XXIVe Congrès International de Linguistique et de Philologie Romanes Université du Pays de Galles, Aberystwyth, 1er – 6 août 2004 Objectos cognatos e determinação verbal* Susana Gomes Pereira Neste trabalho propõe-se uma análise das construções com ‘objectos cognatos’. A partir da análise de um conjunto de dados do português europeu, opta-se por uma descrição unificada do ‘objecto’, tendo em conta a sua relevância no contexto da relação predicativa. Postular a existência de ‘objectos cognatos’ corresponde, de certa forma, a categorizar o que é sentido como um caso excepcional, face à dicotomia estabelecida entre verbos transitivos e verbos intransitivos. Os critérios que motivam, habitualmente, a delimitação desta classe parecem incapazes de fornecer uma distinção clara entre este tipo de objectos e quaisquer outros. A hipótese de factores de natureza morfológica poderem influir na delimitação do conceito de ‘objecto cognato’ é sugerida pela caracterização apresentada por Pereltsvaig (2001). De acordo com esta autora, estes SNs são caracterizados pelas seguintes propriedades: a) são SNs que contêm um N morfologicamente relacionado com o verbo; b) a modificação adjectival dentro do sintagma com objecto cognato é opcional; c) surgem em posição pós-verbal como os objectos directos não-cognatos; d) ocorrem com verbos inergativos e com verbos opcionalmente transitivos, excluindo a possibilidade de ocorrência com verbos inacusativos ou passivos. Admitindo que a classe de ‘objectos cognatos’ pode integrar todos os SNs que se encontrem numa relação derivacional ou lexical com o verbo, a análise deverá dar conta do conjunto de exemplos apresentado em (1)-(4). (1) a. *O João chorou dois choros b. *O João sonhou dois sonhos c. O João chorou um choro aflitivo d. O João sonhou um sonho maravilhoso (2) a. A Maria dançou duas danças b. João cantou duas canções (3) a. O João bebeu duas bebidas b. A Maria remendou dois remendos (4) a. *O João lavou duas lavagens b. *O João leu duas leituras Ao paradigma habitual, constituído por verbos como chorar, sorrir, dançar, cantar, juntam-se para análise os verbos: beber, remendar, lavar, ler. O funcionamento deste conjunto de exemplos é heterogéneo quando coocorre com o V cognato, não permitindo, numa primeira análise, justificar as agramaticalidades patentes nos exemplos em (1)-(4). ––––––– * Este trabalho inscreve-se num projecto de investigação financiado pelo programa Prodep III – Ministério da Educação/Fundo Social Europeu (Projecto 05.03/LVT/00181.010/02). A construção enunciativa de objectos linguísticos supõe que as possibilidades de determinação disponíveis para os nomes, em construções com objectos cognatos, podem ser entendidas como marcadores de operações. Nesta perspectiva, a forma como são construídas as ocorrências das noções lexicais quando categorizadas em N pode fornecer uma explicação integrada para os diferentes funcionamentos observados. A análise destas diferenças apoia-se em princípios topológicos, ao assumir a tripartição dos nomes em discretos, densos e compactos, derivando esta tripartição da forma como os nominais se definem num domínio nocional (cf. Correia 2002). Em síntese, pode dizer-se que as designadas ‘construções com objectos cognatos’ são enunciativamente bem formadas nos casos em que ao verbo se associam: - nomes que podem ter uma formatação densa ou discreta, constituindo neste último caso uma delimitação intrínseca da situação; - nomes cuja formatação compacta acrescenta, à construção de uma situação homogénea, uma alteridade qualitativa Naturalmente, são excluídas as sequências em que a inter-relação entre determinação nominal e determinação verbal não conduzem à estabilização enunciativa das formas. A opção por uma descrição unificada do objecto, que se defende neste trabalho, ao partir da caracterização das ocorrências nominais e das ocorrências verbais, conduz a uma análise que encontra nas diferentes formas de construção dos enunciados a justificação para o funcionamento aparentemente ‘anómalo’ dos objectos cognatos. Referências bibliográficas Brito, Ana Maria ( 52003) : Categorias Sintácticas. In Maria Helena Mateus et al. : Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa : Caminho, 323-432. Brito, Ana Maria, Fátima Oliveira (1997) : Nominalization, Aspect and Argument Structure. In : Gabriela Matos, Matilde Miguel, Inês Duarte e Isabel Hub Faria (orgs.) : Interfaces in Linguistic Theory. Lisboa : APL / Colibri, 57-80. Correia, Clara Nunes (2004) : Os Nomes e os ‘Verbos Suporte’. In : Tiago Freitas, Amália Mendes (orgs.) : Actas do XIX Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística. Lisboa : APL, 195-201. – (2002) : Estudos de determinação. 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