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Ano I
No 1
Brazilian Journal for Philosophy of Religion
year I, no. 1, october, 2014
out. 2014
Revista Brasileira de
Filosofia da Religião
Teologia, Religião e Filosofia da Religião Algumas Distinções a partir de uma Crítica
a Richard Dawkins
Agnaldo C. Portugal
A filosofia hebraica de Franz Rosenzweig
Maria Cristina Mariante Guarnieri
El ego amans
Entre giro teológico y filosofía de la religión
Germán Vargas Guillén
Uma saída do dilema de Eutífron
Nick Zangwill
É possível discutir ética a partir de
Temor e Tremor? Possíveis objeções a teses
kierkegaardianas e seus desdobramentos
Marcio Gimenes de Paula
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO - ABFR
Revista Brasileira de
Filosofia da Religião
Brazilian Journal for Philosophy of Religion
Brasília
2014
04
EXPEDIENTE
Revista Brasileira de Filosofia da Religião
Publicada pela Associação Brasileira de Filosofia da Religião – ABFR, a Revista Brasileira de Filosofia da
Religião tem como objetivo a divulgação de textos de filosofia – elaborados de forma sistemática ou
com base na história do pensamento – sobre o problema religioso ou a questão de Deus. Os temas
incluem questões como transcendência, liberdade, mal, racionalidade da crença religiosa, volta da fé
ao espaço público, ateísmo, relação entre
religião e ciência, entre outros. A revista se caracteriza pela abordagem pluralista em termos de
métodos de reflexão (fenomenológico, analítico, histórico, hermenêutico, etc.), fomentando o diálogo
frutífero entre as diferentes perspectivas filosóficas sobre a religião.
Revista Brasileira de Filosofia da Religião é uma publicação semestral da:
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO
Presidente: Agnaldo Cuoco Portugal (UnB)
Secretária: Maria Cristina Mariante Guarnieri (PUC-SP)
Tesoureiro: Hubert Jean-François Cormier (UnB)
Editor: Hubert Jean-François Cormier
Comissão Editorial
Agnaldo Cuoco Portugal (UnB, Brasília-DF)
Marcos Aurélio Fernandes (UnB, Brasília-DF)
Hubert Jean-François Cormier (UnB, Brasília-DF)
Márcio Gimenes de Paula (UnB, Brasília-DF)
Conselho Científico
Álvaro Montenegro Valls (Universidade do Vale dos Sinos, São Leopoldo-RS)
Carlos João Correia (Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal)
Flávio Augusto Senra Ribeiro (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG)
Francesco Tomasoni (Università Piemonte Orientale, Vercelli, Itália)
Germán Vargas Guillén (Universidad Pedagógica Nacional de Colombia, Bogotá, Colômbia)
Luís Felipe Cerqueira Pondé (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo-SP)
Nelson Gonçalves Gomes (Universidade de Brasília, Brasília-DFl)
Nicholas Zangwill (University of Hull, Kingston upon Hull, Reino Unido)
Roberto Hofmeister Pich (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS)
Scott Randall Paine (Universidade de Brasília, Brasília-DF)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Revista Brasileira de Filosofia da Religião/ Associação Brasileira de Filosofia da
Religião. v. 1, n. 1 (2014). Brasília: ABFR, v. 1, n. 1, out./ 2014.
Semestral
ISSN - - versão eletrônica
1. Filosofia – Periódicos. I. Associação Brasileira de Filosofia da Religião
CDU: 1(05)
CDD: 105
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
5
APRESENTAÇÃO
A revista brasileira de filosofia da religião vem a lume em seu primeiro
número, bem diversa em seus artigos, bem unida em suas metas. Publicada pela Associação Brasileira de filosofia da Religião esta revista pretende ser a expressão das
reflexões sobre filosofia da religião em nosso país e em centros de estudos de pósgraduação nesta área de outros países.
A revista terá dois eixos privilegiados de publicação:
?
Artigos de professores brasileiros que estudam, debatam, exponham
as diversas temáticas relativas à filosofia da religião: relação entre fé e
razão, quadro de controvérsias nos quais se formaram ideias e
sistemas de pensamento que hoje questionam ou afirmam a possibilidade da existência de Deus, por exemplo. É na pretensão de analisar
visões conflitivas sobre esse e demais temas, as linhas demarcatórias
entre argumentação filosófica e crença religiosa é que poderemos
perceber como se articulam formas de racionalidade e em que campos
elas se exercem.
?
Traduções de textos de pesquisadores internacionais com relevante
interesse em nossa área de pesquisa.
Revista que pretende publicar pesquisa de excelência filosófica, a Revista
Brasileira de Filosofia da Religião deseja receber contribuições originais de qualidade
nos domínios acima relatados, multiplicar as perspectivas e favorecer o debate de
ideias. Cada número (semestral) constará de diversos artigos que não estarão submetidos a um tema único por número, mas que pelo contrário, reflita a diversidade de
questões que abrangem a filosofia da religião.
Hubert Jean-François Cormier
Editor
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
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SUMÁRIO
5
Apresentação
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Teologia, Religião e Filosofia da Religião - Algumas Distinções a partir
de uma Crítica a Richard Dawkins
Agnaldo C. Portugal
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A filosofia hebraica de Franz Rosenzweig
Maria Cristina Mariante Guarnieri
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El ego amans
Entre giro teológico y filosofía de la religión
Germán Vargas Guillén
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Uma saída do dilema de Eutífron
Nick Zangwill
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É possível discutir ética a partir de Temor e Tremor? Possíveis
objeções a teses kierkegaardianas e seus desdobramentos
Marcio Gimenes de Paula
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Normas para publicação
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
9
Teologia, Religião e Filosofia da Religião - Algumas Distinções a partir de uma Crítica a Richard Dawkins
Teologia, Religião e Filosofia da Religião Algumas Distinções a partir de uma Crítica a
Richard Dawkins
Agnaldo Cuoco Portugal (*)
Resumo:
No presente artigo, analiso uma objeção de Richard
Dawkins à tese de que a teologia pode ajudar a
entender algo sobre nossas origens. Com uma crítica
às posições de Dawkins, pretendo discutir o próprio
conceito de teologia e sua relação com a filosofia,
particularmente a filosofia da religião. Além disso,
apresento também uma proposta de distinção entre a
teologia, a religião e as ciências da religião. Por fim,
delineio uma resposta à questão sobre o lugar da
teologia no meio acadêmico-científico de hoje.
Palavras chave:
Richard Dawkins; teologia; religião; filosofia da
religião
(*) Universidade de Brasília - UnB
[email protected]
Abstract:
In this article, I analyze a criticism by Richard
Dawkins to the idea that theology may help us to
understand something about our origins. With a criticism to Dawkins' view, I intend to discuss the concept
of theology itself and its relationship with philosophy,
particularly the philosophy of religion. In addition, I
also present a proposal of distinction among theology,
religion and the sciences of religion. In the end, I
outline an answer to the question about the place of
theology in today's academic and scientific environment.
Key words:
Richard Dawkins; theology; religion; philosophy of
religion
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
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Teologia, Religião e Filosofia da Religião - Algumas Distinções a partir de uma Crítica a Richard Dawkins
1. Teologia
Numa famosa carta ao jornal britânico The Independent, publicada em 20 de março
de 1992, o eminente biólogo da Universidade de Oxford, Professor Richard Dawkins,
estabeleceu um paralelo entre ciência e teologia que pode ser útil como ponto de partida para
nossa discussão. Assim diz a carta:
Senhor Editor,
Em seu editorial (18 de março) sombriamente fervoroso, clamando por uma
reconciliação entre ciência e “teologia”, o senhor observa que “as pessoas querem saber o
máximo possível acerca de suas origens”. Eu certamente espero que elas queiram, mas que
diabos faz o senhor pensar que a “teologia” teria algo a dizer acerca do assunto? A ciência é
responsável pelo seguinte conhecimento acerca de nossas origens.
Sabemos aproximadamente quando o universo começou e porque é em grande parte
hidrogênio. Sabemos por que as estrelas se formam, e o que acontece no interior delas para
converter hidrogênio em outros elementos e assim dar origem à química num mundo de física.
Sabemos os princípios fundamentais de como um mundo de química pode se tornar biologia por
meio de moléculas autorreplicantes emergentes. Sabemos como o princípio de autorreplicação
dá origem, por meio de seleção darwinista, a toda a vida, inclusive a humana.
É a ciência e apenas a ciência que nos deu esse conhecimento e o deu a nós, acima de
tudo, em pormenor fascinante, avassalador e mutuamente confirmatório. Em cada uma dessas
questões, a teologia postulou uma visão que demonstrou ser conclusivamente errada. A ciência
erradicou a varíola, pôde nos imunizar contra a maior parte dos vírus que antes eram fatais e
pôde matar a maioria das bactérias que antes eram mortíferas.
A teologia não fez nada a não ser falar de pestes como castigo pelo pecado. A ciência
pode predizer quando um cometa qualquer vai reaparecer e, além disso, quando o próximo
eclipse vai ocorrer. A ciência pôs o homem na lua e lançou foguetes de reconhecimento ao redor
de Saturno e Júpiter. A ciência pode dizer qual é a idade de um dado fóssil e que o Santo Sudário é
uma fraude medieval. A ciência sabe as instruções de DNA de vários vírus e vai, ainda durante a
vida de muitos leitores atuais do The Independent, fazer o mesmo acerca do genoma humano.
O que a “teologia” já disse que fosse do menor uso para qualquer pessoa? Quando a
“teologia” já disse qualquer coisa que fosse demonstrativamente verdadeira e não seja óbvia? Já
ouvi teólogos, li-os, debati com eles. Nunca ouvi nenhum deles jamais dizer qualquer coisa que
fosse minimamente útil, qualquer coisa que não fosse ou trivialmente óbvia ou plenamente
falsa.
Se todas as aquisições dos cientistas fossem varridas amanhã, então não haveria
médicos, mas curandeiros, nenhum transporte mais rápido que um cavalo, nenhum
computador, nenhum livro impresso, nenhuma agricultura além do cultivo camponês de
subsistência. Se todas as realizações dos teólogos fossem varridas amanhã, alguém notaria a
diferença?
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
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Teologia, Religião e Filosofia da Religião - Algumas Distinções a partir de uma Crítica a Richard Dawkins
Até as más realizações dos cientistas, as bombas e os barcos baleeiros guiados por sonar,
funcionam! As realizações dos teólogos não fazem nada, não afetam nada, não realizam nada,
não chegam nem a significar coisa alguma. O que faz o senhor pensar que “teologia” é sequer
uma disciplina?
Atenciosamente,
Richard Dawkins 1.
Algo que logo chama a atenção na carta de Dawkins é que uma das principais críticas
dirigidas à teologia - de que ela não faz nada de útil, que se suas realizações fossem varridas
amanhã, haveria pouca ressonância na vida prática da maioria das pessoas - pode facilmente
ser endereçada também à filosofia, à crítica literária e até à própria carta que ele mandou para
o jornal. Que utilidade tem para a vida prática da maioria das pessoas saber se a teologia deve
ou não ser considerada uma área do conhecimento? Isso não ajuda a curar doença alguma
nem melhora nossas condições de conforto material. Em outras palavras, as ideias discutidas
pela carta de Dawkins bem como as teses sustentadas pelos filósofos e teólogos não são
produtos intelectuais que tenham utilidade prática e aplicações tecnológicas.
No entanto, mesmo não sendo úteis no sentido em que, por exemplo, a farmacologia é
útil, as pessoas insistem em desenvolver tais atividades intelectuais. Seriam elas irracionais
por essa insistência? Na verdade, se formos levar a sério o famoso dito atribuído a Aristóteles
(Protréptico, fr. 51) acerca da filosofia pelo menos, essas atividades são inevitáveis. Ao se
negar a importância e a necessidade de se fazer filosofia já se está fazendo filosofia, só que de
muito má qualidade, pois não se está sendo capaz de manter sequer um requisito básico do
que classicamente se entende por racionalidade: a coerência. Em outras palavras, está-se
negando de algum modo o que se está afirmando e isso é o que mais fundamentalmente se
entende como irracional. Por possuir esse vício, a crítica de Dawkins à teologia transcrita
acima acaba tendo pouco valor e desmerece um texto que, de resto parece bastante
informativo e instigante. Lembra o modo como Hume finaliza suas Investigações acerca do
Entendimento Humano (1748), quando critica a metafísica e a teologia por não conterem
nenhum raciocínio sobre números e suas relações e sobre questões de fato. Livros que não
possuíssem tais conteúdos, dizia ele, deveriam ser lançados às chamas. Hume pretendia que
seu próprio livro fosse uma descrição factual de como se dá o conhecimento, mas o que se tem
não é uma obra sobre aspectos imediatamente observáveis do modo como adquirimos e
processamos o conhecimento e sim um conjunto de proposições conceituais acerca de como
se deve entender o problema. Em suma, era um livro de filosofia e não de psicologia empírica.
Hume não percebia a gravidade de sua incoerência, pois um excelente candidato à sua triste
fogueira era seu próprio livro.
Assim, a tese de que a teologia não merece respeito porque é inútil não tem a força que
pretendia ter, pois atinge outras atividades teóricas que o autor não parece estar querendo
rejeitar, como a filosofia, a matemática e as críticas à teologia. Se fôssemos levar a sério essa
1
Citado em Markham (1996), p. 21-2. Tradução própria.
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
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Teologia, Religião e Filosofia da Religião - Algumas Distinções a partir de uma Crítica a Richard Dawkins
ideia, de só aceitar áreas do conhecimento que fossem úteis no sentido de resolver problemas
de conforto material, restaria muito pouco em nossa vida intelectual. Além disso, em que
sentido se pode dizer que a filosofia é inútil? Se ela surge de um interesse por questões
conceituais de fundamento, como se pode dizer que a atividade que satisfaz esse interesse
seja inútil? Mesmo não resolvendo nenhum “problema concreto” da “vida prática”2, como se
pode dizer que, ao tentar esclarecer as vantagens da ciência sobre a teologia, o texto de
Dawkins não seja útil? E se esclarecer questões que dizem respeito a ideias e concepções é
uma atividade intelectualmente útil, por que excluir a teologia desse rol? Temos aqui uma
primeira aproximação do conceito de teologia: um esforço intelectual de esclarecer
determinadas ideias e concepções, particularmente, aquelas de origem religiosa. Nesse
sentido, dizer que “a teologia não fez nada a não ser falar de pestes como castigo pelo pecado”
não é só falso, como confunde crenças de fundo religioso popular com a tentativa de
reconstrução racional dessas crenças religiosas, que a teologia busca efetuar.
Mas voltemos a outras críticas de Dawkins à teologia. Ele afirma, por exemplo, que as
proposições da teologia são em geral ou trivialmente óbvias ou plenamente falsas. No
entanto, talvez “obviedade” não seja um conceito tão óbvio assim. Quando se diz que algo é
evidente ou óbvio, quer-se dizer que aquela proposição é já de amplo conhecimento comum.
Dito de outro modo, para se designar uma informação como óbvia, é necessário identificar
com precisão o que constitui o conhecimento de fundo partilhado por uma determinada
comunidade de sujeitos de conhecimento. Assim, para se avaliar se a proposição “p é óbvio” é
verdadeira, é preciso que esteja claro de que grupo de sujeitos epistêmicos se está falando,
pois em geral as pessoas têm - ou se pode esperar que tenham - diferentes graus de
conhecimento e acesso a diferentes tipos de informação, e se aquela dada ideia p de fato é de
conhecimento comum de todos os envolvidos. Infelizmente, o Professor Dawkins não indica
nenhuma das duas coisas, faz uma asserção genérica acerca do que a teologia afirma e não
especifica para quem ela seria óbvia. Tudo leva a crer que temos aqui outra crítica de pouco
mérito.
A tese de que as afirmações da teologia são plenamente falsas, porém, parece mais
interessante. Um exemplo famoso é o da hipótese criacionista, baseada numa leitura
literalista do livro do Gênesis, que se pretende uma melhor explicação acerca da origem do
mundo e da vida do que a fornecida pela Física, Química e, principalmente, o ramo da Biologia
que trata do surgimento e desenvolvimento das espécies, iniciado com a obra de Charles
Darwin. Por ser exatamente desta área, Dawkins tem bons argumentos para mostrar o
quanto a biologia evolutiva é muito mais explicativa, frutífera e capaz de fornecer um
programa de pesquisa muito mais abrangente e promissor do que o criacionismo. Dado o
conhecimento que se tem hoje acerca do mundo físico, é realmente muito provável que, do
ponto de vista científico, a explicação da origem da vida e de como chegamos a ter os seres
vivos que temos hoje com base numa leitura fundamentalista e literal da Bíblia seja falsa em
termos científicos.
2 A própria enunciação dessas ideias é problemática, dado o caráter altamente impreciso do senso comum para o que seja um “problema concreto” e a “vida prática”, daí as aspas. Uma das funções da filosofia é exatamente de esclarecer e dar maior clareza a essas
noções, quando isso é possível. À teologia cabe algo análogo, como veremos a seguir, embora restrito a noções de uma tradição religiosa.
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
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Teologia, Religião e Filosofia da Religião - Algumas Distinções a partir de uma Crítica a Richard Dawkins
A leitura literalista da Bíblia, porém, é consequência apenas de um tipo determinado
de teologia cristã. Há outros tipos de teologia acerca do que diz o Gênesis nos capítulos 1 e 3.
Há, por exemplo, interpretações menos preocupadas com o valor de verdade factual daquelas
passagens e mais voltadas para o sentido metafísico e poético de textos que foram escritos
muito antes de se conceber o que hoje se entende por uma explicação científica. Para muitos
teólogos, interessados em integrar religião e ciência, o que se tem no Gênesis é a ideia de que,
não importa o mecanismo que tenha sido empregado (e que é tarefa da ciência descobrir),
para judeus, cristãos e muçulmanos, a razão última da existência do mundo, o por quê de algo
existir afinal, é a ação de Deus. Enquanto concepção metafísica, tal tese pode ser criticada de
várias maneiras, mas não por sua inadequação às informações científicas empíricas, pois não
se criticam teses metafísicas dessa maneira. Ou seja, enquanto tese metafísica, pode-se
acusar o teísmo (a tese de que existe um ser pessoal que é criador e mantenedor do universo)
de incorrer em problemas difíceis de resolver (como o problema do mal, por exemplo), pouco
simples ou pouco frutífero para a pesquisa científica, mas não de ser inadequado aos dados de
que dispõem os cientistas.
Teses metafísicas são pressupostos para a atividade de pesquisa empírica. Ao
defender que não há nada além da natureza, tal como descrita pelas ciências naturais (tese a
que se pode chamar de “naturalismo”), Dawkins está enunciando uma tese metafísica, que
não tem como ser negada pela atividade científica, mas tampouco tem como ser confirmada
por esta. Na verdade, há toda uma linha de argumentação recente em favor da tese de que o
naturalismo não é apenas problemático, mas autorrefutador e incapaz de sustentar a
3
atividade científica sem ser incoerente com suas teses mais básicas . Em todo caso, um grande
problema da crítica de Dawkins é não perceber que há diversos modos de fazer teologia,
assim como há vários modos de se fazer filosofia.
Não só há vários modos de se fazer teologia, mas há também diversas áreas possíveis
dentro de uma teologia, abrangendo diversos aspectos de uma dada religião. No caso mais
familiar para nós, o do cristianismo, temos não só uma Teologia Sistemática, que visa dar uma
forma teoricamente mais coerente e concatenada aos conteúdos da revelação religiosa, como
também uma Teologia Bíblica, cujo objeto é compreender o modo como Deus e sua revelação
se apresentam no texto das escrituras, interpretando-as com os recursos da hermenêutica e
da teoria literária, por exemplo, ou ainda uma Teologia Moral, cujo objeto é a sistematização
do conteúdo da revelação cristã com relação ao problema da conduta humana e das relações
interpessoais. Nesse sentido, afirmar que são falsas as afirmações da teologia é
extremamente implausível, pois se está falando de um grande número de disciplinas que se
referem a vários tópicos da religião revelada e quanto maior o âmbito a que se refere uma
proposição universal maior a probabilidade inicial de ela ser falsa. Assim, a teologia não é
uma única disciplina, assim como “a ciência” não o é, mas um conjunto de disciplinas que
buscam estudar e sistematizar o conteúdo doutrinal revelado de uma religião, um estudo que
é feito, nos seus melhores exemplos, pelo menos, com sofisticados e rigorosos recursos
intelectuais.
3
Não cabe desenvolver esse tema da crítica ao naturalismo aqui, mas o leitor interessado pode aprofundar seu conhecimento sobre o
debate em textos como Rea (2002), Reppert (2003), Beilby (2002) ou mesmo Portugal (2013).
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
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Teologia, Religião e Filosofia da Religião - Algumas Distinções a partir de uma Crítica a Richard Dawkins
Nesse sentido, em que medida se pode dizer que uma teologia tenha algo a dizer sobre
as origens? Talvez Dawkins tenha razão na sua crítica do que parece ser a ideia do autor do
editorial do The Independent, ou seja, de uma teologia com pretensões de informação sobre o
mundo ao modo das ciências naturais. Se a teologia tem algo a dizer sobre as origens, não o é
em termos factuais, ao modo das ciências da natureza, mas, com base numa revelação
específica acerca da relação do homem com o sagrado, visando apresentar uma resposta
particular para o problema do sentido fundamental da existência, uma questão que não é
científica, mas bastante próxima do que chamamos de “questões últimas”. Nesse sentido, a
teologia se aproxima da filosofia, embora se distinga em muitos outros, como, por exemplo, a
existência de uma ortodoxia teológica, medida pelo grau de fidelidade (supervisionada e
guardada por uma instituição eclesiástica, muitas vezes) a um texto considerado sagrado, que
é algo que não se encontra em filosofia, pela inexistência de textos propriamente sagrados
nesse campo de estudos e de instituições com esse tipo de poder.
Por outro lado, nisso que há de comum entre filosofia e teologia – uma abordagem do
problema do sentido fundamental da existência –, é possível questionar se se trata realmente
de algo que interesse a todos os filósofos, ou que a Filosofia possa dizer alguma coisa sobre
“sentidos fundamentais”. Talvez essa não seja mesmo uma questão que interesse a todos,
mas será que existiria alguma questão na Filosofia que devesse interessar a todo mundo? O
fato é que muitos filósofos se dedicam a essa questão, do mesmo modo que há aqueles que
participam dessa variada atividade intelectual que acima chamamos “teologia” e se dedicam
a assuntos que não têm relação com a filosofia, com a diferença básica de que os filósofos se
baseiam em concepções e ideias de origem humana, enquanto os teólogos se reportam a
fontes tomadas como sagradas por uma determinada comunidade.
Em todo caso, Dawkins parece ter razão em negar que a teologia possa ter algo a dizer sobre as
origens num sentido de informações sobre o que de fato aconteceu no início, mas é ainda
possível que ela tenha algo a dizer - pelo menos para um conjunto de pessoas - sobre a razão, o
sentido fundamental disso que aconteceu, com base num conjunto de concepções de fundo
religioso. Assim, para entender melhor o que vem a ser teologia, precisamos analisar o
conceito de religião, o que será tentado em seguida.
2. Religião
Como vimos, enquanto a teologia diz respeito a disciplinas de estudo de certo
conteúdo doutrinal ou da experiência comum de uma religião, a religião é a atividade
propriamente dita a que se referem essas mesmas disciplinas. A maior dificuldade que se
encontra para conceituar a religião é a variedade de fenômenos que se incluem sob esta
rubrica, a ponto de darem origem a teologias incompatíveis. Um bom exemplo se configura
na comparação entre cristianismo e budismo. Enquanto o primeiro postula a existência de
um Deus ao mesmo tempo transcendente, pessoal e atuante na história, o segundo defende
que o sentido da vida está em se buscar um estado de completa indistinção entre o eu e o
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
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Teologia, Religião e Filosofia da Religião - Algumas Distinções a partir de uma Crítica a Richard Dawkins
outro, seja este “outro” qualquer objeto ou pessoa. No budismo, não se fala de um deus ao
qual o crente busque se aproximar, ao qual este louve, agradeça e ore por auxílio, mas sim a
postulação de um estado no qual há completa ausência de sofrimento e da ilusão de
multiplicidade, e uma busca de integração na harmonia desse todo indistinto. Trata-se de
uma doutrina religiosa e não de uma teologia, pois o conceito de Deus não é central,
considerando-se a concepção monoteísta clássica (judaica, cristã e muçulmana) como
modelo. O problema é que não precisamos considerá-la como modelo. Por mais importante
que seja essa concepção, existem várias outras maneiras de se conceber esse elemento
absoluto com o qual se busca um relacionamento na religião e ao qual podemos denominar
“Deus”. Assim, há várias maneiras de se conceber “Deus” e, mais que isso, várias maneiras de
se ser religioso e de se ser ateu.
Talvez não seja no elemento doutrinal que devamos buscar o que haja de comum
entre as diversas manifestações do que chamamos de religião, pois, como vimos, a
diversidade de crenças chega a casos que parecem impossibilitar encontrar um mínimo
denominador comum. Uma boa sugestão seria investigar aquilo que se chama o elemento
experiencial ou vivencial pré-reflexivo da religião, ou seja, o componente pelo qual o adepto
de uma religião se percebe ligado ou em busca de uma realidade que transcende o seu aqui e
agora, que se revela com um valor todo especial e distinto do cotidiano e que confere à sua
vida e ao que acontece após a morte um sentido profundo. A religião seria, assim,
fundamentalmente, a experiência de uma relação com o absoluto, com aquilo que é
radicalmente diferente do que temos no dia-a-dia e que inspira por vezes terror, por vezes
fascínio em graus variados e cujo relacionamento é mediado por práticas cuidadosamente
elaboradas a que se chamam rituais. O complexo fenômeno religioso, assim, é, antes de tudo,
uma atividade humana, que se dá como resposta à experiência de algo que é tido como
totalmente outro em relação à realidade comum, “o sagrado”, voltada para o contato com esse
sagrado, que é postulado como o que confere sentido último à existência4.
Enquanto atividade humana, a religião pode se relacionar com diversos outros
âmbitos da vida. Por exemplo, a maioria das grandes religiões globais tem um conjunto de
preceitos éticos a serem seguidos por seus adeptos, a fim de que estes se conduzam da melhor
forma possível segundo o referencial absoluto, tal como concebido por aquela doutrina
específica. Além do aspecto ético, a religiões têm uma importante função de coesão e
ordenamento social, na medida em que, por exemplo, instituem certos grupos como
autoridades no ensino da respectiva doutrina, determinam o ritmo temporal de um grupo
social e estabelecem padrões de ordem e caos que balizam as ações dos indivíduos em
sociedade. Inúmeros outros aspectos da vida tais como a economia, a política, a arte e a
ciência têm interessantes e importantes relações com a religião. Esta se revela, então, um
fenômeno não só multifacetado, mas que envolve vários outros aspectos da existência
humana, uma vez que seu objeto ou sua busca é o próprio sentido dessa existência.
4
Essas ideias estão fortemente baseadas nas concepções de Rudolf Otto (1997 [1917]), que são de fato uma referência muito comum
nas tentativas atuais de conceituar religião.
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
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Teologia, Religião e Filosofia da Religião - Algumas Distinções a partir de uma Crítica a Richard Dawkins
3. Filosofia da Religião
“Filosofia da religião” é uma expressão moderna que designa uma disciplina filosófica
que inclui temas da metafísica clássica, como a investigação da causa primeira do que há - um
tema que já encontramos em Platão e Aristóteles -, discussões fortemente presentes na
filosofia medieval e moderna, como as provas da existência de Deus, e debates mais
modernos como a epistemologia da crença em Deus e as críticas à religião do ponto de vista
prático.
Trata-se, portanto, de uma área com fortes raízes na tradição filosófica ocidental,
remontando ao pré-socrático Xenófanes de Cólofon, que ainda no século VI a.C. já criticava as
religiões populares por sua concepção antropomórfica e distorcida do divino (fragmentos
169 a 172, cf. Kirk & Raven, 1990, p. 169). A relação entre filosofia e religião já começava
conflituosa entre os gregos antigos, um conflito que ficou ainda mais agudo na filosofia
moderna e contemporânea. No entanto, atitudes mais conciliadoras e compreensivas entre a
razão filosófica e a forma de vida religiosa também foram cultivadas ao longo da tradição
filosófica do ocidente.
Apesar de boa parte do que se chama de filosofia da religião ainda hoje se voltar para os
problemas relacionados ao conceito de Deus, uma importante distinção deve ser feita entre
os esforços empreendidos pela filosofia e pela teologia em relação a esse mesmo objeto de
investigação. Enquanto a teologia busca sistematizar os conteúdos de uma determinada fé
revelada, a filosofia da religião se volta para os conceitos pressupostos tanto na religião
revelada quanto na teologia. Trata-se, então, de um empreendimento que parte, não da
autoridade de uma revelação, mas da indagação racional autônoma sem compromisso prévio
com nenhuma doutrina religiosa e interessada apenas naquilo que possa ser justificado em
termos da razão humana. Ela se dedica, então, à análise das características e paradoxos
envolvidos no conceito de Deus, tal como proposto na tradição monoteísta, acerca da qual a
tradição filosófica se ocupou com maior profundidade. A essa área mais do que central na
filosofia da religião dá-se o curioso nome de “teologia natural”, embora ela não seja nem
teologia, mas filosofia, nem natural, mas uma investigação estritamente conceitual e
argumentativa.
Essa diferença no ponto de partida entre a teologia e a filosofia - a primeira, na
revelação e a segunda, na indagação crítica - está na raiz de um dos problemas mais
tradicionais da história da filosofia da religião: o da relação entre fé e razão. As mais diversas
abordagens foram aparecendo ao longo desse trabalho de reflexão e debate na história da
filosofia. Tem-se desde uma recusa a usar os parâmetros da razão filosófico-científica para se
discutir assuntos religiosos - que, para uns, teriam sua própria racionalidade e critérios de
compreensão e, para outros, seriam inteiramente irracionais - até as tentativas de conciliação
que visavam mostrar que os mesmos modelos de aceitabilidade intelectual da ciência
deveriam ser empregados na avaliação de crenças religiosas. O problema da racionalidade da
crença religiosa é um dos mais discutidos pela filosofia contemporânea da religião e ele se
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Teologia, Religião e Filosofia da Religião - Algumas Distinções a partir de uma Crítica a Richard Dawkins
justifica não só por sua importância em si, como também pela possibilidade de se poderem
aplicar suas abordagens para o problema da justificação de outros tipos de crença, como as
envolvidas na avaliação de hipóteses, as da vida cotidiana e as crenças de cunho moral5.
Não só a possível irracionalidade da crença religiosa motivou a análise filosófica
contemporânea a respeito da religião. Problemas relativos ao modo como se relacionam
liberdade e vida religiosa, particularmente a cristã, também geraram críticas fortes por parte
de filósofos modernos e contemporâneos. Numa determinada interpretação da perspectiva
cristã, a liberdade é uma dádiva divina, que deve ser usufruída sempre se tendo em vista a
autoridade e o referencial do absoluto, ao qual o cristão se sente chamado. A ênfase parece
ser mais no compromisso e na entrega para Deus do que na busca de fruição da liberdade. O
ponto de vista dos críticos modernos e contemporâneos da religião defende uma noção de
liberdade na qual o eu individual ocupa um lugar privilegiado e cuja realização máxima se dá
no usufruto de um poder fazer com um mínimo de limites externos ao seu querer. O conflito
se manifesta em vários autores, mas assume dimensões particularmente dramáticas com
Nietzsche, Feuerbach, Marx e Freud, os chamados “mestres da suspeita”. São filósofos ditos
ateus (em relação ao monoteísmo tradicional, pelo menos) extremamente importantes para
quem deseja ter familiaridade com a filosofia da religião atualmente.
É importante notar, então, que essa área da filosofia acadêmica que se dedica aos
conceitos fundamentais envolvidos no fenômeno religioso não tem nenhum compromisso
em princípio com a defesa da legitimidade dessa atividade humana. Em outras palavras,
aquele que critica a religião e rejeita as principais noções nela envolvidas com base em
argumentos ou especulações conceituais também está fazendo filosofia da religião, o que é
mais um indício da autonomia da disciplina em relação à teologia e à religião. É por isso que
não se pode esperar da filosofia da religião nenhum tipo de “convencimento” acerca das
verdades ou inverdades religiosas, um incremento seja da fé seja da descrença, pois o
propósito é estritamente o de discussão e avaliação teórica, apresentando-se as alternativas
de entendimento julgadas mais importantes na tradição filosófica sobre o tema. É certo que
tanto o crente quanto o descrente podem se beneficiar das reflexões feitas na disciplina - seja
no sentido de confirmação da crença que já possuía seja no sentido de mudar de posição -,
mas é importante frisar que a disciplina não tem um objetivo proselitista catequético, de
educação para a fé, qualquer que seja ela.
Outra distinção importante é entre filosofia da religião e a exposição das diferentes
doutrinas religiosas, ao modo de um panorama informativo de cultura religiosa. Certamente
o filósofo da religião precisa de certo grau de informação acerca das crenças e formas
concretas de vida religiosa. No entanto, trata-se apenas de um ponto de partida, para que ele
se concentre na análise e discussão conceitual, que é o que se pode entender como uma
abordagem propriamente filosófica de um problema. Isso não significa que se rejeite
inteiramente o método de se discutir as concepções metafísicas e epistemológicas
eventualmente presentes nas diferentes doutrinas religiosas. De certo modo, é um pouco
5
Trato desse assunto com mais profundidade em Portugal (2010).
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Teologia, Religião e Filosofia da Religião - Algumas Distinções a partir de uma Crítica a Richard Dawkins
disso o que se faz quando se discute o conceito de Deus comum às grandes religiões
monoteístas. No entanto, mesmo nesse caso, os elementos crítico, especulativo ou de análise
conceitual são mais importantes num trabalho de filosofia da religião que a exposição das
concepções doutrinais ou a sistematização das experiências de uma determinada tradição
religiosa.
Assim, é possível distinguir filosofia, teologia e religião, mas certamente há grandes
zonas cinzentas entre esses conceitos, com intersecções e sobreposições que podem
frequentemente tornar difícil em certos casos concretos a distinção que se pretendeu
defender aqui. Em todo caso, como se diz popularmente, não é porque há crepúsculo e
amanhecer que não se pode claramente diferenciar o dia da noite.
4. Ainda Há Lugar para a Teologia num Mundo de Ciência?
Voltemos, então, à questão que Dawkins discutiu em sua carta. Teria a teologia ainda
algo a dizer em vista do avanço do conhecimento em ciências naturais? Na resposta que dei
acima, tentei mostrar que a própria carta em que o biólogo inglês apresentou suas ideias era
uma mostra do contrário daquilo que ele parecia defender, ou seja, na medida em que o que
ele estava fazendo não era um trabalho em ciências naturais, ficava claro que não se pode
pretender que essas encerrem todo o conhecimento que possamos ter sobre todas as
questões. Dawkins estava fazendo filosofia e mesmo que suas ideias filosóficas pretendam se
basear e defender o papel central das ciências naturais na compreensão humana da
realidade, isso não é o mesmo que fazer ciências naturais.
A observação acima, porém, só diz respeito a um dos lados do problema. Mesmo que
as ciências naturais não digam tudo sobre a realidade nem encerrem todo o conhecimento
que possamos ter, haveria ainda algum lugar para a teologia no panorama acadêmico do
mundo de hoje? Para responder essa questão, é melhor sermos um pouco mais precisos.
Tanto no contexto de Dawkins quanto em nosso contexto, talvez ajude a dar uma resposta
mais clara ao problema se nos restringirmos à noção de teologia cristã, que é a predominante
na história da cultura ocidental. Isso não significa que outras concepções de divindade de
outras culturas também não possam contribuir, mas o exercício argumentativo que tentarei a
seguir fica mais simples e de mais clara aplicação a outras tradições se for limitado ao
cristianismo, sem contar a inegável hegemonia dessa religião em nossa formação cultural em
quase todos os seus elementos fundamentais.
Para ser tida como uma área do conhecimento, a teologia precisa de credenciais que a
distingam de simples opinião por meio de um método ou conjunto de métodos de crítica e
justificação objetiva de suas teorias. Etimologicamente “teologia” seria simplesmente a
ciência de Deus, tal como a biologia é a ciência da vida, mas certamente a Teologia não é
científica como é a Biologia, pois esta última é uma ciência empírica, enquanto a Teologia lida
com algo que está para além da possibilidade de teste empírico. Embora as ciências formais,
como a Matemática e a Lógica tampouco tenham teorias sobre as quais caibam testes
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Teologia, Religião e Filosofia da Religião - Algumas Distinções a partir de uma Crítica a Richard Dawkins
empíricos, certamente a Teologia não é também uma ciência deste tipo, pois ela não se
resume a tautologias, estruturas formais ou simples relações de ideias, ou seja, ela se
pretende informativa sobre um tipo de realidade que não é tida como construção ideal
apenas.
Em grande medida, o trabalho básico do teólogo é de interpretar textos considerados
sagrados por uma comunidade de adeptos de uma tradição religiosa ou de reelaborar – no
sentido de sistematizar e colocar numa forma mais coerente – a experiência religiosa comum
dessa comunidade. Com base nessa interpretação textual e dessa sistematização, o teólogo
apresenta as doutrinas que constituem o credo dessa tradição e as orientações para o
aperfeiçoamento da experiência religiosa e para a vida em geral dos adeptos da tradição. Em
outros termos, o teólogo se dedica ao estudo de textos sagrados e da experiência religiosa de
uma comunidade e propõe uma compreensão da concepção de Deus e da relação deste com o
mundo, que sirva para o aprofundamento da experiência religiosa e para o aperfeiçoamento
da ação dos membros da comunidade. É na medida em que o trabalho de interpretação
textual se dá de forma crítica, bem fundamentada em conhecimentos históricos, geográficos,
dos idiomas originais e outros necessários para essa tarefa, e na medida em que a
sistematização doutrinal e pastoral se der de modo bem argumentado e coerente com as
fontes textuais e experienciais da fé que o trabalho do teólogo vai adquirir credenciais
epistêmicas positivas para ser considerado de uma área do conhecimento. Isso significa que,
embora não seja como as ciências naturais ou como as ciências formais, a teologia teria um
status epistemológico de discurso crítico objetivo, objeto de avaliação de uma comunidade de
pesquisadores especializados e, portanto, não trivial, ou seja, para além da opinião comum.
No caso de que estamos tratando, então, a teologia seria a área de conhecimento que
estuda a noção cristã de Deus e sua relação com o mundo, além de dar elementos para
orientar a prática de seus adeptos de forma coerente com essa noção, mas o seu estudo pode
ser de interesse mesmo daqueles que não são cristãos. Assim, na concepção apresentada
aqui, estudar teologia serviria para entender o cristianismo tal como visto a partir de si
mesmo em termos de seus ideais (em contraste com o cristianismo que se deu ou se dá
historicamente, que seria da área de estudo do historiador ou do sociólogo). Desse modo, o
estudo da teologia se justifica na medida em que é importante entender como o cristianismo
se autocompreende fundamentalmente e na medida em que é importante saber o que ele
propõe sobre diferentes dimensões da vida. A importância do cristianismo no debate sobre
essas variadas questões tem pelo menos três facetas: uma primeira seria a influência
histórica deste nas instituições e concepções atuais, a segunda estaria na influência social e
cultural que ele tem no mundo de hoje e a terceira se liga à contribuição que o cristianismo
pode dar para a melhor compreensão de um assunto em termos conceituais, independente de
seu papel na história e na sociedade atual.
A importância histórica do cristianismo na formação das mais importantes
instituições e valores da civilização ocidental é tão fundamental que deveria prescindir de
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Teologia, Religião e Filosofia da Religião - Algumas Distinções a partir de uma Crítica a Richard Dawkins
defesa. No entanto, livros como How the Catholic Church Built Wester Civilization, de (Woods,
2012) e Religion and the Rise of Modern Science (Hooykaas, 1972) – para dar apenas dois
exemplos – cumprem um papel importante na lembrança de que, sem o cristianismo (nas
suas diferentes denominações), a civilização ocidental não teria a ciência moderna, a
economia de mercado, os direitos humanos e muito de suas ideias fundamentais, de suas
artes plásticas, música e literatura.
Contudo, apesar de previsões catastróficas como as de Freud em O Futuro de uma
Ilusão (1927) ou do capítulo final de Darwin's Dangerous Idea (1995) de Daniel Dennett, o
cristianismo não é importante só por seu passado, que deveria ser respeitado como uma
venerável peça de museu. Sua presença no mundo de hoje é um fato que não pode ser negado.
Embora essa presença na vida pública já não seja a que teve alguns séculos atrás, não se pode
negar a força política e social do cristianismo não só em países como o Brasil, onde quase a
totalidade da população se declara cristã, mas também nos Estados Unidos e mesmo no
6
secularizado Reino Unido e até na oficialmente ateia China . Não deixa de ser curioso como o
próprio Richard Dawkins reconhece essa força ao propor a manutenção de costumes e
celebrações de origem cristã como o Natal e a leitura da Bíblia, mesmo numa suposta cultura
de base científica e pós-cristã, que ele antevê ou propõe em seu The God Delusion (2006, p.
344). Uma força social e política como essa não pode ser negligenciada e a Teologia tem muito
a contribuir para sua compreensão.
Mas não é apenas por fatores históricos ou sócio-político-culturais que o estudo do
cristianismo (e da Teologia como entendimento deste a partir de si mesmo em termos ideais)
se justifica. Desde o final dos anos 1960 em diante, vem crescendo na filosofia contemporânea
um movimento no sentido de encontrar em teses teológicas de origem cristã ou da concepção
teísta de Deus em geral elementos para responder problemas conceituais de fundamento.
Trata-se de uma inversão da ideia medieval de filosofia como serva da teologia e, nesses
tempos de forte secularização do meio acadêmico-científico, é possível que seja o máximo
que se possa esperar de colaboração positiva entre Teologia e Filosofia. Devido a limites de
espaço, vou indicar brevemente alguns exemplos apenas. Em filosofia política, diante dos
impasses enfrentados pelo multiculturalismo, o relativismo de valores e a perda de
legitimidade das instituições, Roger Trigg recentemente propôs um resgate das bases cristãs
dos principais conceitos políticos ocidentais como igualdade, respeito à diversidade e
direitos humanos em Religion in Public Life (2007). Não se trata de propor uma teocracia ou
coisa do tipo, obviamente, mas de ver que noções tão caras e fundamentais do pensamento
político moderno e que têm origem cristã não precisam ser jogadas fora numa cultura política
secular e ao lidar com pessoas e grupos pertencentes a culturas não ocidentais. Um segundo
exemplo se refere ao problema das bases metafísicas da ciência moderna, ou a questão acerca
do tipo de concepção geral de mundo que seria mais apropriada para o estabelecimento e o
florescimento da ciência moderna. A esse respeito, Alvin Plantinga (2011) faz ao mesmo
tempo uma forte crítica do naturalismo ontológico – o tipo de ontologia predominante no
6
Segundo matéria recente do Daily Telegraph (2014), a continuar no ritmo das últimas décadas, a China deverá ter algo próximo a
duzentos e cinquenta milhões de adeptos em 2030, tornando-se o país com a maior população cristã do mundo.
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Teologia, Religião e Filosofia da Religião - Algumas Distinções a partir de uma Crítica a Richard Dawkins
meio acadêmico-científico atual – e uma defesa do teísmo cristão. Este último seria uma
teoria geral da realidade muito mais adequada para uma atividade que supõe tanto um
mundo ordenado quanto a possibilidade de que o esforço intelectual humano possa entendêlo. Em filosofia da mente, uma área particularmente dominada por propostas naturalistas,
timidamente o dualismo de substância – como o de Richard Swinburne (2013), que prefere
chama-lo de “dualismo interativo” – vem aos poucos, desde uma base teísta, mostrando que
ainda tem a contribuir para pensar melhor sobre problemas difíceis como o significado da
consciência e sua relação com eventos e entidades físicas.
Por fim, gostaria de mencionar uma contribuição nesse esforço de apresentar
respostas de origem teológica para problemas filosóficos que tem a ver com o início deste
artigo: o problema das nossas origens. Refiro-me ao esforço do teólogo norte-americano John
Haught para mostrar que a explicação das ciências naturais não é a única que há para uma
diversidade de fenômenos como a ética e os valores, a ação intencional e mesmo a origem da
vida. A respeito desta última questão, a teologia apresenta a ideia de que a vida tem origem na
criação de Deus. Descartando-se a interpretação literal criticada acima, o que isso poderia
significar? Segundo Haught, podemos falar, de um lado, da enorme dificuldade de se explicar
esse fenômeno (simbolizada pelo fato de que Deus mesmo é, no fim das contas, um mistério
inescrutável) e, de outro lado, que vida tem características tais que fazem pensar em razões
adicionais às causas materiais para sua origem (Haught, 2006). Assim, em primeiro lugar, o
tema é particularmente complexo a ponto de haver várias teorias postuladas e nenhuma
delas dispor de corroboração clara, ou seja, toda a aparência de haver uma explicação simples
e pacificada sobre esse assunto que Dawkins sustenta em sua carta não tem fundamento.
Mas, mesmo que se consiga achar uma teoria claramente corroborada, a explicação
teológica ainda contribui no sentido de mostrar o caráter extraordinário da vida em um
universo conhecido composto quase que inteiramente de matéria inorgânica. Voltada para o
que pode ser estudado objetivamente, a ciência toma o que é desprovido de vida como o que
pode ser conhecível por excelência e, portanto, deve ser tido como o verdadeiro fundamento
da realidade. A vida é uma exceção desviante, que a ciência procura explicar em termos do
que não tem vida, ou seja, uma explicação da vida em termos padrão, de grande aceitabilidade
científica, seria por redução à química e à física, como vimos Dawkins dizer em sua carta.
O problema é que a vida é evidentemente diferente da matéria inorgânica, embora
seja também regida pelas leis da química e da física e seja composta de substâncias desse tipo.
A dificuldade com a qual o naturalista deve lidar é a de explicar o salto que a natureza parece
ter dado ao dar origem à vida. A explicação naturalista se refere normalmente à noção de
informação, no sentido de um conjunto de instruções necessárias para formar um padrão
específico como o que temos no DNA ao se replicar. O problema, porém, apenas se transfere: e
de onde veio essa informação codificada na célula? Para Haught:
O processamento de informação que codifica os resultados específicos na
vida orgânica, não importa quão gradual tenha sido sua chegada à terra e
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Teologia, Religião e Filosofia da Religião - Algumas Distinções a partir de uma Crítica a Richard Dawkins
não importa quão simples eram as primeiras células, torna a vida descontínua lógica e ontologicamente com o mundo inanimado. (Haught, 2006, p.
65)
É claro que o DNA é ainda explicável em termos químicos e físicos, mas a informação
que sua sequência específica traz não é logicamente redutível à química e à física, e esse é um
grande problema a ser enfrentado pelas ciências naturais nesse assunto.
Haught faz questão de frisar que não se trata de a teologia propor Deus como uma explicação
alternativa à explicação científica do surgimento da informação num mundo de física e
química. Cabe à ciência tentar explicar esse surgimento, não à teologia. É por isso que ele
suspeita de teorias pretensamente científicas como o design inteligente, pois podem ser
teologicamente suicidas ao ligar demais fatos objetivos à ação divina, ao colocar a ação de
Deus na linha da série de fatores causais objetivos. Por outro lado, ele entende que o modo
como a informação surgiu no mundo material é uma boa analogia do modo como pode haver
uma influência operando na natureza que não é redutível à força material comum. É possível,
assim, falar que a vida não é resultado de processos físicos e químicos apenas. É algo natural,
mas não puramente material e, ao mesmo tempo, não suspende as leis físico-químicas em
vigor. Nesse sentido, a teologia se proporá oferecer uma explicação em termos de causa
primeira, de um poder e inteligência infinita, que permite e suscita o surgimento de algo
complexo e excepcional como a vida. Isso deixa as ciências livres para buscarem causas
segundas naturais. A consequência disso é a teologia permitindo dar sentido ao mistério
fascinante na questão da emergência da vida e abrindo a possibilidade para que ele possa ser
explicado cientificamente. Por sua vez, a ciência poderá reconhecer na metáfora teológica
que a explicação científica tem diante de si uma imensidão encantadora e sempre desafiadora
para lidar.
Seria isso trivial e óbvio como diz Dawkins em sua carta? Por um lado, claramente não
é nem uma coisa nem outra, pois temos acima exatamente o contrário de um pensamento que
defende o cientificismo e o naturalismo ontológico que ele parece defender em seu texto. Por
outro lado, talvez o seja para quem já está imbuído de valores e crenças metafísicas
fundamentais para as ciências naturais. Porém, é preciso lembrar que sua origem remonta
aos postulados teístas de que o mundo é ordenado e que nossa inteligência é capaz de
entendê-lo em alguma medida. Assim, como tentei defender neste texto, a teologia pode nos
ajudar a entender a origem de ideias que estão no alicerce mesmo da atividade científica e de
outros traços essenciais de nossa cultura, pode nos ajudar a entender muito do que se pensa e
se faz em vista da influência do cristianismo no mundo de hoje e pode nos ajudar a dar
respostas para problemas filosóficos sempre difíceis e desafiadores. Em outras palavras, se
parece trivial e óbvio é porque essas ideias já são pressupostos arraigados e, nesse caso, fazse necessário um trabalho de revelar as origens conceituais e históricas desses pressupostos;
um trabalho que, em grande parte, pelo menos, cabe ao teólogo.
Sem dúvida, as respostas da teologia para a compreensão de nossas origens são
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Teologia, Religião e Filosofia da Religião - Algumas Distinções a partir de uma Crítica a Richard Dawkins
problemáticas, mas pelo menos não negam aquilo mesmo que elas estão fazendo ao falarem
desse assunto.
5. Bibliografia
ARISTÓTELES. Protréptico. Una exhortación a la Filosofía. Madrid: Abada, 2010.
BEILBY, James (ed.) Naturalism Defeated? - Essays on Plantinga's Evolutionary Argument
Against Naturalism. Ithaca, NY: Cornell University Press, 2002.
DAWKINS, Richard. The God Delusion. New York: Houghton Mifflin, 2006.
HAUGHT, John. Is Nature Enough? Meaning and Truth in the Age of Science. Cambridge:
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HOOYKAAS, R. Religion and the Rise of Modern Science. Edinburgh: Edinburgh University
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KIRK, G. S. & RAVEN, J. E. Os Filósofos Pré-Socráticos. Calouste Gulbenkian: Lisboa, 1990.
MARKHAM, Ian S. (ed.). A World Religions Reader. Oxford: Blackwell, 1996.
OTTO, Rudolf. Das Heilige. München: C. H. Beck, 1997 [1917].
PLANTINGA, Alvin. Where the Conflict Really Lies. New York/Oxford: OUP, 2011.
PORTUGAL, Agnaldo Cuoco. Bertrand Russell e o debate atual sobre Fé e Razão. Síntese (Belo
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________________________. Filosofia Analítica da Religião como Pensamento Pós-"Pós-Metafísico".
Horizonte: Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião (Belo Horizonte), v. 8 (16), p.
80-98, 2010.
REA, Michael. World Without Design – The Ontological Consequences of Naturalism. Oxford:
Oxford University Press, 2002.
REPPERT, Victor. C. S. Lewis's Dangerous Idea. Downers Grove, IL: IVP Academic, 2003.
SWINBURNE, Richard. Mind, Brain and Free Will. Oxford: OUP, 2013.
TRIGG, Roger. Religion in Public Life. Oxford: OUP, 2007.
WOODS, Thomas E. How the Catholic Church Built Western Civilization. New York: Perseus,
2012.
http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/asia/china/10776023/China-on-courseto-become-worlds-most-Christian-nation-within-15-years.html, acessado em 4 de maio de
2014.
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A filosofia hebraica de Franz Rosenzweig
A filosofia hebraica de Franz Rosenzweig
Maria Cristina Mariante Guarnieri (*)
Resumo:
Franz Rosenzweig (1886-1929) é considerado por muitos autores como um grande expoente do
pensamento judaico. Iniciou seus estudos em medicina, mas aos vinte anos assume seu interesse por
história e pela filosofia e, em 1908, inicia a sua tese de
doutorado sobre a filosofia de Hegel. Paralelamente às
pesquisas sobre Hegel, Rosenzweig experimenta a
possibilidade de converter-se ao cristianismo, mas
descobre nessa busca que essa conversão não era
mais necessária. Começa a seguir os cursos de
Hermann Cohen com o intuito de redescobrir o significado das raízes judaicas. Este é o início de sua
reflexão sobre a questão teológica: um “novo pensamento” que possui como categoria fundamental a
Revelação. Rosenzweig utiliza o judaísmo como
método, o que faz dele um pensador religioso; seu
pensar sobre o problema teológico busca, conceitualmente, uma direção menos dependente da Grécia.
Nossa intenção nesse ensaio é tratar do encontro
entre filosofia e teologia no pensamento de Franz
Rosenzweig e seus desdobramentos na questão do
conhecimento.
(*) Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo - PUC/SP
Palavras chave:
Filosofia, Teologia, Conhecimento, Diálogo, Franz
Rosenzweig
O Judaísmo é meu método,
não meu objeto.
Franz Rosenzweig
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A filosofia hebraica de Franz Rosenzweig
Diante de sua própria experiência como judeu, historiador, e intelectual que se
encontrava no debate com o racionalismo do início do século XX, Rosenzweig estabelece uma
forte crítica à modernidade, enfatiza a importância da linguagem e do diálogo, que acontece
na situação concreta, que é limitada pelo tempo e pelo espaço. Leora Batnitzky (2011)
analisa a complexa relação do judaísmo com questões modernas que nos trouxeram os
termos de nação, cultura e religião. Ao se perguntar sobre como teria sido a trajetória do
judaísmo para se tornar uma religião, Batnitzky analisa as diversas tensões conceituais
presentes nesse processo. Para autora, Martin Buber e Rosenzweig são responsáveis pela
ênfase ao retorno à uma vida autêntica que foi bloqueada pela modernidade. “Experiência, e
não racionalidade, eles argumentam [Buber e Rosenzweig], é a base da vida judaica.”
(Batnitzky, 2011, p.73)
O que estamos chamando de filosofia hebraica em Rosenzweig é o que faz dele um
pensador religioso, isto é, ao afirmar utilizar o judaísmo como método, o pensamento do
autor sobre o problema teológico está buscando, conceitualmente, uma direção menos
dependente da Grécia. Nossa intenção nesse texto é tratar do encontro entre filosofia e
teologia no pensamento de Franz Rosenzweig e seus desdobramentos na questão do
conhecimento.
O judaísmo como experiência
O renascimento do pensamento judaico no séc. XX, que está intimamente ligado com a
emancipação política dos judeus a partir do Iluminismo na Europa, trouxe como resultado
prático a submissão de muitos judeus a assimilação cultural e a integração social. Sem
dúvida, uma ruptura com as próprias raízes, vivida por Rosenzweig como uma crise, que
criará uma tensão significativa em seu trabalho intelectual.
A conversão ao cristianismo era o caminho natural no processo de assimilação e
Rosenzweig, tal como os fundadores da fé cristã, decidiu trabalhar nessa conversão buscando
um conhecimento maior sobre o próprio judaísmo. Rosenzweig passou a freqüentar os
serviços sinagogais que o levaram a uma intensa experiência, vivida solitariamente, no Yom
Kippur de 1913. A decisão de não mais se converter, tomada após essa experiência, é relatada
em uma carta para seu primo Rudolf Ehenberg, onde ele conclui que havia se tornado
impossível a conversão e que permaneceria judeu.
1
Em carta a Friedrich Meineck e ele relata um pouco dessa sua experiência:
Em 1913, ocorreu-me algo, quando tenho de falar a respeito, indico com o
termo “desmoronamento”. Achei-me de repente num campo em ruínas, ou
melhor, dei-me conta de que o caminho percorrido até então levava à
irrealidade. Era justamente o caminho que me indicava apenas o meu talento,
ou talvez os meus talentos. Experimentei, assim, a falta de sentido de um tal
1
Friedrich Meinecke foi orientador de Rosenzweig e seu trabalho sobre o desenvolvimento da ideia de nacionalismo na
Alemanha desde o século XIII, serviu de inspiração para o doutoramento de Rosenzweig, cujo título é Hegel und der Staat,
apresentada em 1912 e publicada em 1921.
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A filosofia hebraica de Franz Rosenzweig
império dos meus talentos, aos quais eu passivamente me submetia. Tinha
horror de mim mesmo [...] Recordo como sendo sinistra a minha insaciável
fome de formas, uma fome sem objetivo nem significado, impulsionada
unicamente por si mesma. O estudo da história teria servido apenas para
aplacar a minha fome de formas, e nada mais. Entre os fragmentos dos meus
talentos, comecei a procurar a mim mesmo, entre a multiplicidade das coisas,
o Uno. Cheguei, assim, [...] a descer aos subterrâneos de minha existência,
aproximando-me do antigo cofre do tesouro de minha vida, de que nunca me
esquecera [...] finalmente o encontrara, um tesouro de minha posse pessoal,
uma coisa herdada, não tomada emprestada. Ganhando, ganhara algo de
inteiramente novo, ou seja, o direito de viver e de até ter talentos; agora era eu
que tinha talentos, não eles que me tinham.(ROSENZWEIG apud Emilio
BACCARINI, in PENZO; GIBELLINI, 2002, p.276)
A experiência que reafirma o judaísmo de Rosenzweig é sentida como um
desmoronamento, algo impactante que inverte sua compreensão da realidade, O pensador
inquieta-se com a possibilidade de ser definido como um objeto – talento – e descobre que sua
fome insaciável de formas apenas reclamava o desejo de ser. É a busca de si próprio, que se dá
entre e a partir dos fragmentos que restou da sua ilusão de ser; é a presença da própria
angústia em sua máxima atividade, expressão afetiva que se transformará em tensão
intelectual claramente observada em seu “novo pensamento”2 .(Cf. GUARNIERI, 2011,pp.908)
Ao decidir permanecer judeu, o exercício de filosofar exigia um outro modo de pensar,
uma nova forma de conceber a realidade: a nova filosofia implicaria em um pensamento
contaminado pela realidade. Esse “novo pensamento” marca um distanciamento do
pensamento a partir de categorias de essência, algo próprio do pensamento grego e como
historicamente se deu a evolução da abordagem do real. Como essência, ele se refere ao
conceito que, como um universal, abarca todo o particular. E conclui que três elementos
escapam à essa abordagem: Deus, Mundo e Homem são conceitualmente pouco acessíveis ao
nosso conhecimento. A única possibilidade de sabermos um pouco mais desses três
elementos é a partir da própria experiência.
A angústia da morte como fim das ilusões
Justamente para garantir o movimento da vida, Rosenzweig terá na reflexão sobre a
morte o aparelho crítico necessário para a tentação da razão. É na constatação de que todo
mortal vive a angústia da morte e que grande parte da filosofia se constrói a partir da negação
das angústias do terreno, que o pensador apontará a necessidade da filosofia de integrar a
morte em um sistema especulativo. Uma tentação que será inevitavelmente vencida pela
própria experiência concreta, que inviabiliza a racionalização da morte em um sistema de
pensamento.
2
O novo pensamento –Das neue Denken – é também título de um pequeno livro de 1925, escrito como prefácio a posteriori à
Estrela da Redenção, esta publicada em 1921. O novo pensamento é a denominação dada ao seu método filosófico que descreve o
sistema de correlações que o “senso comum” experimenta na concretude da existência.
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A filosofia hebraica de Franz Rosenzweig
A auto-suficiência da razão constrói um sistema da totalidade; o novo pensamento
constrói um sistema de correlações que o “senso comum” experimenta na concretude da
existência. “O sentido comum saudável é a fé na vida tal como esta é no dia a dia, em seu
aspecto mais comum e, sobretudo, precisamente como é limitada pelo nascimento e a morte.”
(Rosenzweig, 1997, p.17)
Rosenzweig entende a “metafísica” como uma forma exagerada da doença a que todos
estamos sujeitos e, seguindo essa ideia, analisa a história da filosofia e nos mostra que toda
vez que se buscou responder questões sobre o ser, isso foi feito por meio de uma redução da
complexidade real a um único elemento que, então, se tornou o fundamento último. Assim, a
filosofia antiga reduz Deus e o homem ao mundo, o que resulta em uma perspectiva
cosmológica; a Idade Média reduz o homem e o mundo a Deus, perspectiva teológica; e a
Idade Moderna tem reduzido Deus e o mundo ao homem, o que nos coloca em uma
perspectiva antropológica.
O confronto entre pensamento e realidade, presente em toda obra do autor, torna-se
o tema central de um pequeno livro – e por esse motivo conhecido como o Livrinho entitulado Das Büchlein vom gesuden und kraken Menschenverstand - O Livrinho da saúde e da
doença do senso comum, ou entendimento humano, escrito em 1922. Essa obra é resultado de
seminários que Rosenzweig conduziu na Freies Jüdischen Lehrhaus (Casa livre de estudos
3
judaicos) e sua redação foi pensada para um círculo pequeno de leitores, mais interessados
no conteúdo de seus pensamentos que explicitavam de forma clara e direta a primeira parte
da Estrela da Redenção, sua obra principal, publicada em 1921.
O filósofo paralisado
No Livrinho, o autor utiliza a doença e a saúde como metáfora para nos contar,
ironicamente, a história de um filósofo que adoece e é atacado pela paralisia da razão, pois
descobre a impossibilidade de definir o “ser em si” das coisas. O filósofo enfermo, ao qual
Rosenzweig se refere, busca saber, por exemplo, a essência de um pedaço de queijo e
desenvolve uma série de argumentos sobre o tema até perceber-se paralisado: partindo do
relato do ataque, passa pelo diagnóstico e finaliza com uma surpreendente proposta
terapêutica que pretende devolver o funcionamento normal da razão, isto é, uma razão que,
saudável, não pode negar a sua condição finita.
No início do livro, ao descrever o ataque que sofre o filósofo, o autor aponta – e reconhece – a capacidade humana de assombrar-se diante da vida. Essa capacidade o levará a
ideia de Menschenverstands4 que nos remeterá a condição de um pensamento que está ligado
ao tempo, que se deixa engolir pelo fluir da vida.
O seguir vivendo acaba por dissolver a rigidez do assombro. Já o filósofo não
pode esperar, ele não permite que o assombro se dissolva na vida. Ele retira o
que assombra do fluir da vida e “pára para pensar”[ Er denkt nach] sobre o
tema que é sujeito quando o assombro está entregue ao fluir da vida, tornan3
Fundada pelo próprio Rosenzweig em 1920, em Frankfurt, e logo se converte no centro intelectual do judaísmo alemão. Foram
professores da casa Martin Buber, Scholem, Fromm. Ver o discurso de abertura feito por Rosenzweig na abertura da Casa. (Cf.
ROSENZWEIG in GLATZER, 1969, p.573-79).
4
Menschenverstands pode ser traduzido como senso comum, bom senso, inteligência humana, entendimento humano.
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
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A filosofia hebraica de Franz Rosenzweig
do-se objeto quando retirado dela: torna-se objeto do pensar. (GUARNIERI,
2011, p113)
O filósofo, portanto, não permite que o assombro seja dissolvido no movimento da
vida; ele o retira do fluir da vida e se detém em estado de paralisação. O filósofo transforma o
assombro em objeto (o que antes pertencia ao fluir da vida, agora tem uma imagem estática) e
se pergunta pela essência; desta pergunta emerge o conceito.
Filosofar torna-se, então, a doença e o filósofo, o doente. E este doente recusa
a perceber que as coisas não têm “em si”. E mais, recusa a perceber que tudo,
incluindo ele próprio, está mergulhado no fluir da vida e que esta é finita.
Constatar este movimento da existência é perceber-se caminhando com a
angústia.(GUARNIERI, 2011, p.114)
O termo angústia é utilizado por nós no sentido kierkgaardiano: angústia que se
origina na percepção do limite, que marca inexoravelmente a vida humana. A angústia é ao
mesmo tempo um sentimento diante da existência como limite, mas é também produtora de
movimento, dado que ela indica a infinita possibilidade de ser, algo que impele o ser humano,
através de suas escolhas, se tornar si-mesmo.(Cf. Kierkegaard s/d) Porém, a angústia que
Rosenzweig aponta na conclusão do Livrinho é uma angústia não mais do processo de
escolha, mas do passo que foi dado, da escolha que já foi feita. Esta pequena diferença no trato
com a questão da angústia indica uma diferença fundamental entre as duas tradições –
judaísmo e cristianismo – que não poderá ser aprofundada aqui.
Mas quando se considera o judaísmo, a partir da constatação filosófica de que Deus
faz o que quer, não há questões de bem ou mal, a eleição é o dado mais importante, seguir a lei
garante não só o bom relacionamento com Deus, mas intermedia a relação entre physis e
techné. O nome de Deus, que não se deve nem pronunciar, aponta para definição daquilo que
é: “Aquele que sempre foi” ou “que sempre será”, “Aquele que sabe ser e se revela”, o criador
que é, indica que nós, não somos. Portanto, ele cria do nada, o que aponta o Abismo como a
realidade de onde fomos tirados e, nesse sentido, dependente desse ser supremo. Para nós
resta a obediência, reverência, e não há porque nos angustiar. Porém, Rosenzweig lembra que
observar as leis é um meio de atender o chamado que Deus faz à seu povo, mas que mesmo
assim, há espaço para angústia, como já citei acima. A vida flui do nascimento até a morte. E
nesse movimento, cada passo vai acompanhado pela angústia; a angústia que se torna
decepção, e a decepção que se torna cansaço. (Cf. ROSENZWEIG, 1992, pp.114-5) Assim
percebemos o nosso próprio vazio ontológico e não há como recuperar o movimento da vida
sem enfrentarmos nossa condição de angustia.
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
30
A filosofia hebraica de Franz Rosenzweig
Método judaico
Como podemos observar, para o autor, a busca do conhecimento não se faz sem
angústia e isso está intimamente ligado a sua afirmação do uso do judaísmo como método. A
atividade cognitiva, para Rosenzweig, não possui uma forma estática, mas é um processo
contínuo que se dá através do diálogo. Diálogo este que passa a ser o lugar da ação, pois falar
está ligado ao tempo e requer que o outro – concretamente – escute e se manifeste sem que
você saiba de seu pensamento; na realidade, sem que se saiba como ocorrerá o encontro, e é
nesta tensão que se entende que o pensamento deve fluir, sem que se saiba onde irá parar.
Homem, mundo e Deus participam neste diálogo e, desta forma, constituem a realidade.
Contingência e tempo são as marcas dessa realidade que no pensamento de Rosenzweig
desdobrará em um curioso pragmatismo sustentado pela presença de Deus.
A própria linguagem – o hebraico- aponta o fluxo do pensamento. Marcelo Dascal, a
partir de seus estudos na filosofia da linguagem e de seu interesse na questão das
5
controvérsias, descobrirá o Talmud . E não só, pois observará, através de suas pesquisas, a
importância do debate para o desenvolvimento do pensamento, algo básico no judaísmo, mas
que ele diz encontrar em outras tradições. Em entrevista Dascal comenta que o
Talmud é o primeiro texto sagrado em que se conserva não só a opinião da
maioria que vence, mas também a da minoria. Isso é o reconhecimento, representado pelo “Deus vivo”, de que o saber e a verdade estão continuamente em
construção em um trabalho dialético-cooperativo de todos, que é o grande
empreendimento criativo da humanidade. Para esse empreendimento, você
tem que preservar todos os fragmentos de verdade, inclusive aqueles que são
a minoria naquele momento. (DASCAL,2009, p.103)
A lei é estabelecida pela Torá, mas sua interpretação fomenta uma série de discussões
que buscam a compreensão dessa lei. Uma (re)criação da própria lei que implica em uma constante e inevitável busca da verdade; um construção e descontrução de conhecimento ao qual
somos impelidos na medida em que buscamos compreender a realidade. Buscamos uma
normalização cognitiva, usando a própria linguagem para tal feito, mas sofremos com uma
dissonância cognitiva (Cf. SMITH, 2002, p.14) que, se soubermos aproveitar, poderá nos
lançar no fluxo do movimento do conhecimento.
A angústia que esse movimento inevitável da vida nos apresenta é a nossa
insuficiência no busca de apreender a verdade sobre o real. Angústia que, na questão do
conhecimento, se apresenta como tensão intelectual e cognitiva do pensador (Cf. GUARNIERI,
2011) e é experimentada por Rosenzweig na própria dificuldade em conhecer Deus, mundo e
homem. Diante dessa constatação, o filósofo judeu afirmará que esse conhecimento só é
possível na correlação desses elementos e, portanto, só poderá se dar na pragmática da vida,
no embate do sujeito que fala e é ouvido por outro, que o indagará nessa escuta. Incluindo a
relação Deus e ser humano, que diferentemente de Buber, terá no mandamento, isto é, na
5
Talmud é o registro das discussões rabínicas que pertencem à lei, à ética, aos costumes e à história do judaísmo. Compreende a
Mishná, que constitui o primeiro compêndio da Lei Oral judaica, e o Guemará, que forma a base dos códigos da lei rabínica,
contendo discussões da Mishná e dos escritos dos tanaítas - mestres, educadores ou transmissores da tradição.
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
31
A filosofia hebraica de Franz Rosenzweig
resposta ao mandamento a garantia do diálogo Deus e ser humano. As discussões do Talmude
são apenas uma amostra do exercício necessário na busca de compreender o mandamento
divino.
A tensão está posta no judaísmo desde as primeiras discussões. Onde estaria a
supremacia do judaísmo, em agadá (parte lendária, espiritualidade) ou halachá (parte da
lei)? Nos hinos e Salmos ou na Torá? Um outro pensador judeu, Abraham J. Heschel (2006),
parte da análise das duas escolas, a de Rabi Akiva e Rabi Ishmael, para observar que é na
tensão entre elas que se constrói, por exemplo, a exegese da Torá. Haveria, então, uma
dialética entre oposições, sem que nenhuma delas seja menos importante. Nas diferentes
abordagens, rabi Akiva é como uma relação mística com o divino, e em rabi Ishmael há uma
perspectiva racionalista. O próprio Heschel nos fala: “A consciência e a vida judaica só podem
ser compreendidos em termos de um padrão dialético que contenha propriedades opostas
ou contrastantes.” (2006, p.163) No coração do judaísmo já encontramos a polaridade: de
ideia e acontecimentos; do mitsvá (mandamentos bíblicos) e do pecado; do kavaná
(intenções) e das ações; da halachá e da agadá; da fidelidade e da espontaneidade; da
uniformidade e da individualidade; da lei e da espiritualidade; do amor e do temor; da
compreensão e da obediência; da alegria e da disciplina; do impulso do bem e do mal; do
tempo e da eternidade; deste mundo e do mundo que virá; da revelação e da reação; do
discernimento e da informação; da empatia e da auto-expressão; da crença e da fé; da palavra
e do que está além da palavra; é, como diria, Heschel, da busca do homem por Deus e de Deus
em busca do homem.
Revelação como categoria
O “novo pensamento” não só se utiliza do judaísmo como método, como afirma o
próprio Rosenzweig, mas tem como categoria fundamental a Revelação. E, para tratar dessa
categoria, precisamos abordar um pouco mais a ideia de milagre para o autor.
O milagre visto como prova da verdade revelada, é importante, para Rosenzweig,
tanto para a antiguidade pagã quanto para a antiguidade cristã. O milagre como sinal é um
segundo ponto que será analisado pelo pensador, pois, no seu entender, esse milagre
ultrapassa a visão que poderíamos entender como mágico-pagã. O milagre com sinal emerge
da revelação bíblica e tem a função de sinalizar, de mostrar um poder extraordinário. Nele
encontramos a profecia do milagre e a realização desse. Sendo que a profecia aqui é que
diferencia esse estádio, pois o profeta, segundo o próprio Rosenzweig, apresenta aquilo que
está sendo sinalizado por Deus, o que implica em uma ação da Providência.
Outra discussão apresentada pelo autor é a relação do milagre e da natureza, pois
esse em geral é visto como um desvio das leis da natureza. Rosenzweig fará um esforço para
apontar, tal como Agostinho, que o milagre possui um caráter misterioso, que nos revela que
há um espaço na natureza que só é conhecido por Deus. Mas não podemos deixar de observar
que a própria noção de natureza no judaísmo também pode ser discutida.
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
32
A filosofia hebraica de Franz Rosenzweig
Tomemos a narrativa de Jó como ilustração. Sabemos, resumidamente, que Jó perdeu tudo,
inclusive o sentido da própria vida. Seu sofrimento vai até o desejo de morrer e nada lhe
serviria de consolo, só ver Deus face a face, para entender o porquê ele estava sofrendo. Mas o
grande aprendizado de Jó é que Deus não está submetido a nenhuma categoria humana, isto
é, não pode ser transformados em conceitos:
“Mas Ele decide; quem poderá dissuadi-lo?
Tudo que Ele quer, Ele o faz.
Executará a sentença a meu respeito
Como tantos outros de seus decretos.
Por isso fico aterrorizado em sua presença,
Sinto medo só em pensar;
Porque Deus me tem intimidado,
Me tem aterrorizado o Todo-poderoso”! (23,13-16)
Toda a narrativa é apresentada como a expressão da vontade de Deus. Jó nos mostra
que o homem não tem direito de ir contra Sua vontade; é Ele o criador e aquele que sustenta o
mundo. Tudo só existe porque Deus quer. Natureza, portanto, é hábito, costume, do que é
convencionalmente acertado e sustentado pela tradição. Para o judaísmo não há o conceito de
natureza; o que se chama de natureza é a dependência contínua do criador.(Cf. SALDARINI e
KANOFSKY, in NEVILLE, 2001, p.101-104) Portanto, a ideia de autonomia do ser humano,
assim como da razão e do conhecimento, é ilusória. E, nesse sentido, a angústia filosófica não
teria sentido, apenas indicaria a necessidade da fé. A fé não precisa do pensamento do ser.
O fato de existir uma natureza é o que possibilitaria pensar em um conhecimento
objetivo das coisas. Mas, ao admitir a não autonomia de nada, dado que não há conceito de
natureza, estaremos nos referindo a ideia de que a permanência do que existe só é possível
porque Deus quer.
O milagre é sinal, revela a misteriosa presença divina, mas também pede um
reconhecimento histórico que será dado pelo testemunho. Pelo testemunho que vemos
através dos indícios e provas de um milagre, pelo testemunho daqueles que viram o
acontecimento, mas também pelo martírio, o que para Rosenzweig é o testemunho autêntico,
geralmente dado por aqueles que defendem a sua fé no milagre com o próprio sangue. Mas
toda essa fenomenologia busca recuperar no texto o que ele entende como milagre central: a
revelação: o milagre por excelência é o próprio evento da revelação. A revelação
compreendida, poderíamos dizer, de duas formas: na relação entre Deus, mundo e ser
humano, como também na relação de amor entre Deus e ser humano. É a revelação que
estabelece o diálogo Deus e ser humano.
Para Rosenzweig tudo isso é passível de ser experimentado a partir do que
poderíamos chamar de presentidade, isto é, não podemos descrever a criação-revelação-
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
33
A filosofia hebraica de Franz Rosenzweig
redenção como um processo já acontecido, visto como algo externo e objetivo, mas sim de
uma experiência vivida como ocorrência histórica-existencial que nos afeta no presente.
A Estrela: teologia e filosofia
Em sua obra maior A estrela da Redenção encontramos a expressão da tensão vital
entre o nada e o ser. Para o autor, o nada não é irreal, ele é impensável. A morte estabelece uma
relação entre o pensar e o real na qual o real vem antes do pensar: não há identificação entre
ser e pensar, fundamento de toda a totalidade pensada e expressão do que ele denomina de
“velha filosofia”.
Na Estrela da Redenção o conceito de verdade, segundo Rosenzweig, não garante nem
preserva a realidade. Mas, ao contrário, é a realidade que garante e preserva a verdade. “De
Deus não sabemos nada. Porém este não saber é não saber de Deus. Como tal, é o princípio do
nosso saber Dele. O princípio, não o final.” (ROSENZWEIG,1997, p.63) Para o autor, partimos
do nada. Diante do nada, duas vias se apresentam: a do sim e a do não. Deus é ato, e o ato rompe
o nada. É a criação, o sim, a ação que se abre na perspectiva do acontecer. Ao perguntarmos
pela essência, nos perguntamos pela origem; a propósito do ato, por seu princípio. A vida da
negação – o nada – o não é a resposta. E, neste caso, não pode ser o começo, pois indica algo –
“algo fica morador do nada”. Esse algo, dessa forma, também é uma essência. Já a via
afirmativa, o não nada, indica o sim como resposta e, portanto, abre possibilidade. O sim é o
princípio, um algo que se tornou fugitivo do nada através da própria liberdade: é o ato. O nada,
então, não é determinado, mas fonte de determinação, o ponto de partida do pensamento
sobre Deus, é o lugar do estabelecimento do problema.
Na Estrela os três elementos Deus, homem e mundo constituem os três vértices de um
triângulo. Entre os três há uma unidade superior – que não é a unidade de Deus – e é
justamente neste ponto que podemos observar a contribuição do “método judaico de pensar”
do autor. Os elementos se correlacionam determinando o primeiro triângulo, mas eles só são
nessa correlação. E o imediato, as vias através das quais se conectam esses elementos da
tríade do primeiro triângulo e se expressam formando um segundo triângulo inverso são: a
criação, a revelação e a redenção. Ambos compõem A Estrela da Redenção, a estrela de Davi,
onde no centro está o fogo eterno – o judaísmo – e os raios são a vida eterna – o cristianismo. A
estrela remete, então, a uma nova totalidade que expressa a verdade; uma “nova verdade”
cujo interno se manifesta em suas partes que permanecem identidades separadas.
É no movimento da relação de um e outro, e deles se reconhecerem um por referência
do outro, que observaremos a construção do conhecimento no encontro e na separação em
cada instante. Judaísmo e cristianismo vistos nessa correlação, para além da definição de um
povo eleito e daqueles que são salvos, não exclui um ao outro, como mostra Rosenzweig, mas
ambos estão comprometidos com a necessidade de ser o testemunho vivo do reino de Deus. A
vida dos judeus seria, então, determinada pelo falar com Deus, e nos cristãos, a ideia de
caminho remeteria a missão de disseminar-se sempre mais a palavra de Deus. O ser humano
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
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A filosofia hebraica de Franz Rosenzweig
tem como tarefa falar de Deus e isso precisará ser dito sempre de novo. Se é preciso sempre
falar, é preciso falar para alguém e é falado no tempo. Em cada instante a verdade, então, se
manifesta, é revelada, e precisa do outro como testemunho, como aquele que se compromete
a dizer de novo, a ensinar de novo, a debater, a se deixar traduzir de forma sempre nova,
justamente pela significação infinita da verdade, que implica sempre em um inesgotável
conhecimento.
Para ser verdade cristianismo precisa do judaísmo. Não há como falar do reino de
Deus senão mediante a revelação do amor de Deus e essa confissão é judaica e cristã, mas
também há a uma diferenciação entre aquele que espera o messias e aquele que parte do
salvador. Deus como aquele que salva só pode ser reconhecido como Aquele que não quebra a
promessa. Dessa forma, não há como ser cristão sem reconhecer o ser judeu, pois só na tensão
desses dois caminhos é que a fé se edifica e a razão se amplifica e isso só será possível no
diálogo. A Estrela intui desde o princípio a facticidade e a multiplicidade do real, não é de se
admirar que Rosenzweig veja na estrela da redenção – a estrela de Davi- a metáfora do fogojudaísmo e irradiação - cristianismo.
Criação, revelação e redenção é o imediato traduzido das relações entre Deus mundo
e ser humano, é na alteridade que o sentido da ação e do pensamento pode ser legitimado. O
amor ao próximo nasce do amor de Deus e da consciência de ser criatura e objeto desse amor
de Deus; é esse amor de Deus que sustentará qualquer obra de amor e proverá o ser humano
da possibilidade de redenção. A fé como amor de Deus é a forma como se experimenta Deus.
Por revelação, Rosenzweig entendia uma orientação, que dá sentido e permanência a fé. É na
revelação que a linguagem desperta e é através dela que o homem realiza a cada instante o
milagre da renovação. Já a palavra de Deus é revelação porque é ao mesmo tempo criação.
Rosenzweig enfatiza a importância da revelação, da redenção e da criação: a redenção e a
criação acolhem a revelação e é no novo pensamento que é possível uma reflexão que
considere o sujeito existencial, concreto, que se sabe criado, mas que no pensamento, que se
dá no tempo, sabe da presença do outro, anuncia a presença da revelação, testemunha o
milagre, sinal da presença divina. O milagre é experimentado na retomada da orientação, a
revelação na busca da redenção e no assombro, a certeza da criação.
Conclusão
Há muito para aprofundar nas relações entre filosofia e judaismo no pensamento de
Rosenzweig. E quanto mais ampliamos o campo de pesquisa, mais encontramos relações que
se alimentam da própria tensão existente entre fé e razão. A fatualidade que está presente na
Estrela da Redenção enfatiza a importancia para o pensamento do uso da palavra “e”; palavra
básica de toda experiência, pois é expressão da multiplicidade que não perde a oportunidade
de se reafirmar. É na relação original entre o sim e o não, a expressão de uma tensão que é a
origem de tudo. A função do “e” é descrever as relações entre as experiências, revelando seu
caráter múltiplo, contingente e aberto. Rosenzweig inicia sua grande obra estabelecendo
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
35
A filosofia hebraica de Franz Rosenzweig
uma crítica a filsoofia tradicional e, a faz, partindo da ideia que toda a filosofia se constrói a
partir da negação da morte. Mas para ele, diante da morte há apenas o silêncio da falta de
respostas. E é no encontro com a morte que nos é revelado o caráter insuficiente da
linguagem.
Porém, nos resta a realidade caótica, organizada pela linguagem, experimentada a cada
instante, em sua surprendende e misteriosa, e proque não dizer, monótona, ocorrência de
acontecimentos. Para o autor, diante da conrectude da existência, é necessário restabelecer o
caráter real da pluralidade, isto é, o novo pensamento dá um caráter ontológico e
epistemológico à pluralidade da experiência. O novo pensamento sabe que não pode ter
conhecimento independente do tempo. O conhecimento está atado àquele exato instante e
isso pode ser observado no cotidiano: um ato é um ato no presente, em uma vida que flui do
nascimento até a morte.
Referências:
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USA: Princeton University Press, 2011.
DASCAL, Marcelo. Entre a filosofia e o Talmude. WebMosaica revista do instituto cultural
judaico marc chagall v.1 n.1 (jan-jun) 2009. Disponível em Http:// seer.ufrgs.br/webmosaica.
GLATZER, Nahum N. (Ed) The Judaic Tradition. USA: Behrman House, 1969.
GUARNIERI, Maria Cristina Mariante. Angústia e Conhecimento: uma reflexão a partir dos
pensadores religiosos Franz Rosenzweig, Sören Kierkegaard e Qohelet. São Paulo: Editora
Reflexão, 2011.
HESCHEL, A.J. Deus em busca do homem. São Paulo: Arx, 2006.
KIERKEGAARD, Sören. O conceito de angústia. Trad. João Lopes AlvesLisboa: Presença, s/d.
NEVILLE, R. (org.). The human condition. New York: State University of New York Press, 2001.
PENZO, Giorgio; GIBELLINI, Rosino (orgs.). Deus na filosofia do século XX. São Paulo: Loyola,
2002.
ROSENZWEIG, Franz. Das Büchlein vom gesuden und kraken Menschenverstands. Frankfurt
am Main: Jüdischer Verlag im Surkhamp Verlag, 1992.
______.La Estrella de la Redención. Salamanca: Ediciones Síguem, 1997.
______. Philosophical and Theological Writings. Trad., edição, comentários e notas de Paul W.
Franks e Michael L. Morgan. Indianapolis: Hackett Publishing Company, Inc., 2000.
SMITH, Barbara Herrnstein. Crença e resistência: a dinâmica da controvérsia intelectual
contemporânea. São Paulo: Editora Unesp, 2002.
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
37
El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
El ego amans
Entre giro teológico y filosofía de la religión
Germán Vargas Guillén (*)
(*) Universidad Pedagógica Nacional
de Colombia.
e-mail: [email protected].
Resumo:
O ego amans é que opera a redução erótica.
E s t a i m p l i c a o t râ n s i to d a s u b j e t i v i d a d e
transcendental e seu estudo genético, que desemboca
na crise para a individuação como experiência
amorosa que parte de e retorna para a comunidade.
Essa virada, em essência teológica, é a maneira de
enfrentar a positivização do mundo da vida no
contexto das sociedades pós-industriais e póscapitalistas. Na primeira parte do artigo, examina-se a
passagem do ego cogito para o ego amans; a
fenomenologia do ego amans; e o ego amans como
superação do positivismo. Contudo, sempre se corre o
risco de que o amor se converta em uma menção vazia
de conteúdo. Como, então, procurar a vigilância
crítica sobre a validade das asserções às quais dá lugar
sua enunciação? Redução indica a operação pela qual
o vivido se torna esfera de propriedade, é ver como se
efetua a encarnação do amor como processo de
individuação. Esta encarnação que individua acontece
na dialética entre eros e ágape; esta dialética dá lugar
a um projeto de formação da individuação da carne.
Assim, a redução erótica exige a volta em e pela
experiência pessoal do Deus do amor, seja como eros,
seja como ágape. Esses são dois pólos da experiência
do ego amans em sua constituição de sentido de si
mesmo e dos valores de comunidade e de cultura. É
possível pensar em toda essa operação em que se
instala o ego amans sem recorrer a um mundo da vida
que se nos dá tanto técnica quanto tecnologicamente?
A hipótese que se sustenta é de que a religião
enquanto religação exige a volta ao si mesmo na
concreção de seus processos de individuação. É, então,
o indivíduo que, ao saber dizer sim ou saber dizer não
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
38
El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
à técnica e à tecnologia acha sua serenidade; e a acha,
precisamente, porque descobre a aesthesis como
forma de voltar a criar e projetar um sentido de vida
em um mundo tecnologizado que se faz cruel e se
desumaniza em relações mecânicas, incluindo as
operações comerciais e financeiras. Daí, então, que a
experiência individuante do ego amans consista, hic et
nunc, em exibir a tecnicidade como reencantamento do
mundo. Que fica para o ego amans como esfera de
extensão de sua individuação? Em suma, a tripla
relação: liberdade, mal, Deus.
Palavras chave:
ego amans, individuação, giro teológico, tecnologia,
religião, fenomenologia. Edmund Husserl, Gilbert
Simondon, Jean-Luc Marion.
Abstract:
The ego amans is the one that operates the
erotic reduction. This implies the transition from
transcendental subjectivity to its genetic study, which
ends up in the crisis of individuation as amorous
experience that starts from and returns to community.
This turn – essentially theological – is the manner of
facing up the positivisation of the life world in the
context of post-industrial and post-capitalist
societies. In the first part of the article, the passing
from ego cogito to ego amans is examined; the
phenomenology of ego amans and the ego amans as
overcome of positivism. However, one always runs the
risk that love turns out to be a mention empty of
content. How then to search for a critical watchfulness
over the assertions validity to which its enunciation
gives place? Reduction indicates an operation by
which the living becomes sphere of property; it is to
see how the incarnation of love as individuation
process gets effective. This incarnation that
individuates happens in the dialectic between eros
and agape, and this dialectic gives place to a project of
formation of flesh individuation. So the erotic
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
39
El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
reduction requires the return in and through personal
experience of the God of love either as eros or as
agape. These are the two poles of the ego amans'
experience in its constitution of the meaning of itself
and of the values of community and culture. Is it
possible to think about all this operation in which the
ego amans is installed without recurring to a world of
life, which is given to us both technically and
technologically? The hypothesis sustained here is that
religion as relinking requires the return to oneself in
the realization of the process of individuation. So, it is
the individual who, when knowing to say yes or no to
technic and technology, finds its serenity, and he finds
it precisely because he discovers aesthesis as a form of
getting back to creating and projecting a life meaning
in a technological world, which is cruel and unhuman
in mechanical relationships, including the
commercial and financial operations. So, the
individuating experience of ego amans consists in
exhibiting technicity as re-enchantment of the world.
What remains to ego amans as extension sphere of its
individuation? Summing up, the triple relationship:
freedom, evil, God.
Key words: ego amans, individuation, theological
turn, technology, religion phenomenology. Edmund
Husserl, Gilbert Simondon, Jean-Luc Marion.
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
40
El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
I
El tránsito del ego cogito hacia el ego amans
La fenomenología genética –como la desarrolló E. Husserl, por ejemplo en el §9 de
Crisis– exige volver, desde nuestro presente viviente, a la configuración del mismo. Husserl,
por ejemplo, aplicó este procedimiento a la matematización de la naturaleza, es decir, al modo
como devino ésta en un proyecto para la cultura que desemboca en «visión del mundo de los
seres humanos modernos [que] se deja determinar y cegar por las ciencias positivas y por la
“prosperity” de que son deudores» (Crisis, §2, p. 50).
En esta vertiente de la fenomenología genética se busca establecer, en cierto modo, de
manera histórica –sin que por ello la fenomenología se troque en historiografía, o, en
hermenéutica– la emergencia de una intencionalidad, a saber, la de la racionalidad científica
en el sentido moderno del término. Con este procedimiento, en esa investigación concreta, la
fenomenología procura establecer cómo la crisis de la subjetividad es una crisis del olvido del
sujeto –en parte desplegada por la psicología que corre de Descartes a Wundt y Fechner– y de
su indisoluble relación con el efectivo mundo de nuestra vida cotidiana.
Esa fenomenología, al cabo, funda el sentido en la operación del sujeto trascendental, de la
subjetividad trascendental, como fuente primera y última. Sólo que esta subjetividad está
siempre en relación con otros. De ahí que toda su experiencia sea, de comienzo a fin,
intersubjetiva. Y, en adición, cualquier subjetividad, al realizar su vida, tiene estructuras
propias que son, en sí, las que tiene cualquiera otro sujeto2, cualquiera otra persona. Por eso,
Husserl llama a esta intersubjetividad: comunidad monadológica.
Si se lleva a cabo, en otra dirección, una fenomenología genética de la individuación
–de cualquier cosa, y entre esas cosas: del individuo psíquico o humano, como lo llama
Simondon–, entonces será preciso ver cómo emerge el título sujeto (? ðïêåßìåíïí =
hypokeimenon) y sus relaciones con el individuo (? ? ? ? ? ? ß): partiendo de nuestro mundo
de la vida para ir a examinar los procesos constitutivos de la individuación de Heráclito y
Parménides, a las estructuras de la percepción de cualquier organismo hasta llegar al
humano.
La fenomenología genética parte del presente –vivo y viviente–. En Crisis, algunas de
las preguntas de base fueron: ¿cómo se ha devaluado lo humano, hasta llegar a ser cifra de la
contabilidad positivista, del cálculo?, y, con ello, ¿cómo se olvidó que la fuente de sentido del
mundo es el sujeto que lo experimenta, en su relación con los otros? Para Simondon, a su vez,
las preguntas fueron: ¿cómo opera la individuación y cómo ella compete al campo de la
experiencia humana tanto como a los demás entes?; ¿cómo la percepción individúa lo que
aparece en el mundo; pero, al mismo tiempo, individúa a quien percibe? En últimas: ¿cómo se
da el tránsito de la interacción materia (hylé) – forma (morphé) a información, individuación,
transducción, transindividuación? (Vargas Guillén & Gil Congote, 2013a).
La fenomenología trascendental de Husserl mantiene y preserva una vocación
científica y, por eso mismo, epistémica. En ella se acepta que la subjetividad trascendental es
2
Ahí es cuando la fenomenología trascendental, incluso en su modo genético, tiene que buscar soporte en la estructura
primordinal del sujeto y su despliegue en la comunidad intermonádica de yoes. Es, entonces, cuando la fenomenología se
transforma, porque acude en su búsqueda, en psicología trascendental o psicología fenomenológica trascendental. Esta es la
llamada vía psicológica (Hua. IX), que aparece desde las Lecciones de 1925 sobre este tema, hasta las diversas versiones del
Artículo Fenomenología preparado para la Enciclopedia Británica (1928).
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El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
cuerpo, que vive con otros todas sus experiencias en el mundo común de la vida. Pero, en todo
caso, se requiere estudiar, comprender, desplegar: el estudio de la génesis e incluso de las
estructuras generativas que dan lugar a la emergencia del sentido.
Ahora bien, ¿qué pasa si nuestro asunto (Thema, questio, subject) es el quién de la
experiencia religiosa o mística? Nuestra hipótesis es que pasa a un segundo plano el ego
cogito3 y sus funciones trascendentales (cogitatum). Queda, en cambio, en el centro el ego
amans.
4
La fenomenología del ego amans
La constitución primera y primaria, de cada quien, no es la constitución trascendental,
si por tal se entienden las funciones de pensamiento. Desde luego, la razón en sus modos de
razonabilidad, de querer-ser-racional, de poder-ser-racional, de poder-querer-ser-racional:
está protoimpulsivamente dada en cada quien, en su experiencia constitutiva o constituyente;
experiencia mediante la cual se llega a individuar, a identificar, a constituir su ser propio.
La constitución primera y primaria es el goce de estar cerca de la realidad (Lust im
Dabeisein; cf. Husserl: Ms. C 16 IV, pp. 7-8): de la madre, del abrigo que ofrece la madre y que
ofrecen las cosas, de la acogida que ofrecen los otros. Este primer despertar en la relación con
los otros y con lo otro aparece como instinto de curiosidad (der Instinkt der Neugier). La
evidencia primera de mi ser en el mundo es el amor, es el amar: ser amado –aún en su forma
negativa: despreciado, no querido, rechazado– y amar a los otros, a lo otro –aunque sea
reclamando, exigiendo, demandando amor–.
A cada paso, en mi vida, doy amor, me dan amor; lo niego, me lo niegan. Amo personas,
cosas, temas, materias, ideas, libros, proyectos, recuerdos, fantasías, etc. Desde luego,
también puedo amar la sabiduría (filosofía). Hay que tener un largo entrenamiento para ser
refractario al amor, a los sentimientos, a las expresiones, a los gestos. Quien logra esto último
actúa como inhumano, se deshumaniza, pierde el rostro y la calidez de persona; se torna
impersonal, primero, y, luego, despersonalizado. Son los gestos aprendidos para atender
masivamente a los enfermos, a los que se hospedan en los hoteles, a los subalternos de la
tropa, a los que llaman al call center, a los reclamos de los clientes.
La crisis, entonces, ya no es la de la subjetividad trascendental como la pensó Husserl
(1935). La nuestra es La crisis del ego amans y las estructuras del mercado –postcapitalista,
neoliberal, postindustrial–. Situados aquí, entonces, el problema no sólo se refiere a la génesis
histórica, sino que también alude a la generatividad de mí mismo, como persona y como
sujeto de una comunidad en la cual tiene sentido mi vida. No se trata sólo de una génesis de la
pérdida del amor –como fenómeno cultural, histórico, antropológico; social, económico,
financiero–; se trata de mi propio amar amar –máxima exposición de la vida ética–: es el amar
que acontece en mi propia y efectiva relación con el mundo, de la que experimento junto y con
mis seres queridos, el que vivo como miembro de mi comunidad, donde se exhibe lo más alto
de mis valores y de mis aspiraciones.
Es posible ver cómo el amor, la hospitalidad, el reconocimiento o la solidaridad: se
3
Mantengamos a la vista esta iluminadora observación de Husserl: «Sum cogitans, esta expresión de evidencia dice
concretamente: ego cogito – cogitata qua cogitata. Eso incluye todas las cogitationes, las singulares y la síntesis constituyente
hacia la unidad universal de una cogitatio, en la que como cogitatum el mundo y lo que pienso como agregado tenía y tiene validez
de ser para mí; solo que yo ahora como filosofante, no debo simplemente efectuar al modo natural estas valideces y utilizarlas a
modo de conocimiento» (Crisis, §17; p. 120).
4
«(…) ¿se podrá restablecer un concepto radical del amor sin destruir esa misma definición del ego? Más adelante veremos que
hay que pagar ese precio redefiniendo el ego, aun en tanto que piensa, justamente mediante la modalidad del amor que omitía y
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El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
han vuelto efectos de mercado, cómo operan aquí las tarjetas de crédito; y, sin embargo,
también se puede ver cómo todos estos valores –amor, hospitalidad, reconocimiento,
solidaridad– son líneas de fuga, espacios de resistencia, estrategias de subversión en medio del
delirio capitalista; líneas de fuga puestas en movimiento por un quien concreto que puedo ser
yo, o puedes ser tú, o puede ser cualquiera, según los pronombres personales, hasta hallar la
radicalidad teleológica del nosotros: punto de llegada, pero igualmente punto de partida de la
constitución del ego amans.
De lo que se trata al amar es de amar, sólo por amar; de recibir al extranjero, al
extraño, al otro, sólo porque sí; de aceptar la mirada, el rostro, la presencia del otro y verlo
como persona; de hacerme cargo de las angustias, preocupaciones y tristezas del otro, sólo
porque está ahí y es humano, como yo.
Es sólo el amor el que pone en crisis el capitalismo. Volver a la plaza de mercado,
porque allí están los frutos de las manos de los campesinos más pobres; consumir las marcas
nacionales, porque nuestros compatriotas necesitan puestos de trabajo bien remunerados;
apagar las televisiones y encender los cerebros, porque hay que ganar tiempo para el silencio
y la meditación amorosos; hacer los trayectos en transporte público, porque es la hora de
minimizar el calentamiento global del planeta, porque podemos combatir la idea de que la
tierra es tan sólo una estación de gasolina. En fin, hacer lo mínimo en lo cual, en cada acto, se
expresa el amor y amar: esta es la subversión que reclama una fenomenología del ego amans
ante la crisis de la sociedad postcapitalista y postindustrial; es poner en el centro el amor con
que me siento amado y amo a los demás. Es el fenómeno del amor que se encuentra en cada
expresión del Cristo redivivo y que hace presencia en la historia con Francisco de Asís.
El ego amans como superación del positivismo
(…) cuando aborda los fenómenos eróticos, el ego convertido en amante ya no
constituye nada objetivo; ya no hay ninguna otra cosa aparte de él mismo, ni
tampoco cosas, ni siquiera hay mundo, sino sólo él mismo y su reducción
erótica.
Marion, 2005; p. 248.
El amor no tiene que ver con las cosas. Éstas se poseen, se carece de ellas o son
indiferentes para nosotros. El amor, en cambio, sólo tiene por polo correlativo a otro ser
humano. Puede ser que esté, o no, a mi alcance; puede ser que espere de él o no. Siempre es la
experiencia de un tú que es objeto de nuestro reconocimiento. La estructura esencial del
amor es la interacción entre un yo y un tú. Éste puede incluso aparecer como comunidad.
Desde la posición de existencia de cada quien, se trata a la comunidad (Personalidad de Orden
Superior, la llama Husserl) como a un tú pleno y completo. Reconozco al tú y, en ese acto, él me
reconoce. La reducción indica que hago manifiesta su presencia en mi vida; y que así también
espero que sea un remanso para mi ánima, para mi ánimo.
¿Qué es lo que ha ocultado la evidencia potente del amor que constituye al ego
amans? Desde luego, lo primero es el cálculo racional, la prosperity, la preeminencia del tener
reprimía la metafísica –como aquel que ama y que odia por excelencia, como el cogitans que piensa en la medida en que primero
ama, en suma, como el amante (ego amans). Habrá que retomar pues toda la descripción del ego y volver a desplegar todas sus
figuras según el orden de las razones, aunque dándole ahora preeminencia al añadido del duque Luynes contra la omisión del
texto latino de las Meditationes –sustituyendo el ego cogito, que no ama, por el ego originalmente amante. Habrá que retomar
pues las Meditationes a partir del hecho de que yo amo antes incluso de ser, porque no soy sino en cuanto experimento el amor
–como una lógica. En una palabra, habrá que sustituir unas meditaciones metafísicas por unas meditaciones eróticas» (Marion,
2005; pp. 14-15).
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El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
sobre el ser. Lo que se ama no es; en cambio, está en proyecto de ser, de ser alcanzado, de
revelar su ser, de instalarse en el seno de nuestra vida –propia y comunitaria; de nuestro
acontecer y de nuestro ser–. Por eso la obra de arte o el diseño de un proyecto (técnico,
tecnológico) es o puede ser expresión del ego amans. No porque se ame la facticidad de la
cosa, sino el sentido que ella también abre del horizonte de la vida personal y colectiva.
Así, entonces, la reducción erótica abandona a cada momento la positividad del dato,
y, consecuentemente, entrega, ofrece o abre la dimensión mistérica tanto del otro como de las
cosas –en el obrar estético, en el diseño–. No es, por tanto, que el ego amans ame las cosas, sino
el sentido que tienen o pueden tener ellas para nosotros, en y para poder vivir juntos; para
concretar un proyecto de vida, por ejemplo, creativo.
Quien ama no se pregunta: ¿qué hay?, sino ¿quién está ahí? Y si el amor se dirige a las cosas, a
un qué, entonces la pregunta que se hace quien ama es: ¿Para qué está ahí?, ¿cómo se
convierte, lo que hay, en riqueza de sí mismo y de la comunidad? Se comprende, entonces, que
las cosas laten por llegar a plenitud; y es justamente el amor el que potencia la plenificación de
lo dado para llegar a sentido. El amor se expresa en y como obras. Ellas son la materialización
del don. El amor es vida efectual que lleva progresivamente la pura facticidad o hylé a
realización de sentido.
La reducción erótica es una reconducción de la mundaneidad del mundo a la esfera de
propiedad. En esta reducción, el ego amans no se sitúa ante el otro o ante las cosas para
conocerlas, sino para vivirlas. De la vivencia deviene el conocimiento, pero también el goce, la
complacencia, la contemplación. Cuando se tiene la experiencia erótica, lo que aparece es la
potencia de vida que todo lo refiere a las posibilidades u horizontes de vida, de un quien y su
respectiva comunidad.
Todo el vivir amoroso del ego amans es encarnación: el otro no es sólo un dato, es un
conjunto de valores que se expresan en las variadas circunstancias de la vida. Veo a mi vecino:
contra todos los prejuicios que tengo o puedo tener sobre los demás, como evidencia aparece
que el otro ama a su familia; que su familia lo ama. Observo que sus actos son honrados,
honorables, sinceros, pulcros. Comprendo su experiencia de amar porque también yo amo.
Asumo respeto por su conducta. Paso del dato: un x sujeto con y profesión a experienciar a un
quien que encarna valores que valoro, que acepto, que admito. Veo que en su vida se encarnan,
se hacen carne, valores que también yo encarno, en mi carne, en mi vida.
La encarnación no es un dato aislado. Siempre está en un quien concreto, específico,
efectivo. Es la manera como el amor se hace vida, como se convierte en testimonio, como se
efectúa en el campo de nuestra experiencia. Paso, así, del valor abstracto, digamos, amistad, a
ser amigo de alguien; a tenerlo por mi amigo; a gozar por su gozo y a penar por su sufrimiento.
No sólo, pues, se da la encarnación, el hacer vida propia los valores; también se da el
respeto de los valores que encarnan los otros. Y no tenemos que tener unidad de credo o de
opción ideológica o política para respetar los horizontes de vida que los otros dan a su
mundear. Pero hay todavía más: hay individuación. Los hijos de mi vecino encarnan un aire de
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El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
familia; como las hijas de la mía tienen su propio aire de familia. Y, sin embargo, cada quien en
particular toma algo de eso común y lo varía para hacer de sí expresión particular de un
horizonte de ser, de un proyecto.
La individuación ocurre porque hay mundo común compartido, encarnado por cada
quien que se enlaza, identitariamente, con el mismo. Pero, en el otro lado, no se puede perder
la especificidad de ser cada quien un sí mismo; en su capacidad de darse una perspectiva, un
horizonte de vida. Aquí está el valor de la comunidad: ofrecer entorno para que cada quien al
individuarse se constituya, por efectos continuos de la voluntad, del servicio, de la interacción.
Ahora bien, así como se puede afirmar que la comunidad es entorno de la
individuación; es igualmente válido observar que la individuación es potencia y riqueza de la
comunidad. Una y otra se transforman –por transducción– a través de procesos de mutua
afectación que bien pueden ser llamados procesos de información. Sin esta interacción que a
cada paso transforma los polos en correlación (comunidad-individuo) la comunidad se torna
totalitarismo, imposición, negación de las diferencias individuales. Sin esta interacción, de
mutua dependencia, el yo se torna despótico, ve en la comunidad medio para sus intereses
egoístas, y nunca un fin.
Si positivizar es olvidar la fuente de todo saber, es decir, el olvido fundante de la
correlación aesthetica de sujeto-mundo, sujeto-comunidad; el despliegue del ego amans es la
condición de posibilidad de mantener como centro esa correlación. Es, en último término,
poner el mundo como espacio del despliegue del amor, y amar.
El ego amans es el único que puede dar el paso de las cosas al sentido de las mismas.
Tras la constitución podrá volverse a la reflexión para establecer el proceso constitutivo,
constitucional. No antes. Primero amar, vivir; luego conocer. Esto es lo que descubre el ego
amans. Entonces, bajo la caracterización del ser amado, vivido: sobreviene la actitud
reflexiva; y, sin embargo, el ego amans no es ni naturalización, ni actitud natural. Todo lo
contrario es la subversión de lo visible por lo invisible (Vargas Guillén, 2012a; pp. 99-113).
Ahora bien, todo nuestro análisis, hasta ahora, carece de la diferencia entre eros y ágape; en
último término, entre las posibilidades de dar sentido desde sí y el vivir el gozo del sentido en
la vida compartida comunitariamente.
II
Eros y ágape como proyecto de formación de la individuación de la carne
5
(…) nosotros amamos porque primeramente Él nos amó (1 Jn., 4,19).
¿Qué va del eros (?ñùò) al ágape (? ã? ðç)? También la Biblia de Jerusalén traduce
ambos términos como amor. Como se sabe, se trata de dos tradiciones distintas: Grecia e
Israel, respectivamente. El eros es hijo de Poros y de Penía, siempre rico en recursos y pobre,
astuto y elocuente, al acecho, hábil engañador; el segundo es regocijo, gozo, en especial, por
estar con el otro, junto al otro, porque el otro, en comunidad, hasta un momento dado de su
ser-en-el-mundo, ha realizado la plenitud temporal (pro tempore) de sus búsquedas, ha
encontrado la realización del sentido de su existencia.
5
Merino comenta este texto en los siguientes términos: «La filosofía franciscana (…) es una filosofía del amamus. (…) Este
reconocimiento agradecido y esta aceptación del amor gratuito y transformador hace de la vida franciscana, como
comportamiento y como reflexión, que se traduzca y se exprese en la forma activa del amamus, pues, «nosotros amamos porque
primeramente El nos amó» (1 Jn., 4,19). (…) Este amor, sentido como fuerza y vivido como respectividad, es la gran realidad que
da al franciscanismo un talante peculiar como acción, como visión y como interpretación del hombre y de lo que acontece al
hombre» (Merino, 1982; pp. 66 y 67).
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El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
También se puede hablar de amor profano y de amor sacro —como se titulara de
Tiziano a una de sus obras— (Vargas Guillén, Germán; 2012b). A la hora de la verdad, ?ñùò
tiene como polo de la correlación al ego, un quien que en la reunión tiende a afirmarse;
mientras ? ã? ðç tiene como polo de la correlación: la comunión, la vida comunitaria, un yo
más bien expandido o, incluso la suposición que la primera persona es el otro.
¿Es posible la realización de la primera persona sin vida comunitaria; y, de retorno,
vida comunitaria que disuelve la persona, primera persona, su individuación, su singularidad?
O, si se prefiere otra cuestión: ¿quién, en la interacción personal, es el primero en decir:
«¡Heme aquí, soy yo, yo te amo!»? El asunto es que tal aseveración sólo puede hacerla quien
esté más allá de las garantías, de los contratos. Es la radicalidad del encuentro con el otro. Allí
se funda no sólo la hospitalidad, sino también y esencialmente el acogimiento.
En este sentido, el primer desplazamiento que se exige es del ego cogito al ego amans:
no es porque te conozco que te amo; te amo tan sólo porque eres. Desde luego, sobre el ego
amans viene, sobreviene, se despliega el ego cogito. Aquí se funda la ratio cordis: es en y desde
el corazón que puedo incluso perdonar lo imperdonable; descubrir que el otro más que «cosa»
o «causa» es «motivo», «horizonte», «perspectiva», «respectividad»; en resumidas cuentas, a
pesar de toda evidencia, el otro es «infinito» e «infinitud de posibilidades» (Levinas, 1977; p.
126).
Así, entonces, el prototipo del amor crístico —el que llevó a Francisco hasta los
estigmas— es el que antepone al otro como centro; y no se dice con ello que ya esté ganado
que el otro es un ser naturalmente bueno, virtuoso. Lo que se indica es que el otro puede, en
cualquier caso y condición, promover –ser promovido– su condición humana hacia una
elevación en la experiencia y la vivencia de valores; esto es, hay una dialéctica, incesante, de
eros y ágape: de afirmación del individuo al individuarse que funda la vida comunitaria; de
reunión y participación en comunión.
El caso es que el eros se devalúa al ser experimentado por el tirano y por el déspota,
por el mandamás, por el mandacallar; se troca en individualismo, individualista. Se trata del
«héroe del relato» que se rodea de áulicos que ríen y sonríen con cada expresión tiránica;
pueden celebrar para congraciarse, como si amaran a su señor. De modo que la individuación
–más allá de todo individualismo– introduce la diferencia cuando la reunión (eros) se torna
participación, comunión (ágape); entonces el ágape sólo puede vivirse como expresión del
consentimiento entre quienes se han individuado en el gozo del eros.
En eros sin ágape el individuo se torna individualista; en ágape sin eros emerge la
masa, el amasijo, la indiferenciación. En la dialéctica de eros-ágape, en primer término, el
sujeto se individúa en su singularidad hasta hacerse efectiva expresión del universal; ahí es
donde la persona se personaliza afirm(á)ndo(se) (en) la comunidad, en el vivir común; en
segundo término, es en esta dialéctica que deviene la potencia y el despliegue del nosotros
como comunidad en la cual todos y cada uno de los sujetos se hace cargo de sí, llevando al
máximo servicio la posibilidad de realización de sí y de los otros.
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El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
En la perspectiva del eros la comunidad, el común, es punto de llegada; en la del ágape
el nosotros es punto de partida, condición de posibilidad de la existencia. El equilibrio
dialéctico eros-ágape diferencia entre el horizonte del totalitarismo y el de la libertad. En
aquél se impone una perspectiva, se hace valer a toda costa; en ésta se consensúa, se negocia,
se matiza hasta hallar coincidencia o confluencia de voluntades.
Y, sin embargo, se trata de que, en todas las circunstancias en que se toma la vía del
ágape, opere el carácter de primera persona que ofrece el eros; y, de que el operar de primera
persona (eros) funde comunidad, comunión, ágape. Aquí hay relación y referencia a la
experiencia de cuerpo, de dones, de carismas: en una comunidad (cuerpo) en la que cada quien
da de sí (don) lo peculiar o propio de sí (carisma) para riqueza de todos.
La dialéctica ágape-eros despliega la subjetividad en intersubjetividad como condición
de posibilidad tanto de toda experiencia de sí como de toda experiencia de comunidad; en
consecuencia, asume la voluntad común como instancia que abre el horizonte de mundo, del
mundear de cada quien. Y, sin embargo, esa voluntad común sólo llega a aclararse a partir de la
interacción, de la meditación sobre su haber sido y sobre su poder llegar a ser: como
temporalidad y como historia. En cambio, la dialéctica eros-ágape, es una suerte de éxtasis, un
estar en el tiempo fuera del tiempo; un estar extasiado en la suidad que goza de y en su propia
y radical afirmación; entonces, desde esta experiencia sui funda y potencia la comunidad.
Sin la mentada doble implicación de la dialéctica ágape-eros—eros-ágape: el eros es
afirmación de y en el poder; el ágape es contracorriente, destrucción y deconstrucción de las
estructuras afirmativas del poder. El eros se afirma en el poder como superación de toda
forma de pobreza; el ágape vive de la alegría de la pobreza como riqueza que descubre la
radicalidad y la totalidad del don.
Se trata, por tanto, de la dialéctica del sujeto-eros con la comunidad-ágape. La
dialéctica, como en una suerte de quiasmo, se despliega «para encontrarse con el otro y poder
forjar una nueva sociedad basada en el valor de las personas, aunque aparezcan
desfavorecidas humanamente, relativizando la excesiva vigencia de las cosas» (Merino, 1982;
p. 62). El ágape sólo llega a su efectuación cuando se enraíza en el ser personal de cada quien
(eros) como fundamento, alfa y omega, de la vida comunitaria; y ésta sólo tiene valor porque
potencia la expresión y la realización de cada quien en cuanto sujeto del mundo. Comprender
al individuo, su formación, es entender que éste «(…) nace, se potencia y se madura desde una
experiencia vivida y compartida; sólo es comprensible y aprehensible en contacto con esta
experiencia personal y comunitaria» (Merino, 1982; p. 63).
6
¿Quién es, pues, el sujeto del ágape, quién el del eros? . A lo que se apunta es a
establecer quién es el divino y qué es lo divino. En el ágape: todos y cada uno; nosotros,
entrelazados por la fuerza potente del espíritu de comunidad —el Paráclito—, que se
despliega al estar juntos —la comunidad de los santos, la comunidad de los ángeles—. En el
eros es la primera persona en los modos del dominus, de la ousía, de la cosa, de la causa.
¿Apunta esta elaboración a una antropología, y, desde ella, a un humanismo? En un
6
«(…) el sujeto puede ser concebido como la unidad del ser en tanto viviente individuado y en tanto ser que se representa su
acción a través del mundo como elemento y dimensión del mundo» (Simondon, 2009; pp. 32-33).
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El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
sentido amplio y genérico sí. En un sentido restringido lo que está en discusión es el alcance
del título persona. Lo que está en el centro: de la historia, tanto de la humana como de la
historia de la Salvación, es la persona. Y ésta en sus modos de humana y divina; y no sólo en la
persona de Cristo, sino en la persona de todos y cada uno de los humanos; lo que invoca eso
divino que está en cada quien: lo sagrado de su vida; lo que hace que el otro sea en sí mismo un
fin y nunca un medio.
Y el modo de persona que ha llevado lo humano a su máxima expresión de amor, en la
dialéctica ágape-eros—eros-ágape, es Cristo que fue capaz de amar amar; que pudo decir sí
antes de toda pregunta, de toda condición, de todo análisis de las consecuencias. Ese Cristo
que pone la vida de todos y cada uno como lo más valioso y digno de cuidado; ese Cristo que se
hace el menor hasta para la entrega en Cruz: ¿puede ser un modelo, un paradigma incluso
para los no-creyentes, para los ateos, para los agnósticos y para los indiferentes ante todo
proyecto de fe?
La pregunta que hace la fenomenología en su despliegue de y como giro teológico es,
precisamente, seguir el fenómeno de Cristo: en su amar amar. Esta fenomenología sigue al
Cristo como posibilidad de fundar una ética de la compasión que tiene por referente al pobre,
porque éste no sólo exige la compasión para ser comprendido, sino también para ser
reivindicado: en sus reclamos, en sus exigencias, en su crítica activa o pasiva al status quo.
La prueba incontestable de que es posible el amar amar del Cristo, de la entrega a la
protección de los más pobres y los más desamparados (el huérfano, la viuda, el desplazado)
—en el modo de una escatología profética (Levinas; Ob. Cit., p. 48)— es, precisamente,
Francisco de Asís. Jesús de Nazaret y Francisco de Asís son la expresión de una vida puesta al
servicio y la expresión de la dialéctica ágape-eros—eros-ágape, son su esplendor y su
exigencia.
Una pregunta que se puede plantear, entonces, es la siguiente: ¿Quién es el ego
amans? Y, complementariamente, ¿a quién ama el ego amans? La hipótesis que se plantea es
que: el ego amans es el individuo, concretamente en y cuando es centro de la relación
(zwischen; between; entre, cabe) con los otros. Y es centro porque puede amar y porque puede
ser amado; además, porque es enlace con quien ama y con quien lo ama; es una fuerza potente
que no depende de sí, ni del otro, sino que todo posible amor es originario de un don que sólo
es fuente plena y total de amor: Dios. Pero, además, porque en el amar descubre al otro y a
Dios como su entorno; además, al ser amado se descubre como entorno de los otros.
¿Quién, pues, es el ego amans? El individuo que se individúa individuando e
individuándose a sí mismo en el amor a los otros. En todos los casos, es quien descubre la
libertad de la entrega en el servicio, el que puede gozar viendo el goce que pueden vivir los
otros, a veces por su acción o por su intervención; y tiene tanto mayor gozo cuanta más
anónima es su acción.
Ahora bien, ¿a quién ama? (Vargas & Gil, 2013b): a sí mismo, al otro, a la tradición. Son
las formas de ordo amoris: amor a sí mismo, amor a la iglesia (ecclessia, comunidad), amor a
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El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
Dios. Su reverso da con la teología del pecado: ¿cuándo se peca? Cuando se atenta contra sí
mismo, cuando se atenta contra los otros (dimensión social del pecado), en fin, cuando se
atenta contra Dios: la blasfemia.
Todo lo que hemos venido indicando es la fenomenología del amor a Dios, con Dios, de
Dios: vuelto nuestra carne, encarnación, carne de nuestra carne. Y hay que hacer una
fenomenología que describa el amor, el sentimiento del amor, de lo que ocurre porque hay
télos amoroso que no depende de ti o de mí, pero que vive en ti y en mí: despliegue del
nosotros. Y, sin embargo, no hay reglas para amar; no hay reglas distintas a amar al prójimo
como a sí mismo; o, quizá, la de que quien quiere servir que se haga menor. Desde luego, todos
los santos, en esencia, son testimonio y testigos del amor.
Pero, ¿cómo se torna la fenomenología del amor en fenomenología de la religión?
Antes de responder y también para no responder directa, sino oblicuamente y por medio de
un rodeo se debe indicar: el religare de la religión implica volverse a o sobre sí mismo; implica
descubrir la interioridad de vida (que sobreviene del enorme cansancio: Hua. VI; p. 348).
En último término, se trata de hallar a Cristo en la intimidad; pero, ¿qué pasa con los
no-cristianos?, ¿podemos tratarlos todavía como paganos?
La vuelta larga consiste en que incluso se puede hablar de la religación en el campo de
la o una experiencia atea: ¿En qué consiste la vuelta larga? En pasar del mundanal rüido a la
interioridad –acaso en la soledad– del alma: uno puede intentar mentir a todos; a sí mismo,
sin embargo, es imposible. El impostor podrá ser un cínico. El cinismo es la capacidad de
reconocerse malo, motivado por el mal. Y, todavía, el cínico puede volverse sobre sí mismo y
renunciar al bien: malo hasta la muerte, hasta que lo liquiden: procura deliberadamente
hacer el mal. Esta decisión puede ser encubierta con impostura(s), pero el agente del mal
hace lo que hace –como en El diablo y el buen Dios, de J.P. Sartre– y siempre puede cambiar: de
un momento a otro arrepentirse, hacer en adelante todo el bien posible, amar, realizar las
acciones buenas y santas. Desde luego, a ojos de los humanos es el pecador arrepentido;
teológicamente, un ser bueno, incluso puede ser un santo.
Lo cierto, pues, es que sólo en la interioridad de vida se puede dar el salto del bien al mal y del
mal al bien. Esta es la potencia y la fuerza de la religación: descubrir el amor, incluso para
abandonarlo de una vez y para siempre o para asumirlo y elevarlo hasta la muerte (incluso la
muerte en Cruz).
¿Cómo entra aquí en juego la dimensión social del pecado? No basta con que yo quiera
salvarme: soy responsable por mi pasividad ante el dolor de las víctimas, ante el sufrimiento
del desplazado, del huérfano y de la viuda. Puedo, en cambio, procurar reivindicarlos en la
medida de mis fuerzas; puedo ante y por ellos: actuar el amor más sincero en el anonimato del
servicio. Y esto se vuelve política y se torna cultura. ¿Cómo lograrlo? Con la simplicidad de los
hijos de Dios.
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El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
III
La técnica y la religión
¿Qué encontramos como contexto general para pensar nuestro mundo de la vida,
lugar efectivo y efectual de la religación? Tanto la técnica como la tecnología. Estas dos son
vistas ordinariamente bajo suposiciones tales: (1) el desprecio de la técnica por «invadir»
inhumana o antihumanamente el mundo humano, con su consecuente (2) reducción
«androide» de los dispositivos a robots, y, (3) la hegemonía de la automatización
–sobredeterminación– contra toda idea de indeterminación de las máquinas (Simondon, ,
2007; pp. 33-38).
El problema, como se ve, no son las máquinas, sino la génesis de los objetos técnicos
–la tecnicidad como forma de vida, la tecnologización del mundo de la vida–. Su génesis tiene
lugar cuando los dispositivos artificiales empiezan a cumplir competentemente funciones
que antes estaban en el campo de la experiencia humana; propiamente, en los niveles más
mecánicos y serviles.
El problema que trae consigo el despliegue de la tecnología como estructura del
mundo de la vida es, entonces, antropológico; se trata de la emergencia del homo tecnologicus.
Éste parece desplazar el homo religiosus; invadirlo, negarlo. No es, pues, tan sólo que se dé una
progresiva «invasión» de los aparatos en nuestro mundo de la vida, con la eliminación de las
funciones más serviles que antes cumplían las personas; antes bien, lo que se hace imperativo
es pensar, al menos, las siguientes preguntas: ¿Qué es lo humano, qué significa ser humano, en
un mundo de la vida tecnologizado?; y, ¿cómo aparece la operación religante, religiosa, del
homo homo en un mundo de la vida tecnologizado? De antiguo sabemos que el homo homo es
un animal simbólico, pero, ¿cómo queda alterada o transformada la estructura simbólica por
un mundo de la vida tecnologizado?
La hipótesis propuesta por Simondon es que «el hombre tiene como función ser
coordinador e inventor de máquinas que están alrededor de él. Está entre las máquinas que
operan con él» (p. 34). La indeterminación relativa de las máquinas –que supera todo
mecanicismo automático, todo automatismo ciego–, entre las cuales y con las cuales se
produce, se procesa y se intercambia información: pone en el centro al ser humano. Este
7
entre es el que humaniza la máquina; pero, igualmente, en esta relación con las máquinas
también los humanos tienen que desplegar sus potencias anímicas y humanizarse cada vez.
Ahora bien, esto implica mirar el devenir del objeto técnico al menos en tres modos:
su emerger como elemento –en cierto modo: dependiente del humano–, su constituirse como
individuo, y, su estabilizarse como conjunto –en cierto modo: la sociedad de los objetos
técnicos–. En la primera instancia todavía el objeto técnico, en ese sentido: no tecnológico–
aparece como expresión del orgullo humano, de su capacidad creativa; en la segunda, el
objeto técnico cobra autonomía y, en cierto modo, amenaza a los humanos –sus puestos de
trabajo, su creatividad, etc.–; en la tercera, el individuo psíquico (o humano) deviene homo
tecnologicus: coordinador de la sociedad de los objetos técnicos –y la sociedad del hombre con
ellos–.
7
Hemos designado este entre con la antiquísima preposición castellana cabe; hemos extendido nuestra comprensión como
cabencia del sentido. Nuestra hipótesis es que el sentido cabe fenomenología y hermeneútica, (cf. Vargas Guillén & Reeder; 2009).
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El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
Aquí es donde aparece también la política de los signos, de la información; el gobierno
de y con los signos, transformados y atravesados por los objetos técnicos (Simondon, 2007; p.
36). Que esto último llegue a llamarse biopolítica o, en cambio, ciberpolítica: es un horizonte
que sólo queda anticipado en la reflexión de Simondon.
Ahora bien, «los esquemas fundamentales de la causalidad y de la regulación que
constituyen una axiomática de la tecnología deben ser enseñados de manera universal» (p.
35). En último término, esta formación es la que permite no sólo preservar al ser humano en
el centro del entre, sino también el que le permite ejercer la gobernanza, justamente, a partir
de la religación, del volverse sobre sí mediante el cual cada quien se hace dueño de sus
potencias anímicas; en especial, vuelve sobre sí y reinstaura su ser y su devenir qua amans,
qua ego amans.
Los objetos técnicos –su devenir y su modo de existencia– crean un entorno al que el
ser humano tiene que lograr su adaptación. La paradoja radica en que este entorno ha sido
creado por las potencias anímicas humanas y, una vez desatado, es ahora entorno para la
adaptación humana; en último término, este entorno es el lugar donde ocurre la
individuación; pero éste a su vez es efecto de la individuación humana que deviene
individuación de los objetos técnicos.
La relación, entonces, entre la técnica y la religión consiste en que: el descubrirse cada
quien, como individuo en proceso de individuación, centro de o entre dispositivos que
coordina, a los que –según Heidegger, en Gelassenheit– puede y sabe decir no o decir sí,
implica una vuelta sobre sí mismo que abre, potencia y efectúa la relación con los otros, una
articulación del nosotros –transindividuación la llama Simondon; intersubjetividad,
comunidad, es el sentido fenomenológico de este acontecimiento–. Este saber decir sí o saber
decir no es cosa misma de la religación en un mundo de la vida tecnologizado: superación de la
alienación, humanización religante del sí mismo en este, su nuevo escenario existencial.
La tecnicidad y el reencantamiento del mundo
¿Qué es lo que se pierde con la división mundo-sujeto? En síntesis, el origen; la
experiencia mágica de mundo, la aesthesis, el amans del ego amans. Allá, en esa experiencia
originaria: mítico-mágica-amatoria, todavía no se diferencia, por el uso de una retícula, figura
y fondo; hay una suerte de unidad primigenia. En el puro origen: sólo se da la unidad, el todo, la
indiferenciación. Pero sobreviene un desgajamiento –que bien se puede llamar desfase–: hay
un momento de eclosión. Sobre un lugar-clave y en un tiempo-clave se da la figuración,
deviene una diáspora de dimensiones de ser; variedad de variantes que hace que se
manifieste el ser en su multiplicidad de sentido. Y no es que un sentido tenga primacía sobre
otros, que una fase pueda determinar a las demás. Es que el ser en sus distintas fases expresa
diversas perspectivas que hacen que acontezca, de manera efectiva y efectual, la
individuación.
Entonces, fase por fase, el ser muestra cómo se pueden dar diferentes manifestaciones en
diversidad de individuos. Y todos ellos pueden, de nuevo, tender a la unidad primigenia. No
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El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
es, por tanto, que se pueda hablar de una reconciliación dialéctica de los contrarios, sino de un
armonización de la variedad de fases de ser. Y, si no se equivoca el sentido último de la
tecnicidad, ésta se orienta precisamente a lograr esa neutralidad del origen que lleva a
desfasamientos y, al mismo tiempo, que propicia la individuación de los individuos.
¿Por qué, entonces, se requiere una vuelta al origen, a un estudio de la génesis del
objeto técnico, a una fenomenología de la religión y a una fenomenología genética de la
técnica? En síntesis, porque hay un momento en que se desfasa de esa unidad primigenia el
sujeto con respecto al mundo; y, en ese momento, la que antes fuera la correlación individuoentorno (correlación en la cual la mediación era, en sí, el despliegue mítico-mágico del ser en la
experiencia del ego amans) se transforma en mediación técnica desplegada a través del objeto
técnico.
Puesto en el desfasamiento reticular que produce los efectos de subjetividad (religión)
y objetividad (objeto técnico) se mantiene la lógica de las oposiciones: religión-ciencia, éticaestética, individuo-sociedad, presente vivo-historicidad, natura-cultura. ¿Cómo, entonces, se
lleva a cabo el máximo de la tecnificación del objeto técnico? Por el despliegue tanto del
análisis como de la inducción. La armonía (neutralidad la llama Simondon) que supera el
desfasamiento, entonces, sobreviene como efecto de la síntesis.
Los problemas, pues, del origen del mundo y del mundanear del mundo son los
problemas de la filosofía; concretamente, de la filosofía de la religión y de la filosofía de la
técnica, a saber, la reconstrucción del sentido de la totalidad como fuente de la eticidad. Aquí
es donde aparece el sentido y el valor de la tecnicidad: que ella sea ecológica, que ella sea
humana-humanizante, que ella genere y potencie estructuras y procesos societales, que ella
sea efecto y efectúe la cultura. Todo esto es lo que indica, sumariamente, tecnicidad: forma de
instalación en el mundo, como mundo (kosmos: orden, totalidad, universo).
¿Qué sentido tiene, entonces, la tecnología? El de estructura de reencantamiento del
mundo, una vuelta religante hacia el sí mismo que se hace responsable de sí, del entorno y de
la historia para propiciar un cuidado del origen y su fuerza destinal. Por eso es que la
fenomenología de la génesis del objeto técnico tanto como la fenomenología de la religión son
una vuelta a las potencias de lo mítico-mágico-amatorio, al momento primero, para poder
establecer cómo en cada presente las actuales dimensiones de la manifestación de la
tecnicidad (objeto técnico) y de al subjetividad pueden retrotraerse a su examen desde el
sentido destinal, desde su origen, por una parte; y, abrirse al horizonte de realización del ser,
por otra. Así, el objeto técnico y la subjetividad son medianía mítico-mágica-amorosa que
despliega las potencias creativas del ser humano como fase del ser que descubre y realiza el
sentido de(l) ser.
¿Cuál es el lugar donde se reconcilian técnica y religión? Bien que la técnica sea, en sí,
apertura a la objetividad –objetivación de la función ideal, concreción progresiva del eidos–;
bien que la religión sea despliegue de la subjetividad –en sí, paso del individuo y sus procesos
de individuación, primero, a la constitución de la individuación psíquica, y, posteriormente, a
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El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
la constitución del individuo como sujeto racional, operador de la ética. Todo ello, empero,
acontece como desdoblamiento que se realiza a partir del mundo mágico, mítico-mágicoamatorio.
Pero, ¿qué quiere decir, aquí, estética? Desde luego, invoca el arte, la obra de arte, lo
bello; pero igualmente alude a la aesthesis –vida pura de despliegue del ego amans–: cuando
todavía las vivencias no tienen el carácter de percepción, esto es, cuando todavía éstas no son
tamizadas por una grilla, engrilladas, o, cuando todavía no emerge una (otra, en algunos
casos) grilla que engrilla la dación de mundo (Fink, 2003; pp. 361-428).
Claro que el objeto técnico tanto como la experiencia religiosa pueden ser bellos: el
faro en el promontorio de una isla, pequeña, dando luces y alumbrando para el paso de los
marineros; la iglesia, su atrio o su púlpito, no sólo porque se hallan en un santuario e invitan a
la reflexión, al recogimiento. Los ejemplos se pueden multiplicar indefinidamente. Sin
embargo, la belleza misma tiene un lugar de acontecimiento: el mundo y, en especial, la
expresión de las múltiples y variadas manifestaciones de los procesos de individuación.
En resumen, la aesthesis –vida pura del ego amans– es el lugar de la convergencia de lo
técnico y de lo religioso porque, de un lado, se objetiva como inserción de objeto con el mundo
para potenciarlo, expresarlo, ofrecerle sentido y, por eso, se objetiva la experiencia de mundo;
pero, al mismo tiempo, se subjetiva porque, con respecto a la dación o donación del mundo, se
exige que alguien lo experiencie, lo realice, lo despliegue. Y, sin embargo, no se trata de una
estetización que se conforma con la belleza –o el simulacro de belleza del objeto–, como
tampoco se trata de una vuelta a la intimidad del goce subjetivo del mundo o de la experiencia
de mundo.
Aesthesis es aquí y ahora (hic et nunc) vida nuda del ego amans: no antes y no después.
De lo que se trata es de que se recupere la unidad de teoría y práctica, de técnica y religión, de
individuo y multitud o colectivo o comunidad. Si como lo indicó Kant: los cherokees no se
pintarían sus caras ni adornarían sus cuerpos si su experiencia no tuviera como polo
correlativo a otro(s), es aquí y ahora que se busca captar cómo en la aesthesis como ego
amans no sólo soy primera persona del sentido, sino que ese sentido lo comparto con otro(s),
así éste sea yo mismo como mi pasado yo o como mi futuro yo. Y, sin embargo, lo que cuenta es
este presente vivo, viviente: comprender para hacer, hacer para comprender, ida de un polo a
otro. En resumen, transducción.
¿Qué queda aquí, entonces, como tarea para el ingeniero y para el hombre religioso?
Ya se ha dicho: desarrollar, respectivamente, una filosofía de la tecnicidad y una filosofía de la
religión. Éstas tiene que ser ejecutada en clave genética, mediante un método que elucida el
haber sido y el poder llegar a ser. Se trata, siempre, de combatir toda forma de solipsismo, de
positivismo y de instrumentalismo. Es cierto que se requiere enfrentar las cosas de la
creación como individuo; como es cierto que se requiere atenerse a los datos, a lo dado; como
es cierto que es imperativo traducir el eidos en dispositivos, en tecnofactos. Y, sin embargo, de
lo que se trata es de ejecutar «el esfuerzo filosófico [que] puede conservar tecnicidad y
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El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
religiosidad para descubrir su convergencia posible al término de una génesis que no sería
realizada espontáneamente sin la intención genética del esfuerzo filosófico» (Simondon,
2007; p. 230).
El pensamiento religioso, pero también el técnico, produce dogmatismo. Éste se
produce porque se ignora la otra fase en que se desdobla, a saber, la tecnicidad o su correlativa
religiosidad; e, igualmente, porque se olvida el origen, esto es, la dación mítico-mágicaamatoria del mundo en que es vivenciado originariamente por el ego amans. Desde luego,
dogmatismo, en muchos sentidos, es positivización, así sea en el modo de estetización. Incluso
la percepción, las grillas en que se da la percepción, pueden ser dogmatizadas; por eso el ego
amans se exige el retorno a un momento anterior a la percepción. Este momento anterior es el
originario experienciar estético mítico-mágico-amatorio; este momento es, en rigor, la
experiencia estética. Propio del objeto técnico o de la experiencia religiosa, que abre una u
otra vía el ego amans a partir de la experiencia originaria mítico-mágica-amatoria del mundo
es que despliege una expresión de la correlación sujeto-mundo. Tanto el objeto técnico como
la experiencia religiosa expresan la aesthesis, pero al tiempo la subjetiva y la objetiva.
El despliegue estético del ego amans es la experiencia del origen, sin retícula; pero,
igualmente, es la vuelta al origen, la preservación y la puesta en movimiento del origen. El
despliegue estético puede hacerse en o como experiencia técnica y/o como experiencia
religiosa. En la técnica y en la religión tiene que pervivir el origen, y esta preservación es la
tarea de la filosofía, de la filosofía de la religión, de la filosofía de la tecnología, de la filosofía de
la tecnicidad.
El maestro de Simondon, M. Merleau-Ponty, en su obra Signos, dijo que la filosofía
busca impedir que se olvide la fuente de todo saber: el mundo. Al parecer, Simondon
mantiene la idea de su maestro y la lleva a un grado de radicalidad: se trata de estudiar la
fuente o génesis de ese saber y la forma originaria de despliegue de ese saber a partir de la
experiencia estética.
Aquí aparece la idea del ecumenismo del pensamiento. Este alude (oikumene=tierra,
toda tierra, todos los lugares) al hecho de que el pensamiento en su mundear o mundanear lo
hace estéticamente, todavía sin grilla, sobre todas las regiones: lo ético, lo natural, lo cultural,
etc. Oikós es casa, residencia, lugar que se habita; oikonomia es el cuidado de la casa. De lo que
se trata es del mundo como aquello que habitamos y lo habitamos también por medio del
pensamiento. Y éste se despliega estéticamente.
Ahora bien, bello es la inserción del pensamiento en el mundo, la posibilidad de
llevarlo al máximo de expresión; bella, igualmente, es la expresión de los sujetos que, a su vez,
expresan el mundo. Y no porque se expresen sujeto o mundo –en mutua participación– se
despliega lo bello. Éste implica: acople de sujeto y mundo, en su mutuo individuarse.
La estética es, en sí, una interfaz entre mundo y sujeto. Esta interfaz es, en sí, la de la
individuación. Si bien hay individuo psíquico tanto como individuo físico –y otras gradaciones
de individuación– lo que hace la estética como interfaz es enlazarlos procurando una armonía
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El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
que permita múltiples desdoblamientos, sin perder el sentido originario mundo, que se da
como tal (como mundo) como unidad (kosmos).
La estética es el acontecimiento del origen, su renovación. Es mediante ella que el
mundo deviene no sólo como unidad, sino también como la superación de todo dogma para
comprender o para intervenir en él. En fin, es ego amans en individuación.
IV
Libertad, mal, Dios
Ensayitos quiere a Dios.
Francisco Rodríguez Latorre (2013; p. 173).
Incluso el ego amans hace el mal que no quiere. Ahora bien, en la mención del título
mal8 al mismo tiempo se invocan los títulos voluntad y libertad. Éstas sólo puede ser
desplegadas en primera persona por el ego amans. Sólo se puede imputar «maldad» a quien
decide. La libertad es la esencia misma de la decisión del ego amans. Todos estos títulos
(libertad, voluntad, decisión, bien, mal) implican, así mismo, la esfera de lo humano, vida pura
del ego amans. Atribuir, en cambio, «bondad» o «maldad» a un individuo no-humano implica
una antropomorfización. También ésta puede ser atribuida al conocimiento: sabemos lo que
es una piedra, una espinaca, una bacteria, tal como se da en nuestra esfera de experiencia o
esfera de propiedad; y, sin embargo, todas ellas se nos dan así, indefinidamente, de manera
invariante. Se puede establecer el eidos, la estructura: modus essendi y, al mismo tiempo,
modus cognoscendi: las estructuras –de las cosas, del mundo– se dan en el pensar y se dan en
los hechos. Y forma parte de las posibilidades llegar a establecer, o no, el eidos.
El darse o el aparecer, la fenomenidad, implica la primera persona: si algo aparece,
aparece a o para una subjetividad –para un individuo psíquico– que la enfrenta, que le da
sentido, que la reduce a su esfera de propiedad. Que este sentido –vivenciado en o desde el polo
subjetivo– se pueda validar implica no sólo que se aluda al polo correlativo 'mundo', también
hace relación al estar con otros, entre o en medio de los otros, la intersubjetividad.
Este sentido es verdad si vale para uno y vale (validez) para todos, así e
indefinidamente. Conocer, entonces, es promover la facticidad a sentido: la piedra es piedra,
comporta una estructura; ésta puede ser conocida, y llega a ser conocida. Se puede contar con
la piedra en múltiples circunstancias: está en la construcción, en la vía, en el río. Y, no por su
situación –ora aquí, ora allá; ora con un sentido, ora con otro– o por su uso cambia de
estructura. Ahora bien, ésta no comporta télos. Éste, que se sepa, es sólo humano. En la natura
hay –o los humanos pueden interpretar que hay– teleonomía. El humano, en cambio, es un ser
cuyo ser es querer y poder ser; en la cultura, en la vida moral –tanto personal como colectiva–
hay teleología. Ésta aparece como una decisión que alguien toma y que se convierte en un
8
Aquí, desde luego, se precisa diferenciar lo moral o ético de lo legal, de lo jurídico, de lo justo.
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El ego amans - Entre giro teológico y filosofía de la religión
proyecto de quien la toma y, progresivamente, de otros que la hacen vivir como un horizonte
de experiencia tanto personal como colectiva. Así se dio la emergencia del ego filosofante: el
querer ser racional9. En resumen, se aspira a algo. Esta aspiración ordena la experiencia, las
acciones del yo. El télos es libremente asumido en la radicalidad del ego amans. Al cabo, él lo
encarna, lo hace carne de su carne, vida.
¿Puede ser ejercida la libertad, la decisión, sin conocimiento? La estructura teleológica
de la conciencia: el querer ser racional y el poder actuar en dirección de unos fines que se da a
sí mismo un sujeto (de nuevo: individuación psíquica que se torna cada vez más racional), un
colectivo de sujetos (intersubjetividad, transindividuación), sólo sobrevienen si se llegan a
expresar racionalmente, si se muestra de ellos el por qué y la causa; en fin, si se muestran
fines, querer y poder actuar que puedan ser fuente de sentido de la experiencia personal y
colectiva.
Ser racional es querer ser racional, es querer serlo, es serlo en un sentido teleológico
(Hua. VI, p. 274). De lo que se trata con la razón es de que se logre esclarecer el sentido de la
subjetividad, en su relación con los otros; de esclarecer su historia; de dar valor a sus
proyectos. Racionalizar la experiencia del ego amans y el sentido de ella es un proceso in fiere:
como queriendo llegar a ser. Se es moral si se es racional, si se mantiene el proyecto de
racionalizar la experiencia (Nenon, 2011).
¿Qué viene a representar en este proyecto el título Dios? Al menos
fenomenológicamente se trata de un índice que refiere: 1. El télos de la historia; 2. El
fundamento o el origen en la serie regresiva de las causas; 3. El Cristo, modelo de eticidad que
puede, una y otra vez, servir de paradigma del actuar personal y colectivo. Se trata,
respectivamente, de la idea del hombre infinitamente alejado; de la causa incausada; del amor,
personal, que alguien (el Cristo) y todos pueden vivir en su experiencia de mundo. Este último
es el fundamento radical del ego amans.
Sólo en esta acepción se tiene al frente una conexión entre ética (voluntad, decisión,
deliberación, adhesión, sentido de vida), racionalidad y divinidad. Este proyecto ético
teleológicamente orientado por la razón que se hace racional en el querer ser racional tiene que
ver, entonces, con lo divino como es vivenciado en la radicalidad del ego amans –más que de el
Divino–: sentido que da sentido a todo proyecto de ser. En esta dirección se enlaza con la vida,
los derechos humanos, la ecología, la tecnicidad.
Elucidar el télos es amar a Dios, ayudarlo, querer que se haga su voluntad. Ésta es sólo
la nuestra, plena y absolutamente esclarecida como un proyecto que da sentido a la vida
personal y colectiva; es el sumo bien. Éste sólo adviene con el amor, con la realización
religante de las potencias plenas del ego amans.
Bibliografía
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Contemporánea». Traducción de Raúl Velozo Farías. En: Acta fenomenológica
latinoamericana. Volumen I, Lima, Pontificia Universidad Católica del Perú; pp. 361-428.
9
Por supuesto, hay otras culturas –no occidentales– que se proponen otros proyectos, otros fines: la sintonía cósmica, la
disolución del yo, la ataraxia, la armonía. Que se cambie el télos no implica que no se tenga estructura teleológica. Que ésta,
igualmente, sea una estructura intencional.
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
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REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
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Uma saída do dilema de Eutífron
Uma saída do dilema de Eutífron
1
Nick Zangwill (*)
Resumo:
Defendo a visão de que a moralidade depende de
Deus, contra o dilema de Eutífron, argumentando que
as razões de Deus para determinar dependências
moral-naturais podem ser razões pessoais que têm
conteúdo não moral. Eu evito a preocupação do
“capricho arbitrário”, mas concedo que a explicação
não se estenda à bondade de Deus e sua vontade.
Entretanto, dependências moral-naturais humanas
podem ser explicadas pela vontade de Deus. Então,
uma versão ligeiramente restrita da teoria do
comando divino é defensável.
(*) University of Hull
[email protected]
Abstract:
Abstract: I defend the view that morality depends on
God against the Euthyphro dilemma by arguing that
the reasons that God has for determining the moral?natural dependencies might be personal reasons that
have non-moral content. I deflect the "arbitrary
whim" worry, but I concede that the account cannot
extend to the goodness of God and His will. However,
human moral-natural dependencies can be explained
by God?s will. So a slightly restricted version of divine
commandment theory is defensible.
1
Tradução de Rodrigo Rocha Silveira e revisão de Agnaldo Cuoco Portugal.
Publicado originalmente em Religious Studies (2012) 48, 7-13. Cambridge
University Press.
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
58
Uma saída do dilema de Eutífron
Dependência moral e o dilema de Eutífron
Suponha que julguemos que um ser humano tem a propriedade moral M porque tem
a propriedade natural N. M pode ser a propriedade de ser bom ou mau, virtuoso ou perverso,
obrigatório ou proibido; e N pode ser a propriedade de ter certos estados psicológicos, ou
estar em certas relações sociais com outros seres humanos, ou ter certas propriedades
físicas. Além disso, suponha que esse julgamento é correto.
Um pensamento ou hipótese seria de que isso exaure a questão, e N é o right-maker [o
que faz de N moralmente correto] último de M. Chamemos essa teoria “antiteoria”. Para um
antiteórico, dependências M-N são brutas e inexplicáveis, como a existência do mundo físico
para os fisicalistas ou como a existência de Deus para os teístas. Suponha, porém, que
rejeitamos a antiteoria e adotemos a anti-antiteoria. Então, pensamos que algo poderia
explicar a dependência de M em relação a N: poderia haver algo que explicasse por que uma
pessoa ser N faz com que ela seja M. Uma possibilidade é que haja uma relação de
dependência mais básica e mais geral sob a qual esse caso é subsumido. Por exemplo,
consequencialismo ou deontologia podem ser teorias gerais verdadeiras e, portanto, uma
pessoa seria M em virtude de maximizar a felicidade ou em virtude de respeitar os direitos e,
para os deontologistas kantianos, dependeria ademais de ter ações consistentemente
desejáveis. Outra possibilidade é a de que a dependência M-N não se dá em virtude de um fato
moral bastante geral, mas em virtude de outro tipo de fato. O fato fundamental não precisa ser
um fato moral.
Mesmo se houver algum fato mais profundo baseando as dependências ordinárias
que afirmamos ao fazer julgamentos morais (como a dependência de M em relação a N), não
há razão para afirmar que, além delas, precisamos saber o fato moral mais geral ou o fato não
moral fundamental para afirmar as dependências ordinárias. A competência conceitual não
requer que saibamos aquilo em relação a que as dependências que afirmamos dependem em
última análise.
Considere a visão de que alguma dependência M-N (doravante “D”) acontece porque
Deus quer: D depende da vontade de Deus. A ideia é que os fatos da dependência moral
ocorrem porque Deus desejou sua existência. Ele poderia desejar D diretamente ou ele
poderia desejá-la ao desejar os fatos do consequencialismo ou da deontologia dos quais D
depende. De uma forma ou de outra, dependências morais são devidas a, ou dependem de,
Deus. Essa é uma maneira de caracterizar a teoria do comando divino2.
Agora entra em cena o dilema platônico de Eutífron: as coisas são boas porque Deus
as deseja ou Deus as deseja porque são boas (Platão, 1997)? “Boas porque Deus as deseja”,
declara o defensor da teoria do comando divino. Mas, então, como é bem conhecido, um
subdilema secundário se abre: Deus tem razões para querer o que Ele quer? Ou não? Se sim, as
razões pelas quais Deus quer as coisas serão realmente os right-makers últimos e Deus
mesmo rapidamente sairá de cena. Se não, os atos de sua vontade parecerão caprichos
arbitrários.
2
Ou teoria do mandamento divino (n.t.)
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
59
Uma saída do dilema de Eutífron
O subdilema levanta a questão geral de haver ou não razões para os mandamentos de
Deus. Suponha que Deus tenha razões, independentemente de conhecermos essas razões.
(Moisés Maimônides em Guia para os Perplexos, defende que as razões de Deus para alguns
de seus mandamentos são omitidas de nós porque, se conhecêssemos as razões, elas
enfraqueceriam nossa obediência a eles (Maimônides, 1958)). Se Deus tem razões para
querer D ou para querer alguma dependência mais básica da qual D depende, então o fato de
ele ter essas razões é a explicação última de D. Ademais, se as razões de Deus são somente que
o consequencialismo, ou a deontologia, ou seja o quer for, é verdade e esse fato moral não
divino é o right-maker mais profundo de M, então o defensor da teoria do comando divino
estará “espetado” pelo segundo subchifre do dilema e Deus sairá de cena. Deus se torna, nesse
caso, moralmente irrelevante. Além disso, o outro chifre parece indisponível: não pode ser
que Deus simplesmente não tem razões para querer as dependências. Isso faria dos atos de
Sua vontade “caprichos arbitrários” em um sentido indiscutivelmente mau.
Razões pessoais
Contudo, a virtude de ter montado a questão de Eutípron desse modo é que podemos ver que
é possível que Deus tenha outros tipos de razões. O tipo de razões que tenho em mente não
seria como o consequencialismo ou a deontologia, em que as razões de Deus para querer as
dependências se referem somente à Sua crença em alguma teoria moral geral. Esse não é o
único tipo de razões que Deus pode ter.
Em particular, quero sugerir que Deus poderia ter certo tipo de razões pessoais para
querer o que ele quer – em que uma razão pessoal é expressa por meio de um indéxico como
“eu” ou “meu”. Em relação aos seres humanos, nosso amor por nossos amigos ou família e
nossos relacionamentos com eles nos fornecem razões pessoais para fazer várias coisas por
eles. Nós também temos razões pessoais para cumprir nossas promessas. Muitas das nossas
razões são pessoais nesse sentido. Não parece haver nenhuma razão pela qual Deus não deva
ter razões pessoais também. As razões pessoais de Deus seriam uma questão de como elas se
dão com relação a Deus e em Seus relacionamentos com outros. Se é assim, aparentemente
não se levantaria o problema de Eutífron, contanto que as razões pessoais não sejam razões
pessoais morais no sentido de ter conteúdo moral.
Obviamente, é difícil de saber se esse caminho é atrativo até que tenhamos alguma
ideia de quais possam ser as razões pessoais não morais de Deus. O importante, todavia, é o
espaço teórico para uma teoria do comando divino desse tipo. Considere a sugestão feita em
tom de brincadeira por Kierkegaard (em Ou isso, ou aquilo) de que Deus criou o mundo
porque Ele estava entediado (Kierkegaard, 1944, p. 282). Deus poderia ter também querido
as dependências morais por essa razão? Essa seria uma teoria consistente. Essa razão
envolveria um indéxico: “Eu faço isso porque estou entediado”, pensa Deus. Trata-se de uma
razão pessoal, não impessoal, e carece de conteúdo moral. Talvez a sugestão de Kierkegaard
não seja a correta. (Talvez Deus não fique entediado). Entretanto, é uma razão do tipo certo.
REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO | ANO 1 - No 1
60
Uma saída do dilema de Eutífron
Considere um exemplo não divino: muitas pessoas gostam de cultivar rosas. Isso dá a elas
razões para fazer várias coisas, como comprar adubo e podar. Diferentemente do caso de
meramente estar entediado, as razões deles para fazer essas coisas são boas. Cultivar rosas é
um hobby decente. Porém, as razões deles carecem de conteúdo moral. Essas pessoas estão
interessadas em rosas, não em bondade moral. Esse interesse em rosas dá a eles razões para
fazer coisas. As razões de Deus para estabelecer relações de dependência moral-naturais
poderiam ser similares.
O apelo a razões pessoais não é somente o apelo a razões não morais. Se esse fosse o caso, não
se escaparia do problema de Eutífron, porque, se Deus quer dependências N-M por razões
não morais – por exemplo, razões estéticas –, então essas razões não morais são a explicação
última das dependências. Nesse caso, Deus sai de cena novamente. As razões pessoais não
morais de Deus, todavia, não nos dão razões. As promessas de Ariel dão a Ariel uma razão para
manter suas promessas, mas elas não criam razões similares para outras pessoas fazerem o
que Ariel prometeu. As amizades de Bea dão a ela mesma um razão para fazer coisas pelos
seus amigos, mas elas não dão as mesmas razões para outras pessoas fazerem coisas pelos
amigos de Bea. As promessas de Ariel são dele, não nossas, e os amigos de Bea são dela, não
nossos. Similarmente, as razões pessoais de Deus não se aplicam a nós, uma vez que elas são
d'Ele, não nossas.
Essa, portanto, parece ser uma possível saída do dilema de Eutífron: a ideia é que Deus tem
razões pessoais não morais para querer as dependências morais últimas. Se as razões de Deus
para querer o que ele quer fossem Ele adotar alguma teoria moral, como o consequencialismo
ou a deontologia, então a teoria do comando divino estaria morta. Pois o right-maker último
de M seria algum fato sobre consequências ou direitos e Deus não tem relação com isso.
Porém, se Deus tem razões pessoais não morais, a teoria do comando divino está, ao menos,
viva e poderia florescer dado posterior desenvolvimento.
Caprichos, dependência e necessidade
Estaríamos agora presos no segundo subchifre? Se Deus tem razões pessoais não
morais para querer ou comandar o que ele quer ou comanda, por que elas não são caprichos
arbitrários que não precisam nos vincular tanto quanto se Ele não tivesse razões nenhumas?
Precisamos perguntar o que um “capricho arbitrário” significa aqui. Uma maneira de
elaborar essa objeção seria a de dizer que, na teoria do comando divino como eu a reconstruí,
Deus querer as várias dependências morais é arbitrário no sentido de que Ele poderia ter
querido de outro modo. Ele poderia ter querido que assassínio, roubo, estupro e tortura
fossem corretos. Ao que parece, então, assassínio, roubo, estupro e tortura teriam sido
corretos se Deus tivesse escolhido diferentemente, o que ele poderia ter feito. Já que ele
poderia ter escolhido fazer assassínio, roubo, estupro e tortura corretos, eles poderiam ter
sido corretos. Mas – esta é a objeção – essa consequência é inaceitável.
Essa objeção confunde dependência com necessidade. Para o defensor da teoria do comando
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61
Uma saída do dilema de Eutífron
divino, os fatos morais e as dependências M-N dependem da vontade de Deus. Contudo, a
dependência das dependências M-N da vontade de Deus não acarreta a contingência destas. A
vontade de Deus, é claro, é livre. Ser livre significa que o eu é a fonte do querer e da ação.
Porém, não é de modo algum claro que essa ideia envolva o princípio “poderia ter feito
diferente” - que um eu que quer algo poderia ter querido outra coisa. Esse é outro assunto.
Talvez em muitos casos de ação humana, nós poderíamos ter feito diferentemente
(assumindo que não estejamos em circunstâncias fora do normal). Não devemos, porém,
extrapolar do nosso caso usual para a essência do livre-arbítrio e, por conseguinte, para a
vontade de Deus. Dada a separação entre dependência e necessidade, não existe nenhuma
grande ameaça à liberdade de Deus advinda da necessidade daquilo que Ele faz. Não é o caso,
então que assassínio, roubo, estupro e tortura poderiam ter sidos corretos numa teoria do
comando divino.
Eu noto que a distinção dependência/necessidade está no pano de fundo do debate sobre a
teoria do comando divino, uma vez que tanto esta quanto a posição contrária a ela, o
“autonomismo” a respeito da moralidade, concordam que é necessário que seja moralmente
bom se e somente se Deus o aprova (ou aprovaria se Ele existisse). Isso, porém, não resolve a
questão do que depende de quê. O autonomista afirma que Deus quer as coisas porque elas
são boas, enquanto o defensor da teoria do comando divino afirma que elas são boas porque
Deus as quer, a despeito de sua concordância sobre a conexão necessária entre as duas coisas.
O debate a respeito da teoria do comando divino não pode levantar voo sem a distinção
dependência/necessidade, o que também vale para a maioria das questões filosóficas em
minha opinião.
A bondade de Deus
Se Deus tem razões pessoais, elas precisam se boas razões. (Se não elas serão
arbitrárias num sentido indiscutivelmente ruim) As razões de Deus não precisam ser
impessoais e não precisam ser a de que alguma teoria moral ordinária é verdadeira – como
consequencialismo ou deontologia. Elas, contudo, devem ser boas. Não parece existir
nenhuma razão pela qual as razões de Deus não possam ser boas razões a despeito de serem
pessoais e carecerem de conteúdo moral. Elas podem ser boas razões pessoais não morais.
Não obstante, há uma dificuldade: de onde vem a bondade dessas razões? O problema é que,
aparentemente, a vontade de Deus não pode explicar a bondade de Suas razões para querer o
que Ele quer. Um ato de vontade seguramente não pode criar sua própria bondade, pois a
ligação da bondade a um ato de vontade é anterior a qualquer coisa que o ato realiza. Então, a
bondade dos atos da vontade de Deus não pode ser um produto deles mesmos. Deus não
pode, como Napoleão, coroar a si mesmo com a bondade.
Distinguir diferentes conceitos morais não ajuda de forma alguma com esse
problema, como alguns pensaram, pois é também verdade que Deus é obrigado a querer o
que Ele quer e que Ele é virtuoso ao querê-lo. O problema se aplica a qualquer das
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62
Uma saída do dilema de Eutífron
propriedades morais de Deus que consideremos. Uma resposta mais plausível é dizer que a
bondade das razões pessoais de Deus (ou seja, de Deus ter essas razões) não precisa ser
bondade moral. Se elas precisassem ser razões moralmente boas, então haveria, de fato, um
círculo vicioso e um problema a respeito da fonte da bondade moral dessas razões. Nem toda
bondade, contudo, é bondade moral. Suponha, por exemplo, que as razões têm virtudes
racionais. Se as razões de Deus tiverem bondade de outro tipo que não moral, isso significaria
que não se pode ter uma teoria do comando divino daquela bondade. Isso significa que não se
pode ter uma teoria do comando divino de todas as propriedades normativas – moral,
racional e as demais propriedades normativas que existirem. Alguém poderia, entretanto,
defender uma teoria do comando divino restrita a normas morais, contanto que Deus as
queira racionalmente. Se Ele quer as normas morais e esse querer é racional, então elas são
caprichos arbitrários. Eu assumo que um capricho arbitrário é irracional ou, ao menos, não
racional. Se Deus, contudo, tem razões pessoais não racionais, como aquelas dos cultivadores
de rosas, Seu querer pode ser racional. Isso aparenta ser bom o suficiente. É verdade que,
qualquer que seja o tipo de bondade que se ligue à vontade de Deus e Suas razões, não
podemos ter uma teoria do comando divino dessa bondade. De outros tipos de bondade,
porém, poderíamos.
Não estou satisfeito como isso. O que dizer da bondade moral de Deus? Certamente
não se pode negar que Deus e Sua vontade são moralmente bons. Eles são essencialmente e
necessariamente bons. Essa bondade moral depende de Ele querer ser moralmente bom de
forma essencial e necessária? Esse ato de vontade não teria de ser moralmente bom
antecedentemente? Em caso afirmativo, parece que Ele não pode desejar a bondade de seu
ato de vontade, uma vez que este teria de ser moralmente bom. O problema não é que isso
gera um regresso. Deus usualmente não se importa com regresso por ser descomunalmente
infinito. Com efeito, ele os saboreia e os come no café da manhã! O problema a respeito da
bondade moral da vontade de Deus é que, para o defensor da teoria do comando divino, a
bondade d'Ele surge do fato que a bondade moral está no conteúdo dos atos de vontade de
Deus. É assim que a vontade d'Ele gera a bondade. Se, no entanto, a bondade moral é criada ao
estar incluída no conteúdo da vontade de Deus, então ela não pode explicar a bondade moral
que se liga a esses atos de vontade. Isso é um problema.
Eu penso que isso precisa ser aceito. A própria bondade de Deus não pode ser
explicada pela teoria do comando divino. Essa é a má notícia. A notícia relativamente boa é
que não há razão por que outras bondades não possam ser assim explicadas. Podemos adotar
uma teoria restrita do comando divino. Ela, todavia, não é tão restrita, pois ainda fornece uma
explicação de todas as dependências M-N que povoam nossa vida moral humana.
Resta ainda um enigma a respeito da bondade moral de Deus e de Sua vontade. Bondade é
uma propriedade dependente, como todas as propriedades normativas: se algo é bom, deve
sê-lo em virtude de outras propriedades. (Isso é um problema para Platão, pois ele toma a
bondade como fundamental no mundo). A bondade de Deus depende da essência de Deus, o
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Uma saída do dilema de Eutífron
que quer que ela seja. A questão é como a bondade d'Ele se relaciona com os atos da Sua
bondade. Portanto, a teoria do comando divino não pode ser completamente geral. Há duas
possibilidades restantes. A primeira é que a vontade d'Ele depende de Sua bondade, que, por
sua vez, depende de Sua essência. A segunda é que tanto a vontade quanto a bondade d'Ele
dependem de Sua essência, mas nem a vontade nem a bondade d'Ele dependem uma da outra.
Em ambas as visões, a bondade de Deus é intimamente relacionada com a Sua vontade: ambas
fluem da essência inescrutável de Deus (Maimônides, 1958). Sua vontade não explica, porém,
Sua bondade. Para o defensor da teoria do comando divino, a bondade de Deus tem uma
explicação especial – ela é a exceção – e a bondade de todas as outras coisas dependem da
vontade de Deus.
Coda
Minha proposta, portanto, é que Deus tem razões para querer a bondade das coisas.
Essas razões não são razões morais. Elas são as razões pessoais d'Ele, que dizem respeito a Ele
ou às coisas que tem relação com Ele.
Eu confesso não poder dizer quais são, de fato, as razões pessoais de Deus. Não posso
colocá-las sobre a mesa: isso é pedir demais! (Deus é famosamente inescrutável). Mas,
contanto que as razões de Deus sejam pessoais e careçam de conteúdo moral – como as
preocupações dos cultivadores de rosa com as rosas -, a teoria do comando divino não está
fora de questão. Razões pessoais não morais podem ser boas para nós humanos, ainda que
elas não sejam, nelas mesmas, razões morais (isto é, razões com conteúdos morais). Então,
por que não para Deus também? Se as razões de Deus têm conteúdo moral, então Deus sai de
cena. Porém, se as razões d'Ele têm conteúdo não moral, então a vontade de Deus pode ser a
fonte das normas da moralidade que se aplicam aos seres humanos.
A conclusão é somente que a teoria do comando divino é coerente, não que ela é
plausível. Para mostrar que ela é plausível, teríamos de ter alguma ideia de quais poderiam
ser as razões pessoais de Deus e que elas são boas razões e, além disso, que o que nós
tomamos como dependência M-N básicas necessitam de maior explicação, e também que
Deus é a melhor explicação para as últimas. Minha meta aqui, todavia, foi somente mostrar
3
uma maneira pela qual pode ser que a moralidade humana dependa de Deus .
Referências bibliográficas
KIERKEGAARD, Søren (1944) Either/Or, Volume 1 (Princeton NJ: Princeton University
Press).
MAIMONIDES, Moses (1958) Guide for the Perplexed (London: Dover Press).
PLATO (1997) 'Euthyphro', in Plato's Complete Works (Indianapolis: Hackett).
2
Agradecimentos aos membros dos meus seminários de meta-ética na Universidade Estadual de Ohio, onde eu tentei pela
primeira vez essa linha de argumentação. Agradecimentos também a Mike Burley, David Enoch, John Hare e o parecerista
anônimo desse periódico [Religious Studies]. Também sou grato pelo apoio de uma bolsa de estudos Lady Davis da Universidade
Hebraica de Jerusalém, onde este ensaio foi concluído.
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65
É possível discutir ética a partir de Temor e Tremor? Possíveis objeções a teseskierkegaardianas e seus desdobramentos
É possível discutir ética a partir de Temor e
Tremor? Possíveis objeções a teses
kierkegaardianas e seus desdobramentos1
Marcio Gimenes de Paula (*)
Resumo:
A história de Abraão - e a ordem divina para o
sacrifício do seu filho Isaac – é, como muitos de nós
sabemos, a fonte de inspiração para algumas reflexões
de Kierkegaard em Temor e Tremor. A partir de tal
episódio, Johannes de Silentio, o pseudonímico autor
da obra, além de fazer uma ode à fé como a mais alta
das paixões, questiona-se também acerca de um
problema que, segundo sua interpretação, parece
central, isto é, a suspensão teleológica da ética. Assim,
o objetivo do presente artigo é investigar,
notadamente a partir das reflexões de Kierkegaard
uma possível interpretação para a suspensão
teleológica da moral, em que circunstâncias tal coisa
efetivamente ocorre e como podemos inseri-la nos
debates éticos da filosofia do século XIX.
Palavras chave:
Ética, Filosofia Contemporânea, Filosofia da Religião,
Kierkegaard.
(*) Departamento de Filosofia
Universidade de Brasília – UnB
[email protected]
Abstract:
The story of Abraham - and the divine command to
sacrifice his son Isaac - is, as many of us know, the
source of inspiration for some reflections of
Kierkegaard in his work Fear and Trembling. From
this episode, Johannes Silentio, the pseudonymous
author of the work, and make an ode to faith as the
highest of the passions, wonders also about a problem
that, according to his interpretation, it seems central,
ie, about the teleological suspension of morality. The
objective of this paper is to investigate, especially
from the reflections of Kierkegaard a possible interpretation for the teleological suspension of morality
and in what circumstances such a thing does occur
1
Trabalho originalmente apresentado no I Colóquio Kant e Kierkegaard: acerca da moral e da religião, realizado no dia 14 de
Maio de 2014, na Universidade de Brasília.
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66
É possível discutir ética a partir de Temor e Tremor? Possíveis objeções a teseskierkegaardianas e seus desdobramentos
and where we can insert it in the ethical debates of
philosophy of the nineteenth century.
Key words:
Ethics, Contemporary Philosophy, Philosophy of Religion, Kierkegaard.
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É possível discutir ética a partir de Temor e Tremor? Possíveis objeções a teseskierkegaardianas e seus desdobramentos
Introdução
Especialmente após os trágicos episódios de 11 de Setembro de 2001, as razões de
um indivíduo solitário e suas crenças muito particulares, parecem ter se tornado cada vez
mais difíceis de serem compreendidas ou – ao menos – aceitas dentro de um contexto social
mais abrangente e, de modo especial, em sociedades democráticas. O medo e o desacordo de
boa parte das pessoas diante de tais personagens e situações não parece desprovido de
fundamento. Afinal, homens que, acreditando-se cumpridores de uma missão divina, aceitam
chocar seus aviões contras as torres gêmeas, não parecem admitir nenhum tipo de discussão
acerca de suas posições ou convicções. O que, portanto, podemos fazer ou pensar diante de tal
situação?
Desse modo, a figura de Abraão, patriarca da fé das três religiões monoteístas,
representa um imenso desafio para discussões éticas contemporâneas e, pelo que se pode
notar, Kierkegaard sabia disso. Afinal, como compatibilizar, por exemplo, uma ética
produzida consensualmente em sociedade com a figura de um indivíduo singular que,
ouvindo um comando divino, parte para assassinar, se necessário for, o seu próprio filho? Em
qual grau a atitude de Abraão teria alguma diferença da atitude dos fanáticos religiosos? Em
outras palavras, Temor e Tremor de Kierkegaard é um livro sobre ética ou sobre a fé? Em qual
sentido ambas podem conviver?
Penso que uma hipótese para investigar tal questão é não apenas uma análise dessa
obra de Kierkegaard, mas de outro importante trabalho posterior do autor dinamarquês.
Refiro-me aqui ao Pós-Escrito às Migalhas Filosóficas, mas especificamente a sua seção 2,
intitulada O problema subjetivo, ou como tem que ser a subjetividade para que o problema
possa se apresentar a ela. Aqui reside, segundo avalio, uma importante chave de leitura para
compreensão da ética kierkegaardiana exposta em Temor e Tremor, mesmo sendo essa obra
de 1843 e o Pós-Escrito de 1846, mesmo sendo cada uma delas de autoria de um pseudônimo
distinto e mesmo tendo o Pós-Escrito a autoria do próprio autor somada ao pseudônimo.
Desse modo, o artigo possui três divisões, a saber: a) Ética e subjetividade: as teses do PósEscrito ajudando a ler a figura de Abraão em Temor e Tremor; b) O que significa a suspensão
teleológica da ética nesse contexto?; c) Conclusão. Passemos ao primeiro movimento.
a)Ética e subjetividade: as teses do Pós-Escrito ajudando a ler a figura de Abraão em
Temor e Tremor
Como já apontam autores como Jacob Holand e Álvaro Valls, a obra kierkegaardiana
parece se situar entre duas das principais referências da subjetividade, a saber, a figura do
irônico Sócrates e a suma imagem do mistério representada por Cristo2. Desse modo, penso
que o primeiro ponto para qualquer discussão acerca da ética em Kierkegaard não pode
desprezar tal alerta. Assim, nos argumentos do Pós-Escrito, tal influência é igualmente
perceptível. No capítulo 1 (o tornar-se subjetivo) da seção 2 (O problema subjetivo, ou como
tem que ser a subjetividade para que o problema possa se apresentar a ela), bem como no
2
Howland, J. 2006. Kierkegaard and Socrates – a study in Philosophy and Faith. CUP: Cambridge.
Valls, A. 2000. Entre Sócrates e Cristo – ensaios sobre a ironia e o amor em Kierkegaard. Edipucrs: Porto Alegre.
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68
É possível discutir ética a partir de Temor e Tremor? Possíveis objeções a teseskierkegaardianas e seus desdobramentos
decorrer de toda a obra, a influência é clara. Contudo, antes de adentramos propriamente
numa análise que conjuga ética e subjetividade, cabe perceber que tal análise é precedida de
dois outros importantes pontos: uma crítica do problema objetivo do cristianismo e um
elogio ao tema da subjetividade em Lessing.
Na época em que Kierkegaard viveu, bem como na segunda metade do século XIX, terá
uma extrema repercussão, notadamente no ambiente germânico, mas não exclusivamente
nele, a tese de que a adesão ao cristianismo passa antes por uma compreensão acerca de suas
teses e doutrinas. A raiz de tal afirmação é bastante antiga e, inclusive, remonta teses centrais
da própria concepção judaico-cristã que privilegia o ensino e a explicação de textos sagrados
como uma forma de propagação da religião. Por isso, a concepção de religião revelada e das
três religiões monoteístas como religiões do livro não parecem desprovidas de fundamento.
Na modernidade, um dos autores que percebe tal coisa com extrema clareza é Espinosa que,
em 1670, ao escrever sua obra o Tratado Teológico-Político, fornece as primeiras pistas não
apenas para uma secularização da sociedade em termos políticos, mas também fornece um
suporte bastante significativo para aquilo que chamaremos nos séculos XIX e XX, como a
exegese moderna dos textos sagrados. Desse modo, a filosofia alemã do século XIX, na qual
Kierkegaard está inserido mesmo sem ser alemão, parece manter um elo de continuidade
com a concepção espinosana e, nesse sentido, as inúmeras histórias sobre a vida de Jesus, que
começam por Hegel, e que passam por obras de Strauss, Bruno Bauer, Feuerbach, Stirner,
Renan e outros, na mais seriam do que um espinosismo vivo no século XIX. Desse modo, Hegel
e os pós-hegelianos, incluindo Kierkegaard entre eles, seriam espinosanos ao seu modo, ora
oscilando entre o louvor das teses do mestre e ora refutando-as publicamente.
O fato é que, segundo tal concepção, ressalta-se no cristianismo, cada vez mais, o seu
lado histórico em detrimento de sua outra faceta, talvez aquela que mais lhe faz justiça, a
saber, o seu lado eterno, subjetivo, existencial, ligado a uma escolha e decisão do indivíduo
dentro do tempo. Para combater tal tese exagerada de um cristianismo temporal, objetivo e
absolutamente explicado dentro do tempo, Kierkegaard parece construir uma explicação
bastante engenhosa, mas que não deixa de ser também, num tempo de excessos, uma
caricatura. Segundo ele, se o cristianismo pode ser compreendido dentro do tempo, ele não é
mais eterno. Se pode, aliás, ser compreendido, não é mais cristianismo, pois a fé é
precisamente aquilo que, segundo num tradição que vem desde os dias de Tertuliano, não
pode ser explicada, a fé não se constitui num conhecimento. Logo, não pode se tornar objetiva,
não pode se tornar sistemática, não pode fazer parte da história mundial e não pode
desprezar a existência e a escolha do sujeito, tal como parece afirmar esse pequeno trecho do
Pós-Escrito:
Para que serve a demonstração? A fé não precisa dela, pode até mesmo
considerá-la sua inimiga. Ao contrário, quando a fé começa a envergonhar-se
de si mesma; quando, como uma amante que não se pode contentar com amar,
mas que no fundo se envergonha de seu amado e por isso precisa provar que
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É possível discutir ética a partir de Temor e Tremor? Possíveis objeções a teseskierkegaardianas e seus desdobramentos
ele é algo de notável; portanto, quando a fé começa a perder a paixão, portanto,
quando a fé começa a deixar de ser fé, aí a demonstração se torna necessária
para que se pode desfrutar da consideração burguesa da descrença
(Kierkegaard, 2013, p. 36).
Kierkegaard estaria, então, desprezando toda e qualquer relação da fé cristã com o
conhecimento e com a história? Penso que não. Acho que a explicação possui um grau de
complexidade maior do que aquilo que se costumeiramente avaliar e que pode, em boa
medida, ser compreendida quando entendemos que o autor dinamarquês combate uma
caricatura de cristianismo (e de filosofia) do século XIX com outra caricatura. Ele não parece
advogar a tese de que algumas verdades do cristianismo não podem ser ensinadas. Portanto,
seguindo uma tradição, pode-se, até um dado limite, aproximar fé e conhecimento. Ele
também não parece advogar a tese de que a história mundial, esse conceito que fica tão
célebre com Hegel, não pode abordar, com um de seus fenômenos, a existência do
cristianismo como algo imanente. Contudo, o problema parece antes residir numa tentativa
de compreender o cristianismo, a todo preço, como algo totalmente temporal, como uma
realidade totalmente secularizada, algo que não faz mais justiça a um aspecto importante da
sua essência. Curiosamente, dois autores que não parecem advogar teses cristãs, como Heine
e Feuerbach, parecem estar muito próximos do que pensa Kierkegaard na medida em que
reconhecem que a precariedade do cristianismo moderno e secularizado e que a religião,
enredada num tentativa de explicar sua doutrina a todo preço, termina por engendrar sua
auto-destruição3.
Com efeito, a partir da crítica kierkegaardiana ao cristianismo como algo meramente
histórico e objetivo, podemos nos acercar do seu elogio a Lessing. No seu entender, o
pensador alemão é uma figura singular e seu apreço pela subjetividade merece todo nosso
reconhecimento e louvor. Contudo, Kierkegaard se depara aqui com uma situação curiosa:
elogiar a subjetividade, mas enquadrá-lo num modelo objetivo e sistemático, consiste num
equívoco. Talvez, o mesmo equívoco no qual Xenofonte caiu ao elogiar Sócrates de tal maneira
que tornou a sua filosofia inofensiva. Desse modo, o autor dinamarquês articula uma
proposta: o melhor elogio que pode fazer a um autor subjetivo e exercer a sua subjetividade.
Não se trata de ter Lessing como exemplo, num horizonte intocável, mas de filosofar ao
melhor modo de Lessing, isto é, assumindo-se como uma criatura existente, tal como já
4
parece ter percebido, com extrema argúcia, Jacob Howland .
Feita a crítica ao problema objetivo do cristianismo e elogio da subjetividade de
Lessing, resta agora saber o que Kierkegaard parece compreender por ética e subjetividade a
partir do Pós-Escrito. Ali, de modo muito curioso, o pensador parece fazer brotar uma
concepção sui generis de ética. Enfatizando, a partir da interpretação socrática e também da
filosofia grega, que a ética advém do fulcro da subjetividade, Kierkegaard parece se fixar num
ponto onde, talvez, Hegel e a concepção hegeliana, pouco se detiveram, a saber, a esfera da
subjetividade e objetividade. No entender do pensador dinamarquês, embora a filosofia
3
Refiro especialmente aqui a tese de Heine exposta em Contribuição à história da religião e da filosofia na Alemanha e a
crítica do cristianismo moderna feita por Feuerbach em A Essência do Cristianismo.
4
Howland, Jacob. Lessing and Socrates in Kierkegaard´s Postscript IN Furtak, Rick Anthony (ed.). 2010. Kierkegaard´s
Concluding Unscientific Postscript – A critical guide. CUP: Cambridge.
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É possível discutir ética a partir de Temor e Tremor? Possíveis objeções a teseskierkegaardianas e seus desdobramentos
moderna comece pela subjetividade e defenda categoricamente tal posição, a mesma não
passa de um rápido introito da história da filosofia e, logo na segunda aula, o desejo principal
consiste na sua superação, na positivação, na objetivação e na construção de sistema. Desse
modo, Sócrates, o pensador negativo, que por sua ironia não chega ao sistema, ao positivo e a
conclusões, parece ser apenas o ponto de partida, mas nunca o ponto de chegada da filosofia.
A questão aqui talvez resida num debate entre dois termos, que, mais adiante abordaremos:
Sittilichkeit (como ética) e Moralität (como a moral em sentido subjetivo e individual).
Curiosamente, no caso de Sócrates, Kierkegaard, a despeito da crítica, talvez até pudesse
concordar com a tese de que Sócrates é o ponto de partida. Contudo, quando o cristianismo é
englobado no processo da história mundial e compreendido do mesmo modo parece haver
um equívoco.
Ao colocar uma ênfase maior na subjetividade – e não compreendê-lo como mero
ponto antecipatório da objetivação – Kierkegaard termina por construir, a partir daqui, sua
crítica ao conceito de ética compreendido dentro da história, dos costumes, das sociedades.
Evidentemente não significa que ele negue tal coisa, mas apenas que faz uma diferenciação no
seu acento. Isso também não significa que tal tipo de subjetividade se confunda com algum
gênero de subjetivismo, mas sim que ele defende uma espécie de interioridade aguçada
dentro da subjetividade, uma espécie de paixão ardorosa que dará imensa importância ao
conceito de reapropriação onde a verdade do objetivo é antes algo que constitui numa espécie
de verdade para o sujeito. Não se trata, nesse contexto, de afirmar algo que seja subjetivismo
ou relativismo, algo que fale que existem tantas verdades quanto forem os indivíduos, mas
sim de uma verdade que brote como reapropriação de subjetividades aguçadas. Penso que
nesse espírito é que se pode compreender a confissão feita pelo pseudonímico Johannes
Climacus, o autor do Pós-Escrito:
Eu, Johannes Climacus, não sou nada mais, nada menos, do que um ser
humano; e presumo que aquele com quem tenho a honra de conversar é
também um ser humano. Se ele quiser ser a especulação, a especulação pura,
terei de desistir de conversar com ele; porque, no mesmo instante, ele se torna
invisível para mim e para o olhar frágil e mortal de um ser humano
(Kierkegaard, 2013, p. 113).
Feito tal movimento, onde também se almeja recuperar a dialética da filosofia antiga
em detrimento da especulação, penso que há agora condições de compreendermos Abraão
em outra chave interpretativa.
b) O que significa a suspensão teleológica da ética nesse contexto?
Como muitos leitores de Temor e Tremor sabem, o primeiro dos três problemas
abordados na obra é “haverá uma suspensão teleológica do ético”? A pergunta instigante feita
para analisar o caso de Abraão deve ser, antes de mais nada, compreendida enquanto
suspensão do télos da ética e, portanto, não da ética ela mesma e menos ainda a sua abolição.
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É possível discutir ética a partir de Temor e Tremor? Possíveis objeções a teseskierkegaardianas e seus desdobramentos
Em outras palavras, haveria alguma situação onde a finalidade da ética pudesse ser
suspensa?
Para o filósofo estadunidense MacIntyre, a concepção de Kierkegaard sobre ética
parece originar-se de um equívoco que teria comprometido o que se compreende por ética no
contexto ocidental:
Kierkegaard evoca essa importantíssima ideia nova da escolha radical e
suprema para explicar como o indivíduo se torna cristão e, nessa época, sua
caracterização da ética já mudou radicalmente. Isso já se tornara bem claro,
mesmo em Temor e Tremor (Frygt og Bæven), de 1843... Essa ideia destrói
toda a tradição da cultura moral racional – caso ela própria não possa ser
derrotada (MacIntyre, 2001, 81-82).
Tal tese de MacIntyre encontra ressonância também na concepção de Tugendthat,
que advoga que “Kierkegaard abandonou o caráter racional da moral” (Tugendhat, 1997, p.
231). A despeito de já ser MacIntyre (tal como também o é Tugendhat) um autor consagrado
no campo da Ética e também já haver surgido um intenso debate de suas teses acerca da
5
filosofia kierkegaardiana , penso que vale a pena uma reflexão sobre sua afirmativa de que
ética kierkegaardiana exposta em Temor e Tremor representa, na verdade, a derrocada da
cultura moral racional. O autor, inclusive, aprofunda tal crítica ao afirmar, no mesmo Depois
da Virtude, que “Kierkegaard a fundamenta [a moral] na escolha fundamental sem critérios,
devido ao que acredita ser a natureza inapelável das ponderações que excluem tanto a razão
quanto as paixões” (MacIntyre, 2001, p. 95). Dois problemas parecem ficar evidentes aqui: o
primeiro é que o autor não compreendeu que Temor e Tremor não é, na realidade, um livro
sobre ética, mas sim um ode, um ato de louvor à fé como a mais alta das paixões, sendo o seu
pseudonímico autor convocado, como uma espécie de rapsodo, o lírico Johannes de Silentio.
O segundo é que a escolha de Abraão, embora seja um ato da vontade, também obedece a um
imperativo divino, tal como aquele que também aparece nos Evangelhos e dará suporte para a
ética kierkegaardiana do amor, tão bem exposta nas Obras do Amor de 1847. Desse modo, o
problema de Temor e Tremor, ainda que tenha inúmeras semelhanças e influências do
cristianismo não é, a rigor, um trabalho sobre o cristianismo ou sobre o tornar-se cristão. É
certo que o tema do paradoxo aparece e aqui se afirma, mas não temos, ao pé da letra, um
cristianismo confesso no seu mais alto grau, pois, segundo seu entender, o paradoxo também
ocorre na filosofia.
MacIntyre parece, contudo, ter um acerto na sua interpretação sobre Kierkegaard
especialmente quando relaciona a ética kierkegaardiana com algumas das interpretações
morais de Kant. Para ele, parece bastante evidente que, por conta do afastamento do
pensador dinamarquês acerca das teses hegelianas da moral, torna-se perceptível uma
natural aproximação dele com as teses kantianas. O filósofo denomina tal coisa como uma
espécie de dívida positiva.
Feitas tais observações, voltemos ao texto de Temor e Tremor. O pseudonímico autor
5
Davenpord, J. e Rudd, A (Ed.) .2001. Kierkegaard After MacIntyre. Essays on Freedom, Narrative, and Virtue. Open Court.
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É possível discutir ética a partir de Temor e Tremor? Possíveis objeções a teseskierkegaardianas e seus desdobramentos
Johannes de Silentio começa a articulação desse texto apontando que “o ético enquanto tal é
universal” (Kierkegaard, 2013, p.111). Nesse sentido, Abraão parece claramente atentar
contra o ético, pois sua história e sua atitude de obediência à voz divina e sacrifício do seu filho
parece inaceitável. Em outras palavras, sua história torna o singular acima do geral. O autor
do texto aponta claramente que tal singularidade, tal como já parece apontar Hegel na
Filosofia do Direito, se constitui numa espécie de forma moral do mal6. Segundo a tradutora
portuguesa de Temor e Tremor, Elisabete Sousa, podemos situar aqui não apenas um debate
das teses kierkegaardianas com Hegel, mas também com Kant. Afinal, seu texto não deixa de
ser também uma resposta a um tipo de interpretação acerca da história de Abraão que
também havia sido defendida por Kant:
Ao longo desta secção, Johannes de Silentio procede à verificação da
inoperabilidade das formulações hegelianas sobre o ético, definido como
universal, no que diz respeito às implicações do sacrifício de Isaac para a
consideração de Abraão como pai da fé para todas as gerações. Para então
provar como a ética e o direito estabelecidos pelos costumes e instituições
(Sittilichkeit), prevalecendo igualmente na consciência moral do indivíduo
(Moralität), não podem fundamentar a categoria que atribui a Abraão, a de
singular que é superior ao universal, Johannes de Silentio recorre a sucessivos
exemplos e contra-exemplos através dos quais refuta o julgamento da
conduta de Abraão de acordo com uma hipotética finalidade social. Porém, ao
apropriar-se das concepções de Hegel, descontextualiza-se e incorre por
vezes em generalizações abusivas, que a devido tempo se assinalam em nota.
Por outro lado, Johannes de Silentio responde cabalmente a Kant, quando em
Der Streit der Fakultäten (O Conflito das Faculdades) propõe que, em coerência
com o imperativo categórico, Abraão desobedeça e interpele directamente
essa voz divina, convicto do seu dever como pai, ao mesmo tempo que expõe a
sua dúvida sobre a autenticidade dessa voz vinda de um Deus que não se deixa
ver (Kant, AA VII, pág. 65). Ao suspender o ético, retira-se igualmente a
centralidade colocada por Kant nessa voz divina que escapa ao domínio da
razão, porque permanece invisível e impossível de identificar” (Kierkegaard,
2009, p. 111, nota 122).
No caso de Kant podemos ver diretamente que o autor alemão interpreta a voz que
Abraão escuta, e afirma ser um imperativo, como algo que pode ser ilusório e, por isso, sugere
uma espécie de teste:
Pode servir de exemplo o mito do sacrifício que Abraão quis fazer, por ordem
divina, mediante a imolação e a cremação do seu único filho (a pobre criança
teve ainda, sem saber, de transportar a lenha). A essa pretensa voz divina,
Abraão deveria responder: 'É de todo certo que não devo matar o meu bom
filho; mas não estou seguro de que tu, que me apareces, sejas Deus, e que tal te
6
Especialmente a passagem da Filosofia do Direito denominada O Bem e a Consciêcia Moral (terceira seção, segunda parte).
Hegel, G.W.F. 2010. Filosofia do Direito. Unisinos/Unicap/Loyola: São Leopoldo/Recife/São Paulo.
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É possível discutir ética a partir de Temor e Tremor? Possíveis objeções a teseskierkegaardianas e seus desdobramentos
possas tornar, mesmo se essa voz ressoasse a partir do céu (visível)' (Kant,
1993, p. 76, nota 16).
Já Hegel talvez não esteja equivocado ao compreender o ético como algo ligado com a
esfera do universal. Seu equívoco se deu quando compreendeu que essa seria a totalidade da
explicação, quando julgou o ético mais importante que o moral. Contudo, o problema não
parece residir aqui, mas em compreender o ético como equivalente à esfera da felicidade, isto
é, como algo responsável pela beatitude ou salvação. Em outras palavras, o erro de Hegel
reside em desejar compreender a fé no âmbito da ética, reduzindo-a a esse tipo de concepção.
Desse modo, parece fazer sentido recuperar aqui o que será exposto depois no Pós-Escrito:
O cristianismo quer, de fato, dar de presente ao indivíduo uma felicidade
eterna, um bem que não é distribuído no atacado, mas é só para um, um único
de cada vez. Se o cristianismo admite que a subjetividade, como possibilidade
da apropriação, é a possibilidade da aceitação desse bem, ele não supõe,
contudo, que a subjetividade sem mais nem menos esteja pronta e acabada,
que tenha, sem mais nem menos, uma ideia real do significado desse bem
(Kierkegaard, 2013, p. 134).
Por isso, por meio da história singular de Abraão, Silentio só pode chegar a um tema
milenar da tradição, mas que parece esquecido ou relegado ao esquecimento no século XIX: o
tema do paradoxo. Aliás, cabe frisar que não se trata apenas de um tema do cristianismo, mas
da própria filosofia grega:
A fé, como efeito, é o paradoxo de o singular ser superior ao universal, mas é
de destacar a forma como o movimento se repete: depois de o singular haver
estado no universal, isola-se agora enquanto singular como superior ao
universal. Se não for isto a fé, Abraão estará, então, perdido, nunca no mundo a
fé terá existido precisamente porque sempre existiu. Ora se o que é ético, i.e, o
que é moral, é o máximo, e se nenhuma incomensurabilidade permanece no
homem de outra forma que não seja esse incomensurável ser o mal, i.e., o
singular que deve exprimir-se no universal, nem necessitamos sequer de
outras categorias além das que os filósofos gregos possuíam, ou das que delas
possam derivar-se por meio de um pensamento consequente. Não era coisa
que Hegel devesse ter escondido, pois na realidade dedicara-se ao estudo dos
gregos (Kierkegaard, 2009, pp. 113-114).
Se o paradoxo é essa esfera onde o singular encontra-se acima do universal somente
essa pode ser a chave para uma aproximação da figura de Abraão. Contudo, diferentemente de
um herói trágico, que ainda pode encontrar algum tipo de apoio ao conforto no universal, o
gesto de Abraão não goza da mesma prerrogativa. A história do patriarca desperta um tipo de
horror religioso. O escândalo paradoxal é que a justificativa da história só pode ocorrer pelo
singular, por isso Abraão pode ser tomado mais por um cavaleiro da fé do que por qualquer
tipo de heroísmo.
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É possível discutir ética a partir de Temor e Tremor? Possíveis objeções a teseskierkegaardianas e seus desdobramentos
c)Conclusão
Johannes de Silentio conclui, do seguinte modo, a sua análise do problema se há uma
suspensão teleológica do ético:
A história de Abraão contém então uma suspensão teleológica do ético. Como
singular tornou-se superior ao universal. Este é o paradoxo que não se deixa
mediar. É tão inexplicável o modo como Abraão entrou nesse paradoxo,
quanto é inexplicável o modo como nele permaneceu. Se não é esta a situação
de Abraão, nem sequer é herói trágico, é antes assassino. Querer continuar a
chamar-lhe pai da fé, falar dele a homens, que com nada mais se preocupam
além de palavras, é uma insensatez. Um homem é capaz de chegar a herói
trágico pelas próprias forças, mas o cavaleiro da fé não é. Quando um homem
segue esse caminho, árduo num certo sentido, do herói trágico, muitos haverá
que poderão aconselhá-lo; a quem segue pelo estreito caminho da fé ninguém
pode dar conselho, ninguém o pode entender. A fé é um prodígio e todavia
nenhum homem dela se encontra excluído; pois que toda a vida humana está
unida na paixão e a fé é uma paixão (Kierkegaard, 2009, p. 125).
Contudo, antes desse ser apenas um problema de teologia, há aqui, segundo Silentio,
uma outra questão: em outros tempos, a filosofia também foi paixão. Agora, no distante
século XIX, tal coisa parece haver se perdido. Talvez possa ser uma pista para uma nova
investigação, mas que vai além das pretensões dos limites desse trabalho.
Referências bibliográficas
Davenpord, J. e Rudd, A (Ed.) .2001. Kierkegaard After MacIntyre. Essays on Freedom, Narrative, and Virtue. Open Court.
Feuerbach, L. 2009. A Essência do Cristianismo. Vozes: Petrópolis.
Hegel, G.W.F. 2010. Filosofia do Direito. Unisinos/Unicap/Loyola: São Leopoldo/Recife/São
Paulo.
Heine, H. 1991. Contribuição à história da religião e da filosofia na Alemanha. Iluminuras: São
Paulo.
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(ed.). 2010. Kierkegaard´s Concluding Unscientific Postscript – A critical guide. CUP:
Cambridge.
__________. 2006. Kierkegaard and Socrates – a study in Philosophy and Faith. CUP: Cambridge.
Kant, I. 1993. O Conflito das Faculdades. Edições 70: Lisboa
Kierkegaard. S. A. 2013. Pós-Escrito às Migalhas Filosóficas – vol. I. Vozes: Petrópolis.
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________________ . 2009. Temor e Tremor. Relógio d ´Água: Lisboa.
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