Esta pesquisa de mestrado situa-se entre os estudos de Lingüística

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CHAMAM-ME COMPLEXO: DESMISTIFICANDO O PREDICADOR CHAMAR NAS
NARRATIVAS PORTUGUESAS DOS SÉCULOS 15 E 16.
Esta pesquisa de mestrado situa-se entre os estudos de Lingüística Histórica, mais
especificadamente, da História do Português, e se enquadra na teoria gerativa da
gramática, em particular na teoria da mudança gramatical em Kroch (2001), buscando
na descrição de fenômenos de mudança diacrônica, ampliar nosso conhecimento sobre a
língua atual.
Este trabalho, baseado em narrativas portuguesas dos séculos 15 e 16, pretende
descrever gramaticalmente o predicador CHAMAR quando este significa “nomear” e
“possuir nome”. Até o momento foram analisadas 1.470 sentenças, em um conjunto de
6 textos.
Aqui nos interessa dois tipos de construções: as transitivas do tipo “X chama (a) Y (de)
Z”, e as estativas do tipo “Y chama-se Z”. Sendo que em ambas as construções X=
“agente”, aquele que “executa a ação” expressa pelo verbo, Y= “designando”, aquele
que recebe a denominação dada e Z= “ designação”, ou seja, a denominação
propriamente dita, conforme Perini (2008)1.
(1) X chama (a) Y (de) Z
(a) Chamei a Pedro de bobo.
(b) Chamei-lhe de bobo.
(c) Chamei a Pedro de bobo.
(d) Chamei-lhe de bobo.
(e) Chamei Pedro bobo.
(f) Chamei-o bobo.
(g) Chamei Pedro bobo.
(h) Chamei-o bobo.
1
Segundo PERINI (2008), em sua lista das diáteses do Português Brasileiro, os verbos chamar, xingar,
batizar, rotular e apelidar ocorrem em construções de Designação cujos papéis temáticos são: agente,
designando, designação. “Designando é a entidade que recebe uma Designação. È possível que o
Designando seja um Paciente, em nível esquemático.”(p.300)
(2) Y chama-se (de) Z
(a) Ele chama-se Pedro.
(b) Ele se chama Pedro. (PB)
(c) Ele chama Pedro. (PB)
Investigaremos o comportamento do CHAMAR em relação a sua estrutura argumental
e grade temática, visto que este predicador é considerado pela GT2 como um verbo
anômalo com predicado complexo, selecionando sujeito, OD preposicionado (ou OI)
e predicativo do objeto (cf. Cunha & Cintra, 2001).
Entendemos o CHAMAR como um predicador de três argumentos, aparecendo em
construções transitivas. Nossa hipótese é que este predicador sofreu mudanças
semânticas,
associando-se
argumentalmente
a
outros
predicadores
parecidos
semanticamente, originando construções estativas do tipo Y chama-se Z.
Defenderemos também que estas construções estativas se originaram de predicados
nominais do tipo aver nome, freqüentes em narrativas, e que desapareceram ao longo do
tempo (c.f. Ranchhod, 1999).
(3)
(a) “[...] hũu (rey) que avya nome Costa” ( que se chamava Costa )
(b) “[...] des alli ouve nome Tarique” (“que desde então se chamou Tarique”)
As construções transitivas podem tornar-se semanticamente ambíguas quando
modificadas pelo apagamento do agente e/ou pelo deslocamento do “designando”,
principalmente, quando este aparece não-preposicionado. Apagando-se o agente
podemos interpretamos 4(b) como uma construção transitiva onde alguém atribui um
nome, ou como uma construção estativa do tipo “aver nome”:
(4)
(a) [As figuras destas letras]- Compl chamam [os gregos]- SUJ [caracteres]- NOME
(b) [As figuras destas letras]-Compl chamam [____]- SUJ [caracteres]- NOME
(c) [As figuras destas letras]-SUJ chamam-se [caracteres]-NOME
2
Gramática normativa tradicional.
Além disso, Paixão de Sousa em trabalhos recentes sobre a proeminência à esquerda no
Português Clássico (PC), tem mostrado que o PC possui uma gramática orientada para o
tópico. Uma de suas hipóteses é que na estrutura do PC haveria “uma posição préverbal imediata para os constituintes proeminentes (tópico ou foco) que não se
confunde com a posição de sujeitos.”
Assim, a ordem dos constituintes no PC não nos permite inferir o sujeito da sentença,
nem determinar os papéis temáticos, pois na periferia esquerda do verbo encontraremos
aquele elemento mais importante, independente do verbo.
(5) Proeminência à esquerda no PC
(a) [A quinta capitania a que chamam Porto Seguro]-OBJ conquistou [Pero do Campo
Tourinho]-SUJ {Gandavo}
(b) [Destes e de outros extremos...]- OBJ carece esta província
Tais hipóteses colaboram em nossa análise, visto que já encontramos em nossos dados
um grande número de estruturas cuja proeminência à esquerda é freqüente.
Portanto, no PC, estruturas cujo complemento ocupa a posição à esquerda do verbo
acabam produzindo certa ambigüidade em suas interpretações, principalmente quando
ocorre o apagamento do agente. O complemento, ocupando a posição do sujeito
sintático, passa a ser confundido com o agente da sentença, sendo reanalisado como o
sujeito semântico. É dessa forma que construções transitivas com o CHAMAR
significando “nomear” podem ser interpretadas como estativas significando “possuir
nome”, alterando a diátese desse predicador.
O trabalho, em fase inicial, suscita diversos questionamentos, que por um lado,
corroboram com a dificuldade dos gramáticos em descrever a regência de CHAMAR, e
por outro, revela a necessidade de uma descrição gramatical mais abrangente que
explique as variações e mudanças ocorridas nessas construções.
BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIAS
CUNHA, C. & LINDLEY CINTRA, L.F. (2001). Nova Gramática do Português
Contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
RANCHHOD, Elisabete M. (1999), “Construções com Nomes Predicativos na Crónica
Geral de Espanha de 1344”. In: Lindley Cintra. Homenagem ao Homem, ao Mestre e ao
Cidadão, pp. 667-682, organização de Isabel Hub Faria, Lisboa: Cosmos.
PAIXÃO DE SOUSA (2008). A Proeminência à esquerda na diacronia do Português:
Inovação e Continuidade. Trabalho apresentado no XV Congresso Internacional da
Associação de Lingüística e Filologia da América Latina ALFAL, Montevidéu.
KROCH, A. (2001) "Syntactic Change". In: M. Baltin and C. Collins, (eds.) The
handbook of contemporary syntactic theory, Blackwell Publishers Inc., Oxford, Mass,
pp. 699-729.
PERINI, M.A. (no prelo). Estudos de Gramática Descritiva – As valências verbais. São
Paulo: Parábola.
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