PARTE IO ambiente cósmico do Planeta Terra

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PARTE I
O ambiente cósmico do
Planeta Terra
A
o longo da segunda metade do século XX, o desenvolvimento da exploração
espacial levou a uma aproximação entre as comunidades científicas dos astrônomos e dos geólogos. Os geólogos entenderam que não podiam apreender a
evolução de seu objeto de estudo, a Terra, a não ser substituindo-o no seu contexto
universal. Independentemente dos aportes da planetologia comparada, a influência dos fenômenos cósmicos sobre as crises biológicas, como aquela das flutuações dos parâmetros orbitais sobre o clima e a sedimentação, foi várias vezes
desenvolvida pelos geólogos no decorrer desses últimos anos. Os astrônomos, por
sua vez, descobriram que os arquivos geológicos terrestres continham um registro
dos fenômenos cósmicos que estudavam e que, desse modo, era possível ter acesso a uma historicidade deles.
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PALAVRAS-CHAVE
1
O Universo
• Ano-luz, unidade astronômica, parsec
• Galáxias, aglomerados, superaglomerados, quasares e buracos negros
• Efeito Doppler, recessão das galáxias, lei e constante de Hubble
• Big Bang, Big-Crunch
• Constante cosmológica, matéria negra, WIMP
• Anomalia Pioneer, energia negra
• Irradiação fóssil
N
a Astronomia, a medida da distância é dada pelo tempo que a luz leva para
percorrê-la (v = 300.000 km/s). Assim, diz-se que a Lua está afastada em
torno de um segundo-luz da Terra, e o Sol, oito minutos-luz, sendo seu diâmetro da ordem de 20 segundos-luz. Entretanto, quando se considera a escala do
Universo, a velocidade da luz é muito baixa e, devido ao tempo necessário para
percorrê-lo, as informações que chegam à Terra são antigas. A luz é uma espécie
de máquina que possibilita remontar o tempo, como diz o famoso paradoxo
“Olhar longe é olhar antes”.
Os objetos mais afastados que podem ser observados atualmente pelo telescópio espacial Hubble, lançado em 1990, situam-se a 14 bilhões de anos-luz
(correspondem aproximadamente a 90% da idade do Universo). A análise da luz
que eles emitiram permite entender a época juvenil do Universo. O observador
parece encontrar-se no topo de uma “montanha do tempo”, onde seu olhar
mergulha no passado quando olha para todos os lados com que se depara. Portanto, não existe visão instantânea possível do Universo.
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Capítulo 1
O Universo
3
Para saber mais 1.1 Unidades de medida em astronomia
Três tipos de unidades de medida de distância são classicamente utilizados:
o ano-luz (al, ou seja 9,46 ⫻ 1012 km)
e seus submúltiplos que acabamos de
ver;
a unidade astronômica (UA), que corresponde à distância média da Terra
até o Sol (em torno de 150 ⫻ 106 km,
mais precisamente 149,6 ⫻ 106 km);
o parsec (pc), a unidade mais utilizada
pelos astrônomos, que se baseia na estimativa do ângulo de paralaxe* para
avaliar a distância das estrelas próximas (fig. 1.1). É a distância a partir da
qual um observador vê um segmento
de uma unidade astronômica de comprimento sob um ângulo de um segundo de arco. Um parsec é igual a 3,262
anos-luz, ou seja, 3,08568 ⫻ 1013 km.
1 parsec.
fundo
do céu
Sol
1 UA
paralaxe
(p)
estrela próxima
= 1 segundo de
arco (1’’)
FIGURA 1.1 O parsec, medida da distância das estrelas próximas por estimativa do
ângulo de paralaxe.
Devido à rotação da Terra em torno
do Sol, as estrelas próximas parecem efetuar uma revolução sobre “o fundo do
céu”. Duas observações, com 6 meses de
intervalo, permitirão, portanto, avaliar o
1.1
ângulo de paralaxe resultante. Pode-se
então definir o parsec como a distância à
qual deveríamos nos situar para observar
o raio da órbita terrestre (1 UA) sob um
ângulo de um segundo.
A ARQUITETURA DO UNIVERSO
1.1.1
As galáxias
A observação do céu noturno mostra que as estrelas concentram-se em uma faixa que
se estende como um grande círculo ao redor da abóbada celeste e que se conhece,
desde a Antiguidade, sob o nome de Via Láctea. Em 1750, Thomas Wright sugeriu
que as estrelas estariam agrupadas em uma espécie de “torta achatada”, dentro da
qual o Sistema Solar estaria situado. Assim, quando observamos a partir da Terra, vemos muito mais luz ao olharmos segundo esse plano do que em outras direções. Essa
hipótese foi, posteriormente, confirmada e hoje pensa-se que a Via Láctea é um disco
achatado (fig. 1.2), com um diâmetro de mais ou menos 100.000 al e uma espessura
* N. de T.: Paralaxe corresponde ao ângulo sob o qual um observador em um astro veria um segmento
cujo comprimento é igual ao raio da Terra, no caso de astros do Sistema Solar, ou ao semieixo maior da
órbita da Terra (uma unidade astronômica, UA), no caso das estrelas.
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de 6.000 al. O Sistema Solar situa-se a cerca de 30.000 al do centro do disco, um pouco ao “norte” do plano mediano. O disco está em rotação com velocidades que podem
atingir 250 km/s e apresenta gigantescos braços espirais. O Sol, na verdade, dá uma
volta em mais ou menos 240 Ma (1 Mega annu = 106 = 1 milhão de anos).
Pode-se, assim, definir um “ano galáctico”, em que o Sol teria uma idade da ordem
de 25 anos galácticos.
A massa de nossa galáxia é avaliada em 100 bilhões de massas solares. A galáxia
é constituída de estrelas (109 a 1011 estrelas), gases interestelares (em torno de1 átomo
de gás por cm3) e poeiras que representam uma massa que não pode ser negligenciada
(1 a 2% da massa estelar). Como as estrelas são muito afastadas umas das outras, não
há estrela a menos de 3 anos-luz do Sol. Do ponto de vista estelar, o céu é “vazio” e
as probabilidades de colisão entre duas estrelas são muito baixas.
Observam-se também manchas luminosas extensas chamadas de “nebulosas”. A
nebulosa de Andrômeda foi mencionada pela primeira vez pelo astrônomo árabe Al-Soufi em 964 d.C. Por sua vez, o astrônomo e filósofo alemão E. Kant foi o primeiro,
em 1755, a postular que algumas nebulosas podiam ser galáxias idênticas à nossa (porém outras, como a nebulosa de Orion, são massas gasosas situadas na nossa galáxia).
No século XIX, com a melhora dos telescópios, foi possível evidenciar a forma elíptica ou espiral das nebulosas, mas foi preciso esperar até 1920 para que E. Hubble conseguisse individualizar estrelas na nebulosa de Andrômeda. Ademais, ele descobriu, nos
braços espirais dessa nebulosa, estrelas peculiares que apresentam uma variação periódica da luminosidade (essas estrelas são conhecidas na nossa galáxia sob o nome de Cefeidas*). Essa descoberta foi importante, pois, alguns anos antes, astrônomos americanos
tinham mostrado que existe uma relação entre a periodicidade de variação da luminosidade das Cefeidas e sua luminosidade absoluta (potência total irradiada por um objeto
astronômico em todas as direções). O brilho de um objeto tal como o percebemos não é
determinado pela sua luminosidade absoluta, mas, sim, pela sua luminosidade aparente
(potência irradiada recebida por centímetro quadrado sobre o espelho de um telescópio).
A luminosidade aparente é função da luminosidade absoluta e da distância. Hubble mediu a luminosidade aparente das Cefeidas de Andrômeda e, estimando sua luminosidade
absoluta conforme seu período de variação, pôde calcular seu afastamento (portanto,
O Sol
FIGURA 1.2
O aspecto de nossa galáxia (a Via Láctea) vista de perfil.
* N. de T.: Em 1784, John Goodricke observou que o brilho da estrela Delta Cephei da constelação de
Cepheus variava em ciclos de cinco dias. Assim, passaram a ser chamadas de Cefeidas as estrelas variáveis pulsantes gigantes ou supergigantes amarelas, de 4 a 15 vezes mais massivas que o Sol e de 100 a
30.000 vezes mais brilhantes, cuja luminosidade varia em um período entre 1 e 100 dias.
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Capítulo 1
O Universo
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também o da nebulosa de Andrômeda) a partir de uma lei simples em que a luminosidade
absoluta é inversamente proporcional ao quadrado da distância. Ele calculou que a nebulosa de Andrômeda estaria situada a 900.000 al, ou seja, dez vezes mais distante que
o objeto mais afastado conhecido dentro de nossa galáxia. A posição extragaláctica da
nebulosa de Andrômeda estava, portanto, estabelecida.
Novas calibrações aumentaram, desde então, a distância até dois milhões de anos-luz, mas, desde 1923, o aspecto plurigaláctico do Universo estava demonstrado.
O Universo é constituído de mais de 100 bilhões de galáxias (com aproximadamente 100.000 al de diâmetro), separadas por distâncias médias de 1.000.000 al (a
nuvem de Magalhães está a 300.000 al, e Andrômeda, como já vimos, a 2.000.000
al). Por consequência, a distância intergaláctica não é imensamente maior que a dimensão das galáxias. Pode-se dizer que “O céu das galáxias não é tão vazio como o
das estrelas”. Por isso, as colisões não são raríssimas e, quando ocorrem, resultam em
lançamento de matéria no espaço intergaláctico. Existe, entre a nuvem de Magalhães
e a Via Láctea, uma ponte de matéria produzida há aproximadamente 200 milhões de
anos, quando as galáxias encontravam-se mais próximas.
As galáxias são as principais estruturas do Universo e, de certa forma, constituem-se em “usinas para transformar a matéria gasosa em estrelas”. Elas estão classificadas em 3 tipos principais:
• As galáxias espirais (que correspondem a 1/4 das galáxias, incluindo a Via Láctea) possuem a forma de disco achatado com dois braços espirais emergindo do
núcleo central (fig. 1.2). Ricas em gases, as compressões resultantes da rotação
da galáxia provocam o nascimento de novas estrelas em seus braços.
• As galáxias elípticas apresentam uma simetria elíptica ou esférica (esferoide) sem
estruturas evidentes. Elas representam 2/3 das galáxias existentes. A maior parte
das estrelas que as compõem é muito velha (10.000 Ma). Como essas galáxias são
empobrecidas em gás, não há como formarem-se novas estrelas. As maiores galáxias
conhecidas (1013 massa solar) são desse tipo. Elas frequentemente são o centro de
importantes emissões de rádio, e fala-se então em rádio-galáxias. A grande luminosidade do núcleo dessas galáxias seria devida à presença de quasares (do inglês
quasi-stellar astronomical radiosource*), que são objetos de aparência estelar, com
luminosidade muito forte, cujo espectro apresenta um forte desvio para o vermelho.
Eles poderiam resultar da contração gravitacional de estrelas “supermaciças”.
• As galáxias irregulares, que representam menos de 1/10 de todas as galáxias e
que podem ser agrupadas em várias subclasses.
1.1.2
Uma arquitetura hierarquizada
As galáxias não se distribuem ao acaso e têm tendência a se agruparem em estruturas
maiores: os aglomerados. Assim, nossa galáxia, a Via Láctea, da mesma forma que a nebulosa de Andrômeda e a nuvem de Magalhães, faz parte, do aglomerado local (composto por umas 20 galáxias agrupadas em um raio de mais ou menos 5 milhões de anos-luz).
* N. de T.: Em português, fonte de rádio astronômica quase estelar.
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Parte I: O ambiente cósmico do Planeta Terra
Parece que os próprios aglomerados organizam-se em estruturas de nível superior: os superaglomerados, que reuniriam milhares de galáxias em um volume cujas
dimensões são da ordem de milhões de anos-luz. Assim, o aglomerado local faria
parte do superaglomerado de Virgem.
A região central do superaglomerado é, em geral, ocupada por uma galáxia muito
maciça (várias centenas de vezes a massa de uma galáxia normal) e parece que as
outras galáxias gravitam ao redor dela. Todavia, devido à sua relativa proximidade
e às forças de atração que elas exercem sobre suas vizinhas, as galáxias perturbam
constantemente suas trajetórias e têm a tendência a aproximarem-se do centro do superaglomerado. Para alguns astrofísicos, essas galáxias monstruosas hospedariam um
buraco negro, no coração dos quasares, que acabaria por englobar as outras galáxias,
mas os dados ainda estão longe de ser evidentes e o sistema talvez esteja em equilíbrio: haveria tanta matéria formada quanto consumida.
Para saber mais 1.2 Buracos negros e quasares
Os buracos negros foram imaginados pela
primeira vez por Laplace e seriam estruturas tão densas que nem mesmo a luz
poderia escapar deles. Sua natureza física somente pode ser compreendida no
quadro da Teoria da Relatividade Geral
de Einstein. Para alguns, sua existência é
duvidosa, para outros, seriam estruturas
muito comuns no Universo. A intensa luminosidade dos quasares poderia ser assim explicada: a matéria atraída e elevada
a temperaturas extremas irradiaria de maneira muito intensa, antes de se precipitar
no buraco negro.
O superaglomerado de Virgem possui, assim, sua galáxia monstruosa, identificada pelo nome de Messier 87. A existência de um buraco negro nessa galáxia M
87, situada a 52 milhões de anos-luz da Terra, parece ter sido provada pelas observações com o telescópio espacial Hubble. De fato, os dados espectrográficos transmitidos pelo Hubble mostraram a existência de um disco de gás quente e ionizado,
cuja velocidade de rotação atinge 1,9 milhão de km/h. Para manter esse disco nessas
condições, é preciso uma atração gravitacional correspondente a uma massa de 2 a 3
bilhões de sóis. Para certos astrofísicos, tratar-se-ia de um buraco negro supermaciço.
Parece não existir estrutura de ordem mais elevada. Tudo ocorre como se as galáxias “se ignorassem” quando estão a mais de 60 milhões de anos-luz (ordem de
grandeza dos superaglomerados). A tabela 1.1 resume as principais características
dos diferentes objetos constitutivos do Universo.
Para saber mais 1.3 O catálogo de Messier
Charles Messier publicou, em 1781, um
catálogo intitulado Nébuleuses et Amas
d’étoiles (Nebulosas e aglomerados de
estrelas). Os astrônomos ainda utilizam
a numeração de Messier para designar
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os 103 objetos descritos no catálogo.
Assim, Andrômeda é chamada de M 31,
a constelação de Orion, de M 42, e a galáxia maciça do superaglomerado de Virgem, de Messier 87.
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Capítulo 1
O Universo
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TABELA 1.1 As características dos principais objetos constitutivos do Universo (segundo
Brahic, 1999)
As massas são expressas em relação à massa solar (M* = 2 ⫻ 1030 kg), pc = parsec
Limites (em M*)
Objeto
1012
Aglomerado de galáxias
8
10
Galáxias
2
10
Aglomerado de estrelas
⫺1
Estrelas
⫺3
Anãs negras
10
10
10
⫺10
10⫺33
Massa característica
(em M*)
1014
Tamanho
característico
Densidade
107 pc
10⫺28
11
4
10 pc
10⫺23
5
2
10⫺22
6
10 km
1
105 km
10
10
10
10 pc
1
5 ⫻ 10
⫺12
⫺15
4
Planetas
10
10 km
4
Asteroides
10⫺12
100 km
1
Poeiras
10⫺39
1 µm
1
Para saber mais 1.4 O telescópio espacial Hubble
Lançado em 1990, esse telescópio espacial, assim denominado em homenagem
ao astrônomo Edwin Hubble, continua
em funcionamento (o lançamento de um
sucessor, o James Webb Space Telescope, inicialmente previsto para 2009, foi
adiado para 2014). Ele sofreu várias renovações pelos “mecânicos do espaço”
de diferentes naves (1997, 1999, 2002 e
2009); após o reparo inicial (1993, correção do defeito da curvatura do espelho
principal). Ele permite observações impossíveis ou muito difíceis a partir de observatórios terrestres, notadamente nos
domínios infravermelho e ultravioleta,
1.1.3
liberando-se das perturbações atmosféricas. Sua contribuição, particularmente
no estudo das galáxias e funcionamento
estelar, dos cometas e na avaliação da idade do Universo, foi capital. Assim, Hubble
forneceu, em 1994, imagens da colisão do
cometa Shoemaker-Levy 9 com Júpiter. Da
mesma forma, a prova de que os planetas
gravitam ao redor de outras estrelas que
não apenas o Sol foi obtida, pela primeira
vez, com o Hubble. No início do ano 2000,
estimava-se que tinha estudado 13.670
objetos e transmitido 3.500 bilhões de
bytes de informações, que deram suporte
a milhares de artigos científicos.
A expansão do Universo
A visão do céu noturno dá a impressão de que o Universo é imóvel. Na realidade, as
estrelas deslocam-se com velocidades que podem alcançar algumas centenas de quilômetros por segundo. Assim, uma estrela rápida percorre 10 bilhões de quilômetros
em um ano, mas isso representa apenas o milésimo da distância que nos separa das
estrelas mais próximas, e sua posição no céu varia muito lentamente. Os astrônomos
chamam de “movimento próprio” o deslocamento aparente das estrelas próximas.
Nosso conhecimento do deslocamento dos objetos celestes baseia-se em uma propriedade comum a todos os movimentos ondulatórios chamada de efeito Doppler.
É fácil fazer uma demonstração trivial para as ondas sonoras. Por exemplo, quando um carro roda com um ritmo constante, o barulho do motor parece ser mais agudo
(ou seja, seu período é menor e sua frequência, maior) quando ele se aproxima de um
observador do que quando se afasta dele.
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Para saber mais 1.5 O efeito Doppler
O efeito Doppler diz respeito à variação da frequência em função do deslocamento da fonte emissora. J.C.
Doppler*, professor de matemática
em Praga, parece ter sido o primeiro a
notar esse fenômeno em 1842, tanto
para as ondas sonoras quanto para as
luminosas.
Quando observamos uma onda sonora emitida por uma fonte em repouso,
o intervalo de tempo que separa a recepção de dois picos de ondas sucessivas
(chamado de período) é o mesmo que os
separam na sua emissão pela fonte. Se
a fonte se afasta, o intervalo que separa
duas recepções será maior do que aquele
que separa duas emissões, em que cada
“pico” deve percorrer um caminho maior
para chegar até nós. Suponhamos que
uma fonte luminosa emita uma irradiação
de período T e se afaste do observador
em uma velocidade V. Ela percorrerá, entre a emissão de dois picos, uma distância
VT. O tempo necessário para que um pico
chegue ao observador é, portanto, acrescido de VT/c, onde c é a velocidade da
luz. O tempo que separa a recepção de
dois picos sucessivos é T’ = T + (VT/c). Na
emissão, o comprimento de onda da luz
é ␭ = cT; na recepção, ela torna-se ␭ = cT’
= c [T + (VT/c)]. Se a fonte se aproxima, V
é substituído por ⫺V.
Doppler pensava que isso podia explicar as diferenças de cores das estrelas (as
cores das estrelas que se afastam da Terra seriam deslocadas para o vermelho ao
passo que as das estrelas que se aproximam, para o azul). Na verdade, as cores das
estrelas dependem, sobretudo, da temperatura de sua superfície. Além disso, no caso
do efeito Doppler, visto que o conjunto das bandas do espectro desloca-se, a cor resultante praticamente não sofre modificação (ver fig. 2.2).
A Astronomia do efeito Doppler revelou-se importante somente quando foi aplicado
ao estudo das bandas espectrais individuais dos corpos químicos presentes nos objetos celestes.
Observou-se, então, que os espectros das galáxias deslocavam-se levemente para
o vermelho ou para o azul. Essas observações, que foram atribuídas ao efeito Doppler, indicavam que algumas nebulosas aproximavam-se da Terra (como a nebulosa
de Andrômeda, com uma velocidade de 300 km/s) ao passo que outras afastavam-se
dela. Em 1924, de 41 galáxias estudadas, Hubble observou que 36 afastavam-se (fig.
1.3) e 5 aproximavam-se. Em um primeiro momento, pensou-se que se tratava de velocidades relativas decorrentes do movimento do Sistema Solar (que se aproximaria
de certas galáxias e se afastaria de outras). Mas, as observações multiplicaram-se,
mostrando que a grande maioria das galáxias (com exceção de algumas nebulosas
“vizinhas”, como Andrômeda) afastava-se da nossa. Isso não significa, de maneira
alguma, que nossa galáxia ocupe uma posição central no Universo. Um observador
posicionado em qualquer outra galáxia teria a mesma impressão: que todas as outras
se afastam.
* N. de T.: O físico austríaco Johann Christian Andreas Doppler nasceu em Salzburgo, no dia 29 de novembro de 1803, e morreu em Veneza, no dia 17 de março de 1853.
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Capítulo 1
9
O Universo
Ademais, em 1929, Hubble notou que o desvio espectral das galáxias para o
vermelho (i.e., sua velocidade) era proporcional à distância das mesmas da Terra. A
velocidade de afastamento realiza-se de acordo com a equação:
V=H⫻d
onde d é a distância, e H, uma constante dita de Hubble. V é expressa em km/s, e d,
em megaparsec (106 parsec).
O primeiro valor de H encontrado por Hubble foi de 600 km/s/Mpc. Esse valor
foi primeiramente reduzido a 200 km/s/Mpc, e depois a 100 km/s/Mpc. Atualmente,
existe um debate entre os seguidores de uma escala curta de distâncias (80 ⱕ H ⱕ
100 km/s/Mpc), e os de uma escala longa (H = 50 km/s/Mpc). Um cálculo feito em
1994, baseado nas Cefeidas do aglomerado de Virgo, revelou H = 87 ± 7 km/s/Mpc.
A partir de certa distância, parece que todas as galáxias fogem, e quanto
mais afastadas elas se encontram, mais rapidamente isso ocorre (fig. 1.3). A proporcionalidade entre distância e velocidade de afastamento foi verificada até velocidades de 60.000 km/s (ou seja, 20% da velocidade da luz). Chegamos, portanto,
à visão de um Universo em expansão a partir de uma explosão inicial, comumente
chamada de Big Bang*. Essa expressão foi utilizada pela primeira vez em 1950, em
um programa de rádio britânico, em que foi inventada, de modo irônico, por um de
seus adversários, o astrônomo Fred Hoyle.
1.1.4
As dimensões do Universo
Newton foi o primeiro a pensar nesse problema ao supor que, se a matéria do Universo fosse igualmente distribuída em uma região finita, ela tenderia a cair para o centro.
Ao contrário, se ela fosse distribuída num espaço infinito, não haveria centro, e ela
poderia então condensar-se em um número infinito de agregados dispersos através do
Universo (agregados que, para Newton, podiam ser a origem do Sol e das estrelas).
a) A constante cosmológica de Einstein
Depois disso, não houve muito progresso até a formulação da Teoria da Relatividade
Geral, por Einstein. Nossa visão atual do Universo repousa sobre dois princípios:
FIGURA 1.3 A lei de Hubble: relação
entre a velocidade de afastamento (recessão) das galáxias e sua distância.
O cálculo da velocidade é baseado no
desvio espectral para o vermelho (efeito Doppler), o das distâncias, na intensidade de luminosidade aparente.
Velocidade (104 km/s)
120
?
100
?
80
60
40
20
10
20
30
40
Distância (108 al)
* N. de T.: A expressão Big Bang, geralmente traduzida como “grande explosão”, também é grafada em
português como “bigue-bangue”.
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Parte I: O ambiente cósmico do Planeta Terra
• O princípio de universalidade, a saber, que as leis físicas são as mesmas em todos
os pontos do Universo.
• O princípio cosmológico, que estipula que o Universo é, em escala ampla, uniforme e isótropo.
Todas as observações corroboraram, até o momento, esses dois princípios. Assim, a cartografia das 31.000 radiofontes mais intensas (Gregory e Condon, 1991) não
mostra qualquer discrepância significativa de uma distribuição aleatória. Do mesmo
modo, as medidas da radiação fóssil pelo satélite COBE (Cosmic Background Explorer) mostraram uma concordância com a curva do corpo negro a 2,7 K (ver item 1.1.5).
Em 1917, Einstein tentou encontrar uma solução para suas equações que descreveriam a geometria espaço-temporal do Universo na sua totalidade. Ele procurou
uma solução que fosse homogênea, isótropa e, infelizmente, conforme as ideias da
época, estacionária. Com a finalidade de construir um modelo de acordo com essas
hipóteses, ele precisou deter-se na modificação de suas equações, introduzindo um
termo dito “constante cosmológica”, que representa “a energia do vazio”, contrabalançando as forças de atração gravitacional a grande distância. O modelo de Einstein
era verdadeiramente estacionário, e o desvio espectral para o vermelho não estava
nele previsto. Os trabalhos de Hubble sobre os movimentos das galáxias orientaram
os teóricos para desenvolverem modelos cosmológicos homogêneos, isótropos, mas
nada disseram sobre o fator estacionário. Não havia, portanto, necessidade de modificar as equações de Einstein por uma “constante cosmológica”.
Em 1922, o matemático russo Friedmann propôs uma solução geral homogênea e
isótropa para as equações originais de Einstein, que são a base da maioria das teorias modernas. Na verdade, desde 1922, Friedmann predisse o que Hubble demonstrou em 1929.
O modelo de expansão do Universo pode ser comparado a uma competição entre a
expansão que dispersa matéria e a gravidade, que se opõe a ela e agrega a matéria.
Existe assim uma densidade crítica que é da ordem de 10⫺29 g/cm3 a 5 ⫻ 10⫺30 g/cm3,
ou seja, mais ou menos o equivalente a 3 átomos de hidrogênio para um volume de
1.000 litros. Caso a densidade do Universo for superior a essa cifra, ele desmoronará
sobre si mesmo ao cabo de certo tempo (Big-Crunch*) ou, caso for inferior, continuará sua expansão eternamente.
*
b) Os diferentes modelos do Universo: a importância da matéria escura
No contexto da relatividade geral, existe uma relação entre a geometria do Universo e
a densidade, já que a matéria tende a encurvar o espaço-tempo. Simplificando, pode-se dizer que existem três classes de modelos de Friedmann:
1) Se a densidade for superior a esse valor crítico, a gravitação recurvaria o Universo sobre si mesmo; sua geometria seria esférica e fechada. Nesse caso, o campo
gravitacional seria bastante intenso para pôr fim à expansão do Universo, que
poderia, então, se contrair, ao passo que a densidade de matéria aumentaria. Portanto, a evolução do Universo poderia ser uma sucessão de fases de expansão (a
partir do Big Bang) e de contração (até o Big-Crunch).
* N. de T.: Em geral, traduzido para o português como “grande implosão”.
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Capítulo 1
O Universo
11
2) Se a densidade for igual ao valor crítico, o Universo seria achatado, a geometria
seria euclidiana e a expansão, eterna, mas com uma taxa cada vez menor, que
acabaria por se anular.
3) Se a densidade média do Universo for inferior ao valor crítico, ele seria hiperbólico e aberto e, nesse caso, a expansão prosseguiria eternamente.
Não é fácil escolher entre as diferentes classes de modelos. Uma primeira tentativa pode ser feita a partir do estudo do movimento das galáxias (fig. 1.4). Se o
Universo for fechado, a fuga das galáxias afastadas deveria desacelerar. As medidas
são muito complexas, mas parece que a desaceleração das galáxias afastadas é apenas
mínima. Portanto, o Universo é aberto e sua expansão deverá prosseguir eternamente.
A abordagem mais frutífera seria a de avaliar a densidade cósmica, mas é extremamente difícil estimar a matéria presente no Universo, pois uma grande parte dela
é invisível e só pode ser detectada a partir das perturbações gravitacionais que ela
engendra. Se nós nos basearmos somente na densidade da matéria efetivamente observada, a densidade média do Universo seria da ordem de 5 ⫻ 10⫺32 g/cm3, o que representaria apenas o centésimo da densidade crítica. O Universo, portanto, seria aberto.
Outra abordagem do problema – a medida do deutério em relação ao hidrogênio
leve – conduz à mesma conclusão. De fato, na fase de nucleossíntese inicial, a formação do deutério depende da densidade de matéria. As medidas levam a concluir
que a densidade atual do Universo situa-se entre 3 e 5 ⫻ 10⫺31 g/cm3, valor inferior à
densidade crítica (ver Capítulo 2). Contudo, é muito provável que a maior parte da matéria do Universo seja confinada em buracos negros ou que exista um gás extragaláctico
muito denso (alguns autores consideram que só se veria 10 a 20% da matéria presente
no Universo, e que o resto corresponderia à matéria “escura”). A noção de matéria escura, partículas invisíveis de natureza misteriosa, surgiu no final dos anos 1970, a fim
de dar conta da rotação das galáxias espirais. Se levarmos em conta somente a matéria
visível, as forças gravitacionais não seriam suficientes para se opor à força centrífuga, e
as estrelas externas deveriam ser arremessadas. A matéria escura viria compensar a força
centrífuga, e ela seria composta de um novo tipo de partículas, os WIMP (sigla em inglês
para Weakly Interacting Massive Particles), que não emitem luz e pouco interagem com
a matéria ordinária.
c) A anomalia “Pioneer”
As trajetórias das sondas espaciais também induzem a questionamentos sobre as bases
da Física. Uma força desconhecida parece frear as sondas lançadas nos anos 1970. Assim, a sonda Pioneer 10, após ter orbitado Júpiter em 1973, prossegue sua rota em direção a uma estrela, Aldebaran, a qual deveria alcançar em, aproximadamente, 2 milhões
de anos. Desde 1980, evidenciaram-se anomalias na trajetória dessa sonda, que se desloca a mais de 12 km/s. Ela distanciou-se do Sol (400.000 km) menos do que previam
os cálculos. Tudo se passa como se uma força desconhecida freasse a sonda (“anomalia
Pioneer”). Primeiramente, pensou-se que se tratava de um erro de cálculo, mas a Pioneer 11, lançada pouco tempo depois, parece apresentar a mesma anomalia. Em 1998, os
engenheiros concluíram que a causa somente poderia ser técnica, originada pela própria
sonda. Os dados de navegação de outras sondas, como Galileu e Cassini, não evidenciam tal anomalia porque certos problemas internos aos engenhos não permitiram medi-la. A força anômala é 10 bilhões de vezes inferior à aceleração da gravidade terrestre.
Confrontaram-se diversas possibilidades para explicar a anomalia Pioneer, mas
a mais recente mostrou a influência da “matéria escura”, ou a matéria invisível do
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Parte I: O ambiente cósmico do Planeta Terra
Expansão
(distância entre as galáxias)
3
2
PRESENTE
3
2
1
T3
T2
1
Tempo
T1
FIGURA 1.4 Expansões e contrações possíveis do Universo.
A taxa de expansão do Universo que pode ser conjecturada com base na variação da
distância que separa duas galáxias típicas é expressa (em unidade arbitrária) em função
do tempo, para três modelos cosmológicos possíveis.
No caso de um “Universo aberto”, a densidade é inferior à densidade crítica, e a expansão, apesar de estar desacelerando, prosseguirá eternamente (Curva 3). No caso de um
“Universo fechado”, a densidade é superior à densidade crítica, a expansão é dita elíptica, ela talvez terá um fim, e será seguida por uma fase de contração (Curva 1). No caso
de um “Universo plano”, a densidade é igual à densidade crítica, a expansão é parabólica
(Curva 2) e ela prosseguirá eternamente, mas com uma taxa cada vez menor que tende
a se anular para t = ⬁.
Essas curvas são calculadas a partir das equações de campo de Einstein, sem considerar
uma constante cosmológica e para um universo com dominância material. T1, T2 e T3 são
as respectivas idades do Universo, correspondendo aos três modelos.
Universo, já suscitada para explicar as anomalias de rotação das galáxias e que dela
pensava-se que provocaria anomalias às leis de Newton apenas em escalas muito
amplas. A anomalia Pioneer poderia ser a primeira manifestação de uma alteração da
gravidade newtoniana em escala restrita. Nesse caso, a densidade efetiva do Universo
poderia ser superior à densidade crítica.
d) Uma aceleração da expansão? A energia escura
O debate está longe de acabar, pois os dados obtidos graças ao telescópio espacial
Hubble levaram duas equipes a postular uma aceleração da expansão do Universo.
Entre 2001 e 2003, 11 supernovas do tipo Ia, muito distantes, puderam ser observadas com o telescópio espacial. A luminosidade dessas supernovas é tão forte que elas
são utilizadas para medir as distâncias no Universo. A luminosidade medida pelo telescópio espacial revelou-se menor que a esperada para um Universo sem aceleração,
e somente coerente para uma expansão acelerada. Essas observações confirmam os
dados mais ambíguos obtidos em 1998 a partir de telescópios terrestres. A aceleração
da expansão seria devida à presença de uma força repulsiva em grande escala, capaz
de sobrepujar a atração gravitacional existente entre os diferentes constituintes do
Universo. A natureza dessa força repulsiva que impele a matéria ainda permanece
enigmática e foi-lhe dado o nome de energia negra ou energia escura (certos autores reutilizaram o termo de Einstein: “energia positiva do vazio”).
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Capítulo 1
O Universo
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Atualmente, pensa-se que o Universo seria constituído de somente 4% de matéria
visível, 23% de matéria escura e 73% de energia escura. Enfim, a existência dessa
força repulsiva que acelera a expansão do Universo insere novamente o problema da
constante cosmológica que Einstein tinha suprimido de suas equações, após a evidência da velocidade de afastamento (recessão) das galáxias efetuada pelo Hubble.
Utilizando uma constante ligeiramente superior à de Einstein, obteríamos um modelo
próximo das observações atuais.
Nesse caso, o Universo teria nascido a partir de um Big Bang seguido por uma expansão desacelerada pela gravidade, mas a força de repulsão em escala ampla a teria
progressivamente sobrepujado, e o Universo teria entrado em uma fase de expansão
acelerada eterna.
1.1.5
O fundo cósmico da radiação de rádio ou radiação fóssil
Em 1964, dois radioastrônomos, Penzias e Wilson, trabalhavam com uma antena do
laboratório da Bell Telephone (construída para assegurar as telecomunicações por
satélites), com a qual procuravam medir a intensidade das ondas de rádio emitidas
pela nossa galáxia nas latitudes galácticas elevadas (ou seja, fora do plano da Via
Láctea). Tais medições são muito delicadas, pois a emissão de rádio é pouco diferente
do ruído de fundo eletrônico da antena. Assim, era fundamental identificar o ruído
eletrônico produzido pelo sistema receptor. Com esse fim, Penzias e Wilson desenvolveram uma série de experiências que regulavam a recepção em um comprimento
de onda relativamente curto (7,35 cm), em que o ruído das ondas de rádio produzido
por nossa galáxia devia ser negligenciado. Eles esperavam uma ligeira perturbação da
atmosfera, a qual deveria ser facilmente identificada, pois é dependente da direção de
observação (proporcional à espessura da atmosfera, sendo menos intensa na direção
do zênite do que na do horizonte). Para espanto deles, detectaram um ruído significativo de 7,35 cm, muito mais forte do que o esperado e, sobretudo, independente da direção de observação e do tempo (tanto na escala do dia como na da variação sazonal).
Perguntou-se então se a antena não era portadora de um ruído próprio mais significativo do que o previsto. Multiplicaram-se as precauções (desmontando e limpando
a antena, porque um casal de pombos tinha se aninhado nela e criado alguns “estragos”), mas a diminuição da potência do ruído observado foi pequena.
Para descrever seu registro, Penzias e Wilson utilizaram o vocabulário familiar dos
radioengenheiros, que consiste em traduzir a intensidade do ruído das ondas de rádio
em termos de temperatura equivalente (ou seja, a temperatura das paredes de uma caixa
de som, no interior da qual o ruído das ondas de rádio teria a mesma intensidade que
aquele registrado). Eles acharam que a temperatura equivalente do ruído que recebiam
era da ordem de 3 K. Um pouco por acaso, Penzias e Wilson (que receberam, por essa
descoberta, o prêmio Nobel em 1978) acabavam de fazer uma descoberta tão importante para a astronomia quanto a do desvio espectral para o vermelho: a radiação fóssil.
De fato, na mesma época, os teóricos do Big Bang, notadamente Dicke e Peebles,
redescobriram os cálculos feitos por Gamow (que tinha sido aluno de Friedmann) e
seus colaboradores, em 1948, que previam a existência de um fundo de radiação resi-
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Parte I: O ambiente cósmico do Planeta Terra
dual dos primórdios do Universo, e que a expansão teria reduzido a uma temperatura
da ordem de 3 K.
Para os teóricos do Big Bang, a existência, nos primeiros tempos do Universo, de
uma radiação com uma temperatura equivalente muito elevada e de comprimento de
onda muito curto era necessária para explicar a abundância do hidrogênio (que forma
¾ do Universo atual (fig. 2.1). Essa radiação, por ter energia suficiente, teria destruído os núcleos mais pesados à medida que se formavam. Ela teria, na sequência,
sobrevivido à expansão universal, mas sua temperatura equivalente (3 K) continuaria
decrescendo em função inversa ao tamanho do Universo. É surpreendente que, durante mais de 15 anos, ninguém tenha procurado verificar essas conclusões teóricas. De
qualquer forma, a descoberta de Penzias e Wilson foi fundamental, pois evidenciou
um fenômeno previsto pela teoria (é, sem dúvida, o mais forte argumento a favor da
Teoria do Big Bang). Além disso, ela mostra que o Universo passou de um estado
inicial de “dominância radiativa”, no qual a maioria da energia encontrava-se sob
forma de radiação, para um estado de “dominância material”, no qual a maior parte
da energia está contida na massa das partículas nucleares.
As imagens transmitidas pelo satélite COBE (lançado em 1989 para estudar essa
radiação fóssil) também contribuíram fortemente para validar a Teoria do Big Bang.
Assim que começou a entrar em operação, observou-se que o espectro da radiação fóssil correspondia ponto por ponto ao de um corpo escuro, como previa a teoria (fig. 1.5).
Para saber mais 1.6 O corpo escuro
Objeto teórico caracterizado por um
perfeito equilíbrio termodinâmico e um
isolamento total frente ao meio exterior,
de tal forma que sua radiação só depen-
de de sua temperatura. A Teoria do Big
Bang prevê que o Universo opaco original corresponde a tal objeto.
Em segundo lugar, os dados do COBE permitiram responder a uma das maiores
interrogações da teoria: como explicar a passagem de um estado absolutamente homogêneo (portanto, estável) para o estado heterogêneo do Universo atual? Ou seja, como
prestar contas do nascimento das estrelas e das galáxias? A partir de 300 bilhões de
observações em diferentes comprimentos de onda, um mapa de radiação fóssil (ou seja,
um mapa do Universo em torno de 300.000 anos após o Big Bang) pôde ser estabelecido
em 1992, evidenciando flutuações mínimas de temperaturas da ordem de 5 ⫻ 10⫺6 graus.
Com flutuações dessa ordem, a gênese das galáxias e das estrelas pode ser explicada unicamente pela ação da força gravitacional (a teoria previa flutuações da ordem de 10⫺6).
Tal coincidência entre predições e observações provocou um interesse renovado pela
Teoria do Big Bang na sua variante dita “teoria da inflação”: 10⫺35 segundos após o instante inicial, enquanto a expansão do Universo desenrolava-se tranquilamente, produziu-se uma fase de superexpansão, entre 10⫺35 e 10⫺32s, no qual o Universo teria aumentado
suas dimensões com um fator de 1050) que ocasionou uma grande homogeneidade do
conjunto. O processo do Big Bang clássico prosseguiu e, em torno de 300.000 anos, a
radiação fóssil foi emitida (fig. 1.5), tal como o satélite COBE pôde registrar. Portanto,
existiram zonas não homogêneas no Universo primordial, com porções de concentração
de matéria separadas por zonas com menor densidade.
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Capítulo 1
O Universo
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Luminosidade
Curva teórica
Medidas efetuadas pelo
satélite COBE
0,5
0,1
0,05
Comprimento de onda (em cm)
1.1.6
FIGURA 1.5 Comparação das medidas da radiação fóssil efetuadas pelo
satélite COBE (representados em laranja)
e do espectro do corpo negro a 2,7 K
(curva preta).
A idade do Universo
Uma estimativa da idade do Universo (cuja unidade é o bilhão de anos ou Ga = Giga
annu) pode ser obtida por três abordagens independentes: a do movimento das galáxias, a da idade das estrelas mais antigas (a partir da análise de seus recursos energéticos) e a da idade dos átomos mais antigos (a partir das técnicas de radioatividade).
a) O movimento das galáxias
Se as galáxias se afastam uma das outras com uma velocidade (V) que é proporcional a sua distância (d) (fig. 1.3), é possível calcular o momento em que elas devem
ter sido agrupadas no passado. De fato, a relação 1/H = d/V representa o tempo de
recessão das galáxias, ou seja, uma aproximação da idade do Universo. Dependendo
do valor da constante de Hubble (H) escolhida, as diferentes estimativas estão compreendidas entre 15 e 20 Ga.
Os dados sobre o aglomerado de Virgem, relativamente “próximo” da Terra, induzem idades mais novas, da ordem de 11,2 ± 0,9 Ga (1994), ao passo que dados
sobre aglomerados globulares levam a 16,5 ± 2 Ga (1991). Essas diferenças não são
atualmente explicadas pelos astrofísicos. Os dados provenientes das observações do
telescópio espacial Hubble também tendem para 16 Ga.
Para mostrar a dificuldade do problema, é necessário lembrar que, durante os
anos 1930 e 1940, a estimativa da constante de Hubble era muito mais elevada (170
km/s/Mpc) e conduzia a idades de 2 Ga, ou seja, muito menores do que as idades obtidas por meio da radioatividade para as rochas terrestres mais antigas.
b) O funcionamento estelar
A idade das estrelas pode ser estimada a partir da análise dos elementos químicos que
elas consomem para assegurar seu brilho (ver fig. 2.2). Nem todas as estrelas têm a
mesma duração de vida, sendo que as mais maciças brilham mais, mas têm uma duração de vida mais curta. Admite-se que as estrelas formam-se em grupos (aglomerados
de estrelas), nos quais se encontram estrelas de todos os tipos (das mais brilhantes às
mais tênues), nascidas todas juntas no momento da formação do aglomerado. A idade
do aglomerado é estimada segundo a idade da maior estrela sobrevivente. Na nossa
galáxia, existem aglomerados com idades variadas. Os mais antigos são constituídos
de estrelas ditas de primeira geração (ou primitivas), bem pobres em elementos químicos pesados, subcontemporâneas da época de formação da galáxia. Elas situam-se
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Parte I: O ambiente cósmico do Planeta Terra
com uma idade entre 14 e 16 Ga. Pesquisas sobre as galáxias vizinhas levaram à
mesma ordem de grandeza. De acordo com a teoria da expansão universal, as galáxias
surgiram muito cedo (na ordem do bilhão de anos) em relação à explosão inicial, e
essa idade parece ser uma boa aproximação da idade do Universo.
Algumas medidas (1987) tendem, entretanto, a rejuvenescer a idade das mais antigas
estrelas de nossa galáxia (10-12 Ga). Todavia, elas permanecem sujeitas à confirmação.
c) Os radioisótopos
É uma extensão das técnicas da radiocronologia que, aplicadas às rochas terrestres,
lunares e aos meteoritos, leva a uma idade de 4,55 bilhões de anos para a formação
do Sistema Solar. Pode-se retomar esses dados e buscar extrapolá-los mais longe no
235
238
passado. Se tomarmos, por exemplo, dois radioisótopos do urânio ( U e U), ambos com uma meia-vida longa, mas sensivelmente distinta (1 bilhão e 6,5 bilhões de
anos), suas taxas de desintegração serão diferentes, e as relações de concentração entre ambos irão variar no decorrer do tempo. A razão 238U/235U atualmente é de 137,8.
Ela era somente da ordem de 10 no princípio do Terciário (65 Ma) e de 3, quando do
nascimento da Terra. Extrapolando a curva até uma relação de 1, obtém-se uma idade
de 15 Ga. Do mesmo modo, constata-se, atualmente, que o isótopo 187 do ósmio é
muito mais abundante que o isótopo 186. Esse excesso de 187Os provém da desintegração do rênio (187Re). Conhecendo a abundância cósmica e a meia-vida do 187Re,
torna-se possível calcular o tempo necessário para criar o excesso de 187Os. Obtém-se,
então, uma idade de 17 ± 4 Ga. A idade média do Universo, a mais comumente admitida atualmente, a partir das diferentes técnicas radiocronológicas, é de 15 ± 5 Ga.
Portanto, três abordagens independentes, baseadas em processos físico-químicos
diferentes, levam a idades concordantes. Essa concordância é um forte pressuposto
a favor da Teoria do Big Bang, sendo que a idade média do Universo pode ser admitida como sendo de 15 bilhões de anos.
Para lembrar
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O Universo apresenta uma arquitetura hierarquizada: galáxias (formação de estrelas), aglomerados e superaglomerados. Ele é uma estrutura em expansão que
parece ser constituída de somente 4% de matéria visível, 23% de matéria escura
e 73% de energia escura.
O Universo teria nascido a partir de uma explosão inicial, ou Big Bang, seguido de
uma expansão atenuada pela gravidade. Posteriormente, a força de repulsão de
grande escala teria tomado o lugar progressivamente, e o Universo teria entrado
em uma fase de expansão acelerada indefinidamente.
A descoberta da radiação fóssil e a concordância das idades (cerca de 15 Ga) obtidas a partir da recessão das galáxias, do funcionamento estelar e dos radioisótopos
são fortes argumentos a favor da Teoria do Big Bang.
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