auxiliar ou semi-auxiliar. 71 b) Marcadores – verbos que marcam alguma categoria gramatical do verbo ou de outra classe, ainda que marquem geralmente informações gramaticais de tempo, voz, modo, aspecto etc. Esse status representa um grau mais avançado de gramaticalização em relação ao indicador. c) Funcionais – verbos que não marcam uma categoria gramatical dos verbos nem de outras classes, mas desempenham, nos textos e outras sequências linguísticas, função para a organização interna da língua, ou seja, para a gramática. Nesse grupo, Travaglia (2003, p. 99) inclui marcadores conversacionais, operadores argumentativos, ordenadores textuais, os marcadores de realce ou relevância. 3.4. Enfoque funcionalista de categorização linguística Entendendo que a hipótese fundamental desta dissertação é a de que tornare pode ser usado com diferentes funções morfossintáticas, semânticas e/ou discursivas, é necessário investigar o que leva tal verbo a assumir esses possíveis papéis, considerando o fato de que esse elemento verbal é, originalmente, um VPREDICADOR que comporta o significado de “movimento no espaço concreto”. Tendo em vista essa hipótese, assume-se que a criatividade humana desencadeada por fatores de natureza interacional e sócio-comunicativa tenha relevância considerável no que concerne às alterações de função e sentido sofridas por tornare, além, evidentemente, de fatores internos à língua. Assim sendo, esta dissertação vincula-se ao paradigma do Funcionalismo Linguístico. Afirmar, no entanto, que a pesquisa se fundamenta nos pressupostos funcionalistas é estabelecer um campo de embasamento muito amplo, tendo em vista que há, segundo Nichols 72 (1984, p. 102), asserções funcionalistas, análises funcionalistas e teorias funcionalistas. De acordo com a autora, a distinção entre esses termos é importante, pois é possível que investigações sobre determinados fenômenos linguísticos possam apenas receber o rótulo de funcionalistas, sem empreender, de fato, um modelo de análise funcionalista, contrapondo-se ao modelo formal cujo enfoque se centra basicamente na estrutura linguística. Com efeito, a autora faz uma advertência no sentido de que o nível de adequação funcionalista de um dado estudo pode ser gradual, a depender do tratamento empregado dos dados. A categorização linguística discutida por Taylor (1995) representa uma atividade de cognição humana, uma vez que esta se desenvolve a partir da atividade linguística, com estrutura e funcionamento pautados em critérios estabelecidos e que, portanto, tornam possível/viável uma delimitação num complexo de relações de similaridade/pertinência e dessemelhança entre formas/elementos. A estipulação de categorias linguísticas parte de um conjunto de determinados atributos que constituem uma categoria prototípica. Esses atributos, geralmente, possuem um alto nível de frequência, destacando-se linguística e cognitivamente. Sabe-se, porém, que existem categorias cujos atributos são partilhados entre si, da mesma forma que há atributos que não partilham propriedades semelhantes. Por isso, é imprescindível que se categorizem elementos linguísticos distintos tendo em vista os protótipos, já que estes constituem o que há de mais central na entidade. Dessa forma, pode-se dizer que categorizar é separar elementos diversificados compostos de propriedades semelhantes. Sobre a categoria prototípica, Taylor (1995:51) escreve que esta (i) maximiza o número de atributos compartilhados pelos membros da categoria; e (ii) minimiza o número de atributos compartilhados com os membros de outras categorias. Baseado nisso, podem-se destacar duas características pertinentes à categoria prototípica: a primeira consiste no fato de os membros da mesma categoria partilharem um número considerável de propriedades semelhantes entre si, e por 73 último, consideram-se que outras categorias compartilhem poucos atributos da entidade central, fazendo com que esta se flexibilize. Taylor (1995:196) também comenta que o critério semântico tem um papel na categorização, esclarecendo em que se baseia para delimitar categorias distintas: Os critérios semânticos certamente desempenham um papel em qualquer definição de classe de palavras (...). Isso não significa afirmar que todos os membros de uma categoria gramatical necessariamente partilham um conteúdo semântico comum. (Mas nem todos os membros de uma categoria gramatical necessariamente partilham as mesmas propriedades sintáticas). (...) As categorias gramaticais possuem uma estrutura prototípica, com membros centrais partilhando uma gama de atributos semânticos e sintáticos. O fato de um item não exibir alguns desses atributos não impossibilita a associação. Como se vê, a relação entre os membros de uma mesma categoria se pauta na semelhança de um protótipo, considerando as diferenças entre monossemia e polissemia, homonímia e polissemia, além de metáfora e metonímia. 3.5. Polissemia verbal: extensões semânticas por meio de metáfora e metonímia Para compreensão do processo de categorização linguística, é necessário, ainda, o desenvolvimento de questões acerca da polissemia, metáfora e da metonímia. Um ponto em comum entre esses termos, e essencial para o presente estudo, é a idéia de que expansões semânticas de um determinado membro central podem acontecer por meio de metáfora ou metonímia, podendo acarretar, ou não, uma rede de relações polissêmicas. Um dos grandes entraves teóricos sobre polissemia é a relação que há entre esse termo e a homonímia. O problema, frequentemente, reside no tratamento de certas formas 74 linguísticas homófonas e homógrafas, isto é, se um item é homônimo a outro ou se é uma extensão de sentido de outro. A polissemia verbal constitui um estudo importante para o entendimento das expansões semânticas depreendidas de tornare, já que, por meio dela, se desenvolve o processo de categorização linguística. Em virtude disso, compreende-se que as extensões de significado, oriundas dos processos metafóricos e metonímicos, dão-se a partir de um membro central. Os itens lexicais monossêmicos e polissêmicos, geralmente, participam (ou não) da mesma categoria sintática, mas remetem a domínios distintos. O primeiro estabelece-se por ter apenas um significado, enquanto o segundo pode ter dois ou mais significados interrelacionados concernentes à sua forma. Da mesma forma que a relação entre monossemia e polissemia é tênue, a diferença entre homonímia e polissemia também o é. A homonímia, segundo Taylor (1995), mostra elementos não relacionados a partir de um único elemento linguístico pertencente a categorias sintáticas distintas. Palavras homônimas podem, em algum momento, ter-se inter-relacionado através de extensões semânticas, porém, com o passar do tempo, talvez por razões fonéticas, os itens linguísticos antes diferentes quanto à fonologia e à semântica tenham-se tornado idênticos fonologicamente. Por outro lado, a polissemia configura cadeias de extensões semânticas entre os membros de uma categoria, gerando, em virtude dessas extensões, as denominadas categorias de semelhança familiar. Estas se constituem semelhantemente a categorias radiais, possibilitando a produção de itens com significados periféricos a partir de itens que tenham significado central dentro da categoria da qual faz parte. O fenômeno da polissemia pode ser explicado de acordo com as inter-relações existentes entre os membros de uma categoria. Segundo Taylor (1995), a distinção entre polissemia e homonímia pode ser respaldada por um critério sintático, ou seja, enquanto a 75 homonímia se refere a categorias sintáticas distintas, a polissemia envolve categorias sintáticas semelhantes.13 Os processos de metáfora e metonímia são fundamentais para o processo de expansão semântica da cadeia polissêmica. A metáfora estabelece-se quando um elemento de certo domínio cognitivo através de elementos de um domínio diferente são conceptualizados. Isso ocorre de um item mais concreto para um mais abstrato. O autor aborda que, tradicionalmente, a metáfora é concretizada em frases cujas combinações de palavras se formam sob determinadas restrições de seleções, por isso entende e apresenta a metáfora sob a perspectiva da cognição: Metáfora é, então, motivada por uma procura pelo entendimento e é caracterizada, não por uma violação das restrições de seleção, mas pela conceptualização de um domínio cognitivo em termos de componentes mais usualmente associados a outros domínios cognitivos. (TAYLOR, 1995:132133) Segundo Taylor (1995:123-124), metonímia e metáfora caracterizam-se, portanto, por processos de expansão semântica que podem formar uma estrutura de rede polissêmica. Os membros (periféricos) formados a partir de tal(is) expansão(ões), com base num protótipo, relacionam-se uns com os outros tendo em vista as partilhas de atributos e similaridades. Membros centrais (protótipos) e periféricos constituem uma categoria que pode ser de ordem lexical ou morfossintática. Dessa forma, além do processo de expansão de significado, metáfora e metonímia contribuem para o processo de gramaticalização, pois segundo Heine et alii (1991:48) a metáfora (...) é interpretada como uma estratégia cognitiva que nos ajuda a entender, mas não a explicar a gramaticalização ou o comportamento gramatical. 13 O autor apresenta a comparação translingüística (entre línguas) como outra explicação para a distinção entre homonímia e polissemia, ou seja, a homonímia tende a acontecer de maneira mais específica em cada língua, já a polissemia, para o autor, parece ser mais universal. Vale ressaltar que independentemente de qualquer explicação, concorda-se com Taylor que a determinação de uma fronteira entre tais fenômenos é complicada, já que a relação de significado envolve uma noção gradual e subjetiva. 76 4. ASPECTO METODOLÓGICO Este estudo sobre as predicações com o verbo tornare conta com um total de 432 ocorrências do verbo tornare advindas de textos produzidos na modalidade oral e escrita do italiano. Os dados orais foram obtidos com base em acervos de monólogos, entrevistas e diálogos feitos a informantes de diferentes faixas etárias e escolaridades. Os dados escritos provêm de textos de variados gêneros textuais. A configuração da amostra com base em corpora múltiplos decorre do intuito de se buscar registrar usos representativos de tornare na língua italiana empregada nas modalidades falada e escrita. Os dados de língua oral provêm do programa C - Oral - Rom (Corpora de fala espontânea em diferentes contextos). Os corpora presentes nesse programa foram elaborados por diferentes grupos de pesquisas da Universidade de Florença. Este programa conta com um vasto banco de dados do italiano contemporâneo. Inicialmente, pretendia-se trabalhar apenas com entrevistas, mas, infelizmente, aqui no Brasil não se tem muito acesso a programas que transcrevem a fala espontânea de Italianos. O programa C – Oral – ROM foi o único ao qual se teve acesso. Por isso, viu-se a necessidade de uma ampliação da coleta em acervos de diálogos e monólogos. Este programa nos deu acesso a dados retirados de contextos formais e informais. Dentro desses contextos nos deparamos com variáveis14 que se julgam pertinentes para o aparecimento de determinadas formas e estruturas linguísticas, já que se releva a hipótese de que certos usos são muito comuns em dados textos e raros, ou impossíveis de aparecer, em outros. Nesse sentido, resume-se, no quadro seguinte, a distribuição dos dados do corpus oral coletados e a distribuição geral dos textos pesquisados. 14 Variável é um termo técnico usado nos trabalhos sociolingüísticos para designar tanto o fenômeno em variação (variável dependente), como o grupo de fatores que co-atuam no processo variável (variável independente). O significado considerado, neste momento da dissertação, equivale ao segundo conceito. 77 Fonte dos Descrição do arquivo dados Formal C – Oral – ROM Telefone familiar Informal público Total Dados coletados Contexto Natural 16 Mídia 2 Conversa privada Conversa com telefonista Monólogo 13 Diálogo 16 Conversa 25 Monólogo 2 Diálogo 3 Conversa 0 50 19 146 Quadro 4 : Distribuição geral dos textos pesquisados e dos dados coletados no corpus oral. Os dados da língua escrita advêm de textos jornalísticos retirados de jornais italianos on-line. Procuraram-se ocorrências desse verbo em diferentes gêneros de texto, como editoriais, artigos de opinião, notícias-reportagens, cartas de leitores, entrevistas e crônicas. Os jornais utilizados foram “La repubblica” e “Corriere della sera”, pois se considera que tais veículos apresentam nuançes consideráveis de graus de formalidade, tendo em vista, sobretudo, o público-leitor. Nesta pesquisa, utiliza-se o termo gênero, a partir do reconhecimento de aspectos sócio-comunicativos e funcionais que estruturam o texto, a fim de ajudar a compreender a que se deve o emprego de determinadas formas linguísticas. Cada gênero textual apresenta um formato determinado por seus objetivos comunicativos. Como gênero textual é um fenômeno histórico relacionado à vida sócio-cultural do falante, o domínio discursivo dá origem a gêneros que se materializam em diversos suportes (entre os quais, o veículo jornalístico) e, 78 então, servem de base para as atividades da língua. São, portanto, mais determinados pelos objetivos do falante do que propriamente pela forma com que se configuram. A organização do corpus escrito foi, também, estabelecida sob o critério de um continuum de formalidade dos textos escritos; isto é, buscou-se apresentar produções que se caracterizam, ainda que escritas, como distensas e outras regidas sob um grau de planejamento mais criterioso. Mesmo com a possibilidade de se submeterem a um processo de revisão textual, os gêneros textuais jornalísticos coletados podem exibir dados com graus diferentes de (in)formalidade/uso: supõe-se que os editoriais revelem uma linha que tende ao mais formal (ou se situa entre o nível neutro e o de formalidade); já nas notícias se adota uma linha menos formal (ou entre a informalidade e o nível neutro de formalidade). Os textos escritos que ora compõem o corpus desta pesquisa se distribuem, portanto, em categorias graduais de registros que vão do menos ao mais formal. Fonte dos dados La repubblica Corriere della sera Descrição do arquivo Cartas de leitor Dados coletados 17 Crônicas 21 Editoriais 26 Notícias-Reportagens 48 Artigos de opinião 24 Cartas de leitor 13 Crônicas 16 Editoriais 18 Notícias-Reportagens 42 Artigos de opinião 32 Total 257 79 Quadro 5 : Distribuição geral dos textos pesquisados e dos dados coletados no corpus escrito. Utilizou-se, para o tratamento estatístico dos dados, o programa Goldvarb (2001). Para tanto, todas as ocorrências obtidas nos corpora foram codificadas, ou seja, cada dado obteve códigos que representam o seu comportamento. Dessa forma, foi possível abrir o arquivo de dados codificados no programa executável que, por sua vez, possui as seguintes funções básicas: (i) criar um arquivo de especificação das variáveis dependentes e independentes; (ii) detectar algum erro de codificação, com base no arquivo de especificação e gerar arquivos corrigidos após mudança feita pelo pesquisador; (iii) produzir arquivos de células em função de arquivos de condições68 organizados pelo pesquisador; (iv) criar um arquivo que demonstre a relação entre as variáveis independentes e a variável dependente; (v) desenvolver um arquivo que represente a tabulação cruzada de pares de variáveis independentes (cruzamento de variáveis); e (vi) gerar pesos relativos. 4.1. Procedimentos de análise Uma vez coletadas as ocorrências do verbo tornare, submeteram-se os 403 dados obtidos a um tratamento qualitativo, que se fundamenta na observação/investigação de alguns parâmetros para o estudo da polifuncionalidade desse verbo, e também quantitativo no que se refere a alguns aspectos O procedimento qualitativo prevalece sobre o outro, em razão de que, nesta pesquisa, o objetivo é investigar as propriedades das predicações com tornare. Com base no procedimento qualitativo, verifica-se a multifuncionalidade do verbo em questão, além de se observarem os contextos em que ele está mais gramaticalizado e as propriedades que permitem estabelecer um continuum entre os usos funcionais de tornare. 80 Considerando a noção de categorização radial estabelecida por Taylor (1995), observa-se o comportamento das ocorrências de tornare de modo a verificar similaridades e diferenças que permitam situar os tipos num continuum de gramaticalização e, então, precisar a distribuição das ocorrências pelas diferentes funções/categorias identificadas, os contextos em que este é mais e/ou menos gramatical. O verbo em questão é estudado à luz da Teoria da Gramática Funcional de Dik (1981, 1997), no que diz respeito aos parâmetros semânticos estipulados pelo autor na descrição de estados de coisas e à configuração de marcos predicativos das predicações com tornare. Mediante essa perspectiva, é possível identificar os fatores semântico-sintáticos responsáveis por sua caracterização como Vpredicador pleno e Vpredicador não-pleno. Para a descrição do fenômeno de gramaticalização, o verbo em análise é examinado a partir de parâmetros do processo de gramaticalização descritos em Hopper (1991), Heine et alii (1991) e Heine (1993), destacando-se os parâmetros de “expansão semântica”, “dessemantização”, “especialização funcional” e “decategorização”. Para categorizar tornare como Vpredicador pleno, são considerados como ponto de partida dois parâmetros basicamente: a primeira acepção mencionada pelos lexicógrafos em suas obras e características configuracionais prototipicamente relacionadas a essa acepção (como, por exemplo, a animacidade do constituinte sujeito). O Vpredicador não-pleno é aquele em que o item lexical se afasta de seu primeiro sentido descrito nas obras lexicográficas, mostrando um comportamento morfossintático e/ou semântico diferente do verbo pleno: uma alteração, por exemplo, no estatuto de animacidade do sujeito. Enquanto Vsuporte, tornare opera sobre um elemento não-verbal formando com este um predicado/predicador complexo, ou seja, uma unidade semântica, estrutural e funcional. Caracteriza-se por ser leve semanticamente e por ser responsável pela estruturação argumental e pela distribuição de papel temático aos argumentos. Já como Vsemiauxiliar, atua 81 sobre um verbo principal no infinitivo, com o auxílio da preposição “a”, para marcar a noção de retomada/reinício e, nesse sentido, formar um complexo verbal. Para análise quantitativa, foi feita uma codificação dos dados de cada subamostra em função de propriedades dos fatores detectados. Para proceder à avaliação estatística dessas características, recorreu-se a uma ferramenta usada em estudos sociolinguísticos, o pacote de programas GOLDVARB. Vale ressaltar que, embora tenha sido adotado esse programa computacional, o presente estudo não se pretende variacionista, uma vez que não há um fenômeno variável a ser estudado e nem hipóteses que justifiquem essa orientação teóricometodológica. Seguiram-se apenas alguns dos procedimentos de utilização do GOLDVARB como ferramenta auxiliar na verificação da distribuição de valores e percentuais das expressões em estudo pelas características examinadas. A análise quantitativa corresponde à observação do número de dados obtidos na coleta nas funções em que tornare atua. Esses números/percentuais colaboram para precisar a recorrência de cada função desempenhada pelo o item verbal em estudo. A necessidade de se precisar o número de ocorrências está fundamentada em Bybee (2003), pois, segundo ela, quanto maior a frequência de determinado dado, em certos contextos, maior a possibilidade de seu significado se tornar mais geral e abstrato, uma vez que o mesmo perde sua plenitude semântica e, assim, passa a servir a múltiplos/vários contextos de uso. 82 5. POLIFUNCIONALIDADE DE TORNARE De acordo com as bases teóricas descritas, analisam-se, neste capítulo, os dados referentes às ocorrências de tornare. Esses comprovam que o verbo tornare é um item polifuncional, já que, a partir do confronto de suas ocorrências ele pode ser empregado como verbo predicador com o seu sentido básico de “movimento no espaço geográfico” e também pode ocorrer com outros sentidos, mais ou menos próximos daquele sentido (primário/fonte) e que mantêm, de modo mais ou menos opaco, o significado geral de “movimento de retomada”. A gramaticalização desse item lexical ocorre, exatamente, com esse enfraquecimento do sentido pleno do verbo (idéia de movimento no espaço geográfico), adquirindo valor/funcionamento semi-gramatical na língua Italiana. Pode ocorrer como verbo semi-auxiliar em construções do tipo Vsemi-auxiliar + a + Predicador simples ou complexo. A partir da avaliação do comportamento desses usos de tornare no corpus constituídos, já se pode delinear uma cadeia de gramaticalização que tem em um de seus extremos a categoria de verbo predicador pleno, passa pela de verbo predicador não-pleno, e tem no outro extremo a de verbo semi-auxiliar e possível verbo suporte. Gramaticalização de TORNARE (“movimento de retomada/retorno”) Verbo predicador “espaço geográfico” Ex 1: “Vado di corsissima, visto che ieri sono tornata dalla Tailandia e oggi già sono a lavoro, ma volevo lasciarvi un salutino, ... [Italiano escrito, cartas de leitor, Jornal “Corriere della sera”, 20 de junho de 2010] – Vou rapidíssimo, já que ontem voltei da Tailândia e hoje já estou no trabalho... 83 Vpredicador não-pleno “tempo”, “estado (psico-)social”, “situação social” Ex.2: “Sono tornato alle mie radici". Il dj salernitano Alex Gaudino conquista la vetta delle classifiche dance in Inghilterra - a cura di pfls. [Italiano escrito, noticia sócio-política, Jornal “La repubblica”, 25 de junho de 2010] – voltei as minhas raízes Verbo semi-auxiliar “estado de coisas/evento” Ex.3: Un'idea, quella di vendere ai commercianti dei ticket dei parcheggi a prezzi agevolati, che loro poi regaleranno ai loro clienti per incentivarli a tornare a spendere nei negozi del borgo, che potrebbe essere estesa ai negozianti e ai titolari di attività commerciali anche nelle vie limitrofe. [Italiano escrito, noticia sócio-política, Jornal “Corriere della sera”, 18 de junho de 2010] – aos clientes para incentivá-los a voltar a gastar nas lojas da vila Verbo suporte ... l’italiano vuole rispecchiarsi in un passato tragico e remoto in chiave moderna, tornando a galla alcune storie di politica, antiche tradizioni e storiche memorie... Rom, 22 de janeiro de 2011] – [Italiano orale, dialogo, C-Oral- O italiano quer espelhar-se num passado trágico e remoto no sistema moderno, trazendo à tona algumas histórias de política... Na primeira parte deste capítulo, apresenta-se a distribuição dos dados por categoria identificada e, depois, passa-se a expor aspectos de cada uma destas. 84 Primeiramente, investiga-se o comportamento básico do verbo tornare como verbo predicador, analisam-se suas restrições de seleção e suas extensões semânticas – verbo nãopleno (± concretas e ± abstratas). Essa primeira análise viabiliza o estudo acerca da expansão sintático-semântica de tornare, já que o uso desse elemento como verbo predicador se caracteriza como uma construção central, a partir da qual se derivam outras não centrais. Em seguida, interpretam-se os dados em que tornare é verbo de ligação ou copulativo. Nessa seção, define-se o fenômeno da cópula verbal, isto é, examina-se qual o papel de verbos desse tipo na sentença e quais suas propriedades sintático semânticas. Ademais, avaliase o nível de gramaticalização de tornare no tipo de predicação em que ocorre esse emprego. Após isso, discutem-se as ocorrências de tornare como verbo (semi-) auxiliar. Comenta-se a produtividade desse verbo em tal função, os diferentes graus de vinculação entre tornare + infinitivo, assim como o grau de gramaticalização de tornare nessa construção perifrástica e as possíveis motivações para a alteração categorial desse verbo. Posteriormente, comparam-se os empregos de tornare descritos, no que se refere ao processo de gramaticalização, com o objetivo de demonstrar as relações de similaridade e dessemelhança entre os usos, de modo a determinar, na análise de empregos mais ou menos gramaticais que outros, a cadeia de gramaticalização em que se inserem as extensões de uso e sentido de tornare. 5.1. Distribuição dos dados pelas categorias funcionais Dos 403 dados da amostra em análise, 327 vinculam-se à categoria de verbo predicador, 75, à de verbo semi-auxiliar, e 1, à de verbo suporte. Das 327 ocorrências de verbo predicador, 154 manifestam predicação correspondente à projetada pelo emprego de 85 tornare como verbo predicador pleno; 92 revelam uma predicação diferente desta e o emprego de tornare como predicador não-pleno, ou seja, em uma de suas possibilidades de extensão de sentido; e 81 ocorrências são de tornare como verbo copulativo. Distribuição dos dados pelas categorias funcionais 18,4% 0,3% Verbo Predicador Verbo Auxiliar 81,1% Verbo Suporte Gráfico 1 : Distribuição dos 403 dados de TORNARE pelas categorias funcionais às quais esse item se vincula no corpus do italiano escrito em análise. Distribuição dos dados dentro da categoria de Verbo Predicador Verbo predicador pleno 25% 47% 28% Verbo predicador não-pleno Verbo copulativo 86 Gráfico 2 : Distribuição dos 327 dados de TORNARE como verbo predicador. Tornare é mais empregado como Vpredicador, envolvendo 80% dos dados (um total de 327 ocorrências das 403 analisadas) se se considerarem os casos de uso pleno, não-pleno ou copulativo desse item lexical. Em segundo lugar, em termos de produtividade, está a categoria de V(semi)-auxiliar, representada em 19 % da amostra. Esses percentuais se ampliariam se não tivessem sido separados os casos de comportamento híbrido. E, ainda, com 0,3% das ocorrências, tornare ocorre como Vsuporte. A distribuição dos dados por essas categorias revela, segundo a hipótese de Bybee (2003), que há expressiva frequência de ocorrência desses verbos, que tendem a polifuncionalidade, na categoria de Vpredicador não-pleno, a qual resulta de um processo de extensão semântica e, assim, propicia a expansão de seus usos. Os dados foram coletados tanto na modalidade oral quanto na modalidade escrita. Percebeu-se que o verbo tornare é mais utilizado na categoria de verbo predicador, seja na modalidade oral ou escrita. Porém na modalidade escrita os dados são bem distribuídos dentro das categorias funcionais encontradas, salvo a de verbo suporte. Já na modalidade oral a categoria de verbo predicador pleno se destaca dentre as demais, como mostram os gráficos abaixo: 87 MODALIDADE ESCRITA 30 Verbo predicador pleno 25 Verbo predicador não pleno 20 15 Verbo copulativo 10 Verbo (semi)-auxiliar 5 0 Verbo suporte Gráfico 3 : Distribuição dos 257 dados da modalidade escrita nas categorias funcionais encontradas MODALIDADE ORAL 60 Verbo predicador pleno 50 40 30 Verbo predicador não pleno Verbo copulativo 20 10 0 Verbo (semi)-auxiliar Verbo suporte Gráfico 4 : Distribuição dos 146 dados da modalidade ORAL nas categorias funcionais encontradas Na modalidade escrita em contextos formais e (mais ou menos) informais (cartas de leitor, entrevistas). Observa-se que, tanto em contextos formais quanto em contextos (mais ou menos) informais, o número mais expressivo de ocorrências é de verbo predicador. A 88 diferença está no fato de que, na modalidade escrita formal, as ocorrências de emprego semiauxiliar são bem mais frequentes do que na modalidade escrita (mais ou menos) informal. 5.2. Verbo predicador O verbo predicador tem comportamento de núcleo da predicação, já que é o responsável pela projeção de sua configuração semântica e sintática básica. 5.2.1 Verbo predicador pleno A categoria de Vpredicador pleno, em que se enquadra o uso primário do verbo em estudo, tem como significado básico a com noção de movimento no espaço geográfico (com emprego semântico semelhante ao de regressar e volver) e requer três argumentos nucleares, um argumento externo sujeito e dois argumentos internos locativos, origem e destino; porém, pode manifestar-se em enunciados com um, dois ou três argumentos. No corpus, diferente do esperado, percebe-se que a predicação com tornare configurada com base em três argumentos não é usual na língua italiana, já que o argumento que designa a origem do deslocamento, quase não é expresso no cômputo geral dos dados (foram encontradas apenas dois dados, um escrito e outro oral), Encontramos mais exemplos com um dos dois argumentos internos preenchidos e exemplos sem argumento interno preenchido. Acredita-se que o apagamento desse argumento com função de origem (cf. Dik, 1997, v.1, p. 121) ocorre por conta de implicações discursivas, visto que, em termos de 89 importância comunicativa, a direção, ou seja, o lugar para onde o agente se desloca, se apresenta como a informação argumental mais saliente. Trabalha-se com a hipótese de que tal saliência decorre do fato de o argumento origem, em quaisquer situações comunicativas, ser inferido pelo interlocutor, enquanto, por outro lado, o argumento direção não é, caracterizando-se, assim, como uma informação nova. Vilela (1999) argumenta a favor da idéia de que a informação semântica de origem está incorporada ao lexema de verbos como esse que indicam movimento, sendo, assim, um traço intrínseco de tais verbos. Para o autor, o contexto é o responsável para ativação de tal informação. A configuração com três argumentos pode ser conferida no marco predicativo a seguir: MARCO PREDICATIVO Tornare [V] (x1: <animado>)agente (x2: <inanimado>)origem (x3: <inanimado>)destino = arg. 1 – sujeito que se desloca ; arg. 2 – lugar de onde se desloca ; arg. 3 lugar para onde se desloca) (Exemplo 1 ): “Ho sempre creduto nella tua santità e sono felice che adesso sei tornata dal suo appartamento alla casa del Padre. Porto nel cuore il ricordo della tua umiltà e della tua ricchezza interiore ...” 25 de junho de 2010] [Italiano escrito, cartas de leitor, Jornal “La repubblica”, – Sempre acreditei na sua sanidade e estou feliz porque agora voltou do seu apartamento para casa do seu pai (Exemplos 2 ): “Los Angeles... Washington... e alla fine sono andata a Los...ãh.... a Washington... Chicago... a New York e da New York io sono tornata a Roma oral, conversa, C-Oral-Rom, 14 de janeiro de 2011] – de [Italiano Nova Iorque eu voltei para Roma 90 Da mesma forma que o apagamento do argumento origem acontece em razão de implicaturas discursivas, seu preenchimento também. Quando a especificação do lugar fonte é necessária ou para a interpretação satisfatória do destinatário ou apenas para um reforço pragmático do falante com o intuito de tornar tal argumento o foco da informação, o preenchimento do argumento origem é realizado. A predicação mais recorrente de que tornare participa, com apenas dois argumentos um externo e outro interno –, pode ser representada pelo seguinte marco predicativo: MARCO PREDICATIVO Tornare [V] (x1: <animado>)agente (x2: <inanimado>)origem ou (x3: <inanimado>)destino arg. 1 – sujeito que se desloca ; arg. 2 – lugar para onde se desloca ; ou arg.3 - Lugar de onde se desloca (Exemplo 3 ): All'ingresso nel centro sportivo di Milanello Berlusconi ha trovato un polemico striscione di benvenuto: «Silvio, da invincibile a invisibile. E’ un anno che non ti fai vedere. Torni a casa e ti presenti a mani vuote, che coraggio». noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 21 de junho de 2010] – volta [Italiano escrito, pra casa (Exemplo 4 ) : “Catturato il reggente del clan Gionta quando tornava dalla Grecia su un traghetto [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 21 de junho de 2010] – capturado o regente da clan Gionta quando voltava da Grécia de barca (Exemplo 5 ): ... non potendo aspettare la signora Tomasoni, torno alla stanza e chiamo Tomasoni Clemente ... fratello di Tomasoni Valentino. [Italiano oral, monologo, C-Oral- 91 Rom, 14 de janeiro de 2011] - não podendo esperar a senhora Tomasoni, volto a sala e chamo Tomasoni (Exemplo 6 ): Secondo quanto riferito da alcuni residenti, la vittima (della quale non sono state ancora rese note le generalità) era tornata ieri dall'ospedale per una frattura. Dalla posizione in cui è stato trovato non si esclude che sia caduto da una sedia a rotelle sulla quale si trovava momentaneamente a causa dell'infortunio. noticia sócio-poliítica, Jornal “La reppublica”, 3 de junho de 2010] [Italiano escrito, – segundo o que foi referido por alguns residentes, a vítima (...) tinha voltado ontem do hospital por causa de uma fratura Embora esse emprego como verbo predicador pleno seja frequente no corpus consultado, em comparação aos outros três usos analisados nesta dissertação, admite-se que tal predicação retrata o núcleo conceptual mais básico, a partir do qual se derivam outros possíveis usos (cf. Taylor, 1995). Além do fato de tal configuração ser a primeira acepção registrada nos dicionários consultados. Como se pode perceber nesses exemplos, predicações básicas com o verbo predicador tornare caracterizam-se por evidenciarem um estado de coisa dinâmico, que pode também ser chamado de evento, e controlado. Dinâmico, porque, ao longo da duração do estado de coisas – desde o ponto de origem até o destino – percebe-se que há uma mudança de parâmetro gradativa, mais precisamente, uma mudança espaço-referencial do agente num espaço. Construções com tornare predicador pleno expressam, comumente, mudança gradativa do agente. Os exemplos citados evidenciam essa característica, já que é possível estabelecer pontos locativos intermediários. 92 Como propõe Dik (1997), para que se identifique a dinamicidade de um estado de coisas, inserem-se satélites que designam velocidade. Em todos os exemplos, esse critério é viável para se constatar que tais predicações constituem estados de coisas [+ dinâmicos]. A seguir, alguns dados foram manipulados de modo a demonstrar a eficácia do critério estabelecido por Dik. (Exemplo 3a ): ... «Silvio, da invincibile a invisibile. E’ un anno che non ti fai vedere. Torni lentamente a casa e ti presenti a mani vuote, che coraggio. (Exemplo 4a ): “Catturato il reggente del clan Gionta quando tornava velocemente dalla Grecia su un traghetto (Exemplo 5a ): ... non potendo aspettare la signora Tomasoni, torno presto alla stanza e chiamo Tomasoni Clemente ... fratello di Tomasoni Valentino. (Exemplo 6a ): Secondo quanto riferito da alcuni residenti, la vittima (della quale non sono state ancora rese note le generalità) era tornata presto dall'ospedale per una frattura. Dalla posizione in cui è stato trovato non si esclude che sia caduto da una sedia a rotelle sulla quale si trovava momentaneamente a causa dell'infortunio. Tendo em vista o fato de que o agente controla o estado de coisas, construções com predicador tornare manifestam também um estado de coisas [+controlado]. Observando-se os exemplos, constata-se que o agente possui controle sobre o movimento a que se submete e, consequentemente, sobre o lugar de onde e para onde se movimenta. 93 Conforme a combinação de traços dos estados de coisas, a marcação positiva para o parâmetro de dinamismo e para o de controle constitui um tipo de estado de coisas denominado ação. Essa interação de parâmetros está esquematizada no quadro a seguir: ESTADO DE COISAS Predicador tornare [+ Dinâmico] TIPO DE ESTADO DE COISAS [+ Controlado] Ação Quadro 6 : caracterização do estado de coisas das predicações básicas com tornare. Outros verbos que possuem traços semânticos relacionados a movimento, como andare, nuotare, correre, uscire etc., podem ser reduzidos a um denominador comum. Nesse sentido, em frases como Marco è andato fino alla entrata del bosco. / I bambini hanno nuotato fino l`arriva del mare / le ragazze sonno uscite dalla piscina15, os predicadores podem, sem problema, ser substituídos por tornare, embora tal substituição acarrete perda de certos matizes semânticos particulares. Nadar, por exemplo, significa “movimentar-se pela água”. Como todos os verbos supracitados se configuram a partir de dois traços, isto é, o de movimento mais algum outro, e tornare, a partir de apenas um, o de movimento. Vale salientar que, embora, em alguns casos, seja possível substituir um verbo de movimento por tornare, postula-se que, mesmo assim, tais casos não se configuram como extensão semântica do verbo predicador pleno. Essa postulação baseia-se no fato de tornare em enunciados como “La ragazza é tornata a casa” manter sua sintaxe e semântica básicas – verbo predicador que significa movimento no espaço geográfico –, e os constituintes guardarem as propriedades das predicações básicas com tornare – agente controlador e um locativo caracterizado como a direção para onde esse agente se desloca. Portanto, esse verbo caracteriza-se como um verbo de valor semântico de movimento; entretanto, uma simples troca pode, em alguns casos, descaracterizar as propriedades 15 Exemplos criados 94 semânticas dos argumentos. No exemplo L`aereo ha volato per Madrid , observa-se mais um caso em que o predicador pode ser substituído por tornare, no entanto, o item avião não é uma entidade controladora, e sim controlada. Analisando-se todas as peculiaridades semânticas que envolvem tal sentença, conclui-se que o piloto do avião controla sua ação e, assim, é um agente, enquanto os passageiros funcionam tematicamente como meta. A paráfrase que melhor traduz essa explicação é O piloto, por meio do avião, levou os passageiros para Paris. É possível estender tal explicação, em vista de outros tipos de predicadores que possuem o traço [+ movimento] e são controlados por agente, tais como ônibus, carro, bicicleta, navio etc. Cumpre enfatizar que existe um alto grau de subjetividade envolvendo as interpretações de casos como os exemplificados no último parágrafo. Uma informação de valor circunstancial como o meio de deslocamento pode, por razões metonímicas, sem problemas, ocupar a posição de sujeito. No entanto, esta descrição procura tornar evidente todas as propriedades sintáticas e semânticas das predicações mais básicas com tornare e, dessa forma, neste momento da descrição, salienta-se o processo pelo qual esses predicadores com significado de algum movimento específico são associados a tornare. Esse verbo como predicador pleno também ocorre frequentemente sem nenhum dos argumentos externos preenchidos. Na maioria dos dados com essa construção, percebe-se uma circunstância de finalidade, como pode ser visto nos exemplos abaixo: MARCO PREDICATIVO Tornare [V] (x1: <animado>) agente arg. 1 – sujeito que se desloca 95 (Exemplo 7 ): “Non siamo tornati insieme per soldi. Ci siamo rimessi insieme per gusto musicale e umano'. E' la spiegazione dei Litfiba sulla loro riunione.” noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 21 de junho de 2010] – voltamos [Italiano escrito, juntos por dinheiro (Exemplo 8 ): Maggiore. «Torni domani per formalizzare la denuncia», gli hanno detto. Al Pra l'auto risulta intestata a «Nuova tassistica 2001 società cooperativa». La targa, a beneficio dei prossimi malcapitati, inizia con le lettere «DA» e prosegue con «16...». Fine della storia. [Italiano escrito, carta de leitor, Jornal “Corriere della sera”, 1 de setembro de 2010] – volte amanhã para formalizar a denúncia (Exemplo 9 ): “...dove era diventato indispensabile , per andare all'Anzhi Makhachkala, nel Daghestan. Avrebbe voglia di tornare soltanto per un paio di mesi, ma tutto è diventato complicato. [Italiano oral, intrevista, C-Oral-Rom, 5 de dezembro de 2010] – teria vontade de voltar somente por alguns meses De um modo geral, não se encontram, usualmente, todos os argumentos mencionados anteriormente manifestados, na mesma oração, talvez pelo fato de que o usuário da língua não precise ou não deseje dar todas as informações relativas à configuração de um estado de movimento em evidência, já que, num contexto comunicativo, a atividade de interação entre o emissor e o destinatário dispensa a atualização de alguns argumentos nos enunciados produzidos, pois estes ficam subentendidos. É recorrente encontrarem-se os argumentos “sujeito” e “destino” ou “origem”, visto que eles são os argumentos que evidenciam a idéia de movimento básica na predicação. No que diz respeito à variação da preposição que antecede aos argumentos externos destino ou origem, salienta-se que a preposição a e in são as mais encontradas dentro das ocorrência analisadas. Todos os exemplos de Vpredicador utilizam as preposições conforme prescreve a gramática normativa. 96 Verbo Tornare Preposições Exemplos da Tornare da scuola. a Tornare a casa. in Tornare in ufficio. su Tornare sulla montagna.16 Quadro 7 : Preposições que podem ser utilizadas com o verbo tornare. 5.2.2. Verbo predicador não pleno Existem casos em que o verbo tornare mantém sua característica sintática de predicador com significação plena de movimento, mas relaciona entidades que não condizem com as restrições de seleção básicas observadas anteriormente. Nesse sentido, tornare já sinaliza outras nuances de sentido diferentes de sua primeira acepção lexicográfica (mais ou menos afastadas do sentido-fonte). Nesses casos, o argumento interno não se configura como um termo [+ animado] e [+controlador] e/ou o argumento externo não traduz um locativo concreto, ocasionando a necessidade de interpretar tais tipos de sentença por meio de alguma estratégia especial. Os exemplos seguintes ilustram esses casos: MARCO PREDICATIVO Tornare [V] (x1: <animado>)agente (x2: <inanimado>)destino (x3: <inanimado> origem arg. 1 – sujeito que se desloca ; arg. 2 ou arg 3 – evento acontecido em um dado lugar 16 Os exemplos foram retirados da gramática normativa de Dardano e Trifone 97 (Exemplo 1): “Robinho é tornato al gioco ed ha subito timbrato il cartellino contro il Palermo: lui vuole riniziare dove aveva concluso, vale a dire segnare il più possibile con la maglia del Milan. [Italiano escrito, noticia espotiva, Jornal “Il Corriere della sera”, 9 de outuro de 2010] – Robinho voltou ao jogo e rapidamente marcou gol contra o Palermo (Exemplo 2): “Successivamente il fastidio sembrava diminuito, ma dopo è tornato perciò dal medico curante, questo mi prescrive macladin per 7 giorni. Al termine anche di questa terapia (fine settembre-inizio ottobre) il fastidio sembrava sparito, ma purtroppo è ritornato.” [Italiano oral, intrevista, C-Oral-Rom, 19 de janeiro de 2011] – mas depois voltou ao médico.... (Exemplo 3): “Dopo 21 giorni di “squalifica” padre Domenico Manuli è tornato a messa. Era stato “punito” per avere partecipato ad uno show di canale 5. Ma come tutti coloro che hanno la fede nel cuore non serba risentimento.” Jornal “Il Corriere della sera”, 15 de outuro de 2010] [Italiano escrito, Crônica, – Depois de 21 dias de punição padre Domenico Manuli voltou à missa. (Exemplo 4 ): Vada nella sua stanza e si metta una cravatta decente! Poi torni alla festa e si comporti come un gentiluomo! [Italiano oral, intrevista, C-Oral-Rom, 9 de janeiro de 2011] – va ao seu quarto e coloque uma gravata decente! Depois volte à festa e se comporte como um homem gentil MARCO PREDICATIVO Tornare [V] (x1: <inanimado>)agente 98 arg. 1 – sujeito que se desloca (Exemplo 5 ): “Torna il problema del più grande ospedale d’Europa, l’Umberto I di Roma. Dopo le denunce degli anni passati, la questione riemerge con forza. I sotterranei pieni di sporcizia, escrementi e umidità sono stati sistemati spendendo 18 milioni...” [Italiano escrito, Noticia sócio-política, Jornal “Il Corriere della sera”, 15 de outuro de 2010] - Volta o problema do maior hospital da Europa (Exemplo 6 ): Il fuoco, nel tardo pomeriggio, sembra sconfitto. Così inizia l'operazione di bonifica e i grandi aerei e gli elicotteri tornano negli hangar. Ma un Canadair è destinato a un focolaio che sta prendendo forza a Genova Voltri: un nuovo incendio, ancora una notte di lavoro. reppulica”, 15 de outuro de 2010] [Italiano escrito, Noticia sócio-política, Jornal “La - aeronaves de grande porte e helicópteros voltam para o hangar Os exemplos supracitados apresentam argumentos que não satisfazem às restrições de seleção de tornare. No exemplo (2), observa-se que o constituinte ao médico não compartilha características com um locativo autêntico como ao hospital em que se verificam traços como [- animado] e [- humano]. Os exemplos (1), (3) e (4) exibem, respectivamente, os itens jogo, missa e festa em posição de um locativo; no entanto, esses termos apresentam características de eventos17 que ocorrem em determinado lugar, ou seja, festa é um evento que pode acontecer em casa, num clube, num salão, numa discoteca etc., missa, numa igreja, capela e 17 É importante ressaltar que o sentido de evento apresentado (um determinado acontecimento) é diferente daquele proposto por Dik (1997) que corresponde a um estado de coisas dinâmico. 99 jogo, em um campo, num estádio. Nos exemplos (5) e (6), notam-se termos que não possuem a capacidade de controlar uma ação (problema / helicóptero) na posição de sujeito. Admite-se que, nos exemplos (1), (2), (3) e (4), o fenômeno atuante nas predicações dos exemplos em questão em que se constatam violações de restrições de seleção é o da metonímia, pois os termos que ocupam a posição de locativo se caracterizam como partes integrantes da área semântica de atuação de seus locativos correspondentes (festa – clube, salão, discoteca etc., missa – igreja e jogo – campo, estádio). A substituição que ocorre é a de lugar pelo evento. De acordo com Heine et alii (1991), o uso de elementos mais abstratos (eventos) no lugar de mais concretos (locativos) caracterizam-se como um processo cognitivo de expansão semântica que serve de gatilho para o fenômeno da gramaticalização. No que concerne aos exemplos (5) e (6), em relação à posição de sujeito, constata-se que o domínio conceptual de um agente controlador é transferido a uma entidade [- agente] e [- controladora]. Em algumas estruturas, captam-se extensões de sentido um pouco mais afastadas do sentido básico do verbo predicador tornare. Trata-se de uma categoria que contempla usos de tornare que, embora continuem a constituir o núcleo predicante da sentença e a apresentar comportamento lexical na estruturação semântica e sintática da predicação, não mantêm, necessariamente, a estrutura argumental prevista na configuração de Vpredicador pleno, nem o sentido de “movimento no espaço geográfico”, como podemos ver nos exemplos abaixo: (Exemplo 7) : “La sfilata di Ferrè - spiega la Frisa - ci ha ricordato come a Milano si venga veramente per vedere vestiti. Il sistema della moda italiana ha bisogno di tornare alle origini, come ha fatto Miuccia Prada che come sempre ha sparigliato le carte e ha proposto una donna anni Cinquanta che si guarda alle spalle col gusto della conteporaneità. .” [Italiano escrito, noticia moda, Jornal “Corriere della sera”, 21 de 100 junho de 2010] – O sistema da moda italiana precisa voltar às origens, como fez Miuccia Prada (Exemplo 8 ): “Alla cerimonia del Ventaglio, Fini è anche tornato sulla questione, assai spinosa, delle intercettazioni, alla luce del recente dietrofront dell'esecutivo. Una svolta che dimostra, a detta del leader della Camera.” [Italiano escrito, noticia sóciopoliítica, Jornal “Corriere della sera”, 18 de junho de 2010] – Fini também voltou à questão, muito espinhosa... (Exemplo 9 ): “«Mi auguro che il tema delle riforme torni in agenda da settembre, anche se è al momento difficile sperare che riparta uno spirito costituente» ha chiarito il leader di Montecitorio, riferendosi alla situazione determinata dalla mancata elezione dei membri laici del Csm.” [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 20 de junho de 2010] – espero que o tema das reformas volte à agenda de setembro (volte a ser comentado em setembro)... (Exemplo 10 ): Ne discussero i filosofi dell'antichità greca, e diedero al dire-tutto il nome di parresia: un vocabolo che torna negli Atti degli apostoli (Pietro e Giovanni rischiano la morte, pur di testimoniare il vero e la libera coscienza del cristiano). [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “La reppublica”, 3 de junho de 2010] – um vocábulo que volta aos atos dos apóstolos (Exemplo 11 ): Guglielmo Epifani, segretario generale della Cgil, ha appena partecipato all'incontro con tutte le parti sociali promosso dal Pd di Walter Veltroni. La sua Cgil è tornata al centro della scena politica, soprattutto di quella della sinistra. 101 [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 20 de junho de 2010] – A sua Cgil voltou ao centro da cena política (Exemplo 12 ): “Noi dobbiamo avere una posizione nazionale, siamo pronti a fare riforme, andremo avanti nel cambiamento, ma noi manovre non ne facciamo più perchè non si può chiedere di più a un paese che raggiunge il 5 per cento di avanzo primario l'anno". Bersani, infine, torna sulle polemiche sollevate dalla dichiarazioni di Beppe Grillo su Equitalia...” [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 1 de junho de 2010]- Bersani ... volta as polêmicas levantadas nas declarações de Beppe Grillo... (Exemplo 13 ): E oggi? «Il lavoro è calato, ma la colpa è della crisi, non dell'euro». Tornare alla lira? «Scherziamo? Un disastro». [Italiano oral, diálogo, C-Oral-Rom, 10 de dezembro de 2011] – Voltar à lira? (Exemplo 14 ): Visto che a fine febbraio i ristoranti, con i prezzi raddoppiati erano semivuoti, hanno fatto marcia indietro ed hanno escogitato il sistema "mangiano in due e si paga per uno". Morale, ad aprile i prezzi erano tornati a quelli di prima dell' euro. Quì dove vivo, in Germania.... [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “La reppublica”, 3 de julho de 2010] – Os preços tinham voltado àqueles de antes do euro No exemplo (7) o verbo tornare não indica um movimento no espaço geográfico e, sim, um movimento no tempo e o retorno a uma condição/situação social anterior, que nesse caso está relacionado a origem da moda, como era no tempo anterior. Em (8), tornare revela 102 o sentido de movimento no espaço psico-social, retomada de um argumento já citado anteriormente. Além disso, (9) revela uma inserção, no caso de forma metafórica, passa a fazer parte das coisas que serão comentadas em setembro. No exemplo (10), temos o movimento metafórico de um evento no espaço psico-social, já esteve ali e é retomado. Já no (11), temos a retomada de um argumento dentro do campo político, um movimento no tempo. Enquanto no (12), temos também a retomada de um argumento, mas nesse caso essa retomada é feita por um ser animado. No (13), temos um movimento metafórico no tempo, retorno a uma condição já experimentada anteriormente. E por fim, no exemplo (14), percebe-se o movimento no tempo de um ser inanimado, marcando noção de anterioridade. O exemplo a seguir, no entanto, estrutura-se com base num verbo predicador tornare que não mantém, completamente, seus traços semânticos básicos. Nesse caso, por estabelecer uma espécie de “unidade composicional” com outro constituinte, é possível estabelecer substituição por outra unidade semântica18 correspondente. (Exemplo 15 ): Con la moglie Dominique al fianco, ricorda: «Solo qualche anziano continua a tradurre in lire. Tornare indietro? No. Stanno arrivando i polacchi, sulle nostre montagne, ci sono già gli ungheresi, i francesi e i tedeschi... [Italiano oral, intervista, COral-Rom, 14 de janeiro de 2011] – Voltar atrás? Na predicação exemplificada acima, tornare, ainda que mantenha traços de sua semântica básica – “movimento no espaço” –, forma com outro elemento uma unidade composicional. Alguns dicionaristas avaliam tal caso como “expressão idiomática” ou “expressão cristalizada”, pelo motivo de veicularem um sentido global. 18 Entende-se por unidade semântica uma palavra ou uma estrutura que suscite um único sentido. 103 Vale salientar que, no exemplo, há a possibilidade de um marco predicativo diferente, já que o sentido global do enunciado não depende somente do comportamento semântico individual do predicado e dos argumentos, como até o momento se verificou, e sim de um sentido global gerado a partir da combinação entre tornare e o argumento em posição que seria primeiramente de um locativo. Marcos predicativos apresentam informações sintáticosemânticas dos predicados e, dessa forma, eles não dão conta de sentidos que são construídos no nível discursivo. Se uma pessoa não entende que tornare indietro (voltar atrás) possui o sentido de se arrepender ou rever conceitos anteriores, o que seria muito difícil para um falante nativo do Italiano, sua interpretação basear-se-á na configuração semântica básica do predicado tornare e do constituinte indietro (atrás). É possível cogitar a similaridade dessa estrutura verificada no exemplo com perífrases com verbo-suporte, visto que se percebe a atuação de um elemento verbal sobre outro não verbal, cuja fusão sintático-semântica denota um sentido global. Nessa unidade compósita, tornare revela comportamento que se situa entre as categorias de verbo predicador e verbo-suporte. Nesse tipo de construção, percebe-se uma articulação entre elementos que possuem seus atributos semânticos enfraquecidos, uma vez que eles deixam de possuir um significado isolado para, juntos, constituírem um sentido global, um complexo verbal. Nesse sentido, vale ressaltar que um estudo específico que contemple a natureza composicional de formas verbais como as exemplificadas, comprovando, ou descartando, a possibilidade de estar havendo algum grau de lexicalização, delimitaria com êxito as propriedades dessas construções e de seus componentes. Uma das premissas básicas dos estudos sobre gramaticalização (cf. Heine ET alii, 1991 e Heine, 1993) é a de que categorias que marcam algum tipo de aspecto espacial tendem a ampliar seu escopo a aspectos relacionados a tempo. Ao se observarem os dados em função dessa premissa, detectaram-se, no corpus pesquisado, usos de tornare em que o deslocamento 104 acontece no espaço temporal e não mais no espaço geográfico como pôde ser verificado nos exemplos anteriores. Portanto, o verbo predicador tornare pode exprimir extensões de sentidos mais ou menos relacionadas ao núcleo semântico básico, além de seu significado básico de “movimento no espaço geográfico”. Comprova-se que a sintaxe lexical prototípica desse verbo permanece, geralmente, inalterada em todas as extensões semânticas observadas, mesmo que se verifiquem na estrutura compósita indícios de uma fusão sintáticosemântica. Todavia, a atribuição sintática de predicar não se perde nem em extensões de sentidos mais destoantes da semântica básica. Observar-se-ão, nas próximas seções, contudo, casos em que se perceberá, além de alteração semântica, mudança morfossintática. 5.2.3. Verbo copulativo Acredita-se que é necessária uma breve descrição da natureza categorial dos verbos copulativos e das sentenças de que participam, antes das análises de tornare como verbo copulativo19. Verbos de ligação são, normalmente, associados a elementos que “relacionam” categorias – sujeito e predicativo – e/ou que “suportam” propriedades gramaticais de tempo, pessoa e modo. Tal afirmação sugere que verbos copulativos possuem apenas função interna ao sistema linguístico, ou seja, não fazem qualquer tipo de referência ao mundo biopsicofisicossocial, como é o caso dos verbos predicadores. 19 Verbo copulativo entende-se verbo de ligação. 105 Os exemplos que seguem apresentam alguns casos de verbo de ligação equativos – pois os constituintes relacionados, posicionados à direita e à esquerda do verbo, estão numa relação de igualdade, já que há a possibilidade de troca entre tais termos. (a) O menino parece o grande mostro. (b) A casa é o doce lar. Em (a), se o constituinte o grande mostro passasse a ocupar a posição à esquerda da forma verbal parece, aquele passaria a ser o sujeito, já que, por estarem em posição de igualdade, não há outro critério, além da ordem, para se definir estruturalmente qual constituinte é sujeito e qual é o predicativo. Essa possibilidade de mobilidade, ou seja, de qualquer um dos termos ocupar a posição de sujeito ou de predicativo demonstra o estado equativo que esse subtipo de verbos de ligação proporciona aos constituintes. Em (b), por exemplo, poder-se-ia ter o doce lar é a casa , em que o doce lar é o sujeito, ou a casa é o doce lar, em que a casa é o sujeito. Cabe ressaltar que, em termos discursivo pragmáticos, inversão pode provocar uma mudança de sentido. Em (b), por exemplo, a inversão poderia caracterizar uma mudança de foco. Existem alguns casos, entretanto, em que não se percebe essa posição de equilíbrio entre os constituintes à esquerda e à direita do verbo de ligação, pois um termo funciona como modificador ou delimitador do outro e uma mudança de posição caracterizaria uma inversão entre sujeito e predicativo. A esse tipo de verbo de ligação que seleciona uma descrição e/ou característica do sujeito, confere-se o nome de verbos atributivos ou descritivos, conforme está ilustrado a seguir: (c) Maria está triste. (d) Maria é triste. (e) Maria continua triste. 106 Se, em qualquer desses enunciados, o termo doente passasse a ocupar a posição à esquerda do verbo, aquele continuaria sendo um predicativo (doente, está João / Doente, é João / Doente, continua João). Novamente, percebe-se que essa inversão pode acontecer em razão de necessidades discursivo-pragmáticas, como a focalização. Esses exemplos demonstram, ainda, o quanto os verbos de ligação podem interferir na semântica da frase. As diferenças entre tais enunciados pautam-se, basicamente, na duração de estado a que cada constituinte sujeito se vincula. Em (c), percebe-se uma duração de estado mais curta, em (d), uma duração permanente e, em (e), uma duração longa, mas que não transparece uma permanência tal qual se capta em (d). Em síntese, há dois subtipos de verbos de ligação: (i) um que proporciona um equilíbrio sintático entre os constituintes – verbos equativos – e (ii) outro em que o predicativo descreve e/ou delimita alguma propriedade do sujeito – verbos atributivos ou descritivos. Para fins de análises, comparar-se-á tornare ao verbo transformar-se, por participarem de predicações com configurações sintáticas e semânticas semelhantes. O emprego do verbo tornare como verbo copulativo é muito produtivo no corpus investigado. Tal função encontra-se descrita em todos os materiais examinados (cf. capítulo 1), aparece em quase todas as obras examinadas como segunda opção de descrição. A seguir, encontram-se algumas das ocorrências de tornare. (Exemplo 1 ): Il suo negozio è rimasto chiuso: a distanza di due anni, non lo vuole nessuno. I clienti però non mancano e, non essendoci più le spese del negozio, i margini di guadagno sono tornati accettabili. [Italiano escrito, editorial, Jornal “La reppublica”, 11 de agosto de 2010] – as margens de lucro são aceitáveis 107 (Exemplo 2 ): Ora ad Assisi dicono che se il cavallo di San Francesco è tornato grande anche l'ippica può guarire. Ma forse ci vuole un altro miracolo. [Italiano escrito, noticia-reportagem, Jornal “La reppublica”, 9 de julho de 2010] – se o cavalo de São Francisco se tornou grande... (Exemplo 3 ): Dopo lo scandalo che nel giugno 2010 provocò polemiche in tutta Europa, torna l'allarme mozzarelle blu. Una nuova partita di formaggi contraffatti e prodotti con materie prime vietate è stata scoperta a Frosinone da agenti della Questura ... [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 11 de agosto de 2010] – ...volta a soar o alarme para mozzarelle blu (Exemplo 4 ): Ma il giorno in cui dall'FBI la chiamano perché il killer ha ripreso a colpire, capisce che quell'incubo è tornato realtà. Anche Harry Bosch è alle prese con un'indagine: quella sulla morte del suo amico Terry McCaleb, il cui cuore trapiantato ha ceduto per sempre. [Italiano escrito, crônica, Jornal “La reppublica”, 1 de junho de 2010] – entende que aquele pesadelo se tornou realidade Construções com tornare copulativo não apresentam regularidade no que se refere à natureza do predicativo, visto que é possível preencher tal posição com substantivos e adjetivos ou com expressões semanticamente equivalentes. Tornare nesse tipo de construção define-se como um verbo atributivo, pois o predicativo caracteriza e/ou delimita propriedades do constituinte sujeito, informando, mais precisamente, um estado do sujeito. Entende-se, também, que tornare não apresenta conteúdo semântico tão esvaziado assim, já que sua troca por outro verbo de ligação, como essere, por exemplo, acarreta uma mudança semântica na sentença. 108 (Exemplo 1a ): Il suo negozio è rimasto chiuso: a distanza di due anni, non lo vuole nessuno. I clienti però non mancano e, non essendoci più le spese del negozio, i margini di guadagno sono tornati / sono stati accettabili. [Italiano escrito, editorial, Jornal “La reppublica”, 11 de agosto de 2010] (Exemplo 2a ): Ora ad Assisi dicono che se il cavallo di San Francesco è tornato / é stato grande anche l'ippica può guarire. Ma forse ci vuole un altro miracolo. [Italiano escrito, noticia-reportagem, Jornal “La reppublica”, 9 de julho de 2010] (Exemplo 3a ): Dopo lo scandalo che nel giugno 2010 provocò polemiche in tutta Europa, torna / é l'allarme mozzarelle blu. Una nuova partita di formaggi contraffatti e prodotti con materie prime vietate è stata scoperta a Frosinone da agenti della Questura ... [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 11 de agosto de 2010] (Exemplo 4a ): Ma il giorno in cui dall'FBI la chiamano perché il killer ha ripreso a colpire, capisce che quell'incubo è tornato / é stato realtà. Anche Harry Bosch è alle prese con un'indagine: quella sulla morte del suo amico Terry McCaleb, il cui cuore trapiantato ha ceduto per sempre. [Italiano escrito, crônica, Jornal “La reppublica”, 1 de junho de 2010] Nas ocorrências de tornare como verbo de ligação, percebe-se a manutenção da noção de movimento, porém, nesse caso, o movimento não é no espaço geográfico, nem no tempo. O processo é de movimento interior, no sentido de transformação. 109 5.3. Verbo (semi-) auxiliar Um dos usos mais frequentes de tornare, no corpus consultado, é o que suscita uma categorização mais próxima da dos verbos auxiliares, já que, basicamente, tais ocorrências possuem atribuições de ordem instrumental, como tempo, pessoa e aspecto, por exemplo. Segundo VIEIRA & BRANDÃO (2004), entende-se auxiliarização como um processo de gramaticalização que atua sobre formas verbais e que implica a transferência de extensão de sentido/uso dessas formas da categoria lexical (verbo predicador) para uma categoria gramatical ( verbo auxiliar, semi-auxiliar, cópula, suporte), sob certas condições semânticas ou morfossintáticas. Em sentido lato, toma-se, então, o termo auxiliaridade para nomear o comportamento instrumental que uma unidade verbal pode desempenhar num continuum de usos/sentidos da língua. O verbo (semi-)auxiliar liga-se a um predicador (simples ou complexo) ou um verbo principal que, por sua vez, é o responsável pela predicação (já que determina o esquema predicativo e designa propriedade de um participante ou relação entre entidades) e ocorre numa forma nominal (infinitivo, no corpus em análise). Com este, constitui uma perífrase verbal. Sabe-se que, quanto mais depende de um constituinte adjacente (“predicante”), tanto mais um verbo se afasta de seu caráter lexical e assume algum grau de gramaticalização considerado semi-auxiliar, pelo fato de não atender a todos os parâmetros de auxiliaridade/gramaticalização verbal, responsáveis pela configuração prototípica de verbos auxiliares. O emprego de construção com verbo (semi-)auxiliar é um dos recursos da língua para marcar noções de tempo, modo/modalidade e aspecto verbal. A esse respeito, Déniz (1999:25) comenta: A perífrase verbal é uma unidade semântico-funcional que constitui um único núcleo verbal indivisível, no qual é importante tanto o verbo principal quanto o verbo 110 auxiliar, já que o resultado final da perífrase resulta da união dos significados dessas formas verbais. A categoria de Vsemi-auxiliar justifica-se em razão de certos verbos, que comumente são classificados como verbos auxiliares em abordagens mais superficiais do assunto, não se comportarem como outro conjunto de verbos instrumentais que se submetem a todos os critérios de auxiliaridade (cf. MATEUS et alii, 2003, por exemplo). A esse respeito, essa autora diz: Os verbos semiauxiliares são verbos esvaziados de significado lexical, sem grelha argumental, que respondem afirmativamente a alguns mas não a todos os critérios de auxiliaridade (os quais, recorde-se, são: impossibilidade de completiva finita, um só advérbio de tempo de cada tipo, uma só negação frásica (precedendo) o auxiliar, atracção obrigatória do clítico pelo verbo auxiliar). (MATEUS et alii, 2003:15) Em função dessas breves considerações, entende-se que há um conjunto de ocorrências de tornare que pode ser melhor descrito se se estipular uma categoria com algum grau de gramaticalidade e, assim, se lhe conferir estatuto semi-auxiliar. Por exemplo: (Exemplo 1 ) “Che fare allora? L’obiettivo numero uno è tornare ad avere la fiducia dei mercati. E l’unica strada – quella il governo Monti sta provando a battere – è rimettere in carreggiata i conti dello stato tentando (se possibile) di stimolare nello stesso tempo la crescita ...” [Italiano escrito, editorial, Jornal “Corriere della sera”, 7 de agosto de 2010] – o objetivo número um é voltar a ter a confiança dos mercados Observa-se que tornare se especializa, em tais extensões de uso, na atribuição de aspecto de reinício de um estado de coisa, que ocorre em estruturas que podem ser interpretadas como perífrases verbais, ainda que tenham uma configuração que não atenda a 111 todos os critérios de auxiliaridade. Esse verbo se associa a um predicador (simples ou complexo) no infinitivo que é antecedido pela preposição “a”. [tornare + a + (verbo no infinitivo)]Predicado Verbal (Exemplo 2 ) : “... ne esce un'intervista memorabile, amarissima, rivelatrice dell'isolamento che avrebbe portato al suo assassinio soltanto un mese dopo. E ancora Bocca torna a raccontare l'Italia che cambia, la rivincita delle campagne piemontesi ed emiliane in chiave industriale.” [Italiano escrito, noticia-reportagem, Jornal “La reppublica”, 3 de junho de 2010] – e ainda Bocca volta a contar a Itália que muda... As estruturas perifrásticas dos exemplos desta seção apresentam tornare flexionado, mais um elemento verbal no infinitivo responsável pela predicação, ou seja, pela projeção de argumentos e atribuição de papéis temáticos, caracterizando-se, assim, como o núcleo léxicosemântico daquelas. Tornare, nesses casos, participa das predicações veiculando informações de ordem gramatical. A partir de agora, explicitam-se propriedades sintático-semânticas das perífrases verbais com tornare, tendo em vista os critérios de auxiliaridade descritos em Mateus et alii (2003) e Machado Vieira (2004). As formas verbais da unidade complexa relacionam-se ao mesmo referente-sujeito (Exemplo 3 ) : “Un incubo che sembrava scongiurato e che invece torna a rimbalzare sulla cronaca. E' arrivata nell'ospedale livornese venerdì scorso con una diagnosi che non lascia speranze, un caso raro, anzi rarissimo per il nostro Paese...” [Italiano escrito, noticia 112 sócio-poliítica, Jornal “La repubblica”, 18 de junho de 2010] – Um pesadelo que parecia esconjurado e que ao invés volta a ricochetear na crônica O verbo tornare + a + o verbo essere no infinitivo formam uma perífrase verbal em que o verbo tornare (semi-)auxiliar se une, com auxilio da preposição a, ao verbo principal essere. Os dois verbo do complexo apresentam o mesmo referente-sujeito. O verbo predicador (no infinitivo) expressa o evento ativo praticado pelo sujeito e o verbo que o precede e se liga ao mesmo referente-sujeito determina apenas a modalidade – de aspecto – da ação expressa pelo predicador, conferindo-lhe a nuance de reinício/retomada. Atuam sobre outro(s) verbo(s) num só domínio de predicação – fusão semântico-funcional (Exemplo 4 ) : C’era molta libertà, anche rispetto a oggi che nella stanza dei bottoni ci sono ancora gli uomini. In quante dirigono un teatro stabile? Per fortuna ultimamente ci risvegliamo e torniamo a scendere in piazza».[Italiano oral, monologo, C-Oral-Rom, 14 de janeiro de 2011] – Por sorte, ultimamente acordamos e voltamos (a descer para) a praça Esse exemplo revela que o emprego de tornare em destaque opera sobre outro verbo (predicador) num só domínio predicativo (num período simples). Esta estruturação torna-se mais evidente quando se opera com o critério de auxiliaridade segundo o qual é impossível, em verdadeiras locuções verbais, substituir a estrutura sintagmática introduzida pelo verbo predicador por oração completiva finita ou por uma forma pronominal demonstrativa (como “isso”). É o que se percebe nos dados com semi-auxiliar tornare.. O verbo predicador no infinitivo (scendere) é o responsável por estabelecer o número de argumentos da predicação. Juntos, compõem uma “unidade de sentido” (um complexo verbal, uma perífrase/locução 113 verbal) em que: (a) o primeiro elemento (Vsemi-auxiliar) desempenha (principalmente) função gramatical, a de marcar as categorias gramaticais do verbo (tempo, modo, pessoa, número e/ou voz), indicar aspecto e, assim, matizar o verbo sobre o qual opera; e o segundo elemento (Vauxiliado) exerce função lexical, a de estabelecer o estado de coisas em que se encontra(m) o(s) participante(s) no mundo biossocial ou referencial. Revelam alteração semântica em relação ao uso que têm como Vpredicador pleno Ao se Submeter à gramaticalização, um verbo tem sua acepção primária de Vpredicador alterada e, em decorrência de um processo de dessemantização, sua área de atuação sintático-semântica amplia-se quando passa a desempenhar papel instrumental na língua. É o caso do verbo tornare: (Exemplo 5 ) : “Mancino, sempre ai microfoni di Sky, è poi tornato a ribadire la propria autonomia nella scelta di votare a favore di Alfonso Marra per la presidenza della Corte d’Appello di Milano e ha sottolineato di «non aver potuto immaginare che esistesse una loggia P3” [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “La repubblica”, 18 de junho de 2010] – Mancino, sempre aos microfones da Sky, voltou então a reafirmar a própria autonomia na escolha de votar a favor de Alfonso Marra Empregos desse tipo revelam sentido distinto do primário (movimento no espaço geográfico). Tornare, nesses exemplos, passou a indicar “movimento, no tempo (um tempo “interno” ao estado de coisas/evento; não-dêitico, porque se refere ao evento em si e não à situação de enunciação), de retorno/reinício de um estado de coisas”, cumprindo o papel de indicar a repetição, a retomada e continuação de um estado de coisas/evento de outro recorte 114 no eixo temporal e de denotar a fase do desenrolar do estado de coisas, ou seja, o ponto inicial no segmento tempo: “aspecto incoativo/inceptivo” 20 . Também revela sua fase de realização (noção aspectual): estado de coisas começado e não-acabado. Em geral, caracteriza-se Vauxiliar típico como uma unidade da língua que não possui valor lexical no mundo biossocial (valor referencial), mas gramatical/instrumental no sistema. É a extensão de sentido/uso que se especializa na indicação/marcação de categorias gramaticais: pessoa, número, tempo, modo, voz e aspecto. Não impõem restrições de seleção semântica ao preenchimento do sujeito gramatical Um Vauxiliar típico não seleciona o termo que ocupará a posição sintática de sujeito na predicação. Não lhe atribuí papel semântico/temática, nem lhe impões restrições de seleção semântica. É o Vpredicador (verbo principal) que determina as condições semânticas para preenchimento do lugar sintático de sujeito. Isso pode ser notado no exemplo a seguir: (Exemplo 6 ) : “Da qualche tempo avevo deciso che era ora di tornare a studiare e farlo finalmente con costanza così dopo un pò di ricerche ho trovato quello che è attualmente il mio maestro d chitarra (jazz-blues)” [Italiano escrito, repubblica”, 18 de junho de 2010] noticia-reportagem, Jornal “La – A algum tempo havia decidido que era hora de voltar a estudar e fazê-lo finalmente com assiduidade... Nesses usos, tornare tem sua área de atuação sintático-semântica ampliada, uma vez que não há restrições quanto à natureza do estado de coisas que caracteriza o predicador sobre o qual atua. E sabe-se que, quanto maior a possibilidade de um item verbal se combinar com 20 Aquele que indica uma ação começada, o início de uma ação, ou melhor, seu recomeço (nesse semiauxiliar), já que pressupõe repetição de estado de coisas sem idéia de freqüência ou de hábito. 115 elementos auxiliados diversos (que expressem qualquer tipo de evento – ação, processo, estado, posição – ou com qualquer tipo de transitividade), mais nítido seu estatuto instrumental. É o que se verifica com relação a tornare, já que tanto pode ocorrer em eventos ([+ ou - controlados] e [+ dinâmicos]), quanto pode ocorrer em estados e processos (estados de coisas [- controlados] e [+ ou – dinâmicos]). O emprego semi-auxiliar de tornare não é responsável pela seleção semântica do termo que ocupa a posição de sujeito na predicação. Não lhe atribui, assim, papel semântico/sintático. Nos dados encontrados, é o verbo predicador que impõe restrições semânticas para o preenchimento do lugar sintático de sujeito. Isso pode ser confirmado a partir do confronto de exemplos, como os que se listam abaixo: (Exemplo 7 ): In nessun paese democratico questo sarebbe successo”. Nel merito della manovra, infine, il segretario della Cgil torna a bocciare l'impostazione della correzione dei conti: “Non colpisce i ricchi. È una manovra di classe, intesa al contrario”. [Italiano escrito, noticia poliítica, Jornal “La repubblica”, 23 de junho de 2010] – o secretário da Cgil volta a reprovar o preparo da correção das contas... (Exemplo 8 ): “un’economia mondiale e la debolezza delle istituzioni internazionali o l’inadeguatezza dei vecchi stati. Il tema della democrazia torna ad essere centrale nella visione dei progressisti ed anche fondamentale per ristabilire un rapporto forte con le opinioni pubbliche dei nostri paesi. (…)”[Italiano escrito, noticia econômia, Jornal “La repubblica”, 20 de junho de 2010] – o tema da democracia volta a ser central na visão dos progressistas 116 Os exemplos citados mostram que perífrases verbais formadas pelo semi-auxiliar tornare podem ocorrer com sujeitos que desempenham diferentes funções semânticas: em (7) agente, em (8) tema. Ocorrem numa construção que só admite um advérbio de negação, (preferencialmente posicionado à esquerda da sequência em auxiliação para que a negação possa modificar toda a predicação) (Exemplo 9 ) : “Una pausa di riflessione, dopo aver vinto tutto nel 2010. Eppure la sensazione è che se ci fosse l'uomo giusto da prendere, Moratti tornerebbe ad essere un presidente meno rigoroso.” [Italiano escrito, noticia-reportagem, Jornal “La reppublica”, 21 de agosto de 2010] – Moratti voltaria a ser um presidente menos rigoroso... Outro indício de sua semi-auxiliaridade é o fato de o advérbio de negação poder atuar sobre o verbo predicador no infinitivo, nesse tipo de complexo verbal. Essa perífrase até aceita dois advérbios de negação, um incidindo sobre o semi-auxiliar tornare, e o outro, sobre o predicador no infinitivo, como no exemplo: • “Una pausa di riflessione, dopo aver vinto tutto nel 2010. Eppure la sensazione è che se ci fosse l'uomo giusto da prendere, Moratti non tornerebbe ad essere un presidente meno rigoroso.” • “Una pausa di riflessione, dopo aver vinto tutto nel 2010. Eppure la sensazione è che se ci fosse l'uomo giusto da prendere, Moratti tornerebbe a non essere un presidente meno rigoroso.” 117 • “Una pausa di riflessione, dopo aver vinto tutto nel 2010. Eppure la sensazione è che se ci fosse l'uomo giusto da prendere, Moratti non tornerebbe a non essere un presidente meno rigoroso.” Um auxiliar típico ocorrerá numa construção que só admita um advérbio de negação, preferencialmente posicionado à esquerda da sequência em auxiliarização para que a negação possa modificar toda a predicação. Com o verbo auxiliado, comportam-se “em bloco” diante de certas transformações sintáticas (da afirmativa para a interrogativa, por exemplo) (Exemplo 10 ) : “Dal ritiro del Milan di Dubai, Alexandre Pato è tornato a parlare, correggendo almeno in parte il tiro dopo l'intervista di qualche giorno fa che aveva alzato un vero e proprio polverone, tanto da far pensare ad um nuovo uomo ...” [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 29 de agosto de 2010] – Alexandre Pato voltou a falar... Vale destacar o comportamento em bloco diante da transformação de uma asserção com o semi-auxiliar tornare em uma interrogação. Nesse tipo de transformação sintática, o domínio do verbo principal (no infinitivo) não pode ocorrer como resposta a uma pergunta que apenas tenha o semi-auxiliar tornare, como, no exemplo 10 “Dal ritiro del Milan di Dubai, Alexandre Pato è tornato a parlare, correggendo almeno in parte il tiro dopo l'intervista di qualche giorno ...” • *Cosa Alexandre Pato è tornato? a parlare, correggendo almeno in parte il tiro dopo l'intervista di qualche giorno 118 • Porém: Cosa Alexandre Pato è tornato a fare? a parlare, correggendo almeno in parte il tiro dopo l'intervista di qualche giorno Esse teste também contribui para mostrar que os dois verbos funcionam como uma unidade sintática. Considerando-se os seis critérios presentes em VIEIRA (2004), percebe-se que tornare tende ao rol dos auxiliares, mas, tendo em vista que tal elemento não apresenta consonância com todos os critérios, optou-se por chamá-lo de semi-auxiliar. Abaixo, resumem-se os critérios com os quais se trabalhou e a possível adequação de tornare. Verbos (tipicamente) auxiliares Parâmetros de auxiliaridade 1) As formas verbais da unidade Verbo semi-auxiliar TORNARE Parâmetros + Propriedades em evidência TORNARE + A + Predicadori no INF complexa relacionam-se ao mesmo (identidade de sujeito > um só posição referente-sujeito de sujeito) 2) Atuam sobre outro(s) verbo(s) + num só domínio de predicação TORNARE + A + Predicador no INF = unidade de predicação e unidade de sentido 3) Revelam alteração semântica em + relação ao uso que têm como Sentido: “retomada/reinício de um estado de coisas” Vpredicador pleno 4) Não impõem restrições de seleção + Liga-se a diversos predicadores semântica ao preenchimento do 119 sujeito gramatical 5) Ocorrem numa construção que só − admite um advérbio de negação, Admite diferentes possibilidades de inserção de advérbio de negação: (preferencialmente posicionado à esquerda da sequência em auxiliação NÃO TORNARE + A + Predicador no para que a negação possa modificar INF toda a predicação) TORNARE + A + NÃO Predicador no INF NÃO TORNARE + A + NÃO Predicador no INF 6) Com o verbo auxiliado, + O que Arg1 TORNARE + A + comportam-se “em bloco” diante de Predicador no INF? certas transformações sintáticas (da E não: *O que Arg1 TORNARE? afirmativa para a interrogativa, por exemplo) Quadro 8 : Parâmetros e propriedades responsáveis pela semi-auxiliaridade de certos emprego de TORNARE. O emprego instrumental de tornare não se submete a todos esses critérios de auxiliaridade. Por isso, é categorizado como semi-auxiliar. 5.4. Verbo suporte 120 Além de tornare atuar como verbo predicador e verbo semi-auxiliar também pode se caracterizar como verbo-suporte21, apesar de não ter um uso expressivo na língua Italiana. Dos dados coletas, tem-se apenas uma ocorrência do verbo tornare como verbo suporte. (Exemplo 1 ) : “... l’italiano vuole rispecchiarsi in un passato tragico e remoto in chiave moderna, tornando a galla alcune storie di politica, antiche tradizioni e storiche memorie...” [Italiano orale, dialogo, C-Oral-Rom, 22 de janeiro de 2011] – O italiano quer espelhar-se num passado trágico e remoto no sistema moderno, voltando à tona algumas histórias de política.... Percebe-se que esse dado pode ser examinado de duas formas distintas: ou como Vpredicador (não-pleno) ou como Vsuporte. Isso se deve ao fato de certos empregos do item em estudo apresentarem características referentes a mais de uma função exercida por ele. Entende-se que, se tornare atua como predicador, é considerado o núcleo semântico-sintático da predicação sendo passível de substituição por outro Vpredicador (quase) sinônimo e mantendo a responsabilidade de atribuir papel temático na predicação. Já se age como Vsuporte, entende-se uma extensão de sentido de um Vpredicador esvaziada semanticamente e com comportamento léxico-gramatical, que se associa a um elemento não verbal, partilhando com este a função de atribuir papel temático. Esse verbo tem caráter instrumental porque serve de “suporte” para marcar noções de categorias verbais, tais como tempo, modo, aspecto, número e pessoa, tal como atuam os verbos auxiliares. Os dois elementos formadores do predicador complexo colaboram para a projeção de argumentos na oração e, em muitos casos, formam uma construção que pode ter um Vpredicador correspondente. 21 Os verbos-suporte também são nomeados de verbos leves, verbos funcionais, verbalizadores, verbóides e verbos de apoio. 121 Preferiu-se situar esse dado dentro da categoria de verbo suporte, pois no exemplo anteriormente citado o verbo tornare se une a um elemento não verbal (galla), formando um predicador complexo. Esse predicador complexo pode ser substituído pelo predicador simples galleggiare. Salienta-se, entretanto, que a identificação da categoria de Vsuporte não se limita a casos em que haja possibilidade de alternância entre predicadores complexos e predicadores simples correspondentes. A esse respeito Neves (1997) comenta: “Verbos-suporte são verbos semanticamente vazios, que permitem construir um SV com Vn em relação de paráfrase com um SV.” Machado Vieira22 (2001) denomina essa categoria de “operandum auxiliar de ‘verbalização’ de elemento não-verbal” e acredita que “um verbo-suporte contribui para a formação semântica do predicado verbo-nominal, apesar de o item nominal ser o principal responsável pelas propriedades semânticas da predicação nuclear”. Em síntese, o verbo tornare nesse exemplo se comporta de modo híbrido por apresentar extensão semântica “voltar à superfície”, própria da categoria de Vpredicador nãopleno, bem como pode se comportar como uma construção complexa, (tornare a galla = galleggiare (emergir)) responsável pela distribuição de papel temático aos argumentos. 22 Marcia dos Santos Machado Vieira analisou o verbo fazer em sua tese de doutorado. Dentre outros aspectos, abordou a função de verbo-suporte (cf. bibliografia) 122 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta pesquisa, propôs-se investigar o comportamento polifuncional de tornare e, para tanto, analisaram-se as propriedades sintáticas, semânticas e discursivas de predicações com esse verbo. Com efeito, analisaram-se (i) textos da modalidade oral tirados do Coral-Row e da modalidade escrita correspondentes aos gêneros jornalísticos, artigos de opinião, cartas de leitores, crônicas, editoriais, notícias-reportagens. Tendo em vista as análises e descrições empreendidas, esta dissertação oferece contribuições em três níveis: (a) teórico-metodológico, (b) descritivo e (b) pedagógico. Tendo em vista as análises e descrições empreendidas, esta dissertação procurou oferecer contribuições acerca de aplicação teórica, uma vez que se desenvolveram investigações com base na conjugação de aparatos teóricos e do comportamento polifuncional de tornare em diferentes tipos e gêneros textuais. Acredita-se, também, que este trabalho possa colaborar para questões relacionadas ao ensino de Língua Italiana para estrangeiro. Assim sendo, as contribuições alcançam três níveis: (a) teóricometodológico, (b) descritivo e (b) pedagógico. Em nível teórico-metodológico, nesta pesquisa, articularam-se, proficuamente, arcabouços teórico-metodológicos de enfoques diferentes, para dar conta do comportamento polifuncional de tornare. Essa articulação de pressupostos teóricometodológicos, que se mostrou compatível nesta dissertação, consiste, basicamente, na Teoria da Gramática Funcional do Discurso, corrente de orientação holandesa cujo precursor é o linguista Simon Dik, vinculada aos pressupostos sobre gramaticalização, especialmente àqueles advindos da Escola Norte-Americana. Em nível descritivo, a pesquisa revelou a flexibilidade sintático-semântica e discursiva dos usos do item linguístico tornare. A descrição qualitativa demonstrou os contextos em que 123 esse elemento pode apresentar características lexicais básicas e características mais instrumentais, funcionando como um “suporte”, nos empregos como verbo copulativo e semiauxiliar, para marcas morfológicas de tempo, modo, pessoa e aspecto. Não se deve perder de vista que se determinou, também, a eficácia de tornare para servir de instrumento discursivo pragmático, uma vez que tal item contribui para aspectos de progressão textual e para marcar foco de uma predicação. Sua maleabilidade semântica, também, foi comprovada, de modo que seus sentidos variaram bastante em cada função trabalhada. Como verbo copulativo, resgatou-se pouco conteúdo semântico que suscitasse a noção de “movimento”; como verbo semi-auxiliar, percebeu-se, mais expressivamente, a idéia de “movimento pelo tempo”, embora, em alguns casos, houvesse certa ambiguidade entre verbo predicador pleno e verbo semi-auxiliar; e como instrumento discursivo pragmático, pôde-se, também, apurar dados em que o significado básico de “movimento concreto”, configurando-se, assim, como uma predicação coordenada a outra forma verbal (Andrea é tornato [al ristorante] e ha mangiato). No que tange ao comportamento lexical básico, a pesquisa demonstrou sua natureza semântica concreta cuja função é a de expressar “um movimento de um agente controlador até um destino”. Sua sintaxe lexical prototípica caracteriza-se por exigir um argumento interno, com a função semântica de direção, um argumento interno default, com função semântica de origem, e um argumento externo, com a função semântica de sujeito. Em determinados empregos como verbo predicador, detectaram-se extensões de sentidos da predicação básica de tornare. Uma em que se captou a expansão do item tornare, de modo a se tornar equivalente semanticamente a outro predicador. E outra em que, da união entre tornare mais o argumento interno, infere-se um sentido global. Na qualidade de verbo semi-auxiliar, tanto nas construções com infinitivo, como nas como gerúndio, as análises estabelecidas determinaram o caráter semigramatical de tornare, 124 já que esse item verbal não correspondeu a todas as características que fazem, de um verbo, auxiliar. Sua categorização híbrida comprova que o processo de mudança pelo qual passa esse emprego ainda está em andamento e que, a depender do contexto discursivo-pragmático em que se encontra, esse elemento verbal adquire propriedades que o enquadram em graus distintos de gramaticalização. Funcionando como instrumento discursivo-pragmático, constatou-se que tornare atua no domínio textual, colaborando para a progressão de idéias, especialmente em textos orais narrativos, e no domínio da pragmática, em que sinaliza focalidade. Observe-se que esses domínios pertencem a um mesmo nível de análise, o discursivo-pragmático, que é o plano da construção/interpretação dos sentidos. Nesta pesquisa, empreendeu-se um tratamento quantitativo, com base na distribuição dessas extensões de uso e sentido no corpus e de aspectos relativos à caracterização de algumas delas. Com isso, pode-se apreender com que frequência o falante recorreu a cada uma, tendo em vista propriedades do corpus constituído e parâmetros considerados na caracterização de cada uma. No que se refere aos empregos gramaticalizados de tornare, verificou-se que cada uso participa de um continuum de gramaticalização diferente. Há, por sua vez, entre os extremos desses continua detectados, empregos de comportamento híbrido em graus diferentes de gramaticalização. Determinou-se, também, que as relações entre esses empregos instrumentalizados não são nítidas, entre si, mas somente entre os empregos semigramaticalizados e o núcleo conceptual básico – tornare na condição de verbo predicador pleno. Em termos pedagógicos, esta pesquisa proporciona o desenvolvimento e/ou aprimoramento de materiais em que se descreva o comportamento sintáticosemântico e discursivo de tornare Julga-se como importante a apresentação para os alunos, a depender, 125 evidentemente, do nível de escolaridade, de noções acerca da reação peculiar de verbos – diferenciados comportamentos – em função do contexto discursivo em que está atuando. Com a descrição e as análises das construções em que tornare constitui um instrumento discursivo, aproveita-se, para o ensino, a idéia de que determinados itens apresentam função que extrapolam o nível da estrutura e servem para enfatizar ou dramatizar outros elementos. Sublinha-se, ainda, a importância da situação comunicativa para o uso dessa construção. Comparando-se a literatura consultada e as análises empreendidas, compreende-se que o tratamento do comportamento de tornare existente nas obras pesquisadas oferece descrições dos seus usos, especialmente as lexicográficas; entretanto os aspectos de mudança são pouco debatidos pelos autores nessa revisão bibliográfica que serviu de base. Quando se trata de mudança, o foco das análises observadas em tais obras recai, em quase na totalidade dos casos, sobre o uso como verbo semi-auxiliar. Alguns aspectos podem, ainda, ser revistos ou estudados para que se aprofunde a descrição da polifuncionalidade de tornare. (1) Uma ampliação do corpus investigado, de modo a contemplar outras variedades da língua italiana e gêneros textuais diversos; (2) Uma pesquisa específica sobre o caráter multifuncional de perífrases com certos verbos de movimento (“foi / saiu / veio / andou pesquisando”; “saiu / veio / passou / andou a pesquisar”; “vai / vem pesquisar ”); (3) Uma investigação acerca do fenômeno da lexicalização que parece atuar em certas construções com tornare mais elemento não verbal; (4) Apresentação da possível interferência da preposição para o processo de gramaticalização de tornare, pois, ao que parece, há diferenças sintáticosemânticas entre as estruturas tornare a, tornare in e tornare su; 126 (5) Uma descrição de outros usos desse item verbal como expressões de tempo decorrido (não se encontrou dado algum dessa natureza no corpus considerado). (6) Um estudo dos empregos de tornare como verbo copulativo e em unidades compósitas à luz da teoria da Gramática das Construções. Para finalizar, destaca-se que tornare tem uso frequente no italiano em diferentes contextos comunicativos. Em diferentes gêneros ou fontes de texto, revela seus empregos de Vpredicador (com sentido pleno ou não-pleno) e Vsemi-auxiliar. Assim, uma mesma forma verbal relaciona-se a categorias funcionais divergentes, cuja identificação dependerá do contexto. Nessas categorias, persiste a noção de “movimento de retomada/retorno”. A gramaticalização de tornare decorre de um conjunto de propriedades distintas das que tem como Vpredicador: entre as quais, a alteração semântica de seu sentido-fonte com sua especialização semântica na indicação gramatical de “aspecto” - retomada de um estado de coisas –, e com a perda da autonomia que tem como verbo predicador em virtude de seu desgaste semântico e de sua recorrência numa determinada estrutura morfossintática ( “TORNARE + A + Predicador no INF”) com o propósito de sinalizar uma informação gramatical, não-dêitica. Sua semi-auxiliaridade advém, principalmente, do fato de não se aplicar à estrutura formada por esse emprego do parâmetro que colabora para pôr em evidência uma locução verbal (uma unidade semântica, sintática e funcional): (i) uma só instância de negação atuando sobre todo o complexo verbal. 127 7. BIBLIOGRAFIA BERRUTO, Gaetano. Sociolinguistica dell’italiano contemporaneo. Roma: La Nuova Italia, 2006. BRAGANÇA, Marcela Langa Lacerda. (2008) A gramaticalização do verbo ir e a variação de formas para expressar o futuro do presente: uma fotografia capixaba. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) – Faculdade de Letras, UFES, Vitória. BYBEE, Joan. (2003). “Mechanisms of change in grammaticization: the role of frequency”. In: Joseph, Brian & Janda, Richard(eds). A handbook of historical linguistics. Blackweel. CAMARA JR, J. Mattoso. (1970) Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes. CANTARIN,S. Costrutti com verbo supporto, Italiano e Tedesco a confronto. 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Bologna: Zanichelli, 2000. 132 ANEXO Codificação, nos “corpora”, de aspectos como: (I) CATEGORIA VERBAL (função de cada ocorrência de TORNARE) M - Verbo predicador – movimento no espaço E - Verbo predicador – extensão de sentido (valores diferentes do de movimento) A - Verbo semi-auxiliar (TORNARE A Vinfinitivo) S - Verbo suporte (II) MODALIDADE EXPRESSIVA e - escrita o - oral (III) FONTE G Jornal La reppublica E Jornal Corriere della Sera C Coral - Row (IV) FORMA DE “TORNARE” f finita n não-finita (nominal – particípio, gerúndio ou infinitivo) (V) ESTRUTURAÇÃO DAS PREDICAÇÕES NUCLEARES COM TORNARE Se for Vpredicador, 3 Argumento1Agente [+ controlador do evento] TORNARE Argumento2ORIGEM Argumento3DESTINO/ALVO 0 Argumento1Agente [+ controlador] TORNARE Argumento2ORIGEM 2 Argumento1Agente [+ controlador] TORNARE Argumento2DESTINO / META 5 Argumento1 Agente [+controlador] TORNARE Argumento 2 (Vazio) 8 Argumento1Agente [+controlador] TORNARE Argumanto2TEMA Argumento3DESTINO / META 133 6 Argumento1Tema/Paciente/Força [- controlador] TORNARE Argumento2ORIGEM Argumento3DESTINO 4 Argumento1Tema/Paciente/Força [- controlador] TORNARE Argumento2ORIGEM 1 Argumento1Tema/Paciente/Força [- controlador] TORNARE Argumento2DESTINO / META 7 Argumento1Tema/Paciente/Força [-controlador] TORNARE Argumento2 (Vazio) 9 Argumento Tema/Paciente/Força[-controlador] TORNARE Argumanto2TEMA Argumento3DESTINO / META Se for Vsemi-auxiliar, @ Argumento1Agente [+ controlador do evento] TORNARE a PREDICADOR SIMPLES # Argumento1Tema/Paciente/Força [- controlador] TORNARE a PREDICADOR SIMPLES $ Argumento1Agente [+ controlador do evento] TORNARE a PREDICADOR COMPLEXO (locução verbal, com outro verbo (semi-)auxiliar, perífrase verbo-nominal, com verbo suporte) % Argumento1Tema/Paciente/Força [- controlador] TORNARE a PREDICADOR COMPLEXO Se for Vsuporte, & Argumento1Agente/experienciador [TORNARE + Elemento N/V] Predicador complexo > Argumento1Tema/Paciente/Força [TORNARE + Elemento N/V] Predicador complexo (VI) VALORES SEMÂNTICOS DE TORNARE 0 movimento no espaço geográfico 1 movimento no espaço psico-social (- concreto) 2 movimento no tempo: retorno a um lugar no tempo 3 movimento no tempo: retorno a um estado de coisas / evento 4 movimento no tempo: retorno a uma condição/situação social (+ concreto) 5 mudança na condição/situação social de uma meta/tema. 134 135